Luís de Carvalho - Luis de Carvalho

Transcrição

Luís de Carvalho - Luis de Carvalho
Luís de Carvalho
CONTRIBUTOS PARA
A HISTÓRIA DO
HOSPITAL GERAL DE
SANTO ANTÓNIO
Porto, 2008
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Apresentação do Autor e resumo curricular
Luís de Carvalho
Chefe de Serviço de Neurocirurgia do HGSA aposentado.
Ex-Director Clínico e ex-Director do HGSA.
O autor trabalhou como médico desde 1963 até à aposentação em Novembro de
1999, isto é, ao longo de 36 anos e meio. Aí fez toda a sua formação pós-graduada, no
Serviço de Neurologia e depois Neurocirurgia, sob a supervisão do seu fundador e
Mestre de várias gerações, Corino Andrade, e o acompanhamento do primeiro
Director do Serviço de Neurocirurgia, após a autonomização do serviço-mãe, António
Rocha Melo.
Entre os factores que contribuíram para o seu interesse pela História da Instituição
podem destacar-se os seguintes:
• A vivência intensiva num serviço que foi uma Escola de Neurociências e também de
humanismo.
• O exemplo e a influência de Mestre Corino.
• A actividade intensa que exerceu no campo da Direcção e Gestão de Hospitais.
• O gosto pela história dos homens e das suas instituições.
No seu C. Vitae podem destacar-se alguns pontos:
Nasceu em Barcelos, em 1933. Em Outubro de 1950 iniciou a frequência do curso de
Medicina da FMP, que só concluiu em 1960, com a classificação de 15 valores. O atraso
na conclusão do curso deveu-se ao facto de, em consequência da sua militância
político-associativa, ter sido punido pelo regime político de então, com 12 meses de
prisão e 16 meses de serviço militar na Companhia Disciplinar de Penamacor.
Concluído o curso, foi contratado como médico eventual, do recém-criado Serviço de
Neurologia do HSJ/FMP, onde se manteve até Março de 1963. Nessa data foi admitido
no Serviço de Neurologia do HGSA.
Em 1968 e 1971 foi aprovado nos concursos para a carreira hospitalar. Ficou a ocupar
um dos lugares do grau máximo que, na época, era Assistente, mais tarde chefe de
serviço. Exerceu funções como docente do ICBAS, foi adjunto do Director Clínico
Ignazio de Salcedo. Foi director clínico e membro da Comissão instaladora, em 19741975 e, em 1989, foi nomeado Director Clínico, cargo que exerceu até 1996, desde
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1993, em acumulação com as funções de Director do Hospital, lugar onde continuou
até ao fim do mandato, em 1999. Entre 1976 e 1988, trabalhou em planeamento de
saúde quer no HGSA (GTPP) quer na CCRN (NPRS), na DGH e no DEPS; Foi assessor do
SES Dr. Batista Pereira, e quando terminou funções de Director Clínico foi agraciado
pela Ministra da Saúde, com a medalha de ouro por serviços distintos do Ministério da
Saúde.
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ÍNDICE
Capítulo I – Introdução
Capítulo II – História, Organização e Remodelação do HGSA
2.1 O HGSA na segunda metade do séc. XX
2.2 Nota de abertura do “Arquivos do HGSA” – 1ª série
2.3 Remodelação do HGSA (2 números da revista)
2.4 O Hospital e a Cultura
2.5 O ambulatório de Pediatria
2.6 Humanização dos Hospitais
Capítulo III – O Hospital e o ensino médico (HGSA-ICBAS)
3.1 O ensino e o Hospital
3.2 O HGSA e o ensino
3.3 Cerimónia de entrega de prémios escolares – 1994
3.4 Cerimónia de entrega de prémios escolares – 1997
3.5 Cerimónia de entrega de prémios escolares – 1998
3.6 Cerimónia de entrega de prémios escolares - 1999
Capítulo IV – Figuras ilustres do HGSA
4.1 Dr. Corino de Andrade
4.2 Dr. Paulo Mendo
4.3 Dr. Albino Aroso
4.4 Dr. Joaquim Pereira Guedes
4.5 Dr. Guilherme Gonçalves Nogueira
4.6 Dr. Assis Vaz
4.7 Prof. Dias de Almeida
4.8 Dr. Júlio Estêvão Franchini
4.9 Dr. Artur Maia Mendes
4.10 Dr. João Resende
Capítulo V – Discursos institucionais do Director do HGSA
5.1 Sessão comemorativa dos 500 transplantes renais (29/01/1994)
5.2 Visita do Primeiro-Ministro Cavaco Silva (16/09/1995)
5.3 Visita do Presidente da República Jorge Sampaio (23/04/1996)
5.4 Recepção ao Comendador Ilídio Pinho e Dr.ª Maria Barroso (30/04/1996)
5.5 Visita da Ministra da Saúde Maria de Belém (02/05/1996)
5.6 III Encontro Nacional de Coordenação de Transplantes (04/10/1996)
5.7 Centenário do Serviço de Oftalmologia (05/10/1996)
5.8 Homenagem ao Prof. Nuno Grande (24/10/1996)
5.9 Posse do Director do HGSA (22/11/1996)
5.10 Posse do Director Clínico, Dr. Bastos Lima (Janeiro de 1997)
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5.11 Visita do Primeiro-Ministro António Guterres (12/02/1997)
5.12 Homenagem ao Dr. Paulo Mendo nas Jornadas de Inf. Médica (19/04/97)
5.13 Abertura das Jornadas de Medicina Intensiva (06/05/1997)
5.14 Os 25 anos do Serviço de Cirurgia Vascular (16/05/1997)
5.15 Abertura oficial do projecto de cooperação do HGSA/ICBAS com o Governo da
Guiné-Bissau
5.16 Abertura do primeiro serviço clínico (Radiologia) do novo edifício
5.17 Inauguração da exposição de pintura com que abriram as novas instalações do
Ambulatório do HGSA (28/09/1998)
Capítulo VI – Homenagens a Directores de Serviços jubilados
6.1 Dr. António Rocha Melo
6.2 Dr. António Queiroz Marinho
6.3 Dra. Eva Xavier, Dra. Helena Cruz, Dra. Teresa Barrosa
6.4 Dr. Carlos Soares de Sousa
6.5 Dr. Paulo Mendo
6.6 Dr. Mascarenhas Saraiva
6.7 Dr. Mário Caetano Pereira
6.8 Dr. Rui Branco
Capítulo VII – Palavras Finais
Bibliografia
Apêndice
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CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o autor tem publicado um conjunto de trabalhos sobre a história do
HGSA, incluindo uma série de biografias de médicos que integram um grupo de
“Figuras Ilustres” que, ao longo de dois séculos, serviram a instituição.
A rica história do Hospital, cuja construção se iniciou em fins do século XVIII, por
iniciativa da SCMP, constituindo um dos mais significativos monumentos da
arquitectura neo-clássica, é, de facto, motivadora para quem se interesse pelas
realizações no passado, distante ou próximo, da nossa comunidade.
O HGSA, cuja primeira pedra foi colocada em 1869, manteve a sua actividade
assistencial durante mais de dois séculos, até à actualidade, ao mesmo tempo que
durante a maior parte da sua história albergou o ensino pré-graduado da medicina e
da cirurgia.
A sua longa história motivou personalidades ilustres a estudarem a sua vida e
realizações. Lembremos Maximiano Lemos, Hernâni Monteiro, Luís de Pina e antes
deles Gouveia Osório e outros que dedicaram muitas páginas à história do Hospital ou
da Escola que, durante muitas décadas, nele se integrava.
O autor, uma vez aposentado, também se interessou vivamente por conhecer melhor
as raízes culturais da instituição, na qual trabalhou durante 36 anos.
Assim, pese embora a sua pouca autoridade na matéria, sem dúvida bem inferior à dos
autores referidos, abalançou-se a estudar os registos e arquivos do HGSA ou da SCMP,
procurando caracterizar as diferentes fases da evolução institucional ou os perfis
biográficos das mais importantes figuras de profissionais que, ao longo de 200 anos,
criaram os alicerces da actual prática hospitalar que define o Hospital deste século XXI.
Estes 200 anos de história, por vezes atribulada, constituem a memória colectiva da
instituição, na qual mergulham as raízes do presente e de onde se parte para as
futuras realizações e conquistas que continuarão a prestigiar o Hospital e a melhorar
os serviços que a comunidade espera dele.
Além destes textos (ver apêndice), a história mais recente do Hospital pode ser
documentada com registos de participações em eventos institucionais em que o
Director manifestou oralmente a posição do Hospital, textos estes que nunca foram
publicados.
Também se incluem as intervenções que o autor, enquanto Director Clínico,
pronunciou em cerimónias de homenagem a Directores de Serviço jubilados, cujos
registos se conservaram.
Espera-se que estes textos também possam conter alguma informação sobre a história
recente, que venha a ser útil a futuros investigadores deste período da vida do HGSA.
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CAPÍTULO II
História e Remodelação do HGSA.
2.1 O HGSA na segunda metade do século XX
Publicado no livro comemorativo dos 25 anos da Liga dos Amigos do HGSA, edição da
SCMP/LAHGSA, em 2002
Introdução
A história do HGSA nestes 50 anos foi influenciado essencialmente pela sua longa vida
anterior ao longo de século e meio, durante a qual se desenvolveu uma cultura
institucional marcada pela circunstância de se tratar de um grande hospital destinado
a servir a cidade e a região, tendo sido o primeiro dessa dimensão a ser construído
expressamente para o efeito.
O HGSA é, talvez, a mais significativa afirmação do poder, da generosidade e da
clarividência da burguesia politicamente em ascensão no final do século XVIII, como
reacção ao estilo e função das grandes construções que dominavam a cidade nos 70
anos anteriores.
É sabido que a arquitectura dominante até então, nos edifícios construídos na cidade
durante aquele que mais tarde foi chamado o século das luzes, se integrava no barroco
e, dentro deste, na sua tradução local marcada pelo génio de Nazoni.
O poder económico e político dos sectores sociais dominantes, a nobreza e o clero,
conduziu a que as grandes obras nazonianas tivessem sido essencialmente palácios e
igrejas. É interessante verificar que as preocupações sociais da poderosa burguesia em
ascensão política, tivesse como uma das primeiras manifestações, a ideia da
construção de raiz de um grande hospital.
Mudaram-se os objectivos, mas também a sua expressão formal, e assim a Santa Casa
da Misericórdia do Porto (SCMP), uma das maiores organizações da sociedade civil de
então, ao decidir lançar o projecto, encomendou o trabalho a John Carr, de York, que
o, na época, estilo em afirmação na Europa, a que se chamou neoclássico.
O Porto, cidade burguesa e portuária, era já uma porta de acesso à Europa e a
presença entre a burguesia comerciante de uma cada vez mais significante colónia
britânica, só acentuou a tendência para o cosmopolitismo e influência das novas
ideias, que poucos anos depois tiveram a maior expressão na grande Revolução
Francesa.
Nascido assim o Hospital, com essa matriz cultural, foi tendo uma intensa vida
institucional, desde a entrada dos primeiros doentes em Agosto de 1799, durante todo
o século XIX e na primeira metade do século XX, sendo da maior importância a vocação
de estabelecimento de ensino profissionalizante, que adquiriu logo em 1825 com a
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criação da Real Escola de Cirurgia, e depois universitário, com a criação da Escola
Médico-cirúrgica em 1837 e a sua transformação na Faculdade de Medicina em 1911.
Da organização e cultura institucional que informavam o HGSA, dá conta, por exemplo,
o regulamento publicado em 1858 e cujo artigo 101º, nº 1, estipulava: “Os médicos e
cirurgiões externos devem, e incube-lhes, entrar nas suas respectivas enfermarias, o
mais tardar às nove da manhã impreterivelmente, de Verão e de Inverno, para fazerem
a visita aos seus doentes”. Continuando, o nº 2 do mesmo artigo obriga a “fazer
segunda visita de tarde, às horas que lhes pareço, aos doentes que tenham
necessidade de ser observados mais de uma vez por dia”. Seria bom que, actualmente,
esta norma fosse sempre cumprida!
Durante as primeiras décadas do século XX, a estrutura e organização do HGSA, apesar
dos seus quase 150 anos, suportou relativamente bem a evolução social e científicotecnológica, o que só abona a favor da largueza de perspectivas dos seus fundadores e
sucessivos dirigentes.
Uma efeméride deve ser referenciada no fim dos anos 30, pela importância futura para
a instituição, e que foi a admissão de um jovem neurologista, regressado de 7 anos de
trabalho em Strasbourg, com Barré e em Berlim com Oscar Vogt, e que foi o Dr. Corino
de Andrade. De facto, sendo então o Provedor da SCMP, o Dr. António Luís Gomes, em
sessão da Mesa de 11/01/39 foi criado o “Serviço Especial de Neurologia” e em nova
sessão de 24/07/40, foram nomeados Director e 1º assistente do novel serviço, os Drs.
Corino de Andrade e João Resende. Foi essa, talvez, a grande diferença que se verificou
na morna vida hospitalar desses anos.
Em 1938, existiam no HGSA os seguintes serviços/especialidades: Medicina, Cirurgia,
Partos e Ginecologia, Homeopatia, Curieterapia, Oftalmologia, Urologia, Pediatria,
Dermatologia e Sifíligrafia, Estomatologia, ORL, Ortopedia, e ainda uma consulta de
Oncologia, acém dos Serviços de Apoio, Electroradiologia e Laboratórios de Análises. A
Faculdade de Medicina do Porto (FMP), cujo ciclo clínico se processava no Hospital (as
disciplinas não clínicas eram ministradas no edifício sede da Faculdade, fronteiro ao
Hospital), dispunha também de “enfermarias-escola” de Medicina, Cirurgia e
Ortopedia.
O poder clínico também já compreendera, desde o fim dos anos 30, que as realidades
europeias de então impunham a melhoria em quantidade e qualidade dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, e assim foi criada a Comissão
Administrativa dos Novos Edifícios Universitários, que nas suas atribuições incluía o
planeamento e construção de dois grandes hospitais escolares, em Lisboa e no Porto.
Daí resultou a decisão política de construir, no Porto, o Hospital de S. João, que além
de alargar e melhorar a qualidade assistências da oferta, serviria de sede à FMP,
incluindo as suas áreas clínicas.
Em 1950 a situação era a mesma, existindo a mais o Serviço de Neurologia, criado 10
anos antes. No conjunto, o HGSA dispunha então de 950 camas.
Na segunda metade do século, que então se inicia, o país e a sociedade eram
confrontados com as consequências sociais, políticas, económicas e culturais, da pouco
antes terminada Segunda Guerra Mundial, entre as quais dominavam a explosão das
tecnologias, nomeadamente na área médica, o enorme e acelerado desenvolvimento
científico, a mundialização da informação. Tudo isto fez com que, de repente, os
responsáveis políticos e institucionais tomassem consciência do atraso em que nos
encontrávamos, apesar de a Guerra não nos ter atingido directamente.
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1. Os anos 50 até à abertura do H.S. João
O HGSA percebeu que, para sobreviver, teria que rapidamente se modernizar,
ampliando e remodelando as suas instalações, adaptando a sua capacidade de
resposta às novas solicitações da sociedade e da evolução da ciência e tecnologia
médicas.
A Mesa da SCMP e a Direcção do HGSA perceberam imediatamente que, além das
dificuldades adivinhadas e experimentadas para a indispensável ampliação e
remodelação, iriam ter que fazer frente ao inelutável esvaziamento em recursos
humanos e apoios governamentais que iriam resultar da entrada em funcionamento
do H. S. João.
A decisão de construir o novo hospital da cidade havia já estado na base da
expropriação à SCMP de terreno no perímetro do H.C. Ferreira, terreno que foi
devolvido por ofício de 28/03/38 da dita Comissão. Da mesma época data a nomeação,
pela Mesa, de uma comissão para elaborar estudos de ampliação do hospital,
comissão que integrava o Arquitecto Marques da Silva, grande obreiro da
modernização da cidade, e os Engenheiros Álvaro David e Vasto Taveira. Talvez pela
perturbação profunda resultante do rebentamento da 2ª Guerra Mundial, em 1939, a
ideia não teve seguimento.
Em 1953, em pleno período de ressurgimento europeu que se seguiu ao pós-guerra,
tornava-se, porventura, mais notório o atraso das instalações do HGSA. Não
surpreende, assim, que no relatório de gerência referente a 1953, da Mesa de que era
Provedor o Prof. Luís de Pina e sendo Director Clínico do HGSA, o Prof. Fernando
Magano, se lançasse a ideia da construção de uma “grande casa da Saúde” nos
terrenos traseiros do jardim do Hospital. Talvez pensando que ao perder a vocação de
ensino médico pré-graduado, lhe competiria desenvolver o pós-graduado, dava-se
conta da preocupação com o internato médico, “há tanto tempo desejado e estudado
pela Direcção Clínica”. Nesse mesmo ano foi aprovado o Regulamento dos Estágios
para Especialidades e outro para Bolsas de Estudo (estágios ou visitas de estudo), no
avultado valor, para a época, de 10 mil escudos, como prémio aos profissionais que
mais se distinguissem. É curioso verificar que os primeiros beneficiários deste
programa foram quatro médicos cujos nomes são marcantes na história da
modernização do Hospital: Dr. Manuel de Araújo, cirurgião, Dr. João de Melo,
internista, Dr. João Resende, neurologista, Dr. Jacinto de Andrade, urologista.
Em resumo, os responsáveis do HGSA entendiam que se a saída da FMP iria,
fatalmente, debilitar o Hospital, seria preciso reagir em 3 frentes, a saber:
- Ampliação e modernização das instalações.
- Institucionalização do ensino pós-graduado, com a criação do Internato Médico, o
primeiro no Norte.
- Formação em serviço dos profissionais, em particular médicos, através de estágios e
visitas de estudo, nomeadamente no estrangeiro, financiada por bolsas de estudo.
Em 1955, iniciou-se, com os primeiros concursos de admissão em 01/07/55, o
Internato Médico, foi criado um novo serviço, o de Cardiologia, e para ajudar a
profissionalizar a gestão foi admitido o primeiro Administrador, o Dr. Renato Cantista,
que, com uma Bolsa da SCMP, visitou vários hospitais estrangeiros.
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A Mesa de 1955, de que continuava Provedor o Prof. Luís de Pina, publicou um extenso
relatório sobre obras de remodelação, estudadas por uma comissão que integrava
“dois consagrados Arquitectos, Arq. Moreira da Silva e Esposa”, obras que tinham
como ideias-base reduzir o número de camas, aproveitando a saída da FMP, e ampliar
as instalações com nova construção na cerca, destinada a “Medicina, Cirurgia e
quartos particulares”, formando um grande T com o ramo central perpendicular ao
corpo principal, no sentido este-oeste. O HGSA seria “no futuro, essencialmente hum
hospital de Urgência e continuará a ter também uma função pós-escolar”; as
enfermarias a construir deveriam ser de um a quatro leitos.
Na previsão da saída para o futuro H.S. João de grande parte dos quadros das
especialidades “gerais” (Medicina e Cirurgia), o HGSA optou por criar e desenvolver
especialidades e assim, foi criada, em 1957, uma consulta de Endocrinologia e os
laboratórios de EEG e ECG, e, a partir de 1955 foram criados mais quatro serviços de
outras tantas novas especialidades (I), sendo a partir de 1959 Provedor o Dr. Braga da
Cruz e Director Clínico o Dr. Frazão Nazareth.
Entretanto, no relatório de 1958, o Provedor referia-se à “encruzilhada que se
atravessa em face da próxima abertura do novo Hospital Escolar, com a consequente
desocupação das instalações confiadas à FMP”; “é crucial o momento”; estava feito “o
primeiro ante-projecto de ampliação, executado pela Comissão de Construções
Hospitalares” e o mesário do pelouro de obras, Eng.º Veiga de Faria, referia-se ao
“plano de erguer em própria e independente construção uma Casa de Saúde nos
terrenos sobrantes da cerca… o que proporcionaria meio seguro e progressivo de,
economicamente, dar autonomia àquele hospital.
Quer dizer, para além dos objectivos de modernização retoma-se a preocupação de
alargar o suporte financeiro do Hospital, através dos quartos particulares. O projecto
foi, todavia, vetado pela Junta de Nacional de Educação, que, à data, superintendia nos
Monumentos Nacionais.
Em 25/11/59, dá-se a separação da FMP, cuja mudança para o H.S. João foi
formalizada numa sessão solene, realizada no Salão Nobre do HGSA, na qual a FMP
homenageou a SCMP pelos 134 anos (desde 1825) em que cedeu instalações no
Hospital para a prática do ensino médico pré-graduado.
A partir de então, o HGSA ficava entregue a si próprio. Subitamente, um grande
número de médicos dos mais qualificados e alguns dos mais jovens e promissores
mudaram-se para o H.S. João.
2. Da saída da FMP (1959) ao 25 de Abril (1974)
Por felicidade, o Hospital teve como primeiro responsável, nesse período crítico, o
grande Provedor Dr. Domingos Braga da Cruz, que exerceu os seus primeiros dois
mandatos entre 1959 e 1964.
Foi a sua energia e clarividência que permitiram ultrapassar uma crise que alguns
vaticinavam poder reduzir o HGSA à importância de um hospital de nível local ou
distrital.
Apesar de tudo, e apesar das dificuldades já antes experimentadas, algumas áreas se
vinham a distinguir com relevo para a descoberta do PAF pelo Dr. Corino de Andrade e
da publicação do seu artigo “princeps” no “Brain”, em 1950, que projectou o Serviço
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de Neurologia e o seu director a nível nacional e mundial. Naquele serviço havia sido
criada, desde os anos 40, uma escola de profissionais e investigadores que muito se
haveria de afirmar no futuro.
Entre em 1959 e 1965, dezenas de internos gerais e complementais formaram-se,
vindo depois a constituir a maioria dos quadros dos anos 70 e 80.
Em 1960 foi admitida a primeira Enfermeira Superintendente, Maria Teresa Avilez, o
que contribuiu para aumentar a importância e a organização do respectivo sector
profissional.
Em 1959 havia sido criado o Centro de Estudos de Neuropatologia (CENP), anexo ao
Serviço de Neurologia, tendo as suas novas instalações, financiadas pela Fundação
Gulbenkian, sido inaugurada em 1960; do CENP haveriam de sair importantes
trabalhos de investigação no âmbito da PAF e da fisiopatologia respiratória que
estiveram na origem do Serviço de Reanimação Respiratória e das futuras unidades de
Cuidados Intensivos.
No relatório de 1959, da Mesa de que já era Provedor o Dr. Braga da Cruz, escrevia o
Presidente da Direcção Administrativa do HGSA, Domingos Caldeira do Amaral, que a
questão de remodelação do edifício “tem funcionado como uma autêntica praga a
tolher-nos os movimentos”. No seu relatório pessoal dizia também o Director Clínico,
Dr. Frazão Nazareth, que após a saída da FMP é vital a reestruturação do quadro
médico, racionalizando os serviços correspondentes às novas especialidades
entretanto criadas, “não podendo esquecer-se a existência de médicos internos… no
pensamento que defende a noção de carreira médica hospitalar”. É de referir que,
nesse ano, já há 4 anos funcionava o internato geral e complementar.
a) A Remodelação
Depois de no relatório de 1960 se voltar a referir o veto persistente à remodelação do
Hospital pela Junta Nacional de Educação, escrevia, no fim de 1962, o desalentado Dr.
Frazão Nazareth: “Adiada, por agora, a construção do novo pavilhão na cerca do
Hospital. A história do seu planeamento, duas vezes estudado pelas Construções
Hospitalares, estende-se por muitos anos e não vale a pena repetir. Será uma lenda a
passar aos vindouros”.
Era não contar com a vontade e a determinação do Provedor Braga da Cruz.
Assim, no relatório de 1962, chamava-se a atenção para o atraso na efectivação da
remodelação geral do Hospital D. Francisco de Noronha (Prelada), obra que, a
efectivar-se, permitiria aliviar a pressão sobre o HGSA.
Por outro lado, a Mesa convida para uma visita ao Hospital, em 03/03/62, o Ministro
da Saúde que se fez acompanhar pelo Director Geral dos Hospitais. Revisto o programa
de 1958, foi lhe proposta uma solução mais modesta destinada a: Serviço de Urgência,
Laboratório Central de Análises, Banco e Cruzada de Sangue, alojamentos para
médicos e quartos particulares, ficando o HGSA com uma lotação final de 650 camas,
No entanto, o Ministro apenas autorizou a remodelação do piso térreo do edifício
principal e das enfermarias deixadas vagas pela FMP.
A pressão sobre a Urgência foi entretanto aliviada pela abertura do S.U. do H. S. João,
em 31/10/64.
No fim de 1964, o Dr. Braga da Cruz deixa a Provedoria sem ter conseguido concretizar
o seu projecto. No triénio de 1965-67, sucedeu-lhe, noutra Mesa, o Provedor Dr. José
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Pio Pestana de Vasconcelos, sendo Director Clínico o Dr. Alberto Freitas. Em 1966, é
entregue na CMP, com pedido de aprovação, o projecto de ampliação de acordo com o
programa de 1962. Vicissitudes várias na vida interna da SCMP, com a demissão, em
Junho de 1966, do Provedor Dr. Pio Pestana, a sua substituição pelo Dr. Luís Pinheiro
Torres, que faleceu subitamente em Agosto, e ao qual sucedeu, em Outubro, o Eng.º
José Guedes Barbosa, tudo culminado pela demissão compulsiva da Mesa, por
despacho de 15/12/68 do Ministro Neto de Carvalho e consequente nomeação de uma
Comissão Administrativa, ajudaram a atrasar os planos de modernização em curso.
A Comissão Administrativa (CA) nomeou como Director Clínico o Dr. Braga da Cruz, que
assim regressa aos comandos do HGSA.
Pouco depois, a CA tomou a decisão de avançar com a construção de raiz de um
Hospital de Reabilitação nos terrenos da Quinta da Prelada, como complemento do
HGSA, e a financiar com verbas provenientes do Totobola.
A nova unidade, que se esperava que pudesse desempenhar papel equivalente no
Norte ao de Alcoitão no Sul, deveria “incluir também um grande Serviço de OrtoTraumatologia de aparelho locomotor e um Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva
com uma secção de Queimados” e ficaria “inteiramente dependente do HGSA”.
A sua construção iniciou-se em 1971, pensando-se que a primeira fase estaria
concluída em Junho de 1973 e a segunda fase, com equipamento incluído, durante
1976. Acabou por ser em 1988!
A Mesa e o Director Clínico pretendiam assim tornear os vetos à remodelação,
transferindo serviços para outros edifícios. Como na época estava em curso a política e
técnica terapêutica de dessanatorialização da tubercolose, a Mesa foi desactivando,
progressivamente, o Sanatório Rodrigues Semide (HRS) que, com a designação de
Hospital, acolheu a transferência, a partir de 1971, dos serviços de Ortopedia, de uma
unidade de Medicina, e mais tarde de Cirurgia Plástica com pequenas unidades de
queimados. Mais tarde, seria lá criada a primeira unidade de internamento de recémcriado Serviço de Medicina Física e Reabilitação. Estes serviços consideravam-se em
trânsito para o futuro Hospital da Prelada.
Entretanto, no HGSA, agora aliviado de quase duas centenas de camas, era tomada a
decisão de remodelar totalmente o serviço de Oftalmologia, obra que foi projectada e
executada, a partir do inicio de 1974, pela DGCH, assim como de aumentar dois pisos
ao Pavilhão de 1ª (quartos particulares) para instalar o serviço de Endocrinologia. No
mesmo ano de 1973, foram inauguradas ainda novas instalações para a recente
especialidade de Neuroradiologia, com apoio financeiro da F. Gulbenkian, e o novo e
moderno (instalações ainda em funcionamento no século XXI) serviço de Reanimação
Respiratória, projectado e construído pelo Arq. Márcio de Freitas, que também
conseguiu a maioria do financiamento, sendo grande parte do equipamento pago pela
F. Gulbenkian.
b) As modificações institucionais
A grande modificação institucional ocorrida neste período foi a integração do HGSA na
rede de hospitais públicos, embora sempre gerido pela SCMP, mas com subordinação
às regras das carreiras profissionais e da contabilidade pública, passando a ser um dos
designados Hospitais Centrais.
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Tal resultou da publicação, em 1968, do Decreto do Estatuto Hospitalar e,
posteriormente, do D/L 411/71 que regulava a carreira médica.
Daqui derivou uma alteração que veio a revelar-se fundamental e que foi a
profissionalização da administração, através da figura do Administrador do Hospital.
O HGSA, que já em 1955 obtivera o concurso de um Administrador, o Dr. Renato
Cantista, na sequência da publicação do Estatuto Hospitalar, requisita à DGH um dos
administradores à época existentes no HCL e, por despacho ministerial de 14/01/69, é
nomeado para o efeito o Dr. Alberto Eduardo Doherty Faria de Morais, que todavia
exerceu o cargo por poucos meses. A administração continuou assim a cargo dos
mesários que integravam a Direcção Administrativa do HGSA, e que na época eram os
Drs. Cândido da Silva, Eduardo Vaz Osório e, em 1971, também o Eng.º F. Lopes dos
Santos.
Apesar da boa vontade e competência dos mesários em questão, a verdade é que a
dimensão e natureza da instituição exigia um desempenho profissional e em
exclusividade.
Assim, em 1971, foi aberto concurso para Administrador, tendo sido admitido um dos
membros do primeiro Curso de Administração Hospitalar, ainda formado na Escola de
Rennes, o Dr. Raul de Jesus Moreno Rodrigues. Armado de um novo enquadramento
legal, com uma nova Mesa da SCMP, dirigida desde 1970 por um Provedor que até
1969 havia sido o Director Clínico, o Dr. Braga da Cruz, antigo Provedor entre 1959 e
1964, com um Administrador profissional de superior competência e um novo Director
Clínico (2), estava o HGSA habilitado a lançar-se no estudo de um novo Plano Director
de remodelação que deveria ser objecto de estudo muito atento e profundo.
c) A mudança na estrutura das especialidades
Como vimos, em 1938 e também no início dos anos 50, existiam já algumas
especialidades, para além das básicas (Medicina, Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia,
Pediatria) e que eram: Estomatologia, Dermatologia, Oftalmologia, ORL, Ortopedia e
Urologia. Existiam serviços de Curieterapia e Homeopatia e ainda “Electroradiologia e
Laboratórios de Análises”, para além do já referido Serviço e Especialidade de
Neurologia.
Em 1973, o Quadro de Pessoal, aprovado na sequência do D/L 48357 de 27/04/69, não
considerava as áreas entretanto desactivadas de Curieterapia e Homeopatia, mas já
previa lugares para 12 novas especialidades. (3)
Em 15 anos o panorama das Especialidades no HGSA estava totalmente mudado,
tendo acompanhado a explosiva evolução da tecnologia médica mundial.
Algumas novas especialidades então existentes haviam sido as primeiras criadas no
Norte, ou mesmo no país. Os seus fundadores foram sempre especialistas altamente
prestigiados, quase sempre regressados de estágios mais ou menos prolongados no
estrangeiro.
d) O Plano Director de Remodelação
As mudanças e sucessos organizacionais ou técnicos não fizeram esquecer o grande
objectivo estratégico que era a remodelação/ampliação das instalações do Hospital.
13
O Provedor Braga da Cruz, com a casa arrumada em 1971, decide retomar o projecto
de remodelação, mas agora alicerçado num Plano estratégico global que funcionasse
como Plano Director para os anos futuros.
Foi assim criada uma Comissão presidida pela personalidade mais marcante do
Hospital, e na qual Braga da Cruz percebera há muito uma visão que antecipava o
futuro, o mais antigo e mais brilhante dos “estrangeirados”, o Director do Serviço de
Neurologia, Corino de Andrade.
A comissão integrava mais dois elementos, o Administrador Moreno Rodrigues e o
projectista indicado pela SCMP, Arquitecto J. Carlos Loureiro. Foram, ao mesmo
tempo, criadas várias subcomissões, em algumas das quais participou o autor destas
linhas, que trabalharam aspectos sectoriais e, finalmente (ou entretanto), realizou-se
uma visita de estudo a alguns novos hospitais ingleses por dois qualificados
profissionais do Hospital, os Drs. Silva Araújo e Moreno Rodrigues.
De todo este trabalho, que se desenvolveu ao longo dos anos 1972/73, resultou um
relatório final da Comissão, de que foi relator o Dr. Moreno Rodrigues, e no qual se
fazia uma profunda reflexão sobre a situação financeira e organizacional do Hospital,
se definiam algumas premissas de programação, concluindo-se com um projecto de
Regulamento do HGSA, que traçava as linhas essenciais a que deveria obedecer o
Plano de Remodelação.
O Relatório-Plano define os seguintes grandes objectivos estratégicos:
Profissionalização da Medicina e da Enfermagem, com modificações no estatuto do
trabalho hospitalar (tempo completo, ocupação exclusiva, mais elevadas
renumerações); redução do internamento e predomínio do ambulatório (Centro de
Diagnóstico); estrutura e organização departamental; informatização; conforto
hoteleiro.
Em termos gerais definem-se os serviços a instalar nos diferentes corpos do edifício, de
modo a racionalizar os acessos e as circulações. Por outro lado, continuava a presumirse que se manteria a complementaridade com o Hospital da Prelada e as respectivas
valências.
Quando se publicou este Relatório (Abril de 1974) e se atingira a fase de elaboração do
Programa de Instalações, dá-se o 25 de Abril e com ele nova paragem neste atribulado
processo.
3. O 25 de Abril e as suas consequências, directas ou indirectas, no HGSA
A principal e mais imediata consequência no Hospital foi a sua nacionalização, primeiro
informal e depois institucionalizada com a nomeação da Comissão Instaladora. O HGSA
ficou assim desligado da SCMP, mantendo a autonomia administrativa que resultara da
sua integração na rede, depois de 1968 (Estatuto Hospitalar).
Desapareceu a figura dominante do Provedor e Director do HGSA, Dr. Braga da Cruz,
mas manteve-se o Dr. Corino de Andrade que foi nomeado pelo novo poder,
Presidente da Comissão Instaladora que tomou posse em Novembro de 1974 (4).
a) Reintrodução do Ensino pré-graduado
14
A principal consequência estrutural com efeitos a médio e longo prazo, do 25 de Abril,
foi a reintrodução do Ensino Médico, que permitiu que o Hospital recuperasse a sua
secular vocação de Hospital Universitário, que interrompera há 20 anos.
A criação do ICBAS em 1976, acontecimento a que esteve ligado de forma nuclear o
nome de Corino de Andrade (mais uma vez), teve como corolário que o ensino clínico
da Licenciatura em Medicina se processaria no HGSA com características que se
pretendiam inovadoras, nomeadamente por a selecção dos docentes das disciplinas
clínicas ser feita em função dos títulos e funções da Carreira Hospitalar, o que eliminou
a dualidade de poderes e competências que por vezes é fonte de conflitos nos
restantes hospitais com ensino universitário.
Assim, em 1979, o HGSA voltou a receber alunos do 4º ano de Medicina e, em 1982,
licenciaram-se os primeiros 52 médicos formados pela associação ICBAS-HGSA. Já
passaram 20 anos sobre a reintrodução do ensino médico e os resultados obtidos
desde então são o melhor testemunho da qualidade da instituição. É de registar que
também aqui o espírito inovador, que tem sido imagem de marca do HGSA, se
manifestou, por exemplo na experiência do ensino “profissionalizante”, que desde
1986 é praticado com os alunos do 6º ano, que se tem vindo a generalizar nas outras
Escolas Médicas.
b) As mudanças organizacionais
Com a publicação do Decreto 30/77, os hospitais passaram a ser geridos por Conselhos
de Gerência. O 1º Conselho no HGSA foi presidido pelo Dr. Albino Aroso, sendo a
Enfermagem representada pela Enf.ª M.C. Pinto de Almeida (1977). Em 1979, após
nova eleição, o Presidente passa a ser o Dr. Pinto de Andrade, mantendo-se a
enfermeira Pinto de Almeida.
Até ao ano 2000 sucederam-se 5 presidentes do Conselho de Gerência e mais 3
presidentes do Conselho de Administração (Decreto 3/88) (5).
Verifica-se, assim, que, ao longo de quase 30 anos consecutivos, o Administrador
Delegado foi sempre o mesmo, o que sem dúvida foi um factor essencial para ter
havido um apurado grau de continuidade entre as diferentes equipas, que, no
essencial, não demonstraram, ao longo dos anos, visões estratégicas muito distintas.
Para além das modificações jurídico-institucionais, outro factor fundamental para a
modernização do HGSA nos anos 80 e 90 foi a grande evolução no regime de trabalho
médico. No princípio dos anos 70, ainda a regra era trabalhar apenas 2 a 3 horas de
manhã. Raros serviços, quase só o de Neurologia, marcado pela personalidade e
autoridade do “estrangeirado” Corino de Andrade, tinham os seus médicos a trabalhar
de manhã e de tarde.
Não foi por acaso que quando em 1971 a Direcção do Provedor Braga da Cruz quis
introduzir, ainda em termos experimentais, o regime de tempo completo, os serviços
escolhidos para o “ensaio” foram os de Neurologia e Anatomia Patológica. No fim da
década tal regime estava oficialmente generalizado.
Quando foi criado o regime legal de “dedicação exclusiva”, o primeiro médico do HGSA
a requerê-lo foi também um discípulo de Corino de Andrade, o Chefe de Clínica de
Neuroradiologia Paulo Mendo (despacho de 31/12/80 do Director Geral de Recursos
Humanos). Para o fim da década e ao longo dos anos 90, muitos mais médicos
requereram o regime. A introdução geral do regime de tempo completo e de
15
dedicação exclusiva foram factores que muito contribuíram para a melhoria da
produtividade e da qualidade dos serviços.
Com a abertura do Hospital da Prelada, em 1988, surgiu um imprevisto factor de
perturbação no que respeita a recursos humanos e que foi a saída do HGSA de grande
número de médicos e enfermeiros qualificados. Esta dificuldade foi, todavia,
estimulante para os que ficaram, que souberam rapidamente ultrapassar as
dificuldades, conseguindo ainda obter indicadores de produção e qualidade bem
superiores aos anteriores. A este respeito deve destacar-se a energia e determinação
do pessoal do serviço de Ortopedia que, em poucos meses, se refez do quase nada a
que ficara reduzido.
c) O Plano Director
As perturbações sofridas pelo país e pelos hospitais eram pouco favoráveis à retomada
dos trabalhos de programação da grande remodelação.
No entanto, o Hospital criou um Grupo de Trabalho de Programação Hospitalar (GPH),
que mais tarde se chamaria GTPP (Grupo de Trabalho de Planeamento e Programação)
(6).
Os trabalhos foram prosseguindo, com o apoio tácito dos Secretários de Estado da
Saúde do 6º Governo Provisório (Albino Aroso) e do 1º Governo Constitucional (Paulo
Mendo), ambos oriundos do HGSA e que bem conheciam os problemas.
d) O incêndio na Ala Norte em 26/12/76 e o arranque da remodelação
A tragédia de 26/12/76, na qual, infelizmente, morreram dois doentes, veio
demonstrar a necessidade imperiosa de, pelo menos, substituir as vetustas infraestruturas de madeira do velho edifício. Logo no dia 28 deslocaram-se ao Hospital os
Secretários de Estado da Saúde (Paulo Mendo) e das Obras Públicas (Eng.º Mário de
Azevedo), tendo sido tomada a decisão de avançar rapidamente com a programação e
para isso, logo na semana seguinte, veio ao Hospital todo o Grupo de Programas da
DGH (GPH da DGH), presidido pelo Eng.º Eduardo Caetano (7), para trabalhar em
conjunto com o GPH do HGSA que coordenou as colaborações de múltiplos médicos.
Enfermeiros e outros técnicos do Hospital, exercendo o seu coordenador durante
cerca de 6 meses tal actividade em ocupação total do seu horário hospitalar.
Elaborado o Programa, em que também participou activamente o projectista Arq.º
Carlos Loureiro, foi o mesmo aprovado pelo Ministro dos Assuntos Sociais Armando
Bacelar, também ele um homem do Porto.
Em conferência de imprensa realizada em Outubro de 1977 no Salão Nobre do HGSA,
os Ministros Armando Bacelar e Almeida Pina (das Obras Públicas) assumiram o
compromisso de mandar avançar a obra que então se estimava no montante de 500
mil contos. Na sua intervenção, como coordenador do GPH, o autor do presente texto
afirmava (Notícias Médicas de 21/10/77) que se pretendia “uma viragem para o
exterior, a servir cada vez melhor os doentes internados e servindo de retaguarda
tecnologicamente diferenciada aos diversos serviços de saúde do Norte”.
Infelizmente o Governo caiu poucos meses depois, outros se sucederam, a obra foi
ficando esquecida, até que em 30/12/82 foi publicado o Despacho Conjunto, com data
de 02/07/82 dos Secretários de Estado da Saúde (SES), felizmente de novo Paulo
16
Mendo, e das Obras Públicas, Eugénio Nobre, que decidia “reafirmar a intenção de
executar as grandes obras de remodelação do HGSA segundo um plano faseado, pelo
que devem desde já ser incrementados e acelerados os estudos e projectos”.
Apesar de tudo, só em 1986, sendo Ministra a Dr.ª Leonor Beleza, o SES Baptista
Pereira, que bem conhecia o problema pois integrava o Grupo de Programação de
1977, assim como dois dos seus assessores (Arq. Artur Bentes e Luís de Carvalho),
decide ordenar à recém-criada DGIES, aliás sob sua tutela, a retoma do processo. Após
duas semanas de trabalho no ateliê do projectista, no qual participaram técnicos da
DGIES, o assessor do SES autor do presente trabalho e a equipa do Arq. C. Loureiro, foi
finalmente aprovado o Estudo Prévio Arquitectónico. Era então Director do HGSA, o
Dr. Mário Caetano Pereira, que naturalmente acompanhou e apoiou as actividades
referidas.
Continuavam os trabalhos de elaboração do anteprojecto até que, em 1988, novo
contratempo surge e que foi a decisão governamental de entregar à SCMP o Hospital
da Prelada, em vias de conclusão. Tal obrigava à revisão do programa e mesmo do
Programa Director, o que poderia atrasar irremediavelmente todo o processo.
De facto, o plano previa que 3 serviços do HGSA ficariam na Prelada (os que há anos
estavam provisoriamente instalados no H. R. Semide); para o efeito havia sido
nomeada, por despacho de 27/08/81 do SES Paulo Mendo, uma comissão paritária
SCMP-HGSA, encarregada de rever o programa da Prelada, de modo a compatibilizá-lo
com o da remodelação do HGSA. (8)
Dada a irreversibilidade da decisão governamental de 1988, foi decidido numa reunião
no HGSA entre a Ministra e o Secretário de Estado Costa Freire e o Conselho de
Gerência, já presidido por Paulo Mendo, assessorado pelo responsável do GTPP,
preparar rapidamente um novo Plano Funcional que previsse a inclusão indispensável,
pelo menos, de um serviço de Ortopedia.
Tal plano foi de facto redigido em poucos dias por uma dupla constituída pelo
Administrador Moreno Rodrigues e o autor destas linhas. O Relatório-Plano, aprovado
pelo Conselho de Administração, foi pessoalmente entregue à Sr.ª Ministra, que
imediatamente, em nova reunião no Hospital, o aprovou.
Estando assim dada luz verde à prossecução dos trabalhos, foi decidido pela DGIES
começar a obra pelo edifício de ampliação, a equipa projectista ultimou o projecto
parcelar, foi aberto concurso público internacional e, em 1991, quase 20 anos depois
de o Provedor Braga da Cruz ter retomado o Plano de Remodelação, foi adjudicada a a
obra, sendo já Ministro o Dr. Arlindo de Carvalho, que em 02/08/91, em sessão pública
realizada no Salão Nobre do Hospital, anunciou o resultado do concurso.
A obra iniciou-se em Fevereiro de 1992, mais dois ministros se sucederam, Paulo
Mendo e a Dr.ª Maria de Belém Roseira, até que em 1998 foram abrindo
progressivamente os Serviços instalados no novo edifício, sendo de sublinhar a
inauguração do emblemático espaço dos Serviços de Ambulatório, em Setembro de
1998, pela Ministra Maria de Belém, com uma exposição de obras de pintura de Abel
Salazar e de artistas contemporâneos que, respondendo ao desafio lançado pelo
Presidente da Liga dos Amigos do HGSA, Luís Roseira, ofereceram trabalhos alusivos a
Santo António, que desde então decoram os átrios de todos os pisos do novo edifício.
O último serviço a ser instalado foi o Serviço de Urgência, em 08/03/99.
17
Já no ano 2000 iniciou-se a obra de construção do novo edifício satélite, que ao
encerrar a fachada poente, permitiu, após mais de 200 anos, completar o quadrilátero
idealizado por J. Carr, embora em versão do século XXI.
4. O HGSA nos anos 80 e 90
Para que a obra referida se tivesse podido realizar e, por outro lado, o HGSA tivesse
continuado a prestar serviços com as decrépitas instalações de que dispunha, foram
essenciais algumas soluções de recurso:
a) O ex-CICAP
Na sequência da desactivação de quartéis resultante do fim da guerra colonial, o
antigo quartel da Rua D. Manuel II foi entregue ao HGSA (a metade Leste) e à Reitoria
da Universidade (o restante), sendo de recordar o importante papel nisso
desempenhado pelo então Brigadeiro Pires Veloso, que comandava a Região Militar
Norte. Tal permitiu instalar, ainda no fim dos anos 70, os Serviços de Anatomia
Patológica, Microbiologia, Imunologia e Estomatologia; nos anos 80 foi construído pela
DGIES um moderno pavilhão para Consultas Externas, Arquivo Clínico Central e outros
serviços administrativos, hoje integrado no Plano Director. No fim dos anos 80 foi lá
instalado um segundo pavilhão para a consulta de Ortopedia, tornado indispensável
pela solução dada ao Hospital da Prelada, já referida, assim como outros serviços de
menor dimensão.
b) O pavilhão do Carregal
Actualmente desactivado, albergou durante anos uma extensão do Serviço de
Urgência e depois algumas consultas externas.
c) O pré-fabricado do CICAP
Construído pela DGIES, no inicio da obra de ampliação, para permitir instalar
Laboratórios que ocupavam edifícios que deviam ser demolidos, ainda é sede, no fim
do século, do Serviço de Hematologia e Hemoterapia.
5. A evolução do Hospital
Durante o último quarto do século, o HGSA evoluiu técnica e cientificamente, atingiu
grande prestígio nacional e, em muitas áreas, também internacional.
Novas áreas especializadas podem ser reconhecidas através das movimentações
internas de pessoal. Assim, em 1977 já funcionavam, por vezes há anos, serviços de
Cirurgia Vascular, Neuroradiologia (o primeiro em Portugal) e Neurofisiologia. Em
18
1984, em nova revisão do quadro, já surgem Serviços de Hematologia Clínica e de
Imunologia. No quadro de 1994 surgem com novo nome os serviços de Cuidados
Intensivos (Reanimação Respiratória) e Patologia Clínica (Análises), e aparecem novas
valências ou mesmo serviços: Cirurgia Maxilo-facial, Medicina Nuclear,
Neuropatologia, Cuidados Intensivos Neonatais e Pedriáticos, Radioterapia, Medicina
Familiar e Saúde Ocupacional, sendo já autónoma no interior do Departamento de
Medicina a Unidade de Oncologia Médica. Surgiu o Serviço de Nutrição e desenvolveuse muito o número e a actividade das Técnicas de Serviço Social.
Em termos tecnológicos é de registar a abertura do primeiro aparelho de TAC em
1982, a progressiva automação dos Laboratórios e o grande incremento das unidades
de Cuidados Intensivos, que adquiriram um justo prestígio nacional e internacional e
cuja qualidade de trabalho esteve na base do sucesso do programa de Transplantes de
Órgãos que muito tem qualificado o HGSA.
De facto, no HGSA, o seu serviço de Oftalmologia já vinha a transplantar córneas desde
os anos 60, tendo a maior casuística nacional que, no fim do século se aproxima dos
2000. Em 1983 iniciou-se o programa de Transplante Renal, em 1995 o de Transplante
Hepático, em 2000 o Pancreático.
Como grandes obreiros deste programa é justo destacar os nomes de Queiroz Marinho
(Director do serviço de Oftalmologia), Eva Xavier (Directora do serviço de Nefrologia) e,
sobretudo, Mário Caetano Pereira, Director do Departamento de Transplantes do
HGSA e, desde 1994, Coordenador Nacional de Transplantação.
Também deve ser referido o grande incremento sofrido nos anos 90 pela Cirurgia
Ambulatória, em que o HGSA foi um dos pioneiros no país, assim como o
desenvolvimento de novas técnicas no domínio da Imagiologia de Intervenção, com
Almeida Pinto, Miranda Rodrigues e outros, ou da Cirurgia Laparoscópica, sendo de
referir a data de 06/03/91, em que o Dr. Vítor Ribeiro realizou a primeira
colecistectomia laparoscópica do Norte do país. Lugar cimeiro que o HGSA ocupa em
várias áreas de especialidade resulta da política do Hospital e que consiste em não
procurar a totivalência, mas antes em pretender atingir níveis de excelência naquilo
que tem capacidades para fazer.
6. O HGSA e a comunidade
Num inquérito aos cidadãos do Porto, realizado em 1997 pela Faculdade de Economia,
na pergunta sobre as instituições mais importantes da cidadã, o HGSA ocupou a
terceira posição, atrás da Câmara Municipal e do FCP, mas à frente da Universidade, da
SCMP e do Palácio da Justiça. Este dado traduz bem o modo como a cidade considera o
“seu” Hospital.
De facto, a sua situação no centro da cidade, a grandiosidade do seu edifício-sede, mas
sobretudo os relevantes serviços prestados à população durante mais de 200 anos
fundamentam a forma como a cidade e a região se sentem ligados à Instituição.
As formas orgânicas que exprimem esta ligação são essencialmente duas:
a) A Liga dos Amigos do HGSA
19
Fundada na sequência do incêndio de 1976, tendo como motor desde o inicio a
energia indomável, o entusiasmo e a generosidade do Dr. Luís Roseira, seu primeiro
presidente durante anos, foi uma das primeiras criadas no país, servindo de catalisador
para a proliferação de Ligas a que assistimos nos últimos 20 anos.
Ainda muito centrada na actividade das centenas de voluntárias e voluntários,
desempenha já um papel determinante na humanização da estadia dos doentes e
familiares no Hospital, contribuindo para reduzir a imagem fechada que a maioria das
instituições de saúde possuem.
b) O Conselho Geral
Imaginado pelo legislador como órgão representativo dos trabalhadores do Hospital e
das instituições da sociedade civil, tem funcionado infelizmente com grandes
limitações ao longo dos anos e do país.
No HGSA, a primeira reunião do Conselho Geral teve em 24/02/89 sob a presidência
do Eng.º Paulo Valada, figura destacada da sociedade civil do Porto e anterior
presidente do município, que se manteve em funções até ter pedido exoneração em
1999. Foi então nomeado, já na vigência do C. A. presidido pelo Dr. Vítor Ribeiro, outra
grande figura da cidade e do país, o Dr. Artur Santos Silva.
Conclusão
Na segunda metade do século XX, o HGSA sofreu grandes dificuldades e vicissitudes de
que podemos destacar:
a) A saída, em 1959, da Faculdade de Medicina após 134 de coabitação. A reacção
consistiu em:
- Desenvolver o ensino pós-graduado, com a criação do Internato Médico formar
novos profissionais, através de estágios de especialidade e de bolsas de estudo no país
e no estrangeiro; criação de novas especialidades médicas e novos serviços, alguns dos
quais os primeiros no Norte ou no país; apoiar a investigação clínica e a introdução de
novas tecnologias.
- Remodelar e eventualmente ampliar as instalações de modo a moderniza-las e
humanizá-las.
b) O incêndio de 1976, que por um lado veio revelar dramaticamente precárias
condições de segurança de uma construção com quase 200 anos, mas, por outro lado,
tornou mais imperiosa e óbvia a necessidade da sua remodelação.
c) As sucessivas mudanças de governo que atrasaram ou modificaram as premissas do
Plano.
Apesar destas dificuldades, o esforço e perseverança de gerações sucessivas de
dirigentes e de profissionais permitiram grandes vitórias que se poderão resumir:
- Reintrodução do ensino médico pré-graduado em 1979, na sequência do protocolo
com o recém-criado ICBAS.
- Início, em 1992, das grandes obras de ampliação, quase 40 anos depois das primeiras
diligências para a sua execução, mas sobretudo a entrada em funcionamento integral,
em 1998, do edifício de ampliação e a construção do edifício satélite, que veio
20
concretizar, 200 anos depois, o projecto de J. Carr e dar realidade ao sonho do
Provedor de 1762, D. António de Lencastre.
- Manutenção e fortalecimento da ligação do Hospital à cidade, para o que tem
contribuído o desenvolvimento tecnológico e o prestígio científico conquistado ao
longo de muitos anos, assim como a acção constante e perseverante da Liga dos
Amigos.
Para terminar gostaria de deixar uma última referência às duas grandes figuras
tutelares de todo este processo e que foram os Drs. Domingos Braga da Cruz e Mário
Corino de Andrade.
Bibliografia:
SCMP: Relatórios Anuais da Mesa.
Actas da Reunião da Mesa no ano (1974) em que a biblioteca da SCMP não dispunha de
Relatório anual.
Relatório – Plano do HGSA de Abril de 1974.
Plano Director e Programa de instalações publicado em Outubro de 1977.
Boletins Informativos do HGSA, entre 1974 e 2000.
Actas das reuniões do C. A. Do HGSA de 1974-75 e dos anos 90.
Recortes de notícias da imprensa.
2.2 Nota de Abertura do “Arquivos do HGSA” – 1ª série
Publicado em:
“Arquivos do HGSA”
1ª série, Vol.1, nº.1 Jan/Mar 1997
Com este número inicia-se a publicação dos Arquivos do Hospital Geral de Santo
António que vêm suceder ao Boletim do Hospital que durante muitos anos acolheu
parte da produção científica da instituição. Os tempos mudam e também neste campo
tal mudança deverá corresponder a algo de diferente, mais adaptado às novas
realidades e necessidades.
O Hospital mudou e mudará ainda muito mais nos próximos anos. Os elementos
essenciais que fazem e farão a diferença são a reintrodução do ensino médico em 1980
e a obra de ampliação e remodelação, velha aspiração de mais de 25 anos.
De facto, depois de 1959, data de abertura do então novo Hospital de S. João e da
transferência para lá da Faculdade Medicina do Porto, o Hospital Geral de Santo
António ficou amputado de uma das suas vertentes vocacionais, o ensino médico prégraduado, que já vinha desde 1825.
A instituição reagiu investindo a sua herança cultural no ensino pós -graduado e na
criação e desenvolvimento de novas especialidades e serviços. Nasceu assim o
internato médico e criaram-se, entre outros, serviços como os de Anatomia Patológica,
Ginecologia, Fisiatria, Cirurgia Plástica, Neurocirurgia, Endocrinologia, Nefrologia,
21
Reanimação Respiratória, Cirurgia Vascular, e mais tarde outros como Neurofisiologia,
Neuroradiologia, Gastroenterologia, Cuidados Intensivos Pediátricos, etc.
Este desenvolvimento ficou a dever-se a figuras entre as quais avulta a do grande
cientista e impulsionador de progresso, que foi Corino de Andrade, mas sendo
também justo destacar os nomes de João de Melo e Serrano Júnior, Albino Aroso e
Pereira Guedes, Rocha Melo e Guimarães e Sousa, Ignácio de Salcedo e Rogério
Ribeiro, para só citar aqueles que foram responsáveis principais pela criação de novos
Serviços.
Em 1976, a fundação do I.C.B.A.S. á qual volta a estar também ligado o nome de Corino
de Andrade, veio permitir a retoma da vocação universitária do Hospital.
Por outro lado, em 1971, com o grande provedor Braga da Cruz, iniciam-se os
trabalhos de concepção da remodelação do Hospital e da sua adaptação física aos
tempos modernos, depois de quase 200 anos de utilização das mesmas instalações o
que é, em si, a demonstração da força de inovação e previsão de futuro que continha o
projecto de John Carr. Também a este trabalho inicial de reflexão que durou até 1973,
presidiu um grupo no qual de novo avultava o nome de Corino de Andrade, que com o
Provedor, o recém-chegado administrador Moreno Rodrigues e o projectista Carlos
Loureiro coordenou a actividade de vários grupos de trabalho, um dos quais o autor
integrou desde início.
Depois de múltiplas vicissitudes, foi possível em 1992 iniciar a obra de ampliação que
se espera esteja concluída em 1997, possibilitando então o inicio das ansiadas obras de
remodelação do edifício principal.
Entretanto o Hospital cresceu para a área deixada devoluta pelo quartel do CICAP na
rua D. Manuel II, solução sem a qual não teria sido possível manter o nível assistencial
e técnico dos últimos 20 anos, sendo justo lembrar aqui o nome do brigadeiro Pires
Veloso que, na sequência das transformações militares e políticas que se seguiram à
revolução de Abril, permitiu que uma instalação militar fosse entregue aos Ministérios
da Saúde (HGSA) e da Educação (Reitoria da Universidade). O H.G.S.A. estará assim em
condições de entrar no terceiro milénio com novas instalações e com melhores
condições para continuar a honrar as suas tradições e a cultura que conseguiu criar ao
longo de mais 2 séculos de existência.
Esperamos que esta nova publicação, os Arquivos do Hospital Geral de Santo António,
possam servir de registo e testemunho a esta época de grande renovação, que se
deseja venha a ser motor de ainda maior progresso assistencial e científico.
2.3 Remodelação do HGSA
22
Publicado em:
Arquivos do HGSA
1ª série, Vol.1 nº2, 1997
A REMODELAÇÃO DO HOSPITAL GERAL DE SANTO ANTÓNIO
A obra de ampliação do Hospital actualmente em vias de conclusão tem antecedentes
históricos que importa conhecer e insere-se num plano global que inclui também a
remodelação do edifício Monumento Nacional, para a qual é indispensável deslocar
serviços para outras instalações situadas no novo edifício.
Como antecedentes remotos há vários projectos de remodelação/ampliação, já nos
anos 60 de que se deve destacar um da autoria do Arq° António Afonso, cuja maquete
chegou a estar exposta no átrio do Salão Nobre.
Em 1971 dois factos tiveram importância essencial no desencadear do processo de
remodelação, concebido para integrar o plano geral de reorganização e reestruturação
do funcionamento e da própria vocação do Hospital, à luz dos então emergentes
modernos conceitos de prática médica. O primeiro foi a ocupação do lugar de
Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que então administrava o Hospital,
pelo Dr. Domingos Braga da Cruz, personalidade dotada de espírito aberto à mudança
e à inovação, com grande sentido de iniciativa e capacidade de decisão e o segundo foi
a integração do Hospital Geral de Santo António na rede de Hospitais Centrais, o que
implicou mudança de fundo na sua administração, que passou a ser profissionalizada,
através da admissão de um jovem administrador hospitalar de carreira, com recente
formação francesa, dominando os mais modernos princípios de organização hospitalar,
o Dr. Moreno Rodrigues.
O Hospital havia sido construído nos finais do século XVIII e durante quase dois séculos
poucas alterações estruturais sofrera. No entanto a profunda inserção como valor
cultural e prestador de serviços, na vida colectiva da cidade, conferia-lhe uma
importância que obrigava a pensar rapidamente na sua adaptação aos novos tempos,
influenciados pelo "boom" tecnológico e social do pós-guerra.
No primeiro relatório dedicado ao Plano Director de remodelação afirmava-se que
quem conhecer, minimamente que seja, o Hospital Geral de Santo António sabe que as
suas insuficiências são tais que a alternativa se apresenta clara e indubitavelmente: ou
23
é decidido o seu abandono puro e simples ou então a sua remodelação total impõe-se
com urgência verdadeiramente premente ".
Foi a segunda opção que, naturalmente venceu, e logo nesse ano de 1971. sob a
presidência do Provedor Braga da Cruz, foi constituída uma comissão integrada pela
grande figura do Hospital e da Medicina, investigador que honra a ciência portuguesa,
que era o Dr. Corino de Andrade, pelo administrador Moreno Rodrigues e pelo
projectista Arq. Carlos Loureiro.
Foram
também constituídas
várias
subcomissões
com
médicos
de várias
especialidades, sendo o autor do presente trabalho o mais jovem de todos, que
integravam as comissões nomes como Serrano Júnior, Eugénio Corte Real, Azevedo de
Oliveira, Nuno Berrance, Miranda Rodrigues, Silva Araújo, Armando Pinheiro, Lopes
Pimenta, Serafim Santos Guimarães, etc.
No âmbito das actividades desenvolvidas realizou-se uma viagem de estudo a vários
hospitais ingleses recém-construídos, por dois dos membros dos grupos de trabalho,
os Drs. Silva Araújo e Moreno Rodrigues.
De todo este trabalho de conceptualização que incluía também um ambicioso projecto
de Regulamento Interno, resultou um volume editado precisamente quando se
verificou a Revolução do 25 de Abril de 1974.
As mudanças políticas e a consequente instabilidade traduziram-se a nível local pela
Nacionalização do Hospital e a saída do Provedor e da própria Santa Casa da
Misericórdia do Porto, ficando todo o plano em suspenso.
A nova direcção do Hospital, na qual o autor desempenhava funções como vogal da
Comissão Instaladora, presidida pelo Dr. Corino de Andrade, e responsável da Direcção
Médica, procurou desenvolver algumas modificações físicas e estruturais, de que se
destaca a utilização do recém-construído pavilhão destinado a quartos particulares,
para instalação do Serviço de Pediatria, a remodelação das inconcebíveis enfermarias
de Medicina do segundo piso, dando lugar à actual Medicina B, etc.
Esperavam-se melhores tempos para retomar o plano até que em 26 de Dezembro de
1976 um violento incêndio consumiu a Ala Norte do Hospital vitimando 3 infelizes
doentes.
Na sequência imediata do incêndio, sendo desde há meses Secretário de Estado da
Saúde o Dr. Paulo Mendo, médico do Hospital Geral de Santo António que bem
24
conhecia os problemas estruturais do edifício e os planos de remodelação, foi por ele e
pelo Secretário das Obras Públicas, Eng. Mário de Azevedo, dada ordem, durante visita
ao Hospital, para início imediato dos trabalhos de elaboração do programa conducente
à execução do projecto.
O então existente Grupo de Programação de Hospitais da Secretaria de Estado da
Saúde, de que era presidente o Eng. Eduardo Caetano, deslocou-se ao Hospital e num
trabalho conjunto com vários grupos de profissionais do Hospital Geral de Santo
António, coordenados pelo autor, em regime de ocupação em tempo total, produziu,
após vários meses de acaloradas discussões em que conceitos antagónicos se
confrontavam, um programa que foi aprovado e tornado público em sessão solene no
Salão Nobre do Hospital, pelos Ministros dos Assuntos Sociais, Dr. Armando Bacelar e
das Obras Públicas, Eng. Almeida Pina, em Novembro de 1977.
Ao mesmo tempo a Direcção do Hospital Geral de Santo António publicou um novo
volume que intitulou " Plano Director de Remodelação e Ampliação " (Outubro de
1977) que continha o programa aprovado e um conjunto de textos com os conceitos
principais que fundamentavam algumas opções programáticas.
Vicissitudes múltiplas. às quais não foram alheias as várias mudanças de Governo, não
permitiram que o processo tivesse seguimento.
Em 1987, sendo Ministra da Saúde a Dra. Leonor Beleza, foi dado início a construção
de um edifício para Consultas Externas nos terrenos do Ex-CICAP, cuja autorizarão
havia sido dada pelo Ministro Maldonado Gonelha.
No ano seguinte o Ministério toma a decisão política de conceder à Santa Casa da
Misericórdia de Porto a administração do Hospital da Prelada em vias de conclusão, o
que modificou totalmente os pressupostos de remodelação do Hospital Geral de Santo
António, que incluíam a instalação de alguns dos seus serviços naquele Hospital.
O Conselho de Administração do Hospital Geral de Santo António, presidido pelo Dr.
Paulo Mendo e no qual o autor desempenhava funções de Director Clínico,
rapidamente elaborou um novo plano director, que implicava um estudo funcional
intitulado " Programa Preliminar", que, aprovado pela Ministra, permitiu a adopção do
projecto existente da autoria do Arq. Carlos Loureiro, a abertura de concurso público
25
internacional e a adjudicação da obra pela Direcção Geral de Instalações e
Equipamentos da Saúde, obra que finalmente se iniciou em Fevereiro de 1992.
A REMODELAÇAO DO H.G.S.A (2)
Publicado em:
Arquivos do HGSA, 1ª série Vol.1, nº3 pag.53
Jul/Set 1997
No texto anterior descreveram-se os passos essenciais da história do processo de
remodelação do Hospital. Neste procurar-se-ão traçar as linhas essenciais que
orientam o projecto nos seus aspectos funcionais.
Em primeiro lugar importa dizer que a simples concepção de remodelação de
instalações existentes, implica necessariamente a evacuação faseada de serviços que,
não podendo deixar de funcionar, necessitam de área pivô para instalação provisória
ou novas instalações definitivas noutro local.
Por isso a remodelação obrigava à partida a conceber uma ampliação que se por um
lado permitiria dispor da maior área funcional, por outro iria situar-se no espaço do
jardim do Hospital permitindo eliminar um conjunto de construções mais ou menos
espúrias que foram nascendo com o tempo e nas quais se albergavam serviços como
laboratórios, dormitórios do pessoal, lavandaria, central térmica, etc.
Foi assim concebido um novo edifício que completaria pelo lado poente o quadrilátero
idealizado por J.Carr, delimitando um jardim interior e permitindo criar uma nova
fachada e ainda um novo acesso a poente, desafogando o mais que congestionado e
nada funcional acesso actual, a nascente.
Nomeadamente os acessos do ambulatório programado (Consulta Externa) e urgente
(Serviço de Urgência) passarão para o lado poente, ficando a fachada principal (a
actual) apenas como acesso de pessoal e visitantes.
O novo edifício albergará portanto, no essencial, os serviços ambulatórios, com grande
frequência de doentes e ainda serviços mais ou menos deles directamente
dependentes ou com eles estreitamente relacionados como Blocos Operatórios,
Serviços Centrais de Diagnóstico, Serviços Cirúrgicos.
26
Também alguns serviços técnicos e de apoio, como centrais térmica e de incineração,
posto de transformação, depósitos de combustíveis, de gazes medicinais e outros,
armazéns e dois pisos subterrâneos para parque de estacionamento, completarão o
conjunto.
No edifício a remodelar, o actual, será aproveitado o alto pé direito dos pisos para
completar a construção de pisos intermédios há anos já em curso, sendo utilizado para
alojar no essencial serviços clínicos da área médica e de algumas especialidades,
algumas unidades especiais de diagnóstico e tratamento, serviços administrativos e
instalações para ensino.
O projecto actualmente em execução tem a sua primeira fase o edifício de ampliação,
em vias de conclusão.
O edifício irá albergar como se disse, o ambulatório (serviço de urgência, consulta
externa e hospital de dia), cerca de 300 camas de internamento de Serviços Cirúrgicos
(Cirurgia Geral, Ortopedia, Ginecologia, Cirurgia Vascular, Urologia) com unidades
complementares de cuidados intermédios pós-operatórios e cuidados intensivos
polivalentes. Para além disso disporá de blocos operatórios com um conjunto de 12
salas de operações, das quais 2 para cirurgia ambulatória, integradas no complexo das
Consultas Externas / Hospital de Dia, do Serviço Central de Imagiologia em interface
directa com o Serviço de Urgência, de Laboratórios Centrais de Química Clinica,
Hematologia e Microbiologia, Serviço de Anatomia Patológica com ligação directa à
sala de autópsias, casa mortuária, esterilização central, cozinha geral, armazéns e
instalações técnicas especiais já descritas, parque de estacionamento.
O Hospital deixou de ter lavandaria própria, optando pela compra de serviços ao
exterior, o que já sucede há alguns anos.
Uma vez instalados todos estes serviços, ficará devoluta a ala Norte do edifício
principal que assim poderá ser objecto da segunda fase de remodelação, que se espera
decorra em simultâneo com a demolição do Edifício Satélite, actualmente ocupado
pelos
Serviços
de
Pediatria
e
que
deverá
ser
substituído
por
outro,
arquitectonicamente integrável no conjunto e com melhores condições funcionais e de
segurança.
27
Em simultâneo está prevista a construção do complexo de elevadores no torreão
central do edifício actual que permitirá tirar todo o rendimento das três galerias de
ligação entre os dois edifícios, duas elevadas e uma subterrânea.
Seguidamente, ir-se-á procedendo à rotação de serviços, permitindo remodelar
sucessivamente as duas alas do corpo central do edifício e finalmente a ala sul.
O conjunto ampliado e remodelado não dispensará, todavia, a manutenção das
instalações da Rua D. Manuel II (Ex-Cicap), onde continuarão a funcionar parte das
consultas externas e alguns laboratórios, além de instalações sociais e outras áreas de
apoio.
O Hospital estará assim capaz de enfrentar os desafios tecnológicos e sociais do século
XXI, armado de melhores e mais amplas instalações, com tecnologias renovadas, e
orientado por uma nova filosofia que o torna muito mais voltado para o diagnóstico e
tratamento ambulatório que será muito alargado, do que para o internamento que
manterá sensivelmente a dimensão actual, em número de camas que não em área,
que será muito aumentada permitindo grandes melhorias na qualidade hoteleira a nas
condições de trabalho dos profissionais.
2.4 O Hospital e a Cultura
Texto de abertura do Catálogo da Exposição de Pintura, em Setembro de 1998
O hospital é um equipamento social nuclear em qualquer comunidade. Juntamente
com a Escola, situa-se no centro das preocupações mais sentidas pelas populações que
têm a ver com a Saúde e a Educação.
O Hospital integrado na comunidade deve fornecer serviços que contribuam para a
manutenção e recuperação da saúde, mas deverá também integrar manifestações que
forneçam o desenvolvimento cultural da população a cujo serviço está.
Nas instalações hospitalares, muito se vivem e sentem momentos dos mais
importantes na vida de cada um. Basta pensarmos que actualmente já praticamente
todos os cidadãos nascem no hospital e a maioria lá passa os últimos momentos da
existência, depois de ao longo da vida lá ter, também, encontrado alívio e socorro para
os seus males.
O Hospital moderno privilegia cada vez mais a assistência ambulatória em detrimento
do internamento que tende a ser reservado às situações mais graves e complexas com
importância crescente das Unidades de Cuidados Intensivos.
O ambulatório hospitalar deve ser encarado pelo público como uma estrutura aberta,
de acesso o mais desburocratizado possível, dotado de instalações cómodas e
agradáveis.
28
Procurou conseguir-se algo de próximo ao que fica dito nas novas instalações para
consulta externa integradas no edifício que amplia o Hospital e que está em vias de ser
colocado na totalidade à disposição dos utilizadores.
Entre outras coisas, e com o intuito de humanizar a desdramatizar o ambiente numa
área tão sensível como a pediatria, o respectivo sector ambulatório, programado e
urgente, nas novas instalações, foi decorado com azulejaria com motivos desenhados
pelas próprias crianças que frequentam as escolas do núcleo úrano no qual se insere o
Hospital, sob a orientação das Professoras Elvira Leite e Rosário Forjaz e do Sr. Carlos
Magalhães, todos inseridos na colaboração institucional do Centro Regional de Artes
Tradicionais (CRAT) e que foi possível concretizar devido ao apoio do mecenato
processado através da Liga dos Amigos do HGSA.
Antes de abrir ao público as novas instalações de ambulatório e na convicção de que
nada obriga a que a cultura e as suas manifestações, de que a arquitectura e
organização hospitalar também são parte, não sejam tomadas em conta, decidiu-se
marcar o início da actividade com uma manifestação cultural centrada nas artes
plásticas.
Seria um meio de humanizar o Hospital, fazer com que o espaço destinado a atender
pessoas doentes e carenciadas de apoio, pudesse também servir para uma
manifestação de apreço por formas de expressão artística que assim seriam o
instrumento do primeiro contacto com um futuro serviço público aberto aos
habitantes da cidade e da região.
O HGSA está ligado, por razões académicas, como parte de um projecto de educação
médica pré-graduada, a uma instituição universitária de que é patrono uma figura
ímpar da Medicina e da Arte, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Não poderia haver melhor forma de concretizar o que atrás ficou dito do que abrir as
novas instalações de ambulatório com uma exposição de trabalhos de Abel Salazar,
médico e cientista ilustre que trabalhou na Escola, então também ligada ao HGSA, a
Faculdade de Medicina do Porto, e que é uma das mais destacadas figuras do
panorama das artes plásticas em Portugal neste século.
Os artistas plásticos da cidade compreenderam perfeitamente a importância da ligação
entre a Arte e o Hospital e, por solicitação da Liga dos Amigos do HGSA e do seu
Presidente, Luís Roseira, alguns dos seus nomes mais brilhantes participaram nesta
remodelação do Hospital com obras alusivas à instituição e ao seu santo padroeiro,
que muito irão enriquecer as instalações presentes e futuras, e que vêm, também,
contribuir para valorizar esta exposição.
E assim, com o apoio entusiástico da Cooperativa Árvore, ela também um elemento
fundamental na vida cultural e social da nossa cidade, cuja sede se situa no mesmo
espaço urbano do Hospital e do Instituto Abel Salazar, foi possível desenvolver a ideia,
que se reconhece ser pouco comum, mas nem por isso menos significativa, e que
consiste em abrir um Hospital ao público através de uma exposição de pintura que,
reunindo obras de Abel Salazar e de alguns importantes artistas contemporâneos, será
também completada pelos painéis de azulejos desenhados por futuros cidadãos do
Porto.
Acreditamos que desta forma será possível que os cidadãos encarem o Hospital como
algo que lhes é mais próximo e está ao seu serviço, e que inclui nos seus objectivos
essenciais o contribuir para melhorar a qualidade de vida de todos e cada um dos
elementos da comunidade.
29
2.5 O Ambulatório de Pediatria
Texto incluído num desdobrável publicado em 28/9/1998, quando foi aberta a
exposição com que se inaugurou a nova Consulta Externa do HGSA.
Humanização Através da Decoração
Entre os factores mais reconhecidamente importantes de humanização do serviço de
saúde está o aspecto das instalações onde se prestam cuidados.
A frieza das paredes brancas e nuas do hospital tradicional agrava o mal-estar, a
ansiedade e o temor que a doença só por si provoca.
A decoração com motivos agradáveis, com cores vivas e repousantes, são elementos
que podem criar condições de conforto e bem-estar que poderão facilitar a adesão dos
doentes e seus familiares e acompanhantes ao processo hospitalar de diagnóstico e
tratamento.
Esta constatação é ainda mais reconhecidamente evidente no que se refere às crianças
e assim é já tradição que as paredes e salas dos Serviços de Pediatria são normalmente
decoradas com desenhos ou associações de cores que tornem o ambiente mais
acolhedor e portanto menos agressivo.
Nas novas instalações integradas no edifício de ampliação do Hospital, existe uma área
designada como Ambulatório de Pediatria, que incluiu sector de urgência e de consulta
programada.
Ao pensar-se na decoração indispensável dessas instalações quem melhor estaria
vocacionado para tal do que as próprias crianças?
A proposta de decoração " com motivos infantis e não infantilizados" usando como
suporte um material que é parte integrante da cidade, azulejo, apresentado por
técnicos do CRAT - Centro Regional de Artes Tradicionais corresponde de forma
brilhante aos objectivos anunciados.
Por isso a adoptamos e organizamos, de colaboração com o CRAT e os técnicos da
DGIES responsáveis pela obra, em Setembro de 97, uma exposição centrada na
maqueta das instalações e nos desenhos de 240 crianças residentes no coração da
cidade, no qual de integra o H.G.S.A., como equipamento social de grande peso.
Com a colaboração da Liga dos Amigos do HGSA que canalizou contribuições
monetárias de várias entidades e pessoas singulares, foi possível reunir o quantitativo
que permitiu financiar a fabricação de azulejaria com que foram decorados corredores,
salas de espera e gabinetes de consulta, obra agora concluída e pronta a ser colocada
ao serviço das crianças doentes.
Antes de entrarem ao serviço, entendeu a Direcção do Hospital e os responsáveis
técnicos do CRAT que valeria a pena que os painéis de azulejo agora terminados
fossem expostos ao publico, de forma a que os cidadãos que visitarem a exposição se
revejam no olhar critico e profundamente observador das suas crianças, sobre o
mundo que as rodeia e em particular sobre a sua relação com o Hospital.
30
Foi esta a razão que motivou a inclusão desta área na exposição mais vasta, que inclui
uma retrospectiva de obras de Abel Salazar e apresentação de obras que alguns dos
mais qualificados artistas plásticos do Porto quiseram oferecer ao Hospital
colaborando assim na sua maior humanização e ligação à comunidade, assim como a
manifestações da sua criatividade no campo das artes.
2.6 A Humanização dos Hospitais
Comunicação ao 1º Congresso Nacional de Engenharia, Arquitectura e Equipamentos
Hospitalares
Porto, Faculdade de Economia, 07/04/81
Ao falarmos em humanização do Hospital entendemos a expressão como a criação de
condições estruturais, organizacionais e funcionais que contribuam para melhorar a
qualidade de vida dos seus utilizadores, pelo menos enquanto tais.
O Hospital não pode ser um órgão estranho à comunidade, enquistado no tecido social
e sem relação estreita com ele. No sector dos Serviços, o Serviço de Saúde (SS)
adquire, cada vez mais, um papel determinante na definição da qualidade de vida das
populações e dentro do S.S., seja ele qual for, o hospital atinge um valor determinante
pelo menos nas sociedades tecnicamente evoluídas. O primeiro vector de
humanização do Hospital será portanto a sua perfeita integração social através da
participação quotidiana da colectividade na sua gestão e de conhecimento da sua
estrutura e funcionamento pelo comum dos cidadãos, o que pode ser incentivado por
organizações como Ligas de Amigos e outras.
Ao falar para técnicos de “engeneeiring”, projectistas e técnicos de instalações e
equipamentos terei que me colocar, na perspectiva do utilizador, numa tríplice
dimensão: elemento da comunidade, doente potencial e trabalhador de uma grande
instituição hospitalar, conhecedor portanto da problemática do quotidiano do doente
que é a razão de ser do Hospital.
O Hospital moderno não é mais um armazém de doentes com vocação mais ou menos
asilar, mas antes o local de mais elevada concentração de meios de alta tecnologia
para diagnóstico e terapêutica.
Neste sentido outro factor de humanização tem a ver com a criação de condições
estruturais, organizacionais e funcionais, que permitam uma maior rentabilidade dos
meios existentes e sobretudo uma redução dos tempos de hospitalização.
Tenho dito muitas vezes que o hospital ideal será aquele que reduzisse o internamento
a zero, isto é, o hospital sem camas, no qual tudo (diagnóstico e terapêutica) fosse
possível fazer em regime ambulatório.
31
Isto porque a doença é já por si uma quebra brusca na maneira de viver do cidadão a
se a isto se associar a separação dos familiares, dos amigos, dos hábitos quotidianos,
estarão criadas inevitavelmente condições de alienação e portanto de desumanização.
Teremos assim para que o Hospital moderno seja humanizado, isto é, feito à medida
do Homem, dos seus anseios e aspirações, que considerar 3 tipos de medidas:
1 - ESTRUTURAIS
O Hospital, concentração de meios técnicos de alta tecnologia, constitui um dos
equipamentos sociais mais importantes da "cidade".
Deverá estar implantado em relação às áreas de desenvolvimento urbano em termos
urbanisticamente adequados, isto é, que se possam inserir no viver diário dos
cidadãos, reduzindo as distâncias, simplificando os transportes, etc.
Em termos da própria concepção arquitectónica há que criar instalações que, para
além de melhorarem os aspectos referentes à Hotelaria no sentido estrito, contribuam
para um ambiente que procure diluir a crescente tecnicidade dos meios de diagnóstico
e terapêutica em condições gerais o mais próximas possível da vida corrente.
A humanização do hospital resultará assim da criação de condições gerais e
ambientais, de instalações e funcionamento, que contribuam para que o doente,
sobretudo o internado, sinta o menos possível a quebra brusca que a doença provoca
na sua maneira de viver. Finalmente o “tempo perdido” no Hospital poderá ser
aproveitado para promover cultural e socialmente os doentes, sobretudo aqueles que
tenham de sofrer longos períodos de hospitalização, para o que será necessário prever
elementos físicos de suporte a actividades culturais, lúdicas ou outras.
Como condições gerais de hotelaria entende-se correcto dimensionamento das
enfermarias, respeitando por um lado as necessidades técnicas e por outro o conforto
e privacidade que não devem ser sinónimo de isolamento, a existência de refeitórios,
zonas de estar e visitas nas unidades de tratamento, instalações sanitárias bem
dimensionadas, etc. Mas estes são os aspectos mais facilmente conhecidos e
adoptados por todos os técnicos de construções hospitalares.
Deverão também ser previstas áreas de recepção ao doente a internar ou no
ambulatório, com zonas de espera bem dimensionadas e com os apoios
indispensáveis, desde o bar à cabine telefónica, desde o posto de assistência social ao
correio ou posto bancário.
No internamento deverão existir instalações culturais e de laser, de preferência
centralizadas, que englobarão desde salas de leitura e música, salas de jogos, cinema e
T.V. a salas de espectáculos e biblioteca.
Considerando que num hospital geral polivalente com demoras médias baixas (12 dias)
cerca de 40% dos internados deambulam, podemos avaliar o volume de doentes não
acamados que serão utilizadores potenciais destas instalações. Num hospital de 500
32
camas com 85% de taxa de ocupação esse número será de 170, grupo importante de
pessoas a quem importa preencher os tempos deixados livres durante o dia, de
preferência procurando a sua promoção.
Instalações centrais de rádio, com postos individuais à cabeceira dos doentes poderão
difundir programas musicais ou outros, intercalados com noticiários e informações
sobre o Hospital.
2- ORGANIZACIONAIS
O Hospital deverá ser organizado cada vez mais como empresa que produza a melhor
qualidade possível de Serviços ao mais baixo custo.
A melhoria da gestão médica e administrativa, a melhor organização dos circuitos
funcionais, a mais correcta gestão dos meios técnicos de diagnóstico e de terapêutica,
diminuirão os tempos de internamento, reduzirão as listas de espera, abreviarão os
tempos de diagnóstico ambulatório, tornarão finalmente mais precisas e eficazes as
técnicas utilizadas, tudo isto contribuindo para devolver rapidamente o cidadão
doente á sua vida normal.
3 - FUNCIONAIS
Estabelecimento das melhores relações humanas possíveis entre os doentes e o
pessoal, humanizando e personalizando as relações médico/doente ou
enfermeira/doente, fazendo com que a todo o momento o cidadão doente seja
encarado na sua globalidade físico-psíquica e não fragmentado em fatias analisadas de
forma e por processos técnicos mais ou menos altamente evoluídos, que tantas vezes
esquecem a realidade humana e quotidiana do sofrimento, da angústia, da esperança.
Antes de terminar poderei dizer que todos temos responsabilidade na criação de
condições mais humanas nos nossos hospitais.
Os técnicos e projectistas que criam as condições físicas de suporte, em instalações e
equipamento, para que o hospital possa funcionar; os membros da equipe de saúde,
médicos e enfermeiros, mas também técnicos paramédicos, administrativos e pessoal
de apoio geral, responsáveis pelas condições organizacionais e funcionais, em que se
procura resolver rápida, eficaz e humanamente cada um dos problemas individuais
que lhe são colocados; em terceiro lugar a colectividade de que o Hospital é um
Serviço essencial, responsável pelo controle da sua gestão, pela fiscalização das suas
condições de funcionamento e da qualidade dos Serviços prestados.
A terminar direi que o Hospital moderno e humanizado deve cada vez mais ser uma
instituição - Centro de Saúde, que associa a prevenção e a cura, à reintegração social
rápida e completa e cada um dos seus sectores deve estar aberto a todos, doentes e
pessoal, estudantes, familiares e visitantes que assim o sentirão como coisa sua.
33
CAPÍTULO III
O HGSA E O ENSINO MÉDICO (HGSA-ICBAS)
O HGSA fornece a base profissional e técnica indispensável para o ensino clínico. Em
duas publicações comemorativas do aniversário do ICBAS, o Director do HGSA, coresponsável pelo funcionamento da licenciatura, deixou marcado o seu ponto de vista
sobre os resultados da cooperação.
34
Os quatro textos que se lhe seguem foram lidos em sessões de entrega de prémios
escolares e nunca publicados.
3.1 O HGSA e o ensino
Texto integrado em publicação comemorativa dos 20 anos do ICBAS (1995)
O Hospital Geral de Santo António foi sede do ensino médico praticamente desde a
sua fundação em fins do século XVIII.
Mas foi sobretudo no século XX, com a reestruturação dos estudos médicos na 1ª
República, que se criaram as condições para o ensino em moldes modernos,
fornecendo o Hospital Geral de Santo António a base material e institucional para o
ensino clínico da licenciatura em Medicina ministrada pela Faculdade de Medicina do
Porto, instalada em edifício fronteiro, até 1959.
Em 1959, com a inauguração do novo Hospital de S. João, que passava a albergar
também a Faculdade de Medicina do Porto (FMP), o Hospital Geral de Santo António
perdeu a sua valência de ensino médico pré-graduado.
A revolução de Abril de 1974 veio criar as condições para criar uma nova escola em
que a medicina se integrasse com outras ciências, permitindo formar um novo tipo de
profissionais mais adaptados às modernas características de prestação de cuidados de
saúde, numa sociedade em mudança acelerada, concretizando um projecto do Dr.
Corino de Andrade.
Com a criação do ICBAS, o Hospital Geral de Santo António volta a fornecer o suporte
institucional para o ensino clínico da nova licenciatura em Medicina, a funcionar no
Porto paralelamente à ministrada pela FMP.
O Hospital Geral de Santo António, como grande hospital central e polivalente,
readquiriu o seu sentido, juntando à actividade assistencial em que se continua a
afirmar desde há 200 anos, as vertentes do ensino médico, que havia interrompido por
quase 20 anos, e da investigação que, embora relativamente incipiente (salvo
iniciativas isoladas, de que é legítimo destacar o trabalho do Dr. Corino de Andrade
com a PAF), foi estimulada pela vocação universitária, atingindo já, em algumas áreas,
níveis de alta qualificação.
A integração da universidade serviu também de estímulo para que cada vez mais
médicos se tenham decidido a desenvolver uma carreira académica.
Hoje, com o Hospital Geral de Santo António em grande transformação física e
estrutural, ninguém pode duvidar que a qualidade das prestações assistenciais, assim
como a contribuição para o progresso da ciência médica, são influenciados, de forma
determinante, pela existência do ICBAS e pela vocação universitária do Hospital.
O ensino, cada vez mais profissionalizante, tem a sua base em quadros médicos
formados numa carreira hospitalar exigente e em serviços e unidades prestadoras de
cuidados mais vocacionados para integrarem as vertentes de formação pré-graduada e
da investigação clínica.
Com todas as dificuldades e eventuais erros cometidos ao longo de quase 20 anos de
reintrodução do ensino médico, não é exagero afirmar que o Hospital Geral de Santo
António seria seguramente muito diferente, para pior, se não tivesse surgido a
experiência pioneira e inovadora do ICBAS, na qual o Hospital se integrou.
35
3.2 O HGSA e o ensino
Texto integrado em publicação do ICBAS comemorativa dos seus 25 anos
(Março de 1999)
Quando se aproximam os 25 anos de vida do ICBAS, está totalmente solidificada a associação
com o HGSA para ministrar o ensino médico de modo a poder falar-se, sem margem para
dúvidas, na licenciatura em medicina pelo ICBAS-HGSA.
A associação em plano de igualdade entre as duas instituições, sendo a primeira responsável
pela fase pré-clínica e a segunda pelo ciclo clínico traduz-se de forma clara no novo
protocolo inter-institucional publicado em 03.07.95 e que constitui a marca da sua
maioridade.
A experiência pioneira do ensino na qual colaboram especialistas de várias áreas das
ciências da vida, para além da medicina, ao mesmo tempo que é ministrada formação
básica comum a diferentes licenciaturas, fortalece o carácter verdadeiramente
universitário da experiência do ICBAS e traduz-se em qualificação profissional de
destaque entre as escolas congéneres, dos licenciados peta Escola.
Os problemas que por vezes se verificam noutras Faculdades de Medicina em resultado da
Coabitação nem sempre harmoniosa entre Faculdade e Hospital, não se tem verificado no
nosso caso, seguramente em resultado de ambas as instituições partirem para a associação
em base de igualdade e sem dependências recíprocas.
Por outro lado, se o HGSA não renega a sua vocação essencial de unidade prestadora de
cuidados de saúde, considera todavia como fonte de progresso e enriquecimento científico
e técnico a aposta na investigação científica e na titulação académica dos seus
profissionais. Por esse motivo tem aumentado o número de doutoramentos entre médicos
da carreira hospitalar e é já bastante elevado o número de alunos de doutoramento
provenientes do quadro do HGSA.
Actualmente estão em desenvolvimento iniciativas tendentes a criar e potenciar ligações
orgânicas entre áreas de conhecimento e de ensino do cicio básico e do ciclo clínico,
permitindo integração vertical do ensino com ligações nos dois sentidos.
36
Será porventura este o principal e mais enriquecedor objectivo da reforma curricular em curso,
isto é, fornecer a interpenetração de saberes entre a ciência e a investigação fundamental e a
ciência aplicada que é a prática médica.
Daí poderá resultar, para além de um ensino mais integrado, motivador e produtivo,
uma prática de cooperação entre investigadores e profissionais que seguramente
conduzirá ao fortalecimento da produção científica da Escola e também do Hospital.
Oxalá todos saibam ser capazes de, sem protagonismos estiolantes, trabalhar em conjunto
para cumprir os objectivos essenciais dos fundadores da Escola e que se poderão traduzir
por interdisciplinaridade e complementaridade de conhecimentos na investigação, na
docência e também na prática profissional.
3.3 Cerimónia de entrega de prémios escolares - 1994
Discurso do Director do HGSA – Salão Nobre do HGSA
Convidado Ministro Paulo Mendo
Pela 12ª vez, o Hospital Geral de Santo António (HGSA) premeia os seus licenciados em
Medicina. Foram 12 anos de esforços, do renascimento do Hospital na sua função
global como instituição de assistência, ensino e investigação.
De facto, a tradição secular do Hospital obriga-o a ter como um dos seus objectivos
centrais a formação de novos médicos, tradição interrompida em 1959, com a
transferência para o Hospital S. João da Faculdade de Medicina que, até então, aqui
ministrava o ensino clínico.
Apesar de amputado do ensino pré-graduado, o HGSA desenvolveu, todavia, logo no
inicio dos anos 60, o internato complementar, ou seja, a formação pós-graduada,
demonstrando a sua irresistível vocação docente.
Quase 20 anos passados, nasceu, entretanto, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel
Salazar (ICBAS) e o Hospital retoma a sua vocação de base do ensino clínico na fase
pré-graduada de formação médica.
Retoma-a, contudo, de forma distinta da anterior, pois foram os seus próprios
médicos, os profissionais formados nas carreiras médicas, que tomaram o encargo de
transmitirem a sua experiência e conhecimentos científicos e técnicos às novas
gerações de estudantes, integrando-se no projecto inovador, desenvolvido sob a égide
de Abel Salazar, por figuras da dimensão de Corino de Andrade e Nuno Grande, que
tem sido o ICBAS.
Processou-se e sobretudo desejou-se, desde este reinício dos anos 80, um tipo de
formação diferente, mais prática e profissionalizante, mais aberta às inovações
pedagógicas e científicas, que iam fazendo o seu caminho entre as escolas médicas de
Portugal e da Europa.
Ao longo destes anos tem-se vindo a discutir muito, a diagnosticar sucessivos impasses
e incongruências do ensino médico tradicional, sem que muitas vezes se conseguisse
passar, na expressão feliz do Prof. Pinto Machado, do discurso ao percurso.
37
Também aqui, nesta casa, com tradições de inovação e de modernidade, tem sido
difícil vencer resistências e reflexos conservadores, mas algo tem sido feito, contando
com a abertura dos órgãos directivos do ICBAS e a generosa disponibilidade e
entusiasmo dos nossos estudantes.
Os governantes e as Universidades perceberam, pelo menos a nível do discurso, a
necessidade imperiosa de reformar profundamente o ensino médico, dando-lhe uma
nova base cultural mais voltada para os desafios de uma civilização em transformação
acelerada, tendo sido para isso criadas duas comissões interministeriais, integradas
por personalidades de elevada craveira científica e técnica, que elaboraram estudos
que são já referência essencial para qualquer percurso de mudança.
Mas para mudar é necessário querer e fazer algum esforço para vencer a resistência.
O Departamento de Ensino do HGSA e o seu Director têm tido actividade meritória no
sentido de desenvolver o ensino profissionalizante com componente modular,
tendente a fornecer formação mais prática e contacto mais directo dos alunos com os
doentes. Neste sentido, tem-se procurado efectuar uma aproximação com as
recomendações das Comissões Nacionais, no que respeita, por exemplo, ao ano de
profissionalização.
Pensamos que esta orientação é um caminho de modernidade e de progresso e para
ela contamos com a colaboração e a convicção da maioria do corpo docente e,
sobretudo, com a dos alunos, em cujo interesse a reforma necessária se deverá fazer.
E porque os alunos são a razão de ser da Escola é que hoje estamos aqui a prestar
homenagem àqueles que dentro eles mais se distinguiram no curso médico de 92/93.
Para terminar, não posso deixar de dizer que é com indisfarçável orgulho e, porque
não dizê-lo, alguma ponta de emoção, que vemos a presidir a esta sessão, o Sr.
Ministro da Saúde, Dr. Paulo Mendo, que como profissional feito nesta casa foi, e sem
dúvida continuará a ser, um dos motores essenciais da introdução, desenvolvimento e
institucionalização do ensino pré-graduado no Hospital
Oxalá não desmereçamos do seu esforço.
Muito obrigado.
3.4 Cerimónia de entrega de prémios escolares – 1997
SALÃO NOBRE DO HGSA – Discurso do Director do HGSA – 11/04/1997
Convidado Dr. Vítor Sá Machado, Presidente da F. Gulbenkian
Em nome do HGSA que me honro de aqui representar, cumpre-me felicitar os
premiados deste ano e a Escola que os formou, afirmando a convicção de que a cultura
centenária que informa esta instituição possa, de algum modo, ter contribuído para a
sua formação técnica e humanística que é o objectivo emblemático do ICBAS.
Este ano o patrono rotativo é o Dr. Vítor Sá Machado. O nome do Dr. Vítor Sá
Machado, por si e pela Fundação Gulbenkian que representa, é uma referência
incontornável quando se pensa no apoio ao desenvolvimento técnico-científico e
cultural do nosso país nos últimos anos.
De facto, e no que respeita à instituição HGSA, devo sublinhar o profundo
reconhecimento pelo apoio, desde há muitos anos, prestado pela Fundação
38
Gulbenkian, sem o qual, muito do que de mais importante se tem feito, dificilmente
seria possível.
O nome do Dr. Vítor Sá Machado aparece desde há muito anos ligado aos apoios
prestados pela Fundação e é meu dever manifestar o reconhecimento pela confiança
que em nós sempre depositou, sendo justo destacar também o papel desempenhado
pelo Dr. Reimão Pinto e, mais recentemente, pelo Prof. Manuel Rodrigues Gomes,
ambos velhos amigos do Hospital.
Os apoios da Fundação ao HGSA traduziram-se, só na década de 90, com referência a
valores da época, por um total de investimento de cerca de 315 mil contos, devendo
destacar-se o financiamento da UCIP e do serviço de Oftalmologia, como os mais
vultuosos, mas também sendo de sublinhar a importância dos equipamentos
financiados pela Fundação para os serviços de ORL, Radiologia, Cardiologia, Cirurgia
Vascular e Departamento de Transplantes de Órgãos.
O HGSA tem bem a noção de que tem correspondido ao que de si se esperava, pois o
prestígio e desenvolvimento atingidos pelos serviços referidos e o movimento
assistencial e até a investigação clínica relacionados com os equipamentos fornecidos,
são a prova de que os investimentos foram largamente utilizados e rentabilizados.
Algumas referências poderão ilustrar o que se afirma:
UCIP – Desde 1991, cerca de 750 doentes por ano foram admitidos na unidade.
Oftalmologia – Desenvolvimento de novas tecnologias diagnósticas e cirúrgicas,
designadamente no âmbito da cirurgia refractiva, angiografia fluoresceínica ou
queratoplastias.
Radiologia – Mamografia com programa de rastreio e desenvolvimento da citologia
diagnóstica com apoio estereotáxico.
Cirurgia Vascular – Quase 3 mil exames ecográficos anuais.
Cardiologia – Mais de 4 mil ecocardiogramas e mais de 750 provas de Holter por ano.
Departamento de Transplantes de Órgãos – 84 transplantes renais e 29 hepáticos em
1996.
Estes números traduzem, efectivamente, um aproveitamento e disponibilização de
recursos técnicos existentes que crio corresponder aos objectivos da entidade
doadora.
Por tudo isto, pelas novas possibilidades colocadas ao serviço da população utilizadora,
o nosso bem-haja à Fundação Gulbenkian e, em particular, ao Dr. Vítor Sá Machado, na
convicção de que o HGSA continuará a merecer a necessária credibilidade para poder
beneficiar de novos apoios.
Retomando agora o objectivo central desta cerimónia, que é o reconhecimento do
mérito de quem estuda e trabalha, gostaria de dizer o quanto o HGSA se orgulha de ter
ajudado a formar sucessivas gerações de médicos que, desde há 15 anos, têm honrado
o nome da Escola e também do Hospital a ela associado, cuja vocação não se limita à
área assistencial, mas também se alarga à vertente formativa e à investigação
científica.
Entre nós, numa sociedade um tanto complacente e de “brandos costumes”, nem
sempre o mérito é suficientemente reconhecido, mas entendemos que é justo que tal
suceda e esta cerimónia destina-se exactamente a isso.
Parabéns aos premiados deste ano, que desta forma honram a Escola em que se
formaram.
39
Nesta cerimónia será entregue o primeiro prémio Gulbenkian para jovens
investigadores.
O patrocínio da Fundação e a presença pessoal do Dr. Vítor Sá Machado significa ma
importância que é atribuída à investigação científica como factor de desenvolvimento
e, da parte do HGSA, a criação de um estímulo para que sejam dinamizadas as
potencialidades dos jovens para o progresso da ciência médica, que é também um dos
objectivos da Instituição.
À Fundação Gulbenkian e ao Dr. Sá Machado, os nossos agradecimentos por terem
aceitado patrocinar esta iniciativa e aos premiados deste primeiro ano, as nossas
felicitações e os desejos de que mantenham o interesse pela investigação científica,
que o Hospital procurará apoiar, na medida das suas possibilidades.
A todos, muito obrigado.
Nota: No fim da sessão, o Director do Hospital, em nome do mesmo, ofereceu ao Dr.
Sá Machado a medalha comemorativa editada há anos pelo HGSA.
3.5 Cerimónia de entrega de prémios escolares – 1998
Salão Nobre do HGSA - 27/05/1998
Encontramo-nos de novo aqui, responsáveis pelo ensino da Medicina e pelo seu
exercício num hospital que reúne as vocações tradicionais de assistência, de
investigação e de ensino para homenagear todos os jovens que irão entrar na
profissão, mas especialmente aqueles que mais se distinguiram como estudantes. É de
acentuar a particularidade de também se premiarem alunos de outras licenciaturas
para além da Medicina, o que traduz a própria filosofia que esteve na origem do ICBAS.
Qualquer hospital tem por definição responsabilidades no ensino médico, uma vez que
se entende que deverá sempre que possível albergar a sua fase pós-graduado, mas
sempre, seguramente, terá um papel na formação contínua dos seus profissionais, em
particular dos médicos.
O HGSA junta a esta vocação genérica e universal a da formação pré-graduada,
segundo uma tradição que vem desde há mais de 150 anos, isto é, quase desde a sua
fundação.
Depois de alguns anos de interregno o HGSA voltou a associar-se à Universidade para
formar médicos, através da sua ligação à experiência inovadora protagonizada pelo
ICBAS.
A integração do ensino médico numa escola que dedica o seu labor a várias áreas das
ciências da vida, só pode enriquecer a formação, tornando-a mais universalista, isto é,
mais universitária, cumprindo assim também por essa via a divisa do patrono Abel
Salazar.
Numa sociedade cada vez mais massificada e de tendência uniformizante, penso que é
essencial apoiar todas as iniciativas que visem distinguir e recompensar o mérito.
Deve ser incentivada a competição séria, honesta e leal, que permita promover os
melhores e mais qualificados, pois só assim caminharemos em rota de progresso
40
científico e tecnológico que deverá criar condições para uma vida melhor e mais
realizada para todos os nossos concidadãos.
As apostas feitas pela Escola e pelo Hospital, dentro das linhas que sumariamente
venho referindo, têm produzido os seus frutos, que se podem traduzir pela
constatação estatística, que há dias tive o gosto de comunicar à Comissão Científica do
Hospital, de que os licenciados pelo ICBAS em anos sucessivos têm maior taxa de
valorizações elevadas nos testes de acesso ao internato complementar do que as
médias do conjunto do país. Mais importante ainda é, no meu parecer, a constatação
simultânea de que os nossos licenciados têm, de longe, as mais baixas taxas de
pontuações abaixo de 50%.
Apesar de todas as dificuldades e limitações, creio que os docentes e os discentes, pois
todos constituem a Escola, se poderão orgulhar do seu labor ao longo destes 20 anos
de trabalho.
É por isso que o reconhecimento do mérito, ideia base que hoje aqui nos faz reunir, é
um elemento fundamental da estratégia formativa que temos vindo a seguir.
Procurou-se desde início associar a estes galardões, nomes dos melhores, que
marcaram o nosso passado e também o nosso presente, assim como instituições como
a SCMP, matriz bem ancorada na sociedade civil, donde nascem as nossas raízes como
instituição de assistência. Este ano o patrono rotativo é o Dr. Joaquim Pereira Guedes,
figura marcante do Hospital, fundador e primeiro director do serviço de Anatomia
Patológica e membro da Comissão Instaladora do ICBAS, que, com os saudosos
Professores Aloísio Coelho e Neves Real, acompanhou os grandes dinamizadores da
ideia de uma escola nova, que foram e são os Professores Corino de Andrade e Nuno
Grande.
O Dr. Pereira Guedes integrou a primeira geração de discípulos do Prof. Corino sendo o
autor um dos que fizeram parte da geração seguinte.
Todos fomos marcados pela escola criada pelo Prof. Corino, mas muitos de nós foram
também influenciados pelo exemplo de integridade, de competência científica e
profissional que o Dr. Pereira Guedes nos transmitiu durante quase 30 anos de
trabalho na mesma instituição.
Se o patrono rotativo deve ser uma figura marcante da Medicina ou da Sociedade. É
também importante que possa ser um exemplo e uma referência para as novas
gerações e o Dr. Pereira Guedes é ambas as coisas.
Também nesta cerimónia procuraremos distinguir profissionais já em exercício, em
particular os mais jovens e prometedores dentro deles, através do generoso patrocínio
da Fundação Gulbenkian, a quem mais uma vez agradecemos na pessoa do seu
representante Prof. Rodrigues Gomes.
A todos os premiados as mais sentidas felicitações, com a certeza de que na sua futura
vida profissional que agora se inicia saberão honrar as tradições da Escola que os
formou, cumprindo a missão de elementos dinamizadores de melhores condições de
saúde e de vida para os nossos concidadãos, sem ao mesmo tempo perder de vista a
sua obrigação de contribuírem para o progresso da ciência médica ou, melhor ainda,
da ciência no sentido lato…
Parabéns a todos e as maiores felicidades.
3.6 Cerimónia de entrega de prémios escolares – 1999
41
SALÃO NOBRE DO HGSA – 30/04/1999
Discurso do Director do HGSA
Convidados: Ministros da Ciência e da Saúde, Mariano Gago e Maria de Belém
Cumpre-me, em nome do Conselho de Administração do HGSA, agradecer à
Universidade a escolha do nosso Salão Nobre para proceder a esta sessão. Devo
também agradecer, muito em especial, a presença dos Senhores Ministros que, ao
associarem-se a este acto, quiseram, sem dúvida, sublinhar o apreço que lhes
mereceu, quer a Escola, quer a Instituição secular que é a SCMP, quer o próprio HGSA.
Mais uma vez se realiza neste Hospital uma cerimónia universitária destinada a
galardoar o mérito, premiando os melhores alunos da Licenciatura em Medicina, assim
como das de Ciências do Meio Aquático e Bioquímica, ambas da responsabilidade do
ICBAS, sendo que à primeira está associado o HGSA, que ministra o Ciclo Clínico.
Não é demais sublinhar o significado de um acto como este, no contexto de uma
sociedade e de uma estrutura de função pública em que nem sempre o mérito merece
mais atenção do que o carreirismo pretensamente igualitário, quase sempre promotor
da mediocridade e limitador do progresso.
Antes de mais é meu dever felicitar vivamente todos os galardoados, com a firme
convicção de que como profissionais, universitários ou investigadores futuros, saberão
honrar a Escola que os formou e o exemplo do seu patrono Abel Salazar.
Neste ano, o acto que justifica esta sessão integra-se nas comemorações dos 500 anos
de prática de assistência médica pela Santa Casa da Misericórdia do Porto, Instituição
reconhecida da Sociedade Civil e que ao longo de 5 séculos tem prestado relevantes
serviços à saúde e à educação dos portugueses.
O HGSA é, desde há 200 anos, a jóia da coroa dos múltiplos estabelecimentos
assistenciais da SCMP que se sucederam no tempo ou têm vindo a existir em
simultâneo. Também foi no HGSA que se criou, há quase dois séculos, a Real Escola de
Cirurgia, à qual sucedeu primeiro a Escola Médica Cirúrgica e depois a Faculdade de
Medicina do Porto, que em 1959 se autonomizou e integrou no Hospital S. João.
Actualmente, esta larga tradição do ensino médico tem continuidade nesta feliz
associação entre o HGSA e o ICBAS, cujos resultados poderão ser traduzidos pelo
indicador constituído pelos resultados obtidos pelos nossos alunos de Medicina nos
testes de acesso ao Internato Complementar.
De facto, a média da pontuação situa os licenciados do ICBAS, sobretudo os que
fizeram a formação profissional básica (Internato Geral) no HGSA, entre as mais
elevadas a nível nacional e, sobretudo, quase não há entre eles pontuações de valores
abaixo de 50%.
O HGSA, entretanto, sofreu no último ano uma profunda mudança infra-estrutural
com a entrada em funcionamento do novo edifício de ampliação que alberga um
conjunto de Serviços Clínicos e de Apoio, já quase integralmente em actividade e que
muito melhoraram as condições de trabalho e de formação, mas sobretudo as
condições hoteleiras e de conforto que se podem colocar ao serviço dos doentes e
seus familiares.
É fundamental agora que não se perca o “elan” e se continue sem desfalecimento a
obra de remodelação do edifício principal, de modo a que não coexistam, na mesma
Instituição, instalações de primeira e segunda categoria. É claro que o Plano de
42
Remodelação, mantendo o Hospital em funcionamento, é complexo, difícil e longo no
tempo de execução.
É indispensável que profissionais e população tenham a necessária paciência, pois não
há milagres, mesmo com o apoio, que felizmente não tem faltado, quer da DGIES, quer
de S. Excia., a Ministra.
Simultaneamente, assiste-se a uma mudança cultural no posicionamento, quer dos
utentes, quer dos profissionais, que tendem a considerar mais os seus indiscutíveis
direitos do que os também indeclináveis deveres.
Sem um clima de solidariedade, abertura e diálogo calmo e sereno não será possível
vencermos os desafios de uma sociedade em mudança acelerada.
A geração que manteve o HGSA, durante os últimos 40 anos, como Instituição
respeitada, eficiente e progressiva desejaria que, no momento em que novas camadas
de profissionais estão a aceder a lugares de Direcção, todos meditassem no exemplo
de dedicação, probidade e competência, desinteresse e espírito de serviço de que é
brilhante exemplo o patrono do prémio rotativo deste ano, o Dr. João Resende.
Os que tiveram a honra e o privilégio de terem sido seus discípulos e companheiros de
trabalho sabem bem o valor que para eles teve, a par do nunca demasiado citado Dr.
Corino de Andrade, o seu exemplo de homem, de cidadão e de neurologista. Esta será
uma boa maneira de terminar estas despretensiosas palavras, prestando homenagem
à geração que nos antecedeu, a dos nossos mestres de profissão e cidadania, hoje tão
bem representados pelo Dr. João Resende.
Muito obrigado.
CAPÍTULO IV
FIGURAS ILUSTRES DO HGSA
4.1 Dr. Corino de Andrade
43
Publicado nos "Arquivos do HGSA", 1ª série, vol.2, nº 2, pág. 59, Out/Dez de 1998
Entre os grandes nomes de profissionais que marcaram o Hospital no século XX,
ninguém melhor do que o Prof. Corino de Andrade, seguramente o vulto mais
marcante da Instituição nos últimos 50 anos pelo menos, estará indicado para abrir
esta galeria.
Grande figura de médico e cientista, de professor e humanista, o Dr. Corino deixou a
sua marca indelével na cultura que informa a Instituição que ocupa o actual edifício
desde há 2 séculos.
Tendo sido eu próprio um seu discípulo não tenho qualquer dúvida em afirmar que fui
influenciado e educado como médico neurocirurgião e mesmo como ser humano pelo
seu exemplo e pelas orientações que soube sempre imprimir aos serviços que dirigiu e
fundou e à formação dos profissionais que deles saíram.
Melhor do que eu, já o Dr. João Resende, seu companheiro de sempre no Serviço que
ambos construíram, se referiu à história da sua vida no artigo que publicou em 1976
no Boletim do Hospital comemorativo da jubilação do Mestre.
Não irei reproduzir o que o Dr. Resende escreveu mas do seu trabalho respigarei
alguns dados balizadores de um percurso impar.
Nascido em Beja, em 1906, de origem indoportuguesa, formado em Medicina em
Lisboa, logo após a licenciatura rumou para Estrasburgo onde durante quase 7 anos
trabalhou com o grande neurologista Barré e depois em Berlim com Oscar Vogt,
adquirindo uma formação neurológica, anatomapatológica e humanística que fizeram
dele, quando regressado, um verdadeiro europeu, da estirpe dos estrangeirados
Ribeiro Sanches ou Damião de Gois.
Com a aproximação da guerra, em 1938, regressa a Portugal, e para bem de todos nós,
desencanta-se com Lisboa e decide-se pelo Porto, onde após uma fugaz passagem pelo
Hospital Conde de Ferreira, no qual então pontificava outro anterior aluno de Barré, o
Dr. Vitor Ramos, se fixou no Hospital de Santo António então governado pelo grande
provedor e figura eminente de liberal e republicano, que foi o Dr. António Luís Gomes.
44
Seguramente que o Dr. Corino percebeu depressa que, apesar do seu possível
provincianismo, se respirava neste Hospital de modo mais aberto do que nas
anquilosadas estruturas hospitalares universitárias de Coimbra e Lisboa.
Ainda mal chegado foi descoberto por um jovem interno de Medicina, o Dr. João
Resende que intuiu logo o personagem genial que surgia no Hospital e assim o
acompanhou desde então até à jubilação.
Os dois fundaram, a partir do nada, um Serviço de Neurologia, no qual a clínica era
levada até às últimas consequências do rigor semiológico e da comprovação
anatomopatológica.
Daí nasceu, logo no início, a curiosidade por uma doença relativamente comum na
região e que nunca vira nas suas andanças europeias. O rigor e espírito crítico
rapidamente lhe fizeram compreender que se tratava de doença não descrita até aí e
assim foi identificada a P.A.F., objecto do artigo “princeps” publicado no “Brain" em
1952, curiosamente ou talvez não, precisamente num período em que o seu espírito
livre atraiu as atenções da Polícia Política Salazarista, que entendeu por bem prendêlo, como aliás sucedeu com muitos grandes vultos da ciência e da cultura portuguesa,
bastando lembrar o nome do seu grande amigo e filho do Provedor que o acolheu no
Hospital Geral de Santo António e que foi o matemático Prof. Rui Luís Gomes.
Mas para além da clínica e da investigação o Dr. Corino sempre soube formar homens
e da primeira geração de discípulos devem destacar-se os nomes dos malogrados Jorge
Campos e Castro Alves, para além do de João Resende, assim como dos felizmente
também ainda em actividade, Joaquim Pereira Guedes e António Coimbra.
Não se ficou pelo Porto, procurando estabelecer relações com outras figuras do País e
assim começou a deslocar-se a Lisboa para discutir e conviver com figuras como
António Flores e Egas Moniz, Wolwill, Pulido Valente e Bento Caraça e estreita relações
com a grande figura da época da Faculdade de Medicina do Porto, como ele segregado
e perseguido, que foi Abel Salazar.
No princípio dos anos 50, cedo percebeu que estava em expansão no mundo uma nova
especialidade que trazia possibilidades terapêuticas insuspeitadas para a patologia do
Sistema Nervoso e que era a Neurocirurgia, que se vinha afirmando com Cushing e
45
Dandy nos USA, com Marcel David e Clovis Vincent, em França, com Jefferson, Cairns e
Dott na Grã-Bretanha, entre outros.
Pediu ajuda a cirurgiões que trabalhavam no Hospital Geral de Santo António que
então albergava a Faculdade de Medicina do Porto, como Fernando Magano, Sousa
Pereira e o então jovem Oliveira Santos, assim como a Álvaro Ferreira Alves que
desenvolvia a cirurgia ortopédica no Norte, e começou ele próprio a operar, sendo o
primeiro neurocirurgião a trabalhar no Porto.
Como fez sempre, tratou logo de arranjar continuadores e quando lhe surgiu um novo
discípulo, A. Rocha Melo, facilitou-lhe um treino em Edimburgo com Dott e
Guillingham.
Após 2 anos, Rocha Melo regressa e passa a ser o primeiro neurocirurgião que só
exercia essa especialidade e que mais tarde viria a ser o primeiro Director do futuro
Serviço de Neurocirurgia do Hospital Geral de Santo António, responsável pela
formação de gerações seguintes de neurocirurgiões.
No início dos anos 60, surge uma nova leva de recém-formados em Medicina, quase
todos também marcados pela perseguição da polícia política aos estudantes
progressistas que procuravam despertar a consciência cívica e o espírito associativo
dos alunos da Universidade do Porto.
Foi assim que entraram no Serviço e para ficar, o saudoso Manuel Canijo, filho do seu
amigo alentejano de Aljustrel, Dr. Ulisses Canijo, Leão Ramos, Pinho e Costa, Paulo
Mendo, A. Calheiros e, pouco depois, o autor deste texto.
O Serviço foi-se desenvolvendo, a visão sempre avançada para a época do Dr. Corino
fê-lo rapidamente perceber que a especialidade de Neurologia adquirira um
desenvolvimento tal que exigia a fragmentação em várias outras, mas que seria vital
manter a convivência e cooperação de todas sob uma estrutura organizacional
comum, que mais tarde viria a ser designada como Departamento.
O Departamento de Doenças Neurológicas que anos depois adquiriu essa designação e
passou a ter estatuto legal, já vinha portanto a estruturar-se naturalmente desde
muito antes.
46
Assim se desenvolveu a Neurofisiologia com Manuel Canijo, a partir do trabalho
pioneiro com o EEG do Dr. Resende, e após formação em França e Grã-bretanha e a
Neurorradiologia, com Paulo Mendo, após estágio em Estrasburgo.
Entretanto, Pinho e Costa tornava-se a peça chave da investigação bioquímica da
P.A.F., Leão Ramos fundou com Paulo Mendo um Serviço de Neurocirurgia em Rabat,
donde após dois anos rumou para Londres onde estagiou com Falconer, regressando
em 1965. Em 1963 é admitido no Serviço um jovem candidato a neurocirurgião,
Serafim Paranhos, que ainda recém-formado é atirado para Gotemburgo onde se
formou durante 5 anos com Norlen, regressando em 1968.
Já se integrava no Serviço, como interno de Neurologia, nesses anos, J. Castro Lopes,
que não mais saiu, e que após estágios em França se afirmou como neurologista. A.
Calheiros foi para Edimburgo, para o Serviço de Guillingham e Harris e o autor deste
trabalho para Londres onde estagiou com Valentine Logue.
A grande dificuldade permanecia ao longo destes anos, na Neuropatologia, que não
conseguia atrair um cultor. Após várias experiências da "máquina centrifugadora" que
era o Serviço, e com a impossibilidade de alguns estagiários como Nuno Ribeiro,
Manuela Viana e outros, ultrapassarem a então chamada "barreira da celoidina" surgiu
António Guimarães que passou a barreira e é hoje chefe de serviço/responsável da
Unidade de Neuropatologia.
Entretanto, surgiu Almeida Pinto que, à imagem de João Resende, secundou desde
muito cedo Paulo Mendo na Neurorradiologia e depois de cumprir carreira formativa
de neurologista e de estagiar em Londres com Duboulay e Mosley, é, nesta data, o
Director do Serviço, após a aposentação de Paulo Mendo.
Com António Guimarães entraram no Serviço Martins da Silva e Viana Pinheiro, que
vieram a ser os colaboradores de Manuel Canijo na Neurofisiologia. A este sucedeu,
como Director de Serviço, Martins da Silva, após longos estágios no estrangeiro,
particularmente na Holanda. Paula Coutinho e depois Bastos Lima são actualmente
chefes de Serviço de Neurologia.
Resta deixar algumas notas sobre colaboradores do Serviço, que embora lhe fossem
exteriores, não foram menos importantes. Referimo-nos aos anestesistas Silva Araújo,
Vitor Blanc (hoje no Canadá) e mais tarde Fernanda Nunes e os intensivistas Armando
Pinheiro, Sérgio Alexandrino, Nuno Berrance, Neves dos Santos, Carvalho de Sousa,
47
com os quais o Dr. Corino fundou a primeira Unidade de Cuidados Intensivos
Polivalente do país a funcionar em termos europeus e que foi o Serviço de Reanimação
Respiratória, hoje de Cuidados Intensivos.
O novo serviço sofreu Influências francesas de Cara e Poisvert, com quem trabalharam
alguns dos pneumologistas "importados" do então Sanatório D. Manuel II, e inglesas
veiculadas pelo anestesista Silva Araújo, estiveram na génese do que é hoje o Serviço.
Mas não ficou por aqui a acção do Dr. Corino.
Logo em 1971, quando o então provedor Dr. Braga da Cruz teve a noção de que o
Hospital para sobreviver teria que se remodelar, chamou para coordenador do grupo
de estudiosos do Hospital a transformar, o Dr. Corino.
O autor deste livro já se referiu anteriormente à importância que teve o seu trabalho,
as suas ideias e a sua orientação estratégica para o que veio a ser a remodelação em
curso. (2)
Em 1976, o Dr. Corino atingiu os 70 anos, mas, para ele, isso não significava a reforma.
Desde 1974, aproveitando as possibilidades abertas pela revolução de Abril, partiu
logo para outra e associado ao Prof. Rui Luís Gomes, regressado de longo exílio, e a
Nuno Grande, vindo de Angola onde pusera de pé uma Faculdade de Medicina, e sob a
inspiração tutelar de Abel Salazar, construíram o sonho de criar uma escola nova e
diferente, ideia que há muito defendia.
A escola nasceu, é hoje a brilhante realidade do ICBAS e durante muitos anos foi-se
desenvolvendo à sombra da influência permanente dos seus pais fundadores Corino
de Andrade e Nuno Grande.
Não é por acaso que a figura de cidadão e cientista de Nuno Grande, aparece assim
associada à personalidade polifacetada de Abel Salazar, através de mediação de Corino
de Andrade.
Todos são homens do mundo, homens de cultura universalista, que constituem
influências permanentes não só sobre os sobreviventes de gerações anteriores, como
sobretudo nos mais jovens das gerações seguintes que hoje constituem o essencial dos
quadros dos diferentes serviços e instituições que criou ou ajudou a criar.
Para finalizar apenas uma referência às características fundamentais que foram
sempre impressas pelo Dr. Corino à formação dos seus discípulos e que consistiam em
48
trabalho em tempo total, absorção e incorporação do máximo de experiências e
conhecimentos nacionais e internacionais, discussão livre e pluridisciplinar, trabalho de
equipa e consciência permanente de que ao médico não basta ser o melhor técnico
possível, mas também é indispensável ser um homem de corpo inteiro, para quem a
cultura humanista não é um valor negligenciável.
Para Corino de Andrade a liberdade e espírito crítico, o esforço criativo e o trabalho
persistente foram sempre valores indiscutíveis de acção profissional e cívica.
As divisas essenciais que orientaram a acção do Dr. Corino foram sempre duas que
frequentemente citava, uma tomada do grande poeta espanhol António Machado que
dizia "no hay camiños, los camiños se hacen caminando", outra de Abel Salazar e que é
também a do ICBAS, isto é, "um médico que só sabe medicina nem medicina sabe".
Foi isto, no essencial, que aprendemos com o nosso Mestre Corino de Andrade.
4.2 Dr. Paulo Mendo
Publicado Nos “Arquivos do HGSA pag.16
1ª Série, vol. 3, nº.1, Jan/Mai 1999
Entre as figuras mais marcantes do HGSA, avulta o nome do Dr. A. Paulo Mendo,
profissional e cidadão que tanto influenciou os últimos 20 ou 30 anos da Instituição
assim como deixou a sua marca como governante, na evolução e desenvolvimento do
Sistema de Saúde Português. Quando da sua aposentação voluntária em 1996, data
em que deixou a Medicina e o Hospital, após o exercício do cargo de Ministro do
Saúde, para se dedicar às funções de deputado e colunista de imprensa, tive
oportunidade de pronunciar um discurso na sessão de homenagem que o HGSA lhe
dedicou em 20/5/96.
Nesse discurso procurei resumir uma vida ao serviço dos portugueses, sobretudo dos
mais carenciados e desprotegidos, que eu tive o privilégio de acompanhar passo a
passo, ao longo duma convivência de 50 anos, desde o Liceu Alexandre Herculano,
passando pela escola de profissionais e cidadãos que foi o Serviço do Dr. Corino de
Andrade e concluído com uma acção conjunta no Conselho de Administração do HGSA,
no qual depois de exercer funções de Director Clínico durante 5 anos, tive a honra de
lhe suceder como Director do Hospital. Passarei então ao texto do discurso de
49
20/5/96, na esperança de que o registo de testemunhos como este, possa fornecer
elementos que contribuirão para se fazer no futuro a história do HGSA na 2° metade
do século XX.
Mais uma vez a Direcção Clínica presta homenagem a um Director de Serviço que
deixa o Hospital por motivos de aposentação. Mas desta vez não é apenas um Director
de Serviço mas também um profissional que desempenhou as mais altas funções no
Hospital como Director do Departamento de Imagem e sobretudo como Director do
Hospital durante mais de 6 anos e que ainda serviu o País como membro de quatro
governos, em três deles como Secretário de Estado da Saúde e finalmente como
Ministro da Saúde durante 2 anos, continuando a sua intervenção política actualmente
como Deputado.
De facto, o curriculum do Dr. Paulo Mendo, como homem, médico e político é muito
rico e marcado por constantes realizações, pela criação e desenvolvimento de novas
áreas de prestação ou organização de cuidados de saúde.
Licenciado em 1959, o Dr. Mendo ajudou a criar o Serviço de Neurologia do Hospital de
S. João, então dirigido pelo Prof. Emídio Ribeiro, experiência em que eu próprio
participei a partir do ano seguinte, 1960.
Em 1961 transferiu-se para o Hospital Geral de Santo António colaborando no
desenvolvimento acelerado de novas valências na área das neurociências, em
particular da Neurocirurgia.
Começou aí, sob a batuta do nosso grande mestre e permanente figura tutelar que foi
o Prof. Corino de Andrade, a afirmação duma nova geração de médicos de que destaco
o saudoso Manuel Canijo, e ainda o Pinho e Costa, o Leão Ramos, o Castro Lopes, o
Serafim Paranhos, o Calheiros, eu próprio, que conjuntamente com os dois então
assistentes do Dr. Corino, João Resende e Rocha Melo, contribuíram para a construção
do Departamento de Doenças Neurológicas, com individualização de novas
Especialidades (Neurorradiologia, Neurofisiologia, etc.).
50
A intervenção cívica que já vinha desde estudantes e em que ambos fomos
companheiros do movimento associativo, e que nos custou passagem pelas prisões do
Estado Novo, continuámo-la como jovens recém-formados, no então emergente
Movimento das Carreiras Médicas, que tinha como expoentes no Porto, dois brilhantes
membros da geração que nos antecedeu 10 anos, Albino Aroso e Fernandes da
Fonseca.
Em 1962, nas vésperas do Natal, o Paulo Mendo carrega a família, os livros, a máquina
fotográfica, o idealismo e a vontade de viver em liberdade e, no velho dois cavalos,
atravessa o planalto nevado de Castela, passa os Pirenéus, chega a Marselha e acaba
por desembarcar em Rabat.
Aqui, com o Leão Ramos e o nosso querido Vitor Blanc, desde há 30 anos em Montreal,
funda o primeiro Serviço de Neurocirurgia em Rabat, segundo de Marrocos, no então
moderníssimo e internacional Hospital Avicenne.
Com que entusiasmo ele me descrevia, na correspondência que constantemente
trocamos, as conquistas sucessivas, o trabalho na urgência, a primeira operação, a
primeira angiografia, a primeira fossa posterior que em Rabat eram efectuados.
Saíram dois anos depois e deixaram um Serviço que antes não existia. Desde então, o
Paulo Mendo ficou apaixonado por Marrocos que considera como a sua segunda
Pátria.
A nossa amizade, que vinha desde o Liceu, no fim dos anos 40, já lá vão quase 50
(como o tempo passa!), permitiu um encontro de 5 dias em Gibraltar no Natal de 63,
em que eu e a minha mulher fomos de Portugal e o Paulo, a Verónica, o Vitor Blanc e a
Zita vieram de Marrocos. Foram 5 dias a subir e descer Main Street, que Gibraltar
pouco mais tem, discutindo o futuro, as esperanças no futuro da medicina, das ciências
neurológicas, do País, no qual todos aspirávamos viver em liberdade.
Regressado a Portugal em 1964, reingressa no Serviço de Neurologia.
51
Pouco depois a visão larga do futuro que foi sempre característica do Dr. Corino, fê-lo
antever que a Neurorradiologia, que todos íamos praticando como amadores, no velho
Serviço de Radiologia, com a colaboração amiga, serena e civilizada do saudoso Dr.
Júlio Vasconcelos, iria ser uma especialidade autónoma e seria preciso iniciá-la, criá-la.
Foi o Paulo Mendo para Estrasburgo onde com Wackenheim se iniciou na
especialidade e pouco tempo depois, com um craneógrafo Princeps, doado por uma
organização
caritativa
alemã,
fundou
o
primeiro
Serviço
português
de
Neurorradiologia, sendo ele próprio o primeiro especialista, pouco tempo depois
ajudado por um jovem interno que é hoje o Director do Serviço, o Prof. Almeida Pinto.
Com que encanto e deslumbramento nós assistíamos às maravilhas anatómicas que
foram as primeiras pneumoencefalografias, os cortes sagitais da coluna cervical e da
charneira occipito-vertebral e à revolução neurológica e clínica que tal permitiu.
Entretanto o Paulo Mendo continuava a ser um distinto neurologista e em 1971 fez
concurso para Assistente (mais tarde designado de Chefe de Clínica e depois Chefe de
Serviço) de Neurologia, tomando posse em 01.03.1971, numa cerimónia no Salão
Nobre, presidida pelo Provedor Braga da Cruz e em que ele falou em nome dos oito
empossados e que agora recordo: ele próprio e o Castro Lopes de Neurologia, eu, o
Leão Ramos e o Serafim Paranhos de Neurocirurgia, o Benvindo Justiça, o Rogério
Ribeiro e a Dores Carrington.
O Departamento continua a desenvolver-se, a Neurorradiologia, já com dois elementos
no Hospital Geral de Santo António, começa a surgir noutros Hospitais, com Cruz
Maurício e Eduardo Medina em Lisboa, Faria Pais em Coimbra, depois Sousa
Fernandes, Joaquim Cruz, Costa Reis e muitos outros.
Quando foi criado o Serviço de Neurorradiologia é claro que o seu Director só podia ser
o seu fundador e assim sucedeu.
Desde muito cedo a equipe constituída por Paulo Mendo e Almeida Pinto soube criar
espaço, convivialidade, relacionamento humano e profissional, qualidade técnica e
científica que fizeram com que o Serviço passasse a ser o centro nevrálgico do
52
Departamento. Discussões intermináveis em que a verve e o sentido crítico do Dr.
Corino e a competência técnica e ponderação do Mendo marcavam o ritmo ,
sucediam-se nas reuniões semanais e nas pausas à hora do café, pois sempre se
trabalhou naquele Departamento em tempo total, isto é, de manha e de tarde, numa
época em que tal era pouco comum.
Em 1971 é mobilizado para Angola e como Neurologista desempenha importante
papel em Luanda, introduzindo a Neurorradiologia, pela 1ª vez na África Portuguesa de
então, o que permitiu que se desenvolvesse a Neurocirurgia. Ainda recordo o
entusiasmo com que me escreveu a comunicar que o meu malogrado colega
neurocirurgião Rui de Lemos operara o primeiro Tumor da Fossa Posterior em Luanda,
que havia sido diagnosticado por meios neurorradiológicos.
Chega, entretanto, o 25 de Abril e na primeira Direcção Médica eleita no Hospital Geral
de Santo António ambos participamos. Em 1976 no Primeiro Governo Constitucional,
sendo Ministro dos Assuntos Sociais o Dr. Armando Bacelar, ocupa o lugar de
Secretário de Estado da Saúde sucedendo ao Dr. Albino Aroso que exerceu as mesmas
funções no último Governo Provisório.
Da sua acção muito se ficou a dever na reforma do sistema de saúde e na organização
das carreiras profissionais e de gestão dos Hospitais. Quanto ao Hospital de Santo
António, deve destacar-se a sua acção decisiva no desencadear do processo de
programação da remodelação do Hospital, acelerado pelo incêndio de 1976. Também
durante esse mandato foi constituída a Liga dos Amigos do Hospital Geral de Santo
António em cuja génese foi determinante, além do dinamismo do seu primeiro
presidente Dr. Luís Roseira, o apoio do Secretário de Estado, que por isso mesmo foi e
é o Sócio nº 1. Em 1981, nos governos do Dr. Balsemão, volta o Dr. Paulo Mendo a
ocupar o cargo de Secretário de Estado da Saúde tendo como Ministro dos Assuntos
Sociais primeiro o Dr. Carlos Macedo e depois o Dr. Luís Barbosa.
Regressado em 1983 ao Hospital Geral de Santo António retoma o lugar de Director de
Serviço e, entretanto, é criado o Departamento de Imagiologia de que é o primeiro
53
Director, tendo sido também o primeiro médico do Hospital a requerer o regime de
dedicação exclusiva.
Em 1987 é eleito Director do Hospital Geral de Santo António e, em 1988, com a
publicação da nova Lei de Gestão é reconduzido como Presidente do Conselho de
Administração, no qual o autor foi integrado como Director Clínico.
É de destacar neste período a desactivação do Hospital Rodrigues Semide, com a
perturbação que causou no Hospital Geral de Santo António que teve de integrar o
Serviço de Ortopedia e manter uma Unidade de Fisiatria, e sobretudo o início das
obras de ampliação, em 1992, velha aspiração de 20 anos. Também foi inaugurado o
Pavilhão das Consultas Externas do Ex-CICAP, remodelou-se o Serviço de Urgência,
criou-se a UCIP, elaborou-se o Regulamento do Hospital, criaram-se novos
Departamentos (Patologia Laboratorial, com desdobramento do Serviço de Análises
Clínicas e Pediatria, com criação do novo Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos,
etc.)
Durante a década de 80 institucionalizou-se o ensino médico pré-graduado no Hospital
Geral de Santo António, no qual teve papel determinante o Dr. Paulo Mendo, que foi o
seu impulsionador e dinamizador desde início, e sobretudo desde o seu regresso ao
Hospital em 1983.
A sua importância na escola ficou demonstrada pela sua eleição para Presidente do
Conselho Directivo do ICBAS, cargo que exerceu durante dois mandatos, desde 1985, e
a partir de 1987 em acumulação com o de Director do Hospital.
Em Dezembro de 1993 foi nomeado Ministro da Saúde, no último Governo de Cavaco
Silva, cargo que exerceu com elevação e qualidade, apesar das dificuldades, durante
dois anos, e que culminou toda uma carreira e uma vida ao serviço da Saúde dos
portugueses, que se confunde com a modernização do Hospital e que fica também
ligada à reintrodução do ensino médico no Hospital Geral de Santo António, a par com
os Prof. Corino de Andrade e Nuno Grande. O nome do Dr. Paulo Mendo não pode ser
dissociado da introdução de profundas reformas no sistema de saúde, com destaque
para a organização em novos moldes da Gestão Hospitalar, da reorganização da Clínica
54
Geral e Medicina Familiar, da reestruturação de carreiras profissionais, etc. Finalmente
importa sublinhar a acção do Dr. Paulo Mendo como "opinion maker" através da sua
coluna semanal no Jornal de Notícias que mantém há anos com total regularidade, e
que foi objecto de publicação em livro, editado pelo Ministério da Saúde e que traduz
uma visão do Mundo largamente influenciada pela sua vasta cultura de fortes raízes
francesas, alicerçada num perfeito domínio da língua e num conhecimento profundo
dos seus mais destacados pensadores. Em resumo: A personalidade multifacetada do
Dr. Paulo Mendo ficará a marcar de forma indelével a evolução do Hospital nos últimos
30 anos, como também marcará a história da política de saúde no pós-25 de Abril.
Para concluir e resumindo diremos que criou uma especialidade médica, fundou
Serviços e introduziu tecnologias na África de língua francesa e portuguesa, criou um
Serviço e um Departamento, foi Director de Serviço, de Departamento, de Hospital, de
Faculdade, Secretário de Estado, Ministro e finalmente deputado, deixando uma obra
que faz dele uma das mais importantes figuras da cidade e da medicina hospitalar, da
2° metade do século, ombreando com personalidades, como Braga da Cruz, Corino de
Andrade e Nuno Grande".
4.3 Dr. Albino Aroso
Publicado em: Arquivos do HGSA, 1ª série, vol. 4, nº 3/4, pág. 23, Dezembro de 2000
O Dr. Albino Aroso é uma das personalidades que influenciaram muito o
desenvolvimento do HGSA e deixaram marca que ultrapassa em muito a própria
instituição. O Dr. Albino Aroso Ramos, que em Fevereiro de 1993 se aposentou por
limite de idade, nem por isso deixou de continuar a afirmar-se através de uma enorme
actividade nacional e internacional, no campo da política da saúde nomeadamente no
que respeita à saúde da mulher, mas também na discussão dos conceitos sobre o
exercício da profissão médica neste dealbar do século XXI.
Médico e cirurgião ilustre com mais de 40 anos de trabalho no HGSA, “distinguiu-se
como profissional de saúde no sentido mais lato e ainda como homem e cidadão,
através de uma personalidade multifacetada, por vezes geradora de controvérsias,
caracterizada por uma inquietação permanente, por uma constante actividade nos
mais diversos campos, mas com uma presença destacada nas áreas sociais, em
particular na da saúde pública”, para citar as palavras que, como Director Clínico de
55
então, o autor teve oportunidade de proferir na homenagem que o HGSA lhe prestou à
data da jubilação.
O Dr. Albino Aroso, licenciado em 1947 pela FMP, fez toda a sua carreira médica no
HGSA. Oficialmente iniciou funções como “médico extraordinário” de cirurgia, por
deliberação da Mesa da SCMP, de 10/12/48, que incluía também o Dr. Jorge Campos,
saudoso Neurologista que exerceu em Moçambique, depois da formação recebida no
Serviço do Dr. Corino de Andrade.
Dedicado à cirurgia no Serviço dirigido por seu tio Dr. José Aroso, percorreu todos os
degraus da carreira hospitalar desde 2º assistente de Cirurgia Geral, a Assistente e
depois primeiro Director do Serviço de Ginecologia.
Em 1959/60, com a abertura do novo Hospital Escolar de S. João, e a saída da FMP,
deixaram o HGSA muitos dos melhores profissionais de medicina, no que constituiu
uma verdadeira “sangria” que tornava difícil a sobrevivência da instituição como
grande Hospital Central, técnica e cientificamente diferenciado.
Foi então que uma brilhante plêiade de médicos, quase todos recém-regressados de
estágios no estrangeiro, lançou novas especialidades e fundou serviços, alguns dos
quais foram os primeiros no País.
Lembraremos, entre outros, os Serviços de Anestesia com Ruela Torres, de
Endocrinologia, com Ignácio de Salcedo, de Cirurgia Plástica com Guimarães e Sousa,
de Anatomia Patológica com Pereira Guedes
O Dr. Albino Aroso que, como cirurgião geral já se vinha a interessar especificamente
pela Cirurgia Ginecológica, tendo feito estágios em Paris e Viena, e com Mário Cardia,
individualizado a secção de ginecologia num Serviço de Cirurgia. Em 1965 conseguiu
criar o novo Serviço autónomo de Ginecologia, do qual foi o primeiro Director, tendolhe imprimido desde o início uma marcada vocação cirúrgica, designadamente no
campo da oncologia, quer do aparelho genital feminino quer da mama. No serviço
formou gerações de ginecologistas e com a reintrodução, no HGSA, do ensino médico,
em associação com o ICBAS, foi naturalmente, até à aposentação, o regente da
disciplina de ginecologia.
Desde muito novo que o Dr. Albino Aroso se interessou e preocupou com o HGSA
como instituição, o que o levou a desempenhar vários cargos directivos nos quais
deixou sempre a marca do seu espírito criador e modernizador. Assim, foi Subdirector
Clínico do Dr. Frazão Nazareth, entre 1959 e 1965, Director do Serviço de Urgência, na
56
Direcção Clínica do Dr. Braga da Cruz, entre 1967-1970, membro da Comissão
Instaladora de Dezembro de 1975 a Junho de 1977, cargo no qual sucedeu ao autor.
Com a normalização da gestão resultante da publicação do D.L. 30/77, foi eleito
Presidente do 1º Conselho de Gerência em 14/7/77, funções que exerceram até
Fevereiro de 1979, tendo-lhe sucedido nessa data o Dr. Agostinho Pinto de Andrade.
Mas a mais importante acção do Dr. Albino Aroso, como médico ginecologista e
cidadão, que projectou o seu nome no País e no Estrangeiro, verificou-se com o seu
trabalho pioneiro na área do Planeamento Familiar. Vencendo resistências,
incompreensões, calúnias, boicotes, dificuldades de toda a ordem, conseguiu impor a
maior parte do que ainda hoje é o essencial quer no Planeamento Familiar, quer no
rastreio do cancro, nomeadamente genital.
É por todos conhecida a sua acção na divulgação dos métodos e princípios do
planeamento e do rastreio do cancro, em que foi um autentico missionário, tendo
percorrido o país de Viana a Faro, dos Açores a Macau, ensinando, divulgando,
formando profissionais, deixando sementes que têm frutificado ao longo dos anos.
O seu interesse pelos assuntos de saúde pública e dos cuidados primários de saúde
vem de longe, pelo menos desde 1964, em que foi bolseiro em França para estudar
hospitais rurais e centros de saúde, tendo sido seguramente uma das personalidades
que mais tem lutado para que as portas dos Hospitais se abram para os cuidados
primários e afinal para a comunidade.
Em 1982, sendo Secretário de Estado da Saúde Dr. Paulo Mendo, foi publicado o D.L.
310/82 que estruturando as Carreiras Médicas, em particular a de Clínica Geral, criou
os Institutos de Clínica Geral, tendo o Dr. Albino Aroso sido o primeiro presidente do
Norte, o qual desempenhou papel fundamental na formação de novas gerações de
generalistas.
A sua acção como cidadão interveniente manifesta-se já no papel nuclear que
desempenhou no grande movimento que no início dos anos 60 se bateu pela
renovação e modernização do exercício da profissão médica, que ficou conhecido
57
como Movimento das Carreiras Médicas, a cuja Comissão Nacional pertenceu, sendo
um dos dois representantes do Norte (o outro era o Prof. A. Fernandes da Fonseca),
tendo sido, nessa qualidade, um dos subscritores do “Relatório das Carreiras Médicas”
de que foi relator o Prof. Miller Guerra.
Com a revolução do 25 de Abril e as novas perspectivas políticas que se abriram aos
portugueses, o Dr. Albino Aroso destacou-se desde cedo como militante qualificado de
um dos partidos políticos emergentes, o PPD, em nome do qual desempenhou as
funções de Secretário de Estado da Saúde no VI Governo Provisório (Janeiro - Julho de
1976) sendo Ministro dos Assuntos Sociais o Dr. Rui Machete.
Com a normalização democrática – institucional, sucedeu-lhe como Secretário de
Estado da Saúde do 1º Governo Constitucional outro médico ilustre do HGSA, o Dr.
Paulo Mendo, que tinha como ministro outro homem do Porto, o saudoso jurista e
combatente pela democracia, Dr. Armando Bacelar.
Na primeira legislatura, e após a saída do governo, foi eleito deputado à Assembleia da
República e mais tarde volta a exercer a função de Secretário de Estado da Saúde nos
governos do Prof. Cavaco Silva, com os ministros Leonor Beleza e Arlindo de Carvalho.
Permito-me destacar, nesta fase da sua vida política, o impulso que deu ao lançamento
do programa de Saúde Materno-Infantil, preparado pelo anterior Secretário de Estado
da Saúde, Baptista Pereira, de que foi relator o autor deste texto.
No exercício destes diferentes cargos políticos o Dr. Albino Aroso pautou sempre a sua
acção pela procura de consensos, sem que tal dispensasse energia e responsabilidade
na tomada de decisões, e pela criação de melhores condições de saúde para os
portugueses, sendo de destacar, além das já referidas áreas do Planeamento Familiar e
Saúde Materno-Infantil, o seu papel na elaboração e dinamização do Plano Oncológico
Nacional.
Após as suas funções governamentais tem vindo a exercer o cargo, desde 1993, de
Presidente do Conselho Nacional de Oncologia.
58
Importa também referir o seu papel dirigente como Presidente da Associação
Portuguesa do Planeamento Familiar, durante 9 anos, e como membro do Comité
Executivo da Região Europeia da Associação Internacional de Planeamento Familiar
durante 6 anos.
De tudo o que foi dito resulta a admiração que a personalidade do Dr. Albino Aroso
suscita em todos os que têm o privilégio de com ele ter privado e colaborado ao longo
dos anos, admiração que é ainda mais fundamentada pela enorme energia e
dinamismo com que continua, aos 77 anos, a interessar-se por tudo que ao bem-estar
dos portugueses diz respeito, num combate sem tréguas às atitudes acomodatícias e
conservadoras, discutindo, ensinando, participando, na criação e execução de medidas
que possam contribuir para o progresso do sistema de saúde português.
4.4 Dr. Joaquim Pereira Guedes
Publicado nos "Arquivos do HGSA, 1ª série, vol. 4, nº 3/4, Dezembro de 2001
Os textos anteriores são notas biográficas de personalidades que marcaram a vida do
H.G.S.A. na segunda metade do século XX.
Em textos anteriores foi dito que, durante os anos 50 e 60, se afirmou uma plêiade de
profissionais de medicina que, retornando ao HGSA amputado da FMP (que se
transferiu em 1959 para o então novo Hospital de S. João) e de muitos dos seus
melhores médicos e professores, criaram novos serviços e muitas vezes novas
especialidades, mantendo e aumentando o prestígio e importância científica e
assistencial da instituição.
De entre esses nomes, avulta pelo valor do seu trabalho pioneiro de criador de um
Serviço, o Dr. Joaquim Pereira Guedes, Director jubilado do Serviço de Anatomia
Patológica.
59
Um serviço moderno e prestigiado foi criado a partir de quase nada pelo exemplo de
honestidade, de rigor e de modéstia que marcou gerações de jovens médicos que com
ele privaram.
Tripeiro de gema, pois nasceu na freguesia do Bonfim em 18/7/23, frequentou a FMP
onde se licenciou em 22/7/46. Jovem médico recém-formado foi um dos que foi
imediatamente influenciado pela personalidade do Dr. Corino de Andrade, que no
HGSA ia paulatinamente lançando as bases do Serviço de Neurologia e dos outros que
dele mais tarde derivaram, ao mesmo tempo que desenvolvia o trabalho de
investigação que conduziu pouco depois à identificação duma nova doença, a
Paramiloidose (mais tarde designada por PAF), ou "doença dos pezinhos" na sua
designação popular, ou ainda doença de Andrade como é muitas vezes identificada
nos meios científicos.
O jovem Pereira Guedes compreendeu imediatamente o valor da personalidade do Dr.
Corino, então já associado ao seu companheiro e co-fundador do Serviço, Dr. João
Resende, sendo um dos seus primeiros discípulos, juntamente com o saudoso Jorge
Campos, que fez carreira de neurologista em Moçambique e mais tarde Castro Alves,
notável poeta, que exerceu psiquiatria no Porto, e ainda o Prof. António Coimbra que
viria a ser distinto Professor de Histologia da FMP.
Assim, estagiou oficialmente no Serviço de Neurologia desde 01/08/47. Em 06/01/48
faz novo requerimento para frequentar "a enfermaria de Neurologia", que foi deferido
pela mesa da SCMP em 16/01/48, com a burocrática e habitual reserva da época de
que tal concessão "não confere ao requerente qualquer direito ou garantia Hospitalar,
presentes ou futuras".
Em 12/01/49 requereu renovação do estágio que é deferida.
Entretanto desde 1947 que era 2° assistente da FMP, empossado em 14/01 e colocado
na Cadeira de Anatomia Patológica.
60
Após dois anos e meio de trabalho simultâneo na clínica neurológica e no
Laboratório/cadeira de Anatomia Patológica (devendo lembrar-se que então a
Faculdade de Medicina do Porto tinha como base Hospitalar o HGSA), é proposto em
17/09/50 pelo Professor Amandio Tavares, regente da cadeira, para 1º Assistente do
Laboratório de análises do HGSA, em substituição, primeiro por motivo de doença, e
depois por morte do Dr. Carlos Augusto Strecht Ribeiro. Da informação do proponente
constava a menção de que o proposto "...me tem auxiliado na execução de análises
histopatológicas requisitadas ao mesmo laboratório".
A mesa da SCMP, em sessão de 06/07/50 nomeou-o de facto 1 ° Assistente com um
vencimento mensal que variou durante os anos de 1950 e 1951 entre 690$00 e
695$00!
Nessa época o laboratório dependia do Mesário dos Abastecimentos (na altura o Dr.
Cândido Silva) que superintendia no sector designado como "Depósitos Gerais e
Laboratórios".
Mas a burocracia da época não se ficava por tão pouco. De facto, para acumular o
lugar de 2° Assistente da FMP com o de 1° assistente da SCMP, com horários para cada
um distribuídos de manhã e de tarde respectivamente, era necessário uma autorização
do Conselho de Ministros! De facto no diário do Governo (2ª.Serie) n° 238 de 08/10/52
é publicado o despacho de 24/09/52 que sancionava tal acumulação, o que motivou
outro despacho do provedor (28/10/52) a renomeá-lo, agora com todos os requisitos
legais, outra vez 1º assistente da SCMP, mas agora com o vencimento de 685$70 (um
2° Assistente recebia na época 591$70)! Data dessa época a individualização do
Serviço de Anatomia Patológica, inicialmente designado Prossectorado, até à
aprovação do Estatuto Hospitalar (1968).
Nova resolução do Conselho de Ministros de 20106/55 autorizou-o dessa vez a
acumular o lugar de "Analista do Hospital Militar Regional n°1".
61
Entretanto havia sido criado na FMP, o Prossectorado de Anatomia Patológica de que
foi Prossector o Dr. Salvador Júnior, em instalações situadas no edifício da Faculdade,
em frente ao Hospital.
Em sessão de mesa de 13/11/56 foi resolvido "dotar o prossectorado (do HGSA) de um
médico de Anatomia Patológica" com a brilhante remuneração de 1600$00, tendo
para o lugar sido nomeado o Dr. Pereira Guedes, que assim deixa de ser o 1º
Assistente do Laboratório, lugar que é extinto.
Durante todo este período, pelo menos até Julho de 1957, manteve colaboração no
Serviço de Neurologia.
Em 04/12/57 requer à mesa da SCMP autorização, que lhe foi concedida, para se
deslocar, a expensas suas, aos fins-de-semana, uma vez por mês, a Lisboa, ao
Prossectorado do Hospital de Santa Marta, então dirigido pelo Professor Jorge Horta,
onde certamente desempenhou papel na relação daquele com a investigação
histopatógica da PAF.
Em 04/12/59 cessa funções no Hospital Militar e pouco depois o Conselho de Ministros
da época produziu despacho em 10/05/60 a autorizá-lo a acumular funções no HGSA
com as de Anatomo-patologista do Dispensário Central de Higiene Social.
Nessa altura já os vencimentos haviam subido substancialmente, passando de
1600$00 para 2900$00 a partir de Maio de 1960.
Por essa altura, em 1959, a FMP transfere-se para o novo Hospital de S. João,
abandonando a parceria com o HGSA que já durava há cerca de 1 século.
A FMP saiu mas o prossectorado do HGSA ficou e com ele o Dr. Pereira Guedes, que já
em 08/01/53 havia abandonado as funções de 2° assistente da FMP. A Mesa da SCMP
em sessão de 13/07/61, nomeou Prossector de Anatomia Patológica do HGSA o Dr.
Pereira Guedes, criando pela 1ª vez um quadro com dois serventes (muitos dos actuais
62
médicos do HGSA ainda se recordam dos senhores Samagaio e Franklin) e abriu
concurso para preparadores de 2ª, lugar desde logo ocupado pela técnica, D. Maria da
Graça Azevedo que exerceu essas funções durante muitos anos.
Em 05/09/61 o Dr. Pereira Guedes tomou posse do lugar de Prossector ao qual
correspondia o vencimento de 2900$00 (2717$00 líquidos).
Já com o cargo de Prossector e mantendo a ligação ao Serviço de Neurologia e ao Dr.
Corino de Andrade, foi bolseiro do British Council de Outubro de 62 a Junho de 63, em
Londres, onde trabalhou no Serviço de Anatomia Patológica da Post-Graduate Medical
School no Hammersmith Hospital, dirigido pelo Prof. C. V. Harrison, tendo aqui
desenvolvido os seus conhecimentos, sobretudo, na área da histoquímica, de que era
então responsável o Dr. Everson Pearse.
O seu trabalho nessa área permitiu aplicações à PAF (de que levou consigo lâminas
relativas a peças de autópsias que realizara com o Dr. Corino de Andrade em doentes
do HGSA), e deu-lhe uma preparação que fez com que o Serviço do HGSA desse um
salto qualitativo importante, sendo um dos primeiros a introduzir a histoquímica na
prática corrente.
Durante o seu estágio ainda fez uma breve visita ao Serviço de Anatomia patológica da
Universidade de Edimburgo, então dirigida pelo Professor Montgomery.
A evolução do H.G.S.A. e a sua progressiva integração na rede de Hospitais Públicos,
sob a direcção clínica do Dr. Braga da Cruz, conduziu à criação em 1968 do Serviço de
Anatomia patológica (então instalado no torreão central, terceiro piso (actual
biblioteca central) que sucedia ao antigo prossectorado, tendo sido aberto concurso
para o lugar de director que foi preenchido naturalmente pelo Dr. Pereira Guedes
(nomeado em 01/07/68).
No fim desse ano de 1968 foi um dos participantes mais entusiastas no primeiro
Congresso Nacional de Anatomia Patológica que se realizou em Dezembro nas então
63
capitais ultramarinas Lourenço Marques e Luanda, em cuja organização teve papel
importante o Prof. Fernando Torres, então anatomopatologista no Hospital Miguel
Bombarda, em Moçambique.
O Director Clínico do Hospital Geral Santo António era então, como se disse atrás, o Dr.
Braga da Cruz, que atingiu o limite de idade em 3/10 de 1969, passando depois a
exercer as funções de provedor do SCMP (e por inerência às do Director do H.G.S.A.)
nas quais se manteve até 25 de Abril de 1974, sendo esse período de menos de cinco
anos uma época de profunda reestruturação, modernização e integração do hospital
nos serviços públicos de saúde.
O Dr. Pereira Guedes que já tinha então um primeiro colaborador, o Dr. Silva Caspurro,
que abandonara o Prossectorado do Hospital São João onde se iniciou na Anatomia
Patológica e desempenhava as funções de ajudante de Prossector, para se associar ao
projecto de construção dum Serviço, aceitou o encargo que consistiu na sua nomeação
por deliberação de mesa de 19/08/68 para Director Clínico, tendo como adjunto o
saudoso Dr. Artur Vasconcelos Teixeira, cardiologista distinto do HGSA que deixou
marcada recordação em todos os que o conheceram. Após a necessária ratificação
pelo Ministério da Saúde, tomou posse em 29/10/68 em sessão pública noticiada no
dia seguinte (30 /10) pelo Jornal de Notícias e Comércio do Porto.
Em Janeiro de 1971, no exercício das suas funções de Director Clínico, propôs à mesa
do SCMP (que aprovou em 12/01/71) a nomeação de uma nova Direcção do Serviço de
Urgência de que era titular o já falecido Dr. Joaquim Azevedo de Oliveira, cirurgião
geral que terminou a carreira como director do Departamento, tendo como adjuntos o
Dr. Baltazar Valente, que foi Director de Serviço e de Departamento de Pediatria e o
autor deste texto, que, jovem neurocirurgião de 37 anos, acabara de prestar as provasmaratona de concurso para o lugar cimeiro da carreira, então designado como
Assistente, mais tarde Chefe de clínica e depois Chefe de Serviço.
Data dessa época relacionamento mais directo do autor com o Dr. Pereira Guedes, que
só conhecia como neuropatologista, qualidade em que colaborava muito
64
proximamente com o Serviço de Neurologia, no qual o autor fazia a sua formação
desde há oito anos.
Deste contacto director resultou a imediata constatação de que o Dr. Pereira Guedes
pautava a sua conduta como responsável gestionário, pelos mesmos valores que eu já
lhe reconhecera como patologista, isto é, honestidade sem mácula, rigor levado até à
teimosia, competência técnica e capacidade de ouvir os outros e de procurar
consensos, sem abdicar dos princípios, que aliados a uma excepcional capacidade de
trabalho, fizeram dele um dos modelos de comportamento que muitos de nós se
habituaram a considerar e a respeitar.
Da sua coerência e honestidade resultou o pedido de demissão (29/04/71) para que
pudesse dar-se cumprimento à nova legislação que previa a eleição do director clínico
pelos seus pares da Comissão Médica.
A eleição, embora contra a vontade da Mesa da SCMP, que entendia não estar nesse
aspecto sujeita à referida legislação, efectuou-se, ficando o Director Clínico
democraticamente legitimado pela escolha, quase unânime (apenas uma abstenção),
de todos os membros da Comissão Médica, previamente convidados a consultar os
respectivos elementos de cada Serviço.
Estas funções foram exercidas até ao fim de 1972, altura em que foi pedida
exoneração por razões de ordem pessoal. O pedido foi aceite, (mas não a motivação)
pela Mesa que lhe conferiu um louvor pelo modo como exerceu as funções (26/12/72).
Do esclarecimento que o Secretário de Estado da Saúde (Dr. Assis dos Santos) obteve
directamente no seu Gabinete resultou para o HGSA o reforço da verba orçamental e
que o seu rendimento funcional (considerado então o melhor dos Hospitais Centrais)
legitimava.
Na sequência da sua exoneração a Mesa nomeou para lhe suceder o Doutor I. Salcedo,
também já falecido, e que era então o prestigiado director e fundador do Serviço de
Endocrinologia.
65
O Doutor Ignácio Salcedo constituiu uma direcção clínica com cinco membros: ele
próprio e dois adjuntos (Dr. Corte Real e o autor), o Director de Internato, Dr. Nuno
Berrance e Dr. Azevedo Oliveira, Director do Serviço de Urgência.
Entretanto o Dr. Pereira Guedes regressou ao Serviço onde já ingressara como interno
o Dr. Frederico Silvestre, que, em 2000, era Chefe de Serviço.
Em 20/03/74, na distribuição de médicos do quadro, o Serviço de Anatomia patológica
surgia com um director (Dr. Pereira Guedes) e um especialista (S. Caspurro). Na época
o Serviço já tinha dois internos em treino, os Drs. Frederico Silvestre e Manuel Dias (no
ano 2000, Chefe de Serviço na Maternidade Júlio Dinis).
Com o 25 de Abril surgiram as condições para concretização da antiga ideia do Dr.
Corino de Andrade e que era a criação de uma nova e diferente Escola de Medicina.
Nasceu em 1976 o ICBAS e da sua comissão instaladora fizeram parte, além dos "pais
fundadores" Corino de Andrade e Nuno Grande, os já falecidos Doutor Luís Neves Real
e Doutor Aloisio Coelho, o Doutor João Monjardino, professor em Londres e, em
representação do HGSA, o Dr. Pereira Guedes.
Com a criação da licenciatura de Medicina o primeiro regente da cadeira de Anatomia
patológica foi naturalmente o Dr. Pereira Guedes que exerceu as funções até à
aposentação.
Como responsável Hospitalar foi depois ainda nomeado, após a aposentação do
Doutor Eugénio Corte Real, Director do Departamento de Patologia Laboratorial, em
1985, sendo Director Clínico o Dr. J. Castro Lopes e Director do HGSA o Dr. A. Pinto de
Andrade. Foi exonerado o seu pedido dessas funções em /12/88, sendo o autor o
Director Clínico e o Dr. Paulo Mendo Director do HGSA. Sucedeu-lhe, como Director do
Departamento, o ainda actual director, Doutor J. Castro e Melo.
66
Em 29/12/90 foi nomeado vogal da então criada Comissão de Coordenação Oncológica
do HGSA, funções que exerceu até à sua aposentação em 01/04/93, depois de mais de
45 anos de trabalho, não sem que antes tivesse sido objecto de louvor da ministra da
Saúde Leonor Beleza (despacho de 28/3/89) pela colaboração benévola que o seu
laboratório privado prestou durante 30 anos ao Hospital Maria Pia.
Ao fazer este já longo bosquejo histórico - biográfico pretendi não só deixar o registo
da carreira de um brilhante profissional, fundador de um Serviço, formador de
profissionais (médicos e técnicos) e factor de progresso científico e assistencial, como
também referir alguns elementos que possam contribuir para a compreensão da
história de uma época do HGSA que se estendeu ao longo da segunda metade do
século 20.
O Dr. Pereira Guedes, como médico do HGSA, foi um exemplo, para muitos membros
da nossa geração, de um homem de carácter, honestidade, rigor e competência.
Para terminar faz-se referência a um último traço dominante do carácter do Dr. Pereira
Guedes que é a sua modéstia e aversão a exibicionismos tantas vezes balofos, o que
talvez tivesse contribuído para que nem sempre os seus reais méritos tivessem sido
oportunamente reconhecidos.
4.5 Dr. Guilherme Nogueira
Publicado em: “Arquivos do HGSA, 2ª série, vol. 1, nº 4, Dez/2006
Introdução
Uma instituição bicentenária com a importância e prestígio do HGSA, no campo da
Saúde dos portugueses e, em particular, dos nortenhos, não poderia deixar de contar
entre os seus profissionais, e em particular dos Médicos, figuras que se impuseram,
pelo menos na época em que lá trabalharam, pelas suas qualidades e méritos , tanto
técnicas ou científicas como humanas.
De facto assim sucedeu, e ao consultar os documentos que a SCMP guarda na sua
Biblioteca, nomeadamente Relatórios anuais de Gerência, Actas da Mesa ou de
Comissões variadas, com destaque para a Direcção Administrativa do HGSA, deparei
com várias dessas figuras, grande parte delas hoje esquecidas, que merecem ser
67
apresentadas aos jovens que, na actualidade asseguram a manutenção dos serviços
prestados à comunidade pela instituição.
Entre elas há uma que, no meu parecer se destaca pela sua qualidade humana e
técnica mas sobretudo pelo sentido de dádiva e de serviço que imprimiu à sua Função
de Director Clínico com papel destacado no controle da epidemia de Peste Bubónica
(uma das últimas registada na Europa) que assolou o Porto em 1899.
Trata-se do Dr. Guilherme Gonçalves Nogueira, Cirurgião dos mais distintos na época,
Director da Enfermaria 1 desde 1896, Director Clínico
(ou “Director Técnico” como também se designava na época) desde fim de 1896, até
meados de 1906, durante quase 10 anos consecutivos, tendo suspendido o mandato
por cerca de 6 meses para se ocupar em exclusividade da Direcção médica e
administrativa do Hospital Senhor do Bonfim enquanto durou a epidemia de peste.
O HGSA EM 1899
No fim do século XIX o HGSA era já um Hospital de influência regional. Com cerca de
800 camas, albergando uma Escola Médica, a EMC, com grande peso do internamento,
como era próprio da época e com uma organização médica muito elementar, baseada
em enfermarias gerais, apenas separando os sexos, destinadas a Medicina Geral ou
Cirurgia Geral. Para além desse núcleo principal havia outras enfermarias
especializadas, como Partos e Homeopatia, e sobretudo as que traduziam o atraso
social e sanitário da cidade e do País, que eram as enfermarias para tuberculosos e
variolosos, que demonstravam a natureza endémica dessas doenças. Finalmente
existiam enfermarias de “toleradas” ou “meretrizes”, destinadas a prostitutas quase
todas infectadas por DST, sobretudo Sífilis. Havia ainda a responsabilidade pela
enfermaria existente na vizinha Cadeia da Relação.
O Quadro em anexo (anexo 1) mostra o movimento das enfermarias durante a década
de 90, que as enfermarias Gerais (Medicina e Cirurgia) eram ocupadas por cerca de 70
% dos doentes, e que o conjunto das destinadas a isolamento de doenças infectocontagiosas (Tuberculosos, variolosos, toleradas) andava à volta dos 15% do total,
assistindo-se ainda á existência provável dum surto epidémico de varíola enxertado na
endemia reinante, nos anos d 1898 e 1899, em que quase decuplicou o número de
internados em relação à maior parte dos anos anteriores.
Estes factos podem explicar a cultura em Infecciologia e Epidemiologia de que
deveriam beneficiar boa parte dos médicos do HGSA, como sucedia com o Dr.
Guilherme Nogueira
2 – O Regulamento de 1896 (1)
Em 1895 o Conselho Médico vinha a discutir a actualização do Regulamento de 1885,
sobretudo da sua secção II, que tratava de “Serviços Técnicos, Recursos humanos e
Direcção Técnica”. O novo Regulamento, revisto por 2 figuras destacadas da instituição
- o Dr. José Nunes da Ponte, Vice-Provedor e Presidente da Direcção Administrativa, e
68
o Prof. Magalhães Lemos, figura grada da Psiquiatria e da cidade - foi aprovado pela
Mesa e entrou em vigor em 16/6/1896.
A nova organização do HGSA, definida no Regulamento, previa Serviços dotados de
autonomia técnica, embora com certas diferenças da concepção actual, mas sobretudo
instituía uma ordenação de médicos em termos hierárquicos, em cada serviço, que de
certo modo antecipava as carreiras médicas dos últimos anos do século XX, Assim, os
Serviços (ou Enfermarias) possuíam uma equipa médica integrada por um Director, um
Clínico Adjunto, Alunos Internos e Alunos Externos, não esquecendo que o HGSA
albergava, na época, a EMC. O Director Clínico teria que ser escolhido entre os
médicos do Hospital, o dos que tenham sido ou fossem, à data, docentes em qualquer
das Escolas Médicas do País.
O primeiro director Clínico a ser nomeado de acordo com o novo Regulamento, foi o
Dr. Guilherme Nogueira, que vinha a exercer o lugar de Director da Enf.ª 1, onde tinha
como Adjunto o Dr. Alberto Ortigão Miranda. Tal aconteceu porque o Director clínico
que sucedera ao conselheiro Joaquim José Ferreira, em 1894, o jovem Dr. Henrique
Pereira da Costa foi acometido de grave doença que o vitimou, aos 42 anos, em fins de
1896.
3 - O Dr. Guilherme Gonçalves Nogueira
Licenciado em 1867 o Dr. Nogueira foi nomeado pela Mesa Director clínico ao mesmo
tempo que o seu subdirector Prof. José Dias de Almeida Jr., que no ano anterior
iniciara uma nova especialidade, a 1ª da era moderna, a Pediatria.
É de notar, no entanto, que o prestígio do Dr. Nogueira já vinha de trás. De facto, em
1894, (Relatório 1893-1894) sendo Director Clínico Interino o Conselheiro Joaquim
José Dias Jr. Verificou-se no HGSA uma polémica resultante da decisão da Mesa em
contratar uma médica para o Banco. Houve argumentos e contra argumentos, o que
motivou a retomada de funções pelo Director Clínico Efectivo que há meses estava
ausente e substituído pelo interino. O Director, Conselheiro Joaquim José Ferreira
tomou a decisão de propor a constituição de um júri presidido por si e integrado por
duas personalidades de reconhecido prestígio na instituição, e que foram o Prof. Ilídio
Pereira do Vale, respeitado lente da EMC e o Dr. Guilherme Nogueira, júri que não
sofreu qualquer contestação.
Do concurso de provas públicas resultou a nomeação da Dr.ª Maria Paes Moreira, que
desempenhou as funções de única médica do Banco durante muitos anos.
Logo no primeiro ano do mandato de Director resolveu o problema do “Posto de
Desinfecção” do Hospital, encontrando local e dirigindo ele próprio a elaboração do
projecto. (1)
Mas a acção historicamente mais relevante do Dr. Guilherme Nogueira foi a que
desenvolveu no combate e controle da epidemia de peste, através do desempenho do
cargo de Director clínico do Hospital do Senhor do Bonfim, como se verá mais adiante.
Como Director Clínico durante 10 anos há que referir algumas ideias e iniciativas que
marcaram o seu mandato: já me referi acima ao projecto de “Casa de desinfecção” de
que, logo no início do exercício, apresentou. Deve fazer-se ainda que curta referência a
obras ou modificações que promoveu no HGSA. Lembro, através da leitura dos
relatórios anuais do Director Clínico ou da Mesa, os esforços que desenvolveu para
apressar a conclusão das obras da Ala Norte, sobretudo a partir do momento em que
69
conseguiu financiamento através dum legado; Propôs e conseguiu realizar a colocação
de caixilharias envidraçadas ao longo das galerias do edifício e que ainda hoje existem,
instalou a luz eléctrica em todo o Hospital, insistiu até conseguir, a aquisição de
equipamento de radiologia (5), etc.; Melhorou a remuneração dos enfermeiros ou
conseguiu convencer a Mesa a fazê-lo, procedeu a reavaliação e actualização das
relações com a EMC, etc.
O Dr. Guilherme Nogueira tinha portanto uma formação bacteriológica que fazia com
que o Dr. M. Monteiro Pereira, na sua História da Medicina Contemporânea (3),
escreva que o primeiro núcleo bacteriologista do Porto era constituído pelo Prof.
Ricardo Jorge, o Prof. Plácido da Costa, que também se dedicava à Oftalmologia, o Dr.
Sousa Jr., autor de uma tese em 1902, sobre a epidemia de peste de 1899, em que
colaborou com o Mestre, o Dr. Balbino Rego e o Dr. Guilherme Nogueira.
O próprio Ricardo Jorge, referia-se a ele e á colaboração imediata que lhe deu naquela
acção, como “o meu amigo Gonçalves Nogueira” ou a propósito das vicissitudes sofridas
naquele caso ao “ meu companheiro nesta triste faina da peste”, em que mostrava o seu
desgosto pela campanha contra si levantada, no que teve sempre a solidariedade total do
Amigo. (5)
Também é de referir a carta que Câmara Pestana e a sua equipa lhe dirigiu quando
regressaram a Lisboa depois da deslocação ao Porto que iria custar a vida ao ilustre
Professor, onde este elogia “ as altas virtudes e o seu saber” do Dr. Guilherme
Nogueira. (2)
4 - O Hospital do Senhor do Bonfim
Entretanto a varíola que existia de forma endémica na cidade, sofreu uma
recrudescência em 1898, de tipo epidémico, sendo admitidos nesse ano 535 doentes,
enquanto nos 2 anos de 1896 e 1897 se haviam registado apenas 40 e 38 (ver Anexo
1). O Director Clínico Guilherme Nogueira, teve a ideia de aproveitar as instalações não
utilizadas do Hospital Senhor do Bonfim, vulgo “Goelas de Pau” para albergar os
variolosos. Obtida a colaboração do prestigioso higienista Prof. Ricardo Jorge que com
ele visitou as instalações, requereu ao Governo a cedência do Hospital, elaborou
regulamento próprio da nova Unidade, mas infelizmente não houve acordo entre o
Governo e a SCMP, e o Hospital só foi aberto em 1899, em consequência de nova
epidemia desta vez de “Peste Bubónica”.
O relatório do Provedor, nesse ano (pág. 219), referiu como médicos de alta
competência, além dos directores e subdirector Clínico, os Drs. Guilherme Nogueira e
Chaves de Oliveira. De resto o Dr. Guilherme já substituíra pontualmente o Director
interino, em faltas ocasionais (pg.226) de forma sempre elogiada pela Direcção
Administrativa.
Mas voltemos ao ano de 1899, quando se discutiam as condições da cedência do
Hospital do Bonfim ao HGSA para tratamento de doentes variolosos, negociações
difíceis que obrigaram o Provedor Paulo Marcelino a recorrer ao Monarca por ofício de
18/2/1899 (2). Surge então em 4/7 a epidemia de peste bubónica. O Dr. Gonçalves
Nogueira propõe a utilização do Hospital para a doença emergente, e consegue a
autorização do Governo Civil em 31/8 (2). Imediatamente decide passar ele próprio
para o novo hospital, deixando o seu subdirector José Dias de Almeida a dirigir o HGSA,
Abriu assim o Hospital do Bonfim em 2/9 fazendo-se acompanhar de dois médicos do
70
HGSA, que se voluntariaram a compartilhar com ele o risco da missão, os Drs. Alberto
Alves de Freitas e Eduardo Correia, Guimarães, um cirurgião e outro médico. Com eles
também se deslocaram enfermeiros e empregados que combateram a epidemia até a
mesma ser dominada em 12/3/1900. (1)
É essencialmente esta brilhante acção cheia de coragem e determinação, que deve
merecer o nosso respeito e admiração, passado mais de um século.
Durante a epidemia, infelizmente verificou-se o falecimento, como vítima de contágio,
do Prof. Câmara Pestana. (1,5, 6, 7).
Como eu próprio referi em trabalho anterior sobre a epidemia de peste bubónica (6),
entre as manifestações de protesto e reprovação contra as medidas tomadas por
Ricardo Jorge e seus partidários, algumas foram protagonizadas por médicos, por
vezes de forma primária, como a que foi defendida por um médico que suponho
trabalhava no HGSA, e que motivou um enérgico protesto do Dr. Guilherme Nogueira
(Anexo 2 da ref. 6 da publicação anterior sobre peste bubónica), que revela coragem e
desassombro que só o dignificaram.
5 - Outros traços do Dr. Guilherme Nogueira
Será agora a altura de referir as facetas mais pessoais da personalidade do Dr.
Guilherme Nogueira. Para tal valer-me-ei das informações contidas no importante
artigo de Amadeu Sales no “Tripeiro” (7), “Notas de Antanho a propósito de uma visita
régia”.
Refere-se o autor ao nosso biografado como “de porte distinto, a barba branca
cuidadosamente tesourada” usando no verão cravo na lapela que no inverno era
substituído por rosa chá, sempre vestido de jaquetão de casimira inglesa.
Solteirão impenitente, habitava na Foz, na Avenida de Carreiros, hoje Avenida Brasil,
onde reunia uma tertúlia de amigos, entre os quais, além de banqueiros,
comerciantes, médicos, se costumavam encontrar o Pintor Artur Loureiro, autor dum
seu retrato, existente no Museu Soares dos Reis, o Maestro Óscar da Silva, e outros.
Diz Amadeu Sales que eram famosos os jantares que duas vezes por mês preparava ele
próprio para os amigos, sendo também ele que, no Mercado do Anjo ou no do peixe,
adquiria à saída do Hospital as “matérias-primas” com que à noite confeccionava o
jantar.
Durante a epidemia de peste, quando o Prof. Câmara Pestana veio ao Porto foi
convidado para um desses jantares. A tragédia da sua morte, nas circunstâncias em
que se verificou fez com que o anfitrião tivesse suspendido as reuniões durante muito
tempo.
Depois de passados os episódios relacionados com a peste, o Dr. Guilherme Nogueira
retomou o seu lugar de Director Clínico, que exerceu até pedir a demissão em 1906,
sendo substituído pelo seu subdirector Dias de Almeida, que fora seu Adjunto em
todos os 10 anos de exercício. Durante o seu mandato foram criadas novas
especialidades como Oftalmologia e Pediatria, criaram-se as condições para o início da
Radiologia em 1907 (7), adiantaram-se as obras de construção da Ala Norte, e o HGSA
viveu uma fase de desenvolvimento considerável.
Faleceu em 19/11/1925.
71
4.6 Dr. Assis Vaz
Publicado em: “Arquivos do HGSA”, 2ª série, vol 1, nº especial, Dez/2007
Introdução
Entre os cirurgiões que mais se destacaram nos primeiros anos de vida do HGSA, e em
particular na criação do ensino da Cirurgia, avulta, logo no fim do primeiro quartel do
século XIX o nome do Dr. Assis Vaz, que justifica plenamente a inclusão no grupo das
figuras ilustres que serviram o HGSA, ao longo dos mais de 200 anos que já conta de
vida.
O Dr. Francisco d’Assis Sousa Vaz foi motivo de “Notícia Biográfica” publicada em 1878
pelo seu colega e admirador Dr. José Frutuoso Aires de Gouveia Osório, que o
identificava logo no frontispício do opúsculo: “Decano e Director da EMC do Porto,
lente jubilado da 7ª cadeira, Médico do Rei de Itália, sócio da Sociedade das Ciências
Médicas de Lisboa, e da Academia Real Médico-cirúrgica de Turim, Comendador da
Ordem de Cristo, e das de S. Maurício, S. Lázaro, etc.” (11)
Estes títulos culminam uma longa carreira profissional e académica que passaremos a
descrever.
Assis Vaz nasceu na cidade do Porto em 7/8/1797, na Rua da Ferraria de Cima, actual
Rua dos Caldeireiros. Era portanto um tripeiro de gema. Filho de António de Sousa Vaz,
que seria mais tarde Tenente das antigas ordenanças (11,13) e de Ana dos Anjos de
Sousa Vaz, pessoas laboriosas e respeitadas foi educado numa atmosfera de hábitos de
trabalho, tolerância e respeito pelos outros, assim como de gosto pelo saber. Ajudado
por um frade instruído, Frei Manuel Cândido (13) teve aulas de Latim e Francês, sendo
aprovado no exame de acesso à Real Academia de Marinha e Comércio, em 1810, com
13 anos (!)
No Porto de então, raros cirurgiões e poucos médicos sabiam as duas línguas, apesar
dos esforços duma associação profissional a”Real Academia Médica e Cirúrgica do
Porto”, inaugurada em 1749 por um grupo de Médicos e Cirurgiões, para melhorar o
nível técnico dos profissionais. Gouveia Osório (11), por exemplo, considerava a
instrução cirúrgica no país,” escassíssima”.
Em 13/12/1808, Assis, então com 11 anos, foi matriculado na aula de “Sangria”
ministrada no HGSA pelo mestre João José da Costa Pereira. Simultaneamente, em
Agosto de 1810, matriculou-se na aula de Anatomia do HGSA, que existia há mais de
10 anos, sob responsabilidade do Dr. Isidoro Ferreira Machado, e de que era professor
em 1910, António Ribeiro de Carvalho, “O Lamego”, que foi o principal professor de
Assis (13). O curso já era na altura de 4 anos, sendo condição de admissão a posse da
“Carta de Sangradores” havendo um Exame final que incidia sobre todo o curso, que
conferia o título de Cirurgião.
72
Em 1814 (portanto com 18 anos), Assis faz exame final perante um Júri presidido pelo
delegado do Cirurgião – Mor do Reino, Joaquim José Rodrigues, e tendo entre os seus
membros Manuel de Sá Matos autor de “Biblioteca Cirúrgica Anatómica” publicada em
1788. O diploma de sangrador e cirurgião foi-lhe passado, nos termos da lei pelo
delegado do Cirurgião – Mor, que na época era o Dr. José Correia Picanço., com a data
de 16/3/1815 (11,12). Tinha apenas 17 anos, pois só completaria 18 em Agosto.
Como considerou a sua preparação ainda insuficiente, matriculou-se novamente na
Academia, durante os anos de 1816 a 1820, e estudou filosofia racional, inglês,
matemática, desenho e mesmo Náutica. Entretanto no Hospital, o seu mérito fez com
que logo em 1816 fosse nomeado examinador de Cirurgia.
Em 1819 morreu o seu mestre de Sangria João Costa Pereira, tendo-lhe sido atribuído
o lugar. (11,12)
Em Setembro de 1821 foi nomeado cirurgião da “Roda dos Expostos”, matéria em que
se notabilizou escrevendo vários artigos e traduzindo outros. Manteve-se nesse lugar
durante 49 anos.
Em 1821, foi nomeado 1º Cirurgião do HGSA o Dr. António José de Sousa, e como 2º
Cirurgião o Dr. Assis Vaz. Os dois esforçaram-se por melhorar a qualidade da cirurgia
praticada, tendo na época sido muito apreciado uma publicação sobre duas
laqueações (uma da femural, outra crural) que realizaram em 1922. (13)
Por essa data também se tornou cirurgião nos Hospitais privados de S. Francisco e do
Terço. (13)
A Real Escola de Cirurgia
Com a decisão de D. João VI de, por proposta do Cirurgião Mor do Reino, Teodoro
Ferreira e Aguiar, de criar a Real Escola de Cirurgia, no Porto, (e também em Lisboa) (1,
11,13, 16), a do Porto ficando sediada no HGSA, o Dr. Assis Vaz é naturalmente
nomeado como membro do 1º Corpo Docente.
Assis Vaz é um dos 3 docentes, formados no HGSA, nos primeiros anos do século: Os
outros eram António José de Sousa, o 1º lente de Clínica Cirúrgica, e Francisco Pedro
de Viterbo. O curso era de 5 anos, com igual nº de cadeiras, cada uma dirigida por um
“Lente Proprietário”. Havia ainda 3 lentes suplentes, um dos quais era Assis, e um
“Lente ”porteiro” e ajudante de Anatomia. Era assim a equipa (11,14, 16):
1º Ano – 1ª cadeira: Anatomia e Fisiologia - Vicente José de Carvalho (a)
2º Ano - 2ª cadeira: Matéria Médica, Farmácia e Higiene – Francisco Pedro de
Viterbo (b)
3º Ano - 3ª cadeira: Patologia Externa, Terapêutica e Clínica Cirúrgica – António
José de Sousa (c)
4º Ano - 4ª cadeira: Medicina Operatória, Arte Obstétrica e Medicina Forense.
Joaquim Inácio Valente. (d)
5º Ano - 5ª cadeira: Patologia Interna e Clínica Médica – Bernardo Pereira da
Fonseca Campeão (e)
Substitutos: Bernardo Joaquim Pinto - 1ª e 4ª (f)
Francisco de Assis Sousa Vaz - 3 (g)
Alexandre Sousa Pinto- 2ª e 5ª (i)
Lente Secretário da Escola: Francisco de Assis Vaz
73
Porteiro e Ajudante: António Ferreira Braga (k)
(a) Lisboa, demonstrador de Anatomia, H. S. José
(b) Cirurgião pelo HGSA
(c) Cirurgião Militar
(d) Cirurgião Militar
(e) Bacharel em Medicina por Univ. Coimbra
(f) Bacharel em Medicina por Univ. Coimbra.
(g) Cirurgião pelo HGSA
(h) Cirurgião pelo HGSA.
(i) Cirurgião pelo HGSA
Na acta da nomeação de António José de Sousa, em 1825, se referia que o jovem
cirurgião dos Expostos (Assis) “goza de muito bons créditos”, tendo “as qualidades
necessárias para substituir o 1º cirurgião”.
Entretanto a situação política e social deteriorava-se, com o conflito entre liberais e
absolutistas, nos anos 1826 a 1830, agravamento que dividiu os docentes e os
cirurgiões e médicos do HSA, muitos dos quais foram presos, e outros exilaram-se. (16)
Assis começou por se esconder algures no País, até conseguir lugar num navio inglês
em Maio de 1829. A história dessa aventura foi deixada escrita pelo próprio punho de
Assis (13).
O Exílio
Chegado a Inglaterra com muitos outros liberais, pouco tempo se demorou, passando
para Paris, na época o mais prestigiado centro médico mundial, além de que o domínio
desde criança da língua francesa, lhe facilitava a vida.
Em Paris foi estudando e fazendo exames na Escola Médica (alguns com muita
distinção (13), até que conseguiu em 23/8/1832 o diploma de Doutor em Medicina,
assinado pelo Prof. Gabriel Andral, que sucedera a Broussais, na cadeira de Patologia e
Terapêutica da Faculdade de Medicina de Paris. Defendeu Dissertação inaugural
perante um júri que incluía Broussais, e era presidido por Bouillaud, que se notabilizara
ao estudar as funções nervosas superiores em trabalhos continuados por Broca; os
outros membros do júri vieram a ser grandes nomes da medicina francesa, como
Velpeau, cirurgião famoso na Pitié, ou Adelon, professor de Medicina legal, autor de
tratados que fizeram escola. (7)
A tese, sobre “a influência salutar do clima da Madeira no tratamento da tuberculose
pulmonar” (11,12), foi muito apreciada e já traduzia as suas preocupações sanitaristas.
As qualificações adquiridas fizeram com que fosse aceite como membro da “Sociedade
Médica de Emulação” de que um dos expoentes era Velpeau, assim como fizeram com
que, na epidemia de “Cholera Morbus”em Paris (1832), fosse nomeado pela Comissão
Permanente de Salubridade, para tratar os doentes da comuna de Neuilly.
Em 1834, terminada a Guerra Civil em Portugal, regressa com a grande leva de
emigrados a Lisboa, e daí ao Porto. Ao mesmo tempo regressaram à Escola e ao
Hospital, outros proscritos, como Agostinho Silveira Pinto, Viterbo, Vicente, Bernardo
Pinto, António José de Sousa, etc. O miguelista e director da Escola que denunciara e
tentara banir os professores e estudantes liberais, Bernardo Campeão, saíra da Escola
e, tendo falecido em Janeiro de 1834, foi substituído como “Lente “ da 5ª cadeira,
74
precisamente pelo regressado e prestigiado Cirurgião e agora também Médico e
Doutor por Paris, Assis Vaz. No mesmo momento, Assis retomou as antigas funções de
Secretário. (13)
O novo lente, que ainda não completara 40 anos, retomou o trabalho e fazendo jus aos
bons hábitos adquiridos em Paris, publicou um trabalho sobre “A casa da Roda” e
outro sobre a necessidade de construir cemitérios para acabar com os enterros nas
igrejas, tendo sido um dos animadores da Sociedade Literária Portuense. (11)
Em 1833, ainda em Paris, Assis foi eleito sócio correspondente da Sociedade Médica de
Emulação, de que faziam parte as sumidades médicas daquela cidade (13), o que
traduz o prestígio que o jovem Doutor conquistara.
A Escola Médico Cirúrgica
Com o restabelecimento do regime constitucional, um sopro de modernidade chegou
a Portugal, e com ele as grandes reformas de Passos Manuel, que acabaram com os
enterramentos nas igrejas (e no próprio Hospital), e sobretudo os decretos de
Dezembro de 1836 e Janeiro de 1837, que instituíram as Escolas Médico-Cirúrgicas de
Lisboa e Porto, em substituição das anteriores Escolas de Cirurgia.
Os decretos continham um plano de curso igual para as duas Escolas que compreendia
4 cadeiras designadas médicas e 5 cadeiras cirúrgicas, visando ampliar a formação dos
estudantes com conhecimentos para além da cirurgia (16). No Porto, a distribuição
feita pelo Conselho Escolar conduziu ao seguinte Corpo Docente:
1º Ano - Anatomia - Bernardo Joaquim Pinto
2º Ano - Fisiologia e Higiene – José Pereira Reis
3º Ano - História dos medicamentos, matéria Médica, Farmácia – Francisco Pedro
Viterbo
- Patologia e Terapêutica Externa – António Ferreira Braga
4º Ano - Aparelhos e Operações cirúrgicas, M. Forense – Vicente J. Carvalho
- Partos, doenças das mulheres e recém-nascidos – Vicente Carvalho,
interino
5º Ano - História Médica, Patologia e Terapêutica Internas - Francisco Assis de
Sousa Vaz
- Clínica Médica, Higiene Pública, Medicina Legal - Francisco Assis de
Sousa Vaz, interino
- Clínica Cirúrgica - António José de Sousa
Nos anos que se seguiram não esmoreceu o interesse de Assis pelo problema dos
expostos, publicando e traduzindo obras estrangeiras sobre a matéria, colaborando em
iniciativas da Sociedade Literária, e da Câmara Municipal, fazendo exposições para a
vereação, tendo publicado um volume de”Reflexões à C. Municipal da cidade do Porto
acerca dos Expostos”, em 1840. Publicou inúmeros artigos sobre o problema dos
cemitérios e em geral de higiene e política sanitária, etc. A sua sensibilidade para os
problemas sociais traduz-se na quantidade de temas que tratou nos seus escritos,
como a mendicidade, os socorros mútuos, os asilos, a iluminação, os incêndios, a
natação, os socorros a náufragos, etc.
Tratava-se sem dúvida de alguém a que hoje chamaríamos “Opinion Maker”.
75
Para além disso escreveu sobre “Topografia física e médica do Porto,” fez
Regulamentos e planos para várias instituições de benemerência, etc.(11)
As relações entre a EMC e a SCMP nem sempre correram bem, mas um dos acordos
mais conseguidos foi o Regulamento de 1857 do HGSA, em que se definiam com
clareza as obrigações das duas instituições. Esse Regulamento foi subscrito pelo
Conselheiro Director da EMC que era o Dr. Assis Vaz e pelo Provedor António Roberto
de Oliveira Lopes Branco. Para selar o acordo Assis Vaz escreveu ao Provedor
afirmando “Cumpre-me agradecer à Mesa a boa opinião que fazem dos sentimentos
da franqueza e lealdade do Conselho Escolar, que ele por certo irá manter, para mais
estreitar a harmonia entre as duas corporações”. (16)
Além de médico, cirurgião e professor Assis, revelou-se também excelente diplomata!
Os anos da consagração
O Dr. Assis Vaz, além de prestigiado professor era um clínico muito considerado o que
lhe trouxe uma extensa clínica privada, mas o que mais o tornou conhecido na época
foi o facto de ter sido escolhido para médico pessoal, juntamente com o seu colega
professor da EMC, António Fortunato Martins da Cruz, do inditoso Rei da Sardenha,
quando este veio residir para o Porto, em 1849 e onde acabou por falecer poucos
meses depois.
O Dr. Assis Vaz redigiu em francês uma súmula das notas que tomou em conjunto com
o Prof. Fortunato e que poderiam ser elementos para a história da doença, que
ofereceu ao Rei Vítor Emanuel de Itália. Este, em 1851, nomeou-o seu médico
honorário, e, em 1864, Comendador da Ordem de S. Maurício, por proposta do médico
assistente do Rei, Prof. Riberi. (13)
Nesse mesmo ano de 1851 foi nomeado Director da Escola em substituição do
fundador dos Estudos Anatómicos no Porto, Prof. Vicente José de Carvalho, que
falecera.
Depois de ter sido agraciado com o grau de Comendador da Ordem de Cristo, foi
jubilado, a seu pedido, por decreto de 29/3/1853, mas continuando com a direcção da
Escola (11, 13).
Sempre preocupado com o problema dos Expostos, inicia em 1855 a publicação anual
de relatórios sobre o tema. Nos anos que se seguiram foi membro de inúmeras
comissões governamentais ou de autoridades administrativas, sobre prevenção de
epidemias de cólera ou febre tifóide, repressão da prostituição, etc. Maximiano Lemos
(13), sumaria na sua biografia incluída no seu livro, 23 publicações entre 1822 e 1860.
Nos últimos anos de vida a sua capacidade mental foi-se deteriorando (Alzheimer?,
Amolecimento cerebral?) até que faleceu em Abril de 1870, isto é, com 73 anos.
Nos últimos anos de vida Assis quisera criar um prémio para aperfeiçoamento no
estrangeiro de jovens médicos, mas o avanço da sua doença não lho permitiu.
Todavia sua irmã, D. Rita de Assis Sousa Vaz, que faleceu 13 anos depois, cumpriu no
seu testamento o desejo do irmão, legando à Escola a quantia de 60 contos para:
- Subsidiar um aluno em cada um dos anos do curso médico
- Custear um curso de aperfeiçoamento de 2 em 2 anos, em Paris ou
Montpelier a um médico recém-licenciado na Escola
- Enviar de 8 em 8 anos, um Professor a França, Alemanha ou EUA, para
se informar dos progressos verificados nas ciências médicas
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Esta versão é a de Maximiano Lemos na sua História do Ensino Médico no Porto. 1926
No entanto encontrei outra versão no volume “Progressos da Medicina em Portugal”
(17) na qual se afirma que o importante legado fora feito pela viúva. A testamenteira e
herdeira, Teresa Teodora Veloso da Cruz solicitaram ao governo providências para a
EMC poder dar cumprimento ao legado, nas condições previstas no Regulamento a ele
anexo. e que define com rigor as regras de atribuição das 3 bolsas atrás referidas.
A curiosidade é que esta versão (17) dada à luz em 1885, é também publicada por
Maximiano Lemos! Na prática só há diferença, na autora do testamento.
A propósito deste legado, Ricardo Jorge referiu-se a Assis nos seguintes termos:
“ Honra ao Homem nobilíssimo por este rasgo de generosidade e pela elevação
do seu propósito beneficiador”, num relatório apresentado ao Conselho Superior de
Instrução Pública em 1885. (14)
4.7 Dr. Dias de Almeida
Publicado em: “Arquivos do HGSA”, 2ª série, vol. 1, nº especial, Jun/2007
Introdução
No período de tempo situado entre 1880 e 1910, isto é à volta da passagem do século
XIX para o século XX, o HGSA beneficiou da circunstância de o seu quadro clínico
integrar uma brilhante plêiade de médicos e cirurgiões, alguns dos quais servindo
simultaneamente a EMC e, a partir de 1911, a FMP.
De facto a velha Escola Médico Cirúrgica (EMC) praticava o seu ensino clínico nas
chamadas “Enfermarias - Escola” situadas no HGSA, paredes meias com as congéneres
dependentes da SCMP, o que favorecia trocas de experiência e uma certa competição.
Entre outros trabalharam nessa época no HGSA, o Dr. Guilherme Nogueira, anterior
biografado, e também o Dr. José Dias de Almeida Júnior, objecto do presente texto,
fundador da especialidade de Pediatria do HGSA, no fim do século XIX.
Datas a destacar na biografia do Prof. Dias de Almeida
1854 (1/11) - Nasce no Porto, filho de José Dias de Almeida, não se tendo encontrado
dados sobre residência, estrato socioprofissional da família ou outros dados pessoais.
(1, 36, 37, 38)
1877(13/7) - Conclusão do curso médico, na EMC, com a dissertação inaugural
intitulada “Hospitais. Necessidade de um Hospital - Barraca para a prática de
operações”.
1878 - Nomeado clínico “ supranumerário” do HGSA.
1882 - Data do Relatório Costa Simões. Almeida desempenhava as funções de Director
da Enfermaria 10, de “meretrizes”.
1895 - Abre a primeira consulta de Pediatria no HGSA.
1896 - Nomeado subdirector Clínico do HGSA (Director Clínico Guilherme Nogueira) .
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1897- Nomeado Director do Serviço 9 do HGSA, onde praticava cirurgia, e tendo como
Adjunto o Dr. Luís de Freitas Viegas.
1901(4/6) -Nomeado, precedendo concurso, “Lente substituto” da secção médica da
EMC. A tese que defendeu, equivalente a doutoramento, titulava-se como “HeredoSífilis”. (1)
1907- Nomeado Director Clínico do HGSA, substituindo o Dr. Guilherme Nogueira.
1903(25/8) - Promovido a Lente Proprietário da 7ª cadeira, Patologia Interna.
1911(22/2) - Professor ordinário da 8ª classe, Patologia Interna (11).
1915 - Pede exoneração do cargo de Director Clínico, estando já muito doente. O Dr.
Tito Fontes exerce interinamente as funções durante alguns meses, sendo o lugar
ocupado a partir de 1916 pelo Cirurgião Dr. Manuel Jorge Forbes Costa.
1915 - Após prolongado sofrimento morre em 22/1/1919, com apenas 65 anos
Percurso profissional e humano
Desde muito cedo que o Prof. Dias de Almeida se preocupava com os problemas
sociais que o rodeavam. Assim já como estudante se bateu pela criação de uma
“Associação Filantrópica” destinada a auxiliar os estudantes pobres.
Também desde estudante foi activo colaborador da “Aliança Académica”, associação
de Professores e alunos para o progresso das Ciências.
Maximiano Lemos (13) recorda a criação da “União Médica”, associação Científica e de
Previdência, de que Dias de Almeida foi o mais activo trabalhador. Eram apenas 5
jovens médicos formados em 1881 que com a ajuda dum médico já em actividade, Tito
Malta, elaboraram os Estatutos. Hernâni Monteiro transcreve parte do Estatuto:
“Em 1º lugar a agremiação dos facultativos deverá criar um Montepio que:
1º - Garanta, na impossibilidade temporária ou permanente de trabalho, recursos em
harmonia com a profissão que exercem;
2º - Que coloque ao abrigo da miséria as pessoas de família mais próximas;
Em 2º lugar deve defender os interesses profissionais e científicos dos médicos, pondoos ao abrigo do charlatanismo
Em 3º lugar contribuir para melhor educação médica, nas Escolas Médicas, mas
também criando Sociedades Científicas.”
Esta visão um tanto utópica do exercício profissional, eivada do romantismo dos
movimentos do século XIX, como os “Falanstérios” e outros, esbarrou com o
desinteresse da maioria, ficando o projecto reduzido à Sociedade Científica “União
Médica”, que viveu “vida acidentada até à extinção” (13). De qualquer modo isto
traduz um espírito de generosidade e de dádiva que sem dúvida se manifestou pelo
interesse mais tarde revelado na clínica das crianças.
Carreira Profissional
Desde sempre Dias de Almeida prosseguiu com as duas carreiras paralelas, hospitalar e
académica. Assim, após ter sido nomeado Médico do HGSA em 1878 (havia concluído
o curso na EMC em 1877) chegou a Director da enfermaria de “Meretrizes” em 1882, e
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sendo nomeado Director de enfermaria (Serviço 9 mulheres) em 1897, tendo como
adjunto o Doutor Luís Freitas Viegas, “lente” de Anatomia que haveria de enveredar
pela Clínica das doenças de pele. Naquela época ainda não havia a separação total,
entre Medicina e Cirurgia, que poucos anos depois, iniciou a especialização das
unidades e dos profissionais.
Sendo assim, o Prof. Dias de Almeida dirigia um Serviço cirúrgico, no qual haveria de se
incluir a clínica de crianças, que, portanto, surgiu com a vertente cirúrgica dominante
em relação à médica.
Ainda no HGSA desempenhou durante quase 20 anos funções directivas, primeiro,
entre 1896 e 1907, como subdirector clínico do Dr. Guilherme Nogueira, sendo de
destacar o período entre Agosto de 1899 e Março de 1900, no qual assegurou a
substituição do Director clínico, enquanto este se manteve a dirigir o Hospital Goelas
de Pau, durante a epidemia de Peste bubónica. No HGSA deu uma colaboração
prestimosa aos responsáveis pelo combate à epidemia, nomeadamente os Prof.
Ricardo Jorge (seu colega na EMC) e Guilherme Nogueira.
Quando Guilherme Nogueira pediu dispensa do cargo em 1906, sucedeu-lhe
naturalmente como Director Clínico, só pedindo dispensa em 1915, quando foi
afectado por grave doença que, aliás, pouco depois o haveria de vitimar.
Entretanto, o seu mandato foi interrompido pela revolução de 5 de Outubro, uma vez
que a Mesa se demitiu, sendo substituída por Comissão Administrativa que iniciou
funções em Novembro de 1911, com a incumbência de realizar eleições que se
efectuaram em 28/4/1912, pelo que cedeu o mandato à nova Mesa cujo Provedor era
o Dr. António Luís Gomes. Durante esse período exerceu funções de Director Clínico
interino de 21/11/1910 a 1/9/1911 o Dr Júlio Franchini. A partir de então o Dr. Dias de
Almeida retoma as funções que interrompera, sendo empossado como Director Clínico
efectivo pela nova Mesa., mantendo-se no lugar, como dito atrás até 1915.
A carreira académica prosseguiu em paralelo com a hospitalar, defendendo tese de
doutoramento em 1901, com um tema (“Heredo-sífilis”) que traduzia a sua
preocupação com a clínica infantil de que fora o pioneiro. Nomeado “Lente” da EMC
em 1903, ensinando “Patologia Interna”, nunca descurou a sua actividade clínica,
tendo-se distinguido como epidemiologista em 1884, pelo papel que desempenhou na
prevenção da ameaça de epidemia de cólera que então grassava na Europa e motivou
a construção acelerada do Hospital das Goelas de Pau, que viria a prestar serviços
noutra epidemia posterior, a de peste.
Conta Maximiano Lemos (13) que tendo a autoridade sanitária da época (Ricardo
Jorge) impostas visitas sanitárias às diversas freguesias do Porto, foi a equipa
encarregada da freguesia da Vitória, chefiada por Dias de Almeida, uma das mais
eficientes. O relatório da missão foi publicado na revista “Saúde Pública”, então
dirigida por Artur Maia Mendes. Maximiano Lemos escreveu na revista que tal
“Trabalho... mostra... como ele sabia cumprir as missões de que se encarregava”.
Continuava Maximiano Lemos dizendo que “muito lhe deveram os humildes nessa
ocasião e sempre” (13).
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Também durante o exercício como Director Clínico o Dr. Dias de Almeida
desempenhou papel crucial nas negociações que a SCMP desenvolveu com a recémcriada FMP, que veio substituir a velha EMC. A controvérsia surgiu quando a FMP, que
utilizava enfermarias do HGSA para o ensino clínico, pretendeu renovar o Acordo
anterior a 1910, alargando o número de camas à sua responsabilidade. Como a SCMP
era uma instituição privada o Ministério da Instrução não a tutelava, pelo que foi
preciso negociar. O facto de o Director Clínico ser professor da Faculdade e colega dos
representantes daquela, que eram o Director efectivo Almeida Brandão e interino,
Cândido de Pinho, sem dúvida que facilitou o acordo que foi finalmente conseguido
graças aos esforços dos três negociadores, com particular relevo para Dias de Almeida.
A comprovar o que fica dito está a proposta que, em 1912, após as negociações, o
Prof. Oliveira Lima fez ao Conselho Escolar da FMP e que consistia num “voto de
agradecimento aos Professores da FMP Almeida Brandão, Cândido de Pinho e Dias de
Almeida que com tanto interesse têm pugnado pela elevação do nível do Ensino
Médico no Porto”
O nascimento da nova especialidade de Pediatria
Em 1894 Dias de Almeida deslocou-se a Paris onde visitou as mais afamadas clínicas de
Pediatria, nomeadamente nos Hospitais “Trousseau” e “des Enfants Malades”,
adquirindo durante estadia de mais de um ano “incontestável competência em
assuntos de Pediatria” (13).
Armado com essa competência, logo que regressa ao Porto, requere autorização para
abrir no HGSA uma “consulta especial” de crianças.
De facto em 1/5/1895 abre a primeira consulta de especialidade no HGSA (13) que
adquiriu logo grande prestígio e desenvolvimento, vindo mais tarde a evoluir para
Serviço de Pediatria.
O prestígio da nova consulta firmou-se logo desde início, como se deduz da referência
constante do Relatório anual da Mesa do ano 1998-1999. Dizia o relatório que a
consulta “ tem tomado tal incremento que é aqui onde hoje acorrem as crianças
gravemente enfermas”.
Como já referido noutro local , a Pediatria nasceu assim, no HGSA, como secção dum
Serviço de Cirurgia, a Enfermaria 9, só mais tarde, já no século XX, vindo a adquirir a
sua feição médica.
A prática cirúrgica na Enfermaria 9
Já se disse mais acima que o serviço (ou enfermaria) 9 era essencialmente cirúrgico e
destinado a Mulheres e a crianças. O movimento cirúrgico manteve-se o mesmo
durante vários anos, como se verifica pelos dados recolhidos em amostragens
ocasionais dos registos. (1)
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Assim em 3 anos de referência, verificaram-se os números de actos cirúrgicos
registados (Anexo 1).
As publicações e outras actividades científicas
Dias de Almeida foi um entusiasta da comunicação tendo, desde a juventude, como
vimos, participado no lançamento de iniciativas para favorecer a actividade científica e
a transmissão de conhecimentos.
Falei atrás na sua acção como jovem médico na criação de União Médica. Maximiano
Lemos diz (13) que Dias de Almeida colaborou activamente em todas as revistas
médicas que no Porto foram surgindo, assim como apresentou comunicações, quase
sempre sobre Pediatria, nas várias Sociedades científicas de então. Hernâni Monteiro
cita vários números da “Gazeta Médica do Porto” que nos anos de1897 e 1898,
incluíam várias comunicações de Dias de Almeida., assim como nos anos 1899 a 1901.
Há ainda colaborações no Porto Médico, a partir de 1904, e na “Gazeta dos Hospitais
do Porto”, fundada em 1907, na qual escreveu em todos os números. Recorda ainda
H.M. as suas colaborações mais tardias ou póstumas, na “Medicina Moderna” (19181920) e no “Portugal Médico” (1919). Em Anexo listam-se os títulos das publicações
nas revistas referidas (Anexo 2).
Dias de Almeida foi finalmente, em 25/5/1915, nomeado Professor de Clínica
Pediátrica da nova FMP que sucedera em 1911 à EMC. Foi ainda Presidente da
Sociedade de Medicina e Cirurgia e presidente da subsecção de Pediatria do Congresso
Internacional de Medicina, realizado em Lisboa em 1906.Quanto a publicações,
Maximiano Lemos (13) refere:
1 “A cura radical da espinha bífida” na Gazeta Médica do Porto (GMP) (data?)
2 “ O leite maternidade na alimentação da 1ª infância” – GMP
3 “Aderências vulvares e aderências balano-prepuciais” - GMP
4 Artigos em todos os números da Gazeta dos Hospitais do Porto, em número superior
a 10, citados por Monteiro. É de notar que o corpo redactorial da revista era
constituído por 4 médicos da EMC e do HGSA: Maximiano Lemos, Sousa júnior, Dias de
Almeida e Pires de Lima.
Numa pesquisa sumária que eu próprio fiz na Biblioteca Municipal do Porto, em
Imprensa Médica da época, encontrei artigos que em geral procuravam ensinar
normas de puericultura, de métodos preventivos, mais do que descrição de problemas
raros ou complexos. Assim, publica no Porto Médico (nº 9, Abril 1904) “Notas de
Clínica Pediátrica” que é uma introdução à clínica dirigida aos alunos da então nova
disciplina de Pediatria. A sua preocupação com a prevenção e a educação para a saúde
está expressa no trabalho publicado postumamente pela “Medicina Moderna” (vol. IX,
Junho 1919) “Noções de Higiene infantil” manual de puericultura dirigido às mães, mas
também aos médicos, que fazia parte de um projecto mais vasto que não conseguiu
levar até ao fim, e que incluía cuidados a ter com a gravidez assim como divulgar
aconselhamento sobre perturbações do foro ginecológico.
81
Merece também destaque uma casuística pessoal de 11 casos publicada com o título
“Uma pequena epidemia de doença de Dukes” na Gazeta dos Hospitais do Porto em
1912. Também tem interesse ler as considerações didácticas que faz em “Uma visita ao
Lactário do Porto” na mesma revista já depois da sua morte, o “Portugal
Médico”publica um trabalho que preparara para apoio das aulas de Pediatria “O
exame clínico das crianças: Anatomia e Fisiologia” (vol. V, nº 2).
Um ponto alto da sua carreira foi a “Oração de Sapiência” proferida na abertura do
ano lectivo, em 20/10/1908, publicada no Anuário da EMC.
Nessa oração o Professor faz uma séria reflexão sobre os recentes avanços da ciência
médica e no campo mais vasto da biologia, dizendo que enquanto se estava a divulgar
o conhecimento do infinitamente pequeno com o uso generalizado da microscopia, já
havia desenvolvimentos acelerados na ultramicroscopia, assim como das descobertas
de Carrel se poderia imaginar a possibilidade futura da transplantação de órgãos (!).
Por tudo isso propõe profunda remodelação do ensino médico, enfatizando o ensino
prático, pois o que se vinha a fazer com o domínio do ensino livresco, equivaleria a
ensinar “natação sem água”. Uma afirmação que merece destaque é a de que “não
bastam bons Mestres, mas são necessários também bons métodos.”.
Desenvolve em seguida a ideia de que a rapidez do progresso do conhecimento
médico impõe a especialização citando a esse respeito Pascal (“mais vale saber tudo
sobre pouco do que um pouco de tudo”) e Montaigne (´”é preciso saber quem é o “
mieux savant” e não o “Plus savant”). Embora actualmente tais asserções sejam
discutíveis, não há dúvida que, na época, deveriam ir contra as correntes dominantes.
Na sua reflexão sobre a especialização, entende que esta pode tornar-se necessária
quando a raridade dos sintomas ou das patologias imponha concentração de
experiência como sucede em especialidades médicas como a Neurologia e a
Dermatologia. Outra motivação seria a vocação instrumental que caracteriza certas
áreas, em particular no campo da Cirurgia, como a Oftalmologia e a ORL. Reflecte
também sobre a importância das actualmente designadas “Neurociências”, que
deverão desenvolver-se na Neurologia, na Neurocirurgia (estava-se em 1908!) e
sobretudo na Psiquiatria, que se percebe constituir na época um problema não só
médico mas também social preocupante. Também preconiza a individualização da
Urologia ou da Ginecologia, mas sobretudo pensa que a mais necessária será a
Pediatria, que ele próprio vinha a construir em Portugal, ou pelo menos no Porto. Ao
descrever o âmbito da Pediatria afirma que o que é verdadeiramente importante na
Pediatria é a 1ª infância, já que as patologias da 2 ª ou dos ainda maiores são mais
próximas das dos adultos. Depois de descrever os principais aspectos cronológicos do
desenvolvimento dos diferentes órgãos chega a conclusões semelhantes às que
actualmente fundamentam a importância na Pediatria da vigilância da fisiologia e
também da patologia do desenvolvimento.
Depois de algumas reflexões sobre os novos conceitos de Imunidade, conclui insistindo
mais uma vez na necessidade da reforma do ensino médico, com abertura para as
especialidades e para a aprendizagem prática.
82
Este discurso do Prof. Dias de Almeida faz com que se lhe deva reconhecer, uma séria
preocupação que continua a existir nos mais lúcidos espíritos que dedicam as suas
reflexões à reformulação dos estudos médicos.
O Instituto Prof. Dias de Almeida
Como foi dito acima, na sua Oração de sapiência, Dias de Almeida deu conta do seu
particular empenho em promover a especialização no campo das disciplinas
relacionadas com o Sistema Nervoso. Teria assim aberto caminho para a criação de
áreas de estudo e tratamento daquilo que hoje chamamos “Neuropsiquiatria Infantil”.
Não encontrei notícia de que ele próprio tivesse criado a diferenciação dessa área, mas
foi sem dúvida justa a proposta que o então Provedor Prof. Luís de Pina fez à Mesa na
sessão de 21/1/1954, quase 40 anos depois da morte de Dias de Almeida, de criar, nas
instalações do Hospital Conde Ferreira, um serviço de Neuropsiquiatria infantil, a que
seria atribuído o nome do pioneiro da disciplina. A proposta foi aceite, sendo dado
conhecimento da mesma ao Ministro do Interior. Na sessão da Mesa de 18/2/1954, foi
formalizada a criação do Instituto, aprovado por despacho do Ministro, que prometia
futuro subsídio. A FMP também oficiou em 24/2/54 à SCMP agradecendo a
homenagem tributada ao seu antigo professor, com a atribuição do seu nome ao
serviço de Neuropsiquiatria infantil, anexo ao Hospital Conde de Ferreira (1).
A partir de 1955 o externato do INPI funcionou num pavilhão adaptado na cerca do
Instituto Araújo Porto, também administrado pela SCMP. (1)
Esta homenagem póstuma atesta a importância que teve na Faculdade e no Hospital a
acção do Prof. José Dias de Almeida, que bem merece ser recordado nesta coluna de
“Figuras do HGSA”.
Anexo 1
Ano 1900-1901
Director Dias de Almeida; Adjunto: Luís Freitas Viegas
Nº internamentos: 176 adultas e 91 crianças
Nº de Operações: Adultos:65; Crianças:50.
Ano 1908 – 1909
Director: Dias de Almeida
Adjunto: Luís Viegas
Auxiliar: Teixeira Ribas
Nº de Operações: Adultos: 36; Crianças:19
Ano 1915- 1916
Director: Dias de Almeida
Adjuntos: Alberto Ribeiro, Álvaro Cunha Reis
Nº de operações: 103 (sem distinção de sexo ou idade)
Anexo 2
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Publicações registadas por Hernâni Monteiro da autoria de Dias de Almeida (além
das referidas no texto)
1 - Um caso de angina diftérica e garrotilho numa criança de 10 meses – GMP, 1897
2 - Corpos estranhos do esófago, PM, 1904
3 - Corpos estranhos na bexiga, GMP, 1907
4 - A forma abdominal de Gripe na actual epidemia, GHP, 1907
5 - Um caso de sindactilia e polidactilia, GHP, 1907
6 - Tumores do seio – Tuberculose mamária GHP 1908
7 - Um caso de hemofilia hereditária, num rapaz e na sua genealogia GHP 1908
8 - Vícios de conformação ano-genitais GHP 1909
9 - Retenção urinária por fractura da bacia GHP 1910
10 - Kisto dermoide supra-hioideu
4.8 Dr. Júlio Franchini
Publicado em:
O NASCIMENTO DA CIRURGIA MODERNA EM PORTUGAL
A Cirurgia em Portugal e no Mundo no último quartel do século XIX
Durante o século XIX, nomeadamente a partir das décadas de 60 e 70, verificaram-se
grandes transformações ou progressos científicos que criaram condições para surtos
de progresso acelerado em múltiplas actividades humanas.
Assim sucedeu no campo da assistência médica, em que tais transformações
revolucionaram certas áreas da prática clínica que entraram num mundo totalmente
novo e esperançoso.
Foi no Campo da Cirurgia que mais se notou esse salto qualitativo. De facto, até os
anos 60 do século a cirurgia pouco mais fazia do que amputações, tratamento de
feridas de guerra, drenagem de abcessos, etc., em regra com resultados muito maus,
com elevadíssimas taxas de mortalidade e sobretudo de infecção operatória, que era
quase uma fatalidade. A cirurgia visceral estava portanto quase inviabilizada, pese
embora a destreza adquirida na prática do cadáver, muitas vezes de nível superior.
Para além disso a incapacidade de controlar a dor operatória tornava inaceitáveis pelo
menos a cirurgia programada.
As grandes evoluções verificadas no controle da dor e das infecções pós-operatórias
foram os factores essenciais da mudança.
A primeira aquisição foi no domínio da anestesia. Em 1846, Morton que exercia em
Boston, começou a usar o éter como anestésico com tão bons resultados que a
experiência se alargou rapidamente; pela mesma época, Wells, médico na Geórgia,
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começou a usar o “Protóxido de azoto” que ele vira ser usado nas feiras como “Gás
Hilariante”, mas por qualquer razão a experiência não se tornou popular. Aceitação
generalizada teve, por esses anos 50, outro gás, o Clorofórmio, utilizado desde 1847
por Epson, que era habitualmente administrado através da “Máscara de
Ombredanne”, e que se manteve em uso até meados do século XX, só aí sendo
substituído pelo ciclopropano e depois por sucessivos tipos de anestésicos ao mesmo
tempo que se assistia à reabilitação do Protóxido de Azoto. (18)
A segunda grande mudança resultou dos trabalhos de Louis Pasteur, que
demonstrando a falsidade da teoria da “geração espontânea dos germes”, lançou as
bases para a adopção de medidas de assepsia, desde então usadas em todo o Mundo.
Antes de Pasteur, durante a primeira metade do século XIX “Cirurgiões e obstetras não
tomam quaisquer preocupações de higiene”. (19) Passavam da sala de autópsias para
a de operações sem lavar as mãos e por vezes usando os mesmos instrumentos, sem
os limpar, operavam de sobrecasaca, com avental para os proteger (a eles) do sangue”.
Talvez por formação técnica incipiente e falta de cultura médica, a generalidade dos
práticos não via com bons olhos os esforços dos que procuravam contrariar a infecção
na sala de operações. “Um médico de Boston que preconizava usar roupa limpa e lavar
as mãos para operar, não tem seguidores” (19). É conhecida a tragédia de
Semmelweiss, que, em 1861, se revolta com a mortandade das febres puerperais.
Preconiza medidas simples de higiene, que reduziam muito significativamente a
mortalidade; desencadeou a ira dos seus colegas tendo sido banido da profissão,
acabando por enlouquecer e morrer (19). A sanha anti-assépsia era tal que, em Paris, o
Director do Hospital Cochin proibiu a entrada de sabão e escovas na maternidade. (19)
Entretanto, na Escócia já desde 1860 que o Cirurgião J. Lister vinha a usar o “Fenol”
para lavar as feridas e campos operatórios e para impregnar os pensos cirúrgicos; estas
medidas, associadas a rigor na limpeza dos locais cirúrgicos e das roupas e mãos dos
cirurgiões, eram o essencial do método “Antisséptico”. Em consequência baixaram
muito a mortalidade e reduziram as infecções. Só em 1865, Lister tomou
conhecimento dos trabalhos de Pasteur o que trouxe uma preciosa ajuda às suas
práticas empíricas.
Sobretudo após um artigo publicado por Pasteur no “Lancet” a classe médica e os
políticos conheceram as potencialidades das descobertas e das suas consequências
práticas, o que levou à generalização das regras de assépsia e antissépsia, nos países
mais desenvolvidos, em particular, França, Grã-Bretanha, Alemanha, EUA. (18)
Controlada a Dor e a Infecção, largas perspectivas se abriam para a prática cirúrgica,
alargando-se as indicações, inventando novos instrumentos (Péan, Kocker, etc.), ou
luvas cirúrgicas (Halstead), fazendo uso da luz eléctrica no campo operatório, etc.
Em Inglaterra, a anestesia pelo éter, foi introduzida nos Hospitais de Londres no inicio
de 1847 (20), e os métodos antissépticos foram introduzidos progressivamente entre
1870 e 1880, conduzindo a uma enorme melhoria nos cuidados de enfermagem, para
o que sem dúvida contribuiu o trabalho, precisamente nessa época, de Florence
Nightingale, que, a partir do seu St. Thomas Hospital, vinha a revolucionar o exercício
da profissão (20).
85
Naquela época as novidades científicas demorava a chegar a Portugal e só por volta
dos anos 80 é que se começaram a usar por sistema as novas regras derivadas do
desenvolvimento da Bacteriologia e da Anestesia.
A resistência dos conservadores, à semelhança do que se verificara na Europa,
incluindo muitos professores de cirurgia, esteve na origem do combate meritório de
alguns jovens médicos ou Cirurgiões que tiveram que se bater para impor as novas
regras. Em Portugal, como pouco antes na Europa, “A ideia da existência de germes
responsáveis pela supuração das feridas e pelo contágio entre os operados, ganha
terreno pouco a pouco”. (18)
No Porto, na EMC, logo em 1881, o aluno Joaquim Maurício Lopes, apresentou a sua
“Dissertação Inaugural” intitulada “Listerismo, ensaio sobre o Penso de Lister”, sendo
Professor de Clínica Cirúrgica, o Prof. Eduardo Pimenta, considerado na altura o mais
“hábil” cirurgião do Porto. (12, 18)
No mundo desenvolvido da época alargam-se muito as capacidades da Cirurgia, em
particular visceral, surgindo grandes nomes de profissionais que lançaram as bases da
actual prática, tais como Sims (EUA), Bilroth (Viena), Reverdin (França), Vitor Horsley
(GB), Pirogoff (Rússia), Terrilon (Paris). (18)
Em Portugal, surgem no Porto alguns jovens cirurgiões que se bateram para que as
práticas pasteur-listerianas fossem introduzidas nos Hospitais.
No HGSA esteve desde início na primeira linha desse combate o Dr. Júlio Franchini, que
se creditou como uma das mais destacadas figuras do HGSA, e que é o objecto deste
trabalho.
Outras figuras da mesma geração, foram o Dr. Sousa Oliveira e, na opinião do Prof. J.A.
Pires de Lima, também as brilhantes esperanças que se malograram por graves
doenças, que os vitimaram, Dr. António Andrade e Martins da Silva.
2 O Cirurgião Franchini
Foi nestes termos que Amadeu Sales, na Revista “O Tripeiro”, titulava uma nota
evocativa do centenário do nascimento de Júlio Franchini, em 20/5/1855. (7)
Esta designação assenta como uma luva no que foi a vida deste homem que foi um dos
mais brilhantes cirurgiões do HGSA, em todas as épocas.
Júlio Estêvão Franchini, nasceu em Gibraltar, filho de um maestro e compositor, de
origem italiana, João Franchini, (7) e de uma senhora austríaca, fez o Liceu no Porto,
onde foi condiscípulo daquele que foi um amigo de toda a vida, o Dr. Tito Fontes. É
Tito Fontes que diz que Júlio foi um dos 12 melhores alunos (em 50) da disciplina de
matemática, de que era professor um futuro docente da Universidade, Azevedo de
Albuquerque. (22)
86
Em 1875 matriculou-se na então Escola Médico-Cirúrgica (EMC), onde desde início foi
considerado por todos e sobretudo pelos colegas, como um dos, senão o, melhores
alunos do curso.
Segundo o Prof. Carlos Lima (22), foi o primeiro em Anatomia, ex-aequo com Roberto
Frias, e em partos. Diz a esse respeito Tito Fontes (22) que a sua modéstia extrema o
prejudicava não tendo muitas vezes as classificações merecidas, embora os
condiscípulos recorressem habitualmente a ele para desfazer dúvidas sobre qualquer
assunto do curso.
Quando aluno do 5º ano, já tinha sido nomeado interinamente médico interno do
HGSA. Era então professor de Obstetrícia o Dr. Agostinho António do Souto, já de
idade avançada, que permitiu que, principalmente durante as férias, Júlio Franchini,
fosse chamado a intervir em casos de distocia. Tornou-se assim, ainda estudante, “um
exímio parteiro”. Por esse motivo, a totalidade dos seus condiscípulos, sem uma única
excepção, mandatou uma comissão para comunicar ao Professor que, sendo ele o
melhor, seria o “mais digno da primeira classificação”, o que teve a anuência daquele.
Este episódio mostra aquilo que todos os seus contemporâneos dele escreveram: que
sendo extremamente modesto era sempre solidário com os seus colegas, em quem só
contava amigos.
Licenciou-se em 1880, com 24 anos, apresentando a tese “O forceps e a sua aplicação
na inércia primitiva”. Logo em seguida foi nomeado a título definitivo, interno do
HGSA. Durante 6 anos de internato trabalhou em várias salas de cirurgia e de partos,
aperfeiçoando a técnica cirúrgica sobretudo com o seu mestre Prof. Eduardo Pimenta,
considerado um dos melhores cirurgiões da Casa. Também adquiriu muita experiência
na enfermaria do Dr. Fortunato Pimentel, que, velho e cansado, lhe entregava toda a
cirurgia do serviço.
Entretanto iam chegando até Portugal, ecos dos estudos de Pasteur e Lister (estava-se
já na década de 80, quase 20 anos após as suas publicações sobre bacteriologia), e o
jovem Júlio, tinha-lhes sido imediatamente sensível quando ainda estudante.
Tito Fontes referia-se, em 1927, a essa época, cuja recordação lembra “ o horror, que
hoje parece já afastado de séculos, tal era o quadro trágico que diariamente se
patenteava nas salas de cirurgia e Partos. Eram verdadeiras hecatombes”. (22) “ A
infecção purulenta, a septicemia, a eresipela, a podridão dos hospitais, a febre
puerperal, eram o espectro horroroso dos cirurgiões dessa época”. Júlio Franchini
durante muito tempo lutou contra “o conservantismo de então, apesar de em 1881 ter
sido apresentada uma tese sobre “Listerismo”, em que se demonstrava que o penso de
Lister evitava complicações (autor: Maurício Lopes). Vários obstáculos o jovem
cirurgião tinha que vencer: “por um lado o Regulamento do HGSA, da época, não
permitia a realização de qualquer operação de Alta Cirurgia sem o voto da maioria dos
colegas do Hospital; por outro lado a oposição às novas ideias, ainda formulada de
modo categórico, por homens ilustres ou tidos como tal. “
“As chamadas descobertas de Pasteur são curiosidades de história natural,
interessantes, mas de nenhum interesse para a medicina, não merecendo que se perca
87
tempo com isso”. “Pasteur tem uma desculpa: é que sendo químico quis reformar a
medicina, à qual ele é absolutamente estranho”
Com argumentos deste jaez, eivados de ignorância e pesporrência arrogante, era difícil
um jovem profissional impor os seus pontos de vista.
Entretanto Franchini, licenciado em 1880, sempre seguiu nas suas enfermarias,”os
preceitos antissépticos já correntes lá fora, desde que, em 1881, se fizeram em clínica
cirúrgica do HGSA, as primeiras aplicações do Penso completo de Lister”. (12)
Mas os argumentos aduzidos contra os ensinamentos de Pasteur e Lister “serviram de
pretexto à maioria dos colegas do Hospital para rejeitarem sistematicamente e por
bastante tempo todas as tentativas feitas por Franchini para realizar qualquer
operação de alta cirurgia, servindo-se dos pensos antissépticos” (Tito Fontes - 22).
Franchini teve que lutar desde início da sua carreira, pois chegou a ser impedido de
operar pelo Director do Hospital Chaves de Oliveira (um cultor da Homeopatia), tendo
sido o seu amigo Tito Fontes que, cedendo-lhe algumas camas na sua enfermaria,
permitiu que ele lá colocasse os seus operados; enquanto trabalhava em todas as
áreas cirúrgicas, adquirindo uma técnica perfeita e completa. (12)
As dificuldades aumentavam com o facto de o Mestre de Júlio. Eduardo Pimenta,
embora aceitando em teoria os novos processos, não os cumprir na prática, em virtude
de velhos hábitos, como meter dedos em feridas cirúrgicas sem luvas nem assepsia.
(12, 22)
Depois de alguns insucessos com Eduardo Pimenta em ovariectomias, lutando, muito e
sempre, com ardor e com paixão, como diz Tito Fontes, acabou por sair vitorioso,
sendo um dos iniciadores, talvez o primeiro, da Cirurgia Moderna nesta cidade. Só
depois de 1887, ganhou um aliado de peso que foi o Professor da EMC António
Azevedo Maia.
De facto Azevedo Maia fora nomeado lente de Fisiologia na EMC em 1881 transitando
em 1887 para lente de Clínica Médica. Decidiu dedicar-se à Cirurgia (nessa época não
havia distinção estanque entre Medicina e Cirurgia) e para tal deslocou-se ao
estrangeiro para se informar sobre as novas técnicas da Cirurgia “Moderna”.
Regressou convencido das vantagens e justeza das descobertas de Pasteur e Lister,
pelo que constituiu um forte aliado na luta que o precursor Franchini vinha
desenvolvendo desde o início da década. Azevedo Maia, pouco mais velho do que
Franchini (nasceu em 1851) tinha a seu favor o ser lente, pelo que, quando em Março
de 1888 decidiu fazer a sua 1ª ovariectomia, dispensou-se de convocar a costumada
conferência (12). Polemista irritante, como o define Tito Fontes, enfrentou alguns
cirurgiões do HGSA, por serem refractários à aplicação da assepsia, isto já em 1888,
quando já era demasiada tarde para persistir em não adoptar as novas descobertas.
Assim, em 1892 foi apresentada uma Tese sobre” Assepsia e Antissepsia” em que o
aluno António Araújo Pimenta, descrevia a experiência do HGSA na matéria.
A Franchini e a Maia veio então associar-se o cirurgião Sousa Oliveira e juntos,
acabaram por vencer e a modernidade da época chegou ao HGSA. A partir daí, a
88
Cirurgia, em particular a ginecológica, desenvolveu-se imenso, a mortalidade baixou, e
entretanto Franchini, prosseguindo a sua experiência passada e do Mestre Eduardo
Pimenta, conduziu-a para níveis bem mais elevados, podendo ser considerado o
fundador da moderna Ginecologia no HGSA. Ao mesmo tempo, no dizer de Maximiano
Lemos (13) “A cirurgia portuense elevou-se a uma altura notável” no decurso dos 20
anos seguintes.
O Prof. Álvaro Teixeira Bastos considerava que Azevedo Maia teria sido, no Norte “O
verdadeiro criador da Ginecologia” (23), entendendo que a primeira operação
relatada, teria sido efectuada em 1888, referindo 4 teses de alunos apresentadas em
1889, sobre cirurgia ginecológica.
No entanto, o Prof. Hernâni Monteiro (12) diz que as primeiras ovariectomias foram
realizadas em 1883 e 1887 pelo Prof. Eduardo Pimenta e Júlio Franchini. Referindo
ainda outra, efectuada em 1885 e publicada na revista “Saúde Pública”.
Como a partir de 1890, ambos os cirurgiões operavam, talvez seja mais correcto dizerse que a cirurgia ginecológica moderna, no HGSA se iniciou com Júlio Franchini logo
seguido por Azevedo Maia.
3 A Cirurgia, em especial a Ginecológica, no dealbar do século XX
A ginecologia desenvolve-se portanto a partir do pioneirismo de Franchini, no Porto,
mas também em Lisboa com Bordalo Pinheiro, Sabino Coelho, Custódio Cabeça, que se
seguiram aos pioneiros Prof. António Maria Barbosa e Alves Branco (23) havendo uma
certa competição com o Porto, como relata Hernâni Monteiro (12). Dizia pelo visto o
Prof. Cabeça que para o seu colega do Porto Azevedo Maia, pareciam estar fechadas as
fronteiras de Portugal, isto apesar das viagens de Maia. Tal motivou resposta de
Forbes Costa, assistente de Maia, que teria operado depois de 1895, vários casos de
histerectomia vaginal e abdominal com bons resultados, negando os insucessos
referidos pelo cirurgião de Lisboa.
Diz Hernâni Monteiro que as primeiras histerectomias vaginais no nosso País foram
realizadas no Porto por J. Franchini, “quer para extirpação dos anexos, quer para
extirpação de úteros cancerosos” (12), antes da primeira feita em Lisboa no fim de
1891 pelo Dr. Bordalo Pinheiro.
Nessa época já no HGSA havia a persistente falta de publicação de resultados ou
técnicas pelo que não era nem é fácil provar a actividade dos diferentes serviços.
Assim Hernâni Monteiro teve que consultar os relatórios anuais da SCMP para tentar
saber qual a cirurgia praticada no HGSA, pelo cirurgião Franchini em 1891,
conseguindo contar “um volumosa tumor do útero”, histerectomia abdominal com
atamento do pedículo”, “Histerectomia vaginal total com ablacção de anexos, por
epitelioma do corpo do útero e salpingite purulenta dupla”, ”Histerectomia vaginal
total por neoplasma do útero”. Em Coimbra pela mesma altura, ainda não se praticava
cirurgia ginecológica de envergadura, só surgindo mais tarde pelo Prof. Refoios. (12).
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No Porto, aos pioneiros Franchini, Sousa Oliveira e Azevedo Maia, seguiram-se outros
grandes cirurgiões que desenvolveram a cirurgia Geral e ginecológica, quando era já
indiscutível “que, de ano para ano se nota que a assépsia se arreiga e ainda bem”
como dizia Roberto Frias cerca de 1900, na Gazeta Médica do Porto”. Dentre eles,
destacam-se Roberto Frias, que fora condiscípulo de Júlio Franchini, Cândido de Pinho
e Maia Mendes, todos grandes figuras do HGSA e da EMC.
No HGSA, Júlio Franchini foi nomeado Director de Enfermaria, por unanimidade da
sessão da Mesa de 26/7/1888, exercendo essas funções nas enfermarias 13 ou 14
(Mulheres) até à aposentação em 1925.
Também exerceu por duas vezes o cargo de Director Clínico: a primeira em fins da
década de 80, quando da publicação do Regulamento que traduzia a grande reforma
de 1882 do Prof. Costa Simões; a 2ª foi na sequência do 5 de Outubro de 1910,
(empossado em 18/11/1910, pelo novo Provedor A. Calém). Em ambas esteve em
funções apenas 9 meses, “ O tempo de uma gestação” como gostava de dizer.
Considerado por todos um grande cirurgião, com uma técnica e conhecimentos
anatómicos de elevado nível, era também definido por todos os que o conheceram
como extremamente modesto, e avesso a distinções.
Apesar disso, o Conselho Escolar da EMC, em Novembro de 1910, propôs por
unanimidade, a criação da cadeira de Ginecologia e a entrega da sua regência ao Dr.
Franchini. Por razões obscuras a tutela nunca respondeu à proposta.
Em 1906, Júlio Franchini viaja até Paris e visita os serviços de Touffier, Pezzi, Hartmann,
Doyen, trazendo, no regresso a Portugal o primeiro aparelho de anestesia pelo
clorofórmio, e as ampolas de “estovaína” com que, no Porto, foram feitas a as
primeiras raquianestesias.
Fora do Hospital há que destacar a criação da Casa de Saúde Portuense pelos ilustres
Psiquiatras Júlio de Matos e Maximiano Lemos, ambos professores na EMC, tendo
convidado Franchini e o seu velho amigo Tito Fontes para exercerem lá as actividades
da área da Cirurgia e da Medicina respectivamente. O desinteresse de Franchini pelas
benesses materiais fez com que muitas vezes operasse doentes pobres na clínica sem
cobrar honorários.
Admirado e respeitado por toda a cidade, atingiu a jubilação em 1925, sendo, contudo,
alvo de expressiva homenagem do Hospital, da Faculdade de Medicina e da Cidade, em
12 de Junho de 1927, que deu bem a medida da importância que a sua figura tinha
para a comunidade.
A convocatória para a cerimónia era assinada pelos Directores de todos os 12 Hospitais
da cidade, pelo Director da FMP Prof. Carlos Lima, e pelo Presidente da Associação
Médica Lusitana, Prof. J. Pires de Lima.
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Na primeira sessão realizada na Secretaria do HGSA, foi descerrado um busto em baixo
relevo do homenageado, da autoria do Escultor João de Silva, e na sessão, presidida
pelo Provedor A. A. Cálem usaram da palavra os médicos do HGSA António Ramos de
Magalhães e Angelo das Neves. Outra sessão realizada na SCMP, presidida, em
representação do Reitor da U.P., pelo Professor e General Vitorino Laranjeira, e na
qual usaram da palavra os Prof. Alberto de Aguiar e Carlos Lima, pela FMP, O Dr.
Mendes Correia pela Associação Médica Lusitana, o Dr. Tito Fontes, velho Amigo e
companheiro desde o Liceu, O Dr. Álvaro Rosas em nome dos discípulos e
continuadores no HGSA, o Dr. Adriano Antero, amigo e cliente do homenageado que
no final agradeceu. (22)
Estas intervenções foram publicadas em folheto, pelo Prof. Hernâni Monteiro, seu
admirador, em 1928, e da sua leitura ressalta a elevada qualidade humana e
capacidade técnica e científica do Dr. Júlio Franchini, que todos consideravam um dos,
senão o mais qualificado Cirurgião do seu tempo.
Já antes, num artigo publicado no “Comércio do Porto” em 6/7/1926 (24), intitulado
“Crónica científica”, o Prof. J.A. Pires de Lima escrevia que entre os maiores nomes da
Cirurgia no Porto se contavam...“ Bernardino de Almeida, Eduardo Pimenta, Azevedo
Maia, Sousa Oliveira, Roberto Frias, Maia Mendes... e o decano dos cirurgiões
portuenses Dr. Júlio Franchini, símbolo incontestado de dignidade profissional, que
toda a classe médica admira e respeita”. Referindo mais adiante ao “verdadeiro papel
desempenhado por Franchini na renovação por que passou a cirurgia no último quartel
do século XIX”.
4 Resumo e Conclusões
Na segunda metade do século XIX e em particular a partir da década de 60,
verificaram-se descobertas no âmbito da bacteriologia, sobretudo pelos trabalhos de
Louis Pasteur, mas também dos do escocês Lister ou do holandês Semmelweiss, que
conduziram a uma verdadeira revolução na prática cirúrgica da época, em especial se
lhe adicionarem as descobertas, anos antes, no domínio da Anestesia. De facto a
terrível infecção pós-operatória com mortalidades elevadíssimas, travava o progresso
da Cirurgia, em particular da abdominal. A utilização generalizada das técnicas de
assepsia e antissépsia, assim como o controle da dor, abriram perspectivas que fizeram
que nesse período tivesse nascido a Cirurgia Moderna.
Em Portugal as novas ideias tiveram que vencer barreiras de preconceito e ignorância,
em particular da parte dos médicos hospitalares.
No HGSA a situação era tendencialmente de recusa aos novos métodos, pelo que
assume especial relevância a luta pioneira e de início quase solitária dum jovem
cirurgião, Júlio Franchini, brilhante e laureado aluno da EMC do Porto, que foi
reconhecido na época, como um dos melhores cirurgiões que se formaram e
trabalharam no HGSA.
91
Na homenagem atrás referida, em 1927, um luzido grupo de 70 personalidades do
maior gabarito na cidade e na Universidade do Porto, em particular na FMP, dirigiu-lhe
um texto em que se dizia que:
“Num período em que as geniais descobertas de Pasteur e Lister tinham
revolucionado as ciências médicas, a V.Excia coube desempenhar um papel de
primacial relevo na Cirurgia da nossa terra. E, sem dúvida nenhuma, é a V.Excia que
principalmente devemos a introdução no Porto dos modernos processos de operar”
Como se vê, Júlio Franchini acabou vencendo a batalha, e com ele se iniciou
também a moderna cirurgia, e em particular o sector que mais o interessou sempre
que foi a cirurgia ginecológica.
O reconhecimento unânime dos seus méritos e da contribuição que deu à
modernização técnico-científica do HGSA, foi bem expresso na homenagem já referida,
à qual se associaram todas as forças vivas da área da saúde, Hospitais, FMP e UP,
médicos, cidadãos, doentes e familiares, a comunidade.
O Dr. Júlio Franchini enfileira assim no grupo de personalidades que ao longo de 200
anos ilustraram a História da instituição e cujo exemplo deve ser recordado pelas
gerações mais novas.
Agradecimentos: A iconografia que acompanha este trabalho foi-me disponibilizada
pela Família do Dr. Júlio Franchini, a quem agradeço muito penhorado, pois permite
dar algum conteúdo de imagem à tentativa de Biografia de tão ilustre e distinto
cirurgião do HGSA, a que me abalancei. Em especial agradeço a disponibilidade da
minha colega e médica do Quadro do HGSA, Dr.ª Graça Franchini, esposa do trineto do
biografado, Sr. António Júlio Seguro Pereira Franchini.
4.8 Dr. Maia Mendes
INTRODUÇÃO
O Prof. Hernâni Monteiro no seu livro "Origens da Cirurgia Portuense" (pág. 339)
refere-se (12) aos esforços de Franchini, Azevedo Maia, Sousa Oliveira, depois seguidos
por outros cirurgiões como Roberto Frias, Cândido de Pinho e Maia Mendes" para
tomar possível tratar no Porto "as grandes intervenções na cavidade peritoneal", até
então quase interditas, dada a elevada mortalidade que provocavam.
Na nota biográfica anterior, considerava-se Júlio Franchini o fundador da moderna
Cirurgia no Porto, acção em que também foram referidos os nomes dos seus mais
distintos seguidores, entre os quais figurava o do Dr. Maia Mendes, que ficara para
sempre ligado ao selecto grupo dos pioneiros que, na esteira de Franchini, se
afirmaram como grandes cirurgiões, e que são os acima indicados.
92
Dizia Hernâni Monteiro que se criara a "lenda" de que os maus resultados cirúrgicos
até então registados no HSA se deviam às más condições sanitárias do Hospital. No
entanto, esta brilhante plêiade de cirurgiões, desde que passou a operar a quase
totalidade dos doentes, demonstrou, pela grande melhoria dos resultados obtidos,
que as causas da situação eram mais as más soluções técnicas adoptadas do que as de
facto, indiscutivelmente deploráveis instalações.
Um desses brilhantes pioneiros, foi, como se disse acima, o Dr. Artur Maia Mendes,
que deixou fama de grande cirurgião e competente especialista de partos, que foi
Director de enfermaria no HGSA e fundou a primeira Maternidade do Porto dedicada
essencialmente à assistência gratuita a mulheres pobres ou indigentes, anos antes da
criação da Maternidade de Júlio Diniz.
É com toda a justiça que se inclui entre as Figuras Ilustres do HGSA, o Dr. Maia
Mendes.
O DR. ARTUR SALUSTIANO MAIA MENDES
Artur Salustiano Maia Mendes nasceu no Porto, a sua cidade, na freguesia bem central
de Cedofeita em 8/6/1857, filho de Tibério Augusto Pereira Mendes e de Cecília
Augusta Maia Pereira Mendes. O pai, Tibério, teria uma actividade profissional ligada a
área do Direito, no que foi seguido por um dos irmãos de Artur, Eduardo Maia
Mendes, que foi Notário no Porto, assim como seu filho, também Eduardo. Existiu um
terceiro irmão, Tibério como o pai, de que não se conseguiu informação.
O jovem Artur inscreveu-se na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde se licenciou em
1881, com 24 anos, defendendo a dissertação inaugural "Esboço etiológico da
emoção", que teria sido muito apreciada pelo júri.
Começou a trabalhar no HGSA, e entretanto casou com D. Maria da Glória Dantas da
Gama, de quem teve 3 filhos, O mais velho de nome Arnaldo Artur Dantas da Gama
Maia Mendes, nascido em 15/7/1895, também se formou em Medicina em 1916, com
21 anos. (9). Os restantes eram 2 raparigas, de nome Maria da Glória e Maria Amélia.
Entretanto, de uma ligação com a enfermeira - parteira Maria Angelina Veiga, sua
colaboradora no HGSA e na Maternidade, nasceu outro filho, Ângelo Manuel Veiga,
que depois de perfilhado, passou a usar o nome de Ângelo Veiga Maia Mendes (33).
O filho Arnaldo trabalhou com o Prof. Alberto de Aguiar, para a sua dissertação
inaugural, foi mobilizado para a guerra (I Guerra Mundial) em 1917, como tenente
miliciano, dedicando-se sobretudo à formação de enfermeiras.
Desde estudante ajudava o pai nas intervenções cirúrgicas, e quando o DR. Maia
Mendes faleceu em 1920, ocupou o lugar de Director da Maternidade, falecendo ele
próprio em 1924, muito jovem, com apenas 29 anos (7), Assumiu então a Direcção da
Maternidade o Dr. Cristiano Augusto de Morais (32) que, em 1932 publicou um livro no
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qual descreve 100 casos de intervenções cirúrgicas realizadas já nos anos 30 na
Maternidade.
Curiosamente, no livro que, aliás, é dedicado ao grande cirurgião Júlio Franchini, não
há uma única referência ao Dr. Maia Mendes, fundador da instituição que edita o
trabalho.
CARREIRA HOSPITALAR
Em 1898 o Dr. Maia Mendes era já Director de enfermaria, sendo responsável pela
especialidade de partos, pelo que na sua enfermaria (9, 11 ou12 conforme as épocas)
se praticava sobretudo cirurgia do foro obstétrico e mais raramente ginecológica.
Entretanto, quando o Dr. Francisco Sousa Oliveira, Director da Enfermaria 13, faleceu
em exercício, no ano de 1914, o Dr. Maia Mendes, após concurso público, foi nomeado
Director da mesma enfermaria, lugar que desempenhou até à sua morte em 1920.
Sucedeu-lhe como Director da enfermaria 13, Dr. Alberto Ribeiro.
Desde início de funções como Director de enfermaria, teve sempre como adjunto o Dr.
Joaquim José Martins da Silva.
Nos primeiros anos do século dispôs ainda de alunos internos ou externos, de que se
registaram, entre outros nomes, o Dr. Raul Carmo Pacheco e a Dr.ª Guilhermina Prata,
uma das duas irmãs que foram das primeiras médicas portuguesas.
Entretanto havia feito concurso para ocupar o lugar de Chefe de Clínica Obstétrica da
EMC, cargo que ocupou de 1903 a 1910 (26).
Quando foi colocado na Enf.ª 13, o seu 1º Assistente foi o Dr. Casimiro. Barbosa e 2º
assistente o Dr. Júlio Abeillard Teixeira. Este médico era já um dos seus principais
colaboradores na Maternidade do Porto.
Como médico qualificado, foi sempre um participante activo na vida do HGSA. Assim,
foi um dos médicos louvados pela Mesa, pela colaboração que deram aos responsáveis
pelo controle da epidemia de Peste bubónica, que em 1899 assolou o Porto. Os outros
foram, além do Director e subdirector Clínico, (Gonçalves Nogueira e Dias de Almeida),
os Dr. Franchini, Tito Fontes, António Andrade e o malogrado Agostinho de Faria, que
resistiu à Peste, para vir a falecer em 1904, vítima do seu trabalho de combate a outra
epidemia, que então grassava no Porto, do tipo da "gripe pneumónica".
Nesse mesmo relatório se dava conta da obra feita" para que se pudesse reunir em
salas distintas o Serviço Ginecológico do Dr. Franchini e a sala de parturientes dirigida
pelo distinto especialista Dr. Maia Mendes". Ainda no mesmo relatório se referiam os
"cursos livres" com "Lições Práticas”, organizados, independentemente da EMC, pelos
mais prestigiados médicos do HGSA e que eram, na época, o médico Tito Fontes e os
cirurgiões Franchini, Sousa Oliveira, Dias de Almeida e Maia Mendes
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Quando foi decidido rever em 1896 o Regulamento do HGSA, foi nomeada uma
Comissão de notáveis que além do habitual Maia Mendes, e dos seus colegas já
referidos incluía o Prof. Moraes Caldas que, além de director do Serviço 6 do HGSA,
era, na altura, também 'Director da EMC. A discussão pública do novo Regulamento,
alargada aos alunos da EMC, incluiu conferências pronunciadas por Maia Mendes, e
outros membros da Comissão.
Todos estes exemplos servem para mostrar que Maia Mendes se incluía no selecto
grupo dos mais prestigiados cirurgiões do seu tempo.
A MATERNIDADE DO PORTO
Mas a grande Obra a que o Dr. Maia Mendes dedicou os últimos anos da sua vida, foi a
abertura da Maternidade do Porto, a primeira do País, e que se antecipou ao Estado,
que não dispunha, na época, de nenhuma.
Naqueles tempos, há quase 100 anos, o atraso atávico de Portugal em quase todas as
áreas, atingia foros de dramatismo na assistência materno fetal, e em particular no
HGSA, em que as péssimas condições de instalação e de cobertura técnica, conduziam
a resultados desastrosos.
O Provedor da SCMP, António Alves Calem no seu relatório de 1924/1925 denunciava
a grave situação do HGSA, com mortalidades materna e neonatal inaceitáveis. Para
fundamentar a sua preocupação publicava algumas estatísticas de Cidades Europeias
que mostravam claramente que com a mortalidade materna em vias de desaparecer
na Europa, Portugal mantinha taxas superiores a 6 % nos últimos anos. Por outro lado,
o indicador de nados-mortos mostrava que quase 1 em cada 4 recém-nascidos era
nado-morto. (anexo 1)
O Provedor citava ainda outros números como: Em 1922, na cidade do Porto, foram
registados 2122 óbitos em crianças de menos de 9 anos, o que correspondia a cerca de
40% dos óbitos totais.
Ainda em 1922, em 6703 nascimentos 679 (10%) foram nados-mortos e dos 6024
sobreviventes, 327 morreram no 1º mês (5%). Se os números em 1925 eram esses
certamente que em 1910 estariam bastante piores.
Estes números não podiam deixar de impressionar Maia Mendes. Além disso o
cirurgião não podia ignorar que mulheres saudáveis, com partos eventualmente
normais estavam sujeitas a contrair infecções graves no Hospital.
Como dizia Marinha Cardoso no excelente artigo publicado em 1999 em "O Tripeiro",
"O parto não se integrava no âmbito das definições de doença" assim como a grande
maioria dos recém-nascidos eram perfeitamente saudáveis. (26)
Tomava-se assim lógico quê se separassem as grávidas e os bebés dos verdadeiros
doentes em particular dos que sofriam de doenças infecto-contagiosas.
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Nesta conformidade começam a surgir na Europa desenvolvida as Maternidades, como
na Suíça e Alemanha, e logo em seguida na França e Grã-Bretanha (26). Em Portugal,
Mendes foi dos primeiros a aperceber-se desta realidade, e portanto tratou de
arranjar soluções de salubridade suficiente, beneficiando dos grandes progressos que
se vinham a verificar na técnica cirúrgica, na anestesia, no seguimento pós-operatório,
o que resultava da divulgação das recentes descobertas no campo da assepsia e
antissépsia, aliás pouco ou mal aplicadas no HGSA, como já antes tinham verificado
outros ilustres cirurgiões como Franchini, Sousa Oliveira" etc.
Em 1910 Mendes era já um consagrado director de enfermaria do HGSA Com larga
experiência que se consagrou quando, em 1914 foi nomeado para dirigir o Serviço de
Cirurgia 13 Mulheres, substituindo o Dr. Francisco Sousa Oliveira, que falecera no
exercício do cargo. Maia Mendes acumulou esse cargo com o de Director da
Maternidade que fundara em 1910, até à sua morte, em 1920.
Mas voltemos à década anterior. Um dos factos que mais impressionou Maia Mendes
foi a visita que em 1908 a Rainha D. Amélia fez ao Hospital (7), na qual foram
evidenciados os graves problemas, que a miséria de instalações para o serviço de
partos provocava.
Por essa altura, em Lisboa, Alfredo da Costa, director de serviço no H.S. José,
(conhecido como enfermaria de Santa Bárbara) tornou públicas queixas quase iguais às
do Porto, sem resultado. Em Coimbra, estudantes de medicina dinamizaram um
movimento para a recolha de fundos destinada à construção de uma Maternidade,
(estávamos em1906) (26).
No meio desta imobilidade social, Maia Mendes, Homem dinâmico e empreendedor,
decide avançar e aluga um palacete, rodeado de belo parque e jardim, na zona da Lapa
que é uma das mais elevadas e arejadas da cidade (Rua de Camões, 292 – hoje
demolida) desencadeia um movimento de recolha de fundos com peditórios e
doações, convenceu ainda o Bispo D. António Barroso a associar-se à campanha e em
poucos meses a Maternidade estava a funcionar.
A MATERNIDADE NO CONTEXTO NACIONAL
Por ordem cronológica, as Maternidades Portuguesas, citadas em documentos
oficiais foram:
1. A Maternidade do Porto de Maia Mendes - Abriu em 1/10/1910
2. A Maternidade de Coimbra, abre no contexto dos HUC, por influência de
António José de Almeida, médico, Ministro do Interior - 1911
3. Maternidade Magalhães Coutinho, Lisboa - Integrada nos HCL - 1927
4. Maternidade Alfredo da Costa, Lisboa - 1932
5. Maternidade Júlio Diniz, Porto - 1935
96
Estas datas mostram que efectivamente a primeira Maternidade criada em Portugal,
foi a do Porto, privada e com estatuto de beneficência, que, todavia não foi
oficializado, como se disse.
A Maternidade funcionou desde 1910 até aos anos 30, tendo-se apenas conseguido
apurado que, entre 1910 e 1914, foi a principal actividade do Dr. Maia Mendes. A
partir de 1914 acumulou a sua direcção com a de um dos mais movimentados serviços
ou enfermarias do HGSA, a número 13, de Mulheres, o que levou a que no livro que
publicou em 1915, incluísse a descrição de todos os casos mais importantes, operados
na Maternidade, na enfermaria 13 e também alguns da sua clínica privada.
Com o seu prematuro falecimento (contava apenas 63 anos) a Direcção da
Maternidade ficou na mão de seu filho, Arnaldo, que todavia acabaria por falecer aos
29 anos, em 1924. Sucedeu-lhe (?) o médico Cristiano de Moraes, não se sabendo em
que condições. Não há qualquer referência ao seu nome, na lista de ajudantes ou
colaboradores que Mendes publica na revista "Boletim de Cirurgia,” editada em 1915,
(31), nem nenhum dos colaboradores que Moraes refere no seu próprio livro (32) foi
relacionado antes com qualquer das instituições onde Mendes trabalhou.
Presume-se que Cristiano de Moraes que no seu livro de 1931 (32) se intitula Director
da Maternidade do Porto, tenha assumido a função, a partir de 1924, data da morte de
Arnaldo Artur Maia Mendes.
FUNDAMENTOS E OBJECTIVOS DA INSTITUIÇÃO
Fundamentos:
1. Péssimas Condições de salubridade no HGSA, à semelhança de alguns serviços
europeus. Em resultado disso verificaram-se nos anos 10 e 20, taxas de
mortalidade materna e neonatal, elevadíssimas.
2. Necessidade de isolar as grávidas e os bebés de forma a baixar a taxa de
infecções
3. Seguindo o movimento europeu, em desenvolvimento, era necessário montar
rapidamente Maternidades com condições adequadas. (26)
4. As novas técnicas cirúrgicas e de Higiene, facilitavam a obtenção de melhores
resultados,
Objectivos:
O objectivo essencial era fornecer cuidados sobretudo a grávidas pobres ou indigentes,
que não tinham acesso a outros serviços gratuitos.
Financiamento a assegurar por:
 Contribuições regulares de cidadãos ou empresas.
 Contribuições de sócios fundadores
A MONTAGEM E EQUIPAMENTO DA MATERNIDADE
97
Á data da abertura em 1910, Maia Mendes havia conseguido os seguintes apoios:
- Sócios fundadores: quase 300
- Farmácias que entregarão medicamentos gratuitos - 36
O equipamento, incluindo mobiliário, foi em grande parte desenhado pelo próprio
Maia Mendes (26), tendo em conta sobretudo, a prevenção da infecção, ameaça
terrível que pairava sempre sobre o parto., sendo de referir, por exemplo, a cadeira de
consulta com tampo de vidro e estrutura de ferro, para ser facilmente lavável, entre
duas consultas..O material e instrumentos cirúrgicos foram escolhidos com todo o
cuidado, sendo construído entre outros um modelo de Fórceps imaginado por Maia
Mendes.
Apesar de tudo, a Maternidade dependia muito da direcção do fundador, pelo que
após a sua morte “decaiu rapidamente”, a ponto de Alberto Saavedra, em 1926 (30)
escrever que, apesar do mérito de Maia Mendes este “quis arrojar-se a uma empresa
que não venceu, “atestando louvável empenho ficou muito abaixo dos seus desígnios.”
Dessa obra resta “, diz “ uma grosseira mistificação”.
Há talvez um certo exagero em Saavedra, mas ele não deixa de referir que Mendes
havia falecido em 1920 e a “grosseira mistificação” resultaria da incapacidade dos seus
continuadores.
A PRODUÇÃO DA MATERNIDADE
São conhecidas duas publicações onde Mendes procura fornecer não só estatísticas,
mas também descrições precisas das intervenções cirúrgicas que realizava.
Assim no seu primeiro relatório, publicado em Maio de 1912 (25) Maia Mendes
apresenta a estatística dos primeiros 18 meses (1/10/1910 a 31/3/1912) e que, em
síntese comportava:
1 -Operações “de Consultório” - 65
2- Amputações e outras - 3 (1 óbito)
3-Ginecologia e Partos - 51 (todas operações aparentemente de baixa
complexidade
Entretanto no relatório publicado nos dois primeiros números (únicos?) da revista
“Boletim de Cirurgia” editados num só volume, já se contam as descrições de alguma
centena de actos cirúrgicos.
A EVOLUÇÃO DA MATERNIDADE
Alberto Saavedra afirmava no seu trabalho de 1926 (30) que a Maternidade se
transformara numa grosseira mistificação, apesar da boa vontade do fundador.
A verdade é que o próprio Maia Mendes denotava certa desilusão, ao escrever no
prefácio do 2º volume do “Boletim do Hospital” que “ A Maternidade não tem legados,
98
nem subsídios nem donativos e a própria contribuição mensal de $50 que muitos
subscreveram, quase desapareceu, ficando reduzida a alguns amigos. A Maternidade
do Porto quase não tem receitas “e nós não temos tempo nem feitio” para nova
campanha. Foi por isso que “não conseguiu estruturar-se como organização de
“beneficência” que há 6 anos não passa da fase embrionária”
A. Saavedra tinha razão, 10 anos depois, ao opinar que Maia Mendes tinha mais
coração do que possibilidade real de alcançar “os seus desígnios”.
No mesmo número da Revista, Maia Mendes apelava num texto dirigido ao Provedor
da SCMP, com vibrantes afirmações de confiança, pois “A Misericórdia não morre”.
Uma carta então dirigida ao Director Clínico do HSA, Manuel Jorge Forbes Costa, é um
apelo quase desesperado à colaboraçã,o esquecendo ou melhor promovendo “uma
rivalidade sublime” entre os médicos de dentro ou de fora, com o objectivo de curar
doenças e salvar doentes.
Apesar destes apelos, Mendes não desanimou e publicou nesse número a descrição
minuciosa e ilustrada das operações realizadas até Outubro de 1916 que foram 333,
listadas por grupos de patologias.
No mesmo número da Revista, Mendes mostra alguns dados estatísticos, afirmando
que, em 6 anos de funcionamento, teriam sido feitos mais de 60000 “Tratamentos”.
PUBLICAÇÕES
Numa cidade e num Hospital em que não tem havido uma clara tradição de publicitar
experiências ou investigações, Maia Mendes foi uma excepção.
Recordemos que os seus relatórios foram publicados, criando o autor uma revista
própria para o efeito (“Boletim do Hospital”). Já Hernâni Monteiro (12) escrevia que
“Maia Mendes era um jornalista médico de decidida vocação”. Assim fundou a Revista
“Saúde Púbica” de que era o “Redactor Principal”, desde o primeiro número, no fim de
1883, isto é, com 26 anos de idade. A revista era por vezes quase toda escrita por ele,
pese embora a qualidade e quantidade dos colaboradores que eram quase todos os
mais prestigiados “Lentes” da EMC, como Agostinho do Souto, Morais Caldas, Ricardo
Jorge, do Hospital Santo António (Franchini, Magalhães Lemos, Tito Fontes) e da
delegação de Saúde (12). Para além disso colaborou em todas as revistas médicas que
se publicaram no Porto, como Porto Médico, Gazeta dos Hospitais do Porto, Gazeta
Médica do Porto, Medicina Moderna, etc. (12)
NOTA FINAL
O Dr. Artur Maia Mendes foi um dos mais brilhantes expoentes da grande geração de
médicos e sobretudo cirurgiões, que na viragem do século XIX para o XX, afirmaram a
sua capacidade técnica e científica para inverter a situação de descrédito a que
chegara a assistência na cidade do Porto.
99
Desta vontade de mudança resultou a criação da 1ª Maternidade de Portugal, onde
deixou obra documentada como grande cirurgião, tendo, infelizmente falecido cedo.
Os seus continuadores não conseguiram manter ou melhorar o nível atingido (30).
De qualquer modo a Cidade, por intermédio da Comissão de Toponímia, que fez a
respectiva proposta, decidiu em reunião de 3/6/2003, homenagear o Dr. Maia Mendes
com a atribuição de “Rua Artur Maia Mendes 1857/1920” ao novo arruamento que, na
freguesia de Paranhos, liga a Rua Aurélio Paz dos Reis à Rua de Santa Luzia.
Terminarei com uma citação do Prof. UP Américo Pires de Lima em artigo no
“Comércio do Porto" de 28/8/1925:
“No meu tempo de estudante, no início do século XX, as enfermarias do HSGA eram
por assim dizer um prolongamento da Escola… que excelentes Mestres não eram o
Médico Tito Fontes, os Cirurgiões Sousa Oliveira e Franchini, o parteiro Maia Mendes”.
Artur Salustiano Maia Mendes deixara a vida em 1920, mas o seu exemplo, a beleza
das suas descrições cirúrgicas, o seu humanismo, sobreviveram-lhe.
Anexo
100
4.10 Dr. João Resende
101
Publicado na revista Sinapse, vol. 3, nº1. Maio de 2003
O Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, Dr. Pereira Monteiro, solicitoume que, no âmbito da mais do que justa homenagem com que quiseram distinguir o
Dr. João Resende, mestre de muitos de nós, fizesse a sua biografia profissional, de
modo a que, sobretudo os mais novos, pudessem conhecer e compreender a sua
importância no desenvolvimento da clínica das Doenças do Sistema Nervoso, mais de
25 anos após a sua aposentação.
Para além de me sentir honrado com o convite, considero-me particularmente bem
colocado para tal, dado que me orgulho de pertencer à segunda geração de
profissionais das Neurociências formados na Escola fundada nos idos de 1938 pelo
nosso Mestre Corino de Andrade e pelo seu companheiro e primeiro discípulo João
Resende.
É isso que explica que seja um ex-neurocirurgião a falar sobre um Neurologista, que
considera seu mestre, pois ambos integraram durante muitos anos uma unidade
verdadeiramente departamental e pluridisciplinar, como era o Serviço de Neurologia
do HGSA.
Por circunstâncias que as malhas do destino tecem, sucedeu que, quando o Dr. Corino,
recém-chegado de Estrasburgo e Berlim, nas vésperas da Guerra, entrou na Enfermaria
10, de Medicina, do HGSA, a oferecer os seus préstimos numa Especialidade então
inexistente no Porto, encontra um jovem estagiário que foi destacado para
o"ciceronar".
É o próprio Dr. João Resende, num belíssimo artigo publicado num número do Boletim
do Hospital comemorativo da jubilação do Dr. Corino, que se refere a como nessa
altura " assisti extasiado a um exame neurológico em regra". O deslumbramento pela
beleza da disciplina clínica e pela categoria do expositor, fez com que a partir daí os
dois caminhassem sempre em conjunto, a tal ponto que o nosso homenageado não
deixou de cumprir a promessa que durante anos fizera, e assim, logo após a
aposentação por limite de idade do Dr. Corino, o "Patrão" para todos nós, requereu
também ele próprio a aposentação, apesar de sete anos mais novo.
O Dr. João Resende nasceu no Porto em 20/03/1913 e licenciou-se na FMI' em
20/10/1936, isto é, com 23 anos de idade. Logo em 29 do mesmo mês, requere
autorização à SCMP para "frequentar a Enfermaria 10 (Medicinal do HGSA,
requerimento deferido pelo Provedor Dr. António Luís Gomes, um dos grandes
provedores da Misericórdia e que, poucos anos depois, cm fins de 1938, aceitaria no
Hospital o Dr. Corino de Andrade, formado em Lisboa e com vários anos de pósgraduação em França e na Alemanha, e assinaria a decisão da Mesa de 11/07/39 que
criava o Serviço Especial de Neurologia no HGSA.
Mas voltemos ao Dr. Resende. Durante os anos de 1937 e 1938 foi solicitando
renovações de estágio nas enfermarias de Medicina 10 e 13, esperando vir a ser
102
internista mas seguramente também adquirindo formação médica geral, até que
surgiu aquele estranho personagem que emergia das nuvens políticas pesadas que
então se adensavam sobre a Europa. E, assim, no seu processo individual da SCMP,
surge em 17/2/39 um novo requerimento para frequentar a Consulta l que era nem
mais nem menos do que a primeira evidência oficial duma consulta de Neurologia, que
o determinado Dr. Corino conseguira iniciar em espaço e tempo cedidos (2 dias por
semana) pelo Serviço de Homeopatia (!).
Na informação registada sobre o requerimento escrevia o Director (Corino) sobre o
dirigido (Resende): "O Dr. Resende tem mostrado bastante interesse pela Neurologia.
Muito prazer teria em obter a sua colaboração".
Em 1940 foi criado o primeiro quadro médico do Serviço sendo, em sessão da Mesa de
24/7/40, nomeados ambos respectivamente Director e 1o Assistente. É de notar que o
Dr. Resende foi admitido como Assistente após concurso público documental, de que
não encontrei rasto nos arquivos. Devo referir que no contrato como Assistente estava
estabelecido que as funções referidas seriam exercidas "sem vencimento". Esta
situação, que se presume ser comum pelo menos a todos os Assistentes do Quadro foi
todavia mais tarde corrigida, quando em 1943 foi atribuída aos primeiros Assistentes a
retribuição mensal de 450$00.
Nestes primeiros anos a actividade dos dois pioneiros mais parecia a de facultativos
ambulantes, a tratar doentes internados em diferentes serviços e procurando criar
uma consulta de referência, ambulatória, onde os doentes só excepcionalmente
apresentavam reais patologias neurológicas orgânicas, sendo de registar a paciência
com que ambos descreviam histórias clínicas de reumatismos, coxartroses,
hipertensão arterial, e, vá lã, de vez em quando uma paralisia facial periférica!
Nestes dossiers clínicos dos primórdios do Serviço é curioso seguir o rigor dos exames
neurológicos completos mesmo em "artroses do joelho"!!), com especial ênfase na
pesquisa de sensibilidades superficiais e profundas. Por mim fiquei a perceber a sua
exigência na semiologia quando, 20 anos mais tarde, iniciava a minha própria
formação.
É o próprio Dr. Resende que numa bem-humorada evocação desses tempos, em
manuscrito de 1983 recorda que, "colmatando necessidades inadiáveis para o
desenvolvimento do Serviço, fui ainda ajudante de Corino de Andrade nos primórdios
tormentosos da neurocirurgia, (contrariando penosamente uma aversão estrutural por
esta espécie de actividades), desempenhei durante os seus primeiros tempos o papel
de improvisado neuroradiologista (angiografias carotídeas percutâneas,
encefalografias gasosas, mielografïas) e também o de eventual fazedor de autópsias..."
Depois de mais de dez anos sem mais elementos efectivos do Serviço, enquanto ia
nascendo e crescendo o trabalho de avaliação clínica das observações da Consulta
Externa que havia de conduzir à descoberta da PAF e à publicação do artigo do Brain
em 1950, eis que, no fim dos anos 40 início dos anos 50, surge a primeira geração de
discípulos atraídos pela personalidade do Director mas que não deixaram de ser
103
influenciados pela competência, rigor e serena actividade do Dr. Resende. Entre estes,
devem reter-se os nomes de Pereira Guedes, Jorge Campos, Castro Alves, António
Coimbra e, sobretudo Rocha Melo, que no fim da década fez a sua formação
neurocirúrgica em Edimburgo, e foi o único desta geração que se manteve no Serviço.
Em 1959 o Serviço era já dirigido por um triunvirato, que, além dos dois fundadores,
integrava o então 2"assistente Dr. Rocha Melo.
Foi entre 1959 e 1963 que foram atraídos ao Serviço aqueles que definirei como a 2"
geração de formandos do Serviço de Neurologia (a geração dos anos 60) e para os
quais o Dr. Resende foi além de mestre de clínica, o companheiro mais velho sempre
disposto a advogar a seu favor junto do, por vezes irascível e nem sempre fácil "Patrão
Corino". Entre estes destacaram-se na Neurologia, Manuel Canijo (Fundador do
Serviço de Neurofisiologia), Paulo Mendo (Fundador do Serviço de Neuroradïologia),
Castro Lopes (Futuro Director do Serviço); na Neurocirurgia, Serafim Paranhos, Leão
Ramos, Alfredo Calheiros, eu próprio; na Neuroquímica Pinho e Costa, que veio a
desempenhar papel determinante na investigação internacional da PAF.
Para todos eles o Dr. Resende desempenhou um papel determinante na aprendizagem
da prática clínica. Por mim entendo que se o Dr. Corino nos ensinou sobretudo a
pensar e a manter o espírito crítico, o nosso homenageado ensinou-nos a prática
corrente da clínica e também a seriedade e a modéstia nas relações com os outros.
Voltando à formação profissional do Dr. Resende, há que referir a Bolsa de Estudo que
lhe foi atribuída pela SCMP em 1954 e que foi uma do primeiro grupo de 4 Bolsas
atribuídas a médicos que mais se tivessem distinguido; essa bolsa foi gasta para
financiar um estágio em Paris com o Prol. Fishgold. Entretanto, no mesmo ano, em
fundamentada exposição por si redigida e subscrita também pelo Director de Serviço,
era pedida a criação de uma unidade de neurofisiologia, e em particular a aquisição
dum aparelho de EEC. Em 1956, com uma Bolsa concedida pelo governo francês,
cumpriu um estágio de 3 meses no Serviço de Neurobiologia do Prof. Gastaut, no
Hôpital La Timone, em Marselha, onde adquiriu formação prática em EEG.
Adquirido o EEG, estava assim criado o Laboratório de Neurofisiologia, que mais tarde,
sob o impulso do malogrado Manuel Canijo, incorporou a EMC e os PE, dando origem
ao actual Serviço de Neurofisiologia.
O Dr. Resende continuou sempre a praticar a clínica, na consulta externa e no
internamento, a proceder à leitura sistemática de todos os traçados EEG, durante
muitos anos sozinho, desde 1972 em tempo completo (O Serviço foi o 1° no Hospital
com esse regime), ainda foi nomeado em 1973, juntamente com o Prof. Falcão de
Freitas, vogal da Comissão presidida pelo Dr. Corino para gerir o recém-criado Centro
de Estudos de Paramiloidose, até que, cumprindo a sua promessa, requereu a
aposentação, mal o Dr. Corino fez 70 anos, em 10/6/76.
Na época, os pouco numerosos neurologistas e os bastante mais psiquiatras
portugueses estavam agrupados na Sociedade Portuguesa de Neurologia c Psiquiatria.
A eleição do Dr. Resende para seu Presidente no biénio 1970-1971, traduz a
104
importância que os seus pares lhe reconheciam, embora a sua proverbial modéstia o
fizesse dizer que naquele cargo apenas representava o Serviço.
Entretanto ainda teve oportunidade de ajudar na formação neurológica, pelo menos
inicial daqueles a que chamarei a 3a geração, ou dos anos 70, já integrada por internos
de especialidade, que começou com Paula Coutinho, Almeida Pinto (futuro director de
serviço de Neuroradiología, cargo em que sucedeu a Paulo Mendo) e Cândida Maia,
que desenvolveu a neuropediatria no Norte e integrou alguns dos nomes actualmente
mais marcantes das neurociências, como Bastos Lima, Pereira Monteiro, Lopes Lima e
ainda, no início do internato, Rosalvo de Almeida, na Neurologia, Martins da Silva e
Viana Pinheiro, na Neurofisiologia, António Guimarães, na Neuropatologia, Pinto de
Almeida e Portal e Silva na Neurocirurgia.
Todos eles, em especial os três primeiros, puderam ainda beneficiar da influência
directa dos fundadores Corino de Andrade e João Resende, até lhe ter sido concedida a
aposentação em 29/7/76.
Para resumir a vida de serviço do Dr. João Resende direi que seguiu sempre fielmente
o seu e nosso Mestre Corino, o Patrão, recusando sempre quaisquer protagonismos,
por vezes dura e até rudemente, cumpriu sempre com todo o rigor aquilo que
considerava serem as suas responsabilidades. A este respeito gostaria de lembrar as
bem-humoradas referências que faz, no trabalho já citado, às fatigantes pesquisas de
sensibilidades e à primeira autópsia de doente de PAF que se sentiu obrigado a fazer.
Homem inteligente e sensível, afável c disponível, é dotado dum particular sentido de
humor muito próprio, sorrindo dos outros mas também muito de si próprio, de que
eram manifestação mais constante as suas constantes gargalhadinhas, ou casquinadas,
quase silenciosas, com que sublinhava quase tudo o que dizia.
Homem de confiança do Patrão, conhecendo como ninguém as peculiaridades do seu
carácter e do seu génio, nunca aspirou a ser mais do que o seu segundo, mas foi o
elemento essencial para assegurar durante dezenas de anos as rotinas do Serviço, ao
mesmo tempo que desempenhou um papel determinante na formação e educação de
pelo menos três gerações de médicos cultores das Neurociências.
Por tudo isto e por muito mais para cuja definição me falta o engenho, eu e os meus
colegas de Escola Profissional e Humana que foi o Serviço de Neurologia do HGSA, só
podemos estar gratos ao Dr. João Resende.
A Neurologia Portuguesa tem nele um dos seus pais fundadores, apesar do
apagamento voluntário que cultivou. Ficará sempre para nós, geração de transição da
clínica pura e dura para a era das tecnologias, como o exemplo de um profissional que,
embora tendo introduzido, praticado e ensinado novas tecnologias (EEG, p. ex.)
sempre nos estimulou a considerar o primado dos factores humanos isto é, da clínica,
no exercício da profissão.
CAPÍTULO V
105
DISCURSOS INSTITUCIONAIS DO DIRECTOR DO HGSA
Textos pronunciados durante visitas ministeriais ou presidenciais, cerimónias de actos
ou factos importantes para a Instituição e que se mantinham provavelmente
esquecidos, só agora publicados. Estes textos oferecem ainda a vantagem de poderem
ser comparados com situações equivalentes ocorridas noutros ambientes.
5.1 Sessão Solene comemorativa dos 500 transplantes renais
(29/01/1994)
Convidado Ministro Paulo Mendo
O Hospital Geral de Santo António comemora a realização de 500 transplantes renais, número
atingido após 10 anos de trabalho, desde o primeiro executado em Julho de 1983.
Enquanto os primeiros 100 transplantes e 53 colheitas demoraram 4 anos e meio, até
Dezembro de 1987, nos 6 anos subsequentes foram realizados 400 transplantes e 220
colheitas, o que traduz um significativo progresso quantitativo.
Este trabalho não é, todavia, um sucesso isolado no Hospital Geral de Santo António mas
antes se insere numa dinâmica de progresso sustentado que se tem vindo a registar durante
os últimos anos, que se traduz por rendimento assistencial crescente acompanhando uma
redução da lotação de cerca de 200 camas. Usando como referência os anos de 1988 e 1993
que balizam o mandato da actual administração, verifica-se que a uma redução da capacidade
de internamento de 20% (873 para 707 camas) correspondeu um aumento do número de
doentes admitidos de 24.000 para 28.000 ou 17%, o que se traduz num rendimento por cama
que passou de 27 para 33 doentes/ano, ao mesmo tempo que a demora média global passou
de 10,5 para9 dias.
Na consulta externa o número de atendimentos passou no mesmo período de 263.000 para
294.000, crescendo portanto 12%, enquanto o atendimento do Serviço de Urgência
estabilizou um pouco acima dos 200.000 doentes. Quer dizer, actualmente o Hospital Geral
de Santo António atende nas suas consultas externas quase 1.200 doentes por dia e na
urgência perto de 600 por dia, em média.
106
Importa ainda referir o desenvolvimento da cirurgia ambulatória que se iniciou em 1991 nas
novas instalações da Consulta Externa e que em 1993 permitiu operar mais de 900 doentes,
40% dos quais sob anestesia geral.
Os transplantes de córnea, de que o Hospital Geral de Santo António é pioneiro, também
continuam a crescer em número, tendo sido realizados 111 em 1993, número bastante
superior aos 70 de 1988.
Outras técnicas se têm vindo a desenvolver ao longo destes cinco anos, sendo executadas de
rotina, das quais destacamos a cirurgia mini-invasiva e endoscópica, a imagiologia de
intervenção e certas técnicas do âmbito da neurocirurgia e da oftalmologia.
É de referir, sobretudo, o grande incremento da medicina intensiva traduzido pela criação de
novas unidades, nomeadamente a UCIP de 12 camas e o Serviço de Cuidados Intensivos
Pediátricos com 15 camas, o que duplicou a capacidade de oferta antes existente nesta área
assistêncial, para o que foram investidas avultadas quantias, sendo de referir a importância
fundamental da ajuda da Fundação Gulbenkian para o apetrechamento da UCIP e das verbas
provenientes do programa nacional de saúde matemo-infantil para o equipamento do Serviço
de Cuidados Intensivos Pediátricos.
Por outro lado foram ao longo destes cinco anos construídas de raiz 5 novas salas de
operações com os respectivos apoios, duas das quais comparticipadas por generoso donativo
do B.P.l.
Também durante este período se concluíram as novas instalações do Serviço de Cardiologia e
do novo Pavilhão das Consultas Externas que permitiu mudar radicalmente as condições de
prática do ambulatório no Hospital. Ambas estas obras foram executadas e financiadas pela
DGIES, mas entretanto o HGSA, com os seus próprios recursos, procedeu à remodelação geral
dos serviços de Anestesia, Cirurgia Vascular e Neurocirurgia e sobretudo do Serviço de
Urgência, donde foram individualizadas áreas para o ambulatório pediátrico e para Consulta
permanente, além da eliminação da antiga Obs. e sua substituição pela actual UCIP.
Também em consequência da desactivação do H. R. Semide foi necessário construir de raiz em
1989 novas instalações para o internamento e para a consulta de Ortopedia, construiu-se uma
nova consulta externa para Otorrino e pôs-se de pé o Centro de Imunodepuração anexo ao
Centro de Estudos da Paramiloidose, tudo isto além de várias obras menores de beneficiação
e humanização de vários serviços e unidades.
No que se refere a equipamentos o Hospital Geral de Santo António tem investido cerca de
250.000 contos por ano em novos equipamentos ligeiros e médios, com destaque para
material de suporte de funções vitais ou de diagnóstico, que têm permitido melhorar
largamente a qualidade técnica das prestações, sobretudo para os doentes mais graves.
107
Investimentos mais pesados foram os efectuados para a aquisição do novo TAC, de
autoanalizadores de patologia clínica e mais recentemente para angiografia digital.
Em termos de organização, dinamizaram-se e reestruturaram-se os departamentos de
Medicina e Cirurgia, lançaram-se alguns programas de avaliação de qualidade, instituiu-se o
Arquivo Central e o Processo Clínico único.
Quer dizer, e resumindo, o Hospital Geral de Santo António tem continuado a manter a sua
marcha segura e regular para o progresso e actualização, que se espera sofra um grande
impulso com as condições que serão criadas pela entrada em funcionamento do novo edifício
em construção desde 1992 e que constitui a grande aposta no futuro a ser complementada
pela remodelação total do actual edifício cujos estudos arquitectónicos estão em curso.
Entretanto é preciso ter presente que todo este esforço de investimento associado às novas
tecnologias emergentes quer para diagnóstico quer para terapêutica, por exemplo ecografias,
TAC, RMN, radioterapia, litotricia, assim como a existência de medicamentos cada vez mais
activos e caros, como antineoplásicos, antibióticos, imunosupressores, etc., acaba por se
traduzir num aumento crescente do deficit financeiro.
De facto não é possível recusar aos nossos doentes as potencialidades e capacidades da
medicina moderna, pelo que num contexto de escassez de recursos financeiros as prestações
são de cada vez mais difícil cobertura.
Assim, e para concluir, os transplantes renais são apenas uma das actividades permanentes e
já rotinadas do Hospital que todavia permitiram criar, ao fim da experiência de 10 anos e de
500 doentes transplantados, as condições organizacionais que esperamos nos possibilitem
avançar a breve prazo para novas acções nesta área de Medicina Moderna, em particular para
o transplante hepático.
Nada disto seria possível, entretanto, sem a perseverança e o entusiasmo devotado de
tantos profissionais, médicos, enfermeiros, técnicos e funcionários de múltiplas profissões
que, apesar das dificuldades e por vezes das incompreensões, não desistiram, mantendo a
tradição de bem servir que há 200 anos é lema do nosso Hospital.
Finalmente uma palavra de agradecimento aos doentes e em geral aos cidadãos da
comunidade portuense e nortenha, que ao longo dos anos têm confiado no Hospital Geral de
Santo António, permitindo-nos desenvolver persistentemente a nossa missão assistencial,
com reflexos notórios no ensino e na investigação científica que aqui se praticam como
complemento essencial da função do Hospital.
108
5.2 Visita do Primeiro-Ministro Cavaco Silva e do Ministro Paulo
Mendo (16/09/1995)
Em nome do Conselho de Administração cumpre-me agradecer a visita do Primeiroministro de Portugal a esta antiga Instituição que, após 200 anos de serviços prestados
à cidade e ao país, se encontra em grande e profunda remodelação tendente a adaptar
as suas instalações às exigências dos tempos actuais e sobretudo às dos que se
avizinham.
O Hospital Geral de Santo António é, de facto, uma importante instituição da cidade, a
peça principal do grande conjunto de serviços de apoio social à população que desde
há centenas de anos vem sendo levantado pela benemérita Santa Casa da Misericórdia
do Porto, cuja história traduz o sentido empreendedor e o espírito de solidariedade
que animam desde sempre as gentes do Porto. Foi este hospital um dos raros
construídos de raiz no século XVIII, cumprindo as mais modernas exigências da época,
traduzindo a abertura e a visão do futuro dos portuenses, já então voltados para a
Europa e para as relações comerciais e culturais com outros países, nomeadamente
com a Inglaterra. De facto, a entrega do projecto a um destacado expoente da
arquitectura britânica da época permitiu conceber obra moderna e de futuro que foi
um exemplo de inovação tecnológica e também de renovação na arquitectura,
introduzindo o estilo neoclássico em reacção ao barroco, constituindo como que uma
afirmação da Sociedade Civil em desenvolvimento face aos poderes até então
dominantes.
Assim, enquanto os arquitectos da escola nazoniana construíram essencialmente
igrejas e palácios, a sociedade emergente afirmou-se introduzindo novo estilo sob a
forma de um Hospital.
Durante 200 anos as instituições Hospital Geral de Santo António e Santa Casa da
Misericórdia do Porto prestaram relevantes serviços à cidade e à região, mas
entretanto os tempos mudaram, sobretudo nesta vertiginosa segunda metade do
século, tomando-se imperioso adequar o Hospital às novas necessidades. É por isso
que, com o apoio do Governo, estamos a transformá-lo na sua estrutura física, já que o
espírito de serviço e de progresso que o anima, assim como aos seus profissionais,
nunca estiveram em causa.
Se V. Exa. me permite, Sr. Primeiro-ministro, socorrer-me-ei de alguns
transparentes para melhor expor os fundamentos da obra que daqui a pouco irá
visitar.
REMODELAÇÃO
1971 - Decisão da mesa da SCMP
- Provedor Dr. Domingos Braga da Cruz
1975 - Anexação de instalações do antigo CICAP
- Brigadeiro Pires Veloso
1976 - Incêndio da Ala Norte
109
1977 - Aprovação do programa da remodelação pelos Ministros Armando Bacelar e
Almeida Pina
1987 - Início de construção do Pavilhão da Consulta no CICAP
1988 - Aprovação do novo programa funcional pela Ministra Leonor Beleza
1992 - Início da obra de Ampliação autorizada pelo Ministro Arlindo Carvalho
OBJECTIVOS
MODERNIZAR, ACTUALIZAR, DESENVOLVER
1 - Instalações Hoteleiras - mais conforto
2 - Instalações técnicas
- Alargar área para o parque instalado
- Condições para novas tecnologias
3 - Desenvolver sobretudo o ambulatório e o parque tecnológico
4 - Reduzir o internamento e aumentar a sua produtividade
REMODELAR OU SUBSTITUIR
- Monumento Nacional
- Tradição de 200 anos - assistência e ensino
- Valor cultural do edifício e da instituição
- Equipamento Social no centro da cidade
- Hospital da Cidade
- Importância da SCMP na assistência e em particular na área hospitalar
AMPLIAÇÃO
1 - Manter ou reduzir a lotação, aumentar as áreas para:
- Doentes
- Pessoal
- Tecnologias
2 - Permitir evacuar progressivamente o edifício Monumento Nacional a remodelar
3 - Criar novas e mais humanas condições hoteleiras
4 - Permitir instalar tecnologias em expansão
5 - Demolir construções espúrias na cerca
6 - Ordenar toda a área, completando o quadrilátero idealizado por CARR
7 – Modificar/inverter os acessos
110
5.3 Visita do Presidente Jorge Sampaio (23/04/1996)
Promoção de uma “Área de Excelência” – UCIP
É com profundo orgulho e alguma emoção que, em nome do Conselho de Administração do Hospital
Geral de Santo António, temos o prazer de receber V. Exa. nesta velha casa cheia de tradições,
cumprindo-me agradecer a honra com que nos distinguiu,
O Hospital Geral de Santo António, com 200 anos de vida ao serviço das populações da cidade e
da região, tem mantido sempre um espírito de inovação e progresso, fruto do entusiasmo,
dedicação e qualidade técnica e científica de sucessivas gerações de profissionais, médicos,
enfermeiros, técnicos, administrativos, etc.
Escolheu V. Exa. visitar um serviço que pode ser considerado de ponta, integrado numa área científica
e assistencial, cada vez mais importante no Hospital de Agudos, a Medicina Intensiva.
De facto, as mais recentes conquistas da tecnologia e da clínica médicas têm permitido salvar e
recuperar inúmeros doentes críticos que há poucos anos ainda tinham escassas ou nulas hipóteses
de sobrevivência.
Por um lado são jovens, vítimas de acidentes de tráfego ou industriais, de intoxicações ou outras
doenças a que poderemos chamar civilizacionais, por outro são idosos ou adultos portadores de
patologias médicas ou cirúrgicas de cada vez maior gravidade mas que são passíveis de tratamento
adequado, que constituem a clientela das unidades de medicina intensiva.
O Hospital Geral de Santo António foi pioneiro nesta área e, já no fim dos anos 50, a grande figura da
Medicina Portuguesa e do Hospital Geral de Santo António que foi e é o Prof. Corino de Andrade
teve a noção clara de que era necessário criar unidades em que se tratassem doentes em falência
respiratória e de outras funções vitais.
Aproveitando a formação obtida em França e Inglaterra por dois então jovens médicos, os Drs.
Armando Pinheiro e Silva Araújo, lançou a primeira unidade de reanimação respiratória do Norte e,
juntamente com a então criada nos Hospitais da Universidade de Coimbra, também do Pais.
O Serviço de Reanimação Respiratória foi assim criado em 1962 tendo como primeiro Director o
Prof. Corino de Andrade a quem alguns anos depois sucedeu o Dr. Armando Pinheiro.
Com o decorrer dos anos mudou o nome para Serviço de Cuidados Intensivos, granjeou prestígio
nacional e internacional, formou gerações de médicos e enfermeiros altamente diferenciados e
tomou-se num dos poios de excelência do Hospital Geral de Santo António.
Mas a medicina foi evoluindo, as necessidades da população também, a consciência das sempre
maiores capacidades da ciência e o reconhecimento do direito de todos à saúde, contribuíram para
alargar o âmbito de intervenção da medicina intensiva.
111
Assim, no Hospital Geral de Santo António, foram sendo criadas a Unidade de Cuidados Intensivos
Coronários com o Prof. Álvaro Pimenta, a Unidade de TCE, também nascida da energia e da visão
do Prof. Corino de Andrade e mais tarde, em 1991, a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e
Pediátricos do Prof. Octávio Cunha e a U.C J.P., anexa ao Serviço de Urgência, de que foram
impulsionadores os Drs. Silva Araújo, Mário Lopes e Nelson Rocha.
Hoje o Hospital Geral de Santo António dispõe de 57 camas para Medicina Intensiva, que
correspondem a 8% do internamento.
A Unidade que V. Exa. visitou, a UCIP, com 12 camas, desempenha um papel fulcral no Hospital
pois, que estando anexa ao Serviço de Urgência, se integra na primeira linha de cuidados. Esta
unidade, que tratou cerca de 800 doentes em 1995, é ainda responsável pela cobertura da
chamada sala de ressuscitação do Serviço de Urgência, que, funcionando desde 1978, pensamos
ser a primeira com essa função criada no país. Em 1995 foram atendidos nesta sala 1200 doentes,
42 dos quais entrados em paragem cardiorespiratória, de que foram "ressuscitados" 10. A UCIP
mantém ainda uma equipe que acorre a emergências internas (83 paragens cardiorespiratórias em
1995, com 35 recuperados) em qualquer ponto do Hospital, com demora que, em média, foi de 3
minutos no último ano. Por outro lado as Unidades de Cuidados Intensivos, e em particular a UCIP,
têm um papel determinante na manutenção em boas condições de cadáveres que serão potenciais
dadores de órgãos, pelo que é da qualidade do seu trabalho que também beneficiam, quando não
é possível salvar o doente, aqueles que serão objecto de Transplante.
O programa de Transplantes renais em que o Hospital Geral de Santo António é um dos pioneiros,
com 665 realizados até 31 de Março e mais recentemente o de transplante hepático (10
transplantes até 31 de Março) só têm sido possíveis graças à qualidade do trabalho realizado nas
unidades e serviços de cuidados intensivos, sendo de notar que no Hospital Geral de Santo
António se fizeram em 1995, 50 colheitas de órgãos, quase sempre de multi-órgãos. A Medicina
Intensiva é assim uma área onde no Hospital Geral de Santo António, como felizmente em outros
Hospitais Portugueses, se pratica uma assistência de nível técnico, científico e humano sem receio
de comparação com a dos centros mais desenvolvidos na Europa ou da América.
É claro que esta medicina, que salva vidas antes condenadas e sem esperança, implica organização
e profissionalismo, mas também avultados recursos humanos e financeiros, que poderão ser
traduzidos pela diferença entre o custo médio do internamento no Hospital Geral de Santo
António (354 contos) ou no Serviço de Cuidados Intensivos (1336 contos) ou seja 4 vezes mais.
Teve assim V. Excia. Sr. Presidente, oportunidade de ver a trabalhar uma das Unidades de
Cuidados Intensivos deste Hospital, que sendo antigo, mantém uma permanente vontade de
fornecer aos seus doentes o que de melhor qualidade, pelo menos em termos técnicos e
científicos, pode neste fim de século ser oferecido. Muito obrigado, Senhor Presidente, em nome
112
do Hospital, dos responsáveis das Unidades e serviços de cuidados intensivos e de todos os
profissionais que nelas dão o melhor do seu esforço e do seu saber, pela honra que nos concedeu
com esta visita.
5.4 Oferta de uma ambulância pelo Comendador Ilídio Pinho
(30/04/1996)
Convidada Dra. Maria Barroso Soares
O Conselho de Administração agradece, em nome dos doentes, a valiosa oferta à Liga dos
Amigos desta ambulância que vai servir para colocar ao serviço dos doentes mais graves e de
maior risco, condições de transporte tecnicamente mais adequadas.
O Hospital Geral de Santo António como Hospital de Agudos, tem uma vocação específica para
tratar cada vez mais doentes em risco de vida, que necessitam ser transportados de ou para
outros Hospitais.
Tem sido feito um esforço financeiro considerável para equipar ambulâncias que até agora
têm sido fornecidas pelo INEM, mas é a primeira vez que beneficiamos de uma totalmente
nova.
A Liga dos Amigos para além do seu papei cada vez mais essencial no dia-a-dia do Hospital tem
também servido de intermediário entre a sociedade civil e a instituição, canalizando
contribuições e ajudas de entidades, o que por mais de uma vez tem permitido melhorar as
condições de tratamento e atendimento dos doentes.
A Sociedade Civil tem compreendido as necessidades do Hospital que nem sempre são
satisfeitas pelas dotações orçamentais sempre escassas e assim cumpre destacar para além dos
múltiplos subsídios provenientes da Fundação Gulbenkian, os apoios do BPI, que permitiram
construir um Bloco Operatório, a família Symington que possibilitou a aquisição de
equipamento para Cuidados Intensivos Pediátricos e agora do Sr. Comendador Ilídio Pinho
para modernização das condições de transporte de doentes graves.
Os riscos com estes doentes serão a partir de agora menores e seguramente mais vidas irão ser
salvas, o que traduz um aspecto também importante de humanização do Hospital, entendido
como instituição ao serviço das pessoas.
Muito obrigado à Liga dos Amigos por tudo o que tem feito a favor dos doentes e neste
momento um muito especial obrigado ao Sr. Comendador Ilídio Pinho e sua família, com a
promessa de que o Hospital irá dar a utilização mais criteriosa a este novo equipamento.
113
Finalmente, o Conselho de Administração agradece, muito sensibilizado, a presença nesta singela
cerimónia da Senhora Dra. Maria de Jesus Barroso Soares que mais uma vez empresta o prestígio
do seu nome a uma manifestação de Solidariedade Social.
5.5 Visita da Ministra Maria de Belém (02/05/1996)
O Conselho de Administração agradece, muito penhorado, a honra que V. Excia. concedeu
ao Hospital Geral de Santo António ao aceitar o convite para esta visita, o que entende como
manifestação de vontade de conhecer in loco a nossa realidade e de empenho na superação
das dificuldades com que nos deparamos. O Hospital Geral de Santo António ao serviço da
cidade há 200 anos, está em profunda remodelação das suas instalações desde há 4 anos,
remodelação que tem como objectivo genérico criar condições físicas e logísticas para uma
prática assistencial com mais conforto e humanização para os doentes, além de condições de
investigação e ensino compatíveis com as necessidades técnicas, sociais e pedagógicas deste
fim de século.
O Hospital Geral de Santo António é um Hospital Central e Universitário de longa tradição,
com provas dadas, tendo vindo a fazer um esforço de adaptação aos condicionalismos
impostos pêlos modernos sistemas de saúde, esforço que se traduz por grandes aumentos de
produtividade de que dão conta os indicadores que anualmente são publicados.
Para conseguir este desiderato o hospital tem vindo a suportar custos financeiros, quer em
obras de conservação e adaptação de instalações quer na aquisição de meios de
equipamento, de modo a manter-se tecnicamente actualizado e a acompanhar os restantes
hospitais do seu nível. Além disso tal evolução implica investimentos constantes na adequação
dos recursos humanos à diferenciação e alargamento das novas necessidades.
Estas são além de outras, razões que explicam a situação financeira difícil com que o Hospital
Geral de Santo António, como outros hospitais, se defronta.
Também tem sido feito um esforço na melhoria de qualidade das prestações que, todavia, é
muitas vezes contrariado pela pressão crescente da procura a que nem sempre é possível
responder da forma mais adequada.
Cabe aqui uma palavra de apreço e reconhecimento pela acção complementar da Liga dos
Amigos que, através do voluntariado e não só, tem permitido humanizar as prestações,
contribuindo para minorar as carências existentes.
Também não posso deixar de manifestar reconhecimento pelas ajudas de organizações como
a Fundação Gulbenkian ou de elementos e instituições da Sociedade Civil de que lembro,
114
como exemplo, a oferta ainda há 2 dias de uma ambulância por um empresário nortenho, o Sr.
Comendador Ilídio Pinho.
A pressão da procura verifica-se sobretudo no Serviço de Urgência que tem um movimento
(650 doentes por dia, em média, em 1995) muito próximo do dos Hospitais de Santa Maria e
S. João, dispondo apenas de uma retaguarda de internamento equivalente a metade da
daqueles Hospitais, e de recursos humanos, designadamente a nível médico, em número inferior, o
que está a criar sérias dificuldades para manter equipas pluridisciplinares com cobertura de 24
horas.
Apesar de todas as dificuldades, o Hospital Geral de Santo António tem contudo sido capaz de
responder à procura quer no internamento ou no ambulatório, quer no que respeita a meios
de diagnóstico e terapêutica, ao mesmo tempo que tem contribuído para a formação pré e
pós-graduada de sucessivas gerações de médicos, enfermeiros, técnicos e outros profissionais.
Tal contudo só tem sido possível mercê da entrega, dedicação e profissionalismo de todo o pessoal a
quem é devida uma palavra de apreço pelo esforço e identificação com os objectivos institucionais
do Hospital Geral de Santo António, apesar das condições adversas.
A obra de remodelação em curso e que gostaríamos que V. Excia. apreciasse nesta visita,
resulta de programação que já vem do inicio dos anos 70 e pretende remodelar o edifício
monumento nacional, ampliando as áreas disponíveis com três objectivos fundamentais;
1- Melhorar a qualidade das prestações hoteleiras e de conforto para os doentes e seus
acompanhantes,
2- Criar melhores condições de trabalho para os profissionais.
3- Alargar os espaços para o "plateau" técnico que cada vez exige maiores áreas.
Nunca foi objectivo do Hospital Geral de Santo António aumentar a lotação do internamento
que continuará a situar-se à volta das 700 camas (número que contrasta com as 1.000 que já
existiram nos anos 80), alargando entretanto os espaços para assistência ambulatória, tanto
urgente como programada. Assim, o edifício em construção na cerca é uma ampliação que
permitirá alargar as áreas disponíveis, sendo possível transferir serviços do actual edifício,
criando espaços livres que poderão ser sucessivamente remodelados segundo projecto de
conjunto, actualmente em elaboração.
Quer dizer, o edifício em construção só cumpre completamente a sua função se for
complementado pela substituição de um edifício anexo em precárias condições de segurança, e
pela remodelação do edifício principal.
115
Tem sido muito difícil ao longo destes quatro anos compatibilizar a actividade normal do Hospital
com a obra em curso dentro do seu perímetro. Os problemas colocam-se quer ao Hospital e aos
seus profissionais e utilizadores (doentes e familiares) quer aos construtores, mas tem sido
possível encontrar soluções para permitir continuar a obra sem parar ou sequer reduzir a
actividade hospitalar. Para tal tem sido inestimável a compreensão e imaginação dos técnicos da
DGIES e da empresa construtora, que sempre colaboraram com o Hospital na procura de soluções.
No novo edifício em construção situar-se-ão no essencial a maioria dos serviços cirúrgicos, o
ambulatório com a urgência e consultas externas, o Serviço Central de Imagem e os principais
laboratórios, o Bloco Operatório Central, além de várias instalações logísticas de apoio a todo o
Hospital, comportando também a quase totalidade dos acessos de doentes e acompanhantes.
No edifício actual situar-se-ão serviços de medicina e especialidades médicas e algumas
cirúrgicas e respectivo Bloco Operatório, serviços administrativos, instalações sociais e de
ensino e ainda os acessos de pessoal e visitantes. O Hospital continuará também a contar com
o indispensável complemento das instalações da Rua D. Manuel II, no antigo quartel do CICAP,
contíguas às da Reitoria da Universidade e que comportam no essencial, Consultas externas e
alguns laboratórios. É este complexo que se espera esteja operacional no fim do século, de
forma a que no início do século XXI o Hospital Geral de Santo António possa ser um Hospital
moderno, não só na sua prática, o que já é, mas também na qualidade, dimensão e
funcionalidade das suas instalações, de modo a permitir-lhe cumprir a função na cidade e na
região que tem vindo exemplarmente a desempenhar desde que nos últimos anos do século
XVIII recebeu os primeiros doentes provenientes do anterior Hospital da Misericórdia.
Estamos certos, Senhora Ministra, de que V. Exa. poderá verificar na visita, necessariamente
pontual, que se irá seguir, a justeza da afirmação que fazemos quando dizemos que no novo
edifício se encontrarão condições técnicas e de conforto que não têm comparação com
aquelas que infelizmente temos ainda que oferecer aos nossos doentes nas actuais
instalações.
A concluir, resta ao Conselho de Administração, mais uma vez, agradecer em nome do
Hospital a honra que nos concedeu com esta visita que esperamos lhe permitirá ficar a
conhecer um pouco melhor esta instituição e as suas potencialidades.
116
5.6 III Encontro Nacional de Coordenação de Transplantes
(04/10/1996)
Convidados: Prof. Visa e equipa (Hospital Clínico – Barcelona)
A experiência de transplantação no HGSA remonta a 1956. Nesse ano uma equipa constituída pelo Dr.
Manuel de Lemos, então Director do Serviço de Oftalmologia e pelo jovem Dr. Joaquim Torres, hoje
Director do Serviço, realizou o primeiro transplante da córnea. A dádiva tinha sido feita em vida por
um doente, chefe da polícia, que legou os olhos ao Hospital. O benemérito cidadão faleceu no HGSA e
a sua generosa dádiva permitiu restituir a visão a um doente.
Desde então o Serviço de Oftalmologia nunca mais parou e a actividade de transplante da córnea,
sobretudo nos últimos anos, tem experimentado um grande avanço chegando a ultrapassar os 100
por ano.
Só nos últimos anos se tem procedido a registo sistemático das córneas colhidas e transplantadas,
pelo que os 1600 transplantes oficialmente contabilizados poderão corresponder a perto de 2000, na
opinião do Dr. Joaquim Torres. Em 07.07.83 procedeu-se ao primeiro transplante de rim de cadáver
de doente traumatizado, após colheita realizada no Hospital, tendo o acaso da selecção feito recair a
escolha do receptor sobre um doente-médico que aceitou jubilosamente ser o primeiro
transplantado.
A equipa era aquela que ainda hoje está em actividade, dirigida pelo Dr. Mário Caetano Pereira,
Cirurgião Vascular e que passou a coordenar uma equipe de cirurgiões vasculares e urologistas
que procedem aos transplantes em doentes seleccionados pêlos nefrologistas. Em 1988 (5 anos
depois) realizou-se o 100a e em 1994 (5,5 anos mais) o 500°. Actualmente já se realizaram 700.
Em 27.05.95 procedeu-se ao primeiro transplante hepático com uma equipe que incluía
cirurgiões gerais e vasculares, hepatologistas, internistas, anestesistas e patologistas, etc.,
coordenada também pelo Dr. Mário Pereira. Desde então já se realizaram 23.
Antes, durante cerca de 2 anos estruturou-se a equipe, treinaram-se os seus elementos com
estágios no estrangeiro; sobretudo em Barcelona, sendo altura para agradecer ao Hospital
Clínico, na pessoa do Prof. Visa e seus colaboradores a importante ajuda concedida, planeou-se e
programou-se com rigor toda a actividade a desenvolver. Nada disto seria possível, sobretudo o
transplante hepático, sem a institucionalização da colheita de multi-órgãos, sem o
aproveitamento de todos os cadáveres potenciais dadores.
117
Os passos essenciais foram os que conduziram á criação e institucionalização do Gabinete de
Coordenação de Transplante, que é o pivô organizacional do programa, antecedido pela própria
acção do Departamento de Transplantes, como órgão globalizador de toda a actividade.
Antes, todavia, houve um conjunto de medidas de fundo que passavam essencialmente pelo
desenvolvimento e alargamento em número das Unidades de Cuidados Intensivos.
E hoje pacifico que não há transplantes sem dadores e não há dadores cadáveres sem UCI de boa
qualidade em que os doentes sejam bem tratados e os médicos e restante pessoal estejam
conscientes do valor da dádiva.
Tenho algumas vezes dito que os intensivistas se batem denodadamente na sua luta contra a
morte, conseguindo inúmeras vitórias, mas também sofrendo derrotas, tendo todavia a
capacidade de transformarem derrotas em vitórias, quando não conseguindo salvar a vida de um
doente, lhe salvam todavia órgãos que vão dar vida, ou permitir mantê-la, noutro ou por
vezes em vários outros doentes,
O HHGSA foi pioneiro ao criar, em 1962, a primeira unidade, hoje Serviço de Cuidados
Intensivos (antiga Reanimação Respiratória) e depois em 1966, o fundador da anterior, Corino
de Andrade criou uma Unidade de tratamento de traumatizados craneoencefálicos que foi
evoluindo para Unidade de Intensivismo. Em 1991 encerrou-se a antiga OBS do S.U. e criou-se
uma Unidade Polivalente de Cuidados Intensivos que em Janeiro de 1992 deu origem à actual
UCIP em novas instalações construídas pelo Hospital e equipada quase integralmente com um
generoso subsídio da Fundação Gulbenkian.
A partir destas unidades foi possível colher órgãos, o que implica uma grande consciência
profissional dos intensivistas que mantêm cadáveres em boas condições de modo a permitir
colheitas. Esta disponibilidade e consciência alargou-se a unidades de outros Hospitais
periféricos que se foram relacionando com as UCI do: IGSA e através destas com o
Departamento de Transplantes e hoje as equipas do HGSA procedem a colheitas nos Hospitais
de Braga, Guimarães e Vila Real, ao mesmo tempo que equipas de outros centros (HUC, HSJ)
têm vindo colher órgãos (fígados em regra) a cadáveres do HGSA. É esta cooperação, este
espírito de progresso, que a Direcção do Hospital tem incentivado e continuará a apoiar por
sentir que é seu dever, como hospital que se pretende de alta diferenciação, facultar
condições para tratar melhor os doentes críticos, permitindo com isso também resolver o
problema de muitos doentes cuja vida depende dum transplante.
Concluindo: Intensivismo e Transplantes são duas actividades complementares e que tem sido
desde há bastantes anos um dos objectivos estratégicos do HGSA. Antes de terminar,
voltamos a agradecer ao Prof. Visa e seus colaboradores toda a ajuda dada e como sinal
118
singelo do reconhecimento do HGSA, o Conselho de Administração tem o prazer de lhes
oferecer medalhas comemorativas dos 200 anos do Hospital.
Muito obrigado a todos
5.7 Centenário do Serviço de Oftalmologia (05/10/1996)
Na sede da SCMP
Encontramo-nos hoje aqui para prestar homenagem a um grande Serviço hospitalar que
completa cem anos, e está integrado num hospital que nesta década também atinge os 200
anos, o HGSA, hospital que é seguramente a jóia da coroa do valioso património assistencial e
cultural com que a SCMP tem vindo a dotar a cidade e a região.
Não foi portanto por acaso que o Serviço de Oftalmologia escolheu esta casa para a cerimónia
de encerramento das comemorações do seu centenário.
O Serviço de Oftalmologia é hoje um dos maiores e mais prestigiados serviços do HGSA com
créditos firmados no país e no estrangeiro.
No hospital, poderá ser caracterizado em termos de produção, como a sua maior consulta
externa, com 40.000 consultas em 300.000 ou 13%.
Serviço com grande vocação ambulatória tem naturalmente menor expressão no
internamento, que só corresponde a 6% do total. Todavia, a sua caracterização como serviço
eminentemente cirúrgico faz dele o maior do hospital nesse campo com os seus cerca de 2.000
operados anuais só ultrapassado pêlos 3.700 de Cirurgia Geral, que, contudo, se pratica em 3
serviços.
Serviço de alta tecnologia, desenvolveu-se de forma explosiva desde o início dos anos 70 sob
a égide do Dr. Queiroz Marinho, a quem, neste momento, o Conselho de Administração não
pode deixar de prestar a minha homenagem em nome do Hospital.
De facto, o serviço moderno que hoje existe deve-se sobretudo à capacidade científica e
técnica e ao dinamismo e iniciativa do Dr. Queiroz Marinho que foi o responsável e
impulsionador, com o apoio do grande Provedor Dr. Domingos Braga da Cruz, pela grande
remodelação e reequipamento do serviço nos primeiros anos da década de 70 e pela introdução
subsequente de sucessivas e inovadoras técnicas cirúrgicas. Uma palavra aqui deve ser dita
para marcar enorme importância das contribuições que ao longo dos anos têm sido dadas
pela
119
Fundação Calouste Gulbenkian, a quem se deve a grande maioria do parque tecnológico do serviço,
sendo justo destacar o papel que nisso teve o Dr. Reimão Pinto.
Tal situação cria, contudo, agora um problema grave ao HGSA e a sua Direcção, que tem
enormes dificuldades em garantir a renovação indispensável dos equipamentos instalados, de
custos elevadíssimos e de rápida desactualização, que a não serem substituídos poderão
conduzir à deterioração da capacidade técnica do serviço.
Será difícil esperar muito mais do Governo e do PIDDAC, que já tem vindo a investir muitos
milhões de contos na grande obra de ampliação e remodelação do HGSA, pelo que
continuaremos a esperar a ajuda da benemérita Fundação que seguramente sabe que os
investimentos feitos neste serviço têm tido sempre imediata tradução em benefícios
acrescentados à sua capacidade assistencial e científica.
O HGSA tem a certeza de que os continuadores do Dr. Queiroz Marinho e dos seus
antecessores desde há cem anos serão capazes de manter o prestígio e a capacidade de
resposta do serviço.
Creio que V. Exa. Sra. Ministra também reconhece o valor do trabalho desenvolvido ao longo
de cem anos, pois que concedeu ao HGSA a honra de lhe atribuir a medalha de praia de
serviços distintos, pêlos méritos desenvolvidos pelo Serviço de Oftalmologia.
Por isso me permito solicitar a V. Exa. que entregue a medalha ao Dr. Joaquim Torres, como
representante do Serviço a quem de justiça pertence.
5.8 Homenagem ao Professor Nuno Grande (24/10/1996)
Salão Nobre do HGSA
O tema do Ensino da Medicina no HGSA não podia estar melhor enquadrado do que nesta homenagem ao
Professor Nuno Grande, pois foi e é ele um dos responsáveis principais pela sua reintrodução no Hospital e continua
a ser o seu impulsionador e referência permanente de que todos nos socorremos.
O HGSA tem uma longa tradição de assistência que se confunda com a da formação dos seus profissionais médicos
e cirurgiões e mais tarde também enfermeiros.
Nascido por iniciativa da Sociedade Civil dos comerciantes e burgueses do Porto, que tinham como uma das suas
expressões a S.C.M.P., na segunda metade do Século XVIII, o Hospital constitui logo pela concepção e estilo
arquitectónico uma afirmação da sua vitalidade e espírito progressivo, que procurava assimilar o que de melhor se
realizava noutras culturas.
120
Já nessa época se entendia que o País só poderia beneficiar pela ligação cultural à Europa e não teria sido por acaso
que o projectista do Hospital foi o inglês John Carr, enquanto o estilo do que foi o primeiro grande edifício
neoclássico, constituía por si só uma reacção ao barroco nazoniano.
Deve sublinhar-se que a reacção da burguesia ascendente da cidade exprime as suas preocupações sociais ao
construir um grande Hospital, enquanto os nazonianos construíam sobretudo igrejas e palácios.
Foi esta cultura, alicerçada na assimilação das conquistas técnicas da época que sempre informou a Instituição.
E assim, logo 26 anos depois do inicio da actividade assistencial, em 26/6/1825, é criada no HGSA a Real Escola de
Cirurgia do Porto.
O ensino tradicional e único da Medicina processava-se então em Coimbra, mas foi aqui, no HGSA, que se criou a
primeira escola de cirurgiões, escola que logo em 1836 evoluiu para Escola Médico Cirúrgica do Porto, (ao mesmo
tempo que a de Lisboa) passando a formar profissionais com competência na arte médica mas também nas
técnicas cirúrgicas da época.
A escola foi desde início vocacionada para o ensino profissionalizante, os "facultativos" do Hospital eram já em
meados do século XIX expoentes de qualidade, competência, capacidade de organização e de transmissão de
conhecimentos de que dá exemplo o Regulamento do HGSA publicado em 1858.
Neste belo modelo de organização que em muitos pontos ainda hoje gostaríamos de ver aplicado destaco por
exemplo, que competia aos médicos fazer duas visitas diárias aos seus doentes, preencher os dossiers clínicos
(papeletas), cumprir as orientações terapêuticas decididas pelo Conselho Médico, fazer as autópsias aos falecidos,
etc.
Já então havia cirurgiões internos e médicos e cirurgiões externos e pasme-se, o artigo 255a previa que na
enfermaria de particulares, pelo menos um enfermeiro deveria falar inglês. Tal era o peso da colónia inglesa no
Porto!
Foi neste Hospital organizado, com preocupações da qualidade na prestação de cuidados que a reforma da
República de 1911, ao criar as faculdades de Medicina do Porto e de Lisboa, sediou o ensino clínico da Escola do
Porto, que se vinha lá a processar há mais de 70 anos.
Foi nesta Escota que o Professor Nuno Grande, nosso homenageado, se formou, assim como eu próprio que
tive a honra de ser condiscípulo, quando em 1950 nos sentamos pela 1a vez nos bancos do laboratório de Histologia
ou das salas da Faculdade de Ciências onde o saudoso Prof. Manuel Ferreira, a propósito da botânica nos introduzia
nos meandros e mistérios da biologia. Poucos anos depois foi nas chamadas enfermarias-escola do HGSA que nos
fizemos médicos.
Em 1959 a faculdade de Medicina do Porto transferiu-se para o Hospital de S. João. Alguns dos seus mais distintos
professores deixaram o velho Hospital Santo António que ficou empobrecido com a saída de figuras como Joaquim
Bastos, Pereira Viana e outros, que alguns de nós continuamos a recordar como mestres inesquecíveis.
Pareceria que o HGSA estaria condenado a ser um Hospital de 2 a linha, técnica e cientificamente empobrecido
pelo afastamento da Universidade. Tal não aconteceu, em grande parte em resultado da cultura que se
desenvolvera ao longo de 160 anos, e assim surgiram novas especialidades, "estrangeirados" regressaram e
adoptaram o Hospital, como sucedeu com Ruela Torres, Guimarães e Sousa, Rocha Melo, Albino Aroso, Silva
Araújo, etc., criaram serviços, introduziram e desenvolveram novas técnicas e conhecimentos.
Antes e desde 1939, já estava no HGSA o primeiro e mais significante dos "estrangeirados", português do Sul,
formado na Europa, que escolheu o Porto para exercer a Neurologia, o nosso mestre Corino de Andrade.
121
Felizmente que a Faculdade de Medicina do Porto não quis integrar o Prof. Corino e por isso ele ficou no HGSA,
constituindo só por si um fermento de inovação e de modernidade que muito influenciou todos aqueles que
queriam aprender a ser médicos e cidadãos.
Corino de Andrade, sempre sonhou uma Escola Nova, em que a imaginação, a cultura, o espírito de iniciativa,
fossem os elementos estruturantes. Foi com ele que aprendemos que o ensino médico só resulta verdadeiramente
quando é baseado na aprendizagem activa por parte do estudante e não na simples e árida transmissão de
conhecimentos, tantas vezes já desactualizados.
Amigo e admirador de Abel Salazar, que tinha como paradigma do que entendia por cidadão e homem de ciência e
de cultura, pensou logo em dar o seu nome à nova escola, quando na sequência do 25 de Abril o seu amigo Rui Luís
Gomes, regressado do exílio e nomeado Reitor da Universidade do Porto percebeu imediatamente a importância da
ideia.
Logo de seguida surge, regressado de Angola, o Prof. Nuno Grande já anatomista e professor prestigiado. Nuno
Grande aderiu imediatamente à ideia e desde então podemos dizer que o ICBAS teve dois pais fundadores, Corino
de Andrade e Nuno Grande.
O ICBAS não pretendia ser uma simples Escola de Médicos, mas começou por aí, pela licenciatura em Medicina, e
logo desde início o HGSA surgiu naturalmente como a base indiscutível para ministrar o ensino clínico que se
desejou profissionalizante, mas também cultivando valores científicos humanísticos e culturais que poderão ser
traduzidos pela divisa da Escola, herdada de Abel Salazar: Um médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe.
Nuno Grande, como Corino de Andrade, com o seu exemplo de intervenção cívica e cultural, dá bem a medida do
que Salazar gostaria de ver pelo menos nos melhores dos médicos.
Desde 1980 que o ensino pré-graduado, ao lado do pós-graduado que já vinha dos anos 60, constitui uma opção
estratégica fundamental do HGSA. Ó HGSA sendo escola, nunca deixou de ser hospital. Os seus profissionais e as
suas práticas são a infra-estrutura essencial para que nela se formem novos profissionais e não tenho receio de
dizer que, após 16 anos, temos formado muitos médicos que já honram a Medicina portuguesa e a Escola que os
educou.
A escola e o ensino têm também sido factores de progresso científico e técnico do HGSA. O ensino e os desafios dos
estudantes obrigam os profissionais a cuidarem mais a sua formação contínua, a sua actualização, a desenvolverem
trabalhos de investigação., sobretudo clínica mas também fundamental.
Concluímos, citando o texto publicado no volume comemorativo dos 20 anos do ICBAS:
"Com todas as dificuldades e eventuais erros cometidos ao longo de quase 15 anos de
reintrodução do ensino médico não é exagero afirmar que o HGSA seria seguramente
muito diferente, para pior, se não tivesse surgido a experiência pioneira e inovadora do
ICBAS, na qual o Hospital se integrou1'.
Muito obrigado Professor Nuno Grande, em nome do Hospital.
122
5.9 Tomada de posse do Director do HGSA (22/11/1996)
Posse conferida pelo Presidente da ARS, Dr. Mário Pinho da Silva
É com profundo sentido do peso da responsabilidade que sinto este momento em que tenho a
honra de ser empossado como Presidente do Conselho de Administração do H.G.S.A., pelo
Presidente da A.R.S., Dr. Mário Pinho da Silva, personalidade de primeira linha na Medicina e
Saúde Pública e na Direcção dos Serviços de Saúde.
Agradeço também a presença do Sr. Presidente do Conselho Geral e de todos os companheiros de
trabalho que quiseram assistira esta cerimónia.
Tenho vindo a exercer funções de Director do Hospital em regime de interinidade desde há quase 3
anos, em acumulação com as de Director Clínico que já desempenhava desde 1/6/88.
Não é portanto, para mim, uma novidade o desempenho do lugar, mas devo afirmar que a
responsabilidade é agora maior.
De facto, se já foi um desafio ter aceitado substituir uma personalidade como o Dr. Paulo
Mendo durante 3 anos, constitui outro, não menor, aquele que me é proposto, dada a
confiança que em mim é depositada pela Senhora Ministra da Saúde e que espero não
desmerecer.
Procurarei continuar a dar o melhor de mim próprio, esperando contribuir para manter o
prestígio e a capacidade de intervenção do Hospital ao qual dediquei a minha vida profissional, ao
longo de quase 35 anos.
O momento actual é de particular importância na vida do H.G.S.A., pois está em vias de se
concretizar a conclusão da 1a fase da grande aspiração de quase 30 anos e que é a remodelação total,
começando pela construção do edifício de ampliação.
Nesta luta tenho vindo a participar desde que em 1971 o grande Provedor Domingos Braga da Cruz,
com o apoio entusiástico e esclarecido do Mestre de muitos de nós, CORINO DE ANDRADE,
lançou a ideia da remodelação.
Foi difícil, muitos não acreditaram ou até não desejaram que tal fosse possível, mas a obra ai
está, e espero que a partir de 1997 melhores condições técnicas, hoteleiras e humanas
possam contribuir para aumentar a qualidade e o volume da participação do H.G.S.A. na
resolução dos problemas de saúde mais graves dos portugueses, particularmente dos nortenhos.
O Hospital tem progredido, a assistência tem melhorado, os indicadores de produção
demonstram-no, têm sido introduzidas novas técnicas e tecnologias no diagnóstico e na
123
terapêutica. Lembro a mero título de exemplo os transplantes de órgãos, a cirurgia mini-invasiva ou
ambulatória, o diagnóstico laboratorial e pela imagem, etc.
A reintrodução do ensino médico pré-graduado em 1976 veio alargar a vocação do Hospital mas
a sua gestão é mais uma pesada responsabilidade do Director.
Tenho tido a felicidade de contar sempre com a colaboração e mesmo a amizade da maioria dos
funcionários do Hospital, médicos e enfermeiros, mas também trabalhadores e responsáveis
administrativos, técnicos e pessoal auxiliar, dos S.l.E. e outros.
Sem esse apoio, alicerçado numa cultura institucional muito própria desta casa, que faz com que
todos nos orgulhemos de nela trabalharmos, não teria sido possível desempenhar
convenientemente as funções de Presidente do Conselho de Administração.
Espero, por isso, continuar a beneficiar da leal colaboração e da competência de todos e em
particular dos meus colegas do Conselho de Administração, nomeadamente do Senhor
Administrador Delegado, companheiro de trabalho de muitos anos e também da Senhora
Enfermeira Directora que me habituei estimar e considerar desde os tempos em que ambos
trabalhávamos na Unidade de T.C.E. e também do futuro Director Clínico.
Também estou certo que os órgãos de tutela não deixarão de compreender os problemas do
Hospital nem recusarão a ajuda e apoio possíveis.
Do Conselho Geral e do seu Presidente espero o apoio que tem sempre manifestado ao Conselho
de Administração.
O H.G.S.A. tem vindo sempre, ao longo de todos estes anos, num clima de tolerância e
compreensão entre os diferentes sectores profissionais e dentro deles. Não assistimos aqui a guerras
e querelas que tão frequentes têm sido noutros Hospitais,
Espero que se mantenha este clima de concórdia e tolerância, que não obrigando a passividade
ou renúncia, poderá continuar a ser um factor de salutar emulação mas também de
entreajuda. Pela minha parte tudo farei para o preservar.
Antes de terminar gostaria de deixar uma palavra, minhas senhoras e meus senhores, sobre a
situação financeira do Hospital que, não sendo pior do que a de outros com dimensão semelhante,
também não é melhor.
O deficit persistente limita preocupantemente a acção da Administração sobretudo porque a
situação do H.G.S.A. em "fim de linha" o obriga a resolver todos os problemas médicos que lhe
surgem.
Não podemos limitar a sobrecarga intolerável da urgência, temos que fazer face à falta de
retaguardas e de apoio social a idosos, pagando internamentos em lares, sofremos as
consequências financeiras da evolução tecnológica com exames subsidiários e materiais de
consumo clínico cada vez mais caros, que não é possível nem legitimo recusar aos nossos doentes.
124
Muitos milhares de contos são gastos em próteses vasculares ou ortopédicas, em material de
imagiologia de intervenção, em medicamentos e produtos de laboratório, etc.
Programas como os de transplantes só em parte são compensados por financiamento específico
e outros não o são de todo como por exemplo os 3 doentes que actualmente temos em
alimentação parentérica total permanente e ambulatória, que custam cada um quase 1.000
contos por mês, o que traduz um efeito financeiro perverso dum sucesso terapêutico.
Senhor Presidente da A.R.S. peço que transmita à Senhora Ministra que, no que me diz respeito,
continuarei a desenvolver todos os esforços para optimizar os benefícios, procurando limitar os
custos, consciente como todos nós dos graves constrangimentos financeiros que nos
condicionam, mas não esperarão nem certamente o desejariam que se limitem os cuidados a
disponibilizar aos doentes.
Contará a SENHORA MINISTRA com a minha lealdade e disponibilidade assim como com a vontade
de contribuir para que o Hospital preste cada vez melhores serviços aos nossos concidadãos.
Muito obrigado a todos.
5.10 Tomada de posse do Director Clínico, Dr. Bastos Lima (Jan.
1997)
Conferida pelo Director do HGSA
Depois de 8 anos e meio em que exerci o cargo de Director Clínico, dos quais os últimos 3 em
acumulação com a presidência do Conselho de Administração, é com certa sensação de alivio
que passo o testemunho ao Dr. Bastos Lima, personalidade que após mais de 10 anos de
trabalho como adjunto do Director Clínico, conhece bem os cantos à casa, o que só por si é
garantia de que não haverá quebras no desenvolvimento das actividades inerentes ao cargo.
De facto, num Hospital desta dimensão e com estas tradições na assistência, na investigação e
na formação, o lugar de Director Clínico, com as competências inerentes de coordenação e
direcção técnica, ocupa uma posição nuclear de cujo exercício depende muito do que o
Hospital produz e também a sua própria imagem.
125
Ocupando a profissão médica um lugar essencial e central no que respeita à responsabilidade
pela prática e qualidade da assistência prestada, sendo a actividade assistencial processada
através de serviços de acção médica, é ao Director Clínico e seus adjuntos que compete o
papel dominante na obtenção de resultados técnicos e economicamente adequados aos
recursos disponíveis. Os serviços são os núcleos básicos da actividade do Hospital, mas a sua
coordenação, nomeadamente através de estruturas de gestão intermédia como são os
departamentos, é vital, sob pena de o Hospital não ser mais do que uma manta de retalhos. A
coerência e a manutenção e prosseguimento duma estratégia institucional são a missão
essencial da Direcção Clínica, que por outro lado deve manter sempre abertos canais de
comunicação e cooperação com os outros sectores profissionais, em particular com a Direcção
de Enfermagem, os serviços administrativos e os serviços gerais e de apoio.
É da estreita cooperação, centrada em objectivos estratégicos comuns, definidos pelo
Conselho de Administração, entre os diferentes serviços e grupos profissionais, que resultará
o funcionamento eficiente e com a eficácia traduzida em resultados, do Hospital.
Nesta fase da vida centenária do H.G.S.A., assume particular importância a próxima entrada
em funcionamento das novas instalações que seguramente permitirão um salto qualitativo na
actividade da instituição.
Da forma como todos formos capazes de entender a necessária mudança que, sendo de
instalações, também deverá ser de modelos organizacionais, dependerá o futuro do Hospital.
O Conselho de Administração contará com a colaboração interessada, com a competência
técnica e também com a experiência aliada à juventude e dinamismo da nova direcção clínica
e em particular do Senhor Director Clínico.
São difíceis os desafios que nos esperam, não só pela mudança referida, como pelo que resulta da
crise dos sistemas de saúde, não só do ponto de vista de organização como também do
financeiro e dos recursos humanos.
O Hospital Geral de Santo António tem todavia um capital inestimável de cultura e tradição
próprias, alicerçadas numa experiência de 2 séculos, que nos irá sem dúvida inspirar e ajudar
a vencer as dificuldades.
Não tenho dúvidas que seremos capazes de manter o espírito de unidade e a cultura
institucional que nos tem caracterizado.
Trabalho com o Dr. Bastos Lima há mais de 20 anos, primeiro no âmbito do Departamento de
Doenças Neurológicas e depois na Direcção Clínica. Conheço bem as suas qualidades, a sua
competência técnica, o seu bom senso, a sua honestidade, como conheço a qualidade dos
126
adjuntos que escolheu para o acompanharem, dois dos quais tive a honra de ter como
colaboradores directos durante os últimos 8 anos.
Por tudo isto, e por estar seguro que os médicos do HGSA, como os restantes profissionais,
não recusarão a sua cooperação à nova Direcção Clínica, estou certo de que todos juntos
vamos contribuir para manter o prestígio e a importância assistencial, técnica e cientifica do
nosso Hospital.
O Conselho de Administração agora enriquecido com mais um quarto membro apoiará sempre
a Direcção Clínica como de resto tem feito. Pela minha parte, como responsável máximo da
instituição, quero terminar felicitando o Dr. Bastos Lima e seus colaboradores pela confiança
neles depositada pelos seus pares e desejando-lhes as maiores felicidades e sucessos.
5.11 Visita do Primeiro-Ministro António Guterres e da Ministra
da Saúde (12/02/1997)
Em nome do Conselho de Administração agradecemos a visita do Primeiro-ministro de
Portugal e esta velha casa com duzentos anos de relevantes serviços prestados à
comunidade e que agora se prepara para entrar no Século XXI, remodelando
profundamente as suas instalações.
A grande obra em curso consiste na primeira fase do conjunto e traduz-se pela
construção dum novo edifício que se, por um lado permite instalar alguns serviços em
condições técnicas e humanas que poderemos considerar excelentes, por outro
constituirá o pivô indispensável para evacuar áreas do edifício principal, permitindo
assim a remodelação, complemento indispensável da ampliação.
Quer isto dizer que esta obra só adquire todo o sentido, se continuar, como previsto,
pela obra de remodelação, de modo a que não coexistam, na mesma instituição,
doentes de 1a ou 2a, conforme desfrutem das instalações de um ou de outro dos
edifícios.
Gostaria de sublinhar perante V. Excia., Sr. Primeiro-ministro, o esforço que tem sido
feito ao longo destes 5 anos para coexistir com as obras em curso.
Neste esforço, realizado por vezes com elevado sentido de serviço e espírito de
sacrifício, participaram profissionais do Hospital, técnicos e operários de construção e
da Direcção Geral, e sobretudo os doentes e seus familiares que suportaram com
estoicismo as dificuldades permanentes que resultam de viver numa casa em obras.
127
De facto, a actividade assistencial, de ensino e investigação não sofreram paragens,
conforme atestam os números que resumimos no dossier que entregamos a V. Excia.
Na visita que se irá seguir, estamos certos de que V. Excia. terá oportunidade de
verificar a importância do investimento feito e quanto melhorará a infra-estrutura
logística e hoteleira a colocar ao serviço da população que servimos. Alguns
equipamentos da nova obra estão já em uso, como sucede com certas instalações
técnicas de que são exemplo as centrais térmicas e de incineração, que já têm
prestado relevantes serviços. Esperamos que dentro de pouco tempo possamos
instalar e ter a funcionar o Serviço Central de Imagem e os Laboratórios, para em
seguida se disponibilizarem os Blocos Operatórios e outras instalações e finalmente as
Unidades de Internamento e o ambulatório, com destaque para o novo Serviço de
Urgência que duplicando a área do actual e dispondo de condições de acessos e
logísticas incomparavelmente superiores às actuais, poderá contribuir para minorar as
difíceis condições em que os doentes são actualmente atendidos.
Durante a visita nós próprios e os técnicos responsáveis pêlos trabalhos iremos dando
as informações que ajudarão a compreender a complexidade da obra e os problemas
que sucessivamente foram surgindo e que felizmente têm sido resolvidos.
No que respeita ao Hospital e a todos aqueles que aqui dão o melhor do seu esforço e
do seu saber resta-nos agradecer mais uma vez a visita com que V. Excia. nos honrou.
Muito Obrigado Sr. Primeiro-ministro
5.12 Homenagem ao Dr. Paulo Mendo (09/04/1997)
III Jornadas de Informação Médica
O Prof. Almeida Pinto referiu-se à obra do Dr. Paulo Mendo, como fundador de
Neuroradiologia portuguesa e em particular do Serviço do H.G.S.A. que ambos ajudaram a
construir.
Cabe-me a mim, seu amigo e companheiro de quase 50 anos, referir-me aos pontos essenciais
da sua obra enquanto médico interveniente nos problemas da saúde dos portugueses, na
organização e gestão dum grande Hospital Central e Universitário e também como homem
público e político que foi membro de 4 governos, sempre como responsável da saúde, quer
como Secretario de Estado quer como Ministro e finalmente Deputado.
Como Médico gostaria de sublinhar o facto de ser dos primeiros médicos hospitalares na
verdadeira acepção da palavra, tendo sido o primeiro médico do H.G.S.A. a requerer e a
128
praticar o regime de dedicação exclusiva, único regime que conheceu como
neuroradiologista.
Fundador de serviços e introdutor de tecnologias, permito-me mais uma vez recordar a sua
participação na fundação do Serviço de Neurologia do H.S. João em 1959, com o Prof. Emídio
Ribeiro, a experiência da fundação do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Avicenne em
Rabat em 1963, com o Leão Ramos e o Vitor Blanc, e a introdução da Neuroradiologia em
1969 na então Angola Portuguesa, o que ajudou também a desenvolver aí a Neurocirurgia
com Rui de Lemos.
Na sequência do 25 de Abril teve papel destacado na criação de estruturas democráticas de
gestão médica do Hospital, que permitiram que a Instituição tivesse atravessado um período
conturbado sem grandes conflitos nem perturbações de maior, tendo integrado a primeira
direcção médica eleita e sendo depois com Mário Costa, representante médico no conselho
Geral do Hospital, que antecedeu a legislação de gestão por si próprio criada, quando em
1976 foi pela primeira vez Secretário de Estado da Saúde.
Entre 1976 e 1983, a sua actividade desenvolveu-se na área política sendo Secretário de
Estado por 2 vezes, e na área profissional, dando um grande impulso, com Almeida Pinto, seu
companheiro de sempre, ao desenvolvimento do Serviço e da especialidade de
Neuroradiologia.
Desde a criação do ICBAS, em 1976, e nos períodos em que trabalhou no H.G.SA. em
particular entre 1977 e 1981, teve acção decisiva e fundamental na institucionalização do
Ensino Clínico no Hospital, acção que continuou depois do seu novo regresso em 1983,
adquirindo um prestígio profissional e académico que culminou com a sua eleição em 1985
para Presidente do Conselho Directivo do ICBAS, cargo que exerceu durante dois mandatos
consecutivos, o segundo, a partir de 1987 já em acumulação com o de Director do Hospital,
cargo para que fora eleito nos termos da legislação então vigente, sucedendo a outra grande:
figura do HGSA que é o Dr. Mário Caetano Pereira.
Como Director do Hospital, funções que exerceu durante 6 anos e meio, até ser nomeado
Ministro da Saúde, em Dezembro de 1993. O seu nome fica ligado a uma fase de grande
transformação do Hospital, que o conduziu àquilo que hoje é, um grande Hospital polivalente
com indicadores e diversificação de produção que fazem dele um dos mais prestigiados no país.
129
Podemos destacar a desactivação do Hospital Rodrigues Semide pela passagem dos seus serviços
para o recém-criado, em 1988, Hospital da Prelada, o que obriga a uma adaptação física e
psicológica da Instituição, em tempo recorde, para absorver um renovado Serviço de Ortopedia
ao mesmo tempo que se encontraram alternativas para parte da Cirurgia Plástica (Cirurgia da
Mão e Cirurgia Maxilo-Facial) e se manteve e desenvolveu a Fisiatria durante 4 anos no
H.R.Semide e há pouco mais de um ano no H.C. Ferreira.
Da sua acção e, da sua força política resultou também a pressão que conduziu à ansiada
adjudicação da obra de ampliação cujo inicio se verificou no inicio de 1992.
Da sua acção regulamentadora e digamos "legisladora" resultou o Regulamento Interno do
H.G.S.A. aprovado por portaria em 1991, o Regulamento das Consultas Externas e várias normas
avulsas ainda em uso no Hospital., assim como as normas reguladoras do ensino pré-graduado.
A sua visão do Hospital do Futuro se deve á inclusão da área de Medicina Familiar e Saúde
Ocupacional no quadro médico do H.G.S.A. o que permitiu criar condições para a sua
implementação actual na assistência e no Ensino pré-graduado.
Mas a sua acção essencial verificou-se no lançamento e desenvolvimento do ensino prégraduado, actividade que tomou pessoalmente em mãos, criando as condições de organização e
as bases psicológicas e científicas que conduziram à actual institucionalização.
Finalmente importa referir a sua acção como homem político que ao longo de três períodos
(1976/77;1981/1983 e 1993/1995) muito contribuiu, para transformar a política da saúde e
os fundamentos dos Serviços Públicos de prestação de cuidados.
Logo no primeiro mandato sendo Ministro dos Assuntos Sociais o Dr. Armando Bacelar, e em
apenas 10 meses, lançou pelo menos 3 medidas de fundo essenciais: a) a primeira legislação
pós 25 de Abril de gestão hospitalar traduzida no Dec. Lei 129/77 de 2/4 e no Decreto
Regulamentar 30/77 de 20 de Maio, legislação que só foi substituída já no Ministério Leonor
Beleza pelo actual Dec. Lei 19/88 e Dec.Regulamentar 3/88; b) a passagem dos S.M. Sociais
para a Secretaria de Estado da Saúde, integrando-se com os Serviços da D.G.S., ao mesmo
tempo que terminava o seguro de saúde com cotizações próprias, passando a saúde a ser
financiada pelo O.E.; c) Regionalização dos Serviços de Saúde das Regiões Autónomas, que
desde então passaram a ficar na dependência dos Governos Regionais.
130
No segundo mandato como S.E.S., iniciado no primeiro Governo Balsemão em 2/1/81, sendo
Ministro dos Assuntos Sociais primeiro o Dr. Carlos Macedo e depois o Dr. Luís Barbosa
devem ser destacados alguns marcos essenciais:
a) A legislação da Carreira Médica, resultante do Dec. Lei 310/82 que durou até ao Dec.
Lei 73/90 do Ministro Arlindo de Carvalho.
Nesse decreto foram institucionalizadas pela 1 a vez - as três carreiras actuais: Hospitalar,
Clínica geral e Saúde pública.
b) Criação e lançamento das bases da carreira de Clínica Geral que a partir daí se
transformou numa verdadeira carreira especializada, com formação própria. Tal permitiu
acabar com o Serviço Médico à Periferia, que apesar dos seus méritos, tinha um carácter
precário e foi substituído por clínicos gerais profissionalizados, integrados em Centros de
Saúde. Ainda dentro desta política criou os Institutos de Clínica Geral (Norte, Centro e Sul)
que têm desempenhado papel essencial na formação e qualificação dos médicos da
carreira.
c) Criou as condições para dinamizar as carreiras e promover concursos, acabando com a
arrastada situação dos policlínicos crónicos que atingiram o 6°ano (P6).
d) Criação da Carreira de Enfermagem através do Dec. Lei 305/82, que permitiu o
desenvolvimento, dignificação e qualificação que a profissão veio a ter desde então.
e) Criação das Escolas Técnicas dos Serviços de Saúde que têm sido, desde então, a base de
formação de profissionais TDT que adquiriram especialização e qualificação hoje por todos
reconhecidos.
Em Dezembro de 1993, no último Governo Cavaco Silva, é então nomeado Ministro da Saúde
o que significou o reconhecimento dum mérito político e técnico traduzido pelo que fica dito e
muito mais.
O seu mandato, de cerca de 20 meses, foi largamente influenciado pelas posições públicas que
tinha vindo a assumir no que respeita à necessidade de mudança no sistema de financiamento
da saúde, debate ainda hoje de permanente actualidade.
A sua preocupação com este assunto nuclear de qualquer política de Saúde neste fim de
século ficou traduzida pelo lançamento do debate com base no importante trabalho
encomendado do Prof. Diogo de Lucena e colaboradores, efectuado no Fórum Picoas em
7/4/95.
131
Por outro lado a sua luta para conseguir um financiamento suplementar de 80 milhões de
contos para 1995, permitiu que os serviços e em particular os Hospitais, conseguissem
respirar e aguentar até soluções de fundo para o controle dos défices que ainda hoje não
foram encontradas.
Como conceito político novo e extremamente actual em qualquer reforma dos Serviços de
Saúde lançou a ideia das Unidades de Cuidados continuados a que chamou "Hospitais" tendo
assinado protocolo com 18 Misericórdias para esse efeito.
No que respeita a novos equipamentos lançou programas de criação do Centro Materno
Infantil do Porto, da Remodelação do Hospital Joaquim Urbano que incluía novas instalações
para o INSA, de remodelação do Hospital de Santa Maria, do previsto Hospital Oriental de
Lisboa (Hospital de Todos os Santos) e de remodelação dos Hospitais de Vila Franca de Xira,
Santiago de Cacem e Lamego. Embora os planos e decisões políticas já viessem de governos
anteriores foram lançadas as construções dos Hospitais da Feira, Beira Interior, Barlavento
Algarvio, Vale do Sousa, Tomar e Torres Novas.
Outra marca da sua acção criando processos inovadores, que embora podendo ser
discutíveis na sua execução, deixam pistas a desenvolver inevitavelmente no futuro como a
da articulação do Sector Público como o Privado, traduzida pela gestão privada do novo
Hospital Amadora/ Sintra e a do lançamento do programa PERLE destinado a combater as
listas de espera para cirurgia.
Ainda dentro dos serviços públicos da Saúde importa destacar a dinamização a que procedeu
da criação de Unidades de Saúde, que juntam Hospitais e Centros de Saúde, evolução
inexorável e vital para a sobrevivência dos Serviços públicos da Saúde.
Como cidadão e como deputado não tem deixado de continuar a intervir nos problemas
sociais no sentido mais lato, da saúde e não só, do que dá conta, entre outras manifestações,
a coluna semanal que mantém regularmente no Jornal de Notícias e na qual tantas vezes tem
exprimido opiniões de grande coragem e por vezes muito polémicas, como por exemplo as
que publicou sobre a droga, agora já com partidários da categoria institucional do Presidente
da Assembleia da República.
Como homem de cultura, de acção política e cívica permanente como profissional da Medicina
de qualidade e prestígio merecidamente reconhecidos, o Dr. Paulo Mendo é assim uma das
figuras mais marcantes da Medicina Portuguesa do pós 25 de Abril, e o H.G.S.A., instituição
132
centenária e por onde passaram tantos nomes ilustres da Medicina assim como a Escola
desenvolvida sob a égide de nomes como Corino de Andrade e Nuno Grande, só poderão
sentir-se orgulhosos por o contarem entre os seus,
Daí o sentido desta homenagem da Escola e do Hospital.
5.13 Abertura das Jornadas da Primavera da UCIP (16/05/1997)
Convidada: Ministra Maria de Belém
O Hospital Geral de Santo António e o seu Conselho de Administração agradecem a honra
que V. Exa. Senhora Ministra nos concedeu, assim como aos organizadores destas
Jornadas, ao aceitar participar nas mesmas e, em particular, nesta mesa redonda que se
vai seguir e que tratará de um tema de importância nuclear na prática da Medicina
Intensiva.
Ao agradecer a participação de V. Excia., é meu dever afirmar também a importância que
o Conselho de Administração do Hospital Geral de Santo António tem vindo a atribuir a
toda a actividade de cuidados intensivos do Hospital e em particular às suas acções de
índole científica e formativa de que são exemplo marcante estas Jornadas da Primavera
que já vão na 3a edição.
Mas ao falar de Medicina Intensiva no H.G.S.A. e mesmo em Portugal não posso deixar
de fazer referência emocionada ao espírito criador, a clarividência, entusiasmo e
dinamismo dos seus iniciadores no Hospital.
Em primeiro lugar devo destacar o Dr. Corino de Andrade, que primeiro que todos, já no
fim dos anos 50, entendeu a importância futura desta área na prática médica e, sendo
neurologista, lançou mãos à obra de criar a primeira unidade de Cuidados Intensivos do Pais, o
Serviço de Reanimação Respiratória, de que foi o primeiro director.
Muito o HGSA, o País e a Medicina devem à grande figura da Medicina Portuguesa que é o Dr.
Corino de Andrade mas entre tudo o que criou ocupa um lugar destacado a Medicina
Intensiva.
133
Mas para além do Dr. Corino, outras figuras devem merecer hoje a nossa homenagem e que
são os seus dois primeiros colaboradores nesta obra do intensivismo, não contando com o
saudoso ortopedista Dr. Ferreira Alves, e que foram o Dr. Armando Pinheiro e Silva Araújo,
respectivamente responsáveis da área médica e cirúrgica do então emergente Serviço de
Reanimação Respiratória.
Um dos méritos, e não o menor do Dr. Corino, foi o de saber escolher os seus colaboradores e
assim foi buscar ao então Sanatório D. Manuel II um jovem e promissor pneumologista, o Dr.
Armando Pinheiro, e ao então recém-criado Serviço de Anestesia, outro jovem regressado de
estágios noutras paragens, o Dr. Silva Araújo.
O primeiro foi o segundo Director do Serviço e o responsável pela sua institucionalização e o
segundo foi o segundo director do Serviço de Anestesia, mantendo sempre uma apertada
colaboração com os Cuidados Intensivos.
Hoje estão ambos reformados, mas felizmente continuam a marcar com a sua presença e o
seu exemplo a acção dos seus jovens seguidores.
Também não gostaria, neste momento, deixar de prestar homenagem aos colaboradores da
primeira hora nesta obra da Medicina Intensiva no H.G.S.A., em primeiro lugar aos que
infelizmente já não estão entre nós, os Drs. Sérgio Alexandrino, Neves dos Santos e Nuno
Berrance, e depois aos que, já reformados também, continuam a ser membros afectivos
desta equipa, os Drs. Carvalho de Sousa e Alberto Almeida.
Senhora Ministra, minhas senhoras e meus senhores, este já longo e aparentemente
despropositado discurso, tem como objecto mostrar que esta manifestação, que se deve ao
dinamismo e capacidade dos jovens médicos responsáveis peia Unidade de Cuidados
Intensivos Polivalente tem raízes que não podem ser esquecidas, pois é delas que nasce a seiva
que agora frutifica nesta e noutras acções.
Muito obrigado a todos.
134
5.14 Os 25 anos do Serviço de Cirurgia Vascular (16/05/1997)
Convidada: A Ministra Maria de Belém
Ao associar-se a estas comemorações o Conselho de Administração do H.G.S.A. manifesta o seu
apreço e orgulho por dispor no Hospital dum Serviço com a qualidade, o prestígio e provas dadas ao
longo de 25 anos como o de Cirurgia Vascular.
De resto, a importância do evento é sublinhada pela presença da Senhora Ministra, da Saúde que
mais uma vez honrou o Hospital com a sua presença e estímulo.
O Serviço de Cirurgia Vascular, com vinte e cinco anos de vida é já uma referência no Hospital e no
Pais, não só no âmbito estrito da sua especialidade, em que se afirmou por uma prática de
qualidade técnica e científica na cirurgia arterial e venosa, mas também pela sua importância
decisiva no arranque e manutenção dos programas de transplante renal e hepático do Hospital.
Não poderá, contudo falar-se no Serviço de Cirurgia Vascular sem deixar de prestar merecida
homenagem aos seus fundadores, Drs. Mário Caetano Pereira e Joaquim Moreira da Costa, a
cujo entusiasmo e espírito criador se deve a obra de que hoje podemos fazer um balanço.
Eu próprio tive a felicidade e o privilégio de ter alguma participação na génese do Serviço, na
medida em que como membro da Direcção Clínica da altura fui encarregado das diligências que
conduziram à transformação dum Serviço de Cirurgia Cardiovascular em perda de velocidade
e influência, apesar do prestígio profissional do seu antigo Director Dr. Gomes de Almeida,
num novo Serviço de Cirurgia Vascular, iniciado com um magro "staff" de 2 médicos, jovens
cirurgiões formados na escola do Dr. Serrano Júnior, que aceitaram o desafio de criar não só
um serviço como também uma especialidade, no H.G.S.A.
O Dr. Mário Caetano Pereira continua como Director do Serviço ao fim destes 25 anos. Neste
período formaram-se muitos especialistas qualificados e de mérito reconhecido que hoje
enriquecem o quadro permanente do serviço e asseguram o seu futuro, o serviço diversificou
as suas áreas de intervenção e tem uma produção assistencial e cientifica de que o Hospital se
orgulha.
O HGSA desde há muitos anos que tem adoptado uma política que tem como principio não
pretender a totivalência, isto é, entendemos que não é necessário para ser um grande
hospital central e universitário dispor de todas as valências, pelo que prescindimos de
135
algumas como a Cirurgia Toráxica, a Cirurgia Plástica, a Cirurgia Pediátrica, etc. Preferimos,
em contrapartida, desenvolver as valências existentes, ao mesmo tempo que se
estabeleceram protocolos de cooperação com outros hospitais que pratiquem as valências
em falta.
Concentrámos assim as nossas energias nas valências que mantemos, que assim podem
atingir níveis técnicos e científicos mais elevados, como sucede com o Serviço que hoje nos
ocupa.
Para terminar, gostaria de deixar algumas palavras de homenagem ao Dr. Mário Caetano
Pereira, Director do Serviço e figura marcante do Hospital e da geração médica a que me
orgulho de pertencer.
Pelas suas qualidades profissionais e humanas, pela extensão e profundidade da sua obra bem
merece o Dr. Mário Pereira o nosso reconhecimento. De facto, além de Director e fundador do
Serviço de Cirurgia Vascular, exerce as funções de Director do Departamento de Transplantação
de Órgãos, de que foi até agora o único titular e principal impulsionador. Além disso, foi
Presidente do Conselho de Gerência e, portanto, Director do Hospital, é professor catedrático
convidado de Cirurgia do ICBAS-HGSA e tem desempenhado inúmeros cargos no Hospital e no
país, destacando-se as suas funções actuais de Coordenador da Organização Nacional de
Transplantação.
O Dr. Mário Pereira, autêntico médico hospitalar, que exerce funções em dedicação exclusiva
desde há 10 anos, bem merece o reconhecimento e a homenagem de todos nós, homenagem
que V. Exa. Senhora Ministra também lhe quis prestar e que, em nome do Hospital é meu dever
agradecer muito sentidamente.
Nota: No final da sessão a Ministra Maria de Belém agraciou o Dr. Mário Pereira com a medalha
de ouro de serviços distintos do Ministério da Saúde
136
5.15 Projecto de cooperação HGSA-ICBAS com o governo da
Guiné-Bissau (10/01/1998)
Abertura em Bissau, com a presença do Presidente Nino Vieira
O HGSA é uma velha instituição da cidade do Porto, com 200 anos de história e desde
sempre ligada, para além da sua primordial vocação assistencial, à formação de
profissionais de saúde, designadamente de médicos.
De facto, se hoje o HGSA é um Hospital Central e Universitário, responsável pelo Ciclo
Clínico da Licenciatura em Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
(ICBAS), já foi sede também durante quase 50 anos do ensino clínico da Faculdade de
Medicina do Porto, antes de esta se ter transferido (em 1959) para o então novo Hospital
de S. João.
Mas já antes, desde 1825, que albergava a Real Academia de Cirurgia e, desde 1837, a
Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
Esta tradição, já tão longa, na formação médica pré-graduada, foi complementada desde
sempre pela formação pós-graduada, tendo sido o primeiro Hospital do Norte e o
segundo do País a institucionalizar o Internato de Especialidade ou complementar. Não é
portanto de estranhar que um hospital com esta tradição se tenha abalançado a
participar no projecto do ICBAS, sancionado pelo Banco Mundial, de formação médica
pós-graduada na República da Guiné-Bissau. Não é também por acaso que se encontra
associado ao ICBAS que é desde início uma experiência inovadora na Universidade
Portuguesa.
O HGSA tem colaborado na formação médica de médicos de outros hospitais e de outros
países, nomeadamente de países de língua oficial portuguesa para além de outros europeus
em particular espanhóis. Neste momento, frequentam estágios mais ou menos prolongados,
10 médicos nacionais de PALOP.
Destes, 7 estão a frequentar o Internato (3 de Neurologia, e 1 de cada uma das
especialidades de Endocrinologia, Nefrologia, Pediatria, Estomatologia) e 3 frequentam
estágio de Oftalmologia, de 1 ano, com bolsa da Fundação Gulbenkian. Há ainda 6 médicos
africanos que trabalham como contratados no Serviço de Urgência.
137
Dos 10 primeiros, 9 são angolanos e 1 santomense. Dos 6 últimos, 1 é angolano, 2 caboverdianos, 1 moçambicano e 2 guineenses. Além desses, há ainda outro guineense a
efectuar um estágio de alguns meses em Cirurgia.
Faltava-nos a experiência internacional, a prática da formação fora das fronteiras, pelo que
o desafio desta acção num país africano é para nós profundamente gratificante e
enriquecedor.
Portugal é um pequeno país europeu, mas tem uma longa história de centenas de anos de
relacionamento ecuménico com povos de diferentes culturas e tradições. A vocação oceânica
que resulta da nossa geografia específica tem ao longo da história feito dos portugueses
embaixadores de uma cultura que, embora de raízes europeias, tem muito de específico.
Deste relacionamento transoceânico resultou a difusão da língua que, como diria o nosso
poeta Fernando Pessoa, é o elemento caracterizador da pátria, entendida como espaço de
convivência e de fraternidade.
Daqui resulta o facto de nos sentirmos em casa quando visitamos países habitados por povos
que falam a nossa língua comum, que funciona assim como um cimento de solidariedade e
de fraternidade.
É em nome desta solidariedade e desta fraternidade que encaramos com grande entusiasmo
este projecto de cooperação com a República da Guiné-Bissau, esperando que da
transferência de conhecimentos e de experiência possa resultar uma melhoria da
organização e da qualidade dos Serviços de Saúde deste país amigo, de que todos os
cidadãos possam beneficiar.
Se conseguirmos contribuir para um saldo positivo desta experiência de cooperação sentirnos-emos muito felizes.
Pela nossa parte temos bem a noção de que vimos cá também aprender, pelo menos
aprender a ensinar, pois na medida em que, em conjunto convosco, consigamos apreender
as realidades da vossa sociedade, estaremos em melhores condições de adaptar os nossos
conhecimentos científicos e tecnológicos às vossas necessidades tal como pelo vosso povo
são sentidas.
Em resumo, não estamos aqui para impor seja o que for, de forma acrílica, mas apenas para
colocar à vossa disposição a soma de conhecimentos que um estádio mais elevado de
desenvolvimento tecnológico nos permite facultar-vos.
A cultura africana tem influenciado desde sempre a cultura europeia, quer nas suas
manifestações artísticas quer no próprio entendimento do sentido da vida. De resto, parece
cada vez menos controverso que foi a África o berço da humanidade.
138
A rica cultura guineense e a cultura portuguesa têm neste projecto um campo excelente de
inter-penetração e de cooperação entre os nossos dois povos de que resultarão seguramente
benefícios mútuos.
A instituição que aqui represento, o Hospital Geral de Santo António, assim como o Instituto
de Ciências Biomédicas Abel Salazar, de que somos associados, esperam assim cumprir mais
uma das suas funções.
Para finalizar resta-me agradecer ao Governo da República da Guiné-Bissau e ao seu Ministro
da Saúde a confiança que em nós depositaram ao aceitarem a nossa cooperação. Esperamos
ser dignos dessa confiança e que do nosso esforço conjunto possam resultar médicos mais
qualificados e portanto melhores serviços de saúde para o povo guineense.
5.16 Abertura do primeiro serviço clínico instalado no novo
edifício (17/06/1998)
Convidado: Presidente da ARS
É com profunda satisfação que o Conselho de Administração agradece a presença com que V. Exa. nos quis honrar
nesta simples manifestação com que pretendemos marcar a abertura do primeiro dos Serviços Clínicos do novo
edifício que amplia o velho H.G.S.A., além de criar condições para o projecto mais geral de remodelação do Edifício
Monumento Nacional.
Esperamos que transmita à Sra. Ministra, que infelizmente não pôde estar aqui presente, as nossas esperanças e
preocupações.
Este projecto de remodelação, ampliação e sobretudo modernização é uma velha aspiração do Hospital e
seguramente dos portuenses e cidadãos da região Norte para quem a instituição contínua a ser uma referencia no
campo da assistência, da investigação e do ensino.
Foi todavia mais precisamente em 1971 que o actual projecto deu os primeiros passos sob o impulso de duas grandes
figuras do Hospital, da Cidade e do País e que foram o provedor Braga da Cruz e o médico e cientista Corino de
Andrade de quem há dias todos festejamos os 92 anos.
Vicissitudes de toda a ordem, dificuldades e incompreensões, pontuaram o desenvolvimento do projecto, cuja
execução só se iniciou em 1992, isto é 21 anos depois de as forças vivas do Hospital e da S.C.M.P. terem decidido
lançar mãos à obra.
Aqui cabe também uma referência do projectista Arq. Carlos Loureiro e à sua equipa que desde o início sempre
colocaram a sua competência e disponibilidade ao serviço do projecto, sem se deixarem abater por sucessivos
contratempos e dificuldades.
139
É justo destacar o papel que tiveram alguns governantes em épocas diferentes no desbloquear de dificuldades e na
assumpção de decisão políticas que permitiram o desenvolvimento do projecto e a sua execução.
Em primeiro lugar quero referir dois homens desta casa, e um outro, médico em Lisboa mas que sempre reconheceu
no HGSA uma grande instituição nacional, e que no desempenho de funções de Secretário de Estado da Saúde
muito contribuíram para que o projecto visse a luz do dia. Referimo-nos aos Drs. Albino Aroso e Paulo Mendo e ao
Dr. Baptista Pereira.
Em segundo lugar quero aqui referir os nomes de três Ministros da Saúde que sempre apoiaram a obra e que
foram o Dr. Arlindo de Carvalho, que permitiu e ordenou o seu início, o Dr. Paulo Mendo que acompanhou de
perto o seu desenvolvimento e finalmente a Senhora Ministra Maria de Belém que estou certo permitirá que se
complete o objectivo essencial desta fase que é o da entrada total em funcionamento dos serviços instalados no
edifício agora em conclusão, ao mesmo tempo que se viabilize a fase seguinte que integra a demolição e
reconstrução do edifício designado como satélite e a construção do nó de circulações verticais no torreão central
do edifício principal.
O novo edifício está praticamente concluído no que respeita a construção civil, faltando ainda completar a
instalação de parte dos onerosos e complexos equipamentos de que disporá e que orçaram em alguns milhões de
contos.
O Conselho de Administração tem entendido desde há muito que não é necessário esperar pela conclusão da obra
ir colocando ao Serviço do Hospital e da população as instalações que entretanto vão ficando operacionais. Para tal
temos tido sempre a compreensão e ajuda dos técnicos da DGIES para quem é aqui devida uma palavra de
homenagem e gratidão pelo sentido de trabalho em equipa, pela competência técnica e peia clara compreensão
das necessidades do Hospital, permitindo-nos sintetizar toda a equipa na pessoa do Eng. Director do Projecto Eng.
Graça Rocha.
Sem isso não teria sido possível realizar uma obra como a que agora inicia o serviço aos doentes.
De facto já há anos que se vêem a por ao serviço diversas instalações, entre as quais as centrais técnicas e de
incineração, de ar comprimido, redes de vapor, fontes de energia (depósito de gás e rede de distribuição, posto de
transformação, etc.), assim como oficinas e alguns armazéns, central telefónica, etc.
Neste momento as instalações técnicas dos pisos subterrâneos estão praticamente todas em operação.
Resta agora ir pondo ao serviço progressivamente o restante hospital. O Conselho de Administração espera, até
fins de Julho, conseguir pôr ao serviço as áreas laboratoriais de anatomia patológica, química clínica, microbiologia
e hematologia laboratorial.
A partir de Agosto haverá condições para activar as áreas de internamento e de consulta externa, assim como as
novas áreas de hospital de dia, cirurgia ambulatória e outras que constituirão passos significativos na adopção de
alternativas ao internamento, um dos objectivos desta remodelação, que não contempla aumento da capacidade
de internamento.
Só depois disso será possível por ao serviço a esterilização central, os blocos operatórios e finalmente o novo
Serviço de Urgência que, duplicando a área disponível em relação à actual, irá permitir fornecer cuidados numa
área vital e nuclear do Hospital, de muito melhor qualidade tanto técnica como em termos hoteleiros.
Esperamos ter possibilidade, do pondo de vista técnico, de em Outubro ter o edifício a funcionar na sua
totalidade.
140
Para tal é no entanto indispensável aumentar em largas dezenas os efectivos de pessoal, sobretudo nas profissões
de enfermagem e serviços de apoio geral, já que na área médica a crise mais aguda se verifica essencialmente na
especialidade de anestesia.
Sem a possibilidade de admitir mais de uma centena de enfermeiros e cerca de centena e meia de auxiliares além
de alguns administrativos e médicos, estes, sobretudo anestesistas, não será possível colocar ao serviço a maior
parte das novas potencialidades do investimento aqui feito, sendo de notar que o esforço financeiro de manutenção
não ultrapassará muito 5% do orçamento de despesas do H.G.S.A.
Para isso os esforços são legitimados pelas enormes vantagens que este novo edifício oferece, permitindo
aumentar muito a quantidade e a qualidade das prestações.
Somos pressionados diariamente pêlos doentes e seus familiares, que aguardam em intermináveis listas de espera,
mas também pêlos médicos e directores de serviço que nos pedem mais blocos operatórios, mais rapidez e
eficiência de meios de diagnóstico, oferecendo em troca o seu entusiasmo e vontade de trabalhar.
Não será legítimo desiludir uns e outros que durante tantos anos têm aguardado pacientemente as novas
possibilidades agora finalmente disponíveis.
Para concluir e acalentando a esperança de que V. Excia. ajude a sensibilizar a Senhora Ministra, para que consiga
encontrar os recursos e o apoio do Governo para tirar todo o rendimento desta obra que agora inicia a sua
disponibilização para o doente, desejamos que fossem criadas rapidamente as condições técnicas e financeiras
para a prossecução da obra de remodelação que constitui a segunda fase deste importante esforço de
modernização duma velha casa com 200 anos de tradição de bons serviços e que tem todas as condições para
entrar no século XXI com instalações e tecnologias adequadas ao que se espera do novo milénio.
O Conselho de Administração que inclui dois membros, o Presidente e o Sr. Administrador Delegado, que
dedicaram os últimos 27 anos de vida à realização deste projecto, manterá todo o entusiasmo e espírito de serviço
que sempre animou a instituição, procurando que nada do que de si directamente dependa deixe de ser feito da
melhor forma possível.
Que o novo Serviço de Imagiologia, serviço nuclear de qualquer Hospital, os seus médicos e técnicos e restante
pessoal possam ser capazes de tirar todo o rendimento das novas condições de trabalho que lhe são oferecidas, são
os nossos desejos, na certeza de que o Conselho de Administração não lhes faltará com todo o apoio possível, para
bem dos doentes que em nós confiam e que de nós precisam.
5.17 Inauguração da exposição “Arte e Medicina” nas novas
instalações do ambulatório (25/09/1998)
Convidada: Ministra Maria de Belém
Antes de mais, o Conselho de Administração agradece a visita de Vossa Excelência nesta fase crucial da vida da
nossa velha Instituição, e a honra que nos concede de presidir a esta cerimónia que marca a entrada em serviço do
novo edifício de ampliação do Hospital, primeira e fundamental fase da sua remodelação total e modernização,
adequada a estrutura física aos serviços que dela se esperam para o próximo século.
De facto a entrada em serviço duma tão complexa estrutura como é um hospital, e este edifício é praticamente um
hospital novo, a entrada em serviço, dizia, deve ser encarada como um processo alongado no tempo e não um
141
momento em que tudo começa a funcionar em simultâneo, como sucederia se tratasse de uma estrutura mais
simples, como por exemplo um hotel, uma fábrica, ou mesmo uma escola.
Na vida desta construção, iniciada em 1992, já várias áreas sectoriais foram entrando em funcionamento como as
centrais fornecedoras de energia, as centrais térmicas e de incineração, a central telefónica, várias oficinas dos
S.I.E., vestiários e instalações de pessoal, ascensores, sistemas de ar condicionado, etc.
Importa sublinhar a importância da Central de Incineração que veio substituir um incrível e obsoleto forno que existia
desde há dezenas de anos. A solução existente não tem impedido que o HGSA se tenha associado ao INEB na
investigação tendente à criação de condições alternativas para a eliminação de resíduos.
A medida que se iam completando áreas de construção civil e que os equipamentos iam ficando completos e
operacionais, foram sendo colocados ao serviço, não se esperando pela montagem do que faltava. Para tal
contamos sempre com a colaboração interessada e dinâmica da DGIES, dos seus responsáveis e sobretudo dos seus
técnicos dos quais devo destacar com um profundo agradecimento, os responsáveis permanentes no local, da
própria firma construtora Abrantina, S.A., e dos vários subempreiteiros e fornecedores.
Tenho que chamar a atenção para o facto, que também traduz um grande empenhamento de todo o pessoal do
HGSA e até dos seus utilizadores que estoicamente suportaram as agruras de uma obra de grande volume, de a
vida do HGSA se ter processado sem qualquer interrupção de vulto.
Esta constatação poderá ser resumida na evolução de alguns simples indicadores de produção que passarei
resumidamente a enumerar.
Internamento 27.000 em 1992, 37.600 em 1997; Consultas 274.000 em 1992 e 313.550 em 1997; Atendimento no
Serviço de Urgência 296.000 em 1992, 250.000 em 1997; Operados 12.821 em 1992, 14.739 em 1997; 124.000
Exames de imagem em 1992 e 147.000 em 1997; Análises 2,5 milhões em 1992 e 3,4 milhões em 1997, tudo isto
para uma lotação que baixou de 691 camas para 677.
Não podemos deixar de sublinhar que durante este período se desenvolveram os programas de intensivismo e
cirurgia ambulatória, enquanto se mantiveram os programas de transplantação renal que se aproxima dos 900 e de
córnea, que está a aproximar-se dos 2000, ao mesmo tempo que se iniciou em 1995 (há 3 anos) o hepático no qual
já se atingiu a primeira centena.
Já este ano de 1998, com obras em fase de conclusão foi possível transferir para o novo edifício o Serviço de
Imagiologia, com um 2° TAC, o Serviço de Anatomia Patológica, e já nesta semana se procede à transferência dos
laboratórios de Química Clínica, Hematologia, Microbiologia e Hemoterapia.
Com esta infra-estrutura técnica operacional será possível em Outubro iniciar o processo de transferência das
consultas externas e de 270 camas de internamento, o que se espera concluir em fins de Novembro.
Em Outubro iremos utilizar o novo Serviço de Urgência, em vias de estar totalmente equipado, para suporte do
apoio médio diferenciado à Cimeira Ibero Americana que se realiza de 14 a 18 na nossa cidade, e em Novembro
espera-se completar a instalação da nova Central de Esterilização e do Bloco Operatório Central que com a UCIP a
transferir para o novo edifício, constituem o complexo técnico essencial para suportar a transferência do Serviço
de Urgência, que se espera completar durante Dezembro,
Esperamos assim ter todo o Edifício ocupado e a funcionar até ao fim do ano, mas para tal será indispensável que se
verifique a admissão dos elementos de pessoal em falta e cujo processo se encontra em curso.
Devo aqui sublinhar, com profundo reconhecimento, o apoio de Vossa Excelência Senhora Ministra, que autorizou
todos os nossos pedidos de contratação de pessoal, sem o que não teríamos condições para prosseguir a abertura.
142
No total, o novo edifício implica cerca de 300 novos funcionários, que quase não incluem médicos, ou seja 10% da
força de trabalho actual, e um suporte financeiro que se traduzirá em cerca de 1,5 milhões de contos por ano, cerca
de 6% dos 25 milhões de despesa de funcionamento em 1998.
È um investimento importante que procuraremos rentabilizar, aumentando em muito mais do que 10% a
capacidade produtiva do HGSA, para já não falarmos na enorme melhoria de qualidade não só no que respeita a
condições de trabalho dos profissionais, em instalações e equipamentos, como sobretudo para os doentes e seus
familiares a quem serão proporcionados, além de condições técnicas superiores, instalações e hotelaria de muito
maior conforto e humanização.
Esperamos melhorar a abertura à comunidade, com a utilização de elementos decorativos que muito humanizarão
as instalações, destacando-se neste aspecto a maravilhosa azulejaria que as crianças do coração do Porto
viabilizaram com os seus desenhos que interpretam de forma magistral o que para elas significa a cidade, o rio, o
Hospital.
Também os artistas plásticos da cidade se quiseram associar ao esforço de humanização, respondendo
brilhantemente ao repto que lhes foi lançado pela Liga dos Amigos e pelo seu presidente Luís Roseira, presenteando
o Hospital com belas interpretações alusivas ao Santo Padroeiro que dá o nome à Instituição.
Na exposição que a seguir a esta sessão abrirá ao público, os cidadãos do Porto e as entidades que contribuíram
para que a mesma fosse possível, com destaque para a Cooperativa Árvore que a organizou em colaboração com o
HGSA, poderão apreciar ainda uma retrospectiva da obra plástica do também nosso patrono como Hospital
Universitário, e que é a grande figura de cientista, artista e homem de cultura que foi Abel Salazar.
Senhora Ministra, minhas senhoras e meus senhores:
Já vai longa esta intervenção) mas creio que não levarão a mal que o Conselho de Administração se sinta muito feliz
ao ver concretizados 27 anos de esforços de tanta gente, profissionais do Hospital, políticos, técnicos, etc.,
permitindo-nos aqui destacar e prestar homenagem à perseverança, competência e esforço sustentado, através de
inúmeras vicissitudes, da equipa projectista dirigida pelo Arq. J. Carlos Loureiro, cujo nome ficará a emparceirar com
John Carr na História da concepção e concretização do Hospital.
Resta-nos concluir, fazendo apelo a Vossa Excelência Senhora Ministra, para que as fases subsequentes de
transformação e remodelação se continuem sem interrupção nomeadamente a que comporta a substituição do
condenado edifício satélite e o nó de circulações verticais do torreão central, em conjunto com a construção dos
últimos 2 pisos do mesmo, permitindo instalar definitiva e condignamente o sector cultural e de ensino médico pré
graduado no qual o HGSA está empenhado em associação com o ICBAS.
Tal objectivo está também assumido pelo Governo e por Vossa Excelência, ao inscrever quase um milhão de contos
no PIDDAC de 1999. Também por isso devo deixar aqui expresso o nosso reconhecimento.
Fazemos votos para que seja possível maior celeridade nas obras, de modo a que a rapidez de evolução tecnológica
não ultrapasse a lentidão da construção, o que sendo muito difícil de conseguir, deverá pelo menos ser minimizado.
Esperamos que se mantenha a continua afirmação de vontade política do Governo e do Ministério da Saúde que
permitiu que estejamos agora a comemorar a conclusão desta fase. Para tal confiamos no apoio que Vossa
Excelência sempre tem manifestado à concretização desta obra.
Muito obrigado, Senhora Ministra.
143
CAPÍTULO VI
HOMENAGENS A DIRECTORES DE SERVIÇO JUBILADOS
Durante a Direcção Clínica do Dr. José Castro Lopes, que antecedeu a presidida pelo
Autor, foi institucionalizada a norma de homenagear numa simples cerimónia no Salão
Nobre, os Directores de Serviço ou de Departamento que se jubilassem.
Esta prática foi mantida pelo autor mas, infelizmente não ficou registo escrito do
discurso do Director Clínico ou não foi encontrado. Alguns desses discursos foram
todavia recuperados e são agora publicados.
6.1 Dr. António Rocha Melo – Director de Serviço de
Neurocirurgia
Salão Nobre do HGSA – 2 de Dezembro de 1993
Reunimo-nos hoje aqui de novo para homenagearmos um de nós que, por força da lei,
atinge a data de jubilação da função pública.
Trata-se do Dr. Rocha Melo, Director do Serviço de Neurocirurgia desde a sua
autonomização, no fim dos anos 70.
Este ano de 1993 pode ser considerado um ano “vintage”, pois de facto foram ou
serão jubilados vários fundadores de serviços do Hospital Geral de Santo António.
Assim, assistimos este ano à aposentação do Dr. Pereira Guedes, fundador do Serviço
de Anatomia Patológica, do Dr. Albino Aroso, fundador do Serviço de Ginecologia, do
Dr. Joaquim Moreira da Costa, co-fundador do Serviço de Cirurgia Vascular, do Dr.
Rogério Ribeiro, fundador do Serviço de Fisiatria e do Dr. Guimarães e Sousa, fundador
do Serviço de Cirurgia Plástica, hoje a funcionar no Hospital da Prelada, além,
obviamente, do Dr. Rocha Melo.
A geração de médicos em que os citados se integram assumiu nos anos 60 a renovação
e modernização do HGSA.
De facto, em 1959, o HGSA foi amputado da Faculdade de Medicina do Porto, que se
transferiu com muitos quadros qualificados para o recém-inaugurado Hospital de S.
João.
Para muitos parecia que o HGSA estaria condenado pela sangria resultante da perda
para o Hospital de muitos nomes altamente prestigiados, dos quais me permito
distinguir, pela influência que exerceram em sucessivas gerações de médicos que
foram seus discípulos, os Professores Pereira Viana e Joaquim Bastos.
Mas alguns homens da mesma geração permaneceram, apesar de tudo, no HGSA,
sendo justo destacar os nomes de João de Melo, na Medicina, de Gil Costa, Manuel de
Araújo e Serrano Júnior, na Cirurgia e, muito em especial, o do grande homem de
ciência e mestre de muitos de nós, Corino de Andrade.
Além destes, uma plêiade de jovens, então na casa dos 30-40 anos, quase todos
regressados de estágios no estrangeiro, sobretudo na Grã-Bretanha, tomaram em
mãos o desenvolvimento e afirmação de novas especialidades médicas, introduzindo
144
novas tecnologias e sobretudo uma nova visão do exercício da medicina, criando
serviços, fazendo escola, tomando discípulos.
De entre estes refundadores do Hospital destacam-se todos os jubilados deste ano e,
em particular, o nosso homenageado de hoje, aos quais gostaria de juntar o nome do
Dr. Ruela Torres, fundador do Serviço de Anestesia, poucos anos depois substituído
pelo Dr. Silva Araújo, que secundou de forma imparável o impulso inicial, conduzindo o
serviço àquilo que hoje é.
O Dr. Rocha Melo é portanto um personagem com lugar marcado na história do HGSA.
Foi o primeiro neurocirurgião do HGSA e também o primeiro do norte do país, tendo
adquirido a sua formação especializada em Edimburgo, nos anos 50.
O Dr. Rocha Melo começou a frequentar em 1951, ainda estudante de Medicina, o
Serviço de Neurologia fundando anos antes pelo Prof. Corino de Andrade, com a ajuda
do Dr. João Resende.
Em 1953 licenciou-se com 17 valores e logo em 1954 foi contratado como 2º assistente
de Neurologia pela SCMP, integrando um staff que nesses anos incluía nomes como os
de António Coimbra e Pereira Guedes e ainda os dos saudosos Castro Alvas e Jorge
Campos.
O Dr. Corino, que teve sempre uma visão penetrante do futuro, percebeu muito cedo
que Portugal não poderia ficar ao lado do desenvolvimento de uma especialidade
então em crescimento no mundo desenvolvido e que era a neurocirurgia, sem a qual a
própria neurologia perderia muito do seu sentido.
Já há muitos anos que ele próprio vinha praticando neurocirurgia, socorrendo-se da
colaboração de cirurgiões distintos de então, como o Dr. Álvaro Ferreira Alves ou do
Prof. Fernando Megano.
Entretanto, era necessário especializar alguém, de preferência um jovem, na nova
especialidade de neurocirurgia e assim o Dr. Corino convenceu o Dr. Rocha Melo a
partir, em 1955, para Edimburgo, como bolseiro do British Counsil, para trabalhar com
um dos maiores neurocirurgiões mundiais da época, o Prof. Norman Dott.
Discípulo de Dott e do seu sucessor John Gillingham, o Dr. Rocha Melo regressou a
Portugal em 1958 como neurocirurgião qualificado, tendo sido o primeiro a instalar-se
no norte do país, apenas poucos anos depois dos pioneiros Almeida Lima e
Vasconcelos Marques haverem regressado a Lisboa, provenientes de Inglaterra e
Estados Unidos, onde haviam trabalhado, respectivamente, com Sir Hugh Cairnes e
Walter Dandy.
Trabalhou como neurocirurgião no HGSA e, a partir de 1959, também no novo H. S.
João, por cuja Faculdade de Medicina havia sido contratado como assistente.
Foi aí que o conheci, em 1960, no Serviço de Neurologia dirigido então pelo Prof.
Emídio Ribeiro.
Com ele me transferi, em 1963, para o HGSA e para o Serviço de Neurologia, quando
optou, em definitivo, pelo nosso Hospital, abandonando o H.S. João e a FMP.
Em 1964 prestou provas públicas para 1º assistente de Neurocirurgia da SCMP, tendo
o autor do presente texto sido seu ajudante na prova de cadáver que consistiu numa
laminectomia cercical realizada perante um júri que, além do Dr. Corino, integrava os
Drs. Vasconcelos Marques e Pais de Ataíde.
Com ele, a Neurocirurgia do HGSA foi-se afirmando e individualizando, sucedendo-se,
desde então, duas novas gerações de neurocirurgiões, na primeira das quais se incluí o
autor, que foram formadas em grande parte pelo Dr. Rocha Melo.
145
O serviço foi-se individualizando, primeiro funcionalmente, e em 1980 em instalações,
e quando em 1982 foi publicado o Decreto-Lei 210/82 que definia as carreiras médicas,
o Dr. Rocha Melo foi nomeado Director de Serviço de Neurocirurgia, funções que de
facto já vinha exercendo desde há anos.
Com a criação do ICBAS e a reintrodução do ensino médico no HGSA, o Dr. Rocha Melo
foi nomeado regente da primeira cadeira de neurocirurgia incluída no currículo escolar
das Universidades portuguesas, funções em que se tem mantido.
Para além do Hospital deve destacar-se o reconhecimento nacional e internacional da
importância do Dr. Rocha Melo, que por duas vezes foi presidente da Sociedade LusoEspanhola de Neurocirurgia, tendo sido ainda delegado português à EANS e membro
do seu “Training Commitee”, sendo ainda actualmente membro do Comité de
Neurotraumatologia da WFNS.
Até agora temos falado do Dr. Rocha Melo como neurocirurgião, mas importa fazer
algumas referências a outros aspectos da sua personalidade.
Assim, interessou-se por uma nova visão da vida do Hospital, tendo sido presidente da
Direcção da Liga dos Amigos do HGSA, funções em que sucedeu ao seu fundador, Dr.
Luís Roseira.
Por outro lado, o interesse pelas artes e pelo convívio dos artistas acompanhou-o ao
longo dos anos, sendo, aos 70 anos, membro da Direcção da Fundação de Serralves.
O Dr. Rocha Melo cultivou sempre vastas relações sociais com meios artísticos,
empresariais e financeiros, relações que utilizou em benefício do Hospital,
conseguindo financiamentos para obras, equipamentos, formação no estrangeiro de
jovens médicos e enfermeiros, etc., sendo nessa área um pioneiro no HGSA.
Melhor do que eu, poderá contudo falar sobre a personalidade do Dr. Rocha Melo, o
seu companheiro de geração e amigo de 40 anos, o Manuel Silva Araújo, a quem passo
a palavra.
6.2 Dr. António Queiroz Marinho – Director de Serviço de
Oftalmologia
Salão Nobre do HGSA – 1994
O Dr. Queiroz Marinho pertence à geração brilhante dos médicos que suportaram o
Hospital quando da grande sangria provocada, em 1959, pela saída da Faculdade de
Medicina do Porto para o novo Hospital S. João.
Já em Dezembro de 1993, a propósito da aposentação do Dr. Rocha Melo, afirmei que
esta geração assumiu a renovação e modernização do Hospital nos anos 60.
O Dr. Queiroz Marinho, que se formara em 1949 depois de um curso brilhante, iniciou
imediatamente a sua formação hospitalar em Oftalmologia, em cujo serviço do HGSA
foi estagiário de 1949 a 1953, tendo simultaneamente cumprido estágios em Patologia
e Terapêutica Médica, em Medicina Operatória e no Serviço de Urgência.
Em 1954 é admitido como médico extraordinário do Hospital, categoria em cujo
despacho de nomeação, a Mesa da Santa Casa da Misericórdia do Porto fazia questão
de afirmar que não lhe adviriam “quaisquer direitos ou regalias hospitalares, presentes
ou futuros”.
146
Entretanto, em 1954, presta provas de exames na Ordem dos Médicos e obtém o título
de especialista, assim como obtém as equivalências ao internato geral e complementar
de Oftalmologia.
Finalmente, em 1992, conquista o primeiro direito ou regalia, sendo contratado, ao
mesmo tempo q o Dr. Joaquim Torres.
Novo posto é atingido em 1962, desta vez como “assalariado eventual”, numa
deliberação da Mesa que além do Dr. Joaquim Torres incluía também nomes como os
de Eva Xavier, Rogério Ribeiro, Silva Araújo e o saudoso Manuel Canijo.
Em 1964 nova designação, desta vez de Auxiliar contratado, numa lista em que eu
próprio, jovem aprendiz de neurocirurgião, tive a honra de ser incluído, ao lado de
profissionais de nome feito e carreira consagrada como já era o caso do Dr. Queiroz
Marinho.
Após quase 15 anos destas vicissitudes, faz finalmente concurso para o primeiro grau
da então carreira médica da SCMP, o de 2º assistente, tendo sido classificado em 1º
lugar, tomando posse em 1964. Em 1970 faz concurso para Assistente e finalmente em
1971 é nomeado Director do Serviço após novo concurso e após 1980, com o
recomeço do ensino médico no HGSA, é obviamente nomeado professor de
Oftalmologia.
Este enumerar de degraus da carreira de um profissional, ainda entremeada por
estágios em Londres, Paris, Barcelona e Nova Iorque, serve para mostrar como, apesar
de tudo, era bem mais atribulada e difícil a carreira médica há 30-40 anos.
A obra do Dr. Queiroz Marinho foi-se construindo pela sua afirmação como cirurgião e
oftalmologista dos mais distintos, responsável pela introdução no norte, ou mesmo no
país, de múltiplas técnicas cirúrgicas.
No inicio dos anos 70 dirigiu a total remodelação do serviço, que passou a dispor de
instalações na altura consideradas quase luxuosas.
Tal remodelação, acompanhada de reequipamento e actualização tecnológica
constante que coloca o serviço de Oftalmologia ao nível mais elevado, só foi possível
graças ao dinamismo e entusiasmo do Dr. Queiroz Marinho, que soube abrir portas,
ultrapassar resistências, conseguir colaborações e apoios, quer na SCMP, quer na
Direcção Geral das Construções Hospitalares ou na Fundação Gulbenkian. Mas esses
apoios resultaram, essencialmente, do prestígio enorme como médico distintíssimo, e
como organizador e formador que o Director do Serviço de Oftalmologia do HGSA
tinha adquirido.
Num Hospital em progresso permanente desde os anos 60, com as diferentes
especialidades em diferenciação técnica e científica constantes, avultou sempre o peso
institucional do serviço de Oftalmologia que tem sido nestes anos considerado por
todos como um expoente da medicina portuguesa, o que foi reconhecido pelo
Ministério da Saúde que, por despacho de 17 de Março de 1994, lhe atribuiu a
Medalha de Prata de Serviços Distintos e pela Presidência da república que o
galardoou com o grau de Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública.
Da importância do seu contributo e da sua acção deu também conta no passado
Sábado a homenagem nacional que os seus discípulos e colegas oftalmologistas lhe
quiseram prestar e que muito honra o Hospital.
Ao prefazer 70 anos o Dr. Queiroz Marinho mantém integralmente as suas qualidades
técnicas, científicas e humanas, nas quais avulta uma energia indomável e é com
desgosto que vemos a lei obrigá-lo à aposentação, mas é também com confiança que o
147
HGSA encara o futuro, pois que lhe foi deixado um serviço prestigiado e actuante e
uma plêiade de discípulos que saberão continuar e engrandecer a obra do Mestre,
permitindo-me destacar o seu sucessor e companheiro de tantos anos, Dr. Joaquim
Torres.
Muito obrigado Dr. Queiroz Marinho.
6.3 3 Directoras de Serviço: Eva Xavier – Nefrologia; Helena
Cruz – Obstetrícia; Teresa Barrosa – Serviços Farmacêuticos
SALÃO NOBRE DO HGSA – 30 Maio de 1994
Encontramo-nos hoje aqui para, mais uma vez prestarmos homenagem a Directores de Serviço que abandonam
funções por aposentação.
Desta vez trata-se de homenagem simultânea a três Senhoras que honraram sobremaneira o hospital no exercício
das suas funções deixando marca indelével nos Serviços que dirigiram.
Num sistema hospitalar ainda largamente dominado pelo sexo masculino é com grande prazer que homenageamos
Mulheres que atingiram o mais alto grau da sua carreira profissional.
Comecemos pela Dra. Eva Xavier, de quem tive a honra de ser colega de curso, pois entramos ambos e também a
Dra. Helena Cruz, em 1950, para a Faculdade de Medicina do Porto.
Iniciou as suas funções no Hospital Geral de Santo António, ainda não abrira o Hospital de S. João, isto é em 01 de
Fevereiro de 1958 como interna geral. Completado o internato geral em 1959 iniciou em 1960 o internato
complementar de Medicina que completou em 1962.
Como internista que sempre foi, começou muito cedo a interessar-se pela Nefrologia.
Contratada como médica auxiliar com vencimento de 600$00, em 1962, passou a médica extraordinária em 1968.
Entretanto já em 1964 iniciou as primeiras diálises peritoneais em colaboração com o Dr. Serafim Guimarães e em
1968 fez-se a primeira hemodiálise, quando existia apenas um rim artificial.
Em 1971 completou a maratona que era o concurso de assistente de medicina interna, experiência pela qual
passamos três de nós, na mesma época, para a Neurocirurgia.
Sempre internista "doubleé" de nefrologista passa para o quadro do novo serviço em 1976 e em 1977 é nomeada
chefe de clínica e integra a primeira Comissão Nacional de Diálise e Transplantação, ao mesmo tempo que exerce
funções como deputada municipal no novo regime democrático que ensaiava os primeiros passos.
Em 1980, já Directora do Serviço de Nefrologia, é nomeada membro da Comissão Instaladora do Centro de
Histocompatibilidade do Norte e Regente da Cadeira de Medicina 2 da recém-criada licenciatura em Medicina do
ICBAS.
148
Entretanto vai fazendo sucessivas visitas, quase anuais, ao Hospital Necker, tendo ainda representado o Governo
Português no Conselho da Europa em Estrasburgo e acompanhado a então Ministra da Saúde a Paris à Conferência
Europeia dos Ministros da Saúde.
O Serviço de Nefrologia foi criado a partir do nada, a hemodiálise e a diálise peritoneal desenvolveram-se, o
transplante renal iniciou-se em 1983 e hoje o Serviço é altamente prestigiado, reúne um conjunto de médicos
altamente qualificado que irão continuar a obra de 30 anos da Dra. Eva Xavier.
O Hospital Geral de Santo António foi ao longo destes anos marcado pela força da sua personalidade, pela sua energia
indomável, pela sua liderança indiscutível, pela força da sua convicção no futuro da Medicina e da Nefrologia.
A Dra. Helena Cruz, membro do mesmo curso que entrou na Faculdade de medicina do Porto em 1950, foi também
interna geral do Hospital Geral de Santo António, depois de 4 anos de estágio na Maternidade de Júlio Diniz. Em
1964 completou o internato geral e iniciou o complementar de Obstetrícia deste Hospital.
Mantém-se como contratada de Obstetrícia e em 1971 presta provas de concurso para graduada.
Em 1977 atinge o grau de Chefe de Clínica e em Maio de 1990 sucede na Direcção do Serviço ao Dr. António Pereira.
A Dra. Helena Cruz foi uma excelente continuadora do Dr. António Pereira, conseguindo um excelente equilíbrio
nas relações humanas do Serviço ao mesmo tempo que deu um impulso notável no seu desenvolvimento e na
afirmação técnica e científica, que culminou com a edição da Revista de Medicina Maternofetal.
A sua acção como Directora do Serviço, embora de curta duração, não deixará de influenciar o
futuro como marcou o presente.
Finalmente a Dra. Teresa Barrosa, Directora dos Serviços Farmacêuticos foi a última a integrar-se no staff do
Hospital Geral de Santo António.
De facto só em 1987 foi admitida como Directora de Serviço, em Comissão de Serviço do Hospital de S. João onde
exercia funções desde 1958, ou seja desde a sua fundação tendo subido todos os degraus da carreira farmacêutica
até Técnica Superior de Saúde Assessora e chefe de divisão.
O Hospital Geral de santo António conseguiu assim uma técnica altamente qualificada e prestigiada na sua
profissão de farmacêutica hospitalar que muito marcou estes anos de profícua cooperação com os serviços de
acção médica, sempre pautada por grande qualidade técnica e riqueza humanas.
É com grande sensação de perda que vemos estas três grandes profissionais abandonar as suas funções, mas tenho
a certeza de que o seu exemplo e a obra deixada nos seus Serviços inspirará os seus continuadores.
149
6.4 Dr. Carlos Soares de Sousa – Director de Serviço de
Medicina 1
Salão Nobre do HGSA - Novembro de 1995
O Dr. Carlos Soares de Sousa, jovem de 60 anos, decidiu afastar-se das lides hospitalares e dar
lugar aos mais jovens.
A opção é obviamente respeitável mas importa dizer que, se tivesse decidido manter-se ao
serviço mais tempo, o Hospital teria ainda seguramente muito a beneficiar do seu trabalho e
da orientação que tem dado ao serviço que dirige.
O Dr. Soares de Sousa licenciou-se em 1963 com a classificação de 16 valores e iniciou o
internato geral do Hospital Geral de Santo António / Santa Casa da Misericórdia do Porto, que
foi o primeiro do Norte, em 17.Janeiro de 1966, que dava direito a remuneração, o que então
era raro, da ordem dos 700$00 por mês.
Terminou o internato geral em 1968, sendo aprovado no exame final que foi homologado pela
Mesa da Santa Casa da Misericórdia do Porto em 25 de Junho.
Logo a seguir em 23 de Julho de 1968 inicia o internato complementar de Medicina, ao mesmo
tempo que o Dr. Domingos Antunes de Azevedo, continuando uma carreira paralela que já
vinha do internato geral.
Conclui o internato em 1972 e é imediatamente contratado como médico eventual, situação em
que se mantinha em 1974, quando se verifica o 25 de Abril.
Na sequência da revolução, criam-se novos órgãos de gestão e direcção no Hospital Geral de
Santo António, constituindo-se a primeira direcção médica composta de 10 elementos, um dos
quais era o autor, que exercia as funções de secretário em ocupação de horário total, e à qual
pertenceu o nosso homenageado de hoje. Recordo agora também os restantes: Agostinho Pinto
de Andrade, Álvaro Guimarães, Benvindo Justiça, Fernando Mendo, Azevedo de Oliveira, Paulo
Mando, Mário Costa e Ruy Branco, aos quais se juntava o representante dos internos que era o
Jorge Ginja.
Cada um dos elementos da Direcção Médica era responsável por um pelouro e o Dr. Soares de
Sousa, foi encarregado da Comissão Cultural, sendo-lhe atribuída desde então a
responsabilidade pelo Boletim do Hospital e pela Biblioteca.
150
De tal forma se saiu bem dessas funções que ao longo destes 20 anos as manteve sempre sem
qualquer contestação das sucessivas direcções, que de forma tácita ou explícita o foram sempre
reconduzindo.
Entretanto, como profissional e internista foi frequentando alguns estágios, dedicando-se com
alguma predilecção à área de Reumatologia, nomeadamente através de vários cursos em
Barcelona. Foi também docente na Escola Ana Guedes, até que em 1975 faz finalmente
concurso para especialista do quadro de Medicina Interna, ficando classificado em primeiro
lugar.
Em 1981 é nomeado Chefe de Clínica, após concurso, e com o inicio do ensino médico no
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar / Hospital Geral de Santo António é contratado
como docente.
Em 1984, com a mudança de designações da carreira, passa a chefe de Serviço e em 1989, já
comigo de novo na Direcção Clínica é nomeado Director do Serviço de Medicina 1, sucedendo
ao Dr. Álvaro Guimarães que ascendera a Director de Departamento.
O Dr. Soares de Sousa cumpriu assim todos os degraus da carreira médica na qual foi
ascendendo por mérito próprio.
Mas, apesar dos degraus que foi subindo, nunca deixou a prática médica corrente, sempre
observou e acompanhou os doentes do Serviço, sendo de sublinhar que, mesmo quando
director de Serviço, nunca deixou de desempenhar o serviço de escala como internista do
Serviço de Urgência, às quartas-feiras, não tendo feito uso do benefício legal de dispensa
após os 50 anos.
Mas para além de intemista distinto o Dr. Soares de Sousa é também um homem de cultura e
quem o conhece e dele é amigo há mais de 30 anos, sabe das suas preocupações
humanísticas, do interesse que lhe merecem a literatura e as artes, interesse com que
sempre temperou a progressiva aridez do exercício da medicina, que corre o risco de se
transformar num exercício tecnocrático se não for integrado em ambiente cultural
adequado.
Por tudo isto, peia sua acção como médico hospitalar, director de serviço e responsável da
Biblioteca e do Boletim do Hospital, bem merece o reconhecimento dos seus colegas e da
Instituição.
151
Estou certo que, apesar da reforma, o Carlos Soares de Sousa não deixará de continuar a
ajudar o Hospital com a colaboração e aconselhamento justificados pelas anos de trabalho
nas áreas já referidas.
Para concluir, resta-me desejar-lhe as maiores felicidades na sua vida pessoal e profissional,
na certeza de que os 30 anos ao Serviço do Hospital serão sempre para ele uma recordação
reconfortante pelo sentido do dever cumprido.
6.5 Dr. Paulo Mendo – Director de Serviço de Neuroradiologia,
Director de Departamento de Imagem
Salão Nobre do HGSA – 20/05/1996
Mais uma vez a Direcção Clínica presta homenagem a um director de Serviço que deixa o
Hospital por motivos de aposentação.
Mas desta vez não é apenas um Director de Serviço mas também um profissional que
desempenhou as mais altas funções no Hospital como Director do Departamento de Imagem
e sobretudo como Director do Hospital durante mais de 6 anos, e que ainda serviu o Pais
como membro de quatro governos, em três deles como Secretário de Estado da Saúde e
finalmente como Ministro da Saúde durante 2 anos, continuando a sua intervenção política
actualmente como De pulado.
De facto o currículo do Dr. Paulo Mendo como homem, médico e político é muito rico e
marcado por constantes realizações, pela criação e desenvolvimento de novas áreas de
prestação ou organização de cuidados de saúde.
Licenciado em 1959, o Dr. Mendo ajudou a criar o Serviço de Neurologia do Hospital de S.
João, então dirigido pelo Prof. Emídio Ribeiro, experiência em que eu próprio participei a
partir do ano seguinte, 1960.
Em 1961 transferiu-se para o Hospital Geral de Santo António colaborando no desenvolvimento
acelerado de novas valências da área das neurociências, em particular de Neurocirurgia.
Começou aí, sob a batuta do nosso grande mestre e permanente figura tutelar que foi o Prof.
Corino de Andrade, a afirmação duma nova geração de médicos de que destaco o saudoso
152
Manuel Canijo, e ainda o Pinho e Costa, o Leão Ramos, o Castro Lopes, o Serafim Paranhos, o
Calheiros, eu próprio, que conjuntamente com os dois então assistentes do Dr. Corino, João
Resende e Rocha Meio, contribuíram para a construção do Departamento de Doenças
Neurológicas;
com
individualização
de
novas
especialidades
(Neuroradiologia,
Neurofisiologia, etc.).
A intervenção cívica que já vinha desde estudante e em que ambos fomos companheiros do
movimento associativo, o que nos custou passagem pelas prisões do Estado Novo,
continuámo-la como jovens recém-formados, no então emergente Movimento das Carreiras
Médicas, que tinha como expoentes no Porto, dois brilhantes membros da geração que nos
antecedeu 10 anos, Albino Aroso e Fernandes da Fonseca.
Em 1962, nas vésperas do Natal, o Paulo Mendo carrega a família, os livros, a máquina
fotográfica, o idealismo e a vontade de viver em liberdade e, no velho dois cavalos, atravessa
o planalto nevado de Castela, passa os Pirenéus, chega a Marselha e acaba por desembarcar
em Rabat.
Aqui, com o Leão Ramos e o nosso querido Vítor Blanc, desde há 30 anos em Montreal, funda
o primeiro Serviço de Neurocirurgia de Rabat, segundo de Marrocos, no então moderníssimo
e internacional Hospital Avicenne.
Com que entusiasmo ele me descrevia, na correspondência que constantemente trocamos, as
conquistas sucessivas, o trabalho na urgência, a primeira operação, a primeira angiografia, a
primeira fossa posterior que em Rabat eram efectuados.
Saíram dois anos depois e deixaram um serviço que antes não existia. Desde então o Paulo
Mendo ficou apaixonado por Marrocos que considera como que a sua segunda pátria.
A nossa amizade que vinha desde o liceu, no fim dos anos 40, já lá vão quase 50, (como o
tempo passa!) permitiu um encontro de 5 dias em Gibraltar no Natal de 63, em que eu e a
minha mulher fomos de Portugal e o Paulo, a Verónica, o Vitor Blanc e a Zita vieram de
Marrocos. Foram 5 dias a subir e descer Main Street, que Gibraltar pouco mais tem,
discutindo o futuro, as esperanças no futuro da medicina, das ciências neurológicas, do país,
no qual todos aspirávamos viver em liberdade.
Regressado a Portugal em 1964, reingressa no Serviço de Neurologia. Pouco depois a visão
larga do futuro que foi sempre característica do Dr. Corino, fê-lo antever que a
153
neuroradiologia, que todos íamos praticando como amadores, no velho serviço de Radiologia
com a colaboração amiga, serena e civilizada do saudoso Dr. Júlio Vasconcelos, iria ser uma
especialidade autónoma e seria preciso iniciá-la, criá-la. Foi o Paulo Mendo para Estrasburgo,
onde com Wackenheim se iniciou na especialidade, e pouco tempo depois, com um
craneógrafo Princeps, doado por uma organização caritativa alemã, fundou o primeiro Serviço
português de Neuroradiologia, sendo ele próprio o primeiro especialista, pouco tempo depois
ajudado por um jovem interno que é hoje o Director do Serviço, o Prof. Almeida Pinto.
Com que encanto e deslumbramento nós assistíamos às maravilhas anatómicas que foram as
primeiras P.E.G., os cortes sagitais da coluna cervical e da charneira occipito vertebral e à
revolução neurológica e clínica que tal permitiu. Entretanto o Paulo Mendo continuava a ser
um distinto neurologista e em 1971 fez concurso para Assistente (mais tarde designado de
Chefe de Clínica e depois Chefe de Serviço) de Neurologia, tomando posse em 01.Março.1971,
numa cerimónia no Salão. Nobre, presidida pelo Provedor Braga da Cruz e em que ele falou em
nome dos oito empossados e que agora recordo: ele próprio e o Castro Lopes de Neurologia,
eu, o Leão Ramos e o Serafim Paranhos de Neurocirurgia, o Benvindo Justiça, o Rogério
Ribeiro e a Dores Carrington.
O Departamento continua a desenvolver-se, a neuroradiologia, já com dois elementos no
Hospital Geral de Santo António, começava a surgir noutros Hospitais, com Cruz Maurício e
Eduardo Medina em Lisboa, Faria Pais em Coimbra, e depois Sousa Fernandes, Joaquim Cruz e
muitos outros.
Quando foi criado o Serviço de Neuroradiologia é claro que o seu director só podia ser o seu
fundador e assim sucedeu.
Desde muito cedo a equipe constituída por Paulo Mendo e Almeida Pinto soube criar espaço,
convivialidade, relacionamento humano e profissional, qualidade técnica e científica que
fizeram com que o serviço passasse a ser o Centro nevrálgico do Departamento.
Discussões intermináveis em que a verve e o sentido crítico do Dr. Corino e a competência
técnica e ponderação do Mendo marcavam o ritmo, sucediam-se nas reuniões semanais e nas
pausas à hora do café, pois sempre se trabalhou naquele Departamento em tempo total, isto
é, de manhã e de tarde, numa época em que tal era pouco comum.
154
Em 1971 é mobilizado para Angola e como neurologista desempenha importante papel em
Luanda, introduzindo a neuroradiologia, pela 1a vez na África Portuguesa de então, o que
permitiu que se desenvolvesse a neurocirurgia e ainda recordo o entusiasmo com que me
escreveu a comunicar que o meu malogrado colega neurocirurgião Rui de Lemos operara o
primeiro Tumor da fossa posterior em Luanda, que havia sido diagnosticado por meios
neuroradiológicos.
Chega entretanto o 25 de Abril e na primeira Direcção Médica eleita no Hospital Geral de
Santo António ambos participamos.
Em 1976 no primeiro governo constitucional, sendo ministro dos Assuntos Sociais o Dr.
Armando Bacelar, ocupa o cargo de Secretário de Estado da Saúde, sucedendo no lugar ao Dr.
Albino Aroso que exerceu as mesmas funções no último governo provisório.
Da sua acção muito se ficou a dever na reforma do sistema de saúde e na organização das
carreiras profissionais e de gestão dos hospitais. Quanto ao Hospital deve destacar-se a sua
acção decisiva no desencadear do processo de programação da remodelação do Hospital,
acelerado pelo incêndio de Dezembro de 76.
Também durante esse mandato foi constituída a Liga dos Amigos do Hospital Geral de Santo
António em cuja génese foi determinante, além do dinamismo do seu primeiro e actual
presidente, Dr. Luís Roseira, o apoio do Secretário de Estado, que por isso mesmo foi e é o
Sócio nº 1.
Em 1981, no governo do Dr. Balsemão volta o Dr. Paulo Mendo a ocupar o cargo de Secretário
de Estado da Saúde tendo como Ministro dos Assuntos Sociais primeiro o Dr. Carlos Macedo e
depois o Dr. Luís Barbosa.
Regressado em 83 ao Hospital Geral de Santo António retoma o lugar de Director do Serviço e
entretanto é criado o Departamento de Imagem de que é o primeiro director, tendo sido
também o primeiro médico do Hospital a requerer o regime de dedicação exclusiva.
Em 1987 é eleito director do Hospital Geral de Santo António e em 1988, com a publicação da
nova lei de gestão é reconduzido como presidente do Conselho de Administração, no qual eu
próprio fui integrado nas funções de Director Clínico.
155
Da sua acção como governante, ministro e deputado resultaram inúmeras iniciativas,
legislativas e outras, que contribuíram para modificar radicalmente o panorama do
sistema de saúde português que ainda hoje perduram, na maior parte, quase sem
alteração. Por tudo isto, o Dr. Paulo Mendo deve ser considerado como uma das
figuras mais marcantes do HGSA, no contexto geral da evolução no sentido moderno e
progressivo dos sistemas de saúde portugueses.
É por estes motivos que o acto da sua jubilação muito honra o Hospital e nos obriga a
seguir o exemplo da sua vida, dizendo-lhe: Muito obrigado, Dr. Paulo Mendo.
6.6 Dr. Aníbal Mascarenhas Saraiva – Director de Serviço de
Gastroenterologia
Salão Nobre do HGSA – Outubro de 1996
Na geração dos médicos que nos anos 60 e 70 ajudaram a desenvolver o Hospital Geral
de Santo António, contrariando o esvaziamento a que, em 1959, a saída da Faculdade
de Medicina para o novo Hospital de S. João o condenara, avulta o nome do Dr.
Amílcar Mascarenhas Saraiva.
O Hospital Geral de Santo António afirmou-se nos anos 60 e 70 sobretudo pela criação
de novos serviços e especialidades, alguns dos quais foram os primeiros do Norte ou
mesmo do Pais.
Também o Serviço de Gastrenterologia nasceu e se desenvolveu até ao que é hoje,
sempre dirigido pelo Dr. Mascarenhas Saraiva que assim muito legitimamente deverá
alinhar na galeria dos fundadores de serviços, ao lado de nomes como Corino de
Andrade, Pereira Guedes, Albino Aroso, Guimarães e Sousa, Caetano Pereira e Moreira
da Costa, Ignácio de Salcedo, Rogério Ribeiro, Paulo Mendo, etc.
O Dr. Mascarenhas Saraiva fez toda a sua carreira médica no Hospital Geral de Santo
António onde foi admitido em 1955 como interno do Internato Geral. Em 1958 foi um
dos primeiros internos complementares do Hospital, em 1962 foi nomeado médico
extraordinário da então Secção de Gastrenterologia do Serviço de Cirurgia 2, passando
em 1966 a médico auxiliar.
Com o inicio da Carreira Médica Nacional é nomeado especialista de Gastrenterologia
em 1973, Chefe de Clínica em 1977, designação que a partir de 1982 passa a Chefe de
Serviço.
Em 1986 é criado o Serviço de Gastrenterologia, por separação da "secção do Serviço
de Cirurgia 2", assumindo a especialidade o seu carácter médico com componente
cirúrgico na área de coloproctologia.
Em termos de instalações o Serviço tem como base o então criado Centro de
Endoscopia Digestiva e o primeiro director de ambos, Serviço e Centro, foi
naturalmente o Dr. Mascarenhas Saraiva, por quem foram introduzidos no Hospital
Geral de Santo António as então emergentes técnicas de endoscopia digestiva.
Começou sozinho com dois colaboradores, o Dr. Gabor Gencsi e o Dr. Manuel Pinho,
mas o trabalho realizado e persistente afirma cada vez mais o Serviço que se
transforma numa escola de quadros, formando grande número de especialistas, que
156
hoje preenchem o quadro do Hospital e estão espalhados por vários outros em alguns
dos quais foram por sua vez fundar novos serviços.
O Serviço evoluiu, passou a dispor de internamento e de consulta externa
diferenciada, sendo integrado no Departamento de Medicina, embora com completa
autonomia, mantendo sempre como característica distintiva fundamental o seu
carácter instrumental, com grande diversificação de técnicas endoscópicas
diagnosticas e terapêuticas.
Nos últimos anos criou-se o primeiro laboratório de motilidade digestiva, como área
de alta diferenciação do serviço, em cuja génese teve papel essencial um dos
elementos da nova geração de gastrenterologistas formados no Serviço, o Dr. Miguel
Mascarenhas Saraiva, que assim faz jus à herança genética de criador de áreas de
trabalho assistencial e de investigação.
Esta herança genética tem também expressão, embora paralelamente ao Hospital, na
pessoa da Doutora Maria João Mascarenhas Saraiva, universitária e investigadora de
projecção internacional, que no ICBAS e fora dele, e em particular pelo seu trabalho de
investigação na PAF, é credora da admiração de todos nós.
Em 1980 é reintroduzido o ensino médico no Hospital Geral de Santo António e no
curriculum de licenciatura em Medicina a disciplina de Gastrenterologia não podia
deixar de ser da responsabilidade do Dr. Mascarenhas Saraiva que foi desde início o
seu regente.
Médico, professor, formador e orientador de uma plêiade de distintos profissionais de
Gastrenterologia, ao atingir a jubilação após 40 anos ao serviço do Hospital, o Dr.
Mascarenhas Saraiva deixa uma obra feita, um serviço prestigiado no país e fora dele e
sobretudo um grupo de continuadores que lhe darão seguramente a tranquilidade de
saber que a obra será continuada e progredirá.
Como director do Hospital e como director clínico ao longo dos últimos 8 anos, tive
oportunidade de ser testemunha não só das brilhantes qualidades profissionais do Dr.
Mascarenhas Saraiva, como também das suas grandes qualidades humanas em que se
destacam a bonomia, a serenidade, o bom senso, a inteligência reflectida., a
capacidade de diálogo, que fazem com que ele tenha em mim, como pessoa e como
profissional, não só um admirador mas também um amigo.
6.7 Dr. Mário Caetano Pereira – Director de Serviço de Cirurgia
Vascular, Director de Departamento de Transplante de Órgãos
Salão Nobre do HGSA - 12/10/02
(Publicada em "Arquivos do HGSA - vol.6, nº4, pág. 105, Setembro/Dezembro de 2002)
Quando o Doutor Alexandre Moreira me propôs que redigisse um texto sobre a figura
do Dr. Mário Caetano Pereira a tornar público na homenagem com que o seu serviço e
o Hospital querem sublinhar a data da sua jubilação, não pude deixar de me sentir
honrado.
De facto sou companheiro de geração e amigo desde há mais de 30 anos do Dr. Mário
Pereira e assim talvez me encontre bem situado para poder testemunhar sobre a
157
dimensão profissional e humana com que ele marcou o Hospital e os Serviços de Saúde
durante este longo período.
A geração a que ambos pertencemos, pela minha parte com grande orgulho, marcou o
Hospital durante o último quarto do século XX, bastando lembrar que quatro
Directores sucessivos do Hospital, os Drs. Pinto de Andrade, Mário Pereira, Paulo
Mendo e eu próprio iniciamos todos a vida profissional no início dos anos 60.
Para além de pertença comum a uma geração que absorveu a cultura centenária de
serviço público que marcou e marca ainda a Instituição Hospital de Santo António
como criação da sociedade civil portuense através da Santa Casa da Misericórdia do
Porto, criaram-se entre nós ao longo do tempo relações de amizade pessoal que se
foram sempre fortalecendo ao longo destes já quase 40 anos.
É portanto em nome duma velha amizade e dos valores que informaram a nossa
geração que neste momento participo na justa homenagem motivada pela
inexorabilidade do limite legal do exercício de funções públicas.
À partida nada faria supor que eu próprio e o Dr. Mário Pereira fundamentássemos
uma sólida amizade em valores comuns pois a nossa formação intelectual e mesmo
social era totalmente distinta.
De facto, a minha vivência de juventude rebelde e contestatária dos valores
estabelecidos que me custou 3 anos escolares perdidos por prisões e serviço militar
em unidade disciplinar, nos tempos do antigo regime, e o meu posicionamento
ideológico de matriz agnóstica, pareceriam suficientes para chocar com a sua prática
católica intensa e uma formação de pendor conservador.
Na realidade os valores de tolerância, solidariedade e sentido de serviço foram
suficientes para solidificar uma amizade e um trabalho de equipa que nunca
esmoreceram.
O Dr. Mário Caetano é um profissional de corpo inteiro que dedicou toda a sua vida ao
Hospital e ao serviço da saúde dos portugueses, sempre com uma profunda
preocupação de rigor técnico e científico e constante ponderação dos valores éticos e
deontológicos que devem informar toda a prática médica.
É talvez essa constante preocupação de associar o rigor e a determinação na prática
hospitalar com a sua dimensão ética e humana que melhor caracterizam a sua vida
como médico e como líder de equipas.
O Dr. Mário Pereira fez toda a sua carreira hospitalar no HGSA, onde frequentou o ciclo
clínico da licenciatura de então da FMP. De facto, licenciou-se em 31/7/59, precisamente
em vésperas da inauguração do novo Hospital de São João.
Imediatamente concorreu ao Internato Geral do HGSA, nesse tempo a dar os primeiros
passos nesta casa e logo no fim do 1º ano foi notado pela figura de referência na
158
Cirurgia do HGSA nos anos 60 e 70, Dr. Adriano Serrano Júnior, que escreveu a
seguinte informação sobre o seu estágio:
“ Elemento de grande valor profissional e moral, que deve ser acarinhado neste
Hospital “…“ É um elemento excepcional “.
Na informação final do Internato, classificado com Muito Bom (11/5/61) fazia-se
referência a um “ comportamento moral e deontológico inexcedível “.
Logo depois concorre ao Internato Complementar de Cirurgia lugar de que toma posse
no dia do Santo Padroeiro da casa, em 12/6/61, mas as circunstâncias políticas da
época fizeram que, pouco mais de 2 semanas passadas, tivesse sido mobilizado para a
guerra colonial em Angola.
Regressado em fins de 1963, retoma o Internato de Cirurgia que conclui em 1966 com
a apresentação duma monografia final sobre “ Paragem cardíaca “, problema que ao
tempo, era fonte de grandes preocupações para cirurgiões e anestesistas.
Aprovado com 18,5 valores (homologação em sessão de Mesa da SCMP de 31/10/66) é
ainda antes convidado pelo Prof. Joaquim Bastos, Director do Serviço de Propedêutica
Cirúrgica do jovem Hospital de São João, para ocupar o lugar de Auxiliar de Clínica,
funções que desempenhou até Abril de 1967.
Mas o Dr. Adriano Serrano não se conformou em perder tão promissor colaborador e
convenceu-o a aceitar a proposta que fizera à SCMP de contrato como médico
extraordinário do Serviço de Cirurgia 1.
Regressou assim, em 1967, ao “seu” Hospital de Santo António. Que me seja permitido
aqui referir alguma semelhança com o meu próprio percurso. De facto, também eu,
após licenciatura em 31/7/60 (exactamente 1 ano depois do nosso homenageado) fui
contratado como médico do Serviço de Neurologia do Hospital de São João de que era
Director o Prof. Emídio Ribeiro, para também em 1/3/63 me transferir para o HGSA
atraído pela mística do Hospital e sobretudo pela personalidade e Escola do Dr. Corino
de Andrade.
Ao mesmo tempo que foi desenvolvendo as suas capacidades como cirurgião geral, e
estabelecendo desde início uma parceria com um discípulo mais velho do Dr. Serrano,
que era o saudoso Joaquim Moreira da Costa, começou a colaborar com o então
Serviço de Cardiologia Cirúrgica de que era Director o Dr. Manuel Gomes de Almeida,
executando arteriografias dos membros e cirurgia vascular (arterial e venosa)
periférica.
Estavam assim dados os primeiros passos do futuro Serviço de Cirurgia Vascular, de
que hoje o HGSA se orgulha.
159
O seu interesse pela Cirurgia Vascular e por Barcelona, consolidou-se com um primeiro
“ Curso Prático de Cirurgia Vascular “ que em Maio de 1971 lá frequentou. Entretanto
desde 1970 que exercia funções docentes na Escola de Enfermagem Ana Guedes.
Em 1971, sendo Director Clínico o Dr. Joaquim Pereira Guedes, iniciamos ambos,
simultaneamente, funções nos órgãos de Direcção do HGSA, ele como adjunto do
Director do Internato e eu do Director do Serviço de Urgência.
Ainda em 1971, após a publicação em 1968 do Estatuto Hospitalar e a integração do
HGSA na rede dos Hospitais públicos, faz concurso para a categoria de graduado, do
quadro médico hospitalar, tomando posse em 1/7/71.
Em 1973, sendo Director Clínico o Doutor Ignácio de Salcedo, eu próprio fui nomeado
seu adjunto e o Dr. Mário Pereira foi substituir-me no lugar de adjunto do Director do
Serviço de Urgência, na altura outro saudoso médico do Serviço de Cirurgia 1, o Dr.
Azevedo de Oliveira.
Entretanto é criada e oficializada a Secção de Cirurgia Vascular do Departamento de
Cirurgia com 2 especialistas (Drs. Joaquim Moreira da Costa e Mário Pereira).
Foi com grande satisfação que, pessoalmente, acompanhei o crescimento de Secção e
depois Serviço de Cirurgia Vascular, uma vez que exerci funções de Direcção Clínica,
primeiro como adjunto entre Janeiro de 1973 e o 25 de Abril e depois como
responsável da Direcção Clínica, até 1976.
A nossa colaboração continua em 1977 no Grupo por mim coordenado e que preparou
o Plano de Remodelação e Ampliação do HGSA que se concretizou só nos anos 90.
Entretanto o Dr. Mário Pereira frequentou estágios em Londres no St. Mary’s Hospital
(Prof. Eastcott e Nicolaides), ao mesmo tempo que em Maio de 1977 fazia concurso
para Chefe de Clínica de Cirurgia Vascular.
O então já Serviço de Cirurgia Vascular era nesse período de juventude objecto de uma
original experiência de Direcção rotativa, anual, entre os seus 2 fundadores, Joaquim
Moreira da Costa e Mário Pereira.
Em 1982 é nomeado Director do Departamento de Cirurgia, depois de em 1980 ter
sido nomeado regente da disciplina de Cirurgia II da licenciatura ICBAS/HGSA.
Em 1983 desenvolve o interesse que há anos vinha a manifestar pelo Transplante
Renal, tendo feito em 1982 novo estágio no ST Mary’s agora na “ Academic Surgical
Unit “, e solicitando ao Director Clínico de então (Dr. Castro Lopes) autorização para se
entrevistar em Lisboa com o Dr. João Pena, com vista a iniciar o programa de
transplante renal do HGSA.
160
Nova visita ao St. Mary’s, desta vez à Unidade de Transplante Renal e em Dezembro
frequenta com Alexandre Moreira e Morais Sarmento, um Curso Internacional de
Transplante Renal em Barcelona.
O projecto, nascido da colaboração entre os Serviços de Cirurgia Vascular e de
Nefrologia (então dirigido por Eva Xavier) concretizou-se pelo início em 7/7/83 do
programa do Transplante Renal, que não mais parou.
O seu prestígio consolidou-se no Hospital e em 1984 é eleito Director do HGSA, lugar
de que tomou posse em 20/5/84 e que exerce, com grande sentido de equilíbrio até
15/6/87, data em que lhe sucedeu outro distinto elemento da mesma geração, já
anteriormente, e futuramente também, membro do Governo, o Dr. Paulo Mendo.
Foi durante o seu mandato que se iniciou a construção do Pavilhão de Consultas
Externas no Ex-Cicap, autorizado por despacho do Ministro Gonelha, e que permitiu
desafogar o Hospital durante alguns anos.
Entretanto vai desenvolvendo o seu plano de alargamento da prática de transplantes a
outros orgãos, em particular fígado e pâncreas.
Metodicamente vai estruturando equipas, seleccionando colaboradores, ensaiando
esquemas organizacionais. O seu prestígio já era suficiente para que a então Ministra
Leonor Beleza o tivesse convidado a integrar a delegação portuguesa à Conferência de
Ministros da Saúde do Conselho da Europa (Nov. 87) sobre “Transplantação de
Órgãos”.
Em 1988 visita a Unidade de Transplantação hepática do King’s College Hospital, em
Londres (Prof. Pwick) e as Unidades de Transplantação de Órgãos de Lyon (Prof.
Dubernard) e de Cambridge (Prof. Roy Colue).
O Conselho de Administração presidido pelo Dr. Paulo Mendo e no qual eu
desempenhava funções de Director Clínico, compreendeu e apoiou fortemente a
aposta do Dr. Mário Pereira de lançar um programa de transplantação hepática no
HGSA, que se considerava possuir condições culturais, organizacionais e técnicas,
ideais para tal.
Entretanto o Dr. Mário Pereira é nomeado em 18/9/89 primeiro Director do
Departamento de Transplantação de Órgãos e em 22/8/90 requer o regime de
dedicação exclusiva.
Após visita ao Serviço do Prof. Laureano Fernandez Cruz, do Hospital Clínico de
Barcelona é tomada a decisão de utiliza-lo como referência e centro de formação de
equipa pluridisciplinar que vai ter de ser paulatinamente constituída.
Em 2/2/93, por despacho do Director do HGSA, Paulo Mendo, é criado o Grupo de
Trabalho para transplantação hepática que nos seus 12 membros integrava já o Dr.
161
Vitor Ribeiro que pouco tempo antes regressara de anos de estágios no Canadá e em
Birmingham, onde adquiriu sólida formação nessa área.
O Coordenador não poderia deixar de ser o Dr. Mário Pereira.
Durante 2 anos, toda a equipa, cirurgiões, médicos, patologistas, enfermeiros,
técnicos, fez estágios em Barcelona e em 27/5/95 realizou-se finalmente o primeiro
transplante hepático, tendo eu tido a honra e grande satisfação de exercer nessa data
as funções de Director do HGSA.
Os programas entraram em velocidade de cruzeiro, em 2000 iniciou-se a
transplantação pancreática e hoje o Departamento de Transplantação de Órgãos é
talvez o mais prestigiado do Hospital e um dos mais produtivos e respeitados no país e
no estrangeiro.
Para culminar uma vida de dedicação a esta área médica tem o Dr. Mário Pereira vindo
a exercer o cargo de Coordenador Nacional de Transplantação, para o qual foi
nomeado pelo Ministro Paulo Mendo em 27/6/95 e que tem continuado a exercer com
os quatro Ministros que lhe sucederam, o que é prova suficiente da sua competência,
isenção e rigor. Nessa qualidade acompanhou a Ministra Maria de Belém em reuniões
internacionais em Madrid e Strasbourg em 1996.
As suas preocupações éticas e deontológicas, desde muito cedo evidenciadas, fizeram
dele um membro nato da Comissão de Ética Médica criada em 1987 pelo Director
Clínico Dr. Castro Lopes e depois da Comissão de Ética para a Saúde do HGSA, criada
por diploma legal em 1992. Foi ainda Presidente da C.N.E.D.M. da Ordem dos Médicos,
devendo ser sublinhada a coragem que manifestou ao afirmar, em circunstâncias
polémicas, o primado da ética sobre interesses profissionais ou corporativos.
A consagração pública de uma longa vida de trabalho e dedicação verificou-se em 1997
pela atribuição pela Ministra Maria de Belém da Medalha de Ouro de Serviços
Distintos do Ministério da Saúde.
É portanto este Homem, com esta brilhante carreira, que hoje aqui homenageamos
como um dos que marcaram a História do HGSA na 2ª metade do século XX, ao lado de
figuras cimeiras como Braga da Cruz e Corino de Andrade, Serrano Júnior e Pereira
Guedes, Albino Aroso e Paulo Mendo.
Fundou um serviço e uma especialidade, construiu e organizou metodicamente
equipas, lançou programas de importância europeia, como os de transplantação renal
e hepática, exerceu outros cargos, como Director do Hospital e Coordenador Nacional
de Transplantação, foi professor catedrático convidado do ICBAS, viveu intensamente
ao longo de mais de 35 anos a afirmação do HGSA como Hospital Central e
Universitário.
Não foi através de comportamentos autoritários que a sua personalidade se afirmou,
mas antes pela prática constante da tolerância e do exemplo, servidos por uma
honestidade e preocupações éticas indiscutíveis.
162
Por tudo isto o Hospital, a Medicina Portuguesa e em particular o fundamental campo
aberto ao progresso e novos desafios, que é o da transplantação de órgãos, mantém
uma divida de gratidão ao Dr. Mário Pereira.
Eu e os seus inúmeros amigos continuaremos a esperar que o exemplo de Homem e
de profissional dado pelo Dr. Mário Pereira possa continuar a inspirar gerações mais
jovens que terão o encargo de não deixar cair as coordenadas culturais que têm
informado a geração que tão brilhantemente é hoje por ele aqui representada.
Muito obrigado Dr. Mário Pereira.
6.8 Dr. Rui Branco – Director de Serviço de Cirurgia e Director
de Departamento de Cirurgia
Homenagem prestada na abertura das XXV Jornadas Portuguesas de Cirurgia, em Abril
de 2007
Conheci o Dr. Rui Branco praticamente apenas em 1959, quando ambos
frequentávamos o período de estágio em Cirurgia, no ano suplementar aos 6 do curso,
o “Ano de estágio” que, com a defesa de tese no final, conferia o título de licenciado.
O estágio processava-se no Serviço de Propedêutica Cirúrgica, de que era Director o
saudoso Mestre Joaquim Bastos.
Eu, que era três anos mais velho, tinha feito os primeiros três anos do curso, entre
1950 e 1953, o meu primeiro Curso, aos quais se seguiu um período conturbado da
minha vida que me fez perder 3 anos escolares, passando episodicamente pelos
colegas dos 2 cursos intermédios, acabando por fazer o 6º ano e o Estágio com o Curso
de 1953 (o meu último Curso) tendo defendido tese em 1960.
No grupo de estagiários de Propedêutica destacava-se um, que vinha aureolado com
fama de aluno distinto, mas que era um pouco a negação do “urso”, Alegre, jovial,
sempre disposto a entrar em discussões controvérsias, bem preparado teoricamente e
desde sempre, penso, com uma enorme vontade de ser cirurgião. Era o Rui Branco.
Destacava-se já nessa altura por qualidades (e talvez alguns defeitos!) que o
caracterizaram durante toda a carreira, de que era de destacar a grande capacidade de
trabalho, a entrega total ao exercício da profissão, o grande entusiasmo com que se
metia nas mais diversas organizações, a dedicação aos doentes, ao Hospital e mesmo
aos alunos, apesar das diatribes com que, nos gabinetes dos responsáveis
institucionais, por vezes os mimoseava.
Mas comecemos por fazer um sintético bosquejo da sua carreira profissional e
académica, enquanto médico do HGSA, e mesmo para além dessa actividade que foi
sem dúvida, o essencial na sua vida profissional.
O Dr. Rui Gomes da Fonseca Branco nasceu em Vila Real em 24/11/1936, numa cidade
rica de tradições e que viu nascer também outros brilhantes cultores da Medicina, de
alguns dos quais tive a honra de ser amigo e colega. Refiro-me, por exemplo, a Nuno
Grande, a Sílvio Guedes de Azevedo, a Eurico de Figueiredo.
163
Rui Branco concluídos os estudos secundários, ingressou na Faculdade de Medicina do
Porto onde, como já disse atrás, se afirmou como aluno brilhante, galardoado ao longo
do curso com vários prémios escolares, de que destaco: “Roentgen-Curie” (Radiologia),
Prof. Lopes Martins (Higiene e Medicina Social), “Tito Fontes” (Patologia Médica), Prof.
Rodrigues Pinto (Higiene e Medicina Legal), D. Idalina Almeida (Clínica Médica), Júlio
Siza Vieira (Clínicas). Nas cadeiras de Clínica Cirúrgica e Clínica Médica foi classificado
respectivamente com 19 e 17 valores, concluindo a licenciatura com a nota final de 17
valores. Depois de se ter habilitado com os cursos livres de Medicina Tropical e
Medicina Sanitária, iniciou a sua experiência académica na FMP, na altura acabada de
se instalar no H.S. João, em condições que para a nossa geração, a última formada no
velho HGSA, eram mais que luxuosas.
Assim, em 6/12/1961, poucos meses após a licenciatura, é contratado como 2º
assistente de Propedêutica Cirúrgica (Prof. Joaquim Bastos), em acumulação com o
contrato como médico eventual do H.S. João, lugar de que pede dispensa em 7/1/63.
Reparo agora na proximidade das datas em que eu próprio também no H.S. João.
De facto fui contratado como “eventual” do recém-criado (na FMP/HSJ) Serviço de
Neurologia, em Dezembro de 1961, embora em disciplina da área médica, e também
pedi dispensa em 1/F02/1963, para ingressar no Serviço do Dr. Corino de Andrade.
Rui Branco, todavia, mantém-se no Serviço de Propedêutica até ao termo do contrato
em 30/9/63. Em 13/12/63 volta à FM sendo contratado como 2º Assistente da cadeira
de Pneumotisiologia (Prof. Esteves Pinto), exercendo o lugar até 10/11/65. Daí
resultou, sem dúvida, o seu interesse e conhecimento sobre Patologia toráxica, com
que se destacaria mais tarde no HGSA.
Por essa altura deveria ter decidido dedicar-se de vez à Cirurgia Geral, e por isso foi
frequentar o Internato do HGSA, único existente no País além do dos HCL.
A admissão ao Internato Geral (IG) obrigava a concurso, creio que documental. Rui
Branco é admitido, tendo ficado em 2º lugar, apenas atrás do Dr. Manuel Rodrigues
Gomes.
Em 21/1/66 faz exame final do IG, sendo classificado com 20 valores. Continuava a
destacar-se pelas provas de exame, mas também já pela prática cirúrgica, pois nesses
anos (dos quais 3 passados com o Prof. Bastos), adquiriu, de certeza, uma valorização
de que poucos dos seus colegas poderiam ter beneficiado.
No próximo concurso para o Internato Complementar (IC) do HGSA entrou para o 1º
ano do IC de Cirurgia, passa para o 2º ano, com classificação de Muito Bom, mas já não
o inicia, por ter sido mobilizado para a Guerra Colonial, tendo cumprido uma Comissão
de Serviços na Guiné, de 21/7/67 a 31/8/69.
Desmobilizado, retoma o IC no HGSA, terminando em 3/12/69, com a habitual
classificação máxima, neste caso “Muito Bom, com distinção e louvor”.
Mantém-se no Hospital como contratado, até que a publicação do Estatuto Hospitalar
em 1968, e dos decretos definidores das carreiras nacionais, em 1971, obrigaram a
SCMP a integrar os seus médicos nas novas carreiras. O Rui concorreu a graduado de
Cirurgia, ficou em 2º lugar, com 18 valores, entrando assim para o quadro do HGSA,
sendo colocado no Serviço 2 (Director: Dr. Aníbal Lemos Pereira). Em 1977, faz o
concurso final da carreira hospitalar, na altura designado como de Chefe de Clínica,
mais tarde mudando a designação para Chefe de Serviço.
Foi também nos anos 70 que o Dr. Rui Branco, entendeu que devia procurar no
estrangeiro a aquisição de conhecimentos e práticas nas áreas de ponta na
164
especialidade. Foi assim que estagiou na área do intensivismo em serviços de
Estocolmo e Londres (Hammersmith Hospital). Provavelmente desenvolveu aí os
conhecimentos que o fizeram interessar pelos problemas da alimentação parentérica
total em doentes com ressecção completa do intestino, que permitiram o trabalho
pioneiro que com a sua colaboradora Dr.ª Anabela Rocha, desenvolveu nos anos 90 e
que eu na qualidade de Director Clínico apoiei e acompanhei de muito perto.
A sua formação cirúrgica foi também complementada pelo estágio que fez em
Barcelona no serviço do Prof. Puig de la Calle.
No dealbar dos anos 80, com pouco mais de 40 anos, era já considerado um dos mais
cultos e qualificados cirurgiões do HGSA, na esteira de nomes como Serrano Júnior,
Araújo Teixeira, Teixeira Bastos, Júlio Franchini e outros mais antigos que deram
conteúdo à tradição cirúrgica do nosso velho Hospital.
Em 1/3/84 é nomeado chefe de equipa do SU, ficando a fazer as escalas de 5ª feira,
função que desempenhou durante 12 anos, sendo substituído pelo ortopedista J.
Seabra Lopes.
Mas para além da prática cirúrgica, o Dr. Rui Branco era um médico hospitalar por
excelência, tendo desempenhado em diferentes épocas funções pedagógicas ou de
direcção e gestão.
Em 1983, a Direcção Clínica presidida pelo Dr. Castro Lopes, tendo que decidir a
distribuição da área das Cirurgias, (recentemente remodelada na sequência do
incêndio que quase destruiu a ala norte, em Dezembro de 1976), em dois pisos com
área igual, optou por distribuir a Cirurgia Geral por 4 unidades iguais, 2 em cada piso,
pelo que foi necessário criar um Serviço 4, tendo sido a sua direcção entregue ao Rui
Branco.
Entretanto surgiu o 25 de Abril que permitiu novas condições para o desenvolvimento
do HGSA, sobretudo a partir da Criação do ICBAS em 1976.
O Dr. Rui Branco que integrara vários grupos de trabalho no Hospital, nos anos de
mudança, integrou a Direcção Clínica do Dr. Gameiro dos Santos, (1978-1980) na qual
era responsável pela Comissão de Ensino Pré-graduado. Nessa qualidade fez parte em
1979, da Comissão que seleccionou os docentes do Ciclo Clínico da licenciatura, cujos
primeiros alunos chegaram em 1980 (4º ano), tendo sido talvez o mais dinâmico dos
seus membros. Os regentes e restantes docentes foram seleccionados e validados pelo
Conselho de Gerência, de forma pacífica, se descontar alguma contestação em duas
disciplinas, vencida sem grandes problemas.
O Dr. Rui Branco desempenhou um papel importante nesta fase do lançamento do
Ensino Pré-graduado no HGSA, tendo sido ele próprio encarregado da regência de
Propedêutica Cirúrgica no 4º ano, no que foi substituído pelo saudoso Hernâni Vilaça,
quando em 1982 foi reger a cadeira de Clínica Cirúrgica, no 6º ano, lugar em que se
manteve enquanto docente.
Em 1988 eu próprio fui nomeado Director Clínico no Conselho de Administração
presidido pelo Dr. Paulo Mendo.
Nessa altura já nas áreas da Cirurgia Geral e da Medicina Interna se vinha a iniciar uma
politica de convergência dos serviços, pelo que a opção estratégica da nova
Administração, de desenvolver uma estrutura departamental dos serviços clínicos de
modo a facilitar a especialização e a concentração de experiência, tinha terreno fértil.
Na primeira reunião que tive com os médicos dos serviços de Cirurgia Geral, tornou-se
165
evidente a dispersão de experiência que se traduzia por resultados finais
insatisfatórios.
Foi nessa altura que o Dr. Rui Branco se bateu por aquilo que se chamou a sectorização
do departamento, em cuja construção foi o melhor e mais entusiasta colaborador da
Administração. O Director do Departamento de Cirurgia era então o Dr. Azevedo de
Oliveira. Com a sua aposentação em 1990, foi reformulada a organização, e o Dr. Rui
Branco foi nomeado Director, ao mesmo tempo que se extinguiu o serviço de Cirurgia
4. A sectorização prosseguia sob a orientação firme do Dr. Rui Branco, que na
distribuição de tarefas, se incluiu a si próprio no grupo ou sector da patologia
colorectal. Como docente de Clínica Cirúrgica foi sempre dos mais activos
intervenientes nas discussões sobre reforma do ensino, tendo pertencido
praticamente a todas as comissões ou grupos de trabalho criados para o efeito.
Uma das suas mais constantes preocupações foi a realização de acções de formação,
as reuniões e debates clínicos, de que se destaca a organização anual, sem falha, das
Jornadas Portuguesas de Cirurgia, criadas na sequência das “Actualizações Cirúrgicas”
do Dr. Oliveira Santos, e que ele manteve até à actualidade. Ao seu entusiasmo e
persistência se deve o prestígio que as jornadas granjearam, como fórum de discussão
das práticas da Cirurgia portuguesa, ao mesmo tempo que eram habitualmente
convidados estrangeiros qualificados.
Foi por reconhecer o seu interesse pela comunicação, que eu o convidei para dirigir o
novo Boletim do HGSA dirigido desde 1974 pelo Dr. Carlos Soares de Sousa, entretanto
aposentado no fim de 1995. Na minha qualidade de Director do Hospital em
acumulação com as funções de Director Clínico, propus-lhe uma reformulação total do
Boletim, modernizando-o e chamando mais colaboradores para a edição. O Dr. Rui
Branco resolveu com toda a proficiência o que lhe tinha sido pedido, e assim surgiu a
1ª série dos “Arquivos do HGSA”, que se continuou pela 2ª série, e se mantém, agora
com nova Direcção Editorial, na 3ª série.
Como médico hospitalar que se orgulhava de ser, foi um dos fundadores e
dinamizadores da Associação Portuguesa dos Médicos Hospitalares, passando ao
regime de dedicação exclusiva em 25/5/1990.
Como docente do ciclo clínico foi sempre um contestatário dos métodos pedagógicos
da Escola, a ponto de ter pedido a dispensa do Ensino por se considerar desiludido
com os resultados finais.
Pessoalmente estive muitas vezes em desacordo com ele nessa matéria, mas devo
reconhecer a frontalidade e coerência com que defendia os seus pontos de vista.
Mas para além da sua rica vivência profissional, o Dr. Rui Branco foi sempre um
espírito aberto à cultura e às Artes, sendo ele próprio um artista pintor, actividade com
que há muitos anos preenche muitos dos seus tempos livres, tendo participado em
várias exposições de artistas médicos, com obras de mérito reconhecido.
Outro dos seus “hobbies” é o gosto pelas viagens, que mantém e pratica, apesar de a
sua saúde nem sempre lhe ter permitido a liberdade que gostaria de ter.
Em 1/6/2002 foi aposentado a seu pedido.
Concluindo estas notas biográficas gostaria de dizer que o Dr. Rui Branco foi dos
profissionais que mais se destacaram nas gerações que tomaram em mãos a
recuperação do prestígio do HGSA, na fase em que a instituição se procurava refazer
da saída de muitos dos seus mais qualificados médicos para o novo H.S. João.
166
Os profissionais que se mantiveram no HGSA, muitos dos quais regressados de
estágios no estrangeiro, tiveram como primeiros colaboradores os jovens da geração
de 1960, últimos formados no velho HGSA. Geração à qual eu próprio me orgulho de
pertencer.
Um de nós foi o Rui Branco, espírito irrequieto, contestatário, com quem muitas vezes
não estive de acordo, ao longo dos anos em que desempenhei funções directivas no
HGSA, mas que também foi um aliado e colaborador inestimável da Direcção. A sua
contestação quando existia, era sempre leal e clara, e não traduzia azedume ou
inimizade. Podíamos discordar, ter pontos de vista diferentes, mas nem por isso se
quebrava a solidariedade institucional que a todos nos unia. O Rui Branco fica como
um dos mais destacados profissionais que ajudaram a desenvolver o Hospital tal como
hoje existe.
167
CAPÍTULO VII
PALAVRAS FINAIS
O HGSA tem uma longa história. Neste livro, apenas se pretendeu arrumar e tornar
utilizáveis um conjunto de documentos ou estudos respeitantes à História mais
recente ou das origens da instituição Hospital, ao longo das múltiplas vicissitudes por
que passou.
Muitos documentos ou estudos foram trazidos à luz do dia, muitos de que não ficaram
registos escritos, referentes a acontecimentos de que muitas vezes se perdeu a
memória.
Ao atingir a idade da aposentação depois de mais de 36 anos de serviço ininterrupto
no HGSA, presumi que poderia continuar a servir a instituição e a Cidade que adoptei
como minha, se atrevesse a proceder a consultas e pesquisas nos ricos arquivos da
SCMP e mesmo do HGSA e outras instituições urbanas, como a Biblioteca Municipal,
etc.
Descobri ou relembrei acontecimentos como, logo no início da vida do HGSA, sucedeu
com as invasões francesas e depois com a Guerra Civil, as epidemias ou endemias
como a varíola ou a tuberculose, ou o dramatismo que se revestiu, em 1899, a
epidemia de Peste Bubónica, que me permitiu publicar três trabalhos, que para mim
foram gratificantes.
Também devo recordar a descoberta que fiz de algumas figuras humanas e
profissionais de tal gabarito que me fez solicitar à Direcção dos Arquivos a criação de
uma secção designada “Figuras Ilustres do HGSA”. Nesse espaço publiquei biografias,
mais ou menos sintéticas, de grandes figuras do Hospital, em regra médicos, que
dedicaram a sua vida, por vezes no sentido total, como sucedeu com Câmara Pestana,
Agostinho de Faria e vários empregados de menor diferenciação técnica, assim como
enfermeiras(os).
Não sendo eu próprio um historiador, nem sendo competente para tal, creio que abri
algumas janelas iluminadas pelo conhecimento que adquiri ao longo de quase 50 anos
de intensa vida hospitalar, como médico, como docente e como gestor com
responsabilidades na forte vertente clínica que a administração da SCMP ou do HGSA
sempre souberam imprimir à vida do Hospital.
Escolhi como veículo principal dos meus trabalhos e publicações a revista do HGSA,
“Arquivos”, que eu próprio tive a honra de ajudar e criar em substituição do velho
“Boletim do HGSA”, que há anos o Dr. Carlos Soares de Sousa vinha mantendo, apesar
de todas as dificuldades. A nova série da revista viu a luz em 2005, com outro estilo e
nova administração, onde me tem sido permitido tornar públicos os meus estudos.
168
Continuo, porém, a pensar que trabalhos sobre a História, mais ou menos recente, do
Hospital devem ficar preferencialmente “arquivados” na revista do Hospital, como
forma de institucionalizar a memória.
A administração do HGSA deu um excelente exemplo de respeito pela memória e,
portanto, das raízes em que se insere o moderno Hospital, quando em Junho de 2007
organizou a grande manifestação cultural que se traduziu por exposições,
conferências, etc.
Pela minha parte ficarei muito feliz se tiver conquistado alguns leitores, mas sobretudo
estudiosos, que queiram dedicar algum do seu tempo a actividades de pesquisa
histórica, que podem acompanhar aquelas habitualmente designadas como científicas.
O moderno, progressivo e mais humano Hospital que todos desejamos, não viverá
bem sem cultivar as suas raízes. Assim o espero.
Luís de Carvalho, 2008
BIBLIOGRAFIA
1- Relatórios anuais da Mesa da SCMP.
2- A. A. Costa Simões – “O Hospital de Santo António da Misericórdia do Porto”Relatório. Porto, 1883.
3- “Porto Médico” – Porto, vol. 1904.
4- João Resende – “Introdução Histórica da Descoberta da PAF” – “Boletim do Hospital,
nº 1, Junho de 1976.
5- Prof. Doutor Cândido dos Santos. Livro Comemorativo do centenário do H. Joaquim
Urbano.
6- Mário Monteiro Pereira - “História da Medicina Contemporânea”. Sec, 1956.
7- Amadeu Sales – “Notas de antanho sobre uma visita régia”, in “O Tripeiro”, ano XI,
série V.
8- Ricardo Jorge – Relatório sobre a epidemia de Peste, 1899.
9- Luís de Pina – Histoire de la Medicine Portugaise. Porto, 1934.
10- Relatório Anual da Mesa de 1959 – Discurso de Luís Pina na homenagem da FMP
ao HGSA.
11- José Aires de Gouveia Osório – “Notícia Biográfica do Dr. Assis Vaz e notas sobre o
ensino da Cirurgia no Porto”. Porto, 1878.
12- Hernâni Monteiro – “Origens da Cirurgia Portuense”. Porto, 1926.
13- Maximiano Lemos – “História do ensino médico no Porto”. Porto, 1926.
14- Cândido dos Santos – “Universidade do Porto – Raízes e memórias da Instituição”.
Porto, 1996.
15- Larrousse Encyclopedique. Paris, 1969.
169
16- Amélia Ricon Ferraz – “A Escola Médica e o Hospital da Misericórdia do Porto”.
Volume comemorativo dos 25 anos da Liga dos Amigos do HGSA. Porto, 2002.
17- Maximiano Lemos – “Anuário dos Progressos da Medicina em Portugal” – 2º ano,
1884. Porto, 1885.
18- Jean Charles Sournia – “História da Medicina”. Piaget, 1995.
19- Prof. Maurice Tubiana – “História da Medicina e do Pensamento Médico”.
Teorema (Tradução de Editions Flammarion), 1995.
20- Geoffrey Rivett – “The development of the London Hospital System 1823-1982”.
King’s Found Editions, London, 1986.
21- Amadeu Sales – “O Cirurgião Franchini”. In “O Tripeiro”, ano X. Maio de 1995.
22- “Homenagem ao Cirurgião Franchini” – Colectânea de discursos da homenagem de
1927, organizada pelo Prof. Hernâni Monteiro. Porto, 1928.
23- Prof. Álvaro Teixeira Bastos – Anuário da FMP - 1913. Porto, 1913.
24- J. A. Pires de Lima – “Crónica Científica”, in “O Comércio do Porto” de 6/7/1926.
25- Artur Maia Mendes – “Maternidade do Porto – Relatório de 18 meses de
exercício”. Edição do autor. Porto, 1912.
26- Marinha Fernandes Caneiror – “Maternidade do Porto – Uma iniciativa pioneira”.
In “O Tripeiro” de Janeiro de 1999.
30- Alberto Saavedra – Subsídios para a História da Obstetrícia no Porto. Edição do
autor. Porto, 1926.
31- Artur Maia Mendes – “Boletim de Cirurgia”, nº 1 e 2. Porto, 1915
32- Cristiano de Moraes – “Cirurgia Abdomino-pélvica”. Porto, 1931.
33- Entrevista pessoal com o neto de Maia Mendes. 2008.
34- “História da ORL em Portugal”. Coordenação de J. Eduardo Clode. Sociedade
Portuguesa de ORl, 2003.
35- Maria Augusta Silva – “Corino Andrade – Excelência de uma vida e obra”. Fundação
Glaxo-Smithe Klein, 2002.
36 - Maximiano Lemos – Notícia Necrológica do Profesor Dias de Almeida- Portugal
Médico 3/12/1919, Anuário da FMP 1920
37 – Resumo Biográfico – Anuário da FMP – 1917
38 – Prof. Dias de Almeida –Oração de Sapiência em 20/10/1908 – Anuário da EMC
~1908
APÊNDICE
TRABALHOS PUBLICADOS NÃO INCLUÍDOS NESTE VOLUME
1- “Arquivos do HGSA” - 2ª série
• As Origens da Radiologia no HGSA - Nº1, Janeiro de 2005.
• As Especialidades no HGSA - Vol. 1, nº 3, Junho de 2005.
• A Peste Bubónica no Porto em 1899 - Vol. 1, nº4, Dezembro de 2006.
• Ricardo Jorge e a Peste de 1899 no Porto - Vol. 1, nº 4, Dezembro de 200• O HGSA de
1911 a 1959 - Nº especial, Janeiro de 2007.
• Corpos Dirigentes do HGSA no Século XX - Vol. 1, nº especial, Junho de 2007.
170
2- “Sinapse” - Órgão da Sociedade Portuguesa de Neurologia
• A Escola de Neurociências do HGSA, criada por Corino Andrade - Suplemento 1, vol.6,
nº 1, Maio de 2006.
• Apresentação do Serviço de Neurologia em Lisboa, em Dezembro de 1972 - Vol. 8, nº
1, Maio de 2008.
3- “Comunidade e Saúde” - Jornal da Liga dos Amigos do HGSA
• O Hospital e a Comunidade – Nº 7, Março de 1982
171

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