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Transcrição
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qavlassa kluvzei pavnta tavnqrwpwn kakav* Durante três séculos — do fim do século XV ao fim do século XVIII — os navegantes ocidentais exploraram o mundo e permitiram o desenvolvimento de imensos impérios comerciais. Espantoso é constatar que realizaram façanhas prodigiosas dispondo apenas, para calcular a rota, de meios primitivos e irrisórios; hoje, o marinheiro que tivesse de viajar contando só com informações tão rudimentares ficaria apavorado. Eles se aproximavam de orlas marítimas desconhecidas e perigosas, sem mapas nem pilotos, e era literalmente às cegas que atravessavam os oceanos. Nunca podiam determinar com certeza a própria posição porque sempre lhes faltava uma parte dos dados: mesmo que conseguissem com relativa facilidade calcular a latitude (quando o Sol e o horizonte são visíveis, é possível por mera observação chegar a essa informação bem elemen* O mar lava todos os crimes dos homens. 17 SIMON LEYS tar), estavam reduzidos, com referência à longitude, a estimativas perigosamente imprecisas. (Essa ignorância só foi dissipada graças à invenção inglesa do cronômetro de marinha, mas o uso desse instrumento essencial só começou a ser difundido no fim do século XVIII).* Nos seus duzentos anos de existência, a Companhia Holandesa das Índias Orientais (Verenigde Oostindische Compagnie – VOC), verdadeiro estado dentro do Estado, com colônias, governadores, diplomatas, magistrados e exército, constituiu a mais poderosa organização comercial do mundo. A prosperidade da Companhia assentava-se nas especiarias trazidas das feitorias do arquipélago Malaio por sua frota. Os navios da VOC eram pesadas e fortes embarcações de três mastros, de casco de carvalho reforçado, que os estaleiros holandeses fabricavam incessantemente, com uma rapidez que mal satisfazia a insaciável demanda (o Batávia, gigante na época, foi concluído em seis meses). Apesar de sólidos, esses barcos tinham uma carreira muito efêmera: mesmo os que escapavam dos perigos do mar raramente sobreviviam a mais de meia dúzia de viagens de ida e volta ao Oriente. A travessia de 15 mil milhas marítimas até Java (mais de 2/3 da circunferência do * Sobre o assunto, convém ler o apaixonante livro de Dava Sobel, Longitude, Nova York, Walker & Co., 1995 (edição brasileira: Rio de Janeiro, Ediouro, 1996). 18 OS NÁUFRAGOS DO BATÁVIA globo) durava cerca de oito meses — quando transcorria sem maiores percalços. Esses maciços veleiros de bojo redondo, lentos e pouco afeitos à manobra (respondiam mal ao leme e era preciso utilizar todos os recursos do velame para virá-los de bordo), arrastavam-se à velocidade média de 2,5 nós (4,5 km/h). Mas, como nos mercados ocidentais de especiarias tempo era dinheiro, a VOC impunha a todos os seus comandantes um itinerário, aperfeiçoado pela experiência, que comportava alguns desvios — pois, à vela, o caminho mais rápido raramente coincide com o mais curto: trata-se acima de tudo de evitar as zonas de calmaria e buscar as regiões onde se conta com ventos constantes e favoráveis. Assim, depois do cabo da Boa Esperança (única escala prevista para renovar as provisões de água e embarcar víveres frescos), em vez de se dirigirem diretamente para Java passando pelo norte de Madagascar, os navios desciam primeiro para o sul, quase nos limites do oceano Antártico, para aproveitar os fortes ventos de oeste que giram em torno do globo a partir do paralelo 40 — the roaring forties. Impulsionados rapidamente por ventos e correntes, tomavam a direção de leste, até lhes parecer terem atingido a longitude do estreito de Sonda; chegando a esse ponto hipotético, no meio do oceano vazio, sem nada que lhes permitisse reconhecer com certeza a posição, eles mudavam de direção e, aprovei- 19 SIMON LEYS tando os alísios de sudeste, navegavam com ventos favoráveis para o norte, a fim de chegar a Java, distante ainda quase 2 mil milhas. Mas, se essa mudança de direção fosse tomada tarde demais — e os erros de avaliação eram frequentes, pois a força do vento e das correntes levava os navios a perfazerem uma distância às vezes muito maior do que a medíocre velocidade aparente fazia supor —, as consequências eram fatais, pois deparavam com um litoral dos mais arredios, o da Austrália ocidental, que, sem interrupção nem abrigo natural, opõe por centenas de milhas suas escarpas abruptas à violência do oceano Índico. Qualquer barco que se aproxime dessa terra à noite, ou que aí chegue levado pela fresca brisa do mar, corre o risco de não conseguir fugir a tempo. Mais que os outros, os pesados veleiros armados com velas redondas, incapazes de movimentos rápidos, eram implacavelmente jogados contra as falésias. Por isso a recomendação de segurança que a VOC dava a todos os seus comandantes era evitar absolutamente a proximidade dessa Terra Australis incognita de contornos ainda incertos. Os holandeses, que foram os primeiros navegantes ocidentais a descobrir a existência dessa costa hostil, nunca tentaram conhecê-la melhor, julgando apressadamente que dela nada de bom havia a tirar: além da abordagem perigosa, não parecia 20