Carta Mensal aos Cotistas

Transcrição

Carta Mensal aos Cotistas
Carta Mensal aos Cotistas – Agosto 2015
gosto trouxe tremores que atingiram
nos investimentos; envio ao congresso da
com força os mercados globais,
proposta de Orçamento da União de 2016 com
provocando queda nas bolsas,
inédito rombo de R$30 bilhões, frustrada a
causando fuga de risco e colocando
proposta do governo de ressucitar a CPMF.
em cheque a frágil recuperação da economia
Desnecessário dizer que esse coquetel de
mundial. Se os choques reverberaram pelos
notícias tóxicas repercutiu como uma bomba
quatro cantos do planeta, não há dúvida de que
sobre os mercados – em particular, sobre a
o epicentro foi a China. No dia 24 de agosto,
cotação do dolar, que terminou com alta de
batizado sugestivamente de “segunda-feira
6.5% no mês, e juros, que subiram 75 bps
negra”, a bolsa de Shanghai desabou 8.5%
(contrato DI jan 17).
arrastando consigo bolsas do mundo todo. Duas
semanas antes o Banco Central
Num momento em que o país – e o
chinês surpreendera os mercados
mundo – flertam com nova crise
com uma desvalorização de 2%
financeira,
julgamos
oportuno
de sua moeda – oficialmente,
revisitar
alguns
conceitos
e
para adequá-la aos critérios de
princípios de investimento que, em
inclusão na cesta de moedas do
nossa experiência, ajudam a garantir
FMI. Para o mercado, que há
uma travessia segura e exitosa de
tempos se preocupa com a perda
mares revoltos. Alguns desses
de dinamismo da economia
princípios norteiam a gestão
chinesa, pesou a suspeita de que
quantitativa do Zarathustra FIM,
a desvalorização não passara de
enquanto outros têm caráter mais
uma medida para estimular
geral e qualitativo. Não pretendem
exportações. De fato, a cúpula
ser exaustivos nem aplicáveis a todos
do Partido Comunista chinês
perfis de investidores.
vem lutando com uma economia
que desacelera em meio a uma
1. O verdadeiro inimigo não
Apocalypse,
Albrecht
Dürer
1498
crise de crédito e ao estouro do
é a volatilidade, mas a
que, sugerem alguns analistas,
assimetria da distribuição
seja a maior bolha imobiliária da história –
Volatilidade é uma medida da variação de preços
ironicamente, no momento em que as
de um ativo ou carteira. Não podemos
economias ocidentais ensaiam sair do longo
determinar com certeza o preço do ativo no
período de baixo crescimento desde o estouro
futuro mas, sabendo a volatilidade, podemos
de sua própria bolha de crédito, em 2008.
estimar a probabilidade de que esteja contido
num intervalo e, dessa forma, quantificar sua
Os choques externos tiveram efeito de reforçar
incerteza. Para muitos investidores, volatilidade
as crises política e econômica que, desde março,
é sinônimo de risco. Uma ação cujo preço varie
abalam o mercado brasileiro. Destaque em
2% ao dia para cima ou para baixo é considerada
agosto para as manifestações contra o governo
mais arriscada do que um título de crédito que
que, pela terceira vez no ano, levaram às ruas
varie 0,2%1. Volatilidade, porém é apenas uma –
centenas de milhares de pessoas por todo o país;
divulgação do PIB do segundo trimestre de
2015, uma contração de 2.1% em relação ao
1 Vale notar que o preço de um ativo volátil pode cair ou
segundo trimestre de 2014 com queda de 4%
subir com igual probabilidade e, portanto, tem retorno
A
dentre várias possíveis – medidas de incerteza.
Para um hipotético ativo cujos retornos
seguissem um distribuição normal, é a única
medida relevante. Contudo, no mundo real
retornos notoriamente não seguem distribuições
normais. Uma das principais diferenças entre a
normal e as distribuições do mundo real é que
variações extremas são bem mais frequentes no
mundo real2. Outra, menos notória, é que
distribuições no mundo real tendem a ser
assimétricas; em particular, têm cauda esquerda
alongada. Em português castiço, a chance de
uma perda extrema é maior do que a chance de
um ganho extremo. Perversamente, são
justamente ativos bem comportados, com baixa
volatilidade, aqueles que muitas vezes escondem
as maiores assimetrias. Por exemplo: o título de
crédito tem baixa volatilidade e um histórico
consistente de retornos. Mas se o emissor entrar
em default (por que a empresa, digamos, tenha
sido envolvida num escândalo de corrupção) o
título pode perder, numa tacada, 100% do valor.
A baixa volatilidade do título de crédito seria,
nesse caso, uma medida completamente
enganosa do risco. A crise de 2008, em que
muitos investidores sofreram grandes perdas, é
um caso marcante em que esse fenômeno
atingiu proporções sistêmicas. De lá pra cá
houve inúmeros outros episódios, ainda que de
menores proporções.
É paradoxal observar que investidores que se
dizem avessos a risco, e fogem de volatilidade
como o diabo da cruz, frequentemente abraçam
riscos potencialmente letais. Paradoxal pois
volatilidade é um risco simétrico e, pelo menos a
priori, tem impacto neutro no longo prazo. O
impacto da cauda esquerda, por outro lado, é
ruinoso. E no entanto, passa batido até mesmo
por investidores experientes.
esperado zero; porém, como o sofrimento com a perda
em geral é maior do que a gratificação com ganho,
investidores tendem a ser avessos a volatilidade. Ver
Thinking Fast and Slow, Daniel Kahneman
2 Ver Black Swan, Nassim Taleb
Há ativos cuja distribuição de retorno têm cauda
direita alongada. Isto é, esporadicamente capazes
de proporcionar ganhos extremos: opções
compradas, investimentos de venture capital e
bilhetes de loteria são exemplos de ativos com
cauda direita longa.
Em períodos de crise e turbulência financeira, o
cuidado com riscos de cauda deve ser
redobrado. Merecem particular escrutínio
qualquer tipo de estrutura de crédito (letras,
debêntures, CDBs), ativos ilíquidos (imóveis,
participações em empresas), estruturas que, de
alguma forma, embutam opções vendidas. Além
disso, é desejável que se tenha exposição a ativos
com caudas alongadas pra direita. No mercado
financeiro algumas classes de ativos possuem
essa característica, a mais comum sendo opções
fora-do-dinheiro (embora sejam pouco líquidos).
2. Nao cate vinténs diante do rolo
compressor
“Nada é tão ruim que não possa piorar”
(Senador Tasso Jereissati, discurso ao senado em 1
setembro de 2015)
Diante de um mercado em queda livre, muitos
investidores caem na tentação de “caçar
barganhas”. Ou, na sugestiva expressão anglosaxã, catch falling knives (“apanhar facas em
queda”). Esse comportamento se baseia na
premissa – não inteiramente desprovida de nexo
– de que preços revertem à média; logo, aquilo
que muito cai... eventualmente sobe (ou viceversa). Em nossa experiência de várias crises
globais, essa é raramente uma boa idéia. O
caçador de barganhas frequentemente se
precipita3. Outros ainda racionalizam o garimpo
3
Finanças comportamentais explicam o fenômeno através
do mecanismo de “ancoragem”, em que agentes tomam
decisões a partir de valores iniciais arbitrários. Assim, se
uma ação passa longo período operando em torno de
R$10, formam-se âncoras em torno desse valor. Se, por
qualquer motivo, o ação cair a R$5, é certo que haverá
compradores a R$8, R$7 e R$6 – não por alguma análise
objetiva mas simplesmente porque, comparado à âncora, a
ação lhes parecerá “barata”.
de pechinchas baseado em “fundamentos”. O
risco dessa abordagem é que períodos de
turbulência se caracterizam, tipicamente, por
grande fluidez e mutabilidade de condições.
Admitindo-se que, em condições normais, de
fato seja possível gerar ganhos consistentes a
partir da identificação de fundamentos malprecificados, resta saber se isso ainda seria
possível em períodos de turbulência financeira.
Por exemplo: em condições normais é
concebível que se possa avaliar, com razoável
precisão, uma empresa mineradora baseado no
volume de suas reservas, no tamanho de seu
mercado consumidor, em estimativas de
crescimento do mercado, etc. Suponha agora
que o mercado enfrente instabilidades porque o
principal consumidor da empresa esteja à beira
de uma severa crise – crise essa com potencial
de impactar não apenas o consumo de minério,
como seu preço, a taxa de câmbio e a própria
saúde da economia global; que, adicionalmente,
todas essas essas variáveis se comuniquem e
realimentem mutuamente, numa complexa teia
de relações não-lineares. Parece evidente que a
dificuldade de avaliação seria muito maior. Esse
é, em síntese, o problema que ora têm diante de
si investidores que se dedicam à mineradora
Vale, grande fornecedora da economia chinesa.
Conclusão: é prudente esperar passar a
tormenta, deixar aumentar a visibilidade, antes
de se comprometer a uma decisão de
investimento. Mesmo que, com isso, se abra
mão da possibilidade de investir ao melhor
preço. A probabilidade de acertarmos o melhor
preço é, em geral, ínfima. O benefício de se
esperar até que caia a incerteza costuma mais do
que compensar.
3. Convicção é inimiga da flexibilidade;
questione dogmas, pratique autocrítica e mantenha uma postura de
saudável ceticismo;
"When the facts change, I change my mind. What do you do, sir?"
(J. M. Keynes)
Convicções profundamente arraigadas têm seu
lugar em muitos ramos de atividade humana:
política, religião e arte, para citar alguns. Não
têm lugar em ciência ou filosofia. E, em nossa
experiência, tampouco no processo de
investimento. Pois, conquanto algum grau de
convicção seja requisito para tomada de
decisões, deve o investidor continuamente
questionar suas premissas, estar aberto a novas
evidências – especialmente àquelas que refutem
suas teses – e permanentemente incorporar
novas informações a seu outlook (“perspectiva”),
bayesianamente. Sobretudo, ter a humildade de
mudar de opinião se os fatos mudarem.
Investimento não é concurso de debate e não há
prêmios para o vencedor intelectual. Vence
quem preserva e remunera seu capital. O
investidor não deve aliança a ninguém senão a
seu bolso. Deve lutar como um mercenário.
O fundo Zarathustra rendeu 2.72% em agosto
graças, sobretudo, ao bom resultado do modelo
2. Os modelos de tendência, como o 2, tem por
característica distribuição de retornos com cauda
direita alongada, como descrito acima. Isto
significa que podem passar longos períodos em
“hibernação”, com ganhos pequenos ou mesmo
perdas e, repentinamente, apresentar forte
desempenho. Isso muitas vezes ocorre, embora
não exclusivamente, em períodos de turbulência
financeira. Os modelos de tendência tem grande
peso na carteira do Zarathustra FIM. Isso faz
com com que o fundo tenha características que,
contra-intuitivamente para alguns, defensivas em
períodos de crise. O mês de agosto é mais um
exemplo disso.
Equipe Zeitgeist
Apêndice:
Funções
de
Utilidade
Logarítmica e o Critério de Kelly – Uma
breve introdução
A teoria de portfolios eficientes, baseada na
otimização de media-variancia da carteira, de
uma forma ampla, ataca o problema de alocação
para um dado período de investimento fixo (em
geral, de um mês a um ano). Essa formulação é
bem estabelecida e da origem ao conceito de
fronteira eficiente e a teoria de CAPM. No
entanto, existem outros critérios, baseado em
diferentes funções de utilidade que podem ser
utilizados na otimizacao de carteira.
Nesse contexto, a ideia aqui é olhar o problema
de alocação sob uma outra ótica, a ótica do
investidor que aloca durante uma sucessão de
períodos consecutivos, ou seja em períodos
múltiplos. Essa analise, por si só, enfatiza a
característica sequencial do problema de
alocação e, em certa medida, chega a reverter
algumas das conclusões da teoria clássica de
portfolios eficientes, tornando o problema rico,
tanto do ponto vista teórico como prático.
Para tanto, no período de investimento t = 0,
suponha que o investidor tenha uma riqueza
inicial W0 e que o fator de crescimento no
período t seja representado pela variável
aleatória Xt (e.g para uma variação de 10% da
riqueza no período entre [t-1,t), Xt = 1.10 ).
Nesse contexto, após n períodos a riqueza do
investidor Wn é dada por:
(1)
Multiplicando se ambos os lados da equação (1)
por 1/n, tomando o logaritimo natural e
divindido ambos os lados por W0, obtém se que:
(2)
Assumindo que as variáveis aleatórias Xt sejam
independentes e identicamente distruibuidas, a
lei dos grandes números pode ser aplicada no
lado direito da equacao (2) e no limite, para
grandes valores de n, tem se que:
(3)
De (1) e (3), definindo
, a taxa
de crescimento da carteira do investidor, no
limite, pode ser escrita como:
(4)
A ideia central do critério de Kelly (1956) é
justamente escolher uma alocação que maximize
o expoente, m, da equação (4), ou seja, escolher
uma alocação que maximize a taxa de
crescimento da carteira inicial do investidor.
Dessa forma, o problema de otimização pode
ser formulado a partir da equação (3) onde Xt
representa uma combinação linear dos ativos do
mercado e os seus respectivos coeficientes são
as variáveis a serem otimizadas, o leitor
interessado na parte matematica pode encontrar
mais detalhes em Luenberger (1998).
O
exemplo abaixo tenta mostrar, de forma
intuitiva, como a alocação dinamica pode
contribuir para o aumento da taxa de
crescimento da carteira. No caso particular
ilustrado abaixo, a solução analisada é ótima do
ponto de vista da utilidade logaritimica.
Exemplo: Suponha que no mercado existam
somente dois ativos: um ativo de risco, A1, cujo
valor dobre ou caia pela metade com 50% de
probabilidade e um ativo livre de risco, A2
(caixa), cujo o valor permanece constante (para
simplificar a taxa de juros será considerada nula).
Da equação (3) segue que, do ponto de vista de
utilidade logaritimica, os dois ativos isolados tem
taxa de crescimento nula, i.e:
Para o ativo de risco: E[ln(A1)] = 0.5 ln(2) + 0.5
ln(1/2) = 0.
Para o ativo livre de risco: E[ln(A2)] = ln(1) = 0.
Considere agora uma combinação dos dois
ativos, um mix 50%-50%, em cada periodo, há
dois casos possiveis, 50% de probabilidade, i.e:
Caso (1): A1 dobra de valor. Nesse caso, o
capital inicial é multiplicado por:
Caso (2): A1 cai pela metade, ou seja:
Como tanto o caso (1) quanto o caso (2)
ocorrem com probabilidade 0.5, da equação (3)
segue que:
ou seja, a cada período a taxa de crescimento de
carteira é aproxidamente,
, isto é,
6.07 % por período.
Nesse ponto, é interessante notar que a carteira
com composição 50-50 tem uma taxa de
crescimento maior que o ativo de risco. Além
disso, os ganhos excedentes provém do
rebalanceamento dinamico da carteira, pois
justamente nos períodos que o ativo de risco
sobe (desce), a alocação nele reduz (aumenta).
Esse efeito de comprar nas baixas e vender nas
altas do ativo de risco, é, no fim das contas,
responsavel pela taxa de crescimento positiva da
carteira.
Referências:
Kelly, J. L. (1956). "A New Interpretation of
Information Rate". Bell System Technical
Journal 35 (4): 917–926.
Luenberger, D. G. (1998). "Investment
Science", Oxford University Press.
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