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ESTUDOS ACERCA DO PODER CONSTITUINTE:
AS DECISÕES CONSTITUINTES COMO CONDICIONANTES DA VIDA POLÍTICA
E A REVOLUÇÃO JURÍDICA COMO DESCONTINUIDADE CONSTITUCIONAL
Cristiano Araújo Luzes1
RESUMO
O trabalho analisa os principais pontos acerca da teoria do poder constituinte, dando ênfase
aos aspectos pertinentes para construção de uma teoria destinada a legitimar as decisões
constituintes estabelecidas no tempo e que, não obstante, se irradiam sobre a vida política das
gerações futuras com força jurídica, na forma de normas constitucionais. Com essas
premissas, procura estabelecer os critérios e limites jurídicos que garantem a continuidade das
decisões constituintes. Para isso, utiliza-se o conceito de revolução jurídica como critério de
constatação da transição constitucional.
Palavras-chave: Poder constituinte. Continuidade constitucional. Revolução jurídica.
1 INTRODUÇÃO
Para uma boa análise do tema da continuidade constitucional, como liame da vida
política juridicizada, faz-se imprescindível perpassar por alguns aspectos da teoria do poder
constituinte. Trata-se de uma premissa científica de grande importância, isso por duas razões:
primeiro, porque “[...] a teoria do poder constituinte é basicamente uma teoria da legitimidade
do poder” (BONAVIDES, 2008, p. 141), de um poder que se fez valer num momento
histórico e que tem a pretensão de ter continuidade temporal na regulação das instituições
políticas. Segundo, porque a teoria do Poder Constituinte inaugurou a rigidez constitucional
(BONAVIDES, 2008, p. 145) e, portanto, conduz ao advento da supremacia constitucional,
ou seja, da constituição como limitação jurídica do poder político ordinário. Isso tudo a partir
da distinção entre normas constitucionais e não constitucionais, ou melhor, entre poder
constituinte e poderes constituídos.
Segundo as lições de Canotilho (2010, p. 74),
[...] aparentemente, a teoria do poder constituinte, tal como foi desenvolvida pelas
teorias setecentistas, estabelece uma relação lógica entre “criador” e “criatura”, ou
seja, entre poder constituinte e constituição. Nada de menos exacto se com isto
pretendermos dizer que não existem momentos de tensão entre um poder
incondicionado, permanente e irrepetível – o poder constituinte -, e um “poder
1
Acadêmico do curso de direito da SEUNE. Bolsista do programa de iniciação científica (PIBIC/SEUNE/CNPq)
no período de agosto de 2010 a julho de 2011. Email: [email protected]
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constituído” pela constituição (ou “poder legislativo constituído”) caracterizado pela
estabilidade e vinculação a formas. (Aspas no original)
Assim, pode-se consequentemente concluir que foi devido à teoria do poder
constituinte que advieram as discussões sobre constitucionalismo e transição constitucional,
que põem em pauta o problema do “paradoxo da democracia” constitucional. Isso quer dizer
que sem a teoria do Poder Constituinte, enquanto teoria de legitimidade de um poder, não há
como se falar em constituição, mudança constitucional e seus limites, e nem da tensão que de
toda problemática resulta (CANOTILHO, 2010, p. 74).
Posta a importância do problema para este trabalho, prosseguiremos com os pontos
sobre a origem da teoria, a natureza do poder constituinte, sua titularidade, sua expressão e
seus limites.
2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E ORIGENS DA TEORIA DO PODER
CONSTITUINTE
O Poder Constituinte, como fato ou fenômeno social, sempre existiu. Em toda
estrutura de sociedade, cujas relações políticas internas são reguladas por normas, onde
recebem, portanto, limitação jurídica, deve haver um ato de poder, ou de força, inicial de onde
advém toda vinculação jurídico-política.
[...] Desde os tempos imemoriais ou remotos, é facilmente perceptível nos
agrupamentos humanos um tendência a estabelecer leis com o propósito de
regulação da sua organização política. Uma evidente vontade de auto-organização
política.
[...]
O que há de importante nesses códigos de organização política é que, em virtude da
matéria que neles é veiculada, há uma verdadeira hierarquia entre eles e outras leis
que versam acerca de outras matérias. (IVO, 1997, p. 38)
O fato simplesmente não era percebido, ainda não havia sido teorizado, pois “antes o
homem não tinha uma linguagem que pudesse descrever esse fenômeno” (IVO, 1997, p. 38).
O Poder Constituinte, como teoria, só surgiu no Século XVIII, por outro lado, como
experiência, isto é, fato, sempre existiu, estando presente em toda sociedade politicamente
organizada2. Segundo as lições de Barroso (2009, p. 94),
[...] o poder constituinte, como intuitivo, está presente desde as primeiras
organizações política. Onde quer que exista um grupo social e poder político efetivo,
haverá uma força ou energia inicial que funda esse poder, dando-lhe forma e
2
“Cumpre, todavia, não confundir o poder constituinte com sua teoria. Poder constituinte sempre houve em toda
sociedade política. Uma teoria desse poder para legitimá-lo [...] só veio a existir desde o século XVIII [...].”
(BONAVIDES, 2008, p. 141)
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substância, normas e instituições. A teoria do poder constituinte [...] é que só
recebeu elaboração mais recente.
Dessa forma, se faz possível identificar o fenômeno constituinte em diversos
momentos históricos da humanidade, pois a história do poder constituinte é, também, a
história do direito constitucional.
Durante a Antiguidade, na Grécia já se podia perceber a distinção entre normas
constitucionais, as que estabeleciam a estrutura política fundamental da cidade-estado, e as
normas não-constitucionais, concernentes a outras deliberações cotidianas. A distinção foi
notada, inclusive, por Aristóteles, no livro II de sua Política, no qual se dedicou ao estudo da
ordenação dos habitantes da cidade (FERREIRA FILHO, 2007, p. 3). Já em Roma, Cícero
empenhou-se no estudo da Constitucionem rei publicae, ou seja, da Constituição da República
(HORTA, 2002, p. 51).
No constitucionalismo medieval, também chamado de constitucionalismo prémoderno, a idéia de poder constituinte não tinha a natureza de criação de um Direito. O poder
constituinte se exprimia com a tarefa de ratificar uma ordem costumeiramente posta,
perpetuando privilégios. Nessa época, a função das leis fundamentais consistia na manutenção
ou garantia de normas, ou direitos, já consolidados no tempo (CANOTILHO, 2010, p. 69).
Sobre isso, leciona Ferreira Filho (2007, p. 6): “tais leis eram tidas como
estabelecidas pelos costumes, pelo decurso do tempo, e jamais qualquer legista teve a idéia de
nelas identificar a vontade de um poder especial, a ação de um poder especial [...].”
Salienta Canotilho (2010, p. 69) que essa fase do constitucionalismo “repugna a idéia
de um poder constituinte com força e competência para, por si mesmo, desenhar e planificar o
modelo político de um povo.” Por essa razão, o mesmo autor chega a afirmar que o poder
constituinte medieval tinha o escopo de “revelar a norma”, ou seja, nesse sentido, o poder
constituinte não criava uma normatividade porque não fundava uma nova estrutura social e
política, apenas garantia a manutenção da dominação popular servil.
Nesse contexto, pode-se dizer que “[...] inerente à ‘ordem natural das coisas’ estava,
pois, a indisponibilidade da ordem política, a incapacidade de querer, de construir e de
projectar um ‘ordem nova’, bem como a rejeição de qualquer corte radical com as estruturas
políticas tradicionais. (CANOTILHO, 2010, p. 69, grifo no original).
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Era, na verdade, a negação do protagonismo histórico do homem, pois, no paradigma
teocêntrico que permeou a Idade Média, a humanidade não era personagem e nem autora de
seu próprio desenvolvimento histórico-político.3
Tal estado de coisas se devia a uma ordem política estamental, de natureza feudal,
em que os diplomas jurídicos eram pactos servis com o escopo de manter a estrutura política
já presente, perpetuando privilégios numa composição normativa teratológica, nos moldes do
pacta sunt servanda. Essas cartas estamentais não dispunham acerca de uma unidade política
normativamente ordenada (constituição), tratavam, na realidade, de interesses particulares dos
senhores, o que justifica a afirmação de que tais diplomas jurídicos apenas “revelavam a
norma”, no sentido de que a ordem política pré-existe às estipulações estamentais (SHMITT,
2009, p. 73).
Ainda na Idade Média, uma crise do sistema feudal levou a formação de uma nova
estrutura política: o estado absolutista. Foram suprimidas os velhos privilégios e diplomas
estamentais, em detrimento do poder absoluto do soberano, cuja atribuição agora era de dispor
sobre a organização política e jurídica da sociedade governada, formando uma ordem jurídica
unitária, de modo que era, também, o titular absoluto do Poder Constituinte. Tal mudança
repercutiu no fenômeno constituinte no sentido, apenas, de estabelecer uma nova instância de
legitimidade, pois o divino passou a justificar o exercício incondicional do poder constituinte
pelo soberano, o que foi traduzido pelo conhecido brocardo “non est enim potestas nisi a
Deo”, que significa: “não há poder que não venha de Deus” (SHMITT, 2009, p. 95).
Em momento posterior, na Era Moderna, o constitucionalismo norte-americano
tomou a ideia de Poder Constituinte, enquanto poder político acima dos poderes constituídos,
como questão central nas discussões políticas, durante o processo de independência e de
consolidação da primeira constituição escrita, elaborada pela Convenção da Filadélfia, de
1787 (BARROSO, 2009, p. 95). Foi nesse contexto que a constituição recebeu feição de
norma-limite do exercício do poder político. Destarte, o Poder Constituinte passou a ser, a
partir da ideia de “povo” como “autoridade política superior”, a fonte criadora da regulação
jurídica do poder e da ordem política constituída (CANOTILHO, 2010, p. 70).
No entanto, não foi nesse momento que a teoria do Poder Constituinte foi concebida,
pois o constitucionalismo norte-americano se deu por um processo político que se desenrolou
3
Foi somente durante a Revolução Francesa, em 1789, que o homem manifestou, ineditamente, sua capacidade
de autodeterminação política, tomando o curso da história em suas mãos e se tornando o feitor da sociedade
Moderna. Semelhante pensamento registra SHMITT (2009, p. 71): “Por lo pronto, el pueblo francés se
constituye como sujeto del poder constituyente; se hace de su consciente de su capacidad políica de actuar, mado
así, de su unidad política y capacidad de obrar. El acontecimiento fue tan eficaz y activo porque ahí La decisión
política fundamental consistió em hacerse consciente de su condición de sujeto capaz de actuar, y em fijar com
autonomia su destino político.”
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sem estar substanciado por qualquer discurso teórico. Lá, “[...] a constituição surgiu como um
fato histórico, obra de estadistas e legisladores, não de filósofos” (BARROSO, 2009, p. 95).
Qualquer teorização se deu em momento posterior, em que pese ter sido com o
constitucionalismo americano que a constituição foi concebida como norma vinculante sobre
os poderes constituídos, conforme aponta CANOTILHO (2010, p. 59):
[...] na cultura revolucionária americana ela [a constituição] serviu para “constituir”
uma ordem política informada pelo princípio do “governo limitado”. [...] O modelo
americano de constituição assenta na ideia de limitação normativa do domínio
político através de uma lei escrita. Esta “limitação normativa” postulava, pois, a
edição de uma “bíblia política do Estado” condensadora dos princípios fundamentais
da comunidade política e dos direitos dos particulares. (Aspas no orginal)
Em momento contemporâneo ao constitucionalismo americano se deu o
constitucionalismo francês. E foi nesse cenário revolucionário que permeou a França no final
do século XVIII que foi concebida a teoria do Poder Constituinte, através da obra “Que é o
Terceiro Estado?” (Q’uest-ce que Le tiers État?) da autoria de Emmanuel Joseph Sieyès4. Sua
obra, com feições de um manifesto, influenciou muito no curso revolucionário, servindo como
fundamentação política da supremacia do poder constituinte (BARROSO, 2009, p. 97).
Tal construção teórica, primeiro serviu à ciência política depois à ciência jurídica,
pois inicialmente teve o condão de desconstruir a estrutura de poder do Estado Absolutista
monárquico da época, para, só então, vir a ser uma teoria da construção de poder destinado a
reorganizar uma nova ordem jurídico-política (CANOTILHO, 2010, p. 73). Tratava-se,
portanto, de uma teoria fruto do racionalismo iluminista, com inspiração nas concepções
contratualistas da sociedade política e concebida para colaborar com o projeto da Revolução
Francesa (BONAVIDES, 2008, p. 141).
Os aspectos fundamentais da teoria do poder constituinte de Sieyès foram, da
seguinte forma, sintetizados por Canotilho (2010, p. 73):
(1) recorte de um poder constituinte da nação entendido como poder originário e
soberano; (2) plena liberdade da nação para criar uma constituição, pois a nação ao
“fazer uma obra constituinte”, não está sujeita a formas limites ou condições
preexistentes. (Aspas no original)
A partir disso, pode-se sucintamente enumerar as características fundamentais do
poder constituinte dadas pela referida teoria: a) poder cujo titular é a nação, ou seja,
representa os interesses permanentes de uma sociedade; b) poder permanente, de forma que
tem uma existência latente mesmo depois de realizada a constituição; c) poder ilimitado, no
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sentido de que suas decisões não encontram limitação jurídica de qualquer espécie; d) poder
incondicionado, ou seja, que não se submete a qualquer procedimento ou forma de exercício
pré-estabelecida; e) poder inicial, porque dá origem a uma nova ordem jurídica; e, por último,
f) poder dotado de superioridade diante dos poderes constituídos (FERREIRA FILHO, 2007,
p. 13-16).
A partir de então, a teoria do poder constituinte, nos moldes da construção de Sieyès,
tem servido para fundamentar a rigidez e a supremacia constitucional. Porém a doutrina tem
se levantado para a releitura de alguns pontos, conforme serão trabalhados nos tópicos que se
seguem.
3 NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE
A questão de maior relevância na doutrina do poder constituinte é a que trata da sua
natureza. É o ponto central da teoria que irá balizar todas as outras questões em torno do tema.
Trata-se de identificar a localização do poder constituinte na ciência jurídica, ou seja,
investigar sua natureza é buscar conceituá-lo como poder de fato ou poder de direito. É saber
se consiste num dado pré-jurídico, na esfera de investigação da ciência política ou sociologia,
ou num fenômeno regulado pelo direito, pertinente a ciência jurídica (IVO, 1997, p. 37).
A discussão ganha uma importância especial na medida em que a natureza de poder
constituinte influi decisivamente no tema do próprio fundamento do Direito, de sorte que essa
temática
traduz
“um
problema
nuclear
não
só
do
direito
constitucional
mas,
indiscutivelmente, de todo o Direito” (IVO, 1997, p. 37). Saber se o poder constituinte é
poder jurídico ou de fato é conhecer o fundamento de validade da ordem jurídica, se sua
validade e imperatividade justificam-se no direito natural ou num ato de força.
Vale dizer, “a teoria original do poder constituinte foi desenvolvida por Sieyès dentro
da moldura histórica e filosófica do jusnaturalismo” (BARROSO, 2009, p. 109). Pela
influência do racionalismo e do iluminismo, que pregavam a existência de direitos inerentes
ao homem e anteriores ao Estado, o poder constituinte foi concebido como um poder jurídico
de instituir normas constitucionais a partir da condição de autodeterminação inerente a todo
homem. A partir do iluminismo o homem vislumbrou em si próprio o direito natural de
liberdade, deduzindo disso que os homens livres poderiam construir a estrutura jurídica da
sociedade e do Estado, por meio de um ato constituinte.
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Aliás, foi o próprio abade Sieyès que, pela primeira vez, atribuiu o nome de “Poder Constituinte” para o
fenômeno que se estuda.
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Sobre a doutrina jusnaturalista do poder constituinte, leciona Manoel Gonçalves
Ferreira Filho (2007, p. 57):
Ora, se cada homem tem o direito natural de liberdade, ou, se cada homem tem o
direito natural de governar a sua própria vida, todos os homens têm, igualmente, o
direito natural de autodeterminar sua vida coletiva, portanto, de estabelecer as
instituições a que se vão sujeitar, como, conseqüentemente, de mudar as instituições
sempre que isso lhe pareça conveniente e adequado. Assim, dentro da tese
jusnaturalista, a liberdade é o fundamento do poder constituinte; a liberdade, direito
natural, é a base do poder constituinte.
Evidentemente, esse discurso tinha o fim de fundamentar as lutas políticas contra o
Estado Absolutista do século XVIII. Forjou-se uma teoria do direito de liberdade que
legitimava a usurpação do poder político pelo povo, pondo fim ao regime monárquico. Não se
deve admitir, hodiernamente, a existência de direitos imanentes à condição humana. Todo
direito é uma construção histórica5. Da mesma forma, o direito de liberdade, em que se funda
a doutrina jusnaturalisnta do poder constituinte, é, também, um produto histórico construído
no cenário da Revolução Francesa.
Esse paradigma foi superado pelo positivismo jurídico, em especial pelo
normativismo jurídico de Hans Kelsen, para o qual o Direito nada mais é do que comandos
postos objetivamente em linguagem prescritiva que, em conjunto, formam uma estrutura
unitária e lógico-sistemática, na qual uma norma, para ser jurídica, deve encontrar
fundamento em outra norma jurídica, de escalão superior.
Para Kelsen (2006, p. 247), o fenômeno jurídico é, essencialmente, norma jurídica
que compõe o direito positivo, destinada à regulação de condutas humanas. Como uma única
norma não basta para o tratamento jurídico da imensa diversidade de comportamentos
humanos, o Direito se apresenta numa pluralidade de normas que, em conjunto, formam um
5
Norberto Bobbio, num ensaio sobre o fundamento dos direitos fundamentais do homem, assim escreveu: “Do
ponto de vista teórico, sempre defendi [...] que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por
todas" (BOBBIO, 2004, p. 5).
É que a concepção dos direitos fundamentais como imanentes à natureza humana decorre do racionalismo, base
epistemológica predominante no pensamento da Modernidade, em especial séc. XVII e XVIII. Nessa fase da
filosofia, o conhecimento era produzido a partir de reflexões metafísicas, ou seja, a partir do exercício da razão
pura, formando conceitos a priori acerca da natureza das coisas. Da mesma forma, os direitos fundamentais, em
especial a liberdade, foram concebidos com reflexões que os caracterizaram, assim como todo fundamento
racional e metafísico, no plano de uma verdade inconteste, universal e atemporal, isto é, os direitos fundamentais
são derivados da própria natureza humana, daí direitos naturais e jusnaturalismo. Essas bases, aliás, caíram
muito bem como justificativa e fundamentação teórica para derrubada do Absolutismo. Posteriormente, com o
giro epistemológico do positivismo científico, que no direito se expressou como positivismo jurídico, passou-se
a entender que o conhecimento e a verdade se fundavam em dados objetivos, isto é, na relação do sujeito com
elementos empíricos objetivamente (metodologicamente) observados. O reflexo disso no direito foi a concepção
de que não existe direito fundamental que não seja norma, e norma que não seja prescrição, e sendo a prescrição
um ato de vontade humana, logo não há direito fundamental sem realização humana. (SARLET, 2010, p. 37-45).
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sistema escalonado, onde as normas inferiores encontram fundamento de validade nas normas
superiores. Por meio dessa relação hierárquica se constata a pertinência de determinada norma
no sistema jurídico.6 Trata-se da teoria da construção gradual do ordenamento jurídico, que
tem por escopo explicar o princípio da unidade do ordenamento, o que só pode ser feito, com
coerência lógica, tendo como premissa a ideia de que a ordem jurídica deriva de uma mesma
fonte (BOBBIO, 2008, p. 199).
Nesse sistema escalonado de normas, a constituição figura o topo dessa estrutura,
representando o fundamento de validade de todas as outras normas. É da constituição que se
irradia a produção das normas de todo o ordenamento jurídico, de modo que, se uma norma
não deriva de um meio de produção estabelecido constitucionalmente, ela não é pertinente ao
sistema, portanto, é inválida. Porém, dessa premissa, de que uma norma somente é jurídica
quando pertence ao ordenamento e de que só é pertinente a norma que encontra fundamento
de validade em outra norma superior, através de meios de produção normativa préestabelecidos, deve-se questionar: qual é o fundamento de validade da norma constitucional?
O que faz a norma constitucional integrar o ordenamento jurídico?
À primeira vista, poder-se-ia responder a questão afirmando ser o poder constituinte
o fundamento de validade da constituição, mas tal conclusão põe abaixo a proposta kelseniana
de fechar o sistema jurídico num complexo estritamente de normas. Em outras palavras,
admitir o poder constituinte como fundamento de validade primeiro do ordenamento, é
conceber que um fenômeno da ordem do ser fundamente um outro da ordem do dever ser, isso
significa dizer que um fato é condição de validade de uma norma, quando somente normas
condicionam validade de normas, isso na perspectiva de um sistema lógico-formalmente
estruturado, de forma que se trata de um problema essencialmente epistemológico.
Kelsen (2006) resolve esse problema com a teoria da norma pressuposta
fundamental. Com isso, concebe uma norma pressuposta que será o fundamento de validade
de todo o ordenamento jurídico, inclusive das normas constitucionais, de modo que o sistema
é fechado num complexo unicamente composto de norma, prescindindo de qualquer
fundamentação não normativa, como o é a teoria do poder constituinte. 7 Para o professor de
6
Ensina Kelsen (2006, p. 247): “A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo
plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de
normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma
norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua
vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta.”
7
Na medida em que se aprofunda a investigação sobre o fundamento da ordem jurídica, indo para além do
estritamente normativo, está-se extrapolando o limite da ciência jurídica positiva e adentrando na esfera da
ciência política ou sociologia, conforme ministra Kelsen (2006, p. 243): “Dizer que podemos pressupor a norma
fundamental de uma ordem jurídica positiva mas que não necessariamente que a pressupor significa que
podemos pensar as relações inter-humanas em questão, normativamente, isto é, como deveres, poderes, direitos,
competências, etc., constituídos através de normas jurídicas objetivamente válidas, mas não temos de as pensar
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Viena, a norma fundamental é o pressuposto necessário para o aperfeiçoamento
epistemológico de sua teoria, sem ela o seu projeto de uma teoria pura, estritamente normativa
do direito, perderia sentido (KELSEN, 2006, p. 224 – 228). Dessa sorte, a teoria da norma
fundamental nada mais é que um postulado que dá cientificidade a uma teoria do direito
positivo (BOBBIO, 2008, p. 213).
Somente a partir disso é possível concluir que o poder constituinte é poder de fato, e
não de direito, pois, para o positivismo normativista de Kelsen, o ato de força que inaugura a
ordem jurídica não integra o ordenamento jurídico, sendo, portanto, um dado pré-jurídico.
Levando-se às últimas consequências essas afirmações do positivismo jurídico,
chega-se a uma conclusão que tem inquietado parcela da doutrina, provocando reações
fortemente contrárias. Trata-se da conclusão de que direito confunde-se com força, ou seja, o
ordenamento jurídico é derivado do exercício de um poder/violência8 ou ato de força, pois não
está fundado em nenhuma ordem de valores de justiça, tal como propunha o jusnaturalismo.
Nesse desiderato, importantes são as palavras de Bobbio (2008, p. 216), que merecem aqui
registro:
A definição do direito, tal como foi acolhida, não coincide com a da justiça. A
norma fundamental consiste no fundamento do direito tal como ele é (o direito
positivo), não do direito tal como deveria ser (o direito justo). Ela autoriza os que
detêm o poder a exercer a força, mas não diz que o uso da força simplesmente por
ser desejado pelo poder originário, seja justo. Ela dá uma legitimação jurídica do
poder, não uma legitimação moral. O direito, tal como é, é expressão dos mais
fortes, não dos mais justos. Melhor seria se os mais fortes fossem também os mais
justos.
Assim, a doutrina mais recente tem buscado abordagens que recusam filiar direito a
força, especialmente devido ao trauma histórico da Segunda Guerra Mundial e fenômeno
político dos estados totalitários do século XX. Tais reações antipositivistas tentam promover
um fundamento de justiça para a decisão constitucional primária, de modo a condicionar o
poder constituinte a parâmetros de vinculação pré-constitucionais, mas, ainda assim, jurídicos.
Porém, diferentemente da doutrina do direito natural, essas correntes não se apóiam numa
filosofia metafísica dos valores, mas sim em dados objetivos, até mesmo empíricos, de
aferição da verdade axiológica. Dessa forma que, “aprendendo com os erros do passado, já
necessariamente assim; que as podemos pensar em pressupostos, quer dizer, sem pressupor a norma
fundamental, como relações de força, como relações entre indivíduos que comandam e indivíduos que obedecem
ou não obedecem – isto é, sociológica e não juridicamente.”
8
Sobre a relação entre direito e poder, enquanto violência, ensina Derrida (2007, p. 75 – 78): “O conceito de
violência pertence à ordem simbólica do direito, da política e da moral – de todas as formas de autoridade ou de
autorização, ou pelo menos de pretensão à autoridade.” Mais a frente o autor retorna ao tema e escreve: “Há um
interesse do direito na monopolização da violência [...]. Esse monopólio não tende a proteger determinados fins
justos e legais (Rechtszwecke), mas o próprio direito”.
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não se reclama de uma razão infalível (receptáculo de leis eternas, naturais ou divinas), mas
de uma razão comunicativa que procura fundar na argumentação as suas verdades
provisórias” (PINTO, 1994, p. 103).
Agora se busca uma verdade ética politicamente adequada, ou seja, trata-se de
encontrar os critérios ideais para uma decisão constituinte ideal, o que seria uma decisão do
poder constituinte mais adequada ao cenário político-social em que opera. Entre essas
alternativas estão, segundo Pinto (1994, p. 101), “as que procuram para as decisões jurídicopolíticas, e prioritariamente para as político-constitucionais, um fundamento intersubjectivo
cuja garantia de racionalidade ou de justiça estaria nas condições formais de uma situação
ideal de deliberação.” Nessa perspectiva destacam-se, a título exemplificativo9, a teoria da
justiça de John Rawls10 e a teoria discursiva da legitimidade de Jürgen Habermas.11
Outros autores, ainda mais efusivos, vão além das condicionantes procedimentais
para a decisão ideal e chegam a defender uma ordem objetiva de valores socialmente
estabelecidos. É o que Bachof (2009) chama de “direito supralegal”, ou seja, uma ordem de
valores que estão acima da ordem constitucional escrita, mas que compõem um aspecto
material da constituição, de modo que são, também, direito positivo. Trata-se de uma
limitação objetiva de atuação do poder constituinte, conforme indica o referido autor:
Esta obrigatoriedade só existirá, em primeiro lugar, se e na medida em que o
legislador tome em conta os princípios constitutivos de toda e qualquer ordem
jurídica e, nomeadamente, se deixe guiar pela aspiração à justiça e evite
regulamentações arbitrárias. Mas, além disso, só existirá ainda se o legislador
atender aos mandamentos cardeais da lei moral, possivelmente diferente segundo o
tempo e o lugar, reconhecida pela comunidade jurídica ou, pelo menos, não os
renegar conscientemente. (BACHOF, 2009, p. 42 - 43) .
9
Uma abordagem detida sobre essas teorias trespassa os limites de investigação desse trabalho, motivo pelo qual
se dispensa maiores dilações.
10
Apenas sucintamente, explique-se que a teoria de Rawls se funda na premissa de que os homens, em
convenção social, buscam nada mais que a satisfação de seus interesses individuais e que, nesse contexto de
conflito, é que os homens tomarão decisões à luz dos princípios de justiça mais adequados para aquela situação.
Assim, os membros da coletividade deixam recair sobre si o véu da ignorância (veil of ignorance), o que os faz
“esquecer” da sua situação ou posição de antes da deliberação e, dessa forma, decidem com mais equidade,
fazendo com que os mais favorecidos colaborem para que os menos favorecidos tenham maiores perspectivas de
desenvolvimento. Dessa sorte, no hipotético momento de decisão primária, os homens deveriam deliberar sobre
dois princípios fundamentais: a) igual e o mais amplo possível acesso aos direitos de liberdades básicas para
todos; b) atenuação das desigualdades sociais e econômicas, com justa igualdade de oportunidades. Portanto,
para Rawls, a constituição justa, ou melhor, legítima, é aquela formada sobre essas condições formais, pois tais
condições são o critério de validade tanto do procedimento, como do resultado (constituição) (PINTO, 1994, p.
104 - 119).
11
Já a teoria discursiva de Habermas defende a verdade como um consenso, e não como uma correspondência
factual. Assim, a verdade é uma concepção intersubjetiva oriunda de um processo dialético-discursivo, onde os
participantes de um debate sob condições ideais, tomam a decisão racionalmente mais adequada. No caso, a
decisão mais adequada é aquela que satisfaz os interesses universalizáveis da sociedade, conclusão obtida por
meio da argumentação que servirá como critério de justiça. Disso se conclui que o exercício e o fruto do poder
constituinte, para serem válidos, ou justos, devem depender “de um consenso haurido de uma comunicação livre
de violência” (PINTO, 1994, p. 119 – 136).
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14
Em linha não idêntica, mas em sentido semelhante, é a lição de Miranda (2000, p.
78), quando diz:
Fruto de luta da própria coletividade pela sua emancipação política ou da decisão de
outro Estado ou de organizações internacionais, efeito de acto praticado de acordo
com certas regras jurídicas positivas ou contra essas regras, a formação do Estado
não se reduz nunca a mero facto natural ou extrajurídico. Muito pelo contrário,
nunca deixa de ser, em si, um acto jurídico por sempre ter de apelar para um
princípio justificativo e sempre ter de implicar uma concepção de direito dominante
(ou talvez melhor aqui, uma vontade do direito inovatória).
O autor lusitano traz a ideia de que o poder constituinte estaria condicionado por um
sentimento, ou concepção, socioconstitucional dominante em determinado momento histórico,
o que leva à conclusão de que o poder constituinte teria natureza jurídica, ou seja, seria poder
de direito por estar limitado por estas normas de legitimidade social12.
Diante dessas teorias, que trazem, com diferentes argumentos, a concepção de poder
constituinte como instituição jurídica, analisa Kelsen (2009, p. 129-134), afirmando que tais
teorias se fundamentam num “sentimento jurídico” (Rechtsgefühl), cuja característica é
justamente a de que as ordens jurídicas são criadas a partir de consensos globais de
juridicidade, que nada mais são do que juízos globais de justiça. Diferente da fundamentação
metafísica do jusnaturalismo, as teorias do “sentimento jurídico” lastreiam-se numa ideia de
justiça consensualmente estabelecida, semelhante ao que se entende pelo qualificativo de
legitimidade. Isto é, o fundamento da juridicidade do poder constituinte não é mais “a” justiça
absoluta e imutável, mas, sim, “uma” justiça ajustada socialmente.
Para Kelsen (2009, p. 133), tais concepções recaem no mesmo erro das formulações
de tempos passados:
A tentativa que se faça de, a partir dos sentimentos jurídicos dos homens, recolher
certos princípios supremos a fim de modelar ou afeiçoar o direito positivo e,
portanto, obter critérios seguros para apreciação ou valoração, apenas poderia – de
todo em todo – resultar se fosse possível demonstrar um determinado conteúdo do
sentimento jurídico que fosse igual em todos os homens, se o sentimento jurídico de
todos os homens postulasse o mesmo tratamento em iguais circunstâncias. Essa
tentativa falha desde logo porque não é possível revelar um tal conteúdo, porque o
sentimento jurídico dos homens postula o tratamento que se coaduna com qualquer
um das normas de justiça entre si divergentes. Ela choca-se contra o mesmo facto
com que esbarra a tentativa de formular uma norma ‘abstracta’ de justiça
prescrevendo um tratamento determinado que apresente um elemento comum aos
12
Num sentido muito semelhante, mas lastreada no que chamou de axiologia transcendente ao próprio Estado de
Direito e fundada na dignidade da pessoa humana, é o escólio de Pinto Netto (2009, 72-74): “O poder
constituinte não conhece limites jurídico-positivos, mas pode-se dizer balizado por princípios superiores cuja
validade cuja validade funda-se em nível superior ao da legalidade das normas constitucionais que os consagram.
[...]Assenta-se, desse modo, a ideia de que os direitos fundamentais [...] são limites que se impõem mesmo ao
poder constituinte originário”.
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diferentes tratamentos postulados pelas diferentes normas de justiça concretas. No
fundo trata-se da mesma tentativa. (Aspas no original) .
Mais forte ainda é o argumento de que o sentimento jurídico é um fato da ordem do
ser, enquanto que a norma jurídica é um dado da ordem do dever-ser, ou seja, um é fato o
outro é norma. Afirma Kelsen (2009, p. 134) que há incompatibilidade lógica em se admitir
que do ser se siga uma norma de dever-ser. Tratam-se de planos distintos13. Destarte, os
valores e concepções políticas presentes entre os homens da sociedade não condicionam,
juridicamente, o poder constituinte, pois não são normas, mas apenas dados factuais.14
Admitir o contrário é confundir faticidade com normatividade, ou melhor, legitimidade
constitucional com juridicidade (SCHMITT, 2009, p. 105).
Para o desate final dessa questão, tem-se que deve prevalecer a concepção de que o
poder constituinte é um poder de fato, estranho ao objeto da ciência jurídica e incondicionado
sobre qualquer forma de regulação jurídica. Adota-se, portanto, uma metódica positivista, na
qual é pressuposto insuperável que a ciência do direito tem como objeto normas positivas
objetivamente válidas. Nisso consiste importante premissa metodológica deste trabalho.
4 TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE
Se se entende por poder constituinte um dado de fato, incondicionado juridicamente,
perde sentido uma discussão sobre os limites desse poder, o que, de conseguinte, dá relevo a
uma discussão da sua legitimidade. No cerne, então, dessa temática está a questão da
titularidade do poder constituinte.
Investigar a titularidade do poder constituinte é verificar a quem cabe a soberania
para a realização de um ato político – ou ato de força/violência – que instaura uma ordem
jurídica constitucional, em cada momento histórico das civilizações e, ainda mais importante,
no momento hodierno. Tudo isso com o fim de buscar uma teoria que fundamente o poder que
13
Nesse diapasão, escreveu Ivo (1997, p. 64) “O caráter normativo do poder constituinte originário não é aquele
próprio do mundo jurídico, mas a normatividade inerente a própria vida social, que é sempre normatizada”
14
Sobre esse ponto, discorre Neves (2007, p. 67): “Embora numa perspectiva jurídico-sociológica (observação
externa) a norma jurídica deva ser conceituada como fato (expectativa de comportamento), sob o ponto de vista
da Teoria do Direito (auto-observação) as normas não são deduzíveis de fatos, interpretando isso como uma
‘proibição lógica’ que teria decorrido da evolução da sociedade no sentido da diferenciação do sistema jurídico.”
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melhor satisfaça aos postulados de um ideal de justiça política, tratando-se, dessa forma, de
um estudo com base em premissas ético-valorativas15 (BARROSO, 2009, p. 104).
Já foi trabalhado o escorço histórico do fenômeno constituinte, porém reitere-se,
superficialmente, que o poder constituinte, na Idade Média, conformou sua titularidade no
transcendental – tal como as doutrinas que legitimavam o poder monárquico na vontade
divina. Por outro lado, vale dizer que em alguns momentos e em diferentes nações o poder das
monarquias foi legitimado, também, pelo contrato entre os súditos e o soberano.16
Com a formação de uma teoria do poder constituinte, atribuída a Sieyès, conforme já
dito, entendeu-se que a titularidade do poder constituinte pertencia à nação. O conceito de
nação tinha um sentido que “encarna a permanência de uma comunidade; é a expressão de um
interesse permanente de uma comunidade” (FERREIRA FILHO, 2007, p. 13).
Com isso não deve se confundir o conceito de nação com o de povo, pois este
[...] é o conjunto de indivíduos que estão sujeitos a um poder. Ao passo que [...] a
nação é a encarnação de uma comunidade em sua permanência, nos seus interesses
constantes, interesses que eventualmente não se confundem nem se reduzem aos
interesses dos indivíduos que a compõem em determinado instante. (FERREIRA
FILHO, 2007, p. 23)
Em termos práticos, a titularidade da nação, ou da soberania nacional, sobre o poder
constituinte consiste em atribuir a um órgão pré-jurídico a competência para elaboração da
constituição, em nome de uma vontade nacional que irá se perpetuar e prevalecer diante dos
poderes constituídos, por conta da pressuposição de que as condições de deliberação do
momento constituinte foram melhores, a ponto de se crer numa decisão absolutamente
racional que representa o desejo e o espírito da nação (BONAVIDES, 2008, p. 153). Essa
teoria visou a legitimar a participação popular indireta na formação constitucional, em virtude
de que a participação direta, preconizada por Rousseau em sua tese da soberania popular, era
pragmaticamente inviável. Assim, pelo fato de que impossível que todos os membros da
sociedade venham a integrar a constituinte com igual participação, passou-se a conceber a
ideia de soberania nacional, que legitimou o sistema representativo. Essa teoria, portanto,
15
Salta aos olhos que assumir essa discussão, neste trabalho, seria contradizer as premissas metodológicas logo
acima postas, mas não é bem assim. Em que pese o tema sair do campo de investigação das normas, é de grande
relevância para o estudo do controle judicial das normas constitucionais - que é o tema central do trabalho – pois
tal demonstração justifica as razões para que a jurisdição constitucional não exceda, ou o contrário, no controle
das emendas constitucionais.
16
Como, por exemplo, a teoria política expressa na obra Leviatã. Hobbes discorre que os homens, para
resguardar-se do estado de barbárie e guerra que domina na ausência de um poder central, ou melhor, estatal,
devem se filiar ao monarca, num contrato social em que cedem parcela de sua liberdade em nome de uma
convivência pacífica. Nas palavras do autor: “o homem deve concordar com a renúncia de seus direitos a todas
as coisas, contentando-se com a mesma liberdade que permite aos demais, na medida em que considere a decisão
necessária a manutenção da paz e em sua própria defesa” (HOBBES, 2008, p. 100).
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decorreu como uma resposta à teoria da soberania popular de Rousseau17 (FERREIRA
FILHO, 2007, p. 25).
De todas essas teorias sobre a titularidade do poder constituinte, prevalece, nos dias de
hoje, a teoria da soberania popular, na qual o povo é o supremo titular do poder constituinte.
Tamanho foi o sucesso dessa teoria, que constituições de diversos países trazem em seu bojo,
como texto positivo, a atribuição do poder constituinte ao povo, tal como a brasileira, que já
no art. 1º prescreve que “todo poder emana do povo”. Também a constituição americana traz
em seu preâmbulo a expressão “We the People”, o que fez da mesma forma a constituição
alemã no art. 20 §§ 1º e 2º (BARROSO, 2009, p. 108).
Em resposta às críticas realizadas em desfavor da doutrina da soberania popular, que
denunciavam uma ficção jurídica18 e política, além de culminar sempre numa crise de
legitimidade do poder da maioria, foi concebido um conceito de povo que discrepava do
tradicional – para o qual povo seria a soma das diversas vontades individuais. Entende-se por
povo, agora, uma “grandeza plural” composta por forças culturais e políticas de diversos
segmentos e grupos que, em conjunto, formam a vontade global que legitima a instauração e a
continuidade de uma ordem constitucional. Trata-se de um sentido político de povo, que
procura evitar reduzir seu conceito ao de maioria. Só assim é possível admitir cientificamente
as diversas expressões do fenômeno jurídico “povo” (CANOTILHO, 2010, p. 75).
A partir disso, tem-se que o poder constituinte do povo não se manifesta somente nos
órgãos representativos, ou na maioria em sufrágio, mas sim na reiterada e cotidiana atribuição
de legitimidade de um povo pela ordem constitucional. Ou seja, o exercício do poder
constituinte pelo povo se dá nas formas de manutenção de vigência e na receptividade da
ordem constitucional posta, ainda que as decisões originárias não tenham sido diretamente
pelo povo estabelecidas. Com o mesmo pensamento discorre Müller (2004, p. 57):
17
“Ao combinar poder constituinte com sistema representativo, Sieyès admitiu que a constituição fosse
elaborada não diretamente pelo povo (que via como uma entidade puramente numérica), mas por uma
assembléia constituinte, órgão cujos representantes eram eleitos e que expressavam a vontade da nação. Sendo
soberana a assembléia, a constituição por ela elaborada não precisava à ratificação popular” (BARROSO, 2009,
p. 107).
18
Kelsen (2006, p. 332-333) já tratou do tema e afirmou que tais teorias recaem numa ficção, pois, para ele, não
importa que os representantes do povo vinculem-se ou não à vontade popular, uma vez que a norma atribui
competência para produção de normas ao órgão, e somente o exercício dessa competência é suficiente para a
validade das normas. Nas palavras do autor: “Quando se diz que um órgão, no exercício de sua função representa
o povo, quer dizer, os indivíduos que formam a comunidade estadual, quando se atribui a sua função a estes
indivíduos, quer significar-se que um indivíduo cuja função também pode ser atribuída à pessoa do Estado e que,
portanto, pode ser considerado como órgão do Estado, está jurídica ou moralmente vinculado a exercer sua
função no interesse do povo, isto é, dos indivíduos que formam a comunidade estadual.” Porém entende ser isso
uma errata teórica e mais a frente raciocina: “A questão é apenas a de saber sob que pressuposto nos é lícito,
numa exposição científica do Direito, servimo-nos da ficção contida na atribuição da função exercida por um
determinado indivíduo a uma pessoa jurídica ou a um outro indivíduo, ou por outras palavras, sob que condições
é cientificamente legítimo o uso dos conceitos de organicidade ou de representação”.
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O constituinte da constituição não entrega a constituição, não a larga de mão. Ela lhe
é colocada à disposição para a práxis futura. À medida que ele deve ser responsável
para a sua vigência continuada, ele também o é, de acordo com a ficção, para pô-la
em vigor. Para esse aspecto é secundário se ele [o povo] efetivamente constitui a
constituição na história, se ele a promulgou por força própria19. (Destaques no
original)
No mesmo sentido é o escólio de Neves (2007, p. 68):
A vigência das normas constitucionais não decorre simplesmente do procedimento
constituinte e da reforma constitucional como processos de filtragem juridicamente
orientados para tal fim, mas também da concretização constitucional como
pluralidade de processos de filtragem.
Para esse autor, o conteúdo da constituição não depende unicamente de uma
positivação dada num determinado momento histórico por um sujeito que, então, deixa de
exercer seu poder constituinte, pois o conteúdo constitucional é produto de atos concretizantes
- por exemplo: observação, rejeição, mutação e aplicação jurisdicional das normas
constitucionais - no plano social20, de sorte que o titular do poder constituinte renova o
exercício de seu poder constantemente.
Disso tudo se conclui, sobre a titularidade do poder constituinte, que a autoridade de
conceber a ordem constitucional pertence ao povo, conforme é normativamente prescrito nas
cartas constitucionais, mas o povo não manifesta sua atribuição apenas mediante um
procedimento representativo de decisão em que se pressupõe a participação de todos, numa
soma de vontades indiretamente expostas. O povo manifesta seu poder constituinte também
por atos de concretização social21 e institucional, uma vez que a concepção de povo se traduz
numa grandeza plural, ou numa vontade global, decorrente das forças culturais e sociais que
19
“A vontade do autor histórico da constituição da Constituição não pode fundamentar a vigência real da
Constituição assim criada e muito menos ainda pode preservá-la. A medida na qual a constituição logra obter
essa vigência é muito mais uma questão atinente à sua força normativa, à sua capacidade de atuar de modo
determinante e regulador na realidade da vida histórica. A Constituição vige, portanto, quando ela é eficaz; tudo
indica que procedimentos não são decisivos para sua legitimidade” (MÜLLER, 2004, p. 48 e 49).
20
“Os procedimentos decisórios, tanto constituintes como de concretização constitucional, filtram as
expectativas jurídico-normativas de comportamento, transformando-as em normas constitucionais vigentes. Não
se trata de uma estrutura ideal de sentido em relação recíproca com a realidade social, mas sim de um subsistema
normativo-jurídico, o qual, de um lado, tem uma relativa autonomia, de outro, encontra-se em permanente e
variado inter-relacionamento com os sistemas sociais primariamente cognitivos, os outros sistemas ou formas de
comunicação primariamente normativas e, especialmente, com as outras dimensões do sistema jurídico”
(NEVES, 2007, p. 64).
21
Schmitt (2009, p. 100), já no início do século, esboçou a ideia de que o povo também exerce poder constituinte
ao admitir a constituição, anuindo com sua vigência e, assim, legitimando-a. Nas palavras do autor: “La forma
natural de la manifestación inmediata de voluntad de un pueblo es la voz de asentimiento o repulsa de la multitud
reunida, la aclamación. [...] En tiempos de orden y paz, semejantes manifestaciones son raras e innecesarias. El
que no se dé a conocer ninguna manifesta y especial voluntad, significa precisamente asentimiento para que
subsista la constitción presente. [...] La voluntad constituyente del pueblo se manifesta siempre em su si o no
fundamental y adopta así la decisión política que da contenido a la Constitución”.
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agem direta e indiretamente na construção de sentido das normas constitucionais. A
legitimidade constitucional, portanto, não se substancia num procedimento ou na vontade de
um constituinte histórico, mas numa receptividade e adequação cotidiana das normas
constitucionais pelo povo.22
5 A REVOLUÇÃO: UMA EXPRESSÃO DO PODER CONSTITUINTE
Este tópico cuida de como se expressa, para a ciência jurídica, o poder constituinte,
ou seja, tem o objetivo de tratar da fenomenologia23 jurídica do poder constituinte, da sua
forma de se manifestar. Algumas obras trazem uma abordagem exaustiva sobre esses
processos de formação da ordem constitucional, descrevendo os fatos de natureza política e
sociológica que ensejam tais situações, porém tal abordagem foge aos limites e interesses de
uma ciência estritamente jurídica. Para uma teoria do direito positivo importa somente uma
leitura normativa do fenômeno constituinte, mas, preliminarmente, serão descritas,
rapidamente, algumas hipóteses de expressão do poder constituinte levantadas pela doutrina.
O fenômeno constituinte – ou seja, a produção originária de normas constitucionais
pelo poder constituinte – pode se expressar na natureza de diversas formas, historicamente
constatadas. Interessante enumeração exemplificativa é posta por Barroso (2009, p. 98), ao
afirmar que o poder constituinte pode decorrer das seguintes manifestações históricas: “a)
uma revolução; b) criação de um novo Estado [...] c) a derrota na guerra; d) uma transição
política pacífica.”
De outro lado, Ivo (1997, p. 57 – 60) propõe uma classificação diferente sobre as
formas de exercício do poder constituinte: a) autocrática, que consiste na imposição unilateral
da constituição – a exemplo da instauração de uma ditadura; b) sinalagmática, que ocorre
mediante um pacto expresso entre o soberano e os representantes do povo; c) democrática,
que pode ser indireta ou semidireta, ou seja, mediante representação parlamentar ou seguida
de plebiscito. Nas formas democráticas, pode ser criado um órgão específico para o processo
22
Tal entendimento diverge de uma teoria mais tradicional da legitimidade popular, que poderia ser muito bem
ilustrada na seguinte lição de Ivo (1997, p. 58): “[...] a configuração dessa vontade [do povo] não deixa de ser
um fato complexo, conquanto seria impossível que cada dispositivo constante de uma constituição contivesse a
vontade de cada elemento do povo. A vontade do povo é apurada pelo processo a ser instaurado. A vontade
mesmo que não seja incorporada ao documento, deve ser, durante o processo, livremente expressada, inclusive,
com as condições materiais. Não basta a formalidade, as condições materiais para que se veicule a vontade
devem ser garantidas a todos.”
23
A expressão “fenomenologia do procedimento constituinte” é sugerida por Canotilho (2010, p. 77).
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constituinte ou manter um órgão parlamentar já existente nas atividades ordinárias, que tanto
exerce funções constituintes como também competências legislativas infraconstitucionais.24 25
Pelo que foi exposto, pode-se deduzir que o poder constituinte se expressa sempre em
momentos revolucionários. A revolução é o palco apropriado para o surgimento de uma nova
ordem jurídico-constitucional. A revolução pode ser estudada por vários aspectos ou ângulos
que, a depender do campo de abordagem científica, podem construir diversas leituras do
mesmo dado de fato. Ou seja, pelo fato de a revolução ser um fenômeno complexo, este se
torna objeto de várias disciplinas, como, por exemplo, a Sociologia, Ciência política, o Direito
etc (VILANOVA, 2003, p. 262).
Para o exame da revolução no campo da ciência jurídica, importa realizar-se um corte
metodológico sobre a realidade, pois “[...] quando examinamos a juridicidade da revolução,
fazemos um discernimento do que na realidade é inseparável. Examinamos o fato real
complexo sub specie normae. Indagamos que relação existe entre a revolução e o
ordenamento [...]” (VILANOVA, 2003, p. 262). Ou seja, tratar da revolução, como
manifestação do poder constituinte e, portanto, como fenômeno jurídico, é restringir sua
análise para o que é pertinente ao ordenamento jurídico. Tal pertinência verifica-se na relação
do fenômeno revolucionário com as normas jurídicas do sistema positivo vigentes ao tempo
em que ocorre.
Nesse diapasão, o conceito jurídico de revolução, ou o conceito de revolução para a
ciência jurídica, “[...] é toda modificação ilegítima da Constituição, isto é, toda modificação
da constituição, ou a sua substituição por uma outra, não operadas segundo as determinações
da mesma Constituição.” (KELSEN, 2006, p. 233) Especificando melhor, revolução jurídica é
todo o fato ou situação que implica em descontinuidade da ordem jurídica, em especial, da
ordem constitucional, que é o fundamento de validade de todo o sistema. Essa
descontinuidade pode decorrer de uma série de causas factuais, tais como um golpe de estado,
uma insurgência popular, uma guerra, ou mesmo por uma reforma constitucional inválida,
mas o que importa para o estudo jurídico do fenômeno é a quebra da continuidade da
vigência/validade da constituição. (VILANOVA, 2003, p. 263 - 265) É exatamente por isso
que a revolução jurídica é a expressão, essencial, do poder constituinte, vez que é ínsito a esse
24
Complementarmente, vale destacar a classificação de Schmitt (2009, p. 99-103) sobre as formas democráticas
de procedimentos constituintes: a) mediante assembléia constitucional de maioria; b) mediante convenção
seguida de referendo; c) pela convenção entre diversos estados para formação de uma federação; d) e através de
aprovação referendada de uma projeto já estabelecido ou nova ordenação legal exercida de um modo qualquer.
25
Também merece destaque, sobre as formas democráticas de decisão constituinte, a proposta de Canotilho
(2010, p. 78-80), com a seguinte classificação: a) assembléia constituinte soberana, a qual exerce plena
competência para deliberação constituinte; b) assembléia constituinte não soberana, a qual elabora o texto
constitucional para, em seguida, submetê-lo a referendo popular; c) convenção popular, onde a ratificação
popular se dá por meio, não de referendo, mas, de convenções regionais entre os membros do povo.
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poder o escopo de criar um novo ordenamento jurídico-constitucional, desconstituindo aquele
até então vigente.
Isso posto, cabe indagar como se dá o processo de descontinuidade do ordenamento
jurídico, ou melhor, cabe saber quais os efeitos da suplantação da constituição por um
processo revolucionário. Já foi dito linhas atrás que o poder constituinte é exercido mediante
contínua e cotidiana aplicação e efetivação das normas constitucionais, mediante a
concretização dos comandos do texto da constituição. É devido a esse pressuposto que se
admite que a constituição encontra vigência naquilo que Kelsen denominou de eficácia global
do sistema jurídico. Explique-se: uma ordem de coerção, para ser jurídica, de modo a
pertencer a um sistema de validade jurídica, deve ser entendida globalmente pela sociedade
como uma ordem de direito, isso quer dizer que deve haver um consenso geral de que aquelas
normas são qualificadas como jurídicas e que, por isso, devem ser observadas como tal. 26 O
critério da eficácia global da ordem jurídica é o que faz distinguir um conjunto de normas
válido de uma tentativa inválida, ou ilegítima, de derrubada e usurpação do ordenamento
jurídico.
Nesse desiderato, e adentrando no tema de importância específica para essa reflexão,
poder-se-ia dizer que nem toda reforma constitucional inválida, em desconformidade com o
meio juridicamente previsto para ser feita, implica em descontinuidade do ordenamento, pois,
apesar disso, a constituição permanece vigente, já que as outras normas que não foram
alteradas permaneceram globalmente eficazes. Tal raciocínio é acertado, porque não é todo o
caso de reforma constitucional ilícita que implica em revolução no âmbito jurídico27
(VILANOVA, 2003, p. 265), vez que “uma ordem jurídica não perde a sua validade pelo fato
de uma norma jurídica singular perder a sua eficácia, isto é, pelo fato de ela não ser aplicada
em geral ou em casos isolados” (KELSEN, 2006, p. 237), embora deva ser observada e
aplicada.
Reitere-se que a produção de normas constitucionais reformadoras, sem observar o
procedimento de reforma, não leva necessariamente a quebra da continuidade constitucional,
pois, segundo Vilanova (2003, p. 272),
26
Nas palavras do autor: “[...] a validade de uma norma, isto é, o devermo-nos conduzir tal como a norma
determina, não deve confundir-se com a eficácia da norma, isto é, com o fato de que as pessoas efetivamente
assim se conduzem. Mas também [...] pode existir uma relação essencial entre as duas coisas – que uma ordem
coercitiva que se apresenta como direito só será considerada válida quando for globalmente eficaz. Quer dizer: a
norma fundamental que representa o fundamento de validade de uma ordem jurídica refere-se apenas a uma
Constituição que é a base de uma ordem de coerção eficaz (KELSEN, 2006, p. 51-52).
27
Devido a isso é que se faz a distinção entre reforma constitucional intra-sistêmica – feita em conformidade
com o procedimento estabelecido – e a extra-sistêmica – feita em desconformidade ao procedimento
estabelecido, mas que, ainda assim, permanece em vigor, sendo convalidada pelo ordenamento, devido ao fato
de que subsiste a eficácia global da constituição (VILANOVA, 2003, p. 287).
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Se a Constituição é alterada em seus fundamentos (ponhamos o caso de uma
Constituição formal-rígida e com um núcleo juridicamente imodificável), sem
obediência ao processo nela prescrito, temos, em sentido jurídico-formal, uma
revolução. [...] Nem toda quebra de Constituição é revolução. Se o descumprimento
de regra procedimental se verifica, a lei é inconstitucional, mas a constituição
subsiste. Tanto subsiste que serve de critério superior para qualificar a regra de
revisão e, ela mesma, dá o modo de solução do conflito intra-sistêmico,
encarregando a um órgão anular o preceito inconstitucional, ou mandando que o ato
jurisdicional, na espécie concreta, deixe de aplicar a regra contraveniente às regras
de revisão, ou incompatível com o núcleo que a Constituição tem por imodificável.
Não se pode dizer que, no interior do sistema jurídico, incompatibilidades
normativas, em face da Constituição, não haja [...].
Porém, tal prática – de inobservância das regras procedimentais de reforma – se vier
a se tornar corriqueira, enfraquece a normatividade constitucional, que depende de atos
concretos de aplicação/concretização (NEVES, 2007, p. 186-187).28 Isso não pode ser
olvidado. Sobre esse ponto, e dentro da perspectiva da teoria dos sistemas sociais de
Luhmann, descreve Neves (2007, p. 149) que, nas constituições de baixa normatividade,
[...] os detentores não ficam vinculados a mecanismos jurídicos de controle previstos
nas respectivas leis constitucionais, seja porque as próprias disposições (supra-)
constitucionais excluem os órgãos políticos supremos de qualquer limitação do
controle jurídico, ou porque ocorre mudanças casuísticas da Constituição no sentido
de impedir a invocação dos eventuais instrumentos de controle. É, portanto, no plano
da própria emissão de leis (supra-) constitucionais que se impede o desenvolvimento
do código-diferença “lícito/ilícito” como segundo código do poder. Dos próprios
textos normativos constitucionais, sem qualquer distância em relação à realidade
constitucional, decorre o bloqueio heterônomo da produção dos componentes do
sistema jurídico. (Aspas no orginal)
Posto, então, que nem toda a inobservância do procedimento de reforma leva a uma
quebra constitucional, em que pese existir a possibilidade de mitigar a normatividade da
constituição, cumpre indagar quando, de fato, se dá a quebra da continuidade constitucional
por meio de uma reforma ilícita.
Ocorre que existe um núcleo da decisão constituinte originária que, se transformado
pela reforma, implica quebra da continuidade da ordem constitucional, pois esse núcleo
compõe precisamente a identidade e espírito constitucional, que, segundo Carl Schmitt (2009,
p. 119), se traduz na decisão política fundamental a qual, uma vez estabelecida num
28
“Nesse contexto, as proposta permanentes e repetidas de reformas constitucionais abrangentes desempenham
antes uma função simbólica. A responsabilidade pelos problemas graves e políticos é, então, atribuída a
constituição, como se eles pudessem ser solucionados mediantes as respectivas emendas ou revisões
constitucionais. Dessa maneira, não apenas se desconhecem que leis constitucionais são não podem resolver
imediatamente os problemas da sociedade, mas também se oculta o fato de que os problemas jurídicos e políticos
que freqüentemente se encontram na ordem do dia estão associados à deficiente concretização normativojurídica do texto constitucional existente, ou seja, residem antes na falta de condições sociais para a realização de
uma constituição inerente a democracia e ao estado de direito do que nos próprios dispositivos constitucionais”
(NEVES, 2007, 186-187).
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específico momento histórico, rege normativamente todo o acontecer político subseqüente.
Trata-se do cerne normativo da ordem constitucional que, quando positivado, estabiliza as
expectativas jurídicas no que se refere à vida política, retirando da esfera do político
determinadas condutas e decisões, colocando-as na esfera do sistema jurídico, regulado no
modelo do lícito/ilícito.29 Ou seja, essas decisões, por serem positivadas de forma inalterável,
representam o ponto culminante de diferenciação do que é político e do que é jurídico, o
primeiro regulado pelas relações de poder e influência e o segundo pelas relações de
licitude.30 Trata-se de um critério mínimo de diferenciação entre os domínios da
normatividade jurídica e o ambiente que a circunda, limiar este estabelecido pelas normas
constitucionais que prescrevem limites à reforma constitucional e cláusulas de intangibilidade.
De forma sintética, apesar do Direito tolerar penetrações e influências de outras esferas
da vida social (política, economia, etc.), por meio da instituição de reformas constitucionais,
existe um âmago de normas que deve ser preservado para garantir a própria existência do
sistema jurídico como normatividade ideal (expectativas estabilizadas) e esse âmago de
decisões é, inicialmente, delineado no momento da positivação, ou melhor, da emissão do
texto constitucional (NEVES, 2007, p. 69-74).
Tendo isso, dentro do sistema positivo de normas, o referido núcleo de decisão
intangível é determinado pelas normas de limitação material de reforma constitucional, ou
melhor, pelas cláusulas pétreas da constituição (VILANOVA, 2003, p. 272). É por isso que se
pode afirmar que “[...] somente o mínimo que representar decisão política fundamental,
quando alterado, é que importará em quebra ou destruição da constituição” (VILANOVA,
2003, p.273). Isso significa que todo ato, normativo ou factual, que afronte ou diminua o
poder normativo desse núcleo de normas provoca, em alguma medida, uma transição
constitucional31.
29
“Como particularidade da sociedade moderna, o fenômeno da positivação significa que o direito se caracteriza
por ser posto por decisões e permanentemente alterável. Além do mais, a positividade indica que o direito é um
sistema autodeterminado ou fechado operacionalmente. [...] em outras palavras: a Constituição determina como e
até que ponto o sistema jurídico pode reciclar-se sem perder sua autonomia operacional” (NEVES, 2007, p. 72).
30
“É possível também uma leitura no sentido de que a constituição na acepção moderna é fator e produto da
diferenciação funcional entre direito e política como subsistemas da sociedade. Nessa perspectiva, a
constitucionalização apresenta-se como processo através do qual se realiza essa diferenciação” (NEVES, 2007,
p. 65).
31
No mesmo sentido, destaca Pinto Netto (2009, p. 74): “A verificação da conformidade constitucional da
atuação do poder de revisão insere-se na sua confrontação com as normas constitucionais originárias, mormente
com os limites à revisão ou reforma constitucional, pois, se o poder de revisão ultrapassa tais limites delineados
pela Constituição, deixa de exercer poder jurídico, torna-se contrário e extravagante da ordem jurídica,
passando para o campo do poder de fato, a exemplo do que ocorre nos golpes e revoluções; e aí já se está
perante uma ruptura na ordem constitucional e não perante uma revisão ou reforma”. (Destaque nosso) Vale
esclarecer que a autora utiliza o termo “revisão constitucional” com o mesmo sentido a que se atribui ao termo
reforma constitucional, devido ao fato de que o seu trabalho é lusitano e em Portugal existe, pela doutrina, uso
mais frequente do primeiro termo.
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Porém, ressalte-se que o problema da delineação do núcleo intangível da constituição,
que uma vez modificado provoca a descontinuidade da ordem jurídica, só pode ser feito
mediante um processo hermenêutico de produção do sentido normativo das cláusulas pétreas.
Dito de outro modo, as decisões fundamentais, estabelecidas no processo de positivação da
constituição, não têm o sentido, já de então, definido, devido exatamente ao fato de que a
positivação emite somente texto, produz enunciados normativos de hierarquia constitucional,
que serão concretizados durante vida constitucional. Portanto, saber se uma determinada
reforma constitucional implica revolução jurídica, provocando a descontinuidade do
ordenamento, é essencialmente um problema de aferição do sentido das normas de limitação
material da constituição.
O problema da delineação do sentido das normas que traduzem a decisão fundamental
da constituição é objeto para a hermenêutica jurídica, o que demanda um trabalho autônomo
por meio do qual se dedique, com a devida profundidade, a análise do tema. Os limites deste
trabalho não permitem maiores discussões nesse sentido.
CONCLUSÃO
O poder constituinte é fenômeno que se encontra no plano do ser, é dado empírico,
cuja existência se configura em qualquer grupo social no qual o exercício da vida política foi
vinculado por normas jurídicas. Devido a isso, pode-se dizer que o poder constituinte sempre
existiu, independentemente de qualquer teorização.
Diferentemente, a teoria do poder constituinte foi concebida no século XVIII, no
contexto da Revolução Francesa, com as contribuições de Abade Sieyès. Nesse momento, o
poder constituinte foi visto como decorrência do direito natural da liberdade, que confere o
poder de autodeterminação, inclusive política, dos povos.
Presentemente, entende-se que o poder constituinte não deriva de nenhum fundamento
jurídico, tal como propunha a escola do direito natural, é, sim, entendido como ato de força,
ou de vontade, que põe normas jurídicas objetivas no plano social, vinculando as formas de
atividade da vida política.
Sendo assim, o poder constituinte não deve estar vinculado por nenhuma outra
restrição jurídica, pois, se assim for, deixará de ser poder que constitui para ser poder
constituído. Portanto, trata-se de um poder ilimitado.
Por outro lado, correntes atuais afirmam um limite ético, inicial e anterior ao
fenômeno constituinte, que o vincula, pré-determinando, objetivamente, certas decisões
constitucionais. Essa conclusão é equivocada, uma vez que, quando se parte da premissa
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metodológica de analisar o fenômeno constituinte sobre seu aspecto jurídico, é possível dizer
que, sim, tais limitações éticas existem, mas não são normas jurídicas e, portanto, não
integram o sistema jurídico. Afirmar o contrário é abrir possibilidades teóricas para a
insurgência contra a constituição, invocando direitos e prescrições, supostamente éticas, de
modo a mitigar a normatividade e a continuidade constitucional. Daí a opção por uma teoria
do poder constituinte ilimitado e independente de qualquer vinculação, que não erra e, por
isso, deve ser mantido e observado o máximo possível, até que suas prescrições percam
qualquer utilidade no regimento da política da nação.
Com isso, pode-se afirmar que qualquer ação atentatória à ordem constitucional é,
também, um ato de quebra e transição constitucional, na medida em que nenhum fundamento
jurídico superior existe para lhe retirar a natureza de ilicitude. E, como todo ilícito, os atos
inconstitucionais enfraquecem a normatividade constitucional, na proporção de sua
intensidade, extensão e repetição.
A vigência da ordem constitucional não decorre, exclusivamente, da positivação, ou
melhor, da composição e publicação do texto positivo. São, também, elemento da vigência
constitucional os atos individuais de concretização (decisão judicial, ato administrativo,
resoluções, observância pelo particular), por isso que é válido o que se disse acima, reitere-se:
os atos contrários à constituição enfraquecem sua normatividade. Assim, cabe perquirir quais
são os atos que, definitivamente, esfacelam e nocauteiam a vigência da Constituição, afinal,
não é qualquer mero ato de desobediência que lhe prejudica por completo.
Destarte, faz-se oportuno o conceito de revolução jurídica. Revolução para o direito,
em especial, o direito constitucional, é, exatamente, a resposta para aquela pergunta, isto é,
são os atos de inobservância das normas constitucionais que implicam numa definitiva
descontinuidade constitucional. Revolução jurídica é o mesmo que transição, sempre ilícita,
de uma ordem constitucional por outra.
A partir disso, tem-se que não é qualquer fenômeno revolucionário que implica em
revolução jurídica. Os eventos dessa natureza, dotados de grande amplitude e que quebram
sólidos paradigmas, podem ocorrer em diversos subsistemas da vida social, tais como nas
artes, na economia, no estilo vida e, até mesmo, na política, quando isso não confronta normas
constitucionais.
Para exemplificar, basta lembrar do movimento artístico do modernismo, que se deu
no início do século XX. Já no campo da economia, recorde-se que a Revolução Industrial
adveio sem haver qualquer mudança no plano jurídico das civilizações, não obstante tenha
sido um catalisador para as mudanças constitucionais no caminho do Estado Social. Quanto
ao subsistema da política, pode-se dizer que verdadeiras mudanças na organização partidária e
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na conformação das distribuições do poder na nação não dependem de mudanças
constitucionais.
Assim, a revolução jurídica é aquela forma de insurgência que se dispõe a destruir a
vigência constitucional. Mas dentre os atos ilícitos que confrontam a Constituição, somente
aqueles que atingem direta ou indiretamente os limites de reforma constitucional. Isso porque
tais limites são os verdadeiros liames que fazem diferenciação, em última instância, entre as
prescrições jurídicas e o fático da vida social. Isso quer dizer que são essas disposições que
garantem, com a maior tenacidade, que os outros subsistemas da vida social invadam o plano
jurídico e promovam a quebra da ordem jurídica. Não importa qual a forma utilizada, se foi
por meio de um procedimento ilícito de reforma ou por golpe de estado, o que importa é que é
o núcleo axiológico essencial das decisões constituintes foi fulminado.
Enfim, pode-se concluir que o preciso critério para aferir uma quebra da continuidade
constitucional é o desrespeito relevante das normas que estabelecem limites para a reforma
constitucional.
Caso
essas
cláusulas
percam
sua
normatividade,
por
conta
ato
“desconcretizadores” ou ausência de atos de concretização, não existe mais vigência
constitucional.
É por isso que se faz imprescindível uma forte atuação no controle de
constitucionalidade sobre as reformas constitucionais e as inovações legislativas, a fim de
manter a inicial decisão constituinte, especialmente numa sociedade em que reside frequente
estado de instabilidade político-institucional. Mas não só isso, é necessário, também, a
propagação de uma cultura nacional de respeito à Constituição. É preciso a formação de um
sentimento constitucional em toda a comunidade. De outro modo, a ordem constitucional
perde sua utilidade e a nação fica sujeita a formas de poder sem legitimidade e respaldo
necessários, que só podem ser garantidas pelo procedimento atípico de uma constituinte.
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