Profissional em Foco - Peter Barth

Transcrição

Profissional em Foco - Peter Barth
PROFISSIONAL EM FOCO
Um professor de
liderança
n
por Vanderlei Abreu
Seguramente, a história do desenvolvimento de lideranças no Brasil passa pelo
Prof. Peter Barth, presidente da Intercultural, representante no País das The Ken
Blanchard Companies, que deu origem
ao conceito da Liderança Situacional®
II. Em 2013, Barth completa 50 anos
de atividade profissional com algumas
marcas impressionantes. Nos últimos
27 anos de atividades da Intercultural,
conquistou 584 clientes corporativos e
treinou mais de 52 mil executivos e gerentes em seus programas de desenvolvimento de lideranças.
Nesta entrevista para a Revista T&D Inteligência
Corporativa, Barth fala sobre sua trajetória profissional, as deficiências do Brasil na formação de líderes e a
importância do escotismo para sua vida.
Praticamente fiz carreira no escotismo, chegando a
escoteiro-chefe e recebi vários distintivos, como o de
Escoteiro da Pátria — principal comenda dada pela
União dos Escoteiros do Brasil —, mas o mais importante para mim foi a lição de liderança que se ensina
no movimento, que é muito simples. Em primeiro lugar,
a integridade, que significa ser consistente entre o que
se diz e o que se faz. O segundo ponto é liderar pelo
exemplo. A história do “faça o que digo, mas não faça o
que faço” não funciona em lugar algum. Não se pode
cobrar dos outros um comportamento que não se exige de si próprio.
Boa parte das pessoas que se dizem
líderes acredita que, ao conquistar
uma posição, não está mais sujeita às
regras cumpridas pelos “mortais comuns”. O terceiro ponto do escotismo
é a ação na prática. Boas intenções
não bastam, precisamos de boas práticas. Eu gostaria que todos os líderes
se lembrassem deste aspecto.
Tive alguns exemplos de liderança
nos quais me inspirei, como meu pai,
que foi um exemplo de integridade,
bondade, compreensão para com as
pessoas, altruísmo e generosidade,
Fazendo uma comparação ao presidente Juscelino Kubitschek, “50 anos em cinco minutos”, faça
um resumo da sua vida profissional.
Acredito que aprendi algumas coisas simples, mas
muito importantes. Eu fui escoteiro dos 11 aos 24 anos.
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características que hoje não é muito comum vermos
todas juntas. Também tive uma influência muito importante durante meus anos de formação, que foi o
diretor geral da sede do meu grupo escoteiro – um
exemplo de dignidade e respeito humano. O Sr. Speyer
era um homem extremamente culto, falava latim, grego, alemão, inglês, português e, com toda essa bagagem e essa cultura, lembro-me de uma vez que conversávamos em sua sala, entrou um menino de uns
oito anos e esse senhor de mais de 60 anos levantou-se para cumprimentá-lo. Questionei sua atitude e ele
respondeu: “não estou cumprimentando uma criança,
mas o homem de amanhã”. Um exemplo de humildade desses ninguém esquece.
O movimento escoteiro forma cidadãos íntegros,
com conceito de servir o próximo e cobra de todos
cumprirem uma boa ação diária. Uma situação que
me impressionou no meu período de escotismo foi
quando me convidaram para uma cerimônia no palácio do Governo de São Paulo e o governador, creio
que foi Lucas Nogueira Garcez, discursava falando
que estava muito emocionado, mas sua feição não
demonstrava absolutamente esse sentimento. Foi
nesse momento que percebi que os políticos não
falam o que sentem ou não sentem o que falam.
Essa é a incongruência que infelizmente existe entre o que se diz e o que se pratica.
O meu interesse por liderança começou naquela
época em função de alguns modelos que me inspiraram. Na época do vestibular, decidi cursar Psicologia e
ingressei na USP, formando-me na primeira turma de
psicólogos em 1964. Entretanto, meu interesse pela
Psicologia foi despertado justamente por lidar com
grupos no período em que fui escoteiro, pois buscava
encontrar resultados por meio da educação, de modo
que as pessoas crescessem.
No último ano da faculdade, minha primeira oportunidade de trabalho foi participar de uma pesquisa
dos Voluntários da Paz dos Estados Unidos, organizada pela Universidade do Texas, e coordenada pelo
professor John Francisco dos Santos, que procurava
um assistente. Minha responsabilidade foi entrevistar
os voluntários americanos, seus parceiros brasileiros e
aplicar uma série de testes. O resultado foi publicado
em um livro em 1966, do qual fui coautor.
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Os líderes políticos precisam
parar de pensar em si e atuarem
como líderes servidores, que é a
sua verdadeira missão
Depois disso, fui professor na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Fiz
minha pós-graduação lá, a escola abriu concurso para
professores e fui aprovado. Fiquei três anos na FGV em
São Paulo e, posteriormente, dez anos na FGV do Rio.
Iniciei em uma cadeira opcional para os alunos do último ano de Administração, que foi Liderança e Dinâmica de Grupo. Nesse período me aprofundei mais no
assunto em termos acadêmicos.
Paralelamente a essa atividade, fui vice-presidente
executivo de uma organização internacional de intercâmbio de estudantes. Mudei-me para o Rio de Janeiro na década de 1970 devido a um convite para um
projeto de consultoria e, em decorrência desse trabalho, acabei convidado a assumir uma posição gerencial na área de Recursos Humanos da Embratel, tendo
trabalhado lá por três anos, voltando posteriormente a
atuar em consultoria, segmento do qual não saí mais.
Foi quando o senhor montou a Intercultural?
Na verdade, a Intercultural já existia, mas era uma
livraria e me casei com a dona. A partir daí, comecei
a dar um viés à Intercultural para minha área profissional, com a venda de livros de administração, liderança
e desenvolvimento organizacional. O casamento terminou, mas a livraria ainda existe, porém, deixou de ser
o foco do negócio.
Em 1975, tive a oportunidade de conhecer a Liderança Situacional® e em 1978-79 conclui meu curso de
mestrado nos Estados Unidos ministrado pelos professores Ken Blanchard e Paul Hersey. Após minha volta
ao Brasil, o Dr. Blanchard publicou “O Gerente Minuto”
e poucos anos depois “Liderança e O Gerente Minuto”.
Visitei o Dr. Blanchard em San Diego e concretizamos
nossa parceria para lançar a nova geração da LideranINTELIGÊNCIA CORPORATIVA
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ça Situacional® no Brasil. O lançamento, no início de
1987, foi um grande sucesso e representou o marco
para o crescimento acelerado da Intercultural, ao ponto de que um ano depois já havíamos treinado 12 mil
pessoas.
Como consequência de minha associação com o Dr.
Blanchard, consolidou-se a disseminação da segunda
geração da Liderança Situacional® II (LS®II) no Brasil.
Em 27 anos, atingimos 584 clientes corporativos e 52
mil executivos e gerentes que participaram de nossos
treinamentos.
Fazendo uma referência ao Eduardo Carmello que
em sua palestra no Fórum Desenvolvendo Líderes
2013, falou sobre neuroeficiência, a Liderança Situacional® II é neuroeficiente porque funciona na práti-
ca. A pessoa pode adotar o discurso de ser um líder
eficaz, admirado, respeitado, servidor, transformador,
catalisador, mas o sucesso internacional da Liderança
Situacional® II se deve a dar respostas concretas para
a mais crucial das perguntas do líder — “O que faço
para ajudar meu colaborador a atingir o objetivo?”
O importante para o participante do treinamento é
que ele saia em condições de aplicar os recursos e
ferramentas da liderança na prática para fazer a diferença no desenvolvimento e desempenho de seus
colaboradores.
A Liderança Situacional® trabalha efetivamente
para que o colaborador tire nota 10, dentro do
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conceito que o senhor falou em sua apresentação no Fórum Desenvolvendo Líderes 2013?
Sim, essa é a ideia. A Liderança Situacional® II, até
alguns anos atrás, não dizia especificamente que o
papel do líder é ajudar o colaborador a tirar nota 10,
mas sim, contribuir para o sucesso do colaborador. Porém, Garry Ridge, CEO da WD-40, que foi aluno do Dr.
Blanchard e ouviu dele a história de que entregava as
perguntas da prova final aos alunos no primeiro dia de
aula, ficou muito impactado e decidiu adotar a prática
na sua empresa.
Esse foi um momento de inspiração. Contudo, toda
obra genial é fruto de 10% de inspiração e 90% de
transpiração, ou seja, é preciso colocar a ideia em
prática. O recado de Garry Ridge para seus diretores e gerentes foi dado, de forma
simples e objetiva: o papel do líder é
contribuir para que cada colaborador
tire nota 10. A prática dessa ação eu
demonstrei na palestra e no artigo
publicado na edição 180 da Revista
T&D Inteligência Corporativa. Graças à contribuição de Garry Ridge,
coautor com Ken Blanchard do livro
“Helping People to Win at Work”, a Liderança Situacional® II pode hoje se
propor a ser a ferramenta que facilita
ao líder ajudar seus colaboradores a
tirarem nota 10.
Ken Blanchard foi criticado por
seus colegas de faculdade por entregar as perguntas da prova final no primeiro dia de aula.
O senhor acredita que esse modelo deveria ser
adotado pelas escolas tradicionais?
Quando eu era professor da FGV-SP, resolvi fazer
algo semelhante ao que o Blanchard fez, antes mesmo
de conhecê-lo pessoalmente. Em meu primeiro dia de
aula, preparei um questionário que cobria toda a extensão do programa que eu pretendia cumprir naquele semestre. A ideia era conhecer a base que os alunos
tinham e informei que a mesma prova seria aplicada
no último dia do semestre, ressaltando que o objetivo
era medir a diferença entre os dois resultados e que
eles aprenderiam todo o conteúdo. O resultado foi
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que o aproveitamento daquela turma foi extraordinário. Se eu consegui fazer funcionar, porque outro não
conseguiria? É só ter o firme propósito de provar o que
os alunos sabem e criar condições para que realmente
eles saibam.
O papel do líder não é provar que é melhor que seus
liderados, mas trabalhar como um parceiro, que dá suporte aos seus colaboradores e os ajuda a ter sucesso.
Eu acredito que no ensino tradicional essa ideia poderia ser adotada, desde que se tenha um programa do
que vai ser ensinado, sem romper o rigor acadêmico,
pois funciona como um pré-teste e um pós-teste em
que será medida a evolução dos alunos.
Como o senhor vê a área de Educação
Corporativa no Brasil?
Temos feito muitos progressos, pois 30 anos atrás,
investir no desenvolvimento de liderança era considerado um luxo praticado por apenas algumas poucas
empresas, principalmente multinacionais.
Se fôssemos fazer uma comparação, há 30 anos
comprar um carro com ar condicionado era um luxo.
Hoje em dia, ele é um item praticamente imprescindível. Eu vejo um número cada vez maior de empresas no Brasil perceberem e se convencerem de que
investir no desenvolvimento de seus colaboradores
e, especificamente, de suas lideranças é essencial e
não opcional, não só para o crescimento, mas para sua
sobrevivência.
As Ken Blanchard Companies têm vários estudos
que mostram a conexão direta entre liderança e lucro,
quer dizer, líderes eficazes geram aumento da produtividade, melhor gestão dos recursos, melhores resultados operacionais, maior crescimento organizacional e,
consequentemente, mais lucros.
O papel do líder não é
provar que é melhor que
seus liderados, mas trabalhar
como um parceiro
T&D
Há preocupação e conscientização sobre a necessidade de se desenvolver as lideranças, mas em muitos
casos ainda falta colocar em prática de uma maneira
eficaz. Sou favorável ao foco no desenvolvimento de habilidades de liderança. Acredito que algumas empresas
ainda não chegaram lá e ainda estão trabalhando com
base em tentativa e erro, mas ao menos estão tentando.
No momento em que elas adicionarem foco e desenvolverem algumas habilidades específicas — e não
digo que Liderança Situacional® II seja o único modelo
no mundo, por exemplo, tive contato recente com o
modelo de Zenger-Folkman das 16 competências dos
líderes extraordinários que recomenda capitalizar os
pontos fortes ao invés de corrigir os pontos fracos —
terão sucesso no desenvolvimento de seus líderes.
Os líderes de hoje já foram liderados no passado.
O senhor acha que a forma como foram liderados
influi em suas atividades como líderes? Como?
Eu acredito que existe um efeito cascata de estilo de
liderança, de padrões de comportamento que os líderes usam. Se alguém faz carreira numa organização e
os líderes que encontra ao longo da sua trajetória são
autoritários, protegem suas posições e não “abrem o
jogo” com os subordinados, ou manipulam as pessoas,
provavelmente esta é a escola em que ele vai estudar
e a cartilha pela qual ele vai se guiar quando tiver a
oportunidade de liderar outros, na maioria dos casos.
Além disso, existe a questão da sede de poder. Muitas pessoas buscam uma posição de liderança porque
querem exercer o poder sobre os outros da mesma
forma como foi exercido sobre elas. Como não podiam
desforrar-se em seus superiores, eles se desforram em
seus colaboradores. Existe, pois, uma tendência de
muitos líderes adotarem com os outros, comportamentos que foram anteriormente adotados com eles.
O Brasil hoje, infelizmente, vive uma séria crise de
liderança, principalmente na política. Há uma falta de
visão e de compromisso com o futuro, pois não é só
pensar em obras para serem entregues em um mandato. Isso é miopia. Educação, saúde e saneamento básico, por exemplo, não podem ser reformadas em um
único mandato. Os líderes políticos precisam parar de
pensar em si e atuarem como líderes servidores, que é
a sua verdadeira missão.
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