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Newsletter TDT
nº25, Julho de 2015
«Efeitos secundários da Radioterapia em
ORL»
1
Sara Brito1, Maria João Rafael1
Tecnica de Radioterapia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE
Introdução
Os tumores de cabeça e pescoço, pela sua localização anatómica e
fisiológica, são dos tumores com mais morbilidade e diminuição da
qualidade de vida nos doentes.
A Radioterapia nos tumores de cabeça e pescoço é extremamente
desafiante pela sua complexidade clínica, uma vez que as estruturas
estão muito próximas geometricamente, o que não permite a
salvaguarda completa dos tecidos sãos adjacentes. De forma a
garantir o melhor controlo loco-regional da doença, deve ser
administrada uma dose tumoricida ao volume alvo. O desafio é
administrar essa dose no tumor com o menor comprometimento
possível das estruturas sãs.
Ao longo dos anos, várias técnicas e esquemas de fraccionamento
foram testadas para aumentar o controlo loco-regional do tumor e
limitar ao máximo as probabilidades de ocorrência de efeitos
secundários tardios. Uma das técnicas de eleição para melhorar o
ratio controlo local/toxicidade é o IMRT (Radioterapia de
Intensidade Modulada), que permite um escalonamento da dose a
partir da definição dos constrangimentos de dose de cada
órgão/tecido de risco [1]. Como exemplo da mais-valia desta
técnica relativamente à Radioterapia convencional, pode-se referir
a diminuição significativa da xerostomia (um dos principais efeitos
secundários da Radioterapia) em 4% por Gy da dose média na
parótida [1,4].
Os efeitos adversos começam a desenvolver-se, usualmente, na
segunda semana de tratamento. Podem continuar a piorar até 7-10
dias após o seu término, e depois melhoram gradualmente. A
maioria das pessoas considera que os efeitos secundários
melhoram consideravelmente 6-8 semanas após terminar a
Radioterapia [7].
Por vezes, a Radioterapia pode causar efeitos secundários tardios,
que se manifestam meses ou anos depois do tratamento, ou nunca
deixaram de se manifestar.
É importante realçar que o grau de severidade dos efeitos
secundários varia de pessoa para pessoa, e que estes podem ou não
surgir simultaneamente. A existência de efeitos secundários deve
ser encarada como parte do tratamento, existindo, actualmente,
uma equipa multidisciplinar que acompanha o doente de forma
continuada e sistemática para diminuir ou prevenir alguns dos
sintomas que iremos referir.
Efeitos Secundários Agudos
1. Radiodermite: Consiste num conjunto de lesões cutâneas
provocadas pela exposição excessiva a radiações ionizantes. A
pele do pescoço e cara vai ficando gradualmente mais
vermelha, sensível, dorida e mais propensa a comichão. Este
efeito pode começar por volta das 2 semanas de tratamento e
dura até 4 semanas após o término do mesmo.
Figura 2. Radiodermite.
Figura 1. Exemplo de um planeamento de IMRT em ORL.
A Radioterapia em tumores de cabeça e pescoço pode causar
efeitos secundários temporários e/ou permanentes, que variam no
grau de severidade dependendo da Dose Total e do Tempo Total de
Tratamento [2]. Geralmente, estes efeitos são mais severos quando
a Radioterapia é concomitante com a Quimioterapia [3].
Comentários e/ou sugestões: [email protected]
2. Mucosite oral: As células da mucosa oral são sensíveis à
radiação, por isso é normal que esta zona fique dorida
durante o tratamento de Radioterapia. Esta situação
prolonga-se durante o tratamento e algumas semanas após.
3. Xerostomia: Corresponde a secura da boca devida à
diminuição ou ausência da secreção salivar, provocada pelo
tratamento. A saliva proporciona uma barreira protectora
contra algumas bactérias e o seu pH torna o esmalte dentário
mais forte. A sua diminuição ou mesmo ausência torna difícil
mastigar ou engolir. Nos primeiros dias do tratamento, a
saliva pode ficar mais grossa e difícil de engolir. Após o
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término do tratamento, pode levar cerca de 6 meses ou mais
até que a produção de saliva volte ao normal.
4. Candidíase: É uma afecção aguda, subaguda ou crónica,
causada por leveduras pertencentes ao género Candida
albicans. A infecção atinge sobretudo a pele e as mucosas e
manifesta-se por uma erupção de pequenas pústulas
esbranquiçadas. A Radioterapia pode facilitar o
desenvolvimento de infecções na boca, daí que seja
importante o médico assistente observar regularmente a boca
durante o tratamento.
Figura 3. Candidíase e mucosite oral após Radioterapia.
5. Alteração do paladar: É muito comum durante o tratamento
de Radioterapia em tumores de cabeça e pescoço, se a área
do tratamento incluir as papilas gustativas existentes na
língua. Algumas pessoas referem que os alimentos têm um
sabor metálico, outras referem que os alimentos têm todos o
mesmo sabor.
6. Problemas dentários: A Radioterapia pode aumentar a
probabilidade de os dentes caírem. Antes do tratamento, é
importante fazer um check-up dentário e, se necessário,
realizar cuidados estomatológicos (como a extracção
dentária).
7. Odinofagia/disfagia: Consiste na dificuldade na deglutição
acompanhada por dores/Dificuldade em engolir e, por
extensão, qualquer anomalia da passagem dos alimentos até
à cárdia. A Radioterapia pode causar dor e sensibilidade na
garganta, o que torna difícil engolir alimentos sólidos. O grau
de dificuldade na deglutição depende da área em que o
tratamento foi administrado e da sua dose, e se faz
Quimioterapia concomitante à Radioterapia.
8. Perda de peso: Este efeito adverso está relacionado com os
outros efeitos secundários acima referidos, sendo uma
consequência directa dos mesmos. Assim, a Radioterapia em
ORL pode provocar perda de peso, devido a: (1) Mucosite
oral, (2) Diminuição do apetite, (3) Alteração do paladar e (4)
Odinofagia/disfagia.
9. Rouquidão: Durante o tratamento de Radioterapia, podem
surgir alterações na voz, que se torna grossa e de tonalidade
baixa. A voz recupera depois de algumas semanas.
10. Halitose: É causada geralmente pelas mudanças sofridas pela
saliva, mas também pode ser um sintoma de uma infecção na
boca, que é comum durante o tratamento de Radioterapia.
11. Náuseas: É mais comum nos doentes a realizar Radioterapia
concomitante com Quimioterapia.
12. Fadiga: Durante o tratamento, é importante que o doente
descanse mais que o habitual. Quando o tratamento acaba,
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deve-se aumentar gradualmente
incrementar os níveis de energia.
a
actividade,
para
Efeitos Secundários Tardios
1. Xerostomia e queda dentária: São dos principais efeitos
secundários tardios, ocorrendo em 40% dos casos [4]. Se o
tratamento de Radioterapia incluir as glândulas salivares, o
doente pode ficar com uma xerostomia permanente.
2. Trismus: Acontece em 10 a 15% dos casos. Depois da
Radioterapia, pode acontecer uma constrição intensa dos
maxilares devido à contractura permanente dos músculos
mastigadores, o que torna difícil a abertura da boca [4].
3. Osteorradionecrose: É em efeito secundáriomuito raro que
consiste na necrose óssea devida à acção dos raios X,
geralmente pós-radioterápica, localizada na maioria dos casos
no maxilar inferior. O osso é um tecido vivo que está
constantemente a renovar-se. Depois da Radioterapia, esta
renovação não é tão eficaz, podendo levar à morte de alguns
tecidos ósseos. Causa dor, dormência ou sentimento de peso
na mandíbula, e por vezes edema à volta das gengivas ou
perda de dentes. A maioria dos doentes não desenvolve este
efeito, mas determinadas acções aumentam o risco de
ocorrência: (1) Infecção na mandíbula; (2) Remoção de
dentes; (3) Cirurgia à mandíbula e (4) Fumar. Se, depois do
tratamento, for preciso a remoção de dentes, é importante
ser observado por um especialista oral ou cirurgião
maxilofacial, para planearem o tratamento de forma a reduzir
o desenvolvimento de problemas no osso.
4. Alterações na glândula tiróidea: Esta glândula situa-se na
parte anterior do pescoço, produzindo hormonas que ajudam
o corpo a funcionar normalmente. Se a tiróide for exposta a
radiação durante a Radioterapia, pode ficar menos activa
durante meses ou anos após o término do tratamento. Os
sintomas do hipotiroidismo incluem fadiga, letargia, aumento
de peso, e pele e cabelos secos [7].
5. Alterações na audição: Mais comum na Radioterapia do
tumor da nasofaringe. Os riscos são maiores se a Radioterapia
for concomitante com Quimioterapia (como Cisplatina), que
afecta também a audição. As alterações de audição podem
ser temporárias e revertidas após a Radioterapia, mas, às
vezes, as mudanças na audição desenvolvem-se apenas 6-12
meses após o tratamento [6].
Tratamento dos Efeitos Secundários e Cuidados a Ter
Relativamente ao cuidado da pele na área de tratamento, é muito
importante usar apenas os sabonetes e os cremes indicados pela
equipa da Radioterapia, para evitar mais sensibilização à radiação.
Usar roupas de algodão largas é uma boa escolha para evitar a
irritação da pele na zona irradiada.
Durante o tratamento, é crucial evitar a exposição solar, cobrindo a
área tratada com roupa, um lenço macio ou chapéu. Não é
recomendado usar protector solar durante esta fase.
A pele está susceptível a cortes e a radiação impede que a
cicatrização da mesma seja possível. Por isso, é recomendado, se
possível, utilizar uma máquina eléctrica para se barbear. Da mesma
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forma, não se deve usar after-shave nem colocar na zona de
tratamento qualquer tipo de creme que não tenha sido
recomendado pelo seu Médico Radioterapeuta [5].
Três a quatro semanas antes de iniciar o tratamento de
Radioterapia, deve ser estabelecido um programa de higiene oral
numa consulta de estomatologia. É neste período que devem ser
realizadas extracções estomatológicas (caso necessário), para que
haja tempo de cicatrização completa dos tecidos.
No decurso do tratamento, é importante manter uma boa higiene
oral para prevenir muitas afecções da cavidade bocal que podem
surgir ou piorar durante o mesmo. Então, deve-se:
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Bochechar com uma solução líquida, saliva artificial e/ou
uma pasta dentífrica recomendada pelo Médico
Radioterapeuta;
Escovar os dentes e a língua utilizando uma escova macia e
fazer gargarejos 3 ou 4 vezes ao dia, após as refeições;
Não utilizar desinfectantes orais que contenham álcool;
Evitar utilizar próteses dentárias durante todo o dia;
Usar batom do cieiro ou vaselina se os lábios estiverem
secos.
No que diz respeito à alimentação, existem muitas recomendações
para facilitar a mesma quando esta é dificultada pela existência de
mucosite oral, xerostomia, odinofagia/disfagia. Assim:
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Beber muita água (cerca de 2 litros por dia) ou outros
líquidos, à temperatura ambiente (não se deve ingerir
bebidas nem muito quentes nem muito frias);
Evitar alimentos muito condimentados ou picantes, com
muita gordura, fritos, ácidos, muito doces ou que tenham
cheiro intenso;
Evitar alimentos quentes e sólidos;
Não beber bebidas ácidas (como sumo de laranja ou de
limão) nem bebidas alcoólicas;
Não fumar;
Mastigar pastilha elástica pode fazer com que as glândulas
salivares produzam mais saliva;
Evitar chocolates e massa, pois tendem a deixar a boca mais
seca;
Hidratar a boca de noite com uma pequena quantidade de
azeite;
Depois das refeições, descansar sentado ou recostado com
o tronco levantado, sem se deitar completamente;
Comer pouco de cada vez e mais vezes ao dia (7 a 8 vezes);
Comer devagar, mastigando bem os alimentos;
Assegurar uma correcta posição (sentado, com os ombros
inclinados para a frente e os pés bem assentes no chão)
para facilitar a descida do bolo alimentar;
Comer alimentos fáceis de mastigar e de engolir, moles,
com textura suave (exemplo: sopa de legumes espessa e
triturada com carne, peixe ou ovos misturados).
É importante manter uma dieta saudável, mas durante o
tratamento pode ser difícil. Assim, é importante o apoio da equipa
de Dietética e Nutrição antes, durante e após o tratamento de
Radioterapia. Neste acompanhamento, o dietista pode prescrever
suplementos nutricionais (como bebidas hipercalóricas), de forma a
manter o aporte de calorias até os efeitos secundários permitirem
uma alimentação dita normal.
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Se for muito doloroso beber ou comer, o Médico Radioterapeuta
pode prescrever analgésicos fortes, medicação antifúngica e
antibacteriana (caso haja infecção), medicamentos estimuladores
da saliva (se a xerostomia for muito intensa) ou alguma das
seguintes soluções: (1) Sonda nasogástrica e (2) PEG (Gastrostomia
Endoscópica Percutânea). Muito raramente, o médico assistente
suspende o tratamento alguns dias para permitir alguma
recuperação dos tecidos.
Relativamente à prevenção da rouquidão, é importante tentar
descansar a voz e evitar ambientes com fumos ou poeiras. Se a
rouquidão se mantiver após o tratamento, é aconselhável a
intervenção de um terapeuta da fala [7].
De forma prevenir ou aliviar o trismus, podem ser realizados
exercícios específicos com a orientação de um terapeuta
ocupacional.
Finalmente, o Médico Radioterapeuta pode prescrever
medicamentos antieméticos (no caso de existência de náuseas).
É de realçar o crescente esforço e preocupação que se tem
verificado nos últimos anos no que diz respeito à importância da
diminuição e tratamento dos efeitos secundários da Radioterapia
na qualidade de vida dos doentes. A melhoria das terapêuticas e a
inclusão das equipes de profissionais de outras áreas (Dietética e
Nutrição, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional e Estomatologia) na
equipa multidisciplinar responsável por fazer cumprir o plano
terapêutico, são de extrema valia para benefício do doente.
Referências Bibliográficas
Artigos Científicos
[1] Bucci, M. B., Bevan, A., & Roach, M. (Março/Abril de 2005). Advances in
Radiation Therapy: Conventional to 3D, to IMRT, to 4D, and Beyond. A
Cancer Journal For Clinicians Vol.55 Nr.2, pp. 117-134.
[2] Kaanders, J. H. (1998). Altered fractionation: limited by mucosal
reactions? Radiotherapy and Oncology 50, pp. 247-260.
[3] Trotti, A., Bellm, L. A., & Epstein, J. B. (2003). Mucositis incidence,
severity and associated outcomes in patients with head and neck cancer
receiving radiotherapy with or without chemotherapy: a sistematic
literature review. Radiotherapy and Oncology 66, pp. 253-262.
Capítulos de livros
[4] Chao, K. C., Perez, C. A., & Brady, L. W. (2002). In K. S. Chao, C. A. Perez,
& L. W. Brady, Radiation Oncology: Management Decisions (pp. 189265). Lippincott Williams & Wilkins.
[5] Guia de Acolhimento - Irradiação da Cabeça e Pescoço. Serviço de
Radioterapia - Hospital de Santa Maria.
Sites públicos
[6] Head and Neck radipotherapy Side Effects. (s.d.). Obtido em Julho de
2015, de Cancer Research UK: www.cancerresearchuk.org
[7] We Are MacMillan Cancer Support. (s.d.). Obtid
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«Integração Sensorial: uma abordagem da
Terapia Ocupacional em Pediatria»
1
Cátia Jesus1, Elsa Vicente1, Marta Silva1
Terapeuta Ocupacional, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE
Desde que nascemos agimos de forma inata e impulsiva sobre o
meio. Esta interacção permite-nos desenvolver competências para
responder aos desafios do dia-a-dia.
É através da Integração Sensorial (IS) que tudo o que diz respeito ao
meio que nos rodeia ganha significado. A IS refere-se aos processos
neurológicos através dos quais o cérebro recebe, regista e organiza
o input sensorial, para gerar respostas adaptativas do corpo em
1
relação ao meio ambiente .
A informação sensorial proveniente do meio ambiente chega ao
Sistema Nervoso Central (SNC), onde é processada através dos
órgãos sensoriais e respectivos circuitos neurológicos aferentes. As
sensações captadas pelos terminais sensitivos dos órgãos
sensoriais, fluem sob a forma de impulsos eléctricos para o córtex
cerebral, não só a nível da visão, audição, olfacto, paladar e tacto,
como também ao nível dos músculos, da posição e do equilíbrio. O
cérebro integra todas essas sensações através da interacção de
diferentes tipos de sistemas ou modalidades sensoriais (sistema
táctil, proprioceptivo, vestibular, auditivo, visual, olfactivo e
gustativo) que nos permitem receber e organizar a informação
2
sensorial de modo a produzir uma resposta adaptativa (Fig.1).
Figura 1: Processamento sensorial, traduzido de
http://sensationalkidsot.com.au/home/sensory-processing/
Quando existe colapso ou ineficiência no processamento central
dessa informação sensorial, ocorre uma Disfunção da Integração
Sensorial (DIS), visto que o input sensorial não está a ser processado
e organizado com normalidade, o que resulta num output motor
alterado e num feedback anormal, surgindo uma desorganização no
SNC, uma disfunção no desenvolvimento, no comportamento e na
aprendizagem3 (Fig. 2). A incapacidade de dar respostas de forma
adaptada tem, por isso, muitas vezes, origem em disfunções de
integração sensorial, ou seja, na habilidade para processar estas
sensações e os seus significados.
Comentários e/ou sugestões: [email protected]
Figura 2: Disfunção de integração sensorial
As principais DIS podem ser categorizadas em desordens de
modulação sensorial, desordens de discriminação sensorial e
4
desordens motoras de base sensorial . Estas estão frequentemente
presentes em patologias do neurodesenvolvimento como o
autismo, perturbação de hiperactividade/défice de atenção (PHDA)
5
e perturbações reguladoras do comportamento .
As desordens da modulação sensorial são caracterizadas pela
dificuldade em regular o grau, a intensidade e a natureza das
respostas aos estímulos sensoriais.
Uma criança com sensibilidade exagerada a determinadas
sensações pode reagir mal ou evitar as sensações a que é
hipersensível. A criança pode, por exemplo, reagir mal ao toque
(como abraços ou beijinhos) ou a texturas (como tintas, areia,
textura dos alimentos, etc.); ter medo do movimento (como andar
de baloiço ou trepar); reagir mal a sons mais intensos (põe as mãos
nos ouvidos, chora); manifestar desconforto excessivo com as luzes
(fecha os olhos, tapa os olhos com as mãos).
Por outro lado, uma criança com sensibilidade diminuída aos
estímulos pode ter uma reacção menos intensa aos estímulos
relevantes do ambiente ou à necessidade excessiva de estímulos
sensoriais. A criança pode, por exemplo, ter dificuldade em
relacionar-se com os outros e/ou estar virada para si mesma; ser
sedentária, lenta e desorganizada a realizar as suas tarefas; ter
dificuldade em estabilizar o corpo durante o movimento, fraqueza
muscular e baixa resistência; ou em manter a postura sentada ou
em pé (durante as tarefas escolares deita-se em cima da mesa,
apoia a cabeça nas mãos; quando está numa fila encosta-se aos
outros); ser descoordenada e/ou desajeitada. Quando tem
necessidade de estímulos, a criança pode estar constantemente a
saltar, trepar, esbarrar, tocar, fazer barulhos ou a levar tudo à boca.
As desordens de discriminação sensorial estão relacionadas com a
dificuldade em interpretar a qualidade ou a singularidade de cada
estímulo, perceber as suas diferenças e semelhanças, podendo
apresentar diferentes graus de dificuldade nas diversas
modalidades sensoriais, como visual, táctil, auditiva, vestibular,
6
proprioceptiva, gustativa e olfativa .
Neste caso, as crianças apresentam frequentemente dificuldade em
tarefas visuo-espaciais como jogar às setas durante uma
brincadeira, ou ainda dificuldade em diferenciar algumas letras
como “b” e “d”. Também podem não ser capazes de perceber sinais
importantes durante uma interacção social. No campo auditivo
podem apresentar dificuldade para discriminar determinados sons
como “gato” e “pato” ou em seguir comandos verbais. Em relação
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ao tacto podem não conseguir identificar o que está a tocar na sua
pele ou identificar qual a moeda que têm no seu bolso. Quanto à
propriocepção podem ter dificuldade em adequar a força
necessária para desempenhar algumas actividades como escrever,
brincar com legos ou manipular objectos. No que diz respeito ao
sistema vestibular podem não saber qual a direcção do movimento
quando os olhos estão fechados.
As desordens motoras de base sensorial são caracterizadas pela
dificuldade em integrar as informações do próprio corpo e
movimentar-se de maneira eficiente no ambiente, sendo os
problemas mais comuns o distúrbio postural (dificuldade em
estabilizar o corpo durante o movimento ou rectificar a postura
quando solicitado pelo movimento) e a dispraxia (dificuldade em
idealizar, criar, iniciar, planear, sequenciar, modificar e executar as
6
acções) .
As crianças com esta desordem têm a dificuldade em planear uma
sequência de acções ou em realizar novas atividades motoras, em
organizar as tarefas ou brincar, em aprender a vestir-se, despir-se e
a comer (podem ser trapalhonas, sujar-se, não usar
adequadamente os talheres). Irritam-se ou têm dificuldade em se
acalmar, com tendência para fazer birras. Apresentam ainda
problemas de atenção e concentração.
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
Desenvolvimento adequado das habilidades cognitivas,
que se podem reflectir na aquisição de linguagem e no
desempenho escolar.
Ao longo do processo de intervenção e paralelamente à intervenção
individualizada, o Terapeuta Ocupacional determina em conjunto
com a família e os professores da criança, um leque de actividades
que visam desencadear respostas adaptativas adequadas aos
diferentes contextos.
A intervenção do Terapeuta Ocupacional consiste na realização de
actividades terapêuticas recorrendo aos mais variados materiais e
equipamentos com o intuito de trabalhar os sistemas sensoriais em
7
que foram identificados défices de resposta sensorial adequada .
São exemplos dessas actividades cantar, modelagem, jogos com
água e areia, gincana de obstáculos, desenho e treino de
actividades da vida diária.
Os materiais utilizados para a estimulação sensorial podem ser
água, areia, farinha, barro, espuma, tecidos e objectos de diferentes
texturas, digitintas, jogos que produzem diferentes sons e sinais
luminosos.
O uso da bola de Bobath, da prancha de rodízios, da rede suspensa
ou baloiço promovem reacções ao movimento e ao equilíbrio.
Avaliação e Intervenção
A avaliação da Terapia Ocupacional na criança com DIS requer uma
abordagem multifacetada, devido à necessidade de perceber, não
só os défices da criança mas também o desempenho no seio da
família e nos diferentes contextos em que a criança participa, como
a escola ou o domicílio.
A piscina de bolas permite ainda à criança adquirir a percepção do
seu esquema corporal.
A figura 3 apresenta alguns exemplos dos materiais e equipamentos
acima referidos.
A avaliação consiste em testes padronizados e em observações
estruturadas promovidas pelo brincar, identificando as respostas
aos estímulos sensoriais que se encontram desadequadas.
Os testes padronizados frequentemente utilizados pelos Terapeutas
Ocupacionais são Sensory Integration and Praxis Test, The DeGangiBerk Test of Sensory Integration, Test of Sensory Function in Infante
5
e o Perfil Sensorial . Estes testes avaliam os sistemas sensoriais que
integram a IS. No entanto, ainda não se encontram adaptados e
validados para a população portuguesa à excepção do Perfil
Sensorial.
As observações estruturadas incluem entrevista, observação clínica
e aplicação de questionários padronizados aos pais e aos
professores/ educadores.
Os resultados da avaliação permitem planear a intervenção, que
varia de acordo com as características individuais de cada criança e
com a disfunção apresentada, mas de uma forma geral, os
objectivos de intervenção do Terapeuta Ocupacional podem ser:

Aumento da frequência e da duração de respostas
adaptativas aos estímulos sensoriais;

Desenvolvimento de respostas adaptativas cada vez mais
complexas;

Aumento da autoconfiança e da auto-estima;
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Figura 3: Equipamentos e materiais utilizados para estimulação sensorial.
A: Bola de Bobath; B: Prancha de rodízios; C e E: Materiais de diferentes formas e
texturas; D: Piscina de bolas. Fonte: Terapia Ocupacional SMFR HSM-CHLN
O ambiente terapêutico proporciona à criança a oferta sensorial
adequada, rica em materiais e equipamentos versáteis, variados,
seguros, organizadores e motivantes. Através do brincar e da
escolha activa de equipamentos e materiais, a criança expressa o
seu nível de desempenho e capacidade de processamento
sensorial, cabendo ao Terapeuta Ocupacional graduar as
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actividades e promover “o desafio na medida certa” para
desencadear respostas adaptativas cada vez mais complexas que
5
promovam uma melhor integração sensorial .
Referências bibliográficas
1. Case-Simth, J. (1998). Pediatric Ocupacional Therapy and Early
Intervention (2nd Ed.). Woburn: Butterworth-Heinemann;
2. Ayres, A.J. (1972). Sensory Integration and Learning Disorders. Los
Angeles: WPS;
3. Bundy, A.; Lane, S.; Murray, E.; (2002). Sensory Integration Theory and
Practice (2nd Ed.). Philadelphia: F.A. Davis Company;
4. Miller L. J. (2006). Sensational Kids: Help and Hope for Children with
Sensory Processing Disorder. New York, NY, Putnam;
5. Neistadt, M.; Crepeau, E. (1998). Willard & Spackaman’s Occupational
Therapy (9ª ed.). Philadelphia: Lippincott;
6. Miller LJ, Anzalone ME, Lane SJ, Cermak SA, Osten ET. Concept
evolution in sensory integration: a proposed nosology for diagnosis. Am
J Occup Ther. 2007;61(2):135-40;
7. Kramer, P.; Hinojosa, J. (1993). Frames of Reference for Pediatric
Occupational Therapy. Baltimore: Williams & Wilkins.
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