Leitura complementar
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Troca de emails entre Nuno Coelho e Frederico Duarte + Pedro Ferreira, Julho 2009 On 2009/07/08, Nuno Coelho wrote: On 2009/07/08, Frederico Duarte wrote: Tenho andado às voltas com a vossa proposta e a reflectir que produto, mensagem ou serviço poderá enquadrar-se no vosso objectivo. Tenho pensado numa série de exemplos que gostaria de discutir convosco, também para saber a vossa reacção se, de facto, são exemplos pertinentes. Queria também colocar algumas perguntas que me poderão ajudar a clarificar por que caminho seguir. Nunca me teria lembrado desses blocos! E acho curioso falares, como designer de comunicação, de produtos de papelaria. Por mim não considero nada um inconveniente serem mencionadas marcas e empresas, pois afinal são estas que por definição necessitam de ter os seus produtos projectados. Eu próprio tive um destes cadernos da Emílio Braga no secundário, da loja da Avenida de Roma. O papel é mais fraquinho que os da da Fernandes, que passei a usar na Universidade. Os da Fernandes também são um bom exemplo, pois têm toda uma linha identificável. Por exemplo, a minha primeira ideia consistia em escolher como meu objecto os cadernos azuis com as etiquetas “à antiga” coladas na capa, o “moleskin portuga”, como já ouvi dizer. Creio que estes que falo são fabricados pela Firmo (empresa que recentemente foi comprada pela Antalis) mas também há uns do género que são mais artesanais da Emílio Braga: http://3.bp.blogspot.com/_QNIik2WWEGw/ SQmtNmehm0I/AAAAAAAACKg/C9pfBNZVEDI/s400/ cadernos.jpg Em segundo lugar pensei no lápis, embora este já não tenha uma característica demarcadamente portuguesa, sendo a sua forma mais universal. Obviamente que, ao mencionar um produto, vai ser difícil não mencionar uma marca, que era algo que gostaria de evitar. Mas poderá ser apenas uma reserva minha, talvez isso possa ser assumido. O que vocês pensam neste caso? Por outro lado pensei em serviços que ainda hoje perduram mas que de uma forma ou de outra correm o risco de se extinguirem (ou não) tais como os engraxadores de rua ou os amoladores ambulantes. Não sei até que ponto estes casos se enquadram no conceito da exposição. Por ser Designer de Comunicação estava mais inclinado para um objecto de papelaria. Porém, há tantos outros produtos portugueses que são exemplo de longevidade. Digam-me o que acham destes tópicos, se a abordagem está a ser bem feita, ou se esperavam algo diferente ou um estudo mais aprofundado. Para o objecto do séc.XXI será para fazer uma re-interpretação do objecto do séc. XX escolhido, ou poderá ser algo completamente distinto? -------------------------------------------------------------------------------- Na minha opinião, o objecto do séc. XXI não terá de ser necessariamente uma reinterpretação do objecto do séc. XX, mas deverá ter a mesma tipologia, ou buscar inspiração quer na sua natureza material, função ou padrões de uso a eles associados. Tendo isso em conta, de que forma pensas que estes cadernos poderão ser repensados para as nossas necessidades? Os Moleskine são um excelente exemplo de como pegar num bom objecto e explorá-lo de várias formas, quase de forma infinita. O rasgo da empresa italiana foi ter, para além de o desdobrar em dezenas de variantes, ter sabido “capitalizar” na herança dos seus utilizadores originais e associá-los ao meio artístico e literário. Para além de ter uma capacidade de produção e distribuição brutal. Seria talvez interessante perceber qual é a história destes cadernos (da Emílio Braga, da Firma ou da Fernandes), como é que eles surgiram e quando. A história do “galocha” da Emílio Braga está contada na imagem cujo link nos enviaste, e é interessante, mas qual seria o uso primordial destes cadernos? Seria uma coisa mais dirigida e empregados de escritório? De que forma é que o seu uso foi evoluindo? Em termos dos lápis, como dizes não é um objecto de design português, apesar de algumas inovações/aplicações associadas ao lápis (nomeadamente da Viarco) poderem ser eventualmente exclusivas desta empresa e logo portuguesas. Mas nós preferimos ter não só exemplos de design português, mas preferencialmente exemplos cujos autores consigam ser identificados (no caso dos cadernos, identificada a empresa penso ser suficiente). Os serviços que falas têm o seu interesse, mas penso que seriam para outra exposição... Apesar de eu gostar de falar de uma evolução dos serviços em Portugal (e não só) – desde o engraxador e amolador aos “balcões de unhas” e arrumador... Vamos falando. Abraço e obrigado pelas tuas ideias e reflexões! -------------------------------------------------------------------------------- On 2009/07/13, Nuno Coelho wrote: Eu já conhecia a história do “galocha” que acho super curiosa. Gosto quando o objecto esconde uma história que se consegue revelar a partir do momento em que o objecto é exposto. Passa haver mais atenção em relação ao objecto em si do que à sua função. Neste caso valoriza-se o suporte e não o seu conteúdo. Já comecei a reunir informação sobre os blocos da Emílio Braga, da Firmo e da Fernandes. Sei que o processo de fabrico dos dois últimos é automatizado, enquanto que os da Emílio Braga envolve muito trabalho artesanal. Talvez haja aqui também matéria para explorar. -------------------------------------------------------------------------------- On 2009/07/17, at 11:46, Nuno Coelho wrote: Já contactei directamente a Firmo e a Emílio Braga a fim de me facultarem informações sobre os seus respectivos cadernos. Inclusivamente desloquei-me pessoalmente à Firmo que é aqui no Porto e as coisas estão encaminhadas. Eles ficaram muito interessados no projecto (obviamente). Pedi também exemplares para a exposição. Tanto da parte da Firmo como da Emílio Braga me disseram que me contactariam logo no início da próxima semana (segunda). Relativamente aos cadernos da Fernandes, tenho uma ideia vaga deles, mas não os consegui encontrar. Ao que parece, o produto foi descontinuado. Já não o encontro à venda nas suas papelarias e a resposta tem sido vaga cada vez que tento contactar a Fernandes. Para a exposição estava a pensar apresentar uma grande parte de toda a gama de cada marca (Firmo e Emílio Braga), senão mesmo a gama completa. Eventualmente poderá ser apenas uma parte representativa de cada marca, como o esquema que envio em anexo (imagem “amostra”, em anexo). Podemos partir deste número como referência (6+6). Relativamente à Emílio Braga, soube que a produção dos cadernos é totalmente artesanal. Há imensos diferentes, a partir de combinações de cor completamente distintas. Os formatos são principalmente o A5 e o A6. O tal “galocha” é o que usa um papel com padrão manchado, tipo pele de crocodilo (imagem “cadernos”, em anexo). Por sua vez a Firmo não varia muito nas cores (é sempre o azul) mas varia nos tamanhos. A gama deles tem o A6, A5, A4 e outros formatos estranhos, como o A4 horizontal, um longo vertical que é metade de A4 (curiosamente conhecido como o de “caloteiro” por ser usado nas mercearias para anotar as dívidas dos clientes). Entretanto soube que o Paul Auster menciona o “caderno azul português” num dos seus livros o que provocou uma procura enorme desta caderno por estrangeiros. Entretanto fui às compras e envio-vos umas imagens dos cadernos que adquiri. Descobri que a Firmo tem mais dois modelos diferentes que eu desconhecia, embora não goste especialmente do aspecto de um deles (o que parece uma Sebenta em tamanho reduzido). Seguem as especificações dos objectos que tenho: Fotografia 1 Caderno Emílio Braga A6 - 200 folhas 120 x 170 x 30 mm, 380g Fotografia 2 Caderno Emílio Braga A6 - 100 folhas “galocha” 120 x 170 x 15 mm, 225g Fotografia 3 Caderno Firmo 1/8 - 50 folhas 110 x 147 x 10 mm, 110g Fotografia 4 Caderno Firmo - 40 folhas 100 x 147 x 5 mm, 65g Fotografia 5 Caderno Firmo - 40 folhas 100 x 160 x 2 mm, 30g Os cadernos destas fotografias têm todos mais ou menos o mesmo tamanho (A6). Depois também existem os A5 e os A4. -------------------------------------------------------------------------------- On 2009/07/23, at 17:35, Pedro Ferreira wrote: Nuno, sobre o texto, No teu caso, a relação com o objecto escolhido é pertinente e fundamentará obrigatoriamente o resultado final, não é? A título de curiosidade, a Rita quer apresentar à Moleskine uma projecto sobre recém nascidos e a necessidade de registar tudo o que se passa! Não por carolice de mãe babada mas, por exemplo, para responder a perguntas difíceis dos pediatras ... acredita que têm uma agenda bem mais rica e complexa que a nossa! : ) Muito coerente com o tema da bienal é o intervalo de tempo que eles registam. os da Rita não! abraço e bom trabalho! -------------------------------------------------------------------------------- On Jul 27, 2009, at 6:06 PM, Nuno Coelho wrote: Finalmente tive uma resposta definitiva da Papelaria Fernandes que, pelos vistos, está em pleno processo de insolvência. Para além disso, os cadernos foram de facto descontinuados há algum tempo. A pessoa com quem falei disse-me que ainda restam alguns exemplares de certos modelos em stock em algumas papelarias e que seria complicado o processo de obter alguns para a exposição, caso eu insistisse que a Fernandes fizesse parte. Para terminar o telefonema ele sugeriu que eu entrasse em contacto com outras empresas com um produto semelhante tal como a Emílio Braga... Parece que a Fernandes fica de fora do projecto, não? [Pedro Ferreira]: é mesmo um objecto do século XX : ) amanhã vai um enviado especial à baixa ver se ainda resta algum... Entretanto descobri um outro fabricante no Porto mas que abriu falência o ano passado e que se chamava Paper Mix. Consegui comprar alguns exemplares que restavam numa papelaria antiga aqui no Porto. Ou seja, creio que apenas fará sentido apresentarmos apenas os cadernos da Emílio Braga e da Firmo. Mas digam a vossa opinião. [Pedro Ferreira]: Na minha opinião faz sentido seleccionar: - ou: A marca que na tua opinião é a mais representativa e eleges o produto/ colecção - ou: mostrar bons exemplos das diferentes marcas, identificando a tipologia deste tipo de colecções “todos eles como um só” aqui compreendo que escolhas os que “ainda hoje são fabricados” mas se encontrarmos bons exemplos das outras marcas, é pena não serem também expostos. Para finalizar, envio-vos o meu texto. De um tempo em que os produtos dispensavam o suplemento erótico e os engodos fetichistas instituídos nos dias de hoje por ferozes tácticas de marketing, eis aquele que considero o exemplo de qualidade, de longevidade e de “portugalidade”: o Caderno Português. Face à ausência de uma designação própria que o identifique e que o descreva, tomei a liberdade de lhe atribuir esse nome por corresponder às suas duas características mais básicas: é um caderno e é de fabrico português. Nesta categoria incluo todos os modelos de cadernos produzidos por diversos fabricantes em Portugal, cada um com a sua particularidade. Alguns modelos continuam a ser produzidos ainda hoje praticamente inalterados, outros correm o risco de serem (ou já foram) descontinuados pelas mais diversas razões. A Emílio Braga, fundada em Lisboa em 1918, está agora nas mãos da quarta geração e continua a produzir, através de um processo totalmente artesanal, os seus cadernos com lombada e cantos reforçados em tecido colorido. A sua quase infinita combinação de cores e de padrões fazem da sua gama muito heterogénea. Destaca-se o famoso “galocha”, não devido ao objecto com o mesmo nome mas pela adaptação fonética de “galuchat”, expressão francesa que designa um tipo de pele de animal cujo padrão é imitado na capa do caderno em questão. Desde a década de 1950 que a Firmo segue produzindo o seu clássico “caderno azul português” com etiqueta rectangular de cantos cortados. Curiosamente a expressão foi difundida por Paul Auster no seu livro “A Noite do Oráculo” do qual este modelo específico é o “leitmotif” fundamental da narrativa. Mas se nas cores o modelo da Firmo é limitado, ele encontra-se disponível nos mais diversos formatos, tamanhos e orientações. Destaca-se o caderno estreito e vertical que ainda hoje serve de livro de contas em mercearias ou talhos. Exactamente por isso é pedido nas papelarias como o “livro dos caloteiros”. Pelo caminho parecem ter ficado os cadernos da Papelaria Fernandes, também conhecidos pela sua lombada e cantos reforçados em tecido colorido; ou os da Paper Mix, estes semelhantes aos da Firmo. Conjuntura económica mundial, mudanças de hábitos, invasão de produtos “made in somewhere else”, muitas parecem ser as razões para já não os podermos adquirir. Provavelmente haveriam ou haverão outros fabricantes e, consequentemente, outros modelos. Contudo, penso ter conseguido identificar os principais que ainda hoje habitam os escaparates das nossas papelarias. E, apesar de apresentarem diferentes formas, tamanhos, acabamentos e cores, refiro-me a todos eles como um só. Para esta exposição tomei esta escolha por questões profissionais, pois é um objecto de comunicação; por questões de afinidade, pois encontra-se presente na minha vida desde os meus tempos de estudante; e por ser um misto de objecto bidimensional (cada página) e tridimensional (no seu todo). Ao fazer do Caderno Português a minha escolha, espero também poder contribuir para a preservação da nossa memória visual colectiva. É que por vezes apenas reparamos naquilo que permanece quando tudo o resto à nossa volta muda. -------------------------------------------------------------------------------- On 2009/09/02, at 16:26, Nuno Coelho wrote: Depois de muito pensar (e de rejeitar muitas ideias por ter chegado à conclusão que já existiam) decidi que a minha colaboração para a Timeless seja mais “low-profile”, ou seja, intervenções mais discretas no objecto que escolhi - os cadernos. Decidi pegar nos dois “sobreviventes” (Firmo e Emílio Braga) e intervir em cada um deles. A minha peça serão na realidade duas, mas ambas de pequenas dimensões e que podem aparecer juntas. No caderno azul da Firmo decidi literalmente dar “a volta” ao código de barras que, na minha opinião, é um pormenor que me chateia no desenho original. No caderno da Emílio Braga decidi fazer uma versão “inside out” (que neste caso é mais “outside in”). Uma vez que as capas são produzidas de uma forma obsessiva recorrendo exactamente aos mesmos materiais, cores, acabamentos (inclusivamente os papéis têm de vir de Itália), a meu ver as capas acabam por ser o elemento que se torna necessário proteger. O caderno poderá ser colocado, por exemplo, aberto sobre uma mesa (fazendo das capas de apoio para a escrita), mas o caderno fecha-se em sentido inverso. --------------------------------------------------------------------------------