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Saneas
Saneas é uma publicação técnica quadrimestral
da Associação dos Engenheiros da Sabesp
AESABESP
DIRETORIA EXECUTIVA
Eliana Kazue Irie Kitahara / Presidente
Amauri Pollachi / Vice-Presidente
Cecília Takahashi Votta / 1ª. Secretária
Aram Kemechian / 2º. Secretário
Choji Ohara / 1º. Tesoureiro
Emiliano Stanislau de Mendonça / 2º. Tesoureiro
DIRETORIA ADJUNTA
Carlos Alberto de Carvalho / Diretor de Marketing
Gilberto Alves Martins / Diretor Técnico Cultural
Ivan Norberto Borghi / Diretor de Esportes
Ivo Nicolielo Antunes Junior / Diretor de Pólos
Hiroshi Ietsugu / Diretor de Pólos da RMSP
Cecília Takahashi Votta / Diretor Social
CONSELHO DELIBERATIVO
Almiro Cassiano Filho, Cid Barbosa Lima Jr., Eduardo
Augusto R. Bulhões, Getulio Martins, Gilberto Alves Martins,
Ivo Nicolielo Antunes Junior, José Marcio Carioca, Luiz
Yukishigue Narimatsu, Magali Scarpelini Mendes Pereira,
Nelson Luiz Stábile, Nizar Qbar, Reynaldo Eduardo Young
Ribeiro, Viviana Marli N. Aquino Borges, Wagner Luis
Bertoletto, Yazid Naked
CONSELHO FISCAL
Benedito Felipe Oliveira Costa, Luciomar Santos Werneck,
Oto Elias Pinto
FUNDO EDITORIAL
EQUIPE RESPONSÁVEL PELA SANEAS
Getúlio Martins (Coordenador)
Américo Oliveira Sampaio, Andréa Ferreira Guzzon,
Darcy B. Filho, Jairo Tardelli Filho, José Antônio de Oliveira
Jesus, Luiz Carlos Helou, Maria Cristina G. Stefani,
Paulo Ernesto Marques da Silva, Rodolfo Baroncelli Júnior,
Silvio Leifert, Ullisses Cruz Andrade
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ana Holanda Mtb 26.775
ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA
Formato Artes Gráficas ([email protected])
TIRAGEM: 2.500 exemplares
AESABESP
Associação dos Engenheiros da Sabesp
Rua 13 de maio, 1.642 – casa 1
01327-002 - São Paulo, SP
Fone (11) 3284 6420 – 3263 0484
Fax (11) 3141 9041
www.aesabesp.com.br
[email protected]
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
3 É o capital humano que garante
a qualidade do produto
4 CARTAS
6 EDITORIAL
PONTO DE VISTA
7 Companhias em busca da universalização dos serviços
8 O Projeto de Parceria Público Privada – PPP
na visão da ASSEMAE
P&D
11 Aplicação de traçadores radioativos na determinação
de tempo de residência média (TRM) em digestores
anaeróbios: Estudo do caso ETE Barueri
MATÉRIA DE CAPA
16 Mudanças climáticas:
efeitos globais e regionais
ARTIGOS TÉCNICOS
21 Tendências Climáticas e Hidrológicas no Sudeste do
Brasil: Caso da Bacia do Rio Paraíba do Sul
27 O potencial de utilização de lodo de tratamento de
esgoto como redutor de poluentes atmosféricos na
indústria cimenteira
MEIO AMBIENTE
35 Programa Nacional de fomento a gestão ambiental,
produção mais limpa e eco-eficiência – promoção da
rede brasileira
INOVAÇÃO
37 Secagem de lodo da ETA Taiaçupeba disposto na
forma de leira em pátio coberto
ENTREVISTA
41 O poder de consumo ao alcance das mãos
EMPREENDIMENTOS E GESTÃO
44 Ganhar prêmio é conseqüência de gestão eficiente:
experiência da Unidade de Negócio Leste
da SABESP na RMSP
PERSONAGENS DO SANEAMENTO
46 Paixão de pai para filho
48 RESENHAS
49 RECONHECIMENTO
Capa: fotomontagem
Carlos Guena
50 AESABESP
APRESENTAÇÃO
É o capital humano que garante
a qualidade do produto
A
SABESP é uma das maiores empresas
de saneamento do mundo, não só em
quantidade de ligações de água e esgotos e em faturamento, mas também em ativos
intelectuais, que garantem a qualidade do seu
produto.
A AESABESP se orgulha disso e tem procurado formas de mostrar isso à sociedade, aos
nossos parceiros e até mesmo aos nossos associados, que ficam isolados em suas unidades de
trabalho e não se dão conta do enorme potencial dessa rede fantástica de conhecimentos. Por
isso, nesta edição, divulgamos resultados de pesquisas feitas por engenheiros da SABESP como,
por exemplo, as relacionadas com o lodo proveniente de Estações de Tratamento de Água e
de Esgotos, e eficiência de digestores, feitas pelos
Engenheiros (as): PhD Luiz Carlos Helou, Iara
Regina Soares Chao e Airton Checoni David e
colaboradores. Apresentamos ainda, os resultados efetivos na melhoria da gestão da Unidade
de Negócio Leste da RMSP proporcionados pelas ações da sua Equipe da Qualidade.
O monitoramento da água bruta nos mananciais, por bóias, em tempo real, tem sido
um aliado valioso para a manutenção da qualidade da água distribuída à população. Por
trás dessa iniciativa inédita no mundo, está o
Químico José Roberto Blum, objeto do nosso reconhecimento. Além disso, contamos
histórias de pessoas que fazem o saneamento
como o Engenheiro Silvio Leifer. Você também pode escrever a sua história e enviar para
[email protected].
A possibilidade de racionamento do abastecimento de água na RMSP foi motivo de muita
discussão, no final do ano passado. Na matéria
de capa vários especialistas apontam as causas e
possíveis soluções para essas crises, cada vez mais
freqüentes. Especialmente na bacia do Paraíba do
Sul, mostramos o resultado da pesquisa do Dr.
José Antônio Marengo do INPE / CPTEC.
O PL 2546/03, sobre Participação Público Privado – PPP, é outro assunto que certamente vai
entrar na pauta das nossas discussões. Para aquecer o debate, solicitamos o ponto de vista dos presidentes da ABCON, ASSEMAE e AESBE.
Estratégias para o desenvolvimento sustentável são assuntos da entrevista com o Engenheiro Hélio Mattar do Instituto Akatu e do artigo do Geógrafo Sérgio Travassos do Ministério do Meio Ambiente.
A partir da próxima edição você, que não é
sócio da AESABESP, poderá receber a revista
SANEAS em sua casa, bastando preencher a ficha de adesão no endereço www.aesabesp.com.
br. Vamos também continuar a oferecer espaço
para publicidade do seu negócio em nossa revista, que é lida por mais de 1 200 engenheiros
e enviada para universidades, bibliotecas e empresas de todo o Brasil e portanto, uma excelente oportunidade de propaganda. Aguardamos
o ser contato pelo email: aesabesp@aesabesp.
com.br.
Finalmente fica o compromisso da Equipe
do Fundo Editorial da AESABESP de preservar a qualidade da Revista SANEAS nesta nova
linha editorial.
Equipe do Fundo Editorial da AESABESP. Da esquerda para a direita: Tonico, Ana, Getúlio, Helou, Claudia,
Darcy e Jairo. Também fazem parte da equipe: Andréa, Cristina, Sílvio e Paulo Ernesto.
Saneas / abril 2004 – 3
Cartas
E
stamos comunicando a ocorrência de um erro no título do artigo na última
revista SANEAS. O título correto seria: AVALIAÇÃO DA APLICABILIDADE DO CLORO E DIÓXIDO DE CLORO NO TRATAMENTO DE ÁGUAS DE
ABASTECIMENTO, conforme consta no documento anexo enviado pelo Prof
Sidney.
Paulo Fernando Fonseca Castagnari
Engenheiro de Assistência Técnica/Vendas
Carbocloro S.A. Indústrias Químicas
Resposta: Registramos que realmente houve omissão das palavras “avaliação” e
“cloro” no título do artigo publicado nas páginas 16 a 25, do volume 1, número 16
de dezembro de 2003. Um dos objetivos do artigo era avaliar o comportamento dos
agentes oxidantes: cloro e dióxido de cloro, para aplicações específicas.
R
ecebemos proposta de parceria com a organização
da VI FIMAI/VI SIMAI- 6ª Feira e Seminário Internacional de Meio Ambiente Industrial. Nesta edição
estamos divulgando o evento em troca da inscrição de
quatro associados da AESABESP para participação da
Feira e Seminário. Os sócios da AESABESP interessados
poderão se inscrever pelo endereço: aesabesps@aesbesp.
com.br.
O
s artigos técnicos divulgados através da revista,
principalmente quando existe interesse comercial
de alguma empresa que, logicamente busca difundir os
seus produtos, está dentro de um jogo de interesses que
atende as partes, sem ferir nenhum princípio ético. Apesar de não ser uma revista da SABESP, de certa forma a
representa, pois todos somos técnicos vinculados a ela.
Gostaria de sugerir que se desse atenção para quando
alguma empresa for divulgar seus produtos através de
artigos técnicos, averiguar se os seus produtos realmente estão qualificados e aprovados pelas unidades técnicas da Cia. Faço essa observação porque numa matéria
de tubos corrugados para esgotos da empresa Kanaflex,
esta afirma que seus produtos estão qualificados pela SABESP, o que não é verdade. Um forte abraço
Hiroshi Ietsugu
Resposta: o artigo em referência “Tubos corrugados de dupla parede em PEAD
para esgoto” foi publicado na edição de junho de 2002, nas páginas 17 a 20 da Revista SANEAS. Na página 18 o autor informa que as especificações estão em andamento na SABESP e na Associação Brasileira de Tubos e Sistemas Poliolefínicos
– ABPE. Nas considerações finais, no entanto, o autor afirma que “... já foram realizados testes de campo em várias empresas do Brasil, das quais muitas já, formalmente, homologaram e estão utilizando o produto, dentre elas a SABESP ...”.
O autor esclarece que, no caso da SABESP, foram feitos os testes de campo sem, no
entanto, as devidas homologações. O grupo técnico da SABESP que trata do assunto ainda está concluindo a normatização interna para esse tipo de material. Caro
Hiroshi, obrigado pela sua contribuição e oportunidade de esclarecimento dessa
questão.
4 – Saneas / abril 2004
S
ou estudante de Engenharia Ambiental e gostaria de receber as publicações
SANEAS Nº 14 - O Saneamento e a Universalidade/ SANEAS Nº 13 - Mananciais.
Os artigos apresentados pela Revista Saneas da Associação dos Engenheiros
da Sabesp são atuais e representa uma boa oportunidade para ficarmos atualizados na área do saneamento.
Gostaria de contribuir com artigos na revista Saneas. Faço parte de um grupo de pesquisa do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Departamento
de Física – Laboratório de Plasmas e Processo (LPP), situado no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), São José dos Campos, SP. Pesquisamos sobre a geração e inserção de ozônio (O3) em sistemas de tratamento de água (ETA) e
efluentes (ETE).
Aguardo retorno, e espero poder para essa revista que representa muito na
área de saneamento básico.
Obs: caso seja possível assinar ou receber as edições da revista me informe do
procedimento.
Danilo Augusto Faria
Resposta: Caro Danilo, as publicações serão enviadas para o seu endereço. Aproveitamos para informar que a partir da edição de abril você poderá assinar a Revista SANEAS, preenchendo a ficha de adesão no endereço www.aesabesp.com.br.
Os artigos técnicos podem ser enviados para o endereço aesabesp@aesabesp.
com.br. Eles serão publicados mediante aprovação pelo Fundo Editorial da AESABESP.
S
ugiro lançar na Revista SANEAS um concurso de frases sobre o tema “Economize água”. Seguem diversas frases (destacamos duas): Tenha um pingo de
consciência, economize água; Vamos cooperar na economia de água, abra o seu
coração para entrar a cooperação.
Osvaldo Silva.
Santa Bárbara D´Oeste, São Paulo.
Resposta: Caro Osvaldo, sua proposta está em discussão na equipe do Fundo
Editorial.
AGRADECIMENTOS
Odair Marcos Faria; Carlos Alberto Rosito, Ana Lucia Frony, Carlos Magno, Eneas Salati, Fabio Feldman, Fábio Gonçalves, Helio Mattar, Pedro Leite da Silva
Dias, José Antônio Marengo
Envie seus comentários, críticas
ou sugestões para o Conselho
Editorial da revista Saneas [email protected]
Saneas
Solicitações de assinatura
da revista Saneas deverão
ser encaminhadas para a
Associação dos Engenheiros da
Sabesp no endereço eletrônico
[email protected]
Deverão constar nome, E-mail,
endereço, CEP, cidade e estado do
assinante.
Valor: R$ 90,00 por 6 edições
Saneas / abril 2004 – 5
P&D
EDITORIAL
Mudanças climáticas
Eng. Eliana Kitahara
Presidenta da Associação dos Engenheiros da Sabesp (AESABESP)
Os estudos sobre mudanças climáticas fazem
projeções para um futuro distante, o que
talvez justifique as dificuldades
A
percepção de mudanças ambientais globais está cada vez mais evidente.Muitos
fatores estão contribuindo para isto. De
um lado, o avanço tecnológico (radares, satélites
e supercomputadores) e do outro a crescente interferência humana sobre os sistemas terrestres.
A simples existência do homem já é suficiente para causar mudanças no planeta e a partir
da revolução industrial, no século 18, o estrago
tomou grandes proporções. As máquinas substituíram as ferramentas e os índices de poluição evoluíram.
Segundo o National Research Council existem três mudanças globais: Mudanças no Equilíbrio Radioativo da Terra (efeito estufa), mudanças no Influxo de Radiação ultravioleta (buraco de Ozônio) e o desflorestamento e redução
de nº de espécies vivas (biodiversidade).
Sabemos que há complexas interdependências entre os sistemas ambientais, e as mudanças ambientais em uma parte da Terra podem
ter efeito em outra. As respostas não são lineares e há grandes incertezas ao se prever as reações iniciais e os resultados finais.
Porém, o que tudo isso tem a ver com o recurso hídrico? O suprimento global da água
vai permanecer constante ou poderá sofrer em
virtude das mudanças climáticas? Quem opera sistemas de recursos hídricos gostaria de saber exatamente quais seriam as vazões afluentes às represas, de forma a evitar tanto seu extravasamento quanto seu esvaziamento pleno.
Na operação das represas sempre existirá uma
componente de incerteza muito grande.
Nesta edição, os artigos textualizam as opiniões de pesquisadores e especialistas em mudanças climáticas. Esses cientistas afirmam que em
uma tempestade de suposições, as alterações climáticas, globais ou regionais são fatores a se considerar num gerenciamento mais eficaz dos recursos hídricos.Os textos traduzem a inquietação
que reina entre estes profissionais que trabalham
com modelos climáticos, que apontam, num ce-
6 – Saneas / abril 2004
nário de aquecimento global, que o regime de
chuvas e circulação de águas podem mudar.
O Departamento de agricultura dos Estados
Unidos, analisando vários cenários de modelos globais de mudanças climáticas concluiu
que, embora a disponibilidade de água global
deve aumentar entre 6% a 12%, em algumas
regiões a escassez de água poderá agravar. Em
cerca de metade da área do mundo, as precipitações pluviométricas serão maiores que hoje,
particularmente no norte da Índia, da Rússia e
América do Norte, mas reduções significativas
vão acontecer nas regiões em desenvolvimento
nos dias atuais.
Os estudos sobre mudanças climáticas fazem projeções para um futuro distante, o que
talvez justifiquem a dificuldade que as pessoas
tem em concientizar-se sobre a real dimensão
do problema, seus efeitos e suas implicações.
No nível atual de conhecimento da ciência
meteorológica não são possíveis tais previsões
em curto prazo. Muitos modelos matemáticos
foram e estão sendo desenvolvidos, porém, não
se encontram num ponto de evolução que possa permitir levantar predições regionais fundamentadas.
A mudança do clima é uma ameaça para a humanidade, porém fazer alguma coisa para amenizar a situação parece ser caro, complicado e difícil. Inclusive não há consenso no que se refere à
real necessidade de investimentos na área.
Uma ação prioritária que é imprescindível
e de extrema importância para a mudança do
clima é a continuidade e compartilhamento de
tecnologias e conhecimentos técnicos ambientalmente sadios. O mundo, o clima e todos os
seres vivos pertencem a um sistema fechado. O
que fazemos causa conseqüências que acabam
voltando para nos afetar.
As crianças de hoje e as gerações futuras devem aprender a ver o mundo de uma forma diferente da que ele tem sido visto pela maioria
das pessoas ao longo do século 20. ■
PONTO DE VISTA
Companhias em busca da
universalização dos serviços
N
os últimos 30 anos, os serviços de saneamento básico
no Brasil deram um grande salto.
Enquanto a população dobrou,
atingindo a marca de 140 milhões
de habitantes, o abastecimento
de água passou a atender mais
92 milhões de pessoas no mesmo
período, número que corresponde à população do México. Além
disso, mais de 66 milhões de
brasileiros (ou um país como a
Vitor Fernando Bertini
Presidente da AESBE– Associação Turquia) passaram a contar com
redes de esgotamento sanitário.
das Empresas de Saneamento
Esse crescimento se deve a um
Básico Estaduais – e da CORSAN
– Companhia Riograndense de
modelo regionalizado e eficienSaneamento
te na prestação dos serviços de
saneamento. Empresas de âmbito estadual adotam um sistema de tarifa com
subsídio cruzado, permitindo que municípios
e sistemas mais capacitados viabilizem o acesso
ao saneamento daqueles com menos condições
financeiras. A gestão regionalizada do saneamento facilita também a entrada de financiamentos e a ampliação da capacitação técnica.
A história do saneamento no Brasil mostra que, nos anos 70, o setor investia anualmente 0,34% do PIB. No final dos anos 80, as restrições macroeconômicas levaram a uma redução
drástica nos investimentos. Nos anos 90, essa taxa
caiu para 0,20% do PIB (com exceção de 1998,
quando o investimento alcançou 0,38% do PIB).
A partir de então, o modelo não sofreu nenhum
tipo de adaptação para a regulação dos serviços.
Segundo dados oficiais, seriam necessários
investimentos da ordem de R$ 178 bilhões
para que, num prazo de 20 anos, o país todo
fosse atendido pelos serviços de saneamento.
Esse valor representa um investimento anual
de R$ 9 bilhões (0,63% do PIB). Hoje, o Brasil
investe 0,25% do PIB em saneamento.
Os esforços dos governos e empresas estaduais de retomar os empréstimos em 2003 e
2004 podem elevar a taxa anual de investimentos nos próximos três anos para cerca de 0,35%
do PIB. Um aumento significativo, mas ainda
insuficiente diante das necessidades do setor.
Embora o número de clientes das empresas
que oferecem o serviço tenha crescido 25% nos
últimos oito anos, o consumo médio por clien-
te caiu 11%, causando uma diminuição das receitas de 9,6%. No mesmo período, a produtividade das empresas estaduais aumentou em
21%, seus custos totais subiram 64% e as despesas de operação e manutenção cresceram
48%, para uma variação do IGP-M de 101%.
Neste cenário, as empresas estaduais investem atualmente 21% de seu faturamento, sendo que 17% com recursos próprios e financiados, ou seja, dependentes de seu caixa interno.
O grande questionamento que se coloca é:
como aumentar o volume de investimentos necessários para se cumprir a meta de universalização dos serviços de saneamento básico?
Em primeiro lugar, é fundamental aumentar a oferta e disponibilidade de recursos para
financiar a expansão dos serviços. Com relação à busca de eqüidade no acesso aos serviços,
duas medidas são prioritárias: ampliar e aprimorar o uso dos recursos orçamentários, focalizando populações municípios e regiões mais
pobres, e preservar a prática de subsídios cruzados por meio de tarifas regionais, com aprimoramento das tarifas sociais.
O modelo regional de prestação dos serviços deve ser preservado, pois ele permite que
se tire proveito das economias de escala, inclusive para financiamento dos investimentos. É o
modelo que viabiliza as compensações sociais
e territoriais e a integração de ações de saneamento ao manejo dos recursos hídricos.
O aumento da eficiência depende da existência de marcos regulatórios claros, simples e
estáveis, que, ao mesmo tempo, induzam à eficiência, garantam a eqüidade e estimulem os
investimentos.
A AESBE – Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais questiona se o setor público, sozinho, será capaz de realizar investimentos para a universalização almejada. Para aumentar a oferta de recursos, a capacidade de financiamento e a eficiência dos serviços, serão importantes as parcerias com o setor privado, tanto
nas formas já utilizadas por empresas estaduais,
como a Sabesp, como em outras inovadoras.
A universalização e a obrigação de prestar
serviços de saneamento adequados e eficientes à população permeiam o trabalho das empresas estaduais que têm o compromisso com
o saneamento. ■
Saneas / abril 2004 – 7
PONTO DE VISTA
O Projeto de Parceria Público
Privada – PPP na visão da ASSEMAE
A Parceria Público Privada – PPP - para o Setor Saneamento
O
Projeto de Lei (PLC
2.546/2003) que já foi
aprovado pelo Plenário da
Câmara dos Deputados e encaminhado para discussão no
Senado, é uma proposta ampla do Governo Federal que se
aplica à contratação nesta modalidade (PPP) aos órgãos da
administração direta, aos fundos especiais, às autarquias,
às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades
de economia mista e demais
Silvano Silvério da Costa
entidades da União, Estados,
Presidente da ASSEMAE e DireDistrito Federal e Municípios.
tor de Manutenção e Operação
São objeto de contratação
do Serviço Autônomo de Água
pela
PPP, individual, conjunta
e Esgotos de Guarulhos/SP
ou concomitantemente em um
mesmo projeto: i) a delegação, total ou parcial,
da prestação ou exploração de serviço público,
precedida ou não da execução de obra pública;
ii) o desempenho de atividade de competência
da administração pública, precedido ou não
da execução de obra pública; iii) a execução de
obra para a Administração Pública; e iv) a execução de obra para a sua alienação, locação ou
arrendamento à administração Pública.
O PL prevê prazo de vigência do contrato compatível com a amortização dos investimentos realizados, limitado a trinta e cinco
anos; que a contraprestação da Administração
Pública nos contratos poderá ser feita por ordem bancária, cessão de créditos não tributários, outorga de direitos em face da Administração Pública, outorga de direitos sobre bens
públicos e outros meios admitidos em lei; e
como garantias prevê a instituição de fundos
especiais desde que previstos em lei específica,
a instituição de fundos fiduciários de inventivo
à parceiras criados por instituições financeiras
públicas.
A contratação das PPPs deverá ser precedida de licitação na modalidade de concorrência com fases de pré-qualificação seguida de
análise de propostas técnica e econômica. Nesta modalidade está prevista a possibilidade de
adequação das propostas técnicas, a critério do
8 – Saneas / abril 2004
poder público, e oferecimento de novas propostas econômicas que será efetuada na ordem
inversa da classificação resultante da apresentação da primeira proposta econômica. As propostas econômicas poderão abranger: o valor
da tarifa a ser cobrada pela obra ou serviço;
os pagamentos devidos pelo parceiro privado
em razão da concessão ou permissão; a contraprestação da administração pública; as melhorias ou benfeitorias a serem realizadas no patrimônio público; e por fim as utilidades e benefícios a serem assegurados às populações alcançadas pelo contrato.
Tal projeto foi gestado no Governo FHC por
meio da KGPM, empresa consultora líder no
mundo na assessoria a governos em projetos
nesta modalidade e é uma iniciativa com propósito de estimular investimentos do setor privado na área de infra-estrutura.
Por mais que se negue a nova modalidade
PPP, nada mais é do que a indução à privatização, na medida em que cria todas as condições para que a iniciativa privada se incumba
de atribuições do poder público (o projeto de
lei estabelece como um dos objetos: “o desempenho de atividade de competência da administração pública, precedido ou não da execução de
obra pública”), com facilitações e baixo risco,
por meio das garantias. Para o setor saneamento é possível que haja um grande número de
concessões totais ou parciais à iniciativa privada com o advento deste instrumento de contratação. A este respeito vale transcrever parte do
texto de Ceci Vieira Juruá, circulado pela Internet no mês de fevereiro de 2004:
“A leitura do inciso III art 2º (no PL aprovado na Câmara dos Deputados este inciso figurou com inciso II) permite supor que “Regular, legislar e policiar” são os únicos domínios
de responsabilidade governamental aos quais
ficam interditados os PPPs. Todos os demais
campos de atividade estatal, que quer se trate da
produção e comercialização de bens e serviços
de natureza pública e coletiva, da pesquisa e do
desenvolvimento tecnológico, da defesa do meio
ambiente, da conservação do patrimônio histórico e cultural, da representação externa dos interesses da Nação e do Estado, ficarão abertos
Ponto de vista
à contratação de parceria público-privada, nas
quais tanto o financiamento quanto a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem ao parceiro privado (sic).
O grau de abrangência que o projeto de lei
concede aos PPPs é preocupante, do ponto de
vista da economia política, pois abre a possibilidade de que sejam transferidas ao setor privado
as principais decisões sobre investimentos governamentais, principalmente na ausência de um
sistema de planejamento governamental capaz
de sinalizar os objetivos da ação governamental e as prioridades de alocação dos recursos públicos no médio e longo prazos. Por isto, parece
muito difícil crer que a parceria possa ser utilizada pelo governo para direcionar o investimento privado. Em nossa tradição o contrário é mais
provável: as decisões de investimento ficarão por
conta dos investidores privados que os selecionarão de acordo com seus critérios de poder de
mercado e de maximização de lucros.
Se a hipótese acima estiver correta, uma pergunta que se coloca prontamente é quanto aos
novos rumos e à própria natureza substantiva
das políticas daqui por diante. Dada a nova divisão de responsabilidades que emerge da parceria públio-privada, qual será o conteúdo e o
formato das políticas públicas daqui por diante?
Em primeiro lugar, é possível sinalizar o fato
de que os contratos PPPs são funcionais ao abandono imediato dos objetivos de universalização
dos serviços públicos e à focalização da ação governamental em programas assistenciais, destinados à população mais pobre e miserável, conforme as teses defendidas pelo Banco Mundial e
pelo Fundo Monetário Internacional. Se esta expectativa se confirmar, os PPPs poderiam ser vistos como mais um instrumento de facilitação de
uma mudança bastante anunciada há décadas e
ainda não entendida totalmente na sua inserção
histórica: a adoção efetiva e institucional de um
Estado mínimo liberal, em substituição ao Estado previdenciário e social que, embora incompleto, foi o grande agente da inclusão social verificada entre as décadas de 1930 e 1970....
Em segundo lugar, esta nova divisão de responsabilidade poderia favorecer a configuração,
na sociedade brasileira, de dois pólos de decisão
bastante diferenciados quanto ao seu poder político e quanto à sua capacidade econômico-financeira: de um lado o mercado (direcionado
pelo grande capital nacional e internacional),
que deverá se incumbir do atendimento das demandas dos segmentos médios e ricos, e, de outro lado, o Estado provedor de programas assistenciais...”
Importante analisar que o projeto aprovado
no Plenário da Câmara dos Deputados da forma com está, facilitará o administrador público a contratar qualquer obra de curto ou longo prazo, sem utilizar a Lei de Licitações, o que
permitirá também conceder a prestação dos
serviços e no caso específico para o setor de saneamento, com um agravante: o administrador
poderá fazê-lo sem consultar o legislativo, nem
tão pouco a sociedade que é quem vai ter que
pagar o ônus pela irresponsabilidade social do
Prefeito. Nesse caso, a legislação em vigor, Lei
9.074/1995, no seu artigo segundo, exclui o saneamento básico e limpeza urbana da exigência de lei autorizativa e que fixe os termos para
execução de obras e serviços públicos por meio
de concessão e permissão. Salvo, os casos onde
estiver prevista tal exigência na Lei orgânica do
município. Essa exclusão na Lei 9.074/1995 foi
de autoria do Governo FHC, que aproveitou ao
estabelecer normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços
públicos de energia elétrica, incluiu misteriosamente um único artigo referindo-se ao saneamento e limpeza urbana para facilitar a privatização desses serviços. Já no projeto de parceria público-privada, está previsto nas disposições finais que se aplicam às parcerias público-privadas os dispostos nas Leis 8.666/1993,
8.987/1995 e na 9.074/1995, ora porque mais
uma vez o saneamento básico e limpeza urbana ficaram excluídos da necessidade de lei autorizativa e que fixe os termos?
A Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental na sua marcante atuação junto ao relator do PL, aos deputados da comissão especial
que analisou o PL e outros deputados do PT,
inclusive o líder da bancada do PT, apresentou
sugestões de emendas ao projeto: uma para excluir o saneamento do PL e outras duas, caso
não fosse aceita a primeira, a inclusão da exigência de lei autorizativa e que fixasse os termos e audiência pública, com justificativa, porém nenhuma das emendas foi incorporada ao
parecer do relator e nem tão pouco, a emenda que excluiria o setor de saneamento do PL,
apresentada pela Deputada Alice Portugal foi
aprovada em Plenário.
Seria obrigação do Governo resguardar o
Saneas / abril 2004 – 9
Ponto de vista
saneamento dos contratos de PPP, pois com o
quadro vexatório que o Brasil possui neste setor, segundo o Atlas do IBGE, 102 milhões habitantes não têm acesso a esgoto, ou seja, sessenta por cento da população enquanto setenta e seis por cento têm acesso a distribuição de
água e, localizam-se nas regiões mais pobres,
Norte e Nordeste, as piores situações: população atendida com água – 51,9% e 63,9%, respectivamente e a população atendida com esgoto – 2,8% e 17,7%, respectivamente nas regiões. E, os registros informam número de mortes de crianças com menos de cinco anos, por
diarréia, relacionada a o tratamento da água e
às condições gerais de saneamento nos municípios: Pernambuco - 421, Bahia – 387, Ceará – 377, São Paulo – 331 e em Alagoas – 214.
Com essa realidade, o setor privado terá interesse em investir nas localidades de baixa renda, onde está a população excluída dos serviços de saneamento? Não sai mais caro para o
governo e para a população o privado investir,
ainda que com recursos público, e só receber
depois? A propósito é fundamental indagar.
Quanto custará à população os serviços contratados na modalidade PPP?
Neste sentido a ASSEMAE contratou um
estudo econômico1 que procurou responder a
resposta comparando uma proposta de contratação de obras no modelo BOT (Construção- Operação e Transferência) para coleta,
tratamento e disposição final de esgotos para
cidades de diversos portes populacionais (de
10.000 a 100.000 habitantes) com a contratação da mesma obra por autarquia municipal
contraindo financiamento de fontes do tipo
FGTS e BNDES. Neste estudo foram comparadas as despesas e as receitas ao longo do
prazo de vigência do contrato (no caso específico 20 anos), trazidas ao valor presente e
identificado o preço por metro cúbico de esgoto tratado.
A conclusão que se tira da análise é que, o
mesmo empreendimento sendo realizado pelo
SAAE ou órgão público municipal, nas mesmas condições básicas (custos de operação/
manutenção, investimentos e taxa interna de
retorno) e com financiamentos com recursos
do FGTS, as tarifas requeridas serão cerca de
37% a 48% menores que as obtidas para a execução em regime de PPP/BOT.
O que se constata é que a oportunidade da
alocação do recurso por um ente privado para
um empreendimento qualquer - e no saneamento não seria diferente - deve ser traduzi10 – Saneas / abril 2004
do em uma taxa de retorno no mínimo igual
à aplicação em uma aplicação financeira. Esta
taxa de retorno, da ordem de 20%, adicionada aos tributos inerentes de empresa privada:
CSLL: 9% (órgão público imune), IRPJ: 15% +
adicional de 10% (órgão público imune), PIS:
1,65% empresa privada (1% para órgão público), Cofins: 7,65% (órgão público imune),
CPMF: 0,38% (órgão público imune) são responsáveis por este acréscimo na tarifa.
Efetivamente o saneamento ambiental difere
de outros setores de infra-estrutura básica tanto pela sua essencialidade à vida, quanto pela
escassez dos recursos hídricos. Enquanto setores como energia e telefonia apresentam demanda de cerca de 20% para uso residencial e
80% para organizações econômicas, o perfil do
setor de saneamento ambiental é inversamente proporcional, com característica estritamente social: a demanda residencial corresponde a
80% e a econômica a 20%.
Denota-se a necessidade e responsabilidade do poder público em promover eqüitativamente a universalização dos serviços de abastecimento de água, de esgotamento sanitário
e a coleta dos resíduos sólidos. Sendo assim o
espaço da parceria publica privada (PPP) neste segmento é no sentido da prestação de serviços complementares para os órgãos públicos
gestores de saneamento. Os marcos regulatórios para outros setores de infra-estrutura, tais
como para a matriz energética, transportes, telefonia, petróleo e outros diferem e não podem
se aplicar ao setor de saneamento.
Além disso, a PPP não trará para o setor saneamento recursos financeiros novos para aumentar a capacidade de investimento, que poderiam ajudar a universalizar os serviços, na
medida em que os agentes privados tendem a
tomar os recursos do FGTS e do BNDES para
os seus empreendimentos, como já vem acontecendo aonde este tipo de parceria foi implementado.
Por todos estes aspectos, a proposta da ASSEMAE e da Frente Nacional pelo Saneamento
Ambiental é que o setor saneamento ambiental
seja retirado da modalidade de contratação da
PPP e neste sentido fazem gestões junto ao Governo Federal e agora ao Senado para que seja
o setor seja excluído do Projeto de Lei. ■
Estudo: Análise Econômico-Financeira comparativa da Implantação de Sistemas de Tratamento de
Esgoto PPP/BOT versus Execução Direta, elaborado
por João Batista Peixoto em Janeiro de 2004.
1
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO
OPINIÃO
Aplicação de traçadores
radioativos na determinação
de tempo de residência média
(TRM) em digestores anaeróbios:
Estudo do caso da ETE Barueri
Pesquisa & Desenvolvimento
Eng. PhD Luiz Carlos Helou - SABESP
Tecna Cristiane da Silva Vitoreti - SABESP
Enc. Fábio Alceu Akiyama de Moraes - SABESP
Eng. Pedro Aoki – IPEN
Resumo
A baixa produção de gás nos digestores da
ETE Barueri levou à hipótese de que pudesse
haver zonas mortas por deficiência de homogeneização. Para a verificação desta hipótese
foram realizados testes em escala real em dois
digestores utilizando-se 131I , isótopo radioativo com meia vida de 8 dias. Estes testes levados
a efeito graças ao convênio entre a Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(SABESP) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), produziram resultados
que mostram um volume ativo de cerca de 85%
do nominal.
Objetivo
O objetivo deste trabalho foi a determinação do tempo de residência média (TRM) e do
nível de mistura dos digestores anaeróbios da
Estação de Tratamento de Esgotos de Barueri,
através da injeção de traçador radioativo na tubulação de alimentação dos digestores.
Introdução
A planta analisada localiza-se no município
de Barueri, na margem esquerda do rio Tietê em terreno limitado por este curso d’água e
pela estrada de ferro da Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos (CPTM). A ETE Barueri trata os esgotos das regiões centro, oeste e
parte da região sul do Município de São Paulo,
além de receber contribuições dos Municípios
de Barueri, Jandira, Itapevi, Carapicuíba, Osasco, Embu, Taboão da Serra e Itapecirica da Serra. O processo de tratamento é o de lodos ativados convencional. Atualmente a estação tem
uma capacidade nominal de 9,5 m3/s e a vazão
afluente média é de 7,0 m3/s.
Este estudo procurou avaliar as condições
de mistura dos digestores anaeróbios.
A digestão anaeróbia junto com as operações unitárias de concentração de lodo (adensamento e flotação) compõe as unidades de
tratamento da fase sólida.
Segundo o projeto, os digestores foram concebidos de forma a operar hidraulicamente em
regime de mistura completa e sob temperaturas, na faixa entre 32 oC e 35 oC. Tais condições
permitem a utilização dos digestores como
unidades de alta taxa de trabalho.
A alimentação dos digestores efetua-se através de duas tubulações externas, uma de lodo
adensado (D=200 mm) e outra de lodo flotado (D=200mm), que se interligam numa caixa
de válvulas. Desta caixa deriva uma tubulação
(D=200 mm) em direção aos digestores. Junto
a cada digestor, a tubulação de entrada dividese em três outras, para a distribuição interna
no corpo do digestor.
O procedimento operacional de alimentação dos digestores é automático e temporizado e executa-se de forma exclusiva, isto é, a alimentação faz-se isoladamente em relação às
outras unidades. Como existem 4 digestores,
cada um deles é alimentado durante 20 minutos, ficando parada sua alimentação por uma
hora, período no qual os demais são alimentados, cada um durante 20 minutos. Esta forma
de alimentação visa a distribuição eqüitativa da
vazão entre as unidades de digestão.
Os digestores possuem seis saídas para extração de lodo, instaladas em níveis diferentes
Saneas / abril 2004 – 11
Pesquisa & Desenvolvimento
tato com o substrato. Essa agitação é fornecida pela aplicação de gás comprimido, extraído
da cúpula do digestor, a uma profundidade que
corresponde a 80% da coluna líquida máxima
tomando como referência o centro do tanque.
A injeção de gás se dá através de onze pontos
igualmente distribuídos por uma circunferência de raio aproximado de 70% do raio da estrutura. Um décimo segundo ponto de aplicação de gás, está instalado sobre uma circunferência de raio 5,65m para atuar mais diretamente sobre a zona central do tanque.
O tempo de residência médio, ou tempo
de detenção hidráulico, é um parâmetro fundamental na avaliação do controle de processo operacional, pois está implicitamente ligado
à produção de gás e à drenabilidade do lodo.
Ou seja, com a diminuição da produção de gás,
devido à redução da destruição de sólidos voláteis, haverá um aumento da concentração de
sólidos voláteis afluindo aos processos de desidratação.
Altas concentrações de sólidos voláteis são
prejudiciais a drenabilidade do lodo, terminando por aumentar o tempo de ciclo e o volume de lodo desidratado.
Fig. 1 (a) Cúpula do digestor (b) Vista geral do digestor
de maneira que as quatro superiores destinemse à retirada do sobrenadante: a quinta, contada de cima para baixo, corresponde a sucção para recirculação e aquecimento de lodo; a
sexta, e última destina-se à tomada de lodo na
parte central e inferior do digestor. Todas essas
saídas estão interligadas por meio de uma coluna vertical e outros circuitos característicos, de
modo que permitem variar significativamente
as alternativas de conexão entre os digestores,
o poço de lodo digerido, as bombas de recirculação e as bombas de deslocamento positivo de
um mesmo conjunto de tanques.
O lodo contido em cada digestor deve ser
agitado adequadamente de forma a manter os
sólidos suspensos voláteis dispersos e homogeneizados na massa líquida para constante con12 – Saneas / abril 2004
Fundamentos Teóricos
Tossey e Norton (1976), utilizando-se de
modelos em escala real, concluíram que a alimentação perimetral de digestores pode aumentar a produção de gás em até 27% . Monteith, Hugh D., Stephenson, P. utilizaram fluoreto de sódio como traçador na avaliação do
tempo de residência de digestores anaeróbios.
Chapman, D. (1986) estudou a influência da
potência de mistura e a freqüência de bombeamento de lodo bruto no grau de mistura para
digestores anaeróbios de alta taxa, utilizando
técnicas de traçadores. O digestor analisado
combinava o lodo primário e o ativado. Seis
tempos de residência foram obtidos injetando-se cloreto de lítio no digestor e medindose a concentração de lítio na linha entre os digestores primários e secundários. O resultado
da experiência foi a determinação do volume
ativo dos digestores.
A seguir, apresentam-se algumas abordagens teóricas propostas:
Método de Wolf e Resnick
A curva de decaimento de um digestor de
mistura completa submetido a um traçador
conservativo pode ser matematicamente descrito como:
Pesquisa & Desenvolvimento
# = # ⋅ E
−
T
4
(1)
Onde:
C: é a concentração do traçador no tempo t
C0: é a concentração do traçador no instante inicial (t=0)
T: tempo de detenção teórico do digestor
A equação acima pode ser rescrita como:
−T
# − # ⎛⎜
= ⎜ − E 4
#
⎝
⎞
⎟ (2)
⎟
⎠
Assim, se o reator é completamente misturado e sem zonas mortas, a equação (2) mostra
que se tem um recobrimento de 63% para um
tempo de detenção (quando t=T).
No caso de si incluir zonas mortas, a equação (1) pode ser escrita como:
T
− ⋅
#
= E 4 − $ (3)
#
onde D é um percentual que representa as
zonas mortas.
A curva ln (C/C0) x t/T fornecerá o valor do
volume morto do reator baseado na declividade da linha [1/(1-D)].
Método de Moneith e Stephenson
Os autores propuseram para um constituinte conservativo para um digestor completamente misturado a seguinte equação:
⎡ T ⎛ 6 ⎞⎤
⎜
⎟
⋅
# ⎛ 6 ⎞ ⎢⎣⎢ TOBS ⎜⎝ 6 ! ⎟⎠ ⎥⎦⎥
⎟⎟ ⋅ E
= ⎜⎜
# ⎝6! ⎠
(4)
onde:
V: volume nominal do digestor
VA: volume ativo do digestor
tobs: tempo de detenção hidráulico observado na zona de mistura
O volume “morto” do digestor é calculado
através do diferencial V-VA e, é definido como
o volume no qual o digestor retém o traçador
por um período superior ao tempo de retenção teórico.
Plotando-se a curva ln (C/C0) x t obtém-se
com a declividade o tempo de residência do digestor, enquanto o intercepto com o eixo das
abscissas representa a porcentagem do volume
ativo do digestor.
Traçadores Radioativos
Denomina-se traçador radioativo, ao radioisótopo produzido principalmente em reator
nuclear que, ao ser incorporado ao meio em
estudo, possibilita seu acompanhamento por
meio de detetores de radiação.
As principais vantagens dos traçadores radioativos em relação aos demais são:
a) alta sensibilidade de detecção, permitindo
diluições extremamente altas. Uma fração
de peso pode marcar milhares de metros cúbicos de água
b) possibilidade de medida in situ com utilização de equipamentos portáteis, quando se
tratar de traçador emissor de radiação gama
c) vida limitada do traçador, que pode ser escolhido de acordo com a duração prevista
do ensaio. Esta característica permite que
um ensaio possa ser repetido periodicamente, sem que uma aplicação exerça influência
significativa nos ensaios subsequentes.
d) um mesmo traçador pode ser empregado
em várias formas químicas, sem que se modifique a sensibilidade medida.
Determinação do tempo médio de
residência com traçadores radioativos
Considerando-se um digestor qualquer, com
vazão constante de entrada e saída, determinase o tempo médio de residência como se segue:
Na seção de entrada, injeta-se uma solução
radioativa, de forma pontual, com meia-vida e
atividades conhecidas; em seguida, inicia-se o
monitoramento na seção de saída por meio de
dzNN
-0%0*0%0
-0%0
WBJQBSBPEJHFTUPS
dzNN
7
NBOÙNFUSP
*0%0
7
7
«(6"
7
Fig. 2 Esquema de injeção de Iodo radioativo
Saneas / abril 2004 – 13
Pesquisa & Desenvolvimento
traçador e do ambiente (background, ou BG).
A contagem líquida é a diferença entre o valor do registro e o BG. Em decorrência do fenômeno do decaimento radioativo que ocorre
no período entre a injeção e a detecção do traçador, corrige-se a contagem líquida por meio
de um fator maior que um, de acordo com a
equação do decaimento. Este fator dependerá da meia-vida do radioisótopo e do intervalo de tempo decorrido entre a injeção e a
detecção.
Os pontos obtidos são lançados em um gráfico concentração x tempo. O tempo médio de residência é calculado a partir do centro de massa
da curva concentração x tempo extrapolada.
Fig. 4 (a) Injeção do Iodo
Fig. 4(b) Posição da sonda de medição
um sistema de detecção de radiação, com a finalidade de registrar a radiação emitida pelo
traçador, em termos de contagens por minuto,
que pode então ser correlacionada com a concentração deste elemento.
O sistema de detecção da radiação emitida
pelo radioisótopo, consiste em uma sonda e um
espectrômetro que processa e registra os sinais
recebidos. A unidade de medida dos registros
é a contagem por intervalo de tempo. Esse intervalo é fixado em função da duração prevista
para o ensaio, sendo usual utilizar-se de um ou
dois minutos quando se tratar de aplicações de
curta duração, da ordem de horas.
Cada registro obtido representa o efeito combinado das radiações provenientes do
14 – Saneas / abril 2004
Materiais e Métodos
Ensaio no Digestor anaeróbio 2C
Equipamentos
O sistema de detecção da radiação utilizado, é composto por um espectrômetro monocanal Minekim modelo 9502 e uma sonda
cintiladora gama de NaI (TI) de duas polegadas de diâmetro. A unidade analisadora permite dois modos de operação: integral e janela. No modo integral, o discriminador inferior
atua entre 5mV e 8000mV em passos de 1mV.
No modo janela, o discriminador inferior atua
entre 5mV e 8000mV, com o superior entre 1
e 999mV acima do inferior. A fonte cintiladora gama utiliza um detetor de iodeto de sódio
ativado com tálio de duas polegadas de altura,
acoplado opticamente a uma fotomultiplicadora em uma unidade selada. O pré-amplificador e o detetor são montados em um conjunto
hermeticamente fechado em aço inoxidável. O
cabo elétrico que interliga esse conjunto com o
espectrômetro tem cerca de 100 m de comprimento, suficiente para a maioria dos trabalhos
de aplicações de radioisótopos.
O traçador escolhido para o ensaio foi o radioisótopo iodo 131, na forma química NaI. O
iodo 131 tem meia-vida de aproximadamente 8 dias, sendo altamente conveniente para
a maioria dos trabalhos de determinações de
tempos médios de residência, devido à flexibilidade dos tempos de duração dos trabalhos
que podem variar de horas a semanas.
Para as campanhas, utilizaram-se atividades
da ordem de 110 mCi em cada uma das aplicações.
Instalou-se na tubulação de entrada do digestor 2C um dispositivo injetor composto por
um tubo de aço galvanizado de ¾”, duas válvulas de fechamento rápido e um manômetro
Pesquisa & Desenvolvimento
Após a última etapa (d), deixava-se o registro aberto por cerca de cinco minutos para que
o fluxo de água efetivamente introduzisse o
traçador no digestor
Durante os testes uma sonda cintiladora
gama foi posicionada na seção de saída do digestor (válvula telescópica), devidamente fixada para evitar choques mecânicos. O espectrômetro monocanal foi instalado em local protegido de intempéries, na sala dos digestores.
As medições eram registradas de minuto
em minuto, iniciando-se sempre alguns minutos antes da injeção do traçador. Dessa maneira, obtiveram-se os valores da contagem e do
background.
Resultados obtidos
Com os dados coletados elaborou-se uma
curva de concentração x tempo, onde o tempo
de detenção do digestor 2C é o centro de massa da figura. O gráfico abaixo mostra o procedimento adotado.
Comparando-se o TRM obtido com o valor
teórico do tempo de detenção hidráulico, dado
pela relação entre o volume do digestor e a vazão de alimentação, obtém-se a porcentagem
de zonas mortas existentes no digestor.
Para a época do ensaio, a vazão de alimentação correspondia a cerca de 6 L/s (518,4 m3/d)
e o volume do digestor é de 10.500 m3, o que
fornece um tempo de detenção hidráulico teórico de 20,2 dias. Comparado com o TRM obtido, de 17 dias, verifica-se um aproveitamento de 85% do volume nominal do digestor. Isto
#ONCENTRA ÎOX4EMPO
#ONCENTRA ÎOM#I,
diferencial. Uma das extremidades do tubo foi
acoplada à tubulação de entrada do digestor, e
a outra à uma linha de alimentação de água; o
manômetro foi instalado entre uma das válvulas e a tubulação de alimentação do digestor, de
forma a se conhecer a pressão existente em seu
interior, mantendo-se o restante do tubo isolado. Desta maneira, foi possível introduzir o traçador em uma câmara intermediária que, por
sua vez, ficava isolada da linha de alimentação
de água por meio da outra válvula. (Fig. 2).
As injeções de traçador obedeceram a seqüência:
a) as válvulas do lado do digestor e da alimentação de água eram mantidas fechadas
b) introduzia-se o traçador na câmara
c) abria-se a válvula do lado do digestor
d) abria-se a válvula da linha de alimentação
de água para realizar a injeção
42-DIAS
4EMPOD
Fig. 5 – Curva concentração x Tempo para obtenção de TRM
implica em zonas mortas da ordem de 15%, o
que não justifica a baixa produção de gás.
Futuros desenvolvimentos
Para a confirmação dos resultados obtidos
seria necessário repetir o procedimento adotado para os demais digestores da ETE Barueri.
Este tipo de ensaio pode ser aliado a uma política operacional de se drenar e limpar digestores cujo volume de zonas mortas ultrapasse um
determinado valor, que deverá ser avaliado.
Bibliografia
SABESP-HIDROSERVICE, Programa de Controle Operacional – ERQ Barueri Descrição
das Instalações e Processo, Tomo 6, 1988
IPEN - Determinação da Distribuição de Tempo de Residência nos Digestores 1A e 2C da
Estação de Tratamento de Esgotos de Barueri – Sabesp, Convênio Sabesp 031/95 –A
Outubro de 2001
CHAPMAN D., Anaerobic Sludge Digester
Tracer Studies to Asses Alternative Mixer Configurations – Environment Canada,
Wastewater Technology Centre, Burlington,
Ontario.
MONTEITH, H. STEPHENSON J., Mixing Efficiencies in full-scale anaerobic digester by
tracer methods, Journal WPCF, Volume 53,
No 1, 1981
OSEY D. e J.W. NORTON, Effective Digester Mixing Using Minimum Horsepower,
WPCF, Minn, 1976
NOLASCO D. A et al. How often should we
clean our anaerobic digesters? Optimizing
mixing and performance using tracer and
sampling techniques. 2000. ■
Saneas / abril 2004 – 15
CAPA
Mudanças climáticas:
efeitos globais e regionais
Pesquisadores se debruçam em descobrir se o que acontece no
clima de outros continentes pode ter influência com a menor
ou maior quantidade de chuvas por aqui. A ciência dá aval às
diversas alterações ao redor do globo, mas ainda pouco se sabe
o quanto esta interação nos diz respeito. Nesta tempestade de
suposições, uma afirmativa é certa: as alterações climáticas, globais
ou regionais, são fatores a se considerar num gerenciamento mais
eficaz dos recursos hídricos. Resta saber como.
C
onseqüência das mudanças climáticas
globais, como o aumento da temperatura nos oceanos, o derretimento das geleiras, ondas de calor na Europa, são assuntos
tão comuns nas manchetes dos jornais quanto
as alterações regionais (temporais na cidade
de São Paulo, a diminuição do nível de água
nos reservatórios hídricos, o furacão que assolou o litoral de Santa Catarina e a alteração
do regime de chuva provocada pelo efeito El
Nino). Há muito, a metereologia e a climatologia deixaram os meios acadêmicos para fazer
parte do debate cotidiano de pessoas comuns.
O motivo óbvio disso é que as alterações cli16 – Saneas / abril 2004
máticas têm efeito no dia-a-dia de cada um,
seja pela constante inundação das vias públicas, provocada pelos temporais, ou pela possibilidade de racionamento, fruto da escassez
de água nos reservatórios. Mas, afinal, o que
o aquecimento geral tem a ver com a falta de
água na torneira de casa? “A precipitação total
do planeta é uma consequência das mudanças
climáticas gerais. Mas não dá para afirmar que
o fato de ter chovido mais ou menos em São
Paulo é um efeito global”, acredita Eneas Salati,
diretor técnico da Fundação Brasileira para o
Desenvolvimento Sustentável e especialista em
mudanças climáticas. Cientistas concordam
Matéria de Capa
que as alterações mundiais são um fato inegável, mas ainda não existem provas suficientes ou
volume de pesquisa capaz de arriscar a relação
entre global e regional. O certo é que entender
ambas é o único caminho para reduzir seus impactos no cotidiano.
Um mundo em evolução – Quando entrou em vigor a Convenção Marco das Nações
Unidas sobre Mudança Climática, o primeiro
tratado internacional contra a mudança climática, estabelecido em 1994, cientistas lançaram prognósticos catastróficos, como o derretimento das geleiras, inundações e outros graves eventos metereológicos. Dez anos depois,
a emissão de gases causadores do efeito estufa (veja boxe “O efeito estufa e seus impactos”)
continua com força total e os últimos informes
científicos mostram que o aquecimento planetário está aumentando. Só para se ter uma idéia,
as emissões de gases causadores do efeito estufa, que levam ao aquecimento, entre os quais
o principal é o dióxido de carbono (CO2), aumentaram 11% na última década. E se prevê que
aumentarão outros 50% nos próximos quinze
anos. O Protocolo de Kyoto, tratado aprovado
em 1997 que complementa a Convenção, ainda
não entrou em vigor, embora até agora seja o
único instrumento internacional que estabelece metas específicas para 38 países industriais.
Essas metas supõem a redução das emissões de
gases que causam o efeito estufa desses países a
volumes 5% inferiores aos de 1990, com prazo
máximo até 2012. O anterior governo dos Estados Unidos, do presidente Bill Clinton (19932001), assinou o Protocolo. Mas seu sucessor,
George W. Bush, retirou a assinatura americana –apesar de o país ser responsável por 25%
das emissões desses gases no mundo. A Rússia, que inicialmente manifestou intenção de
ratificar o Protocolo, agora se mostra indecisa. Assim, o Acordo, que deve ser ratificado
por países cujas emissões somem mais de 55%
das calculadas em 1999, permanece no papel.
O debate sobre a questão é uma necessidade,
afinal a elevação da aumento da temperatura mundial, constatada no século passado, foi
causada pelas emissões artificiais-- queima de
combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e
gás. “Nos últimos 150 anos, a concentração de
CO2 só aumentou na atmosfera. Atualmente,
são emitidos, por ano, oito bilhões de toneladas de carbono no ar”, acrescenta Eneas Salati.
E os estudos feitos nos últimos dez anos indicam que a tendência ao aquecimento continua.
O Efeito Estufa e seus impactos
A
radiação solar de onda curta penetra na atmosfera,
aquecendo a superfície da terra. Parte desta radiação
é absorvida e parte é refletida de volta para a atmosfera. A
parcela absorvida produz aquecimento na superfície que
emite radiação de onda longa (radiação térmica) que pode
ser absorvida pelos gases encontrados na atmosfera, como
o vapor d’água e o dióxido de carbono (CO2). A absorção
desta radiação de onda longa aquece a atmosfera, aumentando a temperatura da superfície. Este é o tal efeito estufa, um processo natural do globo. Se não houvesse este
efeito na atmosfera da Terra, a temperatura da superfície
seria 33°C mais fria.
A potencial modificação climática é resultante do aquecimento adicional da atmosfera devido ao aumento de gases produzido pelas atividades humanas e animal, além
dos processos naturais já existentes. Os principais gases
que contribuem para isso são o dióxido de carbono (CO2),
o metano, o óxido de nitrogênio e o CFC (clorofluor-carbono).
Assim, é provável que o aumento dos gases do efeito
estufa esteja relacionado com o aumento de temperatura
dos últimos 50 anos. E, de acordo com o painel IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, grupo de apoio
das Nações Unidas sobre assuntos da atmosfera), entre as
consequências disso está: a temperatura média do globo
poderá elevar de 1,4 a 5,8°C até o ano de 2100, e o nível do
mar de 9 a 88 cm.
Fonte: Impacto da variabilidade climática e do uso dos recursos
hídricos”, Carlos Tucci O efeito estufa
40-
Uma parte da
radiação solar
é refletida pela
Terra e pela
atmosfera
Uma parte da radiação
infravermelha
passa através da
atmosfera, mas outra
parte é absorvida e
redirecionada pelos
gases do efeito
estufa. O resultado
é o aquecimento da
superfície e da baixa
atmosfera
A radiação solar
passa através da
atmosfera limpa
"5.04'&3"
5&33"
A maior parte da radiação
solar é absolvida pela
superfície da Terra e
provoca seu aquecimento
Radiação infravermelha
é emitida a partir da
superfície da Terra
Saneas / abril 2004 – 17
Matéria de Capa
O meio ambiente e as políticas públicas e privadas
Empresas de água – Trecho do livro “Impacto da variabilidade climática e do uso dos recursos
hídricos”, do professor Carlos Tucci, do Instituto de
Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, mostra parte deste cenário. Nele,
Tucci, aponta que a grande fragilidade dos sistemas
de abastecimento urbanos está relacionada com a
falta de monitoramento por parte da maioria das
companhias de abastecimento e da disponibilidade
hídrica dos mananciais, que fica sujeita a variabilidade interanual e ao racionamento --além da falta de
gestão integrada das bacias e investimento em redução de perdas (por vazamento) na rede de distribuição de água. A mesma opinião é compartilhada por
pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica
e Astronomia, da USP. No capítulo sobre ‘abastecimento urbano’, Tucci conclui: “Estas companhias (de
abastecimento) geralmente estão focadas no tratamento da água e de alguma forma no tratamento de
esgoto e geralmente não tratam de conhecer a disponibilidade do seu insumo básico que é água. Este cenário gera maiores incertezas a sustentabilidade da
quantidade e qualidade da água de abastecimento, já
que qualquer anomalia maior sobre o sistema hídrico poderá gerar impactos significativos. Observouse, em extensa região do país, aumento na vazão depois dos anos 70. Considerando-se que, grande parte das séries hidrológicas utilizadas no planejamento
de novas instalações --quando existem-- iniciaram
após esta data, é provável que grande parte dos sistemas de abastecimento podem estar sub-dimensionados para disponibilidades registradas anteriores
deste período. O Rio Grande do Sul é um exemplo
desta situação, já que a década de 40 foi muito seca e
são poucas as séries que englobam este período. Dimensionando reservatórios com série que não considera a década de 40, o reservatório pode estar subdimensionado em 50%. Repetindo-se uma estiagem
prolongada, a economia do Estado ficará comprometida”.
Poder público -- Não dá para dizer que o assunto mudanças climáticas foi negligenciado pelo governo. Em junho de 2000, foi criado o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, durante o mandato de
Fernando Henrique Cardoso. O objetivo do Fórum é
promover a conscientização e mobilização da sociedade para a discussão e tomada de posição sobre os
18 – Saneas / abril 2004
problemas decorrentes da mudança do clima por gases do efeito estufa e também sobre o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (acordo internacional sobre metas de redução de emissão de CO2). O então
secretário executivo do Fórum, o ambientalista Fábio Feldman, dá sua opinião sobre a questão:
“A educação ambiental, nesse momento, precisa
começar com os tomadores de decisão. Os trabalhos
sobre mudanças climáticas eram vistos com muita
desconfiança há 20 anos. Os cientistas que falaram
pela primeira vez na destruição da camada de ozônio pelo cloroflúorcarbono (CFC) foram praticamente desqualificados pela comunidade científica,
na época. E, depois de alguns anos, ganharam o prêmio Nobel de química exatamente pela coragem de
enfrentar a comunidade científica. O déficit maior
que temos é o do poder publico. Veja os mananciais.
O grande responsável pela ocupação dos mananciais foi o poder público porque não fiscalizou. Temos que ter políticas públicas mais bem elaboradas
e mais pró-ativas. E mudanças de visão, de mentalidade da sociedade para novas políticas públicas. O
grande desafio da área de meio ambiente é que estamos sempre contra o relógio. Até que se tenha algum
resultado, demora uns 25 anos. No Brasil, também
temos um problema que é associar planejamento a
um regime autoritário. É preciso perceber que temos
que agir hoje para evitar algo dramático daqui a cem
anos. Mas o Brasil não tem esta visão”.
A parte que cabe a sociedade – Mais do que
uma lição a ser aprendida, economizar água ou energia elétrica será uma prioridade nos próximos anos.
E isso começa dentro de casa. “As pessoas continuam
a limpar as calçadas com mangueiras e jatos de água.
Isso é um desperdício e um crime ecológico”, acredita o pesquisador do INPE, José Antônio Marengo.
Seja pelas mudanças globais ou pelas alterações climáticas regionais, a constatação é que a água dos reservatórios não é suficiente para as necessidades atuais do homem –da agricultura às indústria. Se a culpa também não é das chuvas, então é preciso aprender a viver sem desperdício. Do currículo escolar ao
exemplo de casa, o padrão deve ser mais do que economizar água. É aprender a usar de maneira racional e com coerência. “Se tivéssemos ensinado isso as
crianças de ontem, talvez o jovem de hoje já estivesse
reescrevendo a nossa história”, acredita Feldman.
Matéria de Capa
O Departamento de Defesa americano emitiu,
no início deste ano, uma advertência segundo
a qual o aquecimento do planeta, se ocorrer de
forma abrupta, fará supor um colapso catastrófico para a segurança internacional. Como
conseqüência, o Pentágono prevê guerras por
alimento, água e energia.
No ano passado, a Europa já sentiu a repercussão disso: 2003 foi um ano quente e tanto. Acredita-se que parte disso seja resultado da migração
da corrente do Golfo (a corrente do Golfo margeia a América do Norte e se dirige em direção a
Europa). Calcula-se que cerca de 15 mil pessoas
morreram, apenas na França, devido aos extremos da temperatura, em combinação com a poluição, enquanto a agricultura do continente sofreu perdas de 12,5 bilhões de dólares.
Mais perto de casa – “Do ponto de vista global temos a certeza que vão acontecer mudan-
ças, como a elevação da temperatura. O problema é saber o que vai acontecer em cada região do planeta”. A frase é do pesquisador Pedro Leite da Silva Dias, professor do Departamento de Metereologia, Modelagem Numérica
do Clima e Previsão do Tempo do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
(IAG) da Universidade de São Paulo (USP), e
traduz a inquietação que reina entre especialistas da área. Para tentar prever essas alterações –e suas conseqüências– os pesquisadores
trabalham com modelos climáticos, suposições que levam em conta fatores como as condições da atmosfera, dos oceanos e da biosfera.
O pesquisador José Antônio Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),
é da mesma opinião. “As projeções de modelos
climáticos apontam, num cenário de aquecimento global, que o regime de chuvas e circulação de águas podem mudar. Com isso, gran-
São Paulo tem alterações climáticas particulares
M
ais do que mudanças globais, a cidade de São
Paulo sofre alterações climáticas particulares,
típicas de uma cidade com alta taxa de impermeabilização. “No último século, a cidade sofreu um
aquecimento de 1,2°C”, conta Fábio Gonçalves, professor de metereologia física do IAG. O aumento foi
50% maior que o registrado na cidade de Nova York
(EUA) no mesmo período (0,8°C). Outro fato, interessante é que a capital não é mais merecedora do
título de ‘cidade da garoa’. “O clima está mudando
nas microregiões de São Paulo. A partir de 1950, a
devastação da Mata Atlântica e sua substituição pelo
asfalto favoreceram a formação das ilhas de calor”,
conta Carlos Magno, metereologista da Climatempo. De acordo com Magno, isso causou um maior
aquecimento na metrópole e uma alteração do padrão de chuvas: da garoa para as tempestades mais
intensas. A solução para o problema poderia estar
em trazer mais vegetação para a cidade. O Plano
Diretor prevê o aumento de áreas verdes nos fundos de vale e ao longo de rios e córregos, com os
parques lineares (áreas verdes construídas as margens dos córregos, ao longo de regiões urbanas).
Mas ainda não há nenhum parque linear concluído. Outra ferramenta importante é a nova lei de zoneamento, que ainda está em discussão na Câmara.
Ela aumenta a porção de área verde por empreendimento imobiliário de 5% para 15%. Nos planos
diretores regionais, o percentual chega a 30% nos
mananciais.
Saneas / abril 2004 – 19
Matéria de Capa
des áreas de florestas poderiam ficar mais secas
e regiões mais secas se tornariam mais úmidas”,
acrescenta.
Muitos desses modelos apontam, por exemplo, para uma diminuição nas chuvas na região
da Amazônia. “Isso teria impacto nos reservatórios hídricos porque afetaria o aporte de
água para as regiões vizinhas”, exemplifica Pedro Dias. E mais: o aquecimento causaria, nas
próximas cinco décadas, alterações na própria
sustentabilidade da floresta amazônica. Outro
produto desta elevação global da temperatura,
explicam os especialistas, é a mudança do nível
do mar. De acordo com Pedro Dias, as estimativas mais otimistas falam em 30 a 50 cm nos
próximos cem anos. “30 cm já causaria alterações significativas na nossa costa”, constata o
professor do IAG Pedro Dias. A erosão costeira
pode trazer problemas para os portos e para as
cidades localizadas próximas ao mar que, ocasionalmente, teriam pedaços de terra invadidas
pela água salgada.
Chove sem parar – Falta de água na Ama-
zônia, excesso de chuva no resto do Brasil. Esta
é outra constatação. Toda a região do norte da
Argentina, Sul do Brasil e boa parte do Sudeste e Centro-oeste brasileiro (região da Bacia do
Prata) tiveram mudanças significativas de precipitação (comportamento pluvial) dos anos
de 1970 para cá. “Temos uns 15 centros a mais
de chuva nesta área, atualmente, do que há 30
anos.”, conta Pedro Dias. Ou seja, está chovendo mais.
Outro ponto, ao se comparar a década de 50
com a de 90, os cientistas se deram conta que a
estação seca ficou mais curta. E mais: nesses últimos 30 anos, aconteceram mais chuvas no inverno, época em que não há tanta precipitação
no Sudeste e Centro-oeste do país, de acordo
com o IAG. No entanto, os especialistas acreditam que as oscilações do regime pluviométrico na região da Bacia do Prata têm causas naturais –ainda não é uma manifestação da mudança global– e relacionados a variabilidade
natural do clima.
Na contramão deste cenário, outro esboço
se mostra: o efeito antropogênico, que são alte-
Ilhas de calor
E
xiste uma corrente que defende que poderia chover
menos nas regiões dos mananciais. E a explicação estaria nas chamadas ‘ilhas de calor’, formadas pelo excesso
de asfalto e prédios altos na cidade das metrópoles. Em
São Paulo, por exemplo, as ilhas de calor estão exatamente na rota da brisa marítima que traz a umidade, essencial
para fazer chover. O ar úmido entra na região metropolitana pelo sudeste, mas não costuma ir muito longe porque encontra, na fronteira entre as regiões central e leste
da capital, temperaturas que, no verão, chegam a ser 5°C
superiores às registradas nos mananciais. Com isso, a cidade ‘rouba’ as chuvas que poderiam cair nesta região
– apesar de existir um sistema de drenagem na região metropolitana de
São Paulo (sistema de Reversão
do Rio Pinheiros) que conduz
esta água para os mananciais.
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20 – Saneas / abril 2004
Matéria de Capa
Mananciais para abastecimento público:
o problema vai além das chuvas
A
superexploração dos mananciais, a
competição pelo uso público e a ausência de preservação ambiental é apontada por
pesquisadores como a maior responsável
pela situação dos reservatórios das regiões
Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste brasileiras
–e não a falta de chuvas, já que a média histórica vem aumentando nos últimos anos.
“Em janeiro e fevereiro deste ano, choveu
mais do que em 2003, em São Paulo. Não
está chovendo menos”, sentencia a metereologista Ana Lucia Frony, da empresa Climatempo. Em contraposição, dados sobre
os níveis de armazenamento das represas
que abastecem as hidrelétricas destes locais,
divulgados pela Eletropaulo, mostram que,
desde 1998, o nível total de armazenamento vem caindo numa proporção de mais de
10% ao ano, no período de cheias, passando de mais de 80%, em março de 1998, para
58,5%, em março de 2000. Em 2001, no mês
de março - que é o pico anual de armazenamento-, esse índice era de apenas 34%. A
rações provocadas pelo homem. Talvez sejam
essas oscilações, por exemplo, e não o vai-evem das chuvas, o vilão pela queda no nível dos
reservatórios de água. Os especialistas acreditam que, provavelmente, uma causa de peso
para este problema não seja a falta de chuvas,
mas o aumento do uso de água pela agricultura, indústria e até pela superexploração dos
mananciais (veja boxe “Mananciais: o problema vai além das chuvas”). Uma amostra disso
pode ser constatada no trabalho “Tendências
Hidrológicas da Bacia do rio Paraíba do Sul”,
do pesquisador do INPE, José Antônio Marengo. Em seu estudo, Marengo verificou, ao fazer uma análise estatística sistemática em séries pluviométricas e fluviométricas, a tendência negativa nas vazões. Na conclusão do trabalho, o pesquisador sugere que o uso da água
para abastecimento, geração de energia e desvio de rios para utilização na agricultura podem ser os responsáveis pelas quedas sistemáticas nas vazões e não uma mudança climática
do regime de chuva na bacia. O que fazer então? Esperar que chova mais não parece ser o
conclusão mais direta é que o baixo nível das
represas é conseqüência de uma demanda
maior do que a oferta possível de água. Uma
política de uso racional para os mananciais,
somada às medidas de preservação ambiental, poderia aliviar o problema.
melhor caminho a seguir. O pesquisador Pedro
Dias sugere uma resposta para a questão: investir num melhor gerenciamento dos recursos hídricos, em políticas e educação ambiental. “Temos de nos preparar para cenários críticos, do ponto de vista de gerenciamento, e usar
como exemplo as situações de chuva nas piores décadas, como as dos anos 50, e verificar
como o sistema suporta. E, sem esquecer, que
em cima dessas variabilidades naturais, é preciso levar em conta o impacto das mudanças
globais”, finaliza Pedro Dias. Afinal, uma coisa
pode levar a outra. ■
SAIBA MAIS
http://www.forumclimabr.org.br/
http://www.cptec.inpe.br/
http://www.mct.gov.br/clima
http://www.greenpeace.org.br
http://www.fbds.org.br
http://www.ambiente.sp.gov.br/proclima/proclima.htm
Saneas / abril 2004 – 21
ARTIGOS TÉCNICOS
P&D
Tendências Climáticas e
Hidrológicas no Sudeste do Brasil:
Caso da Bacia do Rio Paraíba do Sul
José A. Marengo
Introdução
O aumento da população mundial e o comprometimento cada vez maior dos corpos
d’água faz com que a escassez desse recurso vital torne-se, não apenas o cenário de um futuro sombrio, mas uma ameaça cada vez mais
presente. O rio Paraíba do Sul, ao atravessar os
estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo, é utilizado para fins domésticos e industriais, não só como fonte de abastecimento
mas também como receptor de efluentes. No
seu curso natural, o rio Paraíba do Sul, em território paulista, é ladeado pelas Serras do Mar
e Mantiqueira. Após sua formação pela união
dos rios Paraitinga e Paraibuna, passa por todo
o Vale do Paraíba e adentra o estado do Rio de
Janeiro, onde deságua no Oceano Atlântico,
em São João da Barra, depois de ter percorrido
1.180 km. Esta bacia abrange uma das mais desenvolvidas áreas industriais do País, cuja rede
de drenagem ocupa uma área de aproximadamente 55.500 km2 em três dos Estados mais
importantes do país (São Paulo, Minas Gerais
e Rio de Janeiro), arrecada cerca de 10% do PIB
nacional e já assume um papel de destaque na
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos. As águas do Rio Paraíba do Sul
abastecem em torno de 15 milhões de pessoas, 87% das quais residentes em região metropolitana. Além do abastecimento domiciliar da
população residente na bacia, as águas do Paraíba do Sul constituem o principal manancial
de abastecimento da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, atendendo a uma população de
mais de 8 milhões de habitantes.
A importância política e econômica da bacia do Rio Paraíba do Sul no contexto nacional vem exigindo ações do Governo e a mobilização de diversos setores da sociedade para
a recuperação dessa bacia que tem registrado
tendências decrescentes nas vazões do rio em
vários postos no canal principal desde Paraibuna até Campos. Entre possíveis causas desta
redução sistemática nas vazões e cotas do Paraíba do Sul temos: (a) efeitos antropogênicos de
uso da água para abastecimento e geração de
energia com a construção de barragens e açudes, (b) desvio de rios para usos na agricultura
e que pode aumentar a evaporação, (c) mudanças no uso da terra que pode afetar vazões, (d)
mudanças gradativas no canal do rio devido à
sedimentação e deposição de sedimentos que
podem não ter sido considerados no momento
de calcular vazões usando a curva chave, e (e)
mudanças gradativas no regime e distribuição
de chuvas na bacia decorrentes de mudanças
climáticas regionais.
Situação atual
Estudos prévios sobre tendências nas séries
hidrológicas do rio Paraíba do Sul desenvolvidos pelo CPTEC em 1998 mostraram tendências negativas nas cotas do rio Paraíba do Sul
no posto fluviométrico de Campos, porém, naquela época, não foi feita uma análise da variabilidade ou tendência em outros postos fluviomêtricos no canal principal do rio, nem uma
análise da variabilidade de longo prazo da chuva na bacia. Já nos finais de 2003 o CPTEC elaborou um artigo científico com estudos e análises das séries de chuva e vazão em vários postos hidrometeorológicos na bacia do Paraíba
do Sul desde 1920, com a finalidade de identificar tendências hidrometeorológicas, e associá-las a mudanças observadas nas vazões do
Rio Paraíba do Sul com tendências nas chuvas,
ou com efeitos antropogênicos de regularização das vazões e/ou mudanças no uso da terra.
Alguns resultados desse relatório serão apresentados neste artigo.
O clima da bacia hidrográfica do Paraíba do
Sul é caracterizado como subtropical quente,
com temperatura média anual oscilando entre
18ºC e 24ºC. As máximas precipitações ocorrem nas cabeceiras mineiras da bacia e nos
pontos mais altos das serras do Mar e Manti-
CPTEC/INPE, Rodovia Dutra km. 40, 12630-000 Cahoeira Paulista, São Paulo
22 – Saneas / abril 2004
Artigos Técnicos
EQ
+
−
−−
−−
−−
5S
10S
Figura 1 Tendências em
vazões (A) e chuva
(B) em alguns
Rios e bacias
na América do
Sul. Tendências
positivas ou
negativas
aparecem com +/–
não significativas,
e encerradas
em círculo se as
tendências são
estatisticamente
significativas.
+
+
+
++ +
+
−
+−
+
15S
A - VAZÕES
20S
90W
85W
80W
75W
70W
65W
+−
+
EQ
++ +
++
++++
++
5S
60W
55W
50W
+ +
+
−
+
10S
45W
40W
35W
30W
+ +−+
+
+ −+++ ++
+
+ +
+−−++++ +
+ +
+
+
+ +
+
+−
+ +
15S
B - CHUVAS
20S
90W
85W
80W
75W
70W
65W
queira, chegando a valores de 2250 mm/ano. O
período de verão é caracterizado como chuvoso com precipitação acumulada entre 200 e 250
mm/mês, nos meses com máxima precipitação
(dezembro e janeiro), enquanto que no inverno temos o intervalo entre os meses de maio
a julho o período mais seco, com precipitação acumulada inferior a 50 mm/mês. O ciclo
anual das vazões/cotas em vários postos a longo do Rio Paraíba do Sul mostra que a estação
de cheias acontece no período de dezembromarço e com máximos em janeiro-fevereiro.
Uma análise das séries mensais de chuva e
vazão e/ou cotas do banco de dados do DAEE
(Departamento de Águas e Energia Elétrica do
Estado de São Paulo), e da ANA durante o periodo 1920-2000. As tendências nas séries de
chuva e vazões foram determinadas, segundo
o teste de Mann-Kendall, muito usado em estudos de tendências hidrológicas nos Estados
60W
55W
50W
45W
40W
35W
30W
Unidos, Europa e na América do Sul. Uma análise de auto-correlação é também feita para saber se a série hidrológica pode estar “poluída”
devido a regulação humana, o que pode afetar
a série e gerar tendências positivas ou negativas “artificiais”.
O que é que as vazões e chuvas na
bacia mostram até hoje?
Um fato que merece ser mencionado é a crise energética que assolou as regiões sudeste e
nordeste, em que as chuvas no verão 2000/2001
foram inferiores a 50% da média histórica, e o
volume útil dos principais reservatórios hidroenergéticos chegou à 15%. O fato das chuvas
do período chuvoso 2002/2003 terem se iniciado durante as primeiras semanas de novembro
evitou o tão anunciado “apagão”. Este ano anormalmente seco não foi associado a algum fenômeno El Nino nem mudanças de uso da terra
(desmatamento), foi uma anomalia na circulaSaneas / abril 2004 – 23
Artigos Técnicos
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Figura 2 - Variabilidade de longo termo das vazões (m³/s) e cota (cm) do Rio Paraíba de Sul durante o período dezembro–
fevereiro em postos de São Paulo e Rio de Janeiro, durante o período 1930-2000. A linha pontilhada em cada painel mostra a
tendência linear das vazões no período observado.
ção meteorológica regional que não permitiu
a entrada das frentes frias durante o verão de
2001, e este verão foi mais seco que o normal.
Situações similares aconteceram anteriormente, e não tiveram tanto impacto. O problema
não foi tanto a falta de chuva, mais a redução
no volume útil dos reservatórios devido ao
consumo elevado de água para satisfação das
necessidades humanas, especialmente o uso de
energia elétrica que foi elevado pois um verão
seco é quente, e o uso de ar condicionado consume muita energia. Pode-se lembrar que depois das medidas de racionamento e o sistema
de multas na conta de energia para aqueles que
ultrapassaram um limite de consumo chegouse a estabilizar o volume útil dos reservatórios,
especialmente nas regiões Sudeste e Nordeste.
Devemos indicar que este fenômeno não foi
associado a efeito humano algum e foi devido
à variabilidade natural do clima, e não é um indicador de que o clima está mudando nem que
todos os verões na região serão secos.
Estudos em outras regiões do mundo também usaram vazões de rios como indicadores
24 – Saneas / abril 2004
da variabilidade climática em várias regiões do
mundo, pois muitas vezes os registros de rios
são mais contínuos e completos que as séries
de chuva na bacia. Estes estudos baseados nos
registros hidrológicos não mostram tendências
climáticas que podem ser atribuídas ou que indiquem mudança climática global. Um caso
extremo de mudança climática em tempos modernos, talvez iniciada devido à uma anomalia
da atmosfera e amplificada pelo efeito humano
foi a seca da região do Sahel, no semiárido da
África. Desde meados de 1950 a chuva diminuiu até chegar a 0 mm e começou uma seca
que até hoje persiste.
No plano regional, alguns estudos mostram
mudanças no regime de chuva em escalas interdecadais, com períodos de 20-30 anos relativamente secos seguidos de períodos relativamente úmidos. Isto foi identificado na Amazônia e no Sul de Brasil e Norte da Argentina.
Neste último, as chuvas e vazões aumentaram
significativamente desde meados da década de
1970, tanto que na Amazônia do Norte a ten-
Artigos Técnicos
cotas e vazões desses rios indicando que a suposta queda nestas vazões estejam associadas a
possíveis efeitos da regularização e não a quedas sistemáticas na chuva da bacia. Este efeito
foi mais notável nas vazões do Rio São Francisco registradas em Juazeiro.
dência foi oposta, ou seja, reduções na chuva
desde décadas de 1970. Porém, essas mudanças são devidas às variações naturais nos padrões de circulação atmosférica regional e não
devidas ao desmatamento nem ao aumento na
concentração de gases do efeito estufa, segundo estudos das equipes do trabalho do CPTEC
e da Universidade de Buenos Aires. Na América do Sul, estudos de tendências nas vazões e
chuvas foram feitos para Amazônia, Nordeste,
Argentina, Uruguai e Peru (Figura 1). A chuva
e vazão de rios da Amazônia apresentam tendências positivas (ainda que não sejam estatisticamente significativas). Para os Rios Paraíba do Sul, São Francisco e Piracicaba as séries
apresentaram alta auto-correlação, o que muitas vezes acontece em bacias com grande capacidade de armazenamento de água no solo
ou com regularização devida a estruturas hidráulicas. Assim, os estudos preliminares feitos
em 1998 mostraram tendências negativas nas
#ACHOEIRA0AULISTA
Existe ou não indicações que o rio
Paraíba do Sul está ficando mais seco?
Existe ao longo da Bacia do Paraíba do Sul
um grande número de postos fluviométricos,
entretanto, é importante destacar que vários
postos apresentam falhas em seus registros, alguns foram desativados e outros começaram a
ser operacionalizado recentemente. Desta forma, ressalta-se a grande dificuldade em identificar tendências hidrometeorológicas baseadas
unicamente em séries de vazões ou cotas dos
rios. A Figura 2 mostra as séries mensais de vazões e cotas em vários postos na bacia do Paraíba do Sul no estado de São Paulo e Rio de
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Figura 3 - Variabilidade de longo termo da chuva (mm/mês) em alguns postos da bacia do Rio Paraíba de Sul durante os meses
de dezembro a fevereiro, entre os anos de 1920 até 2000. A linha contínua em cada painel mostra a tendência linear das
vazões no período observado.
Saneas / abril 2004 – 25
Artigos Técnicos
Janeiro. Observam-se períodos com falhas na
informação, após 1970, em Tremembé e Queluz, e desde 1980, em Cruzeiro, e depois 1955
em Cardoso Moreira. De maneira geral, não se
observa tendência nas séries analisadas, com
exceção do posto de Campos (Figura 2), que
mostrou uma tendência negativa, estatisticamente significativa.
Registros hidrometeorológicos da bacia do
Rio Paraíba do Sul desde a década de 1920 foram analisados com a finalidade de detectar e
explicar as tendências observadas nas vazões e/
ou cotas, e associá-las a causas naturais ou efeitos antropogênicos. Uma análise pontual da
chuva em alguns postos pluviométricos na bacia alta e média nos estados de SP e RJ (Figura 3) confirma que não há tendências significativas positivas ou negativas durante a estação
chuvosa dezembro-fevereiro na bacia durante
o período da análise (1930-2000). Em escalas
de tempo interanual observa-se períodos de
vazões extremas em anos que podem ser caracterizados como extremos, a exemplo de 1955
(ano seco) e 1967-68 (anos chuvosos). Esta variabilidade não parece associada diretamente ao
impacto de fenômeno El Niño, a exemplo dos
rios da Região Norte ou Sul do país.
O abastecimento de água para população,
para o uso industrial e geração elétrica dependem das vazões do rio. Portanto, se estas tendências negativas são reais, então estaríamos
frente a uma grave crise hidrológica nos anos
futuros, como aconteceu em 2001, ficando na
dúvida se esta tendência seria associada a diminuição gradativa das chuvas na bacia ou a
fatores antropogênicos.
É importante considerar que tendências
crescentes ou decrescentes nas vazões e/ou
cotas de rios durante a estação chuvosa podem ser também explicadas por influências
humanas. Um aumento na capacidade de armazenamento ou perdas devidas à irrigação
podem também explicar as tendências observadas, e podem também gerar uma correlação serial grande, de modo a afetar os resultados do teste de Mann-Kendall. Por outro lado,
os registros de chuva geralmente apresentam
baixa correlação serial, e não afetam os resultados do teste de Mann-Kendall. Desta forma,
este teste pode ser aplicado nas séries de chuva para confirmar os resultados obtidos através da análise das tendências nas vazões e/ou
cotas do Rio Paraíba do Sul.
A principal conclusão do presente estudo é
que as vazões do Rio Paraíba do Sul, observa26 – Saneas / abril 2004
das em postos fluviométricos de SP e RJ, mostram uma tendência negativa durante os últimos 50 anos. Não se observa, em longo prazo,
uma tendência significativa nas séries de chuva, no mesmo período, em postos pluviométricos localizados na bacia, que poçam explicar estas tendência negativas nas vazões e cotas
do Paraíba do Sul. Uma análise de tendências
e testes de autocorrelação mostram uma correlação serial alta entre dois anos consecutivos
em vários postos fluviométricos, podendo isto
sugerir importantes efeitos na operação do sistema ou no armazenamento de um ano para
outro e gerar tendências negativas que não são
naturais. Desta forma, as tendências negativas
nas vazões sugere um possível impacto da influência humana (na forma de gerenciamento
dos recursos hídricos, a geração de energia, os
esgotos lançados no rio, a irrigação e o crescimento populacional) como possíveis causas
para estas tendências e não a uma mudança climática do regime de chuva na bacia.
É muito difícil de distinguir tendências climáticas induzidas por fatores naturais daquelas devidas à ação humana. Porém, os resultados deste estudo apontam para fatores não-climáticos (uma possível ação antropogênica de
regulação e uso intensivo de água) como causa
das tendências hidrológicas negativas observadas nos postos fluviométricos da bacia desde
1920-30.
Uma limitação deste estudo é que as séries
de vazão e chuva não foram suficientemente
longas para detectar algum sinal climático acima do ruído ou “background noise” da variação interna do clima. Ainda que as séries de
vazões apresentem limitações para identificar
mudanças climáticas, elas são apropriadas pois
representam uma importante integração das
mudanças do clima regional e da ação antropogênica.
Finalmente, o estudo é limitado à bacia do
Rio Paraíba do Sul, e as conclusões não podem
se generalizar para todos os reservatórios paulistas. Para uma melhor análise das tendências climáticas na região dos mananciais, precisa-se de informação de chuva contínua, em
séries longas de tempo nesta seção das bacias.
Nossos estudos ficam limitados devido a acesso restrito a informação meteorológica. Confiamos no futuro que o DAEE, INMET e a SABESP podem nos ajudar a acessar informação
hidrológica e assim trabalhando em conjunto
podemos ter uma melhor visão sobre o estado
atual dos reservatórios paulistas. ■
ARTIGOS TÉCNICOS
O potencial de utilização de lodo
de tratamento de esgoto como
redutor de poluentes atmosféricos
na indústria cimenteira
Iara Regina Soares Chao �
João Jayme Iess �
RESUMO
O presente trabalho surge de um estudo de pesquisa desenvolvido entre técnicos da SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo em parceria com a VOTORANTIM CIMENTOS, para o enfrentamento do problema da disposição adequada de lodos, oriundos das Estações de Tratamento de Esgotos (ETE), da SABESP, na Região Metropolitana de São Paulo (cerca de 320 ton./dia), e a perspectiva de crescimento futuro destes volumes, o que
implica em maior necessidade de implantação de aterros exclusivos, com custos de aquisição, operação e transporte.
O co-processamento elimina a formação de passivos ambientais e pode representar redução de custos de destinação final
para a SABESP, e um significativo ganho ambiental para a sociedade do Estado de São Paulo. No co-processamento estes
resíduos se transformam em recursos, pela reutilização dos mesmos como insumo adicionado ao clínquer, e consequentemente recai na potencial redução de custos energéticos e de matéria prima para a indústria, e podem propiciar ainda
redução de poluentes atmosféricos na fabricação de cimento portland. O princípio básico, é a reação química que ocorre,
devido ao ambiente óxido do forno, em contato com a amônia do lodo alterando a forma NOx para a forma de nitrogênio
gasoso N2, que é um gás inerte, não poluente. Os resultados dos testes podem agregar valor ao lodo de esgoto, transformando-o da categoria de resíduo para matéria prima, sendo assim um estudo de muito interesse para ambos os lados.
Artigos Técnicos
PALAVRAS-CHAVE: co-processamento, lodo de esgoto, remoção de NOx, fornos de cimenteiras, poluição atmosférica, controle de poluição.
Introdução
A Indústria Cimenteira é um mercado com
grande potencial para absorver o lodo produzido nas estações de tratamento de esgotos,
com reais benefícios econômicos, financeiros e
ambientais, tanto para as empresas de saneamento básico, como para a indústria cimenteira e faz parte de uma visão sistêmica, de valorização de um modelo de desenvolvimento sustentável, considerados na política do Conselho
Mundial de Negócios para o Desenvolvimento
Sustentável - WBCSD
O lodo desidratado (úmido) na indústria de
cimento pode ser usado como redutor de emissão atmosférica causado pelos óxidos de nitrogê-
nio (NOx), formados durante o processo de combustão, um dos principais agentes precursores do
“mau ozônio”, um gás poluente e tóxico aos seres vivos. O principio básico é a reação química
que ocorre devido ao ambiente óxido do forno
em contato com amônia do lodo desidratado que
atua como reagente de redução alterando a forma
NOx para a forma de nitrogênio gasoso N2, que
é um gás inerte, não poluente. Este processo de
controle de poluentes pode ser obtido por injeção de amônia nos fornos, ou por uma injeção de
lodos de esgotos (na forma úmida) que fornece a
amônia necessária para a reação.
Esta tecnologia de injeção de lodo úmido nos
� Engenheira Civil; mestranda em hidráulica e saneamento pela Universidade de São Paulo - USP com
especialização em Engenharia de Controle de Poluição pela Faculdade de Saúde Pública da USP; Engenheira da Divisão de Operação Barueri da Unidade de Negócio de Tratamento de Esgotos da Diretoria
de Produção da SABESP. Av. 1º de Maio s/n.º - Vila Nova Aldeinha – Barueri- CEP: 06440-230 - Brasil
- Telefone: (11) 4133 -3455 – E- mail: [email protected]
� Engenheiro Químico; com especialização em Processos e Meio Ambiente pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro – COPPE-UFRJ . Engenheiro Sênior da Diretoria Técnica da VOTORANTIM CIMENTOS
Rodovia PR 092. 1303 Abranches -CEP 82.130-570, Curitiba PR - Brasil. Telefone (41)-355-1175, E- mail
:[email protected]
Saneas / abril 2004 – 27
Artigos Técnicos
FLUXOGRAMA DO PROCESSO
DE FABRICAÇÃO DE CLÍNQUER
Silos
Mina
Forno e Torre de Ciclones
Pré-homogeneização
Moagem de Cru
Pré-britagem
Expedição cimento
Moagem de carvão
Moagem cimento
fornos como fonte de amônia, conforme relatado pela EPA (1), em relatório de avaliação do
sistema implantado na cimenteira Mitsubishi,
acarretou uma diminuição significativa de emissões de praticamente todos os poluentes, sendo
que a redução de NOX variou de 36 a 50%; as
emissões de CO permaneceram abaixo de 500
ppm, e o forno também reduziu seu consumo
de combustível em 5%. O teor de água do lodo,
produz ainda, efeitos secundários benéficos pois
quando injetado a altas temperaturas do forno,
promove um resfriamento e uniformização da
chama, o que potencializa a redução dos poluentes (2).
No co-processamento estes resíduos se
transformam em recursos, pela reutilização
dos mesmos como insumo adicionado ao clínquer, e consequentemente recai na potencial
redução de custos energéticos e de matéria prima para a indústria.
Objetivos
Este trabalho tem por objetivo avaliar o potencial de utilização de lodo de esgoto da ETE
Barueri na indústria de fabricação de cimento portland, visando a redução de poluentes atmosféricos gerados nos fornos de produção de
clínquer.
Metodologia
O trabalho foi desenvolvido em diversas etapas interdependentes e parcialmente sobrepostas abrangendo trabalhos de pesquisa bibliográfica, visitas e entrevistas técnicas de forma
28 – Saneas / abril 2004
Estoque clínquer
a avaliar as possibilidades de desenvolvimento
de uma pesquisa brasileira, baseada nas experiências de países como E.U.A (1), (2), (4) e Japão
(11) de forma a conjugar um caso industrial a
um trabalho acadêmico.
A metodologia adotada consistiu em ampliar
o levantamento bibliográfico de forma a obter
o maior número de informações e relatos tanto sobre a tecnologia de injeção de lodo em fornos de cimenteira, quanto em relação ao entendimento das reações químicas envolvidas visando avaliar as possibilidades de continuidade de
desenvolvimento desta pesquisa para aplicação
na RMSP. Para o desenvolvimento desta etapa,
foram pesquisados os principais componentes
de interesse para a produção de cimento, e as
implicações possíveis dos componentes do lodo
sobre o processo. Na Segunda etapa, levantouse informações gerais sobre o parque cimenteiro
nacional, aspectos técnicos e questões relativas a
logística do envio de lodo.
Iniciou-se a terceira etapa que abrangeu a
fase de contatos técnicos e visitas para conhecimento, apresentação do estudo, troca de informações e a partir da demonstração de interesse
por parte das cimenteiras, foi desenvolvido um
trabalho de envolvimento das partes, que se caracterizou no envio da maior quantidade possível de informações sobre a tecnologia, e sobre
as características do lodo. Foram enviados laudos de análises de caracterização do lodo, amostras da torta úmida e dos pellets para avaliação
de equipes de processo de duas cimenteiras, localizadas no Estado de São Paulo: Companhia
Artigos Técnicos
de Cimento Ribeirão do Grupo Tupi e Cimento
Rio Branco do Grupo Votorantim.
Quadro 1 – Composição química dos principais componentes
Valores médios - teor em massa (%)
Lodo
Lodo
Cimento
EUA
Barueri
Portland
14,4 a 57,7
19,75
18,48
SiO2 (anidrido silícico)
2,6 a 24,4
5,44
2,75
Fe2O3 (óxido de ferro)
4,6 a 22,1
12,69
4,44
Al2O3 (óxido de alumínio)
MgO (óxido de magnésio)
0,8 a 2,2
1,75
6,5
0,1 a 0,7
0,11
0,31
Na2O (óxido de sódio)
0,07 a 0,7
0,55
0,75
K2O (óxido de potássio)
0,01 a 3,4
0,05
SO3 (anidrido sulfúrico)
4,0
Composição Química
Características do lodo de esgoto
A alternativa de utilização de lodos de estações de tratamento de esgotos como matériaprima na indústria cimenteira é uma prática
que já vem sendo adotada em vários países por
sua composição química essencialmente constituída por óxidos de cal, óxidos de sílica, óxidos de alumínio e óxidos de ferro, constituintes
principais do processo de fabricação de cimento. Apresenta-se a título comparativo, no Quadro 1, informações resumidas sobre as principais características químicas de um cimento
portland comparadas as características de lodos de esgotos provenientes de sistema bioló-
gico de tratamento de diferentes procedências
– EUA / BRASIL.
Resultados de estudos feitos com o lodo de
tratamento de esgoto proveniente da cidade
de Londrina, apresentou valores de reatividade pozolânica superiores a 650 mg CaO/g, ou
seja, características pozolânicas bem acima do
limite estabelecido de 300 mg CaO/g, para ser
classificado como insumo pozolânico de boa
qualidade.(13),(14)
O conjunto dos resultados obtidos na caracterização dos lodos da ETE Barueri, conforme
Diagrama de pozolanicidade ilustrado a seguir,
mostram que em virtude de seu teor de argilas,
o lodo de estação de tratamento de esgotos apre-
)SOTERMADESOLUBILIDADEDE#A/( Aª#EMPRESEN ADEÉLCALIS
4EORDE#A/NASOLU ÎOCOMAPASTADECIMENTOMMOL#A/,
Descrição geral do processo industrial
As matérias primas utilizadas na produção
de cimento constituem-se basicamente em carbonato de cálcio, sílica, alumínio e ferro. O carbonato de cálcio obtido em jazidas naturais de
pedra cálcarea constitui-se em 70 a 80% da matéria prima utilizada para a produção de cimento, devido ao fato de ter uma baixa concentração de sílica, alumínio e ferro, implica na adição de outros materiais como aditivos complementares para suprir a baixa concentração destes componentes do processo. Estas adições, são
outras matérias primas que, misturadas ao clínquer na fase de moagem, permitem a fabricação
dos diversos tipos de cimento portland disponíveis no mercado. São o gesso, as escórias de
alto forno, os materiais carbonáticos e os materiais pozolânicos. As adições podem variar de
um tipo de cimento para outro e são principalmente elas que definem os diferentes tipos de cimento. O fluxograma do processo de fabricação
de cimento se dá através da moagem e mistura
de pedra calcária (carbonato de cálcio) e adição
de outros materiais contendo silício, alumínio e
óxidos de ferro como aditivos complementares
para suprir a baixa concentração destes componentes do processo.
O material misturado é aquecido a temperaturas extremamente altas em um forno rotativo
onde os compostos reagem a partir da queima
a 1450ºC; os produtos saem como um material nodular chamado clínquer, que é o principal componente do cimento, trata-se de um
ligante hidráulico, que é então resfriado e moído com pequenas porções de gesso e aditivos
para produzir o cimento, conforme ilustrado
no Fluxograma de Processo.
#)-%.4/.²/0/:/,®-)#/
#)-%.4/0/:/,®-)#/
!LCALINIDADETOTALDASOLU ÎOEMCONTATOCOMAPASTADECIMENTOMMOL/(,
Figura 1 – Diagrama de pozolanicidade do lodo da ETE Barueri
Saneas / abril 2004 – 29
Artigos Técnicos
TABELA 1 – COMPARATIVO DO POTENCIAL ENERGÉTICO
Biossólidos
Unidade de medida
Potencial
Energético
Torta (teor de
umidade de 70%)
Poder Calorífico Superior (PSC)
3105 kcal/kg
Poder Calorífico Inferior (PSI)
2866 kcal/kg
Poder Calorífico Superior (PSC)
3990 kcal/kg*
Poder Calorífico Inferior (PSI)
3070 kcal/kg*
Pellets (teor de
umidade de 10%)
senta reatividade pozolânica após sua ativação
por queima. (Fonte:Ensaio nº21532 ABCP de 06 de
agosto de 2002)
Do ponto de vista energético, o lodo do tratamento de esgoto é classificado como um resíduo de baixo poder energético porém, pode se
manter em combustão pois possui Poder Calorífico Inferior (PCI) maior que 2500 kcal/kg.
Aspectos legais do co-processamento
As normas e procedimentos para utilização de resíduos em fornos de produção de clínquer, considera a utilização desta tecnologia
para resíduos que atendam a um dos seguintes critérios;
a) Reaproveitamento de energia: “...seu poder
calorífico inferior na base seca deverá ser
superior a 2.775kcal/kg...” (8)
b) Reaproveitamento de matéria prima:”...são
contemplados os mineralizadores que facilitem as reações de clinquerização tais como:
Zn, Ba, F, fosfatos, etc...“(8)
Apesar da legislação não prever a utilização
de resíduos como redutor de poluição, o lodo
do tratamento de esgoto se enquadra nos dois
critérios exigidos para o licenciamento de atividades de reaproveitamento de resíduos sólidos em fornos de produção de clínquer.
Localização geográfica das indústrias
cimenteiras, mercado e logística de envio
de lodo
Para a definição do cenário de atuação, foram locadas sobre o mapa da malha ferroviária as indústrias cimenteiras do Estado de São
Paulo localizadas num raio de no máximo 300
km das estações de tratamento de esgotos da
RMSP. Foram selecionadas duas grandes indústrias ; Cimento Ribeirão pertencente ao
Grupo Tupy, e Cimento Rio Branco - fábrica de
Salto de Pirapora pertencente ao Grupo Votorantim localizadas a 250 km e 130 km da ETE
Barueri, respectivamente.
Verificou-se que apesar da Companhia de
Cimento Ribeirão ser a única licenciada am30 – Saneas / abril 2004
bientalmente pela CETESB para co-processamento de resíduos, não atendia o requisito fundamental para a injeção de lodo que é o
de ter pré calcinador.(4) , a Cimento Rio Branco
do Grupo Votorantim, possui duas indústrias
com pré calcinador na região de Sorocaba, região com altos índices de ozônio de baixa altitude, o que reforça ainda mais o interesse por
tecnologias de remoção de NOx . As duas plantas, estão em processo de licenciamento junto a
CETESB, para recebimento de resíduos. A unidade de Salto de Pirapora , Fazenda Maria Paula, tem capacidade de 5.000 t/dia de clínquer, e
a unidade Fazenda Santa Helena, tem capacidade de produção de 3.000 t/dia de clínquer.
Em relação a logística de envio do lodo úmido, as duas unidades envolvidas distam aproximadamente 130 km e são favorecidas logisticamente por rede ferroviária integrada o que
reduz custos e facilita o escoamento do lodo.
Contatos realizados coma gerencia de Novos
Negócios da FERROBAN propôs o carregamento dos vagões no período noturno, o que
possibilita o carregamento direto nos vagões
sem necessidade de ramal próprio na estação
de Barueri. O custo estimado para o frete gira
em torno de R$ 6,00 / tonelada para o percurso
entre a estação de tratamento de esgotos de Barueri e a indústria cimenteira Rio Branco, no
Distrito de Votorã na cidade de Votorantim.
Efeitos dos principais poluentes
atmosféricos gerados na indústria
cimenteira sobre a saúde pública e o
meio ambiente
Além de extrair recursos naturais, a produção de clínquer também gera poluição atmosférica: poeira, ozônio, NOx, CO2, metais pesados, e outros gases importantes no efeito estufa
e chuva ácida, e ganham cada vez mais importância uma vez que os gases da combustão podem poluir de modo significativo o meio ambiente.
Entre as principais formas de poluição atmosférica nocivas ao homem e ao meio ambiente pela indústria cimenteira as emissões
dos óxidos de nitrogênio (NOx) de processos
de combustão têm-se tornado, recentemente,
um motivo de preocupação, pois e responsável direta ou indiretamente pela formação dos
três maiores impactos ambientais globais: chuva ácida, smog fotoquímico e efeito estufa. (9)
Chuva Ácida: constituída pelo SO2, NOx e HCl,
age no meio ambiente sob a forma de chuva, O
Artigos Técnicos
dióxido nitroso (NO2) se encontra presente na
atmosfera ao se dissolver na água , produz ácido nítrico (HNO3) ou ácido nitroso (HNO2)
produzindo a chuva ácida, e pode propiciar
ainda, eutrofização de corpos de água devido
ainda a carga de nitratos decorrentes destas reações de dissolução do NO2 em água.
Poluição Fotoquímica: Os óxidos de nitrogênio
(NOx) são precursores de ozônio de baixa altitude, um dos poluentes mais nocivos à saúde,
e o principal componente da névoa fotoquímica mais conhecido como smog. O ozônio não é
emitido diretamente no ar, e o resultado de uma
reação química envolvendo substâncias primárias como o dióxido de nitrogênio e os hidrocarbonetos para a formação do smog fotoquímico.
Efeito Estufa: Produzido pela combinação de
dióxido nitroso (NO2), ozônio (O3), CFC, dióxido de carbono (CO2), metano (CH4). O ozônio não é emitido diretamente mas gerado através das reações químicas entre poluentes primários, como o monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e compostos voláteis
na atmosfera. O ozônio além dos impactos a
saúde pública possui a característica de retenção
da radiação infravermelhas, tendo como conseqüência o aquecimento na baixa camada da atmosfera terrestre.
Óxidos de nitrogênio (NOx): Os óxidos de nitrogênio (NOx) são poluentes gasosos formados
nos processos de combustão e se constituem-se
em uma família de sete compostos. Durante o
processo de combustão, 95% do NOx se apresenta na forma de óxido nítrico (NO). Quando liberados para a atmosfera a maior parte é convertida a NO2 que é confirmadamente a forma mais
predominante de óxidos de nitrogênio (NOx) na
atmosfera, e a mais abundante nas áreas urbanas
gerada por atividades antropogênicas (2), (9) O dióxido nitroso (NO2) afeta o crescimento e induz
a lesões em plantas mais sensíveis e reage com
os hidrocarbonetos e o ozônio (O3) em presença
de luz solar, produzindo smog e certos compostos que afetam a saude pública. Os óxidos de nitrogênio produzem irritações das vias respiratórias, provocam aumento da sensibilidade à asma
e à bronquite, redução das funções pulmonares
e aumento da susceptibilidade a infecções viróticas. (9)
Ozônio (O3): Também conhecido como mau
ozônio* é formado na atmosfera pelo NOx e
Hidrocarbonetos em contato com a luz solar,
sendo comum sua incidência nos dias de grande insolação. (O bom ozônio é formado naturalmente na alta atmosfera, isto é, a pelo menos
25 quilômetros da superfície terrestre e possui
efeito benéfico sobre a vida terrestre porque
filtra as radiações solares ultravioletas (raios
UV)). O Ozônio (O3) e um gás incolor, inodoro nas concentrações ambientais e o principal componente da névoa fotoquímica mais
conhecido como smog. Composto muito ativo quimicamente. Não é emitido diretamente à
atmosfera, sendo produzido fotoquimicamente
pela radiação solar sobre os NOx e compostos
orgânicos voláteis (VOCs). Em relação a saúde
pública causam irritação nos olhos e vias respiratórias, diminuição da capacidade pulmonar.
Danos às colheitas, à vegetação natural, plantações agrícolas; plantas ornamentais são associados ao seu alto poder oxidante. (9)
Hidrocarbonetos: Os hidrocarbonetos, combustíveis parcialmente queimados ou não queimados, são emitidos durante o processo de queima dos fornos. Podem ser cancerígenos - caso
do benzeno - e causam irritação dos olhos, tosse
e sonolência. Causam, também, danos ao meio
ambiente, participando de reações com os NOx
na atmosfera, sob a incidência da luz solar, formando agentes fotoquímicos com o ozônio.
Metais Pesados: Os metais pesados são definidos conceitualmente, como o grupo de metais
com densidade específica maior ou igual a 5g
cm-3, ou numero atômico maior que 20. Esse
grupo inclui os metais da tabela periódica da
série de metais de transição IIIB, IVB, VB, VIB
e os metais do grupo dos metais alcalinos terrosos da série IIA.
Porém, o termo “metais pesados” é freqüentemente aplicado aos elementos metálicos que
por suas características de toxicidade representam potenciais riscos a saúde humana e ao
meio ambiente, como é o caso dos metais leves
como alumínio e berílio e metalóides como arsênio, selênio e antimônio. (3)
Quando absorvidos pelo organismo, são dificilmente eliminados gerando uma acumulação progressiva na cadeia trófica devido às
suas características de não degradabilidade,
constituindo-se em um risco sua incorporação ao meio ambiente. Esta incorporação pode
ser efetuada pela liberação contínua de pequenas quantidades desses poluentes para o meio
ambiente, principalmente através da ação dos
Saneas / abril 2004 – 31
Artigos Técnicos
ventos e das chuvas que contaminam as águas
subterrâneas e superficiais.
Essa situação pode levar a produzir efeitos
crônicos no homem por ingestão e/ou inalação
através da incorporação dessas substâncias tóxicas e sua posterior acumulação no organismo e que, atingindo certos níveis iniciam sua
ação deletéria, podendo atingir níveis letais,
comprometendo portanto a saúde pública e o
meio ambiente.
Estado da Arte
A experiência mais divulgada no meio técnico sobre a utilização de lodo em fornos de cimenteiras com a finalidade de redução de emissão de poluentes atmosféricos, refere-se ao trabalho realizado entre Departamento de Esgotos
do Distrito de Los Angeles, através de um convênio de parceria com a Cimenteira Mitsubishi
no Estado da Califórnia, reportado em relatório
específico. (4)
O lodo enviado para a cimenteira é proveniente de uma das maiores estações de tratamento de esgotos americana, Joint Water
Pollution Control Plant - JWPCP, localizada
na cidade de Carson. Em JWPCP é processado o lodo gerado de esgoto desta estação com
mais o lodo proveniente de seis estações de
tratamento de água, totalizando 1.250 toneladas úmidas por dia. Deste total, são enviados
500 toneladas por semana de lodo com teor de
umidade variando de 70 a 84% de água para a
indústria cimenteira Mitsubishi Cement Corporation no Vale de Lucerne, em Cushenbury
distante cerca de 200 km da estação de tratamento de esgotos, que adquiriu a tecnologia de
injeção de biossólidos, com o objetivo de reduzir o NOX que foi formado no forno. (4)
Na planta de Cushenbury, o forno é abastecido com uma mistura de carvão (85 por cento) e
pneus (15 por cento). A planta começou a utilizar pneus como combustível com dois objetivos;
economia energética e redução de NOx devido a
melhoria do processo de combustão. Esta tecnologia de injeção de lodo úmido nos fornos como
fonte de amônia, conforme relatado pela EPA(1),
em relatório de avaliação do sistema implantado
na cimenteira Mitsubishi, acarretou uma diminuição significativa de emissões de praticamente todos os poluentes, sendo que a redução de
NOX variou de 36 a 50%; as emissões de monóxido de carbono (CO) permaneceram abaixo de
500 ppm, e o forno também reduziu seu consumo de combustível em 5%. (1), (4)
Outra experiência similar levantada na pes32 – Saneas / abril 2004
quisa, ocorreu em Tagawa, no Japão, onde o
processo foi testado com lodo peletizado e lodo
desidratado na indústria ASO Cement Co. Ltd.,
que tem capacidade para 1000 kg/hora de lodo
desidratado e 210 kg/h de pellets de lodo seco.
Constatou – se também nesta experiência, redução de emissão de poluentes, e ausência de odores, mas o autor não apresenta laudos de análises
que confirmem essa constatação (11).
É importante ressaltar que para o objetivo
de remoção de NOx, o lodo a ser inserido, necessariamente precisa ser o lodo úmido (apenas desidratado). Essa utilização só é aplicável
a fornos com pré aquecedor e pré calcinador,
porque o lodo precisa ser injetado na câmara
de mistura do fluxo de gás do pré calcinador,
onde a câmara de mistura oferece os benefícios
de tempo de residência e de temperatura apropriada bem como alta eficiência de mistura.
Sendo esta a única restrição técnica para a utilização de lodo úmido. A indústria cimenteira
interessada nessa aplicação deve ser provida de
um pré calcinador (equipamento existente na
maioria das indústrias cimenteiras modernizadas), além da instalação do equipamento de
injeção de biossólidos, que é um equipamento
patenteado.
Tecnologias de redução de NOx
O controle das emissões dos óxidos de nitrogênio provenientes da combustão em fontes fixas resultam na aplicação de tecnologias
de controle e redução para o NOx, de modo a
atender os limites de emissão de poluentes na
atmosfera e mantê-los em níveis aceitáveis, as
principais são:
- Redução Catalítica Seletiva (SCR, Seletive
Catalitic Reduction);
- Redução Seletiva Não Catalítica (SNCR, Seletive Non-Catalitic Reduction);
- Combustor Seco de Baixo NOx (DLN, Dry
Low NOx);
- Injeção de Água ou Vapor (WI, Water Injection, or, SI, Steam Injection); e
- Recirculação dos Gases de Escape (FGR, Flue
Gas Recirculation).
Destacam-se ainda o Enriquecimento do
Ar de Combustão, a Mudança de Combustível para um outro alternativo e, o Controle da
Temperatura de Chama.(9)
Dentre estas alternativas a absorção de NOx
é uma das mais utilizadas no controle de poluição ; SCN - redução seletivo - catalítica e a
SCNR - redução seletivo não-catalítica ambas
Artigos Técnicos
são tecnologias de controle de pós combustão,
baseadas na redução química de óxidos de nitrogênio NOx a nitrogênio molecular N2 e vapor de água.
Este processo envolve a injeção de uma mistura aquosa do agente redutor ainda na câmara
de combustão. Neste sistema são usados amônia ou uréia como redutor. A amônia desloca
(reduz) o oxigênio do óxido de nitrogênio formando água e nitrogênio puro, um gás inerte e
inofensivo ao ser humano.
A diferença primordial entre as tecnologias é que, a SCR utiliza um catalizador para
aumentar a eficiência de remoção de NOx que
permite que o processo ocorra a baixas temperaturas. As tecnologias podem ser utilizadas
em separado ou em combinação com outras
tecnologias de controle de NOx. .(9)
Este processo de controle de poluentes, sistema SNCR , pode ser obtido por injeção de
amônia nos fornos, ou por uma injeção de lodos de esgotos (na forma úmida) que fornece a
amônia necessária para a reação. .(1), (2), (4)
Potencial do lodo como redutor de emissão
de poluentes
O lodo desidratado (úmido) na indústria de
cimento pode ser usado como redutor de emissão atmosférica. O princípio básico é a utilização da amônia do lodo desidratado como reagente de redução da forma nitrogenada NOx
para a forma de nitrogênio gasoso N2, que é
sua forma inerte. (4)
O ambiente óxido do forno em contato com
o nitrogênio orgânico constituinte do lodo
atua como um agente de redução não catalítica
(Sistema SNCR). A reação química que expressa o fenômeno que ocorre no ambiente óxido
do forno em contato com a amônia do lodo é
a seguinte:
NOx + NH3 (amônia) + O2 N2+ H2O
A utilização de lodo úmido de estações de
tratamento de esgoto como fonte de amônia, é
aplicável a fornos com pre-aquecedor/pre-calcinador e se constitui na única restrição técnica
para essa aplicação, pois a instalação do equipamento de injeção de biossólidos, (equipamento patenteado denominado tecnologia BSI
- Biosolids Injetion) precisa ser injetado na câmara de mistura do fluxo de gás do pré - calcinador, devido à alta eficiência de mistura, e
temperatura apropriada. (4)
O teor de água do lodo, produz ainda, efeitos secundários benéficos pois quando injeta-
Quadro 2 – resultados dos testes de eficiência de Remoção de Poluentes perigosos com a utilização de lodo de esgoto (4)
Sem
biossólidos
POLICLORADOS DIBENZO – p - DIOXINAS
TCDD(Total Tetracloro
3,80 X 10 -8
dibenzo– p -dioxinas)
Total PeCDD(Pentacloro
1,11 X 10 -8
dibenzo– p -dioxinas)
Total HxCDD(Total
8,87 X 10 -8
hexacloro dibenzo– p
-dioxinas)
Total HpCDD(Heptacloro
5,10 X 10 -8
dibenzo– p -dioxinas)
OCDD(Octacloro
5,84 X 10 -8
dibenzo– p -dioxinas)
Com
biossólidos
Eficiência de
remoção de poluentes, com biossólidos
7,89 X 10 -9
79% redução
1,70 X 10 -9
85% redução
1,78 X 10 -9
80% redução
1,82 X 10 -9
64% redução
2,39 X 10 -9
59% redução
5,59 X 10 -8
98.5% redução
4,42 X 10 -9
99% redução
6,41 X 10 -10
99% redução
1,96 X 10 -10
94% redução
9,30 X 10 -11
73% redução
6,15 X 10 -5
6,58 X 10 -5
2,62 X 10 -3
5,71 X 10 -6
6,98 X 10 -5
4,99 X 10 -4
9,32 X 10 -2
6,82 X 10 -4
3,61 X 10 -5
7,68 X 10 -4
3,05 X 10 -4
<2,12 X 10 -5
5,58 X 10 -5
<1,14 X 10 -3
5,35 X 10 -6
7,15 X 10 -5
1,96 X 10 -4
1,10 X 10 -4
4,68 X 10 -4
3,11 X 10 -4
3,32 X 10 -4
2,55 X 10 -4
>66% redução
15% redução
>56% redução
6% redução
2% aumento
61% redução
99,9% redução
31% redução
14% redução
57% redução
16% redução
HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS
Benzeno
2,53 X 10 -2
Formaldeído
2,45 X 10 -2
Acetaldeído
3,61 X 10 -5
Hidrogen cloride
2.68 X 10 -1
Naftaleno
3,50 X 10 -3
2 – metilnaftaleno
2,78 X 10 -4
Acenaftaleno
1,05 X 10 -3
Acenafteno
3,31 X 10 -5
Fluorene
1,49 X 10 -4
Fenatreno
1,85 X 10 -3
Antraceno
6,73 X 10 -4
Flurranteno
1,38 X 10 -3
Pireno
6,01 X 10 -4
Benzo-a-antraceno
3,64 X 10 -5
Criseno
1,28 X 10 -4
Benzo-b-fluoranteno
1,05 X 10 -3
Benzo-k-fluoranteno
2,49 X 10 -6
Benzo-a-pireno
6,27 X 10 -7
Benzo-e-pireno
6,30 X 10 -6
1,42 X 10 -2
9,97 X 10 -3
3,11 X 10 -4
2,99 X 10 -1
3,57X 10 -3
3,36 X 10 -4
2.68 X 10 -4
2.65 X 10 -5
8,58 X 10 -5
9,70 X 10 -4
4,70 X 10 -5
1,14 X 10 -4
5,56 X 10 -5
2,81 X 10 -6
4,96 X 10 -6
2,49 X 10 -6
<5,40 X 10 -7
<7,90 X 10 -7
1,24 X 10 -6
44% redução
59% redução
30% redução
12% aumento
2% aumento
21% aumento
75% redução
20% redução
42% redução
48% redução
93% redução
92% redução
91% redução
92% redução
96% redução
71% redução
>78% redução
>21% redução
80% redução
POLICLORADOS DIBENZO FURANOS
Total TCDF(Tetracloro
3,60 X 10 -6
dibenzofuranos)
Total PeCDF(Pentacloro
5,38 X 10 -7
dibenzofuranos)
Total HxCDF(Total
4,42 X 10 -8
hexacloro
dibenzofuranos)
Total HpCDF(Heptacloro
3,04 X 10 -9
dibenzofuranos)
OCDF(Octacloro
3,40 X 10 -10
dibenzofuranos)
TRAÇO DE METAIS
Cromo total
Arsênio
Bário
Cádmio
Cobre
Chumbo
Manganês
Mercúrio
Níquel
Tálio
Zinco
Saneas / abril 2004 – 33
Artigos Técnicos
do a altas temperaturas do forno, promove um
resfriamento e uniformização da chama, o que
potencializa a redução dos poluentes. (9)
O Quadro 2 apresentado a seguir, mostra os
resultados dos testes de eficiência desenvolvidos pela indústria cimenteira Mitsubishi (4)
Recomendações
Apesar dos grandes benefícios da aplicação
de lodo das ETE’s para a indústria cimenteira,
esta utilização introduz novos controles adicionais para evitar problemas de redução de
produtividade de clínquer e problemas de manutenção decorrentes nos equipamentos que
efetuam o co-processamento, portanto há necessidade de testes visando a obtenção de parâmetros operacionais que subsidiarão o desenvolvimento do projeto de recebimento de lodo
de tratamento de esgoto em uma indústria cimenteira.
Os principais parâmetros de interesse a serem obtidos em testes experimentais são:
• Avaliar qual a melhor taxa de utilização da
torta úmida, em função dos testes de queima, de tal forma que não haja impacto ambiental e não seja afetada a qualidade do
clínquer produzido pelo forno;
• Avaliar a redução de poluição atmosférica
após a introdução dos biossólidos
• Elaborar o RFT - Relatório Técnico Final
para suportar a obtenção de eventual licença
de co-processamento junto aos órgãos ambientais, e também avaliar o impacto da utilização desde lodo em termos de:
• Avaliar a estabilidade operacional do Forno;
• Avaliar Impacto sobre a qualidade do clínquer;
• Avaliar Impacto ambiental de tal atividade
(emissões atmosféricas, lixiviação do resíduo, etc.);
• Avaliar o impacto da taxa de queima do lodo
sobre o consumo térmico do Forno.
Serão necessários investimentos de equipamentos para controle operacional e acompanhamento nas oscilações na produção, além
de equipamentos mecânicos para lançamento
do lodo nos fornos, aquisição de equipamento
patenteado, além de áreas para armazenagem e
estocagem do lodo.
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14.MORALES, G. (1989) Caracterização do agregado leve obtido a partir do lodo de esgoto na cidade de Londrina. Dissert. Mestr. EPUSP. 123p. ■
MEIO AMBIENTE
Programa Nacional de fomento
a gestão ambiental produção
mais limpa e eco-eficiência –
promoção da rede brasileira
Sérgio Travassos
Geógrafo, consultor do
Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento
na Secretaria de Qualidade
Ambiental nos Assentamentos Humanos do Ministério
do Meio Ambiente;
Coordenador técnico do projeto Competitividade e Meio
Ambiente – MERCOSUL e
Secretário Executivo do
Comitê Gestor de Produção
mais Limpa - MMA
O
s Recursos Naturais constituem a base dos
três pilares do desenvolvimento sustentável: o econômico, o social e o ambiental. A
forma como estes recursos são utilizados, além
de poder constituir uma ameaça a ecossistemas
ou até mesmo a vida humana, pode ameaçar o
desenvolvimento econômico e social futuro.
Com o crescimento e a diversificação das
atividades produtivas e o conseqüente aumento do consumo de matéria prima tornou-se
necessário um controle sobre a geração, tratamento e disposição dos resíduos gerados. Muito se fala em escassez de recursos, porém entendemos os impactos ambientais causados
pelo uso de recursos não renováveis, como
metais, minerais e combustíveis fósseis mais
inquietantes.
A aplicação de novas práticas e a adaptação das já existentes, a fim de alcançar a dissociação necessária entre o impacto ambiental
da utilização dos recursos e o crescimento econômico é um processo de longo prazo. Empresas, consumidores e instituições precisam adotar padrões de produção e consumo com impactos menos hostis. Neste sentido o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
-UNEP lançou, em 1989 o conceito de Produção Limpa.
Tal conceito significa a aplicação contínua
de uma estratégia preventiva ambiental integrada aplicada a processos, produtos e serviços
para aumentar a eco-eficiência e reduzir riscos
à saúde humana e ao meio ambiente, aplicando-se a:
• Processos de produção: economia de energia e de matéria-prima, eliminação de materiais tóxicos e redução da quantidade e toxicidade de emissões e resíduos;
• Produtos: minimização de impactos negativos ao longo do ciclo de vida dos produtos,
desde a extração da matéria-prima até a sua
disposição final;
• Serviços: incorporação de conceitos ambientais na prestação dos serviços.
A Produção mais Limpa (P+L), como atualmente é denominada, requer mudanças de
comportamentos, avaliações de opções tecnológicas e adoção de políticas públicas para o
meio ambiente buscando responsabilidade no
gerenciamento ambiental. Seu principio básico é eliminar a poluição durante o processo
de produção e não mais ao final como é usualmente adotado. Afinal os resíduos gerados
consumiram matéria-prima e insumos como
água e energia, portanto dinheiro.
Pode-se dizer que P+L está voltada para um
melhor desempenho industrial, através da utilização das melhores práticas ambientais, da
melhor tecnologia disponível e pelo qual se
atinge competitividade e qualidade ambiental
satisfatória pelo aumento da eficiência do processo.
Diante dessas premissas, as estratégias de
produção com economia de água, energia e
matéria prima e a adoção de um sistema integrado de gestão ambiental garantem a competitividade no mercado, possibilitam a redução de custos de produção, geram lucro, promovem a imagem da empresa e a colocação de
seus produtos em mercados mais exigentes e
competitivos.
Nas discussões que o Ministério do Meio
Ambiente vem acompanhando nas diversas
esferas, pôde-se observar que o assunto vem
Saneas / abril 2004 – 35
Meio Ambiente
Empregados
do complexo
Ponte Pequena
da SABESP
coletam
material
reciclável
sendo desenvolvido de maneira tímida e pulverizada nos diferentes setores, tanto produtivo, como de fomento ou regulador. Constatado
isso, a Secretaria de Qualidade Ambiental nos
Assentamentos Humanos – MMA se propôs,
enquanto entidade representante do Governo
Federal, a liderar um movimento integrado,
entre diversos setores, visando a formulação de
uma Política Nacional de Fomento a Produção
mais Limpa.
Neste sentido a SQA/MMA está promovendo, numa ação conjunta com o Projeto Competitividade e Meio Ambiente do MERCOSUL, Fóruns de discussão público-privados
nas cinco regiões político-administrativas do
país – considerandos as diversidades regionais
– envolvendo o universo empresarial brasileiro, órgãos ambientais, agências de desenvolvimento e entidades de pesquisa, com o propósito de buscar contribuições para o desenho e
implementação de estratégias de fomento na
formação de uma Rede Brasileira de Produção
mais Limpa e Eco-eficiência.
Ainda no sentido de promover ações voltadas para a adoção de práticas mais limpas no
sistema produtivo nacional o MMA instituiu,
através da Portaria 454/03, o Comitê Gestor de
P+L, envolvendo diferentes órgãos de governo
(BNDES e Ministérios: do Meio Ambiente; das
Cidades; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Ciência e Tecnologia, das
Minas e Energia e da Fazenda) e entidades ligadas ao setor Produtivo (CNI, SENAI, SEBRAE
e CEBDS) entre outros, responsável por elaborar uma estratégia de desenvolvimento sustentável.
Este Comitê tem a pretensão de ser um foro
36 – Saneas / abril 2004
de discussão para receber demandas e elaborar propostas de ações de mobilização, sensibilização e capacitação. É também dentro deste
Comitê que vai ser discutida uma proposta de
uma Política Nacional. É importante salientar
que entidades e setores não contemplados na
criação do CGPL também são importantes nas
atividades do referido Comitê, podendo enviar
sugestões e solicitar sua participação.
Entendemos que uma Política Nacional de
Fomento a Produção mais Limpa implica em
convergência das políticas: ambiental, econômica, social, educacional, tecnológica e industrial. E que a efetiva aplicação requer instrumentos econômicos, fiscais, financeiros e creditícios, mas principalmente passa pelo envolvimento / comprometimento dos diferentes atores. Para tanto o MMA está buscando os
parceiros que se fazem necessários para a viabilização deste processo, seja nas esferas de governo ou na iniciativa privada.
Também é proposta da SQA, utilizando-se
do poder de compras do governo, a discussão
de um programa de compras verdes (priorização de produtos e serviços ambientalmente
sustentáveis) quando da elaboração de editais
pelo governo federal. Se por um lado você recompensa o empresário ambientalmente responsável, por outro é uma forma de promover
o consumo responsável e o respeito aos limites da biosfera no fornecimento de matériaprima e na capacidade de assimilar dejetos e
resíduos.
É importante ressaltar que as técnicas de
produção mais limpa representam uma melhoria continua no processo visando tornar a
atividade produtiva cada vez menos danosa ao
meio ambiente. As metodologias propostas não
se baseiam somente em inovação tecnológica,
muitas vezes se dão com uma simples mudança do procedimento operacional ou da forma
de gestão das empresas. A adoção destas metodologias são mais fáceis de serem aceitas pelas
empresas, pois normalmente representam menores custos, preservando projetos originais e
patentes.
No sentido de clarear a visão de como,
quando e onde os processos produtivos e produtos impactam o meio ambiente, novos instrumentos de avaliação estão sendo desenvolvidos e aplicados. Está sob análise a factibilidade dos ganhos ambientais conjugados com
ganhos econômicos, pois só assim teremos as
condições necessárias ao desenvolvimento sustentável. ■
INOVAÇÃO
Secagem de lodo da ETA Taiaçupeba
disposto na forma de leira em pátio
coberto
Airton Checoni David �
Claudia Mota Santos �
Figura 1 - Leira de lodo da ETA Taiaçupeba no início do processo de secagem.
Introdução
O sistema de produção de água da Sabesp
para o abastecimento público da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) gera cerca de
100 toneladas de lodo por dia, em base seca.
Isso equivale a 500 toneladas por dia de torta
de lodo com teor de sólidos de 20%. O custo
de disposição final desse lodo em aterros sanitários de classe 2 varia de R$ 60 a R$ 100 por
tonelada, e os custos de transporte variam de
R$ 10 a R$ 15 por tonelada de lodo transportado a distâncias de até 30 km. Assim, a disposição final dessas 500 toneladas diárias de lodo
resultará num custo médio diário da ordem de
R$ 50 mil.
A utilização de lodo de ETA para cobertura de células de aterros sanitários e para incorporação na argila para fabricação de tijolos
� Engenheiro Mecânico pela Escola Politécnica da USP. Especialização em Engenharia em Saúde Pública
e Ambiental pela FSP-USP. Mestre em engenharia pela Escola Politécnica da USP. Engenheiro da Superintendência Técnica.
� Química Industrial pela Faculdade Oswaldo Cruz, Especialização em Engenharia de Saneamento
Básico e Ambiental pela FSP-USP. Química da Divisão do Sistema Alto Tietê.
Saneas / abril 2004 – 37
Inovação
são alternativas de uso benéfico que estão sendo estudadas pela Sabesp, através da Superintendência Técnica e da Unidade de Negócio de
Produção de Água, e que podem ser viabilizadas. Entretanto, uma das dificuldades para essas utilizações é a excessiva umidade da torta
de lodo, entre 70 e 80%, obtida nos sistemas de
desidratação de lodo normalmente empregados nas ETAs.
A redução da umidade do lodo, ou seja, a sua
secagem para se obter teor de sólidos em torno de 50% poderá contribuir significativamente para a viabilização dessas aplicações. Mesmo
que essas aplicações não sejam viabilizadas, a
elevação do teor de sólidos de 20 para 50%, que
implica redução para 200 toneladas diárias da
quantidade total para disposição final, resultará em uma economia de 60% nas despesas com
disposição em aterros sanitários.
Com o objetivo de observar o comportamento da secagem do lodo através de exposição ao ar ambiente em pátio coberto e verificar
sua perda natural de umidade com o levantamento da curva de velocidade de secagem, a
unidade de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da Sabesp realizou este experimento nas
dependências da Companhia de Saneamento
de Jundiaí (CSJ) que forneceu a infra-estrutura e o apoio técnico necessários para sua realização.
Metodologia
A metodologia do experimento consistiu
na disposição de 30 toneladas de lodo da ETA
Taiaçupeba no pátio coberto da ETE Jundiaí
para secagem natural, da mesma forma como
é feito para o próprio lodo da ETE, que é disposto no pátio em forma de leiras e revolvido
diariamente para, em seguida, ser destinado à
agricultura.
O lodo utilizado neste experimento foi gerado na ETA Taiaçupeba, desidratado no filtro
prensa de placas nos dias 7, 8 e 9 de maio de
2003 e transportado para a ETE Jundiaí por caminhão de caçamba nas mesmas datas. Foram
enviados 3 caminhões de lodo; o primeiro com
11,45 toneladas com teor de sólidos de 22,9%,
o segundo com 10,29 toneladas com teor de sólidos de 19,2%, e o terceiro com 8,52 toneladas com teor de sólidos de 15,5%. O total de
lodo enviado foi de 30,26 toneladas e o teor de
sólidos da mistura dos três lotes, medido no
dia 09 de maio de 2003, na ETE Jundiaí, foi de
20,3%.
A velocidade de secagem de um sólido é o
38 – Saneas / abril 2004
fluxo de massa de umidade que deixa este sólido por unidade de área de exposição ao meio
de seca e por unidade de tempo. Assim, quanto mais esparramado ficar o material, mais rapidamente ele irá secar. Entretanto, devido à
utilização do equipamento de revolvimento da
CSJ, sem alteração de seu formato ou modo de
operação, estabeleceu-se que o formato da pilha de lodo seria o de leira, ou seja, uma pilha
contínua de seção transversal aproximadamente triangular. A figura 1 mostra a leira formada
com o lodo proveniente da ETA Taiaçupeba e o
equipamento de revolvimento utilizado.
O equipamento de revolvimento do lodo,
denominado compostador de resíduos orgânicos, foi fabricado pela Civemasa Implementos Agrícolas Ltda. Trata-se de um equipamento dotado de um cilindro horizontal giratório
com pás fixadas radialmente no corpo do cilindro em posições inclinadas para a sua parte
central. À medida que o cilindro gira horizontalmente movendo-se contra a pilha de lodo, as
pás batem no material movimentando-o para
a parte central, formando uma pilha contínua
de seção triangular. O conjunto montado sobre
pneus é movimentado por trator agrícola que
se desloca paralelamente à leira formada.
O formato e o tamanho da leira de lodo resultante da operação de revolvimento dependem da forma e do modo de operação do equipamento. As dimensões da leira (de 2,00 a 3,20
m de largura por 0,80 a 1,30 m de altura) variam ao longo do processo de secagem; à medida que o material seca, o tamanho da leira diminui.
Neste experimento, o revolvimento do lodo
foi feito a cada dois ou três dias. Após cada operação de revolvimento foram colhidas amostras para análise do teor de sólidos. Essas análises foram feitas na própria ETE Jundiaí, através
de medidor do tipo balança, e no laboratório
da ETE Barueri, através de secagem em estufa. Após atingir o teor de sólidos de 60% deu-se
por encerrada a experiência de secagem, encerrando-se a coleta de amostras para análise de
sólidos. O lodo foi, então, encaminhado para o
aterro sanitário Sítio São João, da Limpurb, em
São Paulo, para os testes de utilização como cobertura de células do próprio aterro.
Apresentação e discussão dos
resultados
O início do processo de secagem ocorreu de
forma bastante lenta na leira. Nos primeiros
dias, o lodo ainda com a consistência de barro,
Inovação
começava a perder a umidade da superfície
do monte, porém seu interior encapsulado
permanecia muito úmido. A movimentação
do equipamento de revolvimento foi bastante dificultada devido a essa consistência do
lodo, ainda muito úmido.
A secagem do lodo na leira deu-se de forma
não-uniforme. Devido ao formato do equipamento de revolvimento e seu modo operacional, formaram-se basicamente três regiões na
leira, com evolução distinta do processo de
secagem. Na primeira região, ou seja, a parte
mais alta da leira que era periodicamente revolvida, de onde foram retiradas as amostras
para as análises do teor de sólidos, a evolução
da secagem foi aquela apresentada no gráfico
da figura 2. Na segunda região, formada pela
base da leira, que estava fora do alcance das
pás do revolvedor e que ficou encapsulada, a
evolução da secagem ocorreu mais lentamente. Na terceira região, formada pelo lodo revolvido e esparramado pelas bordas da leira,
a evolução de secagem ocorreu de forma bem
mais rápida. Nessa região, o teor de sólidos
medido após 27 dias foi de 66%, atingindo
81% após 56 dias de exposição.
Com os valores do teor de sólidos medido,
construiu-se um gráfico, que foi aqui denominado curva de secagem. Esse gráfico, apresentado na figura 2, mostra a variação do teor
de sólidos ao longo do tempo para as condições deste experimento, ou seja, lodo exposto
ao ar na forma de leira.
À medida que o lodo começa a perder umidade, a superfície do monte encolhe, apresentando fissuras superficiais. Essas fissuras aumentam de tamanho e se aprofundam com o
passar do tempo, aumentando assim a área de
exposição do material ao ar ambiente. Com
isso, a velocidade de secagem também aumenta e a curva de secagem tende a crescer.
À medida que o processo de secagem evolui,
formam-se torrões de lodo que são quebrados em pequenos grânulos pela ação do revolvimento. Esses grânulos vão se tornando
porosos e a umidade ainda presente nos interstícios começa a ter dificuldade para sair.
Nesse ponto a velocidade de secagem tende
a diminuir.
Embora não se tenha medido as temperaturas e umidades do ar ambiente durante o período de teste, foi possível observar que as condições climáticas foram bastante favoráveis à
secagem. A predominância foi de dias ensolarados, secos e relativamente quentes para a
época do ano; não houve ocorrência de chuvas
no período (maio a julho de 2003).
O equipamento de revolvimento de lodo
utilizado na CSJ foi adaptado para o revolvimento e a formação de leiras de forma a satisfazer as condições operacionais e as características finais requeridas para o lodo, segundo as necessidades da CSJ, que são a redução da umidade e do nível de organismos
patogênicos para posterior aplicação na agricultura. Para tanto, não é necessário que o
Figura 2
Evolução
do teor de
sólidos do
lodo da ETA
Taiaçupeba.
$VSWBEFTFDBHFN
Saneas / abril 2004 – 39
Inovação
teor de sólidos seja superior a 35%.
Para os lodos de ETAs da Sabesp, pretendese obter teores de sólidos superiores a 35% e da
forma mais rápida possível. Para isso, a exposição do material de forma mais esparramada
deverá ser mais eficiente que a exposição em
forma de leira. Os parâmetros operacionais a
serem definidos para se obter a melhor eficiência na secagem natural de lodo são a espessura da camada de exposição e a freqüência de
revolvimento. Considerando-se espessura média da camada de 20 cm e tempo de secagem
de 30 dias, nas condições deste experimento,
a área necessária para um pátio de secagem de
lodo para a ETA Taiaçupeba é de aproximadamente 10 mil metros quadrados e seu custo de
implantação da ordem de R$ 300 mil, o que se
paga em menos de um ano.
Conclusões
• O lodo da ETA Taiaçupeba submetido ao
processo de secagem natural, conforme realizado pela CSJ para os lodos da ETE Jundiaí, ou seja, disposto na forma de leira em
pátio coberto, com revolvimento periódico,
teve sua umidade reduzida de 80% para 40%
num período de dois meses.
Figura 3
Leira de lodo
durante o
processo de
secagem.
40 – Saneas / abril 2004
• As porções de lodo que ficaram mais esparramadas secaram bem mais rapidamente
que as porções amontoadas na leira. A umidade foi reduzida para menos de 35% em
um período inferior a um mês.
• A adoção de processo similar ao utilizado na ETE Jundiaí para secagem do lodo
de ETA requer adaptação do equipamento
de revolvimento, de modo a dispor o lodo
de uma forma mais esparramada, uma vez
que, nesse caso, o objetivo seria apenas a
sua secagem.
• Após esse processo de secagem, ainda com
umidade entre 30 e 40%, o lodo ficou na forma de pequenos grânulos, duros e com bastante porosidade, com tamanhos variáveis,
desde pelotas de cerca de 1 centímetro até
pequenos grãos de menos de 1 milímetro de
diâmetro médio.
Agradecimentos especiais à Companhia
de Saneamento de Jundiaí pelo fornecimento
da infraestrutura para o experimento, ao engº
Américo O. Sampaio pelos contatos iniciais, à
equipe técnica da ETE Barueri pelas análises
de sólidos e à equipe técnica da ETA Taiaçupeba pelo apoio logístico. ■
ENTREVISTA
OPINIÃO
O poder de consumo
ao alcance das mãos
Entrevista
E
ngenheiro de produção formado pela
Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo, Helio Mattar trabalhou por duas
décadas como executivo em empresas nacionais e multinacionais. Inquieto, ele sempre
se preocupou com as relações entre as empresas, a sociedade e o papel de cada um
de nós. Foi com esse pensamento que Mattar participou da elaboração do Instituto
Ethos e Responsabilidade Social, do qual é
membro do Conselho Diretor, além de ter
sido diretor presidente da Fundação Abrinq
pelos Direitos da Criança, de 2000 a 2003.
Há três anos, ele teve outra idéia inovadora: criar um instituto para elaborar estudos
e colocar a questão do consumo em debate.
Assim nasceu o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, do qual Helio Mattar é o
atual diretor presidente. As idéias do Instituto caminham a passos largos. E isso se
justifica: o conceito de consumo consciente é
um assunto atual e que diz respeito a todas
as esferas da sociedade.
O que é o conceito de consumo consciente?
Nós definimos o consumo consciente
como um processo de escolha que equilibra o consumo e a sustentabilidade do planeta. O consumidor consciente é aquele que,
ao consumir produtos, serviços ou recursos
naturais, leva em conta as suas necessidades
pessoais, as possibilidades do meio ambiente e a justiça social. Na prática, isso significa que eu não vou deixar de consumir, mas
pensar no impacto do meu consumo. Eu preciso usar água no meu dia-a-dia, por exemplo. Mas eu sei que água é um recurso finito, que custa caro captá-la e tratá-la para que
chegue com boa qualidade à minha casa. Então, vou utilizá-la com parcimônia, evitando
banhos demorados ou escovando os dentes
com a torneira fechada. Ao comprar um produto, vou prestar atenção à embalagem para
ver se é reciclável, e depois não vou jogá-la
no lixo, mas separá-la para a coleta seletiva.
Na hora da compra, devo pensar na empresa
que fabricou aquele produto. Será que polui
o ambiente, será que emprega trabalho infantil? Eu vou procurar comprar produtos de
empresas que não façam isso e que tenham
ações benéficas à sociedade.
Saneas / abril 2004 – 41
Entrevista
O consumidor brasileiro é consciente?
países nos quais podemos nos espelhar?
Uma parte dos consumidores brasileiros é
consciente e a tendência é a de que esse número seja cada vez maior. Verificamos isso com
uma pesquisa que acabamos de lançar: “Descobrindo o Consumidor Consciente: uma Nova
Visão da Realidade Brasileira”. Pela primeira
vez, foi analisada estatisticamente a população
Acho que ter uma pesquisa sobre o consumo
consciente já é estar na frente dos outros países...
A pesquisa é inédita no mundo. Eu já procurei,
mas nunca encontrei, nenhum trabalho que
segmentasse o mercado consumidor de acordo
com o grau de consciência no consumo. Assim,
dá para fazer essa comparação baseado em números. Quanto ao nosso atual
patamar, acho que o consumidor brasileiro, depois de treze
anos convivendo com o Código de Defesa do Consumidor,
já percebeu que tem direitos e
que a empresa deve respeitálos. Mas o Akatu acredita em
outro paradigma: o de valorizar a empresa pelo que ela faz
de positivo, não apenas denunciar o negativo. Temos vários
exemplos nos Estados Unidos
e na Europa de boicotes a empresas que empregaram trabalho infantil ou tinham práticas
racistas na contratação de funcionários. Mas achamos que o
consumidor deve ir além disso e passar a valorizar as ações positivas das empresas. Se ficarmos
procurando defeitos, sempre vamos encontrar,
porque ninguém — nenhum indivíduo e nenhuma empresa — é perfeito. No entanto, se fizermos apenas isso, as empresas vão reparar os
erros apontados e ficar apenas nisso. Se valorizarmos os aspectos positivos, podemos esperar
que as empresas evoluam cada vez mais nesse
sentido.
O poder de transformar o
mundo também se revela
quando escolhemos produtos
ou serviços. Se eu lamento a
destruição de florestas, posso
ter duas atitudes: continuar
lamentando ou prestar
atenção aos produtos de
madeira que eu compro
brasileira segundo seu grau de consciência no
consumo. Para isso, realizamos um amplo levantamento de valores e comportamentos relacionados ao consumo consciente. Com estes
dados, fizemos uma pesquisa piloto e a partir
de seus resultados selecionamos treze comportamentos que refletem essa consciência no
ato do consumo, seja de produtos, serviços ou
recursos naturais. São comportamentos como
fechar a torneira ao escovar os dentes, apagar a
luz ao sair de um ambiente, ler um rótulo atentamente antes da compra e separar o lixo para
reciclagem. O consumidor consciente foi classificado como aquele que adota de onze a treze desses comportamentos. A pesquisa indicou
que 6% dos consumidores brasileiros são conscientes. À primeira vista, parece um número
pequeno. Mas quando ao analisar os resultados
mais de perto, vemos uma boa notícia. O grupo que vem logo depois dos conscientes, que
chamamos de comprometidos, é bem grande:
são 37% dos consumidores e eles adotam entre
8 e 10 dos comportamentos listados. Eles estão
a um passo de perceber o seu poder de consumidor cidadão e acreditamos que em pouco
tempo vão chegar lá.
Em que patamar está o Brasil quando o assunto é consumo consciente? Existem outros
42 – Saneas / abril 2004
Como o consumidor pode construir um mundo melhor por meio de seu poder de escolha?
O consumidor consciente pode mudar o
mundo em pequenos e cotidianos gestos. Ele
sabe que suas atitudes individuais têm uma importância grande a longo prazo, ou quando um
grande número de pessoas faz o mesmo que
ele. Veja o exemplo do desperdício de alimentos. O Brasil desperdiça todo ano 14 milhões
de toneladas de frutas, hortaliças e grãos, e cerca de 20% dessa perda ocorre durante o preparo
dos alimentos. Uma família brasileira joga fora
em média 500 gramas de comida por dia. Parece pouco, mas ao final de um ano, foram para
o lixo 180 quilos de alimento. Se um milhão de
famílias decidisse reduzir o desperdício à metade, as 90 mil toneladas de comida economizadas em um ano seriam suficientes para matar a
Entrevista
fome de 260 mil pessoas nesse mesmo tempo.
Se todas as famílias brasileiras fizessem isso, haveria mais alimentos disponíveis no país, provavelmente a preços mais baixos, o que permitiria a mais pessoas ter acesso a eles. Portanto, diminuir o problema da fome ou da desnutrição
no Brasil também está nas mãos de cada cidadão. Esse poder de transformar o mundo também se revela quando escolhemos produtos ou
serviços. Se eu lamento a destruição de florestas,
posso ter duas atitudes: continuar lamentando
ou prestar atenção aos produtos de madeira que
eu compro. Eles têm o selo do FSC, que garante
que aquela madeira não foi extraída ilegalmente? Se eu preferir produtos que tenham o selo,
estarei claramente escolhendo uma empresa que
respeita a sustentabilidade ambiental, e dizendo
às outras que extraem madeira ilegalmente que
não as quero na minha sociedade. Esse é o poder transformador do consumidor consciente.
O senhor acha que existe uma tendência de
as empresas se adequarem aos moldes de um
consumo consciente como medida competitiva de mercado?
Não é só um fator de competitividade, mas
de sobrevivência. Antes, bastava à empresa fabricar um bom produto e vendê-lo a um bom
preço para ser competitiva. Mas à medida em
que os impactos da produção e das relações das
empresas com a sociedade foram sendo percebidos, os consumidores passaram a exigir uma
nova postura das empresas. Hoje, já não se admite que uma fábrica polua um rio. Ou que uma
empresa não tenha um serviço de atendimento ao consumidor. Isso já é o esperado e quem
não fizer assim, dificilmente vai sobreviver no
mercado. A prática da Responsabilidade Social
Empresarial - que reflete a preocupação das empresas em ir além de apenas cumprir suas obrigações e objetivos econômicos - pode ser vista
hoje como um fator de diferenciação e portanto
de vantagem competitiva. Mas a tendência é que
a consciência dos consumidores cresça cada vez
mais. Então, o que hoje pode ser visto como exceção deve virar regra daqui a alguns anos. Neste sentido, a responsabilidade social das empresas é um fator não apenas de competitividade,
mas de sustentabilidade, de sobrevivência da
empresa e de suas marcas a longo prazo.
Muitas empresas têm feito sua parte no Brasil?
Sim, cada vez mais. Está claro que a responsabilidade social não é moda, mas uma prática
já incorporada à realidade das empresas. Basta
olhar um dado para perceber isso: o Instituto
Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
tem quase 800 empresas associadas, cujo faturamento é equivalente a 30% do PIB brasileiro.
Muitas empresas já publicam relatórios e balanços sociais. O fato de o Instituto Akatu ser
apoiado por cerca de 30 empresas também é
muito significativo, pois elas estão empenhadas
em ajudar a disseminar no Brasil a consciência
no consumo. Isto certamente significa que são
empresas que vêem o consumidor consciente
como um aliado e não como uma ameaça.
Além da conscientização de cada um, existem
políticas públicas que podem ajudar neste
processo?
Sim. Os governos federal, estadual ou municipal podem fazer muito, em diversas áreas.
Em janeiro, por exemplo, a prefeitura de São
Paulo criou um programa de incentivo à agricultura urbana na periferia da cidade, com o
objetivo de combater a fome e gerar emprego e
renda nessas regiões. A idéia é produzir e vender os alimentos localmente. Além dos ganhos
sociais, há também os ambientais, pois quan-
A tendência é que a consciência dos
consumidores cresça cada vez mais.
Nesse sentido, a responsabilidade
social das empresas é um fator não
apenas de competitividade, mas de
sustentabilidade, de sobrevivência da
empresa e de suas marcas a longo prazo
to menos transporte se usa, menos combustível é gasto e menor poluição é gerada. Há uma
iniciativa na Amazônia, que envolveu governo
federal e estaduais, para desenvolver um preservativo usando látex nativo da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre. Uma fábrica
será construída lá e a produção deverá substituir parte dos preservativos importados que
são distribuídos gratuitamente pelo Sistema
Nacional da Saúde. Isso mostra como as políticas públicas podem contribuir com o consumidor consciente no momento de suas escolhas,
promover o desenvolvimento sustentável, gerar renda localmente e ainda contribuir para a
redução das despesas do governo. ■
Saneas / abril 2004 – 43
EMPREENDIMENTO & GESTÃO
Ganhar prêmio é conseqüência
de gestão eficiente: experiência
da Unidade de Negócio Leste
da SABESP na RMSP
Maria das Graças Ferreira
Luciomar Santos Werneck
A
Equipe
responsável
pelos resultados
e prêmios
obtidos pela
Superintendência
Leste da Região
Metropolitana de
São Paulo
adoção do modelo dos critérios do Prêmio ABES de Qualidade em 1998 foi o
primeiro passo da Unidade de Negócio Leste
da SABESP em busca da excelência na gestão.
A proposta da Consultoria Interna era buscar
ferramentas capazes de contribuir para que a
unidade caminhasse na direção da visão 2005
(Até 2005 ser reconhecida como a melhor empresa de saneamento ambiental). O resultado
dessa adoção, escolhida em consenso entre a
alta administração da Unidade de Negócio e
gerentes, permitiu que direcionássemos nosso
foco para a melhoria da gestão e nos fez entender a importância da visão de futuro. Paralelamente à implantação dos macroprocessos
redesenhados, fomos também nos voltando
para a qualidade da gestão. Até então estavam
sendo aplicados os Fundamentos de Excelência, Visão de Futuro, Liderança e Constância
44 – Saneas / abril 2004
de Propósito e Abordagem por Processos.
Desde 1998, os critérios de excelência vêm
contribuindo para a revisão de paradigmas, reformulação e aperfeiçoamento de processos,
maior valorização das pessoas, total atenção
às partes interessadas, mudanças de comportamento, tendo como referencial as melhores
empresas do mundo.
Toda essa reviravolta, embora muito pequena se comparada aos dias de hoje, contribuiu
para que em 1999 fôssemos reconhecidos pela
ABES – Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária, como “empresa destaque”.
A avaliação externa realizada por examinadores extremamente qualificados, aliada ao
diagnóstico que recebemos da ABES, contribuiu para que direcionássemos o nosso foco
para os fatores críticos e oportunidades de melhoria. Este diagnóstico contribuiu para a im-
Empreendimento & Gestão
Fig. 1 – Pesquisa de Satisfação de Clientes
Indicador que consta do Painel de Bordo (BSC) da Unidade de Negócio Leste e é aferido sistematicamente
através de pesquisa da área de Marketing.
plementação do planejamento estratégico da
Unidade de Negócio, tendo como referenciais
a nossa missão e a nossa visão.
Um dos processos priorizados, por exemplo,
desde 1999, é o processo de relações com os
clientes e um dos indicadores mais significativos tem sido a satisfação do cliente.
A implantação dos Escritórios Regionais, e
a implementação do Projeto TACE (Técnico de
Atendimento Comercial Externo), contribuíram para a ampliação do atendimento, levando a SABESP até a casa do cliente. Tudo isto,
aliado a atividades de treinamentos técnicos e
comportamentais de todos os profissionais envolvidos provocaram a elevação do índice de
satisfação do cliente, de 76.8% em 1999 para
89,60% em 2003.
O aperfeiçoamento da gestão permeia toda
a Unidade, sendo que o maior desafio tem sido
o envolvimento dos 1200 colaboradores na
manutenção do projetos implantados. Na visão do então gerente do Departamento Comercial Wady Roberto Bon, a Multifuncionalidade, um dos projetos desenvolvidos, foi um
dos melhores ganhos daquela área. Neste momento percebe-se que mais alguns Fundamentos de Excelência se solidificam na UN Leste,
como o Foco no Cliente e no Mercado, Valorização das Pessoas, Foco nos Resultados, Inovação e Agilidade.
Nos anos de 2000, 2001 e 2003 a Unidade
Leste foi reconhecida com os prêmios PNQS
Nível I, PPQG Medalha de Prata, e Medalha de
Ouro e Troféu Governador de Estado respectivamente. Vale ressaltar que as certificações
ISO 9000, ISO 14001, suas manutenções, o
Programa 5S e alguns programas sociais como
o Mãos Solidárias e o Educar Leste (convênio
com a ONG Educafro) contribuíram para o
atingimento do fundamento Responsabilidade
Social e Ética.
A partir de 2000 a Unidade Leste passou a
ser benchmark para as demais unidades da SABESP e pode contribuir para nível de excelência comum hoje em todas a unidades da Diretoria Metropolitana.
Na seqüência relacionamos alguns índices
que tiveram ganhos efetivos pela UN Leste ao
adotar os Critérios de Excelência: melhoria no
nível de satisfação da força de trabalho; no nível
de satisfação dos clientes; redução de despesas;
aumento nas horas de capacitação; melhoria
no desempenho dos fornecedores de materiais
e equipamentos; aumento das instalações automatizadas; aumento na produtividade; aumento de participação da sociedade nos eventos;
diminuição do tempo médio de atendimento
a desobstrução de ramais domiciliares de esgoto e aumento da força de trabalho com acesso a
microcomputadores dentre outros.
O grande desafio que temos a frente é o estudo do diagnóstico atual, a calibração dos nossos indicadores para a melhoria da gestão, tendo como referencial os critérios de excelência
da FPNQ – Fundação para o Prêmio Nacional
da Qualidade. ■
Saneas / abril 2004 – 45
PERSONAGENS DO SANEAMENTO
Paixão de pai para filho
Silvio Leifert �
Horácio e Sílvio Leifert: uma história de duas gerações
“M
eu pai entrou para a área do saneamento no ano de 1948. Foi trabalhar
como engenheiro da antiga repartição de águas
e esgotos. Por isso, me considero a segunda geração na área. A Repartição de Águas e Esgotos
(RAE) era ligada a Secretaria de Viação e Obras
Públicas. Desde pequeno, eu acompanhava
meu pai na obras. Lembro que a repartição
funcionava em um prédio que ficava no centro
de São Paulo, na rua Riachuelo. Além de outras
áreas, meu pai, o senhor Horácio Leifert, hoje
com 77 anos, trabalhou na Comissão Especial
de Obras Novas, no DAE, ao lado do dr. Paiva
Castro, que foi o responsável pela concepção e
implantação do Sistema Juqueri, hoje Cantareira. Depois, ele foi da equipe do Brigadeiro Faria Lima (o da avenida), quando foi Secretário
de Viação e Obras Públicas, principalmente em
assuntos ligados ao Saneamento. Meu pai trabalhou também no RAE/DAE/SAEC, nas áreas de construção e operação. Ele seguiu como
superintendente de obras e, quando a Sabesp
nasceu, em 1973, foi trabalhar no departamento comercial, na Superintendência Comercial
(em 1973, fundem-se as empresas e autarquias
de abastecimento e coleta de esgotos em São
Paulo em uma única empresa, a Sabesp, que
passa a ter responsabilidade de implementar
o Plano Nacional de Saneamento, estabelecido
pelo governo federal). E foi no departamento comercial da Sabesp que meu pai ficou até
1983, quando se aposentou.
Acabei seguindo a mesma trilha de meu pai
e fiz engenharia no Mackenzie. Entrei na Sabesp, como estagiário, em 1976. Fui para a área
de construções, onde acabei fazendo carreira -apenas em março de 2003, sai deste setor. Na
época, eu ficava no escritório da Coordenação
de Obras, na área da Estação de Esgoto Leopoldina. Desta unidade, segui para as obras da
zona sul de São Paulo. Era muito interessante
porque lá não tinha escritório a gente ficava, literalmente no canteiro de obras. Quando precisávamos fazer reunião era no meio da obra.
A construção de um escritório só aconteceu
em 1977. Esta foi uma grande obra, uma das
maiores da zona sul. Naquela época trabalhei
inicialmente nas obras de Ligações Domiciliares de Água (mais de 35 mil executadas), onde
tive grande aprendizado. Só para se ter uma
� Silvio Leifert é engenheiro da Sabesp há 26 anos. E esta é só uma pequena, mas importante parte de
sua trajetória na Sabesp. Ele ainda tem muitos outros ‘causos’ para contar.
46 – Saneas / abril 2004
Personagens do Saneamento
idéia, o lugar era tão ermo, que só tinha mato.
E a gente era obrigado a comer em botecos, encarando todo tipo de comida. Em 1977, passei
a estagiar nas obras de Reservatórios do Capão
Redondo Morumbi, Interlagos e Pirajussara.
No reservatório do Capão Redondo, introduzimos uma tecnologia chamada “forma deslizante”: um macaco hidráulico puxava a fôrma
com concreto. Fizemos a concretagem de um
reservatório em 26 horas. Foi recorde.
Acompanhei a construção do reservatório
do Autódromo de Interlagos (com 35 metros
de altura). Lembro que teve um dia que, durante o período da concretagem, o engenheiro Kazuo Sonohara, passou na obra às 6h30 da manhã para verificar se estavam todos trabalhando –ele adorava fazer isso. E se não tinha ninguém trabalhando, era bronca na certa. Esse
reservatório, foi feito em sete dias e seis noites.
Um ano depois, fui admitido como engenheiro na Sabesp (1978) e iniciei minha carreira profissional na obra do Capão Redondo.
Eram dois reservatórios circulares e um elevado de 50 metros de altura. Lembro, que era
meu primeiro dia como engenheiro efetivo e,
exatamente neste dia, chovia muito. Mesmo
com todo aquele aguaceiro, precisei acompanhar a concretagem no topo da torre. E se isso
já não bastasse, teve um momento que estava no escritório e bem na hora que fui atender
ao telefone, caiu um raio. Levei um choque na
orelha. Pensei: ‘comecei bem’.
Outro trabalho que lembro como um desafio foi o do reservatório do Morumbi. A obra
ficava no topo da avenida Giovanni Gronchi.
Não tinha nada por lá. Só mato. No lugar onde
foi construído o reservatório tinha um único
prédio, que não recebia água encanada. Este reservatório só deu problema durante a construção e merecia uma atenção especial porque era
o mais importante da zona sul. Fui o 14º engenheiro a assumir a obra, mas o último. Uma
parte deste reservatório é suspensa e daí a razão de tantos problemas na construção. No dia
que, finalmente, fomos fazer o teste para começar o enchimento com água, descobrimos que
a válvula estava com defeito. Paramos tudo,
trocamos a válvula... até que deu certo.
Lembro que foram anos na Sabesp, em que
as pessoas tinham muita capacidade de empreendedorismo. Tem uma cena que não me esqueço: Enzo Ferrari, então engenheiro e responsável por uma empreitada no Alto da Boa
Vista, no topo da obra de um decantador, com
um megafone da mão. Ele, baixinho e gordi-
nho, não parava de gritar e dar ordens. Me
lembro também de uma vez que o engenheiro Sylvio Passarelli, dono da construtora Passarelli, estava visitando uma obra. Ele era neurótico por manter todos com equipamento de
segurança. De repente, ele viu uma pessoa sem
capacete. Ele, então, pegou uma pedra e jogou
muito próxima da cabeça do desavisado e gritou ‘da próxima vez eu acerto’. Foi uma época boa, de muitas lembranças e muitas obras
também. Mas tenho certeza que devo todo este
meu entusiasmo ao pai e aos anos em que ele
me levava aos canteiros de obras, quando São
Paulo e sua rede de água e esgoto ainda estava
sendo formada.” ■
* A cada edição de Saneas vamos contar histórias de pessoas e acontecimentos relacionados ao saneamento no país. O conselho editorial
desta publicação está aberto a ouvir a sua versão. Para isso, entre em contato com Saneas pelo
e-mail [email protected].
Concretagem de reservatório de água ao pôr do sol
Saneas / abril 2004 – 47
Resenhas
Resenhas
A ciência em evolução
De tese de mestrado à livro
Um belo livro, De Arquimedes a Einstein – A Face Oculta
da invenção científica, Pierre
Thuillier, Jorge Zahar Editor,
que trata de maneira envolvente a evolução da história da
ciência, sempre a colocando
no contexto da época.
Uma mistura bem temperada entre o início da civilização,
quando o conhecimento era considerado “sagrado”,
protegido por tabus e os métodos empíricos ou experimentais criados por Galileu e que deram origem ao
método científico usado até hoje.
O autor não se esquece de Leonardo Da Vinci,
que aliou ciência e arte passando pela engenharia.
Foi com a ciência que lançou as bases da perspectiva, que utilizou em suas obras artísticas. Suas
observações científicas a respeito dos vórtices que
estudou em uma ponte sobre o rio Arno, em Florença, serviram no final do século XX, para a invenção de um novo método de medição de vazões.
Por fim, um livro que lança bases para a discussão científica, questionando, por exemplo, se uma
teoria pode ser completamente objetiva. Até hoje,
apesar dos esforços dos físicos, ainda não se unificou a ciência de Newton à de Einstein.
Luiz Carlos Helou
Uma trilogia, A Ditadura
Envergonhada, A Ditadura
Escancarada e A Ditadura
Derrotada de Elio Gaspari,
Companhia das Letras, que
nos conta, de maneira histórica, didática e até mesmo
cruel, o triste período que
abrange desde o golpe militar de 1964 até o governo do
general Geisel.
Gaspari conta que iria escrever uma dissertação
de mestrado no “Wilson Center for International
Scholars”, mas como todo aluno de pós-graduação,
viu que seu prazo iria se esgotar antes mesmo de
terminar a pesquisa. Por sugestão do seu orientador, ele resolveu publicar o texto em forma de livro.
Nós, leitores, agradecemos a sugestão de seu orientador!
Como engenheiros, podemos garimpar no texto,
episódios envolvendo alguns colegas nossos, como
Luiz Carlos Prestes, cujas notas obtidas no Colégio
Militar até hoje nunca foram superadas, Carlos Marighela, outro engenheiro que resistiu e foi assassinado pela repressão, Rubens Paiva, colega que foi
deputado do antigo MDB, e desaparecido nos porões da ditadura após bárbaras torturas.
Para escrever o livro, Gaspari realizou intermináveis horas de entrevistas com
o general Geisel, e seu fiel escudeiro Heitor Aquino FerPor um mundo melhor
reira e pesquisas exaustivas
nos documentos da BiblioteHá duas maneiras de salvar o mundo. Destruindo o ser
ca do Congresso Americano.
humano, assim as outras espécies teriam alguma chance. Ou,
Todo fato descrito é rigorosalvando o ser humano, mostrando como ele pode obter os
samente referenciado, não
bens de que necessita sem destruir o planeta. É isso que Ismadeixando margens a paixões
el mostra (Meu Ismael: O fenômeno continua, Daniel Quin,
e interpretações.
Editora Peirópolis) à sua aluna de 12 anos, que tinha um deEnfim, uma leitura obrisejo sincero de salvar o mundo.
gatória para quem gosta de
A surpresa, na ficção, fica por conta desse professor fantásHistória e para que nunca
tico, que por meio do diálogo nos ajuda a ver coisas e soluções que estão debaixo do
nos esqueçamos desse triste
nosso nariz, mas que não conseguimos enxergar, porque a Mãe Cultura não deixa.
período de chumbo e coturCom a produção de alimentos em excesso, pela humanidade, surgiu a necessidade
no. É pena que Elio Gaspari
de gerenciamento dos armazéns, da guarda dos alimentos e da execução de diversas
não seja tão rápido para estarefas, quando bastava pegar os alimentos que estavam disponíveis, antes da “civilizacrever quanto a trama exige.
ção”. Os segredos de como viver não estão em outros planetas, eles estão entre nossos
Elio ainda nos deve os voluvizinhos das outras espécies. Basta olhar como eles desfrutam de segurança por toda a
mes da era Figueiredo. De
vida, com vivem sem medo e praticam a solidariedade.
acordo com o autor a obra
Daniel Quinn oferece, com esta obra, uma boa oportunidade para revisão dos
completa será composta por
nossos valores, bem como dos paradigmas do nosso modelo de desenvolvimento.
5 volumes.
Um livro para ser lido em um fim de semana e ser lembrado por toda a vida.
Getúlio Martins, consultor e ex-engenheiro da Sabesp.
48 – Saneas / abril 2004
Luiz Carlos Helou
Reconhecimento
Reconhecimento
José Roberto Coppini Blum
N
o final do século XIX começaram a ser
construídos os primeiros sistemas de
abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil. A água captada era distribuída à
população sem adição de produtos químicos
porque a ação antrópica ainda não tinha chegado até os mananciais. Na primeira década do
século passado o cloro começou a ser utilizado
para desinfecção e a seguir, outros produtos
químicos foram sendo incorporados para o
tratamento da água, como: sulfato de alumínio,
cloreto férrico, cal, etc.
Nos serviços de água e esgoto os especialistas em química passaram a ser requisitados em
face da complexidade das análises que aumentava na mesma proporção do grau de poluição
das águas dos mananciais.
Na SABESP não foi diferente. Se a empresa
possui atualmente um padrão invejável de controle da qualidade da água foi por causa de pessoas de visão que permitiram chegar ao domínio da tecnologia de ponta neste setor.
Uma dessas pessoas foi o químico José Roberto Coppini Blum, que começou a trabalhar na
SABESP em 1978, como Técnico de Controle Sanitário, no antigo Departamento de Controle Sanitário da Região Metropolitana de São Paulo.
Os municípios do Interior, nessa época, não
possuíam unidades de controle sanitário e coube aos técnicos desse Departamento a organização da estrutura e capacitação dos profissionais em mais de 300 localidades, que passaram
a ser atendidas pela Sabesp.
Quando deixou a empresa no final de 1999,
o Blum era gerente do mesmo departamento
onde começara a trabalhar. O reconhecimento
da AESABESP se deve à sua dedicação à empresa e ao exemplo de valorização do trabalho
em equipe. Segundo ele, todo o conhecimento
que adquiriu e as realizações que ajudou a se
concretizar se devem ao trabalho em equipe.
Blum lembra dos
gerentes do departamento que antes dele ajudaram a
construir o padrão
atual de excelência
do setor na empresa: Pedro Mancuso, Luiz Henrique
Horta de Macedo,
Monitoramento de água bruta em tempo real
Rodolfo da Costa e
O químico José Roberto Coppini Blum
Silva, e Adilson Masini.
As atividades de monitoramento, segundo o
nosso homenageado, não podem ser dissociadas
da análise dos dados e do controle das ações corretivas e preventivas para manutenção da qualidade da água, dentro ou acima dos padrões estabelecidos pelas portarias do Ministério da Saúde.
Maria Cristina Giovanetti Stefani, que foi Superintendente de Planejamento e Apoio da então
Diretoria Metropolitana de Produção da RMSP
(1996-2000), lembra a importância da participação do Blum e da sua equipe no constante aprimoramento do sistema de controle da qualidade
da água na Sabesp incluindo capacitação de profissionais, aquisição e implementação de novos
equipamentos e tecnologias, destacando-se, dentre outras, a implementação das análises do laboratório de compostos orgânicos, análise de toxinas de algas e a implantação do sistema de monitoramento de água bruta, em tempo real, com
utilização de bóias, como mostra a foto abaixo.
Trata-se de um sistema inédito no mundo, que
foi especificado pela equipe do Blum e está em
funcionamento nos reservatórios Billings, Rio
Grande, Guarapiranga e Alto Tietê.
Pode parecer pouco, mas dificilmente a SABESP entregaria água nas torneiras, com a qualidade atual, não fosse essa iniciativa em se antecipar aos problemas e propor medidas preventivas para manutenção da qualidade da água em
uma região altamente exposta a riscos de poluição e contaminação dos seus mananciais.
Atualmente o químico José Roberto Coppini Blum é consultor no setor de reúso e qualidade da água e assim, continua a prestar importante serviço à nossa comunidade global. ■
Saneas / abril 2004 – 49
AESABESP
FENASAN 2004 é sucesso em vendas:
área reservada para expositores já é
100% maior que a do ano passado
Programação do XV Encontro Técnico AESABESP reunirá
novidades vindas de todo país, além de experiências internacionais.
Parte da equipe de organização do XV Encontro Técnico e da FENASAN 2004, que é coordenada pelo Diretor
Técnico Cultural Gilberto Martins e pela Presidenta da AESABESP Eliana Kitahara, respectivamente, o primeiro
e a quarta da esquerda para a direita
M
ais de 12 mil pessoas deverão visitar o
XV Encontro Técnico AESABESP e a
FENASAN 2004, que acontece entre 30/8 e
1º/9, no Pavilhão Branco do EXPO CENTER
NORTE, em São Paulo. O evento é um sucesso
em vendas: a área já reservada para esta edição
é 100% maior que no mesmo período do ano
passado.
A FENASAN 2004 - Feira Nacional de Materiais e Equipamentos para Saneamento terá
mais de 100 expositores, entre empresas brasileiras, multinacionais e entidades do setor. Diversas companhias, como Edra, Amitech Brazil Tubos S/A, Tejofran e Saint-Gobain, por
50 – Saneas / abril 2004
exemplo, já confirmaram presença no evento,
que tem apoio da Sabesp e da Secretaria de Recursos Hídricos.
“Entre as empresas que têm interesse no
evento destacam-se as companhias que precisam investir em saneamento, como as dos setores: químico, de papel e celulose, bebidas e de
alimentos, por exemplo”, adianta Gilberto Alves Martins, diretor da AESABESP responsável
pela coordenação do evento.
“Vamos debater o meio ambiente, a questão
da saúde pública, o tratamento de água e esgoto,
além da gestão do saneamento”, antecipa Eliana
Irie Kitahara, presidente da AESABESP. ■