Escritos B Ensaios

Transcrição

Escritos B Ensaios
Livros do autor publicados por essa editora:
• Os alemães
llorbert Elias
A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX
• Escritos & ensaios
í - Estado, processo, opinião pública
2 - Subjetividade, gênero, arte (em preparação)
• Os estabelecidos e os outsiders
Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade
• Mozart
Sociologia de um gênio
• Norbert Elias por ele mesmo
• A peregrinação de Watteau à ilha do amor
• O processo civilizador
í - Uma história dos costumes
2 - Formação do Estado e civilização
Escritos B Ensaios
1 - Estado, processo, opinião pública
• Sobre o tempo
• A sociedade de corte
• A sociedade dos indivíduos
• A solidão dos moribundos
Organização e aprosontapão:
Fedoríco íleiburg e Leopoldo ÜJaizbort
Jorge ZBHBR Editor
Rio de Janeiro
Sumário
Tradução autorizada de uma seleção de textos de Norbert Elias
(Ver os créditos completos de cada texto às p. 18-20.)
Copyright © 2002 Norbert Elias Stichting, Amsterdã, Holanda
Copyright da edição brasileira © 2006:
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobreloja
20031 -144 Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123
e-mail: [email protected]. br
site: www. zahar.com. br
Hpresentação
Conceitos sociológicos fundamentais
• Oiuilização
• Figuração
• Processos sociais
Todos os direitos reservados.
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Tradução: Sérgio Benevides (inglês), Antônio Carlos dos Santos (alemão) e
João Carlos Pijnappel (holandês)
Preparação de originais: André Telles
Revisão tipográfica: Eduardo Monteiro e Antônio dos Prazeres
Capa: Sérgio Campante
E29e
v.l
35
Estudos sobre a gênese da profissão naual
69
69
89
Habitus nacional e opinião pública
Elias, Norbert, 1897-1990
Escritos & ensaios; l :Estado,processo, opinião pública/Norbert Elias;organização e apresentação, Federico Neiburg e Leopoldo Waizbort; tradução textos em inglês, Sérgio
Benevides; textos em alemão, Antônio Carlos dos Santos; textos em holandês, João Carlos
Pijnappel.— Rio dejaneirojorge Zahar Ed., 2006
25
27
Tecnizaçãoeciuilização
• Drahe e Doughtg: o desenuoluimento de um conflito
• Gentlemenetarpaulins
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
21
21
• Habitus nacionais: algumas peculiaridades inglesas e alemãs
113
113
127
Processos de formação de Estados e construção de nações
153
Sobre a sociogênese da economia e da sociologia
167
Para a fundamentação de uma teoria dos processos sociais
197
(lotas
233
ISBN 85-7110-906-0
l. Elias, Norbert, 1897-1990 - Coletânea. 2.0 Estado. 3. Civilização. 4. Opinião
pública. 5. Sociologia. I.Título
06-0460
CDD 301
CDU316
que explicitamente se denominavam sociólogos. No entanto, essa convenção, ainda dominante nas conferências e nos manuais, tem características
mais históricas do que sociológicas. É mais descritiva do que explicativa e
desmorona quando incluímos entre as figuras ancestrais da sociologia não
apenas Comte e Durkheim, mas também Marx, que teria atacado visceralmente qualquer um que o classificasse como sociólogo, pois isso lhe soaria
como chamá-lo de "seguidor de Comte".Todavia, não se pode ignorar
Marx. Concordemos ou não com seus ideais, ele contribuiu significativamente para o desenvolvimento de uma teoria geral da sociedade.
Em outras palavras, não se pode explicar a ascensão da sociologia como
a ciência cujos representantes têm, entre outras, a função de desenvolver uma
teoria central, sujeita a testes, sobre a sociedade, concentrando-se a atenção
apenas nos engenhosos homens que inventaram e propagaram um nome específico para a ciência da sociedade. Se nos dedicarmos a uma abordagem
sociológica da gênese da sociologia, teremos de responder à seguinte questão: que aspectos do desenvolvimento das sociedades humanas tornou possível reconhecer estruturas não-planejadas subjacentes à miríade de atividades humanas entrelaçadas, e ao mesmo tempo resultantes delas, e, ademais,
criar modelos teóricos de tais estruturas, de configurações de pessoas e de
suas transformações? Os fisiocratas foram um dos primeiros grupos — talvez o primeiro — a não apenas estabelecer uma teoria da sociedade baseada
em dados detalhados, mas também a tirar conclusões práticas dela. Eles procuraram denominações para si próprios, para o grupo por eles formado, e,
conseqüentemente, para suas formulações teóricas comuns. Mas, qualquer
que fosse o nome que se davam, homens como Adam Smith, que jamais se
denominou economista, ou como os fisiocratas, que às vezes se diziam"economistas", ou mesmo Malthus e outros tantos não mencionados explicitamente aqui certamente merecem ser considerados sociólogos avant Ia lettre.
/ Para a fundamentação de uma
teoria dos processos sociais1
A tarefa de uma teoria dos processos sociais consiste no diagnóstico e na explicação das tendências de longo prazo e não-planejadas, mas ao mesmo tempo estruturadas e orientadas, no desenvolvimento de estruturas da sociedade e estruturas da personalidade,
que constituem a infra-estrutura daquilo que em geral denominamos "história". A recepção de uma tal abordagem teórica vem
sendo dificultada pela autocompreensão da sociologia contemporânea como uma disciplina primordialmente orientada para o presente, que investiga as transformações e as relações de curto prazo
no interior de sistemas sociais dados.Essa autocompreensão é uma
conseqüência da divisão acadêmica entre história e sociologia, mas
também da proximidade crescente da sociologia com a prática, ou
seja, sua inclusão em projetos de planejamento burocraticamente
controlados. Com isso, acaba-se por não compreender o processo
de desenvolvimento não-planejado e de longo prazo, que produziu as condições para a prática de planejamento de nossos dias e ao
qual todo desenvolvimento social planejado continua intrinsecamente ligado. Processos complementares, como os processos de
divisão de funções, de integração e de civilização são partes desse
desenvolvimento complexo e de longo prazo. Sua dinâmica ainda
pede uma investigação mais acurada.
Este parágrafo inicial constitui, na versão original, o resumo do artigo, publicado
em periódico científico. Dado seu conteúdo, os organizadores julgaram adequado
antepô-lo ao texto, corno uni parágrafo introdutório. (N. Org.)
Cada um à sua maneira, os dois pioneiros da sociologia, Comte e Marx, tentaram romper com as lendas da filosofia clássica européia. Comte chamou a
atenção para o fato de que a idéia filosófica clássica de uma razão eterna, de um
entendimento imutável, supostamente compartilhados por seres humanos de
todas as épocas e lugares, é uma abstração reificadora,portanto uma lenda. Procurou mostrar que o pensamento humano se transforma com o passar do tempo, que,na convivência humana, esse pensamento, e assim como ele a sociedade
humana, percorre uma série específica de etapas empiricamente comprováveis. Sua "lei" dos três estágios do pensamento simplifica os fatos observáveis,
mas mostra a direção em que se precisava ir para romper com a abordagem estática da filosofia clássica européia. Em Comte, a contraposição eternamente
igual de um suj eito cognoscente pensante e do obj eto cognoscível torna-se claramente um processo social.A seqüência de tipos de pensamento repousa na
seqüência de etapas do desenvolvimento da sociedade.
Marx assimilou de Hegel a idéia de um desenvolvimento do pensamento. Mas, diferentemente de Comte, Hegel concebia a atividade intelectual humana em termos filosóficos, como se ela se desenvolvesse independentemente de todas as outras funções e necessidades humanas, ou
seja, independentemente da convivência humana em sociedade. Ele via o
devir das funções intelectuais humanas sob a noção não-crítica e herdada de
"espírito", como um transcurso autônomo e, essencialmente, como a força
motriz hegemônica de todos os outros aspectos das mudanças sociais. Como
se sabe, Marx deu um passo absolutamente decisivo no caminho da filosofia
para a sociologia: ele corrigiu a idéia hegeliana da posição hegemônica do
"espírito" como força motriz primária de todas as transformações da sociedade, na medida em que atribuiu essa hegemonia à produção e à distribuição de bens para a satisfação das necessidades mais elementares da vida. Com
esse passo, Marx se libertou da unilateralidade de toda a problemática filosófica. Seres humanos, cuja especialidade é a utilização do intelecto, ou seja,
puro trabalho mental, estão também inclinados em suas reflexões a considerar o pensamento em si, a razão pura, como a fonte e a origem de todos os
outros aspectos da vida humana. Para a passagem da filosofia para a sociologia, foi de fato decisivo romper com essa redução dos seres humanos às atividades "espirituais", ao pensamento e à percepção, e, ao invés disso, partir
de uma imagem não apenas do ser humano enquanto singular, mas dos seres
humanos em sua pluralidade, ou seja, das sociedades humanas, o que inclui
seus relacionamentos uns com os outros e, com isso, também sua corporalidade, a necessidade de se sustentar e de trabalhar para este fim.
Que, no exagero da luta contra essa imagem unilateral de um ser
humano reduzido ao pensamento e à percepção, Marx tenha ido longe
demais e, por sua vez, tratado a satisfação social das necessidades elementares, sob as rubricas do "econômico" e do "material", como base de todos os
outros domínios funcionais da sociedade, talvez possa ser compreendido
como um exemplo da "dialética do movimento histórico", postulada por
ele mesmo. Inserir as atividades econômicas dos seres humanos em um
modelo teórico de desenvolvimento social foi um avanço decisivo. Mas o
fato de Marx, por sua vez, atribuir uma autonomia quase absoluta às funções
econômicas especializadas em relação aos outros domínios funcionais da
sociedade; de apresentar a dinâmica interna dessas funções sociais especializadas como a força motriz hegemônica por trás de todas as mudanças sociais
e reconhecer os outros domínios funcionais da sociedade sob a rubrica da
"superestrutura", como efeitos secundários da esfera econômica, foi um
exagero unilateral de uma crítica justa à filosofia clássica européia. Não é
difícil ver que os seres humanos não estão em condição de satisfazer suas
necessidades físicas elementares sem se orientar em seu mundo por meio do
pensamento e do conhecimento e que, também, não são capazes de se orientar sem satisfazer suas necessidades elementares. Em outras palavras, o exagero dialético de Marx produziu um problema do tipo "Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?".
Apesar das diferenças entre os caminhos que Comte e Marx percorreram na ruptura com a longa e poderosa tradição filosófica e na passagem para
uma tradição sociológica, eles compartilharam um traço característico. Ambos colocaram claramente no centro de seu programa de pesquisa o problema
da transformação da sociedade humana ou, em outras palavras, a ordem imanente da seqüência de etapas sociais. Não há dúvida de que, em ambos os
casos, a experiência perturbadora de uma transformação específica, a experiência da Revolução Francesa, desempenhou um papel decisivo, ao tornar a
problematização das ciências humanas radicalmente mais dinâmica. O problema das outras transformações sociais, futuras, tornou-se portanto muito
mais forte na consciência humana, como jamais o fora. Mas isso também
reforçou o conhecimento — em Comte, assim como em Marx — de que as
relações sociais correntes são apenas um momento em um processo de longa
duração, que leva do passado, passando pelo presente, ao futuro. Esse processo
se encontra, portanto, para ambos, no centro de seu trabalho intelectual.
l
A preocupação com uma seqüência^e etapas não era, como tal, uma novidade. Essa idéia vem de longe.Mas durante milênios os seres humanos viram
o desenvolvimento da humanidade como uma decadência. O paraíso estava
no passado. À época de ouro seguiram-se a de prata e a de ferro, de muitas
guerras. Na melhor das hipóteses, as pessoas sonhavam com uma volta ao
paraíso perdido, com um retorno a um passado melhor, com o renascimento
da Antigüidade.
Deixando de lado algumas formas antecipatórias na própria Antigüidade, era algo absolutamente novo o fato de os seres humanos compreenderem o curso da humanidade como uma ascensão rumo a um futuro melhor,
e não como uma decadência em relação a um passado melhor.A reviravolta
de uma maior valorização tradicional do passado, e da orientação pela autoridade do passado, para uma maior valorização do presente ou do futuro
transcorreu lentamente a partir do século XVI europeu. O movimento do
progresso — interligado polifonicamente ao movimento contrário, jamais
ausente — atingiu seu primeiro ápice aproximadamente entre 1750e 1850.
Então, gradualmente, um movimento contrário complementar ganhou
precedência, pelo menos nos Estados nacionais industriais mais desenvolvidos. Ao excesso na crença, muitas vezes dominante, de que o desenvolvimento da humanidade precisa, como necessidade imanente, tomar como
direção a ascensão a um presente ou futuro melhores, portanto a direção do
progresso, seguiu-se, em uma espécie de movimento pendular dialético, a
condenação não menos excessiva dessa crença no progresso como expressão de um otimismo ingênuo. A mera utilização do conceito de progresso
tornou-se suspeita. Especialmente no século XX, nos países industriais relativamente mais desenvolvidos, cresceu largamente o consenso amplo de que
a crença anteriormente dominante na melhoria inevitável das condições da
vida humana, tanto por meio da expansão do conhecimento como por meio
do curso efetivo do desenvolvimento da humanidade, tinha sido refutada.
Mas a condenação total da crença no progresso bloqueou o acesso a
uma série de problemas sociológicos que são de grande importância tanto
para a compreensão do período da própria crença dominante no progresso
como também para o período seguinte, no qual as contravozes — o coro dos
pessimistas — gradualmente ganharam o primeiro plano. A maioria dessas
questões está fora dos limites da presente discussão. Mas talvez se possa indi-
Embora não todos, muitos ideais escatológicos mostram-se, em uma análise mais detalhada,
como imagens de um futuro que, em grande medida, estão orientadas para uma imagem ideal
do passado. A imagem do fim desejado, então,parece muito semelhante à do início. Dessa forma,
imaginava-se como fim o restabelecimento do reino de Deus ou o retorno de um salvador. Além
do mais, o que é decisivamente novo na idéia de progresso é que se trata de um avanço puramente secular, conduzido pelos seres humanos, rumo a um futuro melhor.
car, de passagem, que no século XX — particularmente nos países industrializados, que se consideram os mais avançados — as pessoas se ocupam mais
com o que há de errado na crença no progresso do que com a questão acerca
das condições sociais, nos séculos anteriores, que possibilitaram o aparecimento de uma idéia tão nova como a do progresso da humanidade e sua
dominância por um período de tempo. Que processo social, que transformação nas relações de poder encontrou sua expressão nessa idéia? A crença
na inevitabilidade do progresso social foi um dos primeiros sistemas de
crença puramente secular. Como se pode explicar que seres humanos, em
vez de atribuírem a piora ou melhora das condições de vida humana a uma
providência sobre-humana, começaram a acreditar como que em uma legalidade natural do desenvolvimento social, que necessariamente traria uma
melhora das condições sociais de vida? Havia experiências comprováveis
que apontassem para essa direção? A idéia de um progresso puramente
intramundano era apenas a expressão de um desejo e um ideal de grupos
sociais determinados? Ou uma mistura de experiência e ideal? E a que transformações sociais, a que mudança nas experiências e ideais se pode atribuir
o fato de que, sobretudo no final do século XX, o coro das contravozes tenha
ganho o primeiro plano precisamente nos Estados-nação industriais relativamente mais desenvolvidos?
Quando se procura determinar, a partir dessas questões, a auto-avaliação dominante desse século por seus porta-vozes, esbarra-se em um paradoxo peculiar. De um lado, o século XX é uma época de experimentos e
inovações enormes. Os seres humanos, nesse período,buscaram o progresso
de forma mais sistemática, em maior número, em áreas maiores e, de modo
geral, também com mais sucesso do que jamais anteriormente. Muito
daquilo que os seres humanos de outrora apenas sonhavam tornou-se "factível". O conhecimento — não apenas dos nexos da natureza extrahumana, mas também dos próprios seres humanos, tanto no plano individual como no social — é muito mais extenso do que no passado. Jamais o
esforço consciente e planejado para uma melhora da ordem social e das condições de vida humana — por mais que ainda seja insuficiente — foi tão
grande quanto em nossos dias. Mas, por outro lado, encontramos ao mesmo
tempo uma profunda sensação de dúvida acerca do valor de tal progresso.
Suas vantagens são aceitas e seus perigos, temidos. Poucos se perguntam pela
explicação das primeiras; são aceitas com naturalidade. Os perigos aparecem
claramente definidos no primeiro plano do pensamento; são eles que buscamos esclarecer. O fluxo incessante/de inovações torna aqueles que são
atingidos inseguros; a velocidade'crescente de mudança intensifica o anseio
por enclaves de tranqüilidade e por símbolos de imutabilidade. Mas, sobre-
T
tudo, busca-se a solução dos conflitos incessantes entre grupos humanos —
seja porque se imagina que tudo poderia ser pacífico e harmônico, se os
outros, aqueles que perturbam a paz, os agitadores, não ameaçassem subversivamente a boa vida; seja porque se considere como remédio a derrubada
das relações de poder existentes e o estabelecimento de uma outra ordem
que prometa maior tranqüilidade, harmonia e ausência de conflito; e, mesmo nesse caso, são apenas os outros que servem para explicar os conflitos
recorrentes.As contribuições involuntárias dos próprios grupos ou da própria pessoa, a própria co-responsabilidade pelos conflitos e, respectivamente, também pelos processos não-planejados que são as suas forças
motrizes, estão além do horizonte. Não é fácil levar em consideração que
justamente a diminuição relativa dos diferenciais de poder em muitos setores da humanidade — por mais poderosos que esses diferenciais ainda sejam
— aumenta a intensidade das tensões e a freqüência dos conflitos abertos.
Pois tensões e conflitos abertos entre os grupos não estão o mais das vezes
onde a desigualdade dos meios de poder de grupos interdependentes é
muito grande e incontornável, mas precisamente onde a situação começa
a mudar em favor dos grupos com menor poder.
O século XX é uma época na qual mudanças não-planejadas nessa direção tornaram-se freqüentes.Também aqui há paradoxo: há hoje um movimento no sentido da diminuição da desigualdade entre outsiders e estabelecidos, sejam eles trabalhadores e empresários, colonizados e potências coloniais,
mulheres e homens. Do ponto de vista humano, isso é um progresso. Mas, ao
mesmo tempo, esse movimento contribui para o incremento de tensões
sociais e pessoais e de conflitos, que aumentam o sofrimento dos seres humanos e levantam dúvidas sobre o valor de seus esforços por progresso. O mesmo
vale para os deslocamentos e as oscilações dos diferenciais de poder entre
muitas sociedades estatais em todo o globo; por exemplo, entre Rússia,
Estados Unidos e China.* Quanto menores se tornam esses diferenciais e
quanto maiores as interdependências econômicas e militares, maiores também os comburentes para as tensões, para as intermináveis provas de força e
para suas manobras em busca das melhores posições estratégicas para o caso
de uma nova guerra.
Aqui também encontramos o caráter contraditório imanente das estruturas de desenvolvimento de que falava: o progresso almejado tem conseqüências indesejadas. Assim como o conceito de progresso, o conceito de
humanidade foi onerado por seu uso durante a época do Ilurninismo e do
* Deve-se ter em mente que o texto foi publicado em 1977. (N.T.)
idealismo racionalista. Nessa época, o conceito de "humanidade" era a
expressão de um ideal que pairava bem acima do mundo real. O eco desse
uso ainda hoje ressoa no ouvido. Em conformidade a isso, na época da reação a esses ideais do Ilurninismo, o conceito de "humanidade" tornou-se
tabu. Ele desapareceu do vocabulário daqueles que queriam ser levados a
sério, inclusive dos cientistas sociais. No entanto, nesse meio-tempo, falar de
humanidade tornou-se bastante conforme à realidade, pois as sociedades
humanas singulares de todas as regiões da terra tornavam-se cada vez mais
interdependentes; e essa tendência viria a se fortalecer com toda probabilidade no futuro. Mas como esse conceito continua muito ligado à concepção idealizante anterior de uma humanidade harmônica, ainda é muito difícil usar a palavra "humanidade" no sentido mais elevado, pois a situação dos
seres humanos no século XX só pode ser compreendida e explicada se a
considerarmos da perspectiva de todas as sociedades humanas interdependentes, e não apenas a partir de uma sociedade singular. Nesse sentido,
"humanidade" tem ao mesmo tempo o significado de estrutura de interdependência e de uma estrutura de tensão:justamente porque as interdependências se tornaram maiores, o comburente das tensões e conflitos tornouse universal. Em acordo com isso, o sentimento de desamparo diante de
catástrofes potenciais que esse crescimento das interdependências e a intensificação das tensões por toda a humanidade trouxeram consigo tornou-se
também maior.
Justamente por isso, também nesses casos é difícil obter uma orientação
mais objetiva, pois estamos acostumados a ver todas as tensões e conflitos
exclusivamente da perspectiva de uma das pessoas ou grupos envolvidos. E
esse hábito é ainda mais reforçado pelo fato de grupos humanos praticamente exigirem de seus membros que eles vejam as coisas unilateralmente,
isto é, apenas de seu próprio lado. Por conseguinte, costuma-se habitualmente explicar as estruturas e processos sociais não-planejados e não-intencionais em termos de erros e culpas dos outros, dos adversários aos quais
estamos ligados. No plano da sociedade humana, portanto, raramente se vai
além das explicações voluntaristas e simplistas.
Assim como antigamente (e em parte ainda hoje) se explicava o que agora
se compreende como "acontecimentos naturais"— tais como o trovão e o
relâmpago, a seca e a enchente, a dqeriça e os eclipses lunares — voluntaristicamente, apenas como atos de vontade, intenções e planos de seres vivos,
seja da espécie humana ou não, ainda hoje freqüentemente os aconteci-
|I
'=.
|[
ãS
=:
S
T
8
i
g
Js
*"
mentos sociais humanos são explicados exclusivamente a partir de atos de
vontade, planos e intenções de seres humanos. Isto pode parecer à primeira
vista evidente, e até mesmo óbvio. E de se supor que, no plano social e
humano do universo, é suficiente uma explicação de tipo voluntarista dos
acontecimentos, tal como, no plano físico, ao longo dos milênios, penosamente aprendemos a considerar inadequada. Pois os acontecimentos
sociais e, especialmente, as transformações das sociedades humanas estão
aparentemente relacionados aos atos de vontade e planos dos seres humanos. A insuficiência das explicações voluntaristas acerca das relações da
natureza física tem seu fundamento no fato de que, nesse caso, não se trata
de modo algum de atos de vontade.A insuficiência das explicações voluntaristas acerca das relações sociais,por sua vez, reside no fato de que da interdependência dos atos de vontade e planos de muitos seres humanos resultam estruturas e processos que não foram desejados ou planejados por
nenhum daqueles neles envolvidos. Pesquisar e explicar tais estruturas de
interdependência e processos é uma das tarefas primordiais das ciências
sociais e, particularmente, da sociologia. O processo de civilização é um
desses processos; o processo de formação do Estado é um outro. Mal se pode
percebê-los como processos, e certamente não se pode investigá-los se esses
dados singulares, nos quais eles se manifestam, forem vistos somente da
perspectiva daqueles seres humanos neles envolvidos. Não se deve explicálos nem apenas do ponto de vista voluntarista, portanto exclusivamente a
partir de atos de vontade, nem pelo padrão das ciências físicas, portanto
exclusivamente por meio de medições ou ligações mecânicas de causa e
efeito. Nesse plano da ciência, temos de nos haver com uma espécie de
nexos que, para serem explorados, exigem o desenvolvimento de outros
tipos de teoria, conceito e pesquisa. Essa é uma das razões para as dificuldades que atrapalham a recepção de tais investigações.
Mas, ao mesmo tempo, com tais considerações ganhou-se acesso à
compreensão daquilo que foi caracterizado anteriormente como os paradoxos do século XX. Ainda hoje mal se tem uma idéia das dificuldades com
que os seres humanos tiveram de lutar até conseguirem, em seu esforço de
compreensão e explicação dos acontecimentos naturais extra-humanos,
desenvolver gradualmente, a partir dos símbolos mentais e lingüísticos
voluntaristas e mítico-mágicos, outros símbolos, que hoje designamos
como "físicos" ou das "ciências naturais". Essa formação de símbolos criados por seres humanos e passíveis de aprendizado, que simultaneamente servem como meios de orientação, direção e comunicação, e sua correspondência gradual e cada vez mais fina com os nexos objetivos que simbolizam,
e um exemplo do que se entende como progresso. Mas tais progressos rumo
a uma maior "adequação ao objeto" ocorrem de maneira bastante desigual
nos variados planos de conhecimento — como já foi sugerido anteriormente na observação acerca do caráter voluntarista dos tipos de explicação,
que antigamente era geral.A capacidade dos seres humanos de desenvolver
símbolos mais adequados de orientação e controle no campo dos nexos da
natureza extra-humana cresceu muito mais rapidamente do que sua capacidade de desenvolver símbolos de orientação e direção igualmente adequados no plano do universo formado pelos próprios seres humanos. Dessa
forma, por exemplo, o relâmpago e a fissão atômica podem ser explicados e
direcionados de maneira relativamente adequada, o que ocorre em muito
menor medida com as guerras e outros conflitos sociais.
Essa disparidade não-planejada no desenvolvimento dos meios de
orientação humanos nos planos físico e social tem conseqüências de longo
alcance. Ela é responsável, por exemplo, pela distinção demasiado precisa
entre "natureza" e "sociedade", que atualmente aparece como óbvia. Ao
fim e ao cabo, a peculiaridade das sociedades humanas só se tornou possível por meio da natureza dos seres humanos. Hoje, freqüentemente se
esquece que a precisão extraordinária, no pensamento contemporâneo, da
diferenciação entre ser humano e natureza se reporta às diferenças não-planejadas nos níveis de desenvolvimento das ciências naturais e das ciências
humanas. Assim, as pessoas do século XX atribuem freqüentemente seu
mal-estar à cultura do desenvolvimento da ciência natural e da tecnologia,
que levaram à descoberta das armas atômicas ou à poluição do meio ambiente, ao invés de atribuir a responsabilidade às sociedades que elas mesmas formam entre si. Sem os conflitos interestatais, que para os seres
humanos de hoje são tão pouco explicáveis e direcionáveis quanto as epidemias de peste na Idade Média, o desenvolvimento do conhecimento
acerca da natureza do átomo, e da tecnologia correspondente, teria tomado outro rumo que não o da produção de armas de guerra. A poluição do meio ambiente não é, da mesma forma, um problema das ciências
naturais, mas um problema social e, portanto, das ciências sociais.
No final das contas, é portanto a contradição não-planejada entre os
progressos constantes dos meios de orientação obtidos cientificamente e de
suas chances correspondentes de direcionamento no campo da natureza
extra-humana, por um lado, e por outro o relativo atraso no desenvolvimento do mundo humano, que é em grande medida a responsável pelas
vozes de dúvida, cada vez mais fortes, com relação ao valor de todos os progressos, e particularmente do progresso na ciência e na técnica. Também
aqui encontramos novamente um mecanismo de defesa característico, de
que falávamos acima: atribui-se aos outros — nesse caso os representantes
das ciências naturais e da técnica — algo que é nossa própria responsabilidade. Persistimos em explicações puramente voluntaristas do curso do
desenvolvimento social, e assim permanecemos incapazes de explicar os
processos sociais não-planejados e involuntários nos quais estamos envolvidos e desenvolver meios de orientação e direção mais adequados para eles.
,23
Com isso espero ter dito o suficiente para esclarecer o paradoxo dessa simultaneidade entre um esforço intensivo por progresso, mais institucionalizado
que nunca, e um temor, não-institucionalizado mas não menos intenso, do
progresso. A simultaneidade dessas tendências opostas é parte das peculiaridades estruturais das sociedades contemporâneas. Seja o que for que se tome
como explicação, ela está certamente relacionada ao fato de que hoje, precisamente nos países mais avançados e desenvolvidos, é perceptível uma atitude fortemente negativa em relação à noção de um progresso social e de
um desenvolvimento social de longo prazo.
De modo análogo, também nas ciências sociais o conceito de desenvolvimento social caiu em descrédito. Assim como o conceito de "humanidade" estava sob suspeição, porque era usado em período anterior como
símbolo de uma crença secular, o conceito de desenvolvimento social também se mantém desacreditado, uma vez que está associado à crença em um
progresso inevitável. Quando muito, utiliza-se o conceito de desenvolvimento social em relação às transformações planejadas e,portanto,de relativo
curto prazo, das sociedades mais pobres; e mesmo nesse caso, um tanto unilateralmente, somente no sentido de um desenvolvimento econômico.
Outros problemas de desenvolvimento, tais como o das correspondentes
transformações dos seres humanos, ou seja, a transformação civilizatória das
estruturas de personalidade, ou o problema dos processos de formação do
Estado, como por exemplo a integração de tribos em Estados centralizados,
são, com efeito, inseparáveis, na prática, dos problemas do desenvolvimento
econômico planejado. Contudo, eles continuam sendo usualmente desconsiderados nesse uso do conceito de desenvolvimento, ou, quando muito,
aparecem aos planejadores do desenvolvimento econômico como fatores
de perturbação. O conceito de desenvolvimento continua a ser usado nesse
sentido voluntarista e limitado — em relação aos países menos desenvolvidos. Sociedades desse tipo podem, assim parece, se desenvolver na direção
dos países economicamente mais desenvolvidos. Com relação a estes, falase, ocasional e meio timidamente, de sua "evolução", apagando assim a distinção entre a evolução biológica irreversível, no sentido de Darwin, e o
desenvolvimento das sociedades humanas, que transcorre nos quadros do
mesmo gênero biológico e que, sob condições determinadas e passíveis de
investigação, pode ser parcial ou totalmente revertido. Em geral, no
entanto, evita-se usar o conceito de "desenvolvimento" no caso dessas
sociedades mais desenvolvidas. Ao invés de desenvolvimento, costuma-se
atribuir-lhes apenas unia história.
Com isso, encobrem-se não somente os problemas centrais do curso
de desenvolvimento de longo prazo dessas sociedades mais avançadas, mas
os da própria humanidade: por exemplo, o problema de como realmente
explicar que na vida social em comum de um mesmo gênero biológico
possam ocorrer transformações tão imensas como as que levam hordas
relativamente esparsas de nômades a Estados-nação industriais relativamente muito integrados, ou do uso de simples ferramentas e armas de
pedra a aparelhos de produção mecanizada e de guerra. Assim, nas ciências
humanas das sociedades não-comunistas, e particularmente na sociologia,
o diagnóstico e a explicação de tais transformações de longo prazo são
raramente discutidos. Nos países comunistas, ameaçam petrificar em dogmatismo. Nas primeiras, o acesso à explicação das mudanças de longo
prazo das estruturas da sociedade e da personalidade é dissimulado, na
medida em que sua investigação é classificada como "histórica"; com isso,
é equiparada à forma de historiografia dominante nessas sociedades, cujos
representantes percebem a história meramente como um ir-e-vir desestruturado de seres humanos. Nos países comunistas sobrevive ainda a visão
da história como uma transformação estruturada da sociedade em uma
direção determinada. Mas, com isso, sobrevive ao mesmo tempo a noção
de que essa transformação conduz inevitavelmente à realização de seus
próprios ideais.
Uma das tarefas de uma teoria da civilização é reconduzir ao centro da
discussão nas ciências sociais — em um novo patamar e sem dogmatismo —
o problema das mudanças de longo prazo das estruturas da sociedade e das
estruturas da personalidade. Um tal empreendimento, no entanto, esbarra
em dificuldades de comunicação específicas. Discuti-las é importante não
apenas para a compreensão das dificuldades que acompanham a recepção da
própria teoria da civilização, mas também para a compreensão de problemas
de recepção de inovações científicas e, mais ainda, do problema do próprio
desenvolvimento da ciência. Não é preciso, aqui, falar mais acerca dos problemas teóricos cuja investigação pode contribuir para a compreensão da
recepção de inovações científicas/Mas talvez seja útil chamar a atenção para
alguns de seus aspectos e introduzir rapidamente alguns conceitos básicos,
necessários para seu esclarecimento.
História e sociologia são tratadas, hoje em dia, como disciplinas acadêmicas
independentes. Seus representantes, em acordo com isso, procuram obter e
manter um máximo de independência para suas disciplinas e, conseqüentemente, para si mesmos. Zelam ciosamente por sua autonomia. Cada disciplina tem sua própria galeria de antepassados, suas próprias convenções e
critérios de ensino e de pesquisa. Com efeito, eles não estão completamente
unificados em nenhuma das duas disciplinas acadêmicas; especialmente na
sociologia eles são, atualmente, de fato múltiplos e dispersos. Mas, unificados ou não, cada uma das duas disciplinas tem seu próprio establishment, ou
mesmo dois ou mais establishments concorrentes, cujos representantes
desenvolvem, cada um a seu modo, modelos de procedimento e de escolha
de ternas na pesquisa e no ensino, além de exercerem influência considerável na nomeação de cargos e terem controle considerável sobre as publicações especializadas e, dessa forma, sobre a seleção do material a ser publicado.
A separação institucionalizada das duas disciplinas acadêmicas e seus
respectivos establishments reflete-se de maneira peculiar nas idéias correntes
acerca da circunscrição de seus objetos de pesquisa e ensino.Tem-se freqüentemente a impressão de que os seres humanos imaginam que os objetos das diferentes disciplinas acadêmicas, nesse caso história e sociedade,
existem tão independentes uns dos outros como os departamentos de história e sociologia. Em uma consideração mais precisa no campo da teoria da
ciência, pode-se reconhecer claramente que, no caso dessa especialização
disciplinar de historiadores e sociólogos, na melhor das hipóteses, trata-se
apenas de uma divisão de trabalho — de uma divisão de trabalho na investigação de aspectos distintos, mas indivisíveis, do mesmo domínio temático:
as associações humanas em transformação e os seres humanos que as formam. Mas a estrutura peculiar da organização universitária, com suas lutas
intestinas de poder e de status entre diferentes grupos de especialistas
acadêmicos, induz a crer (nesse caso como em outros) que o ensino e a pesquisa, separados por motivos organizacionais dos grupos de especialistas científicos, fundamentam-se na existência dissociada de seus objetos de pesquisa.
Ao examinarmos mais de perto reconhecemos sem dificuldade que se trata
precisamente do contrário: a organização da ciência — e, particularmente, a
independência ciosamente resguardada de cada disciplina no que diz respeito
ao ensino e à pesquisa — constitui o establishment e encontra sua expressão na
idéia da existência independente dos domínios de objeto em questão.
Em outras palavras: a idéia hoje corrente da relação entre "história" e
"sociedade" como dois objetos e domínios corn existências independentes é
uma projeção da organização social da aquisição de conhecimento nesse
domínio e, corno tal, um mito científico e ideológico. Os historiadores habi-
tualmente supõem que pesquisam a"história",semjustificar, no mesmo nível
de abstração, que história é essa que estão estudando. Se o fizessem, seria preciso dizer que se trata da história de associações humanas determinadas ou
ocasionalmente até mesmo da humanidade; portanto, em todo o caso, é sempre a história de "sociedades" que constitui o enquadramento de suas investigações. Por sua vez, hoje os sociólogos habitualmente supõem como autoevidente pesquisar todos os aspectos possíveis das sociedades humanas. Mas
na realidade o desenvolvimento de sua disciplina levou-os a se limitarem,
cada vez mais, ao estudo das sociedades contemporâneas e especialmente de
suas próprias sociedades nacionais. Ao mesmo tempo, no entanto, muitos
sociólogos tentam deduzir princípios gerais dessas evidências circunscritas
ao presente. Enquanto uma parte considerável dos construtores de teoria
sociológica do século passado se ocupava de teorias processuais que abrangiam igualmente o passado, o presente e um futuro possível, seus sucessores
contemporâneos ocupam-se com um tipo de teoria baseada em leis que,
como as da física clássica, ignora todas as mudanças no curso de um tempo
que não se repete. O mais das vezes elas são elaboradas como se pretendessem
validade universal, isto é, fossem válidas para sociedades de todas as épocas e
espaços, embora muitas vezes digam respeito apenas às sociedades contemporâneas. Que a maneira como os seres humanos vivem em comum nas
sociedades contemporâneas tenha advindo sem fraturas de uma seqüência
contínua de maneiras anteriores de vida em comum, e que essas sociedades
contemporâneas,assim como as investigações sociológicas sobre elas,sejam a
seguir elas mesmas pertencentes ao passado e à"história"; ou em outras palavras, que esse presente é apenas um breve momento de um longo processo
— tudo isso parece irrelevante para esse tipo de sociologia.
Em resumo, pode-se portanto dizer que encontramos aqui um fenômeno digno de nota no desenvolvimento de ambas as disciplinas. Não se
trata somente do fato de a sociologia ter se tornado, cada vez mais, um domínio de pesquisa relacionado ao presente, e a história, por sua vez, ao passado;
esse tipo de separação proporcionada pela divisão de trabalho, além disso,
tem alimentado a tendência a igualar o "histórico "a algo relacionado ao passado e o "sociológico" a algo relacionado ao presente e, conseqüentemente,
a pensar o "presente" e o "passado" das sociedades humanas como se tivessem em si mesmos uma existência separada e independente.
/
Hoje é amplamente difundido o uso dos conceitos "história" e "histórico"
como expressões que se referem especificamente ao passado — seja de
sociedades, seja de temas, eventos ou pessoas singulares — e que, ao mesmo
tempo, trazem consigo o significado negativo de "que não pertence ao do
presente". Parece quase evidente que "história" só possa ter esse significado,
e nenhum outro. Da mesma forma, muitas vezes investigações sobre o processo de civilização e outros processos de longa duração são classificadas
como "sociologia histórica", pois as evidências para essas investigações são
tiradas em grande parte de épocas passadas, enquanto os sociólogos contemporâneos estão inclinados a considerar o presente como seu domínio usual
de trabalho.
Entretanto, não é muito difícil reconhecer que essa suposta separação
entre investigações relacionadas ao passado e investigações relacionadas ao
presente não se deixa jamais realizar na prática. O simples fato de os próprios historiadores também realizarem pesquisas de "história contemporânea", relacionadas ao presente, que se distinguem muito claramente das
investigações sociológicas, igualmente relacionadas ao presente, sugere pensar que a razão da diferença entre os dois departamentos deve ser buscada
menos na especialização devida à divisão de trabalho entre os dois grupos de
pesquisadores, em que um se ocupa do passado e o outro do presente, do
que nas diferenças.já mencionadas, de suas organizações e tradições de pesquisa, que são em grande parte determinadas pelo desejo de independência mútua. A separação insuficiente da pesquisa relacionada ao presente e
ao passado também é muito clara do lado da sociologia e das ciências
sociais em geral. A autocompreensão dos sociólogos como representantes
de uma ciência relacionada primordialmente ao presente e o respectivo
estreitamento de seu horizonte científico são de data recente. Podem ser
explicados, por um lado, pela crescente orientação prática das pesquisas
sociológicas, isto é, pelo crescimento das ações de planejamento (públicas
ou não), para as quais as pesquisas sociológicas fornecem subsídios; por
outro, pela ampliação e predominância temporária, desde meados do
século XX, de teorias e métodos de pesquisa norte-americanos no ensino
e na investigação sociológica de muitos outros países. Antes disso já havia
uma tendência nessa direção, que se fortaleceu paulatinamente; mas em
oposição a ela havia uma outra tendência, cujos representantes não consideravam "passado" e "presente" de sociedades humanas como objetos de
investigação diferentes e dissociáveis.Eles viam mais ou menos claramente
que um entrelaçamento contínuo de gerações — apesar de todas as transformações, revoluções e guerras — enlaçava entre si passado, presente e
futuro das sociedades humanas e que as estruturas das sociedades do presente e do futuro não poderiam ser compreendidas e explicadas sem sua
remissão às estruturas das sociedades do passado. Nesses casos, e de fato em
todos os outros, quando se considera passado, presente e futuro como um
contínuo diacrônico e não como se fossem objetos como que reificados
que existem separadamente, o conceito de "história" também não tem o
significado que hoje predomina: ele não está primariamente referido ao
passado. Do mesmo modo, o conceito de "sociedade" também não é estático e referido ao presente. Embora as tendências corram lado a lado, é possível distinguir com toda a clareza, no desenvolvimento da sociologia,
períodos em que o interesse pelos problemas da dinâmica social de longa
duração, portanto pelo desenvolvimento da sociedade ou, de todo modo,
pelas transformações das sociedades humanas, é muito forte ou dominante;
e outros períodos — como é o caso atualmente — em que o interesse
dominante se limita ao presente. Somente nesse último caso "história" é
identificada com"passado".No primeiro caso,"história" equipara-se a uma
sucessão estruturada de mudanças no curso do tempo, tal como se procurava designar mediante o conceito de desenvolvimento da sociedade, e evidências empíricas do passado e do presente, assim como evidências de
sociedades mais ou menos desenvolvidas da mesma época, têm o mesmo
peso na formação de teorias sociológicas.
Quando uma ciência social particular, portanto baseada em um conhecimento empírico relativamente amplo, se separa da grande corrente de
reflexões social-filosóficas, predomina de início o interesse pelo desenvolvimento da sociedade, por conseguinte também pela dinâmica da sociedade.
Tal era o caso na época que vai do jovemTurgot até Marx e Engels; e mesmo
para Durkheim e MaxWeber não havia nenhuma verdadeira separação de
passado e presente como objetos de investigação, mesmo se no caso de
Weber o interesse pelo desenvolvimento de longo prazo da sociedade praticamente já não fosse dominante. Até onde se pode ver, ele e seu círculo
reconheciam claramente a relação com o presente de investigações do passado e a relação com o passado de investigações do presente. Não parece que
os contemporâneos de Weber rubricassem como "sociologia histórica" seus
estudos sobre a gênese do capitalismo e de seu nexo com a ascensão de seitas protestantes em séculos anteriores. Hoje, ao contrário, a imagem se alterou. Como domínio de pesquisa, os problemas sociais do passado e do presente foram, em grande medida, cindidos. Aquele que suprime em um novo
estágio essa divisão torna-se um outsider na comunidade de argumentação
contemporânea. Chegamos aqui às dificuldades de comunicação anteriormente aludidas. A problematização que está na base das investigações de processos de longo prazo, como o prpéesso de civilização, não se adapta nem à
forma hoje dominante de sociologia, nem à da pesquisa histórica. Mas compreensivelmente tenta-se, quase de forma automática, caracterizar as invés-
ligações de tais processos com conceitos que lhes definam uma posição no
interior do esquema existente das ciências. Desse modo, elas aparecem
como uma espécie de mestiçagem de duas disciplinas acadêmicas estabelecidas, a história e a sociologia.
Mas isso é apenas o começo das dificuldades. Já foi mencionado anteriormente que a idéia de história como um desenvolvimento da sociedade
que circunscreve igualmente o passado, o presente e o futuro não tem nada
de novo.* Ela desempenhou, nos séculos XVIII e XIX (e ainda hoje, nos
países comunistas), um papel imenso, se não mesmo dominante. Nesses
casos, aquilo que hoje, em países não-comunistas, é distinguido enfaticamente com os nomes de "história" e "sociedade", como domínios dos
objetos de dois departamentos independentes, era considerado como conjugado. Ambos os conceitos referem-se, como indica por exemplo a expressão "materialismo histórico", igualmente a passado, presente e futuro.
Presente e futuro são, nesse sentido, não menos "históricos" do que o passado, e o passado não é menos o passado de sociedades estruturadas do que
o presente. O significado de conceitos como "história" e "sociedade"
depende, em outras palavras, tanto do estado de desenvolvimento das ciências humanas como dos sistemas sociais de crença dominantes na sociedade
em questão.
Ligadas a isso, duas concepções diferentes de história e sociedade, que representam dois sistemas diferentes de teoria e crença, têm travado uma luta constante desde os séculos XVIII e XIX até hoje.Elas podem ser designadas brevemente como deterministas ou antideterministas, ou melhor, voluntaristas.
Nos dois casos, a imagem de história e de sociedade é uma mistura de conhecimentos científicos, ou seja, relacionados a fatos e comprováveis, e mitos e
* Assim, por exemplo, em meados do século XVIII o jovem Turgot escrevia: "Todas as épocas
estão encadeadas umas nas outras por uma série de causas e efeitos que ligam o estado presente
do mundo a todos aqueles que o precederam. Os signos arbitrários da linguagem e da escrita, ao
proporcionarem aos homens o meio de se assegurar da posse de suas idéias e de as comunicar aos
outros, formaram um tesouro comum de todos os conhecimentos particulares, que uma geração transmite à outra, resultando em uma herança sempre crescente de descobertas de cada
século; e o gênero humano, considerado desde sua origem, parece aos olhos de um filósofo um
todo imenso que possui, também ele, como cada indivíduo, sua infância e seu progresso." A.R.
Turgot, Oeuvres,vo\. l ("Tableau philosophique dês progrès sucessifs de Fesprit humain"). Paris,
1913,p.215.
ideais seculares, por conseguinte ocultamentos inconfessáveis de aspectos
histórico-sociais que não correspondem à crença social dominante dos grupos-suporte, e a invenção ou a exacerbação de outros que correspondem a
essa crença. Em um dos casos, por exemplo, é possível provar cientificamente
que a humanidade tem progredido desde os inícios da Idade da Pedra e que,
sob determinado aspecto, está progredindo constantemente. Aqui, a mitologização consiste na crença de que a sociedade humana, como que baseada em
uma necessidade natural, precisa se desenvolver na direção de um progresso,
que por sua vez coincide com os desejos e ideais dos grupos que acreditam
nisso. No outro caso, é por exemplo possível comprovar cientificamente que
as grandes sínteses de desenvolvimento dos séculos XVIII e XIX — das quais
uma ou outra tem servido como fundamento da crença corrente no progresso e da imagem correspondente do desenvolvimento determinado da
sociedade — não correspondem mais, pelo menos em parte, aos conhecimentos particulares, que cresceram enormemente nesse meio-tempo. À
luz desses conhecimentos elas aparecem, senão erradas, pelo menos como
sínteses teóricas simplificadoras e unilaterais; e a solidez da aquisição de mais
e mais conhecimentos particulares comprováveis serve aqui como um dos
principais suportes para a reivindicação de cientificidade; talvez não o único,
mas em todo caso um dos principais. Nesse caso, a formação de mitos seculares consiste — pelo menos na forma dominante da pesquisa histórica, e em
parte também na sociologia — em considerar a confiabilidade da produção
de conhecimento acerca de detalhes, seja na forma do estudo cuidadoso de
documentos históricos, seja na forma de medições estatísticas cuidadosas,
como legitimação suficiente da cientificidade do"próprio procedimento.
Sem a interdependência constante do desenvolvimento de um conhecimento singular e de modelos abrangentes, de empiria e de teoria, de análise
e de síntese, a produção de um conhecimento singular, por mais cuidadoso
que seja o método, permanece incerta, muitas vezes conduzindo ao erro e
cientificamente irrelevante. Além disso, é simplesmente impossível buscar o
conhecimento de singularidades sem, ao mesmo tempo, ter em vista, ao
menos implicitamente, o seu nexo com outras singularidades,seja como teoria ou como crença.
A concepção voluntarista da história, que, em contraste, rejeita toda
noção de desenvolvimento de longa duração da sociedade, apresenta a história, como já mencionado, como um caleidoscópio de eventos únicos,
como o ir-e-vir casual de sociedades e pessoas singulares, ou mesmo de
meras idéias, no mesmo nível de desenvolvimento, aparentemente imutável.
O nexo indispensável entre as singularidades abundantes e cuidadosamente
comprovadas é estabelecido, na ausência de uma teoria passível de compro-
vação — particularmente na forma ainda dominante de história política
centrada nos homens de Estado —, pela narrativa articulada do historiador.
Mas essa maneira de estabelecer um nexo entre singularidades comprovadas
através de documentos e inevitavelmente fragmentadas é freqüentemente
em grande parte determinada pela atitude do historiador frente às questões
do dia e, sobretudo, por sua tomada de posição nas lutas de poder de sua própria época. Como as questões do dia podem mudar consideravelmente de
uma geração para outra, não é absolutamente incomum para o historiadornarrador que a apresentação de uma época produzida em uma geração,
que em seu tempo é considerada uma obra-prima, na geração seguinte
junte poeira nas bibliotecas, e não apenas porque novas fontes foram trazidas à luz, mas, acima de tudo, porque a perspectiva pessoal a partir da qual
a narrativa foi escrita mudou de acordo com as transformações nas questões do dia.
A vinculação a uma tradição historiográfica, que permite a cada historiador uma margem de ação bem ampla para sua hermenêutica pessoal no
enlace narrativo de fontes pesquisadas cuidadosamente, encontra expressão,
dentre outras coisas, em uma renúncia consciente da teoria. Faz-se da necessidade uma virtude. A orgulhosa renúncia à teoria desse gênero de escrita da
história escancara as portas para a formação de mitos históricos de todo tipo.
Graças a essa renúncia, a história torna-se muitas vezes a forma velada de
propaganda de alto nível para determinados Estados, classes ou outros agrupamentos humanos.Também mitos especificamente filosóficos formaramse em conexão com essa concepção de história, como por exemplo a idéia
da história como uma simples "descrição de mudança"2 ou a do"relativismo
histórico", que corresponde à idéia de uma história como um ir-e-vir
desordenado, que permanece sempre no mesmo nível de desenvolvimento.
Por sua vez, na sociologia há, ao lado dos especialistas na produção de
conhecimento singular — seja na forma de medições estatísticas ou na
forma de estudos de caso —, também os especialistas no aperfeiçoamento
das teorias. Mas, em regra, a formação da teoria se realiza atualmente com
a ajuda de abstrações similares a leis que — flutuando muito acima das águas
do experiencial — enfatizam o que há aparentemente de eterno nas sociedades, deixando na sombra a estrutura diacrônica da mudança social. Faltalhes relação com a empiria, contato com os conhecimentos singulares crescentes. Esses, por sua vez, sofrem por serem em grande parte produzidos
sem uma orientação teórica. Dessa forma, freqüentemente as teorias sociológicas continuam não sendo passíveis de comprovação e têm hoje, em
muitos casos, o caráter de mitos de tipo filosófico ou de derivados de um
dos sistemas sociais de crença de nossa época.
A oposição entre as concepções de história e de sociedade (que fora
rapidamente designadas anteriormente como deterministas e voluntaristas) pertence, com todas as suas variantes e formas intermediárias às
polaridades correntes em nossos dias. Os modelos teóricos que resultam da
investigação dos processos de formação do Estado e de civilização adaptamse mal a essa e às muitas outras polaridades estandardizadas do pensamento
e do discurso contemporâneos. Entretanto, automaticamente sempre se
insiste em compreendê-los no sentido dessas polaridades. Em sintonia com
as pressões poderosas que o pensamento e o discurso estandardizados de
cada época exercem sobre os seres humanos a ela ligados, também aqui se
busca ordenar essas teorias de um lado ou de outro dessas concepções opostas de história e de sociedade. Se elas não se deixam classificar como "sociologia histórica" no sentido da historiografia voluntarista, devem então ser
consideradas — assim parece — como sociologia histórica no sentido da
concepção determinista de história. E como o conceito de um desenvolvimento da sociedade — que toma necessariamente a direção do progresso
rumo a uma ordenação melhor da vida em comum dos homens — faz parte
dos símbolos conceituais representativos dessa concepção determinista, a
teoria da civilização, desenvolvida em estreito contato com uma série de
provas empíricas, ou a teoria, a ela relacionada, da diferenciação social crescente e da integração de associações estatais relativamente pequenas em
associações cada vez maiores, tem sido freqüentemente interpretada nesse
sentido. Essas investigações foram, então, subordinadas, como se fosse evidente, à noção de que transformações de longo prazo em uma determinada direção precisam ser compreendidas necessariamente como mudanças para melhor.
Isso é um equívoco. Embora se trate de estudos de transformações de
longo prazo, as quais podem decerto ser caracterizadas como desenvolvimento da sociedade, não há uma única frase nessas investigações que possa
dar a impressão de que se trata de uma renovação anacrônica da metafísica
do desenvolvimento e do progresso dos milênios passados. Com a ajuda de
evidências singulares, as investigações mostram que se pode defacto observar
transformações não-planejadas, mas direcionadas, das estruturas da sociedade e da personalidade. A questão não é se essas transformações são para
melhor ou para pior; a questão é, em primeiro lugar, que tipo de transformações são essas e sobretudo como podem ser explicadas. No centro das
atenções estão, antes de tudo, o seu "como" e o seu "porquê". Só quando
questões desse tipo estiverem próximas de uma solução é que estaremos na
posição de julgar em que sentido e para quais grupos humanos as transformações observáveis das estruturas da sociedade e da personalidade, vistas de
uma perspectiva de longo prazo, trazem consigo mais vantagens ou mais
desvantagens, ou seja, se são transformações para melhor ou para pior.
Além do mais, só com uma preocupação com o "como" e o "porquê" de
processos de longo prazo tem-se a chance de adquirir uma orientação suficientemente ampla e próxima da realidade, que possibilite decidir se medidas práticas de curto prazo para remediar danos e prejuízos não trazem consigo, no longo prazo, danos e prejuízos ainda maiores. E justamente quando
se pensa na relação com a prática das investigações das ciências sociais que se
reconhece quão enganadora é uma ciência social focada exclusivamente em
um "presente" aparentemente estático e em um hic et nunc esvaziado de sua
dinâmica. O tipo contemporâneo de planejamento social, que se tornou
rapidamente institucionalizado e técnico, é direcionado a um desenvolvimento continuado futuro — tanto nos países mais pobres e menos desenvolvidos como nos mais ricos e mais desenvolvidos. No entanto, esse desenvolvimento contínuo, mais consciente e, em grande medida., socialmente
planejado, que engloba, em algumas sociedades, cada vez mais setores e, em
muitas delas, todos os setores da prática social, é característico de uma fase
específica de um desenvolvimento mais abrangente não-planejado, e entrelaça-se continuamente com esse desenvolvimento continuado não-planejado das sociedades humanas.
Os programas de pesquisa da sociologia contemporânea — e, de fato,
da maioria das ciências sociais — de curto prazo e focados unicamente no
presente dos quais se espera uma melhor orientação para a prática social, e
portanto para o planejamento social do desenvolvimento, revelam uma
cegueira completa em relação ao desenvolvimento social não-planejado de
longo prazo, que criou as condições para um maior grau de planejamento
social consciente e no interior do qual se realizam todos os projetos de planejamento controlados burocraticamente e sua conversão em prática social.
Não nos perguntamos em razão de quais transformações estruturais nãoplanejadas das sociedades humanas o número de projetos de planejamento
social, juntamente com sua abrangência temporal e com a quantidade de
seres humanos envolvidos, cresceu tão rapidamente,precisamente no século
XX e, na verdade, em todos os níveis das sociedades estatais mais desenvolvidas, inclusive o econômico. Como a idéia de um desenvolvimento nãoplanejado ainda é amplamente compreendida no sentido dos séculos XVIII
e XIX, afastamo-nos do fato óbvio de que todo desenvolvimento continuado intencional e planejado está entrelaçado a um desenvolvimento mais
abrangente não-planejado, fora do âmbito da reflexão, e o colocamos no
porão das coisas não-pesquisáveis, como a varíola antes da introdução da
vacina. Contudo, sem uma investigação empírico-teórica do desenvolvimento não-planejado, continua muito grande o risco de um planejamento
social baseado simplesmente em investigações orientadas ao presente e,portanto, puramente pontuais. O recuo considerável da sociologia contemporânea a problemas relacionados ao presente,justificado muitas vezes apenas
por sua relevância prática, teve por conseqüência o fato de a pesquisa do
desenvolvimento social não-planejado de longo prazo, no interior do qual
se desenrola a prática social planejada de nossos dias, ter sido relegada para
além do horizonte dos grupos humanos envolvidos nesses planejamentos.
Não é improvável que essas limitações de horizonte dos planejadores se
mostrem, numa observação mais acurada, como limitações da utilidade de
seus planos.
Modelos de desenvolvimento não-planejado e de longa duração das
sociedades, que sejam empiricamente mais adequados e teoricamente mais
comprováveis, servem não somente a uma melhor orientação acerca desses
transcursos nao-planejados do desenvolvimento. Eles também têm uma
função no esclarecimento daqueles setores e enclaves do desenvolvimento
da sociedade que em um desenvolvimento planejado de prazo comparativamente curto já se tornaram compreensíveis. Sem o empenho na busca de
tais modelos não se pode descobrir se, e em que medida, é possível observar
nas transformações das sociedades humanas, vistas sob uma perspectiva de
longa duração, determinadas estruturas de sucessão e desintegração (como
por exemplo determinadas direções ou tendências persistentes de longo
prazo que, apesar de todas as transformações, se deixam observar), estruturas
essas que perpassam essas transformações desde o passado e para além do presente, e — quando é o caso — como se pode explicar esse direcionamento
não-planejado (e portanto sem finalidade e objetivo) dos desenvolvimentos
das sociedades. Só quando se puder definir e esclarecer melhor o que constitui atualmente essas estruturas de desenvolvimento não-planejado de maior
abrangência, e com elas o jogo e o contrajogo das tendências dominantes de
longo prazo e de suas contratendências (que, por sua vez, sob certas circunstâncias se tornam dominantes), só então poderão ser elaborados modelos de diagnóstico das margens de jogo — sempre limitadas — dos potenciais
de desenvolvimento não-planejado das sociedades humanas — modelos que
indiquem, afinal, em que direção seu desenvolvimento pode continuar.
Projetos de desenvolvimento planejado, portanto, também necessitam
(como enquadramento teórico-empírico) desses modelos dos nexos entre
as várias tendências de desenvolvimento não-planejado.Modelos desse tipo
são símbolos teóricos da dinâmica de todo presente social que se estende
para além de si mesmo e se torna então passado.
É característico que quase todos os teóricos da sociedade do século XX
não tenham nenhuma sensibilidade para o impulso imanente de mudança,
para o ímpeto transformacional de toda sociedade humana (para introduzir
um terminus technicus indispensável). Dessa forma, deixam também de lado o
tipo e a abrangência dos potenciais de desenvolvimento de toda estrutura
social dada, embora eles sejam parte integrante das especificidades dessas
estruturas.Tais teóricos apresentam simbolicamente as sociedades humanas
como estruturas humanas bem balanceadas, completamente harmônicas e,
por conseguinte, em geral imutáveis. Mudanças sociais — muitas vezes também designadas, de modo reificante, como "a mudança social"— aparecem
nesse uso da teoria, quando muito, como algo adicional, como fenômenos
de perturbação de uma estrutura social que não teria mudado sem essas
perturbações. As transformações sociais são tratadas de modo similar a
doenças humanas, isto é, como uma anomalia que requer especialistas para
sua investigação, especialistas que escrevem livros só sobre "mudança
social", sem estabelecer relações com outros aspectos de uma sociedade.
Além disso, a peculiaridade de tal imagem da sociedade humana como uma
formação normalmente paralisada é compartilhada por todos os conceitos
singulares dessas teorias sociológicas,tais como"função"e"estrutura".Eles
ganham um novo significado se, como é o caso aqui, o impulso imanente
de mudança for reconhecido como um momento integral de toda estrutura social, e sua imutabilidade temporária como expressão de um bloqueio
das transformações sociais.
Somente dessa posição teórica é possível incorporar ao domínio das
investigações sociológicas fomentadoras do planejamento o amplo escopo
dos potenciais de desenvolvimento de uma sociedade, que depende de seu
curso de desenvolvimento anterior e do nível de desenvolvimento atingido
até então. Como exemplo, basta pensar no erro que ocorre quando se impõe
um modelo puramente econômico de sociedades industriais relativamente
ricas a uma sociedade carente de capital, com uma população camponesa
predominantemente analfabeta, sem uma investigação sociológica sistemática de seus potenciais de desenvolvimento, isto é, também sem considerar
as estruturas sociais de personalidade dos seres humanos que formam essa
sociedade.
Certamente não é fácil reconfigurar teorias sociológicas que apresentam as sociedades humanas, ou mesmo toda a humanidade, como estruturas
humanas normalmente imutáveis, em uma teoria na qual elas sejam reconhecidas como processos sem fim. Mas só quando isto se realizar ganhará
significado pleno o problema das tendências não-planejadas de longo prazo
do desenvolvimento da sociedade — que, em função do recuo teórico se
perde na idéia de sistemas sociais aparentemente imutáveis ou em investigações empíricas direcionadas exclusivamente ao presente.
Não faltam exemplos de tais tendências não-planejadas. Entre as mais
conhecidas está a da crescente divisão social de funções. Na tradição das
ciências sociais, até agora apenas um de seus aspectos foi discutido e investigado, a crescente divisão de trabalho. Mas a questão é muito mais abrangente. Ela pode ser observada não apenas na produção de bens, mas também
na administração do Estado, na técnica e na ciência e em muitos outros
domínios sociais funcionais. Em termos sociológicos, é por essa razão mais
adequado falar de uma tendência a uma crescente divisão de funções ou, de
maneira mais geral, de uma diferenciação crescente nas sociedades e da correspondente especialização crescente de posições e funções sociais atribuídas aos seres humanos singulares.
Durkheim ainda tinha em vista essa tendência como aspecto de um
contínuo desenvolvimento social de longo prazo. É característico do curso
de desenvolvimento da sociologia que ele não tenha encontrado nenhum
sucessor e continuador para tal projeto, focalizado no estudo de processos
diacrônicos de longa duração. Sua influência pode ser vista, eventualmente,
na tentativa de investigar problemas atuais da divisão de trabalho.3 Mas
quando se trata de uma tendência tão longa e poderosa do desenvolvimento
social, torna-se especialmente claro que sua fase atual não pode ser observada e explicada isoladamente. Pois é necessário sobretudo considerar que
se trata de uma tendência contínua que, desde os primórdios da humanidade, com muitos reveses e contratendências, até nossos dias, pode ser observada como tendência dominante, como um processo direcionado sem um
fim. Só a partir desse ponto de vista torna-se clara a questão até agora não
respondida, de como se pode explicar que as sociedades humanas se transformem de forma não-planejada, ao longo dos milênios, em uma direção
determinada, no caso na direção de uma diferenciação crescente ou, em sentido estrito, de uma crescente divisão de trabalho.
Não é difícil comprovar empiricamente essa tendência. Para dar apenas
uma indicação: poder-se-ia começar, por exemplo, com uma comparação
do número total dos grupos funcionais conhecidos (caracterizados por um
termo especializado) de sociedades em diferentes níveis de desenvolvimento. Mesmo ao primeiro olhar pode-se ver que em sociedades menos
desenvolvidas há geralmente domínios determinados com uma maior especialização, com uma maior diferenciação de grupos funcionais com nomes
específicos do que em sociedades mais desenvolvidas. Mas o número total
dos grupos de especialistas caracterizados por nomes próprios é, com grande
regularidade, maior nas sociedades mais desenvolvidas. Basta comparar o
número total de grupos funcionais caracterizados por um nome especial na
Antigüidade grega clássica com o número de grupos funcionais nas sociedades citadinas ou estatais da Alta Idade Média e esses, por sua vez, com o
número de grupos funcionais distinguíveis de acordo com o nome em um
Estado-nação altamente industrializado do presente, para ver o contorno
geral do crescente processo de especialização funcional.4
Por outro lado, as contratendências estão sempre presentes. Pode-se
observar recorrentemente, no curso do desenvolvimento da sociedade, uma
desfuncionalização de especializações existentes. Ela pode limitar-se a
alguns âmbitos parciais da estrutura social de funções, como é por exemplo
o caso dos tecelões-artesãos, que foram desfuncionalizados pelo trabalho
fabril em teares mecanizados, ou como os cavaleiros que faziam a guerra a
cavalo o foram por tropas a pé com armas de fogo.Junto com sua função eles
perderam, ao mesmo tempo, as chances de poder e a posição social.Tal desfuncionalização pode abarcar a totalidade da estrutura funcional de uma
unidade de integração, como por exemplo no retrocesso gradual da especialização na Antigüidade tardia, inicialmente no Império Romano do
Ocidente e, mais tarde, também no Império Romano do Oriente, governado por Constantinopla. Posteriormente, nos territórios do antigo Império Romano do Ocidente, essa tendência de uma redução na diferenciação, de desfuncionalização de especializações anteriormente disponíveis,
atingiu seu apogeu nas antigas sociedades feudais. A explicação para a
dominância, nesse período, de uma tendência à redução na diferenciação
ainda é polêmica. Mas não há dúvida de que o colapso gradual do aparato
estatal centralizado do Império Romano do Ocidente, em parte por desagregação interna, em parte por destruição externa, teve um papel decisivo
na diferenciação social decrescente nas áreas de antigo domínio daquele
império, no qual a única grande organização que se manteve, não importa
quão prejudicada, foi a Igreja católica. O processo de diferenciação social
crescente, que então recomeçava, também carece de urna explicação precisa. Certo é apenas que, também nesse caso, ele veio de mãos dadas com
uma integração crescente, na forma de organizações estatais, de início ainda
frouxamente centralizadas — significando, portanto, uma nova monopolização da violência física e o começo da pacificação no interior de alguns
domínios do Estado.
Esse surto de diferenciação social crescente, que começou lentamente
nos séculos XI e XII, e, correspondentemente, o lento crescimento das cadeias funcionais de interdependência, que ligam os seres humanos eture si
manteve-se dominante até hoje.Também nesse caso não faltaram tendências contrárias. Mas a explicação para a dominância secular do processo de
crescente especialização social e também do incremento da velocidade de
especialização, particularmente nos territórios da Europa Ocidental, ainda
não atingiu um grau de consenso científico entre os sociólogos que pudesse
justificar a transmissão dessa visão do devir das sociedades européias até para
as crianças, através de livros escolares. Pode-se esperar—e ter esperanças —
que isso cedo ou tarde ocorra, pois o conhecimento desses processos de
longo prazo e sua explicação são absolutamente indispensáveis para a autocompreensão dos seres humanos do presente — e não apenas na Europa.
Só com a ajuda dessa visada de longa duração, com a ajuda do conhecimento
acerca da dominância da tendência de crescente diferenciação social e acerca
de sua explicação, pode-se compreender por que, no presente, nos países
industriais mais desenvolvidos, o número total dos grupos de especialistas
com nomes diferentes tornou-se maior do que em qualquer sociedade anterior; e só então será possível compreender que isto não se dá por mérito próprio dos seres humanos atuais ou daqueles que formaram as sociedades mais
desenvolvidas, mas sim que se trata do resultado provisório de um processo
que se estendeu de forma não-planejada por muitas gerações e cujos fundamentos só se podem compreender caso se deixe de perguntar se os seres
humanos envolvidos são bons ou maus:
Há exemplos suficientes de tais tendências não-planejadas de diferenciação crescente em nosso próprio tempo. Pense-se, por exemplo, na especialização tecnológica e científica de nossos dias, que cresce rapidamente.
Ela representa apenas uma pequena parcela do longo surto de diferenciação discutido acima, mas ilustra o caráter de tais tendências. Mostra como
os seres humanos, na busca de seus objetivos singulares e limitados, põem
em marcha ao mesmo tempo um processo social involuntário que, por sua
vez, sob vários aspectos, dificulta aquilo que eles almejam. Os seres humanos de hoje estão quase tão desamparados diante do prosseguimento de tais
processos quanto os seres humanos de um grau de desenvolvimento anterior diante de processos da natureza não-humana. Como estes últimos, só
podemos ter esperanças de dirigir os aspectos indesejáveis de tais tendências, no sentido dos seres humanos socialmente interdependentes por eles
afetados, quando possuirmos explicações confiáveis de sua dinâmica de
longo prazo, e não apenas impressões não confiáveis de sua predominância
ontem e hoje.
A especialização técnica e científica de nossos dias, que cresce rapidamente, com todas as suas vantagens, tem ao mesmo tempo desvantagens
óbvias para os seres humanos nela envolvidos. Num exame mais acurado, é
fácil reconhecer que a crescente especialização baseada na divisão de funções fortalece a dependência de cada grupo de especialistas a outros grupos
de especialistas e, mais ainda, a uma quantidade crescente de outros grupos de
especialistas. Isso vale não somente para cientistas e técnicos, mas, em geral,
para grupos de todos os tipos. No curso da crescente divisão social de funções, as cadeias de interdependência, às quais cada grupo de especialistas singulares está interligado, se prolongam. Mas em muitos casos e, especialmente, em casos de grupos de cientistas altamente individualizados, e em
geral em grupos com formação superior, o desejo de independência profissional prevalece amplamente sobre qualquer percepção da interdependência
com outros grupos. A formação de linguagens específicas, cujo desenvolvimento amiúde ultrapassa em muito as necessidades objetivas da especialização, é um dos muitos exemplos das muralhas invisíveis com as quais os grupos de especialistas acadêmicos, assim como outros grupos de especialistas,
se cercam — freqüentemente sem estar conscientes de que, em boa parte,
elas servem para demonstrar e preservar sua independência de outros grupos. As dificuldades de comunicação que então se originam prejudicam
bastante a cooperação entre grupos de especialistas dependentes uns dos
outros. Um outro aspecto dessas muralhas é o vício de muitos grupos de
cientistas especializados de desenvolver uma teoria própria para seu campo
específico, independentemente das outras teorias.Essa tendência é encontrada mais raramente nas ciências físicas — mais desenvolvidas e mais seguras de seus avanços, nas quais praticamente todas as ciências especiais estão
interligadas por uma teoria central unificada — do que nas ciências sociais,
menos desenvolvidas. No caso dessas últimas, e muito especialmente no
caso da sociologia, desenvolvem-se atualmente mais e mais especializações,
cujos representantes com freqüência esforçam-se na busca de uma teoria
geral da sociedade da perspectiva de seu domínio particular. Isso gera dificuldades singulares de comunicação, cuja investigação ainda está por vir.
A referência à diferenciação social crescente, que pode ser observada em
áreas como a ciência e a técnica, talvez faculte uma impressão da dinâmica
desses processos não-planejados.A necessidade de cooperação interdisciplinar de diferentes grupos de cientistas especializados certamente também
está presente nas ciências humanas. Seguramente, seus representantes não
são cegos com relação à interdependência de seu próprio trabalho de pesquisa e ensino com o trabalho de outros grupos de especialistas. Mas, até
hoje, a realização de um trabalho efetivamente conjunto habitualmente fra-
cassa porque cada um dos grupos, cada vez mais especializados, trabalha
incansavelmente no reforço de suas próprias muralhas, por exemplo por
meio da formação de seus próprios métodos de pesquisa, de teorias específicas a sua própria área ou de sua linguagem disciplinar específica, que servem como símbolos de sua própria autonomia profissional. Esse é um exemplo contemporâneo do ímpeto cego de tais processos. Contudo, quando se
limita o olhar ao seu próprio presente, não é possível obter um conhecimento mais preciso e uma explicação mais segura da tendência à crescente
divisão funcional e à expansão das cadeias de interdependência em sua própria época. Para isso é necessário ver a tendência atual nessa direção como
um estágio relativamente tardio de um processo abrangente, que atuou no
passado de nossa própria sociedade e que, ao mesmo tempo, também pode
ser observado no presente em sociedades de um outro estágio de desenvolvimento. O conhecimento de outros estágios do processo de divisão funcional crescente ilumina o estágio de nossa própria sociedade, e vice-versa.
Um outro exemplo é a tendência de longo prazo à integração de unidades
sociais menores em unidades de integração cada vez maiores — tanto em
relação ao número de seres humanos que as formam, como com relação à
extensão do território por eles povoado. Ela possui também contratendências: os processos de desintegração das unidades sociais correspondentes a
cada estágio de desenvolvimento. Ela também se manteve dominante nos
territórios europeus, excetuando o grande encapsulamento ao final da Antigüidade romano-ocidental. Ainda não se sabe por que isso ocorreu. Para
se encontrar uma resposta concludente, seria necessária uma investigação
comparativa de processos de integração em diferentes regiões da Terra. No
espaço africano, por exemplo, unidades de integração no nível de Estados
têm constantemente, até os nossos dias — seja por lutas internas,seja por ataques de grupos pré-estatais —, se desintegrado em unidades de integração
menores. Na Europa medieval, os comandantes militares dos Estados cristãos, frouxamente unificados por sua filiação à Igreja governada pelo papa,
conseguiram conter os ataques de outros grupos. Que o tenham conseguido
foi uma das condições para a formação de unidades maiores de integração
estatal em solo europeu. Da mesma forma,foi uma das condições para aquilo
que designamos como "desenvolvimento econômico" da Europa e foi, ao
mesmo tempo, reciprocamente determinado por ele.
Em todos esses casos, os processos de diferenciação e os processos de
integração
em outras palavras: processos de divisão funcional e processos
i
de formação do Estado — estão em relação de complementaridade. Um é
bloqueado, caso o outro não alcance o mesmo estágio. Uma prova disso é o
movimento de retrocesso na Antigüidade tardia ocidental. Diminuição da
divisão funcional, portanto regressão "econômica", e desintegração do
Estado andam de mãos dadas.5 É totalmente fora de propósito postular teoricamente que um desses aspectos processuais tenha primazia sobre o outro.
Uma outra dessas tendências não-planejadas de longo prazo é a mudança
das normas sociais de comportamento — ou seja, daquilo que é socialmente
permitido, exigido e proibido — e a mudança correspondente das estruturas sociais da personalidade, na direção de uma crescente civilização dos sentimentos e dos comportamentos humanos. Para uma explicação provisória
desse conceito pode-se dizer que em qualquer uma das sociedades conhecidas por nós há padrões e equilíbrios específicos da relação de impulsos pulsionais e impulsos afetivos, de sua regulação social e de sua auto-regulação
individual. Pertence às peculiaridades estruturais de um desenvolvimento
na direção de uma civilização avançada, por exemplo, um incremento do
peso da auto-regulação em relação à regulação por um estranho; portanto,
também, do peso da ansiedade autogerada em relação ao medo dos outros
como meio regulatório; também pertence a essas peculiaridades a transformação em direção a uma auto-regulação mais abrangente, mais equilibrada
e, acima de tudo, também mais moderada e suave, por parte dos seres humanos singulares; por outras palavras, em direção a uma auto-regulação que
fique a meio caminho entre os extremos das autocoações frouxas e rígidas.
Mesmo essa tendência de longo prazo não se mantém sozinha. Assim
como os processos de divisão funcional e de formação do Estado só podem
ser compreendidos como processos complementares, também os processos
civilizatórios só serão compreendidos e explicados como processos complementares a essas outras tendências.Assim, por exemplo, o desenvolvimento
da sociedade na direção de um monopólio mais estável da força física e um
monopólio fiscal correspondente é pré-requisito para o desenvolvimento
das estruturas sociais da personalidade na direção de uma crescente civilização do sentimento e do comportamento, e sem esse desenvolvimento
aquele outro não pode durar.
Uma outra tendência de longo prazo desse tipo é o progressivo ajuste
dos meios de orientação humanos àquilo que eles simbolizam — ou seja,dos
símbolos que servem aos seres humanos simultaneamente como meios de
comunicação, orientação e controle.Também os processos não-planejados
de formação de capital e seu ritmo de desenvolvimento de longo prazo em
diferentes sociedades fazem parte do mesmo nexo.
Poder-se-ia dar outros exemplos dessas tendências de longo prazo.Todas
elas estão entrelaçadas entre si. Elas têm em comum o fato de caminharem em
uma direção determinada, de forma não-planejada, por muitos séculos. Mas
deve-se acrescentar que cada uma dessas tendências está sempre ligada a tendências contrárias. Podem se manter dominantes por um longo tempo; então,
uma contratendência pode se impor parcial ou completamente. Justamente
nesses casos de inversão pode-se reconhecer em que medida as várias tendências aqui mencionadas estão conectadas entre si. Nenhuma delas obtém uma
primazia absoluta como fundamento ou força motriz de todas as outras. O
desenvolvimento tardio do Império Romano do Ocidente e a transformação
de seus Estados sucessores em sociedades feudais o demonstram claramente.
Aqui, o que é geralmente designado como "declínio econômico"—dito de
maneira mais geral: o encolhimento do número total de funções especializadas
— anda de mãos dadas com o desmoronamento do monopólio central do
Estado sobre os impostos e a coação física, com o afrouxamento da auto-regulação individual, com a intensificação do medo diante de outras forças (sejam
elas de natureza humana ou sobre-humana), com a redução de capital e com
o declínio dos meios de orientação (mencionados acima) em direção a conteúdos cada vez mais ligados à fantasia e cada vez menos ligados à realidade. É
quase impossível dizer que uma ou outra dessas tendências, consideradas em
si mesmas, tenha primazia. A conhecida distinção dualista de Marx de base e
superestrutura, com sua divisão parcial de importância, mostra-se duvidosa à
luz desse esboço de um modelo empírico-teórico de longo prazo.
O conceito de função complementar das diferentes transformações
totais de sociedades humanas, não-planejadas e de longo prazo,proporciona
uni enquadramento para investigações empíricas singulares, que podem, ao
mesmo tempo, testar a adequação desse enquadramento. Isso permite direcionar para águas mais navegáveis os esforços das ciências sociais, ameaçadas
de se petrificarem em dogmatismos de partidos e ideais políticos antagônicos. A tarefa que está diante de nós é investigar como ocorrem as transformações não-planejadas, mas direcionadas, das estruturas da sociedade e da
personalidade e como elas podem ser explicadas. Com isso, a função de uma
teoria da civilização é rapidamente circunscrita. Decerto é impossível querer compreendê-la enquanto não nos referirmos também às outras tendências de longo prazo que estão ligadas aos processos de civilização.
Nesse sentido, pode-se dizer que um entrelaçamento dos processos de longo
prazo não-planejados, mas explicáveis, constitui a infra-estrutura daquilo
que, hoje, denominamos "história". Em outras palavras: a coexistência casual
e não-estruturada de pessoas e eventos, que o historiador descreve em narrativas, desenrola-se no quadro de mudanças sociais estruturadas e de longo
prazo. Desenvolver modelos teóricos dessas mudanças estruturadas e direcionadas, embora não planejadas e sem finalidade, e fundamentá-los com
evidências mais abrangentes, permanece uma tarefa científica que, em
grande parte, ainda está diante de nós. Ela possui uma certa semelhança corn
a tarefa que Darwin, com sua teoria da evolução, ajudou a resolver decisivamente no domínio da biologia.Também nesse caso trata-se de uma desmitologização. Darwin conseguiu perceber o nexo de uma multiplicidade de
singularidades observáveis — entendidas anteriormente como direcionadas ideologicamente ou de modo metafísico como conseqüência de forças
vitais misteriosas — como processos cegos, não-planejados e sem finalidade,
mas não obstante direcionados e sem um fim predeterminado. Conseguiu,
acima de tudo, descobrir a dinâmica imanente dos processos que levam a
transformações não-planejadas e sem finalidade, mas direcionadas e estruturadas e que, quando conhecidas, podem ser explicadas.
Mutatis mutandis, ocorre algo similar com a reorientação na percepção
de mudanças sócio-históricas. Isso talvez possa ficar claro com um exemplo.Embora diga respeito a um conteúdo relativamente simples e.portanto,
simplifique a difícil questão acerca da explicação de processos que não são
planejados e, não obstante, são direcionados, ele ajuda a aguçar o olhar para
o problema e sugere a razão do possível valor da analogia com a reorientação representada por Darwin.
Nos últimos 52 anos o recorde mundial dos 5 mil metros caiu continuamente. Em 1924,o famoso Paavo Nurmi cobriu a distância em 14'28"2.
Em 1965, o recorde estava em 13'24"2. A redução do recorde,ou seja,o progresso, deu-se de maneira continuada, embora passo a passo. A seguir, uma
lista dos recordes mundiais para os 5 mil metros durante o período:
1924
1932
1939
1942
1954
1954
1954
1954
1955
14'28"2
14'17"0
14'08"8
13'58"2
13'57"2
13'56"6
13'51"6
13'51"2
13'50"8
Nurmi, Finlândia
Lehtinen, Finlândia
Máki, Finlândia
Hágg, Suécia
Zatopek,Tchecoslováquia
Kuz,URSS
Chataway, Grã-Bretanha
Kuz,URSS
Iharos, Hungria
1955
1955
1956
1957
1965
1965
1965
1965
1966
1972
1972
13'46"8
13'40"6
13'36"8
13'35"0
13'34"8
13'33"6
13'25"8
13'24"2
13'16"6
13'16"4
13'13"0
Kuz,URSS
Iharos, Hungria
Pirie, Grã-Bretanha
Kuz,URSS
Clarke, Austrália
Clarke, Austrália
Clarke, Austrália
Keino, Quênia
Clarke, Austrália
Viren, Finlândia
Puttemans, Bélgica
Poderíamos elaborar listas similares para outros esportes, que demonstrariam melhoras mensuráveis dos recordes mundiais.
Temos aqui um pequeno modelo simplificado de um desenvolvimento direcionado. Ele deixa muitas questões em aberto, mas, ao mesmo
tempo, esclarece alguns aspectos de uma transformação não-planejada,
embora estruturada. Poderíamos perguntar, por exemplo, por que o "progresso", aqui, se dá em passos relativamente pequenos. Por que Zatopek
correu apenas um segundo mais rápido que seu precursor e não tentou logo
o recorde mundial de 1972? Poderíamos perguntar — e a pergunta de fato
foi levantada: se Nurmi estivesse vivo, estaria em condições de concorrer
com os recordistas de hoje? Se respondermos positivamente, então levantamos uma outra questão: por que eleja não levou, em 1924, o recorde
mundial nos 5 mil metros aos níveis atuais? É certo que os métodos de treinamento melhoraram. Mas eles, assim como o próprio recorde, também
mudaram sob a pressão da mesma ordenação diacrônica seriada. O resultado de Nurmi em 1924 foi considerado por seus contemporâneos como
algo absolutamente extraordinário. Em seu caso — assim como no de todos
os outros atletas e seus treinadores — todas as energias estavam dirigidas
para quebrar o recorde mundial existente. Esse era o problema que se colocava. Resolvê-lo já era, a seu tempo, suficientemente difícil. Esforçar-se
para muito além dos padrões sociais da própria época é difícil, pois não faz
sentido para os seres humanos envolvidos. Mesmo o melhor resultado singular é um grande resultado no âmbito de um parâmetro social dado. Os
seres humanos — não apenas como singulares concorrentes, mas também
como grupos concorrentes — medem os objetivos que perseguem por
esses parâmetros. A própria'quebra do recorde mundial representa a
mudança do parâmetro social no curso das gerações.Ela mostra bem clara-
mente como é falso atribuir aos seres humanos de um estágio anterior de
desenvolvimento um valor humano menor do que aos de um estágio posterior. Nurmi não tinha menos "valor" — não era "menor" — do que
Zapotek, Pirie ou Keino. Cada um desses homens, ao competir com os
outros, movia os parâmetros sociais, ou seja, as tarefas que a próxima geração teria de realixar, um pouco mais adiante. Sem esse progressivo movimento para a frente, os movimentos das gerações seguintes não seriam
possíveis. O esporte, além disso, dá lugar à suposição de que alguém que
ultrapassa em muito os recordes mundiais existentes, portanto que se distancia demais do âmbito comunicativo de seus rivais, corre o risco de
matar o esporte.
As comparações deixam a desejar. A série de recordes mundiais é,
como foi dito, um exemplo simplificador; ele tem características que faltam em outros casos. Mas, ao mesmo tempo, mostra bem claramente de
que maneira uma mudança não-planejada de longo prazo dos parâmetros
sociais em uma direção determinada pode resultar das relações de tensão
de muitos seres humanos singulares que, em suas ações, estão orientados
para planos e objetivos de curto prazo. Para dizer de maneira sumarizada:
quer saibam ou não, os seres humanos, como singulares e como grupos,
estão sempre diante de determinados problemas não-resolvidos. Enquanto não conseguirem resolver as questões de uma geração de problemas, não podem passar para a próxima geração de problemas. Em outras
palavras, há uma seqüência diacrônica na colocação e resolução de problemas, quer se trate de problemas da prática social ou teórico-científicos.
Poderíamos pensar que a luta de poder continuada de grupos sociais,
assim como a de indivíduos, impulsiona rumo à solução de problemas da
geração atual de problemas, e que essa lógica sem finalidade, ao longo de gerações, conduz àquelas transformações de longo prazo não-planejadas,
mas direcionadas, dos parâmetros sociais, a que se alude por meio de conceitos como "processos sociais" ou "desenvolvimento social".
Mas isso nos obriga a uma outra investigação. Para começar, basta conduzir o conceito de processo social, como um instrumento imprescindível
da sociologia, a seu lugar de direito. No fogo cruzado entre os que vêem as
mudanças da vida social em comum dos seres humanos apenas como "história" sem estrutura e aqueles que a consideram apenas teleologicamente,
isto é, como mudanças predeterminadas por uma finalidade específica,
facilmente se perde a vontade de romper as barreiras dessa comunidade de
argumentação.
As dificuldades que a percepção de processos sociais de longo prazo
— e, para dizer de maneira geral, de um desenvolvimento da sociedade
— encontra atualmente têm um certo parentesco com as dificuldades
que se opunham à percepção de um desenvolvimento biológico no
tempo de Lamarck e Darwin. Elas foram assim descritas:
Após 1800, a ciência das manifestações de vida saiu da fase da especulação para
entrar na fase das preocupações em torno de um pensamento e de um trabalho
analítico-causal. Como, no entanto, a idéia de um desenvolvimento geral dos
seres vivos estava próxima das idéias hierárquicas e especulativas do século
XVIII e, também, fora tomada da filosofia romântica da natureza ..., ela parecia
suspeita aos modernos pesquisadores de então. Por essa razão há poucos escritos, nos anos que vão de 1809 a 1859, nos quais as idéias de evolução encontram
expressão.6
Com o tabu que pesa sobre o uso de conceitos como "progresso" e
"desenvolvimento" ocorre algo similar. Eles caíram em desgraça por sua
ligação com as idéias especulativas do desenvolvimento da sociedade e do
automatismo do progresso que passaram ao primeiro plano no século XVIII
e que desde então foram representadas com grande regularidade por portavozes de grupos de outsiders ascendentes, inicialmente pelos grupos da burguesia, depois pelos grupos do operariado e, hoje, também pelas nações outsiders ascendentes. Assim como, na reação contra as idéias metafísicas e
românticas acerca do desenvolvimento biológico, todo o pensamento sobre
tal desenvolvimento foi repudiado, até Darwin libertar essa idéia de suas
associações teleológicas e metafísicas, também hoj e a reação contra o uso dos
conceitos de progresso e desenvolvimento nas ciências da sociedade ultrapassou em muito o seu alvo. É necessário um esforço renovado para tornar
perceptível que também no desenvolvimento da sociedade e nos progressos
comprováveis da humanidade se trata de processos sem finalidade, mas
explicáveis.
Darwin retirou do conceito de escala de desenvolvimento biológico o
sabor emocionalmente satisfatório que ele possuía por representar para os
seres humanos uma mudança involuntariamente orientada como uma
transformação plena de sentido e objetivo.Era significativo e lisonjeiro para
os seres humanos que toda a escala evolutiva estivesse direcionada para eles
mesmos como o estágio mais alto. A longa e dura oposição à concepção de
Darwin de um processo evolutivo, especialmente à idéia da ascendência dos
seres humanos de antecessores similares a macacos, deve-se sobretudo ao
fato de sua inovação intelectual^- assim como as de Copérnico, Marx,
Freud e outros grandes inovadores na ciência — contrariar profundamente
sentimentos e desejos dos seres humanos de seu tempo. Cada uma dessas
inovações significava uma profunda ofensa narcísica — a inovação de
Darwin sobretudo por ter posto fim à idéia de que os seres humanos eram
a finalidade última do desenvolvimento biológico e, em vez disso, ter priorizado o problema da explicação da seqüência, totalmente não-teleológica,
das mudanças biológicas. A perda na satisfação da fantasia foi compensada,
dessa forma, por um ganho de orientação realista. Em escala menor, aconteceu algo semelhante quando, em vez da crença apaziguadora em um
desenvolvimento predeterminado da sociedade na direção daquilo que, no
sentido dos próprios ideais, é considerado como progresso, foi colocada no
centro das atenções a pergunta pela explicação de processos sociais de
longo prazo — de processos que, embora sob muitos aspectos cegos e nãoplanejados, conduziram a progressos comprovaveis. Aqui precisamos nos
contentar com a suposição de que progressos não-planejados de longo
prazo — que podem ser observados no decorrer do desenvolvimento da
sociedade tanto no domínio dos controles da natureza como no da organização social — podem ser explicados pelas vantagens que as inovações progressivas, vistas de uma perspectiva de longo prazo, podem oferecer às
sociedades que as utilizam em suas lutas de poder e, muitas vezes, em suas
lutas de sobrevivência com sociedades rivais.*
Com isso se chega, ao mesmo tempo, mais perto da solução de uma
antiga questão, que talvez ainda não tenha sido reconhecida de maneira
* Pense-se, por exemplo, naquilo que muito toscamente designamos como a disseminação da
agricultura das velhas sociedades estatais do "Oriente Próximo" aos povos nômades do continente europeu. Aqueles dentre esses povos que, ao longo das gerações, se apropriaram da agricultura, ganharam com isso a possibilidade de um suprimento regular de alimentos e de um
padrão de vida mais elevado. Mas quando se lembra de um desenvolvimento da sociedade como
esse, nem sempre se exprime com clareza suficiente quantas lutas precisaram ser travadas tanto
no interior das sociedades em transformação de caçadores e coletores como entre elas e outras
sociedades concorrentes,até que as sociedades de agricultura se tornassem dominantes. O exemplo é útil porque lembra que o conceito de desenvolvimento da sociedade, que parece tão claro,
freqüentemente faz esquecer as lutas de poder e de sobrevivência que impulsionam esse desenvolvimento.
Com isto não se está dizendo que todo o desenvolvimento no futuro precise necessariamente
transcorrer dessa forma, ou seja, em conexão com lutas de sobrevivência. Essa forma cega do
progresso da humanidade realiza-se com muitos reveses, por muitos caminhos tortuosos, e é
extremamente perdulária de vidas e de sentidos.Justamente o conhecimento do processo nãoplanejado, cego e dispendioso do desenvolvimento da sociedade coloca no centro das atenções
o problema de se os seres humanos estão em condições de encontrar caminhos para o progresso
que não custem tantas vidas.
suficientemente clara como problema. Ela encontrou expressão têmpora
na idéia de Hegel da "astúcia da razão". Encontrou outra formulação na
idéia de Marx de que o desenvolvimento da sociedade precisa correr, por
assim dizer, por cima da consciência dos seres humanos e da direção desejada e demandada por eles. Em ambos os casos reconhece-se que, por trás
de todos os planos, se realiza um desenvolvimento não-planejado, mas
supõe-se implicitamente que se trata de um desenvolvimento (no entender dos seres humanos) racional, com uma finalidade e um sentido.
Recentemente, tem se falado muito das conseqüências não-planejadas e
involuntárias de ações humanas planejadas e intencionais. Mas essa e outras
observações afins, de que o desenvolvimento efetivo da sociedade diverge
praticamente sempre do desenvolvimento de curto prazo planejado e
intencionado pelos seres humanos,no fundo descarta esse fenômeno como
algo misterioso e não mais passível de explicação. O "como" e o "porquê"
de tais desvios — sua estrutura — permanecem obscuros. O insight empírico-teórico de que todo planejamento de curto prazo é influenciado por
processos não-planejados de longo prazo ilumina o obscuro.Ele torna claro
que o desenvolvimento não-planejado, que sempre conduz as ações humanas planej adas por caminhos involuntários, é estruturado e, portanto, explicável. Isso pode se tornar acessível ao conhecimento por meio de pesquisa
sistemática dos processos não-planejados de longo prazo e poderá, então, ser
levado em conta, como jamais o fora, no próprio planejamento. Dessa
forma, não será mais preciso se contentar com tiradas délfícas como "astúcia
da razão" ou "conseqüências involuntárias de ações humanas voluntárias".
notas
flpresentação
1.
2.
Contudo, AlfredWeber só pôde publicar o programa após a guerra, em 1920,
em seu texto "Prinzipielles zur Kultursoziologie (Gesellschaftsprozess,
Zivilisationsprozess und Kulturbewegung)" ["Notas de princípio sobre a
sociologia da cultura (processo social, processo de civilização e movimento
cultural) "],ArchivfürSozialwissenschaft und Sozialpolitik, vol.47,1920/1921,
p.1-49.
Ed. bras.: O processo civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2 vols., 1990,
3.
1993.)
Cf. Ferdinand Tõnnies, Kritik der qffentlichen Meinung [Crítica da opinião
pública]. Berlim, Springer, 1922.
4.
Cf. Max Weber, "Sociologia da imprensa: um programa de pesquisa" (ed.
5.
6.
7.
8.
bras.: Lua Nora, 55-56, São Paulo,2002 [l910]).
Que oferecem um complemento valioso aos seus estudos sobre Os alemães,
assim como com o texto introdutório de A busca da exátação. Cf. N. Elias,
Os alemães. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, e N. Elias e E. Dunning,^4
busca da excitação. Lisboa, Difel, 1992.
Norbert Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
Isto é, citando o mais eminente sociólogo inglês da época em um trabalho
sobre um "pai" da sociologia inglesa.
Cf.Michael Schrõter,Erfahrungen mit Norbert Elias [Experiências com Norbert
Elias]. Frankfurt am Main, Suhlíkamp, 1997.
15. Relatório deJohnWinter em E.G.R.Taylor,"More Light on Drake", Maríner's
Mirror, abril de 1930, p. 149.
16. Idem.
17. Declaração de Nuno da Silva, citada em Zelia Nuttall, New Light on Drake, 15771580, Londres, 1914.
18. Idem.
19. Idem.
20. Idem.
21. Declaração de Edward Cliff, citada em HarringtonWilliamson, The Age ofDrake,
Londres, p. 185 [provavelmente trata-se de um erro de referência de Elias, que
pretendia mencionar a obra e o autor citados na nota 3, acima (N.T.)].
22. Esses estudos são baseados em pesquisa feita há alguns anos pela Social Research
Division da London School ofEconomics. Agradeço imensamente a H.L.
Beales por seus conselhos e incentivo.
23. A.M. Carr-Sauders e P.A.Wilson, The Professions, Oxford, 1933,p.297, onde esta
interdependência foi observada, embora com grande ênfase num fator: o progresso da pesquisa.
24. M. Ginsberg,"The Work of L.T. Hobhouse", inJ.A. Hobson e M. Ginsberg, L. T.
Hobhouse: His Life and Work, Londres, 1931, p.!58:"O método mais comum de
operação em grandes grupos é estritamente comparável ao que em psicologia se
chama tentativa e erro. A acomodação de propósitos parciais uns aos outros —
sua inter-relação e sua correlação — é feita por meio de uma série de esforços de
ajustamento nos quais o observador externo pode por acaso detectar um princípio que os próprios agentes não poderiam formular. Há, em suma, um ajustamento ponto por ponto.mas não existe um objetivo abrangente ou que seja resultado de um acordo."
25. SirWilliam Monson, NavalTracts, org. por M. Oppenheim, 1913, vol.IV,p. 14.
26. Ibid.,p.l5.
27. Monson, Naval Tracts, vol. IV, p. 24.
28. Monson,NavalTracts,vol.IV,p.!4.
29. G.Pepys,NíiVíj/M/«Míes,org.porJ.R.Tanner,N.R.S., 1926,p.ll9.
30. Pepys, TangierPapers,org.porEdw.Chappell,N.R.S., 1933,p.l35.
31. Ramblin''Jack, the Journal of Captain John Cremer, 1700-1774, Londres, 1936,
p.45ss.
32. Journal ofEdw. Barlow, compilado por B. Lubbock, 1934, II, 328.
33. G.Penn,Memorialsof the Professional Life andTimesofSirWilliamPenn,1833,vol.l,
1 Conceitos sociológicos fundamentais
1.
2.
Norbert Elias. Über den Prozess der Zivilization. Soziogenetische undpsychogenetische
Untersuchungen,2 vols.,1939 (ed.bras.: O processo civilizador.I^io de Janeiro Jorge
Zahar,2vols.,1990,1993).
Idem.
2 TGcnizaçãoeciuilização
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Para o sentido específico em que esse termo é usado aqui, ver Norbert Elias, Über
den Prozess der Zivilization. Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen, 2
vols., 1939 (ed. bras.: O processo civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2 vols.,
1990,1993).
Robert Lacey. Ford:The Man and the Machine, Londres, Heinemann, 1986, p.36.
Ibid.,p.86.
O. Billian, Beherrsche den Verkehr, Zurique, Muller, 1976, p.21.
C.L. Mowat (org.), The New Cambridge Modem History, vol. 12: The Era of
Violence, Cambridge, Cambridge University Press, 1960,p.276.
Ver Norbert Elias,"Scientific Establishments" (1982,p.3-69) [ver também a discussão de Elias sobre o "processo-redução" (Zustandreduktiorí) na conceituação
científica social, em Introdução à sociologia (1978, p. 11 Iss)].
3 Estudos sobre a gênese da profissão naual
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
E.G.R.Taylor,"More Light on Drake", Mariner's Mirror, abril de 1930, p. 149ss.;
E.G.R.Taylor, "Master John Dee, Drake and the Straits of Anian", Mariner's
M!>ror,abrl929,p.l25ss.
J.A.WiUiamson, The Age of Drake. Londres, 1946, p.168.
WS.V. Vaux (org.), The World Encompassed by Francis Drake, op.cit.,p.!74.
Ibid.,p.l69.
WS.V. Vaux (org.), The World Encompassed by Francis Drake, op.cit.,p.!74.
A.E.W Mason, The Life of Francis Drake. Londres, 1941, p.5.
WS.V Vaux (org.), The World Encompassed by Francis Drake, op.cit., p.7.
Ibid.,p.215.
Corbett, Drake and theTuâor Navy, op.cit., Parte I,p.223.
J.D. Upcott, Three Voyages of Drake. Londres, 1936, p.5, nota l.
WS.V Vaux (org.), The World Encompassed by Francis Drake, op.cit.,p.192.
Corbett, Drake andtheTudor Navy, op. cit., p. 223.
WS.V. Vaux (org.), The World Encompassed by Francis Drake, op.cit., p. 125.
14. "Certain Speeches Used by Thomas Doughty Aboard, of the Flyboat in the
Hearing of Mejohn Sarocold and Others", in WS.V. Vaux (org.), The World
Encompassed by Francis Drake, op.cit.,p.!66ss.
J
p.3.
34. Verbete em Dictionary of National Biography.
35. G. Penn, Memória/s, op.cit., p.5.
36. Pepys, Tangier Papers, op.cit.,p.288.
37. Journal ofEdw. Barlow, compilado por B. Lubbock, 1934.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
1640-88.
1650(?)-1710.
Charnock, Biographia Navalis, 1794,vol.II.p.105.
Biographia Britannica, 1747,vol.I,p.l79.
Dictionary of National Biography.
Campbell, Lives oftheAdmirais, 1750,vol. IV,p.234.
44.
45.
46.
47.
48.
49.
50.
51.
1560-92.
Life ofthe British Admirais, vol.I.
J.Charnock,Biographia Navalis,vól.I,p.35.
1653-1727.
1654-1710.
Czmpbeti, Life of the Admimls,l75Q,vo\.m,p.279{.
Pepys, TangierPapers,N.It.S., 1935,p.l21.
SirWilliam Monson, NavalTracts, org. por M. Oppenheim, N.R.S., 1902, vol.I,
General Introduction.
52. Pepys, Tangier Papers,N.K.S., 1935,p. 121.
53. Ibid.,p.7.
54. Ibid.,p.22.
i.
2.
3.
Habitais nacional e opinião pública
Norbert Elias refere-se à sua conferência "A opinião pública na Inglaterra",
seção l deste capítulo 4. (N.T.)
SundayTimes, 2.10.1960.
M. Abrams e R. Rose. Must Labour Lose?, Londres, Penguin Special, 1960.
5 Processos de formação de Estados e construção de nações
1.
2.
3.
4.
5.
Ver Norbert Elias, Über den Prozess der Zivilization. Soziogenetische undpsychogenetische Untersuchungen, 2 vols., 1939 (ed. bras.: O processo civilizador. Rio de
Janeirojorge Zahar, 2 vols., 1990,1993. Introdução à segunda edição).
Idem.
Ernest Renan, Qu'est-ce qu'une Nation?,Paris, 1882.
Ibid,p.2.
O sentido dado por Elias ao termo outsider (e, de forma mais geral, à figuração
estabelecidos-OMtsiám), pode-se ver em N. Elias e L. Scotson (1976-1994), The
Established and the Outsiders. A Sociológica! Enquiry into Community Problems.
Londres: Sage (ed. bras.: Os estabelecidos e os outsiders:.sociologia das relações de poder
apartirde umapequena comunidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000).
e Sobre a sociogênese do economiae da sociologia
1. Du Pont de Nemours, Phisiocratie, 1767, p.LXXIX.
2. J.S.Miü,Principies ofPoliticalEconotny,Londres: 1857, vol.l,iii, I §5.
J Para a fundamentação de uma teoria dos processos sociais
1.
2.
3.
4.
Agradeço imensamente a Michael Schrõter, com quem discuti as idéias desse
artigo, por sua ajuda na elaboração do texto.
Ver por exemplo Popper, que afirma: "History, i.e. the description of change"
(K.R.Popper, The Poverty ofHistoricism. Londres, Routledge & Kegan Paul, 1957,
p.53). Aí também se encontra a afirmação, não devidamente fundamentada, de
que perguntas pela origem não são, na ciência, particularmente relevantes.
Cf. por exemplo G. Friedman, Lê tmvail en miettes, Paris, 1957.
Dentre as poucas, e até agora melhores, contribuições ao problema da divisão de trabalho, no sentido de um processo social comprovável empiricamente, está
' 'Arbeitsteilung und Soziale Klassenbildung'', a aula inaugural que Karl Bücher proferiu, em 1892, por ocasião de sua nomeação para a cátedra de estatística e economia
nacional, em Leipzig. Ela foi republicada, em versão aumentada, em sua conhecida
antologia de ensaios Die Entstehung derVolkswirtschaft. Vortrãge undAufsatze (1a série,
14a e 15a eds.,Tübingen, Laupp, 1920) e, em sua versão original, em 1946 (in A.
Skalweit [org.], SozialõkonomischeTexte. Frankfurt, V Klostermann, 1946, n2 6).As
citações que se seguem podem ser encontradas nas páginas dadas dessa edição.
Bücher permanece, até certo ponto, ainda preso ao conceito estrito de divisão de trabalho, no sentido da tradição da economia nacional, mas já está em vias
de o transformar no conceito sociológico mais abrangente do processo de crescente divisão social de funções. Por conseguintejá reconhece inequivocamente
a ordem e a direção não-planejadas da seqüência diacrônica que são assinaladas,
no texto, dentre outras formas, pelo conceito de infra-estrutura da história; ele
as designa como a"ossatura da economia nacional" (p. 5):"A verdade", escreve
ele,"é que os fenômenos mais importantes da economia nacional, em sua forma
e resultados atuais, são determinados pela divisão de trabalho; ela.por assim dizer,
fornece a ossatura que sustenta o organismo da economia nacional."
Do mesmo modojá reconhece que o número das designações profissionais
pode servir como um critério simples para a extensão da diferenciação social, e
que não basta absolutamente limitá-las às especializações econômicas.
Entretanto, em termos terminológicos e conceituais, ele também pernianece
preso à sua própria tradição de especialista. Ainda assim, suas provas ilustram de
maneira muito evidente o que foi dito aqui sobre o número total dos graptf8 f un ~
cionais diferenciados segundo os nomes como critério da diferenciação social.
Eis um exemplo (p.26, nota 4):
238
i
De 1882
até 1907,
o iiuu.iJ-^n-'
número «x.
de ^w-ji^í.-.iAy
designações
-i_yc
100^1 clLC
l y\j l, Li
vi_^ profissionais
j^iw.L.i.Ljjiv^iiwi.j na estatística das
profissões na Alemanha aumentou em 7489. Elas totalizavam:
•5.
Segundo as repartições profissionais:
S
Segundo o censo profissional de:
1882 1895
1907
Agricultura, jardinagem, criação de animais,
süvicultura, pesca
352
465
881
Construção em geral, indústria, arquitetura
2.661
5.406
7.616
Serviço público, militar, religioso e
profissões liberais
1.876
2.079
2.484
ca
co
'g
5.
6.
•
Este excerto das tabelas de Bücher pode servir aqui como um pequeno exemplo para elucidar o problema dos processos orientados de modo não-planejado
e um dos métodos para a determinação de tais processos. A tarefa sociológica é
perseguir e investigar essa e outras tendências de longo prazo até o presente e,
tanto quanto as fontes o permitirem, até o passado mais distante; e também buscar explicação para a continuidade duradoura da dominância de tal tendência
não-planejada, que se mantém — apesar de todas as interrupções e os recuos,
apesar da dominância temporária das contratendências, que sempre existem —
até hoje na humanidade. Só quando se possuir uni modelo teórico mais adequado do arcabouço geral desses processos sociais de longo prazo, que atue como
quadro de referência dado e seguro para a investigação de eventos e pessoas históricas específicas, assim como para o planejamento de curto prazo de ações e
projetos contemporâneos, só então se pode esperar levar o desenvolvimento das
ciências humanas e sua aplicação na prática social a um curso mais seguro.
Um modelo empírico-teórico de processos de integração postos novamente em
movimento no início da Idade Média e um esclarecimento da dinâmica imanente
de tais processos de formação do Estado é encontrado em Norbert Elias, Über den
Prozess der Zwilization. Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen, 2 vols,
1939 (ed. bras.: O processo ávilizador,Rj.o de Janeiro, Jorge Zahar, 2 vols., 1990,
1993). O primeiro volume contém, entre outros, comprovações da tendência
civilizatória de mudança das normas de comportamento e da personalidade.
H. Querner,"Die Entdeckung Darwins",in H. Querner et ai., Vom Ursprungder
Arten. Neue Erkenntnisse und Perspektiven der Abstammungslehre. Reinbeck,
Rowohlt,1975,p.48.
'
eco
Norbert Elias esteve sempre atento
ao presente dos fatos que estudava,
mas a lucidez de seu prisma sociológico permite-nos reconhecer uma
mesma humanidade nas modulações
desse tempo e nas incertezas do nosso
- aparentemente tão pouco propício
a formas mais humanas de convívio
social.
NORBERT ELIAS, um dos sociólogos de
.' - ,,/•"./
maior destaque no século XX, nasceu
em Breslau em 1897 e morreu em
Amsterdã em 1990, Formado pelas
universidades de Breslau e Heidelberg,
lecionou na Universidade de Leicester
(1945-62) e foi professor visitante na
Alemanha, Holanda e Gana. O reconhecimento tardio veio apenas aos
\70 anos, com a publicação de A sociedade de corte.
Este liuro foi composto pela Futura, em Bembo e QhutsdahK,
e Impresso por Bartira em abril de 2006.
l
Np Brasil sua obra tem sido publicada
por essa editora, com grande receptividade do publico leitor: Os alemães;
Os estabelecidos e os outsiders;
Mozart: sociologia de um gênio;
Norbert Elias por e/e mesmo; A peregrinação de Watteau à ilha do amor;
O processo civilizador (2 vols.); Sobre
o tempo; A sociedade de corte; A
sociedade dos indivíduos; e A solidão

Documentos relacionados