DE OLHO NO ECA

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DE OLHO NO ECA
DE OLHO NO ECA
Por Pedro Couto
Esqueceram-se do ensino médio no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? Há
quem se pergunte isso. Apesar de o termo "ensino médio" aparecer uma única vez no
texto do Estatuto, isto não quer dizer que tal período da educação seja desconsiderado,
ou mesmo deixado de lado pela legislação. Em todo o Estatuto, a exclusiva referência
ao EM consta do capítulo IV, que, entre outras coisas, dispõe sobre o direito à educação.
"Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: (...) II - progressiva
extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; (...)".
A aparição do EM na lei é importante na medida em que debate uma questão
fundamental: a obrigatoriedade e gratuidade do EM. É indiscutível confirmar a
relevância de um pequenino inciso que, progressivamente, propõe-se a estender a
escolaridade dos adolescentes brasileiros. Melhor ainda é saber que o que já figurava no
ECA foi ampliado por uma Emenda Constitucional (EC) ano passado. A EC nº 59/2009
definiu, de fato, a obrigatoriedade da educação básica (que é a soma da educação
infantil, ensino fundamental e médio). Agora, o ensino médio também é obrigatório.
Apesar disso tudo (e olha que é muita coisa), é possível que a relação principal do EM
com o ECA resida em uma autêntica potencialidade de protagonismo. O EM é um
espaço privilegiado para se pensar o protagonismo juvenil e, portanto, o próprio
paradigma de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos (somado, também, à
proteção integral). É nas escolas de EM que, geralmente, consolida-se o exercício de
participação e protagonismo: seja na formação de grêmios estudantis ou mesmo nas
inquietações dos adolescentes no universo da escola ou da própria comunidade; seja nas
insatisfações com um sistema educacional que geralmente é dado de antemão, sem lugar
para a conversa com os jovens. Muitas vezes é no EM que os adolescentes se organizam
para exigir a prioridade na formulação e execução de políticas públicas (e, naturalmente,
investimentos no orçamento público) que lhes é de direito.
Há certamente uma qualidade de diálogo no Estatuto que é, sem dúvida, um desafio no
universo escolar brasileiro. Para uma pedagogia dialógica, é indispensável que os
estudantes se identifiquem enquanto sujeitos protagonistas e ativos de suas próprias
vidas. O diálogo deve ser priorizado nas relações entre os adolescentes e os membros de
suas escolas e comunidade (e não apenas aí) — mesmo que aquele gere tensões e
conflitos. Mesmo que perturbe e incomode, o diálogo deve ser promovido.
À criança e ao adolescente foi reservado um autêntico papel de protagonismo. E no EM,
esse protagonismo pode se maximizar e atingir significativa potencialidade. Deixemos
ressoar os ecos do ECA: o diálogo e o paradigma de que os adolescentes vivam suas
vidas com liberdade e conscientes de sua condição de sujeitos de direitos. Não é porque
o EM é citado apenas uma vez no Estatuto que ele não seja considerado
apropriadamente. O EM está lá no ECA, singelamente, entretanto, permeando toda uma
filosofia de protagonismo e participação.

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