Psicanálise e psicosomática
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Psicanálise e psicosomática
www.franklingoldgrub.com O Neurônio Tagarela franklin goldgrub Capítulo V Psicanálise e psicosomática Se os capítulos anteriores descreveram a incursão organicista em território psicológico, será preciso agora considerar um campo onde se apresenta a situação simetricamente inversa. Efetivamente, o estado atual do problema mente-corpo pode ser ilustrado pela metáfora do túnel escavado simultaneamente a partir de direções opostas. De um lado, a psiquiatria biológica procura estender sua jurisdição à histeria e à fobia, rebatizadas de síndrome do pânico, enquanto simultaneamente coloniza a neurose obsessiva (TOC) e reafirma com ênfase crescente sua soberania sobre as psicoses; de outro, o desenvolvimento em ritmo acelerado da psicosomática ilustra a crescente participação da psicologia na esfera da patologia, até então reservada exclusivamente à medicina. Ambos os processos atestam profundas modificações impostas à cartografia cartesiana, que no século XVII havia instituído a distinção entre res extensa e res cogitans. Lenta mas inexoravelmente, a separação estanque entre matéria e espírito cedeu ao trânsito fronteiriço, marcado por intercâmbios e invasões, situações de cooperação (na prática) e de conflito (na teoria). O século XX testemunhou o retorno do caos ao universo tão bem organizado pelo racionalismo. Poucas posições filosóficas foram tão vituperadas quanto o dualismo cartesiano, mas até agora nenhuma outra maneira de enquadrar o enigma da relação mente/corpo sequer se aproximou da sua clareza e precisão, hoje irremediavelmente perdidas. O debate fundamental, como sempre, ocorre em terreno epistemológico-ontológico, onde se repete insistentemente a interrogação sobre a natureza desse ser sui generis que fantasia, alucina, delira e ao mesmo tempo sabe navegar em pós, gotas e vapores até os portos da vertigem. Com relação aos progressos da psiquiatria biológica, os historiadores estão de acordo em atribuí-la à revolução farmacológica, cujo marco inicial é constituído pelo trabalho de Laborit, Delay e Denniker.[1] Laborit, cirurgião que buscava o calmante capaz de diminuir os efeitos do choque pós-operatório mantendo simultaneamente o paciente em vigília, não apenas presenteou a psiquiatria com um remédio eficaz mas em acréscimo abriu caminho para um novo campo, o da bioquímica psiquiátrica. Na esteira dessa primeira encomenda, os laboratórios sintetizaram e testaram outras famílias moleculares. O êxito dos primeiros psicotrópicos desenvolvidos precipuamente para alterar os estados de humor, por inibição ou estimulação, apoiaram a suposição de que os estados orgânicos influenciam as emoções e o pensamento. Não muito tempo depois, a pesquisa neurológica identificou, no sistema nervoso central, substâncias naturais com estrutura e função semelhantes às das fórmulas laboratoriais, o que foi interpretado como uma confirmação crucial do enfoque organicista. A bioquímica passou a ver seu próprio reflexo no espelho da natureza, e daí a concluir que a emoção e o pensamento constituem epifenômenos do funcionamento cerebral tanto quanto a circulação, a respiração e a digestão são funções dos respectivos órgãos, não foi mais do que um passo. Quanto à psicosomática, termo cunhado por Heinroth no início do século XIX e que teve em Groddeck seu primeiro arauto [2] ,começou a ser sistematizada na mesma época em que se iniciava a revolução farmacológica. O conceito "síndrome de adaptação geral", proposto por Hans Selye em seu livro The general adaptation syndrome and the disease of adaptation, de 1946, confere cidadania científica às intuições que Groddeck havia avançado em seu Livro d'Isso (1923).[3] Em decorrência, surge a noção de stress, a partir da qual condições patológicas antes tidas como exclusivamente orgânicas passaram a ser lidas com o auxílio da lente psicológica. Há muito se conhecia o papel desencadeante do componente emocional em crises cardíacas, respiratórias e gástricas, o que deu lugar à justificada suspeita acerca de sua presença em outras condições. Essas constatações iniciais prepararam o terreno para que a psicosomática reivindicasse seu espaço na discussão etiológica e na prática clínica, onde a eficácia do fator psicológico foi comprovada através de experimentos feitos com placebos. Em suma, a constatação da influência dos estados afetivos e da sugestão sobre o organismo, tanto quanto o reconhecimento das alterações promovidas pelos psicotrópicos no intelecto e nas emoções, conduziu a uma nova abordagem da relação mente-corpo. Que os avanços da bioquímica e da psicosomática justifiquem uma reavaliação das relações entre o orgânico e o psíquico não resta a menor dúvida, mas o problema é que o fazem a partir de premissas totalmente opostas. Para desconforto dos cartesianos e dos reducionistas, as evidências disponíveis mostravam simultaneamente que o psicológico é suscetível ao bioquímico tanto quanto o visceral responde a estados afetivos. A solução pareceria favorecer a abordagem eclética que propõe a co-determinação dos referidos fatores. Do ponto de vista prático, efetivamente, nada impede a cooperação entre o psiquiatra e o psicólogo, o médico e o psicosomatista, muito pelo contrário. A epistemologia e a teoria, porém, não podem aceitar que questões tão cruciais como a da relação mente-corpo sejam decididas empiricamente. Desse ponto de vista, a oposição entre organicismo e psicogênese permanece, e a psiquiatria e a psicosomática de orientação psicanalítica se confrontam com a mesma pergunta, vista de uma perspectiva simetricamente inversa. No caso do organicismo, o desafio é explicar como neurotransmissores e receptores determinariam estados de humor ou pensamento, enquanto as teorias da psicogênese deveriam elucidar as razões pelas quais estados de humor e pensamento incidem sobre neurotransmissores, receptores e orgãos viscerais.Em acréscimo, e à maneira de uma contraprova, as neurociências ainda teriam a incumbência de entender, a partir da perspectiva organicista, a eficácia do psicológico, tanto quanto a psicanálise, reciprocamente, não poderia furtar-se a um esforço de compreensão acerca dos efeitos produzidos pelos psicotrópicos. Essas questões tem sido abordadas neste livro a partir do enfoque psicanalítico[4], mediante um conjunto de hipóteses dedicado à ação das drogas (psiquiátricas e de adição), hipóteses que serão estendidas aos fenômenos psicosomáticos. Preliminarmente, é necessário prevenir um possível mal-entendido, aludido no parágrafo anterior. No que se refere à prática clínica, psiquiatras, neurólogos, psicanalistas e psicosomaticistas têm tarefas urgentes a cumprir e se valem dos conhecimentos atualmente disponíveis para enfrentá-las, trabalho freqüentemente realizado em regime de cooperação. Esse estado de coisas, que beneficia os pacientes e reflete o declínio do sectarismo, tem tido porém um efeito colateral indesejável, o de direcionar a investigação teórica no rumo do ecletismo. O ecletismo visa legitimar-se mediante uma teorização fundada na equiparação do orgânico, do psicológico e do social. Seus representantes consideram que todo esforço teórico não preocupado em assegurar apriori a igual participação desses fatores peca por unilateralidade. A militância diplomática da abordagem eclética faz crer que o prosseguimento da discussão teórica prejudica a cooperação na clínica, argumento pelo qual a pesquisa é transformada em refém do acordo profissional. Contudo, pode-se reconhecer plenamente os benefícios decorrentes do apoio recíproco no terreno da prática, sem que por isso o conflito teórico deva (ou possa) ser ocultado. Em suma, são questões a serem tratadas de maneira independente, embora, a longo prazo, o avanço na compreensão da relação entre psique e soma certamente possa incidir sobre o relacionamento entre as áreas profissionais mencionadas. Sejam quais forem os progressos teóricos alcançados, certamente favorecerão a compreensão acerca dos alcances e limites das práticas atuais. Do ponto de vista teórico e epistemológico, o progresso do conhecimento não pode prescindir do confronto entre hipóteses antagônicas. Tal confronto, porém, longe de prejudicar o entendimento vigente, tem como contribuir, mediante o gradual esclarecimento dos impasses, para a ampliação do diálogo. Portanto, não há qualquer razão, quer científica ou prática, que desautorize o debate entre as hipóteses organicistas, psicanalíticas e sociológicas. A ciência sempre avançou a partir da comparação crítica entre teorias e paradigmas antagônicos. Desse ponto de vista, não deixa de ser estranho que a discussão em pauta seja constantemente colocada sob suspeita, propondo-se em seu lugar um consenso que por outro lado está longe de corresponder à realidade. A provável razão desse estado de coisas é a repercussão que os avanços na compreensão da relação entre psique e soma podem ocasionar num campo profissional em que os interesses adquiridos estão fortemente arraigados. As corporações psiquiátricas e psicanalíticas, tanto quanto os laboratórios e as instituições de formação profissional, são extremamente suscetíveis a qualquer novidade que possa afetar o status quo. A política oficial dessas instituições tende a encorajar a abordagem eclética segundo a qual a organogênese, a psicogênese e a sociogênese seriam tão válidas como incompletas, e reciprocamente imprescindíveis; desse ponto de vista, a interrogação sobre como tais fatores se articulam é secundária e deveria subordinar-se à preocupação maior de garantir a manutenção do espaço profissional tal como definido pelas respectivas corporações. A realidade, porém, não se deixa manietar tão facilmente. À margem das posições oficiais, e como não poderia deixar de ser, o estado de beligerância entre posições epistemológicas antagônicas permanece. Aqui e ali, em livros e artigos, palestras e congressos, nas páginas científicas dos jornais e nos relatórios de pesquisa, as posições mais radicais, livres das rédeas institucionais, se manifestam. Os franco-atiradores não raramente contam com o beneplácito velado ou discreto das "forças regulares" e veiculam o que de fato se pensa nos quartéis generais do organicismo, do psicanalismo e do culturalismo, para além dos acordos celebrados oficialmente. A essa questão soma-se outro problema, de natureza semelhante, desta vez referente às relações entre psicosomática e psicanálise. Também nesse terreno vigora um acordo no terreno da prática, onde impera o mútuo reconhecimento, enquanto em termos teóricos e epistemológicos abre-se um abismo. Na medida em que forem aplicadas ao campo dos fenômenos psicosomáticos as hipóteses formuladas nos capítulos anteriores com referência à ação dos remédios psiquiátricos e dos psicotrópicos ditos de abuso, as razões dessa divergência virão à tona progressivamente, tornando patente que malgrado a inspiração psicanalítica constantemente invocada, as obras de Pierre Marty, Joyce McDougall e Christophe Desjours desenvolvem conceitos inconciliáveis com a ciência dos sonhos.[5] -------------O ponto de partida para pensar o fenômeno psicosomático do ângulo psicanalítico é o mesmo que forneceu a base das hipóteses elaboradas em relação à ação dos psicotrópicos. Trata-se da suposição de que a todo estado discursivo corresponde uma determinada configuração orgânica. A tradução do psicólogico no orgânico dá-se através de ambas as divisões do sistema nervoso, tanto a autônoma (que traduz a afetividade associada ao estado discursivo para o código binário simpático/parasimpático), como a voluntária (que expressa o estado discursivo vigente em motricidade, por ação ou inibição). No caso dos fenômenos psicosomáticos, seria preciso considerar ainda o efeito discursivo sobre os sistemas imunológico e endocrinológico; tal questão, porém, por exigir conhecimentos mais específicos, será apenas aflorada.[6] A hipótese apresentada neste livro mantém-se no âmbito do dualismo (pois o psíquico e o orgânico permanecem diferenciados). Contudo, ela supõe uma articulação necessária entre ambos, na forma da configuração do orgânico pelo psíquico, além de admitir a situação recíproca, isto é, a possibilidade de evocar estados discursivos latentes por intoxicação química, mas nesse caso intencionalmente, ou seja, através de um ato dotado de sentido [7]. A ação dos psicotrópicos ilustra um caso particular (por inversão do vetor psique ® soma) da relação entre discurso e organismo. Em sua manifestação comum, ou seja, fora dos estados de intoxicação, a relação entre discurso e organismo ocorre em silêncio, ininterruptamente, e prescinde de qualquer deliberação. Em contraste, as modificações de comportamento induzidas por via química são ruidosamente evidentes, na medida em que se destinam a evocar e freqüentemente evocam uma discursividade latente inibida. Em suma, a hipótese de uma influência ininterrupta dos estados discursivos (ou seja, as crenças e a respectiva afetividade) sobre o sistema nervoso (autônomo e voluntário), bem como sobre os hormônios e as defesas do organismo, define a concepção que orientará a presente abordagem dos fenômenos psicosomáticos. Antes de prosseguir nessa direção, porém, será útil fazer uma digressão sobre as razões pelas quais a referência discursiva foi impugnada pelos teóricos atuais da psicosomática, tanto os fundadores da Escola Psicosomática de Paris (Marty, de M'Uzan, Fain), como Christophe Desjours e Joyce McDougall. --------------Os fenômenos psicosomáticos atraíram a atenção dos médicos e psicólogos em virtude de evidências tão fortes como as que dizem respeito à intoxicação química. Efetivamente, o efeito dos abalos emocionais sobre funções tão vitais como a cardíaca, a respiratória e a digestiva não poderia passar desapercebido. Progressivamente, as hipóteses desenvolvidas para compreender tais casos foram aplicadas ao desencadeamento das crises asmática e diabética.[8] O efeito placebo, a relação entre o rapport e a cura, bem como a eficácia da sugestão hipnótica, cuja utilização em odontologia é freqüente, são outras tantas manifestações da influência - desta vez benéfica - do psicológico sobre o orgânico. Como se sabe, a psicanálise inclui tais fenômenos na rubrica da transferência. Todos esses exemplos fazem pensar que o primeiro termo do vocábulo composto "psicosomática" foi, desde o início, consagrado à afetividade. Efetivamente, a psicosomática priorizou, desde sempre e em detrimento da significação, o papel das emoções. Numa perspectiva muito próxima à kleiniana, a origem das perturbações emocionais foi adscrita às vivências precoces da primeira infância e às pulsões, definidas como fontes somáticas do psiquismo. Assim, como que parodiando a célebre frase bíblica pronunciada nas orações fúnebres, a psicosomática dirige à afetividade o exórdio: "do corpo viestes, ao corpo voltarás". Ainda que divirjam em relação a outras questões, práticas e conceituais, as diversas abordagens da psicosomática se solidarizam no terreno da epistemologia, visto que seu espaço de teorização coincide com a jurisdição do biológico e do ambiental.[9] Desnecessário acrescentar que a linguagem é então relegada ao posto de coadjuvante. Desjours descreve esse gesto mediante a expressão "inversão epistemológica fundamental"[10] e a descreve assim, referindo-se aos sintomas psicosomáticos: "Onde numerosos autores afirmavam que havia um sentido, os psicosomatistas responderam haver, antes, precisamente uma falta de sentido."[11] Os psicosomatistas formulam suas proposições etiológicas no âmbito das primeiras vivências, protagonizadas pelo bebê e pelos representantes da função materna, enfatizando igualmente os processos de desenvolvimento, pensados mediante as noções de maturação orgânica e interação com o meio.[12] Quando a palavra entra em cena, os alicerces já foram lançados e tudo o que a linguagem poderá fazer é elaborar ou não, melhor ou pior, a angústia procedente das primeiras relações. No âmbito dessa enfoque, autores como M. Fain, L. Kreisler e J. McDougall procuram especificar as modalidades dos primeiros vínculos, descrever as seqüelas das suas falhas mais graves, bem como, e principalmente, estabelecer sua relação com os sintomas psicosomáticos. Elabora-se uma teoria da constituição do sujeito voltada para a compreensão dos distúrbios psicosomáticos. As teorias da psicosomática mantêm entre si algumas divergências, conforme se inclinem mais em direção às posições kleinianas ou procurem incorporar alguns elementos da teoria lacaniana. Os escritos de Freud permanecem enquanto referência e alguns de seus conceitos, como neurose atual e complacência somática, são freqüentemente recuperados e reinterpretados. Assim acontece com a noção de trauma, à qual todas as correntes da psicosomática recorrem, e que é aplicada à descrição das vivências precoces. Aqui, os aspectos factuais das relações primárias prevalecem sobre o conceito de identificação, praticamente desconsiderado. Na mesma linha de raciocínio, cuja inspiração kleiniana é inegável, as deficiências da maternagem são responsabilizadas pelos futuros quadros psicosomáticos, já que instalam simultaneamente a angústia e a precariedade dos meios psíquicos para lidar com ela. O efeito dessas experiências sobre a afetividade difere totalmente da suposta pela teoria do trauma elaborada e depois abandonada por Freud. Para todas as correntes da psicosomática, os respectivos sintomas decorrem da impossibilidade de denominar, reconhecer e expressar as emoções e os estados afetivos.[13] As emoções e os estados afetivos são considerados fundamentais; incumbida mas nem sempre capaz de resgatá-los, a linguagem reflete as limitações do psiquismo que ela agencia, claramente secundário em relação à tríade emoção/angústia/soma. Qualquer semelhança não é mera coincidência: Pierre Marty insere seu enfoque num marco evolucionista, provavelmente inspirado pelo conhecido conceito de hierarquia funcional elaborado por Hughlings Jackson para descrever a atividade neurológica e suas disfunções.[14] Christophe Desjours também postula uma ordem biológica primária, expressa pela necessidade, que depende da posterior subversão erótica para transformar-se em psiquismo, caracterizado pelo desejo. As falhas ou fracassos do agenciamento psíquico ocasionariam a degradação do emocional nas patologias viscerais e cerebrais. Assim, os déficits da função simbólica impediriam o deslocamento do conflito para o terreno mental, restando apenas a via da descarga no próprio organismo. Se o conflito for representado, o resultado será uma "neurose bem mentalizada" (obsessão, fobia, histeria), caso contrário ele se manifestará pela somatização. As respectivas condições etiológicas antecederiam o complexo de Édipo, sendo construídas num período anterior à aquisição de linguagem, ficando assim excluída a participação da fantasia. Nesse sentido, os teóricos da psicosomática divergem do kleinismo, visto que, supondo uma oposição entre o emocional e o simbólico, situam a fantasia no âmbito da linguagem e não no das pulsões. A incapacidade de simbolizar atribuída ao somatizante evoca de imediato as lacunas de memória à qual a teoria do trauma freudiana conferia um papel importante na produção do sintoma. Entretanto, o comprometimento da memória foi explicado por Freud como efeito do recalque, enquanto as teorias da psicosomática postulam, em relação à somatização, um mecanismo diferente, que se aproxima bastante do conceito freudiano verwerfung. Traduzido em francês por forclusion[15] a instâncias de Lacan, passa a designar a operação específica responsável pela psicose. A característica fundamental da forclusão refere a impossibilidade de simbolizar, o que aparentemente apóia a asserção de que os conflitos não são necessariamente expressos através de representações. O interesse pela forclusão constitui o periélio da psicosomática em relação à psicanálise lacaniana. Entretanto, de acordo com o mesmo Lacan, todas as produções psicóticas permanecem no terreno da linguagem, na medida em que a ausência do discurso próprio só se explica pelo atrelamento ao discurso do Outro, ou seja, à impossibilidade de aceder à posição de sujeito. Os sintomas psicóticos mais comuns, como a alucinação e o delírio, teriam por cenário a esfera mental, manifestando-se como percepções, idéias e crenças. Os teóricos da psicosomática vêm-se assim compelidos a definir o mecanismo responsável pela somatização de outra maneira. Uma das dificuldades teóricas da psicosomática refere-se precisamente à distinção conceitual entre psicose e somatização, questão que surge na esteira da afirmação de que o somatizante, como o psicótico, "tampouco" simboliza. (Conforme mencionado acima, a asserção de que a psicose está situada fora da jurisdição da linguagem repousa numa leitura bastante questionável das conceituações freudianas e lacanianas a respeito. Correspondentemente, excluir a somatização - como qualquer outro comportamento ou categoria nosográfica - da função simbólica, não pode senão mobilizar, na perspectiva psicanalítica, uma contestação. A questão será discutida adiante). Na tentativa de resolver essa aporia, a psicosomática voltou-se para o conceito de neurose atual[16], que se não foi oficialmente abolido em psicanálise como aconteceu com a teoria do trauma, constitui uma referência nosográfica datada. De fato, inicialmente Freud considerava que a estase da energia libidinal, decorrente dos obstáculos que a moral social vigente opunha à vida sexual, provocava disfunções somáticas, mesmo na ausência de qualquer conflito interno. O desenvolvimento da noção de desejo levou ao abandono dessa concepção, que foi substituída pela responsabilização total do sujeito (sujeito do inconsciente), ao mesmo tempo em que a realidade era definida como psíquica. Em seu último comentário sobre as neuroses atuais (ou seja, sobre o fator social), Freud assinalou que as mesmas se limitavam a favorecer a eclosão de uma neurose de defesa. O ambiente, nesse caso, funcionaria como detonador de um conflito previamente instalado. A neurose atual foi exumada pela psicosomática porque representa o momento da teoria freudiana em que o conflito psicológico aparece subordinado aos fatores ambientais (sociais) e orgânicos. Durante a vigência dessa categoria nosográfica, Freud afirmava que a respectiva sintomatologia nada tinha de "mental"- diferenciando-se assim nitidamente da histeria de conversão, da histeria de angústia (fobia) e da neurose obsessiva. Correspondentemente, sua origem era atribuída ao choque entre fatores externos (moral rígida, família /sociedade repressiva) e uma sexualidade ainda concebida como função orgânica, operando pela descarga de energia. O psiquismo (ideal de ego, mecanismos de defesa, fantasias, deslocamentos) estaria totalmente ausente do cenário. Noção atrelada à sociedade e à história, a neurose atual parece bem pouco atual: o hedonismo governou despoticamente as últimas décadas do século XX e ter uma vida sexual intensa e variada tornou-se um valor tão alardeado como as virtudes da abstinência durante a era vitoriana. Entretanto, isso não chegou a obstaculizar a utilização dessa categoria nosográfica por parte da psicosomática. Para tanto, foi suficiente substituir a repressão sexual enquanto fator etiológico por outra situação concebida como "externa", no caso uma maternagem "suficientemente má". A origem da angústia, que expressa o sentimento de desamparo decorrente da dependência, deixa de ser atribuída à falta de descarga sexual e é debitada às deficiências da relação primária. "Ora, certas mães vivenciam o bebê como um corpo estranho a elas mesmas. Outras, ao contrário, não querem de modo algum abandonar a unidade fusional mãe-bebê. Nestes dois casos, a criança corre o risco de achar bem difícil a aquisição deste sentimento de sua identidade separada, que lhe dá ao mesmo tempo a posse de seu corpo, de suas emoções e de sua capacidade de pensar".[17] As teorias da psicosomática, além de recuperar e reinterpretar o quadro nosográfico neurose atual alterando-lhe a etiologia, conferem-lhe uma abrangência muito maior. Os escritos freudianos anteriores à Interpretação dos Sonhos diagnosticavam a neurose de angústia e a neurastenia[18] através de distúrbios somáticos (respiratórios,circulatórios,digestivos),além de perturbações psicológicas (irritabilidade, falta de concentração, ansiedade difusa). Para a psicosomática, a dificuldade em reconhecer as próprias emoções seria capaz de provocar não apenas distúrbios funcionais mas a maior parte das doenças conhecidas. Trata-se de um enfoque que amplia consideravelmente tudo o que a medicina alopática havia sido capaz de reconhecer até então com referência à importância do fator psicológico, cuja ação foi inicialmente restrita ao desencadeamento de crises cardíacas, respiratórias e diabéticas, bem como à etiologia da úlcera nervosa.[19] Outros órgãos e as respectivas funções, o metabolismo em geral, os sistemas imunológico e endocrinológico, cujo comprometimento se expressa por desequilíbrios menos conspícuos, são progressivamente integrados ao campo de atuação da psicosomática. A importância da nova abordagem não dá margem a dúvidas. A contribuição da psicosomática para o tratamento e a profilaxia já é, no estágio atual de seu desenvolvimento, bastante significativa, tanto em psicologia como em medicina. Suplementarmente, os fenômenos que ela põe em evidência sustentam plenamente a necessidade de repensar a relação mente/corpo. Contudo, as correntes da psicosomática filiam-se a uma posição epistemológica incompatível com o papel que a psicanálise não pode deixar de conferir à linguagem. Como, por outro lado, a psicosomática recorre freqüentemente à psicanálise para estabelecer seus principais conceitos, a respectiva teorização é feita num terreno propício à contradição. Esse contraste entre os progressos da prática e uma teorização pouco convincente repete a situação descrita anteriormente no que se refere à medicação psiquiátrica. A revolução farmacológica atenuou o sofrimento decorrente do surto psicótico, mas a reformulação teórica da relação mente/corpo feita a partir da perspectiva organicista deixou-se guiar por um pragmatismo precário. Em decorrência, os argumentos que pretendem promover a bioquímica à posição de fator etiológico em relação ao psiquismo padecem de empirismo e escamoteiam discussões teóricas imprescindíveis. A psicosomática, por sua vez, indicada precipuamente para casos de morbidez grave[20], apressa-se em legitimar uma modalidade de intervenção mais direta em nome da urgência e da crucialidade de suas incumbências. Nesse sentido, sua argumentação assemelha-se à da psiquiatria. Além disso, parece autorizar-se a fazê-lo em função dos respectivos resultados, muito mais facilmente aferíveis do que os de uma psicanálise tradicional.[21] Que a metodologia utilizada nessas situações difira consideravelmente do protocolo psicanalítico, nada mais compreensível. O mesmo se passa com a conduta psiquiátrica perante o surto psicótico. Em ambas, psiquiatria e psicosomática, a urgência em erradicar os sintomas ou deter seu desenvolvimento é largamente prioritária em relação a qualquer outra preocupação. O problema é que a partir da eventual eficácia desses procedimentos se construa uma teorização ad hoc, mediante a postulação de um quadro nosográfico e etiológico carente de fundamentação mais sólida e sobretudo de uma base epistemológica rigorosamente estabelecida. Tal como a psiquiatria não formulou qualquer hipótese mais precisa sobre o modo de ação dos psicotrópicos, a psicosomática tampouco interrogou mais detidamente os mecanismos responsáveis pela somatização nem o papel da psicoterapia em sua remissão ou controle. Efetivamente, o meio pelo qual as emoções não representadas encontram a via somática é descrito através da mesma analogia empregada por Freud em relação às neuroses atuais. Trata-se da noção de "descarga", espécie de metáfora hidráulica, em que o escoamento das emoções ocorre pela via que apresenta a menor resistência. A falha do aparelho que "bombearia" a excitação emocional na direção do psiquismo faz com que a pressão resultante provoque um "vazamento" no soma, causando primeiramente disfunções e, caso a situação persista, alterações patológicas estruturais. Com referência à pobreza das representações, fator fundamental já que dele depende o deplorado bloqueio da via psíquica, as explicações da psicosomática não são claras mas conduzem, de alguma maneira, à angústia da separação, o que aproxima a etiologia da somatização da etiologia da psicose. De fato, para as correntes psicosomáticas, a respectiva diferenciação permanece eminentemente problemática. A hipótese principal é a de que um préconsciente construído precariamente favoreceria uma espécie de forclusão, que afetaria unicamente as emoções, refratárias à captura discursiva. Desse ponto de vista, a psicosomática compartilharia com a psicanálise culturalista a idéia de que a fragilidade do eu seria a condição fundamental da sintomatologia. A descrição mais constante utilizada pelos psicosomatistas sugere um mecanismo exatamente inverso ao das neuroses clássicas (histeria, obsessão, fobia), nas quais os afetos são vinculados a representações substitutas para os quais foram deslocados via mecanismos de defesa. No caso dos sintomas psicosomáticos, ao contrário, as emoções é que estariam ausentes do campo da consciência, pois teriam sido derivadas para o organismo, em virtude da impossibilidade de significá-las através da fantasia. As representações permanecem na consciência, mas esvaziadas de coloração afetiva. Os sintomas psicosomáticos dever-se-iam não a uma falsa ligação, mas à própria ausência de ligação, isto é, à falta de sentido.[22] Tal situação é debitada à pobreza do imaginário, em cuja origem se perfilaria uma angústia capaz de emudecer a afetividade ao cortar seus laços com as representações encarregadas de conduzi-la na direção do psiquismo. Em certos históricos de caso assinados por psicosomatistas, tem-se quase a impressão de deparar com uma versão ligeiramente modificada da teoria catártica de Breuer, com quem a psicosomática compartilha a atribuição de um importante papel etiológico ao trauma. A principal diferença reside na própria sintomatologia. As pseudo-somatizações[23] de Anna O. não afetam seu corpo a não ser funcionalmente, diferentemente da úlcera, da retocolite hemorrágica, da asma, da cardiopatia, cuja realidade orgânica é inegável. Como foi antecipado, é com referência ao papel da linguagem que se declara a grande incompatibilidade entre psicosomática e psicanálise. A fantasia, fundamental para a definição de subjetividade no enfoque psicanalítico, situa-se no campo da linguagem. O delírio e a alucinação diferem da fantasia por representarem crenças inquestionáveis, mas não deixam de ser fenômenos discursivos. É no autismo e nas manifestações da esquizofrenia dita negativa que se encontrará o silêncio do imaginário. Mas, nesse caso, a teoria psicanalítica dirá que a ausência do discurso próprio se deve à mordaça imposta pelo discurso do Outro. Em outros termos, o surto (a vivência) psicótico constitui ou deriva de uma modalidade possível de discurso. A angústia das figuras parentais, sendo ela mesma uma expressão do sentido conflitivo conferido à experiência da maternidade e/ou paternidade, incide sobre o bebê pela via da identificação. Em suma, a angústia (como qualquer outro estado afetivo), expressa um sentido e pertence portanto ao campo da linguagem. Na escuta psicanalítica não há porque atribuir a eventual precariedade das expressões afetivas à alegada pobreza ou ausência dessas manifestações. O conceito de resistência parece suficiente para compreender a dificuldade de expor-se. Esse bloqueio pertenceria de fato e de direito ao âmbito do discurso, logo do sentido. Os benefícios secundários extraídos da condição de vítima, a auto-punição associada ao sentimento de culpa, bem como a relutância em assumir o próprio desejo (infantilização), são motivações bastante conhecidas das faltas, atrasos, truncagens, silêncios, desistências, interrupções e outras formas de recusa. Nesse quadro insere-se a "reação terapêutica negativa" que Freud, por boas razões, relacionava à pulsão de morte, definida pela tendência à fusão, gêmea da dificuldade em aceder à posição de sujeito. É comum que o sintoma somático seja utilizado como pedido de ajuda e proteção, como expiação, como pretexto para desresponsabilizar-se e também para manter uma auto-imagem de fragilidade. Não se trata aqui de atribuir a origem da patologia a tais motivações, mas de perscrutar algumas razões que podem levar o doente - quer somatizante, quer não - a manter sua enfermidade ao abrigo do sentido que, independentemente de ter contribuído para sua eclosão, certamente lhe foi outorgado a posteriori. Com referência à questão metodológica, a estigmatização de certos discursos ("pobreza", "desafetação") colide frontalmente com o preceito da associação livre. Tudo se passa como se o endeusamento da emoção e da transferência houvessem privado o psicanalista contemporâneo da possibilidade de ouvir o discurso. Ele está à caça de emoções e emprega as próprias para melhor farejar as do paciente. Uma fala reservada e discreta, relatos concernentes a terceiros, ausência de interpelações diretas ao analista, eis os sacrilégios cometidos pelo paciente não "envolvido", espécie de pecador sem culpa ou doente pouco colaborador, portanto candidato à mais severa das reprimendas de que é capaz o titular do confessionário psicanalítico. A absolvição só é dada quando a associação livre segue os moldes do libreto operístico, em que a palavra está aprisionada à emoção, na perspectiva dramática própria ao bel canto. Dir-se-ia que a psicosomática leva até as últimas conseqüências a ênfase concedida pelo kleinismo à emoção, cuja manifestação inicial foi a hipertrofia da transferência, seguida da redefinição da contra-transferência, promovida de obstáculo a instrumento de intervenção. Nessa perspectiva de entronização do emocional, o sintoma psicomático parece talhado na medida exata para advertirnos das drásticas conseqüências que esperam aqueles que se afastam da afetividade. Correspondentemente, a nosografia proposta desliza facilmente para o juízo de valor. Depressão essencial, pensamento operatório, normopatia, alexitimia, são conceitos menos descritivos do que valorativos. A teoria outorga-se o direito de estipular os critérios pelos quais alguém é julgado destituído de um projeto de vida ou de interesses pessoais, escravizado à banalidade quotidiana, adaptado às convenções, refratário aos devaneios, desprovido de fantasias, incapaz de perceber os próprios sentimentos, etc. Em contraposição, perfila-se o modelo do que se considera adequado. Se a capacidade orgástica era o parâmetro a partir do qual Reich media a saúde mental, a psicosomática afere a saúde física pela expressão das emoções. Tudo se passa como se a origem médica da psicanálise se manifestasse periodicamente pela nostalgia de seus pratos típicos: a nosografia e o diagnóstico... Essa tendência recrudesce na mesma medida em que ocorre o distanciamento em relação à linguagem. O estabelecimento de um elo entre a personalidade definida como "somatizante" e a patologia visceral, que leva até as últimas conseqüências o enfoque diagnosticante, permanece controversa. O caminho escolhido pela Escola de Chicago, e principalmente por Flanders Dunbar, inaugurou já na década de 40 as tentativas de tipologização: foram descritas e postuladas as personalidades "cardiopática", "diabética", etc., tendo como modelo a "personalidade epiléptica" suposta pela psiquiatria.[24] É provável que o exercício de funções paramédicas tenha conduzido subrepticiamente o psicosomatista a referenciar-se pela divisão normal/patológico, que passa a orientar suas intervenções. Aqui a psicosomática se aproxima decididamente da medicina. A diferença reside em que o fator etiológico é situado numa tipologia psicológica cujo rigor deixa muito a desejar, e não somente em virtude do moralismo subjacente aos critérios empregados. Sob os déficits emocionais descritos, perfila-se a concepção de uma personalidade ideal, que lembra as preconizações da psicanálise culturalista concernentes à genitalidade, oblatividade, capacidade de amar e trabalhar. O estabelecimento de um ideal sempre tem seu preço e o psicosomatista, além de compelido a gozar de boa saúde, pode considerarse igualmente obrigado, qual um sacerdote, a representar exemplarmente as virtudes do "emocionalmente correto". (Não é improvável que a regra segundo a qual todo psicanalista deve passar pelo divã em obediência ao mandamento "não recalcarás" seja doravante acrescida da injunção "não somatizarás"). Em todo caso, trata-se de um movimento que trafega na contramão da tendência antivalorativa e antidiagnóstica da psicanálise, desenvolvida por Freud à medida em que se afastava do modelo médico e consubstanciada na sua crítica ao furor sanandis. Efetivamente, no artigo Recomendações aos médicos que praticam a análise, Freud aconselhava os analistas a não estipular metas para os pacientes, que deveriam decidir por si mesmos o que fazer com os resultados da sua análise. Pode-se objetar que se a erradicação da sintomatologia orgânica depende efetivamente de certas atitudes (como a exteriorização das emoções), então o psicosomatista estaria mais do que autorizado a estabelecer critérios de saúde mental. Contrariamente a esse enfoque, porém, e independentemente do grau de precisão que possa ser atribuído à relação suposta entre tal ou qual tipo de personalidade e a tendência a somatizar (genérica ou especificamente), a questão diz respeito a se o psicanalista (de orientação psicosomática ou qualquer outra) deve estipular critérios de cura e, supondo uma resposta afirmativa, se ele dispõe dos meios para fazê-lo. A resistência, que a psicosomática parece ter desconsiderado em mais de um sentido enquanto fator fundamental do processo psicanalítico, faz parte dessa discussão. A própria necessidade de sensibilizar o somatizante para a índole psicogênica de seus sintomas já seria suficientemente indicativa da sua presença. Retornamos aqui a um ponto cuja discussão precisa ser aprofundada. O método psicanalítico clássico, segundo Freud, pode (e deve) ser modificado em função das circunstâncias. As circunstâncias, no caso, não são outra coisa senão as diferentes formas e graus de resistência. No caso de somatizantes refratários às exigências consubstanciadas no método psicanalítico, nada mais compreensível do que tentar novas metodologias e abordagens clínicas. Como se sabe, os pacientes com pronunciada sintomatologia psicosomática são geralmente encaminhados por médicos. Que apresentem uma resistência considerável ao processo psicanalítico não tem nada de surpreendente. Inúmeras pessoas manifestam a mesma atitude sem serem somatizantes, quer cheguem ao consultório ou abominem a idéia. Muitas delas podem queixar-se de conflitos, dificuldades de relacionamento e/ou profissionais, sintomas, em grau acentuado ou não. Na medida em que uma boa parcela "não acredita" na psicologia, a possibilidade de recorrer à psicanálise (ou qualquer outra abordagem) é mínima. Mesmo que haja suspeita de somatização, a aceitação da psicoterapia dependerá de uma injunção médica que goze de credibilidade. Suponhamos que os conflitos, dificuldades e sintomas acima mencionados, considerados pelo psicanalista psicosomatista como decorrentes da "desafetação", pobreza da vida imaginativa, etc., ocorram em pessoas com um ritmo intenso de atividades profissionais e sociais. Caberia diagnosticá-las como "normopatas", prisioneiras de "pensamento operatório", portadoras de uma "depressão essencial" ou "neurose de conduta", manifesta pelo recurso ao álcool, nicotina, calmantes, hipnóticos, adição a outras drogas, televisão, filmes pornográficos, esportes radicais, etc.? De outro ângulo, esse tema já foi bastante debatido, habitualmente através da pergunta: se nenhum ser humano é imune ao conflito, não deveria então a psicanálise (ou psicoterapia) ser indicada para todos? Tal atitude repousa na constatação de que a tendência ao que se chama, justificadamente ou não, de "fuga", é extremamente comum (senão universal). Por outro lado, esquece-se que o conceito de realidade, subjacente a tal definição, permanece problemático. A mesma discussão já foi travada em relação à loucura. Não seria o caso de retomá-la, mas cabe mencionar alguns de seus aspectos. Numa discussão desse naipe, termos como "realidade", "fuga", e "alienação" são geralmente utilizados para separar o correto do inadequado, o saudável do patológico. Como pano de fundo, perfila-se um juízo de valor, subrepticiamente amparado na nosografia. O diagnóstico em psicanálise é um ato bem mais controverso do que se pensa, principalmente porque faz supor que o psicanalista tem como detectar, por intermédio de sintomas e outros indícios, em uma ou mais entrevistas, o perfil do conflito e suas condições básicas, bem como conjeturar sobre a respectiva etiologia e enquadrar o candidato num escaninho nosográfico mais ou menos definido. Trata-se de uma expectativa inconciliável com o método psicanalítico, já que a associação livre e a atenção flutuante pressupõem um não saber prévio em ambos os protagonistas, que funda a própria possibilidade da démarche psicanalítica. Ou seja, em psicanálise, a descrição (termo preferível a diagnóstico) dos conflitos que afetam uma pessoa, seria feita a posteriori, na forma de um estudo de caso, e não antecipadamente.[25] Diante do argumento de que a atitude diagnosticante é imprescindível para evitar o erro de aceitar pacientes "fronteiriços" (borderline), cabe perguntar sobre a confiabilidade dos critérios de que dispõe o psicanalista para decidir se uma pessoa é analisável ou não. De um ponto de vista agnóstico, o diagnóstico aparece como uma pretensão irrealizável. Nunca se poderia saber previamente se o candidato é ou não "analisável", se "precisa" ou não do "tratamento"; basta que ele o deseje e que o psicanalista se sinta capaz de empreendê-lo. Reciprocamente, por mais que o psicanalista postule a absoluta necessidade de sua intervenção, é preciso respeitar a decisão oposta, mesmo que se veja nela o dedo da resistência. O "furor diagnosticante" gera o risco de patologizar praticamente tudo. Em relação à psicosomática, o alcance desse gesto parece ainda maior, visto que ela lê a ausência da queixa como o pior dos sintomas, digno de um prognóstico bastante desfavorável.[26] Joyce McDougall relata, em Teatros do Corpo, o caso de um paciente alcoólatra, cuja psicanálise, bem sucedida, foi seguida de uma fase criativa em que ele se projetou como artista internacionalmente reconhecido. Anos depois, porém, volta ao psicanalista para informá-lo de um câncer, que se revelaria fatal e "cujos sintomas anteriores não tinham se manifestado nos teatros de seu 'eu'. (...) as palavras tinham ficado sufocadas, o que fez com que não tivesse sido possível ouvir qualquer advertência (...)".[27] McDougall dá por certo que o conflito oncogênico estava mudo porém presente e deveria ter sido captado. Outorgar-se o poder de realizar essa leitura - diagnosticando (ou, mais ainda, prognosticando) uma afecção orgânica pela palavra (ou, mais ainda, pelo silêncio), retrata uma pretensão de saber e prever que excede em muito aquilo que caberia esperar de uma psicanálise. Que doenças como o câncer sejam, via stress, relacionadas com o comprometimento do sistema imunológico, não deveria ser confundido com a possibilidade de detectar sua iminência no decorrer de uma psicanálise; que o stress possa contribuir para a eclosão do câncer tampouco significa que seja sua causa obrigatória, única ou principal. Ainda não há como medir a incidência do stress sobre o sistema imunológico. E, finalmente, uma das expectativas plausíveis em relação ao trabalho psicanalítico, efetuado dentro dos moldes clássicos, é que incida sobre os conflitos causadores do stress, prevenindo a patologia e obstaculizando o desenvolvimento de afecções funcionais ou estruturais já desencadeadas. Desde que haja tempo hábil. E certamente não possuímos instrumentos nem critérios para aferir a última condição mencionada. McDougall certamente não o ignora. "Ocorre freqüentemente também que certos fenômenos psicosomáticos, assim como certas tendências recorrentes a adoecer fisicamente, desaparecem como efeito secundário inesperado do tratamento psicanalítico, às vezes sem ter sido feita a investigação específica da significação subjacente de tais doenças na economia psíquica".[28] Do ponto de vista psicanalítico, nada haveria de inesperado nisso. A sintomatologia dita neurótica tampouco é investigada especificamente. A investigação específica, aliás, contraria frontalmente o método psicanalítico, expresso pela regra fundamental (associação livre e atenção flutuante). A surpresa da autora com o fato de que o trabalho psicanalítico, sem visar diretamente o sintoma, possa incidir sobre ele, é que é surpreendente. Em psicanálise, devido à resistência, a menor distância entre dois pontos não é a linha reta. O psicanalista percorre o labirinto às cegas, sem saber de que maneira a errância do discurso vai privando o minotauro das suas vítimas sacrificiais. -----------As questões de ordem ética e metodológica, por importantes que sejam, abrangem parte da discussão suscitada pela psicosomática. Não menos importantes são os problemas teóricos. Na concepção dos psicosomatistas, o corpo, além de depositário das emoções não elaboradas, constitui também o pólo gerador de um afluxo de excitações destinado em princípio ao psiquismo. Na base desse raciocínio encontra-se a definição de pulsão como energia psíquica de origem somática, muito mais próxima da primeira teoria das pulsões (sexualidade vs ego) do que da segunda (Eros vs Thanatos).[29] Não por acaso Christophe Desjours mantém o emprego do termo "instinto" que indica, na sua perspectiva, a anterioridade do orgânico em relação ao psíquico. Segundo esse ponto de vista, nem sempre ocorreria a subversão do primeiro pelo segundo ou, em outros termos, não é inevitável que o instinto se transforme em pulsão. Na mesma perspectiva evolucionista, o psiquismo é descrito como um nível superior de integração, cuja falência abandonaria as emoções à órbita corporal, resultando na desorganização progressiva do somático, causa das afecções orgânicas. Esse processo não só é diferenciado mas também considerado incompatível com o da conversão histérica. Da mesma forma que o recalque, operação responsável pela neurose, seria inconciliável com a forclusão, mecanismo específico da psicose, a ocorrência da somatização é descartada nas neuroses "bem mentalizadas". Para além da discussão acerca da precisão atribuível à nosografia[30], a incompatibilidade entre neuroses bem mentalizadas e somatização não parece ter o aval dos fatos. Assim, Desjours reconhece "...ser inegável que há neuróticos e psicóticos autênticos que somatizam", o que coloca em cheque "...uma das pedras angulares do edifício teórico, a saber, a já clássica incompatibilidade entre psicose e neurose, de um lado, e somatização, de outro", dificuldade que não diminui quando se acrescenta "...ao diagnóstico de neurose ou de psicose, como faz Marty, o adjetivo 'bem mentalizada' ".[31] Segundo o testemunho de McDougall, "...nem todos os meus normopatas somatizavam"[32] e "...convém sublinhar que nem todos os pacientes que exibem todos os sinais de alexitimia e de pensamento operatório adoecem somaticamente e que muitos outros que sofrem de um determinado número de afecções psicosomáticas graves não apresentam a carapaça operatória alexitímica que caracteriza os pacientes psicossomáticos que têm sido mais estudados nas pesquisas e nos serviços de psicosomática. Ao contrário, na minha prática, tive oportunidade de analisar um determinado número de pacientes que sofriam de doenças autenticamente psicosomáticas e que viviam intensamente envolvidos com suas experiências afetivas e com sua realidade psíquica."[33] A solução encontrada por McDougall é postular, ptolomaicamente, uma "histeria arcaica", que manteria a anterioridade do somático sobre o psíquico, salvando assim o "geocentrismo" organicista da psicosomática. Mas assim como acontece com a obsessão e a somatização, verifica-se que sintomas histéricos e sintomas psicosomáticos também podem coexistir na mesma pessoa, enquanto manifestações diferentes do mesmo conflito. O sintoma histérico traduz a concepção anatômica do leigo, como dizia Freud; trata-se de uma pseudo-somatização. Inversamente, o sintoma psicosomático possui realidade orgânica. Diagnosticar os somatizantes "capazes de expressar afetividade " como portadores de histeria arcaica[34] constitui uma tentativa algo canhestra de salvar a diferenciação entre somatizantes e mentalizantes ao preço de uma inovação conceitual mais semelhante a um malabarismo verbal. Marty também atenuará posteriormente a incompatibilidade entre somatização e neuroses bem mentalizadas. Pessoas enquadradas na última categoria poderiam eventualmente sofrer de uma depressão essencial, momento inicial da desorganização que, nesse caso, regrediria até um ponto de fixação edipiano, mas sem prosseguir na direção de uma doença mortal. As afecções de caráter evolutivo se manifestariam naqueles radicalmente separados de suas próprias emoções, situação que mimetizaria a vivência do bebê, incapaz de lidar com a própria afetividade de outra maneira senão através da descarga no soma.[35] Para Marty e os demais teóricos contemporâneos da psicosomática, as précondições da somatização, portanto, jazem no período pré-edipiano ou do "Édipo precoce". Assim, a gravidade da patologia torna-se o critério para diferenciar as neuroses não mentalizadas (neuroses "de caráter" e "de conduta", bem como a "depressão essencial"), das neuroses e psicoses "bem mentalizadas". Até que ponto tais suposições decorrem de interpretações feitas sobre experiência clínica ou se apóiam em pura petição de princípio, é algo difícil de discernir. Seja como for, Marty propõe igualmente, a meio caminho entre as neuroses mal e bem mentalizadas, a categoria da "mentalização incerta", em que, [1] A história da primeira droga psiquiátrica planejada é objeto de uma notável descrição feita por Alberto Pérez Medina, psiquiatra colombiano da Universidade de Quindío, em "El uso de la prometazina en Psiquiatría: una práctica obsoleta". (Http: www.geocities.com/Athens/Parthenon/8584/Fenergan.hmtl). [2] George Groddeck, que cunhou o termo 'isso' (id) com que Freud batizou a instância vulcânica da segunda tópica, defendia a idéia de que as doenças obedecem a determinações inconcientes. [3] Ou "Livro do Id", se preferirmos traduzir o título latinizando o pronome indeterminado. [4] Ou de determinado enfoque psicanalítico, em que o inconsciente é definido como linguagem. [5] Embora tal afirmação pareça justa em sua formulação genérica, ela pode ser particularizada, caso em que a incompatibilidade em questão descreveria apenas as relações entre a psicosomática e a psicanálise estrutural. (Como já assinalado anteriormente, a expressão "psicanálise estrutural" substitui vantajosamente "psicanálise lacaniana", na medida em que Lacan não é o único teórico autor a situar a linguagem em posição epistemológica e também porque o movimento lacaniano já está passando pelas divisões habituais a que toda obra de peso é submetida pelas inevitáveis reavaliações e interpretações, processo que afeta a articulação entre psicanálise e lingüística). [6] Independentemente de eventuais divergências, principalmente em relação à questão da terapêutica, caberia recomendar, com relação a esse ponto, a leitura de Psicobiologia da Cura Mente-Corpo, de Ernest Lawrence Rossi. [7] (Por parte do psiquiatra ou do "drogadito"). O mesmo raciocínio é aplicado ao efeito de outras alterações fisiológicas (como as provocadas por patologia cerebral e intervenções cirúrgicas) sobre o discurso (psiquismo). Ou seja, em nossa hipótese, os estados discursivos obedecem a uma clivagem (manifestação/latência) e não são criados pelas alterações anatomo-fisio-patológicas, embora estas possam agir por inibição ou liberação, alterando a relação manifestação/latência vigente. Com referência a essa questão, cabe perguntar ainda se a patologia cerebral pode ser inserida no campo da psicosomática. Christophe Dejours responde afirmativamente no livro Repressão e Subversão em Psicosomática. [8] Cf. Psychosomatic Diagnosis (1948), de H. Flanders Dunbar. [9] Rosine Debray descreve a concepção de Pierre Marty acerca dos pontos de fixação, aos quais se regride por ocasião de um trauma, como dependentes de fatores constitucionais "...genéticos, em sentido amplo, se incluirmos as fixações in-utero...", os quais, por sua vez, se "...combinarão com os fatores ambientais, ligados essencialmente às peculiaridades das relações primitivas com a mãe, relações em que, no segundo volume de sua obra (1980) [La complexité des relations objectales, p.29], o autor insiste, tanto quanto nas eventualidades da história a ser vivida pelo sujeito". (Rosine Debray, O equilíbrio psicosomático, p. 13). [10] Proposta pela Escola de Paris e adotada também pelas demais correntes. [11] Repressão e Subversão em Psicosomática, Christophe Dejours, p. 33. [12] A esse respeito, ver Psicossomática, de Rubens M. Volich, pp. 107-134. [13] Ao passo que na teoria do trauma freudiana, a sintomatologia se expressava fundamentalmente através de perturbações emocionais, caracterizadas pela exacerbação dos sentimentos. As hipóteses desenvolvidas pela psicosomática se encontram mais próximas da teoria catártica de Breuer. [14] Consideramos o enfoque jacksoniano pertinente apenas em seu próprio terreno. Conforme argumentação desenvolvida no final desde capítulo, a explicação jacksoniana dos fenômenos de inibição e liberação, decorrentes de disfunções e lesões cerebrais, permanece plenamente vigente. [15] Forclusão, em português. Termo de origem jurídica que indica a anulação de uma ação judicial em virtude do não cumprimento de uma etapa considerada imprescindível pelos códigos legais. [16] A hesitação entre adotar o modelo da psicose ou o da neurose atual para focalizar o sintoma psicosomático transparece na seguinte frase de Joyce McDougall: "Talvez até possamos falar, por analogia com as 'neuroses atuais' de Freud, em psicose 'atual' ". (Teatros do Corpo, p. 20). [17] Joyce McDougall (Conferências Brasileiras, Ed. Xenon, Rio de Janeiro, (1987), pg. 26). Cabe notar que essa mesma descrição poderia ser empregada em relação à etiologia da psicose. [18] Já que a hipocondria, também incluida por Freud na categoria das neuroses atuais, era (e é) definida pela crença em sintomas somáticos inexistentes. [19] Já a homeopatia sempre norteou sua intervenção levando em conta o psicológico, mesmo que não tenha desenvolvido essa questão teoricamente. Entre os próprios médicos alopatas encontrar-se-ão todos os graus possíveis de reconhecimento da participação do fator psicológico na patologia (inclusive o grau zero). [20] "O psicosomatista - isso é indiscutível - trava uma batalha contra Tanatos", escreve Dejours (Repressão e subversão..., p. 49). [21] Sobre esse ponto haveria muito o que discutir, principalmente em relação a como o psicosomatista trata a informação recebida do paciente sobre a remissão, o controle ou a permanência da patologia. [22] Dejours discute essa questão, oferecendo um outro ponto de vista, segundo o qual a relação transferencial e contra-transferencial reintroduziria necessariamente o sentido no sintoma psicosomático, pois ele estaria sendo dirigido, enquanto queixa, ao analista. (Ver As doenças somáticas: sentido ou sem-sentido, C. Dejours, Pulsional, Revista de Psicanálise, Ano XII, Nº 118, fevereiro de 1999). [23] O termo mais adequado seria "conversão". [24] Volich comenta a esse respeito: "Poderíamos entretanto questionar quanto tais características, sem dúvida encontradas nos pacientes examinados, são efetivamente específicas da doença coronariana ou do câncer, ou se não se manifestariam também em outros quadros. A experiência clínica mostra que um mesmo traço, ou conjunto de fatores de personalidade, pode ser encontrado em quadros clínicos diferentes, não sendo específico a um único tipo ou grupo de doenças". (Op.cit., p. 90). [25] Cf. Recomendações aos médicos que exercem a análise (S. Freud). [26] O lacanismo, por sua vez, lê a queixa (o pedido de análise) como o pior dos sintomas... O in medium sed virtus freudiano traduz uma firme recusa a aprioris do gênero. [27] Teatros do Corpo, pp. 2-3. [28] Idem, p. 3. [29] Em virtude de sua complexidade, esta questão tampouco poderia ser desenvolvida aqui. Mesmo assim, cabe lembrar que a primeira teoria das pulsões ainda sofre a influência do darwinismo (ego definido como representante do organismo para fins adaptativos, sexualidade teleologicamente subordinada à preservação da espécie). A segunda, formulada na seqüência da teorização da sublimação e da psicose, e ainda que postulando um apoio biológico (sumamente especulativo, aliás), afasta-se dos determinantes ambientais e orgânicos, descrevendo o conflito humano através das tendências opostas de aceitar ou não a relação com o objeto (Eros x Thânatos). [30] Só para indicar dois impasses nosográficos, entre tantos, que retratam a dificuldade de definir categorias estanques, lembremos que Freud considerava a mania-depressão ("distúrbio bipolar") como uma "neurose narcísica", noção que combina as categorias de neurose e psicose, e Melanie Klein afere a presença de "núcleos psicóticos" em "neuróticos". [31] Repressão e subversão em psicosomática, p. 32. [32] Teatros do corpo, p. 30. [33] Idem, pp.38/39. [34] Não ajuda muito na caracterização dessa categoria nosográfica construída ad hoc a afirmação de que nela o conflito se vale "...do corpo inteiro..." para manifestar-se, "...sendo que esse tipo de de organização visa a constituir uma aparência de identidade subjetiva e a proteger contra a morte psíquica". [35] Trata-se de uma concepção que confere ao bebê uma afetividade própria definindo-o como sujeito, incompatível com a descrição segundo a qual o infans está indiferenciado ou na posição de objeto (se passou pelo estádio do espelho). ¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨ Consulte mais sobre esse e outro títulos do autor: www.franklingoldgrub.com