as paredes pinturas de mônica nador
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as paredes pinturas de mônica nador
AS PAREDES PINTURAS DE MÔNICA NADOR MÔNICA NADOR [Artista plástica] Mônica Nador nasceu em 1955, em Ribeirão Preto (SP), e cursou artes plásticas na FAAP, em São Paulo, em um momento em que os jovens artistas reivindicavam as possibilidades expressivas da pintura. Nador participou, em 1984, da emblemática exposição “Como vai você geração 80?”, exibindo telas grandes, preenchidas com pinceladas repetidas, alternando cores como o preto, o vermelho, o azul. Em 1996, a leitura do texto O fim da pintura, do crítico norteamericano Douglas Crimp reafirmou a sensação do esgotamento da experiência formal e confirmou o desconforto que a artista já sentia em relação às demandas do mercado. Foi assim que nasceu o projeto Paredes Pinturas. “Estou ciente de que a arte não transforma as estruturas sociais; por outro lado, não posso fazer arte sem levar essas estruturas em consideração”, afirma Mônica Nador. Ainda em 1996, ela abandonou o espaço do ateliê tradicional e passou a se dedicar a projetos de pinturas nas ruas, paredes e casas de locais de periferia ou em pequenas cidades, trabalhando em bairros de baixa renda. No início do processo, apropriou-se de imagens baseadas em padronagens islâmicas, utilizando máscaras que se transformam em moldes vazados, repetidos em estamparias seriadas. Para ela, esses motivos representam uma resistência relativa ao espanto do belo, algo que vai na contramão da prática da arte contemporânea, mas que se liga a uma atitude de saúde, através de um cuidado visual. A partir desse exercício inicial de padronagens, as pinturas passaram a adquirir leituras singulares, adaptando-se aos padrões culturais das populações locais. 81 POLÍTICA E ARTE CONTEMPORÂNEA A arte contemporânea ocidental abandonou a procura de beleza e, ao contrário, reforçou aspectos da expressão mais ligados à abjeção, conceitualmente baseados na realidade cotidiana atual. Mas beleza faz bem à saúde e ao espírito, segundo a artista. Desde então, Mônica Nador realizou seguidos projetos Paredes Pinturas, em contextos diversos. Em 1998, a convite da Universidade Solidária, pintou um coreto em praça pública, na cidade de Coração de Maria, já com a ajuda da comunidade. E um clube em Nilo Peçanha, ambas cidades na Bahia. Em 1999, trabalhou uma casa de palafita, no Amazonas, usando um motivo de uma “casinha”, desenhada pela própria moradora. Depois, pintou a sede de um assentamento do MST, em Piratininga, com desenhos de estrelas e palmeiras criados pelos participantes do movimento. Também pintou os muros e fachadas de um bairro de São José dos Campos, projeto patrocinado pela Fundação Cassiano Ricardo.“A Vila Rhodia, que faz parte do bairro de Santana, é formado em grande parte por uma população que emigrou do sul de Minas Gerais. Então eu trabalhei com os moradores usando motivos retirados dos riscos de bordados mineiros, por exemplo”, conta a artista. Atualmente, ela fixou-se no Jardim Miriam, onde trabalha com os moradores do bairro, no JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube), no sentido de criar novas padronagens para as paredes e estampas para panos, camisetas, papéis. Articulando uma esfera micropolítica, Mônica Nador crê na potência criativa da arte. Para ela, o exercício de fruição do belo pode ser por si só um elemento transformador. Katia Canton 82 AS PAREDES PINTURAS DE MÔNICA NADOR A seguir, uma conversa entre Mônica Nador e Jorge Menna Barreto Sobre Territórios e Sentidos na Arte: Mônica: A casa na Vila Rhodia, o lugar onde primeiro surgiram as flores vermelhas, será o site propriamente dito; em segundo lugar, já um não-site em relação àquele, o trabalho em Cuba. Finalmente, o trabalho em Sydney, que eu acho que tem o mesmo status do de Cuba, um simples não-site, não é? Então, esse lugar onde estamos agora é que seria o não-site do não-site, não é isso? Jorge: Fico contente de poder discutir esses assuntos com você. Interessam-me profundamente. Eu não entendi se as flores que foram para Sidney se originaram na Vila Rhodia ou em Havana. Sim, entendo esse lugar onde estamos agora (esses e-mails, conversas, trocas, etc...), esse lugar que já não é mais a Vila Rhodia, nem Havana e nem Sidney, como um non-site “smithsoniano” ou como um functional site do James Meyer, quando o lugar da obra deixa de ser somente um local literal e torna-se um informational site,1 “que inclui desde o lugar físico (sem priorizá-lo), até fotografias, textos, vídeos, objetos, etc., que não se encontram confinados a uma localidade específica e nem literal e que remetem a outros lugares e situações, num exercício infinito de associações e encadeamentos”.1 Acho interessante que o meu contato com o seu trabalho seja a partir desses relatos, pois não vi o seu trabalho em nenhuma dessas localidades, a não ser o de Havana brevemente. Assim, esses relatos e conversas deixam de ser somente relatos e passam a ser constitutivos do seu trabalho, para mim obviamente. Foi por isso que associei o seu trabalho ao do Robert Smithson. No Spiral Jetty, 1. James Meyer. The functional site; or, The transformation of site specificity in space, site, intervention: situating installation art /Erika Suderburg, editora (University of Minnesota Press), p. 23. 83 POLÍTICA E ARTE CONTEMPORÂNEA por exemplo, poucas pessoas foram até o deserto para vê-lo ao vivo. A maioria, como nós, conhece o trabalho a partir da sua documentação. Mas a documentação nesse caso ganha uma outra conotação, um outro peso, pois passa a ser um elemento constitutivo da obra, uma extensão, e não apenas uma documentação no seu sentido mais simples. Penso em níveis de participação no seu trabalho. O seu nível de participação, o nível de participação da pessoa que teve a casa pintada, o nível da pessoa que “assiste” isso, as pessoas que têm contato com você, as pessoas que vêem as fotos (pensando bem, a palavra nível não é muito apropriada aqui... pois pode levar a uma idéia hierárquica, que não é o caso, suponho). Poderíamos constituir um mapa que cobrisse essas múltiplas posições do participador, ou esses múltiplos lugares que constituem o “lugar” do seu trabalho, se é que ele aceita um mapeamento. Acho interessante que essa flor que emerge a partir de uma especificidade de relação da sua operação na Vila Rhodia seja deslocada para outros contextos e culturas e temporalidades. Acho interessante como essa aderência se dá. Você poderia me falar mais sobre isso? Você tem imagens para me mandar? Desculpe a profusão de idéias, meio sem organização, mas estou encarando essa nossa troca de e-mails como um bate-papo. Mônica: Foi assim: quando fiz o trabalho na Vila Rhodia (que consistia em levar tinta e ensinar a técnica do desenho/stencil/ pintura para eles pintarem suas casas), várias casas foram pintadas, usando o seguinte acorde cromático + motivos: flores vermelhas, folhas verdes, miolo amarelo sobre fundo branco. Muito óbvio (simples) e muito eficiente (bonito). Pensei em como poderia ter passado desapercebida por mim, “pintora sofisticada”, tal combinação. Aí as mulheres me contaram: “É que nóis pinta pano de prato!” Pronto: repertório de pintura de pano de prato. Desde então, fiquei 84 AS PAREDES PINTURAS DE MÔNICA NADOR com essa vontade de pintar uma parede-pano-de-prato num cubo branco. Mas a primeira oportunidade que me apareceu para um trabalho mais autoral foi na Bienal de Cuba, justamente naquela ruína que fazia parte de um espaço cultural comunitário em Havana, o Centro Cultural Comunitário Okán Odara. Ficou como um presente da Vila Rhodia (uma comunidade brasileira) para San Isidro (uma comunidade cubana). Para Sydney, a curadora pediu aquele mesmo motivo que havia visto em Cuba. Meu espaço era no Museu de Arte Contemporânea de Sydney; pronto: o pano de prato foi para o cubo branco, mas com fotografias mostrando o lugar original – a casa na Vila Rhodia – que o originou. Em Cuba, essas fotos não foram mostradas, o que resultou num não-site não referenciado... isso ainda é um não-site? Também tenho a seguinte dúvida: uma simples documentação de um evento não-artístico é um não-site? Jorge: Então, teríamos que perguntar para o Robert Smithson se isso é ou não um non-site (risos). Enfim, acho que ser ou não ser não é o mais interessante. O que o Robert Smithson levanta é a relação que o lugar original tem com a documentação desse lugar e toda a complexidade que possa vir daí. Acho que o que interessa no seu trabalho é pensar como que a documentação vai parar em uma galeria ou num museu ou num catálogo. Muitas vezes, o lugar de execução da sua obra é tão remoto para o público da arte quanto era o deserto de Nevada nos Estados Unidos, no caso de Smithson. É claro que, no seu caso, não estamos falando de uma distância geográfica. Mas a probabilidade de que muitos freqüentadores do circuito artístico irão um dia até o JAMAC é remota. Tão remota quanto a probabilidade que a gente vá até o deserto de Nevada para ver o Spiral Jetty (será?). A distância, que no caso do Spiral Jetty é real, no seu caso é social. Mas você transita bem por esses dois “lugares”... 85 POLÍTICA E ARTE CONTEMPORÂNEA Queria voltar a um comentário seu que me marcou muito no primeiro dia de aula do Martin (Grossmann) e da Ana (Maria Tavares). Você disse que o mestrado tinha sido muito importante no seu processo artístico porque, depois de ter lido o Douglas Crimp, você percebeu que não dava mais para pintar quadros. Sua pintura foi então para um outro lugar. Você disse também que tinha chegado em um ponto de insatisfação atualmente, pois estava cansada de fazer “cartões-postais” do seu trabalho para o circuito de arte... talvez se referindo a esse uso “perverso” que o circuito de arte dá para o registro do seu trabalho. Por outro lado, você diz ser importante manter esse vínculo com o circuito artístico para conseguir patrocínio para continuar trabalhando no que realmente interessa para você, que são as intervenções nas casas. Percebo que muitas vezes esse seu “desprezo” pelo momento em que o seu trabalho vai para o circuito artístico gera uma “insuficiência” no seu discurso. Essa foi a minha queixa na sua apresentação na penúltima aula do curso da Ana e do Martin. O que eu cobrei de você é que houvesse um cuidado maior na “representação”, na documentação e na fala sobre esse trabalho, já que muitos de nós tínhamos o nosso primeiro e talvez único contato com o seu trabalho via documentação. Se para você esse momento é algo “menor”, para muitos é algo fundamental, ou constitutivo da sua obra. Agora, você acha que é possível que esse contato com a documentação, ou non-site, “dê conta” da complexidade do trabalho ou você pensa que a experiência in situ é insubstituível? Penso que o Robert Smithson (especulação minha) não queria promover a ida ao Spiral Jetty para que as pessoas “entendessem” realmente o que estava se passando, pois essa distância era justamente um problema interessante para discutir. Levando essa questão para você: é do seu interesse que o seu público vá até o JAMAC ou você pensa em algum tipo de non-site que gere essa complexidade proposta pelo trabalho? 86 AS PAREDES PINTURAS DE MÔNICA NADOR Mônica: Não acho importante que o público do circuito de arte vá ver o trabalho in situ, é claro, a não ser que a pessoa tenha um interesse particular nesse tipo de ação. Acho, sim, que devo ter uma documentação eficiente. O que quer dizer isso? Não sei exatamente. Você me ajuda dizendo que ela não está cumprindo o papel. Mas, sem dúvida, o mais importante é fazer o trabalho, ainda que com documentação precária... Também não fico pensando muito na documentação do trabalho como não-site, penso em documentação mesmo, e não acho isso menor que o não-site. Simplesmente é mais adequado, no caso de vídeos e fotos. Acho que talvez dê para falar em não-site quando pinto a parede do museu com as flores da Vila Rhodia e mostro as fotos do lugar de origem. Acho que em Cuba eu usei uma referência de outro lugar, do mesmo jeito que usei um padrão islâmico na parede do MAM. Também não considero aquilo o não-site, mas um trabalho inteiro (discurso inteiro talvez seja melhor, não?). Em Sydney, a parede pintada se referia àquela da Vila Rhodia e só por isso estava lá. Valia justo por ser a documentação daquela ação anterior. Em Havana, ela está lá até hoje e por si só. O fato de ela ter vindo de onde veio é mais uma curiosidade. Aliás, lá, acho que pouquíssima gente sabe disso e nem importa que saibam, na verdade... Jorge, fico achando que o não-site é um tipo de documentação típica do “cubo branco” e que pode passar por um trabalho de arte, também... Jorge: Outra coisa que esqueci no e-mail anterior: lembro que muitos artistas conceituais se utilizavam justamente de um despojamento do material para que isso fosse um trampolim para o conceito... ou seja, será que o seu “despojamento” em relação à documentação é uma estratégia para não dar muita luz para esse momento do trabalho e fazer com que isso sirva apenas como um indicador de um outro momento, que é mais interessante? Enfim, são algumas dúvidas. 87 POLÍTICA E ARTE CONTEMPORÂNEA Mônica: Meu despojamento não é uma estratégia. Ele não é sequer planejado. Meu trabalho é o que é possível. Agora, é claro: faço opções. Optei por outro público. Como o trabalho vai ser divulgado do lado de cá é outra questão. Essa acontece como é possível em cada situação. Por exemplo, agora na Luisa estou mostrando algumas fotos justamente do Jardim Miriam; um artista argentino que também está expondo não entendeu o que era o meu trabalho, achou que eram as fotos. Ou seja, estamos em pleno processo de elaboração dessa questão... Agora, acho meu trabalho muito diferente do Spiral Jetty. Lá, não tinha público algum; ou melhor, o público era o mesmo do circuito convencional. Penso também que essa é uma questão para ser resolvida em muito tempo. É claro que a documentação dele é importante – para isso é que faço doutoramento. Mas não faço questão de resolver toda a parada, já. A Regina [Silveira] acha que eu tinha que andar com uma câmara de vídeo grudada em mim, registrando tudo: minha relação com as pessoas envolvidas, as informações que consigo passar, as broncas que eu levo, etc. (pra te falar a verdade, só quando ela me disse isso é que entendi inteiramente que todo o processo é arte). Acho que seria uma solução, se fosse possível. Não é por que não dá para pintar e filmar ao mesmo tempo. Mas eu vou ter um documentário, como você sabe, feito por outra pessoa, a Ludmila (Ferolla). É diferente do que a Regina propõe, mas é o que é possível. Por outro lado, é muito difícil conseguir recursos pra fazer esse trabalho, como você também sabe. A gente tem que acabar optando e é claro que eu opto por batalhar por mais casas pintadas. Jorge: Pois é, quando penso em “estratégia”, não penso de forma pejorativa. Também não vejo que esse despojamento no seu trabalho seja tão casual assim... Acho que essa sua (não) opção, embora justificável, seja intencional ou passível de ser analisada 88 AS PAREDES PINTURAS DE MÔNICA NADOR como tal. Associo, portanto, a esse aspecto da arte conceitual que se utilizava muitas vezes de uma precariedade de recursos formais para que o espectador não ficasse seduzido pela questão formal (ou retiniana) e para que isso servisse como uma alavanca para outras questões, para uma sofisticação conceitual. Esse é um conceito de “participação” que a gente encontra no teatro épico de Brecht, que pensa que o espectador possa ser ativado justamente a partir desse “vazio” formal. Brecht via implicações políticas nesse “vazio”. Penso que quando Duchamp fala do retiniano e do não-retiniano, ele também esteja se referindo a isso. Entendo que essa seja uma “estratégia”, ou dispositivo, para ativar uma cerebralidade do trabalho e para não ficar na “sala de espera”. Assim, o público deixa de ser contemplador retiniano e se cria a possibilidade (sem garantias) de que ele tome uma postura mais ativa diante da obra, pois o que está ali sendo apresentado é apenas um referente, um ponto de partida. Essa “insatisfação” visual/formal portanto seria produtiva... quando penso que você deveria “elaborar” melhor a questão da documentação, não acho que você tenha que mudar a forma de documentar, necessariamente. Talvez ela esteja muito redondinha... e você já tenha “resolvido” ela muito bem, intuitivamente. O que te parece? Mônica: O Brecht usava vários recursos para tirar o espectador do momento de puro gozo estético e reconectá-lo com a realidade concreta, com a consciência de que aquele momento era puro teatro. É, é uma interpretação possível para a minha atitude dentro do circuito, e bem bonitinha, não é? É interessante lembrar que eu achava que meu trabalho dentro do circuito estava “sobrando”. Aquelas pessoas já não precisam do momento de fruição do belo, diferente das pessoas da periferia. Então, em cada momento, o trabalho promove estados de consciência diferentes, não é? Lá, a boa e velha fruição estética; aqui, outras fichas, relacionadas fortemente a 89 POLÍTICA E ARTE CONTEMPORÂNEA toda tradição da história da arte. Mas eu insisto em observar como é difícil de lidar com outros paradigmas! Como é necessária mesmo a elaboração acadêmica para a aceitação/entendimento de uma ação que se dá pela urgência da realidade, antes de qualquer justificativa intelectual. Digo isso inclusive do meu próprio processo, pois só depois de “autorizada” pelo Douglas (Crimp) é que pude atuar no que realmente me incomodava,... e fazendo arte, que é o que eu gosto e sei fazer. Jorge: Concordo com você que tudo isso, todo esse processo de elaboração sobre a questão da documentação, vai se resolvendo aos poucos. Concordo com a Regina Silveira que diz que “tudo” é o trabalho, ou melhor, todas as extensões do trabalho devem ser elaboradas, pois não entendo os diferentes públicos de forma hierárquica. Não acho que a pessoa que tem a sua casa pintada seja mais ou menos importante do que a pessoa que vai na galeria e vê a foto do seu trabalho. Portanto, entendo que tanto o momento de pintura das casas quanto o momento de apresentação desse trabalho (em outros meios via documentação) são importantes, relevantes e merecem o mesmo (?) investimento de energia. Entendo que sejam momentos distintos apenas, muito distintos, aliás. Mas entendo o que você diz que a gente vai elaborando cada coisa por vez. Acho genial que você trabalhe em colaboração com outra pessoa para fazer esse registro. Aliás, acho que colaboração é uma das questões mais pulsantes no seu trabalho. Acho muito interessante toda essa “exterioridade” que vejo em sua elaboração. Por exemplo, quando você fala que o texto do Douglas Crimp foi importante no seu processo, quando você fala que a Regina disse isso, quando você convida a Ludmila, quando eu entro na elaboração desse texto... essa permeabilidade ao outro também me é motivo de grande interesse. Me parece que o seu trabalho acaba criando um sistema, uma rede, que atrai outras inteligências 90 AS PAREDES PINTURAS DE MÔNICA NADOR e outras competências. O papel do artista passa a ser um tanto gerencial nesse momento, meio como um administrador de um agenciamento, um orquestrador, talvez... Outra coisa, não lembro de ter visto, em suas exposições “de galeria”, um texto, inventário ou descrição a partir de texto. Você já usou texto, alguma vez, junto com as imagens? Falamos em “texto visual” pelo telefone... Você acha que poderíamos dizer que essas imagens que você usa quando expõe o trabalho no “circuito artístico” poderiam se caracterizar como uma forma de “texto”, já que tentam construir uma espécie de narrativa? Mônica: Nunca disse que as pessoas que têm a casa pintada são mais importantes que as outras, trata-se de uma interpretação sua. Muitíssimo pelo contrário, o público ao qual preferencialmente me dirijo agora é que não tem a menor importância para a grande maioria do circuito de arte. É só por causa do estado de abandono em que vive essa turma (não só pelo circuito, é lógico) foi que me vi impelida a fazer o que faço. Agora, acho interessante que os aspectos éticos do trabalho não sejam tão estimulantes para essa discussão quanto a questão formal, não só para você como para a nossa sala de aula de um modo geral. Acho que, surpreendentemente, sou “difícil”. Outra coisa, é claro que fazemos textos, mas também já faz tempo, não? Só para terminar: para Brecht, essa forma de ativar o espectador a partir de um despojamento formal e até de uma frustração retiniana possuía uma conotação política de tirar o espectador da passividade e colocá-lo a pensar. Já estamos longe desse tempo, Jorge. Como li outro dia num artigo de jornal, a propósito de uma exposição do Sebastião Salgado: “Se denúncia mudasse alguma coisa, estaríamos noutra situação há muito tempo”. 91