17. Uma análise da evolução das histórias em quadrinhos de

Transcrição

17. Uma análise da evolução das histórias em quadrinhos de
17. Uma análise da evolução das histórias em quadrinhos
de Mauricio de Sousa
Rubens Francisco Torres
Resumo
O artigo procura analisar a evolução das histórias em quadrinhos publicadas por Mauricio de
Sousa, observando o uso de elementos da linguagem dos quadrinhos utilizados. Inicialmente,
realizou-se um levantamento histórico da vida do autor até os dias de hoje. A seguir, foram
definidos os principais elementos da linguagem e análise visual, bem como os principais
elementos da linguagem dos quadrinhos. Finalmente, tendo como base esses elementos
identificados, foi realizado a análise de algumas revistas publicadas por Mauricio de Sousa, de
1970 até os dias de hoje.
Palavras-chave
História em quadrinhos. Análise da imagem. Linguagem dos quadrinhos. Mauricio de Sousa.
Turma da Mônica.
1 Introdução
Um dos principais desenhistas de histórias em quadrinhos infantis no Brasil é
Mauricio de Sousa, que publica revistas há 4 décadas ininterruptas. Seu trabalho é único e
seus personagens são conhecidos e difundidos em todo país e até mesmo no exterior.
Mauricio criou vários núcleos de personagens-tipos com estilos próprios e características
marcantes, sendo que sua personagem principal é a Mônica, a menina de vestido vermelho e
que possui uma superforça (CAGNIN, 1973).
Este artigo procura analisar a evolução das histórias publicadas nas revistas que
Mauricio de Sousa lançou ao longo dessas quatro décadas e identificar os principais
elementos de cada período e como as personagens se desenvolveram e modificaram ao longo
do tempo.
Para isso, iremos conhecer um pouco sobre o histórico profissional do Mauricio e
como ele criou todas as suas obras. Depois, levantaremos alguns conceitos sobre análise de
imagem e linguagem dos quadrinhos para conhecer os principais elementos de análise e como
essa análise deve ocorrer. Finalmente, analisaremos algumas revistas editadas por Mauricio,
identificando as principais características e elementos de cada período.
2 O trabalho de Mauricio de Sousa
Maurício de Sousa é um dos principais autores brasileiros de histórias em quadrinhos e
publica suas histórias em revistas mensais e tiras diárias publicadas em jornais e na Internet.
Ele é um caso raro de autor que conseguiu criar e viver de histórias em quadrinhos no Brasil,
desenvolvendo uma verdadeira indústria de quadrinhos infantis. Seus personagens mais
importantes são a Turma da Mônica, que mostram crianças que “vivem uma infância
idealizada, sem freqüentar a escola, e são mostrados em um ambiente indefinido -, entretanto,
cativam seus leitores pela ingenuidade e humor[...]” (SANTOS, 1998, p. 111).
De acordo com informações publicadas no portal da Turma da Mônica (2008),
Mauricio de Sousa nasceu em outubro de 1935 na cidade de Santa Isabel, em São Paulo,
mudando-se logo em seguida com a família para a cidade de Mogi das Cruzes. Na juventude,
trabalhou em rádio e fazia serviços extras como desenhista. Tentou ser desenhista na cidade
de São Paulo, sem sucesso, mas conseguiu um emprego como repórter policial no jornal
Folha da Manhã. Após 5 anos, em 1959, criou os personagens Bidu e Franjinha, desenhou
uma série de tiras com eles e ofereceu ao jornal para publicação. As tiras foram aceitas e a
partir desse momento Mauricio passou a se dedicar a sua carreira de desenhista.
Nos anos seguintes Mauricio criou outros personagens e continuou a publicar tiras e
páginas seriadas em diversos meios de comunicação. Em maio de 1970 lançou a primeira
revista mensal, pela editora Abril. A revista Mônica saiu com uma tiragem de 200.000
exemplares e logo se tornou um sucesso entre as crianças, o que permitiu o lançamento da
revista Cebolinha, dois anos depois. Ainda na década de 70 ele lançou a revista Pelezinho,
com histórias e personagens baseados na vida do jogador Pelé. Para publicar todas essas
revistas e ainda as tiras diárias, além dos licenciamentos de produtos, que se tornou também
uma importante fonte de renda e divulgação, Mauricio começou a formar uma equipe de
trabalho em um estúdio que, de início, era muito pequeno e ficava em um espaço cedido pela
Editora Abril. O sucesso e o bom número de vendas das revistas permitiu que logo o estúdio
crescesse e fosse para uma sede própria.
Na década de 80 lançou mais duas revistas, Cascão e Chico Bento e também iniciou a
produção de filmes e desenhos animados (que não durou muito por consequência de diversos
problemas técnicos e econômicos). No fim da década de 80 Maurício trocou de editora e
começou a publicar suas revistas pela editora Globo e ainda lançou a revista Magali. Assim, o
quadro principal de personagens da Turma da Mônica passou a contar com revistas próprias,
sendo a da Mônica e Cebolinha mensais e Cascão, Chico Bento e Magali quinzenais. Também
começou a publicar almanaques e revistas especiais e temáticas. Na década de 90 o sucesso
das revistas do Mauricio era enorme e o licenciamento de produtos se tornou um dos mais
poderosos do país, o que permitiu que o estúdio se preparasse para outros tipos de mídias,
como a televisão, Internet e cinema, e ajudou na venda e publicação de revistas e tiras em
outros países. Em 2007, Maurício trocou novamente de Editora e passou a publicar suas
histórias pela Editora Panini, o que possibilitou uma melhora na qualidade das revistas e
ampliou a possibilidade de publicação de revistas em muitos outros países.
3 Linguagem e análise visual
Para se entender os elementos essenciais das histórias em quadrinhos é preciso
entender um pouco a linguagem dos quadrinhos e o sistema de análise visual. Segundo
Cagnin (1973, p. 4), a “História-em-quadrinhos é um sistema narrativo formado de dois
sistemas gráficos de signos: a imagem obtida pelo desenho; a linguagem escrita”. “Esses dois
códigos podem ser analiticamente separados mas são complementares para a leitura dos
quadrinhos” (SILVA, 1995, p. 50).
A linguagem é um sistema de signos discretos ou digitais [...] que se manifestam
separadamente nos diversos níveis de significação.
[...]
A relação – signo lingüístico/objeto – é sempre indireta, pois não conserva nenhuma
semelhança com o objeto representado [...]. A sua forma física (sonora ou gráfica), é
sempre convencional, imotivada (CAGNIN, 1973, p.4).
O significado, para Dondis (2000, p. 31), “depende da resposta do espectador, que
também a modifica e interpreta através da rede de seus critérios subjetivos”. McCloud (1995)
diz que a linguagem dos quadrinhos utiliza-se de um fenômeno humano denominado
conclusão para gerar a significação e o entendimento da mensagem dos quadrinhos. Para ele,
a conclusão é um fenômeno onde se observando apenas partes de algo é possível perceber o
todo.
Os quadros das histórias fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo
recortado de momentos dissociados, mas a conclusão nos permite conectar esses
momentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e unificada (MCCLOUD,
1995, p. 67).
Com relação à comunicação e linguagem visual, Dondis (2000, p. 30) afirma que o
principal elemento visual é a luz e a natureza tonal, pois “o que a luz nos revela e oferece é a
substância através da qual o homem configura e imagina aquilo que reconhece e identifica no
meio ambiente”.
Sempre que alguma coisa é projetada e feita, esboçada e pintada, desenhada,
rabiscada, construída, esculpida ou gesticulada, a substância visual da obra é
composta a partir de uma lista básica de elementos [...]. Os elementos visuais
constituem a substância básica daquilo que vemos, e seu número é reduzido: o
ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão, a escala e o
movimento” (DONDIS, 2000, p. 51).
Esses elementos são a base para todos os elementos específicos dos quadrinhos.
“Todavia estes elementos não podem ser tomados, pura e simplesmente, como unidades
significativas ou representativas, porque são significantes apenas no conjunto realizado”
(CAGNIN, 1973, p. 37).
Expressamos e recebemos mensagens visuais em três níveis: o representacional –
aquilo que vemos e identificamos com base no meio ambiente e na experiência; o
abstrato – a qualidade cinestésica de um fato visual reduzido a seus componentes
visuais básicos e elementares, enfatizando os meios mais diretos, emocionais e
mesmo primitivos da criação de mensagens, e o simbólico – o vasto universo de
sistemas de símbolos codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual
atribuiu significados. Todos esses níveis de resgate de informações são interligados
e se sobrepõe (DONDIS, 2000, p.85, grifo do autor).
Cagnin (1973, p. 54) define que o surgimento do significado na percepção visual de uma
imagem fixa passa pelas seguintes fases:
Identificação (relação imagem / realidade);
Atribuição qualificativa (conjunto de enunciados descritivos);
Atribuição dinâmica (conjunto de enunciados narrativos).
4 Elementos das histórias em quadrinhos
As histórias em quadrinhos são constituídas por diversas unidades próprias e que
formam a estrutura básica para a criação das histórias e a comunicação com o leitor. Os
principais elementos que destacamos são:
a) Figuras convencionais de sons – “letras e sinais diacríticos (pontos, exclamação,
interrogação) [que] entram nos quadrinhos como a trilha sonora do filme” (CAGNIN, 1973, p.
63). Conservam a forma tradicional da escrita mas com grande expressividade e informação;
b) Quadros ou Molduras – são linhas retas que delimitam o espaço da ação. Cagnin
(1973, p. 63) explica que “a linha demarcatória nem sempre aparece, principalmente nos
quadrinhos modernos, mas é fácil imaginá-la ou supô-la numa faixa fluida ao redor do espaço
onde estão as figuras”.
A linha que circunda a vinheta, denominada requadro, é um elemento visual que
compõe a linguagem dos quadrinhos, e que pode tornar-se um signo e exercer uma
função metalingüística [...] Também a ausência do requadro na vinheta assume uma
significação: dá idéia de um espaço ilimitado. O formato do requadro pode, portanto,
transformar-se num elemento significativo da história, tornando-se parte da narrativa
(SANTOS, 1998, p.33).
Figura 1: Exemplo de molduras
Fonte: (SOUSA; BACK, 2007-2008)
O quadro age como um tipo de indicador geral de que o tempo ou o espaço está
sendo dividido. A duração do tempo e as dimensões do espaço são definidas mais
pelo conteúdo do quadro do que pelo quadro em si. As formas dos quadros variam
muito, e, embora essas diferenças não afetem o “significado” específico dos
quadros em relação ao tempo, elas podem afetar a experiência da leitura
(MCCLOUD, 1995, p. 99, grifo do autor).
Figura 2: Exemplo de variação na forma dos quadros
Fonte: (SOUSA, 1988)
Um quadro que ocupa meia página indica um tempo maior na narração e um
conseqüente aumento de tempo de leitura” (SILVA, 1995, p.53).
c) Planos - muitos conceitos para análise dos quadrinhos vieram da teoria
cinematográfica e a noção de planos é um exemplo, pois os quadrinhos procuram adequar a
realidade ao papel através de enquadramentos e os espaços que representam os
enquadramentos são conhecidos como planos (SILVA, 1995; SANTOS, 1998).
d) Linhas – linhas diversas sugerem diversos sentimentos e tipos de ações, por
exemplo, curvas dão idéia de movimento, horizontais de calma e linhas radiantes podem
significar explosão, atenção ou perigo (CAGNIN, 1973).
As linhas que indicam o movimento dos personagens ou de objetos [...] também se
tornaram símbolos da linguagem específica dos quadrinhos. Como a imagem que
aparece em cada vinheta é um momento “congelado”, um instante emoldurado, toda
a ação e todo movimento precisa ser expressa graficamente, através das linhas
cinéticas (SANTOS, 1998, p.35).
No princípio das histórias em quadrinhos foram criadas linhas para representar o
movimento nas histórias, as linhas de movimentos. Só que no começo elas eram ainda
grotescas e confusas, apenas com o tempo elas foram se refinando e se estilizando graças à
criatividade de diversos artistas como Bill Everett e Jack Kirby, e passaram a ter vida e
presença própria (MCCLOUD, 1995).
McCloud (1995) afirma que muitos artistas utilizam linhas e traços para representar
algo que não é visível. Essas linhas e traços são símbolos que representam essas idéias e
fazem parte da linguagem dos quadrinhos. À medida que um desenhista cria um símbolo novo
ele acaba sendo aceito e interpretado pelos leitores e acaba representando aquela idéia que ele
representa.
e) Expressões faciais – o caráter dos personagens, bem como suas emoções,
sensações e sentimentos são expressos nos quadrinhos através das expressões faciais e essas
possuem muitas variações, sendo que cada desenhista precisa definir bem os traços de suas
personagens levando em consideração as expressões faciais deles (CAGNIN, 1973).
f) Onomatopéia – são palavras que representam sons. Nos quadrinhos elas são
fundamentais para representar os sons nos quadrinhos e podem ser desenhadas e/ou escritas
de várias formas e tipos.
g) Balões – indicam a fala das personagens e podem revelar estados emocionais e
intenções da personagem. “Com estas convenções da linguagem dos quadrinhos, é possível
transmitir informações importantes da história, que são facilmente decodificadas e entendidas
pelo leitor” (SANTOS, 1998, p.31). Possui um pequeno apêndice conhecido como rabicho
que indica a origem da fala.
Esses são alguns elementos que fazem parte da linguagem dos quadrinhos. Existem
muitos outros elementos e todos acabam se relacionando de alguma forma e possuindo
características próprias. McCloud (1995), por exemplo, nos mostra a importância de
elementos como o tempo, o movimento e a cor na linguagem dos quadrinhos e mostra como
eles se relacionam com a linguagem das artes em geral. Isso tudo nos evidencia a riqueza de
elementos de análise que os quadrinhos nos oferece.
5 Análise das histórias em quadrinhos da Turma da Mônica
Tendo como base os conceitos identificados nos capítulos anteriores, foi realizada uma
análise das revistas em quadrinhos publicadas pelo Mauricio de Sousa entre 1970 até 2008.
Para isso, o trabalho do Mauricio foi dividido em quatro partes, que representam cada década
de trabalho e, de cada década, foram selecionadas algumas revistas que representavam tanto o
começo quanto o fim de cada década. Todas as figuras ilustradas foram retiradas das revistas
analisadas e do Portal Turma da Mônica.
5.1 Década de 1970
Durante sua primeira década, a característica mais marcante das revistas da turma da
Mônica era o traço dos personagens, que eram mais angulosos, esguios e estilizados e as
histórias sempre brincavam com o misterioso e o inexplicável, embora sempre baseado em
situações do dia-a-dia e na inocência da infância (SOUZA & BACK, 2007-2008c).
Figura 3: Quadro de abertura
Fonte: (SOUSA; BACK, 2007-2008)
O desenho no geral era muito simples e os cenários não eram muito importantes.
Normalmente, havia um detalhamento maior no cenário nos quadros de abertura e
encerramento e ao longo da narrativa era desenhado o mínimo necessário, sendo que a
maioria dos quadrinhos não possuíam desenhos de fundo, apenas cor chapada.
Os quadros possuíam uma estrutura tradicional, compostas por quadros com e sem
requadro, que se intercalavam ao longo da narrativa. A maioria das histórias eram divididas
em quatro linhas com quadros de mesma altura e comprimento variado, mas era comum
também histórias desenvolvidas em 3 ou 5 linhas e também histórias com quadros de mesma
altura e comprimento.
Figura 4: Modelo de História
Fonte: (SOUSA; BACK, 2007-2008)
Não havia muita variação nos planos, prevalecendo os planos médio e conjunto.
Utilizava-se muitas linhas para indicar ação e movimentos mas tudo ainda muito simples.
Essas linhas não eram muito elaboradas, tinham pouco refinamento e indicavam movimentos
de cabeça e do corpo, vento, sentimentos, suor, sons e estado de espírito. Os movimentos
também ainda eram muito simples e serviam de complemento, sendo pouco utilizados.
Quando personagens corriam ou escorregavam, a ação e o movimento eram indicados por
linhas e fumacinhas de poeira (Figura 5). Onomatopéias eram pouco utilizadas e sem muita
elaboração. Quando utilizadas, muitas eram apenas escritas e normalmente de forma discreta.
Os balões eram arredondados e com poucas variações, com diferenciação para mudanças de
sentimento básicas como medo, cochicho, grito e raiva.
Figura 5: Modelo de história com utilização de movimento
Fonte: (SOUSA, 1980)
De todas as personagens criados pelo Mauricio e que permanecem até hoje em suas
revistas, a que sofreu maior modificação ao longo dos anos foi a Tina, que é uma personagem
adolescente. Mauricio e sua equipe sempre procuraram retratar em suas histórias o cotidiano
das crianças e sempre acompanharam os gostos e interesses desse público, o que garantiu
parte do seu sucesso ao longo dessas quatro décadas. Mas com relação à Tina e seu núcleo de
personagens, eles sempre esbarraram no problema de não conseguir acompanhar as mudanças
e gostos ocorridas pelo público ao qual essas histórias se destinavam, que seriam os
adolescentes. O próprio Mauricio no seu portal afirma que sempre faltou identificação. Por
isso, ela é a personagem que mais sofreu modificações e observamos isso analisando as
histórias do núcleo dela publicadas na década de 70 (Figura 6). Ela possuía grandes óculos
que ocupavam metade do seu rosto, usava roupas e acessórios que a caracterizavam como
hippie (numa tentativa de acompanhar o interesse dos adolescentes da época) e seu corpo era
quase masculino, sem traços que caracterizassem a figura feminina.
Figura 6: Turma da Tina nos Anos 70
Fonte: (SOUSA; BACK, 2007-2008)
5.2 Década de 1980
Na década de 80 os quadrinhos do Mauricio passaram por uma evolução muito grande.
Os traços se tornaram mais arredondados e a maioria dos personagens se tornaram mais bem
definidos e caracterizados.
Figura 7: Modelo de história publicada na década de 80
Fonte: (SOUSA, 1988)
Os cenários passaram a ter grande destaque e a fazer parte de todas as histórias,
evitando-se ao máximo quadros com fundo chapado. Passou-se a fazer uso de retículas para
indicar sombra e todos os cenários eram desenhados com um detalhamento maior, evitando-se
espaços vazios.
Outra característica marcante foi o desenvolvimento da utilização de movimento ao
longo da história. As histórias começaram a ficar mais movimentadas e muitas utilizavam o
movimento como elemento essencial para a história. Com isso, as linhas de movimento se
tornaram mais refinadas e todas as linhas e traços utilizados eram bem aproveitados na
narrativa, não havendo excessos. As onomatopéias passaram a ser mais bem elaboradas, mas
ainda conviviam com onomatopéias mais simples semelhantes da década de 70. Os balões
passaram a ser mais bem desenhados e utilizados na história, favorecendo a ação. Na Figura 8
observamos uma história totalmente desenvolvida através do movimento e sem uso de
quadros, toda a ação é representada em duas páginas com excelente utilização de linhas de
movimento e onomatopéias que indicam o que está acontecendo.
Figura 8: Uso do movimento e ausência de quadros
Fonte: (SOUSA; BACK, 2007-2008)
Outra característica importante desse período foi a grande utilização de
metalinguagem e brincadeiras com elementos clássicos dos quadrinhos. Em quase todos os
gibis do período havia histórias onde os personagens chegavam a conversar com o leitor e
também a manipular elementos dos quadrinhos, como os balões e requadros, dentro da ação
desenvolvida na história. Essa característica nasceu bem antes da década de 70 e continua até
hoje, mas em menor escala do que nos anos 80.
Figura 9: A força da Mônica faz quebrar os requadros dos quadrinhos
Fonte: (SOUSA, 1988)
Com relação à personagem Tina, ela sofreu uma grande modificação na década de 80
(Figura 10). Ela deixou de ser hippie e se tornou uma adolescente colegial. Seu traço foi
aperfeiçoado, revelando curvas mais femininas, sua roupa variava muito, seguindo sempre a
moda da época e ela passou a representar os adolescentes da década, curtindo muito rock,
vivendo vários romances e desilusões amorosas.
Figura10: Tina nos anos 80
Fonte: (SOUSA, 1988)
5.3 Década de 1990
Na década de 90 todos os elementos da década presentes na década de 80 continuaram
e se aperfeiçoaram. Os traços se tornaram mais fortes e os personagens ganharam uma leveza
na composição. Os cenários passaram a ser ainda mais bem trabalhados, mas sem excessos
(Figura 11).
Figura 11: Modelo de quadrinho de abertura
Fonte: (SOUSA, 1992)
Buscou-se nesse período uma aproximação com o cinema. As histórias passaram a
utilizar uma gama maior de planos e muitas histórias foram desenhadas utilizando elementos
da linguagem cinematográfica.
Uma das maiores evoluções do período foram os argumentos utilizados nas histórias.
Eles passaram a ser mais complexos e a ousar mais. Com isso, os elementos visuais passaram
a trabalhar em favor da narrativa. Já não havia tantos movimentos quanto na década anterior,
o movimento só entrava quando a narrativa pedia. O cenário poderia ser menos trabalhado
caso a ação fosse o elemento mais importante para a narrativa. As linhas passaram a ser ainda
mais finas e ricas, os personagens passaram a ter uma gama de expressões faciais maior e as
onomatopéias utilizadas passaram a ser melhor trabalhadas (Figura 12). Outra característica
do período foi o começo da utilização do computador para colorização e finalização dos
quadrinhos, o que permitiu um uso maior nas cores e uma grande utilização de degradês e
sombreamentos digitais.
Figura 12: Exemplo de utilização de linhas de movimento e onomatopéia na década de 90
Fonte: (Sousa, 1997)
Já a personagem Tina passou por mais uma nova evolução. Ela se tornou mais
independente e preocupada com seu futuro, procurando decidir que faculdade cursar, tudo
isso sempre arrumando tempo para trabalhar, namorar e se divertir com os amigos. O seu
traço se tornou ainda mais sensual e seu figurino sempre acompanhou a moda da época
(Figura 13).
Figura 13 – Tina nos anos 90
Fonte: (PORTAL TURMA DA MÔNICA, 2008)
5.4 Década de 2000
No princípio da década as histórias diminuíram um pouco a elaboração dos cenários e
passaram a economizar diversos elementos. Os cenários, em sua grande parte, passaram a ser
apenas figurativos e para situar o ambiente da ação, sendo que apenas os elementos
figurativos presentes nas cenas é que continuaram sendo bem trabalhados e com riqueza de
detalhes. Aumentou-se o número de histórias sem diálogos, buscando assim atrair o público
infantil não alfabetizado. As histórias continuaram sendo bem elaboradas e girando em torno
do dia-a-dia dos personagens (Figura 14).
Figura 14: Página de abertura de uma história sem diálogos
Fonte: (SOUSA, 2002)
As linhas se tornaram mais finas e as onomatopéias melhor trabalhadas, inovando em
suas criações e buscando aproximar cada vez mais o desenho com o som representado. À
partir de 2007, com a troca editorial, as histórias passaram a se inspirar no traço e elementos
dos mangás, as histórias em quadrinhos japonesas. Esse elemento foi incorporado porque
Maurício percebeu o grande sucesso dos mangás e animês japoneses entre o público infantil.
Assim, as expressões faciais passaram a ser melhor trabalhadas e com certo nível de exagero,
buscando uma valorização dos sentimentos e estado de espírito dos personagens (Figura 15).
Figura 15: Expressões faciais baseadas nos mangás japoneses
Fonte: (SOUSA, 2007)
Por exemplo, quando um personagem está muito feliz, sua pupila salta do rosto e fica
maior que a face. Quando um personagem está revoltado, seus olhos se arregalam de forma
exagerada, os cabelos saem da cabeça e grande onomatopéia e linhas procuram retratar a sua
revolta, chegando a ocultar o ambiente.
Também a partir de 2007 a personagem Tina passou por nova evolução. Se tornou
universitária e ainda mais independente. Buscou-se atualizar ela e seus amigos às gírias,
costumes e atitudes dos jovens do século 21. A diferença com relação às décadas anteriores é
que começaram a investir mais na sua participação, aumentando seu espaço nas revistas e
criando títulos próprios, como o Almanaque da Tina e revistas especiais com aventuras de sua
turma. Agora suas histórias não se passam apenas no ambiente urbano, ela parte para viagens
e se envolve com aventuras e tramas mais complexas.
Figura 16: Capa de uma minissérie com a Turma da Tina lançada em 2008
Fonte: (PORTAL TURMA DA MÔNICA, 2008)
6 Conclusão
Procurou-se com esse artigo analisar a evolução das revistas em quadrinhos do
Maurício de Sousa através da utilização dos principais elementos para análise da imagem e
dos quadrinhos. Com esse trabalho, percebemos que essa evolução passou por diversas etapas
distintas que, para uma análise mais aprofundada, seria necessário uma abordagem maior e
também contemplar outros elementos. O que se espera com esse artigo é que ele possa servir
de referência para futuros estudos e análises da obra de Mauricio de Sousa.
Referências
CAGNIN, Antonio Luiz. Introdução à análise das histórias em quadrinhos. 188f.
Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 1973.
DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995.
MOYA, Álvaro de. Shazam!. São Paulo: Perspectiva, 1977.
SANTOS, Roberto Elísio dos. Para reler os quadrinhos Disney: linguagem, técnica,
evolução e análise de HQs. 389f. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
SOUSA, Maurício de. Cascão. São Paulo: Mauricio de Sousa Editora: Panini Comics, n. 8,
2007.
______. Cebolinha. São Paulo: Mauricio de Sousa Editora: Globo, n. 71, 1992.
______. Cebolinha. São Paulo: Mauricio de Sousa Editora: Globo, n. 186, 2002.
______. Mônica. São Paulo: Abril, n. 126, 1980.
______. Mônica. São Paulo: Globo, n. 15, 1988.
______. Mônica. São Paulo: Mauricio de Sousa Editora: Globo, n. 126, 1997.
______; BACK, Paulo. Turma da Mônica Coleção Histórica. São Paulo: Mauricio de Sousa
Editora: Panini Comics, n. 1-5, 2007-2008.
PORTAL da Turma da Mônica. Maurício de Sousa. Disponível em:
<http://www.monica.com.br/mauricio-site>. Acesso em 07 jun 2008.
SILVA, Nadilson Manoel da. Fantasias e cotidiano nas histórias em quadrinhos. 195f.
Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal
de Pernambuco, Recife, 1995.

Documentos relacionados