EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

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EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS:
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Bruna Micheli Cardoso Bicharra1
Resumo: Este artigo de cunho bibliográfico tem por objetivo discutir sobre a educação para
as relações raciais, com a proposta de se compreender os primeiros indícios do processo de
inserção da população negra à escolarização no Brasil a partir de 1860, questão esta iniciada
com a vinda dos primeiros negros ao país, trazidos da África pelos navios negreiros, para a
obtenção de mão de obra escrava nas lavouras de cana de açúcar, atividade dominante na
época. Esta discussão é levantada para a compreensão da criação das políticas públicas do
governo brasileiro para a educação nas relações raciais, valorizando a igualdade de direitos
entre brancos e negros dentro do ambiente escolar, visando à equalização das oportunidades
de ambos na sociedade.
Palavras - chave: Educação nas relações raciais. Políticas Públicas. Ações afirmativas.
INTRODUÇÃO
Algumas reflexões são necessárias para compreender o processo de construção da
invisibilidade dos negros na história da educação brasileira, isso se constata após vários
eventos, dentre os quais, a abolição da escravatura quando os negros são jogados nas grandes
cidades sem nenhum apoio do governo, que não fornece terras nas quais pudessem produzir
para sobreviver e não deram acesso a serviços fundamentais como saúde e educação, fatores
fundamentais para a conquista da cidadania. Desta forma, continuaram cativos da ignorância,
sem perspectiva de ascensão econômica e social (RIBEIRO, 2006).
Este texto trata de um breve histórico a respeito de questões relacionadas ao processo
histórico da educação para as relações raciais e a partir daí são apresentadas algumas políticas
públicas do governo federal que vem contrapor estas desigualdades, buscando uma
equalização de oportunidades na educação, enfatizando a lei n 10.639 de 9 de janeiro de 2003
1
Graduada em Pedagogia em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia, Especialista em Gestão,
Orientação e Supervisão escolar, [email protected].
que fala sobre a proposta de conteúdos programáticos no ensino de história nas escolas, que
inserem a obrigatoriedade do:
[...] estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos
povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o
índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições
nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
(BRASIL, 2003, p. 10)
Após algumas considerações teóricas tentamos entender como funciona a criação das
políticas públicas e como se dá sua efetivação visando o contexto das relações raciais e quais
foram os antecedentes das leis atuais que retratam esta discussão, pois se entende por relações
raciais questões da vida social de indivíduos, grupos e classes sociais.
1 - BREVE RESUMO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NAS RELAÇÕES
RACIAIS
A escassez de registros escritos sobre a educação das relações raciais no Brasil
demonstra uma tendência chamada por Santos (1995) de eurocentrismo histórico, isso
significa que somente o que advinha da Europa tinha valor para educação, o que significa
afirmar que a verdade em educação na Europa, era a verdade da educação no Brasil e na
América Latina.
Quando se procura entender sobre a educação das relações raciais no Brasil, deve se
destacar dois pontos importantes: o primeiro é estudar os poucos registros sobre a educação
para negros no Brasil e o segundo é ler e estudar sobre a história da educação brasileira
analisando e problematizando questões que foram omitidas, silenciadas ou distorcidas,
entendendo que a história é contada por aqueles que vencem as batalhas. (GUIMARÃES,
1996)
No Brasil, as discussões sobre políticas públicas voltadas para a ascensão dos negros
no país, é muito recente, data de 1996, quando o Ministério da Justiça realiza em julho deste
mesmo ano, um Seminário Internacional sobre “Multiculturalismo e Racismo: o papel da ação
afirmativa nos estados democráticos contemporâneos”. Segundo Guimarães, (1996), foi a
primeira vez que um governo brasileiro admitiu discutir políticas públicas especificamente
voltadas para a ascensão dos negros no Brasil.
Para entender melhor o histórico das relações raciais no Brasil, voltamos ao século
XVIII nos períodos de escravização indígena. Estes que por sua vez, eram superexplorados e
acabavam morrendo por causa das doenças antes desconhecidas e pelos maus-tratos recebidos
dos colonos, não satisfazendo, portanto, as totais necessidades de seus exploradores. Deste
modo, a alternativa viável para se obter mão de obra nas lavouras de cana de açúcar, atividade
predominante na época, seria trazer para o Brasil os negros da África, usufruindo assim, de
forma escravizada, todo o trabalho exigido não apenas nas lavouras, mas, sobretudo pelos
seus senhores. (RIBEIRO, 2006)
Após muitos anos de exploração e de negação aos direitos básicos dos negros,
começaram a surgir os primeiros movimentos, que mais tarde culminariam na criação de leis
em favor da liberdade dos negros no Brasil. A partir das contribuições de Pinsky e Nabuco
(2006), sistematizamos os elementos legais que no bojo do movimento abolicionista,
problematizaram o regime escravocrata no Brasil, como: a Lei do Ventre Livre promulgada
em 28 de setembro de 1871, pelo Gabinete do Visconde do Rio Branco, onde através desta,
dava-se liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir da data da lei. Porém como seus
pais continuavam escravos, as crianças poderiam ficar sob a responsabilidade dos senhores ou
serem entregues ao governo. Óbvio que a primeira opção seria a mais viável, já que os
senhores poderiam, então, usar a mão de obra destes “livres” até os 21 anos.
Outra lei importante no cenário abolicionista, foi a Lei dos Sexagenários, também
conhecida como Lei Sararaiva-Cotegipe, que foi promulgada em 28 de setembro de 1885. Tal
lei concedia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Conforme Nabuco (2000),
essa lei não possibilitou plenos benefícios aos escravos, pois devido às más condições de vida
que eles levavam, a maioria não conseguia atingir essa idade e os que chegavam não tinham
mais condições de trabalho, o que, portanto, beneficiava somente os proprietários, já que os
podiam explorar por muito tempo.
Deste modo após anos de escravização os negros enfim em 1989, receberam sua tão
sonhada carta de alforria, através da lei Áurea assinada pela princesa Isabel que foi
pressionada a proclamar a abolição da escravatura, a partir de pelo menos dois grandes
fatores: o primeiro, através das diversas formas de resistência expressas em revoltas
acontecidas pelo país por meio das fugas em massa das populações negras e a implantação
dos quilombos por todo o território nacional e o segundo, provocado pelas pressões
internacionais, principalmente pela Inglaterra que não aceitava uma produção oriunda de
trabalho escravo.
Sem dúvida, os quilombos representam uma das maiores expressões de luta
organizadas no Brasil. Em resistência ao regime escravocrata, esses núcleos se formaram a
partir de inspiração, liderança e orientação político-ideológica de africanos escravizados e de
seus descendentes nascidos no Brasil. Entendemos o conceito de quilombo como:
[...] um movimento amplo e permanente que se caracteriza pelas seguintes
dimensões: vivência de povos africanos que se recusavam à submissão, à
exploração, à violência do sistema colonial e do escravismo; formas
associativas que se criavam em florestas de difícil acesso, com defesa e
organização sócio-econômico política própria; sustentação da continuidade
africana através de genuínos grupos de resistência política cultural.
(NASCIMENTO, 1980, p. 32).
De modo que a implantação de comunidades quilombolas no Brasil significou uma
ruptura social protagonizada por seus principais interessados e interessadas, a população afrobrasileira. Assim, o processo de colonização e escravidão durou no país mais de 300 anos,
sendo um dos últimos no mundo a aboli-la. Após a Abolição, as leituras realizadas permitem
afirmar que outra questão seria levantada: como e onde os negros viveriam? O governo não
forneceu terras para os negros libertos, nas quais eles pudessem produzir e não possibilitou
acesso a serviços fundamentais como saúde e educação, fatores fundamentais para a conquista
da cidadania. Desta forma, continuaram cativos da ignorância, sem perspectiva de ascensão
econômica e social. O princípio da igualdade perante a lei foi durante muito tempo
considerado a garantia da liberdade.
Atualmente sabemos que o Brasil é o segundo país do mundo em população negra
perdendo apenas para a Nigéria2, mas esse dado não é considerado importante já que ao longo
de sua história produziu forte desigualdade entre negros e brancos, situação vivenciada
através da escravidão até o século XIX, onde foi dada uma liberdade utópica para os negros,
já que até então eles não podia estudar e só sabiam como trabalhar na terra, deste modo a
abolição da escravatura serviu apenas para jogar os negros na marginalidade, e na exclusão
2
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004. Acesso:
10/05/2015.
social, eles não possuíam terras, não tinha direitos igualitários aos brancos e ainda passavam
por preconceito, já que muito dos fazendeiros não aceitavam a abolição. (BRASIL, 2005, p.
113)
Não há muitos registros que comprovem ao certo quando é iniciada a escolarização
dos negros no Brasil, o que pesquisas históricas ratificam é que durante o Império,
implementaram-se através das leis do ventre livre e da abolição, meios para que os negros
tivessem oportunidade de iniciar seus estudos, de maneira formal em algumas escolas, porém,
a falta de recursos materiais e também financeiros, impossibilitaram muitos deles de realizar
esse direito. Apesar de não existirem documentos oficias que possam, comprovar a inserção
do negro na escolarização, Fonseca diz que, em 1836, mesmo que os senhores se propusessem
a arcar com os custos, a educação escolar era negada aos escravos: “Eram proibidos de
freqüentar a escola: os que sofressem de moléstias contagiosas e os escravos e os pretos
africanos, ainda que livres e libertos.” (FONSECA, 2001, p. 29)
Esse pensamento era baseado segundo Bernardo (2006), na Lei nº. 14 de 22/12/1837
que definia quem deveria ter acesso econômico, político e educacional. A educação naquela
época era dualista: uma para os filhos dos senhores e outra para os escravos.
De acordo com Cunha (1996), a exclusão dos negros no acesso aos bens e serviços
essenciais, pode ser explicada através de dois fatores: o primeiro é que a educação, neste caso
a leitura e a escrita, se oferecida aos escravos, desenvolveria a intelectualidade dos mesmos, o
que seria uma grande ameaça à ordem naquela época, já que a visão intelectual ou uma
melhor compreensão da realidade, facilitaria para que eles e elas se percebessem como
pessoas que também mereciam liberdade e que, portanto, a saída seria a não aceitação à
imposição vigente na época. O outro fator que negava o direito à vida escolar do negro se
baseia na idéia de contaminação do corpo social, ou seja, o contato da sociedade branca com
os escravos e africanos poderia contaminar, sobretudo, as crianças com uma cultura primitiva,
assim vista pela sociedade servil em relação à cultura africana. No entendimento da classe
dominante da época, isso seria inadmissível se quisesse manter a formação de uma boa
sociedade.
No entanto, aos poucos vão surgindo oportunidades educacionais especificamente para
as populações negras, expressas na construção das primeiras escolas, contemplando
inicialmente as meninas:
[...] o Colégio Perseverança ou Cesarino, primeiro colégio feminino, que foi
fundado em Campinas, no ano de 1860; e o Colégio São Benedito, criado na
mesma cidade, em 1902, foram instituídos para alfabetizar os filhos dos
homens de cor da cidade. Aulas práticas ainda foram oferecidas pela
irmandade de São Benedito, em São Luis do Maranhão. Outras escolas são
apenas citadas em alguns trabalhos, a exemplo da Escola Primária no Clube
Negro Flor de Maio de São Carlos (SP), a Escola de Ferroviários de Santa
Maria, no Rio Grande do Sul, e a promoção de cursos de alfabetização, de
curso preparatório regular e de um curso preparatório para o ginásio criado
pela Frente Negra Brasileira, na cidade de São Paulo. (CRUZ, 2005, p. 28)
Portanto, o processo de escolarização para as populações afro-descendentes no Brasil,
surgiu por parte de alguns movimentos negros, que viram a necessidade de reivindicar a sua
inclusão no processo de escolarização oficial. Tais reivindicações não ocorreram num espaço
curto de tempo e nem tampouco foram imediatamente incorporadas no sistema oficial, muito
pelo contrário, a discussão a cerca da educação nas relações raciais, vem acontecendo num
processo lento, sendo até hoje, motivo de debates na sociedade brasileira.
2 – POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS
Antes de iniciar a discussão acerca da temática racial, bem como a valorização do
negro na sociedade, é interessante se entender primeiramente o significado de Política
Pública. A palavra política origina-se do grego “politiké” e significa limite. Dava-se o nome
de polis ao muro que delimitava a cidade do campo e posteriormente, polis passou a designar
tudo àquilo que estava contido no interior dos limites do muro. Gonçalves (2002), diz que o
resgate desse significado como limite, talvez ajude a entender o verdadeiro significado de
política, que é a arte de definir os limites, ou seja, o que é o bem comum.
Desde modo, pode-se entender por política como um fenômeno da organização social,
e da constante busca de justiça e de desejo dentre as pessoas. Em muitos casos, esse desejo
está diretamente relacionado a vários fatores que movimentam a sociedade, como a educação,
a saúde, a moradia, o transporte, aposentadoria digna, estabilidade de emprego e outros. E é
através dessa busca e da necessidade de algo, que surge o papel das políticas públicas dentro
do Estado.
Para Cunha e Cunha (2002), as políticas públicas têm sido criadas como resposta do
Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo a expressão
do compromisso público de atuação numa determinada área em longo prazo. Em outras
palavras, a política pública surge quando há uma demanda, ou seja, um problema, e através
desse problema é que ocorre a fundamentação, neste caso, as leis, que através destas tornamse políticas públicas. A política pública é um dever do Estado, porém emerge em muitas vezes
da reivindicação social.
No Brasil não existe uma discriminação racial de maneira oficializada, ou seja, inscrita
na lei. A constituição é clara quando diz não ser admissível qualquer exclusão de um cidadão
ou cidadã, seja ela por seu sexo, raça, cor ou religião. Como diz no Art. 5 da Constituição
Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988, p. 15)
No entanto, há a discriminação sim, só que esta se faz presente de maneira informal e
velada. Deste modo, é necessário que exista uma legislação que proteja os direitos humanos,
prevendo punição para a prática da discriminação racial e para o crime do racismo. Porém só
a legislação não é o suficiente, ela é sem dúvida de grande valia, mas acima de tudo é
fundamental que junto a ela sejam somadas políticas efetivas de combate à discriminação
racial e de um processo de re-educação frente às diferenças. O combate à discriminação e ao
preconceito pode ser realizado de duas maneiras básicas: através da Legislação Penal, com a
criação de leis que penalizem os atos discriminatórios; e por meio da promoção de igualdades
de oportunidades ou ações afirmativas.
As ações afirmativas de acordo com Munanga e Gomes (2004), podem ser entendidas
como políticas de combate ao racismo e à discriminação racial, que por sua vez, busca
promover ativamente a igualdade de oportunidades para todos, instituindo meios que façam
com que os grupos socialmente discriminados tenham as mesmas chances e condições de
vivência digna e livre dentro da sociedade. Tais ações podem ser compreendidas como um
conjunto de políticas, ações e orientações públicas ou privadas, de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, cujo intuito consiste na correção de desigualdades que
historicamente têm sido impostas, gerando discriminação e exclusão em determinados grupos
sociais e ∕ ou étnico-raciais.
Trata-se de uma transformação de caráter político, cultural e pedagógico. Ao
implementá-las, o Estado, o campo da Educação e os formuladores de
políticas públicas saem do lugar de suposta neutralidade na aplicação das
políticas sociais e passam a considerar a importância de fatores como sexo,
raça e cor nos critérios de seleção existentes na sociedade. Nesse sentido, as
políticas de ação afirmativa têm como perspectiva a relação entre passado,
presente e futuro, pois visam corrigir os efeitos presentes da discriminação
praticada no passado, tendo por fim a concretização do ideal de efetiva
igualdade e a construção de uma sociedade mais democrática para as
gerações futuras. (MUNANGA; GOMES, 2004, p. 186)
Há quem acredite que as relações entre pessoas brancas e negras são marcadas pela
igualdade, harmonia e solidariedade, afinal todos são pertencentes a uma mesma raça: a de
seres humanos. Outros acreditam que existam diferenças significativas, passando a atingir
uma postura tranqüila, acreditando subitamente na falsa idéia de superioridade de uns em
detrimento de outros. O fato é que essa desigualdade só acaba por garantir a distinção de
oportunidades educacionais, de emprego e de acesso à saúde para negros e brancos,
apontando indicativos sociais que revelam o grande abismo existente entre negros e brancos
no nosso país.
Uma das maneiras de superar tal problema segundo Borges, Medeiros, D’Adesky
(2002), seria o investimento sério em educação, saúde e emprego, pois isso beneficiaria a
população que vive excluída desses direitos sociais, ou seja, a população pobre e
especificamente os negros. Segundo os autores, para solucionar tais efeitos danosos, faz-se
necessário que as políticas públicas atinjam não somente a população pobre, mas, sobretudo, a
população negra e pobre.
Assim, a emergência do conceito de políticas públicas e de ações afirmativas, já que
ambas são correlatas. Por tudo isso, se entende que discutir sobre educação das relações
raciais é também assumir uma postura política, uma vez que é através do debate social que
ocorre a mudança de mentalidade. A ruptura de pré-conceitos existentes nas discussões acerca
da inserção social, cultural, histórica e política acerca dos povos afro-descendentes, nos levam
a pensar na urgência de incluir esses povos no âmbito escolar. Se a maioria da população
brasileira é composta por negros e estes ficam exclusos das políticas públicas, logo significa
que não haverá no país desenvolvimento na democracia e nem tampouco avanços sociais.
3 – AS LUTAS DO MOVIMENTO NEGRO E AS PRINCIPAIS LEIS DE INSERÇÃO
SOCIAL E EDUCACIONAL NO CONTEXTO ÉTNICO-RACIAL
Os negros pressionaram incessantemente em denúncia as condições de vida das
populações negras brasileiras. Segundo Moura (1983) existe dois momentos importantes na
história do movimento negro: o primeiro é a formação escravista onde o movimento negro
aparece no refúgio dos quilombos, e o segundo momento é na formação capitalista onde o
negro conseguiu uma liberdade restrita que passa a criar as grandes desigualdades da
sociedade brasileira, para o autor o movimento negro surge como uma consciência
revolucionária que deve produzir uma leitura da realidade investigando e problematizando as
questões e tratando com seriedade e justiça.
O segundo momento foi marcado pelo movimento Frente Negra na década de 30, onde
ficou conhecido o militante negro Abdias do Nascimento que vem numa corrente anti-racista
que combatia a discriminação racial em estabelecimentos comerciais no estado de São Paulo e
que veio contrapor a idéia de que os negros eram livres no Brasil, já que em sua maioria
estavam obrigados a viver nas mais precárias condições de vida. Alguns autores comparam o
movimento negro ao socialismo como diz Fernandes (1989):
Mesmo que os negros não saibam o que significa socialismo, sua luta com
vistas à liberdade e a igualdade possuem um significado socialista. Graças a
isso, eles são a vanguarda natural dos oprimidos, dos humildes, dos
explorados, enfim, eles são o elemento de ponta de todos aqueles que lutam
por um Brasil melhor ou por uma sociedade justa. (FERNANDES, 1989, p.
24)
Deste modo, foram sendo iniciadas discussões referentes à luta pela inserção do negro
na sociedade. Assim, em 31 de agosto a 08 de setembro de 2001 na cidade de Durban na
África do sul foi realizada uma conferência para discutir a luta por igualdade e justiça
democrática, desenvolvimento, legalidade e respeito aos direitos humanos e o combate a
discriminação, o racismo, a xenofobia e a intolerância correlata. Essa conferência veio na
tentativa de reparar os danos causados aos povos que foram tão importantes para o
desenvolvimento político, social e econômico de vários países como o Brasil, onde os índios e
os negros levantaram a economia entre os séculos XV e XX.
No Brasil a luta por igualdades entre brancos e negros também ocorreu de forma
intensa. Deste modo pressionado por organizações internacionais, o governo brasileiro foi
obrigado a criar políticas públicas voltadas para atender essas necessidades emergentes de um
povo que clamava por igualdade de direitos, para tentar resgatar e sanar a dívida social com as
populações negras e indígenas e algumas populações tradicionais, surgindo assim às primeiras
regulamentações, a primeira grande política de desconstrução do racismo e preconceitos
étnico-raciais, ou seja, a lei da Constituição de 1989 com a lei n 7.716 de 5 de janeiro de 1989
que dizia que:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
preconceitos de raça ou de cor. Esta mesma lei foi reformulada em 1997
onde acrescentou que: Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. (BRASIL, 1989, p. 14)
A luta assim continuou e mais tarde no governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, diversas políticas públicas foram implementadas para atender as camadas populares do
país, representada em sua maioria por negros, índios e povos tradicionais, como os
ribeirinhos, os extrativistas e seringueiros. Em janeiro de 2003 foi promulgada a lei 10.639 de
9 de janeiro de 2003. Esta foi criada no intuito de buscar resgatar a cultura africana tão
presente no Brasil, trazida pelos escravos, que modifica a lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, e assim passa a vigorar acrescida dos seguintes Arts. 26-A, 79-A e 79-B:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura AfroBrasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. [...]
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia
Nacional da Consciência Negra’. (BRASIL, 2003, p. 35)
A proposta desta Lei vem reforçar a necessidade de valorização da Cultura AfroBrasileira, uma vez que os negros trouxeram grandes contribuições culturais e históricas para
a formação da sociedade. Mas acima de tudo, a Lei se bem aplicada nos currículos escolares,
garantirá mais clareza na visão histórica, mostrando aos alunos brasileiros, o quanto os negros
foram desfavorecidos e o quanto se faz importante incluí-los no espaço que por direito são
deles, ou seja, nas escolas, no mercado de trabalho, na sociedade em geral, quebrando todos
os estereótipos de que eles são menos capacitados ou inferiores aos brancos. Se a sociedade
almeja uma reconstrução de mentalidade a cerca da ascensão dos negros, é necessário
trabalhar esses novos conceitos principalmente com aqueles ou aquelas que se encontram em
plena formação de idéias, ou seja, com as nossas crianças, rompendo os traços de
preconceitos enraizados na sociedade, no qual o processo histórico fez questão de sustentar.
Mais recentemente a Lei 11.645 de 10 de março de 2008 acrescentou este resgate
histórico estendendo para os povos indígenas também injustiçados historicamente e definiu
alguns pontos para a educação:
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
vigorar com a seguinte redação:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afrobrasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras. (BRASIL, 2008, p. 37)
A problematização dessa Lei tem sido de grande valia nas discussões educacionais,
pois a partir desse momento os estudantes negros e indígenas deixam o papel de objetos de
sofrimento, desigualdade e preconceito, e passam a se identificar e se perceberem como
sujeitos de uma história vencedora. Agora eles podem se colocar como pessoas com orgulho
de sua própria identidade, compreendendo a importância de se preservar a cultura passada de
pais para filhos.
Todas essas leis demonstraram ao povo a força do movimento em defesa dos direitos
étnico-raciais, que a partir daí passaram a ser respeitados como entidades de busca da
liberdade sócio-cultural e na construção de uma sociedade mais justa, entendendo que as
pessoas têm o direito de ser diferentes, mas que merecem as mesmas oportunidades.
Na educação também podem ser consideradas a criação de leis e projetos como um
grande salto nas questões étnico-raciais. No governo do presidente Lula há uma forte
tendência em se inserir num contexto de reparação com os povos negros e indígenas, e isto
fica evidente nas últimas políticas criadas como as cotas nas universidades federais, o
PROUNI e discussão dessas políticas chamadas de ações afirmativas que movimenta o país
numa concepção de mudança de mentalidade no que se refere a esses povos tão desgastados e
injustiçados no passado.
As cotas funcionam como um equalizador, proporcionando a abertura das portas das
universidades e do mercado de trabalho para os negros, onde nos últimos oito anos 52 mil
alunos negros foram beneficiados. Deste modo, o país caminha rumo a uma realidade
verdadeira de igualdade racial. Esta questão das cotas pode ser comprovada através dos dados
do Ministério da Educação que demonstra que houve significativa melhora no ensino superior
brasileiro, pois há mais brasileiros freqüentando as escolas e houve um aumento nos anos de
escolaridade de todos os segmentos, ressaltando que nesse contexto os negros possuíam os
piores índices de escolaridade e os braços os mais altos. Hoje, já são 921.695 estudantes
negros em cursos superiores. Em sua primeira edição, o PROUNI foi o principal responsável
pela inserção maciça dos afro-descendentes, ao oferecer 46.695 bolsas de estudo para o
sistema de cotas, o que significou 41,54% das 112.416 vagas disponibilizadas pelo programa.
Ainda assim, de acordo com dados, a distância de dois anos na média de escolaridade entre
negros e brancos permanece intocada nos últimos 20 anos. (BRASIL, 2009)
Neste sentido, não resta dúvida de que a adoção das políticas afirmativas contribuirá
para uma sociedade mais igualitária, pois os resultados até agora alcançados são animadores,
pois os alunos cotistas têm altos índices de rendimento, pois estão motivados, agarram a
oportunidade com força e vontade.
Do ponto de vista social, o país caminhou bastante nesses últimos anos no que diz
respeito aos cenários mais positivos para a mobilidade social, o desenvolvimento da pessoa, a
formação profissional e as chances de concorrência e competição do homem e da mulher
negra no mercado de trabalho, porque hoje caminhando a passos largos eles podem ingressar
na universidade, seja através do sistema de cotas, ou através do PROUNI3 que oportuniza o
acesso daqueles que sempre estudaram em escolas públicas a ingressar em universidades
particulares, estaduais e federais sem nenhum custo.
CONCLUSÃO
O ProUni – Programa Universidade para Todos tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais
e parciais em cursos de graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação
superior. Disponível em: http://siteprouni.mec.gov.br/
3
Deste modo, entende-se que as políticas raciais não podem ser desmerecidas e nem
tratadas como minorias, pelo contrário, as ações sociais e educacionais precisam cada vez
mais ser estimuladas, devolvendo aos negros os direitos omissos. A Educação nas relações
raciais é marcada por uma trajetória de muitas lutas. Pensar na Educação a dois séculos atrás é
também pensar em uma grande parcela da população que tinham todos os seus direitos
negados, totalmente exclusos ao acesso e permanência à escola. As incessantes lutas pelos
movimentos negros em prol da inserção dos mesmos na vida social levaram à implantação de
políticas públicas voltadas para a questão étnico-racial, no entanto, se considerarmos toda a
trajetória do negro no Brasil, é possível constatar que tais políticas se fizeram valer
tardiamente.
O que, portanto, pode-se afirmar, é que o que houve de fato foi um processo de
marginalização do negro, retirando dele o direito de “saber” para fragilizá-lo e dominá-lo, nas
relações de trabalho desqualificadas, trabalho pesado e de menor prestígio. Neste contexto,
surge o papel das ações afirmativas, cujo objetivo é tratar com igualdade os que sofreram
diferenças, pois o regime escravista em toda a sua história proporcionou uma visão negativa
do negro, desmerecendo-o enquanto indivíduo, alegando sob uma ótima totalmente racista e
excludente, que este não necessitaria de educação, já que só o que lhe restava, era o simples
papel de objeto da história.
É preciso então, fortalecer as vias de mobilização social em favor das reformas e do
fortalecimento da democracia, para que se possa compreender a importância da valorização
dos programas de ações afirmativas nas relações raciais, para o desenvolvimento de políticas
públicas voltadas à educação, que sirvam de meios direcionados na redução das desigualdades
sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Promulga a punição na forma desta lei, os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil : Brasília, Art. 1.
______. Decreto 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Promulga a inserção da obrigatoriedade do
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