Capítulo 2 Modelos Cocleares
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Capítulo 2 Modelos Cocleares
Capítulo 2 Modelos Cocleares 2.1 Introdução Um sistema de pré-processamento espectral baseado nas propriedades conhecidas do sistema auditivo periférico deve começar por simular o funcionamento da cóclea. Assim, neste capítulo é apresentada uma descrição física do funcionamento coclear começando pela descrição clássica da propagação das ondas acústicas ao longo da cóclea. Seguidamente são analisados modelos mais pormenorizados que descrevem a interacção entre as diferentes estruturas no interior da cóclea. São apresentados modelos recentes em que a cóclea é descrita como um sistema activo e com base neles é apresentado um novo modelo coclear referente à cóclea humana. Neste capítulo são também apresentados modelos do ouvido externo e médio, necessários para a completa modelação do ouvido. 2.2 Estrutura e funcionamento da cóclea A cóclea corresponde ao ouvido interno e contém as células responsáveis pela transdução do som. Está embutida numa parte inacessível do crânio totalmente envolvida por osso. Na figura 2.1a) mostra-se o aparelho auditivo humano onde se pode observar a cóclea em 5 6 Capítulo 2 - Modelos Cocleares forma de espiral com cerca de três voltas, semelhante a uma concha de caracol (daí o nome de cóclea). O interior da cóclea está seccionado em 3 canais preenchidos por líquido ou fluido coclear. Estes canais são designados por escalas: a escala vestibular, a escala média e a escala timpânica. A escala vestibular está separada da escala média por uma membrana muito fina - a membrana vestibular ou de Reissner - mas que permite a separação de fluidos cocleares com diferentes composições iónicas. Contudo, em termos hidromecânicos pode considerar-se a escala vestibular e média como uma única, existindo assim efectivamente apenas duas escalas: a escala vestibular e a escala timpânica. Estas estão separadas por uma estrutura designada por partição coclear que compreende a membrana basilar bem como o órgão de Corti que nela se apoia. É no órgão de Corti que se inserem as células ciliadas, membrana tectória etc. As duas escalas comunicam entre si apenas numa pequena abertura o helicotrema - situada no topo ou ápice da cóclea (ver figura 2.2b). a) b) Figura 2.1 - a) - Secção longitudinal do aparelho auditivo humano. EAM: canal auditivo externo; TM - membrana timpânica; OC: cadeia ossicular (ouvido médio); MEC: cavidade do ouvido médio; OW: janela oval; RW: janela redonda; ET: trompa de Eustáquio; VN, FN, CN: nervos vestibular, facial e coclear. b) - Secção transversal da cóclea. BM: membrana basilar; TM: membrana tectória; RM: membrana vestibular (ou de Reissner); SV: escala vestibular; CC: escala média; ST: escala timpânica. De Davis, “Psychophysiology of hearing and deafness”, Wiley, 1951, adaptado de [Buser & Imbert, 92]. Na base da cóclea existem ainda duas membranas flexíveis, a janela oval e a janela redonda, que separam o fluido coclear no interior da cóclea do ar (à pressão atmosférica) existente no espaço do ouvido médio. A janela oval situa-se na escala vestibular e a janela redonda na escala timpânica. Estas janelas constituem a ligação do ouvido médio à cóclea estando a base do estribo apoiada na janela oval. As vibrações do estribo dilatam ou contraem a janela 2.2 Estrutura e funcionamento da cóclea 7 oval e têm um efeito praticamente instantâneo e contrário, tipo “push-pull”, na janela redonda. O funcionamento da cóclea pode resumir-se da seguinte forma: as vibrações do tímpano são transmitidas à cadeia óssea do ouvido médio que funciona como um sistema de alavancas e que produz uma vibração do estribo tipo vaivém (êmbolo) na janela oval. Os eventos acústicos que daqui resultam podem ser vistos como duas ondas. A vibração na janela oval produz variações de pressão no fluido coclear que se propagam pela escala vestibular, passam pelo helicotrema e produzem uma vibração simétrica na membrana da janela redonda. Esta onda propaga-se à velocidade do som em líquidos e não produz forças na partição coclear pois é a mesma em ambas as escalas. Além disso, a velocidade de propagação desta onda pode considerar-se infinita o que significa admitir que o fluido coclear é incompressível. Contudo, a existência desta onda de pressão vai gerar um gradiente de pressões através da partição coclear. É esta diferença de pressões que vai exercer uma força na partição pondo-a em movimento, movimento este que também se propaga, agora mais lentamente, ao longo da cóclea. O deslocamento da partição por sua vez vai fazer com que os cílios das células ciliadas sejam deflectidos o que produz uma variação de tensão através das membranas das células ciliadas. Esta transdução mecanoeléctrica vai produzir os disparos nas fibras do nervo coclear, transmitindo assim a informação acústica a centros neuronais mais elevados da via auditiva. escala vestibular escala timpânica escala vestibular estribo estribo P(x) janela redonda escala timpânica helicotrema partição coclear janela oval janela redonda a) b) Figura 2.2 - a) Esquema da cóclea. b) Esquema simplificado com a cóclea “desenrolada”. A vibração do estribo cria variações de pressão no fluido coclear; as diferenças de pressão através da partição produzem uma onda que se propaga ao longo da cóclea. As características físicas da partição coclear vão ditar as propriedades da onda de gradiente de pressão que se propaga ao longo da cóclea. Uma vez que a rigidez da partição decresce 8 Capítulo 2 - Modelos Cocleares desde a base (janelas) até ao ápice (helicotrema), a velocidade de propagação também decresce tornando-se o comprimento de onda cada vez menor para uma dada frequência de excitação: λ=v/f (fig. 2.2b). A onda é inicialmente “longa” tornando-se progressivamente mais “curta”. Como resultado deste encurtamento a onda torna-se dispersiva e extingue-se numa região curta. A amplitude máxima atinge-se numa posição chamada posição característica que é função da frequência de excitação. Por outro lado, cada localização da cóclea tem associada uma frequência característica (CF). Estas frequências estão mapeadas na cóclea de acordo com um mapa posição-frequência a que se dá o nome de tonotopia. As frequências características decrescem desde a base da cóclea até ao ápice da mesma forma que a rigidez da partição decresce ao longo da sua extensão. Ondas com alta frequência extinguem-se perto da base enquanto ondas de mais baixa frequência penetram mais profundamente na cóclea. Este funcionamento hidromecânico em termos de ondas progressivas (“traveling waves”) e a tradução posição-frequência constitui a base da análise espectral operada pela cóclea. Por último convém referir que as vibrações cocleares são de dimensões moleculares, da ordem dos nanometros, e que a cóclea pode detectar uma variação de pressão de 20µPa que corresponde a 2x10-10 da pressão atmosférica normal [Buser & Imbert, 92]. Apesar desta extrema sensibilidade, a cóclea pode suportar, por pequenos períodos, pressões sonoras 1 milhão de vezes superiores em amplitude que a pressão do limiar de audição. Tal gama dinâmica (120dB) é possível devido a uma redução de sensibilidade mecânica à medida que o nível sonoro cresce. Daqui resultam os termos controlo automático de ganho (AGC) e não-linearidade compressiva, relativos às respostas cocleares em função do nível de excitação. Para baixos níveis de excitação a cóclea comporta-se de uma forma aproximadamente linear e portanto os modelos cocleares são válidos apenas para esta situação. A vibração da partição (membrana basilar e órgão de Corti) relativa às estruturas ósseas e fluido circundante é conhecida como vibração macromecânica enquanto a complexa vibração das partes constituintes do órgão de Corti relativas umas às outras é conhecida como vibração micromecânica. Os modelos cocleares seguem a mesma classificação, falando-se de modelos macromecânicos e modelos micromecânicos da cóclea. 2.2 Estrutura e funcionamento da cóclea 9 2.2.1 Modelação coclear Seguindo um percurso clássico, a análise coclear pode ser feita em termos do comportamento mecânico da membrana basilar e do fluido envolvente, tendo em conta as suas propriedades físicas e geométricas, (macromecânica), e depois em termos do funcionamento do órgão de Corti e das células ciliadas (micromecânica). A modelação coclear começou por considerar as propriedades mecânicas da cóclea onde a partição coclear, constituída pela membrana basilar e pelo órgão de Corti nela inserida, vibrava em uníssono e sem interacção entre estas duas estruturas. Os modelos a uma dimensão (1D) apresentavam resultados encorajadores, contudo pensou-se que a discrepância em relação aos dados experimentais se devia à simplicidade do modelo e começou a investigar-se modelos a duas e três dimensões, embora sem drásticas melhorias em relação ao modelo 1D. Foi principalmente a descoberta das emissões otoacústicas que veio alterar e alargar a visão sobre o funcionamento da cóclea. De facto, um sistema que espontaneamente produz vibrações acústicas (de dentro para fora, neste caso) não poderia ser um sistema puramente passivo. Presentemente a modelação coclear passou a incidir principalmente na micromecânica, ou seja, a considerar a interacção da membrana tectória e das células ciliadas com a membrana basilar, e menos na dimensionalidade do modelo. Apesar de existirem ainda muitas incógnitas, os modelos cocleares recentes conseguem descrever com algum rigor os dados experimentais. Existe hoje crescente evidência de que as células ciliadas externas (CCEs) são responsáveis pela elevada selectividade das respostas cocleares a baixos níveis de excitação. Esta evidência resulta principalmente de dois factos: o primeiro é que, em cócleas vivas onde as CCEs são destruídas (por exemplo por medicamentos ototóxicos) ou em cadáveres, as respostas cocleares apresentam uma selectividade muito inferior à situação de funcionamento normal. O outro facto é a recente descoberta da capacidade de alongamento das CCEs por excitação bioeléctrica. Esta descoberta foi feita com experiências in vitro por cultura de CCEs, mas significa que estas células podem produzir forças que vão alterar os padrões acústicos ao longo da cóclea. Inicialmente a suposição de que a cóclea seria um sistema activo conduziu à teoria do “amplificador coclear” [Kolston et al, 90]). Mais tarde mostrou-se, tendo como base os dados mecânicos obtidos experimentalmente, que um sistema puramente passivo não poderia produzir as curvas observadas [de Boer 83, 91]. 10 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Apesar de alguma controvérsia à volta da hipótese de “actividade” coclear (que ainda não está de todo resolvida), a verdade é que praticamente todos os modelos cocleares recentes passaram a considerar a cóclea como um sistema activo, pelo menos numa região perto do ponto de máxima selectividade. 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão Um modelo matemático da cóclea pode ser desenvolvido considerando as suas propriedades físicas e fisiológicas. Para que o modelo seja matematicamente tratável, algumas simplificações deverão ser feitas. Uma destas simplificações diz respeito à geometria da cóclea. Uma vez que o raio de curvatura da espiral coclear é muito superior ao comprimento de onda das ondas cocleares, pode considerar-se a cóclea “desenrolada” sem que isso afecte significativamente as respostas [Patuzzi, 96]. Por outro lado, os dois canais cocleares podem considerar-se geometricamente simples com secção rectangular ou circular. Por último, a área destas secções pode considerar-se constante dando origem a um modelo cilíndrico ou paralelipípedo (“box model”, fig. 2.3). Outra simplificação diz respeito ao acoplamento longitudinal da partição coclear: considerase que pontos da partição em diferentes posições longitudinais não têm acoplamento mecânico directo a não ser indirectamente através do fluído coclear [de Boer, 91], ou seja, cada segmento (infinitesimal) da partição vibra independentemente de qualquer outro. Isto significa que partição coclear pode ser descrita pela sua impedância mecânica local (ou pontual). Esta simplificação veio a mostrar-se ser essencialmente correcta1 e é feita na grande maioria dos modelos cocleares propostos até hoje. Uma outra simplificação consiste em admitir que o comprimento de onda do gradiente de pressão coclear é muito superior às dimensões da secção transversal do modelo. Desta forma pode considerar-se que os efeitos cinéticos dos movimentos do fluído coclear só se fazem sentir numa única direcção: a direcção longitudinal, x (fig. 2.3), denominada posição ou distância coclear. Esta análise conduz à definição de um modelo a uma dimensão (modelo 1D) também geralmente referido como modelo de “ondas longas” (“long wave 1 O acoplamento longitudinal entre regiões adjacentes da partição coclear veio a mostrar-se ser fraco. [Patuzzi, 96]. Apesar do nome, a membrana basilar funciona de uma forma mais parecida com um xilofone do que com uma membrana elástica ou corda de piano. 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 11 model”). Uma das primeiras descrições do funcionamento coclear segundo estes pressupostos foi apresentada num trabalho notável por Peterson e Bogert [Peterson & Bogert, 50]. Mais tarde veio a mostrar-se a deficiente descrição de ondas curtas no modelo 1D e que se torna evidente ao considerar um modelo a 3 dimensões (3D) [de Boer, 91]. Vv(x+∆x) Av(x+∆x) x z Av(x) Vt(x+∆x) Vp(x) h(x) h Vv(x) At(x) y ∆x Vt(x) b b(x) a) b) Figura 2.3 - a) Modelo da cóclea em coordenadas rectangulares (“box model”). b) Secção coclear de comprimento ∆x. Vv e Vt são as velocidades do fluido nas escalas vestibular e timpânica. Vp é a velocidade vertical da partição. Ao definir a cóclea como um sistema linear, como é o caso, pode fazer-se uma análise em frequência, considerando uma excitação sinusoidal da forma ejωt. As variáveis envolvidas são portanto funções de x e de ω. A fim de simplificar a notação, seguindo um procedimento habitual, anotam-se estas variáveis apenas em função de x, ficando a sua dependência com ω implícita. Vejamos quais as equações hidromecânicas (ou macromecânicas) de um modelo coclear, linear, com as simplificações apontadas. Em primeiro lugar considere-se o caso em que a área da secção transversal das escalas varia com x. Para tal considere-se uma secção coclear infinitesimal, de comprimento ∆x, tal como se apresenta na figura 2.3b). Sejam Vv(x) e Vt(x) as velocidades médias das partículas do fluido nas escalas vestibular e timpânica, respectivamente. Considere-se de igual forma as pressões nas duas escalas Pv(x) e Pt(x) bem como as áreas das secções, Av(x) e At(x). Vp(x) é a velocidade vertical da partição tomada no sentido ascendente, isto é, da escala para a escala vestibular. b(x) é a largura efectiva da partição. Duas equações para o modelo podem ser derivadas, uma dizendo respeito à conservação de massa (equação de continuidade) e outra à aceleração do fluido (equação de força). Seja ρ a densidade de massa do fluido, invariante no tempo, o que significa que o fluido é 12 Capítulo 2 - Modelos Cocleares incompressível. A massa de fluido por unidade de tempo que entra numa secção coclear infinitesimal através da área Av(x) da escala vestibular é ρVv(x)Av(x). Esta massa somada à massa de fluido deslocada (para cima) pela vibração da partição através da área da partição Ap(x)=b(x)∆x, deverá ser igual à massa que sai através da área Av(x+∆x): ρ Vv ( x + ∆x ) Av ( x + ∆x ) = ρVv ( x ) Av ( x ) + ρV p ( x )b( x ) ∆x . Uma expressão idêntica aplica-se à escala timpânica. Quando ∆x tende para zero resultam as seguintes equações diferenciais: d (V ( x) Av ( x)) = b( x )V p ( x) , dx v (2.1a) d (V ( x) At ( x)) = b( x )V p ( x ) . dx t (2.1b) Por outro lado, a variação de pressão nas escalas vai acelerar o fluido. Para uma coluna de fluido invíscido de largura ∆x, teremos, aplicando a 2ª lei de Newton [de Boer, 80], [Koshigoe et al, 83]: d ( P ( x ) Av ( x))∆x ≅ − ρ Av ( x) ∆x( jωVv ( x)) . dx v A massa de fluido na secção coclear não é exactamente ρAv∆x daí a aproximação na expressão anterior. Uma expressão mais exacta pode ser obtida utilizando a equação de força ou equação de Euler linearizada [Kinsler et al, 82]: ∇p = −ρdv/dt,2 que se obtém considerando um elemento de volume infinitesimal. Se as variáveis são definidas apenas a uma dimensão, a equação de Euler aplicada à escala vestibular é a seguinte: dPv ( x ) jωρ = − jωρ Vv ( x ) = − (V ( x) Av ( x )) . dx Av ( x ) v O produto de uma velocidade linear por uma área é usualmente referida como velocidade volúmica (devido à sua dimensão: m3/s) e será designada por U(x). Considerando a viscosidade, as equações para as duas escalas são as seguintes: dPv ( x ) jωρ Qv ( x ) =− U v ( x) , dx Av ( x ) (2.2a) dPt ( x ) jωρ Qt ( x ) =+ U t ( x) . dx At ( x ) (2.2b) Qv(x) e Qt(x) são funções que tomam em conta as contribuições resistivas e reactivas da densidade de massa associadas ao arrastamento viscoso do fluido. Para o caso de um fluido 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 13 invíscido, teremos Q(x)=1, caso contrário, Q(x) apresenta um termo que tende a ser inversamente proporcional à raiz quadrada da frequência3. Em adição às relações anteriores, é necessário ainda uma expressão para o movimento da partição. Esta relação obtém-se através da impedância da partição. A impedância específica da partição coclear é, por definição, a relação entre a diferença de pressões através da partição, da escala timpânica para a escala vestibular, com a sua velocidade pontual vertical: Z p ( x) = Pt ( x ) − Pv ( x ) . V p ( x) (2.3) Assume-se com esta equação que um elemento b(x)∆x da superfície da partição não tem acoplamento mecânico com os elementos vizinhos. A análise do modelo fica extremamente simplificada se se igualar as áreas das secções vestibular e timpânica, o que se mostra ser aproximadamente correcto excepto na base da cóclea. De facto, definindo a diferença de pressões através da partição, P ( x ) = Pv ( x ) − Pt ( x ) , (2.4) e a média das velocidades volúmicas nas duas escalas por, U ( x) = 1 (U ( x) + U t ( x)) , 2 v (2.5) então, com Av(x)=At(x)= A(x), resulta Qv(x)=Qt(x)=Q(x), e o número de equações reduz-se a metade, vindo: d P ( x ) A( x ) U ( x ) = b( x )V p ( x ) = − , dx h( x ) Z p ( x ) (2.6a) dP( x ) 2 jωρQ( x ) =− U ( x) . dx A( x ) (2.6b) Na equação (2.6a) h(x) é a altura efectiva da escala, a relação entre a área A(x) e a largura da partição b(x). Conjugando as últimas duas expressões resulta a equação diferencial de 2ª ordem do modelo: d 2 P( x) d dP( x ) 2 jωρ Q( x ) = log(Q( x ) A( x )) + P( x) . 2 dx dx h( x ) Z p ( x ) dx 2 (2.7) As letras minúsculas, p e v, indicam pressão e velocidade em função do tempo. Para o caso de um modelo em que as áreas das secções são circulares, Q( x ) = 1 (1 − 2 J1 (v) (vJ0 (v)) ) , v = − 2 jfρA( x ) µ , onde Jn(v) é a função de Bessel de 1ª espécie, ordem n e onde µ é o coeficiente de 3 viscosidade [Koshigoe et al. 83], [Puria & Allen, 91]. Para v>10, Q( x ) ≈ 1 + (1 − j ) µ ρfA( x ) . 14 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Vejamos agora duas simplificações usuais na modelação coclear. Uma vez que o efeito da viscosidade do fluido só se faz sentir a baixas frequências, esta propriedade é muitas vezes ignorada, isto é, toma-se Q(x)=1. Além disso, se a área das secções for constante com x, como é o caso de um modelo paralelipípedo ou cilíndrico, a equação anterior simplifica-se resultando na seguinte expressão: d 2 P( x ) 2 jωρ = ⋅ P( x) . 2 dx hZ p ( x ) (2.8) Nas secções seguintes iremos analisar o modelo paralelipípedo descrito por esta equação. Antes de mais, é interessante verificar que esta equação, com Zp constante, é frequentemente encontrada em vários fenómenos físicos ondulatórios, nomeadamente, na propagação de ondas planas e na análise de linhas de transmissão de sinais eléctricos (linhas homogéneas). No caso presente, a impedância da partição varia muito significativamente com a distância à base da cóclea, x. A cóclea funciona assim analogamente a uma linha de transmissão não-homogénea. A constante de propagação, o número de onda, a velocidade de fase, etc., passam neste caso a ser função de x. No caso de uma impedância da partição constante (apesar de incorrecto no caso da cóclea), a solução da equação anterior seria: P( x ) = c1 e −γ x + c2 e + γ x (2.9) onde c1 e c2 são constantes e γ é a constante de propagação, dada por: γ = 2 jωρ = jk = α + jβ . hZ p (2.10) A interpretação desta solução é a existência de uma onda (plana) progressiva (sinal −), com coeficiente de atenuação α e coeficiente de fase β; e uma onda em direcção contrária (sinal +), que é o resultado acumulado de reflexões. A variável k é denominada número de onda. O comprimento de onda é λ=2π/β, embora seja usual considerar o comprimento de onda complexo, através do número de onda: λc=2π/k . As constantes c1 e c2 dependem das impedâncias de “fonte” e de “terminação” (impedância do ouvido médio e impedância do helicotrema, no caso da cóclea). A analogia com linhas de transmissão consegue-se associando P(x) à tensão na linha de transmissão e U(x) à corrente. Podem assim definir-se a impedância distribuída (em série) e a admitância distribuída (em paralelo). De acordo com as variáveis em questão, estas 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 15 impedâncias são impedâncias acústicas, a relação entre pressão e velocidade volúmica4. A impedância e admitância distribuídas são, considerando as equações (2.6), as seguintes: Z ser ( x ) = 2 jωρQ( x ) , A( x ) (2.11a) Ypar ( x ) = 1 . h( x ) Z p ( x ) A( x ) (2.11b) No caso de um modelo com A(x) e Q(x) constantes, o modelo pode ser definido em termos de pressão e velocidade pontual, reduzindo-se as equações (2.6) às seguintes: d P( x ) V ( x) = − , dx hZ p ( x ) (2.12a) d P( x ) = −2 jωρV ( x ) . dx (2.12b) Os parâmetros distribuídos são, neste caso, impedâncias específicas por unidade de comprimento: Z ser = 2 jωρ , Ypar ( x ) = 1 . h ⋅ Z p ( x) (2.13a) (2.13b) Através dos parâmetros distribuídos definem-se ainda duas outras grandezas, a impedância característica da linha e o número de onda. No caso de uma linha homogénea estes parâmetros são fixos e caracterizam completamente a linha. No presente caso, estes parâmetros são funções de x. A solução da equação de onda não fica determinada através deles e são agora referidos como “locais” [de Boer, 83]: Z 0loc ( x ) = Z ser ( x ) Ypar ( x ) , (2.14a) jk loc ( x ) = Z ser ( x )Ypar ( x ) , (2.14b) uma vez que dão uma indicação da solução se a linha fosse homogénea e definida com os valores dessa localização particular x. A impedância da partição varia substancialmente com x, como foi referido, principalmente devido à rigidez da partição que é dura na base e muito mais flexível junto ao ápice 4 De acordo com as variáveis mais adequadas na análise acústica, pressão ou força e velocidade linear ou velocidade volúmica, assim são definidos três tipos de impedância: [N.m-3.s] ou [Kg.m-2.s-1] Impedância específica: Z(s)=P/V (a) [N.m-5.s] ou [Kg.m-4.s-1] Impedância acústica: Z =P/U (m) [N.m-1.s] ou [Kg.s-1] Impedância mecânica: Z =F/V 16 Capítulo 2 - Modelos Cocleares (helicotrema) sendo esta variação de algumas ordens de grandeza. É aliás esta particularidade que confere à cóclea uma grande selectividade em frequência, envolvendo uma gama de frequências audíveis de mais de 9 oitavas [Boer, 83, 91]. As impedâncias distribuídas são portanto função da posição x. A solução da equação do modelo é do mesmo tipo que a equação (2.9) mas com uma constante de propagação (ou número de onda) a variar com a posição x. Não existe uma solução analítica simples e genérica para a equação do modelo, a não ser com simplificações drásticas. Na secção seguinte irão ser abordados métodos numéricos de resolução do modelo. 2.3.1 Solução numérica A única forma de resolver a equação (2.7) ou (2.8) sem restrições é através de métodos numéricos. No desenvolvimento seguinte iremos considerar o caso mais simples da equação (2.8). Um método óbvio e simples consiste em concatenar secções infinitesimais com os parâmetros distribuídos definidos. Este método equivale a considerar aproximações de primeira ordem para as derivadas de P(x) e V(x): dP( x ) P( x + ∆x ) − P( x ) ≈ , ∆x dx (2.15) dV ( x ) V ( x ) − V ( x − ∆x ) ≈ , dx ∆x (2.16) onde ∆x corresponde ao comprimento infinitesimal de uma secção coclear. Através das equações anteriores e das equações (2.12) e (2.13), obtemos as seguintes relações para uma secção infinitesimal: P ( x ) − P( x + ∆x ) = 2 jωρ∆xV ( x ) = Z ser ∆x ⋅ V ( x ) , V ( x − ∆x ) − V ( x ) = P( x) ∆x = Ypar ( x ) ∆x ⋅ P( x ) = V par ( x ) . hZ p ( x ) (2.17) (2.18) O circuito eléctrico equivalente que verifica estas equações encontra-se na figura 2.4. Tratase portanto do circuito eléctrico equivalente de uma secção coclear infinitesimal com parâmetros distribuídos Zser e Ypar(x) (ou com parâmetros concentrados zser=Zser∆x, ypar(x)=1/zpar(x)=Ypar(x)∆x). A velocidade Vpar(x) relaciona-s com a velocidade da partição através da relação Vp(x)=hVpar(x). 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão Zser∆x V(x-∆x) P(x-∆x) 17 P(x) Vpar(x) Zpar(x) ∆x Zser∆x V(x) P(x+∆x) Figura 2.4 - Esquema eléctrico de uma secção coclear infinitesimal. Para resolver a equação (2.8) é necessário considerar condições fronteira. No presente caso, conhecida a impedância do ouvido externo e médio, Zm, poderá considerar-se a pressão externa ou a pressão timpânica como excitação de entrada, ficando assim definida uma das condições fronteira5. A outra condição fronteira implica a definição da impedância do helicotrema, Zh, onde o fluido coclear comunica entre as duas escalas. Nesta situação, pode considerar-se, sem grande erro, que a diferença de pressões entre as duas escalas é nula, ou seja, P(x=L)=0, onde L corresponde ao comprimento coclear. Isto equivale a considerar a impedância do helicotrema nula. Discretizando a cóclea em N secções de comprimento ∆x e designando P(n) como sendo a diferença de pressão P(x=n∆x), n=0..N, onde ∆x=L/N, a equação diferencial do modelo resulta na seguinte equação de diferenças: z ser P(n) + P(n + 1) = 0 . P(n − 1) − 2 + z par (n) (2.19) O modelo assim definido corresponde ao circuito eléctrico da figura 2.5. Através desta figura facilmente se obtém a equação de fronteira (para n=1): Pi − P(0) P(0) − P(1) . = Zm z ser 5 (2.20) É também usual definir as equações do modelo em função da velocidade do estribo normalizada (ou V(0)=1). Desta forma evita-se a definição da impedância do ouvido externo e médio para avaliar o modelo coclear. A “fonte” a considerar no modelo deverá ser o equivalente de Thévenin do conjunto ouvido médio e externo reduzido à entrada da cóclea. 18 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Zm P(0) zser(1) zser(2) P(1) V(0) Pi ... zser(k) P(k) V(k) V(k-1) zpar(1) zser(N) P(N) V(N-1) zpar(N-1) zpar(k) ... Zr(k-1) P(N-1) ... Zh ... Zr(k) Figura 2.5 - Modelo equivalente de linha de transmissão. Zm e Pi correspondem ao equivalente de Thévenin do ouvido externo e médio referido à entrada da cóclea. Zh é a impedância do helicotrema. Zr(k) é a impedância vista à direita da secção coclear k, Zr(k)=P(k)/V(k). As impedâncias zser=Zser∆x e zpar=Zpar/∆x são definidas através das equações (2.11) ou (2.13). No caso das equações (2.11) deve considerar-se a velocidade volúmica U(k) em vez da velocidade pontual V(k). Para n=N−1, considerando a impedância do helicotrema nula, teremos P(N)=0. Assim, as equações (2.19) e (2.20) definem um sistema de N equações a N incógnitas, P(n), n=0,..,N−1, sendo a matriz do sistema tridiagonal. A solução deste sistema de equações pode ser obtida por eliminação gaussiana ([de Boer, 80], [Neely & Kim, 86]). Existem contudo outras formas alternativas de resolver este sistema de equações utilizando a teoria da análise de circuitos eléctricos. Uma destas formas consiste em utilizar parâmetros de transmissão, método utilizado principalmente pelo grupo de Allen ([Puria & Allen, 91], [Allen & Fahey, 93], [Allen & Neely, 92]). Na análise com parâmetros de transmissão define-se, para uma secção coclear, o seguinte sistema: P(n − 1) V (n − 1) = An C n Bn P(n) P ( n) ⋅ = Tn ⋅ . Dn V (n) V (n) (2.21) No caso presente, os elementos da matriz de transmissão são: An=1+zser(n)ypar(n); Bn=zser(n); Cn=ypar(n) e Dn=1. As matrizes Tn têm determinante unitário (propriedade da reciprocidade do circuito), pelo que se pode considerar o sistema inverso. Cascatas de secções cocleares são representadas por multiplicações das matrizes de transmissão. Assim, por exemplo, aplicando várias vezes a definição anterior, resulta, uma vez que V(N)=0, P ( n) N P( N ) n = = ∏ Tk T ∏ V (n) k ⋅ 0 k =1 k = n +1 −1 Definindo a matriz produto da seguinte forma (com i < j): P(0) ⋅ . V (0) (2.22) 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão Ai , j Ti , j = ∏ Tn = n =i Ci , j j 19 Bi , j Di , j , Ti−, 1j = Di , j − Ci , j − Bi , j , Ai , j (2.23) resulta que, qualquer pressão, velocidade ou impedância pode ser determinada, admitindo uma impedância do helicotrema não nula. Seguem-se alguns exemplos: P(0) = A1, N P( N ) V (0) = C1, N P( N ) P(n) = An+1, N P( N ) = Zi = An +1, N A1, N P(0) = D1,n P(0) − C1,nV (0) (2.24) P(0) A1, N = . V (0) C1, N Trata-se de um método elegante, contudo com problemas de gama numérica uma vez que os elementos da matriz Ti,j, podem ter expoentes, em módulo, muito elevados. Por exemplo, P(N) apresenta, para frequências de excitação não muito baixas, um valor praticamente nulo pelo que A1,N terá de apresentar um valor extremamente elevado. Uma outra forma de resolver o sistema de equações consiste em calcular em primeiro lugar as impedâncias equivalentes, Zr(k), vistas à direita de cada secção da linha6 (ver figura 2.5). Fazendo inicialmente este cálculo desde o helicotrema até à base, podem seguidamente calcular-se as pressões P(n). De acordo com a figura 2.5, Zr(N-1)= zser(N)+Zh e a definição recorrente de Zr é : Z r ( k − 1) = z ser ( k ) + z par ( k ) //Z r ( k ) , k = N − 2,..,0 . (2.25) Uma vez definida esta impedância, podemos calcular a função de transferência para cada secção k, utilizando a definição anterior: z par ( k ) //Z r ( k ) Z ser ( k ) ∆x P( k ) . = = 1− P( k − 1) z par ( k ) //Z r ( k ) + z ser ( k ) Z r ( k − 1) (2.26) A diferença de pressão para a secção k em função da diferença de pressão nas janelas é simplesmente o produto destas funções de transferência: k Z (n) ∆x P( k ) = ∏ 1 − ser . P(0) n =1 Z r (n − 1) 6 (2.27) Considera-se neste caso zser variável com x, o que torna as equações (2.25) a (2.27) válidas para um modelo definido com impedâncias acústicas e com áreas da secções cocleares não constantes. 20 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Esta solução é numericamente estável, embora poucas vezes referenciada na literatura. Uma das referências onde esta solução é explicitamente indicada é em [Kolston et al, 90]. Esta abordagem tem ainda a vantagem de evidenciar a solução exacta para o modelo em função de Zr. De facto, com ∆x muito pequeno, obtemos a seguinte aproximação: k ln P( k ) = ln P(0) + ∑ ln(1 − Z ser n =1 (n) ∆x Z r (n − 1)) ≈ ln P(0) − k ∑ (Z n =1 ser (n) Z r (n − 1))∆x e ao fazer ∆x tender para zero, o somatório anterior tende para um integral, resultando a seguinte expressão para P(x) 7: P ( x ) = P(0) exp − x ∫ 0 Z ser ( x) dx . Z r ( x ) (2.28) Esta forma exacta resulta da equação (2.12b) e da definição de Zr(x): Zr ( x) = P( x ) ; V ( x) (2.29a) dP( x ) = P ′ ( x ) = − Z ser ( x )V ( x ) . dx (2.29b) A equação resultante é: Z ser ( x ) P ′( x) =− P( x) Zr ( x) , (2.30) que tem como solução precisamente a equação anteriormente referida. O problema reside na determinação da impedância Zr(x). Introduzindo a definição de Zr(x) na equação (2.8), chegamos, depois de algumas manipulações algébricas, à seguinte equação diferencial: dZ r ( x ) Z r2 ( x ) = − Z ser ( x ) , dx Z par ( x ) (2.31) que é (para Zser constante) uma equação de Ricatti [Kaernbach et al, 86] e para a qual não existe também uma solução analítica genérica. Existem trabalhos onde uma análise criteriosa desta impedância é feita com o fim de analisar as reflexões em modelos cocleares [Viergever & de Boer, 87], [de Boer, 91]. Embora não exista uma solução analítica genérica para o modelo, existe, contudo, uma solução aproximada, utilizada desde há muito em mecânica quântica e conhecida por solução LG (Liouville-Green) ou solução WKB, ou ainda, solução WKBJ (que deriva dos 7 O número de secções cocleares a considerar deve ser suficientemente grande. Uma forma empírica de determinar o número adequado de secções consiste em considerar sucessivamente um maior número de secções até que o resultado obtido não difira significativamente do resultado obtido na iteração anterior. 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 21 autores Wentzel, Kramers, Brillouin e Jeffreys) [Allen, 77], [de Boer, 80]. Esta solução parte das impedâncias conhecidas, neste caso Zser e Zpar, admitindo uma solução genérica para uma onda progressiva da seguinte forma, onde k(x) é o número de onda: x P ( x ) = P(0) ⋅ exp − ∫ jk ( x )dx . 0 (2.32) Comparando esta expressão com a equação (2.28), chega-se à conclusão que o número de onda está relacionado com Zr da seguinte forma: jk ( x ) = Z ser ( x ) . Z r ( x) (2.33) Por outro lado, comparando esta expressão com o número de onda local (ver (2.14b)), jk loc ( x ) = Z ser ( x ) . Z par ( x ) (2.34) verifica-se que estas duas expressões só serão idênticas se Zr=(ZserZpar)1/2=Z0loc(x). Isto é, para o caso de uma linha homogénea ou para o caso da impedância da partição variar muito lentamente com x, a impedância característica local e o número de onda local são uma boa aproximação dos valores verdadeiros. A solução LG é mais elaborada partindo da seguinte aproximação quanto à derivada do número de onda: k'(x)=k'loc(x). Utilizando esta aproximação bem como a equação (2.31), depois de algumas operações algébricas, chega-se à seguinte relação: k ( x ) ≅ k loc ( x ) 1 − j k loc ′ ( x) ′ ( x) j k loc . ≈ k loc ( x ) − 2 k loc ( x ) 2 k loc ( x ) (2.35) A última aproximação é apenas válida na seguinte condição: 2 k loc ′ << k loc , (2.36) condição esta que é precisamente a condição de validade da solução LG. Finalmente, integrando jk(x) de acordo com (2.32), chegamos à solução aproximada LG: x k loc (0) P( x ) ≅ P(0) ⋅ exp − j ∫ k loc ( x1 )dx1 . k loc ( x ) 0 (2.37) Esta solução aproximada é extensamente referida na literatura sobre modelos a uma dimensão. A vantagem da existência de uma expressão analítica, mesmo que aproximada, é permitir clarificar a dependência das respostas cocleares em função dos vários parâmetros físicos. Esta expressão é especialmente útil para baixos valores de x onde o 2º factor da expressão anterior varia mais lentamente que o 1º. Tal será verificado mais adiante quando 22 Capítulo 2 - Modelos Cocleares se falar na determinação da impedância de entrada da cóclea. Contudo, para os casos de interesse abordados neste trabalho, especialmente no caso de impedâncias activas, a condição (2.36) não se verifica (pelo menos numa determinada gama de valores de x quando a impedância da partição varia acentuadamente). Para finalizar convém notar que, em qualquer dos métodos numéricos de resolução apontados, a solução obtida contém a contribuição da onda incidente bem como toda e qualquer reflexão que exista na linha por desadaptação. 2.3.2 Impedância da partição - Modelo clássico Até ao momento foram indicadas as equações macromecânicas de um modelo coclear onde a impedância da partição joga um papel fundamental, embora esta impedância não tivesse sido definida. A impedância da partição depende das propriedades da membrana basilar bem como das propriedades do órgão de Corti. Seguindo a sequência temporal da modelação coclear, vamos em primeiro lugar considerar o caso em que a partição coclear corresponde simplesmente à membrana basilar onde o órgão de Corti nela apoiada não interfere movendo-se solidariamente. O modelo assim definido será referido como modelo clássico. Posteriormente serão analisados modelos micromecânicos que implicam uma definição mais elaborada da impedância da partição. Para definir uma impedância da partição com o pressuposto atrás definido, basta considerar 3 parâmetros mecânicos específicos (por unidade de área): massa M, resistência, R e rigidez, S. Com s=jω sendo ω a frequência angular de excitação, a impedância específica da partição toma a seguinte forma: Z p ( x ) = sM ( x ) + R( x ) + S ( x ) s . (2.38) Apesar de existirem algumas variações na definição da dependência dos parâmetros com x, a abordagem mais usual consiste em considerar a massa da partição constante e a rigidez a variar de forma exponencial. Além disso, a resistência R(x) mostra-se importante apenas na região de ressonância (onde as outras duas componentes se anulam), e, por conveniência, muitas vezes considera-se também a variar de forma exponencial. Sendo então a rigidez definida na forma S(x)=S0e-ax, com S0 a rigidez da partição na base da cóclea, a frequência de ressonância da membrana é: 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 23 ω0 ( x) = S ( x) M = S 0 M e −a x /2 = ωc0 e − a x /2 . (2.39) Esta relação traduz a tonotopia coclear, isto é, relaciona a frequência de ressonância com a posição coclear, relação esta que é exponencial. Sabe-se que esta relação exponencial é essencialmente correcta para posições basais [Békési, 60], embora menos correcta para posições apicais. Os estudos sobre o nervo coclear [Liberman, 82], apontam consistentemente para uma sintonização aproximadamente exponencial das fibras do nervo coclear de acordo com a sua distribuição ao longo da cóclea. As frequências características (CF) (correspondentes ao pico das respostas neuronais das fibras) em função da posição coclear de onde provêm as fibras, parece ser invariante para muitas espécies animais e apresenta a seguinte forma empírica [Liberman, 82], [Greenwood, 90]: ( ) ω CF ( x ) = 2πA 10α (1− x L ) − B . (2.40) Para a espécie humana, as constantes são A≈160, α ≈2,1 e B≈0,8. É evidente que a sintonização das fibras no nervo coclear terá de estar necessariamente relacionada com as respostas mecânicas da partição coclear, embora esta relação não esteja completamente esclarecida. Alguns modelos cocleares que serão abordados seguidamente, definem explicitamente esta relação. A expressão de ωCF(x) é aproximadamente exponencial excepto para posições apicais. Na figura 2.6 apresentam-se as curvas correspondentes às equações (2.39) e (2.40) onde os parâmetros ωc0 e a são ajustados de forma a que as curvas coincidam para posições basais. Continuando a descrição da impedância da partição, se a resistência R(x) variar também exponencialmente, mas com metade do expoente de S(x), isto é, se for proporcional a ω0(x), significa que o factor de amortecimento associado a esta impedância de 2ª ordem virá constante. Seja ele δ/2. A impedância da partição apresenta então a seguinte forma: Z p ( x) = M 2 s + sδω 0 ( x ) + ω 02 ( x )) . ( s (2.41) Esta definição da impedância reproduz uma propriedade de simetria de escala que se sabe existir, pelo menos de uma forma aproximada e para posições não muito distantes da base, nas respostas mecânicas cocleares: para posições x fixas, as respostas em função da frequência são essencialmente idênticas sofrendo apenas uma translação em função da frequência de ressonância ω0(x). Analogamente, para frequências de excitação fixas, as respostas em função de x são também idênticas, deslocadas entre si apenas em função da frequência de excitação. As curvas de sintonia neuronal apresentam igualmente esta 24 Capítulo 2 - Modelos Cocleares propriedade, embora para baixas frequências características (<3kHz em ratos) se deixe de observar esta simetria, sugerindo que esta propriedade deixa de ser válida nas zonais mais apicais da cóclea [Zweig, 91]. 5 10 Hz 4 10 3 10 2 10 1 10 0 5 10 15 20 25 30 35 x [mm] Figura 2.6 - Mapa tonotópico exponencial (linha a tracejado) e de acordo com as frequências características neuronais (linha contínua), correspondentes às equações (2.39) e (2.40). Os parâmetros usados são: L=32mm, α=2.1, A=160, B=0.8, a=302m-1, fc0=20015 Hz. Para caracterizar esta propriedade de simetria da impedância basta fazer a seguinte normalização: u= s . ω 0 ( x) (2.42) Resulta assim que Zp/ω0 depende da frequência e da posição apenas através da frequência normalizada u: Z p ω0 = M 2 (u + δ u + 1) , u (2.43) sendo portanto invariante para u constante, isto é, apresenta a mesma forma em função de x numa escala linear ou de ω numa escala logarítmica. 2.3.3 Análise crítica do modelo clássico O modelo clássico, apesar de válido nos conceitos essenciais, mostra-se inadequado para modelar correctamente a cóclea, tendo em conta os dados experimentais recentes. Tal irá ser mostrado seguidamente. Vejamos em primeiro lugar como o modelo descreve o comportamento das ondas acústicas ao longo da cóclea. Na figura 2.7 mostra-se a 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 25 impedância da partição em função da frequência e da posição, bem como os resultados da simulação do modelo. As constantes do modelo indicam-se nas legendas das figuras e representam aproximadamente a cóclea humana [Kanis & de Boer, 93]. Como é evidente tanto pela descrição anterior como pela figura 2.7, a impedância da partição, Zp, apresenta duas assimptotas. Para ω >>ω0(x) ou para x>>x0(ω) (sendo x0 a posição de ressonância associada à frequência de excitação ω), a impedância é dominada pelo termo de massa, vindo então: Z p ( x ) ≅ sM , x>>x0 (2.44) |Zp(x)| 130 arg{Zp(x)} 0.5 dB 120 0.4 xπ 110 0.3 100 0.2 90 0.1 80 0 70 -0.1 60 -0.2 f=4KHz 50 40 30 0 -0.3 f=2KHz f=1KHz 5 10 15 20 -0.4 f=500Hz 25 30 -0.5 0 35 5 10 a) 20 25 30 35 b) |Zp(f)| 120 15 x [mm] x [mm] arg{Zp(f)} 0.5 dB xπ 100 80 0 x=0.25L 60 x=L/2 x=0.75L 40 2 10 3 10 4 f [Hz] c) 10 5 10 -0.5 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 d) Figura 2.7 - Impedância da partição coclear para 4 frequências de excitação em função da posição coclear: a) e b); e para 3 posições fixas em função da frequência: c) e d). a) e c): módulo; b) e d): fase. Os parâmetros da impedância são M=0,5Kg.m-2; S0=1010 Kg.m-2s-2; a=300 m-1 δ=0,05; L=32mm. 26 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Isto é, a impedância Zp atinge um patamar constante em função de x, ou cresce a um ritmo de 20dB/dec em função da frequência. Por outro lado, quando o termo de rigidez é dominante, pode tomar-se, sem grande erro, a seguinte aproximação: Z p ( x) ≅ S ( x ) Mω 02 ( x ) = , x<<x0 , s s (2.45) o que acontece quando ω <<ω0(x) ou x<< x0(ω). Neste caso, Zp decresce em módulo a um ritmo de -20dB/dec em função da frequência, ou a ritmo de -20a.log10(e) =-2,6 dB/mm em função de x. A impedância apresenta sempre a mesma forma devida à propriedade de simetria antes referida, que deriva da constância de M e do factor de amortecimento. Esta propriedade vai fazer com que as curvas de pressão e velocidade apresentem, também elas, essencialmente a mesma propriedade de simetria. Como já foi antes focado, poderia escolher-se uma variação dos parâmetros da impedância com x com maior rigor principalmente em zonas apicais. Contudo, como se irá ver, não é este o problema mais grave associado ao modelo clássico. 4 12 P(x) x 10 Vp(x) 15 10 8 5 4 0 0 -5 -4 -10 -8 0 5 10 15 20 x [mm] 25 30 35 -15 0 5 10 15 20 25 30 35 x [mm] a) b) Figura 2.8 - Parte real e parte imaginária da pressão e da velocidade da partição ao longo da cóclea, para uma frequência de excitação de 2kHz. a) Pressão. b) Velocidade da partição. A parte real indica-se a traço contínuo e parte imaginária a traço interrompido. Na figura 2.8 mostra-se a variação da pressão e velocidade da partição em função de x. Na base da cóclea o comprimento de onda é elevado (ondas longas) reduzindo-se progressivamente até se atingir a posição de ressonância (cerca de 16mm para uma frequência de excitação de 2 kHz). A pressão decresce e a velocidade cresce até atingir um valor máximo. A partir da posição de ressonância tanto a pressão como a velocidade se reduzem rapidamente extinguindo-se completamente poucas décimas de milímetro depois. 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 27 Outra forma de constatar este comportamento é analisar a variação do número de onda. Na figura 2.9 mostra-se o número de onda calculado através da expressão (2.33), onde se pode observar que para posições basais coincide praticamente com o número de onda local (expressão (2.34)). O número de onda cresce inicialmente e a sua parte real é superior à parte imaginária, o que significa que o comprimento de onda decresce mas a onda não sofre grande atenuação. Neste caso, teremos, com S(x)=S0e-ax, 2 ρ −ax / 2 , x << x0 , e hS 0 jk loc ( x ) = − jω (2.46) e a solução LG dá neste caso a seguinte aproximação: P( x ) = P(0) e − ax 4 . (2.47) |k(x)| k(x) 80 80 dB dB 75 70 70 60 65 50 60 40 55 30 50 20 45 10 40 0 5 10 15 20 25 30 35 x [mm] 0 0 5 10 15 20 25 30 35 x [mm] a) b) Figura 2.9 - a) Módulo do numero de onda (traço contínuo) e do número de onda local (tracejado). b) Parte real (traço contínuo) e parte imaginária (tracejado) do número de onda. f=2kHz. Logo depois de se atingir a posição de ressonância o número de onda passa a ter praticamente apenas parte imaginária (a constante de propagação é real), o que significa que a atenuação da onda vai ser muito elevada. Neste caso, atendendo a (2.34) e (2.44), teremos: jk loc ( x ) = 2ρ , x >> x0 . hM (2.48) O segundo termo da solução LG passa a ser dominante e a pressão tende a apresentar uma atenuação de acordo com a seguinte expressão: 28 Capítulo 2 - Modelos Cocleares 2ρ P( x ) ∝ exp − x . hM (2.49e) A atenuação da onda de pressão é de cerca de 17dB/mm para x>>x0, mas é superior (em módulo) logo a seguir à posição de ressonância, como se pode observar na figura 2.10, onde se atinge uma atenuação de aproximadamente 50 dB/mm. Em função da frequência de excitação, (figura 2.11), o módulo da pressão decresce a um ritmo que atinge -800 dB/dec. arg{P(x)} |P(x)| 150 1 xπ dB 0 100 -1 -2 50 -3 0 -4 -5 -50 -6 4KHz 2KHz 1KHz 500Hz -100 0 5 10 15 20 25 30 35 -7 0 5 10 15 x [mm] a) 25 30 35 25 30 35 b) |Vp(x)| 50 20 x [mm] arg{Vp(x)} 0 xπ dB -1 0 -2 -3 -50 -4 -100 -5 -6 -150 -7 -200 0 5 10 15 20 x [mm] c) 25 30 35 -8 0 5 10 15 20 x [mm] d) Figura 2.10 - Pressão coclear (diferença de pressões através da partição) e velocidade da partição em função da posição coclear, x. a) Módulo da pressão transpartição; b) fase. c) Módulo da velocidade da partição; d) fase. As 4 curvas correspondem às frequências excitação indicadas em a). Parâmetros do modelo: L=32mm; h=1 mm; ρ=1000Kg.m-3; a=300m-1; S0=1010Nm-3; δ=0.05; 500 secções. Solução obtida para uma velocidade do fluido nas janelas unitária, V(0)=1. Como se referiu no início deste capítulo, o modelo 1D é pouco adequado para representar ondas curtas. Este problema acentua-se, portanto, em torno da posição de ressonância, 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 29 onde as ondas são curtas, zona esta que é precisamente a mais importante a considerar. Um modelo definido a 2 ou 3 dimensões é mais adequado embora se tenha mostrado que a aproximação 1D é razoável se se aumentar a massa da partição, em relação ao seu valor estimado, de um terço da massa do fluido coclear [Kolston et al, 90]. |P(f)| arg{P(f)} 100 1 xπ dB 0 50 -1 -2 0 -3 -4 -50 L/2 3L/4 -100 2 10 3 L/4 4 10 f [Hz] 10 -5 5 10 -6 2 10 3 10 a) 10 5 10 b) |Vp(f)| 50 4 f [Hz] arg{Vp(f)} 2 xπ dB 0 0 -50 -2 -100 -4 -150 -6 -200 2 10 3 4 10 f [Hz] c) 10 5 10 -8 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 d) Figura 2.11 - Pressão e velocidade da partição em função da frequência de excitação para 3 posições cocleares. Curvas obtidas nas mesmas condições que as da figura anterior. Nas figuras 2.10 e 2.11 mostra-se a pressão e velocidade da partição em função da frequência e da posição x para uma velocidade do estribo unitária. De acordo com os primeiros dados experimentais existentes [Békésy, 60]8, a representação oferecida pelo modelo é muito satisfatória. Contudo, Békésy fez experiências com cadáveres e mais tarde 8 George von Békésy, notável médico e fisiologista húngaro, prémio Nobel de Medicina em 1961, fez experiências fisiológicas pioneiras sobre a cóclea. A referência citada corresponde à compilação dos seus principais trabalhos. 30 Capítulo 2 - Modelos Cocleares veio a mostrar-se que o comportamento da cóclea in vivo era substancialmente diferente. Aliás, os dados relativos a estas experiências foram sendo sucessivamente corrigidos pois a cóclea mostrou ser uma estrutura extremamente sensível e as preparações fisiológicas para o seu estudo facilmente degradáveis. À medida que os métodos de análise foram sendo aperfeiçoandos (método de Mössbauer com radiação gama e mais tarde métodos com radiação laser), as respostas de velocidade mostraram picos sucessivamente com maior amplitude, e hoje está perfeitamente estabelecido que não existem diferenças significativas entre as curvas de sintonização derivadas de dados mecânicos ou neuronais (fig. 2.12). Em termos do modelo presente, o problema reside precisamente no valor de pico das respostas em amplitude junto à posição de ressonância que deveria ser substancialmente superior (cerca de 40dB superior ao valor mostrado na figura 2.11c)). Figura 2.12 - Comparação das curvas de sintonização na partição coclear (B.M.) e no nervo auditivo (NEURAL). Trata-se de curvas “iso-saída”, isto é, curvas onde o nível de pressão sonora de entrada é ajustado de forma a obter um valor fixo da variável em questão. As curvas correspondem a médias (técnica de Mössbauer) de 5 chinchilas a cerca de 3.5mm de distância da base da cóclea. (in [Ruggero, 92]) Com o modelo clássico não é possível resolver esta questão, mesmo que se considere um factor de amortecimento muito menor, apesar de irrealista. De facto, diminuindo o factor de amortecimento, δ, associado à impedância da partição, ou seja, diminuindo a resistência da partição, consegue-se amplitudes de pico superiores. Tal é mostrado na figura 2.13. No entanto, mais uma vez este resultado continua a não ser realista. Os dados experimentais, principalmente os dados neuronais, cujas preparações não afectam directamente a cóclea, mostram que o pico nas respostas deve ser, não apenas elevado, como também largo, contrariamente ao resultado obtido com um baixo valor de δ, para o qual existe de facto um 2.3 Modelo macromecânico a uma dimensão 31 pico elevado, mas extremamente fino. É de referir ainda que a variação da impedância da partição é de tal maneira brusca que produz uma descontinuidade no meio de propagação dando origem a reflexões. A simulação neste caso teve de ser efectuada com um elevado número de secções; mesmo assim a existência de irregularidades no módulo da velocidade da partição indicia a existência de reflexões. Um apurado estudo de modelos a duas e três dimensões começou então a ser feito [Sondhi, 78], [Steele & Taber, 79a, b], [de Boer, 84, 91]. Relaxando a aproximação de ondas longas e permitindo que a pressão dependa em duas ou nas três dimensões não resolve inteiramente o problema da discrepância do modelo na zona de ressonância. Adicionando acoplamento directo entre secções do modelo também não melhora significativamente o modelo. Considerando a cóclea enrolada e o fluido coclear compressível e com viscosidade, afecta as respostas apenas ligeiramente [Zweig, 91]. A conclusão a retirar é que as discrepâncias relativamente às respostas obtidas experimentalmente terão de ser devidas a propriedades do órgão de Corti. |Zp(x)| 120 |Vp(x)| 60 dB dB 40 100 20 80 0 60 -20 -40 40 -60 20 0 0 -80 5 10 15 20 x [mm] a) 25 30 35 -100 0 5 10 15 20 25 30 35 x [mm] b) Figura 2.13 a) - Impedância; b) - velocidade da partição coclear para uma frequência de excitação de 2kHz. Os parâmetros do modelo são os mesmos que nas figuras anteriores excepto que δ=0.001. Modelo simulado com 4000 secções cocleares. Surgiu entretanto uma nova teoria, que preconizava a existência de um “segundo” filtro associado à velocidade da partição e que seria o responsável pelas diferenças observadas entre dados mecânicos e dados neuronais. Esta teoria, referida como teoria do “segundo filtro” (“second filter”) [Hall, 80], [Allen, 77, 80], [Patuzzi, 96] conduziu a resultados importantes pois passou-se a modelar pormenorizadamente o órgão de Corti. Muitos conceitos e aspectos dos modelos então introduzidos continuam ainda válidos e a ser 32 Capítulo 2 - Modelos Cocleares utilizados. No entanto, a teoria em si, viria a ser desvalorizada dada a concordância que se veio a mostrar posteriormente entre os dados mecânicos e neuronais [Robles et al, 86] (ver figura 2.12). A descoberta das emissões otoacústicas espontâneas veio levantar um novo problema na modelação coclear: como poderia um sistema passivo e aparentemente estável, produzir espontaneamente sons para o exterior? A hipótese de a cóclea poder ser um sistema activo começou a ganhar forma tendo sido inicialmente proposta por Davis [Davis, 83] e Kim, [Kim, 84] e vindo a solidificar-se com a descoberta da mobilidade das células ciliadas externas. Contudo, a teoria da actividade coclear, conhecida também como teoria da amplificação coclear, gerou uma enorme controvérsia que não está, ainda hoje, inteiramente resolvida [de Boer, 83], [Allen, 85], [Kolston et al, 90], [Allen & Neely, 1992]. Em conclusão, o modelo clássico é válido nos seus pressupostos macromecânicos fundamentais, relativos à física das ondas progressivas na cóclea (“traveling waves”). As simplificações quanto à dimensão do modelo bem como à sua geometria parecem ser aceitáveis desde que se defina com maior rigor e pormenor a impedância da partição incluindo nesta o efeito das principais estruturas do órgão de Corti. Este assunto é abordado na secção seguinte. Antes de abordar os modelos micromecânicos é conveniente referir dois outros aspectos importantes na modelação coclear. O primeiro destes aspectos diz respeito à impedância de entrada da cóclea e o segundo à modelação do ouvido externo e médio. 2.4 Impedância de entrada da cóclea Existem muitos estudos experimentais sobre a medida da impedância de entrada da cóclea (por exemplo [Lynch et al, 82], [Nedzelnitsky, 80], [Rabinowitz, 81], [Rosowski, 96]), sendo a sua caracterização essencial no estudo do ouvido médio. Por outro lado, a análise desta impedância em modelos cocleares constitui um aspecto importante a considerar para a verificação da concordância dos modelos com dados conhecidos. No modelo coclear anteriormente definido, a impedância de entrada da cóclea corresponde à impedância Zr(x) para x=0. É a relação entre a diferença de pressões junto das janelas e a velocidade do fluido na mesma localização que é igual à velocidade do estribo. 2.4 Impedância de entrada da cóclea 33 Junto às janelas a impedância da partição é dominada pela sua rigidez, a não ser para frequências de excitação próximas da frequência de ressonância da base da cóclea. Assim, uma análise assimptótica do modelo é válida o que permite determinar com facilidade a impedância de entrada da cóclea. Vejamos qual a sua expressão para o modelo clássico. Para posições cocleares inferiores à posição de ressonância, x→0, (e com ω<<ω0), teremos, tal como em (2.45): Z p ( x ) ≅ S 0 e − ax jω . (2.50) Nesta situação, com x=0, tanto o número de onda local como a impedância característica local são reais (ver (2.14)): k loc (0) = − j Z ser Z par (0) = ω 2ρ = D0 , hS 0 (2.51) Z 0loc (0) = Z ser Z par (0) = 2 ρ hS 0 = Rin . (2.52) Como iremos ver, Rin é o valor assimptótico da impedância de entrada, Zin, mas apenas correcto para frequências intermédias. Podemos saber o valor da impedância de entrada com a aproximação (2.50), pois nesta situação o modelo tem uma solução analítica. A equação do modelo, (2.8), passa a ser a seguinte: d 2 P( x ) + D02e ax P( x ) = 0 . 2 dx (2.53) Fazendo a seguinte mudança de variáveis: v= 2 k loc 2 D0 ax / 2 k loc (0) ′ (0) = e exp x , ′ (0) a k loc k loc (0) (2.54) esta equação diferencial transforma-se numa equação de Bessel. A solução é, [de Boer, 80], [Koshigoe et al, 83]: P (v ) = cH 0( 2 ) (v ) , (2.55) onde H 0( 2 ) é a função cilíndrica de Hankel de ordem zero, 2ª espécie [Kinsler et al, 82] 9, onde c é uma constante. Atendendo à definição de Zr(x) (ver expressão (2.30)), facilmente se pode verificar que a impedância de entrada resulta na seguinte expressão: 9 H n( 2 ) ( x ) = J n ( x ) − jYn ( x ) onde Jn(x) e Yn(x) são as funções de Bessel de ordem n de 1ª e 2ª espécie, respectivamente. dH ( 2) 0 ( x ) dx = − H (2) 1 ( x ) . Para x>>2π, H (2) n nπ π 2 − j x − 2 − 4 . ( x) → e πx 34 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Zin = jRin H0( 2) (v0 ) . H1( 2) (v0 ) (2.56) Nesta expressão, v0 corresponde ao valor de v para x=0, v(0)=2D0/a. No denominador aparece a função de Hankel de 1ª ordem (ver nota de rodapé). Esta expressão depende apenas da frequência; para v0 elevado, ou seja para frequências elevadas, o último factor da expressão de Zin tende para -j pelo que esta impedância tende a ser resistiva, de valor Rin. Para frequências baixas Zin tende a ser indutiva. Isto mesmo pode ser verificado através da aproximação do quociente das funções de Bessel, para v0>1 [Koshigoe et al, 83]: |H0(x)/H1(x)| 0 arg{H0/H1} 0 dB xπ -5 -0.1 -10 -0.2 -15 -20 -0.3 -25 -0.4 -30 -35 -2 10 -1 0 10 10 1 10 2 x 10 -0.5 -2 10 -1 0 10 10 a) 1 10 2 x 10 b) (2) 0 (2) 1 Figura 2.14 - Variação da razão entre funções de Hankel, H ( x ) / H ( x ) . a) Módulo. b) Fase. A tracejado indica-se a aproximação para argumento elevado: 2x/(1+2jx). H 0( 2 ) (v 0 ) 2v 0 ≅ , v0 > 1 . (2) H1 (v 0 ) 1 + 2 jv 0 (2.57) Utilizando esta aproximação, a impedância Zin pode ser vista como o paralelo de Rin com uma indutância (ou massa específica) de valor 8ρ/a: Z in ≅ jω (8ρ a ) Rin 2 jv 0 Rin = . 1 + 2 jv 0 Rin + jω (8ρ a ) (2.58) A frequência a partir da qual Zin é praticamente resistiva é ωc=aRin/8ρ, a que corresponde um valor de v0 de 1/2 (ver figura anterior). Contudo, este resultado não se verifica para baixas frequências, mais precisamente, o módulo de Zin não apresenta um declive para baixas frequências de +20dB/dec, sendo esta inclinação inferior, cerca de 15dB/dec. Um circuito eléctrico que melhor modela esta impedância consiste no paralelo de Rin com a série 2.4 Impedância de entrada da cóclea 35 de uma resistência e uma indutância. É este o modelo inferido por Lynch [Lynch et al, 82] a partir de resultados experimentais em gatos. É interessante fazer aqui um parênteses para verificar que a solução WKB (ou LG) corresponde precisamente ao valor assimptótico de P(v). De facto, para v>2π, resulta P (v ) → c 2 k (0) ∝ loc = e − ax 4 . πv k loc ( x ) (2.59) A pressão P(x), normalizada à pressão nas janelas, será portanto: H ( 2 ) (v ) P( x) = (02 ) → e − ax 4 , P(0) H 0 (v 0 ) (2.60) onde v0 corresponde ao valor de v para x=0: v(0)=2D0/a. Isto significa que a onda estacionária de pressão se atenua numa escala logarítmica (em dB), a um ritmo de 5a/ln(10) ou cerca de 0,65dB/mm, antes de atingir a posição de ressonância. Por outro lado, a velocidade da partição normalizada à velocidade do estribo, V(0), será: − jωRin ax H 0( 2 ) (v ) P( x ) Zin =− = , e V (0) P(0) Z p ( x ) S0 H1( 2 ) (v 0 ) V p ( x) (2.61) e portanto, esta velocidade normalizada, em módulo, tende para ser proporcional à frequência e exponencial com expoente 3ax/4, isto é, cresce cerca de 2dB/mm (ver fig. 2.10c). Voltando de novo à análise da impedância de entrada da cóclea, na figura 2.15 apresenta-se a impedância Zin acústica, Zin(a) = Zin/A(0), calculada de acordo com a expressão (2.56), conjuntamente com a impedância acústica de entrada calculada numericamente. Observa-se que, de facto, esta solução assimptótica é correcta excepto para frequências próximas da frequência de ressonância correspondente à base da cóclea. Tal seria de esperar, pois a aproximação (2.50) é válida apenas para ω<<ω0(x). O declive do módulo da impedância para baixas frequências é inferior a 20dB/dec (cerca de 15dB/dec), resultado este condizente com os dados obtidos experimentalmente (fig. 2.16). No entanto, devido ao mapa tonotópico exponencial, a frequência de ressonância no helicotrema é cerca de 180Hz; para frequências de excitação menores, a onda propaga-se até ao helicotrema, onde chega ainda pouco atenuada, sendo portanto reflectida por desadaptação. Daí a oscilação no módulo de Zin para frequências inferiores a cerca de 200Hz. Com um factor de amortecimento menor as reflexões são, obviamente, de maior amplitude. Com a impedância da partição definida em termos do mapa tonotópico da expressão (2.40), as reflexões são 36 Capítulo 2 - Modelos Cocleares muito menores. Convém ter em conta que os dados experimentais não evidenciam a existência de reflexões na zona apical da cóclea. Um apurado estudo sobre a impedância de entrada da cóclea em modelos cocleares é feita por Puria e Allen [Puria & Allen, 91], onde se chega a resultados muito interessantes. Sumariamente, as conclusões principais são as seguintes: a) A impedância de entrada da cóclea, Zin, para baixas frequências é dominada pela impedância do helicotrema e pelas características de viscosidade do fluido coclear na zona apical da cóclea, não dependendo apenas das propriedades da partição na base da cóclea, como é geralmente assumido. |Zin(a)| 6 10 Ω cgs 2 3 5 10 1 4 10 1 10 2 3 10 10 4 10 f [Hz] Figura 2.15 - Impedância acústica de entrada da cóclea, em Ohm acústicos, unidades cgs: [gcm-4s-1], Zin(a)= Zin /A(0), onde se tomou A(0)=0.02cm2. Curva 1: solução assimptótica (expressão (2.56)). Curva 2: modelo clássico com δ=0,4. Curva 3: com o mapa tonotópico de Liberman (expressão (2.40)). b) As reflexões apicais por desadaptação no helicotrema são reduzidas se se considerar um mapa coclear onde a frequência de ressonância decresce mais rapidamente na zona apical, tal como o mapa de Liberman (expressão (2.40)). c) As reflexões são praticamente eliminadas se forem tomadas em conta as variações espaciais da área das escalas timpânica e vestibular (que decrescem ao longo da cóclea) e se for considerada a viscosidade do fluido coclear na região apical (efeito abaixo dos 150Hz). De facto, para baixas frequências a viscosidade do fluido é responsável pela atenuação da energia acústica das ondas, o que justifica a inexistência de reflexões. d) As irregularidades de Zin estão directamente ligadas com as irregularidades da área das escalas. 2.4 Impedância de entrada da cóclea 37 Na figura 2.16b) reproduz-se a medida da impedância acústica coclear obtida por Lynch em gatos [Lynch et al, 82]. Convém ter em conta que esta impedância inclui o efeito da impedância das janelas, o que não acontece no modelo coclear. A impedância da membrana das janelas é dominada pela sua elasticidade (é capacitiva em termos eléctricos), daí que a fase a baixas frequências tenda para -90o. No caso da cóclea humana verifica-se que |Zin| é inferior ao de outras espécies estudadas, fundamentalmente devido à maior área das escalas. A impedância torna-se resistiva para frequências superiores a cerca de 1kHz, o mesmo acontecendo para a cóclea humana [Puria & Allen, 91]. No entanto verificam-se irregularidades no módulo da impedância a partir desta frequência. Este efeito pode ser reproduzido no modelo coclear se for definida uma área da escala vestibular próxima da realidade. Tal é mostrado na figura 2.17 onde também se incluiu o efeito de viscosidade do fluído de acordo com a função Q(x) referida anteriormente (expressão (2.2)). Us=V(0)A(0) Zal Pv Zin Zrw Pt Zc a) b) Figura 2.16 - a) Esquema indicando as impedâncias em jogo na determinação da impedância da cóclea: Zal - impedância de ligação do estribo à janela oval; Zin: impedância coclear vista a partir das janelas; Zrw: impedância da janela redonda; Us: velocidade volúmica do fluido junto às janelas. b) Reprodução da figura 20 em [Lynch et al, 82], correspondente à média da impedância acústica da cóclea a partir de 3 estudos em gatos. 38 Capítulo 2 - Modelos Cocleares |Zin| A(x) -1 10 MΩ 2 cm2 1 -2 10 0.1 -3 10 0 5 10 15 20 25 30 35 1 10 2 3 10 x [mm] a) 10 4 10 f [Hz] b) Figura 2.17 - a) Medida experimental da área da escala vestibular [Puria & Allen, 91]. b) Impedância Zin calculada com esta função de área e considerando viscosidade do fluido coclear. Em conclusão, o estudo da impedância da cóclea permite identificar alguns aspectos importantes que podem ser facilmente corrigidos ou alterados para uma correcta modelação coclear. 2.5 Ouvido externo e médio Um modelo completo do sistema auditivo periférico deve integrar modelos do ouvido externo e médio. O conjunto constituído pelo ouvido externo e médio evidencia um ganho relativo à pressão acústica ambiente que é considerável (cerca de 35dB a 3kHz) e que é responsável, nomeadamente, pela curva de limiar de audição. O ouvido externo é constituído pelo pavilhão e canal auditivo (fig. 2.1a) terminando na membrana do tímpano e essencialmente é responsável pelo ganho de pressão acústica. O ouvido médio é constituído pelos ossículos que ligam a membrana timpânica à janela oval da cóclea funcionando como adaptadores de impedância de dois meios com propriedades acústicas distintas (ar e fluido coclear). A figura seguinte mostra uma representação em cascata dos processos envolvidos na análise do ouvido externo e médio e onde cada bloco tem associado as variáveis de entrada e saída. Vários tipos de impedância estão em jogo. Por exemplo, a membrana timpânica caracterizase em termos da pressão exercida na sua área efectiva, PT, e da velocidade volúmica da massa de ar envolvida, UT. A cadeia ossicular é caracterizada em termos de força exercida nos ossículos, FU, e correspondente velocidade linear, VU. Esta transformação de variáveis e 2.5 Ouvido externo e médio 39 impedâncias tem como equivalente eléctrico um transformador com razão de transformação igual à área efectiva da membrana timpânica. Figura 2.18 - Representação em cascata das funções de transferência que se podem identificar no ouvido externo e médio (in [Rosowski, 96]). Um dos modelos mais pormenorizados do ouvido externo e médio é o modelo desenvolvido por Rosowski [Rosowski, 96] e que será utilizado neste trabalho com ligeiras modificações. 2.5.1 Ouvido externo A função de transferência do ouvido externo inclui o efeito da difracção do som pelo corpo, cabeça e pavilhão auditivo e é altamente dependente da direcção da incidência do som. Para aplicações de processamento de sinal monoaural um modelo simples que tome em conta apenas uma direcção é suficiente. Rososwki, no seu modelo considera a cabeça como uma esfera rígida e calcula o ganho que relaciona a pressão sonora na superfície da esfera rígida com uma onda plana de pressão de estímulo, PPW. Este ganho resulta numa expressão muito complicada, definida por uma série com funções de Bessel e polinómios de Legendre. Neste trabalho considera-se um modelo mais simples que utiliza a aproximação de Bauer [Bauer, 67], em termos de um circuito equivalente representado na figura 2.19. Na caracterização deste circuito assume-se que o principal obstáculo que a onda incidente encontra pode ser representado por uma esfera de raio efectivo, r, com uma abertura (pavilhão auditivo) de área A0. A impedância constituída pelo paralelo da resistência Rr e indutância Mr, representa a impedância acústica de radiação (em circuito aberto) da abertura correspondente ao pavilhão auditivo. As equações dos vários elementos deste circuito equivalente são as seguintes [Giguèrre & Woodland, 94]: 40 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Ms = 0.7 ρa ρa ρa c ρa c , Rs = , Rr = , 2 , Mr = 2π r A0 πr π A0 (2.62) onde ρa é a densidade do ar e c a velocidade do som no ar. Os valores dos parâmetros estão indicados na legenda da figura 2.19. As cavidades do pavilhão auditivo e do canal auditivo são modelados, respectivamente, por uma trompa e por um tubo cujas propriedades acústicas podem ser caracterizadas através de quadripólos definidos pelos seguintes parâmetros de transmissão [Malecki, 69], [Rosowski, 96] : AT = DT = cos( klT ) , BT = jZ 0 sin( klT ) , CT = j sin( klT ) / Z 0 . (2.63a) k = ω c , Z 0 = ρa c Al . (2.63b) AH = e alH c2 e jblH − c1e − jblH jωρa sin(bl H ) , B H = e alH , 2 jb Al b C H = − e −alH (2.63c) Al (a 2 + b 2 ) sin(bl H ) c e − jblH − c1e jblH , DH = e − alH 2 . (2.63d) jωρa b 2 jb b = k 2 − a 2 , c1 = − a − jb , c2 = − a + jb , Al = A0 e 2 alH . Rr Ms Rs Mr + _ 2PPW + + PEX PPW UT UEC UEX AH BH CH DH PEC Difracção do som AT BT CT DT PT _ ZEX _ ZiT ZEC Pavilhão (trompa) lH 0 (2.63e) Canal auditivo (tubo) x lT PPW UEX A0 Al PEX UT PT e2ax Figura 2.19 - Modelo do ouvido externo. A relação entre a pressão externa no pavilhão auditivo, PEX, e a pressão da onda plana incidente, PPW, é representada pelo circuito equivalente de Bauer (ver texto). O pavilhão auditivo é representado por uma trompa de secção exponencial, A(x)=A0e2ax, de comprimento lH. O canal auditivo é representado por um tubo de comprimento lT e de secção Al. Trompa e tubo são caracterizados por matrizes de parâmetros de transmissão. Os valores dos parâmetros tomados para este modelo são os seguintes: r=0.1m; ρa=1.21Kg/m3; c=343m/s; A0=4.4x10-4m2; Al=A0/10; lH=0.01m; lT=0.02m. 2.5 Ouvido externo e médio 41 Esta caracterização pressupõe um meio sem perdas bem como a propagação por ondas planas (baixas frequências). Para considerar perdas basta tomar o número de onda k1 com um factor de atenuação α : k1=k−jα [Kinsler el al, 83]. Os valores dos parâmetros são indicados na legenda da figura 2.19. Uma vez conhecida a impedância vista a partir da membrana timpânica, ZiT, pode facilmente calcular-se as funções de transferência PT/PPW, PEC/PPW e PEX/PPW. Pode igualmente determinar-se o circuito equivalente de Thévenin correspondente ao ouvido externo. O equivalente de Thévenin referente à parte do modelo relativa à difracção do som consiste na pressão e impedância equivalentes: Rs + 2 sM s e Z d = ( Rs //sM s ) + (Rr //sM r ) . Rs + sM s Considerando o produto das duas matrizes de parâmetros de transmissão, temos: Pd = PPW (2.64) PEX A B PT U = C D ⋅ U , EX T (2.65) pelo que a pressão e impedância equivalentes de Thévenin do modelo do ouvido externo são dadas por: Peq = Pd A + CZ d e Z eq = B + DZ d . A + CZ d (2.66) 2.5.2 Ouvido médio O modelo de Rosowski do ouvido médio é representado na figura 2.20. Uma descrição pormenorizada das suas partes constituintes pode ser encontrada em [Rosowski, 96]. Este modelo é utilizado neste trabalho com ligeiras alterações. Por exemplo, a impedância de entrada da cóclea, ZC, é alterada para o paralelo de uma resistência, RC com a série de uma resistência RC0 com uma indutância LC, em vez da ligação série de RC com LC representada na figura 2.20. Esta alteração está em conformidade tanto com o valor teórico obtido anteriormente como com valores experimentais. 42 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Zm(a) Pi = HmPPW a) US PC Zin(a) b) Figura 2.20 - a) Modelo do ouvido médio (in [Rosowski, 96]). PT representa a pressão timpânica, PS a pressão efectiva que actua no estribo e PC a diferença de pressões entre as escalas timpânica e vestibular. ATM é a área da membrana timpânica, AFP a área da base do estribo e (lM/lI) é o ganho da cadeia ossicular que resulta da rotação dos ossículos. Os valores usados dos parâmetros são os seguintes: CTC=4x10-12 m5N-1; CMC=3.9x10-11 m5N-1; RA=6x106 Pa s m-3; LA=100 Kg m-4; LT1=750 Kg m-4; CT = 3x10-12 m5N-1; RT=3x107 Pa s m-3; LT=6.6x103 Kg m-4; CT2 =1.3x10-11 m5N-1; RT2=1.2x107 Pa s m-3; ATM=60x10-6 m-2; AFP=3.2x10-6 m-2; lM/lI =1.3; CTS=5x10-3 mN-1; RTS=4.3x10-2 Nsm-1; CMI=10-3 mN-1; RMI=7.2x10-3 Nsm-1; LMI=7.9x10-6 Kg; RJ=3.6 Nsm-1; CJ=4.9x10-4 mN-1; LS=3x10-6 Kg; CAL=5x10-14 m5N-1; RAL=0. Como impedância da cóclea considera-se o paralelo de uma resistência RC=1.55x1011 Pa s m-3; com a série de uma indutância, LC=8x107 Kg m-4 e uma resistência RC0=2.2x1010 Pa s m-3. b) Equivalente de Thévenin do ouvido externo e médio referido à entrada da cóclea, com pressão equivalente de entrada Pi e impedância acústica equivalente Zm(a). O valor de CAL, o inverso da rigidez atribuída às membranas das janelas oval, é também alterado de forma a que a impedância acústica vista a partir do estribo, ZAL+ZC, apresenta um mínimo a algumas dezenas de Hz, de acordo com medições experimentais [Lynch et al, 82]. A pressão PC corresponde assim à diferença de pressões entre as escalas na base da cóclea. Os valores tomados para o modelo são indicados na legenda da figura 2.20 e correspondem, na sua quase totalidade, aos valores originalmente propostos. 2.5.3 Resultados relativos ao ouvido externo e médio A impedância vista a partir do tímpano pode agora ser calculada, bem como o equivalente de Thévenin referente ao ouvido externo e médio, tal como se representa na figura 2.20b). Os resultados mais importantes deste modelo indicam-se na figura 2.21. O ganho de pressão à entrada da cóclea, PC/PPW, apresenta uma variação com a frequência que segue aproximadamente o inverso da curva de limiar de audição. O ganho PC/PT está razoavelmente de acordo com os dados obtidos em [Puria et al, 93]. O ganho de pressão relativo ao modelo das cavidades do ouvido externo, PT/PPW, é genericamente correcto [Chan & Geisler, 90] e coincide também razoavelmente com as medidas efectuadas em 2.5 Ouvido externo e médio 43 bebés de 24 meses [Keefe et al, 94] (as dimensões das cavidades auditivas nesta idade são já praticamente iguais às dos adultos). Para frequências acima de 10 kHz as respostas PEX/PPW bem como PT/PPW apresentam grandes variações que resultam das reflexões produzidas na membrana timpânica. Estas reflexões ocorrem quando os comprimentos de onda do som começam a aproximar-se do raio do tubo que modela o canal auditivo, deixando de ser válida a assumpção de ondas planas. 40 1 PC /PPW xπ dB 30 0 PC /PT PS /PPW 20 10 PEX /PPW -1 PC /PPW PS /PPW PC /PT -2 PT /PPW PT /PPW 0 -3 -10 -4 PC /PPW PS /PPW PEX /PPW -20 -30 1 10 -5 2 10 3 f [Hz] 10 10 4 -6 1 10 2 10 3 f [Hz] 10 4 10 a) b) Figura 2.21 - Funções de transferência relativas ao modelo do ouvido externo e médio da figura anterior. a) - Módulo. b) - Fase. A função de transferência PC/PT bem como a impedância vista a partir da membrana timpânica, ZiT, (não mostrada) apresentam uma variação muito mais suave que os valores medidos em [Puria et al, 93] em cadáveres humanos, mas mesmo assim, em razoável concordância, tendo em conta que a pressão medida naquela experiência é tomada a alguma distância da membrana timpânica (no outro extremo do canal auditivo, ZEC apresenta variações muito acentuadas devido às reflexões). Para integrar este modelo do ouvido externo e médio num modelo coclear pode utilizar-se o circuito equivalente de Thévenin representado na figura 2.20b). Na figura 2.22 mostra-se a pressão de entrada, HmPPW e a impedância, Zm, deste circuito equivalente. As variáveis de entrada do modelo coclear são a diferença de pressões nas janelas, PC, e a velocidade volúmica do fluido (ou do estribo), US. Como se observa, a simplificação de modelar o ouvido médio como uma impedância de 2ª ordem, como é feito por exemplo por Neely, [Neely, 93], pode considerar-se razoável. No entanto, o ganho Hm indicado na figura 2.22a) 44 Capítulo 2 - Modelos Cocleares apresenta uma variação de cerca de 20dB na gama de frequências audível. Neely no seu modelo toma Hm como um valor fixo, o que corresponde a considerar apenas as razões de transformação: Hm=ATM(lM/lI)/AFP, o que é uma aproximação grosseira. Tal simplificação é conhecida por modelo de transformador ideal. De facto, tomando como exemplo a membrana timpânica, devido à impedância da própria membrana timpânica, ZTS, a “área efectiva” na transformação de velocidade volúmica, UT, na velocidade linear da base do martelo (umbo), VU, é função da frequência. |Hm|=|Peq/PPW| 40 arg{Hm} 1 xπ dB 35 0 -1 -2 30 -3 -4 25 -5 20 1 10 2 10 3 f [Hz] 10 -6 1 10 4 10 2 10 f [Hz] 3 10 3 10 10 a) b) |Zm| arg{Zm} 4 0.5 GΩ xπ 0 0 2x10 -0.5 0 10 1 10 2 3 10 10 f [Hz] 4 10 1 10 2 10 10 4 f [Hz] c) d) Figura 2.22 - Pressão e impedância do circuito equivalente de Thévenin correspondente ao modelo do ouvido externo e médio, com PPW=1. a), c) Módulo. b),d) Fase. (1GΩ=109 Pa s m-3). O ganho Hm é fundamental para uma correcta modelação do limiar auditivo [Rosowski, 91]. O máximo do módulo de Hm acontece para uma frequência próxima dos 3 a 4kHz e corresponde precisamente à frequência a que o ouvido humano é mais sensível. 2.6 Modelos Micromecânicos 45 Em conclusão, o modelo descrito do ouvido externo e médio pode considerar-se suficientemente rigoroso simulando com algum detalhe dados resultantes de experiências em humanos e animais. Trata-se de um modelo linear não entrando em conta com fenómenos como histerese, reflexo acústico [Giguère & Woodland, 94b], etc., mas estes fenómenos não lineares são pouco significativos a baixos níveis de excitação em ouvidos normais. Nas simulações do modelo coclear apresentadas no capítulo 3 este modelo é utilizado através da integração do ganho Hm e impedância Zm no modelo de linha de transmissão da figura 2.5. 2.6 Modelos Micromecânicos Na década de 70 começaram a emergir dados que mostravam uma marcada não linearidade das respostas cocleares em função do nível de excitação [Rhode, 71]. Um exemplo de não linearidade consiste no decrescimento do pico das respostas cocleares com o nível de excitação [Rhode, 71], [Sellick et al, 82]. Entretanto, outros fenómenos não lineares eram já conhecidos utilizando como estímulo um par de tons sinusoidais. Um destes fenómenos é conhecido como “supressão de dois tons”10 e consiste na redução da taxa de disparos de uma fibra do nervo coclear devido à presença de um segundo tom [Sachs & Kiang, 68], [Sachs & Abbas, 74, 76], [Delgutte, 90], [Ruggero et al, 92], [Nuttal & Dolan, 93]. Outro fenómeno não linear consiste na geração de tons adicionais (aos dois tons de estímulo) de combinação, fenómeno este também conhecido como produtos de distorção de intermodulação ou simplesmente como produtos de distorção. Consiste na produção de tons relacionados com os tons do estímulo de frequências f1 e f2 na forma mf1-nf2 onde m e n são números inteiros, sendo a distorção mais importante a chamada distorção cúbica, 2f2-f1, [de Boer, 84], [Furst & Goldstein, 82], [Ruggero, 92], [Allen & Fahey, 93]. O estudo destes tons de combinação, primeiro por estudos psico-físicos [Goldstein, 67] e depois por experiências fisiológicas no nervo auditivo e cóclea [Goldstein & Kiang, 68], [Robles et al, 91], teve um papel determinante na teoria coclear moderna. 10 “Two-Tone Suppression” na designação original. 46 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Surgiram então modelos cocleares que tentavam descrever este comportamento não linear. Os modelos eram baseados na formulação 1D mas necessariamente simulados no domínio temporal. Na maior parte dos casos o factor de atrito ou resistência da impedância da partição variava proporcionalmente com a velocidade da partição a fim de reduzir a sensibilidade das respostas. Modelos deste tipo [Hall, 80], [Deng & Geisler, 87], [Zwicker, 86], [Fust & Goldstein, 82], [Strube, 85], etc., permitiram descrever, de uma forma mais ou menos completa, o comportamento não linear das respostas cocleares e neuronais então conhecidas. Contudo, o andamento das respostas continuava a não corresponder aos dados mecânicos conhecidos tal como foi explicado através do modelo clássico abordado nas secções anteriores. Nesta altura os métodos de análise não estavam tão desenvolvidos como hoje e existiam discrepâncias significativas entre dados mecânicos e dados neuronais. Uma explicação plausível para esta discrepância fundamentava-se na suposição que a vibração medida por todos os investigadores nessa altura não corresponderia à vibração que estimulava as células sensoriais. Muito do esforço teórico que se seguiu tentou determinar se a vibração micromecânica do órgão de Corti poderia explicar estas discrepâncias o que levou ao surgimento da teoria do “segundo filtro”. Membrana Tectória KT MT KC MB Membrana Basilar Célula Ciliada Interna Fibras Nervosas Células Ciliadas Externas MB z y Figura 2.23 - a) - Esquema do orgão de Corti. b) - Modelo mecânico simplificado. A membrana basilar move-se no sentido vertical e a membrana tectória desliza numa direcção radial reforçando a oscilação dos cílios das células ciliadas. Existem assim dois modos de vibração ou graus de liberdade. A ideia base nesta abordagem é que uma segunda ressonância estaria envolvida na impedância da partição e que teria a ver com a membrana tectória e com os cílios das células ciliadas. Na figura 2.23 apresenta-se um esquema do órgão de Corti que permite visualizar o princípio básio de funcionamento. Quando a membrana basilar se move no 2.6 Modelos Micromecânicos 47 sentido vertical, a membrana tectória pode rodar em torno da sua conexão óssea mas também pode deslizar livremente numa direcção radial (direcção y na figura 2.23b). Existem assim dois graus de liberdade na oscilação das estruturas do órgão de Corti. O movimento radial da membrana tectória não interfere directamente com o movimento do fluido coclear, mas permite uma oscilação dos cílios das CCEs e CCIs muito superior à que seria conseguida apenas pelo movimento vertical da membrana basilar. Um trabalho notável de modelação do órgão de Corti foi feita por Allen, [Allen, 80], que, dada a sua importância, será abordado na secção seguinte. Desde cedo que Dallos e seus colaboradores [Lyon & Mead, 88], [Dallos, 96], apontavam para a necessidade de considerar as CCEs no funcionamento normal da cóclea, baseada na redução muito significativa de sensibilidade das respostas neuronais quando as CCEs são destruídas por antibióticos ototóxicos. Não era muito claro na altura como é que isto poderia acontecer pois se sabia que as CCEs recebem apenas 5% dos neurónios aferentes e estava amplamente estabelecido que a vibração coclear era passiva, linear e robusta [Patuzzi, 96]. Porém, no início da década de 80 foi progressivamente tornando-se claro que a cóclea teria de ser activa sendo este comportamento devido às CCEs [de Boer, 83, 83b, 91], [Davis, 83], [Kim, 84], [Zweig, 91], [Brass & Kemp, 93]. A descoberta da mobilidade destas células (capacidade de expansão e contracção através de estimulação eléctrica até cerca de 30kHz, [Brownell et al, 85], [Holley, 96]) permitiu consolidar esta hipótese. Os modelos cocleares seguiram obviamente por esta via. De entre os modelos activos recentemente propostos talvez os mais importantes sejam os modelos de Neely-Kim [Neely & Kim, 86], de Geisler [Geisler, 91, 93] e de Neely [Neely, 93] e por isso mesmo serão descritos com algum pormenor seguidamente. Muitos outros modelos têm vindo a ser propostos nos últimos anos, [Neely & Stover, 93], [Geisler & Sang 95], [Mammano & Nobili, 93], [Hubbard, 93], [de Boer, 93], etc., embora sejam aqui referidos apenas de passagem. 2.6.1 Modelo de Allen Na figura 2.24a) mostra-se o modelo mecânico proposto por Allen [Allen, 80]. Neste modelo admite-se que as membranas basilar e tectória podem rodar segundo eixos situado 48 Capítulo 2 - Modelos Cocleares junto à parede coclear. A membrana tectória pode deslocar-se radialmente constituindo um 2º grau de liberdade de movimento. MT MT K RC KT LR M VBM RB KB RT 1/g VC RC MB P KC MB VT MT KT KB a) b) Figura 2.24 - a) Esquema mecânico da partição coclear. MB: membrana basilar; MT: membrana tectória. LR: lâmina reticular [Allen, 80]. b) Esquema eléctrico equivalente. Allen considerou que no deslocamento da membrana basilar influíam tanto a massa da membrana basilar como da membrana tectória, e não considerou a existência de atrito na membrana basilar (embora esteja representado no esquema da figura 2.24b)). Deixando de parte alguns pormenores, identificam-se neste esquema 3 impedâncias: impedância da membrana basilar, da membrana tectória e ainda uma impedância de acoplamento entre as duas membranas. Não é evidente neste esquema o ganho de deslocamento radial face ao deslocamento vertical da membrana basilar, g. O esquema eléctrico correspondente representa-se na figura 2.24b), onde P representa a diferença de pressões através da membrana basilar; VBM e VT representam as velocidades lineares das membranas basilar e tectória, respectivamente, e VC a velocidade de deslizamento entre as duas membranas, a que se associa a velocidade de deformação dos cílios das células ciliadas. Contrariamente ao modelo clássico, onde se considerava que o órgão de Corti se movia solidariamente com a membrana basilar e, portanto, se considerava apenas uma impedância, agora a impedância da partição apresenta um segundo termo devido ao 2º grau de liberdade. A impedância da partição é agora: Zp = P VBM = Z BM + g 2 ( Z C //Z T ) = ( RC + K C s)( s 2 M T + sRT + K T ) KB 2 = sM + RB + + g 2 . s s M T + s( RC + RT ) + ( K T + K C ) (2.67) 2.6 Modelos Micromecânicos 49 Aliás, este esquema em que a impedância da partição é a soma da impedância da membrana basilar com uma outra impedância devida ao órgão de Corti, é seguido em todos os modelos micromecânicos lineares recentes. Neste caso, a impedância descrita pela equação anterior é uma impedância de 4ª ordem, definida com 4 zeros e 3 pólos, um dos quais na origem. Allen admitiu que poderia ser a velocidade ciliar, VC, a grandeza responsável pelos disparos das CCIs (células que têm ligações aferentes: transmitem informação da cóclea para o núcleo coclear). Desta forma, a relação entre a velocidade VC e a velocidade da membrana basilar explica a diferença (então) observada entre os dados mecânicos referentes à partição coclear e os dados neuronais, isto é, constituía o procurado “segundo filtro”. Este segundo filtro corresponde à seguinte função de transferência de 2ª ordem: VC VBM RT KT + ZT MT MT = HT = g =g . RT + RC K T + K C ZT + ZC 2 s +s + MT MT s2 + s (2.68) Esta função pode ser estimada através dos parâmetros físicos em jogo mas também através dos dados neuronais uma vez que HT se pode colocar na forma seguinte: H T ( x , s) = g s 2 + d z ω z + ω z2 . s 2 + d pω p + ω p2 (2.69) A frequência ωz deveria estar aproximadamente uma oitava abaixo de ωCF de forma a explicar a existência de um zero espectral observado nas curvas de sintonização neuronal. ωp deverá situar-se ligeiramente acima de ωCF, a frequência característica tonotópica [Allen, 80]. Esta característica era já explorada num modelo fenomenológico11 anterior [Allen, 77]. Na figura 2.25 mostra-se a impedância da partição segundo este modelo bem como a velocidade VC obtida com o modelo 1D. Como se pode observar, VC apresenta uma pequena depressão a cerca de metade da frequência característica que resulta do zero espectral em HT. 11 O termo fenomenológico aplica-se a modelos que simulam um dado fenómeno conhecido sem no entanto descrever os processos físicos ou fisiológicos envolvidos. 50 Capítulo 2 - Modelos Cocleares 100 |Zp| 40 |VC| dB dB 20 80 0 60 -20 -40 40 -60 20 -80 0 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 -100 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 a) b) Figura. 2.25 - a) Impedância da partição do modelo de Allen (1980). b) Velocidade de deslizamento. Curvas obtidas com modelo paralelipípedo e V(0)=1, para 3 localizações particulares. Parâmetros: M=0.04g/cm2; MT=0.2MB; RB=0; ωp=1.3ωCF; ωz=0.65ωCF; dp=0.6; dz=1; g(x)=exp(1-x/L)/2; ωCF : mapa de Liberman (gatos), L=2.5cm. KB é determinado de forma que a rigidez total da impedância da partição seja K=MωCF2. A simulação com um modelo 2D mostra uma maior conformidade com as curvas de sintonização neuronal [Allen & Neely, 1992]. Aliás, seria talvez esta concordância entre o modelo e dados neuronais que conduziu à tão longa discussão sobre a necessidade da “actividade” coclear para explicar os dados experimentais (ver por exemplo [Kolston et al, 90]). Convém notar que o modelo de Allen é passivo, isto é, as CCEs não interactuam com as estruturas circundantes para produzir forças/pressões adicionais às devidas à onda progressiva. 2.6.2 Modelos activos Como já foi referido, a existência de picos largos e elevados nas respostas cocleares e neuronais conduzia à necessidade de considerar elementos activos no interior do órgão de Corti. De facto, admitindo que a potência activa associada à onda progressiva é negativa12 (pelo menos numa pequena região anterior à posição de ressonância13), conduz ao alargamento e elevação dos picos das respostas em conformidade com os dados observados experimentalmente [de Boer, 83b; 91], [Zweig, 91], [Geisler, 91]. 12 13 Isto é, a onda progressiva gera potência em vez de apenas a dissipar. Os modelos que verificam estas propriedade dizem-se “modelos localmente activos” [de Boer, 95]. 2.6 Modelos Micromecânicos 51 Os modelos cocleares activos funcionam de acordo com esta propriedade. Um dos primeiros modelos activos a ser proposto foi o modelo de Neely-Kim. Outros mais elaborados se seguiram, nomeadamente os modelos de Geisler, de Kanis-deBoer e de Neely. Todos estes modelos vão ser abordados seguidamente. 2.6.21. Modelo de Neely-Kim O modelo de Neely-Kim [Neely & Kim, 86], coincide nos pressupostos mecânicos com o modelo de Allen, antes focado, mas as CCEs ao alongarem-se e a contraírem-se conduzem ao aparecimento de uma pressão que vai reforçar a diferença de pressões através da partição e com isso fortalecer a onda progressiva. O esquema equivalente eléctrico deste modelo está representado na figura 2.26. A pressão activa, Pa, depende da velocidade ciliar da seguinte forma: Pa = −γ gZ NK VC , (2.70) onde γ é um parâmetro de controlo do ganho de “actividade” do modelo: com γ=0 o modelo é passivo e com γ=1 teremos a máxima actividade com o sistema ainda estável. A impedância de transferência ZNK controla a distribuição da actividade com a posição coclear e frequência e é definida com um termo resistivo e um termo de rigidez. MB RB VBM KB VC + ZBM RT 1/g RC VT P Pa − MT P-Pa g2(ZT//ZC) KT KC + VBM a) b) Figura 2.26 - a) Esquema equivalente do modelo de Neely-Kim. b) Circuito reduzido ao primário. Relativamente ao modelo de Allen (ver (2.68)), neste modelo a impedância da partição apresenta mais um termo devido à pressão Pa: Z p = Z BM + g 2 ( Z C / / Z T ) − γ gZ NK H T , (2.71a) ou [ ] Z p = Z BM + gH T Z C − γ Z NK . (2.71b) 52 Capítulo 2 - Modelos Cocleares A distribuição dos parâmetros desta impedância são tais que a parte real da impedância torna-se negativa numa gama de posições inferiores à posição de ressonância (figura 2.27b)), o que implica a injecção de energia acústica na onda progressiva. Como resultado, as curvas de velocidade ciliar apresentam picos largos e uma relação de amplitude entre pico e cauda que pode atingir 100dB. Além disso, as curvas de velocidade da membrana basilar não são muito diferentes das curvas de velocidade ciliar. Este modelo mostra claramente como o conceito de actividade permite conciliar modelos cocleares lineares com os dados experimentais. A sensibilidade das curvas e a distribuição de actividade é exagerada neste modelo mas é corrigida num modelo posterior mais elaborado - o modelo de Neely [Neely, 93] que será referido mais à frente. |Zp| 120 dB 100 f=2KHz |Zp| dB 100 60 80 20 Re{Zp} 60 0 20 40 60 20 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 0 10 5 10 a) 15 20 25 b) |P(f )| 100 x [mm] |VC | 50 dB dB 50 0 0 -50 -50 -100 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 -100 2 10 3 4 10 10 5 10 f [Hz] c) d) Figura 2.27 - Resultados de simulação do modelo de Neely-Kim (parâmetros definidos em [Neely & Kim, 86]). a) Impedância da partição (módulo) para várias posições fixas. b) Zp(x) em módulo e sua parte real (abaixo de 0dB a parte real é negativa) para f=2kHz. c) Pressão para as mesmas posições que em a). d) Velocidade ciliar para as mesmas posições que em a). Parâmetros (unidades cgs): MB=3x10-3; RB=20+1.5x103e-2x; KB=1.1x109e-4x; g=1; MT=0.5x10-3; RT=10e-2.2x; KT=7x106e-4.4x; RC=2e-0.8x; KC=107e-4x. A impedância ZNK é caracterizada por RNK=1040e-2x; KC=6.15x108e-4x. 2.6 Modelos Micromecânicos 53 2.6.22. Modelo de Kanis-deBoer Trata-se de um modelo coclear adaptado directamente do modelo clássico abordado anteriormente, mas onde a impedância da partição é activa, embora seja definida de uma forma fenomenológica. Neste modelo [Kanis & de Boer, 93; 94], admite-se, tal como no modelo de Neely-Kim, que as CCEs geram uma pressão que é adicionada à diferença de pressões através da partição. A impedância da partição tem assim mais um termo, ZOC, associado ao órgão de Corti. O efeito de ZOC na impedância da partição consiste em tornar a parte real negativa abaixo da frequência de ressonância, de acordo com análise teórica sobre a amplitude das respostas cocleares [de Boer, 83]. A definição das impedâncias é a seguinte: Z p = Z BM − Z OC (2.72) s( s + ω 0 ) ω Z OC = γ 0 2 . 0.06 s + sδ SC ω 0 + σ 2 ω 02 (2.73) A impedância relativa ao órgão de Corti é assim postulada e não deriva portanto de uma relação física explícita. Nesta última expressão ω0 corresponde à frequência de ressonância a variar exponencialmente com x (expressão (2.40)). O parâmetro γ controla a actividade do modelo (para γ >1 o modelo torna-se instável). Os parâmetros δSC e σ são constantes com x (δSC=0,14; σ=0,7) e definem um par de pólos complexos nesta impedância de 2ª ordem. Com esta definição, a impedância da partição apresenta a mesma simetria de escala referida na secção 2.3.2. A impedância da membrana basilar é defina com os parâmetros do modelo clássico indicados na figura 2.7, mas com um factor de amortecimento δ muito superior: δ=0.4. Assim, com γ=1 a impedância da partição pode ser colocada na seguinte forma: 2 u 2 + ud az Ω az + Ω az ( ), Mω 0 ( x ) 2 2 Z p (u, x ) = u + d Za Ω Za + Ω Za ) 2 ( 2 u u + ud ap Ω ap + Ω ap ( ) (2.74) onde u é a frequência normalizada, u=s/ω0. As frequências de ressonância normalizadas e os factores de amortecimento são as seguintes: ΩZa=0,9017; dZa=0.029; Ωaz=0,7763; daz=0.507, dapΩap=δSC, Ωap=ΩZaΩaz=σ=0,7. Note-se o baixo factor de amortecimento dZa (factor de qualidade QZa=34) em relação a δ que faz com que o 2º factor na expressão anterior domine na zona de ressonância. Pode verificar-se que devido a esta propriedade de 54 Capítulo 2 - Modelos Cocleares simetria, a parte real da impedância é negativa numa zona de largura constante, ∆x≅2mm, a corresponde uma gama de frequências entre 0.66ω0 e 0.89ω0. Na figura 2.28 mostra-se esta impedância para uma frequência de excitação fixa de 1kHz, bem como as curvas de velocidade da partição (modelo paralelipípedo). Como se pode observar, estas curvas apresentam uma relação pico-cauda de cerca de 40dB (o que é aproximadamente correcto), mas praticamente independente da localização x (o que é menos correcto). Os picos parecem também demasiadamente finos quando comparados com as curvas obtidas experimentalmente. Kanis e de Boer desenvolvem também nos trabalhos citados ([Kanis & de Boer, 93; 94]) um modelo não linear com γ variável. Utilizam um método de análise em frequência, referido como “quase linear”, onde apenas o primeiro harmónico da velocidade da partição é tomado em cada iteração da solução do modelo para excitação sinusoidal. 100 50 dB dB 90 80 0 ZBM 70 60 -50 ZOHC 50 Zp 40 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 -100 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 a) b) Figura 2.28 - a) Impedância da partição, da membrana basilar e das CCEs no modelo de KanisdeBoer para uma frequência de ressonância de 1kHz. b) Respostas da velocidade da partição, VBM. 2.6.23. Modelo de Geisler Um outro modelo importante na modelação coclear é o modelo proposto por Geisler [Geisler, 91; 93]. Neste modelo toma-se em consideração o facto de que as CCEs estão embebidas no órgão de Corti. Quando estas se distendem ou contraem produzem um par de forças (são músculos) que tendem a empurrar ou aproximar a membrana basilar em relação à lâmina reticular. Estas forças são assim responsáveis por uma deflexão angular (β) adicional à deflexão devida ao movimento vertical da membrana basilar (α), tal como se 2.6 Modelos Micromecânicos 55 representa na figura 2.29. A membrana tectória segue o deslocamento da lâmina reticular e os cílios das CCEs sofrem uma deflexão aproximadamente proporcional a α+β. y MT LR β z CCE MB pilares x α Figura 2.29 - Esquema geométrico das forças e deslocamentos envolvidos na descrição do modelo de Geisler. MB- membrana basilar; MT - membrana tectória, LR - lâmina reticular, CCE- célula ciliada externa. Geisler considera os deslocamentos ma membrana basilar (x),da lâmina reticular (z) e a deflexão dos cílios (y). Geisler toma em conta basicamente o modelo geométrico representado na figura anterior e considera o deslocamento produzido pela membrana basilar, x, pela lâmina reticular, z, e a deflexão dos cílios das CCEs, y. A estes deslocamentos podem associar-se as respectivas velocidades, VBM, Vr e Vc. À velocidade Vc está associada a impedância Zc que consiste no paralelo da impedância da membrana tectória e a impedância de acoplamento dos cílios. Existe ainda uma impedância, Zr, que representa a rigidez axial das CCEs e das células de suporte. Uma análise detalhada das equações do modelo permite chegar ao modelo equivalente representado na figura 2.30 14 . Neste circuito, PCCE representa uma pressão equivalente resultante da força provocada pelas CCEs e que se considera proporcional ao deslocamento ciliar. Esta relação pode traduzir-se da seguinte forma: PCCE = γ Z GVc . (2.75) O parâmetro γ tem o mesmo significado que anteriormente. ZG é a impedância de transferência que traduz a distribuição posição-frequência das forças associadas às CCEs. A impedância da partição toma então a seguinte forma (eq. (4) em [Geisler, 93]): 14 Para chegar a este circuito equivalente é necessário fazer a correspondência entre os deslocamentos x, y e z e as velocidades VBM, Vc e Vr tendo em conta a geometria do modelo. Fazendo uma análise cuidadosa das equações do modelo em [Geisler, 93], pode mostrar-se que esta correspondência é a seguinte: VBM=sx; Vc=gsy/AE; Vr = −gszB/A, PCCE=VcFfb/s = γZGVc , onde s=jω e g, A, B e E são constantes relacionadas com a geometria do modelo. A pressão PCCE é portanto proporcional ao deslocamento ciliar y, onde Ffb (ou ZG) traduz a distribuição posição-frequência das forças contrácteis das CCEs. As constantes são determinadas a partir das seguintes relações: A/B=1.71; C=0.57cotan(32o); D = C+cos(18o); g2=DA/B. A constante E fica determinada através da definição de Ffb ou ZG, definida mais adiante. 56 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Z p = Z BM + g 2 Zc Z r = Z BM + Z OC . Zr + Zc + γ ZG ZBM 1/g VBM + P (2.76) Vr Vc Zc Zr − PCCE + Figura 2.30 - Esquema equivalente do modelo de Geisler. A constante g é determinada pela geometria do modelo, da mesma forma que no modelo de Allen, mas é aqui independente da posição coclear. As impedâncias Zc e Zr são caracterizadas apenas pelo termo de rigidez: Zc=Kc/s, Zr=Kr/s. A impedância da membrana basilar é composta por massa (constante), resistência e rigidez da seguinte forma, Z BM ( s) = sM b + Rb + Kb s = Mb 2 s + dω 0 ( x ) s + ω 02 ( x )) , ( s (2.77) onde d=0,6 e onde ω0(x) é a frequência característica tonotópica. Também neste caso foi usado o mapa de Liberman. Finalmente, Geisler propõe a seguinte forma para a impedância ZG: ZG = Kb s ω 0 ω r − s − sTr . ω ω + s e 0 r (2.78) Esta forma é motivada pelo trabalho teórico de Zweig [Zweig, 91] cujo resultado indicia a existência de um atraso (Tr) na resposta das células ciliadas, inversamente proporcional à frequência característica tonotópica: Tr=0,4π/ω0. A rigidez atribuída às CCEs apresenta um valor próximo da rigidez da membrana basilar e depende portanto do valor de γ tomado. Geisler refere o valor de 1,29 como valor óptimo de γ, e não deve exceder 1,58 por questões de estabilidade. A expressão em parênteses rectos, onde ωr=ω0/20 rad/s, corresponde uma filtragem passa-tudo e portanto provoca apenas uma variação de fase. Esta impedância pode ser vista como o produto da impedância Zb=Kb/s por uma função de transferência HG , passa-tudo, associada a uma filtragem (apenas desvio de fase) operada pelas CCEs. A impedância da partição pode colocar-se portanto na seguinte forma: 2.6 Modelos Micromecânicos Z p = Z BM + g 2 57 Zc / / Zr . Zb 1 + γ HG Zc + Zr (2.79) Também neste modelo a impedância da partição apresenta a mesma propriedade de simetria referida anteriormente pois todos os parâmetros na definição da impedância são referidos a ω0. Verifica-se que para frequências acima de, cerca de duas vezes a frequência característica, o valor de HG deixa de ser importante, pois a impedância da membrana basilar passa a dominar. De acordo com dados experimentais recentes esta função de transferência HG deveria apresentar uma característica passa-baixo. Geisler refere que incorporando uma função passa-baixo no modelo resulta em picos das respostas com amplitudes demasiado baixas. Contudo, pelo exposto, é possível fazer com que HG apresente um comportamento passa-baixo acima de aproximadamente 2ω0, sem que isto altere significativamente a impedância da partição. Pode, por exemplo, utilizar-se uma aproximação racional da função HG, com módulo unitário (ou aproximadamente unitário) até 2ω0(x) e com aproximadamente a mesma fase. Assim, para uma frequência normalizada u=jω/ω0(x), a função HG pode aproximar-se facilmente por uma função racional na forma: H G (u) ≅ B ( u) , | u| < 2 , A( u ) (2.80) onde B e A são polinómios em u. Desta forma, é possível associar a HG uma função passabaixo (ou passa-tudo) com frequência de corte de cerca de 2ω0 (u≈2). Resulta assim a seguinte aproximação racional para a impedância Zp: M bω0 ( x) 2 ( K r //K c ) A(u) (mod) 2 . Z p ( u) = (u + ud + 1) + g Kb u A ( u) + γ B ( u) Kr + Kc (2.81) Por exemplo, com A(u) de grau 4 e B(u) de grau 3, podem obter-se os coeficientes dos polinómios por um processo de minimização quadrática resultando uma função HG passa baixo, para a qual a impedância da partição é praticamente indistinguível da impedância original. Tal pode ser observado na figura 2.31 a) e b). Nessa figura apresenta-se a impedância da partição bem como as suas componentes, ZBM e ZOC. As aproximações racionais Zp(rac) e correspondente ZOC(rac) estão também representadas. De facto, a 58 Capítulo 2 - Modelos Cocleares impedância da partição e a sua aproximação racional só se distinguem perto de 8kHz, onde Zp apresenta uma irregularidade devida à primeira ressonância de ZOC. Módulo 90 dB Fase 0.6 xπ Zp 80 0.4 Zp(rac) Zp(rac) 70 0.2 60 0 ZOC(rac) ZOC 50 ZBM -0.2 ZOC ZBM 40 -0.4 ZOC(rac) Zp 30 20 2 10 -0.6 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 -0.8 2 10 Zp 3 10 a) 10 5 10 b) |VBM| 40 4 f [Hz] arg{VBM} 0 dB xπ -1 20 -2 0 -3 -20 -4 -40 -60 2 10 -5 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 -6 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 c) d) Figura 2.31 - a), b): Impedância da partição no modelo de Geisler, versão de 1993, e suas componentes, ZBM e ZOC, em módulo e fase, para uma frequência característica de 1,5kHz. As impedâncias indicadas por Zp(rac) e ZOC(rac) correspondem a uma aproximação racional de Zp e ZOC (ver texto). c), d): Resultados de simulação do modelo: velocidade da membrana basilar em módulo e fase para as frequências de ressonância de 0.5, 2, 8 e 20 kHz. Parâmetros: Mb=0.05 g/cm2; L=2.4 cm; Kb=Mω0(x)2; Kr=1.17Kb; Kc=0.59Kb; Rb=0.6Kb/ω0(x). g2= 3.1862. Neste modelo de Geisler a impedância da partição pode também ser caracterizada em termos da expressão (2.74). De facto, uma aproximação de 4ª ordem para esta impedância resulta igualmente indistinguível de Zp (embora a aproximação para ZOC seja ligeiramente diferente da representada na figura anterior). Os parâmetros normalizados (frequências de ressonância e factores de amortecimento com γ=1,29) são os seguintes: ΩZa=1,31; dZa=0,1; Ωaz≈Ωap=0,28; daz=3 e dap=0.88. Estes parâmetros caracterizam completamente a impedância da partição. Existe uma ressonância dominante com factor de qualidade 10 a 2.6 Modelos Micromecânicos 59 uma frequência cerca de 1,3ω0 e um par de pólos e de zeros praticamente à mesma frequência, a cerca de um quarto de ω0, mas com o factor de qualidade do par de pólos dominante. Na figura 2.31 c) e d) apresenta-se a velocidade da membrana basilar obtida com o modelo paralelipípedo 1D. Este modelo mostra que não é necessário a existência de uma segunda ressonância associada à membrana tectória para que os resultados mostrem uma razoável concordância com dados fisiológicos. De facto, a relação entre as velocidades Vc e VBM em função da frequência não mostra a existência de qualquer ressonância. Uma deficiência do modelo é que o abaixamento da actividade (com γ menor) não conduz, como deveria, a um abaixamento significativo da frequência dos picos das respostas, aliás como também não acontece no modelo de Kanis-deBoer. 2.6.24. Modelo de Neely Um dos modelos lineares mais completos propostos até hoje é o modelo de Neely [Neely, 93]. Parte do mesmo princípio que o modelo de Geisler, isto é, que o efeito das CCEs consiste em separar a membrana basilar da lâmina reticular. Contudo, este efeito é tomado de uma forma extrema: a separação entre a lâmina reticular e a membrana basilar é independente da resistência que encontra. A velocidade (vertical) de contracção das CCEs, Vc, considera-se proporcional à velocidade de deflexão lateral dos cílios, V0, e depende de uma função de ganho, Hc, que representa a transdução operada pelas CCEs: Vc=γHcV0. Em termos eléctricos, isto significa que em vez de uma fonte de tensão a fonte activa consiste agora numa fonte de corrente. O circuito equivalente para este modelo é o que se apresenta na figura 2.32 (figura 4 em [Neely, 93]). ZBM VBM Vr Vt V0 + P 1/g Vc = γHcV0 Z0 Zt Figura 2.32 - Esquema equivalente do modelo de Neely. Zt: impedância da membrana tectória; Zo: impedância de acoplamento entre a membrana basilar e a lâmina reticular. O transformador separa as vibrações tomadas verticalmente das vibrações laterais. 60 Capítulo 2 - Modelos Cocleares A filtragem operada pelas CCEs tem duas componentes (ambas filtros passa baixo de 1ª ordem). Uma que corresponde à transdução mecânico-eléctrica (correspondente às ligações aferentes ou directas das fibras no nervo auditivo) e outra electromecânica (ligações eferentes ou reversas). A função de transferência Hc tem portanto a seguinte tradução: Hc = g fr ω f ω r (s + ω )(s + ω ) f , (2.82) r onde os parâmetros gfr, ωf e ωr , dependem da posição coclear. Estes parâmetros são escolhidos de forma a que os resultados de simulação do modelo sejam o mais próximo possível das curvas obtidas de forma experimental. Neste modelo faz-se também uma descrição do funcionamento das CCIs. Assume-se que os cílios das CCIs não estão em contacto com a membrana tectória e que portanto são deflectidos pelo fluido por arrastamento lateral. A deflexão dos cílios toma-se proporcional ao deslocamento do fluido a altas frequências e à velocidade do fluido para baixas frequências. A frequência de transição é ωi (2πx1390 rad.). Assume-se também que o deslizamento entre a membrana tectória e lâmina reticular (Vr =g(VBM−Vc)), perto das CCIs, é menos afectado (factor α) pela contracção das CCE’s (Vc) que quando perto das CCEs. Assim, a velocidade de deflexão dos cílios das CCIs é calculado da seguinte forma15: Vi = ( ) s g(VBM − (1 − α )Vc ) − Vt = Hi ⋅ VBM . s + ωi (2.83) A relação entre a velocidade (ou deslocamento) dos cílios das CCEs com a velocidade (deslocamento) da membrana basilar é: H0 = V0 gH0t = VBM 1 + γ gHc H0t , H0 t = Zt , Z 0 + Zt (2.84) enquanto para as CCIs a relação é: Hi = s H (1 + αγ gH c ) . s + ωi 0 (2.85) Portanto, neste modelo existe uma diferenciação entre CCIs e CCEs. A correspondência com as curvas de sintonização neuronal é feita com o deslocamento ciliar das CCIs, ou seja, com Di=Vi/jω: Em função da pressão transpartição teremos: Notar que V0 corresponde à velocidade de deflexão dos cílios das CCEs: V0=Vr−Vt = g(VBM−Vc)−Vt. As CCIs apresentam assim curvas de sintonização diferentes das CCEs. 15 2.6 Modelos Micromecânicos Di ( x , s) = − P( x , s) 61 Hi ( x , s) . sZ p ( x , s) (2.86) Para simular o modelo é necessário conhecer a impedância da partição, podendo esta determinar-se facilmente a partir do esquema eléctrico da figura anterior. A sua expressão é: Z p = Z BM g 2 Z t / / Z0 . + Zt 1 + γ gH c Zt + Z 0 (2.87) Esta expressão é semelhante à expressão da impedância da partição no modelo de Geisler. Para a simulação do modelo, Neely utilizou um modelo simples do ouvido médio, já discutido anteriormente, e um modelo coclear 1D com áreas das secções cocleares variáveis. Para simular a viscosidade do fluido coclear considerou impedâncias distribuídas série com um termo resistivo, isto é, considerou Q=1+Rser/(jωρ) na equação 2.11a). Os parâmetros do modelo são especificados apenas para três localizações (x=0, x=L/2 e x=L), e são interpolados logaritmicamente para outras localizações. Estes valores foram obtidos por Neely utilizando um algoritmo de “curve-fitting” por forma a que o deslocamento ciliar das CCIs exibisse uma sintonização similar à observada em fibras do nervo auditivo de gatos (obtidas por [Liberman, 82]). Além disso, houve também a preocupação de que o modelo mostrasse uma razoável concordância com a impedância de entrada coclear. É de facto notável a concordância com dados experimentais que se consegue obter com este modelo, tal como se exemplifica através da figura 2.33 que é reproduzida de [Neely, 93, (fig. 8)]. Contrariamente aos outros modelos abordados, a impedância de entrada da cóclea está também em razoável concordância (figura 2.34) com a impedância determinada por Lynch, já antes referida [Neely, 93]. Figura 2.33 - Comparação das curvas de sintonização neuronal (linhas tracejadas) com o deslocamento ciliar no modelo de Neely (linhas a cheio). Em ordenada indica-se a pressão timpânica (Pe) necessária para obter um deslocamento ciliar fixo de 0.3nm (curvas isodeslocamento). [Neely, 93, (fig. 8)]. 62 Capítulo 2 - Modelos Cocleares arg{Zin} |Zin| Ω xπ 0.3 6 2x10 0.25 0.2 0.15 0.1 6 10 0.05 0 2 10 3 10 -0.05 2 10 4 10 f [Hz] 3 4 10 10 f [Hz] a) b) Figura 2.34 - Impedância de entrada da cóclea no modelo de Neely (curvas a cheio, unidades cgs). Para comparação mostra-se também a mesma impedância de entrada (curvas a tracejado) obtida com uma impedância da partição diferente, referida no texto. a) Módulo; b) Fase. |VBM| 40 arg{VBM} 10 dB dB 0 0 -20 -40 -40 -80 -100 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 -50 2 10 3 4 10 10 a) b) |Di| -80 arg{Di} 10 dB xπ -100 0 -120 -10 -140 -20 -160 -30 -180 -40 -200 2 10 5 10 f [Hz] 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 -50 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 5 10 c) d) Figura 2.35 - Resultados de simulação do modelo de Neely. a), b) - Velocidade da partição ou da membrana basilar; c), d) - Deslocamento cilar. As curvas a tracejado correspondem às respostas do modelo calculadas com a impedância da partição definida segundo a expressão (2.89) (ver texto). 2.6 Modelos Micromecânicos 63 Na figura 2.35 apresentam-se alguns resultados de simulação deste modelo. A velocidade da membrana basilar não apresenta o zero espectral que caracteriza as curvas de deslocamento ciliar, o que está essencialmente de acordo com os dados mecânicos conhecidos. Existem também alguns pontos fracos neste modelo. Por exemplo, a fase das respostas apresenta uma variação demasiado rápida [Hubbard & Mountain, 96]. A massa da partição (variável com x), apresenta valores demasiado baixos e a potência acústica injectada na partição devido às CCEs é irrealisticamente elevada. Como se verá seguidamente, as deficiências apontadas resultam do baixo valor da massa da membrana basilar, o que faz com que, para as frequências de interesse, a impedância da membrana basilar no modelo seja completamente dominada pelo termo de rigidez. 2.6.3 Análise paramétrica da impedância da partição Como se tem vindo tornando claro a partir desta exposição, a definição da impedância da partição joga um papel essencial na caracterização do modelo coclear. Egbert de Boer num artigo recente [de Boer, 95], mostra a equivalência formal da impedância da partição em alguns modelos cocleares localmente activos (essencialmente os modelos aqui revistos), realçando a forma (2.87) ou (2.79) como definição comum. Existe contudo uma forma alternativa de analisar a impedância da partição. Esta análise consiste em observar o andamento das frequências naturais da impedância da partição em função da posição coclear x e de γ. O fundamento desta análise é o seguinte: Zp deve conter uma ressonância dominante (um par de zeros) que irá definir a frequência característica das respostas cocleares. Além disso, Zp deve conter outros zeros e pólos de forma a reduzir ou tornar negativa a parte real da impedância numa zona basal em relação posição de ressonância. Assim, a impedância da partição, em vez de uma soma, pode considerar-se em termos do produto, Z p = Z BM + Z OC = Z a H a , (2.88) onde Za constitui uma impedância passiva de 2ª ordem que define a ressonância dominante de Zp e Ha é uma função de transferência que engloba todos os outros aspectos envolvidos na definição de Zp. Esta é uma forma alternativa e mais explícita de verificar a concordância do modelo com os dados experimentais. Aliás, esta análise foi já feita anteriormente em 64 Capítulo 2 - Modelos Cocleares relação ao modelo de Kanis-deBoer e de Geisler que resulta na expressão (2.74). Nestes casos, bem como no caso de modelo de Allen e de Neely-Kim, a função Ha corresponde a uma função de 2ª ordem definida com um par de zeros e um par de pólos. Com a excepção do modelo de Neely, a impedância da partição pode, portanto, colocar-se na seguinte forma: s 2 + sd az ω az + ω az2 M 2 2 Z p ( x) = Za ( x) ⋅ Ha ( x) = ( s + sd Za ω Za + ω Za ) ⋅ s 2 + sd ω + ω 2 . s ap ap ap (2.89) O parâmetro M corresponde à massa efectiva da partição; ωZa corresponde à frequência de ressonância dominante da impedância e dZa o inverso do factor de qualidade (ou 2 vezes o factor de amortecimento). Ha é caracterizada por um par de zeros e de pólos com frequências de ressonância ωaz e ωap, e factores de qualidade 1/daz e 1/dap, respectivamente. Pode mostrar-se que a função Ha deve apresentar um ganho considerável abaixo da frequência ωZa de forma a reduzir a componente resistiva de Zp nesta zona. Um exemplo deste comportamento mostra-se na figura 2.36. Todos os parâmetros da impedância variam (ou podem variar) com x e γ. Para frequências muito abaixo da frequência de ressonância ωZa, a impedância da partição é dominada pela rigidez efectiva, K ef = Mω Za2 ω az2 ω ap2 e muito acima desta frequência é dominada pela sua massa M. Definindo uma frequência de ressonância ω0(x),16 esta equação pode colocar-se na forma da expressão (2.74) (página 53). 80 dB dB 60 60 Zp ZBM Za 40 40 Za Zp 20 20 Ha Ha 0 0 -1 10 0 10 1 fn 10 -20 2 10 3 10 4 f 10 5 10 a) b) Figura 2.36 - a) Impedância da partição de acordo com a forma (2.89) para o modelo de Geisler e em função da frequência normalizada. b) Impedância no modelo de Neely em função da frequência, de acordo com a expressão (2.89) para x=L/2. 16 Esta frequência de ressonância deve estar associada aos picos das respostas cocleares, calculadas com esta impedância, em termos de velocidade ou deslocamento da partição. 2.6 Modelos Micromecânicos 65 Analisando a impedância no modelo de Neely verifica-se que Ha tem ordem 4 e pode colocar-se na forma seguinte: s 2 + sd azω az + ω az2 s + ω z1 s + ω z 2 , Ha = 2 ⋅ ⋅ s + sd apω ap + ω ap2 s + ω p1 s + ω p2 (2.90) pois constata-se que dois pólos e dois zeros são sempre reais para qualquer posição coclear. Além disso, um zero e um pólo coincidem praticamente para qualquer x e γ (ver figura 2.38e)). Sejam eles ωz2 e ωp2. O 2º factor de 1ª ordem pode portanto suprimir-se desta expressão. A frequência ωz1 é, neste modelo de Neely, muito superior às outras frequências e muito superior à frequência máxima de interesse (frequência de ressonância da base da cóclea). Assim, (s+ωz1) ≈ ωz1 e Ha decresce com a frequência e faz com que, em termos efectivos, Zp seja dominada para altas frequências por uma resistência em vez de ser dominada pelo termo de massa, sM. Este comportamento resulta do facto de a impedância associada ao órgão de Corti tender para R0, o termo resistivo de Z0 e ao facto da impedância da membrana basilar apresentar um termo de massa tão baixo que ZBM≈KB/s. Como consequência, a constante de propagação, depois da posição de ressonância, deixa de ser aproximadamente real o que vai provocar essencialmente uma grande variação de fase nas respostas cocleares. Estes dois aspectos constituem uma debilidade no modelo de Neely. Uma forma evidente de contrariar este andamento consiste em alterar um dos zeros da impedância, por exemplo, baixar ωz1. Fazendo coincidir ωz1 com ωp1, resulta que este factor de 1ª ordem desaparece. Para que o ganho de Ha não se altere, deve considerar-se um factor multiplicativo igual a ωz1/ωp1, valor este que irá assim contribuir para a um aumento efectivo da massa da partição. Neste caso, a definição da impedância reduz-se à forma (2.89). Na figura 2.35 as curvas a tracejado correspondem à simulação do modelo de acordo com esta alteração. Como se pode observar, o atraso de fase máximo das respostas cocleares reduz-se para cerca de metade, sendo mesmo assim, ainda demasiado acentuado tendo em conta os valores indicados por Hubbard e Mountain, [Hubbard & Mountain, 96]. O módulo das respostas reduz-se apenas moderadamente. De salientar que esta alteração da impedância da partição apenas é utilizada na determinação da velocidade da partição e não na determinação da velocidade ou deslocamento ciliar. 66 Capítulo 2 - Modelos Cocleares Esta modificação da impedância apresenta ainda uma outra vantagem importante: a potência injectada na partição devida às CCEs (potência activa negativa), reduz-se consideravelmente, cerca de 3,3 vezes. Tal é indicado na figura 2.37 que mostra a potência activa dissipada pela partição, normalizada à potência activa que entra através da janela oval. Convém referir que, apesar desta redução, este ganho de potência é ainda demasiado elevado [Neely, 93], [Hubbard & Mountain, 96]. Nos outros modelos o ganho de potência é substancialmente mais baixo (menor que 1) com a excepção de modelo de Neely-Kim onde este valor atinge o valor exagerado de 30000, para uma frequência de 8kHz. Πp/Πin 50 Πp/Πin 15 8KHz 8kHz 40 10 30 20 5 4KHz 4kHz 10 2KHz 2kHz 0 0 -10 -5 -20 -30 0 0.2 0.4 0.6 x/L 0.8 1 -10 0 0.2 0.4 x/L 0.6 0.8 1 a) b) Figura 2.37 - Potência activa absorvida pela partição para 3 frequências de excitação no modelo de Neely. a) - Impedância da partição original. b) - Impedância da partição de acordo com (2.89). Numa gama basal em relação à posição característica a potência activa é negativa o que significa que é injectada energia na partição (pelas CCEs). Vejamos agora a variação dos parâmetros da impedância da partição. Na figura 2.38 mostra-se o andamento das frequências naturais para os modelos analisados, em função de x, com γ=1, assim como a variação da frequência fZa com γ em x=L/2. A partir destas figuras podem tecer-se algumas considerações sobre os modelos. No modelo de KanisdeBoer e de Geisler, as frequências associadas a Zp são sempre proporcionais à frequência característica, ωCF. Por outro lado, com a excepção do modelo de Neely, a frequência fZa, da ressonância dominante de Zp, é superior às frequências faz e fap. Isto torna a impedância activa (parte real negativa) numa zona basal em relação à posição de ressonância. No modelo de Neely este processo é ligeiramente diferente: a frequência faz é (bastante) superior à frequência fZa excepto a poucos milímetros da base. Aparentemente esta solução tem a ver com o “arredondamento” das curvas de deslocamento neuronal para baixas frequências características e para frequências superiores à frequência característica (ver 2.6 Modelos Micromecânicos 67 figura 2.33 ou 2.35c)). Por outro lado, a frequência dos pólos, fap, é muito próxima da frequência fZa, conseguindo-se assim, o mesmo efeito de redução de Zp (ver figura 2.36 b)). Outro aspecto importante a considerar é a variação das frequências com γ. De acordo com os dados experimentais a frequência fZa deveria crescer com γ de forma a simular o decréscimo da frequência característica com o abaixamento da actividade do modelo que, por seu turno, se pode associar ao nível de excitação de entrada: níveis de excitação elevados conduzem a uma redução de sensibilidade das respostas. Como se pode observar, este comportamento só é bem modelado no modelo de Neely. Na figura 2.38f) mostra-se o efeito da redução de γ no módulo da impedância da partição relativamente ao modelo de Neely. 5 5 10 5 10 Allen 10 Neely-Kim Hz fap Geisler Hz fZa Hz 4 fZa(γ) 4 fZa 10 faz 4 10 fZa(γ) 10 3 fZa 10 faz 10 faz , fap fap 3 10 3 10 2 10 2 2 0 5 10 15 20 25 10 x [mm] 0 1 0.2 0.4 a) 0.6 x/L, γ 0.8 1 10 0 0.2 0.4 x/L, γ b) 0.6 0.8 1 c) 5 60 10 Kanis-deBoer Hz dB Neely 7 10 fz1 55 Hz |Zp| Neely, x=0.8L 6 10 50 fp1 4 10 5 10 fZa faz fap fZa(γ) 4 10 45 faz 40 fZa fap 3 10 35 3 10 fZa(γ) fz2 , fp2 2 10 0 0.2 0.4 x/L, γ 0.6 0.8 1 0 0.2 0.4 x/L, γ 0.6 γ =0 30 2 10 γ =0.5 0.8 1 25 -2 10 γ =1 -1 10 0 10 1 10 2 fn 10 d) e) f) Figura 2.38 - a)-e) Frequências associadas à impedância da partição segundo a representação paramétrica (2.89), com γ=1. Os modelos respectivos indicam-se no canto superior direito. As curvas a tracejado correspondem à variação de fZa com γ, para x=L/2. f) Impedância da partição no modelo de Neely para x=0.8L e para 3 valores de γ. 68 Capítulo 2 - Modelos Cocleares 2.6.4 Outros modelos Os modelos analisados na secção 2.6.2 representam o estado da arte dos desenvolvimentos mais recentes da modelação coclear. Existem contudo, ainda alguns modelos cocleares que merecem referência. É o caso do modelo de Mammano e Nobili [Mammano & Nobili, 93] que parte de uma formulação idêntica à descrita anteriormente, mas difere quanto à maneira como as membranas basilar e tectória se movem. O modelo é descrito por uma equação integral que utiliza a função de Green, já utilizada por Sondhi [Sondhi, 78] na sua formulação 2D. Os resultados obtidos com este modelo são concordantes com os dados da velocidade da membrana basilar [Hubbard & Mountain, 96]. Um outro modelo importante é o modelo proposto por Neely e Stover [Neely & Stover, 1993]. Trata-se de um modelo essencialmente idêntico aos modelos de Geisler e de Neely, com a mesma formulação, mas onde uma ressonância é incluída no órgão de Corti. As respostas de deslocamento ciliar apresentam uma relação de amplitude pico-cauda bastante inferior às conseguidas com o modelo de Neely. O modelo é usado para estudar emissões otoacústicas e é proposta uma versão não linear do modelo, no domínio temporal, onde o parâmetro γ se toma inversamente proporcional ao módulo do deslocamento ciliar. Geisler propôs também recentemente [Geisler & Sang, 95] um outro modelo, ainda com a mesma formulação que o anteriormente descrito, mas onde as CCEs estão dispostas com uma dada inclinação longitudinal. Desta forma, uma simples CCE não pertence a uma única secção coclear podendo produzir forças em diferentes posições longitudinais, aliás como tinha já sido proposto por Steele [Steele et al, 93]. As respostas obtidas não parecem tão concordantes com os dados experimentais como as dos modelo anteriores. Modelos com uma formulação diferente foram também propostos. Tratam-se de modelos denominados multimodo, que admitem que o órgão de Corti ou as estruturas associadas têm a capacidade de propagar ondas. É o caso do modelo “sandwich” [de Boer, 91] que admite a existência de um canal adicional no interior do órgão de Corti onde ondas acústicas se podem propagar. Outro modelo deste tipo é o modelo de dupla linha de transmissão proposto por Hubbard [Hubbard, 93], que admite dois modos de propagação separados. O acoplamento entre as duas linhas de transmissão é feito por elementos activos que representam as CCEs. Apesar de se tratar de um modelo fenomenológico este modelo apresenta respostas bastante concordantes com os dados experimentais. 2.7 Modelo da Cóclea Humana 69 Existem ainda modelos cocleares que utilizam técnicas de processamento de sinal, nomeadamente bancos de filtros, para simular as respostas cocleares, sendo este assunto discutido no capítulo seguinte. Com base neste conceito foram desenvolvidos circuitos integrados que simulam a cóclea [Lyon & Mead, 88], [Lazzaro, 91], [Watts et al, 92], [Liu et al, 92], [Lazzaro et al, 93], [Bor & Wu, 96] e que podem ser utilizados como módulos de pré-processamento para análise de sinais audio com interesse em reconhecimento automático da fala [Fragnière, 96]. Muito recentemente surgiram trabalhos onde se utiliza a técnica dos elementos finitos para descrever a cóclea a três dimensões [Kolston & Ashmore, 96], [Funnell, 96]. A investigação recente sobre modelação coclear tem-se centrado ultimamente na adequação dos modelos na explicação de fenómenos não lineares na interacção de par de tons: geração de tons de distorção (DP - “distortion products”) [Kanis & de Boer, 97] e supressão por dois tons. Algumas das questões ainda não esclarecidas sobre a micromecânica da cóclea poderão vir a ser resolvidas num futuro próximo, à medida que novos dados experimentais forem surgindo. 2.7 Modelo da Cóclea Humana No capítulo seguinte será explorada a possibilidade de utilizar um modelo coclear num esquema de banco de filtros. Para o processamento de fala interessa considerar um modelo da cóclea humana. Os modelos antes abordados tentam reproduzir os dados fisiológicos existentes e são por isso, na maior parte dos casos, definidos para a cóclea do gato ou outros mamíferos de pequeno porte. Aborda-se nesta secção os problemas envolvidos na conversão de um modelo coclear, tal como definido originalmente, para a cóclea humana. Pretende-se reter a definição da impedância da partição, fazendo apenas pequenas alterações que conduzam basicamente a uma variação das frequências características que corresponda agora à cóclea humana. As diferenças mais significativas a ter em conta são as seguintes: a) a máxima frequência detectável, ou seja a frequência de ressonância na base da cóclea, é para o ouvido humano cerca de 20kHz em vez dos cerca de 50kHz do gato; 70 Capítulo 2 - Modelos Cocleares b) a frequência mais baixa, no ápice, é apenas ligeiramente mais baixa (cerca de 20-30Hz em vez de cerca de 100Hz do gato); c) a cóclea humana é mais longa, (cerca de 3,5 cm em vez de 2,5 cm do gato) e com áreas das secções cocleares maiores. Isto faz com que as impedâncias acústicas da entrada da cóclea e do ouvido médio sejam inferiores. Para a cóclea humana não existem dados fisiológicos de interesse a não ser dados obtidos em cadáveres [Békésy, 60], [Puria et al, 93]. Existem contudo dados psicofísicos a partir dos quais se podem inferir algumas propriedades da cóclea. Por outro lado, o estudo comparativo de várias espécies de mamíferos [Greenwood, 90], indica que entre elas existe uma perfeita analogia quanto ao funcionamento do sistema auditivo periférico. Uma experiência psicofísica, em torno da qual existe muita investigação, corresponde à obtenção de curvas de sintonização (PTCs - “Psychophysical Tuning Curves”) em analogia com as curvas de sintonização neuronal [Zwicker, 74], [Moore, 78], [Davies & Patterson, 79], [Glasberg et al, 84], [Nelson et al, 90], [Delgute, 90]. Em particular, um paradigma proposto por Zwicker [Zwicker, 74], em perfeita analogia com o método de determinação de sintonia neuronal, consiste em determinar qual a intensidade de um tom de máscara necessário para ser efectivo a mascarar um tom de teste, de baixa intensidade, perto do limiar auditivo e frequência fixa. As curvas obtidas, (figura 2.39) são, de forma impressionante, parecidas com as curvas de sintonia neuronal e sugerem que a explicação do fenómeno de mascaramento (“masking”) é basicamente determinado pelo mecanismo auditivo periférico e que não necessita de maior elaboração em centros nervosos superiores para o explicar [Buser & Imbert, 92]. Figura 2.39 - Limiares de mascaramento para 3 tons de teste de 630 Hz, 2 kHz e 8 kHz (curvas da esquerda para a direita), com nível de pressão sonora 5dB acima do limiar absoluto (x). O nível de pressão sonora, LM, é o nível do tom de máscara que é efectivo para mascarar o som de teste que tem frequência e intensidade fixa (in [Zwicker, 74]). 2.7 Modelo da Cóclea Humana 71 Outro aspecto importante a ter em conta é a variação do limiar de audição com a frequência. O limiar de audição corresponde ao nível de pressão sonora mínima para se obter uma sensação auditiva. Para o ouvido humano o limiar mínimo acontece a cerca de 3kHz e é cerca de 30dB superior a 100Hz e cerca de 60dB superior a 30Hz (ver figura 2.40). Este limiar pode ser associado à variação do pico das respostas do deslocamento ciliar com a frequência, correspondendo assim à pressão necessária para obter um deslocamento ciliar mínimo fixo. Esta curva de limiar de audição é influenciada fundamentalmente pelo comportamento do ouvido externo e médio. De facto, utilizando o modelo do ouvido externo e médio discutido anteriormente, os picos das respostas de deslocamento ciliar seguem aproximadamente a curva de limiar de audição invertida. Figura 2.40 - Curvas de audibilidade humana e de igual intensidade subjectiva (“loudness”). A curva do limiar de audição, indicada por MAP (“Minimum Audible Field”), corresponde a uma média relativa a muitos ouvintes jovens. As curvas acima desta são os contornos do nível de igual “loudness”. Cada curva é designada pelo nível de pressão sonora (em dB SPL) a 1kHz (ordenada “ph”). A ordenada “s” corresponde à intensidade subjectiva ou “loudness” medida em sones (1 sone é referenciado a 40dB SPL, 1kHz). A área sombreada representa a gama de níveis de pressão relativa à fala em conversação normal (in [Buser & Imbert, 92]). Dos modelos cocleares analisados, os modelos de Geisler e de Neely são os mais detalhados e elaborados, pelo que se tomam como modelos preferenciais para converter para a cóclea 72 Capítulo 2 - Modelos Cocleares humana. O modelo de Kanis-deBoer é definido para a cóclea humana podendo as respostas obtidas com este modelo servir de comparação, pelo menos numa gama alta de frequências. As frequências características em função da distância à base da cóclea seguem respectivamente para a cóclea do gato e do homem, aproximadamente as seguintes relações (mapa de Liberman), onde xn é a distância normalizada à base da cóclea, xn= x/L: f CFg = 456(10 2 ,1(1− xn ) − 0,8) , (2.91a) f CFh = 165(10 2,1(1− xn ) − 0,8) . (2.91b) Assim, para o modelo de Geisler basta tomar na definição do modelo esta segunda expressão. Para o modelo de Neely, é necessário conhecer qual a relação dos picos das respostas com a posição coclear. Na figura 2.41a) mostra-se a curva das frequências características no modelo de Neely (praticamente idêntica a fza(x)) em comparação com a penúltima expressão. Como se observa, existe uma boa correspondência, excepto no ápice. As duas expressões anteriores sugerem que para fazer a passagem para a cóclea humana bastará fazer uma transformação de frequências F=εf onde ε=165/456. A aplicação desta transformação à expressão da impedância da partição no modelo de Neely corresponde a considerar todos os factores de rigidez reduzidos do factor ε e todas as massas aumentadas de um factor 1/ε, mantendo o valor das resistências. As frequências angulares ωf e ωr na expressão (2.82) devem também vir reduzidas do factor ε. fCF 5 10 0.07 A [cm2] 0.06 0.05 4 10 0.04 Hz 0.03 fDi 3 10 0.02 0.01 fCFg 2 10 0 0.5 1 x [cm] 1.5 2 2.5 0 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5 x [cm] a) b) Figura 2.41 - a) Curva dos máximos do módulo do deslocamento ciliar, Di (x), no modelo de Neely. Indica-se também o mapa de Liberman para o gato. b) Função de área da cóclea humana: a tracejado a curva já apresentada na figura 2.17a); a curva a cheio corresponde à área utilizada no modelo coclear relativo à cóclea humana. Nas figuras 2.41 e 2.42 mostram-se as curvas obtidas para os modelos de Geisler e Neely utilizando o procedimento descrito. A área tomada para as secções cocleares consiste numa 2.7 Modelo da Cóclea Humana 73 interpolação simples da área apresentada na figura 2.17a) e está representada na figura 2.41b). Foi utilizado o modelo do ouvido externo e médio discutido na secção 2.5. Para a largura da partição tomou-se um valor de forma a que a impedância de entrada da cóclea apresentasse um valor máximo próximo de 1MΩ acústico em unidades cgs. |Zp| 140 |VBM| 0 dB dB 120 -20 100 -40 80 -60 60 -80 40 -100 20 -120 0 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 -140 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 a) b) Figura 2.42 - Modelo de Geisler para um mapa coclear correspondente à cóclea humana. a) Impedância da partição; b) Módulo da velocidade da membrana basilar. |Zin| 125 |Di| -80 dB dB -100 120 -120 115 -140 -160 110 -180 105 2 10 3 4 10 10 f [Hz] -200 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 a) b) Figura 2.43 - Modelo de Neely para um mapa coclear correspondente à cóclea humana. a) Impedância de entrada da cóclea em Ohm cgs (120dB=1MΩ); b) Módulo do deslocamento ciliar das CCIs. Como se pode observar, as respostas não são inteiramente satisfatórias. No modelo de Geisler a depressão das respostas (zero espectral) abaixo da frequência característica acontece a uma frequência demasiado baixa, tendo em conta os dados psicofísicos. Seria necessário alterar as constantes do modelo de forma a que impedância da partição apresentasse um pólo a cerca de uma oitava abaixo da frequência característica o que tornaria as respostas mais simétricas na zona dos picos. Tal foi tentado, embora esta 74 Capítulo 2 - Modelos Cocleares mudança produza um efeito indesejado: o abaixamento da frequência dos pólos de Zp faz com que a relação pico-cauda das respostas seja demasiado baixa. Por outro lado, aumentando o factor de qualidade dominante na impedância Zp produzem-se picos muito finos tal como acontece no modelo de Kanis-deBoer. A existência de uma filtragem adicional relativamente às CCIs, tal como é proposto no modelo de Neely pode resolver esta questão. Uma solução satisfatória é apresentada em [Perdigão et al, 96] onde se considera a impedância da partição definida parametricamente. Neste caso, a relação picocauda das respostas é cerca de 30 dB, portanto, um pouco baixa. Quanto ao modelo de Neely, as respostas parecem mais condizentes com as curvas de sintonia psicofísica (PTCs) e o limiar de audição, correspondente ao andamento na frequência dos picos das respostas, é razoavelmente representado. A impedância de entrada da cóclea é também muito condizente com os resultados preditos por Puria e Allen [Puria & Allen, 91] (figura 2.43a)). Contudo, as depressões nas respostas correspondentes ao zero espectral parecem demasiado acentuadas e as curvas correspondentes a baixas CFs têm larguras de banda demasiado elevadas. Além disso, a relação de amplitudes pico-cauda das respostas é demasiado elevada (cerca de 60dB). Foram feitas várias tentativas de alteração dos parâmetros físicos (resistências massas e factores de rigidez) da impedância da partição de forma a conciliar estes aspectos mas sem sucesso. Uma descrição paramétrica simples da impedância da partição, tal como é apresentada na secção anterior, pode conduzir à definição de modelos com respostas mais razoáveis. Tal é mostrado em [Perdigão et al, 96] onde a definição da impedância da partição é tomada de acordo com o modelo de Geisler. O mesmo tipo de modelação foi também aplicado ao modelo de Neely. A impedância da partição é definida tal como em (2.89) onde a frequência fZa em função de x, corresponde ao mapa coclear (2.91b). A frequência faz é superior a fZa e fap ligeiramente inferior, tal como no modelo de Neely original17. A massa da partição coclear é agora tomada constante, com um valor razoável, tal como no modelo de KanisdeBoer. Aplica-se seguidamente uma filtragem adicional ao deslocamento da membrana basilar por uma função Hi de forma a obter o deslocamento ciliar relativo às CCIs, tal como é proposto por Neely (expressão (2.86)). Hi apresenta um par de zeros uma oitava abaixo 2.7 Modelo da Cóclea Humana 75 das frequências características e tem os mesmos pólos da impedância Zp. As respostas assim obtidas são indicadas na figura 2.44. Como se pode observar a relação de amplitudes picocauda é cerca de 40 a 50 dB em frequências intermédias; o pico das respostas segue muito condizentemente a curva de limiar de audição; a fase das respostas não ultrapassa -8π e as respostas apresentam um zero espectral (pouco acentuado) a cerca de uma oitava abaixo das correspondentes frequências características. As respostas estão em razoável concordância com as curvas apresentadas na figura 2.39 (PTCs - Perceptual Tuning Curves”), embora na zona dos 10kHz a relação pico-cauda das respostas seja um pouco baixa. |Di| 0 2 dB arg{Di} xπ -20 0 -40 -2 -60 -80 -4 -100 -6 -120 -140 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 -8 2 10 3 10 4 f [Hz] 10 a) b) Figura 2.44 - Modelo coclear para a cóclea humana. a) Módulo do deslocamento ciliar em 20 posições cocleares. b) Fase das respostas. Caso se pretenda um modelo não linear, a variação da impedância da partição com γ deve ser considerada. Como a dependência dos parâmetros da impedância com γ neste tipo de modelação não é explícita, pode considerar-se uma variação paramétrica, tal como é indicado na figura 2.38e) relativamente à frequência fZa. Este modelo será tomado como o modelo coclear de referência nas simulações que serão apresentadas em capítulos posteriores. No apêndice I apresentam-se um conjunto de funções (em linguagem MatLab) que permitem simular os modelos discutidos neste capítulo. 17 Tomou-se faz=fZa(0.9+1.1x/L); fap=0.95fZa; daz=0.4+0.6x/L; dap=0.3+0.2x/L. O factor de qualidade QZa corresponde a uma interpolação quadrática, numa escala logarítmica, dos valores definidos para x=0 (QZa=15), x=L/2 (QZa=18) e x=L (QZa=6). A função Hi é de 2ª ordem com os mesmos pólos de Zp e com um par de zeros em fZa/2 com factor de qualidade 2. Estes parâmetros estão essencialmente de acordo com os valores dos parâmetros do modelo de Neely. 76 Capítulo 2 - Modelos Cocleares 2.8 Conclusões Apesar de existirem ainda um conjunto de hipóteses competitivas sobre o funcionamento micromecânico da cóclea, pode dizer-se que a modelação coclear atingiu um estado de maturação em que as respostas cocleares podem ser simuladas com razoável detalhe. Os modelos activos revistos incluem uma série de funcionalidades que cuja existência tem vindo a ser comprovada. Além disso, conduzem a resultados concordantes com os dados obtidos através de preparações experimentais em cócleas vivas. Nomeadamente, os modelos consideram elementos activos associados às CCEs; incluem uma realimentação negativa que influencia a vibração da partição coclear amplificando a onda progressiva na cóclea e incluem um segundo filtro com um zero espectral proeminente em concordância com os dados neuronais. De entre os modelos revistos o modelo de Neely e de Geisler são os mais completos e concordantes com dados conhecidos. A maior parte dos modelos desenvolvidos tenta simular dados mecânicos obtidos em mamíferos (principalmente gatos, porcos da Guiné e chinchilas). Dados relativos à cóclea humana são escassos e, por razões óbvias, nunca são feitas experiências em cócleas humanas vivas. Porém, existe uma clara evidência que o aparelho auditivo periférico é perfeitamente semelhante e análogo entre os mamíferos [Greenwood, 90]. A conversão dos modelos para a simulação da cóclea humana, apesar de parecer um tarefa simples e directa, apresenta alguns problemas difíceis de solucionar. No entanto, foi apresentado um modelo que se pode considerar suficientemente preciso tendo em conta os dados conhecidos. A definição deste modelo resulta de uma parametrização da impedância da partição, diferente da que é usual considerar, mas com a qual é possível controlar de uma forma mais explícita as características das respostas cocleares. Tanto quanto é possível avaliar pela literatura especializada, não existem publicados modelos relativos à cóclea humana com respostas tão plausíveis quanto as apresentadas pelo modelo proposto. Este modelo será utilizado no desenvolvimento de um modelo discreto no tempo, baseado em bancos de filtros, a ser especificado no capítulo seguinte.