Sperr_Ao largo e sem amarras_ST

Transcrição

Sperr_Ao largo e sem amarras_ST
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Die kleinste Fessel drückt mich unerträglich. Das Leben der Franziska zu Reventlow
by Franziska Sperr
© 1995 by Goldmann Verlag,
a division of Verlagsgruppe Random House GmbH, Munich, Germany
Ao largo e sem amarras
A vida de Franziska zu Reventlow
De Franziska Sperr
Excerto do quarto capítulo. O original tem dez capítulos em 255 páginas.
Depois começou o Entrudo. Entrudo! Como alemã do Norte, Franziska não
sabia muito bem o que era o Entrudo, sabia apenas que no Entrudo, durante
alguns dias, se aboliam todas as convenções e toda a cidade de Munique se
transformava num pandemónio. Tanto mais surpreendida ficou quando foi
ao Café Luitpold, no sábado de Entrudo, e encontrou lá o “tio” e alguns
outros amigos da escola de Pintura, a beber cerveja e a conversar, como
sempre.
- Eu pensava que hoje era Entrudo! Porque é que vocês estão aqui
sentados, como se fosse Sexta-Feira Santa? – exclamou ela.
- O Entrudo é para os burgueses, que têm de se mascarar para pisarem o
risco!
Todo o grupo estava de acordo quanto ao desprezo por divertimentos
insípidos, tão ao gosto dos bons burgueses! Mas hoje Franziska não queria
estar apenas sentada a conversar, estava firmemente decidida a divertir-se,
mesmo que os seus amigos achassem de mau gosto que ela tivesse
escolhido para isso exactamente a quadra do Entrudo.
Como por encomenda, chegou de repente um grupo de Pierrots com a
cara pintada de branco. Como se tivessem percebido que Franziska estava
disposta a participar nas brincadeiras de Entrudo, foram ter com ela,
rodearam-na, puxaram-na para o meio deles.
- Uma rainha em trajo de criada! Exclamou um dos Pierrots. Temos de
dar um jeito a isso!
E começaram logo a equipar Franziska. Um tirou uma maçã do saco e
deu-a a Franziska. Agora ainda um ceptro, uma bengala bastava. E um dos
Pierrots tirou, sob o protesto impotente de um dos criados, uma toalha de
mesa aos quadrados de uma das mesas, e pô-la nos ombros de Franziska. A
rainha estava pronta. Os Pierrots faziam de cortesãos, ajoelhavam-se,
baixavam as cabeças em sinal de respeito.
Erguei-vos, meus amigos! – exclamou Franziska. Ela entrou logo na
brincadeira, agradava-lhe estar no centro das atenções. Nem pensou mais
no que os seus amigos lá ao fundo, no canto, achariam daquilo.
- Um trono! Precisamos de um trono!
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Sentaram Franziska numa cadeira e, depois, em grande júbilo, puseramna em cima da mesa. A maçã na mão direita, a bengala na mão esquerda,
ela regia majestosamente, embrulhada na toalha de mesa. O que quer que
fosse que ela exigisse, a ordem era imediatamente executada pelos seus
cortesãos.
- Champanhe! – gritou Franziska, e imediatamente um dos Pierrots
transmitiu o pedido a um dos criados, que não teve mais remédio senão
entrar na brincadeira.
- Salsichas de Viena! Mostarda! E uma garrafa de aguardente para os
tristes cavaleiros de Sexta-Feira Santa! Franziska apontou para a mesa dos
objectores ao Entrudo.
A certa altura, os amigos de Franziska também já não conseguiam
manter os escrúpulos. Não durou muito tempo até todo o estabelecimento
fazer parte da peça da rainha e dos seus cortesãos. E no centro das atenções
estava Franziska.
O Café Luitpold já há muito que fechara, os amigos de Franziska
também já tinham ido para casa, e foi então que o criado fez uma última
tentativa enérgica para levar Franziska e a sua corte a saírem. Franziska
deixara-se dormir nos braços de um dos Pierrots, os outros tinham-se
instalados sobre bancos e cadeiras previamente juntos.
- Ó pessoal, toca a ir para casa! Agora acabou-se! – gritou o criado,
enquanto agitava as chaves com impaciência.
Quando estavam, já de madrugada, lá fora, em frente do Café Luitpold,
um dos Pierrots murmurou ao ouvido de Franziska: - Anda comigo para o
meu atelier.
Ela olhou para os pêlos da barba que tinham nascido através da pintura
branca, os contornos esborratados, pretos, sob os olhos, o hálito dele
cheirava a charutos e a cerveja. Escorregaram de braço dado na neve macia
ao longo da rua comprida e silenciosa. Franziska estava embriagada e feliz,
sentia-se desligada e sem peso, virou-se, caiu, o Pierrot ajudou-a a erguerse e sacudiu-lhe a neve da roupa. Depois levantou-a no ar e atirou-a como
um espólio para os ombros. O Entrudo é a minha estacão do ano! Se ele
não existisse já, eu inventava-o! – gritou Franziska. Pendia de cabeça para
baixo dos ombros do seu protector pintado de branco, extenuada e sem
forças, mas feliz.
No atelier dele beberam café de uma cafeteira de cobre, que apitava
baixinho. Franziska estava embrulhada no roupão de seda dele, os pés,
antes gelados, estavam agora enfiados dentro de grosseiras meias de lã e
começavam a aquecer. Os cabelos molhados estavam enrolados numa
toalha em forma de turbante. O simpático Pierrot dera-lhe tudo aquilo de
que ela precisava.
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Franziska recordou ainda muitas vezes essa manhã. Como tomaram o
pequeno-almoço juntos e conversaram horas e horas, como ela lhe tirou a
maquilhagem branca da cara e como lentamente, a ouço e pouco, a cara
dele ficou a descoberto. Como ele, à despedida, formulou, em muitas
palavras, a pergunta, se poderia atrever-se a beijá-la e como ela, por fim,
lhe poupou a pergunta e o beijou. Tudo isto era leve como o ar, não estava
sobrecarregado de acontecimentos anteriores, não tinha consequências
graves. E no entanto ela sabia muito bem que uma tal leveza nunca poderia
prolongar-se por muito tempo, que a despreocupação se perderia
irrevogavelmente se as pessoas soubessem mais uma da outra, se se
tolhessem uma à outra com exigências, se cada qual tentasse estigmatizar o
coração do outro com os seus desejos de felicidade.
A Primavera chegou com grandes trovoadas que levaram para longe toda a
leveza, e Franziska sentia que a sua paixão por Herstein, que não tinha
absolutamente nada a ver com o leve romance de Entrudo, se apoderava
cada vez mais de si. Estava dividida entre as cartas carinhosas de Walter e
os ataques de mau humor de Herstein, os seus arrebatamentos egoístas.
Uma noite – Herstein pintava como um possesso – Franziska retirou-se
cedo, pois não se tinha sentido bem durante todo o dia. Deitou-se na cama,
olhava para a tira rasgada de papel de parede pendentes do tecto, tentava
concentrar-se para que ela não se movesse em círculo, não conseguia,
girava com ela, mais depressa, cada vez mais depressa, já não conseguiu
chegar à casa de banho, no corredor, caiu no chão de parquet polido e ficou
deitada. O desmaio durara apenas poucos segundos, mas criara em
Franziska uma suspeita que veio a confirmar-se nas semanas seguintes.
Pânico, medo, inquietação. Franziska estava nervosa, tinha dificuldade
em concentrar-se no trabalho, e estava amiúde tão distraída, que mal
conseguia haver-se com os gestos mais rotineiros. Fumava muitíssimo,
apesar dos ataques de tosse, que teimosamente não queriam passar. Comia
pouco, dormia mal, estava muitas vezes enjoada. Um pensamento fixara-se
na sua mente: Que futuro teria ainda o seu amor por Walter, se estava à
espera de um filho de Herstein? O que diria Herstein, quando soubesse?
Andou dias e dias às voltas com os muitos e sombrios pensamentos na
cabeça. Acordava de noite. Tinha alternadamente calor e frio, faltava-lhe o
ar, sentava-se na cama, limpava o suor do pescoço com uma toalha e bebia
água em golos ávidos e ruidosos. Uma noite foi buscar papel e caneta e
começou a escrever: “Querido Walter”, depois: “Meu querido Walter”,
depois: “Walter, meu grande amor”, depois: “Walter, querido tenho de te
dizer uma coisa!” Mas rasgou a página, amarrotou os pedaços, atirou-se
para as almofadas, tentou adormecer novamente. Nessa noite teve a certeza
de que não havia nenhuma saída. Estava num túnel, no qual corria água de
ambos os lados, que subia cada vez mais alto. Às vezes gritava durante o
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sonho, quando estava deitada ao lado de Herstein. E quando ele lhe
perguntava porque gritava, esquivava-se, dizia que tinha visto o seu pai
morto sentado à beira da cama.
A certa altura Franziska decidiu dizer a Herstein que estava grávida.
Estava muito impressionada e mal podia falar. A voz tremia-lhe e evitava
olhar para ele. Sentiu quase fisicamente como ele se assustou, como estava
desamparado, e que ele não queria que ela reparasse como ele estava
assustado. Pôs-se a andar de um lado para o outro na pequena sala, como
um tigre enjaulado. De repente parou em frente dela.
- Isso é um problema, e agora? – Os olhos dele, cinzentos, tinham um
brilho frio. Apertava os lábios um contra o outro como um risco, e, quando
os abriu, estavam azulados. Afastou os cabelos da testa com um gesto
exagerado. A voz de Franziska tremia, tinha que chamar a si todas as suas
forças para não chorar.
- Vou escrever ao Walter que entre nós está tudo acabado, tem de acabar
tudo. Mal pronunciou a frase, Franziska observou como o medo se
apoderava de Herstein, como se tornava cada vez mais inseguro, mais
fraco. Era a primeira vez que ela o via assim, miserável como um
escaravelho de costas. Toda a robusta virilidade desaparecera como por
encanto.
- E depois? – Foi tudo o que ele disse.
Quando mais ele se debatia, quanto mais ele resistia e procurava fugir,
tanto mais calma ficava ela. Por um curto momento pareceu-lhe até que
estava contente por estar grávida, como se tivesse algo quente e querido no
seu ventre, que só lhe dizia respeito a ela. E depois, ainda não sei – disse
ela, e sorriu. Com o tempo tudo se há-de arranjar, de uma maneira de ou de
outra. Não precisas de ter medo de teres de casar comigo. Seja como for,
agora já não preciso de escolher entre Hamburgo e Munique. Vou ficar em
Munique e desenrascar-me de qualquer maneira. Tu nem precisas de me
ajudar.
Herstein sentou-se ao lado dela, pôs-lhe o braço nos ombros, e falou
suavemente, com carinho. Agora, que ela aplanara o caminho e lhe poupara
a decisão, ele recuperara o sangue-frio, ficou imediatamente à altura da
situação: - Vamos ver como há-de ser, Franziska, tudo se há-de arranjar. E
nem sequer ainda tens a certeza absoluta. Tenta não pensar nisso e dedicate ao trabalho. O trabalho deve continuar a ser o mais importante.
As cartas de Walter! Cada vez que abria o envelope, as mãos começavamlhe a tremer. Apesar de ter a certeza de que ele não podia suspeitar de nada,
o olhar voava-lhe nervoso sobre as linhas, rapidamente, até ao fim, para ver
se lá estava alguma coisa sobre o fim do seu amor, de ruptura ou separação,
ou se ele escrevia como sempre. Mas as cartas não manifestavam nenhuma
suspeita, eram suplicantes e cheias de esperança, como sempre,
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“Porque é que escreves tão raramente? Porque é que não respondes ao
que te escrevi na última carta? Dá-te jeito que eu te vá visitar nas férias?
Estás de boa saúde e comes o suficiente? Estou tão contente por estares em
breve ao meu lado, por estarmos juntos daqui a pouco tempo. Para sempre,
toda a nossa vida…”
Quando lia estas cartas, o coração de Franziska tornava-se pesado como
se tivesse uma pedra no peito. Então ansiava pela voz quente de Walter,
pela mão dele na dela, pelo seu olhar amigo. Depois reflectia, contava,
calculava, se o poderia fazer acreditar que o bebé era dele. Casar depressa,
encontrar um abrigo, tudo ficaria bem. Nunca revelaria o seu segredo, os
parentes de Walter encontrariam no bebé mil parecenças com os Lübke, o
talento para pintar tê-lo-ia evidentemente da mãe, bem como a teimosia.
Também Walter seria logo de início da opinião de que o bebé era parecido
com ele e ambos se comparariam um com o outro e talvez em breve não
tivesse ela própria a certeza se não seria Walter o pai. Reflexões desta
natureza conseguiam pôr Franziska bem-disposta durante alguns minutos.
Mas depois o seu olhar ficava novamente sombrio, as costas dobravam-selhe e ela começava a tossir.
De vez em quando via tudo negro, tudo voava em círculo em volta dela,
mal se podia ainda firmar, tinha que se sentar. Às vezes estava tão fraca
que ficava todo o dia na cama. Então estava deitada muito quieta e parecialhe que sentia o bebé a mexer-se no seu ventre. Depois envergonhava-se
de, ainda uma hora atrás, não ter desejado nada mais ansiosamente do que o
fim, doloroso mas libertador de tudo aquilo, causado pela sua constituição
fraca e o seu débil estado de saúde. Em tais dias desejava estar morta.
Já não sabia quantas vezes tinha começado a sua carta de despedida a
Walter. Uma vez escreveu-a até ao fim, pô-la no envelope, escreveu o
endereço e o remetente e pô-la em cima dos sapatos para não se esquecer
de maneira nenhuma de a pôr no correio na próxima oportunidade. Fora-lhe
difícil encontrar as palavras certas para lhe explicar porque motivo se
impunha uma separação, e porque é que ela tinha de seguir outro rumo na
sua vida. Falava de culpa e responsabilidade, de humildade e destino.
Lágrimas caíam no papel enquanto justificava o seu passo. Mas não
mencionou o verdadeiro motivo.
Alguns dias mais tarde Franziska estava sentado no comboio para
Hamburgo. A carta que deveria dar um novo rumo à sua vida não fora
enviada. Em vez disso, expediu um telegrama a Walter: “Chego terça-feira,
21,45 h. Por favor vai-me buscar. Amo-te. Franziska.”
Walter estava na estação e Franziska reparou logo como ele estava
magro e pálido. Ele também fez logo um comentário sobre as olheiras
negras sob os olhos dela, mas não lhe disse quanto se assustou com o
ataque de tosse que a acometeu tão violentamente logo na plataforma. Ela
dobrava-se, quase tinha que se ajoelhar, endireitou-se novamente, inspirou
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um pouco de ar pelas vias respiratórias demasiado estreitas, puxou os
ombros para a frente com um safanão. Alguns minutos depois, quando a
tosse se acalmou, pôs-se muito direita e deu o braço ao noivo: - Pronto.
Agora estou cá!
Walter estava radioso. – Vieste muito depressa, nunca pensei, finalmente
estás comigo -, e abriu a porta do quarto que tinha mandado arranjar para
ela. Mas Franziska não queria dormir sozinha naquela noite, afinal ela tinha
metido na cabeça que queria organizar a sua vida desregrada e dormir na
cama do homem ao qual devia passar a pertencer. Na manhã seguinte
estava satisfeita por ter conseguido o que queria. Walter acreditava que ela
viera de livre vontade para Hamburgo, por ter muitas saudades e porque
queria ser a mulher dele. A primeira noite ao lado dele foi muito comprida,
a manhã não chegava, nunca mais, nunca mais chegava o dia. Tinham-se
amado timidamente e Walter adormecera depressa, com um profundo
suspiro de satisfação. Nem sequer sonhava que a sua futura esposa, muito
aninhada contra ele, quente e macia se torturava a cabeça, o coração e a
alma, que sofria tormentos infernais, e que o medo mal a deixava respirar.
Não era apenas a consciência pesada que atormentava Franziska, era
também o medo de que a sua vida confusa não continuasse, parasse, se
desfizesse em nada.
Na manhã seguinte Franziska não se conseguia levantar. Estava pálida,
deitada nas almofadas sacudidas por Walter, e pediu um copo de água.
Walter atribuía o estado dela à viagem de comboio, longa e cansativa e
segurava-lhe a mão com a fisionomia suave, de traços esbatidos pela
felicidade. Limpou o suor frio da testa de Franziska e anunciou que ia
mandar chamar o médico. – Por favor, por favor, Walter, o médico não! –
Sentou-se na cama, o medo reflectia-se no seu rosto, receava que um
médico proclamasse o motivo da sua indisposição matinal e que até ainda
congratulasse Walter pelo feliz acontecimento, com um aperto de mão de
apreço. – É só … o raio da tosse … a excitação de estar agora contigo. Já
me sinto melhor!
Franziska levantou-se e vestiu-se. Na casa de banho esfregou as faces
pálidas em frente do espelho até ficarem avermelhadas, se bem que
também com algumas manchas. Girou os olhos e fez caretas para eliminar
do rosto o aspecto pálido e macilento. Walter foi ao escritório por uma hora
para ver o que se passava – na verdade tinha tirado férias.
- Perdoa-me, Walter, perdoa-me! – Franziska murmurava estas palavras
constantemente de si para si. Estava à janela e olhava para o escuro. Walter
estava na sala ao lado debruçado sobre as suas actas. A imagem de Herstein
não a largava, o último olhar doloroso, triste, na estação. Ele levara-a à
estação, talvez para ter a certeza que ela não mudava de ideias e se ia
realmente embora. E agora aqui estava ela – dentro de uma semana seria a
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esposa de Walter –, com o filho de Herstein sob o coração. Nos últimos
dias antes de Franziska partir para Hamburgo, Herstein não a largara.
Estava constantemente a convencê-la: - Tens de ir ter com ele. Ele ama-te e
tu tens de casar com ele! Não é melhor que um seja feliz em vez de sermos
os três infelizes? – e – Comigo não podes ficar com o bebé – e – Prometeme que não fazes nenhum disparate, assim tornar-nos-ias infelizes a todos –
e – Casa com ele. Mas faz isso por ti, não por mim – e – Não me odeies
quando pensares em mim!
Não, ela não o odiava. Pelo contrário! Tinha muitas saudades daquele
homem, das suas mãos grandes e fortes, da sua impaciência impulsiva, da
sua paixão. Franziska perdoava-lhe tudo, não lhe censurava nada,
admirava-o até pelo seu franco egoísmo. Ele dissera-lhe que um bebé não
tinha lugar num atelier de pintura, onde nascem grandes obras de valor
perdurável. Seguiam-se momentos de luta interior, durante os quais
pensava em contar tudo a Walter e depois desaparecer imediatamente.
O entrechocar dos pratos, o ruído de cadeiras arrastadas, arrancaram
Franziska aos seus pensamentos. A família de Walter era esperada para o
chá. O irmão, a cunhada e sua mãe, os filhos. Uma grande toalha banca de
damasco foi estendida sobre a mesa de mogno, a mesa foi posta com o
melhor serviço de chá, foi dado rapidamente lustro ao bule de prata, a
criada tinha prática.
Quando olhou para as fatias de bolo de creme de manteiga, de bolo de
framboesa, para os petits-four, para as fatias de torta de noz, Franziska
ficou enjoada outra vez. Só tinha uma coisa a fazer, era concentrar-se
noutras coisas – na gola de renda, cor de salmão, muito bem engomada, da
cunhada, por exemplo, e no sorver ruidoso e indecente da mãe dela, que
não se coadunava nada com o visual elegante, se bem que burguês.
Franziska concentrou-se em traços de parecenças entre Walter e o irmão.
Ainda que na verdade não fossem parecidos, Franziska descobriu muitas
coisas em comum, alguns gestos pareciam-lhe idênticos, de maneira
francamente ridícula. Também o irmão de Walter esticava de vez em
quando o indicador para sublinhar o que dizia, qual caricatura de um
clássico mestre-escola de aldeia.
- Estamos tão contentes por Walter ter finalmente encontrado a
felicidade – disse a velha senhora e sorveu de novo ruidosamente pela
chávena.
- Sim, Franziska, bem-vinda sejas ao Norte, a Hamburgo, ao seio da
nossa família – corroborou a filha. Fez isso certamente em atenção à mãe,
pois Franziska esperava dela algo mais que esta fórmula de recepção,
convencional, cortês.
Franziska gostava da cunhada e decidiu imediatamente tornar-se amiga
dela, também para dar uma alegria a Walter. Detestava as ancas quadradas
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da mãe da cunhada e o seu olhar vigilante e astuto que punha em causa
tudo o que, com hanseática lentidão, ali era dito.
- Com certeza que acha Hamburgo aborrecido! - Quando uma pessoa
ouve como é a vida em Munique…! - Espicaçou a velha de nariz torto, e
picou com o garfo a fatia de bolo de framboesa. A maneira típica do Norte
como ela pronunciava os “s” divertia Franziska. A futura cunhada e a mãe
eram de Bremem, onde as pessoas educadas falavam assim. As duas
crianças portavam-se bem, estavam caladas, as golas delas eram grandes
demais para o gosto de Franziska, os laços de cabelo demasiado
engomados e grandes. Quando se debruçavam sobre o bolo de framboesa
nos seus pratos, pareciam insectos que tentavam repetidamente voar sobre
uma flor vermelha, para depois pousarem nas folhas trémulas, aveludadas.