Universidade Federal do Pará Núcleo de Ciências Agrárias e
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Universidade Federal do Pará Núcleo de Ciências Agrárias e
Núcleo de Estudos Integrados sobre Agricultura Familiar Universidade Federal do Pará Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA Amazônica Oriental Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas Curso de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável Tatiane Braga Ferreira Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar – TI Maró, Santarém, Pará Belém 2011 Tatiane Braga Ferreira Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar – TI Maró, Santarém, Pará Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável. Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas, Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Pará. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Amazônia Oriental. Área de concentração: Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável Orientadora: Profª Drª Maria das Graças Pires Sablayrolles Belém 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) – Biblioteca Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural / UFPA, Belém-PA Ferreira, Tatiane Braga Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar - Ti Maró, Santarém, Pará / Tatiane Braga Ferreira; orientadora, Maria das Graças Pires Sablayrolles - 2011. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Pará, Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural, Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas, Belém, 2011. 1. Índios da América do Sul. 2. Índios Borari – Santarém (PA). 3. Recursos naturais - Santarém (PA). 4. Índios Borari– Posse da terra. – Santarém (PA). 5. Índios Borari – usos e costumes. 6. Índios Borari – Etnobotânica. I Título. CDD – 22.ed. 980.41 Tatiane Braga Ferreira Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar – TI Maró, Santarém, Pará Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável. Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas, Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Pará. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Amazônia Oriental. Área de concentração: Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável Data da aprovação. Belém - PA: 24/05/2011 Banca Examinadora ____________________________________________ Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (Presidente da Banca) Universidade Federal do Pará – NCADR ________________________________________________ Dra. Noemi Sakiara Miyasaka Porro (Examinador Interno) Universidade Federal do Pará – NCADR ________________________________________________ Dr. Moacir Haverroth (Examinador Externo) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – AC ________________________________________________ Dra. Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães dos Santos (Membro Suplente) Universidade Federal do Pará – NCADR Aos meus pais por dedicarem suas vidas em função da felicidade de seus filhos. Dedico ainda a todos os povos indígenas que foram exterminados na sua luta pela terra. AGRADECIMENTOS Como acredito que nada em minha vida é feito somente por minhas mãos, quero começar meus agradecimentos por aqueles que foram fundamentais para a conclusão deste trabalho, meus pais, Ernesto e Olga, que nunca deixaram de dizer que sentiam minha falta e nem de fazer o possível para que ela diminuísse. Por toda força e ensinamento que me dão, sempre me apoiando em seu infinito amor. Por me darem sempre um olhar de ternura, de emoção, tudo isso iluminou minha alma e me faz ter certeza que tudo valeu à pena. Ninguém mais nesse mundo, eu amei ou amo mais do que a vocês. Aos meus irmãos pelo carinho e força que sempre me deram. Por serem sempre solidários nos momentos mais difíceis, pelo amparo, apoio e incentivo. Por estarem sempre presentes, mesmo à distância, por saber como é bom regressar e sentir-se querida, vocês dão sentido à palavra fraternidade. Amo todos vocês! À Elka e Luiza, minhas “filhotas do coração”, por me darem sempre o amor incondicional e pelos dias de alegrias que me proporcionam. Pelo carinho e ternura, pela cumplicidade e pelo prazer de tê-las em minha vida e por terem me ensinado o amor materno. Tudo isso me faz ter certeza que vocês são as minhas filhas queridas para sempre. É por amor a vocês que estou aqui. Aos meus sobrinhos e sobrinhas pelo amor e carinho dedicado. Em especial à Isabela Braga, que com sua chegada trouxe consigo muito amor e passou a iluminar cada dia na casa da Família Braga Ferreira, me fazendo sorrir e chorar de alegria a cada descoberta e aprendizado seu. Amo muitíssimo todos vocês! Às minhas cunhadas, pelo carinho, apoio e incentivo dedicado, em especial a Netiara Tavares, que sempre esteve disponível quando precisei de sua ajuda, principalmente pela sua dedicação a meus pais, o que fez diminuir minha preocupação por estar longe e conduzir com mais tranquilidade este trabalho. Ao CNPq pela concessão da bolsa de estudo, a qual possibilitou tanto minha manutenção em Belém quanto os custeios da pesquisa de campo. Ao Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas, aos meus professores e equipe técnica. A minha orientadora, a Prof. Dra. Maria da Graças Pires Sablayrolles, agradeço por todo aprendizado acadêmico e pessoal adquirido nesses anos. As atenções recebidas foram fundamentais para me encorajar a seguir no caminho que me ajudou a descobrir com sua simpatia, humildade e cuidados. Ao Senhor Raimundo Rodrigues e Senhora Graça Nogueira por tudo que fizeram por mim desde a chegada em Belém, por terem me recebido e acolhido como filha em sua casa, me deixando a vontade. Vocês são também minha família. Carla, Saul, Esaul, Naraíza, Natalia, Nelverton, Marlisson e Márlon, obrigada pelos momentos felizes que vivemos, pela oportunidade de conviver com pessoas admiráveis como vocês e pela amizade. Ao Movimento Indígena do Baixo Rio Tapajós, Grupo Consciência Indígena e Conselho Indígena Tapajós Arapiuns e ao Prof. Dr. Frei Florêncio Vaz por me apresentarem o universo da militância e me fazerem voltar a ter orgulho das minhas origens. Florêncio, obrigada pelas discussões que foram fundamentais para o entendimento da luta dos povos indígenas e pela ajuda e esclarecimentos fundamentais nesta pesquisa. À Comissão Pastoral da Terra, na pessoa do Senhor Gilson Rêgo, pela ajuda e disponibilidade de documentos sobre a questão fundiária e os conflitos da área de estudo. Ao Ministério Público Federal, nas pessoas do Dr. Cláudio Dias e Dr. Raphael da Silva, pela disponibilidade de acesso a documentos sobre as questões norteadoras desta pesquisa. À Raíssa Silva, velha amiga nas novas caminhadas, companheira de muitas lutas, sonhos e ideais, passamos por muitos obstáculos, mas sua amizade sempre me apoiou. Aos amigos do mestrado, que conheci aqui, mas que levarei comigo aonde quer que eu vá. Em especial: Margarette Rocha, por ter dividido comigo não só a casa, mas um pedaço de nossas vidas, pessoa de palavras sábias, responsáveis por muitas lições de vida. Ketiane Alves, pela amizade construída com alicerces de amor e respeito. Glaucia Moreno, ao longo desses dois anos aprendi belas lições com você, amiga recente e já de longas datas, sempre disposta a me ouvir e ajudar quando a ela recorri. Clarissa Santos, Jacirene Queiroz, Ione Santos, José Maria (Zeca), Daniele Wagner, durante essa temporada em Belém passamos por momentos altos e baixos, mas sempre estivemos unidos. Serei eternamente grata por suas amizades. Obrigadíssima! À amiga Fátima Oliveira por sua amizade, apoio, força, exemplo e incentivo nos momentos de dificuldades. Obrigada pelas longas conversas e pelos sábios conselhos. Às amigas Maria Lima e Aline Evangelista, pela amizade sincera a toda minha família, por todo apoio e força nos momentos mais difíceis de nossas vidas, mas também por tantos momentos felizes compartilhados juntos. A amizade de vocês é fundamental em nossas vidas! Aos companheiros do Movimento Estudantil e Movimento Esquerda Socialista (MES), Maike Vieira, Gean Carlos, Gleydson Pontes, Márcio Figueira, Márcio Pinto, Doristela, Aline Evangelista, Isabel Marinho, Isabel Sales, Fátima Oliveira, Tatiane Picanço, Lidiane Teles, Eliane Raíssa, Shirley Simone, Sheila Stefani, pelo exemplo de companheirismo e lições de solidariedade. Obrigada por plantarem em mim a vontade de lutar por uma sociedade justa e igualitária. À Taline Cristina pela grande ajuda na busca por bibliografia, mandando-me de Recife as que conseguiu lá. À Philippe Sablayrolles, pela elaboração do résumé. Ao amigo Leonardo Cruz, pelas longas e valiosas conversas sobre as questões indígenas na Amazônia Brasileira. Um agradecimento especial aos Borari de Novo Lugar que me receberam, participaram e executaram junto comigo os trabalhos de campo. Obrigada por toda a amizade, respeito e confiança em dividir comigo suas histórias, seus momentos, suas angústias e seus conhecimentos, me ensinando a valorizar cada minuto de vida que Tupã nos concede, com humildade e respeito à mãe natureza. E principalmente por serem severos defensores de suas terras. É chegada a hora de agradecer a Deus: Obrigada Senhor, por me conceder a vida e por ter guiado meus passos para que eu estivesse aqui hoje, e agradecer por mais essa conquista. Obrigada Senhor, por estar ao meu lado sempre, abençoando meu caminho e colocando nele essas pessoas iluminadas que tornam todos os meus dias especiais. Obrigada Senhor, por me fazer agir com eficiência em meu trabalho e acerto em minhas decisões. Obrigada Senhor, pela oportunidade de fazer este trabalho, pois através dele, pude conhecer pessoas que me ensinaram a amar e dar valor a tudo que tenho. Obrigada Senhor, pela honra e oportunidade de agradecer a todos. A todos, MUITO OBRIGADA! Vocês foram fundamentais para que eu pudesse estar aqui, hoje, agradecendo. “A gente pode até servir de adubo pras nossas terras, mas dela nunca sairemos” (Odair José Alves Borari, 2º cacique da Aldeia Novo Lugar, contrapondo-se à construção de 5 usinas hidrelétricas no Rio Tapajós, 26/11/2010, no Plenário da Câmara Municipal de Santarém, no Julgamento dessas hidrelétricas). RESUMO Os povos indígenas possuem um vasto conhecimento sobre a diversidade biológica de seus territórios. Conhecimento este, adquirido ao longo dos séculos, através das variadas formas de adaptação aos ecossistemas, dos saberes adquiridos acerca do manejo dos recursos naturais, mitos e crenças. Esta dissertação tem por objetivo geral: analisar as formas de ocupação e defesa do território, através da auto-identificação, enfatizando o manejo e gestão dos recursos naturais pelos Borari de Novo Lugar. Os objetivos específicos são: a) caracterizar culturalmente a etnia Borari na Aldeia Novo Lugar, e resgatar historicamente sua ocupação na região do Rio Maró; b) caracterizar as principais formas de manejo e gestão dos recursos naturais na Aldeia Novo Lugar, realizando levantamento etnobotânico das principais espécies vegetais utilizadas e manejadas pelos Borari e c) levantar as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e analisar como os Borari se organizam para garantir seus direitos. O estudo foi realizado na Aldeia Novo Lugar, TI Maró, Santarém-PA. Foram realizadas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com as 21 famílias da aldeia, registro da história de vida, mapeamento participativo, observação direta e participante, registros fotográficos, gravações, coleta e herborização de amostras botânicas das principais espécies vegetais consideradas pelos Borari, em seus quintais, roças e florestas, através das técnicas de turnê guiada e lista livre. As amostras botânicas foram identificadas pelos métodos usuais e depositadas no Herbário IAN da EMBRAPA Amazônia Oriental. Atualmente vivem na aldeia 88 pessoas cuja organização sócio-política, religiosa e econômica é bem definida: cacique e vice-cacique, pajé, liderança feminina, delegada sindical, clube de futebol, grupo de jovens e equipe de catequese. O processo de formação da Aldeia se deu através da migração da família do Sr. Manoel Avelino Borari, ao longo do rio Maró. As atividades de agricultura, coleta dos produtos das florestas, caça e pesca compõem o padrão de utilização dos recursos naturais pelos Borari. Foram citadas pelos indígenas 201 espécies vegetais utilizadas e manejadas em seus quintais, roças e florestas. Destas, 31 espécies foram consideradas principais para sua reprodução social, tais como: Manihot esculenta Crantz (mandioca), Euterpe oleraceae Mart. (açaí) e Attalea spectabilis Mart (curuá). A chegada de madeireiros, na região da Gleba Nova Olinda a partir de 2000, provocou inúmeros conflitos sócioambientais com madeireiros e moradores de comunidades vizinhas, acelerando o processo de organização dos Borari em prol da regularização fundiária da aldeia, a partir da autoidentificação indígena do grupo. Os Borari possuem um grande conhecimento sobre os recursos vegetais locais, resultante de sua ancestralidade e ocupação territorial na região, evidenciando sua identidade indígena. A diversidade de plantas manejadas e utilizadas pelos Borari é consideravelmente alta, e seu cultivo e/ou coleta, é realizado basicamente para suprir as demandas familiares e para a doação entre os demais indígenas da aldeia. Os conflitos no entorno da TI Maró estão afetando diretamente os modos de vida dos Borari e seu padrão de apropriação e utilização dos recursos naturais, devido ao confinamento em área limitada, imposto pelos madeireiros e a exploração em grande escala dos recursos naturais, especialmente os madeireiros. Palavras-chave: Indígenas. Recursos naturais. Etnobotânica. Etnogênese. Gleba Nova Olinda. Acesso a terra. RÉSUMÉ Les peuples indigènes possèdent une connaissance ample de la diversité biologique de leurs territoires. C’est une connaissance acquise au long des siècles, par le biais des formes diverses d’adaptation aux écosystèmes, des savoirs accumulés sur la gestion des ressources naturelles, des mythes et des croyances. Cette dissertation se donne comme objectif général d’analyser les formes d’occupation et de défense du territoire, par le biais de l’auto-identification, en se focalisant sur l’aménagement et la gestion des ressources naturelles par les Borari de Novo Lugar. Les objectifs spécifiques sont : a) caractériser culturellement l’ethnie Borari du village Novo Lugar, et retracer l’histoire de son occupation de la région du Rio Maró ; b) caractériser les principales formes d’aménagement et de gestion des ressources naturelles du village Novo Lugar, réalisant un relevé ethnobotanique des principales espèces végétales utilisées et gérées par les Borari ; c) identifier les situations de conflit pour les ressources naturelles et la possession de la terre dans la région de la Gleba Nova Olinda et analyser comment les Borari s’organisent pour garantir leurs droits. L’étude a été réalisée au village Novo Lugar, Terre Indigène Maró, Santarém (Pará). Ont été réalisés des entretiens structurés et semistructurés avec les 21 familles du village, un relevé de l’histoire de vie, une cartographie participative, des observations directes et participatives, des enregistrements photographiques et audios, la collecte et l’herborisation d’échantillons botaniques des principales espèces végétales pour les Borari, dans leurs jardins, leurs champs et leurs forêts, par le biais des techniques de visites guidées et de liste libre. Les échantillons botaniques ont été identifiés par les méthodes usuelles et déposés à l’herbier IAN de l’Embrapa Amazonie Orientale. Actuellement 88 personnes vivent dans le village, avec une organisation socio-politique, religieuse et économique bien définie : chef (cacique) et vice-chef, shaman (pajé), leaders féminins, déléguée syndicale, club de football, groupes de jeunes et équipe de catéchisme. Le processus de formation du village s’est fait par le biais de la migration de la famille de Mr Manoel Avelino Borari, au long de la rivière Maró. Les activités agricoles, de collecte des produits de la forêt, de chasse et de pêche forment la structure d’utilisation des ressources naturelles par les Borari. Les indigènes ont cité 201 espèces végétales utilisées et gérées dans leurs jardins, dans leurs champs et leurs forêts. De ce total, 31 espèces ont été considérées principales pour leur reproduction sociale, comme : Manihot esculenta Crantz (manioc), Euterpe oleraceae Mart. (açaí) e Attalea spectabilis Mart (curuá). L’arrivée d’exploitants de bois, dans la région de la Gleba Nova Olinda à partir de 2000, a provoqué d’innombrables conflits socioenvironnementaux, entre ceux-ci et les communautés voisines, accélérant le processus d’organisation des Borari pour la régularisation foncière du village, à partir de l’autoidentification indigène du groupe. Les Borari possèdent une grande connaissance des ressources végétales locales, fruit de leur ancestralité et de l’occupation territoriale de la région, mettant en évidence leur identité indigène. La diversité des plantes gérées et utilisées par les Borari est considérable, et leur culture et/ou collecte est réalisée essentiellement pour la demande des familles et le don aux autres indigènes du village. Les conflits dans le voisinage de la Terre Indigène Maró affectent directement les modes de vie des Borari et leur modalités d’appropriation et d’utilisation des ressources naturelles, de par leur confinement sur un territoire limité, imposé par les exploitants de bois et l’exploitation à grande échelle des ressources naturelles, principalement le bois. Mots-clés: Indigènes. Ressources naturelles. Ethnobotanique. Ethnogenèse. Gleba Nova Olinda. Accès à la terre. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 Mapa de localização da Aldeia Novo Lugar, TI Maró na Gleba Nova Olinda, Santarém, Oeste do Pará.......................................... 46 48 FIGURA 2 Meios de transporte para a Aldeia Novo Lugar.............................. FIGURA 3 Quadro: Fases e distribuição dos dias de permanência em campo na Aldeia Novo Lugar, Santarém, Pará.......................................... 53 FIGURA 4 Quadro: Distribuição dos índios Borari da Aldeia Novo Lugar quanto ao sexo e faixa etária........................................................... 58 FIGURA 5 Pirâmide demográfica da população da Aldeia Novo Lugar, Terra Indígena Maró, Santarém-Pará.............................................. 59 FIGURA 6 Disposição das casas na Aldeia Novo Lugar ................................. FIGURA 7 Mulher borari sendo atendida pelo enfermeiro do posto de saúde da comunidade de Prainha do Maró................................................ 64 FIGURA 8 Puxirum realizado para cobrir a sede da Aldeia Novo Lugar......... 66 FIGURA 8 Divisão social do trabalho na Aldeia Novo Lugar.......................... 68 FIGURA 10 Festividades de São Francisco das Chagas..................................... 70 FIGURA 11 Festeiros do ano de 2011................................................................. 71 FIGURA 12 Rituais realizados pelos índios Borari de Novo Lugar................ FIGURA 13 Mapa mental elaborado pelos Borari onde se identificam o uso do território e as atividades desenvolvidas nos diferentes espaços geográficos..................................................................................... 83 FIGURA 14 Quadro: Calendário das atividades agrícolas e extrativistas realizadas pelos Borari da Aldeia Novo Lugar............................... 85 FIGURA 15 Casa de farinha e seus componentes fabricados com a madeira retirada da floresta........................................................................... 87 FIGURA 16 Atividade de caça na Aldeia Novo Lugar....................................... 88 FIGURA 17 Manejo e uso da Attalea spectabilis Mart...................................... 91 FIGURA 18 Cestarias produzidas pelos Borari de Novo Lugar......................... 92 FIGURA 19 Panacu (cesto) utilizado pelos Borari para transportar cargas........ 95 FIGURA 20 Manivas estocadas na roça para o replantio.................................... 96 FIGURA 21 Exemplos de roças entre os Borari.................................................. 97 FIGURA 22 Algumas etapas da fabricação de farinha........................................ 101 FIGURA 23 Exemplos de quintais agroflorestais entre os Borari de Novo Lugar............................................................................................. 102 FIGURA 24 Funções dos quintais para os Borari de Novo Lugar...................... 103 FIGURA 25 Banco de germoplasma in vivo....................................................... 60 75 104 FIGURA 26 Quadro: Plantas trazidas da florestas, capoeiras, margens de lagos e igarapés pelos Borari para serem cultivadas em seus quintais............................................................................................ 106 FIGURA 27 Número de espécies vegetais consideradas mais importantes pelos Borari em diferentes ambientes explorados pelos indígenas na Aldeia Novo Lugar..................................................................... 109 FIGURA 28 Quadro: Levantamento etnobotânico das espécies vegetais consideradas mais importantes pelos Borari da Aldeia Novo Lugar............................................................................................... 112 FIGURA 29 Relação entre as categorias de uso e as práticas de manejo para as 31 plantas consideradas mais importantes pelos Borari................. 119 FIGURA 30 Quadro: Variedades de mandioca, macaxeiras e carás registradas nas roças dos Borari da Aldeia Novo Lugar................................... 120 FIGURA 31 Diversidade infra-específica de murucis cultivadas pelos Borari em seus quintais............................................................................. 121 FIGURA 32 Fotos dos Borari e Arapiuns realizando a auto-demarcação da TI Maró................................................................................................ 131 FIGURA 33 Mapa do mosaico de destinação das glebas, resultado do “Seminário de elaboração participativa de mosaico de uso da terra na ALAP Nova Olinda/Mamuru no Oeste do Pará............... 133 FIGURA 34 Imagens da manifestação em Defesa da Vida e Cultura do Rio Arapiuns......................................................................................... 134 FIGURA 35 Estradas que cortam a Aldeia Novo Lugar, TI Maró..................... FIGURA 36 Placas afixadas na Terra Indígena Maró pelos madeireiros como forma de intimidação aos Borari.................................................... 140 FIGURA 37 Chegada de pessoas para integrarem-se no Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns........................................... 144 FIGURA 38 Participação das crianças (alunos) na manifestação de São Pedro. 145 FIGURA 39 Queima da madeira de duas balsas apreendidas, com indícios de irregularidades, no Rio Maró, pelos manifestantes......................... 146 FIGURA 40 Quadro: Alguns conflitos existentes em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira........................................................................ 148 139 SUMÁRIO 1 I NTRODUÇÃO................................................................................................. 17 2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................. 23 2.1 A ETNOBOTÂNICA COMO UMA ABORDAGEM TEÓRICOMETODOLÓGICA PARA O ESTUDO DO MANEJO E GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS.................................................................................... 23 2.2 MANEJO E GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS POR POPULAÇÕES INDÍGENAS NA AMAZÔNIA.......................................................................... 27 2.3 ETNOGÊNESE E EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO INDÍGENA NA AMAZÔNIA........................................................................................................ 32 2.4 SOB CONFLITOS: LUTAS PELA TERRA E RECURSOS NATURAIS ENTRE INDÍGENAS E OUTROS ATORES NA AMAZÔNIA........................ 37 3 ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA.................................... 43 3.1 UM POUCO DE MINHA TRAJETÓRIA ATÉ CHEGAR AO LOCAL DE ESTUDO.............................................................................................................. 43 3.2 O LOCAL DE ESTUDO..................................................................................... 45 3.2.1 Localização.......................................................................................................... 45 3.2.2 Aspectos biofísicos............................................................................................. 47 3.2.3 Pra chegar até aqui... no inverno é bom... mas no verão, hum... o parente sofre: o acesso à Aldeia Novo Lugar................................................................. 47 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................... 49 3.3.1 O método............................................................................................................. 49 3.3.2 As técnicas utilizadas na coleta de dados de campo........................................ 49 3.3.3 A Pesquisa de Campo......................................................................................... 52 4 SOBRE A VIDA BORARI................................................................................ 58 4.1 ALGUNS DADOS CENSITÁRIOS.................................................................... 58 4.2 A EDUCAÇÃO.................................................................................................... 61 4.3 A SAÚDE............................................................................................................. 63 4.4 OS ATORES PRINCIPAIS: BORARI, UM MODO DE SER INDÍGENA....... 65 4.4.1 Organização sócio-política e econômica dos Borari........................................ 65 4.4.2 A divisão social do trabalho.............................................................................. 67 4.4.3 Os parentes e a putáua entre os Borari: relação de reciprocidade e parentesco........................................................................................................... 68 4.5 ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA DOS BORARI................................................. 69 4.5.1 A fé em São Francisco das Chagas.................................................................. 69 4.5.2 A crença nos encantados.................................................................................... 72 4.5.3 Os rituais como elementos culturais da identidade Borari: cantos, danças e orações.............................................................................................................. 73 4.6 ALDEIA NOVO LUGAR: PROCESSO DE FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL.............................................. 76 4.7 A TERRA INDÍGENA MARÓ E A ALDEIA NOVO LUGAR........................ 5 ATIVIDADES AGRÍCOLAS E EXTRATIVISTAS: USO, MANEJO E GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS.......................................................... 81 5. 1 CARACTERIZAÇÃO DO PADRÃO DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS PELOS BORARI............................................................................ 84 5. 2 FLORESTAS DE TERRA FIRME................................................................. 78 86 5. 2.1 A magia na coleta dos recursos naturais da floresta....................................... 92 5. 3 ROÇADOS........................................................................................................... 93 5. 3.1 A magia do mlantio nos roçados....................................................................... 99 5.3.2 Estocagem e processamento da mandioca....................................................... 100 5.4 QUINTAIS........................................................................................................... 102 5.4.1 A magia do mlantio nos quintais....................................................................... 108 5.5 PRINCIPAIS ESPÉCIES VEGETAIS UTILIZADAS E MANEJADAS PELOS BORARI: LEVANTAMENTO ETNOBOTÂNICO.............................. 108 6 LUTA PELA TERRA E PELO CONTROLE DOS RECURSOS NATURAIS: UMA SITUAÇÃO DE CONFLITO NA ALDEIA NOVO LUGAR – TERRA INDÍGENA MARÓ, GLEBA NOVA OLINDA-PA........... 123 6.1 OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DA TERRA INDÍGENA MARÓ E DOS RECURSOS NATURAIS NA REGIÃO DA GELEBA NOVA OLINDA: UMA BREVE CRONOLOGIA DOS CONFLITOS....................... 127 6.2 OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DE SEU TERRITÓRIO E A HISTÓRIA SOCIAL DOS CONFLITOS............................................................ 135 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 153 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 158 APÊNDICES....................................................................................................... 171 ANEXOS............................................................................................................. 178 17 1 INTRODUÇÃO As sociedades indígenas desenvolvem, ao longo dos séculos, as mais variadas formas de adaptação aos diversos ecossistemas existentes, sendo suas áreas geralmente as de cobertura florestal mais conservada, mesmo nos casos em que a devastação ambiental tenha se expandido ao seu redor (DIEGUES; ARRUDA, 2001). Essas formas de adaptação são resultados da união de saberes adquiridos acerca dos recursos naturais, mitos e crenças (POSEY, 1987a). Por desenvolverem um profundo e extenso conhecimento das características ambientais e possibilidades de manejo dos recursos naturais nos territórios que ocupam (DIEGUES; ARRUDA, 2001) e apresentarem uma racionalidade diferenciada (visão de mundo e cosmologia), em que cultura e natureza se inter-relacionam, os povos indígenas são importantes aliados na construção de uma gestão dos recursos naturais na qual, saberes tradicionais e científicos podem contribuir para a sustentabilidade ecológica e cultural (CASTRO, 2000; DIEGUES, 2000). Neste sentido, torna-se necessário um melhor entendimento da relação existente entre povos indígenas e natureza. Posey (1987a) afirma que estudos provenientes das etnociências orientam argumentações sobre os povos indígenas e suas terras, bem como, seus modos de vida e sua relação com o ambiente natural. Desse modo, os estudos etnobiológicos visam contribuir para esse entendimento (POSEY, 1987a), já que fornecem dados que enfatizam as práticas indígenas (ALBUQUERQUE; ANDRADE, 2002), oferecendo elementos que auxiliem na evidência das formas locais de uso, manejo e classificação dos recursos naturais por um dado grupo. Segundo Begossi (1993) e Amorozo (1996), a etnobotânica é um dos campos da etnobiologia que tem se destacado no entendimento dessa relação homem-natureza. Silva (2003) salienta que as informações sobre o padrão de uso das plantas podem ser úteis no desenvolvimento de estratégias de manejo dos recursos vegetais. No entanto, a falta de demarcação das terras indígenas (CARINI s/d), a expansão de grandes projetos de desenvolvimento para exploração econômica (KOHLHEPP, 2002, LITTLE, 2002), onde empresas de energia elétrica, mineradoras, pecuaristas, madeireiras e indústrias de papel e celulose pressionam os territórios indígenas (ALMEIDA, 2006), apresentam-se como elementos que podem comprometer esses saberes tradicionais (AMOROZO, 1996), uma vez que o território indígena abrange a noção de autodeterminação, de tradicionalidade, de um espaço de pertencimento e apropriação simbólica coletiva (O’DWYER 2010; ALCÂNTARA, 2000; OLIVEIRA, J. 1998; CARINI, s/d). 18 Na região do Alto Rio Maró, situa-se a Aldeia Novo Lugar, na Gleba Nova Olinda, município de Santarém. Em uma das últimas faixas contínuas de florestas do Estado do Pará, banhada pelas águas escuras do Rio Maró, vivem os Borari, indígenas que praticam a agricultura de corte e queima, cultivam suas roças de mandioca e fabricam a farinha, realizam a pesca e a caça tradicionais, coletam produtos da floresta (madeireiros e não-madeireiros) para a alimentação, construções de casas e outros, fabricação de utensílios e confecção de artesanatos, extraindo da floresta, ainda, os remédios para a cura de seus males, tanto do corpo como do espírito, o que caracteriza o modo de vida dos Borari. Este lugar de grande riqueza sócio-cultural é mais um, entre os muitos palcos por esse Brasil, que exibem a luta pela regularização fundiária de terras ocupadas por populações indígenas. Este estudo tem como pano de fundo reflexões sobre a luta pela terra e pelo controle dos recursos naturais nela existentes e pelo reconhecimento étnico indígena dos Borari versus o avanço de agentes econômicos externos com o objetivo de exploração madeireira em grande escala. A escolha desta temática está associada a minha própria formação pessoal, acadêmica e minha relação com o Movimento Indígena – MI da região do Baixo Rio Tapajós, do qual fui militante durante os anos de 2003 a 2006. Meu primeiro contato com os Borari de Novo lugar ocorreu em abril de 2003, através de uma viagem à Aldeia Novo Lugar, denominada de “Caravana da Solidariedade”. Nesta viagem, conheci a situação de conflito vivida pelos Borari e o movimento de resistência desse povo ao avanço das empresas madeireiras em seu território, o que me encheu de interesse e vontade de contribuir, através da pesquisa etnobotânica, para um melhor entendimento da relação destes indígenas com sua terra e recursos vegetais. A chegada de madeireiros integrantes da Cooperativa do Oeste do Estado Pará – COOEPA na região estudada, ocorrida no início da década de 2000, provocou inúmeros conflitos de ordem sócio-ambiental, acelerando o processo de organização dos Borari em prol da regularização fundiária da aldeia através do reconhecimento da Terra Indígena (TI) Maró 1. Tal reconhecimento se deu a partir da auto-identificação étnica indígena. Por autoidentificação entenda-se a consciência que tem o grupo social de sua identidade tribal, envolvendo a autonomia individual do reconhecimento de sua própria identidade cultural no grupo. Este critério é fundamental na identificação e reconhecimento dos grupos tribais que 1 O processo de regularização das terras indígenas é composto de etapas distintas: identificação, delimitação, demarcação, homologação e registro. O processo de regularização da Terra Indígena Maró encontrava-se até a defesa desta dissertaçã nas duas primeiras etapas. 19 fazem parte de um país2 (CAVALLO, 2006). O impacto negativo das operações da COOEPA na região da Gleba Nova Olinda, que, desde 2002, avançam para o território da Aldeia Novo Lugar, promovem conflitos não somente entre os Borari e os madeireiros, mas também entre estes indígenas e os moradores de comunidades não indígenas vizinhas, como a de Fé em Deus, que constitui, segundo os Borari, numa espécie de “base de apoio” para as ações dos cooperados, hostilizando os indígenas e desrespeitando acordos sobre os limites de seu território. A realização desta pesquisa no Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável – MAFDS surge como uma possibilidade de contextualizar a luta do Movimento Indígena na Região de Santarém, servindo de fonte de informação e documentação tanto para os movimentos sociais quanto para as instituições governamentais e não governamentais envolvidas na questão indígena na região amazônica, assim como para os próprios indígenas, no que tange o fortalecimento de suas lutas e organização política, econômica, cultural e social. A pesquisa evidencia a relação entre concepções antagônicas no contexto atual da Aldeia Novo Lugar, onde, de um lado, um grupo de indígenas luta pela garantia de um território há muito ocupado pelo seu povo, onde existe um padrão tradicional de uso e manejo da terra e dos recursos naturais nela existentes, e, de outro lado, um grupo de madeireiros que almeja a posse dessa mesma terra com o objetivo de explorar os recursos naturais com fins comerciais. Pouco se sabe ainda sobre os indígenas do Baixo Rio Tapajós, de sua história, como vivem e continuam mantendo suas identidades sócio-culturais em relação aos recursos naturais que utilizam, a despeito de muitas situações adversas. Daí a relevância deste estudo, que, ao privilegiar a investigação dessas questões no âmbito de um grupo – os Borari, marcado por mudanças, possibilitará uma visão sobre a realidade vivida por este povo em uma área que, devido à diversidade ecológica (fauna, recursos hídricos, flora com recursos madeireiros e não-madeireiros), desperta o interesse econômico de agentes externos e abriga relações de conflitos entre diferentes atores sociais. Além disso, espera-se, por meio deste estudo, contribuir para as discussões que vêm sendo travadas sobre a luta dos povos indígenas na Amazônia, assim como para uma melhor compreensão dos modos de vida desses indígenas. Pretende-se ainda, de alguma forma, 2 Direito legalizado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. O Brasil ratificou esta Convenção 169 da OIT em 2002, por meio do Decreto Legislativo n° 143, em vigor desde 2003. 20 contribuir para dar visibilidade e validação ao movimento de ressurgimento da identidade indígena e à luta pela terra, dos povos da região do Baixo Rio Tapajós, e para a proteção dos recursos naturais que estão sendo depredados por madeireiros que ora exploram os recursos florestais existentes nessa área. Pretende-se ainda, contribuir para o conhecimento sobre as formas de manejo e de gestão dos recursos naturais por indígenas, uma vez que estudos dessa natureza ainda são escassos, segundo Diegues e Arruda (2001) e Posey e Oliveira (1992). Ao pesquisar 3.000 títulos de trabalhos relacionados com o conhecimento tradicional, em várias regiões do Brasil, Diegues e Arruda (2001) observaram que, apesar do grande número de trabalhos realizados sobre indígenas, os mesmos apresentavam caráter incipiente e parcial quanto aos conhecimentos indígenas acerca da biodiversidade; há aproximadamente cem povos amazônicos sobre os quais não foram encontrados trabalhos com este tipo de informação ou enfoque. Considerando este cenário, o objetivo geral proposto nesta dissertação é analisar as formas de ocupação e defesa do território, através da auto-identificação, enfatizando o manejo e gestão dos recursos naturais pelos Borari de Novo Lugar. E os objetivos específicos são: a – caracterizar culturalmente a etnia Borari na Aldeia Novo Lugar e resgatar historicamente sua ocupação na região do Rio Maró; b – caracterizar as principais formas de manejo e gestão dos recursos naturais na Aldeia Novo Lugar, realizando levantamento etnobotânico das principais espécies vegetais utilizadas e manejadas pelos Borari; e c – levantar as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda, analisando como os Borari de Novo Lugar se organizam para garantir seus direitos. Neste sentido, três questões nortearam a realização desta pesquisa, são elas: a – Como ocorreu a ocupação e o processo de territorialização das terras do Rio Maró pelos Borari? b – Como os Borari da Aldeia de Novo Lugar realizam o manejo e a gestão dos recursos naturais em seus territórios? c – Qual o papel dos conflitos por recursos naturais e pela posse da terra existente entre os Borari e os madeireiros na região da Gleba Nova Olinda no processo de auto-identificação étnica indígena? As questões norteadoras desta dissertação apontam para a íntima relação dos Borari com os recursos naturais, sendo que, em decorrência do contexto de pressão fundiária e em função da ameaça concreta de serem expulsos das terras tradicionalmente ocupadas por seus antepassados indígenas, os Borari de Novo Lugar deram publicidade a sua identidade 21 indígena. Nossa hipótese é que a auto-identificação indígena para os Borari é uma estratégia, não somente de resgate de parte da cultura considerada perdida, mas prioritariamente, de defesa dos direitos constitucionais, como o direito à terra e a seus recursos naturais, bem como o direito de viver do modo como sempre viveram, já que a ocupação de seu território segue orientações cosmológicas e mitológicas que ordenam os espaços na aldeia e seus arredores, assim como a utilização dos recursos naturais daquela área de acordo com seus conhecimentos tradicionais e seus padrões de utilização, manejo e gestão dos recursos naturais. Os Borari buscaram através da legislação nacional e daquelas ratificadas pelo Brasil, assim como através dos órgãos competentes, a garantia destes direitos, revelando as razões pelas quais entendiam serem os donos daquela terra, pois pertencem ao povo Borari e aquelas terras foram primeiramente ocupadas por seus antepassados. Com base nas considerações apresentadas, esta dissertação está organizada em sete capítulos. O capítulo 1 versa sobre a introdução. O capítulo 2 expõe os fundamentos teóricos deste estudo, apresentando-se uma bibliografia pertinente às temáticas do objeto de estudo da dissertação, a saber: etnobotânica, manejo e gestão de recursos naturais por indígenas; a etnogênese dos movimentos indígenas, especialmente na Amazônia e os conflitos existentes em terras indígenas. O terceiro capítulo apresenta as características da região estudada, como a localização, os aspectos biofísicos e o acesso à aldeia. É neste capítulo também que são tratados os caminhos percorridos ao longo da pesquisa para a coleta e análise de dados, além da relação da autora com o Movimento Indígena – MI da região do Baixo Rio Tapajós. O capítulo quatro se propõe a contextualizar o universo Borari, evidenciando as condições de organização física, social e cultural das famílias e da aldeia. Desse modo, caracterizaram-se os aspectos gerais da aldeia (infra-estrutura e o acesso à educação e saúde) e das famílias (perfil sócio-econômico e organização política e religiosa dos Borari) e, por fim, a trajetória de ocupação das terras ao longo do Rio Maró por este grupo. O quinto capítulo versa sobre as formas de uso, manejo e gestão dos recursos naturais realizadas pelos Borari, discutindo-se alguns aspectos básicos do sistema produtivo indígena, assim como sobre as condições espaciais de sua reprodução, evidenciando as atividades agrícolas e extrativistas e os ambientes onde são realizadas, assim como, a época do ano, as pessoas envolvidas em cada uma dessas atividades e os recursos naturais utilizados, em especial aqueles de origem vegetal. 22 O sexto capítulo apresenta a discussão acerca das situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e a maneira como os Borari se organizam para garantir seus direitos, abordando a importância territorial da Aldeia e a luta dos Borari para garantirem o direito ao seu território e aos recursos naturais nele existentes. O capítulo sete versa sobre as considerações finais da dissertação. 23 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 A ETNOBOTÂNICA COMO UMA ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA O ESTUDO DO MANEJO E GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS As etnociências buscam compreender como o mundo é percebido por diversas culturas humanas (BEGOSSI, 1993), sendo um campo de diálogo (CAMPOS, 2006), preocupa-se em entender o papel da natureza, suas conceituações, saberes e práticas acerca de plantas, animais e ambientes nos diversos sistemas culturais (PIEVE et. al., 2009). As etnociências, como a Etnobiologia, a Etnoecologia e a Etnobotânica, têm contribuído de maneira central no fornecimento de dados que enfatizam as práticas indígenas como ecologicamente sustentáveis, colaborando com o desenvolvimento teórico sobre a importância destes povos na conservação da biodiversidade e das florestas (ALBUQUERQUE; ANDRADE, 2002; BERTHO, 2005). A etnobiologia e a etnoecologia (POSEY, 1987a; MARQUES, 2001) são responsáveis pela etnografia de saberes e práticas e têm por função estudar as relações entre o homem e o ambiente, oferecendo elementos que auxiliem na evidência das formas locais de classificação de plantas, animais e ambientes e na análise das percepções de fenômenos ecológicos e ambientais. Para Posey (1987a), a etnobiologia é a disciplina responsável pelo estudo das categorias, classificações e conceitos cognitivos utilizados pelos povos indígenas e tradicionais acerca da natureza: a etnobiologia é essencialmente o estudo do conhecimento e das conceituações é o estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes. Neste sentido, a etnobiologia relaciona-se com a ecologia humana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo (POSEY, 1987, p.15). Albuquerque (2005) entende a etnobiologia como uma união de competências que abarcam desde o cultural ao biológico. Dessa forma, a etnobiologia busca compreender a construção dos conceitos a partir da cosmologia do grupo estudado (PIEVE et. al., 2009), servindo como apoio científico que deve orientar políticas ecológicas e socialmente responsáveis, argumentações sobre as populações indígenas e de suas terras, bem como, seus modos de vida e sua relação com o ambiente (POSEY, 1987a). Um dos campos da etnobiologia que mais tem concentrado estudos é o da etnobotânica (BEGOSSI, 1993), cujo termo foi empregado pela primeira vez, em 1895, por Harshberger (AMOROZO, 1996), quando da realização de estudos sobre as plantas que os indígenas norte-americanos utilizavam para suprir as necessidades de alimentos, abrigo e 24 vestimentas (MING, 2006). De acordo com Haverroth (2007, p. 18) “A etnobotânica pode ser entendida da mesma forma como Posey define etnobiologia, apenas voltando-se ao domínio vegetal”. Já Amorozo (1996) define etnobotânica como o estudo do conhecimento e dos conceitos que qualquer sociedade desenvolve a respeito do mundo vegetal, e nestes estudos são analisados, tanto a maneira como o grupo social classifica as plantas, como os usos que se dá a elas. Por ser a etnobotânica de natureza interdisciplinar, ela permite agregar colaboradores de diferentes áreas de estudo e enfoques, tais como a social, cultural, da agricultura, da paisagem, da taxonomia popular, da conservação de recursos genéticos, da lingüística, entre outras (MING et al., 2002). Desta maneira, a etnobotânica congrega um mosaico de disciplinas: antropologia, botânica, ecologia, farmacologia, medicina, saúde pública, agronomia, dentre outras (HAVERROTH, 2010b). As investigações etnobotânicas trazem contribuições para a conservação da diversidade biológica e cultural de uma determinada região e para a compreensão de diferentes aspectos do comportamento humano, tais como: as estratégias de sobrevivência e adaptação ao meio ambiente; a classificação, o manejo e a conservação dos recursos naturais; a transmissão dos conhecimentos que alicerçam e estreitam as relações entre os membros do grupo ou comunidade estudada (AMOROZO, 1996; MING et al., 2002). Seguindo esse raciocínio, Albuquerque e Andrade (2002) observam que conhecer a forma como as populações locais se relacionam e utilizam os recursos naturais, pode servir de base para a construção de um saber científico melhor adaptado às condições locais. Pois os povos indígenas possuem informações acuradas sobre a diversidade biológica e as potencialidades dela resultantes para a captação de recursos naturais (POSEY, 1987b). Segundo Prance (1997), os estudos etnobotânicos revelaram uma grande diversidade das plantas descobertas pelos índios da Amazônia. De acordo com Fonseca-Kruel e Peixoto (2004), a pesquisa etnobotânica objetiva, entre outros, subsidiar trabalhos sobre o uso sustentável da biodiversidade através da valorização e do aproveitamento do conhecimento das sociedades tradicionais, partindo da definição dos sistemas de manejo e incentivando a geração de conhecimento científico e tecnológico voltados para o uso sustentável dos recursos naturais. Além do mais, os estudos etnobotânicos podem contribuir para que os conhecimentos tradicionais, seus informantes, suas comunidades e as espécies por eles utilizadas sejam mais bem compreendidos e valorizados (PATZLAFF; PEIXOTO, 2009; MING, 2006), haja vista que o processo de 25 ocupação territorial pelos agentes econômicos (construção de rodovias, barragens, hidrelétricas, turismo, especulação imobiliária, expansão agrícola, exploração madeireira) tem trazido ameaças concretas às populações indígenas e tradicionais (AMOROZO; GÉLY, 1988; MING, 2006). No Brasil e em vários outros países, a intensificação dos trabalhos etnobotânicos produz conhecimento sobre as espécies utilizadas, podendo servir como instrumento para delinear estratégias de utilização e conservação dessas espécies e seus potenciais (MING, 2006). Os primeiros resultados sobre o manejo de espécies por grupos tradicionais brasileiros foram obtidos através de estudos realizados no início da década de 1980 (DIEGUES; ARRUDA, 2001). Os trabalhos realizados por Kerr e Clement (1980), Anderson e Posey (1985), Posey (1987b), Ballé (1987), Amorozo e Gély (1988) são apenas alguns exemplos para a Amazônia brasileira. Dados obtidos por Balée em estudos com indígenas nos Estados do Maranhão e Pará, publicados em 1986 (“Análise preliminar de inventário florestal e etnobotânica ka’apor (Maranhão)” e em 1987 (“A etnobotânica quantitativa dos índios Tembé (Rio Gurupi, Pará)”), mostram que, após a realização de um inventário etnobotânico, em um lote de um hectare, em cada uma das áreas pesquisadas, das 123 espécies de árvores e cipós inventariadas, todas foram consideradas úteis pelos Ka’apor. O mesmo ocorrendo entre os Tembé, onde das 138 espécies arbóreas e 15 espécies de cipós levantadas, 100% são conhecidas e utilizadas pelos indígenas (Balée, 1986;1987). Entre os Ka’apor, foram reconhecidas sete categorias de uso para as plantas inventariadas: a) comida para o homem; b) comida para a caça; c) material de construção; d) material de tecnologia; e) remédio; f) combustível; e g) “outros usos” (desodorante, sabão, plantas ornamentais, etc.). Os Tembé, por sua vez, reconheceram 13 categorias de uso para as plantas da floresta, a saber: a) alimento humano; b) alimento para caça; c) madeiras para construções de casas e canoas; d) “Envira” (iwyr) – fibras vegetais utilizadas para amarrar objetos; e) ferramenta para caça e pesca; f) utensílio e outras ferramentas; g) remédio (pohang) para curar doenças físicas; h) mágica (pohang) plantas para fins não testáveis como assegurar o embelezamento das moças após o rito de iniciação; i) adornos; j) tinturas (mupinhaw); l) combustível (lenha); m) repelente contra pragas; e n) comércio. A partir da obtenção destes resultados, Balée demonstra que “qualquer conclusão quantitativa sobre a utilização de plantas num dado habitat depende de uma definição implícita ou explícita de “planta útil”. Neste sentido, este trabalho define planta útil em 26 termos da percepção dos recursos botânicos pelos próprios Tembé. Segundo Albuquerque (2005), esses resultados, assim como vários outros dessa natureza, revelam que as florestas possuem um grande número de espécies úteis, constituindo-se em um forte argumento para sua conservação. Os estudos de etnobotânica em geral incluem levantamentos de espécies e etnoespécies e têm contribuído para a elaboração de planos de manejo e conservação de ecossistemas (BEGOSSI, 1993). Tais informações levam-nos a concluir que o conhecimento das culturas locais fornece fortes elementos para a conservação dos recursos naturais, servindo como guia para novas investigações e estudos que visem à construção de um modelo de manejo sustentável (ALBUQUERQUE, 2005). Neste sentido, Posey (1990) propõe a inclusão das populações nativas como participantes intelectuais em todos os estágios de programas de reflorestamento visando aspectos produtivos ou a conservação das florestas. Para Albuquerque e Andrade (2002), investigações etnobotânicas podem contribuir para o reconhecimento e a preservação de plantas potencialmente importantes em seus respectivos ecossistemas. Pois documentar o conhecimento tradicional sobre métodos e técnicas de manejo, seleção, controle de pragas, cultivo e uso dos recursos naturais pode contribuir para o manejo racional dos recursos naturais (ALBUQUERQUE 2005; MING, 2006), bem como, para a promoção de programas para o desenvolvimento e preservação dos recursos naturais dos ecossistemas tropicais e para o descobrimento de importantes cultivares manipulados tradicionalmente e por nossa ciência desconhecidos. As populações tradicionais têm demonstrado possuir um amplo conhecimento sobre os recursos naturais, indicando, além de usos potenciais para as espécies, novos modelos para seu uso e manejo (LEÃO et al., 2007). Neste sentido, Ming (2006) afirma que “a longa experiência dessas populações no contato com a floresta gerou um acúmulo de importantes informações que devem ser sistematizadas”. Desta forma, é inegável a contribuição que a etnobotânica pode oferecer para a conservação da biodiversidade na Amazônia. No entanto, esses conhecimentos podem estar ameaçados (AMOROZO, 2007). Segundo Ming (2006), a expansão agrícola e a especulação imobiliária são processos de ocupação territorial feitos pelo homem e que têm levado à destruição da vegetação original e a alterações nos hábitos e costumes das populações nativas. A etnobotânica pode contribuir para que esses conhecimentos, a população e as vegetações locais sejam mais bem compreendidos e conservados. 27 2.2 MANEJO E GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS POR POPULAÇÕES INDÍGENAS NA AMAZÔNIA O manejo e gestão dos recursos naturais por populações indígenas baseiam-se numa filosofia ambiental distinta da vigente em sociedades ocidentais (ALCÂNTARA, 2000; CASTRO, 2000; DIEGUES, 2000). Baseando-se num conhecimento onde as práticas são integradas às crenças, o manejo e a gestão dos recursos naturais envolvem constantemente diferentes níveis de abstração, tais como a noção de espírito e seres mitológicos (POSEY, 1992). Este manejo visa à manutenção de comunidades altamente diversificadas de plantas e animais para servir às necessidades múltiplas das gerações (POSEY, 1987b). Pois segundo Posey, os indígenas: [...] identificam plantas específicas e animais como se existissem dentro de uma específica zona ecológica. Eles possuem um conhecimento bem desenvolvido do comportamento animal e também sabem quais plantas se associam com quais animais. Tipos de plantas, em contrapartida, são associadas com tipos de solos. Cada zona ecológica representa um sistema de interações entre plantas, animais, solos e – naturalmente – as próprias pessoas (POSEY, 1987b, 181). Diegues (1999) afirma que estudos como os de Balée (1988 e 1992) e Gomez-Pompa (1971 e 1972), dentre outros, mostram que a manutenção e o aumento da diversidade biológica nas florestas tropicais estão relacionados intimamente com as práticas tradicionais de agriculturas de povos primitivos. Pois o abandono das áreas de produção após algum tempo de uso possibilita a regeneração da floresta, já que “Mediante o manejo adequado das espécies vegetais e do solo, os ecossistemas são manipulados em sistemas de rotatividade garantindo o restabelecimento dos mesmos após um período de uso” (ALBUQUERQUE, 2005, 50). O manejo agroflorestal indígena, não só propicia o aumento da biodiversidade (POSEY, 1987b), mas também a itinerância nos espaços territoriais (LEONEL, 2000). Segundo Peroni e Martins (2000), a agricultura itinerante, de origem indígena, estabelece paisagens em mosaico que permitem a manutenção dos processos ecológicos e a exploração de diversos produtos, pois mesclam-se áreas de vegetação natural madura e diferentes estágios de sucessão ecológica. Estas técnicas e práticas de manejo utilizadas pelos indígenas podem ser consideradas ecologicamente sustentáveis, quando respeitam a complexidade dos ecossistemas (ALBUQUERQUE, 2005). A Amazônia é apontada como lugar de origem de importantes inovações tecnológicas, como o manejo agroflorestal e a utilização de cerâmica própria de populações indígenas (ROOSEVELT, 1992). Poucos povos transformaram uma planta tão venenosa como a 28 mandioca em alimento (LÉVI-STRAUSS, 1997). Espécies e variedades de plantas domesticadas e semi-domesticadas pelos índios, na Amazônia, são hoje cultivadas por populações tradicionais em suas roças e quintais. Essas espécies fazem parte da biodiversidade da região e sua conservação depende, em parte, da compreensão, conservação e aprimoramento dos sistemas tradicionais de produção (BRITO e COELHO, 2000). No entanto, Posey e Oliveira (1992) afirmam que, apesar dos trabalhos realizados, muito pouco se tem avançado na compreensão do conhecimento tradicional sobre os agroecossistemas e muitas informações valiosas contidas na sabedoria destes povos já foi perdida, devido ao avanço das frentes desenvolvimentistas sobre os territórios e a cultura dos povos tradicionais. Em seu artigo “Etnobiologia e etnodesenvolvimento: importância da experiência dos povos tradicionais” Posey, (1992) enfatiza a importância do conhecimento tradicional na “descoberta” das riquezas econômica, cultural e ecológica da Amazônia. Dessa maneira, o autor destaca que os índios, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, etc. possuem uma vasta experiência na utilização e conservação da diversidade biológica e ecológica e que, por outro lado, os agentes econômicos cujos interesses são somente o lucro, degradam os recursos naturais. Para Ballé (1993), os indígenas da Amazônia liberam, com as queimadas de suas roças, bem menos CO2 que as sociedades estatais modernas, que são responsáveis pelos grandes desmatamentos, pela eutrofização dos estuários e morte das florestas. É neste sentido que Posey enfatiza que os povos tradicionais podem ensinar-nos a valorizar as reservas vivas da Amazônia – mas somente se as suas culturas sobreviverem poderemos aprender a dar-lhes igual “status” no futuro. As práticas envolvidas nos sistemas de produção indígenas, segundo Miller e Nair (2006), são: a) as árvores florestais úteis são poupadas na abertura de roças; b) plântulas de espécies florestais úteis são poupadas quando regeneram nas roças; c) árvores frutíferas crescendo em capoeiras são poupadas na ocasião da derrubada para abrir novas roças; d) sementes de frutíferas são plantadas entre os cultivos da roça; e) mudas que se estabelecem a partir de sementes dispersas ao acaso nas proximidades das moradias são poupadas; f) mudas de frutíferas provenientes dos quintais das casas são transplantadas para as roças e sementes de frutíferas são plantadas ao longo de caminhos, em roças velhas ou em clareiras na floresta. 29 As capoeiras, segundo Ribeiro (1990), são bancos de germoplasma3, de mudas e de sementes, pomares, “fazendas de caça”, roça de mandioca e reserva para a floresta alta. No descanso da capoeira, acrescenta a autora, “o crescimento das plantas invasoras é permitido para propiciar novas queimadas, uma vez que as cinzas fertilizam a terra e o fogo afasta as pragas, quando ateado a pequenas glebas” e o trabalho coletivo do indígena resulta em maior controle do fogo. O manejo indígena é também um exemplo da superioridade da policultura, uma vez que a diversidade protege espécies contra intempéries e pragas, pela altura diferenciada das espécies que cria refúgios para espécies vegetais e animais (RIBEIRO, 1990). Estudos provenientes das áreas da etnoecologia e etnobotânica com povos indígenas amazônicos mostram que os índios utilizam tecnologias simples e baratas, no lugar de implementos caros, e, em vez de eliminarem a heterogeneidade do meio, na realidade, a incrementam. Um dos pioneiros em estudos etnobiológicos com indígenas, na Amazônia, foi Darrel Posey pesquisando os índios Kayapó, no Estado do Pará (POSEY, 1987b). Esse autor, estudando principalmente os Sistemas Indígenas de Produção, procurou enfatizar a relevância do conhecimento indígena para o estabelecimento de sistemas de produção agrícolas mais sustentáveis. O manejo dos roçados pelos Kayapó, por exemplo, não se limita à queima, mas diz respeito também à utilização de adubos compostos adicionados de formigas e cupins; as primeiras são utilizadas para proteger os cultivos contra as saúvas e outros insetos; enquanto os cupins aumentam a ventilação e a reciclagem de nutrientes do solo. Os Kayapó controlam as pragas e a fertilidade do solo manejando adequadamente o ambiente. Neste sentido, podemos citar ainda os estudos sobre os Kayapó da aldeia de Gorotire, no Estado do Pará, realizados por Kerr e Posey (1984), nos quais afirmam que vários métodos desenvolvidos recentemente pela ciência já eram usados pelos kayapó, como por exemplo: a técnica que alguns agricultores utilizam para maior produtividade da batata-doce (deixar os bulbos em buracos, que são cobertos com terra, e em cima dos quais é acesa uma fogueira) equivale à utilizada em muitos laboratórios (deixar os bulbos a 48° C por 1 hora) para eliminar os vírus da batata-doce (KERR; POSEY, 1984, p. 400). Anderson e Posey (1985 e 1990) inventariaram, na Aldeia de Gorotire, 120 espécies vegetais, onde mais de 98% foram consideradas úteis pelos kayapó. As principais categorias de usos destas plantas foram: remédios, atrativos de caça, alimento humano, lenha, fertilizante, sombreamento, dentre outras. Os autores observaram, além da riqueza de espécies 3 Banco de germoplasma é um conjunto de plantas ou animais cujas células sexuais estão disponíveis para programas de melhoramento ou para reserva para futuras plantações (Kerr; Posey, 1984). 30 domesticadas e semi-domesticadas, a distribuição das espécies vegetais manejadas pelos Kayapó em diferentes áreas: floresta de terra firme, capoeira, cerrado, “campos na floresta”, ilhas de “apêtê”, margens de trilhas e quintais. Essa distribuição e cultivo das espécies em diferentes espaços, o ciclo de derrubada e queima e pousio das áreas são métodos de manejo que levaram à formação da “terra preta de índio” (TPI)4. Ainda nestes estudos, os referidos autores observam que é possível cultivar a terra sem comprometer o ecossistema, explorando recursos e técnicas de trabalho que respeitem as características fundamentais das áreas utilizadas e favoreçam sua diversidade típica. “Os caiapós, em suas atividades agrícolas, parecem imitar a natureza” (ANDERSON; POSEY, 1990, 201). Posey e Oliveira (1992) observaram que a agricultura dos Kayapó começa com uma clareira aberta na mata, na qual são introduzidas espécies úteis e acaba numa floresta de recursos concentrados. O ciclo se repete quando velhas capoeiras, tornadas florestas secundárias, crescem a ponto de serem novamente desmatadas. A manipulação cuidadosa da erosão, drenagem, sombra, umidade e temperatura é fator crucial para o êxito dos cultivos kayapó. “Corredores naturais” mantidos entre as roças servem como reservas biológicas que preservam a diversidade das espécies, ao mesmo tempo em que facilitam o restabelecimento de plantas e animais durante a regeneração da capoeira (POSEY; OLIVEIRA, 1992). Milliken et al. (1992) realizaram um estudo etnobotânico com os Waimiri-Atroari, onde a importância da floresta para este grupo foi examinada. Os autores obtiveram valiosos resultados sobre a utilização de 214 espécies de árvores e cipós encontrados em um hectare de floresta de terra firme. Além dos dados sobre o uso, foram registradas, ainda, informações referentes à distribuição e ecologia das espécies. Athayde (2000) desenvolveu um estudo na região norte do Parque Indígena do Xingu, no Estado do Mato Grosso, junto ao povo Kaiabi (Tupi-guarani). A pesquisadora realizou um levantamento dos principais recursos naturais (minerais, vegetais e animais) utilizados na cultura material dos Kaiabi, abordando os aspectos relativos ao seu uso, manejo e conservação. Athayde registrou a forma como os Kaiabi manejam os recursos vegetais utilizados para a confecção de seus artesanatos, onde destacou o sistema de extração e manejo do inajá (Maximiliana maripa (Mart.) Drude). 4 “Terra preta de índio” (TPI) são solos antrópicos associados a assentamentos indígenas (Junqueira, 2008) cujo resultado é a formação de solo fértil (POSEY, 1987b). 31 Segundo Athayde, o inajá é beneficiado pelo sistema de manejo da paisagem desenvolvido pelos Kaiabi, já que cresce em áreas de terra preta, após a queima para o estabelecimento de roças. Nas roças abandonadas, formam-se populações densas de inajá, constituindo os inajazais. Para a autora, o tipo de manejo efetuado pelos povos indígenas caracteriza uma manipulação do ambiente natural, resultando em alterações fisionômicas, estruturais e ecológicas da cobertura vegetal na Amazônia. Pezutti e Chaves (2009), ao estudarem os índios Deni, no Sudeste do Amazonas, caracterizaram suas principais atividades, dentre as quais podemos citar: a pesca, a caça e agricultura. No que diz respeito à pesca, os Deni utilizavam diversos apetrechos e técnicas como anzóis, arco e flecha, veneno de pesca (veneno vegetal Vekama), vespas ou zagaias. A caça é realizada nas trilhas de matas e barreiros, com cães e esperas com armas de fogo para animais de grande porte. A captura de tatus e jabutis era realizada manualmente. A agricultura é realizada no sistema de corte e queima e, na área, são, em seguida, realizadas divisões circulares. As roças a partir de 4 anos são rebatidas, queimadas e replantadas. Os Deni ainda realizam coletas, nas florestas, de produtos de uso alimentícios, medicinais e para fabricação de utensílios. De acordo com os autores acima, as diferentes práticas de manejo desenvolvidas por estes indígenas são estratégias tradicionalmente utilizadas pelo grupo para garantir a sua reprodução ao longo do tempo, o que aparentemente tem dado certo até o momento. O acúmulo de informações sobre a gestão e manejo de recursos naturais por populações indígenas pode oferecer aos pesquisadores modelos de uso sustentável desses mesmos recursos (DIEGUES, 2000), pois essas populações usam e conservam seus recursos de acordo com os ecossistemas em que estão inseridos, possibilitando a manutenção desse meio para a presente e futuras gerações (PEZUTTI; CHAVES, 2009). Para Diegues (1999), o conhecimento dos indígenas a respeito do mundo natural é interligado ao mundo sobrenatural e à organização social do grupo, existindo um continuum entre eles. É neste sentido que Almeida (2006) destaca que a interação roça-modo de vida vai além da relação ecológica e econômica, esta interação envolve um padrão cultural que compreende um repertório de práticas específicas. Conforme Anderson e Posey (1990), a atividade agrícola praticada pelos indígenas não acarreta exaustão do meio ambiente. Para esses autores, os povos indígenas utilizam os ecossistemas das florestas e seus recursos naturais sem provocar degradação ambiental. Pois, os recursos naturais estão intimamente ligados aos conhecimentos e tecnologias de um grupo 32 social determinado (LITTLE, 2001). Posey (1987b) considera que o conhecimento especializado dos indígenas é fundamental para o uso, manejo e a gestão sustentável dos recursos florestais. A pesquisa realizada por Anderson e Posey (1990), com os Kayapó, demonstra que estes indígenas interferem na natureza e na composição dos espaços ao redor de sua aldeia. Esta afirmação de Anderson e Posey (1990) só vem corroborar a constatação de Ballé (1989), quando diz ser a natureza (floresta) fruto da interferência humana. Para este autor, além da combinação, ou não, dos fatores, como a estrutura e idade geológica do substrato, a composição e estrutura do solo e da água aproveitável e as condições de drenagem e distribuição da chuva, também os fatores culturais foram significativos na formação dos diversos tipos de florestas na Amazônia brasileira. Pois, “espécies geralmente cultivadas na Amazônica Brasileira, quando encontradas fora do seu lugar habitual, (ex.: roça) tem sido usada como indicadores de habitação humana no passado” (BALÉE, 1989, p.96). Sendo assim, muitas florestas amazônicas que são tidas como supostamente naturais, na verdade, são produtos de interferência e manipulação humana (POSEY, 1992; BALÉE, 1989), em tempos remotos (BALÉE, 1989). Neste sentido, Anderson e Posey (1990, p. 209) concluem que: “Muitos ecossistemas considerados até hoje como “naturais” podem, na verdade, ter sido profundamente modelados pelas populações indígenas, formando o que Balée chama de matas “culturais” na Amazônia brasileira (Balée, 1989, destaque do autor). 2.3 ETNOGÊNESE E EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO INDÍGENA NA AMAZÔNIA De acordo com a literatura antropológica atual, o movimento de ressurgimento da identidade étnica indígena na Amazônia constitui um fenômeno denominado de emergência étnica ou etnogênese5 (BARTOLOMÉ, 2006). Este movimento de ressurgimento de identidades étnicas indígenas que está se delineando na Amazônia (IORES, 2005) iniciou-se, no Brasil, nos anos 80, por índios da região Nordeste do país e tem como objetivo a afirmação da identidade indígena e a recuperação dos direitos originários e territoriais perdidos no período colonial e republicano (OLIVEIRA J., 1998). O ressurgimento de populações indígenas no Nordeste brasileiro, que anteriormente 5 Segundo Bartolomé (2006) “o termo etnogênese tem sido usado para designar diferentes processos sociais protagonizados pelos grupos étnicos”. Ainda, segundo o autor, o ressurgimento de grupos étnicos que outrora eram considerados extintos, totalmente miscigenados ou aculturados, mas que reaparecem no cenário social reivindicando seu reconhecimento, seus direitos e recursos, também é qualificado de etnogênese. Para Oliveira J. (1998) o processo de etnogênese abrange tanta a emergência de novas identidades como a reinvenção de etnias já reconhecidas. 33 eram tidas como extintas, totalmente miscigenadas e aculturadas (SARAIVA, 2007; ARRUTI, 1997), proporcionou uma mudança de abordagem no que diz respeito aos povos indígenas a partir dos anos 1990 – anteriormente estudava-se o desaparecimento dos índios e atualmente aborda-se o ressurgimento de etnias (ARRUTI, 1997). Vaz Filho (2009) atribui o “reaparecimento” desses povos à atual conjuntura políticosocial, isto é, ao surgimento do movimento indígena no Brasil como organização política, a partir dos anos 1970, e a presença constante de líderes indígenas na mídia, como o cacique Mário Juruna (deputado federal entre 1983 e 1987). Esse “reaparecimento” foi ainda possibilitado e enfatizado por mudanças históricas recentes, especialmente quanto aos novos direitos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 (DOURADO, 2010; VAZ FILHO, 2009; VIVEIROS DE CASTRO, 2006; SANTILLI, 2005), o que teve impacto positivo sobre os povos indígenas, pois significou a superação jurídica da tutela do Estado sobre os mesmos, e o reconhecimento dos seus direitos à diversidade cultural e étnica (DOURADO, 2010). A partir de então, cresceu vertiginosamente o número de associações indígenas em todo o país (DOURADO, 2010; VAZ FILHO, 2009). De acordo com Dourado (2010), na década de 1980, as organizações da sociedade civil que apoiavam a causa indígena se proliferaram e, a partir dos anos de 1990, os próprios indígenas passaram a organizar suas entidades de representação política. Vaz Filho (2004) afirma que, na região do Baixo Rio Tapajós, os indígenas tiveram forte influência da Igreja Católica. Os sacerdotes e religiosos, influenciados pela Teologia da Libertação, visitavam as comunidades do rio Tapajós estimulando os moradores a reavivar as suas tradições culturais, que haviam sido perseguidas e até proibidas pela própria Igreja, até meados do século XX. Após este incentivo, muitas comunidades voltaram a fazer abertamente suas festas e cantorias. Dentro da Igreja, surgiu no fim dos anos 1980, o Grupo de Reflexão dos Religiosos Negros e Indígenas (GRENI), que incentivava a valorização destas culturas e identidades. Desse processo, surgiu em 1997, em Santarém, o Grupo Consciência Indígena (GCI), reunindo religiosos e leigos católicos que se identificavam como indígenas e promoviam a valorização dessa identidade cultural (VAZ FILHO, 2009, p. 04). A exemplo das populações indígenas do Nordeste, na Amazônia, etnias que eram tidas como extintas iniciaram um processo de revitalização cultural, passando a se reconhecer como detentoras de uma identidade étnica diferenciada. Saraiva (2007), ao tratar do surgimento de novas identidades indígenas na Amazônia, afirma que: Enquanto no nordeste acreditava-se que não existia mais índios, na Amazônia tem perdurado uma representação de índio congelada no tempo relacionada à idéia de que os índios mantêm uma cultura semelhante as dos índios da época da conquista. Neste sentido, o (re) aparecimento de índios que não falam mais a língua materna, não moram em aldeias, ou seja, que não se encaixam na representação do exótico causou perplexidade (SARAIVA, 2007, p. 49). 34 Neste sentido, Viveiros de Castro (2006, p. 45) argumenta que “[...] índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha, algo de aparente e evidente nesse sentido estereotificante, mas sim uma questão de “estado de espírito”. Um modo de ser e não um modo de aparecer”. É fato que novos povos indígenas estão surgindo, tanto na Amazônia, quanto no Nordeste ou no Sudeste do País (ALMEIDA, 2008). Veja-se o exemplo do Ceará que, vinte anos atrás, oficialmente, não registrava índios e, hoje, possui mais de dez povos indígenas (ALMEIDA, 2008). Vaz Filho (2009, p. 03) afirma que a emergência étnica ou etnogênese que ocorre em todo o Brasil, na América Latina e no mundo, não é estranha à região amazônica e cita vários exemplos: “nos anos 1980 – os Mura e os Kambeba; nos anos 1990 – os povos que vivem no rio Negro à jusante de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas e os Nawa no Acre; na primeira década do século XXI, os Kontanawa, no Acre e os Maraguá, no Amazonas”. Há também o caso dos índios Arara, em Rondônia, relatado por Oliveira J. (1998). Outro exemplo da emergência étnica indígena na Amazônia foi estudado por Santos e Rubim (2010) e protagonizado pelos indígenas do Rio Cuieiras, Aldeia Kuanã do povo Carapãna, no Estado do Amazonas. Neste caso, os indígenas, devido à conflitos com os não indígenas, buscaram na memória os conhecimentos para reafirmar a identidade indígena (SANTOS; RUBIM, 2010). Peres (2010) registra que, no Alto e Médio Rio Negro, o movimento de emergência étnica indígena surgiu no contexto de lutas pela demarcação de terras indígenas, enquanto que, no Baixo Rio Negro, este movimento emergiu no seio de demandas por melhores condições de inserção da comercialização da produção artesanal e valorização de bens culturais no mercado, assim como na melhoria de acesso aos serviços de atendimento à saúde e educação. O estímulo a um sentimento de pertencimento coletivo, a partir da afirmação pública da origem étnica diferenciada, era latente neste processo, segundo afirma Peres (2010). No Médio Rio Xingu, Saraiva (2007) documentou o movimento de reconstrução da identidade Juruna. A partir dos 1990 esses indígenas iniciaram sua luta em busca do reconhecimento étnico e da existência do grupo, baseando-se no passado de massacre e violência, para legitimarem-se como indígenas no presente, para tanto, “lançam mão dos elementos considerados como legítimos acerca do “ser indígena” perante a sociedade envolvente, como: a dança, a pintura corporal e o nome de índio, com o intuito de externar a 35 identidade indígena” (SARAIVA, 2007, p. 56). Os registros sobre os povos indígenas do Baixo Tapajós mostram a existência de uma população numerosa e etnicamente diversificada no início da colonização, enquanto que no início do século XIX, evidencia-se um quadro bastante reduzido dos contingentes populacionais Tupinambás, Tapajós e Iruri (MENÉNDEZ, 1992). Várias etnias que se localizavam ao longo dos rios foram capturadas e passaram ao domínio das Missões dos Jesuítas e, posteriormente, ao domínio do Diretório do Índio, resultando na redução das populações e destruição de suas formas de organização social (VAZ FILHO, 1997). Outra área da Amazônia onde o fenômeno da emergência étnica indígena tem se expressado é o Baixo Rio Tapajós, o reconhecimento da identidade indígena nesta região emerge como fenômeno social em 1998, liderado pela Comunidade de Takuara, do povo Munduruku, situada à margem direita do Rio Tapajós, pertencente à Floresta Nacional do Tapajós (SANTOS, 2005; IORES, 2005; VAZ FILHO, 2004, 2008, 2009). O movimento de auto-identificação dos índios do Baixo Rio Tapajós atravessou o rio em direção às comunidades da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (IORES, 2005), e chegou até as comunidades do Rio Maró, afluente do Rio Arapiuns. Hoje, os povos indígenas do Baixo Tapajós integram o movimento indígena regional e nacional (SANTOS, 2005). Expressando-se como um dos exemplos de luta pela terra e reconhecimento étnico de forma organizada, dinâmica e criativa (HECK et al., 2005). Nos meados da década de 1990, muitas comunidades anteriormente designadas como caboclas6 têm se assumido como indígenas na região do Baixo Rio Tapajós (SANTOS, 2005; IORES, 2005; VAZ FILHO, 2010), reivindicando a pertença àqueles povos tidos como extintos ou a outros cujos etnônimos eram desconhecidos pela literatura. Para Viveiros de Castro (2006), os povos indígenas mantinham suas identidades submersas por muitas razões: porque tinham sido ensinadas a não dizer mais que eram indígenas, ou ensinadas a dizer que não eram mais indígenas; porque tinham sido colocadas em um liquidificador político-religioso, um moedor cultural que misturara etnias, línguas, povos, regiões e religiões, para produzir uma massa homogênea capaz de servir de “população”, isto é, de sujeitos (no sentido de súdito) do Estado (VIVEIROS DE CASTRO, 2006, p.47). 6 Na Amazônia brasileira, o termo caboclo (destaque do autor) é usado por estudiosos e pela população em geral, para categorizar os grupos sociais que habitam as comunidades rurais ribeirinhas. Descendentes dos indígenas tribais, que foram levados para as missões e povoados, catequizados, “amansados” e transformados em “tapuios” (índios destribalizados) e miscigenados, os caboclos teriam perdido as referências aos povos distintos que lhes originaram e a independência que eles tinham em relação à sociedade dominante. São vistos como integrados, social e economicamente, ao sistema dominante. O termo carrega um forte sentido pejorativo: classe baixa, rural, preguiçoso, rude e inculto (VAZ FILHO, 1996). 36 Vaz Filho (2009) realiza uma cronologia da etnogênese dos 40 povoados que, desde 1998, passaram a se identificar como indígenas na região do Baixo Rio Tapajós, Rio Arapiuns e Rio Curuá-Una, nos municípios de Aveiro, Belterra e Santarém, oeste do Estado do Pará. Vaz Filho, em sua cronologia, contabiliza doze povos nesta região, a saber: Munduruku, Apiaká, Borari, Maytapu, Cara Preta, Tupinambá, Cumaruara, Arapium, Jaraqui, Tapajó, Tupaiu e Arara Vermelha. Calculando-se aproximadamente sete (7) mil indígenas pertencentes a esses povos (VAZ FILHO, 2010). Segundo Heck et al. (2005), apesar da perseguição implacável, da escravidão, das guerras, das doenças criminosamente introduzidas e da imposição de um sistema que se orienta por parâmetros completamente diversos dos praticados pelos povos indígenas, eles não foram vencidos. Uma grande faixa carregada pelos índios da Amazônia na Marcha e Conferência Indígena 2000 chamava a atenção da sociedade para esse fato: “Reduzidos sim, vencidos nunca”. A resistência indígena assumiu diversas formas e estratégias, que iam desde o confronto direto ou da guerra aberta até uma aceitação tácita da dominação, quando o contexto assim o exigia. Alianças interétnicas e com os setores marginalizados da sociedade brasileira, como ocorreu na Amazônia na primeira metade do século XIX, na Cabanagem, foram construídas para combater o poder opressor (HECK et al., 2005). Para Dourado (2010), a situação atual dos indígenas no Brasil resulta de um processo de lutas históricas pelos seus direitos. Os povos indígenas conseguiram que a Constituição Federal de 1988 assegurasse seus direitos históricos à terra e o reconhecimento de suas organizações sociais. O direito à organização social, costumes, crenças, línguas e tradições foram reconhecidos pela Constituinte (DOURADO, 2010). Desse modo, os indígenas constituíram variadas formas de articulação e organização para fazer avançar concretamente as conquistas legais (HECK et al., 2005). A partir de tais eventos, a luta dos povos indígenas foi conquistando espaços na sociedade nacional. Povos que mantinham a sua identidade oculta sentiram-se encorajados a assumi-la publicamente e as estatísticas também começaram a registrar uma numerosa população indígena nos centros urbanos (HECK et al., 2005). Quilombolas, extrativistas, indígenas, entre outros, passaram a se organizar em prol da regularização de seus territórios, “crescentemente cobiçados pelo avanço de madeireiros, do agronegócio e de diferentes empreendimentos capitalistas”, afirma Vaz Filho (2010a). 37 2.4 SOB CONFLITOS: LUTAS PELA TERRA E RECURSOS NATURAIS ENTRE INDÍGENAS E OUTROS ATORES NA AMAZÔNIA A partir de 1966, a Amazônia passa a ser área de expansão de grandes projetos de desenvolvimento para exploração econômica (KOHLHEPP, 2002, LITTLE, 2002) e as populações que tradicionalmente ocupam a região, tais como os indígenas, ribeirinhos, extrativistas e quilombolas, entre outros, passam a ser ameaçadas ou expulsas de suas terras, por conta da construção de novas estradas e rodovias e pelo processo de ocupação da Amazônia, este último tendo como objetivo principal a busca pela terra (LEROY, 2010; O’DWYER, 2010; PICOLI, 2006; HECK et al., 2005; LITTLE, 2002). Segundo Oliveira (2005), esse processo de desenvolvimento econômico ameaça a sobrevivência das populações indígenas, cercando suas terras e transformando-as em “ilhas” [destaque da autora] rodeadas de empreendimentos. Almeida (2006) também compartilha da afirmação de que os territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas e comunidades tradicionais estão constantemente sendo pressionados por grupos econômicos como: empresas mineradoras, de energia elétrica, madeireiras, pecuaristas e indústrias de papel e celulose. As culturas indígenas orientam a ocupação territorial a partir da relação mitológica e de aspectos culturais que ordenam os espaços nas aldeias e seus arredores, diferentemente da ocupação econômica da sociedade nacional (OLIVEIRA, 2005; ALCÂNTARA, 2000). Desse modo, Almeida (2009) analisa que os povos indígenas, quilombolas e todas as comunidades tradicionais são vistos como sujeitos biologizados, ou seja, como “mera extensão dos recursos naturais, sem consciência e sem direitos”. Neste contexto, a usurpação das terras indígenas é justificada por serem estas classificadas como primitivas ou como de economia natural (ALMEIDA, 2009). No intuito de entender a relação particular que um grupo social mantém com seu respectivo território, Little (2001) utiliza o conceito de cosmografia, definido “como os saberes ambientais, ideologias e identidades - coletivamente criados e historicamente situados - que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território”. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico, a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele (LITTLE, 2002); neste sentido, a cosmografia representa uma peça fundamental na definição e exploração dos recursos naturais. 38 Para O’Dwyer (2010), o território indígena deve ser definido como a materialização de fronteiras dadas a partir de relações sociais e pertencimento étnico. Pois, o território é uma parte essencial da cultura indígena (ALCÂNTARA, 2000) e a territorialidade, como definida por Little (2002), é o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu “território”. Portanto, privar os povos indígenas de seus territórios significa lhes impor uma desarticulação dos seus modos de vida, na sua dimensão cultural, social, religiosa, moral, econômica e ecológica (ALCÂNTARA, 2000). A especulação pela terra, na Amazônia, para fins econômico-políticos gerou problemas e conflitos violentos envolvendo militares, jagunços, pistoleiros, grileiros, latifundiários, empresários, colonos, posseiros e indígenas (KOHLHEPP, 2002; PICOLI, 2006). Na região amazônica, são cada vez maiores as denúncias de expulsão de povos nativos e comunidades camponesas de suas terras (LEROY, 2010). Em alguns casos, opta-se pela expulsão dos povos indígenas e demais populações tradicionais, pois não se deve necessariamente chegar à extinção de um grupo, não há necessidade de genocídio físico, o etnocídio e a neutralização da população local são suficientes para excluí-la de sua cidadania, apenas deixando espaço suficiente para os povos e populações locais, que são funcionais ao capital (LEROY, 2010). A disputa entre diferentes atores sociais por terra e pelo controle dos recursos naturais é caracterizada como um conflito de caráter sócio-ambiental (OLIVEIRA; BURSZTYN, 2005). Little (2001) define os conflitos sócio-ambientais como formas de conflitos sociais entre interesses individuais e coletivos que envolvem a relação natureza-grupos sociais: “Podemos definir os conflitos socioambientais como disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles mantêm com o seu meio natural” (LITTLE, 2001). Little (2001) faz, ainda, uma tipologia dos conflitos sócio-ambientais, classificando-os em três tipos: “(1) os conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais; (2) os conflitos em torno dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural; e (3) os conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais”. O autor deixa claro que essa tipologia não é rígida e que deve ser usada com flexibilidade, pois existe um conjunto de atores sociais envolvidos em cada um dos três tipos de conflito e que os mesmos têm suas características próprias como forma de adaptação, de ideologia e modo de vida, que entram em choque com as formas dos outros grupos; é neste sentido que, para Little, se dá a dimensão social do conflito sócio-ambiental. 39 O mesmo autor aborda, ainda, os conflitos em torno do controle dos recursos naturais como uma questão relacionada à posse da terra: “geralmente, os conflitos relacionados aos recursos naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os grupos humanos que reivindicam essas terras como seu território de moradia e vivência”. Além dos elementos já relacionados, quando analisa os conflitos pela terra, Little (2001, p. 109) aborda três dimensões: a) Dimensão política – expressa por meio das disputas sobre a distribuição dos recursos naturais, uma vez que a distribuição geográfica do recurso entra nos processos políticos de decisão sobre sua distribuição social; b) Dimensão jurídica – expressa por meio das disputas do controle formal sobre os recursos naturais, como, por exemplo, os conflitos existentes entre conservacionistas e povos indígenas, onde ambos os grupos são respaldados por lei; c) Dimensão social – expressa por meio das disputas sobre o acesso aos recursos naturais. No que diz respeito à dimensão social, o autor cita a invasão de terras indígenas por garimpeiros. Os povos indígenas reivindicam o controle sobre suas terras enquanto que os invasores estão interessados nos recursos naturais existentes na área. Segundo Heck et al. (2005), as terras indígenas amazônicas são extremamente vulneráveis, são invadidas por madeireiros, garimpeiros, rizicultores, fazendeiros, posseiros, biopiratas e outros. Porém além destas, existem outras formas de ocupação das terras indígenas, como aquela promovida por projetos governamentais e privados, tais como, a construção de hidrelétricas (Belo Monte e Tucuruí, por exemplo), hidrovias, linhas de transmissão de energia, projetos militares, criação de municípios e de unidades de conservação, para os quais os limites das terras indígenas não têm o menor significado (HECK et al., 2005). Neste sentido, vários povos indígenas tiveram suas terras invadidas para a implementação de grandes projetos desenvolvimentistas, como, por exemplo, os WaimiriAtroari, que sofreram uma ocupação maciça de seu território, que foi cortado, inicialmente, pela construção da rodovia BR-174 que liga Manaus-AM a Boa Vista-RR e, posteriormente, pela implantação da mina de estanho e a construção da hidrelétrica de Balbina (BAINES, 2010). Segundo O’Dwyer (2010), a construção da Ferrovia Estrada de Ferro Carajás pela 40 Companhia Vale do Rio Doce tem levado a um fluxo cada vez maior de colonos, fazendeiros, garimpeiros e madeireiros em constante pressão sobre as terras indígenas dos Awá em Bom Jardim e Zé Doca, estado do Maranhão. Outros povos indígenas que tiveram seus territórios ocupados por projetos desenvolvimentistas foram os Yanomami, Arara, Parakanã, Xavante, Kreen-akarore, Kayabi, Cinta larga e Nambikwara, entre muitos outros (HECK et al., 2005; PICOLI, 2006). Segundo o Relatório do Conselho Indigenista Missionário – CIMI (2009), no final deste ano a FUNAI apresentou uma listagem de 426 empreendimentos que incidem sobre terras indígenas brasileiras. No que diz respeito à construção da BR-163 – Cuiabá-Santarém, Carneiro Filho (2005) faz um breve relato sobre o impacto desta construção para as terras indígenas da região, citando as constantes invasões por madeireiros, garimpeiros, colonos, fazendeiros, entre outros, das mesmas. A TI Cachoeira Seca foi invadida primeiramente pelos exploradores de mogno e, posteriormente, pelos colonos da Transamazônica; a TI Apiterewa sofreu uma expansão da colonização ilegal no interior da Terra do Meio e cerca de 15% da área indígena foi desmatada; e a TI Baú, cujas invasões provenientes da construção da BR 163 impuseram um desmatamento em torno de 54.031 ha da área indígena, são exemplos de TI’s impactadas com a construção da Rodovia Cuiabá-Santarém (CARNEIRO FILHO, 2005). O’Dwyer (2010) registrou, em seu estudo com os Awá-Guajá, a invasão por 500 pessoas, dentro da área indígena. A autora evidenciou que havia delimitação e venda de lotes dentro da aldeia, realizada por um representante do setor latifundiário da região. Os conflitos, segundo O’Dwyer, agravaram-se após a FUNAI demarcar a área indígena, que aguarda decisão judicial para desintrusão da reserva. Em seu estudo com os Juruna do médio Xingu, Saraiva (2007) discute que, desde a década de 1970, os indígenas sofrem uma pressão territorial devido à abertura da rodovia Transamazônica e a política de colonização do governo. Segundo a autora, a TI Paquiçamba, área indígena dos Juruna em questão, foi demarcada no final dos anos 80, em decorrência de um conflito envolvendo os Juruna e colonos que solicitavam a posse de terras dentro da área indígena. Outro caso bastante conhecido e recente é o da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde houve durante cerca de três décadas o conflito entre – de um lado, organizações indígenas apoiadas pela Igreja Católica, através do seu Conselho Indigenista Missionário 41 (CIMI), movimentos e organizações pró-indígenas brasileiras e internacionais, e de outro lado, “brancos” locais, latifundiários e fazendeiros, criadores de gado, agricultores e garimpeiros, além de outros atores políticos e econômicos, apoiados pelo Governo do Estado de Roraima (LAURIOLA, 2003). Após a terceira década deste conflito, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina o Decreto s/n°, em 15 de abril de 2008, homologando a Terra Indígena Raposa Serra do Sol em uma extensão de 1,747 milhão de hectares e, em 19 de março de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) ratifica essa demarcação em faixa contínua. A questão da sobreposição entre Unidades de Conservação (UCs) e TI’s, em várias áreas da Amazônia, também tem proporcionado conflitos entre reivindicações territoriais de povos indígenas e a aplicação de políticas de conservação. As UC’s introduzem regras e atividades contrastantes com as formas tradicionais indígenas de manejo, uso, apropriação do espaço e dos recursos naturais. Concebidas e implementadas do alto para baixo, as regras de conservação ameaçam a cultura e a autonomia das sociedades indígenas (LAURIOLA, 2003). O caso mais conhecido de sobreposição de Terras Indígenas é o do Parque Nacional do Monte Pascoal e os índios Pataxó, no Estado da Bahia. Reivindicando direitos territoriais tradicionais, depois de anos de lutas políticas e legais, no dia 19 de agosto de 1999, cerca de 38 anos após o decreto de criação e vários anos depois de sua efetiva implementação, os índios Pataxó ocuparam a área do PN do Monte Pascoal, na tentativa de obrigar o IBAMA e as instituições nacionais a reconhecerem aqueles que consideram ser seus direitos territoriais constitucionalmente garantidos. Outro caso de bastante repercussão é o do Parque Nacional Monte Roraima criado pelo Presidente Sarney, em 1989, e a TI Raposa Serra do Sol em Roraima (LAURIOLA, 2003). Iores (2005) registra a luta pela posse da terra e pelo controle sobre os recursos naturais dos índios na região do Baixo Rio Tapajós. Neste caso, o conflito foi devido à implementação da Floresta Nacional do Tapajós, que desencadearia um processo de desapropriação das comunidades de suas terras. Não aceitando serem desapropriadas, estas comunidades iniciaram um longo e intenso processo de resistência. Os conflitos étnicos e sócio-ambientais figurados em Barcelos no Estado do Amazonas foram registrados por Peres (2010). Tais conflitos, segundo o autor, foram desencadeados após os indígenas reivindicarem a demarcação de suas áreas de ocupação tradicional. Peres salienta que a Câmara de Vereadores se mostrou intransigente na defesa dos interesses dos patrões e dos empresários do setor de turismo de selva e de pesca esportiva, em 42 detrimento dos interesses dos indígenas. Nos Estados do Pará e Mato Grosso, o desenvolvimento de projetos e obras públicas e privadas e a ocupação das áreas de fronteira econômica afetam diretamente a sobrevivência dos povos indígenas, gerando conflitos por terra e degradação dos recursos naturais e causando, em muitos casos, a desnutrição pela extinção de recursos alimentares (OLIVEIRA, 2005). Ainda segundo a autora, a morosidade nos processos de regularização das TI deixa as áreas indígenas vulneráveis à invasão, desmatamento e exploração mineral, estimulando o desencadeamento dos conflitos. O direito à retomada de suas terras foi garantido aos índios pela constituição de 1988 e resultou na organização do movimento indígena, com o apoio de organizações nacionais e internacionais e de mediadores diversos (HECK et al., 2005). Em seu artigo 231, a Constituição Brasileira de 1988, reconhece “aos índios (…) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” e “cabe à União demarcá-la e garantir o respeito de todos seus bens”. A finalidade do reconhecimento dos direitos territoriais indígenas é a preservação de seu direito à diferença cultural e autodeterminação dentro da nação brasileira. O direito exclusivo dos índios sobre os recursos naturais de suas terras é explicitamente reconhecido, com exceção dos recursos do subsolo, considerados estratégicos e pertencentes à União. 43 3 ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA 3.1 UM POUCO DE MINHA TRAJETÓRIA ATÉ CHEGAR AO LOCAL DE ESTUDO Antes de caracterizar a Aldeia Novo Lugar, área de estudo desta pesquisa, e de apresentar os procedimentos metodológicos que nortearam o desenvolvimento deste estudo, considero importante discorrer um pouco sobre minha relação com o Movimento Indígena – MI da região do Baixo Rio Tapajós. Logo após ingressar, no final do ano de 2002, no curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará – UFPA, Campus Universitário de Santarém, conheci o Prof. Dr. Florêncio Vaz, professor do curso de Direito daquele campus e ativista do Movimento Indígena na região, sendo um dos membros fundadores do Grupo Consciência Indígena – GCI (ONG que atua em defesa das causas indígenas e no resgate da cultura destes povos). No início de 2003, após participar, a convite de meu irmão Newton Braga (o qual já participava das atividades do GCI há alguns meses), de várias palestras e debates sobre o Movimento Indígena, realizados na UFPA- Campus de Santarém, aceitei o convite de Florêncio para uma viagem do MI à Aldeia Escrivão, no Município de Aveiro, Pará. Nesta ocasião, Florêncio me falou um pouco sobre a missão do GCI, bem como seus objetivos e sua área de atuação, e convidou-me para visitar o escritório da ONG e, assim, conhecer mais um pouco do grupo, suas instalações físicas e seus projetos. Foi quando resolvi participar de uma reunião que acontece todas as segundas-feiras nas dependências do GCI. Encantei-me com a causa indígena defendida pela ONG e comecei a participar das atividades realizadas pelo grupo, não demorando a engajar-me no MI, do qual me afastei no final do ano de 2006 para dedicar-me à finalização de meu curso de graduação. Foi a partir do ingresso no GCI que voltei às minhas origens indígenas e conheci um pouco da história de minha própria família, de meu avô Belmiro Braga, nativo da Aldeia de São Pedro no Rio Arapiuns. Dentre as atividades realizadas pelo GCI, das quais eu participava, havia os encontros indígenas denominados de Encontro dos Povos Indígenas dos Rios Tapajós e Arapiuns – EPITA e as viagens, às aldeias situadas ao longo dos Rios Tapajós e Arapiuns. Nestes encontros e viagens, ouvi falar muito sobre o conflito existente, na Aldeia Novo Lugar, entre os Borari e os madeireiros e no movimento de resistência desse povo. Em abril de 2003, o GCI, o Comitê Latino Americano de Solidariedade – CLAS, o Diretório Acadêmico – DA/UFPA e as turmas 2001 e 2002 do curso de Direito do Campus 44 local realizaram, sob a coordenação e orientação do Professor Florêncio Vaz, a Caravana da Solidariedade7 à Aldeia Novo Lugar. Foi nesta ocasião que tive o primeiro contato com os Borari e com a realidade vivida naquela Aldeia. Nesta viagem, conheci o Senhor Higino Borari, seu neto Dadá Borari (1º e 2º cacique, respectivamente), sua esposa, a Senhora Domingas Borari (já falecida), seu irmão Floriano Borari e sua sobrinha Edite Borari, e fiquei impressionada de como estas cinco pessoas se manifestavam em relação à chegada dos madeireiros na região, pois, ao mesmo tempo em que temiam pela própria vida e a de seus parentes, não se esquivavam em buscar meios para defender sua terra e seu povo. Dadá Borari tornou-se, posteriormente, coordenador do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA. Dois pontos me chamaram muito atenção naquela viagem: o primeiro foi uma placa exposta na entrada do barracão comunitário da Aldeia com a seguinte frase: “Aldeia do Povo Indígena de Novo Lugar – nós não abri mão de nossa terra”; e o segundo foi o depoimento da Senhora Domingas Borari a seguir: “...Deus foi que deixou ela [terra] pra nós, então se a gente lutar... a gente tem que lutar a favor dela, porque se a gente planta maniva dá, planta cará dá batata, planta batata dá, planta macaxeira dá batata, planta manicuera dá, qualquer coisa que a gente planta ela brota, ela cria pra alimentar a gente, e os bicho que cantam pra alegrar o dia, os que tão aí pra ser o nosso alimento, tudo a floresta tem, e pra gente largar mão pra esses bandido? Como dizia a minha finada vó, que não nasceram nem aqui, e nós que nascemo aqui, fomo criado, eu já to com 50 anos, desde que abri meu olho feito cachorrinho eu to aqui nessa região”. Ambas as situações relatadas acima causaram-me interesse em saber mais sobre aquele povo, seu modo de vida, sua luta e, como estudante de biologia, o interesse pela relação existente entre os Borari e a terra e seus recursos naturais, especialmente aqueles de origem vegetal. A viagem chegava ao fim, depois de três (3) dias conhecendo a realidade daquele lugar, participando de reuniões, debates e encaminhamentos e após visita ao pico demarcatório feito pelos madeireiros. Ao caminhar durante aproximadamente quatro horas pela floresta com os indígenas, percebi, em meio as suas falas, como a da Senhora Domingas Borari, citada acima, que a luta desse povo não era simplesmente por um pedaço de chão e 7 A Caravana da Solidariedade foi realizada em abril de 2003 e contou com a presença de representantes de várias entidades e movimentos sociais, tais como: Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém – STTR; Centro de Estudo, Formação e Pesquisa dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Baixo Amazonas – CEFT-BAM; Padres Verbitas, Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação – JPIC/Ordem Franciscana; Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA. O objetivo desta Caravana foi prestar solidariedade à luta dos povos do Rio Maró, conhecer e divulgar na imprensa local a situação vivida pelos Borari de Novo Lugar para sensibilizar a sociedade e formalizar denúncia junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal. 45 sim pela sua história e cultura, enfim, pelo modo de ser e viver dos Borari naquele espaço, com aquela floresta. A partir daquela viagem, percebi que algo tinha despertado em mim. Todavia naquela ocasião, não sabia explicar bem o quê. Assim, durante esses anos acompanhei as notícias sobre este conflito, às vezes de perto - quando ainda estava participando do Movimento Indígena - e às vezes de longe - pelas notícias nos jornais ou, ainda, através de discussões existentes na universidade. Mas sabia que eu queria voltar naquele lugar, estar com aquele povo novamente e contribuir, de alguma forma, com sua resistência e luta. A pesquisa realizada nesta dissertação me oportunizou realizar tais aspirações. Portanto, a escolha da área de estudo foi determinada diretamente pelo meu envolvimento com o Movimento Indígena, pelo desejo de conhecer a relação existente entre os Borari e os recursos naturais e os conflitos pela terra e recursos que ora ocorrem naquela região, fatos estes importantes para a definição do tema central dessa dissertação de mestrado. 3.2 O LOCAL DE ESTUDO 3.2.1 Localização A Aldeia Novo Lugar, pertencente à Terra Indígena – TI Maró, localiza-se à margem esquerda do Rio Maró, cujas águas formam, com as do Rio Aruã, o Rio Arapiuns, principal afluente do Rio Tapajós. Situa-se na Gleba Nova Olinda, composta por quatorze (14) comunidades, entre elas, as três Aldeias indígenas, a saber: São José III, Cachoeira do Maró e Novo Lugar que formam a TI Maró. A Gleba Nova Olinda é integralmente constituída de terras públicas arrecadadas pelo Estado do Pará, no Município de Santarém, Oeste do Estado (ITERPA, 2007; IBAMA, 2007) (Figura 1). A Aldeia Novo Lugar, do povo indígena Borari, faz limites com a Comunidade Fé em Deus (não indígena) e com a Aldeia Cachoeira do Maró do Povo Arapium. 46 Figura 1 – Mapa de localização da Aldeia Novo Lugar, TI Maró (indicada pela circunferência) na Gleba Nova Olinda (indicada pela seta vermelha), Santarém, Oeste do Pará. Fonte: Ideflor 47 3.2.2 Aspectos biofísicos O solo, na região da Gleba Nova Olinda, é formado principalmente por arenitos finos a grossos, de cores vermelho-tijolo e variegados (RADAMBRASIL, 1976). O rio Maró possui águas consideradas “relativamente”, e não totalmente, pretas, bastante ácidas e muito pobres em sedimentos (SIOLI, 1984), sendo estreito e pequeno. O tipo climático da região é o Am, cuja média mensal de temperatura mínima é superior a 18° C e temperatura do ar sempre elevada, com média anual de 25,6° C, com máximas de 31° C e mínimas de 22,5° C. Quanto à umidade relativa, esta apresenta valores acima de 80% em quase todos os meses do ano. A pluviosidade se aproxima dos 2.000 mm anuais, com certa irregularidade durante todo o ano. A estação chuvosa (inverno) coincide com os meses de dezembro a junho e a menos chuvosa (verão) com os meses de julho a novembro. A cobertura vegetal predominante na área consiste de floresta ombrófila densa e floresta ombrófila aberta. Estas duas tipologias podem ser subdivididas em diversas subclasses de vegetação, indicando a existência de uma grande heterogeneidade florística e variedade de habitats. Os enclaves de cerrado são raros e bastante delimitados. A área de terra firme predomina sobre a área de floresta inundada (igapó). São encontradas árvores que alcançam até 50 metros de altura ou mais, com um sub-bosque rico em palmáceas. Várias espécies são encontradas nestas formações florestais, como aquariquara (Minquartia guianensis Aubl.), andiroba (Carapa guianensis Aubl.), bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.), breu (Protium spp), buriti (Mauritia flexuosa L.), carapanaúba (Aspidosperma carapanauba Pichon), castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.), copaíba (Copaifera langsdorffii Desf.), cumarú (Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.), envira (Xilopia spp), itaúba (Mezilaurus itauba (Meiss.) Taub.), entre outras (EMBRAPA, 1983). 3.2.3 Pra chegar até aqui... no inverno é bom... mas no verão, hum... o parente sofre: o acesso à Aldeia Novo Lugar Como mencionado anteriormente, a Aldeia Novo Lugar pertence ao município de Santarém e a sede do município é o centro urbano de acesso mais comum. Novo Lugar fica distante cerca de dezesseis (16) horas (no inverno, quando os rios estão cheios) e aproximadamente vinte e seis (26) horas (no verão, quando os rios estão baixos) da cidade de Santarém, utilizando embarcação típica da região (Figura 2), com motor a diesel, para a realização da viagem. A única forma de acesso à aldeia é o transporte fluvial realizado 48 normalmente pelos chamados barcos de linha8. Figura 2 – Meios de transporte para a Aldeia Novo Lugar A – Embarcação de médio porte; B – Embarcação de pequeno porte (bajaras). Fonte: Pesquisa de Campo, 2010. No período chuvoso, utilizam-se embarcações de médio porte que comportam em média 70 passageiros. Já na época de baixa das águas dos rios, as embarcações de porte médio só chegam até o Papagaio, uma localidade ainda no Rio Arapiuns (percorrendo apenas 10 horas de uma viagem de aproximadamente 26 horas). Desse ponto em diante, para chegar à Aldeia, são utilizadas embarcações de pequeno porte, as bajaras9, com capacidade de comportar, em média, 10 passageiros. A bajara só chega até a Aldeia Cachoeira do Maró, onde os passageiros saem da embarcação com seus pertences e caminham até o outro porto na mesma Aldeia10. Neste, os passageiros embarcam novamente em um barco pequeno, agora com capacidade para 20 a 25 pessoas, e, ao entardecer, chega-se à Novo Lugar. Essas embarcações são utilizadas também para o transporte dos produtos agroflorestais que os indígenas levam para a cidade e daqueles industrializados, levados da cidade para a Aldeia. 8 Trata-se de embarcações que suportam um número variável de passageiros, entre 10 e 70, e que fazem viagens semanais transportando cargas. O valor pago pelas cargas depende da distância entre a cidade de Santarém e a comunidade ou Aldeia, assim como, do tipo de mercadoria a ser transportada. Transportam-se nestas embarcações geleiras, animais, materiais de construção, farinha, etc. 9 Bajara é como os Munduruku chamavam antigamente os navios grandes. Atualmente significa canoa motorizada, é um termo regional, paraense. Meio de transporte mais comum utilizado pelos ribeirinhos e indígenas da região (Vaz Filho, 2010b). 10 Essa caminhada não dura mais de 10 minutos e é necessária somente porque as pedras que formam a cachoeira não dão condições para a travessia das bajaras. 49 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.3.1 O método O método utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é o estudo de caso, onde a Aldeia Novo Lugar foi analisada profundamente. Pois, segundo Becker (1994), este método possibilita revelar detalhes a partir da exploração intensa, a respeito do grupo investigado, identificando, dentre outros aspectos, quem são seus membros, quais suas atividades e interações decorrentes de suas práticas e como se relacionam com o meio externo. Preocupando-se em retratar a complexidade de uma situação particular, que focaliza o problema em seu aspecto total, no estudo de caso o pesquisador utiliza uma variedade de fontes para a coleta de dados, que são colhidos em vários momentos da pesquisa e em situações diversas, com diferentes tipos de sujeitos (OLIVEIRA, C., s/d). 3.3.2 As técnicas utilizadas na coleta de dados de campo As técnicas de coleta de dados que foram utilizadas no desenvolvimento da pesquisa foram as seguintes: a) Entrevistas estruturadas e semi-estruturadas – de acordo com Albuquerque et al. (2010), as entrevistas são a forma mais básica de obtenção de dados e têm por finalidade recolher informações desejadas a partir de variações de tópicos (VIERTLER, 2002). Na entrevista estruturada, cada informante deve ser questionado sobre as mesmas perguntas, estas devem ser previamente estabelecidas e estar na mesma seqüência (ALBUQUERQUE et al. 2010). Na entrevista semi-estruturada, as perguntas sobre um determinado tópico são formuladas pelo pesquisador, antes de ir ao campo, no entanto, esta é uma técnica flexível por tratar de um determinado tema, mas que possibilita ao interlocutor uma maior liberdade acerca de suas respostas, já que permite aprofundar elementos ao longo da entrevista, na medida em que novos assuntos vão surgindo (ALBUQUERQUE et al. 2010; SEIXAS, 2005). Neste sentido, as entrevistas foram guiadas por um roteiro de entrevista onde evidenciou-se aspectos socioculturais dos indígenas, seus conhecimentos e utilização dos recursos vegetais, bem como a gestão e o manejo desses recursos de acordo com o seu conhecimento e uso. b) Observação participante – objetiva conhecer e compreender a realidade da comunidade estudada, além de oportunizar maior aproximação do pesquisador com o grupo estudado ao longo do desenvolvimento da pesquisa (AMOROZO e VIERTLER, 2010) pois, “o pesquisador se entrega à rotina e à participação nas várias atividades de interesse dos pesquisados” (VIERTLER, 2002, p.16). Conforme discute Becker (1994), a observação 50 participante se define como a presença do pesquisador em uma situação, com o objetivo de realizar uma investigação científica, na qual o pesquisador participa do cotidiano dos atores envolvidos. Desse modo, a convivência do pesquisador com os membros do grupo e o envolvimento em suas atividades diárias (AMOROZO; VIERTLER, 2010; ALBUQUERQUE et al., 2010), possibilita adquirir informações sobre o cotidiano da comunidade estudada (ALBUQUERQUE et al., 2010) bem como compreender o modo de vida, as idéias e motivações dos sujeitos da pesquisa (AMOROZO; VIERTLER, 2010). c) Observação direta - tem como pretensão acessar dados não previstos, mas de muita importância para a pesquisa. Implica em um contato com a comunidade sem apresentar o grau de envolvimento exigido na observação participante, consistindo no registro livre dos fenômenos observados em campo (ALBUQUERQUE et al., 2010). d) Registro da história de vida – esta técnica consiste em uma abordagem aberta, cujo objetivo é contribuir com o aprofundamento de uma determinada questão (ALBUQUERQUE et al., 2010). Segundo Viertler (2002), ela possibilita a captura do processo de memória e de reflexão sobre a vivência do ser humano em determinada situação. Conforme discute Pollak (1992), a história de vida é um instrumento pelo qual se pode conhecer e avaliar os momentos de mudanças, pois permite o conhecimento sob certo grau de domínio da realidade, já que enfatiza o valor da história própria da pessoa, por ter uma riqueza de detalhes (BECKER, 1994). Desse modo, podem-se “constatar valores, expectativas, ideais de vida, ponderações, frustrações e sofrimentos face aos vários processos sociais vivenciados pelos informantes” (VIERTLER, 2002). e) Diário de campo – é onde o pesquisador registra suas observações e constrói sua primeira leitura dos sistemas culturais, já que todas as percepções e conclusões sobre as pessoas com as quais manteve contato, além dos acontecimentos ocorridos durante o dia de trabalho, estão registrados no diário de campo (ALBUQUERQUE et al., 2010). Este é considerado um instrumento ideal para esse tipo de estudo, onde se aplica a observação participante (PIEVE et al., 2009). f) Mapeamento participativo - visa reunir informações sobre os recursos naturais e sobre a percepção local de um espaço geográfico (ALBUQUERQUE et al., 2010), ou seja, consiste na construção de um mapa da visão local sobre as representações dos recursos naturais (SEIXAS, 2005), onde os participantes podem desenhar, indicar, nomear ou delinear os locais de obtenção de determinados recursos naturais (SEIXAS, 2005). Nos estudos etnobiológicos e 51 etnoecológicos, esta técnica é útil para o registro do conhecimento local sobre zonas ecológicas, distribuição da vegetação e dos recursos naturais úteis (ALBUQUERQUE et al., 2010). g) Técnica de Lista Livre – esta técnica foi utilizada com a pretensão de buscar informações específicas sobre um domínio cultural da comunidade estudada (ALBUQUERQUE et al., 2010), onde os indígenas foram solicitados a citar as plantas conhecidas, utilizadas e manejadas por eles (ALBUQUERQUE et al., 2010). Pelo fato da Lista livre apresentar alguns entraves, devem ser incorporadas a ela técnicas como a: a) Indução não específica (“Nonspecific prompting”) – que consiste em questionar o informante logo após o mesmo declarar não recordar de mais elementos. As “induções” devem consistir de frases positivamente formuladas e que não induzam respostas do tipo “sim” e “não; b) Nova leitura (“Reading back”) – pode ser usada em seguida a anterior, e consiste em ler lentamente todos os itens citados pelo informante, permitindo-o adicionar itens não listados anteriormente e c) Sugestão semântica (“Semantic Cues”) – que parte do pressuposto natural de associação entre elementos, e consiste em perguntar ao informante que outros elementos do domínio são similares ao que ele já mencionou (BREWER, 2002 citado por ALBUQUERQUE et al., 2010). h) Turnê guiada - técnica que consiste em fundamentar e validar os nomes das plantas citadas nas entrevistas (ALBUQUERQUE et al., 2010). i) Coleta e herborização de amostras botânicas para identificação científica - Os procedimentos de coleta, herborização, identificação botânica e incorporação de uma coleção em um herbário são fundamentais para o conhecimento da flora local (SANTOS et.al., 2010). Do ponto de vista teórico, as discussões foram fundamentadas analisando-se uma bibliografia pertinente às temáticas imbricadas no objeto de estudo, onde foram mobilizados autores que tratam da etnobotânica, do manejo e gestão de recursos naturais, da etnogênese e dos conflitos socioambientais: Albuquerque, (2002; 2005); Albuquerque e Andrade, (2002); Almeida (2009; 2008; 2006a; 2006b; 2004); Amorozo, (1996); Anderson e Posey, (1985; 1990); Arenz (2000); Balée, (1993; 1989; 1987; 1986); Bartolomé, (2006); Begossi, (1993); Brito e Coelho, (2000); Carneiro da Cunha (1986); Diegues (2000; 1999); Diegues e Arruda, (2001); Fonseca-Kruel e Peixoto, (2004); Haverroth (2010a; 2010b; 2007); Halbwachs (1990); Heck et al., (2005); Iores, (2005); Kerr e Posey (1984); Kohlhepp (2002); Lauriola (2003); Little (2001; 2002); Losivolo (1989); Maués (2005; 2003); Miller e Nair, (2006); 52 Ming, (2006); Ming et al., (2002); Oliveira P. (1999; 1998); Oliveira e Bursztyn, (2005); Pezutti e Chaves (2009); Picoli (2006); Posey (1987a; 1987b; 1992; 1995); Posey e Oliveira, (1992); Ribeiro (1990); Roosevelt (1992); Santos (2005); Santilli (2005, 2009); Vanwey; Ostron e Merestsky (2009); Vaz Filho (2010a; 2010b; 2009; 2008; 2004; 1997; 1996); Wolf (1976), dentre outros que foram mobilizados no decorrer de toda a pesquisa. 3.3.3 A Pesquisa de Campo Devido ao envolvimento com povos indígenas e o acesso ao Conhecimento Tradicional Associado (CTA), foi formalizada a autorização para a pesquisa, na forma do Termo de Anuência Prévia (TAP), conforme a Medida Provisória de n° 2.186-16/200111. Neste documento foram explicitadas a motivação da pesquisa, a metodologia e o destino das informações coletadas. Estando os membros da Aldeia de acordo com a realização da pesquisa, o TAP foi assinado por suas lideranças (Anexo A). O universo amostral neste estudo foi de 21 famílias, ou seja, a totalidade das famílias existente na Aldeia Novo Lugar. No entanto, em função dos objetivos deste trabalho tratou-se ora com os mais velhos, ora com as lideranças, com os homens e mulheres, jovens e crianças. O primeiro contato com os Borari da Aldeia Novo Lugar, com a intenção de realização da pesquisa, aconteceu em julho de 2009 em Santarém, ocasião em que se obteve dos indígenas a autorização para a realização da pesquisa. Posteriormente, em dezembro do mesmo ano, ocorreu o segundo contato com as lideranças desse povo (cacique, pajé, liderança feminina e outros membros da aldeia), cujo objetivo foi apresentar detalhes sobre o projeto de pesquisa e realizar as primeiras entrevistas com os Borari de Novo Lugar. A pesquisa de campo desenvolveu-se em duas fases, distribuídas em cinco viagens à Aldeia. A primeira fase se deu na estação chuvosa e a segunda ocorreu no verão, onde as chuvas são raras. As duas fases e a distribuição dos dias de permanência na Aldeia estão representadas na Figura 3. 11 A Medida Provisória 2.186-16 de 23 de agosto de 2001 dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios, bem como ao acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização (SANTILLI, 2009). 53 Figura 3 – Quadro: Fases e distribuição dos dias de permanência em campo na Aldeia Novo Lugar, Santarém, Pará Fases 1ª fase Período Permanência no campo (em dias) 05 de maio a 6 de junho de 2010 32 16 de junho a 4 de julho de 2010 18 7 a 25 de julho de 2010 18 8 de setembro a 2 de outubro de 2010 24 6 a 31 de outubro de 2010 25 2ª fase Total 117 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Ao desembarcar na Aldeia, na primeira viagem, fui recepcionada pela Senhora Edite Borari, pelo professor da escola Jailson Borari, além de outros indígenas (adultos e crianças). Depois de ser acomodada na casa da Senhora Edite Borari, conversei com alguns indígenas que se encontravam na casa naquele momento. Nesta conversa, combinamos a realização de uma reunião com os demais indígenas da Aldeia, para que fosse apresentada aos que ainda não me conheciam e explicasse os objetivos, metodologias, e motivos que me levaram a realizar esta pesquisa em Novo Lugar, dentre outros. A divulgação da reunião foi feita pelo professor Jailson, através dos alunos da escola, os quais levaram para seus pais um convite feito pelo professor em seus cadernos. Outra forma de divulgação da reunião foi a visita realizada por mim em algumas casas, na qual fui acompanhada por alguns indígenas, como a Senhora Edite e o professor Jailson, além de várias crianças. A reunião aconteceu na escola da Aldeia às 19 horas do dia 05 de maio de 2010. A primeira viagem proporcionou uma aproximação maior com o grupo e permitiu levantar informações sobre seu quotidiano, perfil sócio-econômico das famílias, suas atividades atuais, além de informações acerca de suas unidades produtivas e de coleta (quintais, roças e florestas). Na segunda viagem, dados sobre a saúde, a educação, as práticas de manejo e gestão dos recursos naturais, dentre outros aspectos, foram aprofundados. Na terceira viagem, realizou-se o levantamento etnobotânico das principais plantas usadas, manejadas e cultivadas pelos Borari, em seus quintais, roças e florestas, assim como, a coleta de amostras de material botânico para identificação e constituição de uma coleção 54 testemunha, nas áreas dos quintais e roças. Durante toda essa fase, foram levantadas informações sobre vários aspectos do modo de vida dos Borari, tais como: ocupação territorial da etnia ao longo Rio Maró, as mudanças ocorridas após a chegada dos madeireiros em suas terras e sobre sua cultura. Durante a segunda fase, que compreende a quarta e quinta viagens, foi aprofundado o trabalho de campo no que diz respeito, principalmente, ao uso, manejo e gestão dos recursos naturais pelos Borari, sua trajetória de ocupação e o processo de territorialização da terra ao longo do Rio Maró, além da situação de conflito existente na área. Foi ainda, nesta fase, que ocorreu a coleta e herborização de amostras botânicas das principais espécies da floresta usadas e manejadas pelos indígenas. Cabe ressaltar aqui também que a temática da dissertação muito agradou os Borari. Para os mesmos, falar sobre sua história, seu modo de ser e viver, além de mostrar suas plantas, as técnicas que utilizam para manejá-las e cultivá-las, parecia-lhes uma oportunidade de esbanjar seus conhecimentos. Além disso, a disposição de acompanhá-los em seus roçados e outras atividades, trabalhar no processamento da mandioca (descascando, cevando, espremendo, peneirando, fazendo o beiju) era motivo de grande aceitação por parte dos Borari. A seguir estão descritos, passo a passo, os procedimentos metodológicos realizados para responder cada objetivo da pesquisa. Para caracterizar culturalmente a etnia Borari da Aldeia Novo Lugar e resgatar historicamente a ocupação desta etnia na região do Rio Arapiuns, foram realizados registros da história de vida dos Borari de Novo Lugar, através de entrevistas semi-estruturadas, conversas informais e observação participante, a qual permitiu investigar a organização social, o contexto sociocultural e a situação demográfica da Aldeia, dentre outros (SEIXAS, 2005). O censo demográfico foi realizado em todas as casas da Aldeia no início da primeira viagem de campo, e atualizado em todas as viagens posteriores à mesma. Durante todo o trabalho de campo ocorreram várias conversas, com diferentes pessoas, sobre o processo de ocupação da Aldeia e o processo demarcatório da área da TI Maró, bem como, sobre a história da família Alves de Sousa, a quem se atribui a formação da Aldeia Novo Lugar. As memórias foram sistematizadas, organizadas e registradas através das várias técnicas que compõem a coleta de dados deste trabalho. Foi realizado ainda registro fotográfico de imagens, de festas e rituais, além de consulta à bibliografia especializada. De modo a caracterizar as principais formas de manejo e gestão dos recursos naturais 55 na Aldeia de Novo Lugar, Terra Indígena Maró, foram analisadas as suas unidades agrícolas (quintais e roças) e florestais, identificadas percorrendo-se, juntamente com alguns membros da comunidade, algumas áreas da Aldeia, bem como, através de mapeamento participativo. Foi confeccionado pelos Borari um mapa mental que aponta os limites da pretendida área da Terra Indígena Maró, onde estão localizadas as três aldeias que a compõem, os rios e igarapés, bem como as estradas abertas pelos madeireiros. Foram localizados, na Aldeia Novo Lugar, de forma mais detalhada, as unidades produtivas (roçados e quintais) e as áreas de floresta onde praticam a coleta de produtos madeireiros e não madeireiros e a caça, os lagos, igarapés e a disposição das casas, escola, igreja, dentre outros. As principais espécies vegetais utilizadas e manejadas pelos Borari foram inicialmente obtidas a partir de um levantamento etnobotânico amplo, realizado através da técnica de Lista Livre. Em seguida, perguntou-se aos indígenas sobre quais espécies vegetais, dentre as citadas através desta técnica, são consideradas mais importantes para eles e o porquê. A partir de então, foi realizado o levantamento etnobotânico dessas plantas, através de entrevistas semiestruturadas e observação direta, de forma a obterem-se informações acerca dos seus locais de ocorrência, uso, práticas de manejo e cultivo, assim como sua diversidade infra-específica (variedades locais). De acordo com Posey (1987a), para a coleta de dados etnobiológicos, deve-se utilizar perguntas abertas que permitam agregar maior quantidade de informações dos indígenas a respeito do objeto de estudo. Posey diz ainda que devem-se evitar conceitos ocidentais, valorizando os elementos culturais que revelem o conhecimento diferenciado das relações existentes entre indígenas e o mundo natural. Seguindo este princípio, optamos por realizar entrevistas onde os informantes ficavam a vontade para falar sobre as plantas, sendo as perguntas formuladas de maneira bastante flexível. As espécies citadas no levantamento etnobotânico amplo foram coletadas em seus respectivos ambientes, através do método de turnê guiada, fotografadas e prensadas em campo, e encaminhadas para identificação botânica ao Laboratório de Botânica da EMBRAPA Amazônia Oriental. Tal identificação também foi realizada através de análise do material coletado, comparação com material de herbário devidamente identificado e consulta à bibliografia especializada (MARTIN, 1995; ALBUQUERQUE et al., 2010). O material coletado foi depositado no Herbário IAN da EMBRAPA Amazônia Oriental a fim de se constituir numa coleção-testemunha, com duplicatas a serem encaminhadas ao Herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi. Uma parte desta coleção de plantas será igualmente entregue 56 à escola da Aldeia de Novo Lugar. Para o levantamento e análise das práticas agrícolas e/ou extrativistas dos indígenas de Novo Lugar e as formas de manejo das principais espécies vegetais nas unidades agrícolas e florestais, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, observação direta e observação participante. Através do mapeamento participante, obteve-se informações sobre a distribuição dos recursos vegetais, sobre a exploração dos mesmos em cada unidade agrícola e florestal e acerca dos sistemas de apropriação dos recursos (SEIXAS, 2005). Para levantar as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e analisar como os indígenas de Novo Lugar se organizam para garantir seus direitos, foram consultados documentos, tais como: laudos demarcatórios, estudos antropológicos, relatórios sócio-econômicos e ambientais, estudos de impacto ambiental, entre outros, realizados nesta região; assim como, consulta à literatura especializada, jornalística e àquela proveniente de instituições públicas, organizações não-governamentais e outras entidades da sociedade civil que acompanham o caso, como o Ministério Público Federal (MPF), o Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Estado do Pará (SEMA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR) e do Projeto Saúde Alegria (PSA). Uma das atividades previstas inicialmente em nossa pesquisa era ouvir todos os atores envolvidos no conflito na Gleba Nova Olinda (indígenas, madeireiros e não-indígenas). No entanto, fomos alertados, tanto por representantes de órgãos e instituições de Santarém que acompanham o caso, quanto por pessoas das comunidades vizinhas a Novo Lugar e Fé em Deus (envolvidas no conflito), pelos próprios indígenas, assim como, por proprietários de embarcações que realizam o transporte de passageiros e cargas para a Aldeia Novo Lugar e demais comunidades do Rio Maró, que não conseguiríamos ouvir os atores contrários à luta indígena devido ao nosso envolvimento primeiro com este grupo e dos riscos do contato com madeireiros e não-indígenas considerados violentos localmente. A região do Rio Maró está então dividida entre dois lados antagônicos. Para entrar na Gleba Nova Olinda, tem-se que escolher um lado (MILANEZ, 2010). Felipe Milanez relata, em seu artigo “Medo e tensão no Oeste”, publicado na revista Rolling Stones em outubro de 2010, que, devido ter iniciado sua viagem pelo lado da resistência aos madeireiros, a comunidade oposta fechou as portas para ele. Desse modo, optamos por levantar as situações de conflitos, na área de estudo, somente 57 através de entrevistas com funcionários das instituições citadas acima e com os Borari da Aldeia Novo Lugar. Os dados da pesquisa obtidos em campo foram tabulados e organizados em planilhas à medida que foram coletados no campo e, a partir daí, utilizados para a elaboração de tabelas, gráficos e esquemas ilustrativos. Priorizou-se a organização desses dados em sumários, fluxogramas e matrizes com textos, para melhor analisá-los, comparando e contrastando os resultados, para “formar categorias, estabelecer os limites das categorias, designar segmentos de dados às categorias, sumarizar o conteúdo de cada uma, encontrar evidências negativas, etc.” (AMOROZO; VIERTLER, 2010). 58 4 SOBRE A VIDA BORARI Partindo-se do pressuposto que entender o contexto de vida dos Borari significa evidenciar as condições de organização física, social e cultural das famílias e da aldeia, este capítulo corresponde a uma caracterização dos indígenas da Aldeia Novo Lugar. Neste sentido, serão evidenciados aspectos gerais da aldeia, das famílias e sua trajetória de ocupação das terras ao longo do Rio Maró. Desta maneira, este capítulo é dividido em quatro partes: na primeira, são apresentados os Borari a partir de dados das famílias e seus membros, assim como da infra-estrutura da aldeia e o acesso à educação e à saúde. Na segunda parte, é mostrado o perfil sócioeconômico e político dos Borari. Na terceira parte apresenta-se a organização religiosa dos indígenas: a fé católica e a crença nos encantados, assim como o misticismo e os rituais realizados pelos indígenas. O processo de ocupação e formação do espaço territorial pelos Borari, ao longo do Rio Maró, estão explicitados na quarta parte deste capítulo. 4.1 ALGUNS DADOS CENSITÁRIOS Atualmente, vivem na aldeia 21 famílias, totalizando 88 pessoas distribuídas em 17 casas, em média 5,2 pessoas por casa. Desse total, 52% da população é do sexo masculino e 48% é do sexo feminino. Cinqüenta e nove por cento (59%) da população está concentrada na faixa etária de 0 a 20 anos de idade, significando uma base social constituída, em sua maioria, por crianças e jovens; 31% encontram-se na idade adulta (entre 21 e 50 anos) e 10% da população estão na faixa dos 51 anos ou mais (Figura 4). Figura 4 – Quadro: Distribuição dos índios Borari da Aldeia Novo Lugar quanto ao sexo e faixa etária. FAIXA ETÁRIA (em anos) Nº DE PESSOAS 0 – 10 SEXO PERCENTUAL M F M F 37 19 18 41,5% 43% 11 – 20 15 5 10 11% 24% 21 – 30 20 14 6 30,5% 14% 31 – 40 5 3 2 6,5% 5% 59 Figura 4 – Continuação FAIXA ETÁRIA (em anos) Nº DE PESSOAS 41 – 50 SEXO PERCENTUAL M F M F 2 1 1 2% 2,5% 51 – 60 4 3 1 6,5% 2,5% + 60 5 1 4 2% 9% TOTAL 88 46 42 100% 100% Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Na estrutura etária, a Aldeia Novo Lugar apresenta uma pirâmide aparentemente em desenvolvimento, pois sua base é composta de um número bastante elevado de crianças e jovens, havendo um estrangulamento na faixa dos 41 a 50 anos, onde se registra baixíssimo índice de ocorrência (cerca de 2%) (Figura 5). Figura 5 – Pirâmide demográfica da população da Aldeia Novo Lugar, Terra Indígena Maró, Santarém-Pará. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. As famílias Borari, nos termos de Wolf (1976) são do tipo nuclear, onde existem as díades conjugal, maternal, paternal e fraternal, habitando sob um mesmo teto, exceto quatro famílias, que são do tipo extensa, ou seja, formada por agrupamentos que compreendem inúmeras díades conjugais e maternais que seriam aquelas unidades sociais mantidas juntas 60 por uma regra de parentesco, compondo assim uma família extensa com uma periferia de parentes e agregados. As casas são construídas com madeira e cobertas de palha (matéria prima coletada na floresta), com exceção de quatro casas cobertas com telhas, e não possuem divisão interna, sendo a cozinha construída separadamente. São dispostas de forma a não ficar longe da margem do Rio Maró ou de igarapés, como o Igarapé da Raposa (apenas 2 casas), bem como da igreja, da escola, da sede e do campo de futebol, espaços destinados aos rituais, festas, e reuniões em geral. Figura 6 – Disposição das casas na Aldeia Novo Lugar: A – Casas mais ao fundo e a Escola São Francisco das Chagas, à direita. B – Estilo da casa Borari com cozinha construída separadamente. Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Os meios de comunicação entre a aldeia e o exterior são quase que inexistentes e, quando há, são ineficientes. Do rádio a pilha instalado em uma das casas da Aldeia, só se consegue sinal esporadicamente e, quando isto acontece, o mesmo fica sintonizado o dia todo na Rural/AM, emissora da Igreja Católica da cidade de Santarém, cuja programação está voltada para as comunidades ribeirinhas e indígenas da região. As quartas-feiras, quando consegue-se sinal do rádio, reúnem-se todos, ou boa parte dos indígenas da aldeia, para ouvir a Voz do chibé, programa dirigido por Florêncio Vaz, destinado às aldeias indígenas da região. Através deste canal, os indígenas de Novo Lugar ficam informados sobre as notícias da região e recebem avisos de pessoas que estão em Santarém, assim como de órgãos governamentais e não-governamentais. Os donos de embarcações também funcionam como elo de comunicação entre a aldeia e a cidade, levando e trazendo bilhetes, cartas, documentos e mercadorias, além de mensagens entre Novo Lugar e as aldeias e/ou comunidades ribeirinhas da região. Outro tipo de 61 comunicação é estabelecido através de um celular via satélite, doado pela Defensoria Pública do Estado do Pará ao 2º cacique Odair José Alves Borari, mais conhecido como Dadá Borari, por este estar inserido no Programa de Proteção aos Direitos Humanos no Estado Pará – PEPDDH/PA. No entanto, este telefone não é utilizado para fins pessoais dos indígenas e sim, para assuntos de interesse coletivo da aldeia ou de urgência, como casos de doenças. A aldeia não possui energia elétrica, as casas são iluminadas com lamparinas e uma das fontes de iluminação mais utilizadas pelos Borari é o aproveitamento da iluminação natural, gerada principalmente pela lua cheia, para a realização de rituais, reuniões de interesse dos indígenas ou somente para o bate-papo debaixo da mangueira no quintal do 2º cacique Dadá Borari. O abastecimento de água é feito diretamente do rio Maró ou do Igarapé da Raposa. A lenha é a principal fonte de combustível para uso doméstico, tanto na preparação de alimentos quanto para a torração da farinha de mandioca e seus derivados, como beijus (nas suas mais diversas formas), crueira, carimã, farinha de tapioca, entre outros. Tanto a lenha quanto a água não são estocadas, estas são coletadas diariamente conforme as necessidades da família, sendo esta função de responsabilidade das mulheres. 4.2 A EDUCAÇÃO "...temos os guerreiros que ficam na aldeia e que cuidam de nosso povo, mas precisamos também formar cada vez mais guerreiros políticos, que possam vir aqui para fora e lutar por nossos direitos e só a educação dá pra gente essa oportunidade" (2º Cacique Dadá Borari). Atualmente, o nível de escolaridade entre os Borari ainda é considerado baixo. No entanto, diante da fala de Dadá Borari, podemos perceber que há todo um investimento das lideranças e pais para que as crianças e jovens da aldeia tenham uma educação formal. Do total de pessoas existentes na aldeia, apenas 6,8% são analfabetos e 4,5% são alfabetizados (foi considerado alfabetizado aquele que apenas sabe ler e escrever ou sabe somente assinar o nome). É importante ressaltar que nessa estatística encontram-se apenas pessoas maiores de 50 anos. Vinte e uma pessoas, ou seja, 23,9% da população possuem o Ensino Fundamental incompleto, nesta estatística estando incluídas aquelas com faixa etária entre 20 e 40 anos que não freqüentam mais a escola. Cerca de quarenta e quatro por cento (44,3%) da população, ou seja, as crianças, jovens e adultos com idade entre 5 e 30 anos estão na escola, seja na própria aldeia, na aldeia vizinha ou cursando o Magistério indígena, um 62 curso de formação para professores indígenas (7 jovens) em Santarém. Os demais, 20,5% da população borari, são as crianças menores de cinco anos e que ainda não freqüentam a escola. Novo Lugar possui uma escola que recebeu o nome de São Francisco da Chagas, padroeiro da aldeia. A escola é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação de Santarém – SEMED e atende 18 (dezoito) alunos do Ensino Fundamental I (séries iniciais à 4ª série), dentro do sistema multisseriado. Sete (7) alunos cursam as séries iniciais e 11 (onze) estão distribuídos entre a 1ª a 4ª série. Os dois professores da escola são indígenas da própria aldeia e estão cursando o Magistério Indígena. A Língua Geral ou nheengatu faz parte da grade curricular de educação indígena implementada na escola. Para os jovens cursarem o Ensino Fundamental II (5ª à 8ª séries) ou o Ensino Médio, precisam se deslocar até a escola da aldeia Cachoeira do Maró, mantida pelo Governo do Estado. Cachoeira do Maró dista, de Novo Lugar, cerca de 1 hora de rabeta (pequena embarcação que funciona com um motor à gasolina) ou 2 horas e meia de canoa a remo. Estudam em Cachoeira do Maró oito (8) alunos distribuídos no Ensino Fundamental II e seis (6) cursando as séries do Ensino Médio. No entanto, segundo o 1º cacique e pajé da aldeia, Sr. Higino Alves Borari, eles pretendem instalar futuramente na aldeia uma escola que atenda a todos os alunos de Novo Lugar, pois, como mostra a fala de seu Higino Borari, os alunos correm risco de morte no percurso de Novo Lugar à Cachoeira do Maró. “O transporte escolar é um problema, porque as vezes a máquina dá problema e bajara alaga né, e as crianças correm risco, quando isso acontece eles chegam aqui, coitados, todos molhados com os cadernos molhado,é.. isso quando não perdem tudo no rio. A gente tem um plano de conseguir uma escola pra cá mesmo, para que eles não precisem sair daqui arriscando a vida pra estudar. Nós já conseguimo uma escola que ensina até a 4ª, e com uma conquista muito grande, os nossos professor são filho da terra mesmo, antes os professor eram não índio, mas dava muito problema, agora não. Então se a gente lutar e buscar os recursos a gente consegui sim uma escola grande pra cá pra nossa aldeia né”. (1º cacique e pajé Higino Borari) Dados não quantificados, mas resultantes de observações diretas e conversas informais realizadas com os pais e lideranças da aldeia revelam que um dos planos para o futuro (seja político ou cultural) do povo Borari é o acesso e a melhoria da educação das crianças e jovens, como avalia Dadá Borari quando diz que "É com educação que vamos poder formar cidadãos mais prontos a lutar pelos seus direitos também entre os índios". Nesse mesmo sentido, retomo aqui a fala de um pai Borari: “Para garantir um futuro para nossas crianças é necessário a educação dos não índios também, não podemo esquecer da nossa cultura, da nossa educação indígena, mas... como diz..., a educação 63 do branco é cada vez mas precisa para que a consciência da juventude possa manter as nossas tradição, nossa terra e a nossa natureza” (Sr. Floriano Borari, 66 anos). Devido à escola ser envolvida no sistema organizacional da aldeia, pois está em constante interação com a população, a educação escolar em Novo Lugar tem se revelado um mecanismo de resgate e manutenção dos costumes, do modo de ser dos Borari. Pois ao mesmo tempo em que os professores indígenas trabalham a educação formal com os alunos, eles agregam valores locais da cultura borari. 4. 3 A SAÚDE A Aldeia de Novo Lugar não possui posto de saúde, as doenças do corpo e do espírito são tratadas inicialmente pelo pajé, as grávidas são acompanhadas por três parteiras. Geralmente, os remédios são feitos com ervas e/ou produtos coletados na floresta e/ou nos quintais. O trabalho nesta área também é dividido com um Agente Comunitário de Saúde (ACS), funcionário da rede municipal, que é indígena da Aldeia Cachoeira do Maró. Este ACS realiza visitas periódicas às famílias das três aldeias pertencentes a TI Maró (São José III, Cachoeira do Maró e Novo Lugar), a fim de monitorar principalmente a saúde de crianças e gestantes através da pesagem regular. Os casos que não são da competência do pajé são levados para o posto de saúde mais próximo, situado na Comunidade de Prainha - Rio Maró, distante cerca de três horas de rabeta de Novo Lugar. Implantado pelo poder municipal que contratou um funcionário responsável (enfermeiro), este posto não é dotado de muitos recursos, sendo que as condições de atendimento são para casos bem simples, como suturas de cortes leves adquiridos, geralmente, no trabalho da roça, gripes, verminoses, diarréias, entre outros. Nos casos mais graves, os Borari são levados para a cidade, de barco da linha ou de ambulancha, um transporte pertencente à Secretaria Municipal de Saúde de Santarém utilizado para o deslocamento de pessoas da região dos rios Tapajós, Arapiuns, Aruã e Maró para a sede do município. O pajé, Sr. Higino Borari, que acumula também a função de 1º cacique, é filho do Sr. Manoel Avelino Alves de Sousa, falecido pajé de grande renome na região e um grande conhecedor dos recursos naturais locais. “Com suas rezas, benzeções e remédios do mato, dá alívio nos casos das doenças de índio”, como costumam dizer os Borari. No entanto, existem casos que não são da competência do pajé e estes necessitam de atendimento médico, atendimento este, distante dos indígenas, como fala o 1º cacique e pajé Sr. Higino Borari, 64 quando se recorda das vezes que necessitou de atendimento nos hospitais de Santarém: “Uma vez eu ouvi assim: - “se são índio, porque não voltam lá pro mato e se curam com os seus próprios remédios”. Será dona, que nós que vivemo na mata, filho da mata, nativo daqui, filho dessa terra, será que nós não merecemos uma pílula, um remédio da farmácia? Não precisa de uma consulta de médico? Chamam a gente de bicho do mato. Mas primeiro, antes dos branco, quem foi os primeiros era nós. E nós somos tratados desses jeito. Não dá pra nós viver assim, a lei tem que ter mais consideração pra proceder com a nossa pessoa. Porque esses remédio da mata ainda tem pra gente pegar, mas daqui algum dia a gente não vai poder sair pra pegar porque não vai ter mais” (1º cacique e pajé Sr. Higino Alves Borari, 56 anos). Figura 7 – Mulher Borari sendo atendida pelo enfermeiro do Posto de Saúde da comunidade de Prainha do Maró. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. A saúde constitui um dos pontos delicados à sobrevivência dos Borari. Hoje a escassez de caça, a introdução de novos hábitos alimentares (enlatados e outros produtos industrializados), a distância até o posto de saúde e hospitais, assim como as dificuldades de transporte contribuem para uma condição de saúde bastante precária. Neste sentido, o 2º cacique Dadá Borari expressa em sua fala a preocupação com a saúde dos Borari: “Um dos nossos principais problema é a saúde, pois as plantas medicinais não suprem a necessidade de todos, nem todas as doenças conseguimos tratar com nossos remédio de índio e, além disso, tem o problema do recurso, a escassez, pois muitas das plantas que a gente precisa fica longe daqui, fica lá na mata e a gente corremos até risco indo lá pegar. A distância para o posto e para a cidade, para o hospital de Santarém é muito grande demais, e pior... quando a gente não tem combustível pra levar pro posto ou pra Santarém a coisa se complica...”. 65 4.4 OS ATORES PRINCIPAIS: BORARI, UM MODO DE SER INDÍGENA 4.4.1 Organização sócio-política e econômica dos Borari As lideranças sócio-políticas são efetivadas pelo 1° cacique (Sr. Higino Alves Borari, filho de Manoel Avelino Borari) e 2° cacique (Odair José Alves Borari, bisneto de Avelino Borari). O 1º e 2º cacique são lideranças políticas da aldeia eleitas principalmente para tratar das relações com a sociedade envolvente. Os assuntos internos da aldeia são também da alçada dos caciques, no entanto, estes recebem a ajuda de lideranças que atuam mais internamente e que orientam as atividades coletivas da aldeia, são elas: liderança feminina (Sra. Maria Edite Alves Borari), clube de futebol, grupo de jovens, equipe de catequese, ministro que celebra os cultos aos domingos na capela de São Francisco das Chagas e as pessoas mais velhas da aldeia, como o Sr. Floriano Alves Borari e as Senhoras Zilda Alves Borari e Constantina Alves Borari. Outra liderança da aldeia é a Delegada Sindical (Sra. Maria Graciete Alves Borari) – pois os indígenas são associados ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR). Além de serem vinculados ao Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), entidade representante dos indígenas da região do Baixo Rio Tapajós, o qual tem como ex-coordenador Dadá Borari. Os indígenas de Novo Lugar integram também o Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns (MDVCA), movimento criado em novembro de 2009, por ocasião de uma manifestação realizada pelos povos da região dos rios de Santarém, como será relatado mais adiante. As decisões de caráter coletivo costumam ser tomadas nas reuniões comunitárias, buscando sempre a orientação dos caciques e dos mais velhos para as questões que envolvem a aldeia. O casamento é uma instituição social importante entre os Borari e, em geral, se dá entre parentes (primo e prima ou tio (a) e sobrinha (o)). O casamento com membros de outras aldeias também é permitido, já que garante a manutenção e ampliação de alianças entre parentelas, o que é muito comum e valorizado entre eles. Em Novo Lugar, não há propriedade privada da terra, ela pertence à comunidade e todos do grupo podem utilizá-la para a caça, pesca, coleta e agricultura. Configurando, dessa forma, o que Arenz (2000) chama de adaptação integral a seu habitat de rios e mata, já que o traço fundamental da cultura e tradição indígena é a integração ao meio ambiente (ARENZ, 2000). As atividades produtivo-econômicas desenvolvidas pelos Borari de Novo Lugar não 66 diferem das salientadas por Arenz (2000), isto é, a caça, a pesca, a coleta e a agricultura, das quais trataremos com mais profundidade quando nos reportarmos ao manejo dos recursos naturais vegetais realizados pelos Borari, em suas unidades produtivas e de coleta (quintais, roçados e florestas). Os instrumentos de trabalho são de propriedade individual, no entanto, é muito comum o empréstimo dos mesmos para quem precisa deles. Cada família é responsável pelo seu roçado, no entanto, determinadas atividades do trabalho na roça funciona coletivamente em forma de puxirum. O puxirum é uma forma de trabalho realizado em grupo para colaborar com a preparação e implantação do roçado de uma família; funcionando em forma de rodízio, o puxirum beneficia a todos que dele participam. Enquanto os homens realizam os trabalhos com a terra, as mulheres se ocupam do preparo das comidas e bebidas que são consumidas até o fim dos trabalhos. De acordo com o 2º cacique Dadá Borari, o puxirum é um costume dos povos indígenas onde: “o dono do roçado convida os parentes [indígenas] para o trabalho e pra animar os trabalhador é servido o tarubá e a tiborna [bebida fermentada extraída da mandioca], por exemplo, se vier dez me ajudar esses dez vai fazer um rodízio, né... é assim... eu tenho obrigação de ir no puxirum deles até completar o grupo”. Figura 8. Puxirum realizado para cobrir a sede da aldeia Fonte: Pesquisa de campo, 2010. O puxirum é mais que uma troca de mão de obra, é um elemento agregador entre os Borari, pois, além de servir para a manutenção dos meios de subsistência do grupo, fortalece os laços de solidariedade entre os indígenas. O puxirum não é realizado somente na roça, costuma-se adotar esta forma de trabalho também na construção de espaços coletivos e 67 individuais, como, por exemplo, quando um membro do grupo precisa construir sua casa, na limpeza da área da escola, da igreja, da sede social, quando a bajara, que transporta os alunos para a escola da aldeia Cachoeira do Maró, quebra ou fura. 4.4.2 A divisão social do trabalho A divisão do trabalho entre os Borari é baseada no sexo e idade. Desse modo, são atividades destinadas às mulheres os cuidados com a casa, o preparo dos alimentos e das bebidas, os cuidados com os animais domésticos, assim como os trabalhos nas roças relacionados com o plantio, manutenção e colheita. As mulheres realizam, ainda, a coleta de lenha e de água para o consumo doméstico diário, pois os Borari não têm o costume de estocar produtos naturais, a coleta é realizada de acordo com as quantidades diárias necessárias. Aos homens, cabe a derrubada da mata e a preparação do terreno para o plantio após a queimada (coivara). Na fabricação de farinha, toda a família está envolvida. A divisão dos trabalhos agroextrativistas dá-se da seguinte forma (Figura 9): No roçado: Os homens preparam o roçado (derrubam e queimam a vegetação), enquanto as mulheres preparam e servem as bebidas (tarubá e tiborna) e comidas, sempre com a ajuda das crianças. No plantio, os homens coivam (abrem as covas) e as mulheres e crianças plantam. Na capina e colheita homens, mulheres e crianças fazem as mesmas atividades; Na floresta: Os homens formam grupos ou individualmente vão para a mata caçar e coletar os produtos madeireiros e não-madeireiros. Não é permitido às mulheres o acesso a floresta para realizações destas tarefas. Pelo que se pôde perceber em campo, as mulheres não adentram às florestas devido as longas distâncias a serem percorridas para a coleta desses produtos e pelos possíveis riscos que podem sofrer devido à presença dos funcionários das madeireiras nestas áreas. No rio: é de responsabilidade dos homens e, esporadicamente, das crianças a pesca na margem do Rio Maró, lagos e igarapés; Nos quintais: a responsabilidade de limpeza, o cuidado com as plantas e pequenas criações é das mulheres e crianças. Os homens, às vezes, trazem plantas de outros lugares, como da floresta, capoeira, margens dos lagos e igarapés, entre outros, para serem introduzidas nos quintais, mas a tarefa de plantar e manejar posteriormente estas espécies é realizada pelas mulheres. 68 Figura 9 – Divisão social do trabalho na Aldeia Novo Lugar. A – Mulheres preparando o vinho de patauá; B – Homem voltando da caça com um jacaré; C – Mulheres e crianças descascando a mandioca; D – Homem torrando a farinha de mandioca. Fonte: Pesquisa de campo, 2010 4.4.3 Os parentes e a putáua entre os Borari: relação de reciprocidade e parentesco Além da forma de trabalho grupal (puxirum), que indica como a cooperação e a solidariedade são elementos importantes na vida dos Borari, eles criaram esquemas de distribuição dos produtos vitais, o que faz com que, na aldeia, ninguém passe fome quando alguém obtém algum alimento. Normalmente, os produtos da pesca, da caça, da coleta e das atividades agrícolas pertence à família que o produz, mas, na época de escassez, geralmente, devido à sazonalidade, os alimentos são distribuídos de forma a atender às necessidades de cada membro do grupo. As enchentes e vazantes anuais dos rios determinam o ritmo de vida dos Borari – fartura de peixe, caça, coleta de frutos, preparo do roçado, entre outros. Fatores que, segundo Arenz (2000), demonstram a sintonia da interação entre natureza e indígenas. Outro fator que atualmente está gerando a escassez de alimentos na aldeia Novo Lugar é a exploração em grande escala dos recursos naturais, especialmente os madeireiros, o que 69 leva à diminuição de produtos alimentícios, como os frutos e a caça, já que fruteiras são derrubadas e, com isso, os animais (caça) fogem da região em busca de alimento e abrigo. Foi num destes momentos de solidariedade entre os Borari, que entendi o sentido da putáua12 e me reportando a Vaz Filho (2010ª, p.113), ao relembrar seu estudo sobre os “Povos indígenas e etnogêneses na Amazônia” em sua afirmação “(...) a reciprocidade dos povos do baixo rio Tapajós é muito mais importante para a economia local e para a realidade social vivida do que se imaginava (...)”. Muitas vezes, em minha estada na aldeia, observei que, quando a caça e a pesca eram realizadas com sucesso, estas eram obrigatoriamente repartidas entre as famílias. Percebi, ainda, que essa partilha nunca era recusada pelos presenteados e, com isso, eram convertidos nos próximos doadores. A putáua obedece a uma ordem em que se priorizam os parentes mais próximos, pais e irmãos do casal, depois tios e avós, em seguida os parentes adquiridos por compadrio, se houver, e, por fim, os primos. As famílias de Novo Lugar são ligadas por consangüinidade e/ou afinidade à geração composta pelos irmãos Floriano, Mário Francisco, Higino (1° cacique e pajé da aldeia), Constantina e Zilda Alves de Sousa, filhos de Manoel Avelino e Salustiana. A composição populacional de Novo Lugar está diretamente ligada à família do casal fundador da aldeia, senhor Manoel Avelino Borari e Salustiana Borari, como ilustra a fala do Cacique e pajé Sr. Higino Alves Borari: “Aqui dona, nós é tudo irmão, é tudo parente, semo tudo descente do finado meu pai, semo uma borarizado só”. 4.5 4.5.1 ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA DOS BORARI A Fé em São Francisco das Chagas A religiosidade dos povos da Amazônia centra-se na crença e no culto dos Santos (MAUÉS, 2005), sendo uma de suas principais características (ARENZ 2000). As festas tradicionais que os indígenas celebravam cederam lugar às festas de santo, as quais passaram a desempenhar as mesmas funções sociais daquelas (VAZ FILHO, 2010a). Pois estes, ao invés de substituírem o seu imaginário, acabaram integrando as devoções e práticas do catolicismo dentro de sua cosmovisão (ARENZ, 2000). Neste sentido, a festa do Santo, padroeiro da aldeia, e a crença nos encantados desempenham papel fundamental na religiosidade dos Borari. A capela de São Francisco das Chagas constitui o símbolo maior da 12 “Putáua é uma palavra em nheengatu significa o costume de uma pessoa ou família doar um pouco de alimento a outra família, que lhe retribui, imediata ou posteriormente, com uma porção de alimentos. Putáua, literalmente, é aquilo que se dá, um presente que carrega consigo a obrigação de retribuição. No fim é uma rede de troca de presentes que muito contribui para a distribuição geral de alimentos na comunidade, evitando o acúmulo em algumas casas e a escassez em outras” (VAZ FILHO, 2010a, p. 113). 70 presença do catolicismo em Novo Lugar. Durante o trabalho de campo, testemunhei as festividades do “Santo da Aldeia”, como dizem os Borari. É uma festa anual que tem início geralmente no último domingo de setembro e encerra-se no dia quatro de outubro, data em que se comemora o dia do santo. No entanto, no ano de 2010, devido às eleições, cuja venda e consumo de bebida alcoólica é proibida pela Lei Seca Eleitoral, a festa de São Francisco das Chagas foi atrasada em uma semana, iniciando-se no dia três de outubro e encerrando-se no dia 9 deste mesmo mês. A “Festa do Francisco”, como é denominada pelos fiéis, é representada pela procissão, os noitários, a missa, as ladainhas, a festa dançante e a levantação e derrubada do mastro (Figura 10). Durante a semana dos festejos, acontecem os noitários, onde os indígenas fazem orações, cantam a ladainha e, ao final, joga-se bingo. Segundo Vaz Filho (2010a), para os indígenas, as festas de santo fazem parte de sua cultura, já que estes assim o afirmam. Para o autor, os indígenas têm razão nessa afirmação já que “as folias de santo, hinos religiosos cantados por um grupo de músicos, animados por tambores e outros instrumentos, são bastante usadas nas atuais festas indígenas” (VAZ FILHO, 2010a, p. 137, com destaque no original). Figura 10 – Festividades de São Francisco das Chagas. A – Procissão dos fiéis chegando à capela e o mastro enfeitado com frutas em agradecimento por uma boa colheita de produtos agrícolas. B – Derrubada do mastro pelos pretos. Fotos cedidas pelo 2º cacique Dadá Borari. De acordo com os Borari, a procissão é vista como uma obrigação a ser cumprida pelos devotos todos os anos, enquanto que a festa dançante, a dança dos pretos, a levantação e a derrubada do mastro é entendida como uma homenagem ao Santo. Desse modo, a festa 71 dançante agregada ao torneio de futebol é preparada durante o ano todo. O festeiro e o time de futebol realizam ainda visitas nas festas dos Santos Padroeiros das comunidades vizinhas para ganharem uma visita na festa deles, como relata a Sra. Edite Alves Borari: “A gente vai visitar, leva o time daqui pra é... jogar no torneio deles [Festa de Santo das Comunidades Vizinhas] e ai a gente ganha uma visita também né, assim a gente garante gente na festa deles e na nossa também, a gente vai em festa durante o ano todo, visita muita comunidade, e é... assim, a gente ganha muita visita também”. No dia nove, após a realização do torneio, da derrubada do mastro pelos pretos e da procissão, seguida da missa, aconteceu a festa dançante com a banda musical da Comunidade São Pedro, no Rio Arapiuns, trazida por uma promesseira. Por outro lado, uma das festeiras garantiu energia para o som e a iluminação da festa quando trouxe consigo um motor a óleo diesel. A derrubada do mastro pelos pretos tem a função de homenagear o Santo e oficializar o encerramento da festa, que ocorre quando as frutas que o enfeitam são retiradas e distribuídas entre os presentes. Feita a distribuição das frutas, o mastro é derrubado e as pessoas presentes tomam a bandeira posta no topo e se tornam os festeiros do próximo ano. O(s) festeiro(s) (Figura11) são os responsáveis pela organização da festa do ano seguinte, que vai desde as visitas às comemorações nas comunidades vizinhas ao enfeite do mastro e à organização da festa dançante. Figura 11 – Festeiros do ano de 2011 Foto cedida pelo 2º cacique Dadá Borari 72 4.5.2 A crença nos encantados De acordo com Maués (2005), a religiosidade dos povos da Amazônia apresenta uma grande riqueza de mitos, concepções, crenças e práticas. Além do Santo Padroeiro, o povo Borari de Novo Lugar crê na pajelança13 que é considerada católica. A pajelança é um ritual de cura realizado pelos indígenas. Arenz (2000) define pajelança como um conjunto complexo de conceitos, crenças e práticas de origens xamânicas. Já Maués (2003, p.30) a define como “um culto de características xamânicas, no qual o oficiante (“pajé” ou “curador”) recebe entidades chamadas encantados ou caruanas14, com a finalidade principal de curar os doentes que o procuram” (destaque no original). Segundo Arens (2000) pajelança e catolicismo interagem de forma complementar, e destaca a praticidade da pajelança ao visar a cura integral da pessoa, pois a riqueza da cosmovisão dos indígenas se expressa, também, no culto aos santos católicos e nas crenças e rituais (ARENS, 2000). Além dos santos e da pajelança, os Borari crêem também na existência dos encantados que vivem na mata e no fundo das águas, como a mãe da mata, do igarapé, o boto e o curupira, dentre outros, que, como o Santo, também intervém na natureza e a eles se deve respeito. O boto, por exemplo, é respeitado por homens, mulheres e crianças e nada se faz contra ele, pois, caso contrário, o boto pode encantar ou despertar a panemice15 (falta de sorte). No entanto, para os Borari, um homem fica empanemado também quando mulheres grávidas ou menstruadas entram nas canoas ou manejam seus instrumentos de caça e pesca. Para Maués (2005, p. 262), “os encantados, ao contrário dos santos, são seres humanos que não morreram, mas se “encantaram”. Certamente, segundo o autor, essa crença tem origem na Europa e está ligada à idéia de príncipes e princesas encantadas, sustentada nas histórias infantis do mundo ocidental. No entanto, lembra este autor, na Amazônia, tal crença teria sido influenciada por concepções de origens indígenas e africanas, de lugares situados no fundo das águas ou, ainda, abaixo da superfície terrestre. Segundo Vaz Filho (2010a), a crença nos encantados não é a mesma que nas lendas. Para este autor, a crença nos mitos da natureza, assim como nos costumes herdados dos 13 “Geralmente busca-se sua origem em sociedades tribais do tronco lingüístico tupi-guarani onde o expert religioso foi chamado de “pajé”. Ele é a figura central e o “titular” da pajelança” (ARENS, 2000, p. 70). 14 Caruanas são os chamados guias que se incorporam nos pajés e são os seus companheiros, sendo fundamentais na realização de seus trabalhos de pajelança (ARENZ, 2000). 15 A palavra panemice ou panema tem origem no tronco tupi. E significa infelicidade na caça, na pesca ou mesmo no amor. A pessoa empanemada é aquela azarada, vítima de feitiço ou mau olhado (VAZ FILHO, 2010b). 73 antepassados indígenas, é fundamental para a preservação da floresta. Em Novo Lugar, o catolicismo, a crença e os rituais indígenas não se manifestam no cotidiano do grupo como forças opostas. Ao contrário, se fundem em uma mesma prática que se resume nas manifestações culturais e sociais do grupo, firmando uma relação de entendimento entre o homem e a natureza, entre sobrevivência física ou sócio-cultural e a preservação do espaço de pertencimento. Neste sentido, destaca-se a afirmação: A cosmovisão ampliada tanto em termos de entidades espirituais (especialmente, santos, encantados do fundo, espíritos do mato, anjos, almas errantes, bichos visagentos) quanto de espaços (por exemplo, céu, terra, mata, fundo do rio, purgatório) concede à pajelança uma dinâmica social peculiar devido à interação recíproca entre pessoas humanas e seres ligados à natureza que, de fato, proporcionam saúde e estabelecem a ordem (ARENS, 2000, p. 45). As práticas religiosas e mágicas em Novo Lugar giram em torno da devoção ao Santo, da crença nos encantados e da figura do pajé, uma espécie de médico-feiticeiro que cura as doenças e é o responsável pelo bem-estar da aldeia, protegendo-a contra os espíritos malignos. Pela importância das suas atividades, o pajé é elemento fundamental na aldeia Novo Lugar. 4.5.3 Os rituais como elementos culturais da identidade Borari: cantos, danças e orações Nossos rituais na floresta, nas noites de lua cheia, são momentos de verdadeiros reencontros entre nós. Sempre dançamos e continuamos dançando, pois os povos que param de dançar ficam tristes, doentes e desaparecem. Na verdade, quando dançamos é Deus que se aproxima e dança com a gente, entra no círculo sagrado. Nesses momentos fortes lembramos dos nossos antepassados e eles lembram de nós. (Blog do GCI, http://www.conscienciaindigena.blogspot.com, acessado em 29/10/2010) Carneiro da Cunha (1986) chama atenção para o fato de que: “índio é todo aquele que se auto-identifica como tal, e é identificado pelos outros”. Os grupos que reivindicam uma identidade étnica como elemento de garantia de direitos, incluindo-se principalmente a terra, a saúde e a educação diferenciadas, buscam corresponder às exigências legais desse processo, através da reelaboração de mecanismos para reforçar e divulgar sua identidade indígena. Neste sentido, o Grupo Consciência Indígena introduziu, no ano de 2000, no movimento indígena da região, o Ritual da Fogueira16. Em Novo Lugar, os Borari adotaram o ritual da fogueira, que, posteriormente, foi aprimorado com a introdução de elementos locais e, hoje, 16 Este ritual é considerado como um das tradições mais antigas dos povos indígenas. Referência encontrada no roteiro para a realização do ritual da fogueira organizado pelo GCI. 74 este grupo costuma realizar oito diferentes rituais. Segundo Brasileiro (1995), um processo semelhante ocorreu entre os índios Kiriri, localizados no norte da Bahia, que adotaram o ritual do Toré testemunhado em visita à aldeia dos índios Tuxá em Rodelas/BA. Em 1974, líderes Kiriri organizaram uma caravana com cerca de cem índios à Terra Indígena Tuxá, a princípio para realizar um jogo de futebol entre os dois povos, mas já com a intenção de assistir ao ritual do Toré realizado por aquele povo e aprendê-lo (BRASILEIRO, 1995). O Toré representa um símbolo de união e de etnicidade, fornecendo elementos ideológicos de unidade e de diferenciação e, portanto, fonte de legitimação de objetivos políticos (ISA, 2003). Sobre a estrutura do ritual, os Kiriri foram introduzindo seus próprios elementos: Sobre a estrutura física do ritual, os Kiriri introduziram progressivamente novos elementos: seus “encantados”, acrescentados àqueles tomados de empréstimo aos Tuxá, aos poucos assumiram lugar de destaque; ao repertório melódico “original”, adicionaram seus próprios “toantes” e mesmo as bases coreográficas e de vestuário passaram por inovações (BRASILEIROS, 1995, p.103) Para os indígenas da aldeia Novo Lugar, os rituais assumem dois aspectos diferenciados: a) de cerimônia sagrada para homenagear os espíritos da floresta, e b) como forma de legitimar e legalizar os territórios considerados indígenas. Os rituais realizados pelos Borari de Novo Lugar são: Ritual de acolhida, acontece por ocasião da chegada de alguém na aldeia para visitálos ou realizar algum tipo de trabalho; Ritual de preparação para guerra, ocorre sempre que têm que enfrentar algum inimigo; Ritual de plantio, realizado quando do plantio do roçado, nos meses de dezembro a fevereiro; Ritual de crescimento das plantas, acontece depois da germinação das plantas, geralmente em março e abril; Ritual da água, que ocorre no início da enchente e da vazante dos rios; Ritual das crianças, realizado nos dias de lua cheia; Ritual de caça, acontece geralmente no início da semana, quando os homens saem para a caça; Ritual de cura, que ocorre sempre que necessário e seguido de pajelança. Os rituais realizados na aldeia (Figura 12) envolvem, geralmente, a defumação do 75 local e dos participantes. Em seguida, há a saudação aos elementos da natureza, como Tupã (Deus) e a mãe terra, sempre acompanhado de cantos e danças e da oferta de tarubá e/ou chibé (mistura de água com farinha de mandioca), numa única cuia, compartilhada com todos os participantes do ritual. As roupas utilizadas nos rituais são confeccionadas com a casca de uma madeira da região chamada de estopa. Nos rituais, são entoados alguns cantos, dois dos quais (citados abaixo) são geralmente entoados, enquanto todos dançam e com muita alegria reverenciam as divindades como o Tupã (Deus) e a Mãe Terra: Canto: Xibé puranga A Cia mua pecatu maramé a um xibé, xibé puranga, puranga aretana agustari, mure ara a a xipé puranga. Canto a Tupã Tupã está na terra Tupã está no céu Tupã está na mata Tupã está no rio Tupã está em mim Tupã está na terra Tupã está no céu Tupã está na mata Tupã está no rio Tupã está em ti (Cantos utilizados pelos indígenas do Baixo Rio Tapajós e Arapiuns nos rituais em agradecimento a Tupã, Mãe Natureza, Mãe Terra) Figura 12 – Rituais realizados pelos índios Borari de Novo Lugar. A – Ritual de preparação para guerra; B – Ritual das crianças; C – Ritual das águas; D – Ritual de cura. Fotos cedidas pelo 2º Cacique Dadá Borari. 76 4.6 ALDEIA NOVO LUGAR: PROCESSO DE FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL As informações sobre o processo de formação e ocupação territorial de Novo Lugar fundamentam-se na memória social do grupo. Para Halbwachs (1990), a memória é um fenômeno coletivo ou social e está sujeita a transformações que vão moldando a história de um determinado grupo. Todavia, este autor lembra que cada indivíduo utiliza-se primeiramente de sua memória individual, onde as lembranças são estruturadas através da relação com a memória do grupo. A memória coletiva ou social dos Borari resgata a história de ocupação e construção do espaço que hoje é a Aldeia Novo Lugar. É com base nesta memória que se resgatam os fatos existentes e onde outros fatos vão surgindo, no seio do grupo, essenciais para se delinear o contexto atual em que se situa a aldeia. Nas narrativas de origem da aldeia, os Borari de Novo Lugar atribuem a definição de fundador ao Sr. Manoel Avelino Alves Correia (nativo da Vila de Alter-do-Chão, no Baixo Rio Tapajós, onde no passado situava-se a Missão Jesuítica Borari) e Salustiana Alves de Sousa, nativa da região do rio Maró. Segundo relatos, antes de morarem na localidade denominada Beiju-Açu17, a família de seu Avelino Borari habitava a região do Rio Inambu, um dos afluentes do Rio Maró, de onde migraram para Beiju-Açu. Após terem vivido durante alguns anos no Beiju-Açu, localidade situada dentro dos limites da Aldeia Novo Lugar, ocorreu mais um deslocamento da família, agora para a aldeia atual. Na elaboração do mapa participativo apontando seu território, os Borari definem o Beiju-Açu como uma das extremidades da aldeia, em divisa com as terras da comunidade Fé em Deus. Periodicamente, as aldeias indígenas são abandonadas, pois os recursos proporcionados pelo meio natural circundante já não são suficientes para suprir as necessidades do grupo, o que leva o mesmo a deslocar-se para outra parte do território sob seu domínio (Dantas, 1991). Foi o caso dos Borari. De Beiju-Açu, a família do Sr. Avelino Borari saiu para constituir a atual aldeia Novo Lugar, cuja denominação, segundo eles, refletiria a busca por novas condições de vida, de maiores possibilidades de apropriação dos recursos naturais em ecossistemas mais ricos a fim de garantirem o futuro dos Borari após vários anos de migrações pela região. A mobilidade espacial é uma característica indígena, ainda presente em alguns povos indígenas do Tapajós, como os Munduruku (ALMEIDA, R. 2001). Darrrell Posey (1995) relata que os Kayapó abandonavam suas aldeias caso acontecesse algum tipo de catástrofe, como a morte de múltiplas pessoas, migrando em busca de outras áreas para 17 Beiju, espécie de bolo achatado feito da massa de tapioca, derivado de mandioca. Açu significa grande em tupi. Beiju-Açu, bolo grande, achatado e grosso feito no forno. 77 construírem novas aldeias. As falas de Dadá Borari e Dona Constantina Borari nos mostram como os indígenas buscavam outras terras para viver e dos vários motivos que os levaram a migrar, como, por exemplo, o desencanto por determinado lugar, a busca por terras férteis, por melhores condições de vida, a fuga das pragas, a perseguição e a busca por segurança. “Olha Tati, hoje os povos indígenas moram na beira do rio, mas antes a gente gostava era de morar no meio do mato mermo, bem perto do canto do pássaro, dos bicho, é... bom demais, é...ouvi os macacos, toda qualidade de macaco, guariba, prego, os nossos antepassados viviam no meio do mato, lá dentro mermo, só saíam de lá quando alguma coisa acontecia, morria 1 ou 2, aí eles ficava triste e dizia: oh, o nosso lugar já tá ruim, ta na hora de ir embora, é... aí eles ia pra beira do rio. Nós morava lá, lá no Beiju-Açu, lá com a meu bisavô, é... a gente veio pra cá e aqui nós está até hoje. Minha vó Constantina tinha uma colônia pra cá, lá no igarapé do cachimbo, lá onde nós quer o nosso limite, a gente briga porque lá tem semente nossa, tem raiz lá nossa né. Nós não era perseguido, nós morava prá lá, oh... nós viemo pra cá não porque ninguém perseguiu, nós veio porque os mais velhos viram que aqui era melhor, é...meu vô Guri veio e viu esse lugar que era bom pra fazer um campo pra jogar bola, era bom aqui era bom. Agora nós passou a ser perseguido né, essas empresa que tão aqui, eles persegue, mas nós num vamos embora, num vamos” (2º cacique Dadá Borari, 28 anos). “Eu tinha, eu e o meu marido finado, aí... construimo uma colônia aqui, bem lá no centro, no garapé do Cachimbo, nós tava já plantando a nossa roça, meu pai, é... o finado meu pai fez a casa dele lá na beira do rio e o Gori e o Higino também construíram a casa lá perto do papai, vieram tudo lá do Beiju-Açu né... porque lá tinha muita praga de formiga, é... tinha muita formiga de saúba, não tinha roça que fosse pra frente, manazinha, não tinha... aí, então eles vieram pra cá, a buscar terra boa, e é desse jeito... é foi assim que a gente viemos pra cá e tá aqui com a graça de Deus” (Sra. Canstantina Alves Borari, 66 anos). Quando Dadá Borari relata que, no passado, os povos indígenas gostavam de morar no meio da floresta e não nas margens do rio, ele está resgatando em sua memória também a trajetória feita por seu povo, ao longo do tempo, pela região do rio Maró. Os motivos pelos quais os Borari deslocaram-se de um lugar para o outro, relatados pela senhora Constantina e por Dadá, são os mesmos verificados por Posey (1995) em seu estudo com os Kayapó. Diante desses relatos, verifica-se a memória valorizada, dentro do atual contexto, como fonte de sua ancestralidade indígena. Para Losivolo (1989), a memória valorizada é aquela reconhecida como histórica e coletiva, essencial para a consciência étnica. Losivolo chama a atenção para a importância dessa memória valorizada quando afirma que: Valorizada, então, quer por sua participação na construção da identidade e da comunidade, quer pelo papel que desempenha no fortalecimento e emancipação dos fracos, ela não pode nem deve ser esquecida. Ao mesmo tempo, a memória coletiva firma-se cada vez conscientemente como leitura seletiva: ela esquece e lembra no mesmo movimento (LOSIVOLO, 1989, p. 16). 78 4.7 A TERRA INDÍGENA MARÓ E A ALDEIA NOVO LUGAR A aldeia Novo Lugar, pertencente a TI Maró, faz parte de um amplo processo iniciado desde o final da década de 1990, entre diversas comunidades das regiões dos rios Tapajós e Arapiuns. Processo este caracterizado pela afirmação de sua ancestralidade indígena e o resgate dos laços culturais com o passado de ocupação de diversas etnias, anteriormente consideradas dizimadas e/ou miscigenadas, durante a colonização (IORIS, 2005). Neste sentido, assume particular importância a definição de suas territorialidades, lugares de memórias, espaços de sustentabilidade dos grupos e marcos físicos de suas reivindicações coletivas. A chegada de grileiros e madeireiros na região, no início da década de 2000, provocou inúmeros conflitos de ordem sócio-ambiental na região da Gleba Nova Olinda, acelerando o processo de organização dos Borari em prol da regularização fundiária das terras da aldeia. Os Borari iniciaram sua luta pelo reconhecimento da Terra Indígena Maró a partir da autoidentificação étnica indígena e dos processos inerentes junto aos órgãos competentes: Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Rejeitando o rótulo genérico de comunidades, assumido regionalmente pelos grupos vizinhos, e adotando a denominação de aldeia, com o propósito de demarcar e ressaltar sua identidade indígena, os Borari iniciaram tal processo. As famílias de Novo Lugar passaram a recolher e reconstituir simbolicamente, com base nos relatos dos mais velhos e de elementos que fazem parte do universo sociocultural da região, um discurso identitário que demarcava sua origem e identidade indígena, dando sentido ao que Losivolo (1989) chama de memória valorizada. Esse discurso é estruturado na demarcação de fronteiras de base étnica, se diferenciando dos demais grupos envolvidos na luta pela regularização fundiária. Esses esforços de reordenamento de suas categorias identitárias, entre outras manifestações, constituem um fenômeno denominado pela literatura antropológica de emergência étnica ou etnogênese, que abrange os processos de construção e afirmação de identidades compartilhadas, baseadas em tradições culturais preexistentes ou elaboradas e sistemas simbólicos (BARTOLOMÉ, 2006), que iluminam sua experiência social e sustentam sua ação coletiva diante de outros grupos e do aparato institucional do Estado. A exemplo de alguns povos da Bahia, como os Pataxó e os Kiriri (OLIVEIRA, P. 1998), os Borari de Novo lugar, embora reconhecidos como índios pelos órgãos indigenistas, 79 não dispõem de terras demarcadas18 e protegidas. É fundamental entender o espaço territorial onde a Terra Indígena Maró está inserida, a exploração madeireira, a ausência de segurança e os conflitos fundiários entre indígenas e empresários. Outro ponto importante para a sustentabilidade dos recursos naturais na Aldeia Novo Lugar é o mapeamento do uso desses recursos (dos locais de ocupação dos Borari: lagos, igarapés, roças, serras, ambientes florestais, entre outros) para um melhor entendimento sobre a sua utilização pelos indígenas. O controle sobre um dado território, mais ou menos extenso, permite o funcionamento de uma sociedade, na qual a terra se constitui no bem maior (DANTAS, 1991). Para que os recursos naturais existentes na TI Maró satisfaçam as necessidades dos Borari, é necessário, sobretudo, que a gestão desses recursos considere o desenvolvimento das múltiplas maneiras de acessá-los pelos indígenas, em função da terra ocupada e os espaços atualmente disponíveis aos mesmos, bem como sua participação política e acesso a informações, já que estes fatores são cruciais para a resiliência dessa população frente às mudanças políticas e ambientais que ora ocorrem. “O reconhecimento dos índios enquanto realidades sociais diferenciadas (...) [não está dissociado] da questão territorial, dado o papel relevante da terra para a reprodução econômica, ambiental, física e cultural destes” (FUNAI, 2008), o que é garantido pela carta magna brasileira (1988), em seu capítulo VIII (Dos Índios): “através do direito à demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e imprescindíveis tanto às suas atividades produtivas como à preservação dos recursos ambientais, segundo sua cultura. Essas terras destinam-se a sua posse permanente, com o usufruto das riquezas naturais nelas existentes. São ainda considerados nulos, sem efeito jurídico, atos que tenham por objeto ocupação, domínio ou posse, salvo relevante interesse público da União”. De acordo com o STTR e CPT (2008, p. 28), o reconhecimento da Terra Indígena Maró visa garantir principalmente: “1) a manutenção e reprodução do modo de vida dos indígenas que lá habitam, calcadas em práticas coletivas de organização sócio-cultural e no uso dos recursos naturais de forma sustentável; 2) a proteção ambiental como condição para a 18 O processo demarcatório de Terras Indígenas no Brasil está definido pelo Decreto de nº 1.775/96, apresentando as seguintes etapas: a) Identificação – Terra Indígena a ser estudada ou em estudo pela FUNAI; b) Delimitação – limites aprovados pela FUNAI, publicados no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado; c) Declaração – limites reconhecidos pelo Ministério da Justiça, viabilizando a demarcação física da área; d) Homologação pelo Presidente da República; e e) Regularização – registro no cartório de registro de imóveis do(s) município(s) e na Secretaria de Patrimônio da União. 80 existência física e cultural dos povos Borari e Arapium. Conservar a floresta e os rios são imprescindíveis para a sobrevivência do grupo, posto que vivem da caça, da pesca e do agroextrativismo; 3) assegurar a função social das terras e florestas públicas, através da expulsão dos grileiros, madeireiros e latifundiários da região, que visam somente o “uso devastador da terra”. Além disso, busca-se impedir novas invasões na área por “pessoas que não são de lá”. “Não são de lá” geograficamente e culturalmente falando”. 81 5 ATIVIDADES AGRÍCOLAS E EXTRATIVISTAS: USO, MANEJO E GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS Este capítulo foi desenvolvido com o objetivo de apresentar as formas de uso, manejo e gestão dos recursos naturais realizadas pelos Borari. Nele, serão reafirmados alguns aspectos básicos do sistema produtivo indígena e das condições espaciais de sua reprodução, os quais são essenciais, tanto para a garantia da sobrevivência física e social do grupo quanto para a preservação de seus recursos naturais. Neste sentido, serão discutidas, aqui, as atividades agrícolas e extrativistas realizadas pelos indígenas, bem como os ambientes onde são realizadas, a época do ano, as pessoas envolvidas em cada uma dessas atividades e os recursos naturais utilizados, em especial aqueles de origem vegetal. Os indígenas de Novo Lugar utilizam quatro áreas distintas para a realização de suas atividades agrícolas e extrativistas, a saber: a) margem do rio Maró; b) colônias; c) florestas; e d) lagos, igarapés e a calha do rio Maró. Na margem do rio Maró, estão localizados a capela, a escola, o barracão comunitário e as casas com seus quintais agroflorestais19. Os quintais são vistos como espaços de continuidade da mata, pois contribuem para a diversificação dos produtos alimentares consumidos e apreciados pelos Borari, em especial as frutas, tais como: cupuaçu (Theobroma grandiflorum Schum.), caju (Anacardium occidentale L.), banana (Musa sp.), laranja (Citrus sinensis L. Osbeck), açaí (Euterpe oleraceae Mart.) e cacau (Theobroma cacao L.). Nestes espaços, podem ser encontrados ainda cultivos de legumes, verduras, temperos e ervas medicinais, tais como: arruda (Ruta graveolens L.), boldo (Vernonia condensata Backer), mucuracaá (Petiveria alliacea L.), pau-de-angola (Piper divaricatum Mey), urubucaá (Aristolochia trilobada L.), cipó-alho (Mansoa alliaceae (Lam.) A.H. Gentry), entre outras, além da criação de animais de pequeno porte como galinhas, patos, porcos e cachorros. As colônias, localizadas mais distantes das margens do rio, compreendem as unidades familiares produtivas de mandioca (Manihot esculenta Crantz) e outros gêneros alimentícios, tais como: abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril), batata-doce (Ipomoea batatas L. (Lam.), maxixe (Cucumis anguria L.), jerimum (Cucurbita pepo L.), cana-de-açucar (Saccharum officinarum L.), banana (Musa sp.), cará-roxo (Dioscorea sp.), mangarataia (Zingiber 19 Os quintais agroflorestais são o tipo mais antigo e comum de sistema agroflorestal encontrado em todo trópico úmido (DUBOIS, 1996), cuja diversidade em quantidade e variedade pode ser tão grande como em nenhum outro sistema agroflorestal (LOK, 1996). São sistemas de uso e manejo da terra, onde árvores e/ou arbustos são utilizados em associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, numa mesma área, de maneira simultânea ou numa seqüência temporal. Uma das maiores vantagens deste sistema é, precisamente, sua capacidade de manter bons níveis de produção a longo prazo e de melhorar a produtividade de forma sustentável (BRITO; COELHO, 2000). 82 officinalis Rosc.), melancia (Citrullus vulgaris Schard.), pimenta-de-cheiro (Capsicum sp.), milho (Zea mays L.), entre outras. São nas colônias que ficam localizados os roçados e as capoeiras utilizadas para a caça e coleta de produtos florestais. As florestas são áreas comunitárias, locais onde se realizam as atividades extrativistas vegetais (madeireiras e não-madeireiras) e de caça tradicionais de animais como o catitu (Pecari tajacu), porco-queixada (Bradypus sp.), veado (Mazama sp.), paca (Cuniculus paca), cutia(Dasyprocta aguti), anta(Tapirus terrestris), tatu(Euphractus sexcintus), macaco-prego (cebus apella), jacamim(Psophia sp.), jacu-peua (Penelope sp.), mutum (Crax fasciolata), inambu-açu (Tinamus major), inambu-frango (Tinamus sp.), jabuti (Geochelone sp.), etc.,e, mais raramente, a implantação de roçados. Da floresta são retiradas madeiras, como: cumaru (Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.), itaúba (Mezilaurus itauba Taubert ex Mez..), cedro (Cedrela odorata Ruiz & Pav.), dentre outras, para a construção das edificações existentes na aldeia, assim como para a fabricação de móveis, bajaras, beira de fornos e de utensílios como: remos, arcos, cabos de ferramentas e outros. São também coletados da floresta produtos para fins alimentícios, medicinais e artesanais, tais como: açaí (Euterpe oleraceae Mart.), castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.) mucajá (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.), curuá (Attalea spectabilis Mart.), muirassacaca (Croton cajucara Benth.) e andiroba (Carapa guianensis Aublet). A pesca artesanal de peixes e quelônios (tracajás e pitiús) é realizada, principalmente, no Igarapé da Raposa, no Lago da Raposa, nas áreas de igapó e na própria calha do Rio Maró. Algumas espécies de peixes capturadas pelos Borari são: aracu (Schizodon sp.) , tucunaré (Cichla sp.), pacu (Metynnis sp.), jaraqui (Semaprodchilodus sp.), caratinga (Geophagus surinamenseis), acará (Astronotus crassipinis Heckel), arraia (Potamotrygon sp.), piranha (Serrasalmus sp.), curimatá (Curimata sp.), entre outras. Na Figura 13, estão localizados os principais locais de obtenção e manejo dos recursos naturais, incluindo as áreas agrícolas. 83 Figura 13 – Mapa mental elaborado pelos Borari em 18 de junho de 2010, onde se identificam o uso do território e as atividades desenvolvidas nos diferentes espaços geográficos. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. 84 Nota-se que, os Borari possuem uma lógica própria de produzir, uma vez que cada espaço possui uma função produtiva e uma importância sócio-cultural para os indígenas. Neste sentido, e conforme indicação da Figura 13, podemos observar que os Borari mobilizam os recursos naturais de vários ambientes para sua sobrevivência e que a área utilizada, manejada e gerida por estes indígenas, no que diz respeito aos recursos naturais, não se limita à sede da aldeia. 5. 1 CARACTERIZAÇÃO DO PADRÃO DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS PELOS BORARI As atividades de agricultura, caça, pesca e coleta dos produtos da floresta compõem o padrão de utilização dos recursos naturais pelos Borari. Estas atividades distribuem-se, principalmente, de acordo com as estações: chuvosa (inverno – período que se estende de dezembro a junho) e seca ou menos chuvosa (verão – que ocorre entre os meses de julho a novembro), e da safra dos produtos florestais (Figura 14). Dessa maneira, observa-se que as águas e a floresta são elementos da natureza que regulam as práticas cotidianas de utilização, manejo e gestão dos recursos naturais por esses indígenas. Segundo Pezzuti e Chaves (2009), a sazonalidade disponibiliza ou diminui recursos naturais, sejam eles frutos, pescado ou caça, em diferentes períodos do ano, dentro de um ciclo que certamente é acompanhado por indígenas. Haverroth (2010) observa que estas estações orientam não só os cultivos nos roçados, mas também determinam as espécies de animais da mata, peixes e espécies frutíferas disponíveis em cada época e local. Eloy e Lasmar (2011) registraram, em seu estudo com os indígenas residentes em São Gabriel da Cachoeira-AM, que, devido os recursos florestais e pesqueiros serem de disponibilidade sazonal, as famílias tendem a se deslocar e/ou multiplicar suas casas, casas de forno e abrigos temporários em busca dos recursos disponíveis. 85 Figura 14 – Quadro: Calendário das atividades agrícolas e extrativistas realizadas pelos Borari da Aldeia Novo Lugar. *Aqui estão citados apenas alguns dos principais produtos oriundos da floresta utilizados pelos Borari, dizendo respeito apenas à atividade de coleta dos frutos, já que além destes são coletadas também, de algumas árvores, folhas e cascas do tronco, que são utilizadas na fabricação de remédios, e de madeira para suas construções, por exemplo. A coleta de folhas e cascas é realizada de acordo com as necessidades dos indígenas. ** A coloração dos quadrados corresponde à intensidade da atividade, quanto mais escuro ele se apresenta, mais intensamente ela é praticada. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. Como observado na figura acima, o modo de vida dos Borari é pautado basicamente no extrativismo vegetal (coleta de frutos, sementes e outros produtos da floresta), caça, a pesca artesanal e na agricultura de subsistência, voltada especialmente para, o cultivo de mandioca para a produção de farinha e de outras espécies comestíveis, como o cará (Dioscorea sp.), a batata-doce (Ipomoea batatas L. (Lam.), o jerimum (Cucurbita pepo L.), o abacaxi (Ananas comosus (L.) Merr.), etc. Estas atividades também foram observadas por Haverroth (2010), em seu estudo com os Kulina, assim como por Pezzuti & Chaves, (2009) na pesquisa com os Deni; Schröder (2003), ao estudar as economias indígenas na Amazônia Legal; Albert (1992), em estudo sobre os Yanomami; Posey (1987b), em sua pesquisa junto aos Kayapó e outros. Como apresentado figura 14, a estação chuvosa é dedicada ao plantio nos roçados e à coleta na floresta de algumas frutas, tais como: a castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa 86 Bonpl.) e o patauá (Oenocarpus bataua Mart.), importantes na dieta alimentar dos Borari. A caça é regularmente praticada no decorrer do ano. A pesca, assim como a caça, é praticada durante o ano todo pelos Borari, no entanto, quando o nível do rio e dos igarapés começa a baixar, ela se intensifica, já que, estando os níveis de água dos rios mais baixos, os peixes e quelônios concentram-se em determinados locais (lagos, igapós e enseadas), facilitando sua captura. Os apetrechos e técnicas utilizados pelos Borari na pescaria são variados, estes utilizam arco e flecha, zagaia, caniço e anzóis iscados com minhocas e pequenos pedaços de peixes, além da pesca de lanterna e do mergulho, com arpão e máscara. Pezzuti & Chaves (2009), em seu estudo com os indígenas do sudeste do Amazonas, observaram que a pesca praticada pelos Deni também era realizada em diversos ambientes, sendo eles: lagos, ressacas, canos, calhas dos rios e florestas alagadas, onde utilizavam apetrechos e técnicas como anzóis, arco e flecha, veneno de pesca, vespas ou zagaias. As técnicas utilizadas pelos Deni são semelhantes às observadas na pesca praticada pelos Borari, embora em Novo Lugar não tenha sido registrada a pesca com veneno e nem com vespas. A pesca pode ser uma atividade tanto masculina quanto feminina entre vários povos indígenas da Amazônia (PEZZUTI; CHAVES, 2009; SCHRÖDER, 2003). No entanto, entre os Borari, esta é uma atividade masculina, salvo em algumas situações, muito raras, como na ausência dos homens da casa. Habitualmente, quando um chefe (homem) de família se ausenta da aldeia, geralmente o peixe que é consumido pela família dele é provido por membros (masculinos) de outras famílias, mais precisamente pelos parentes mais próximos, como irmãos, pai e cunhados do Borari ausente. As atividades agrícolas realizadas pelos Borari da aldeia Novo Lugar vão se intercalando, durante todo o ano, com as atividades extrativistas, a caça e a pesca. Desse modo e diante da complexidade territorial da aldeia, torna-se necessário analisar o sistema de produção dos Borari a partir das especificidades dos ecossistemas, analisando as formas de utilização dos diferentes espaços e as práticas que orientam a gestão dos recursos disponíveis em cada área (floresta de terra firme, roças e quintais). 5. 2 FLORESTAS DE TERRA FIRME Os Borari praticam na floresta as atividades extrativistas madeireiras e nãomadeireiras e de caça tradicionais e, mais raramente, a implantação de roçados. A atividade madeireira é realizada de acordo com as necessidades dos indígenas para suas construções e 87 fabricação de móveis. Da floresta, são retiradas madeiras para a construção das casas habitacionais, das casas de farinha (assim como para a fabricação da beira de fornos, gareiras e caixa do motor para sevar a mandioca20) (Figura 15), dos locais de uso comum como escola, capela, barracão comunitário e para a construção de móveis, suporte para pendurar panelas, cabos de ferramentas, cascos21, bajaras, remos, etc. A atividade de coleta dos produtos florestais, principalmente os não madeireiros, é praticada pelos Borari em menor escala se comparada à agricultura; no entanto, é uma atividade de grande importância, especialmente no que tange à alimentação e à saúde. Figura 15 – Casa de farinha e seus componentes fabricados com a madeira retirada da floresta. A seta A indica a caixa do motor para sevar mandioca, a B mostra a beira do forno e a seta C é a gareira (uma espécie de cocho de madeira. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. A caça, como mencionado anteriormente, é uma atividade exclusivamente masculina, entre os Borari, e se desenvolve em áreas próximas da sede da aldeia, em trilhas habituais, barrancos e próximo a árvores frutíferas da floresta. Porém, pode ocorrer em locais mais distantes destes, onde os indígenas caminham o dia todo para chegaram em barrancos e lugares estratégicos próximos a igarapés, onde estão situados os tapiris. Nestes casos, são 20 Para sevar a mandioca através da utilização de motor movido a gasolina, é necessário construir uma caixa, onde acopla-se um “eixo dentado” que, ligado ao motor, por uma correia, gira rapidamente e a mandioca, depois de descascada, é pressionada contra esse eixo e, em pouco tempo, é sevada (ralada/triturada) e, assim, obtêm-se a massa. 21 Cascos são canoas pequenas feitas de uma peça só de um tronco cavado, sem bancos e sem motor, muito utilizados pelos indígenas e ribeirinhos da região (VAZ FILHO, 2010b). 88 formados grupos para a caçada, que pode durar de dois dias a uma semana. Características igualmente retratadas por Pezzuti e Chaves (2009), Albert (1992) e Laraia (1986) em seus estudos. Quando os Borari saem para esse tipo de caçada, levam consigo farinha e sal para sua sobrevivência durante o período em que permanecerem na floresta e para conservar a caça capturada. Na mata, estes grupos de homens formam uma espécie de acampamento temporário ou tapiris (como denominados pelos indígenas). Os tapiris são barracos feitos de palha, localizados em pontos estratégicos da floresta, geralmente próximos a igarapés e árvores frutíferas (Figura 16), utilizados tanto para a tocaia (espera) da caça, quanto para o tratamento dos animais capturados, pois possuem uma espécie de jirau para esse fim. A caçada é uma atividade que pode ser realizada tanto durante o dia quanto à noite. A caça capturada é dividida entre as famílias da aldeia, obedecendo ao ritual da putáua (Figura 16). Figura 16 – Atividade de caça na Aldeia Novo Lugar. A – Localização de tapiris no mapa mental da Aldeia construído pelos Borari. Fonte: Pesquisa de campo, 2010; B – Borari tratando, no jirau do tapiri, a caça capturada, para posterior distribuição entre as famílias. Foto B cedida pelo 2º cacique Dadá Borari. Entre os indígenas da Amazônia, os instrumentos e as técnicas utilizados para a caça são os mais diversos, no entanto, a espingarda (PEZZUTI; CHAVES, 2009; ALBERT, 1992; LARAIA, 1986) e a embiara22 com cachorro são as mais comuns. Os Borari possuem diversas técnicas de caça e utilizam principalmente a espingarda para o abate dos animais. As técnicas utilizadas consistem em: a) fazer tocaias para abater a caça em lugares em que estão caindo 22 Embiara – Do Tupi, significa a caça capturada pelo caçador, a presa (VAZ FILHO, 2010b). 89 frutas, próximas aos tapiris; b) imitar o som dos animais para atraí-los (por exemplo no caso da caça do caititu e anta); e, em alguns casos, imitar o filhote (no caso da caça do veado e queixada); c) realizar o rastreamento, ou seja, caminhar, seguindo por horas, as pegadas de queixadas ou antas. Quando o animal foi atingido e tem hemorragia, os Borari seguem-no acompanhando as gotas de sangue no solo da floresta; d) capturar manualmente os animais como tatus e jabutis; e e) fazer a embiara (emboscada com cães) para caçada de vários animais como: cutia, veado, paca, porco do mato e outros. Técnicas semelhantes foram registradas por Pezzuti e Chaves (2009) entre os Deni, que realizavam caçadas em trilhas de matas e barreiros, onde são feitas emboscadas com cães, captura manual de tatus e jabutis e esperas com armas de fogo para animais de grande porte. Segundo os Borari, está havendo uma redução na atividade de caça devido à limitação imposta pelos madeireiros, recorrentes na área, em seu território, além da proximidade de estradas (abertas pelos empresários) em suas áreas tradicionais de caça. A redução na população de animais, devido à caça predatória, por parte dos agentes externos (empregados das madeireiras), se reflete também na diminuição dos estoques naturais nos arredores da aldeia. O 2º cacique Dadá Borari relata essa realidade: “Antes deles [madeireiros] chegarem aqui, a gente encontrava caça com facilidade, a gente ia bem próximo da aldeia e encontrava caça, é... aqui na aldeia mesmo atravessava bando de porco, atravessa porco do mato e a gente, a gente matava, hoje não, não tem mais isso. Olha as vez quando nós vamo pro mato caçar a gente encontra cabeça de queixada, de veado podre que os cara [funcionários das madeireiras] mataram e eles nem aproveita tudo, eles corta a cabeça e joga fora, joga aquela parte que tem muita carne, eles matam a torto e a direito, e eles não tem necessidade, porque eles joga muita carne, a gente vê muito casco de jaboti que eles pega”. (2º Cacique Dadá Borari, 28 anos) Para Albert (1992), a redução do território, juntamente com sua degradação ecológica, significa uma queda imediata da disponibilidade de comida (caça), afetando diretamente a dieta alimentar e a produção protéica e, portanto, consistindo numa ameaça direta e drástica à sobrevivência física de um grupo indígena. Algumas vezes, quando do trabalho de campo, foi observada a volta dos caçadores sem nenhuma caça, assim como a de pescadores com poucos ou nenhum peixe, levando os Borari a se alimentarem somente dos produtos derivados da mandioca ou de algum alimento industrializado (enlatados), caso os tivessem em suas dispensas. Os fatores que estão provocando a redução na atividade de caça dos Borari são 90 comuns entre outros povos, revelados pelos estudos realizados por Martins (2006), Bertho (2005), Schröder (2003), Albert (1992), Ladeira (1982), respectivamente entre os indígenas: Katukina, Guarany, Guajajara, Yanomami e Tupi. A coleta de frutas, a serem consumidas in natura ou em forma de vinho e suco, é uma atividade bastante apreciada pelos indígenas e complementa sua alimentação. São diversas também as plantas medicinais coletadas na floresta pelos Borari, este uso das plantas da floresta sendo até mais importante que a coleta para fins alimentícios. Para ilustrar tal afirmação dos Borari, seguem abaixo, trechos de entrevistas com alguns indígenas da aldeia: “A mata é importante sim pra tudo nós, é onde nós pega as planta que a gente precisa pros nossos remédio do mato. No nosso quintal a gente planta né? Mas não é toda planta que se dá bem. A gente tem muita planta aqui perto da casa, de alimento, de remédio, de tudo né. Mas na mata tem mais, e eu sei tudo onde a gente pode encontrar, a gente pega lá e traz pra gente comer a fruta, o ingá, a pitomba, o patauá, mas isso também tem aqui no quintal. Mas os remédios nosso, muitos é mais difícil de nós ter aqui, o mururé, por exemplo, só tem na cabeceira do garapé do Cachimbo, a muirassacaca eu até queria ter aqui por que é com ela que eu preparo meu cigarro né? O cigarro do pajé. É lá que tem os nossos remédios principal, a planta medicina que a gente precisa né? É a mata que dá” (Pajé e Cacique Higino Alves Borari, 56 anos). “Olha nós pega tudo que a gente precisa lá da mata, mas é...nós pega principalmente a planta medicina, eu faço muito remédio pra toda essa gente, porque eu aprendi fazer muito remédio, é...naquela oficinas que o Frei faz pra gente, lá eu, não só eu tudo nós aprende... O remédio que é feito é preciso de planta medicina lá da mata. Olha eu quero comer uma manga eu pego aqui no meu quintal, se não tem eu pego por ali, mas o caju-açu, não tem aqui, só tem lá na mata mesmo, não tem jeito” (Sra. Edite Alves Borari, 43 anos). “É da mata que a gente pega o nosso remédio, pra comer e pros bichos, tem aqui né, no quintal, eu planto, eu gosto. Mas mururé, tauari, andiroba eu pego é lá na mata mesmo, porque ela dá pra nós né?” (Sr. Floriano Alves Borari, 65 anos). Os Borari também costumam coletar na floresta a matéria prima para a confecção de seus artesanatos, em especial as sementes de várias espécies, tais como: tucumã (Astrocaryum vulgare Mart.), tento (Ormosia coccínea (Aubl.) Jack.) e o inajá (Maximiliana maripa (Mart.) Drude) e para a confecção dos utensílios domésticos, tais como, cipós: cipó titica (Heteropis flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting), cipó ambé (Philodendron solimoensis A.C. Smith), cipó apará (não identificado) e folhas das palmeiras como: arumã (Thalia geniculata L.), bacaba (Oenocarpus bacaba Mart) e buriti (Mauritia flexuosa L.). Coleta-se ainda da floresta as folhas de curuá (Attalea spectabilis Mart.) para a cobertura de casas (Figura 17). Segundo os Borari, o manejo do palhal (população densa de curuá) se dá da seguinte forma: nunca se deve retirar mais de três folhas adultas, ou mais de uma folha nova da mesma planta, pois, 91 assim, garante-se que as folhas novas que a planta possui amadureçam para que se dê condições da planta frutificar e se reproduzir. Figura 17 – Manejo e uso da Attalea spectabilis Mart A. Coleta de palha preta (folha adulta) de curuá. B. Indígena Borari tecendo o jacaré (uma espécie de capote ou cumieira) para o acabamento da cobertura da casa. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. A comercialização de produtos oriundos da floresta, pelos Borari, é basicamente em forma de artesanato, os indígenas utilizam sementes para a confecção de colares, anéis, brincos e adornos; e palhas e cipós, para a confecção de cestarias (jamanxim23, peneiras, paneiros), tipiti, arco, flecha, bordunas, entre outras (Figura 18). Não há comercialização da carne de caça e da madeira; esta última, quando realizada, é sob a forma de móveis e utensílios. Athayde (2000), ao realizar um estudo sobre os recursos naturais utilizados pelos Kaiabi em sua cultura material, observou também que, dos produtos coletados na floresta, vários são utilizados para a confecção de artesanatos e que estes objetos são quase que exclusivamente destinados à venda. 23 Palavra indígena para um tipo de cesto feito de cipó ambé, de forma bem caprichada e leva anos para se estragar. Este cesto é usado normalmente por homens no trabalho da roça ou na caçada. O jamanxim tem uma abertura na parte de trás, o que permite que comporte bastante carga (VAZ FILHO, 2010b) 92 Figura 18 – Cestarias produzidas pelos Borari de Novo Lugar. A. Jamanxim; B. Paneiro e C. Peneiras e tipiti. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. A Terra Indígena Maró é rica em espécies vegetais úteis como fruteiras, medicinais, artesanais e as utilizadas para a construção, entre outras (Ver apêndices). Este estudo, enfatiza apenas aquelas que são consideradas mais importantes pelos Borari. 5. 2.1 A magia na coleta dos recursos naturais da floresta Os Borari envolvem preceitos de magia e religiosidade com relação à entrada na floresta e à coleta dos recursos naturais disponibilizados por esta. Segundo os indígenas, não se entra na floresta sem pedir permissão à mãe da mata e sem fazer a reverência aos deuses e protetores daquele ambiente, como o curupira24. Estas atitudes e cuidados são a garantia de proteção e sucesso nos trabalhos dentro da floresta. Quando a caçada é realizada de forma coletiva, faz-se o ritual de caça antes da saída da equipe, onde se pede a proteção e a benção dos deuses da floresta para seus trabalhos. De acordo com Ribeiro (1996), os Kaapor creêm nos seres sobrenaturais que habitam as matas, o curupira, o anhanga e outros, e a eles deve-se respeito. Darcy Ribeiro registra os cuidados e crendices dos caçadores ao adentrar na mata com o intuito de caçarem veados, estes fazem o “remédio para caçar veado”, onde se defumam com cunaricica, almécega e muitas folhas e raízes aromáticas que cheiram como cabelos de cauda de veado ou de bigode de paca. Segundo o relato, depois do caçador estar defumado, a caça chega perto dele e “fica besta”, no entanto, no primeiro dia de caçada, não se pode atirar (RIBEIRO, 1996). 24 O curupira é um encantado da mata e tem por função proteger plantas e animais da floresta de pessoas que destroem as matas de forma predatória (ARENZ, 2000). 93 5. 3 ROÇADOS “A importância da mandioca pra minha família né? é por causa que daqui que a gente produz o alimento e a gente produz também algumas coisa pra manter na escola, comprar material escolar de criança, então esse é a nossa renda que nós tira daqui pra vender né? e comprar esses objeto, a agricultura nossa é aonde nós trabalha em benefício de sustentar a nossa família né” (Senhora Graciete Alves Borari, 32 anos). A agricultura, através do sistema de corte e queima, também chamado de coivara ou, ainda, de agricultura itinerante (ELOY; LASMAR, 2011; HAVERROTH, 2010; PEDROSO JUNIOR et. al., 2008; RIBEIRO, 2004; CAMPOS; EHRINGHAUS, 2003; LEONEL, 2000; MILLIKEN et. al., 1992), é a principal atividade de subsistência dos Borari de Novo Lugar, sendo o cultivo da mandioca o mais importante, pois é sua principal fonte de alimentação e renda. Entre os povos indígenas amazônicos, a agricultura de corte-queima é comumente a atividade produtiva mais praticada (HAVERROTH, 2010; PEZZUTI; CHAVES, 2009; PERONI, 2004; RIBEIRO, 2004; LEONEL, 2000; RIBEIRO, 1995; CHERNELA, 1997; ALBERT, 1992; MILLIKEN et. al., 1992; POSEY, 1987b). Este sistema produtivo consiste, em linhas gerais, na derrubada e queima de áreas florestais (capoeiras ou matas secundárias e primárias) para o plantio de espécies agrícolas, medicinais e frutíferas, entre outras (RIBEIRO, 2004). É o tipo de agricultura considerado menos intensivo da Amazônia, pois apresenta roçados pequenos e itinerantes, além de ciclos regulares de uso e pousio da terra (HAVERROTH, 2010; PERONI, 2004; ALBERT, 1992), consistindo-se num dos elementos mais importantes no sistema de manejo e gestão das áreas indígenas (PEZZUTI; CHAVES, 2009; DIEGUES; ARRUDA, 2001). Segundo Pezzuti e Chaves (2009), a agricultura de corte e queima ainda se constitui num dos elementos mais importantes para o manejo da fauna, já que as áreas em descanso podem propiciar habitat para muitas espécies de animais que preferem se alimentar de diversas espécies de arbustos e gramíneas, cujo crescimento é proporcionado pelo tempo de pousio da área (PEZZUTI; CHAVES, 2009; ANDERSON; POSEY, 1990; POSEY, 1987b). A agricultura de corte e queima praticada pelos indígenas compreende várias etapas, formando um ciclo (HAVERROTH, 2010; PEZZUTI; CHAVES, 2009; RIBEIRO, 2004). O ciclo de uso do roçado pelos Borari envolve as seguintes etapas: abertura (broca) que consiste na retirada de cipós e arbustos, em seguida, acontece a derrubada de árvores, as quais são utilizadas para as construções, seja das casas ou de bajaras, remos e móveis, por exemplo, 94 posteriormente, ocorre a queima do local, seguida da retirada de materiais queimados que são utilizados como lenha. Cada roçado queima durante aproximadamente meio dia, no entanto, alguns não queimam completamente, fazendo-se necessário atear fogo novamente na área. O responsável (dono) pelo roçado toma os cuidados necessários para que o fogo não atinja locais indesejados como a floresta e os roçados vizinhos, causando prejuízos. Para isto, é feito o aceiro 25 nas laterais do roçado. Segundo Leonel (2000), um dos estudos mais detalhados sobre o uso do fogo por indígenas foi o realizado por Darell Posey com os Kayapó. Posey (1987b) descreve o cuidado que os Kayapó têm na manipulação indígena do fogo: Mas a queima não é aleatória: sua época adequada é decidida pelos anciãos (mebenget) e proclamada pelos chefes. As queimadas ocorrem antes do “nascimento” da lua de agosto (muturwa katoro nu) e antes que os brotos de pequi (Caryocar villosum) estejam desenvolvidos demais. [...] Nem todos os kapôt são queimados no mesmo dia, nem sequer na mesma semana. Quando determinados kapôt são selecionados para a queima, os “proprietários” dos apétê vizinhos cortam a grama seca e arbusto em torno de seus apétê, para formar uma barreira contra o fogo. Ateiam, então, o fogo e ficam a postos com ramos de palmeira e banana braba (Ravenata guianensis) para abafar qualquer chama que se aproxime demais (POSEY, 1987b, p. 184). Com exceção da coleta de lenha, todas as tarefas nessa fase de implantação do roçado são realizadas exclusivamente por homens que utilizam terçado (facão), machado, foice e, quando disponível, a motosserra para a derrubada das árvores mais grossas. O ciclo do roçado vai se completar com o plantio, os cuidados com o plantio (a limpeza ou capina da roça é feita de 2 em 2 meses, aproximadamente) e, após um ano, com a primeira colheita (em se tratando da mandioca), onde são utilizados terçado, enxada, ferro de cavar, paneiros e panacu26 (Figura 19) para o desenvolvimento de tais tarefas. 25 26 Aceiro é o desbaste, de cerca de 1 metro, em volta do roçado, para que o fogo não ultrapasse esse limite. Palavra de origem Nenhagatu significa uma espécie de jamanxim feito de palha preta de curuá. É um cesto que se leva nas costas e serve para carregar mandioca, frutos, carne de caça, farinha e qualquer outro tipo de carga. Ao contrário do jamanxim, que é feito de forma mais caprichada, o panacu é feito de forma improvisada, rápida e normalmente só se usa uma vez (VAZ FILHO, 2010b) 95 Figura 19 – Panacú (cesto) utilizado pelos Borari para transportar cargas. Fotos cedidas pelo 2º cacique Dadá Borari. Nestas últimas etapas, as mulheres e crianças trabalham junto com os homens, bem como, quando da realização das tarefas anteriores (de broca e derrubada, quando realizados sob a forma de puxirum). Todavia, nestas etapas de broca e derrubada, as mulheres são responsáveis somente pelo preparo das bebidas e comidas que são servidas aos trabalhadores, fato igualmente retratado por Laraia (1986) entre os indígenas Tupi. O abandono da área para o pousio da terra fecha o ciclo de um roçado. O roçado é cultivado geralmente por dois anos, em sistema de replanta, e a área fica em pousio por, no mínimo, quatro anos. A área em pousio, no entanto, continua fornecendo vários produtos cultivados durante anos (HAVERROTH, 2010; ALBERT, 1992; POSEY, 1987b). É possível coletar alguns produtos dos roçados abandonados pelos Borari, tais como: banana, abacaxi, urucum, dentre outros. O que coincide com o documentado por Ramos (2008) em seu estudo com os Yanomami: as roças velhas e tomadas pelo mato continuam fornecendo alguns produtos como: banana, pupunha e alguns tubérculos. Após o tempo de pousio, as roças antigas são, geralmente, rebatidas, requeimadas e replantadas. A mão-de-obra e o tempo dispensado para esse trabalho é menor e mais fácil, se comparado a implantação de novos roçados em florestas ou ainda em capoeiras muito antigas. No entanto, como adverte Pezzuti e Chaves (2009), o rendimento também pode ser menor, devido ao esgotamento do solo. Os novos roçados são abertos comumente no verão (estação seca), fato observado também por Haverroth (2010), Pezzuti e Chaves (2009), Martins (2006), Albert (1992), Anderson e Posey (1990) e outros pesquisadores. Após os roçados serem abertos, aguardam- 96 se alguns meses para que a vegetação derrubada seque e a queima seja realizada. A queima dessa vegetação disponibiliza nutrientes ao solo (MARTINS, 2005; PERONI, 2004; ALBERT, 1992) que servem de fertilizantes e neutralizam sua acidez (HAVERROTH, 2010). Posey (1987b) destaca o uso do fogo pelos Kayapó como uma técnica utilizada no manejo dos recursos com o objetivo de fertilização do solo e abertura de espaço aos cultivos, além do controle da população de cobras e escorpiões. Após uns dias da realização da queima, os Borari realizam o plantio da mandioca, sendo os homens responsáveis pela abertura das covas e as mulheres e crianças por inserir a maniva27. Todos os informantes mencionaram possuir roças novas, ou seja, de primeiro plantio, e roças mais antigas já no segundo plantio, semelhante ao relatado por Ramos (2008) entre os Yanomami. Em quase todas as roças, foi possível perceber que havia manivas estocadas (Figura 20), oriundas da primeira colheita, prontas para o replantio. Figura 20 – Manivas estocadas na roça para o replantio. Fonte: Pesquisa de campo, 2010 A mandioca (Manihot esculenta Crantz) e o cará (Dioscorea sp.) são as principais espécies cultivadas pelos Borari de Novo Lugar em suas roças. No entanto, uma grande variedade de outras plantas alimentícias são encontradas nestes espaços, tais como: abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril), banana (Musa sp.), batata-doce (Ipomoea batatas L. (Lam.), cana-de-açucar (Saccharum officinarum L.), cará-roxo Dioscorea sp.), jerimum (Cucurbita pepo L.), mangarataia (Zingiber officinalis Rosc.), maxixe (Cucumis anguria L.), melancia (Citrullus vulgaris Schard.), milho (Zea mays L. ) e pimenta-de-cheiro (Capsicum sp.) (Figura 21). Este fato é considerado, por alguns autores, como Schröder (2003), como uma forma de 27 Estacas retiradas do caule da mandioca, que garantem a reprodução vegetativa dessa espécie. 97 minimizar os riscos de pragas. A associação de plantas em uma roça diminui a competição e aumenta a utilização de recursos (MARTINS, 2005). Figura 21 – Exemplos de roças entre os Borari. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. Muitos autores consideram a mandioca como o principal cultivo do sistema agrícola dos povos indígenas da Amazônia como, por exemplo, Pezzuti e Chaves (2009), Laraia (1986) e Kerr e Clement (1980). Chernela (1997) registrou, em seu estudo com os índios do Uaupés, o cultivo de várias espécies: banana, abacaxi, inhame, batata-doce, pimenta, coca, pupunha, umari, ingá e muitas plantas de uso medicinal. Entretanto, relata a autora, a mandioca ocupa 91% de toda a área cultivada. No entanto, outros autores registraram diferenças quanto ao principal produto cultivado nos roçados indígenas estudados. Schröder (2003) cita o milho e a banana, como o principal cultivo entre os Yanomami. Estudando também os Yanomani, Albert (1992) registrou o cultivo da banana (em 58,5% da superfície das roças dos Yanomani ocidentais), enquanto que, entre os Yanomami setentrionais, o principal cultivo na roça é a mandioca (ocupando 31% da área cultivada). Entre os Kaninauá e os Yawanawa, os principais cultivos 98 são a mandioca, a banana e o milho (CAMPOS; EHRINGHAUS, 2003). A maioria das famílias Borari possui de um a três roçados e a mandioca, com suas diversas variedades, é o cultivo principal e predominante. Para Ribeiro (1995), os cultivares indígenas têm grande importância na produção de alimentos e na geração de renda das populações indígenas. Neste ponto, Berta Ribeiro faz um destaque que é atual para o cultivo da mandioca: O cultivo da mandioca apresenta várias vantagens: 1) é pouco suscetível a pragas; 2) tem maior rendimento por unidade de área; 3) cresce em todo o tipo de solo tropical; 4) sendo pobre em proteína não retira do solo nitrogênio na mesma proporção que as outras plantas; 5) produz cerca de 5 a 6 meses depois de plantada; 6) a raiz pode ser estocada na própria roça, por dois a três anos, e retirada na medida da necessidade; 7) da mandioca se produz a farinha e inúmeros outro alimentos: vinte e oito pratos entre os índios do alto rio negro, Amazonas. (RIBEIRO, 1995, p. 175) Os roçados Borari podem ser compartilhados. Geralmente, isso acontece entre pais e filhos ou entre irmãos, existindo também casos em que cunhados ou primos compartilham o mesmo roçado, estes porém mais esporádicos. O tamanho dos roçados feitos pelos Borari varia entre 0,125 ha e 0,25 ha (2 e 4 tarefas, cada tarefa dos Borari medindo 625 m2). No entanto, em termos gerais, segundo Diegues e Arruda (2001), o tamanho das roças variam entre 0,5 e 5 ha entre os povos indígenas da Amazônia. Albert (1992) verificou que a área cultivada pelos Yanomami era algo em torno de 3 a 5 ha. O que difere do observado por Pezzuti e Chaves (2009), em seu estudo com os Deni, onde registraram roçados em torno de 15 ha. A diferença nos tamanhos dos roçados entre os indígenas pode ser devido ao número de indígenas na aldeia. Se a aldeia tiver baixa densidade demográfica, os roçados tendem a ser menores ou, ainda, quando os roçados são coletivos, estes são maiores, como é caso dos Deni. A distância entre os roçados Borari e a sede da aldeia varia bastante e pode estar entre 20 minutos e 1 hora e 10 minutos de caminhada. Segundo os Borari, os inimigos mais pertinazes aos roçados são as formigas saúvas que atacam a mandioca ainda pequena. O controle dessas formigas é feito através de uma mistura de tucupi28 e sal, jogado sobre o formigueiro, ou, ainda, através da utilização do formicida MirexR. Os indígenas dizem que só recorrem ao uso do Mirex “em último caso” e, comumente utilizam a mistura com o tucupi. Animais, como veados, cutias, capivaras e pacas, atacam as roças causando prejuízos aos indígenas, necessitando de vigilância constante dos donos. As roças dos Borari aparentemente não sofrem intensos ataques de pragas. Quando perguntados sobre esse assunto, os informantes dizem “não sofrerem desse mal, só saúva mesmo...” (Sr. Floriano Alves Borari, 65 anos). 28 Tucupi é um líquido extraído da mandioca, é obtido após a mandioca ter sido ralada, a massa é espremida e o líquido é separado. 99 5. 3.1 A Magia do Plantio nos roçados Este tópico refere-se às crenças, ritos e cuidados considerados importantes pelos Borari para o sucesso do ano agrícola. Antes do plantio da mandioca, são realizados dois rituais, tidos como principais pelos indígenas: o ritual do plantio, mais conhecido como o ritual da mãe-da-roça, referente à etapa de plantio; e o ritual da fumaça, referente ao ritual de crescimento das plantas, destinado a fortalecer o crescimento da mandioca. O ritual da mãeda-roça é descrito pelo Cacique e Pajé Sr. Higino Alves Borari e o ritual da fumaça é descrito pela Senhora Edite Alves Borari a seguir: “É..., a mãe-da-roça é pras mandioca crescer protegida, bonita, pra defender. Olha, você faz um jacaré ou uma arraia na roça, é no chão, antes de fazer o seu plantio, eles vão comer a doença que cai na planta. Você faz um desenho do bicho e vai plantando a maniva até preencher o jacaré. Pode ser também um peixe-boi, esse é pra crescer a mandioca. Esse ritual é meu pai que ensinou pra nós, ele aprendeu com meu avô” (Cacique e Pajé Sr. Higino Alves Borari, 56 anos) “A fumaça é pra crescer a mandioca, a gente pega, é... casco de jabuti e coloca casca de invirataia, de pau-de-angola, dente de alho, osso de cobra e queima, defuma todos os cantos da roça deixando o casco lá na roça. Tem que deixar um canto lá, pra doença sair” (Sra. Edite Alves Borari, 43 anos) Além dos dois rituais descritos acima, os Borari ainda fazem o mauari, que consiste na plantação, em forma de cruz, da maniva. Este é realizado logo após a queima do roçado com o objetivo de proteger a roça de pragas (lagartas) e da queima das folhas novas da mandioca. Outro cuidado considerado muito importante pelos Borari é a questão da mulher menstruada. Esta não pode ir à roça porque atrai as formigas, “quando uma mulher menstruada vai na roça as formiga e as saúvas ficam tudo braba e comem as folhas das maniva” (Senhora Edite Alves Borari, 43 anos). A senhora Zilda Borari relatou que quando inicia sua roça, ela canta e grita para que as manivas cresçam e sua produção seja grande: “Olha eu converso com a minha roça, eu falo, canto, grito, porque ninguém gosta de tristeza, de ficar sozinho né? As maniva também não gosta, quando eu vou lá e converso com elas, elas crescem fortes e bonitas e dão cada raiz que é muito grande, minha mãe fazia isso e eu aprendi com ela” (Zilda Alves Borari, 69 anos). Os resultados apresentados no corrente estudo com os Borari demonstram que, até o momento, as atividades agrícolas praticadas por esses indígenas não representam ameaças à manutenção dos ecossistemas locais, na escala em que ocorrem, pois estes não desmatam grandes áreas para a implantação de seus roçados e só cortam ou derrubam árvores em casos realmente necessários, caso contrário, estas são sempre poupadas. Ratificando assim as 100 discussões levantadas por autores, como Haverroth (2010), quanto ao sistema de produção indígena, o qual afirma que estes “sistemas de produção e uso de recursos naturais são de baixo impacto ambiental, permitindo a conservação dos ecossistemas”. Para Haverroth (2010) o fato de desmatar pequenas áreas, derrubando somente o necessário para o cultivo de roçados e abertura de caminhos, além do abandono da área, após um determinado tempo, para o pousio, torna o processo de regeneração da floresta mais acelerado. Desse modo, também Anderson e Posey (1990) afirmam que a agricultura praticada por alguns povos indígenas, como os Kayapó, não acarreta a exaustão do meio ambiente. Diante dos resultados obtidos em suas pesquisas, estes autores observam que “é possível cultivar a terra sem comprometer o ecossistema, explorando recursos e técnicas de trabalho que, ao contrário das aplicadas por nós respeitam as características fundamentais das áreas utilizadas e favorecem sua diversidade típica” (ANDERSON; POSEY, 1990, p. 200). Para endossar essa observação, citamos também, a seguir, a reflexão feita por Balée (1993): Isto não significa que os índios agricultores da Amazônia não tenham alterado o meio ambiente de maneira significativa. Eles o fizeram: mas, em lugar de terem provocado extinções, parecem ter na verdade contribuído para o aumento da diversidade biológica. Esta aparente ação diversificadora estende-se desde os tempos do Neolítico até o presente, e seu mais notável testemunho é a série de espécies domesticadas e semi-domesticadas presentes na Amazônia (BALÉE, 1993, p. 386). 5.3.2 Estocagem e processamento da mandioca A mandioca é geralmente estocada na própria roça e a colheita é feita conforme as necessidades dos Borari. Estes indígenas consomem a mandioca de várias formas, que vai desde cozida ou em forma de mingau (macaxeira, manicuera - mandioca mansa), até a farinha e seus derivados (mandioca brava), tucupi, tapioca (povilho), beijus (em suas diversas formas: beiju cica, mole, beiju duro, beiju de tapioca, entre outros), tarubá, tiborna, crueira, carimã (os dois últimos são uma espécie massa bem peneirada de mandioca para fazer mingau e bolos) e outros. O processo de beneficiamento da mandioca varia de acordo com a forma de consumo. O tarubá, bebida obtida através da fermentação da massa de mandioca, é geralmente produzido quando há trabalhos coletivos, festas ou para ofertar aos que visitam Novo Lugar ou estão realizando algum tipo de trabalho na aldeia, como no nosso caso. Durante o trabalho de campo, várias famílias fabricaram a bebida para nos ofertar. A farinha é a principal forma de processamento da mandioca (Figura 22). Em linhas gerais, as etapas dessa fabricação são: a coleta da mandioca nos roçados, seguida do descascamento das raízes tuberosas, com a utilização de facas e terçados, cevagem da 101 mandioca, com um ralador manual, confeccionado com latas furadas ou com motor à gasolina. Após a mandioca ser cevada esta é misturada à massa de mandioca mole29, a mistura é feita nas gareiras. A prensagem da massa é realizada através do tipiti e a torrefação é realizada em fornos de latão aquecidos com lenha. Esta última atividade é realizada por homens e mulheres. Após a torrefação, a farinha é colocada em sacos para consumo interno e para a venda, que é feita para os donos de embarcação que realizam viagens pelo Rio Maró ou levada para a cidade de Santarém, onde é vendida no mercado local. Figura 22. Algumas etapas da fabricação de farinha A – colheita de mandioca; B – Descasca da mandioca; C – Prensagem da massa; D – Massa de mandioca sendo peneirada e torrada. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. 29 Alguns dias antes da descasca da raiz, uma porção de mandioca é coletada e colocada de molho, em sacos, no rio ou em cascos cheios de água, com a finalidade de obter a massa da mandioca mole. 102 5.4 QUINTAIS Iniciaremos este tópico conceituando os termos quintal e quintal agroflorestal. O termo quintal é usado para se referir ao espaço do terreno, situado ao redor da casa, regularmente manejado, onde são cultivadas plantas para vários fins, tais como: alimentares, condimentares, medicinais, ornamentais, etc., e criados animais domésticos de pequeno porte como: galinhas, patos e cachorros (AMOROZO; GÉLY, 1988; LIMA; SARAGOUSSI, 2000). Já os quintais agroflorestais podem ser entendidos como sistemas de uso da terra envolvendo o manejo de árvores e arbustos, em íntima associação com cultivos agrícolas e criação de animais, dentro dos limites das residências, e intensivamente manejados através do trabalho familiar (FERNANDES; NAIR, 1986). Neste estudo, optamos por utilizar e definir os quintais dos indígenas de Novo Lugar como do tipo agroflorestal, por estes apresentarem as características descritas acima (Figura 23). Figura 23. Exemplos de quintais agroflorestais entre os Borari de Novo Lugar. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. Em geral, os quintais dos Borari de Novo Lugar são bem cuidados e limpos, apresentando grande diversidade de plantas úteis. De acordo com Miller et al. (2006), estes espaços são geralmente limpos diariamente para evitar a presença de cobras e insetos. Na Aldeia Novo Lugar, os quintais não possuem cercas, nem muros, sendo delimitados geralmente por espécies vegetais, tais como: cajueiros (Anacardium occidentale L.), ingazeiros (Inga sp.), mangueiras (Mangifera indica L.), bacabeiras (Oenocarpus bacaba Mart), tucumanzeiros (Astrocaryum vulgare Mart.) e seringueiras (Hevea brasiliensis M. Ang.). Em geral, as plantas medicinais e as verduras ficam localizadas próximas às casas num jirau suspenso. São nos quintais que estão localizadas as casas de farinha, espaço de trabalho, mas 103 também de sociabilidade. Durante o trabalho de campo, foi observado que, quando uma família inicia os trabalhos na casa de farinha, logo outros Borari começam a chegar para conversar e ajudar a família em todas as etapas da fabricação de farinha. Os quintais são espaços que apresentam várias funções para os Borari, entre elas, servem para promover festas, encontros e reuniões comunitárias, brincadeiras de crianças, rezas e para o descanso da família, além da criação de pequenos animais domésticos (como galinhas, patos e cachorros) e secagem das roupas (Figura 24). Para Dubois (1996), o quintal é um espaço tanto para plantações de espécies úteis e criação de pequenos animais como um espaço de convívio social. Neste sentido, Miller et al. (2006) salientam o valor dos quintais para as famílias e a importância do avanço nas pesquisas em relação a estes espaços, no sentido de estudar não só a composição, freqüência e uso das espécies neles existentes, mas também as funções no contexto social e agrícola de subsistência. Figura 24 – Funções dos quintais para os Borari de Novo Lugar. A: Cultivo de plantas medicinais e verduras em jirau suspenso; B: Espaço de recreação para as crianças e criação de animais; C: Secagem de roupa no quintal por mulher Borari e D: Reunião de indígenas na casa de farinha para início dos trabalhos de fabricação da farinha. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. 104 Estas funções dos quintais também foram observadas na aldeia dos Waimiri-Atroari (MILLER et al., 2006). Nota-se, também, que os Borari mantêm em seus quintais um rico banco de germoplasma, sobretudo de espécies alimentícias. Algumas plantas, antes de serem cultivadas nas roças, ou em outras áreas da Aldeia, são primeiramente plantadas nos quintais para melhor adaptação e só após a semente germinar e a planta estar com certo grau de desenvolvimento, é que são levadas para seus lugares definitivos como as roças (Figura 25). Desse modo, pode-se considerar que os quintais são espaços onde novas espécies e variedades vegetais são testadas, aclimatadas e multiplicadas antes de se fazer plantios mais extensos (MILLER; NAIR, 2006). Figura 25 – Banco de germoplasma in vivo, “Berçário” de mudas de laranjeiras (A) e cupuaçuzeiros (B). Fonte: Pesquisa de campo, 2010. Os quintais Borari apresentam grande diversidade de espécies distribuídas em diferentes estratos e zonas de manejo, o que teoricamente pode nos proporcionar subsídios para a discussão sobre as práticas de manejo e gestão desse ambiente, considerando o conhecimento e as práticas realizadas nestes espaços pelas comunidades indígenas, já que a interação entre os recursos naturais e o seu manejo, por parte dos Borari, está baseada em seus conhecimentos, necessidades e utilização de tecnologias simples. Os sistemas agroflorestais incorporaram uma variedade de espécies, atestando sua flexibilidade e a capacidade de inovação dos agricultores (MILLER et al., 2006), sejam eles indígenas ou não. Segundo Miller e Nair (2006), a prática de quintais agroflorestais de origem indígena é mantida viva tanto pelos grupos indígenas remanescentes quanto pelas populações ribeirinhas e caboclas de origem mestiça, pois os quintais agroflorestais tradicionais representam um equilíbrio dinâmico das práticas indígenas com o cenário criado pelo 105 processo de colonização (MILLER et al., 2006). Lock (1996) discute os quintais agroflorestais como sistemas que demonstram, através de sua complexidade, características como: eficiente ciclagem de nutrientes, alta biodiversidade e grande potencial para a conservação da estrutura física e da fertilidade do solo. Neste sentido, podemos citar o estudo realizado por Pinho et al. (2011), nas savanas de Roraima, com as etnias Macuxi, Wapixana, Taurepang e Sapara, que constituem a Terra Indígena Araçá, onde observaram que a fertilidade do solo foi resultado da escolha e combinação de plantio de árvores e da ocupação humana. Para estes autores, a melhoria das características do solo, nos quintais, ao longo do tempo, forma as ilhas de fertilidade. As manchas de terra com maior fertilidade são encontradas em torno das casas, isso se deve a maior concentração de nutrientes gerados a partir das ocupações humanas, já que estas descartam, em áreas específicas, dejetos de fácil decomposição, como restos de alimentos e matéria orgânica proveniente da limpeza do próprio quintal, como folhas e frutos (MILLER et al., 2006). Posey (1987), em seu artigo sobre o ”Manejo da floresta secundária, capoeiras, campos e cerrados (Kayapó)”, observa que um dos principais resultados do manejo de quintais pelos Kayapó é a formação de um solo muito fértil. Afirma, ainda, que estes espaços podem ser alguns dos mais ricos e produtivos solos da Amazônia e isso se dá devido ao seu manejo. Estas faixas de solos férteis são denominadas de “terra preta dos índios”. Os Borari associam os quintais como pertencentes à unidade familiar residente na casa, ou seja, em uma casa onde residem duas famílias, o quintal é gerido pelas duas famílias. No entanto, a palavra final é sempre da matriarca da família. Pois o quintal “pertence” à mulher do dono da casa. Ela é a responsável pelo manejo e a gestão dos recursos naturais desse ambiente, bem como pelo cuidado dedicado a ele, como a limpeza e trato com os pequenos animais. Nos 17 quintais estudados na aldeia Novo Lugar, foram levantadas 128 espécies vegetais (ver apêndices A), às quais são atribuídos diferentes usos (medicinal, mágico, alimentício, ornamental, confecção de utensílios e artesanato (incluindo-se, nesta categoria, as destinadas à pintura corporal). Assim sendo, os quintais podem ser considerados como um componente importante de subsistência, tecnologias e conhecimentos culturais de indígenas amazônicos (MILLER et al., 2006). É importante ressaltar que as espécies mais comuns nos quintais dos Borari são de uso 106 múltiplo, estando incluídas em duas ou mais categorias de uso. O açaí (Euterpe oleraceae Mart.), encontrado em todos os quintais, e o abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril), encontrado em 15 dos 17 quintais da aldeia, são utilizadas como alimento e medicinal. Neste estudo, relacionamos especialmente aquelas espécies dos quintais consideradas principais pelos Borari, as quais são apresentadas no item 4.5 deste capítulo. Ao se tratar da origem das plantas nos quintais, verificamos que 17 (dezessete) das 128 espécies cultivadas pelos Borari foram trazidas pelos mesmos das florestas de terra firme, da capoeira, das florestas de igapó, das matas às margens de lagos e igarapés (Figura 26) com a intenção de tê-las mais próximas de casa e facilitar assim o acesso a estas espécies, como explicita a fala do Senhor Floriano Borari: “Eu planto essas plantas aí que trago de outro lugar, da mata, da colônia, até lá do lago, pra ver a natureza perto de casa, árvores, frutas atrai bicho, passarinho eu gosto. Pra ter também frutas e remédios por perto pra dar para os filhos, netos e vizinho e é por isso que acho que o quintal é importante pra mim” (Sr. Floriano Alves 65 anos). Figura 26 – Quadro: Plantas trazidas das florestas de terra firme, florestas de igapó, capoeiras, margens de lagos e igarapés pelos Borari para serem cultivadas em seus quintais. Nome Vulgar/ Nome científico Categoria de uso atribuída Origem da planta Forma de plantio no quintal Abacate Persea americana Mill. Açaí Euterpe oleraceae Mart. A M A, M, ART Igarapé da Raposa Semente Muda Semente Andiroba Carapa guianensis Aublet. M Floresta de igapó Mata da Beira do lago Mata da Beira de Igarapé Florestas Araticum Annona montana Macf. Arcanfocaá Barreria latifólia (Aubl.) K. Schum. Arraiacaá Piper marginatum Jacq. Buriti Mauritia flexuosa L. Caju Anacardium occidentale L. Cumapú Physalis angulata L. Cumaruzinho (não identificada) A,M Capoeiras Muda MAG Floresta de igapó Muda MAG Floresta de igapó Muda A, ART, ADU A, M Floresta de igapó Muda Capoeira Semente M Capoeira Muda MAG Floresta Muda Muda 107 Figura 26– Continuação Nome Vulgar/ Nome científico Categoria de uso atribuída A Origem da planta A, M Capoeira A, M Floresta Forma de plantio no quintal Muda Semente Semente Raiz Semente Seringa Hevea brasiliensis M. Ang. ART Florestas Muda Taperebá Spondias mombim L. Vassoureira Myrciaria floribunda (H. West ex Willd.) O. Berg Vindicá Alpinia zerumbet (Pers.) B. L. Burtt & R.M. Sm. A, M Capoeira Muda M, F.U Capoeiras Galho M, MAG. Florestas Muda Curuminzeiro Justicia pectoralis Jacq. Laranja Citrus sinensis L. Osbeck Muruci-açu Byrsonima aerugo Sagot Capoeira Categoria de Uso: A = alimentícia; M = medicinal; MAG. = mágica; ART. = confecção de artesanato; ADU. = adubo; F. U. = fabricação de utensílios Fonte: Pesquisa de Campo, 2010 Nota-se que às espécies trazidas pelos Borari, de seus ambientes naturais, para cultivo em seus quintais são atribuídas geralmente mais de uma categoria de uso e forma de introdução, a qual pode se dar através da plantação de sementes, raízes, mudas e galhos. As espécies vegetais da floresta que os Borari gostariam de ter em seus quintais são: piquiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers.) [nove citações], uxi-liso (Endopleura uchi (Hub) Cuart.) [oito citações], castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.) [seis citações], mururé (Brosimum obovata Ducke) [quatro citações], andiroba (Carapa guianensis Aublet.), sucuúba (Hiamatanthus sucuuba (Sppruce) Woodson) e tauari (Couratari oblongifolia Ducke & R. Knuth) [todas com três citações], copaíba (Copaifera sp.) e muirassacaca (Croton cajucara Benth.) [com duas citações] e pepina (não identificada), abiu (Pouteria caimito (Pavon) Radlk) e caju-açú (Anacardium spruceamum Benth. Ex Engl.) [com apenas uma citação]. Os motivos pelos quais os Borari gostariam de ter essas espécies em seus quintais, segundo os próprios indígenas, dizem respeito à importância das mesmas como alimentícias e medicinais, a grande distância que devem percorrer para encontrarem e obterem estas plantas e, finalmente, o medo de penetrar na mata devido à presença dos madeireiros e seus funcionários. O mururé, por exemplo, é encontrado na cabeceira do Igarapé do Cachimbo e, 108 para atingi-lo, é necessário que os indígenas atravessem o Condomínio Agroflorestal Japurá (base dos madeireiros) e fazendas de “propriedade” desses empresários. 5.4.1 A magia do plantio nos quintais Kerr e Clement (1980), em seus estudos com os Desâna e Tikúna, registraram algumas crendices (rituais) associadas aos seus cultivos de pupunha. Entre os Desâna: a) raspando a semente com um ralo, a planta não produz espinhos e, b) se amarrar as folhas novas em cima, a árvore crescerá pouco e produzirá cachos a baixa altura. Entre os Tikúna: a) no momento do plantio, deve-se ter nas costas um paneiro bem cheio, de modo a se fazer bastante esforço, isso fará a pupunheira produzir muito; b) plantando com casca de aruá (Pomatium amazonicum) a pupunheira dará cachos bem baixo, sem isso dará alto; c) se passar banha de tartaruga na semente as pupunhas sairão oleosas e, d) se raspar a semente, lixá-la até ficar lisinha, esfregando na cinza, a planta sairá sem espinhos. Nenhum desses rituais foi observado ou mencionado pelos indígenas de Novo Lugar, porém, os Borari costumam realizar também, em seus quintais, o ritual da fumaça, praticado nos roçados, para que as plantam tenham um bom desenvolvimento. Arranhar o caule das fruteiras com espinha de peixe é outro rito praticado pelos indígenas com o objetivo de que as mesmas dêem uma boa safra. As mulheres menstruadas não manejam as plantas nesse período e as ervas medicinais não podem ser fervidas quando elas estão neste estado, pois isso causa a morte da planta. Plantas como arruda (Ruta graveolens L.), cuja utilidade é a proteção da família e da casa, não podem ser plantadas em lugares onde fiquem expostas à vista, seu cultivo é realizado em locais reservados, quase que escondidos, pois, caso contrário, as pessoas tiram a força da planta e ela morre. 5.5 PRINCIPAIS ESPÉCIES VEGETAIS UTILIZADAS E MANEJADAS PELOS BORARI: LEVANTAMENTO ETNOBOTÂNICO Os Borari utilizam, manejam e cultivam, espécies vegetais de diferentes ambientes da Aldeia (florestas, capoeiras, roças e quintais). Todavia, neste estudo, demos maior ênfase aos ambientes de florestas, roças e quintais. Neste tópico, são apresentadas as plantas consideradas pelos Borari como principais para a manutenção dos seus modos de vida, agregando-se dados sobre o seu uso e manejo (Figura 27). 109 Figura 27 – Número de espécies vegetais consideradas mais importantes pelos Borari em diferentes ambientes explorados pelos indígenas na Aldeia Novo Lugar. Fonte pesquisa de campo, 2010. Como aponta a Figura 27, a floresta guarda o maior número de espécies consideradas muito importantes pelos Borari, se comparada a quintais e roças. Algumas das espécies da floresta são cultivadas posteriormente nos quintais, porém, a maioria delas são coletadas pelos Borari diretamente no seu ambiente natural (Figura 26). Os Borari identificam facilmente os locais de ocorrência destas espécies na mata, o que os permite obtê-las com facilidade, em caso de necessidade. Ming e Amaral Junior (2003), em seu estudo na Reserva Extrativista Chico Mendes, confirmam o hábito dos indígenas de não plantarem certas espécies perto de casa por terem uma relação muito íntima com floresta. Ratificando a observação de Ming e Amaral e, reforçando a prática de coleta dos recursos naturais diretamente da floresta, citamos abaixo trecho de entrevista com o Senhor Higino Alves Borari: “Não é preciso plantar, ter perto de casa muitas dessas plantas, basta ir coletar na mata ou em outro lugar, no igapó, na beira do lago, do igarapé, no lugar dela para pegar, eu sei onde tá tudo essas plantas” (Cacique e Pajé Higino Alves Borari, 56 anos). Foram levantadas, nos 17 quintais Borari analisados, 128 espécies vegetais (Apêndice A) utilizadas, manejadas e cultivadas pelos indígenas, das quais oito (8) foram consideradas muito importantes para eles. A saber: açaí (Euterpe oleraceae Mart.), abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril), banana (Musa sp.), caju (Anacardium occidentale L.), arruda (Ruta graveolens L.), goiaba (Psidium guajava L.), urucum (Bixa orellana L.) e cupuaçu 110 (Theobroma grandiflorum Schum.) (ver também Figura 28). Enquanto que, entre os 17 (dezessete) roçados estudados, na Aldeia Novo Lugar, onde registrou-se a ocorrência de 14 espécies de plantas cultivadas pelos indígenas (Apêndice B), em forma de consórcio, apenas duas (2) foram apontadas como principais: mandioca (Manihot esculenta Crantz) e cará (Dioscorea sp.). Por sua vez, os Borari citaram 93 espécies vegetais (Apêndice C) utilizadas e manejadas por eles oriundas das florestas de terra firme, dentre as quais, 21 (vinte e uma) foram consideradas muito importantes para sua reprodução social, são elas: andiroba (Carapa guianensis Aublet.), arumã (Thalia geniculata L.), bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.), buruti (Mauritia flexuosa L.), castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.), cipó-titica (Heteropis flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting), copaíba (Copaifera sp.), cumaru (Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.), curuá (Attalea spectabilis Mart), envira-taia (Anona ambotay Aubl.), itaúba (Mezilaurus itauba Taubert ex Mez.), jatobá (Hymenae courbaril L.), muirassacaca (Croton cajucara Benth), mururé (Brosimum obovata Ducke), patauá (Oenocarpus bataua Mart.), piquiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers.), preciosa (Aniba canellila Mez.), taurari (Couratari oblongifolia Ducke & R. Knuth), ucuúba-preta (Virola sp.), uxi curuba (Hirtella sp.) e uxi liso (Endopleura uchi (Hub) Cuart.). No total, foram consideradas pelos Borari 31 espécies vegetais como principais para a manutenção de seus modos de vida (Figura 28). Para a sistematização destas plantas, foram consideradas oito (8) categorias de uso, indicadas pelos Borari, nas quais buscamos incluir as diversas formas de utilização dos recursos vegetais, nos diferentes espaços explorados e estudados na Aldeia Novo Lugar. Os critérios gerais, indicados pelos indígenas, para a inclusão dessas plantas nestas categorias de uso estão descritos abaixo: Alimentícia – todas as plantas utilizadas, de alguma forma, na dieta alimentar dos Borari, sendo elas extraídas ou cultivadas. Várias dessas espécies são apontadas também como alimento para animais; Medicinal – aqui foram consideradas apenas as plantas utilizadas como remédio para a cura de doenças físicas pelos indígenas; Mágica – incluem-se, nesta categoria, exclusivamente as plantas utilizadas nos rituais praticados pelos Borari e na cura de doenças do espírito, tais como encantamento, mal olhado e feitiços, assim como aquelas utilizadas para a proteção de pessoas e casas e para dar sorte à caçadores e pescadores; 111 Artesanal – espécies vegetais utilizadas na confecção de adornos, roupas, enfeites, tintura de utensílios e pintura corporal; Adubos – plantas cuja utilidade é a de adubar outras plantas; Fabricação de utensílios – espécies vegetais utilizadas para a fabricação de utensílios domésticos, como colheres, remos, móveis, arcos, cuia-péua, tipiti, peneiras, paneiros, jamanxins, panacú e outros; Construção – plantas utilizadas na construção das habitações e demais edificações da Aldeia, assim como de canoas e bajaras; Atrativo para a caça – incluem as espécies vegetais que servem para atrair a caça. Os povos indígenas possuem um vasto conhecimento sobre as plantas que manejam e utilizam. Milliken et. al., (1992) registraram o conhecimento dos Waimiri-Atroari em relação às plantas que manejam e utilizam. Segundo os autores, foram atribuidas seis categorias de uso para as plantas utilizadas pelos indígenas estudados: alimentícia, tecnologia, medicinais, construção, rituais e comerciais. 112 Figura 28 – Quadro: Levantamento etnobotânico das espécies vegetais consideradas mais importantes pelos Borari da Aldeia Novo Lugar. Nome Popular/ Nome Científico Abacaxi Ananas comosus (L.) Merril Açaí Euterpe oleraceae Mart. Família Botânica Bromeliaceae Arecaceae Ambiente onde as plantas são extraídas e/ou cultivadas Quintais Roças Quintais Floresta Hábito Categoria de uso Parte utilizada E A - Fruto PAL M A M ART Andiroba Carapa guianensis Aublet. Meliaceae Floresta A M ATRA Arruda Ruta graveolens L. Rutaceae Quintais E M MAG. Arumã Thalia geniculata L. Marantaceae Floresta PAL ART./F.U Formas de Uso - Alimento humano (suco ou in natura; licor servido em rituais) - Folhas - Eliminar vermes de cachorros - Fruto - Alimento humano (vinho e in natura) e para pássars - Raiz - Tratar hepatite e anemia - Sementes - Confeccionar colares, pulseiras, brincos e outros. - Óleo do - Combater o inchaço, baque, tosse, ferida e fruto desmintidura30 - Afugentar mosquitos - Fruto - Os frutos são apreciados por animais como: paca, jabuti, cutia, macaco, queixada, etc. Na safra os Borari aproveitam para esperar próximo da árvore a caça para abatê-la - Folhas - Tratar a dor de estômago; derrame; limpar o útero após o parto; dor de cabeça; esipla (erisipela) e constipação - Folha/planta - Combater mal olhado; proteger a casa e as inteira pessoas - Folhas Fabricação de paneiros, cestos e peneiras Hábito: A = árvore; AB = arbusto; C = cipó; E = erva; PAL = palmeira. Categoria de Uso: A = alimentícia; M = medicinal; MAG.. = mágica; ART. = utilizada para a confecção de artesanato; ADU. = adubo; F. U. = fabricação de utensílios; CONS. = construção; ATRA = atrativo para caça. 30 Desmintidura ou desmentidura é a junta de ossos machucada devido ao mau jeito, quedas ou baques; ossos deslocados, destrocados ou batidos. Fala-se que “o osso saiu do lugar” (VAZ FILLHO, 2010b) 113 Figura 28 – Continuação Nome Popular/ Nome Científico Família Botânica Bacaba Oenocarpus bacaba Mart Banana Musa sp. Arecaceae Musaceae Buruti Mauritia flexuosa L. Arecaceae Caju Anacardium occidentale L. Anacardiaceae Cará Dioscorea sp. Castanha-do-Pará Bertholletia excelsa Bonpl. Dioscoreaceae Lecythidaceae Ambiente onde as plantas são extraídas e/ou cultivadas Quintais Floresta Hábito Categoria de uso Parte utilizada PAL A - Fruto Quintais Roçados E ART./F.U A M - Folhas - Fruto - Seiva do tronco Floresta PAL A ART ATRA - Fruto - Folhas - Fruto ADU - Folhas/tronco A - Fruto M - Casca do tronco E A - raiz A A - Fruto M ATRA - Ouriço - Fruto e flor Quintais Roças Quintais Floresta A Forma de Uso - Alimento humano (vinho ou in natura) e para pássaros, - Para a fabricação de tipiti e peneiras - Alimento humano (in natura ou mingau) - Curar feridas na boca de criança; tosse e estancar sangue - Alimento humano (in natura e/ou “vinho”) - Fabricação de tipiti e peneiras - Apreciados por animais como: antas, queixada, catitu, etc. Na safra os Borari esperam a caça, próximo da árvore, para abatê-la - Quando estão apodrecidos os Borari colocam nas plantas que cultivam para adubálas - Alimento humano (in natura e suco) e de animais (passarinhos) - Curar tosse, ferida, diarréia e como cicatrizante - Alimento humano (sob a forma de mingau, tiborna, manicuera e cozido) - Alimento humano (in natura, mingau, e leite para temperar comida (caça) - Combater a hepatite - Na época em que as flores e frutos estão caindo, os Borari esperam, próximo às árvores, animais como: cutia, macacos antas, paca, queixada, catitu, etc, para caçá-los 114 Figura 28 – Continuação Nome Popular/ Nome Científico Família Botânica Ambiente onde as plantas são extraídas e/ou cultivadas Hábito Categoria de uso Parte utilizada Cipó-titica Heteropis flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting Copaíba Copaifera sp. Cumaru Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. Cupuaçu Theobroma grandiflorum Schum. Curuá Attalea spectabilis Mart Envira-taia Anonna ambotay Aubl. Araceae Floresta C CONS - raiz - Para amarrar a palha nos caibros e cobrir a casa Caesalpiniaceae Floresta A M - Óleo - Curar a tosse, baque, derrame e inflamação Fabaceae Floresta A M F.U. - Semente - Madeira - Para combater a tosse, gripe e catarro - Para a fabricação de mesas e bancos Sterculiaceae Quintais A A ART - Alimento humano (vinho, suco e doce) - Para a confecção de cuias Arecaceae Floresta PAL Anonaceae Floresta A CONS A M - Fruto - Casca do fruto - Folhas - Fruto - Sumo da entre casca - Casca MAG. Goiaba Psidium guajava L. Myrtaceae Quintais A A M Itaúba Mezilaurus itauba Taubert ex Mez. Lauraceae Floresta A CONS. - Fruto - Folhas jovens - Madeira F.U - Madeira Forma de Uso - Para cobrir as casas - Alimento humano (in natura e mingau) - Combater o reumatismo - Defumação para: espantar mal olhado, pessoa encantada, olhada de bicho e para que as plantas cresçam sadias e produzam bem (ritual da fumaça) - Alimento humano e de animais como pássaros, galinhas e porcos - Para tratar a diarréia - Construção de casas e canoas (bajaras e cascos) - Fabricação de remos, arcos, cuia-peuá (apá para mexer a farinha quando está sendo torrada) 115 Figura 28 – Continuação Nome Popular/ Nome Científico Jatobá Hymenae courbaril L. Mandioca Manihot esculenta Crantz Família Botânica Caesalpiniaceae Euphorbiaceae Ambiente onde as plantas são extraídas e/ou cultivadas Floresta Roçados Quintais Hábito Categoria de uso Parte utilizada A A .- Fruto M ATRA - Casca - Fruto A - Raiz AB M ADU Muirassacaca Croton cajucara Benth. Mururé Brosimum obovata Ducke Patauá Oenocarpus bataua Mart. Piquiá Caryocar villosum (Aubl.) Pers. - Casca da raiz - Tucupi da raiz Folhas/casca Euphorbiaceae Floresta A M MAG. Moraceae Floresta A M - Folhas Arecaceae Floresta PAL A ATRA - Frutos Caryocaraceae Floresta A A M - Fruto Forma de Uso - Alimento humano (in natura; mingau, na comida (como tempero na carne de caça) - Curar gripe, tosse e hemorragia - Os Borari esperam por animais como: anta, paca, cutia, macaco embaixo da árvore quando os frutos estão caindo. - Alimento humano (farinha, beiju, tarubá, tucupi e tapioca) e para animais (porcos e galinhas) - Combater a Esipla (emplasta-se o local afetado com a massa da macaxeira) - As cascas das raízes são queimadas e depois de frias são colocadas nas plantas para adubálas - Matar formigas saúvas (sob a forma de tucupi) - Combater a gastrite - Fabricação do cigarro do pajé no ritual de cura - Tratar o reumatismo e o baque - Alimento humano (in natura e em vinho) - Os Borari esperam animais como: paca, veado, macaco, cutia e outros, próximo ao patauazeiro para caçá-los - Alimento humano (cozido) - Fabricação do óleo para passar em inchaços e hérnias 116 Figura 28 – Continuação Nome Popular/ Nome Científico Família Botânica Hábito Categoria de uso Parte utilizada Lauraceae Ambiente onde as plantas são extraídas e/ou cultivadas Floresta A M - Casca Lecythidaceae Floresta A CONS MAG. Madeira Folhas/casca Myristicaceae Floresta A M - Casca Bixaceae Quintais Roçados AB - Frutos Uxi curuba Hirtella sp. Humiriaceae Floresta A A/ ART M A ATRA Uxi liso Endopleura uchi (Hub) Cuart Humiriaceae Floresta A M A ATRA - Casca - Fruto Preciosa Aniba canellila Mez. Taurari Couratari oblongifolia Ducke & R.Knuth Ucuúba-preta Virola sp. Urucum Bixa orellana L. - Raiz - Fruto - Casca Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Forma de Uso - Tratar a dor no estômago e a gastrite - Construção das casas - Tirar mal olhado, olhada de bicho e enrolar o cigarro do pajé utilizado nos rituais - Curar a tosse, diarréia, e amebas - Temperar comida - Realizar a pintura corporal e de utensílios - Curar micoses de cachorros - Alimento humano (in natura) - Na safra, os Borari esperam animais como: veado, anta, queixada, catitu, tatu, paca, cutia, macaco, jacu, inambú e outros, próximo ao uxizeiro para caçá-los. - Curar tosse (fabricação de xarope) - Alimento humano (in natura) - Na safra, os Borari esperam animais como: veado, anta, catitu, tatu, paca, cutia, macaco, jacu, inambú e outros bichos para caçá-los. - Curar a tosse (fabricação de xarope) 117 Conforme aponta a Figura 28, algumas das 31 plantas consideradas pelo Borari como mais importantes são constantemente utilizadas para diferentes finalidades. Dez (10) dessas 31 plantas apresentaram três diferentes tipos de uso. Entre os usos múltiplos, destaca-se a combinação alimentícia-medicinal-atrativo para a caça (com cinco plantas indicadas), seguida da combinação alimentícia-medicinal (com quatro plantas indicadas), medicinal-mágica e alimentícia-medicinal-artesanal (com três plantas indicadas, cada). Percebemos que estas espécies podem possuir certa centralidade na vida e no cotidiano dos indígenas, no entanto, é salutar ressaltar que outras plantas, que tem apenas uma finalidade de uso, também podem ser extremamente importantes para os Borari, como é o caso do cará, da copaíba e do mururé (por sua especificidade e rara ocorrência na área). As espécies de usos múltiplos oriundas da floresta são manejadas pelos Borari, principalmente pela técnica da coleta, de forma que suas intervenções acarretem o mínimo de prejuízo à ocorrência dos recursos na área, isto é, quando uma fruteira está na época da safra, tem-se o cuidado de não coletar todos os frutos desta planta para o consumo, possibilitando a sua reprodução; ou, ainda, quando se coleta a casca de uma árvore, faz-se de maneira a não vir a provocar a morte desta planta. Outro exemplo é a já citada coleta de palha (ou de folhas do curuá). Das 31 espécies vegetais consideradas principais pelos Borari, seis espécies são palmeiras. Campos e Ehringhaus (2003) realizaram um estudo sobre o conhecimento que os Yawanawá e Kaxinawá detêm sobre este grupo de plantas. Estas autoras registraram o uso de 18 espécies entre os Yawanawa e 21 entre os Kaxinawá. Dentre elas, estão as espécies dos gêneros: Euterpe, Thalia, Oenocarpus, Mauritia, Attalea, Astrocaryum, Bactris, Cheylocarpus, Chameodora, entre outros, os primeiros cinco gêneros de palmeiras, coincidindo com aqueles cujas espécies são manejadas e utilizadas pelos Borari. Os indígenas estudados por Campos e Ehringhaus atribuíram quatro categorias de uso para suas palmeiras, como: alimentícia, tecnologia, artesanato e rituais, enquanto que os Borari atribuíram sete diferentes categorias de uso para as palmeiras manejadas por eles, são elas: alimentícias, medicinais, artesanais, construção, atrativo para caça, fabricação de utensílios e como adubo para as plantas por eles cultivadas. Desse modo, verifica-se que as palmeiras desempenham um papel central na vida dos Borari, pois estão associadas às necessidades básicas desses indígenas, como: alimentação, remédio, construção das casas e utensílios. As plantas de interesse dos Borari são manejadas de diferentes maneiras, sendo 118 algumas coletadas no seu ambiente natural e outras cultivadas nos quintais e roças. Para sistematizar este manejo, separamos as plantas estudadas em três categorias: plantas coletadas, plantas cultivadas e plantas coletadas e cultivadas. Plantas coletadas – aquelas cujo uso está ligado estritamente à retirada de partes da mesma do ambiente natural de ocorrência; Plantas cultivadas – aquelas cuja existência na área da Aldeia depende diretamente da intervenção humana, seja através do transporte e plantio de mudas ou cultivo a partir de semente; Plantas coletadas e cultivadas – aquelas que passam pelos dois tipos de manejo citados anteriormente. A distribuição das freqüências entre as três categorias de manejo de plantas aponta a coleta como a prática de manejo mais utilizada (Figura 29). A diversidade de plantas coletadas exige um bom estado de conservação da floresta e dos ambientes onde estão disponíveis. O acesso aos locais de coleta dos recursos, muitas vezes, orientam a abertura de novos caminhos na floresta. Todavia, algumas plantas são coletadas nas roças, tais como: pajurá (Couepia bracteosa Benth.); mucajá (Acrocomia sclerocarpa Mart.), escada-de-jaboti (Bauhinia guianensis Aubl.) e tucumã (Astrocaryum vulgare Mart.), pois são conservadas durante a abertura e o preparo da terra para o plantio. Além disso, muitas plantas são mantidas ou cultivadas nos caminhos para a floresta e por diferentes espaços da Aldeia, como, por exemplo: muruci ou muruci do norte (Byrsonima crassifolia (L.) Kunth), verônica (Dalbergia monetária L.F.), quina (Quassia amara L.) e barbatimão (Stryphnodrendron brabatimam Mart.). 119 Figura 29 – Relação entre as categorias de uso e as práticas de manejo para as 31 plantas consideradas mais importantes pelos Borari. Fonte pesquisa de campo, 2010. As plantas cultivadas são principalmente aquelas pertencentes às categorias de uso alimentícias e medicinais. São cultivadas nas roças principalmente a mandioca (Manihot esculenta Crantz) brava e mansa (macaxeira) em suas diferentes variedades. Foram registradas entre os Borari 30 variedades de mandioca (Figura 30). Outra planta cultivada em menor escala, mas considerada como a segunda mais importante nos roçados, é o cará (Dioscorea sp.), representada com quatro diferentes variedades (Figura 30). Segundo Kerr e Clement (1980), a mandioca é uma das espécies mais antigas dos índios sul-americanos, datando entre quatro e dez mil anos. Sendo uma das principais espécies cultivadas na Amazônia, representada por numerosas variedades (PINTON; EMPERAIRE, 2004; EMPERAIRE, 1999), se constitui numa das principais fontes de carboidratos (Emperaire, 1999). Para as autoras, as pesquisas científicas sobre a diversidade das mandiocas ainda são escassas, em relação à alta diversidade étnica e territorial dos grupos que a cultivam. 120 Figura 30 – Variedades de mandioca, macaxeiras e carás registradas nas roças dos Borari da Aldeia Novo Lugar Variedades de Mandioca Acari Achada preta Baixinha Brebe Brebe olhuda Brebe roxo Cadete Carauaçu Caroço Castanha Cavalo Coraci Flexa Guia roxa Inambú Jaboti Vermelho Jaraqui Joaquim Pedro Quantidade deroçados onde estão presentes 5 2 4 1 2 6 5 3 4 1 5 5 7 2 3 5 3 1 Variedades de Mandioca Manicuera preta Manivão Maria Augusta Olhudinha Passarinho Petrona São José Sardinha Tauazinho Vermelhinha Variedades de Macaxeira Macaxeira manteiguinha Macaxeira preta Variedades de Cará Cará branco Cará espinho Cará pé-de-anta Cará roxo Quantidade de roçados onde estão presentes 13 2 3 4 2 5 1 8 2 5 9 10 9 6 4 12 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Como podemos perceber, a alta diversidade inter e intra-específica das espécies cultivadas nos roçados e quintais da Aldeia Novo Lugar são características dos sistemas de produção dos Borari. Sua complexidade reflete a dimensão do conhecimento necessária para manejá-la, bem como as relações sociais estabelecidas, como: o trabalho coletivo, as redes de trocas de plantas e o consórcio de espécies. Em seus estudos com os indígenas na Amazônia, Kerr e Clement (1980) encontraram os seguintes números de variedades de mandioca: 40 entre os Desâna; 17 entre Yamamadi; 14 entre Galibí; 14 entre Tikuna-Umarí-açu; e 12 entre Paumarí. Em relação ao cultivo do cará, os Desâna cultivam oito variedades diferentes (KERR; CLEMENT, 1980). Emperaire (2002) registrou uma grande variedade de mandioca entre os indígenas da Amazônia Brasileira. Entre os Tukano, foram 89 variedades; entre os Baniwa 74; 60 entre os Baré; 13 e 19 entre os Sateré-Mawé de Marau Nova Esperança e Sateré-Mawé de Marau Nova Aldeia respectivamente (EMPERAIRE, 2002). Nos cultivos Borari, além da mandioca, o muruci, cultivado nos quintais, mesmo não tendo sido apontada como uma das plantas principais para os Borari, apresenta três diferentes variedades nestes espaços (Figura 31). 121 Figura 31 – Diversidade infra-específica de murucis cultivada pelos Borari em seus quintais Fonte: Pesquisa de campo, 2010. Aproveitando-se da variabilidade genética, os indígenas da Amazônia conseguem vencer e usar a variabilidade ecológica, os diferentes espaços (secas, enchentes, terra firme, várzea) (KERR; CLELMENT, 1980). Isso demonstra o vasto conhecimento em relação às plantas que manejam e utilizam. Para Pedroso Junior et. al. (2008) é salutar ressaltar o conhecimento que os povos e comunidades tradicionais31 detêm sobre os recursos naturais, pois estes povos possuem uma íntima interação com a diversidade dos recursos naturais locais e com os itens por eles cultivados, bem como o entendimento do manejo desses recursos, das práticas agrícolas desenvolvidas e das formas de organização do trabalho familiar. O autor, citando Peroni e Hanazaki (2002), observa que a agricultura de corte e queima e a alta diversidade inter, mas, principalmente, a intraespecífica de espécies cultivadas, são características intrínsecas desses conhecimentos sobre o sistema de produção agrícola praticado pelos povos tradicionais. No entanto, três fatores externos aos povos indígenas estão afetando o uso e o manejo dos recursos naturais por estes grupos. Estes fatores tendo sido explicitados, tanto por pesquisadores quanto pelos próprios indígenas. São eles: a) o confinamento em áreas limitadas (BERTHO, 2005; FUNAI; PPTAL, 2004; SCHRÖDER, 2003; LADEIRA, 1982), 31 Segundo o Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, compreende-se por Povos e Comunidades Tradicionais “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. 122 pois essa limitação de terra pode reduzir a disponibilidade de área para o plantio e acesso aos recursos naturais, como a coleta de produtos vegetais e a caça (Felipim, 2001); b) os problemas ambientais no entorno das TIs (BERTHO 2005), e c) a exploração dos recursos naturais por agentes externos (LIMA; POZZOBON, 2005). Segundo Rueda & Murrieta (1995) a extração de madeiras da Amazônia para a exportação ou para o consumo dos grandes centros urbanos nunca foi uma atividade típica dos moradores da floresta. Foi sempre iniciativa de grandes empresas, como é o caso dos madeireiros instalados na Aldeia Novo Lugar. Em alguns casos, segundo os autores, estas empresas contam com o incentivo governamental e muitas delas burlam ou abusam das concessões obtidas. Nesse contexto, os Borari vêm organizando ações que condicionam a sua permanência na área: denúncias aos órgãos competentes (IBAMA, ITERPA, SEMA, FUNAI, MPF) e na imprensa, realização de documentários, participação em seminários e mesas redondas, para mostrar a realidade vivida por eles na região, e a criação do Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns. A freqüente pressão sobre os recursos naturais tradicionalmente utilizados pelos Borari da Aldeia Novo Lugar fez com que estes indígenas reagissem contra a atuação dos agentes externos na área e procurassem os movimentos sociais locais (Movimentos Indígenas da região) e órgãos, como a Fundação Nacional do Índio e o Ministério Público Federal, para tentar solucionar tal problema. Ainda com relação aos esforços dos Borari pela garantia de seus direitos territoriais e o controle dos recursos naturais existentes na área da Aldeia Novo Lugar, apresento a seguir as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e a maneira como os Borari se organizam para garantir seus direitos. 123 6 LUTA PELA TERRA E PELO CONTROLE DOS RECURSOS NATURAIS: UMA SITUAÇÃO DE CONFLITO NA ALDEIA NOVO LUGAR – TERRA INDÍGENA MARÓ, GLEBA NOVA OLINDA-PA A Nova Olinda pede socorro “Contra investidas dos tubarões À nossa terra não esta a venda, Nem a floresta foi à leilão. Ninguém se iluda com as promessas Que o progresso só vai melhorar E digo à soja não quero lá, Nem madeireira pra nos explorar. Nós defendemos o peixe-boi, As cachoeiras e os animais. O verde e que agora nós vemos lá No Sudeste não se vê mais. Vivemos bem sem suas ganâncias Respeite a vida e nossa tradição Nossa certeza é a Vitória! Fruto da luta e da união Com ajuda da organização as grilagens acabarão! Ýxé ind andepá puray Tem a sasa aramem tupana (Vamos lutar esse é o nosso lugar junto ao nosso Deus Tupã)”. (Dadá Borari, 2º Cacique. Recitado, no Seminário de Ordenamento Territorial no Conjunto de Glebas Mamuru-Arapiuns). Nos capítulos anteriores, foram abordadas a organização sócio-cultural e política dos Borari; as formas de ocupação, utilização, manejo e gestão dos espaços territoriais pelos indígenas da aldeia Novo Lugar, bem como, dos recursos naturais neles existentes e as relações sociais estabelecidas. Práticas estas que, segundo os indígenas, encontram-se ameaçadas por fatores externos ao grupo, provenientes da entrada de agentes econômicos na região, com o objetivo de explorar os recursos madeireiros para fins de comercialização. No final da década de 1990, estabelece-se na região da Gleba Nova Olinda32 um cenário de luta, protagonizada pelos indígenas em prol da regularização fundiária da região e pelo controle dos recursos naturais. Este cenário foi desencadeado por uma série de fatores: a limitação das áreas de acesso aos recursos naturais para os Borari, estabelecida pelos madeireiros; o desmatamento e a exploração indiscriminada dos recursos naturais, em especial os recursos madeireiros e de caça, realizada pelos membros da Cooperativa do Oeste do Estado do Pará (COOEPA) que se instalou na região. A exploração de madeira pela 32 A Gleba Nova Olinda faz parte do conjunto de Glebas Estaduais Arapiuns/Mamurú. Possui 172,9 hectares e fica localizada entre o Rio Aruã e o Rio Maró, afluentes do Rio Arapiuns, município de Santarém. Sendo assim, tem função vital para toda a população da região do Arapiuns. A manifestação contra todos os crimes e desrespeitos que ocorrem na Gleba Nova Olinda criou o “Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns” (BALETTI et. al, 2010). 124 COOEPA tem escala comercial, enquanto que a exploração da caça é destinada ao consumo dos funcionários da cooperativa. A contribuição da Amazônia para a produção total de madeira do Brasil aumentou rapidamente de 14% para 85% em duas décadas (KOHLHEPP, 2002). “A devastação da mata trouxe muita escassez das frutas, como as castanheiras que foram derrubadas pelos madeireiros, e o piquiá também, tanto dá falta pra gente como pros animais, porque eles não têm o que comer, aí vão embora, e a gente fica sem a caça. Antes aqui dava muito queixada, agora não dá mais, e também tem os pião que caça pra eles comer, eles caçam de tudo jeito, tem gente que é contratado só pra caçar, e eles nem aproveita toda a caça, ele só tira a parte de carne e o resto joga fora, eu já vi onde eles joga, tem muita cabeça de queixada e de outros bicho lá apodrecendo, as vez eles enterra pro IBAMA não ver quando eles vêm aqui fazer a fiscalização” (F. A. Borari, 65anos). “A gente via antes da queima das balsas [ação realizada pelos manifestantes no protesto que ocorreu na Comunidade de São Pedro, em 2009] baixar pra Santarém pelo Arapiuns [Rio] por volta de 40 balsas, por semana, carregadas de toras de madeiras, mas agora até diminuiu, depois que a gente colocou fogo nelas. Eles [madeireiros] derrubam as árvores de castanheira, que a gente sabe que é proibido, derruba árvore que tem oco, que também é proibido, porque eles não fazem uma seleção, porque o que interessa pra eles é encher os caminhão e os pátios pra mandar pra Santarém e de lá pra outros lugares, o que interessa pra eles é dinheiro, não importa se eles tão devastando tudo, se tão deixando famílias sem terra, sem mata, sem alimento” (O. A. Borari, 28 anos). Além dos impactos negativos em relação aos recursos naturais, oriundos destas ações, tem-se, ainda, a ameaça à manutenção dos modos de vida dos indígenas e da integridade física e psicológica dos membros do grupo. Para Little (2001), a intervenção humana na natureza, com fins econômicos, gera, frequentemente, impactos nefastos tanto para o funcionamento da natureza quanto para as pessoas. Ainda segundo o autor, além dos autores destas intervenções serem beneficiados pelos seus atos, não sentem os impactos negativos de suas ações, enquanto que o grupo não beneficiado é o que sofre diretamente os impactos negativos, como é o caso de Novo Lugar, onde o desmatamento realizado pelos madeireiros causa grandes prejuízos aos indígenas. O desmatamento é classificado por Little como um destes tipos básicos de impacto negativo, pois as altas taxas de desmatamento levam à extinção da flora e da fauna. Sentido-se ameaçados pelos agentes externos que comprometiam seus modos de produção e seu padrão de utilização dos recursos naturais (caça, pesca, coleta e agricultura), os Borari iniciaram as articulações em defesa da terra e dos recursos naturais indispensáveis à sua sobrevivência. Segundo Oliveira (2005), para os indígenas, a terra “é o próprio cosmos, 125 vida e morte, corpo e espírito, peixes e estrelas se encerram nela. É uma visão do todo, onde cada parte tem seu lugar e existência definida e arranjada; onde a desarticulação de uma dessas partes ameaça o todo”. Saraiva (2008), argumenta ainda que a caça representa para os indígenas não apenas a aquisição de alimento, mas é uma forma de expressar os valores e modos de lidarem com a natureza, revelando não somente a percepção do espaço, mas também os conhecimentos acumulados pelo grupo e a relação estabelecida entre si e com a natureza. A resistência dos Borari frente aos agentes externos que ora exploram os recursos naturais na área, onde se encontra a Aldeia Novo Lugar, pode se enquadrar no que Heck et al., (2005) discutem como lutas de resistência e afirmação em defesa de seu meio ambiente, expressando-se “como teimosia diária dos povos indígenas em continuarem, dinamicamente, a viver do seu jeito”. Hoje, vê-se crescer, dia-a-dia, a luta dos indígenas em defesa dos seus territórios e de seus direitos (OLIVEIRA, 2005). Uma das principais iniciativas dos Borari foi o reconhecimento de sua identidade étnica indígena e da Terra Indígena33 Maró, reivindicando sua demarcação como forma de frear a exploração dos recursos naturais e garantir a reprodução física e sócio-cultural da atual e das futuras gerações dos Borari: “Nós sempre fomo índio, só não nos mostravam pra cidade [para a sociedade civil e autoridades em geral] porque nós vivia aqui na aldeia, na mata, tranqüilo, sem ninguém nos ameaçando, sem gente que vem lá de longe pra acabar com a floresta por causa do dinheiro, da ganância de ficar rico destruindo a natureza, e nós que sempre moramo aqui, que respeitamo a mata, os bicho, e todos que vive nela, tá sendo expulso, então nós resolvemo lutar pra que isso tudo, essa riqueza de recursos que Tupã e a mãe terra dá pra gente por intermédio da mata não se acabe, não vire só um poeirar, sem vida” (H. A. Borari, 56 anos), “Antes, dona, nós vivia bem aqui, sem nenhuma briga né? Com tudo farto, fruta, remédio do mato, caça, de tudo, agora nós fica sendo ameaçado pelos madeireiros, pelos capanga deles, pelos pistoleiros que eles tem aí, mas a senhora sabe, a gente não pode esmurecer não, a gente tem que lutar, e buscar os nossos direitos de donos desse lugar, porque nós nascemo aqui, minha mãe nasceu aqui, ela nasceu lá no Beiju-Açu, meu pai que veio lá de Alter do chão, mas nós tudo nascemo aqui, e nunca fomo incomodado por ninguém, foi só essa firma chegar aqui que a gente temo ameaçado de tudo, ai nós fomo buscar o nosso direito, o direito dos nossos pais e avós, o nosso direito de ser índio, eu sou índio, nasci e cresci no mato, meu pai e minha mãe são índio e os pai deles também, é... então eu também sou índio” (F. A. Borari, 65 anos). Para Kohlhepp (2002), na medida em que a integridade espacial, física e cultural do grupo indígena é ameaçada, suas terras devem ser protegidas, o que causa conflito entre as 33 A definição de Terra Indígena tem caráter jurídico e encontra sua defesa na esfera do Estado, uma vez que é considerada como um bem sob domínio da União. 126 partes envolvidas. Os conflitos relacionados aos recursos naturais são, em geral, entre os grupos que reivindicam a posse da terra onde se encontram os tais recursos, gerando o que Litlle chama de dimensão social do conflito por terra (LITTLE, 2001). A entrada de empresas madeireiras na região, onde se localiza a Aldeia Novo Lugar, representa um exemplo da dimensão social do conflito por terra, pois enquanto os Borari reivindicam o controle sobre suas terras, os empresários estão interessados em explorar os recursos madeireiros existentes na mesma. De acordo com Loureiro e Pinto (2005), é crescente e acelerada a ocupação e o desmatamento em áreas de conservação ambiental, assim como em Terras Indígenas. Como decorrência disso, salientam os autores, dá-se o empobrecimento da floresta, com efeitos negativos sobre a caça e a pesca, de que antes os indígenas sobreviviam. Foi diante desse cenário que os Borari iniciaram sua luta pelo direito à terra que tradicionalmente ocupam34 e pelo controle dos recursos naturais, direitos estes de garantia do território, para além da posse da terra e da proteção dos recursos naturais. Segundo os Borari, a ocupação tradicional de suas terras representa os processos históricos de ocupação da região do Rio Maró por seu povo, o que configuram os modos como manejam os recursos naturais. Desse modo, os indígenas articularam-se com os movimentos sociais locais (fazendo alianças), objetivando a manutenção e a reprodução de seus modos de vida. Segundo STTR e CPT (2008), essas discussões foram determinantes para que houvesse o amadurecimento político deste povo, construído ao longo do tempo e fortalecido em função dos conflitos com os novos atores em campo: “empresários”, “de fora”, “capitalistas”, “devastadores”35, entre outros. A fim de abordar a problemática da luta pela terra protagonizada pelos Borari, apresento, neste capítulo, as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e a maneira como os Borari se organizam para garantir seus direitos, abordando a importância territorial da aldeia, no sentido que esta seja a expressão dos espaços de sustentabilidade de suas práticas produtivas e sócio-culturais e o marco de demarcação de seus limites territoriais atuais. 34 35 Entenda-se por Terras tradicionalmente ocupadas o que dispõe o parágrafo 1º do Art. 231 da Constituição Federal de 1988: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” (CF,1988). Formas como os indígenas do Rio Maró identificam os madeireiros e sojeiros que chegaram à região da Gleba Nova Olinda a partir de 2000 (informações oriundas de entrevista concedida pelo 2° cacique da Aldeia). 127 6.1 OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DA TERRA INDÍGENA MARÓ E DOS RECURSOS NATURAIS NA REGIÃO DA GLEBA NOVA OLINDA: UMA BREVE CRONOLOGIA DOS CONFLITOS A Demarcação Sofrimento é demais Já não dá pra suportar Queremos a nossa paz A nossa Terra demarcar A demarcação, a demarcação Terra Indígena Borari-Arapium (2x) Não queremos nenhum posseiro Que só trazem destruição Chega de sermos enganados Pois só queremos demarcação A demarcação, a demarcação Terra Indígena Borari-Arapium (2x) Não queremos área degradada Nós temos filhos para trabalhar Só queremos nossa terra Para que os índios possam preservar A preservação, a preservação Terra Indígena Borari-Arapium (Canto de reivindicação da demarcação da TI Maró, povos Borari e Arapium) Conforme relatos orais fornecidos pelos Borari de Novo Lugar e os registros do Relatório de viagem às Aldeias Indígenas Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III, realizado pelo analista pericial em Antropologia do Ministério Público Federal (MPF, 2007), a Terra Indígena Maró possui um território que vai do Campo de Natureza e Lago Janauí (ao norte), seguindo em linha reta até o Igarapé do Arraia em direção à região onde se encontram as cabeceiras dos Igarapés do Olaia, da Raposa e do Cachimbo (oeste), em seguida, a linha segue para o sul margeando o Igarapé do Cachimbo até o ponto onde se inicia o pico aberto pelos indígenas de Novo Lugar, na auto-demarcação, para a defesa da área do Beiju-Açu, deste ponto em diante, o limite segue até a margem do rio Maró, em sentido leste (ver mapa mental no capítulo anterior, Figura 13). A TI Maró consta no relatório do CIMI (2009, p. 44) como uma das Terras Indígenas que estão sofrendo com a morosidade no processo demarcatório: “Conforme declaração do MPF, a morosidade na demarcação da Terra Indígena Maró potencializa os conflitos entre indígenas e madeireiros. O estudo de identificação e delimitação foi concluído em julho de 2009, mas ainda não foi apreciado pela FUNAI”. Ainda segundo este relatório, a exploração de madeira na região da TI Maró é realizada de forma ilegal: “... há evidências de extração irregular de madeira e a fiscalização se faz necessária”. 128 Os limites defendidos para a TI Maró, contra os interesses dos madeireiros, vêm provocando uma série de conflitos sócio-ambientais que resultaram em ameaças de morte às lideranças Borari e insegurança e manifestações por parte dos indígenas. Os conflitos sócioambientais são entendidos aqui, segundo o conceito de Little (2001, p. 107), “como disputas entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles mantêm com o seu meio natural”. Em seu artigo “Biologismos, geografismos e dualismos: notas para uma leitura crítica de esquemas interpretativos da Amazônia que dominam a vida intelectual”, Almeida (2009) observa que os povos indígenas são tidos como sujeitos biologizados, sem consciência e direitos. No entanto, quando os indígenas passam, de mera parte da paisagem como sujeitos biologizados (ALMEIDA, 2009), onde não se confrontam aos interesses econômico-políticos (LEROY, 2010), para sujeitos ativos que reivindicam seus direitos, estes são ameaçados na sua dimensão, não apenas física, mas cultural, social, religiosa, moral, econômica e ecológica, desencadeando o conflito. Segundo Heck et al. (2005), as terras indígenas na Amazônia são constantemente invadidas por agentes econômicos como: madeireiros, garimpeiros, peixeiros, rizicultores, fazendeiros e outros, em busca de lucro. Os autores citam como exemplos de tais invasões, que desencadeiam conflitos entre os atores sociais envolvidos, o caso do contrabando de mogno na TI Kayapó; a exploração ilegal de madeira em Terras Indígenas em Rondônia; a monocultura do arroz, em Roraima, na TI Raposa Serra do Sol; e, mais recentemente, o agronegócio, em especial da monocultura da soja, nos estados do Mato Grosso, Pará, Amazonas e Roraima, tendo como conseqüências a degradação ambiental e a ameaça aos territórios já conquistados ou ainda reivindicados pelos indígenas, como é o caso dos Borari de Novo Lugar. Para compreender os conflitos existentes na Gleba Nova Olinda, faz-se necessário uma contextualização histórica. Para facilitar o entendimento das relações conflituosas existentes entre os Borari e os madeireiros/sojeiros, instalados na região, mostramos, a seguir, um breve relato cronológico sobre as ações referentes aos conflitos existentes na área da Gleba Nova Olinda, onde situa-se a TI Maró, desde a chegada de tais empresários, no início da década de 2000. A cronologia dos fatos demonstra a relação entre os Borari e sua luta contra as frentes expansionistas na defesa do seu território. Desde o final da década de 1990, quando se iniciaram as discussões para a criação da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, os povos indígenas e tradicionais das 14 comunidades 129 que formam a Gleba Nova Olinda, ao longo do Rio Maró, têm acompanhado com expectativa a criação dessa unidade de conservação federal e lutado para o seu reconhecimento legal como populações originárias junto aos governos. Os Borari de Novo Lugar esperavam que, com a criação da Resex Tapajós-Arapiuns, seriam contemplados com o processo de regularização fundiária de suas terras, como relata Dadá Borari: “Foi assim, é... é em 98 nós participava da luta, nós e a Cachoeira [Aldeia Cachoeira do Maró], a luta do sindicato [STTR-Santarém] fazia para a demarcação das terra, o sindicato fez um pico que era lá abaixo da Cachoeira, a aldeia Cachoeira do Maró, passava pelo garapé do Arraia, e ia até lá no garapé do Cachimbo, lá onde eu já falei que era a colônia da minha vó Constantina, essa área era que o sindicato, é... ia fazer a demarcação pras comunidade né... foi nessa época que a gente começou a participar das audiências públicas da RESEX, porque nós pensava né? que nós ia fazer parte da RESEX, mas não aconteceu assim, é... quando a RESEX foi liberada, é foi inaugurada, pra nossa surpresa, o que aconteceu? Nós tava de fora, o Dr. Procurador Felício Pontes chegou pra nós e disse que a RESEX ficava à margem esquerda do Rio Arapiuns subindo o Maró, e a gente tava de fora, pô e a gente se entristeceu” (O. A. Borari, 28 anos). De acordo com Dadá Borari, a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas por seu povo é almejada há pelo menos 13 anos, através da tentativa inicial de fazerem parte da Resex Tapajós-Arapiuns. Entretanto, diante do contexto atual de regularização fundiária da Região da Gleba Nova Olinda: de implantação de Unidade de Conservação – UC (Floresta Estadual do Alto Aruã), de Projetos de Assentamentos – PA (Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista – PEAX: Aruã, Vista Alegre e Mariazinha, e Projeto Estadual de Assentamento Sustentável – PEAS: Aruã-Maró, Fé em Deus e Repartimento), e o avanço de agentes econômicos interessados em explorar seus territórios, os Borari, no ano de 2002, reagiram a essa situação reconhecendo e reivindicando sua identidade étnica indígena, passando a reconstruir simbólica e culturalmente, com base nas suas memórias valorizadas (Losivolo, 1989) e nos elementos que fazem parte do seu universo sócio-cultural, um discurso identitário que demarcava sua origem e identidade étnica indígena (MPF, 2007). Pode-se entender a reação dos Borari a partir do que Heck et al. (2005, p. 251) define como “o gestar o grito de resistência, onde os povos indígenas organizam-se articulando ações contra a invasão e o saque da terra e dos recursos naturais”. Através da construção social do seu território, os Borari reforçaram sua identidade coletiva, afim de “caracterizar seu território não somente por seus limites, mas também pelo controle e pela gestão dos seus recursos naturais” (LEROY, 2010, p. 103). Com a chegada de empresas madeireiras na Gleba Nova Olinda, no início da década 130 de 2000, tem início os conflitos sócio-ambientais. Vale ressaltar que estes conflitos não são apenas entre as comunidades e as empresas madeireiras, mas também entre as próprias comunidades, como, por exemplo, entre a Aldeia Novo Lugar e a Comunidade Fé em Deus, que se posiciona ao lado dos madeireiros, hostilizando os indígenas e desrespeitando acordos sobre os limites de seu território. Haja vista o fato dos empresários madeireiros conquistarem o apoio de algumas comunidades, em troca de serviços a serem prestados, como, por exemplo, a doação de “motor de luz” para a geração de energia, de antenas parabólicas, a construção de barracão comunitário, entre outros. A tática dos empresários se inicia pelo processo de expropriação do nativo para, em seguida, seduzi-lo ao emprego e torná-lo proletário no desmatamento da floresta (STTR; CPT, 2008; BALETTI et al.,2010). Desse modo, os empresários cooptaram algumas lideranças comunitárias locais (não indígenas), as quais passaram a facilitar suas ações na região. No ano de 2003, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA realizou uma ação de fiscalização na região da Gleba Nova Olinda, onde constatou, de acordo com matéria do jornal O Liberal, versão online (Anexo B)36, um esquema de loteamento e comercialização de áreas para o consórcio de empresas madeireiras e sojeiras que compõem a COOEPA. Ainda, segundo a matéria de O Liberal, o escritório desse esquema funcionava no Município de Juruti, Estado do Pará. Nessa operação, o IBAMA constatou ainda vários crimes ambientais na área, que vão desde a destruição da floresta nativa, a abertura de mais de 100 km de estradas ilegais, desmatamento de área de vegetação secundária para abertura de pista de pouso, extração ilegal de madeira e destruição de floresta em regeneração e em áreas de preservação permanente. O IBAMA emitiu nove (9) autos de infração e vinte e um (21) termos de apreensão, embargo e notificação. Aplicou 136,2 mil reais em multas e apreendeu armas, maquinários e equipamentos. Em seu relatório, o técnico responsável pela vistoria conclui com uma lista de nomes de pessoas a serem investigadas e um alerta para a necessidade de dar um basta na situação na Gleba Nova Olinda (IBAMA, 2003). Ainda em 2003, a Comunidade Novo Lugar foi reconhecida como indígena pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA e pelo Grupo Consciência Indígena – GCI (ONGs que atuam em defesa dos índios na região do Baixo Rio Tapajós). Foi também, neste ano, que o processo de reconhecimento da Terra Indígena Maró foi incluído na listagem do 36 Documento cedido pelo Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de SantarémPA. 131 Plano Operacional Anual – POA do Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal – PPTAL, associado à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, a ser identificada e delimitada a partir de 2004 (Anexo C). Após várias ações de denúncias na imprensa local e para as autoridades governamentais (Anexo D) contra os madeireiros e manifestações de disposição ao enfrentamento físico contra os empresários madeireiros, sem obtenção de resposta do Poder Público no que tange à demarcação de suas terras, os Borari, juntamente com os Arapium das outras duas aldeias que formam a TI Maró, buscaram o apoio do Movimento Indígena da Região e demais movimentos sociais e decidiram, em 2006, pela auto-demarcação do território indígena (Figura 32). Figura 32 – Fotos dos Borari e Arapiuns realizando a auto-demarcação da TI Maró. Fotos cedidas pelo 2º cacique Dadá Borari. No final de 2006, ocorreu a concessão de algumas autorizações para a exploração florestal em grandes áreas públicas, como as Autorizações de Detenção de Imóvel Público (ADIPs), por parte do ITERPA, formalizando o direito de exploração dos recursos naturais. Mesmo após a auto-demarcação realizada pelos indígenas, foram concedidas cinco (5) ADIPs para a região da Gleba Nova Olinda, onde se situa o território indígena, desconsiderando a 132 ocupação tradicional da área e sua fragilidade ambiental (STTR; CPT, 2008). Em 2007, realizou-se uma nova vistoria do IBAMA na Gleba Nova Olinda, onde foram verificadas as mesmas irregularidades já ocorridas em 2003, além do aumento da retirada ilegal de madeira, caça predatória, alteração nos costumes locais. O chefe da fiscalização lembra em seu relatório a gravidade dos crimes ambientais praticados na Gleba Nova Olinda pelos madeireiros e grileiros da cooperativa. Aponta ainda que estes grupos estão “espremendo” as comunidades na beira dos rios (IBAMA, 2007). Neste mesmo ano, o Ministério Público Federal realizou um procedimento administrativo, onde um analista pericial em Antropologia visitou a área indígena com o objetivo de fazer um diagnóstico da situação em que os grupos indígenas estavam envolvidos: mobilização em busca do reconhecimento de sua identidade étnica junto aos órgãos públicos e as mudanças ocorridas a partir da chegada da Cooperativa do Oeste do Estado do Pará – COOEPA (MPF, 2007). Em 2008, o Governo do Estado do Pará lança o Decreto Nº 1.149, de 17 julho (Anexo E), que estabelece a Área de Limitação Administrativa Provisória Mamuru-Arapiuns37 (ALAP) nas Glebas Nova Olinda I, II e III, Curucumucuri e Mamuru, com validade até dezembro de 2008. A criação da ALAP renova o anseio das populações locais de destinação fundiária com respeito à conservação dos recursos naturais locais, pois o Art. 2º deste decreto dispõe sobre a proibição da exploração insustentável dos recursos naturais nas áreas submetidas na limitação administrativa: “I – atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental; II – atividades que importem em exploração a corte raso da floresta e demais formas de vegetação nativa, e III – atividades que impliquem no uso direto dos recursos naturais, excetuando-se o uso direto sustentável por parte das comunidades tradicionais”. Ainda em 2008, mais precisamente em novembro, realizou-se em Santarém o “Seminário participativo para elaboração do Plano Participativo de Mosaico de Uso da Terra nas Glebas Nova Olinda, Nova Olinda II, III, Curucumucuri e Mamuru no Oeste do Pará”. Este seminário abrangeu as comunidades e as organizações sociais na área de abrangência da ALAP e trabalhou o mapeamento de todas as comunidades, a proposta de destinação territorial e os tipos de conflitos sócio-ambientais existentes na área, como, por exemplo: “o roubo de madeira que vem ocorrendo, acompanhados de demarcações de terras e ameaças aos moradores locais” (STTR; CPT, 2008, p. 08). Nos dois dias de seminário, foram apresentados 37 Mamuru-Arapiuns é a denominação da região que abrange as Glebas Nova Olinda I, II e III, Gleba Curumucuri e Gleba Mamuru. 133 os resultados das discussões que vinham ocorrendo na região, durante o processo de regularização fundiária do conjunto de Glebas Mamuru-Arapiuns e, na sistematização dos resultados, gerou-se um mapa do Mosaico de destinação das glebas (Figura 33). Figura 33 – Mapa do mosaico de destinação das glebas, resultado do “Seminário de elaboração participativa de mosaico de uso da terra na ALAP Nova Olinda/Mamuru no Oeste do Pará Fonte: STTR e CPT (2008). Em 2009, segundo os indígenas, depois de uma década de denúncias, tentativas de 134 negociações, apelos às autoridades, ameaças de morte das lideranças e as mais diversas formas de desrespeito ao povo do Rio Arapiuns, sem nenhum resultado em favor daqueles moradores, chegou-se à decisão de chamar a atenção das autoridades governamentais e da sociedade em geral, através de uma manifestação que reuniu mais de 1.000 pessoas, de mais de 26 comunidades de toda região do Rio Arapiuns, para impedir a retirada de madeira na Gleba Nova Olinda (Figura 34). O local de realização da manifestação foi a Comunidade de São Pedro, ou praia Ponta do Pedrão, no Rio Arapiuns. Vale ressaltar que a Comunidade de São Pedro não fica na Gleba Nova Olinda, mas sim na Resex Tapajós-Arapiuns. Figura 34 – Imagens da manifestação em Defesa da Vida e Cultura do Rio Arapiuns. Fotos cedidas pelos manifestantes. Em 2010, foi instalado o segundo GT (Grupo Técnico) de identificação e delimitação do território da TI Maró, para conclusão dos trabalhos iniciados pelo GT instalado em 2006, o qual não foi concluído, devido aos seus integrantes sofrerem ameaças por parte dos madeireiros. O relatório deste GT atual ainda não foi finalizado e suas informações não foram publicadas, por serem sigilosas, de forma que, até o momento, não tivemos acesso a elas. 135 6.2 OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DE SEU TERRITÓRIO E A HISTÓRIA SOCIAL DOS CONFLITOS O território reivindicado pelos Borari está localizado, como citado anteriormente, na Gleba Nova Olinda. Esta é palco de disputa sobre a destinação de suas áreas no âmbito de um ordenamento territorial em implantação. Os atores sociais envolvidos nessa disputa são comunidades tradicionais, povos indígenas (Borari e Arapiuns), empresários do setor de exploração madeireira e o próprio Governo do Estado do Pará. Um dos instrumentos jurídicos utilizados para tal processo de ordenamento e destinação territorial da referida Gleba é a gestão de florestas públicas, realizada a partir das disposições da Lei 11.284/200638 que trata dessa questão (SENA, 2009). Em 2010, o Governo do Estado do Pará, por intermédio do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará, torna público o Edital 001/2010: 1ª Licitação para Concessão Florestal do Conjunto de Glebas Mamuru-Arapiuns. Este Edital foi revogado por decisão do Ministério Público Estadual em 29 de novembro do mesmo ano (Anexo F). No entanto, em março de 2011, foi publicado um segundo edital de licitação, o Edital 001/2011, com a mesma finalidade do anterior, o qual encontra-se em andamento. Obedecendo à legislação federal de florestas públicas, o Estado do Pará tem como norma principal a Lei 11.284, de 2 de março de 2006, e passa por uma fase de transição prolongada, na qual, ao mesmo tempo em que se promovem os instrumentos de resolução de conflitos, especialmente fundiários, existentes na Gleba Nova Olinda, se preparam as condições para as concessões de terras, em regime de licitação, envolvendo atores de diferentes portes empresariais (madeireiros), diferentes experiências de mercado e diferentes origens sócio-culturais sob as mesmas regras. Sobre esta questão, Little (2001) salienta que cada ator social tem sua ideologia e modo de vida e que essa particularidade entra em choque com as formas dos outros atores, desencadeando assim o conflito sócio-ambiental. Haja vista que os limites do território reivindicado pelos indígenas foram configurados em meio à luta contra a exploração de recursos naturais vitais para seus modos de vida e expropriação de suas terras, o processo de conscientização da identidade indígena fundamentou a defesa de um território coletivo. A noção de um território coletivo baseia-se 38 Esta Lei dispõe sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável, institui na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB; cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal – FNDF; constitui os princípios da gestão de florestas públicas; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências. 136 no auto-reconhecimento de formas de ocupação e uso da terra articuladas a critérios de tradicionalidade (MPF, 2007). Segundo Almeida (2006), o significado de terra incorpora cada vez mais a noção de território e os fatores identitários correspondentes, esboçando as perspectivas de mobilização e a luta. VanWey et al. (2009), revisam algumas teorias tradicionais sobre as relações existentes entre população e mudanças ambientais e discute de forma mais geral, as mudanças sociais e ecológicas, especificamente a mudança de uso da terra, como é o caso da Aldeia Novo Lugar. As autoras argumentam que o caráter determinista e generalista deve ceder lugar a abordagens multiescalares, de forma que se considerarem os diversos fatores de forma complementar e segundo a perspectiva dos atores. Desse modo, o manejo e a gestão dos recursos naturais na Aldeia Novo Lugar deve consistir na análise das concepções dos atores em cena (indígenas e empresários). É neste sentido que as situações de conflito ora vivida pelos Borari propiciaram um contexto no qual este grupo indígena estrutura um discurso identitário, com base na demarcação de fronteiras étnicas, se diferenciando dos demais grupos envolvidos na luta pela regularização fundiária na Gleba Nova Olinda. Este processo de formação de identidade étnica, segundo Oliveira (1998, p. 55), estaria imbricado no que denomina territorialização, cuja noção se define “como um processo de reorganização social (destaque do autor) que implica: 1) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado” (Oliveira, 1998, p. 55). Para Almeida (2004), a territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e força. A territorialização é o produto de uma conjunção de fatores que abarca a mobilidade e a organização em torno de uma política de identidade, onde os sujeitos empenham-se nas lutas e reivindicam direitos face ao Estado (Almeida, 2008). O autor vai além, quando ressalta que, em um processo de territorialização, têm-se a construção de identidades específicas junto com a construção de territórios específicos. Para um maior entendimento de tal processo, Almeida (2008) cita a emergência étnica indígena dos povos do Nordeste e da Amazônia e afirma que, ao mesmo tempo em que emergem as etnias, têm-se critérios político-organizativos que se estruturam em cima de demanda por terras e que estas vão além de seus aspectos espaciais e físicos. 137 Desse modo, os Borari passaram a reivindicar formalmente seu território, organizando-se e articulando-se local e sistematicamente, para a mobilização de mecanismos, a partir da auto-identificação indígena e dos processos inerentes junto aos órgãos competentes: Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a fim de combater o processo de usurpação de seu território e dos recursos naturais nele existentes. Os Borari expuseram em seus documentos aos respectivos órgãos os problemas que os afetavam e as demandas por direitos específicos assumidos a partir da afirmação pública da identidade étnica, direitos estes reconhecidos pela Constituição Federal de 1988. É neste sentido que me reporto a Almeida (2008), ao salientar que o fator identitário leva as pessoas a se agruparem sob uma coletividade expressando e declarando seu pertencimento a um povo ou um grupo a fim de encaminharem demandas e reivindicações ao governo para o reconhecimento de suas formas intrínsecas de acesso a terra e outros direitos. A Aldeia Novo Lugar faz parte do movimento de ressurgimento de identidades étnicas indígenas que vem se delineando na Amazônia (IORES, 2005). Iniciado em meados da década de 1990, tal movimento reúne diversas comunidades do Baixo Rio Tapajós e Rio Arapiuns que afirmam sua ancestralidade indígena (SANTOS, 2005; IORES, 2005; VAZ FILHO, 2010a), onde novos elementos são introduzidos, articulados a elementos do passado, para reelaboração de sua cultura (OLIVEIRA, 1998). Segundo Heck et al. (2005, p. 253), os indígenas recusam o rótulo de ressurgidos e se definem como resistentes: “não somos ressurgidos nem emergentes, mas povos que resistiram”, como eles próprios se definiram no I Encontro Nacional dos Povos em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial, realizado em maio de 2003. Em seu artigo, o autor faz referência ao movimento dos povos do Baixo Rio Tapajós, como exemplo de luta dinâmica e criativa pela terra e reconhecimento étnico. Vale ressaltar, aqui, o critério da auto-identificação como identificador dos grupos sociais, aos quais se aplica a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Art. 1º, 2). Este critério representa uma inversão de papéis entre o “sujeito de direito” e o “aplicador do direito”. O disposto no item 2 do art. 1º da Convenção 169 da OIT preceitua que: “A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser tida como critério fundamental para determinar os grupos aos quais se aplicam as disposições desta Convenção” (BRASIL, 2004). A Convenção 169 da OIT não define quem são os povos indígenas ou tribais, mas 138 estabelece o critério da auto-definição como instrumento para que os próprios sujeitos de direito se identifiquem. Isto representa uma inversão entre os papéis atribuídos ao “sujeito de direito” e ao “operador do direito”. Com o critério de auto-definição, o “sujeito de direito” é quem diz o que é o direito, enquanto o “operador do direito” ou “intérprete do direito” apenas reconhece a declaração feita pelo “sujeito de direito” (SENA, 2009, p. 09). Outro dispositivo de grande importância na Convenção 169 da OIT, em especial ao caso concreto que se está analisando neste estudo, é o que dispõe o item I do art. 7º: “Os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de decidir suas próprias prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, e às terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural” (CONVENÇÃO 169 da OIT). O texto da Convenção, além de basear-se na auto-definição dos sujeitos sociais, reconhece explicitamente a usurpação de terras (Almeida, 2008). Diante do exposto no item I do art. 7º da Convenção 169 da OIT, observamos que a extração de madeira e a presença de empresários com histórico de plantação de soja na Gleba Nova Olinda contradizem a referida Convenção, pois, segundo os Borari, estas atividades são uma ameaça a vida e a cultura dos indígenas do Rio Maró, como afirma H. A. Borari: “Os Borari vêem a exploração de madeira por empresas madeireiras como uma afronta aos seus modos de vida”; e outros Borari: “Nós aqui não gostamo dos invasores, eles derrubam a mata, matam os animais e as ave, tudo vira um deserto, eu nunca tinha visto a terra daqui tão seca, sem vida, sem nenhum capinzinho sequer, muita poeira, eles não respeitam nossos direitos, nosso modo de viver” (Sr. A. A. Borari, 39 anos). “Acabar com o patrão [madeireiro], tirar eles daqui, e deixar a natureza livre e a demarcação da nossa terra, pode resolver o problema dessa falta de respeito que eles têm com nós, com os nossos costumes, a nossa cultura e com a mata” (F. A. Borari, 65 anos). A chegada da COOEPA foi cercada de muita expectativa por parte das comunidades do Rio Maró, uma vez que significava, para muitas, a promessa de emprego e melhorias materiais. Isso provocou conflitos entre a Aldeia Novo Lugar, consciente de sua luta através da via étnica para a defesa de seus modos de vida (MPF, 2007), e a comunidade vizinha, Fé em Deus, atraída pelas promessas (propostas de demarcação de lotes) e “presentes” (motor de luz, antena parabólica, entre outros) da Cooperativa. A matéria de O Liberal, de novembro de 2006 (Anexo G)39, relata que o diretor de relações públicas da COOEPA, Alvadir Cristofoli, representa um consórcio de 50 empresários 39 Documento cedido pelo MPF – Procuradoria da República no Município de Santarém-PA. 139 do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso, que teriam obtido as terras na Gleba Nova Olinda através de dois meios: um protocolo no ITERPA de até 2.499 ha por cooperado e pela compra de títulos públicos em 1986, no governo Jader Barbalho. Segundo Cristofoli, o então Governador do Estado teria vendido aos empresários da cooperativa lotes da gleba Altamira VI, em São Félix do Xingu. Essa área, comprada pelos cooperados, foi posteriormente reconhecida como território indígena da etnia Mebengokre (Kayapó) (MPF, 2007). Segundo Cristofoli os empresários entraram na Justiça para reaver o dinheiro investido na compra dos títulos, mas somente 20 anos depois conseguiram permissão para explorar a produção madeireira na Gleba Nova Olinda, como permuta dos referidos lotes comprados na Gleba Altamira VI. Hoje, segundo Leroy (2010), as terras que antes não interessavam ao capital por causa de problemas, tais como, o difícil acesso, a distância dos portos para escoamento e dos mercados consumidores, podem ser exploradas devido à existência de novas tecnologias que permitem solucioná-los. Em princípio, a Gleba Nova Olinda apresentava tais problemas, no entanto, a logística, o crédito e os maquinários hoje disponíveis pelas empresas madeireiras viabilizaram sua exploração. Os madeireiros, integrantes da COOEPA, abriram pistas de pouso e estradas na região da Gleba Nova Olinda (IBAMA, 2003), que passam por dentro da TI Maró (Figura 35), estradas que os indígenas tentam interditar, mas que são sempre reabertas pelos empresários, que utilizam tratores para ampliá-las. Figura 35 – Estradas que cortam a Aldeia Novo Lugar, TI Maró. A – Detalhe (no mapa mental, indicado pela seta vermelha) das estradas (travessão) abertas pelos madeireiros dentro dos limites do território indígena. Fonte pesquisa de campo 2010. B – Estrada aberta pelos madeireiros na TI Maró para o escoamento da madeira retirada da área. Foto cedida pelo 2º cacique Dadá Borari. 140 Dentro do território indígena, encontram-se, ainda, fazendas “de propriedade” dos membros da cooperativa, que derrubam a floresta e constroem casas e fixam placas como formas de intimidação aos Borari (Figura 36). Os madeireiros abriram ainda, picos demarcatórios, delimitando a área de utilização dos recursos naturais pelos indígenas, fato este mencionado por Vieira, técnico responsável pelo relatório de vistoria na Gleba Nova Olinda: “é fato que as comunidades onde moram as populações tradicionais estão ficando com seus territórios restritos, “espremidos” às margens dos rios” (IBAMA, 2007, p. 24). A fala de uma liderança Borari corrobora com o registrado por Vieira em seu relatório: “Olha dona, a situação aqui é desse jeito, é dificultoso, é... é... os pico que a firma [empresas madeireiras] faz estão chegando perto do rio, deixando nós numa faixa de terra que fica entre o pico e o rio, onde não dá pra fazer nossas coletas de frutas e remédio e pra nós construir as nossas coisas, não dá nem pra gente caçar, a gente fica aqui espremido, sem poder ir caçar ou pegar nossos remédio onde nós era acostumado pegar por que os pistoleiros tão lá, e a gente pode morrer, as mulher ficam aqui com o coração na mão cada vez que os homem saem pro mato, porque elas não sabe se volta ou não, se traz o alimento ou o remédio ou se volta com as mão abanando” (F. A. Borari, 65 anos). Figura 36 – Placas afixadas na Terra Indígena Maró pelos madeireiros como forma de intimidação aos Borari Foto cedida pelo 2º cacique Dadá Borari. 141 De acordo com Oliveira (2005), a limitação das áreas indígenas, de forma a promover o cerco dessas áreas, é um processo que se compara às missões e aldeamentos, em termos de violência, pois este cerco deteriora igualmente a cultura de um grupo indígena, já que restringe as áreas de caça e coleta, dificulta a livre circulação dos indígenas, altera e degrada o meio ambiente em torno das aldeias. Neste sentido, podemos entender os picos demarcatórios abertos pelos madeireiros na área da TI Maró como uma ameaça à sobrevivência dos Borari, espremendo-os às margens do rio Maró. O impacto conflitivo das operações da COOEPA na região da Gleba Nova Olinda, que desde 2002 avança para o território da Aldeia Novo Lugar, arregimenta comunidades ribeirinhas para abertura de picos na floresta, ramais para o trânsito de caminhões e o estabelecimento de um porto e uma pista de pouso, para facilitar a localização, extração e distribuição da madeira. Segundo os moradores e lideranças indígenas, existem comunidades, como a de Fé em Deus, cujos moradores têm demonstrado apoio a esses avanços, hostilizando os moradores da aldeia indígena e desrespeitando acordos de limites. Durante o trabalho de campo, presenciamos, por diversas vezes, tais pessoas, ao passarem por Novo Lugar hostilizarem os Borari com palavras de baixo escalão e discriminatórias em relação a sua identidade. A cooptação de alguns moradores da Gleba Nova Olinda por empresários madeireiros/sojeiros, através da sedução do emprego assalariado, fez com que esses moradores, especialmente os da Comunidade Fé em Deus, passassem a fazer a defesa de seus projetos de destruição da floresta (MPF, 2007). No entanto, a maioria dos nativos não se sujeita a este modelo de destruição, como é o caso dos Borari de Novo Lugar, que, juntamente com os Arapium, habitantes das outras aldeias indígenas que formam a TI Maró, continuam um movimento de resistência contra o avanço das extrações madeireiras na área reivindicada como seu território. No que tange aos conflitos pela invasão do território reivindicado pelos indígenas, os problemas com os madeireiros não são os únicos, existe ainda o conflito com os moradores da Comunidade Fé em Deus a propósito da área denominada Beiju-Açu, localizada ao sul da aldeia, no limite com a referida comunidade. Conforme explicitado no capítulo 3, na seção “O Novo Lugar: processo de formação e organização do espaço territorial”, foi para Beiju-Açu que o Sr. Manoel Avelino migrou com sua família antes de se fixarem em Novo Lugar. Através das entrevistas não se pode identificar a presença de terras pretas de índio em Novo Lugar, porém, elas estão presentes em Beiju-Açu. Este local é, portanto, de grande 142 importância para os Borari, pois, as terras pretas, são indicadoras de ocupação pelos seus ancestrais, que, no seu entender, devem ser resguardados, assim como, o Campo de Natureza e o Lago Janauí (ao norte da TI Maró), lugares onde habitam os encantados e palco de celebrações e práticas ritualísticas realizadas pelos pajés das três aldeias, que também devem ser protegidos. “Não tem muita diferença entre os indígenas e os não-indígenas, no entanto, quando os madeireiros chegaram é que começou um conflito com os não índios, é uma briga porque eles pensam que a gente tá tomando a área deles, o que acontece é que os madeireiros lotearam a área deles [moradores da comunidade Fé em Deus], e eles ficaram sem área, e eles entraram lá no Beiju-Açu, mas essa área não é deles, e eles sabe disso eles até fala pra gente que sabe que lá foi que nós nascemo [referindo-se aos filhos do casal Avelino e Salustiana], mas eles diz que não tem mais área pra eles, aí eles querem entrar na nossa área, mas nós não abre mão, porque foi lá que minha mãe teve nós e nós vivemo por um bom tempo” (F. A. Borari, 65 anos). Para Little (2002), o processo de ocupação territorial se revela como um peso histórico às reivindicações territoriais de um grupo. É neste sentido que o autor lembra ser a discussão de lugar e memória interessante na defesa de territórios reivindicados, sendo o vínculo social, simbólico e ritualístico, que os diversos grupos sociais diferenciados mantêm com seus respectivos ambientes biofísicos, um elemento fundamental dos territórios sociais: “A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e consistência temporal ao território” (Little, 2002, p. 11). A importância sócio-cultural dos lugares de memória, como Beiju-Açu, Campo de Natureza e Lago Janauí, para os Borari, constitui uma razão de reivindicação dos limites por eles almejados em seu território. Pois esses lugares, tidos como sagrados, orientam as sociedades indígenas em sua cosmologia, ritos e práticas ambientais; assim sendo, quando estes lugares são ameaçados por outros grupos, surgem os conflitos a respeito do valor daquele lugar (LITTLE, 2001). Para Posey (1987), é salutar ressaltar a importância das relações cosmológicas, expressas pelos mitos e rituais, na preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico de um dado ambiente. Desse modo, o movimento de resistência dos Borari em defesa do seu território inclui a defesa de sua cultura, cosmologia, modo de ser e viver, padrão de utilização dos recursos naturais, dentre outros, através das ações de auto-demarcação dos limites de seu território, de denúncias públicas contra os madeireiros, manifestações de disposição ao enfrentamento físico contra as empresas madeireiras e outras. No entanto, isto culminou em ameaças de 143 morte às lideranças indígenas. O segundo cacique da aldeia Novo Lugar, desde o início de sua luta pela demarcação da TI Maró, tem sofrido diversas ameaças de morte (CIMI, 2009). Esta liderança sofreu dois atentados contra sua vida e, ainda, atos discriminatórios contra a sua identidade indígena. Em fevereiro de 2006, esta liderança foi abordada, em uma das ruas de Santarém, por três homens encapuzados usando motocicletas, os quais “diziam para ele não se meter com gente que ele não conhecia” (O. A. Borari, 28 anos). Em 2007, ocorreu a segunda ação contra a liderança, novamente em Santarém, este foi sequestrado, espancado e depois, deixado amarrado em uma árvore na floresta, próximo a uma rodovia do município. Os fatos foram registrados na Delegacia Civil de Santarém, mas, segundo a liderança, até o momento não houve nenhuma resposta às ocorrências. Depois de muita insistência, o indígena recebeu do Governo Estadual uma proteção pessoal, foi incluído no Programa de Proteção aos Direitos Humanos no Estado Pará – PEPDDH/PA. Porém, a proteção não atende as suas necessidades, já que o programa não prevê o acompanhamento fora da cidade de Santarém, nem mesmo dentro da Gleba Nova Olinda, palco do conflito. Em reconhecimento à luta do Segundo Cacique Dadá Borari pelos direitos de seu povo, a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Pará, concedeu a Dadá Borari o prêmio José Carlos Dias de Castro de Direitos Humanos em dezembro de 2007 (Anexo H). O líder indígena foi homenageado pela OAB-PA por atuar na defesa dos direitos humanos do povo indígena, o direito à terra de seus ancestrais e o resgate da cultura de seu povo: Por isso, a Ordem, nesse trabalho de valorização e divulgação das causas defendidas pelos defensores dos direitos humanos no Estado, homenageou o cacique Dadá Borari, assumindo a luta de sua etnia e demais populações indígenas e tradicionais do Oeste do Pará, para dar maior visibilidade à causa defendida por ele e estimular o debate à importância da regularização fundiária das terras indígenas e defesa das riquezas naturais das reservas (OAB-PA, 2009, p. 06). No entanto, segundo as lideranças indígenas, mesmo tendo a realidade vivida por seu povo certa repercussão em setores da sociedade (OAB, por exemplo), em favor de sua luta, os madeireiros continuavam sua ação devastadora de exploração dos recursos naturais em seu território. Desse modo, como mencionado anteriormente, os moradores das comunidades do Rio Arapiuns se juntaram para defender sua região: decidiram fazer uma manifestação na Comunidade de São Pedro para chamar a atenção das autoridades para os crimes cometidos contra aquele povo e denunciar a extração ilegal de madeira (CIMI, 2009). Iniciada no dia 12 de outubro de 2009, a manifestação contou com populações 144 indígenas, não indígenas, assentados do PAE Curuai e da Resex Tapajós-Arapiuns. A princípio, no dia 12 de outubro, estavam envolvidas apenas 6 comunidades e algumas entidades como STTR-Santarém, Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS, CITA e CPT. No entanto, com o prosseguimento da pauta de reivindicações e as ações ocorridas, mais comunidades passaram a integrar o movimento, chegando a um total de 26 comunidades participantes (Figura 37). Figura 37 – Chegada de pessoas para integrarem-se no Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns. Foto cedida pelos manifestantes. Nesta manifestação, deu-se origem ao “Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns”. Com o objetivo de “lutar por uma terra que legitimamente pertence às populações tradicionais e indígenas que moram naquele espaço há muitos anos” (H. A. Borari, 56 anos). Os manifestantes reunidos nesta ocasião decidiram impedir a passagem de balsas carregadas com madeiras vindas da Gleba Nova Olinda. Foram detidas duas balsas de madeira e solicitada a presença de representantes do Governo do Estado e outras autoridades para tratar do assunto; todavia, o Governo do Estado do Pará nunca admitiu nenhuma irregularidade e tão pouco se propôs a encontrar uma saída a partir da pauta de reivindicações dos moradores do Arapiuns (Anexo I). Segundo relatos dos manifestantes, a participação das pessoas variava de 80 a 1.200 pessoas a depender do horário e dos dias da semana; havia a participação de crianças, jovens e 145 adultos. As comunidades da região, compreendida pelo Lago Grande, Tapajós e Arapiuns, de Santarém, envolveram-se no movimento. Sendo que os moradores das comunidades mais distantes ajudaram com a doação de alimentos, basicamente peixe e farinha, para os manifestantes se manterem no local. Os alunos das escolas da região do Rio Arapiuns participavam ativamente das atividades, fazendo apresentações, paródias, cartazes, músicas e poesias (Figura 38). Neste sentido, vale ressaltar o relato de uma criança Borari a respeito da manifestação: “Nós foi tudo lá pra ponta do Pedrão [Comunidade São Pedro], foi é todo mundo, a aldeia ficou vazia, era tempo de manga, se estragava. Mas as vez nos vinha aqui buscar, pra levar pros outros q tava lá. Nós fomo tudo, não teve aula, o professor foi também. Nós tava lá era lutando pela nossa terra né? Tinha muita gente lá, de tudo lugar, tinha criança das outras comunidades do Arapiuns, a gente brincava muito [risos], mas a gente participava das reunião também, dos ritual, porque a gente tem que ser unido né? E lutar. Nós [crianças] gosta dos ritual, nós tem o ritual das criança, nós tem música, eu e o preto, nós faz poesia sobre a nossa aldeia, muita coisa nós faz” (J. A. Borari, 9 anos). Figura 38 – Participação das crianças (alunos) na manifestação de São Pedro. Fotos cedidas pelos manifestantes. Uma pauta de reivindicações foi estabelecida pelos manifestantes, no entanto, pouco se avançou nas negociações com as autoridades competentes (SEMA, IDEFLOR, ITERPA, MPF e MPE). Apesar das reiteradas solicitações feitas aos representantes do Governo do Estado do Pará para conversar com os manifestantes a fim de apurar as denúncias de irregularidades no processo de extração de madeira, o Governo ignorou os apelos, dando respostas evasivas aos moradores do Arapiuns (CIMI, 2009). Segundo os manifestantes, o desrespeito foi tanto que, no dia 12 de novembro, depois de um mês de manifestação, e como 146 o Governo do Estado não atendeu à solicitação das comunidades, decidiram dar um recado ao mesmo, queimando a madeira de duas balsas apreendidas, com indícios de irregularidades (Figura 39). Figura 39 – Queima da madeira de duas balsas apreendidas, com indícios de irregularidades, no Rio Maró, pelos manifestantes. Foto cedida pelos mesmos. A mídia local tratou a manifestação como vandalismo, a ela atribuindo outras acusações, como a destruição do patrimônio particular e prejuízos à empresa M2000, que teve sua carga de madeira queimada. Para reforçar este discurso, os principais meios de comunicação regionais têm usado informações de um pesquisador ambiental sobre mudanças climáticas e assessor do Deputado Federal da região. Este pesquisador afirma não existirem indígenas na região do Rio Arapiuns. Seus argumentos ignoram ou desconhecem a Constituição Federal Brasileira e a Convenção 169 da OIT ratificada pelo Governo Brasileiro, em 2002, que tratam do assunto. Este assessor político também tenta difamar padres da Igreja católica de serem os responsáveis pelo processo de “inventar” a existência de índios na região. O ato desesperador é uma tentativa clara de intimidar o serviço da Igreja junto a estas populações e propagar um discurso contra os direitos dos povos nativos da Amazônia e, ainda, de criminalizar a luta dos povos indígenas. Segundo Nilson Vieira, chefe da vistoria do IBAMA na Gleba Nova Olinda, em 2007, uma das táticas utilizadas por parte dos empresários para desacreditar a legitimidade da Terra Indígena Maró pauta-se na desqualificação das lideranças indígenas, veiculando, por exemplo, matérias aparentemente pagas na imprensa local, onde essas lideranças são chamadas de falsos índios, em discurso que é disseminado na região, além das ameaças de morte e 147 espancamentos, enfrentados freqüentemente pelas lideranças indígenas (IBAMA, 2007). Os conflitos vividos pelos Borari de Novo Lugar não são raros entre os indígenas. A esse respeito, podemos citar alguns casos: Posey (1995) relata que a confrontação dos Kayapó com os agentes econômicos externos, especialmente madeireiros, garimpeiros e os grandes negócios, ameaçam concretamente todos os aspectos da cultura kayapó, à medida que esses agentes adentram na Terra Indígena. Segundo Coutinho et al. (2002), os indígenas do Estado do Maranhão vêm sendo, ao longo do tempo, fisicamente lesados e subjugados pela sociedade civil. Os autores dizem, ainda, que aqueles que sobreviveram às sucessivas ações de extermínio sofrem drásticas reduções em seu território de ocupação tradicional. Realidades estas, semelhantes às vividas pelos Borari de Novo Lugar. Segundo Ramos (2008), os Yanomami vêm sofrendo, desde meados do século XX, inúmeras ameaças a sua integridade física e sócio-cultural. A construção da rodovia Perimetral Norte, nos anos 1970, deixou um rastro de morte, levando à extinção de comunidades inteiras. Posteriormente, os Projetos Agropecuários expulsaram as comunidades Yanomami de suas terras e a corrida pelo ouro propiciou a invasão dos territórios Yanomami causando a pior epidemia de malária já vista na região. Após vários massacres e mortes dos Yanomami e muitas lutas dos indígenas em prol de suas terras, a Terra Indígena Yanomami foi demarcada em 1991, sendo homologada no ano seguinte: “A desagregação social deu-se em vários níveis, a começar pela destruição da base econômica das comunidades: roças destruídas pela força de enormes mangueiras vomitando colossais jorros contra barrancos desmoronados em segundos; trilhas seccionadas por imensas crateras abertas à força de tremendos jatos d’água, cortando o acesso a roças, acampamentos e aldeias; animais de caça escorraçados pelo pandemônio do trânsito constante de aviões e helicópteros e do infernal barulho do tosco maquinário que serve o incontrolável afã de buscar ouro a qualquer preço. Tudo isso foi acompanhado da implacável sangria de vidas indígenas, fosse por doenças altamente contagiosas, fosse pura e simplesmente por assassinatos. [...] Povo do movimento, do fluxo e da expansividade, os yanomami continuam enfrentando os assaltos, ainda que em menor grau, de levas de garimpeiros, mesmo depois de o estado brasileiro, desde 1992, ter investido milhões de reais em repetidas, mas ineficazes operações de desocupação da terra indígena yanomami. [...] Além desses novos transtornos, os yanomami ainda enfrentam um outro perigo, que são as tentativas intermitentes por parte de alguns políticos de anular o que lhes é garantido por direito: um território suficientemente amplo capaz de assegurar a continuidade de seu modo fluido e sábio de viver” (RAMOS, 2008, p. 112). Ainda em relação aos conflitos em territórios indígenas, o CIMI (2009) elaborou um relatório sobre a violência e a violação dos direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal Brasileira e pela Convenção 169 da OIT. O referido relatório demonstra os conflitos existentes nos estados Brasileiros. Abaixo, estão relacionados alguns conflitos existentes em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira (Figura 40). 148 Figura 40 – Quadro: Alguns conflitos existentes em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira Estado TI/Etnia Breve descrição do conflito Acre Kampa do Rio Amônea/ Ashaninka Maranhão Araribóia/ Guajajara e AwáGuajá Maranhão Awá/ Awá-Guajá Nesta TI a indústria cosmética é acusada pelo MPF de fazer a indevida exploração de conhecimentos tradicionais dos Ashaninka. O processo de produção de cosméticos a partir do óleo do murumuru já foi patenteado por três empresas: Tawaya, indústria sediada em Cruzeiro do Sul, a Natura Cosméticos e Chemyunion Química Ltda. Esta TI sofre também com invasões de não-indígenas. O MPF acusa dois não-índios por danos morais, materiais e ao meio ambiente resultante da invasão da terra indígena do povo Ashaninka. Os acusados fizeram a abertura irregular de estradas, derrubaram árvores e retiraram madeira Na TI Araribóia existem vários crimes cometidos contra os indígenas e seu território: - Extração ilegal de madeira: foram exploradas ilegalmente as poucas áreas remanescentes de floresta amazônica na terra indígena Alto Turiaçu. Infratores ambientais têm usado serrarias portáteis, mais fáceis de montar e desmontar e que permitem se embrenhar na mata e produzir madeira serrada no próprio local. Madeireiros abriram uma estrada clandestina na parte norte da terra indígena, rumo à Lagoa Buritizal, que é o espaço de caça e coleta de grupos Awá-Guajá sem contato e que vivem há anos nessa terra. - Garimpo ilegal; - Plantação de maconha, onde os traficantes plantaram diversas roças de maconha, ocupando grande parte da área da reserva indígena. A área deveria ser usada para plantação de mandioca. Extração ilegal de madeira: a devastação intensa na área levou a conflitos entre madeireiros e indígenas com confrontos e mortes. O grupo isolado está sendo encurralado e corre sério risco de aniquilação. Extração ilegal de madeira: desde o início do ano de 2009, lideranças da TI Bacurizinho vêm relatando situações de invasão de madeireiros em sua área. Bacurizinho/ Guajajara Cana Brava/Guajajara Guajajara Caru/ Awá-Guajá Extração ilegal de madeira: desde 1986 a TI Cana Brava vem sofrendo invasão por madeireiros. Porém, a situação se agravou no mês de fevereiro de 2009, onde houve o assassinato de um madeireiro na Aldeia Caru. Em função disso, dois indígenas estão presos acusados do assassinato e os conflitos entre indígenas e não-indígenas aumentam cada vez mais. Desmatamento: a Justiça do estado do Maranhão na pessoa do juiz José Carlos Madeira deu parecer favorável aos Awá-Guajá reconhecendo a TI Awá como sendo terra tradicional do povo e estipulou um prazo de 190 dias para desintrusão da área. O prazo foi esgotado e nenhum ocupante foi retirado. No dia 23 de outubro, o primeiro Tribunal Regional Federal suspendeu a decisão. Com isso, o processo de degradação ambiental corre de forma acelerada. O povo Awá-Guajá vem lutando há 25 anos pela conquista de sua terra radicional. 149 Figura 40 – Continuação Estado TI/Etnia Breve descrição do conflito Mato Grosso Parque Indígena do Xingu/ Várias etnias Extração ilegal de madeira: existe invasão e desmatamento dentro e fora do Parque Indígena do Xingu. Os acusados foram flagrados cortando e carregando grande quantidade de madeira sem autorização. Desmatamento para pastagem: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 47,27 km2 de desmatamento e degradação florestal na terra indígena. Ainda em 2009 a operação Curuá flagrou mais de 6 mil hectares de área desmatada ilegalmente e identificou duas grandes fazendas em plena atividade de produção agrícola, a Conquista e a Colombo. Desde a década de 1960 os índios lutam pela retomada do local. Em 1998, veio a demarcação da terra e o reconhecimento do direito dos Xavante à reserva, mas há uma disputa judicial em que os fazendeiros, que continuam na terra indígena, questionam a ordem de saída da região. Dos mais de 165 mil ha, os índios ocupam apenas 30 mil ha. O restante da área é ocupada por fazendeiros, posseiros e grileiros. Desmatamento: os índios denunciaram a presença de madeireiros na reserva. Segundo o cacique da comunidade, os madeireiros aproveitaram a realização da 10a Edição dos Jogos dos Povos Indígenas, para invadir a reserva. Desmatamento para pastagem: o território indígena de 7.700 km2 tem cerca de 1.200 invasores que derrubam a mata para criar gado, segundo a Funai. O grupo que vive na área depende da caça e tem sentido uma diminuição significativa no número de animais na região, o que compromete a subsistência dos indígenas. Os conflitos gerados pela UHE Belo Monte, no rio Xingu, cujos estudos e projetos não respeitam o direito de consulta prévia e bem informada das comunidades atingidas e, muito menos, seu direito de manter a integridade de seus territórios e a preservação dos recursos naturais. Invasão e exploração madeireira: reunidos na 7a Assembleia dos Povos Indígenas, em Guajará-Mirim, as etnias do Vale do Guaporé expressaram “repúdio às ocupações promovidas pelo agronegócio, madeireiros e fazendeiros.” Haveria planos de manejo e atividades extrativistas, travestidas de atividades agrícolas dentro das terras da União e área indígena em Rondônia. Conforme as denúncias, trechos das reservas são alvo da extração de essências para exportação. Construção de hidrelétrica, a instalação da hidrelétrica Santo Antonio atingirá 5 povos contatados e vários povos isolados. Segundo Roberto Smeraldi, diretor de “Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, “a concessão das licenças contrariou repetidamente os pareceres da equipe técnica do Ibama”. Uma das principais irregularidades apontadas é a autorização ambiental do Ibama, antes de a Funai ter informações suficientes sobre a localização geográfica de índios que vivem na área. Marãiwatsedé/ Xavante Pará Alto Guamá/ Tembé Apyterewa/ Apyterewa Pará Várias Terras Indígenas/ Várias etnias Rondônia Vale do Guaporé/ Várias etnias Várias TIs/ Vária etnias 150 Figura 40 – Continuação Estado TI/Etnia Breve descrição do conflito Rondônia Várias TIs/ Vária etnias Roraima Yanomami/ Yanomami A construção e pavimentação de estradas: a pavimentação de 291 quilômetros da BR-429, sul de Rondônia, poderá dizimar vários povos isolados, além dos Yvyraparakwara e Jurureí. A rodovia passa perto de áreas de conservação e terras indígenas demarcadas, além de cortar territórios a serem demarcados para os índios Poruborá e Miguelenos. Garimpo: O garimpo ilegal vem devastando a terra, provoca poluição dos rios e ameaça a sobrevivência das populações indígenas que aí vivem. A Delegacia do Meio Ambiente diz realizar ações de combate ao garimpo diariamente. A fiscalização na reserva indígena é complexa. Demanda tempo e efetivo que não existe na unidade regional, além de apoio logístico das Forças Armadas e Polícia Federal Destruição do patrimônio: - Em torno de 20 a 30 pessoas, algumas armadas, invadiram a terra indígena e começaram a destruir o curral da comunidade. - Empregados de um fazendeiro da região destruíram as cercas da comunidade indígena que faziam divisa com a fazenda em questão. - A escola indígena da comunidade foi totalmente queimada durante a madrugada. Um fazendeiro da região, antes do registro do delito pelos indígenas, tinha registrado Boletim de Ocorrência na mesma Delegacia alegando não ser ele o autor do crime, sem que ninguém tivesse lhe imputado o crime. -Na noite do dia 27de junho, um grupo de homens armados, oriundos do projeto Assentamento Nova Amazônia, entraram na aldeia Lago da Praia e queimaram o Posto de Saúde com todos os equipamentos, medicamentos e equipamento de radiofonia que dava suporte de comunicação à comunidade Danos ao meio ambiente: Ao deixar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, os invasores que plantavam arroz tornaram suas terras “terra arrasada”. Agrotóxico: a comunidade indígena vem sofrendo com as plantações de soja na região. Segundo relatos dos indígenas, há forte contaminação das pessoas, solo, água e animais devido à enorme quantidade de agrotóxicos pulverizados. Os indígenas atingidos relatam doenças respiratórias e de pele; morte de aves e pequenos animais, além de erosão e má qualidade da água. Serra da Moça/ Makuxi, Wapixana Roraima Tocantins Raposa Serra do Sol/ Várias etnias Kraolândia / Krahô Fonte: CIMI, 2009 O que se pretende mostrar, com as informações da figura acima, é que não são raros os conflitos em territórios indígenas amazônicos e que a morosidade das ações dos órgãos competentes contribuem, se não para o aumento, mas para a manutenção das situações conflituosas vividas por estes vários povos indígenas amazônidas. Neste sentido, sobre o processo demarcatório da TI Maró, se faz necessário a celeridade na publicação dos estudos de identificação e delimitação, pois, diante da indefinição pelos órgãos competentes dos limites da área indígena, diversos conflitos estão 151 ocorrendo entre os indígenas e os não indígenas (madeireiros e comunitários) na área e a contínua exploração da madeira tem gerado degradação ambiental e, consequentemente, provocado impactos negativos diretos ao modo de viver das populações indígenas locais. De acordo com Amorozo (2007), a garantia de posse e uso de seu território é essencial para a reprodução dos modos de vida das sociedades tradicionais. Nesse sentido, a luta pelo reconhecimento e demarcação das Terras Indígenas (TI) visa garantir não somente a proteção da biodiversidade e a sobrevivência dos referidos povos, mas também direitos originários perante seu território cultural, político, econômico, ecológico, entre outros, os quais são ameaçados na disputa entre os diferentes atores sociais, pelo acesso à terra e aos recursos naturais existentes em terras indígenas. A legislação referente aos indígenas, a partir da Constituição Federal de 1988, cobre amplamente as recomendações acima, através do direito à demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e imprescindíveis tanto às suas atividades produtivas como à preservação dos recursos ambientais, segundo suas pautas culturais, demarcadas oficialmente ou não. Essas terras destinam-se a sua posse permanente, com o usufruto das riquezas naturais nelas existentes. São ainda considerados nulos, sem efeito jurídico, atos que tenham por objeto ocupação, domínio ou posse, salvo relevante interesse público da União (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE L988, CAPÍTULO VIII, DOS ÍNDIOS, art 231 e 232). Por seu modo de proceder, os representantes das madeireiras que atuam na região da TI Maró não só ameaçam a permanência da população indígena na área, como também todo o ecossistema da região. Motivos pelos quais os Borari resistem e lutam em favor de seu território, de seus modos de vida e de sua cultura. As atividades de agricultura de subsistência e o uso histórico dos recursos naturais pelos Borari devem ser um referencial para a proposta de demarcação de TI Maró, considerando o grau de vulnerabilidade a que essa área está sujeita, pelo tipo de exploração dos recursos naturais ora imposta pelos madeireiros. Os Borari reivindicam um território que representa uma resposta às novas fronteiras de expansão e ao avanço indiscriminado da exploração dos recursos naturais da região da Gleba Nova Olinda, circunscrevendo tanto sua territorialidade, sua identificação étnica indígena, quanto o uso e controle coletivo dos recursos naturais. Na Amazônia, segundo Oliveira (1998), a grande ameaça é justamente a “invasão dos territórios indígenas e a degradação dos recursos ambientais”. Sendo assim, a regularização das TIs representa também a limitação do território, obstáculo para os capitalistas expropriarem as terras e, conseqüentemente, os recursos naturais nelas existentes (PICOLI, 152 2006). Segundo IMAZON e ISA (2011), o desmatamento, a atividade madeireira, a construção de estradas e a mineração são as pressões das atividades humanas mais freqüentes sobre as Terras Indígenas. As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê várias obras, tais como: rodovias, hidrelétricas e hidrovias que teriam impactos nas TIs (IMAZON; ISA, 2011). Dentre estas, destaca-se a Hidrelétrica de Belo Monte, obra que trará conquências imprevisíveis e irreversíveis para indígenas e não-indígenas da região de Altamira, no estado do Pará (CIMI, 2009). 153 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS O exercício de descrever e analisar a história dos Borari da Aldeia Novo Lugar proporcionou compreender saberes e práticas sociais que orientam tanto a organização social, cultural e política, quanto às formas de apropriação, utilização, manejo e gestão dos recursos naturais, em especial os vegetais, por esses indígenas. Os diferentes espaços do território utilizados pelos Borari indicam que a complexidade do meio construído e a dinâmica de organização dos indígenas são orientadas por aspectos culturais amplos (saberes tradicionais, mitologia, cosmologia, crenças, etc.). A organização sócio-política dos indígenas de Novo Lugar é bem definida e pode ilustrar aspectos como a resistência cultural, a intensa relação de reciprocidade familiar imanente aos Borari, o processo de ocupação da terra ao longo do Rio Maró, o padrão de utilização dos recursos naturais e a luta pelo direito a terra, evidenciando sua ancestralidade e identidade indígena. O universo mítico dos Borari representa uma articulação, através da reverência ao catolicismo, aos rituais e às divindades, associado à reafirmação étnica e à luta pelo território. A luta pela terra é associada ao significado que une o grupo em questão, através de uma identidade etnicamente diferenciada, aos aspectos cosmológicos de suas crenças e religiosidade, aos lugares de memória da ocupação territorial do grupo pela região (BeijuAçu, cabeceira do Igarapé do Cachimbo, e Lago e Campo de Natureza Janauí) e ao modo de viver dos Borari, expressado através de suas práticas políticas, sociais e culturais, além de sua relação com a natureza. As formas de utilização e manejo dos recursos naturais da Aldeia Novo Lugar sempre foram orientadas por saberes locais que mantiveram, em sua prática, a conservação dos recursos naturais para as gerações posteriores. Nesse sentido, as regras de utilização do espaço e conservação do meio natural da aldeia, foram, por muito tempo, orientadas pelo Sr. Manoel Avelino, fundador da Aldeia e um grande conhecedor dos ecossistemas naturais locais. Sendo, a composição populacional da aldeia diretamente vinculada à família do casal fundador, Sr. Manoel Avelino e Sra. Salustiana Alves Borari, tais experiências foram perpetuadas pelos seus filhos e repassadas até hoje pela família Alves de Sousa aos membros da aldeia. Em geral, os Borari detêm um vasto conhecimento sobre a flora local e sua utilização (potencialidades). O conhecimento geográfico e ecológico proveniente da ocupação sucessiva dos ambientes ao longo dos anos, associado aos vínculos simbólico-religiosos referentes ao 154 mundo natural, geram a cosmologia relacionada ao universo botânico dos Borari. Tais conhecimentos estão diretamente imbricados ao modo de utilização e ocupação do espaço territorial. Os resultados apresentados evidenciam que o padrão de utilização dos recursos naturais dos Borari pauta-se na interligação das unidades produtivas e de coleta (quintais, roças, florestas) manejadas pelos indígenas, revelando o conhecimento que estes têm sobre o potencial florístico de suas terras. Os espaços produtivos e de coleta se complementam na busca de garantia das necessidades básicas dos Borari, especialmente no que tange à alimentação, à saúde e às condições de moradia. A diversidade de plantas manejadas e utilizadas por esses indígenas é consideravelmente alta e seu cultivo e/ou coleta é realizado, basicamente, para suprir a demanda familiar e para a doação entre os demais indígenas da aldeia. Os dados obtidos neste trabalho revelam que as principais espécies consideradas pelos Borari como fundamentais para sua reprodução física e sócio-cultural possuem múltiplos usos. Estas destinam-se à alimentação, tanto humana como animal; aos cuidados com a saúde, tanto física como espiritual; a construção de suas casas e de todas as outras edificações necessárias na aldeia; aos artesanatos e utensílios fabricados e utilizados por estes indígenas, o que indica que os Borari têm uma visão integrada dos recursos naturais considerados fundamentais para eles, maximizando seus usos. Dessa forma, conclui-se que os Borari de Novo Lugar não possuem apenas um conhecimento aprofundado do seu meio natural, tradicionalmente repassado. Julgo que o processo de ocupação territorial na região do Rio Maró, pelo uso comum da terra e dos recursos naturais, seja uma construção do território intrínseca da relação indígenas-mundo vegetal. Desse modo, a perspectiva de conservação própria dos indígenas pode e deve ser integrada em um plano que tenha por finalidade a conservação do meio ambiente e dos saberes tradicionais indígenas, pois os Borari dependem, por sua cultura e estilo de vida, do ambiente natural onde vivem e têm um interesse direto em usá-lo de maneira sustentável e em conservá-lo para seus filhos e netos. Os resultados deste trabalho despertam a atenção sobre a necessidade da continuidade dos estudos nesse campo de pesquisa com indígenas da região do Baixo Rio Tapajós, sobre os quais pouco se sabe. Pois um grande esforço é preciso para a compreensão do relacionamento complexo que os povos indígenas mantêm com seu meio ambiente, através de seus modelos e regras de apropriação e uso do espaço e dos recursos naturais. Embora se tenha discutido 155 neste trabalho a relação dos Borari com os vegetais em seus quintais, roças e floresta de terra firme, um estudo mais aprofundado sobre a relação dos indígenas com outros tipos de florestas como, por exemplo, as florestas de igapó, os campos de natureza e os diversos tipos de capoeiras se torna necessário para entender melhor o universo botânico dos indígenas da região do Baixo Rio Tapajós. Os dados apresentados neste trabalho mostram que a luta pela terra protagonizada pelos Borari está distante de ser apenas por espaço territorial. Essa luta deve ser entendida como a busca pela sobrevivência e manutenção de um território que abrange a articulação entre as dimensões sociais, políticas, culturais e a natureza. Pois, enquanto esta última oferece materiais (recursos naturais), que regulam o modo de viver dos Borari, as dimensões sociais e políticas estabelecem a forma como esses materiais são utilizados, manejados e geridos, e a dimensão cultural expressa a cosmologia de como o território e seus recursos naturais são apropriados e explorados pelos Borari. A entrada da COOEPA, na região da Gleba Nova Olinda, não só proporcionou a diminuição drástica do território de sobrevivência dos Borari, no que diz respeito à diversidade e à qualidade de seus alimentos, mas também afetou grandemente a relação Borari-natureza, ao afetar o modo de viver dos indígenas, pois os mitos e crenças religiosas estão intimamente ligados ao manejo da natureza, uma vez que ambas se entrosam indissoluvelmente. O fato dos indígenas estarem confinados a uma faixa entre o rio e o pico demarcatório imposto pelos madeireiros ameaça concretamente a reprodução física, social e cultural dos mesmos, visto que lugares de extrema importância para a memória e ritualística dos Borari, onde antes permeavam sem problemas, hoje são disputados com os agentes vindos de fora (madeireiros), mas também com os próprios nativos da região (vizinhos da Comunidade Fé em Deus). As situações de conflitos vividas pelos indígenas de Novo Lugar proporcionaram um contexto no qual os Borari se apropriaram de símbolos, valores e práticas pertencentes a seu universo cultural a fim de orientar e sustentar formas distintivas de sua etnicidade em relação aos demais grupos locais envolvidos na problemática fundiária da Gleba Nova Olinda. A luta pela terra, a reivindicação étnica indígena, a violência política e costumeira dos empresários madeireiros e a seletividade do Estado nos conflitos existentes na Gleba Nova Olinda, indicam a continuidade do processo de dilaceramento da cidadania indígena, mas revelam também o vigor das lutas desse povo. A tradicionalidade da cultura borari favoreceu a conservação de seus saberes 156 tradicionais, aliada a seu padrão de utilização dos recursos naturais. No entanto, o acentuado desmatamento da floresta na região da Gleba Nova Olinda, por um lado, e a falta de demarcação de terras, por outro, podem estar comprometendo esses saberes tradicionais. Analisando os dados pesquisados, chegamos ao fato concludente de que um dos grandes desafios para os Borari está na garantia de sua própria sobrevivência. Sobrevivência esta intimamente ligada à saúde, vista de forma global: física, intelectual, cultural e social. Pois se, no passado, os Borari eram donos de uma vasta área capaz de garantir e satisfazer plenamente suas necessidades, hoje se encontram acuados em uma faixa entre o pico estabelecido pelos empresários madeireiros e o rio, que não chega à metade da dimensão de suas antigas terras. Além do mais, a exploração gradativa dos recursos naturais, especialmente pelos madeireiros, em grande escala, leva à escassez de produtos alimentícios, como os frutos da floresta e a caça. Em função dos resultados obtidos neste estudo, infere-se que a proposta de regularização fundiária do Seminário Participativo para elaboração do Plano Participativo de Mosaico de Uso da Terra nas Glebas Nova Olinda, Nova Olinda II, III, Curucumucuri e Mamuru, no Oeste do Pará, nos parece, assim, entre aquelas discutidas ao longo desses últimos anos, a mais próxima do ideal. Pois representa, de fato, o território necessário para a reprodução física e cultural dos Borari e, ademais, é a condizente com o almejado pelos indígenas. Por terem uma vivência sócio-cultural estreitamente vinculada ao seu território, os Borari utilizam, para sua sobrevivência física e cultural, uma área bem mais ampla do que a área que os madeireiros delimitaram como da aldeia. Em vista desses fatos, a delimitação, a desintrusão e a proteção de um espaço territorial adequado para os Borari aparecem claramente como uma condição essencial para sua sobrevivência física e cultural. Neste sentido, o território adequado para os Borari deve ser entendido, aqui, como uma área calculada prioritariamente em função das condições de reprodução do sistema produtivo indígena descrito ao longo deste trabalho, isto é, uma área extensa e contínua. O reordenamento territorial em curso implica o dever do Estado em promover a demarcação e a homologação da TI Maró, na perspectiva constitucional dos direitos indígenas, que inclua áreas tanto para suas atividades produtivas quanto aquelas imprescindíveis à preservação de recursos ambientais para sua reprodução física e cultural. Neste sentido, no processo de demarcação da TI Maró, deve-se respeitar a ocupação tradicional, delimitando o território conforme o seu uso sócio-cultural. Pois para ter-se a 157 redução ou o fim dos Borari, não será necessária sua eliminação física. Mas, pensemos: o que teremos daqui a algum tempo? O que será dos Borari de Novo Lugar daqui a alguns anos? E da devastação da floresta na região da Gleba Nova Olinda se se prosseguir a agressão praticada pelos empresários contra esse povo e as terras ao seu entorno? Por tudo isto, é tarefa de maior importância para os órgãos governamentais competentes promover a demarcação da área indígena dos Borari-Arapiuns (TI Maró) segundo os limites almejados por eles, e a garantia de uma fronteira étnica e geográfica que possa assegurar tanto a preservação da biodiversidade local (vegetal e animal), quanto a reprodução física e sócio-cultural dos indígenas, visto que seu padrão de utilização dos recursos naturais implica o uso e destinação sustentável dos recursos disponíveis no ambiente. 158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERT, B. Urihi: terra, economia e saúde Yanomami. Brasília: UNB, 1992. p. 1-20. (Série Antropologia, v.119). ALBUQUERQUE, U. P. de. Etnobiologia e biodiversidade. Recife: NUPEEA/Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, 2005. 78p. (Série Estudos e debates). ALBUQUERQUE, U.P. de; LUCENA, R.F. de P.; ALENCAR, N.L. Métodos e técnicas para coleta de dados etnobiológicos. In: ALBUQUERQUE. 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Ananas comosus (L.) Merril Euterpe oleraceae Mart. Cissapelos andromorpha DC. Capraria biflora L. Rosmarinus officinalis L. Ocimum sp. Ocimum sp. Gossypium arboreum L. Gossypium herbaceum L. Portulaca subsect. Pilosae D. Legrand Alternanthera minutiflora Sucess. Ananas sp. Carapa guianensis Aublet. Psidium guineensis Pers. Annona montana Macf. Barreria latifólia (Aubl.) K. Schum. Piper marginatum Jacq. Ruta graveolens L. Oenocarpus bacaba Mart. Musa sp. Ipomoea batatas L. (Lam.) Myrcia fallax (Rich.) DC. Vernonia condensata Backer Plectranthus neochilus Schlechter Mauritia flexuosa L. Aelanthus suaveolens L. Theobroma cacao L. Coffea arabica L. Anacardium occidentale L. Saccharum officinarum L. Costus spiralis (Jacq.) Rosc. Alternanthera dentata (Moench) Stuchlik ex R.E. Fr Cybopogon winterianus Jowitt ex Bor Cymbopogon citratus Stapf Dioscorea sp. Lippia cf. Alba (Mill.) N.E. Br. Ex Britton & P. Wilson. Bertholletia excelsa Bonpl. Allium fistulosum L. Não identificada Chicorium intybus L. Canna sp. Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P. Wilson Mansoa alliaceae (Lam.) A.H. Gentry Cocos nucifera L. 173 Apêndice A – Continuação NOME POPULAR Coramina Crajirú Crista de galo Croton Cumapú Cumaruzinho Cupuaçu Curuminzeiro Espécie ornamental Escada de jaboti Feijão Flexal Folha grossa Fruta pão Gapuí Gergelim Goiaba Graviola Hortelanzinho Ingá Ingá de corda Ingá xixica Jambo Japana branca Jatobá Jenipapo Jerimum Laranja Lima Limão Limão tangerina Mndioca, macaxeira e manicuera Mamão Manga Mangarataia Mangarataia amarela Mangericão Maracujá Marrequinha Marupaí Mastruz Maxixe Melancia Melão Melhoral Milho Mucajá NOME CIENTÍFICO Pedilanthus tilhymaloides (L.) Polt. Arrabidaea chica (H.B.K.) Verlot Altharanthera sp. Croton sp. Physalis angulata L. Não identificada Theobroma grandiflorum Schum. Justicia pectoralis Jacq. Não identificada Bauhinia guianensis Aubl. Phaseolus sp. Não identificada Coleus amboinicus Lour. Artocarpus altilis (Parkinson) Fosberg Adenocalymma sp. Sesamum indicum DC Psidium guajava L. Annona muricata L. Mentha sp. Inga sp. Inga edulis Mart. Inga heterophylla Willd. Eugenia malaccensis L. Eupatorium triplinervis (Vahl) R.M. King & H. Rob. Hymenae courbaril L. Genipa americana L. Cucurbita pepo L. Citrus sinensis L.Osbeck Citrus limetta Syingle. Var Citrus limon (L.) Burm.f. Critrus sp. Manihot esculenta Crantz Carica papaya L. Mangifera indica L Zingiber officinalis Rosc. Zingiber sp. Ocimum basilicum L. Passiflora edulis Sims. Alternanthera sp. Eleutherine plicata Herb. Chenopodium ambrosioides L. Cucumis anguria L. Citrullus vulgaris Schard. Cucumis melo L. Coleus barbatus (Andrews) Benth. Zea mays L. Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart. 174 Apêndice A – Continuação NOME POPULAR Mucuracaá Murrueiro Muruci do norte ou muruci Muruci-açu Muruci pequeno ou da natureza None Onça Onze horas Pau-de-angola Piaçoca Pião branco Pião roxo Pimenta de cheiro Pimenta malagueta Preciosa Pucá Pupunha Quina Rosa branca Rosa cumuacá Sabugueiro Saia de noiva Salva de marajó Sara tudo Seringa Tajá buceta Taperebá Tártaro Trevo roxo Tucumã Urubucaá Urucum Uxi liso Vic Vassoureira Vindicá NOME CIENTÍFICO Petiveria alliacea L. Eschweilera ovata (Cambess.) Miers Byrsonima crassifólia (L.) Kunth Byrsonima aerugo Sagot Byrsonima spicata (Cav.) DC. Morinda citrifolia L. Costus spicatus (Jacq.) Sw. Portulaca grandiflora Hook. Piper divaricatum Mey Croton sacaquinha Croizat. Jatropha curcas L. Jatropha gossypiifolia L. Capsicum sp. Capsicum cf. annuum L Aniba canellila Mez. Cardiospermumhalicacabum L. Bactris gasipaes Kunth. Quassia amara L. Rosa sp. Pereskia sp. Sambucus nigra L. Catharanthus roseus (L.) G. Don Lantana grandis Scham. Rhacodiscus cf. calucinus (Nees) Bren Hevea brasiliensis M. Ang. Não identificado Spondias mombim L. Tanacentum sp. Micromeria chamissonis (Benth) Greene Astrocaryum vulgare Mart. Aristolochia trilobada L. Bixa orellana L Endopleura uchi (Hub) Cuart Mentha arvensis L. Myrciaria floribunda (H. West ex Willd.) O. Berg Alpinia zerumbet (Pers.) B. L. Burtt & R.M. Sm. 175 APÊNDICE B – Lista das 14 espécies cultivadas e utilizadas nas roças pelos Borari de Novo Lugar-TI Maró, Santarém-PA NOME POPULAR Abacaxi Arroz Banana Batata-doce Cana-de-açúcar Cará Jerimum Mandioca, macaxeira Mangarataia Mangarataia amarela Maxixe Melancia Milho Pimenta de Cheiro NOME CIENTÍFICO Ananas comosus (L.) Merril Oryza sp. Musa sp. Ipomoea batatas L. (Lam.) Saccharum officinarum L. Dioscorea sp. Cucurbita pepo L. Manihot esculenta Crantz Zingiber officinalis Rosc. Zingiber sp. Cucumis anguria L. Citrullus vulgaris Schard. Zea mays L. Capsicum sp. 176 APÊNDICE C – Lista das 93 espécies das florestas citadas pelos Borari de Novo Lugar-TI Maró, Santarém-PA NOME POPULAR Abiu Açaí Amapá Ananim Andiroba Angelim-pedra Angelim-vermelho Apuí Aquiqui Araticum Arcanfocaá Aroeira Arraiacaá Arruda da natureza Arumã Assuva Bacaba Bacuri-da-mata Barbatimão Breu Buriti Buxinha Cacauí Caju-açu Caranã Carapanaúba Castanha-do-Pará Cedro Cedrorana Cipó ambé Cipó apará Cipó titica Cipó-unha-de-gato Copaíba Cumarú Cumaruzinho Cupiúba Cupuí Curuá Envira Envirataia Escada de jaboti Estopa Faxeiro Flexal Inajá Ipê Itaúba NOME CIENTÍFICO Pouteria caimito (Pavon) Radlk Euterpe oleraceae Mart. Brosimum parinarioides Ducke Não identificada. Carapa guianensis Aublet. Hyminelobium sp. Hyminelobium petraeum Ducke Não identificado Não identidicado Annona montana Macf. Barreria latifólia (Aubl.) K. Schum. Astronium gracile Engl. Piper marginatum Jacq. Não identificado Thalia geniculata L. Não identificada Oenocarpus bacaba Mart Rheedia macrophylla Planch & Mart. Stryphnodrendron brabatimam Mart. Protium heptaphullum (Aubl.) March. Mauritia flexuosa L. Não identificada Não identificada Anacardium spruceanum Benth. Ex Engl. Não identificada Aspidosperma carapanauba Pichon. Bertholletia excelsa Bonpl. Cedrela odorata Ruiz & Pav. Cedrelinga catanaeformis Dulcke Philodendron solimoensis A.C. Smith Não identificado Heteropis flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting Uncaria tomentosa (Wild. ex R & S) DC Copaifera sp. Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. Não identificada Goupia glabra (Gmel.) Aublet. Não identificada Attalea spectabilis Mart. Não identificada Anonna ambotay Aubl. Bauhinia guianensis Aubl. Não identificada Não identificada Não identificado Maximiliana maripa (Mart.) Drude Tabebuia sp. Mezilaurus itauba Taubert ex Mez. 177 Apêndice C – Continuação NOME POPULAR Itaubão Jacarandá Jandicá Jatobá Jucá Louro-faia Maçaranduba Maparajuba Marapuama Marupá Meri Mucajá Muiracatiara Muirassacaca Murrueiro Muruci da natureza Muruci-açu Mururé Pajurá Paricá Patauá Pau d'arco Pau de angola da natureza Pau-rosa Paxiúba Pepina Piquiá Piquiarana Pitomba do mato Pracaxi Preciosa Seringa Sorva Sucuúba Taperebá Tauari Tento Tucumã Ucuúba branca Ucuúba preta Ucuúba vermelha Uxi curuba Uxi liso Verônica Vindicá NOME CIENTÍFICO Nectandra rubra (Mez) C.K. Alen Dalbergia spruceana Benth. Não identificado Hymenae courbaril L. Caesalpinia ferrea Mart. Não identificada Manilkara huberi (Ducke) Chevalier Manilkara amazônica (Huber) Standl. Ptychopetalum olacoides Bent. Acronomia sclerocarpa Mart. Não identificada Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart. Astronium le-cointei Ducke Croton cajucara Benth Eschweilera ovata (Cambess.) Miers Byrsonimasócata (Cav.) DC. Byrsonima aerugo Sagot Brosimum obovata Ducke Couepia robusta Hub. Virola theiodora Warb. Oenocarpus bataua Mart. Tabebuia serratifoia (Vahl) G. Nicholson Piper sp. Aniba roseodora Ducke Não identificada Não identificada Caryocar villosum (Aubl.) Pers. Não identificada Talisia cf. carinata Radlk Pentaclethra macroloba Kuntze Aniba canellila Mez. Hevea brasiliensis M. Ang. Não identificada Himatanthus sucuuba (Spruce ex Mull.Arg.) Woodson Spondias mombim L. Couratari oblongifolia Ducke & R. Knuth Ormosia coccínea (Aubl.) Jack. Astrocaryum vulgare Mart. Virola sp. Virola michelli Heckel Virola cuspidata (Spruce ex Benth.) Warb Hirtella sp. Endopleura uchi (Hub) Cuart Dalbergia monetaria L.F. Alpinia zerumbet (Pers.) B. L. Burtt & R.M. Sm. 178 ANEXOS 179 Anexo A – TAP assinado pelas lideranças da Aldeia Novo Lugar, TI Maró 180 181 182 183 Anexo B – Matéria do jornal O Liberal, versão online 184 185 Anexo C – Listagem do Plano Operacional Anual – POA do Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal – PPTAL, associado à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, a ser identificada e delimitada a partir de 2004 186 Anexo D – Algumas das denúncias feitas pelos Borari na imprensa local e para as autoridades governamentais. 187 CONSELHO INDÍGENA TAPAJÓS ARAPIUNS - CITA Trav. 02 de Junho, 806 – Aldeia CNPJ: 07.1063.314/0001-13 Fone: 093 – 3522 1124 O Conselho Indigena Tapajós Arapiuns (CITA), formado por 38 aldeias nos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, no Estado do Pará. Há muito tempo vem lutando pela demarcação de suas terras, educação e saúde. Os governos estaduais anteriores em nenhum momento se preocuparam com tais problemas. Reivindicamos que o novo governo tenha mais sensibilidade e trabalhe em busca de resolver tais problemas. Hoje, três aldeias indígenas dos povos Arapiun e Borari residentes na Gleba Nova Olinda, município de Santarém, vem sofrendo violências promovidas por associados da cooperativa denominada COOEPA (Cooperativa Oeste do Pará) formada por produtores agrícolas e madeireiros proveniente de outras regiões do Brasil, que se instalaram na região desde 2003. A forma violenta e ilegal como os cooperados invadiram a região causou indignação e a reação do povo indígena. Em 2003, o IBAMA realizou uma fiscalização, onde foram presos e autuados vários grileiros da COOEPA. Porém, a situação em nada mudou, a COEPA permanece ilegalmente na área e cometendo os mais absurdos crimes ambientais e violência contra a população indígena. Estradas ilegais foram abertas, pistas para pouso de pequenas aeronaves, dezenas de tratores derrubando a mata, armazenamento de madeira cortada na mata, extermínio de animais de caça, intimidação de índios e outros crimes são atos permanentes promovidos pelos associados da COOEPA. NOS, verdadeiros donos da terra, e também, verdadeiros promotores da preservação ambiental, reivindicamos das autoridades que neste novo governo sejam tomadas às medidas necessárias para a expulsão dos criminosos e a demarcação da terra indígena pleiteada pelos dois povos. Declaramos também apoio a criação do Projeto Agro-extrativista pleiteado por outras comunidades não-indigenas na Gleba. Da mesma forma, este novo governo precisa implementar definitivamente as políticas de saúde e educação para todos os povos indígenas da região. Pois são medidas emergenciais para nossos povos que tem vivido e lutado incansavelmente com governos anteriores pela efetivação de tais políticas, sem ter tido a atenção das autoridades. Acreditamos que neste novo governo posamos ter atendido nossas reivindicações e, não tenhamos mais que continuar sofrendo com as ações criminosas dos invasores. Por outro lado, se neste governo, os povos indígenas sofrerem o mesmo descaso dado pelos governos anteriores, não restará outra alternativa que não seja a mobilização para a resistência e o enfrentamento em favor dos nossos parentes. Santarém, 06 de janeiro de 2007. Odair José Borari Coordenador do CITA 188 Anexo E – Decreto Nº 1.149 de 17 julho. 189 190 191 192 Anexo F – Impugnação do edital de concessão florestal n. 001/2010 ESTADO DO PARÁ MINISTÉRIO PÚBLICO Exmo. Sr. JORGE ALBERTO GAZEL YARED Diretor-Geral do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará – IDEFLOR Nesta IMPUGNAÇÃO AO EDITAL DE CONCESSÃO FLORESTAL N. 001/2010 RAZÕES DA IMPUGNAÇÃO O Ministério Público do Pará, por meio dos signatários, vem apresentar Impugnação ao Edital de Concessão Florestal 01/2010, pelas razões e argumentos expendidos a seguir: O ponto focal da impugnação está baseado juridicamente no art. 3º da Lei 8666/93, de 21.6, cujo texto se transcreve integralmente: Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos. § 1º. é vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato. 193 Por sua vez, a Lei de Gestão de Florestas, que estabeleceu o novo regime jurídico para a política florestal brasileira, com previsão de concessão de uso de florestas públicas, focalizou a estratégia de produção no contexto também da proteção da biodiversidade e das populações tradicionais existentes eventualmente no território a ser destinado. De direito, em seu art. 6º, essa Lei trata exatamente da participação das comunidades nesse processo, dando-lhes mais prerrogativas e mais segurança quanto à posse tradicional, como se vê, in verbis: “Art. 6º - Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de: I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária; III - outras formas previstas em lei. § 1º - A destinação de que trata o caput deste artigo será feita de forma não onerosa para o beneficiário e efetuada em ato administrativo próprio, conforme previsto em legislação específica. § 2º - Sem prejuízo das formas de destinação previstas no caput deste artigo, as comunidades locais poderão participar das licitações previstas no Capítulo IV deste Título, por meio de associações comunitárias, cooperativas ou outras pessoas jurídicas admitidas em lei. § 3º - O Poder Público poderá, com base em condicionantes socioambientais definidas em regulamento, regularizar posses de comunidades locais sobre as áreas por elas tradicionalmente ocupadas ou utilizadas, que sejam imprescindíveis à conservação dos recursos ambientais essenciais para sua reprodução física e cultural, por meio de concessão de direito real de uso ou outra forma admitida em lei, dispensada licitação. Como se vê, o cuidado do legislador com a proteção do interesse das comunidades, vai não somente na dimensão da proteção de seu território (de seu uso tradicional), mas também na extensão de incluir sua participação no certame público, por meio de uma pessoa jurídica apta. 194 E o ponto focal do questionamento está exatamente aí, pois, apesar do Edital questionado prever a participação garantida em lei, em simetria com a proteção constitucional dessas populações, não foram garantidas na realidade as condições necessárias para que a concorrência ocorresse com reais garantias de isonomia e igualdade. De fato, o edital restringe a competitividade do certame, pois que a possibilidade da participação das associações das comunidades locais, não se realiza em razão das condições e requisitos habilitatórios, inalcançáveis e inexequíveis, sendo, dessa forma, restritivas e excludentes e impedindo a vigência da previsão legal indicada. Para que tal não ocorresse e fosse, de fato, realizada a igualdade e isonomia desejáveis, o Estado, por meio de suas organizações de apoio e fomento, deveria realizar os investimentos necessários para viabilizar a capacidade organizacional e técnica das comunidades para permitir a realização plena dos princípios de ambas as normas citadas e tornar o processo plenamente participativo, garantindo-se às comunidades as condições de disputa no uso dos recursos naturais. O edital licitatório, portanto, é nulo de pleno de direito, pois, dispõe sobre a matéria com restrições à competição, em especial em relação à participação das comunidades no certame. Vejamos alguns exemplos. O item 8.1.1. do edital impugnado estipula, como condições habilitatórias imprescindíveis, que: “8.1.1. Poderão participar desta licitação empresas e associações de comunidades locais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e cooperativas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País, cadastradas ou não no Sistema de Cadastramento Único de Fornecedores – SICAF ..., no ramo de atividade relacionada ao objeto deste edital e que atendam às condições estabelecidas neste edital e seus anexos. Ora, as associações de comunidades locais, que não receberam previamente o apoio necessário do poder público, em especial dos órgãos de fomento da atividade especializada, em termos de organização e capacitação técnica, apesar de prevista a possibilidade de participação registrada no edital licitatório, só por esta declaração, não terão as condições de habilitação técnica, jurídica e operacional exigidas pelo ato convocatório. É provável que, considerando a complexidade da atividade e a escala de sua realização, até mesmo empresas do ramo não terão alcançarão demonstrar a capacidade técnico-operativa exigida. De fato, o licitante terá que comprovar, primeiro, capacidade financeira compatível com o custo dos trabalhos, com investimentos operacionais caros e de considerável risco, além de demonstrar infraestrutura necessária ao empreendimento, e também capacidade técnica para realizar as atividades previstas. 195 Não se deve olvidar, também a necessidade de oferecer as garantias que, apesar da previsão dos descontos destinados aos casos excepcionais, como os das associações das comunidades, são volumosas considerando o valor do contrato de concessão, como prevê o item 19 do edital licitatório, exigindo uma capacidade financeira e liquidez que não pode ser alcançada ou oferecida por elas. Assim, verifica-se no edital que a participação das comunidades no certame é uma grande fantasia. Pode-se interpretar o Edital como direcionado somente àqueles grandes grupos empresariais, que detêm técnica e capacidade operativa compatível com as escalas de alto empreendimento. As comunidades, ainda que associadas, em nada poderiam igualar-se àquelas entidades industriais de grande porte e, evidentemente, nunca adquiririam as condições habilitatórias exigidas pelo edital. Ora, sendo uma licitação de melhor técnica e preço, como uma associação comunitária poderia demonstrar, sem o apoio prévio do Estado, em tão breve tempo, a infra-estrutura necessária aos trabalhos especificados e na qualidade exigida? Como se haveriam para estruturar suas entidades se ainda estão em fase de um extrativismo rudimentar e agricultura de subsistência? O equipamento e a capacidade técnica e financeira para gerir e garantir tamanho empreendimento, como as comunidades poderiam conseguir, sem o apoio do fomento público? O Estado, de fato, não cuidou dessa dimensão do processo, como seria sua obrigação na prestação positiva que lhe é exigida para garantir a realidade dos princípios da isonomia e da igualdade real. Deixou as comunidades a descoberto e desamparadas, mesmo havendo advertências sistemáticas e reiteradas do Ministério Público em mais de uma oportunidade nas reuniões da Comef e nos documentos escritos. Por outro lado, se a participação das comunidades é para ser um objetivo real, ainda que para dar satisfação à sociedade, deveria, sim, haver uma forma jurídica especial de atendimento de seus interesses no empreendimento, sob pena de criarem-se, como ora se afirma, condições restritivas e, por isso, anulatórias do certame. Por essas razões, é a presente impugnação para que esse órgão pronuncie, ex-officio, corrigindo as falhas para sanar a nulidade apontada e, dessa forma, tornar efetivo o direito de participação das comunidades locais no procedimento licitatório, como previsto pela normativa indicada. Belém (PA), 29 de novembro de 2010. RAIMUNDO DE JESUS COLEHO DE MORAES Promotor de Justiça e representante do Ministério Público na Comissão Estadual de Florestas do Pará LILIAN REGINA FURTADO BRAGA Promotora de Justiça de Juruti e Santarém 196 Anexo G – A matéria de O Liberal, de novembro de 2006 197 Anexo H – Homenagem da OAB ao Cacique Dadá Borari – prêmio José Carlos Dias de Castro de Direitos Humanos em dezembro de 2007 198 Anexo I – Pauta de reivindicações dos moradores do Arapiuns – Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns.