Universidade Federal do Pará Núcleo de Ciências Agrárias e

Transcrição

Universidade Federal do Pará Núcleo de Ciências Agrárias e
Núcleo de Estudos Integrados
sobre Agricultura Familiar
Universidade Federal do Pará
Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA
Amazônica Oriental
Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas
Curso de Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável
Tatiane Braga Ferreira
Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar – TI
Maró, Santarém, Pará
Belém
2011
Tatiane Braga Ferreira
Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar – TI
Maró, Santarém, Pará
Dissertação apresentada para a obtenção do grau de
Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento
Sustentável. Programa de Pós-Graduação em
Agriculturas Amazônicas, Núcleo de Ciências Agrárias
e Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do
Pará. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
Amazônia Oriental.
Área de concentração: Agriculturas Familiares e
Desenvolvimento Sustentável
Orientadora: Profª Drª Maria das Graças Pires
Sablayrolles
Belém
2011
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) –
Biblioteca Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural / UFPA, Belém-PA
Ferreira, Tatiane Braga
Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar - Ti
Maró, Santarém, Pará / Tatiane Braga Ferreira; orientadora, Maria das Graças Pires
Sablayrolles - 2011.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Pará, Núcleo de Ciências
Agrárias e Desenvolvimento Rural, Programa de Pós-Graduação em Agriculturas
Amazônicas, Belém, 2011.
1. Índios da América do Sul. 2. Índios Borari – Santarém (PA). 3. Recursos
naturais - Santarém (PA). 4. Índios Borari– Posse da terra. – Santarém (PA). 5.
Índios Borari – usos e costumes. 6. Índios Borari – Etnobotânica. I Título.
CDD – 22.ed. 980.41
Tatiane Braga Ferreira
Manejo, gestão de recursos naturais e luta pela terra pelos Borari de Novo Lugar – TI
Maró, Santarém, Pará
Dissertação apresentada para a obtenção do grau de
Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento
Sustentável. Programa de Pós-Graduação em
Agriculturas Amazônicas, Núcleo de Ciências Agrárias
e Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do
Pará. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
Amazônia Oriental.
Área de concentração: Agriculturas Familiares e
Desenvolvimento Sustentável
Data da aprovação. Belém - PA: 24/05/2011
Banca Examinadora
____________________________________________
Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (Presidente da Banca)
Universidade Federal do Pará – NCADR
________________________________________________
Dra. Noemi Sakiara Miyasaka Porro (Examinador Interno)
Universidade Federal do Pará – NCADR
________________________________________________
Dr. Moacir Haverroth (Examinador Externo)
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – AC
________________________________________________
Dra. Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães dos Santos
(Membro Suplente)
Universidade Federal do Pará – NCADR
Aos meus pais por dedicarem suas vidas em função
da felicidade de seus filhos.
Dedico ainda a todos os povos indígenas que foram
exterminados na sua luta pela terra.
AGRADECIMENTOS
Como acredito que nada em minha vida é feito somente por minhas mãos, quero começar
meus agradecimentos por aqueles que foram fundamentais para a conclusão deste trabalho,
meus pais, Ernesto e Olga, que nunca deixaram de dizer que sentiam minha falta e nem de
fazer o possível para que ela diminuísse. Por toda força e ensinamento que me dão, sempre
me apoiando em seu infinito amor. Por me darem sempre um olhar de ternura, de emoção,
tudo isso iluminou minha alma e me faz ter certeza que tudo valeu à pena. Ninguém mais
nesse mundo, eu amei ou amo mais do que a vocês.
Aos meus irmãos pelo carinho e força que sempre me deram. Por serem sempre solidários nos
momentos mais difíceis, pelo amparo, apoio e incentivo. Por estarem sempre presentes,
mesmo à distância, por saber como é bom regressar e sentir-se querida, vocês dão sentido à
palavra fraternidade. Amo todos vocês!
À Elka e Luiza, minhas “filhotas do coração”, por me darem sempre o amor incondicional e
pelos dias de alegrias que me proporcionam. Pelo carinho e ternura, pela cumplicidade e pelo
prazer de tê-las em minha vida e por terem me ensinado o amor materno. Tudo isso me faz ter
certeza que vocês são as minhas filhas queridas para sempre. É por amor a vocês que estou
aqui.
Aos meus sobrinhos e sobrinhas pelo amor e carinho dedicado. Em especial à Isabela Braga,
que com sua chegada trouxe consigo muito amor e passou a iluminar cada dia na casa da
Família Braga Ferreira, me fazendo sorrir e chorar de alegria a cada descoberta e aprendizado
seu. Amo muitíssimo todos vocês!
Às minhas cunhadas, pelo carinho, apoio e incentivo dedicado, em especial a Netiara Tavares,
que sempre esteve disponível quando precisei de sua ajuda, principalmente pela sua dedicação
a meus pais, o que fez diminuir minha preocupação por estar longe e conduzir com mais
tranquilidade este trabalho.
Ao CNPq pela concessão da bolsa de estudo, a qual possibilitou tanto minha manutenção em
Belém quanto os custeios da pesquisa de campo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas, aos meus professores e equipe
técnica.
A minha orientadora, a Prof. Dra. Maria da Graças Pires Sablayrolles, agradeço por todo
aprendizado acadêmico e pessoal adquirido nesses anos. As atenções recebidas foram
fundamentais para me encorajar a seguir no caminho que me ajudou a descobrir com sua
simpatia, humildade e cuidados.
Ao Senhor Raimundo Rodrigues e Senhora Graça Nogueira por tudo que fizeram por mim
desde a chegada em Belém, por terem me recebido e acolhido como filha em sua casa, me
deixando a vontade. Vocês são também minha família. Carla, Saul, Esaul, Naraíza, Natalia,
Nelverton, Marlisson e Márlon, obrigada pelos momentos felizes que vivemos, pela
oportunidade de conviver com pessoas admiráveis como vocês e pela amizade.
Ao Movimento Indígena do Baixo Rio Tapajós, Grupo Consciência Indígena e Conselho
Indígena Tapajós Arapiuns e ao Prof. Dr. Frei Florêncio Vaz por me apresentarem o universo
da militância e me fazerem voltar a ter orgulho das minhas origens. Florêncio, obrigada pelas
discussões que foram fundamentais para o entendimento da luta dos povos indígenas e pela
ajuda e esclarecimentos fundamentais nesta pesquisa.
À Comissão Pastoral da Terra, na pessoa do Senhor Gilson Rêgo, pela ajuda e disponibilidade
de documentos sobre a questão fundiária e os conflitos da área de estudo.
Ao Ministério Público Federal, nas pessoas do Dr. Cláudio Dias e Dr. Raphael da Silva, pela
disponibilidade de acesso a documentos sobre as questões norteadoras desta pesquisa.
À Raíssa Silva, velha amiga nas novas caminhadas, companheira de muitas lutas, sonhos e
ideais, passamos por muitos obstáculos, mas sua amizade sempre me apoiou.
Aos amigos do mestrado, que conheci aqui, mas que levarei comigo aonde quer que eu vá.
Em especial: Margarette Rocha, por ter dividido comigo não só a casa, mas um pedaço de
nossas vidas, pessoa de palavras sábias, responsáveis por muitas lições de vida. Ketiane
Alves, pela amizade construída com alicerces de amor e respeito. Glaucia Moreno, ao longo
desses dois anos aprendi belas lições com você, amiga recente e já de longas datas, sempre
disposta a me ouvir e ajudar quando a ela recorri. Clarissa Santos, Jacirene Queiroz, Ione
Santos, José Maria (Zeca), Daniele Wagner, durante essa temporada em Belém passamos por
momentos altos e baixos, mas sempre estivemos unidos. Serei eternamente grata por suas
amizades. Obrigadíssima!
À amiga Fátima Oliveira por sua amizade, apoio, força, exemplo e incentivo nos momentos
de dificuldades. Obrigada pelas longas conversas e pelos sábios conselhos.
Às amigas Maria Lima e Aline Evangelista, pela amizade sincera a toda minha família, por
todo apoio e força nos momentos mais difíceis de nossas vidas, mas também por tantos
momentos felizes compartilhados juntos. A amizade de vocês é fundamental em nossas vidas!
Aos companheiros do Movimento Estudantil e Movimento Esquerda Socialista (MES), Maike
Vieira, Gean Carlos, Gleydson Pontes, Márcio Figueira, Márcio Pinto, Doristela, Aline
Evangelista, Isabel Marinho, Isabel Sales, Fátima Oliveira, Tatiane Picanço, Lidiane Teles,
Eliane Raíssa, Shirley Simone, Sheila Stefani, pelo exemplo de companheirismo e lições de
solidariedade. Obrigada por plantarem em mim a vontade de lutar por uma sociedade justa e
igualitária.
À Taline Cristina pela grande ajuda na busca por bibliografia, mandando-me de Recife as que
conseguiu lá.
À Philippe Sablayrolles, pela elaboração do résumé.
Ao amigo Leonardo Cruz, pelas longas e valiosas conversas sobre as questões indígenas na
Amazônia Brasileira.
Um agradecimento especial aos Borari de Novo Lugar que me receberam, participaram e
executaram junto comigo os trabalhos de campo. Obrigada por toda a amizade, respeito e
confiança em dividir comigo suas histórias, seus momentos, suas angústias e seus
conhecimentos, me ensinando a valorizar cada minuto de vida que Tupã nos concede, com
humildade e respeito à mãe natureza. E principalmente por serem severos defensores de suas
terras.
É chegada a hora de agradecer a Deus: Obrigada Senhor, por me conceder a vida e por ter
guiado meus passos para que eu estivesse aqui hoje, e agradecer por mais essa conquista.
Obrigada Senhor, por estar ao meu lado sempre, abençoando meu caminho e colocando nele
essas pessoas iluminadas que tornam todos os meus dias especiais. Obrigada Senhor, por me
fazer agir com eficiência em meu trabalho e acerto em minhas decisões. Obrigada Senhor,
pela oportunidade de fazer este trabalho, pois através dele, pude conhecer pessoas que me
ensinaram a amar e dar valor a tudo que tenho. Obrigada Senhor, pela honra e oportunidade
de agradecer a todos.
A todos, MUITO OBRIGADA! Vocês foram fundamentais para que eu pudesse estar aqui,
hoje, agradecendo.
“A gente pode até servir de adubo pras nossas terras,
mas dela nunca sairemos”
(Odair José Alves Borari, 2º cacique da Aldeia Novo Lugar,
contrapondo-se à construção de 5 usinas hidrelétricas no Rio
Tapajós, 26/11/2010, no Plenário da Câmara Municipal de
Santarém, no Julgamento dessas hidrelétricas).
RESUMO
Os povos indígenas possuem um vasto conhecimento sobre a diversidade biológica de seus
territórios. Conhecimento este, adquirido ao longo dos séculos, através das variadas formas de
adaptação aos ecossistemas, dos saberes adquiridos acerca do manejo dos recursos naturais,
mitos e crenças. Esta dissertação tem por objetivo geral: analisar as formas de ocupação e
defesa do território, através da auto-identificação, enfatizando o manejo e gestão dos recursos
naturais pelos Borari de Novo Lugar. Os objetivos específicos são: a) caracterizar
culturalmente a etnia Borari na Aldeia Novo Lugar, e resgatar historicamente sua ocupação na
região do Rio Maró; b) caracterizar as principais formas de manejo e gestão dos recursos
naturais na Aldeia Novo Lugar, realizando levantamento etnobotânico das principais espécies
vegetais utilizadas e manejadas pelos Borari e c) levantar as situações de conflito por recursos
naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e analisar como os Borari se organizam para
garantir seus direitos. O estudo foi realizado na Aldeia Novo Lugar, TI Maró, Santarém-PA.
Foram realizadas entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com as 21 famílias da aldeia,
registro da história de vida, mapeamento participativo, observação direta e participante,
registros fotográficos, gravações, coleta e herborização de amostras botânicas das principais
espécies vegetais consideradas pelos Borari, em seus quintais, roças e florestas, através das
técnicas de turnê guiada e lista livre. As amostras botânicas foram identificadas pelos métodos
usuais e depositadas no Herbário IAN da EMBRAPA Amazônia Oriental. Atualmente vivem
na aldeia 88 pessoas cuja organização sócio-política, religiosa e econômica é bem definida:
cacique e vice-cacique, pajé, liderança feminina, delegada sindical, clube de futebol, grupo de
jovens e equipe de catequese. O processo de formação da Aldeia se deu através da migração
da família do Sr. Manoel Avelino Borari, ao longo do rio Maró. As atividades de agricultura,
coleta dos produtos das florestas, caça e pesca compõem o padrão de utilização dos recursos
naturais pelos Borari. Foram citadas pelos indígenas 201 espécies vegetais utilizadas e
manejadas em seus quintais, roças e florestas. Destas, 31 espécies foram consideradas
principais para sua reprodução social, tais como: Manihot esculenta Crantz (mandioca),
Euterpe oleraceae Mart. (açaí) e Attalea spectabilis Mart (curuá). A chegada de madeireiros,
na região da Gleba Nova Olinda a partir de 2000, provocou inúmeros conflitos sócioambientais com madeireiros e moradores de comunidades vizinhas, acelerando o processo de
organização dos Borari em prol da regularização fundiária da aldeia, a partir da autoidentificação indígena do grupo. Os Borari possuem um grande conhecimento sobre os
recursos vegetais locais, resultante de sua ancestralidade e ocupação territorial na região,
evidenciando sua identidade indígena. A diversidade de plantas manejadas e utilizadas pelos
Borari é consideravelmente alta, e seu cultivo e/ou coleta, é realizado basicamente para suprir
as demandas familiares e para a doação entre os demais indígenas da aldeia. Os conflitos no
entorno da TI Maró estão afetando diretamente os modos de vida dos Borari e seu padrão de
apropriação e utilização dos recursos naturais, devido ao confinamento em área limitada,
imposto pelos madeireiros e a exploração em grande escala dos recursos naturais,
especialmente os madeireiros.
Palavras-chave: Indígenas. Recursos naturais. Etnobotânica. Etnogênese. Gleba Nova Olinda.
Acesso a terra.
RÉSUMÉ
Les peuples indigènes possèdent une connaissance ample de la diversité biologique de leurs
territoires. C’est une connaissance acquise au long des siècles, par le biais des formes diverses
d’adaptation aux écosystèmes, des savoirs accumulés sur la gestion des ressources naturelles,
des mythes et des croyances. Cette dissertation se donne comme objectif général d’analyser
les formes d’occupation et de défense du territoire, par le biais de l’auto-identification, en se
focalisant sur l’aménagement et la gestion des ressources naturelles par les Borari de Novo
Lugar. Les objectifs spécifiques sont : a) caractériser culturellement l’ethnie Borari du village
Novo Lugar, et retracer l’histoire de son occupation de la région du Rio Maró ; b) caractériser
les principales formes d’aménagement et de gestion des ressources naturelles du village Novo
Lugar, réalisant un relevé ethnobotanique des principales espèces végétales utilisées et gérées
par les Borari ; c) identifier les situations de conflit pour les ressources naturelles et la
possession de la terre dans la région de la Gleba Nova Olinda et analyser comment les Borari
s’organisent pour garantir leurs droits. L’étude a été réalisée au village Novo Lugar, Terre
Indigène Maró, Santarém (Pará). Ont été réalisés des entretiens structurés et semistructurés
avec les 21 familles du village, un relevé de l’histoire de vie, une cartographie participative,
des observations directes et participatives, des enregistrements photographiques et audios, la
collecte et l’herborisation d’échantillons botaniques des principales espèces végétales pour les
Borari, dans leurs jardins, leurs champs et leurs forêts, par le biais des techniques de visites
guidées et de liste libre. Les échantillons botaniques ont été identifiés par les méthodes
usuelles et déposés à l’herbier IAN de l’Embrapa Amazonie Orientale. Actuellement 88
personnes vivent dans le village, avec une organisation socio-politique, religieuse et
économique bien définie : chef (cacique) et vice-chef, shaman (pajé), leaders féminins,
déléguée syndicale, club de football, groupes de jeunes et équipe de catéchisme. Le processus
de formation du village s’est fait par le biais de la migration de la famille de Mr Manoel
Avelino Borari, au long de la rivière Maró. Les activités agricoles, de collecte des produits de
la forêt, de chasse et de pêche forment la structure d’utilisation des ressources naturelles par
les Borari. Les indigènes ont cité 201 espèces végétales utilisées et gérées dans leurs jardins,
dans leurs champs et leurs forêts. De ce total, 31 espèces ont été considérées principales pour
leur reproduction sociale, comme : Manihot esculenta Crantz (manioc), Euterpe oleraceae
Mart. (açaí) e Attalea spectabilis Mart (curuá). L’arrivée d’exploitants de bois, dans la région
de la Gleba Nova Olinda à partir de 2000, a provoqué d’innombrables conflits socioenvironnementaux, entre ceux-ci et les communautés voisines, accélérant le processus
d’organisation des Borari pour la régularisation foncière du village, à partir de l’autoidentification indigène du groupe. Les Borari possèdent une grande connaissance des
ressources végétales locales, fruit de leur ancestralité et de l’occupation territoriale de la
région, mettant en évidence leur identité indigène. La diversité des plantes gérées et utilisées
par les Borari est considérable, et leur culture et/ou collecte est réalisée essentiellement pour
la demande des familles et le don aux autres indigènes du village. Les conflits dans le
voisinage de la Terre Indigène Maró affectent directement les modes de vie des Borari et leur
modalités d’appropriation et d’utilisation des ressources naturelles, de par leur confinement
sur un territoire limité, imposé par les exploitants de bois et l’exploitation à grande échelle des
ressources naturelles, principalement le bois.
Mots-clés: Indigènes. Ressources naturelles. Ethnobotanique. Ethnogenèse. Gleba Nova
Olinda. Accès à la terre.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA
1
Mapa de localização da Aldeia Novo Lugar, TI Maró na Gleba
Nova Olinda, Santarém, Oeste do Pará..........................................
46
48
FIGURA
2
Meios de transporte para a Aldeia Novo Lugar..............................
FIGURA
3
Quadro: Fases e distribuição dos dias de permanência em campo
na Aldeia Novo Lugar, Santarém, Pará.......................................... 53
FIGURA
4
Quadro: Distribuição dos índios Borari da Aldeia Novo Lugar
quanto ao sexo e faixa etária........................................................... 58
FIGURA
5
Pirâmide demográfica da população da Aldeia Novo Lugar,
Terra Indígena Maró, Santarém-Pará.............................................. 59
FIGURA
6
Disposição das casas na Aldeia Novo Lugar .................................
FIGURA
7
Mulher borari sendo atendida pelo enfermeiro do posto de saúde
da comunidade de Prainha do Maró................................................ 64
FIGURA
8
Puxirum realizado para cobrir a sede da Aldeia Novo Lugar.........
66
FIGURA
8
Divisão social do trabalho na Aldeia Novo Lugar..........................
68
FIGURA
10
Festividades de São Francisco das Chagas.....................................
70
FIGURA
11
Festeiros do ano de 2011................................................................. 71
FIGURA
12
Rituais realizados pelos índios Borari de Novo Lugar................
FIGURA
13
Mapa mental elaborado pelos Borari onde se identificam o uso
do território e as atividades desenvolvidas nos diferentes espaços
geográficos..................................................................................... 83
FIGURA
14
Quadro: Calendário das atividades agrícolas e extrativistas
realizadas pelos Borari da Aldeia Novo Lugar............................... 85
FIGURA
15
Casa de farinha e seus componentes fabricados com a madeira
retirada da floresta........................................................................... 87
FIGURA
16
Atividade de caça na Aldeia Novo Lugar.......................................
88
FIGURA
17
Manejo e uso da Attalea spectabilis Mart......................................
91
FIGURA
18
Cestarias produzidas pelos Borari de Novo Lugar.........................
92
FIGURA
19
Panacu (cesto) utilizado pelos Borari para transportar cargas........
95
FIGURA
20
Manivas estocadas na roça para o replantio....................................
96
FIGURA
21
Exemplos de roças entre os Borari..................................................
97
FIGURA
22
Algumas etapas da fabricação de farinha........................................ 101
FIGURA
23
Exemplos de quintais agroflorestais entre os Borari de Novo
Lugar............................................................................................. 102
FIGURA
24
Funções dos quintais para os Borari de Novo Lugar...................... 103
FIGURA
25
Banco de germoplasma in vivo.......................................................
60
75
104
FIGURA
26
Quadro: Plantas trazidas da florestas, capoeiras, margens de
lagos e igarapés pelos Borari para serem cultivadas em seus
quintais............................................................................................ 106
FIGURA
27
Número de espécies vegetais consideradas mais importantes
pelos Borari em diferentes ambientes explorados pelos indígenas
na Aldeia Novo Lugar..................................................................... 109
FIGURA
28
Quadro: Levantamento etnobotânico das espécies vegetais
consideradas mais importantes pelos Borari da Aldeia Novo
Lugar............................................................................................... 112
FIGURA
29
Relação entre as categorias de uso e as práticas de manejo para as
31 plantas consideradas mais importantes pelos Borari................. 119
FIGURA
30
Quadro: Variedades de mandioca, macaxeiras e carás registradas
nas roças dos Borari da Aldeia Novo Lugar................................... 120
FIGURA
31
Diversidade infra-específica de murucis cultivadas pelos Borari
em seus quintais............................................................................. 121
FIGURA
32
Fotos dos Borari e Arapiuns realizando a auto-demarcação da TI
Maró................................................................................................ 131
FIGURA
33
Mapa do mosaico de destinação das glebas, resultado do
“Seminário de elaboração participativa de mosaico de uso da
terra na ALAP Nova Olinda/Mamuru no Oeste do Pará............... 133
FIGURA
34
Imagens da manifestação em Defesa da Vida e Cultura do Rio
Arapiuns......................................................................................... 134
FIGURA
35
Estradas que cortam a Aldeia Novo Lugar, TI Maró.....................
FIGURA
36
Placas afixadas na Terra Indígena Maró pelos madeireiros como
forma de intimidação aos Borari.................................................... 140
FIGURA
37
Chegada de pessoas para integrarem-se no Movimento em
Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns........................................... 144
FIGURA
38
Participação das crianças (alunos) na manifestação de São Pedro. 145
FIGURA
39
Queima da madeira de duas balsas apreendidas, com indícios de
irregularidades, no Rio Maró, pelos manifestantes......................... 146
FIGURA
40
Quadro: Alguns conflitos existentes em Terras Indígenas na
Amazônia Brasileira........................................................................ 148
139
SUMÁRIO
1
I NTRODUÇÃO.................................................................................................
17
2
REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................. 23
2.1
A ETNOBOTÂNICA COMO UMA ABORDAGEM TEÓRICOMETODOLÓGICA PARA O ESTUDO DO MANEJO E GESTÃO DOS
RECURSOS NATURAIS.................................................................................... 23
2.2
MANEJO E GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS POR POPULAÇÕES
INDÍGENAS NA AMAZÔNIA.......................................................................... 27
2.3
ETNOGÊNESE E EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO INDÍGENA NA
AMAZÔNIA........................................................................................................ 32
2.4
SOB CONFLITOS: LUTAS PELA TERRA E RECURSOS NATURAIS
ENTRE INDÍGENAS E OUTROS ATORES NA AMAZÔNIA........................ 37
3
ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA.................................... 43
3.1
UM POUCO DE MINHA TRAJETÓRIA ATÉ CHEGAR AO LOCAL DE
ESTUDO.............................................................................................................. 43
3.2
O LOCAL DE ESTUDO.....................................................................................
45
3.2.1 Localização.......................................................................................................... 45
3.2.2 Aspectos biofísicos.............................................................................................
47
3.2.3 Pra chegar até aqui... no inverno é bom... mas no verão, hum... o parente
sofre: o acesso à Aldeia Novo Lugar................................................................. 47
3.3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................... 49
3.3.1 O método.............................................................................................................
49
3.3.2 As técnicas utilizadas na coleta de dados de campo........................................ 49
3.3.3 A Pesquisa de Campo......................................................................................... 52
4
SOBRE A VIDA BORARI................................................................................
58
4.1
ALGUNS DADOS CENSITÁRIOS.................................................................... 58
4.2
A EDUCAÇÃO.................................................................................................... 61
4.3
A SAÚDE............................................................................................................. 63
4.4
OS ATORES PRINCIPAIS: BORARI, UM MODO DE SER INDÍGENA.......
65
4.4.1 Organização sócio-política e econômica dos Borari........................................ 65
4.4.2 A divisão social do trabalho..............................................................................
67
4.4.3 Os parentes e a putáua entre os Borari: relação de reciprocidade e
parentesco........................................................................................................... 68
4.5
ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA DOS BORARI.................................................
69
4.5.1 A fé em São Francisco das Chagas..................................................................
69
4.5.2 A crença nos encantados.................................................................................... 72
4.5.3 Os rituais como elementos culturais da identidade Borari: cantos, danças
e orações.............................................................................................................. 73
4.6
ALDEIA NOVO LUGAR: PROCESSO DE FORMAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO TERRITORIAL.............................................. 76
4.7
A TERRA INDÍGENA MARÓ E A ALDEIA NOVO LUGAR........................
5
ATIVIDADES AGRÍCOLAS E EXTRATIVISTAS: USO, MANEJO E
GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS.......................................................... 81
5. 1
CARACTERIZAÇÃO DO PADRÃO DE UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS
NATURAIS PELOS BORARI............................................................................ 84
5. 2
FLORESTAS DE TERRA FIRME.................................................................
78
86
5. 2.1 A magia na coleta dos recursos naturais da floresta....................................... 92
5. 3
ROÇADOS........................................................................................................... 93
5. 3.1 A magia do mlantio nos roçados.......................................................................
99
5.3.2 Estocagem e processamento da mandioca....................................................... 100
5.4
QUINTAIS........................................................................................................... 102
5.4.1 A magia do mlantio nos quintais....................................................................... 108
5.5
PRINCIPAIS ESPÉCIES VEGETAIS UTILIZADAS E MANEJADAS
PELOS BORARI: LEVANTAMENTO ETNOBOTÂNICO.............................. 108
6
LUTA PELA TERRA E PELO CONTROLE DOS RECURSOS
NATURAIS: UMA SITUAÇÃO DE CONFLITO NA ALDEIA NOVO
LUGAR – TERRA INDÍGENA MARÓ, GLEBA NOVA OLINDA-PA........... 123
6.1
OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DA TERRA INDÍGENA MARÓ E
DOS RECURSOS NATURAIS NA REGIÃO DA GELEBA NOVA
OLINDA: UMA BREVE CRONOLOGIA DOS CONFLITOS....................... 127
6.2
OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DE SEU TERRITÓRIO E A
HISTÓRIA SOCIAL DOS CONFLITOS............................................................ 135
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 158
APÊNDICES....................................................................................................... 171
ANEXOS............................................................................................................. 178
17
1
INTRODUÇÃO
As sociedades indígenas desenvolvem, ao longo dos séculos, as mais variadas formas
de adaptação aos diversos ecossistemas existentes, sendo suas áreas geralmente as de
cobertura florestal mais conservada, mesmo nos casos em que a devastação ambiental tenha
se expandido ao seu redor (DIEGUES; ARRUDA, 2001). Essas formas de adaptação são
resultados da união de saberes adquiridos acerca dos recursos naturais, mitos e crenças
(POSEY, 1987a).
Por desenvolverem um profundo e extenso conhecimento das características
ambientais e possibilidades de manejo dos recursos naturais nos territórios que ocupam
(DIEGUES; ARRUDA, 2001) e apresentarem uma racionalidade diferenciada (visão de
mundo e cosmologia), em que cultura e natureza se inter-relacionam, os povos indígenas são
importantes aliados na construção de uma gestão dos recursos naturais na qual, saberes
tradicionais e científicos podem contribuir para a sustentabilidade ecológica e cultural
(CASTRO, 2000; DIEGUES, 2000). Neste sentido, torna-se necessário um melhor
entendimento da relação existente entre povos indígenas e natureza.
Posey (1987a) afirma que estudos provenientes das etnociências orientam
argumentações sobre os povos indígenas e suas terras, bem como, seus modos de vida e sua
relação com o ambiente natural. Desse modo, os estudos etnobiológicos visam contribuir para
esse entendimento (POSEY, 1987a), já que fornecem dados que enfatizam as práticas
indígenas (ALBUQUERQUE; ANDRADE, 2002), oferecendo elementos que auxiliem na
evidência das formas locais de uso, manejo e classificação dos recursos naturais por um dado
grupo. Segundo Begossi (1993) e Amorozo (1996), a etnobotânica é um dos campos da
etnobiologia que tem se destacado no entendimento dessa relação homem-natureza. Silva
(2003) salienta que as informações sobre o padrão de uso das plantas podem ser úteis no
desenvolvimento de estratégias de manejo dos recursos vegetais.
No entanto, a falta de demarcação das terras indígenas (CARINI s/d), a expansão de
grandes projetos de desenvolvimento para exploração econômica (KOHLHEPP, 2002,
LITTLE, 2002), onde empresas de energia elétrica, mineradoras, pecuaristas, madeireiras e
indústrias de papel e celulose pressionam os territórios indígenas (ALMEIDA, 2006),
apresentam-se como elementos que podem comprometer esses saberes tradicionais
(AMOROZO, 1996), uma vez que o território indígena abrange a noção de autodeterminação,
de tradicionalidade, de um espaço de pertencimento e apropriação simbólica coletiva
(O’DWYER 2010; ALCÂNTARA, 2000; OLIVEIRA, J. 1998; CARINI, s/d).
18
Na região do Alto Rio Maró, situa-se a Aldeia Novo Lugar, na Gleba Nova Olinda,
município de Santarém. Em uma das últimas faixas contínuas de florestas do Estado do Pará,
banhada pelas águas escuras do Rio Maró, vivem os Borari, indígenas que praticam a
agricultura de corte e queima, cultivam suas roças de mandioca e fabricam a farinha, realizam
a pesca e a caça tradicionais, coletam produtos da floresta (madeireiros e não-madeireiros)
para a alimentação, construções de casas e outros, fabricação de utensílios e confecção de
artesanatos, extraindo da floresta, ainda, os remédios para a cura de seus males, tanto do corpo
como do espírito, o que caracteriza o modo de vida dos Borari.
Este lugar de grande riqueza sócio-cultural é mais um, entre os muitos palcos por esse
Brasil, que exibem a luta pela regularização fundiária de terras ocupadas por populações
indígenas. Este estudo tem como pano de fundo reflexões sobre a luta pela terra e pelo
controle dos recursos naturais nela existentes e pelo reconhecimento étnico indígena dos
Borari versus o avanço de agentes econômicos externos com o objetivo de exploração
madeireira em grande escala.
A escolha desta temática está associada a minha própria formação pessoal, acadêmica
e minha relação com o Movimento Indígena – MI da região do Baixo Rio Tapajós, do qual fui
militante durante os anos de 2003 a 2006. Meu primeiro contato com os Borari de Novo lugar
ocorreu em abril de 2003, através de uma viagem à Aldeia Novo Lugar, denominada de
“Caravana da Solidariedade”. Nesta viagem, conheci a situação de conflito vivida pelos
Borari e o movimento de resistência desse povo ao avanço das empresas madeireiras em seu
território, o que me encheu de interesse e vontade de contribuir, através da pesquisa
etnobotânica, para um melhor entendimento da relação destes indígenas com sua terra e
recursos vegetais.
A chegada de madeireiros integrantes da Cooperativa do Oeste do Estado Pará –
COOEPA na região estudada, ocorrida no início da década de 2000, provocou inúmeros
conflitos de ordem sócio-ambiental, acelerando o processo de organização dos Borari em prol
da regularização fundiária da aldeia através do reconhecimento da Terra Indígena (TI) Maró 1.
Tal reconhecimento se deu a partir da auto-identificação étnica indígena. Por autoidentificação entenda-se a consciência que tem o grupo social de sua identidade tribal,
envolvendo a autonomia individual do reconhecimento de sua própria identidade cultural no
grupo. Este critério é fundamental na identificação e reconhecimento dos grupos tribais que
1
O processo de regularização das terras indígenas é composto de etapas distintas: identificação, delimitação,
demarcação, homologação e registro. O processo de regularização da Terra Indígena Maró encontrava-se até a
defesa desta dissertaçã nas duas primeiras etapas.
19
fazem parte de um país2 (CAVALLO, 2006).
O impacto negativo das operações da COOEPA na região da Gleba Nova Olinda, que,
desde 2002, avançam para o território da Aldeia Novo Lugar, promovem conflitos não
somente entre os Borari e os madeireiros, mas também entre estes indígenas e os moradores
de comunidades não indígenas vizinhas, como a de Fé em Deus, que constitui, segundo os
Borari, numa espécie de “base de apoio” para as ações dos cooperados, hostilizando os
indígenas e desrespeitando acordos sobre os limites de seu território.
A realização desta pesquisa no Mestrado em Agriculturas
Familiares e
Desenvolvimento Sustentável – MAFDS surge como uma possibilidade de contextualizar a
luta do Movimento Indígena na Região de Santarém, servindo de fonte de informação e
documentação tanto para os movimentos sociais quanto para as instituições governamentais e
não governamentais envolvidas na questão indígena na região amazônica, assim como para os
próprios indígenas, no que tange o fortalecimento de suas lutas e organização política,
econômica, cultural e social.
A pesquisa evidencia a relação entre concepções antagônicas no contexto atual da
Aldeia Novo Lugar, onde, de um lado, um grupo de indígenas luta pela garantia de um
território há muito ocupado pelo seu povo, onde existe um padrão tradicional de uso e manejo
da terra e dos recursos naturais nela existentes, e, de outro lado, um grupo de madeireiros que
almeja a posse dessa mesma terra com o objetivo de explorar os recursos naturais com fins
comerciais.
Pouco se sabe ainda sobre os indígenas do Baixo Rio Tapajós, de sua história, como
vivem e continuam mantendo suas identidades sócio-culturais em relação aos recursos
naturais que utilizam, a despeito de muitas situações adversas. Daí a relevância deste estudo,
que, ao privilegiar a investigação dessas questões no âmbito de um grupo – os Borari,
marcado por mudanças, possibilitará uma visão sobre a realidade vivida por este povo em
uma área que, devido à diversidade ecológica (fauna, recursos hídricos, flora com recursos
madeireiros e não-madeireiros), desperta o interesse econômico de agentes externos e abriga
relações de conflitos entre diferentes atores sociais.
Além disso, espera-se, por meio deste estudo, contribuir para as discussões que vêm
sendo travadas sobre a luta dos povos indígenas na Amazônia, assim como para uma melhor
compreensão dos modos de vida desses indígenas. Pretende-se ainda, de alguma forma,
2
Direito legalizado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. O Brasil ratificou esta
Convenção 169 da OIT em 2002, por meio do Decreto Legislativo n° 143, em vigor desde 2003.
20
contribuir para dar visibilidade e validação ao movimento de ressurgimento da identidade
indígena e à luta pela terra, dos povos da região do Baixo Rio Tapajós, e para a proteção dos
recursos naturais que estão sendo depredados por madeireiros que ora exploram os recursos
florestais existentes nessa área. Pretende-se ainda, contribuir para o conhecimento sobre as
formas de manejo e de gestão dos recursos naturais por indígenas, uma vez que estudos dessa
natureza ainda são escassos, segundo Diegues e Arruda (2001) e Posey e Oliveira (1992).
Ao pesquisar 3.000 títulos de trabalhos relacionados com o conhecimento tradicional,
em várias regiões do Brasil, Diegues e Arruda (2001) observaram que, apesar do grande
número de trabalhos realizados sobre indígenas, os mesmos apresentavam caráter incipiente e
parcial quanto aos conhecimentos indígenas acerca da biodiversidade; há aproximadamente
cem povos amazônicos sobre os quais não foram encontrados trabalhos com este tipo de
informação ou enfoque.
Considerando este cenário, o objetivo geral proposto nesta dissertação é analisar as
formas de ocupação e defesa do território, através da auto-identificação, enfatizando o manejo
e gestão dos recursos naturais pelos Borari de Novo Lugar. E os objetivos específicos são: a –
caracterizar culturalmente a etnia Borari na Aldeia Novo Lugar e resgatar historicamente sua
ocupação na região do Rio Maró; b – caracterizar as principais formas de manejo e gestão dos
recursos naturais na Aldeia Novo Lugar, realizando levantamento etnobotânico das principais
espécies vegetais utilizadas e manejadas pelos Borari; e c – levantar as situações de conflito
por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda, analisando como os Borari de
Novo Lugar se organizam para garantir seus direitos.
Neste sentido, três questões nortearam a realização desta pesquisa, são elas:
a – Como ocorreu a ocupação e o processo de territorialização das terras do Rio Maró pelos
Borari?
b – Como os Borari da Aldeia de Novo Lugar realizam o manejo e a gestão dos recursos
naturais em seus territórios?
c – Qual o papel dos conflitos por recursos naturais e pela posse da terra existente entre os
Borari e os madeireiros na região da Gleba Nova Olinda no processo de auto-identificação
étnica indígena?
As questões norteadoras desta dissertação apontam para a íntima relação dos Borari
com os recursos naturais, sendo que, em decorrência do contexto de pressão fundiária e em
função da ameaça concreta de serem expulsos das terras tradicionalmente ocupadas por seus
antepassados indígenas, os Borari de Novo Lugar deram publicidade a sua identidade
21
indígena.
Nossa hipótese é que a auto-identificação indígena para os Borari é uma estratégia,
não somente de resgate de parte da cultura considerada perdida, mas prioritariamente, de
defesa dos direitos constitucionais, como o direito à terra e a seus recursos naturais, bem
como o direito de viver do modo como sempre viveram, já que a ocupação de seu território
segue orientações cosmológicas e mitológicas que ordenam os espaços na aldeia e seus
arredores, assim como a utilização dos recursos naturais daquela área de acordo com seus
conhecimentos tradicionais e seus padrões de utilização, manejo e gestão dos recursos
naturais. Os Borari buscaram através da legislação nacional e daquelas ratificadas pelo Brasil,
assim como através dos órgãos competentes, a garantia destes direitos, revelando as razões
pelas quais entendiam serem os donos daquela terra, pois pertencem ao povo Borari e aquelas
terras foram primeiramente ocupadas por seus antepassados.
Com base nas considerações apresentadas, esta dissertação está organizada em sete
capítulos. O capítulo 1 versa sobre a introdução. O capítulo 2 expõe os fundamentos teóricos
deste estudo, apresentando-se uma bibliografia pertinente às temáticas do objeto de estudo da
dissertação, a saber: etnobotânica, manejo e gestão de recursos naturais por indígenas; a
etnogênese dos movimentos indígenas, especialmente na Amazônia e os conflitos existentes
em terras indígenas.
O terceiro capítulo apresenta as características da região estudada, como a localização,
os aspectos biofísicos e o acesso à aldeia. É neste capítulo também que são tratados os
caminhos percorridos ao longo da pesquisa para a coleta e análise de dados, além da relação
da autora com o Movimento Indígena – MI da região do Baixo Rio Tapajós.
O capítulo quatro se propõe a contextualizar o universo Borari, evidenciando as
condições de organização física, social e cultural das famílias e da aldeia. Desse modo,
caracterizaram-se os aspectos gerais da aldeia (infra-estrutura e o acesso à educação e saúde)
e das famílias (perfil sócio-econômico e organização política e religiosa dos Borari) e, por
fim, a trajetória de ocupação das terras ao longo do Rio Maró por este grupo.
O quinto capítulo versa sobre as formas de uso, manejo e gestão dos recursos naturais
realizadas pelos Borari, discutindo-se alguns aspectos básicos do sistema produtivo indígena,
assim como sobre as condições espaciais de sua reprodução, evidenciando as atividades
agrícolas e extrativistas e os ambientes onde são realizadas, assim como, a época do ano, as
pessoas envolvidas em cada uma dessas atividades e os recursos naturais utilizados, em
especial aqueles de origem vegetal.
22
O sexto capítulo apresenta a discussão acerca das situações de conflito por recursos
naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e a maneira como os Borari se organizam para
garantir seus direitos, abordando a importância territorial da Aldeia e a luta dos Borari para
garantirem o direito ao seu território e aos recursos naturais nele existentes. O capítulo sete
versa sobre as considerações finais da dissertação.
23
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1
A ETNOBOTÂNICA COMO UMA ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
PARA O ESTUDO DO MANEJO E GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS
As etnociências buscam compreender como o mundo é percebido por diversas culturas
humanas (BEGOSSI, 1993), sendo um campo de diálogo (CAMPOS, 2006), preocupa-se em
entender o papel da natureza, suas conceituações, saberes e práticas acerca de plantas, animais
e ambientes nos diversos sistemas culturais (PIEVE et. al., 2009). As etnociências, como a
Etnobiologia, a Etnoecologia e a Etnobotânica, têm contribuído de maneira central no
fornecimento de dados que enfatizam as práticas indígenas como ecologicamente
sustentáveis, colaborando com o desenvolvimento teórico sobre a importância destes povos na
conservação da biodiversidade e das florestas (ALBUQUERQUE; ANDRADE, 2002;
BERTHO, 2005).
A etnobiologia e a etnoecologia (POSEY, 1987a; MARQUES, 2001) são responsáveis
pela etnografia de saberes e práticas e têm por função estudar as relações entre o homem e o
ambiente, oferecendo elementos que auxiliem na evidência das formas locais de classificação
de plantas, animais e ambientes e na análise das percepções de fenômenos ecológicos e
ambientais. Para Posey (1987a), a etnobiologia é a disciplina responsável pelo estudo das
categorias, classificações e conceitos cognitivos utilizados pelos povos indígenas e
tradicionais acerca da natureza:
a etnobiologia é essencialmente o estudo do conhecimento e das conceituações é o
estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a
determinados ambientes. Neste sentido, a etnobiologia relaciona-se com a ecologia
humana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em
estudo (POSEY, 1987, p.15).
Albuquerque (2005) entende a etnobiologia como uma união de competências que
abarcam desde o cultural ao biológico. Dessa forma, a etnobiologia busca compreender a
construção dos conceitos a partir da cosmologia do grupo estudado (PIEVE et. al., 2009),
servindo como apoio científico que deve orientar políticas ecológicas e socialmente
responsáveis, argumentações sobre as populações indígenas e de suas terras, bem como, seus
modos de vida e sua relação com o ambiente (POSEY, 1987a).
Um dos campos da etnobiologia que mais tem concentrado estudos é o da
etnobotânica (BEGOSSI, 1993), cujo termo foi empregado pela primeira vez, em 1895, por
Harshberger (AMOROZO, 1996), quando da realização de estudos sobre as plantas que os
indígenas norte-americanos utilizavam para suprir as necessidades de alimentos, abrigo e
24
vestimentas (MING, 2006).
De acordo com Haverroth (2007, p. 18) “A etnobotânica pode ser entendida da mesma
forma como Posey define etnobiologia, apenas voltando-se ao domínio vegetal”. Já Amorozo
(1996) define etnobotânica como o estudo do conhecimento e dos conceitos que qualquer
sociedade desenvolve a respeito do mundo vegetal, e nestes estudos são analisados, tanto a
maneira como o grupo social classifica as plantas, como os usos que se dá a elas.
Por ser a etnobotânica de natureza interdisciplinar, ela permite agregar colaboradores
de diferentes áreas de estudo e enfoques, tais como a social, cultural, da agricultura, da
paisagem, da taxonomia popular, da conservação de recursos genéticos, da lingüística, entre
outras (MING et al., 2002). Desta maneira, a etnobotânica congrega um mosaico de
disciplinas: antropologia, botânica, ecologia, farmacologia, medicina, saúde pública,
agronomia, dentre outras (HAVERROTH, 2010b).
As investigações etnobotânicas trazem contribuições para a conservação da
diversidade biológica e cultural de uma determinada região e para a compreensão de
diferentes aspectos do comportamento humano, tais como: as estratégias de sobrevivência e
adaptação ao meio ambiente; a classificação, o manejo e a conservação dos recursos naturais;
a transmissão dos conhecimentos que alicerçam e estreitam as relações entre os membros do
grupo ou comunidade estudada (AMOROZO, 1996; MING et al., 2002).
Seguindo esse raciocínio, Albuquerque e Andrade (2002) observam que conhecer a
forma como as populações locais se relacionam e utilizam os recursos naturais, pode servir de
base para a construção de um saber científico melhor adaptado às condições locais. Pois os
povos indígenas possuem informações acuradas sobre a diversidade biológica e as
potencialidades dela resultantes para a captação de recursos naturais (POSEY, 1987b).
Segundo Prance (1997), os estudos etnobotânicos revelaram uma grande diversidade das
plantas descobertas pelos índios da Amazônia.
De acordo com Fonseca-Kruel e Peixoto (2004), a pesquisa etnobotânica objetiva,
entre outros, subsidiar trabalhos sobre o uso sustentável da biodiversidade através da
valorização e do aproveitamento do conhecimento das sociedades tradicionais, partindo da
definição dos sistemas de manejo e incentivando a geração de conhecimento científico e
tecnológico voltados para o uso sustentável dos recursos naturais. Além do mais, os estudos
etnobotânicos podem contribuir para que os conhecimentos tradicionais, seus informantes,
suas comunidades e as espécies por eles utilizadas sejam mais bem compreendidos e
valorizados (PATZLAFF; PEIXOTO, 2009; MING, 2006), haja vista que o processo de
25
ocupação territorial pelos agentes econômicos (construção de rodovias, barragens,
hidrelétricas, turismo, especulação imobiliária, expansão agrícola, exploração madeireira) tem
trazido ameaças concretas às populações indígenas e tradicionais (AMOROZO; GÉLY, 1988;
MING, 2006).
No Brasil e em vários outros países, a intensificação dos trabalhos etnobotânicos
produz conhecimento sobre as espécies utilizadas, podendo servir como instrumento para
delinear estratégias de utilização e conservação dessas espécies e seus potenciais (MING,
2006). Os primeiros resultados sobre o manejo de espécies por grupos tradicionais brasileiros
foram obtidos através de estudos realizados no início da década de 1980 (DIEGUES;
ARRUDA, 2001). Os trabalhos realizados por Kerr e Clement (1980), Anderson e Posey
(1985), Posey (1987b), Ballé (1987), Amorozo e Gély (1988) são apenas alguns exemplos
para a Amazônia brasileira.
Dados obtidos por Balée em estudos com indígenas nos Estados do Maranhão e Pará,
publicados em 1986 (“Análise preliminar de inventário florestal e etnobotânica ka’apor
(Maranhão)” e em 1987 (“A etnobotânica quantitativa dos índios Tembé (Rio Gurupi, Pará)”),
mostram que, após a realização de um inventário etnobotânico, em um lote de um hectare, em
cada uma das áreas pesquisadas, das 123 espécies de árvores e cipós inventariadas, todas
foram consideradas úteis pelos Ka’apor. O mesmo ocorrendo entre os Tembé, onde das 138
espécies arbóreas e 15 espécies de cipós levantadas, 100% são conhecidas e utilizadas pelos
indígenas (Balée, 1986;1987).
Entre os Ka’apor, foram reconhecidas sete categorias de uso para as plantas
inventariadas: a) comida para o homem; b) comida para a caça; c) material de construção; d)
material de tecnologia; e) remédio; f) combustível; e g) “outros usos” (desodorante, sabão,
plantas ornamentais, etc.). Os Tembé, por sua vez, reconheceram 13 categorias de uso para as
plantas da floresta, a saber: a) alimento humano; b) alimento para caça; c) madeiras para
construções de casas e canoas; d) “Envira” (iwyr) – fibras vegetais utilizadas para amarrar
objetos; e) ferramenta para caça e pesca; f) utensílio e outras ferramentas; g) remédio
(pohang) para curar doenças físicas; h) mágica (pohang) plantas para fins não testáveis como
assegurar o embelezamento das moças após o rito de iniciação; i) adornos; j) tinturas
(mupinhaw); l) combustível (lenha); m) repelente contra pragas; e n) comércio.
A partir da obtenção destes resultados, Balée demonstra que “qualquer conclusão
quantitativa sobre a utilização de plantas num dado habitat depende de uma definição
implícita ou explícita de “planta útil”. Neste sentido, este trabalho define planta útil em
26
termos da percepção dos recursos botânicos pelos próprios Tembé. Segundo Albuquerque
(2005), esses resultados, assim como vários outros dessa natureza, revelam que as florestas
possuem um grande número de espécies úteis, constituindo-se em um forte argumento para
sua conservação.
Os estudos de etnobotânica em geral incluem levantamentos de espécies e
etnoespécies e têm contribuído para a elaboração de planos de manejo e conservação de
ecossistemas (BEGOSSI, 1993). Tais informações levam-nos a concluir que o conhecimento
das culturas locais fornece fortes elementos para a conservação dos recursos naturais,
servindo como guia para novas investigações e estudos que visem à construção de um modelo
de manejo sustentável (ALBUQUERQUE, 2005). Neste sentido, Posey (1990) propõe a
inclusão das populações nativas como participantes intelectuais em todos os estágios de
programas de reflorestamento visando aspectos produtivos ou a conservação das florestas.
Para Albuquerque e Andrade (2002), investigações etnobotânicas podem contribuir
para o reconhecimento e a preservação de plantas potencialmente importantes em seus
respectivos ecossistemas. Pois documentar o conhecimento tradicional sobre métodos e
técnicas de manejo, seleção, controle de pragas, cultivo e uso dos recursos naturais pode
contribuir para o manejo racional dos recursos naturais (ALBUQUERQUE 2005; MING,
2006), bem como, para a promoção de programas para o desenvolvimento e preservação dos
recursos naturais dos ecossistemas tropicais e para o descobrimento de importantes cultivares
manipulados tradicionalmente e por nossa ciência desconhecidos.
As populações tradicionais têm demonstrado possuir um amplo conhecimento sobre os
recursos naturais, indicando, além de usos potenciais para as espécies, novos modelos para
seu uso e manejo (LEÃO et al., 2007). Neste sentido, Ming (2006) afirma que “a longa
experiência dessas populações no contato com a floresta gerou um acúmulo de importantes
informações que devem ser sistematizadas”. Desta forma, é inegável a contribuição que a
etnobotânica pode oferecer para a conservação da biodiversidade na Amazônia.
No entanto, esses conhecimentos podem estar ameaçados (AMOROZO, 2007).
Segundo Ming (2006), a expansão agrícola e a especulação imobiliária são processos de
ocupação territorial feitos pelo homem e que têm levado à destruição da vegetação original e a
alterações nos hábitos e costumes das populações nativas. A etnobotânica pode contribuir
para que esses conhecimentos, a população e as vegetações locais sejam mais bem
compreendidos e conservados.
27
2.2
MANEJO E GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS POR POPULAÇÕES
INDÍGENAS NA AMAZÔNIA
O manejo e gestão dos recursos naturais por populações indígenas baseiam-se numa
filosofia ambiental distinta da vigente em sociedades ocidentais (ALCÂNTARA, 2000;
CASTRO, 2000; DIEGUES, 2000). Baseando-se num conhecimento onde as práticas são
integradas às crenças, o manejo e a gestão dos recursos naturais envolvem constantemente
diferentes níveis de abstração, tais como a noção de espírito e seres mitológicos (POSEY,
1992). Este manejo visa à manutenção de comunidades altamente diversificadas de plantas e
animais para servir às necessidades múltiplas das gerações (POSEY, 1987b). Pois segundo
Posey, os indígenas:
[...] identificam plantas específicas e animais como se existissem dentro de uma
específica zona ecológica. Eles possuem um conhecimento bem desenvolvido do
comportamento animal e também sabem quais plantas se associam com quais
animais. Tipos de plantas, em contrapartida, são associadas com tipos de solos. Cada
zona ecológica representa um sistema de interações entre plantas, animais, solos e –
naturalmente – as próprias pessoas (POSEY, 1987b, 181).
Diegues (1999) afirma que estudos como os de Balée (1988 e 1992) e Gomez-Pompa
(1971 e 1972), dentre outros, mostram que a manutenção e o aumento da diversidade
biológica nas florestas tropicais estão relacionados intimamente com as práticas tradicionais
de agriculturas de povos primitivos. Pois o abandono das áreas de produção após algum
tempo de uso possibilita a regeneração da floresta, já que “Mediante o manejo adequado das
espécies vegetais e do solo, os ecossistemas são manipulados em sistemas de rotatividade
garantindo o restabelecimento dos mesmos após um período de uso” (ALBUQUERQUE,
2005, 50).
O manejo agroflorestal indígena, não só propicia o aumento da biodiversidade
(POSEY, 1987b), mas também a itinerância nos espaços territoriais (LEONEL, 2000).
Segundo Peroni e Martins (2000), a agricultura itinerante, de origem indígena, estabelece
paisagens em mosaico que permitem a manutenção dos processos ecológicos e a exploração
de diversos produtos, pois mesclam-se áreas de vegetação natural madura e diferentes estágios
de sucessão ecológica. Estas técnicas e práticas de manejo utilizadas pelos indígenas podem
ser consideradas ecologicamente sustentáveis, quando respeitam a complexidade dos
ecossistemas (ALBUQUERQUE, 2005).
A Amazônia é apontada como lugar de origem de importantes inovações tecnológicas,
como o manejo agroflorestal e a utilização de cerâmica própria de populações indígenas
(ROOSEVELT, 1992). Poucos povos transformaram uma planta tão venenosa como a
28
mandioca em alimento (LÉVI-STRAUSS, 1997).
Espécies e variedades de plantas domesticadas e semi-domesticadas pelos índios, na
Amazônia, são hoje cultivadas por populações tradicionais em suas roças e quintais. Essas
espécies fazem parte da biodiversidade da região e sua conservação depende, em parte, da
compreensão, conservação e aprimoramento dos sistemas tradicionais de produção (BRITO e
COELHO, 2000).
No entanto, Posey e Oliveira (1992) afirmam que, apesar dos trabalhos realizados,
muito pouco se tem avançado na compreensão do conhecimento tradicional sobre os
agroecossistemas e muitas informações valiosas contidas na sabedoria destes povos já foi
perdida, devido ao avanço das frentes desenvolvimentistas sobre os territórios e a cultura dos
povos tradicionais.
Em seu artigo “Etnobiologia e etnodesenvolvimento: importância da experiência dos
povos tradicionais” Posey, (1992) enfatiza a importância do conhecimento tradicional na
“descoberta” das riquezas econômica, cultural e ecológica da Amazônia. Dessa maneira, o
autor destaca que os índios, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, etc. possuem
uma vasta experiência na utilização e conservação da diversidade biológica e ecológica e que,
por outro lado, os agentes econômicos cujos interesses são somente o lucro, degradam os
recursos naturais.
Para Ballé (1993), os indígenas da Amazônia liberam, com as queimadas de suas
roças, bem menos CO2 que as sociedades estatais modernas, que são responsáveis pelos
grandes desmatamentos, pela eutrofização dos estuários e morte das florestas. É neste sentido
que Posey enfatiza que os povos tradicionais podem ensinar-nos a valorizar as reservas vivas
da Amazônia – mas somente se as suas culturas sobreviverem poderemos aprender a dar-lhes
igual “status” no futuro.
As práticas envolvidas nos sistemas de produção indígenas, segundo Miller e Nair
(2006), são: a) as árvores florestais úteis são poupadas na abertura de roças; b) plântulas de
espécies florestais úteis são poupadas quando regeneram nas roças; c) árvores frutíferas
crescendo em capoeiras são poupadas na ocasião da derrubada para abrir novas roças; d)
sementes de frutíferas são plantadas entre os cultivos da roça; e) mudas que se estabelecem a
partir de sementes dispersas ao acaso nas proximidades das moradias são poupadas; f) mudas
de frutíferas provenientes dos quintais das casas são transplantadas para as roças e sementes
de frutíferas são plantadas ao longo de caminhos, em roças velhas ou em clareiras na floresta.
29
As capoeiras, segundo Ribeiro (1990), são bancos de germoplasma3, de mudas e de
sementes, pomares, “fazendas de caça”, roça de mandioca e reserva para a floresta alta. No
descanso da capoeira, acrescenta a autora, “o crescimento das plantas invasoras é permitido
para propiciar novas queimadas, uma vez que as cinzas fertilizam a terra e o fogo afasta as
pragas, quando ateado a pequenas glebas” e o trabalho coletivo do indígena resulta em maior
controle do fogo. O manejo indígena é também um exemplo da superioridade da policultura,
uma vez que a diversidade protege espécies contra intempéries e pragas, pela altura
diferenciada das espécies que cria refúgios para espécies vegetais e animais (RIBEIRO,
1990).
Estudos provenientes das áreas da etnoecologia e etnobotânica com povos indígenas
amazônicos mostram que os índios utilizam tecnologias simples e baratas, no lugar de
implementos caros, e, em vez de eliminarem a heterogeneidade do meio, na realidade, a
incrementam. Um dos pioneiros em estudos etnobiológicos com indígenas, na Amazônia, foi
Darrel Posey pesquisando os índios Kayapó, no Estado do Pará (POSEY, 1987b). Esse autor,
estudando principalmente os Sistemas Indígenas de Produção, procurou enfatizar a relevância
do conhecimento indígena para o estabelecimento de sistemas de produção agrícolas mais
sustentáveis. O manejo dos roçados pelos Kayapó, por exemplo, não se limita à queima, mas
diz respeito também à utilização de adubos compostos adicionados de formigas e cupins; as
primeiras são utilizadas para proteger os cultivos contra as saúvas e outros insetos; enquanto
os cupins aumentam a ventilação e a reciclagem de nutrientes do solo. Os Kayapó controlam
as pragas e a fertilidade do solo manejando adequadamente o ambiente.
Neste sentido, podemos citar ainda os estudos sobre os Kayapó da aldeia de Gorotire,
no Estado do Pará, realizados por Kerr e Posey (1984), nos quais afirmam que vários métodos
desenvolvidos recentemente pela ciência já eram usados pelos kayapó, como por exemplo:
a técnica que alguns agricultores utilizam para maior produtividade da batata-doce
(deixar os bulbos em buracos, que são cobertos com terra, e em cima dos quais é
acesa uma fogueira) equivale à utilizada em muitos laboratórios (deixar os bulbos a
48° C por 1 hora) para eliminar os vírus da batata-doce (KERR; POSEY, 1984, p.
400).
Anderson e Posey (1985 e 1990) inventariaram, na Aldeia de Gorotire, 120 espécies
vegetais, onde mais de 98% foram consideradas úteis pelos kayapó. As principais categorias
de usos destas plantas foram: remédios, atrativos de caça, alimento humano, lenha,
fertilizante, sombreamento, dentre outras. Os autores observaram, além da riqueza de espécies
3
Banco de germoplasma é um conjunto de plantas ou animais cujas células sexuais estão disponíveis para
programas de melhoramento ou para reserva para futuras plantações (Kerr; Posey, 1984).
30
domesticadas e semi-domesticadas, a distribuição das espécies vegetais manejadas pelos
Kayapó em diferentes áreas: floresta de terra firme, capoeira, cerrado, “campos na floresta”,
ilhas de “apêtê”, margens de trilhas e quintais. Essa distribuição e cultivo das espécies em
diferentes espaços, o ciclo de derrubada e queima e pousio das áreas são métodos de manejo
que levaram à formação da “terra preta de índio” (TPI)4.
Ainda nestes estudos, os referidos autores observam que é possível cultivar a terra sem
comprometer o ecossistema, explorando recursos e técnicas de trabalho que respeitem as
características fundamentais das áreas utilizadas e favoreçam sua diversidade típica. “Os
caiapós, em suas atividades agrícolas, parecem imitar a natureza” (ANDERSON; POSEY,
1990, 201).
Posey e Oliveira (1992) observaram que a agricultura dos Kayapó começa com uma
clareira aberta na mata, na qual são introduzidas espécies úteis e acaba numa floresta de
recursos concentrados. O ciclo se repete quando velhas capoeiras, tornadas florestas
secundárias, crescem a ponto de serem novamente desmatadas.
A manipulação cuidadosa da erosão, drenagem, sombra, umidade e temperatura é fator
crucial para o êxito dos cultivos kayapó. “Corredores naturais” mantidos entre as roças
servem como reservas biológicas que preservam a diversidade das espécies, ao mesmo tempo
em que facilitam o restabelecimento de plantas e animais durante a regeneração da capoeira
(POSEY; OLIVEIRA, 1992).
Milliken et al. (1992) realizaram um estudo etnobotânico com os Waimiri-Atroari,
onde a importância da floresta para este grupo foi examinada. Os autores obtiveram valiosos
resultados sobre a utilização de 214 espécies de árvores e cipós encontrados em um hectare de
floresta de terra firme. Além dos dados sobre o uso, foram registradas, ainda, informações
referentes à distribuição e ecologia das espécies.
Athayde (2000) desenvolveu um estudo na região norte do Parque Indígena do Xingu,
no Estado do Mato Grosso, junto ao povo Kaiabi (Tupi-guarani). A pesquisadora realizou um
levantamento dos principais recursos naturais (minerais, vegetais e animais) utilizados na
cultura material dos Kaiabi, abordando os aspectos relativos ao seu uso, manejo e
conservação. Athayde registrou a forma como os Kaiabi manejam os recursos vegetais
utilizados para a confecção de seus artesanatos, onde destacou o sistema de extração e manejo
do inajá (Maximiliana maripa (Mart.) Drude).
4
“Terra preta de índio” (TPI) são solos antrópicos associados a assentamentos indígenas (Junqueira, 2008) cujo
resultado é a formação de solo fértil (POSEY, 1987b).
31
Segundo Athayde, o inajá é beneficiado pelo sistema de manejo da paisagem
desenvolvido pelos Kaiabi, já que cresce em áreas de terra preta, após a queima para o
estabelecimento de roças. Nas roças abandonadas, formam-se populações densas de inajá,
constituindo os inajazais. Para a autora, o tipo de manejo efetuado pelos povos indígenas
caracteriza uma manipulação do ambiente natural, resultando em alterações fisionômicas,
estruturais e ecológicas da cobertura vegetal na Amazônia.
Pezutti e Chaves (2009), ao estudarem os índios Deni, no Sudeste do Amazonas,
caracterizaram suas principais atividades, dentre as quais podemos citar: a pesca, a caça e
agricultura. No que diz respeito à pesca, os Deni utilizavam diversos apetrechos e técnicas
como anzóis, arco e flecha, veneno de pesca (veneno vegetal Vekama), vespas ou zagaias. A
caça é realizada nas trilhas de matas e barreiros, com cães e esperas com armas de fogo para
animais de grande porte. A captura de tatus e jabutis era realizada manualmente. A agricultura
é realizada no sistema de corte e queima e, na área, são, em seguida, realizadas divisões
circulares. As roças a partir de 4 anos são rebatidas, queimadas e replantadas.
Os Deni ainda realizam coletas, nas florestas, de produtos de uso alimentícios,
medicinais e para fabricação de utensílios. De acordo com os autores acima, as diferentes
práticas de manejo desenvolvidas por estes indígenas são estratégias tradicionalmente
utilizadas pelo grupo para garantir a sua reprodução ao longo do tempo, o que aparentemente
tem dado certo até o momento.
O acúmulo de informações sobre a gestão e manejo de recursos naturais por
populações indígenas pode oferecer aos pesquisadores modelos de uso sustentável desses
mesmos recursos (DIEGUES, 2000), pois essas populações usam e conservam seus recursos
de acordo com os ecossistemas em que estão inseridos, possibilitando a manutenção desse
meio para a presente e futuras gerações (PEZUTTI; CHAVES, 2009).
Para Diegues (1999), o conhecimento dos indígenas a respeito do mundo natural é
interligado ao mundo sobrenatural e à organização social do grupo, existindo um continuum
entre eles. É neste sentido que Almeida (2006) destaca que a interação roça-modo de vida vai
além da relação ecológica e econômica, esta interação envolve um padrão cultural que
compreende um repertório de práticas específicas.
Conforme Anderson e Posey (1990), a atividade agrícola praticada pelos indígenas não
acarreta exaustão do meio ambiente. Para esses autores, os povos indígenas utilizam os
ecossistemas das florestas e seus recursos naturais sem provocar degradação ambiental. Pois,
os recursos naturais estão intimamente ligados aos conhecimentos e tecnologias de um grupo
32
social determinado (LITTLE, 2001). Posey (1987b) considera que o conhecimento
especializado dos indígenas é fundamental para o uso, manejo e a gestão sustentável dos
recursos florestais. A pesquisa realizada por Anderson e Posey (1990), com os Kayapó,
demonstra que estes indígenas interferem na natureza e na composição dos espaços ao redor
de sua aldeia.
Esta afirmação de Anderson e Posey (1990) só vem corroborar a constatação de Ballé
(1989), quando diz ser a natureza (floresta) fruto da interferência humana. Para este autor,
além da combinação, ou não, dos fatores, como a estrutura e idade geológica do substrato, a
composição e estrutura do solo e da água aproveitável e as condições de drenagem e
distribuição da chuva, também os fatores culturais foram significativos na formação dos
diversos tipos de florestas na Amazônia brasileira. Pois, “espécies geralmente cultivadas na
Amazônica Brasileira, quando encontradas fora do seu lugar habitual, (ex.: roça) tem sido
usada como indicadores de habitação humana no passado” (BALÉE, 1989, p.96).
Sendo assim, muitas florestas amazônicas que são tidas como supostamente naturais, na
verdade, são produtos de interferência e manipulação humana (POSEY, 1992; BALÉE,
1989), em tempos remotos (BALÉE, 1989). Neste sentido, Anderson e Posey (1990, p. 209)
concluem que: “Muitos ecossistemas considerados até hoje como “naturais” podem, na
verdade, ter sido profundamente modelados pelas populações indígenas, formando o que
Balée chama de matas “culturais” na Amazônia brasileira (Balée, 1989, destaque do autor).
2.3
ETNOGÊNESE E EMERGÊNCIA DO MOVIMENTO INDÍGENA NA AMAZÔNIA
De acordo com a literatura antropológica atual, o movimento de ressurgimento da
identidade étnica indígena na Amazônia constitui um fenômeno denominado de emergência
étnica ou etnogênese5 (BARTOLOMÉ, 2006). Este movimento de ressurgimento de
identidades étnicas indígenas que está se delineando na Amazônia (IORES, 2005) iniciou-se,
no Brasil, nos anos 80, por índios da região Nordeste do país e tem como objetivo a afirmação
da identidade indígena e a recuperação dos direitos originários e territoriais perdidos no
período colonial e republicano (OLIVEIRA J., 1998).
O ressurgimento de populações indígenas no Nordeste brasileiro, que anteriormente
5
Segundo Bartolomé (2006) “o termo etnogênese tem sido usado para designar diferentes processos sociais
protagonizados pelos grupos étnicos”. Ainda, segundo o autor, o ressurgimento de grupos étnicos que outrora
eram considerados extintos, totalmente miscigenados ou aculturados, mas que reaparecem no cenário social
reivindicando seu reconhecimento, seus direitos e recursos, também é qualificado de etnogênese. Para Oliveira
J. (1998) o processo de etnogênese abrange tanta a emergência de novas identidades como a reinvenção de
etnias já reconhecidas.
33
eram tidas como extintas, totalmente miscigenadas e aculturadas (SARAIVA, 2007;
ARRUTI, 1997), proporcionou uma mudança de abordagem no que diz respeito aos povos
indígenas a partir dos anos 1990 – anteriormente estudava-se o desaparecimento dos índios e
atualmente aborda-se o ressurgimento de etnias (ARRUTI, 1997).
Vaz Filho (2009) atribui o “reaparecimento” desses povos à atual conjuntura políticosocial, isto é, ao surgimento do movimento indígena no Brasil como organização política, a
partir dos anos 1970, e a presença constante de líderes indígenas na mídia, como o cacique
Mário Juruna (deputado federal entre 1983 e 1987). Esse “reaparecimento” foi ainda
possibilitado e enfatizado por mudanças históricas recentes, especialmente quanto aos novos
direitos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 (DOURADO, 2010; VAZ FILHO,
2009; VIVEIROS DE CASTRO, 2006; SANTILLI, 2005), o que teve impacto positivo sobre
os povos indígenas, pois significou a superação jurídica da tutela do Estado sobre os mesmos,
e o reconhecimento dos seus direitos à diversidade cultural e étnica (DOURADO, 2010).
A partir de então, cresceu vertiginosamente o número de associações indígenas em
todo o país (DOURADO, 2010; VAZ FILHO, 2009). De acordo com Dourado (2010), na
década de 1980, as organizações da sociedade civil que apoiavam a causa indígena se
proliferaram e, a partir dos anos de 1990, os próprios indígenas passaram a organizar suas
entidades de representação política. Vaz Filho (2004) afirma que, na região do Baixo Rio
Tapajós, os indígenas tiveram forte influência da Igreja Católica.
Os sacerdotes e religiosos, influenciados pela Teologia da Libertação, visitavam as
comunidades do rio Tapajós estimulando os moradores a reavivar as suas tradições
culturais, que haviam sido perseguidas e até proibidas pela própria Igreja, até
meados do século XX. Após este incentivo, muitas comunidades voltaram a fazer
abertamente suas festas e cantorias. Dentro da Igreja, surgiu no fim dos anos 1980, o
Grupo de Reflexão dos Religiosos Negros e Indígenas (GRENI), que incentivava a
valorização destas culturas e identidades. Desse processo, surgiu em 1997, em
Santarém, o Grupo Consciência Indígena (GCI), reunindo religiosos e leigos
católicos que se identificavam como indígenas e promoviam a valorização dessa
identidade cultural (VAZ FILHO, 2009, p. 04).
A exemplo das populações indígenas do Nordeste, na Amazônia, etnias que eram tidas
como extintas iniciaram um processo de revitalização cultural, passando a se reconhecer como
detentoras de uma identidade étnica diferenciada. Saraiva (2007), ao tratar do surgimento de
novas identidades indígenas na Amazônia, afirma que:
Enquanto no nordeste acreditava-se que não existia mais índios, na Amazônia tem
perdurado uma representação de índio congelada no tempo relacionada à idéia de
que os índios mantêm uma cultura semelhante as dos índios da época da conquista.
Neste sentido, o (re) aparecimento de índios que não falam mais a língua materna,
não moram em aldeias, ou seja, que não se encaixam na representação do exótico
causou perplexidade (SARAIVA, 2007, p. 49).
34
Neste sentido, Viveiros de Castro (2006, p. 45) argumenta que “[...] índio não é uma
questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha, algo de aparente e evidente nesse sentido
estereotificante, mas sim uma questão de “estado de espírito”. Um modo de ser e não um
modo de aparecer”.
É fato que novos povos indígenas estão surgindo, tanto na Amazônia, quanto no
Nordeste ou no Sudeste do País (ALMEIDA, 2008). Veja-se o exemplo do Ceará que, vinte
anos atrás, oficialmente, não registrava índios e, hoje, possui mais de dez povos indígenas
(ALMEIDA, 2008). Vaz Filho (2009, p. 03) afirma que a emergência étnica ou etnogênese
que ocorre em todo o Brasil, na América Latina e no mundo, não é estranha à região
amazônica e cita vários exemplos: “nos anos 1980 – os Mura e os Kambeba; nos anos 1990 –
os povos que vivem no rio Negro à jusante de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas e os
Nawa no Acre; na primeira década do século XXI, os Kontanawa, no Acre e os Maraguá, no
Amazonas”.
Há também o caso dos índios Arara, em Rondônia, relatado por Oliveira J. (1998).
Outro exemplo da emergência étnica indígena na Amazônia foi estudado por Santos e Rubim
(2010) e protagonizado pelos indígenas do Rio Cuieiras, Aldeia Kuanã do povo Carapãna, no
Estado do Amazonas. Neste caso, os indígenas, devido à conflitos com os não indígenas,
buscaram na memória os conhecimentos para reafirmar a identidade indígena (SANTOS;
RUBIM, 2010).
Peres (2010) registra que, no Alto e Médio Rio Negro, o movimento de emergência
étnica indígena surgiu no contexto de lutas pela demarcação de terras indígenas, enquanto
que, no Baixo Rio Negro, este movimento emergiu no seio de demandas por melhores
condições de inserção da comercialização da produção artesanal e valorização de bens
culturais no mercado, assim como na melhoria de acesso aos serviços de atendimento à saúde
e educação. O estímulo a um sentimento de pertencimento coletivo, a partir da afirmação
pública da origem étnica diferenciada, era latente neste processo, segundo afirma Peres
(2010).
No Médio Rio Xingu, Saraiva (2007) documentou o movimento de reconstrução da
identidade Juruna. A partir dos 1990 esses indígenas iniciaram sua luta em busca do
reconhecimento étnico e da existência do grupo, baseando-se no passado de massacre e
violência, para legitimarem-se como indígenas no presente, para tanto, “lançam mão dos
elementos considerados como legítimos acerca do “ser indígena” perante a sociedade
envolvente, como: a dança, a pintura corporal e o nome de índio, com o intuito de externar a
35
identidade indígena” (SARAIVA, 2007, p. 56).
Os registros sobre os povos indígenas do Baixo Tapajós mostram a existência de uma
população numerosa e etnicamente diversificada no início da colonização, enquanto que no
início do século XIX, evidencia-se um quadro bastante reduzido dos contingentes
populacionais Tupinambás, Tapajós e Iruri (MENÉNDEZ, 1992). Várias etnias que se
localizavam ao longo dos rios foram capturadas e passaram ao domínio das Missões dos
Jesuítas e, posteriormente, ao domínio do Diretório do Índio, resultando na redução das
populações e destruição de suas formas de organização social (VAZ FILHO, 1997).
Outra área da Amazônia onde o fenômeno da emergência étnica indígena tem se
expressado é o Baixo Rio Tapajós, o reconhecimento da identidade indígena nesta região
emerge como fenômeno social em 1998, liderado pela Comunidade de Takuara, do povo
Munduruku, situada à margem direita do Rio Tapajós, pertencente à Floresta Nacional do
Tapajós (SANTOS, 2005; IORES, 2005; VAZ FILHO, 2004, 2008, 2009).
O movimento de auto-identificação dos índios do Baixo Rio Tapajós atravessou o rio
em direção às comunidades da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (IORES, 2005), e
chegou até as comunidades do Rio Maró, afluente do Rio Arapiuns. Hoje, os povos indígenas
do Baixo Tapajós integram o movimento indígena regional e nacional (SANTOS, 2005).
Expressando-se como um dos exemplos de luta pela terra e reconhecimento étnico de forma
organizada, dinâmica e criativa (HECK et al., 2005).
Nos meados da década de 1990, muitas comunidades anteriormente designadas como
caboclas6 têm se assumido como indígenas na região do Baixo Rio Tapajós (SANTOS, 2005;
IORES, 2005; VAZ FILHO, 2010), reivindicando a pertença àqueles povos tidos como
extintos ou a outros cujos etnônimos eram desconhecidos pela literatura. Para Viveiros de
Castro (2006), os povos indígenas mantinham suas identidades submersas por muitas razões:
porque tinham sido ensinadas a não dizer mais que eram indígenas, ou ensinadas a
dizer que não eram mais indígenas; porque tinham sido colocadas em um
liquidificador político-religioso, um moedor cultural que misturara etnias, línguas,
povos, regiões e religiões, para produzir uma massa homogênea capaz de servir de
“população”, isto é, de sujeitos (no sentido de súdito) do Estado (VIVEIROS DE
CASTRO, 2006, p.47).
6
Na Amazônia brasileira, o termo caboclo (destaque do autor) é usado por estudiosos e pela população em
geral, para categorizar os grupos sociais que habitam as comunidades rurais ribeirinhas. Descendentes dos
indígenas tribais, que foram levados para as missões e povoados, catequizados, “amansados” e transformados
em “tapuios” (índios destribalizados) e miscigenados, os caboclos teriam perdido as referências aos povos
distintos que lhes originaram e a independência que eles tinham em relação à sociedade dominante. São
vistos como integrados, social e economicamente, ao sistema dominante. O termo carrega um forte sentido
pejorativo: classe baixa, rural, preguiçoso, rude e inculto (VAZ FILHO, 1996).
36
Vaz Filho (2009) realiza uma cronologia da etnogênese dos 40 povoados que, desde
1998, passaram a se identificar como indígenas na região do Baixo Rio Tapajós, Rio Arapiuns
e Rio Curuá-Una, nos municípios de Aveiro, Belterra e Santarém, oeste do Estado do Pará.
Vaz Filho, em sua cronologia, contabiliza doze povos nesta região, a saber: Munduruku,
Apiaká, Borari, Maytapu, Cara Preta, Tupinambá, Cumaruara, Arapium, Jaraqui, Tapajó,
Tupaiu e Arara Vermelha.
Calculando-se aproximadamente sete (7) mil indígenas
pertencentes a esses povos (VAZ FILHO, 2010).
Segundo Heck et al. (2005), apesar da perseguição implacável, da escravidão, das
guerras, das doenças criminosamente introduzidas e da imposição de um sistema que se
orienta por parâmetros completamente diversos dos praticados pelos povos indígenas, eles
não foram vencidos. Uma grande faixa carregada pelos índios da Amazônia na Marcha e
Conferência Indígena 2000 chamava a atenção da sociedade para esse fato: “Reduzidos sim,
vencidos nunca”.
A resistência indígena assumiu diversas formas e estratégias, que iam desde o
confronto direto ou da guerra aberta até uma aceitação tácita da dominação, quando o
contexto assim o exigia. Alianças interétnicas e com os setores marginalizados da sociedade
brasileira, como ocorreu na Amazônia na primeira metade do século XIX, na Cabanagem,
foram construídas para combater o poder opressor (HECK et al., 2005).
Para Dourado (2010), a situação atual dos indígenas no Brasil resulta de um processo
de lutas históricas pelos seus direitos. Os povos indígenas conseguiram que a Constituição
Federal de 1988 assegurasse seus direitos históricos à terra e o reconhecimento de suas
organizações sociais. O direito à organização social, costumes, crenças, línguas e tradições
foram reconhecidos pela Constituinte (DOURADO, 2010). Desse modo, os indígenas
constituíram variadas formas de articulação e organização para fazer avançar concretamente
as conquistas legais (HECK et al., 2005).
A partir de tais eventos, a luta dos povos indígenas foi conquistando espaços na
sociedade nacional. Povos que mantinham a sua identidade oculta sentiram-se encorajados a
assumi-la publicamente e as estatísticas também começaram a registrar uma numerosa
população indígena nos centros urbanos (HECK et al., 2005). Quilombolas, extrativistas,
indígenas, entre outros, passaram a se organizar em prol da regularização de seus territórios,
“crescentemente cobiçados pelo avanço de madeireiros, do agronegócio e de diferentes
empreendimentos capitalistas”, afirma Vaz Filho (2010a).
37
2.4
SOB CONFLITOS: LUTAS PELA TERRA E RECURSOS NATURAIS ENTRE
INDÍGENAS E OUTROS ATORES NA AMAZÔNIA
A partir de 1966, a Amazônia passa a ser área de expansão de grandes projetos de
desenvolvimento para exploração econômica (KOHLHEPP, 2002, LITTLE, 2002) e as
populações que tradicionalmente ocupam a região, tais como os indígenas, ribeirinhos,
extrativistas e quilombolas, entre outros, passam a ser ameaçadas ou expulsas de suas terras,
por conta da construção de novas estradas e rodovias e pelo processo de ocupação da
Amazônia, este último tendo como objetivo principal a busca pela terra (LEROY, 2010;
O’DWYER, 2010; PICOLI, 2006; HECK et al., 2005; LITTLE, 2002).
Segundo Oliveira (2005), esse processo de desenvolvimento econômico ameaça a
sobrevivência das populações indígenas, cercando suas terras e transformando-as em “ilhas”
[destaque da autora] rodeadas de empreendimentos.
Almeida (2006) também compartilha da afirmação de que os territórios
tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas e comunidades tradicionais estão
constantemente sendo pressionados por grupos econômicos como: empresas mineradoras, de
energia elétrica, madeireiras, pecuaristas e indústrias de papel e celulose.
As culturas indígenas orientam a ocupação territorial a partir da relação mitológica e
de aspectos culturais que ordenam os espaços nas aldeias e seus arredores, diferentemente da
ocupação econômica da sociedade nacional (OLIVEIRA, 2005; ALCÂNTARA, 2000). Desse
modo, Almeida (2009) analisa que os povos indígenas, quilombolas e todas as comunidades
tradicionais são vistos como sujeitos biologizados, ou seja, como “mera extensão dos recursos
naturais, sem consciência e sem direitos”. Neste contexto, a usurpação das terras indígenas é
justificada por serem estas classificadas como primitivas ou como de economia natural
(ALMEIDA, 2009).
No intuito de entender a relação particular que um grupo social mantém com seu
respectivo território, Little (2001) utiliza o conceito de cosmografia, definido “como os
saberes ambientais, ideologias e identidades - coletivamente criados e historicamente situados
- que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território”.
A cosmografia de um grupo inclui seu regime de propriedade, os vínculos afetivos que
mantém com seu território específico, a história da sua ocupação guardada na memória
coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele (LITTLE, 2002); neste
sentido, a cosmografia representa uma peça fundamental na definição e exploração dos
recursos naturais.
38
Para O’Dwyer (2010), o território indígena deve ser definido como a materialização de
fronteiras dadas a partir de relações sociais e pertencimento étnico. Pois, o território é uma
parte essencial da cultura indígena (ALCÂNTARA, 2000) e a territorialidade, como definida
por Little (2002), é o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se
identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu
“território”. Portanto, privar os povos indígenas de seus territórios significa lhes impor uma
desarticulação dos seus modos de vida, na sua dimensão cultural, social, religiosa, moral,
econômica e ecológica (ALCÂNTARA, 2000).
A especulação pela terra, na Amazônia, para fins econômico-políticos gerou
problemas e conflitos violentos envolvendo militares, jagunços, pistoleiros, grileiros,
latifundiários, empresários, colonos, posseiros e indígenas (KOHLHEPP, 2002; PICOLI,
2006). Na região amazônica, são cada vez maiores as denúncias de expulsão de povos nativos
e comunidades camponesas de suas terras (LEROY, 2010). Em alguns casos, opta-se pela
expulsão dos povos indígenas e demais populações tradicionais, pois não se deve
necessariamente chegar à extinção de um grupo, não há necessidade de genocídio físico, o
etnocídio e a neutralização da população local são suficientes para excluí-la de sua cidadania,
apenas deixando espaço suficiente para os povos e populações locais, que são funcionais ao
capital (LEROY, 2010).
A disputa entre diferentes atores sociais por terra e pelo controle dos recursos naturais
é caracterizada como um conflito de caráter sócio-ambiental (OLIVEIRA; BURSZTYN,
2005). Little (2001) define os conflitos sócio-ambientais como formas de conflitos sociais
entre interesses individuais e coletivos que envolvem a relação natureza-grupos sociais:
“Podemos definir os conflitos socioambientais como disputas entre grupos sociais derivados
dos distintos tipos de relação que eles mantêm com o seu meio natural” (LITTLE, 2001).
Little (2001) faz, ainda, uma tipologia dos conflitos sócio-ambientais, classificando-os
em três tipos: “(1) os conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais; (2) os
conflitos em torno dos impactos ambientais e sociais gerados pela ação humana e natural; e
(3) os conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais”. O autor deixa claro que essa
tipologia não é rígida e que deve ser usada com flexibilidade, pois existe um conjunto de
atores sociais envolvidos em cada um dos três tipos de conflito e que os mesmos têm suas
características próprias como forma de adaptação, de ideologia e modo de vida, que entram
em choque com as formas dos outros grupos; é neste sentido que, para Little, se dá a
dimensão social do conflito sócio-ambiental.
39
O mesmo autor aborda, ainda, os conflitos em torno do controle dos recursos naturais
como uma questão relacionada à posse da terra: “geralmente, os conflitos relacionados aos
recursos naturais são sobre as terras que contêm tais recursos e, portanto, entre os grupos
humanos que reivindicam essas terras como seu território de moradia e vivência”. Além dos
elementos já relacionados, quando analisa os conflitos pela terra, Little (2001, p. 109) aborda
três dimensões:
a) Dimensão política – expressa por meio das disputas sobre a distribuição dos
recursos naturais, uma vez que a distribuição geográfica do recurso entra nos
processos políticos de decisão sobre sua distribuição social;
b) Dimensão jurídica – expressa por meio das disputas do controle formal sobre os
recursos
naturais,
como,
por
exemplo,
os
conflitos
existentes
entre
conservacionistas e povos indígenas, onde ambos os grupos são respaldados por lei;
c) Dimensão social – expressa por meio das disputas sobre o acesso aos recursos
naturais. No que diz respeito à dimensão social, o autor cita a invasão de terras
indígenas por garimpeiros. Os povos indígenas reivindicam o controle sobre suas
terras enquanto que os invasores estão interessados nos recursos naturais existentes
na área.
Segundo Heck et al. (2005), as terras indígenas amazônicas são extremamente
vulneráveis, são invadidas por madeireiros, garimpeiros, rizicultores, fazendeiros, posseiros,
biopiratas e outros. Porém além destas, existem outras formas de ocupação das terras
indígenas, como aquela promovida por projetos governamentais e privados, tais como, a
construção de hidrelétricas (Belo Monte e Tucuruí, por exemplo), hidrovias, linhas de
transmissão de energia, projetos militares, criação de municípios e de unidades de
conservação, para os quais os limites das terras indígenas não têm o menor significado
(HECK et al., 2005).
Neste sentido, vários povos indígenas tiveram suas terras invadidas para a
implementação de grandes projetos desenvolvimentistas, como, por exemplo, os WaimiriAtroari, que sofreram uma ocupação maciça de seu território, que foi cortado, inicialmente,
pela construção da rodovia BR-174 que liga Manaus-AM a Boa Vista-RR e, posteriormente,
pela implantação da mina de estanho e a construção da hidrelétrica de Balbina (BAINES,
2010).
Segundo O’Dwyer (2010), a construção da Ferrovia Estrada de Ferro Carajás pela
40
Companhia Vale do Rio Doce tem levado a um fluxo cada vez maior de colonos, fazendeiros,
garimpeiros e madeireiros em constante pressão sobre as terras indígenas dos Awá em Bom
Jardim e Zé Doca, estado do Maranhão.
Outros povos indígenas que tiveram seus territórios ocupados por projetos
desenvolvimentistas foram os Yanomami, Arara, Parakanã, Xavante, Kreen-akarore, Kayabi,
Cinta larga e Nambikwara, entre muitos outros (HECK et al., 2005; PICOLI, 2006). Segundo
o Relatório do Conselho Indigenista Missionário – CIMI (2009), no final deste ano a FUNAI
apresentou uma listagem de 426 empreendimentos que incidem sobre terras indígenas
brasileiras.
No que diz respeito à construção da BR-163 – Cuiabá-Santarém, Carneiro Filho
(2005) faz um breve relato sobre o impacto desta construção para as terras indígenas da
região, citando as constantes invasões por madeireiros, garimpeiros, colonos, fazendeiros,
entre outros, das mesmas.
A TI Cachoeira Seca foi invadida primeiramente pelos exploradores de mogno e,
posteriormente, pelos colonos da Transamazônica; a TI Apiterewa sofreu uma expansão da
colonização ilegal no interior da Terra do Meio e cerca de 15% da área indígena foi
desmatada; e a TI Baú, cujas invasões provenientes da construção da BR 163 impuseram um
desmatamento em torno de 54.031 ha da área indígena, são exemplos de TI’s impactadas com
a construção da Rodovia Cuiabá-Santarém (CARNEIRO FILHO, 2005).
O’Dwyer (2010) registrou, em seu estudo com os Awá-Guajá, a invasão por 500
pessoas, dentro da área indígena. A autora evidenciou que havia delimitação e venda de lotes
dentro da aldeia, realizada por um representante do setor latifundiário da região. Os conflitos,
segundo O’Dwyer, agravaram-se após a FUNAI demarcar a área indígena, que aguarda
decisão judicial para desintrusão da reserva.
Em seu estudo com os Juruna do médio Xingu, Saraiva (2007) discute que, desde a
década de 1970, os indígenas sofrem uma pressão territorial devido à abertura da rodovia
Transamazônica e a política de colonização do governo. Segundo a autora, a TI Paquiçamba,
área indígena dos Juruna em questão, foi demarcada no final dos anos 80, em decorrência de
um conflito envolvendo os Juruna e colonos que solicitavam a posse de terras dentro da área
indígena.
Outro caso bastante conhecido e recente é o da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima,
onde houve durante cerca de três décadas o conflito entre – de um lado, organizações
indígenas apoiadas pela Igreja Católica, através do seu Conselho Indigenista Missionário
41
(CIMI), movimentos e organizações pró-indígenas brasileiras e internacionais, e de outro
lado, “brancos” locais, latifundiários e fazendeiros, criadores de gado, agricultores e
garimpeiros, além de outros atores políticos e econômicos, apoiados pelo Governo do Estado
de Roraima (LAURIOLA, 2003).
Após a terceira década deste conflito, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina o
Decreto s/n°, em 15 de abril de 2008, homologando a Terra Indígena Raposa Serra do Sol em
uma extensão de 1,747 milhão de hectares e, em 19 de março de 2009, o Supremo Tribunal
Federal (STF) ratifica essa demarcação em faixa contínua.
A questão da sobreposição entre Unidades de Conservação (UCs) e TI’s, em várias
áreas da Amazônia, também tem proporcionado conflitos entre reivindicações territoriais de
povos indígenas e a aplicação de políticas de conservação. As UC’s introduzem regras e
atividades contrastantes com as formas tradicionais indígenas de manejo, uso, apropriação do
espaço e dos recursos naturais. Concebidas e implementadas do alto para baixo, as regras de
conservação ameaçam a cultura e a autonomia das sociedades indígenas (LAURIOLA, 2003).
O caso mais conhecido de sobreposição de Terras Indígenas é o do Parque Nacional
do Monte Pascoal e os índios Pataxó, no Estado da Bahia. Reivindicando direitos territoriais
tradicionais, depois de anos de lutas políticas e legais, no dia 19 de agosto de 1999, cerca de
38 anos após o decreto de criação e vários anos depois de sua efetiva implementação, os
índios Pataxó ocuparam a área do PN do Monte Pascoal, na tentativa de obrigar o IBAMA e
as instituições nacionais a reconhecerem aqueles que consideram ser seus direitos territoriais
constitucionalmente garantidos. Outro caso de bastante repercussão é o do Parque Nacional
Monte Roraima criado pelo Presidente Sarney, em 1989, e a TI Raposa Serra do Sol em
Roraima (LAURIOLA, 2003).
Iores (2005) registra a luta pela posse da terra e pelo controle sobre os recursos
naturais dos índios na região do Baixo Rio Tapajós. Neste caso, o conflito foi devido à
implementação da Floresta Nacional do Tapajós, que desencadearia um processo de
desapropriação das comunidades de suas terras. Não aceitando serem desapropriadas, estas
comunidades iniciaram um longo e intenso processo de resistência.
Os conflitos étnicos e sócio-ambientais figurados em Barcelos no Estado do
Amazonas foram registrados por Peres (2010). Tais conflitos, segundo o autor, foram
desencadeados após os indígenas reivindicarem a demarcação de suas áreas de ocupação
tradicional. Peres salienta que a Câmara de Vereadores se mostrou intransigente na defesa dos
interesses dos patrões e dos empresários do setor de turismo de selva e de pesca esportiva, em
42
detrimento dos interesses dos indígenas.
Nos Estados do Pará e Mato Grosso, o desenvolvimento de projetos e obras públicas e
privadas e a ocupação das áreas de fronteira econômica afetam diretamente a sobrevivência
dos povos indígenas, gerando conflitos por terra e degradação dos recursos naturais e
causando, em muitos casos, a desnutrição pela extinção de recursos alimentares (OLIVEIRA,
2005). Ainda segundo a autora, a morosidade nos processos de regularização das TI deixa as
áreas indígenas vulneráveis à invasão, desmatamento e exploração mineral, estimulando o
desencadeamento dos conflitos.
O direito à retomada de suas terras foi garantido aos índios pela constituição de 1988 e
resultou na organização do movimento indígena, com o apoio de organizações nacionais e
internacionais e de mediadores diversos (HECK et al., 2005). Em seu artigo 231, a
Constituição Brasileira de 1988, reconhece “aos índios (…) os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam” e “cabe à União demarcá-la e garantir o respeito de
todos seus bens”. A finalidade do reconhecimento dos direitos territoriais indígenas é a
preservação de seu direito à diferença cultural e autodeterminação dentro da nação brasileira.
O direito exclusivo dos índios sobre os recursos naturais de suas terras é explicitamente
reconhecido, com exceção dos recursos do subsolo, considerados estratégicos e pertencentes à
União.
43
3
ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA
3.1 UM POUCO DE MINHA TRAJETÓRIA ATÉ CHEGAR AO LOCAL DE ESTUDO
Antes de caracterizar a Aldeia Novo Lugar, área de estudo desta pesquisa, e de
apresentar os procedimentos metodológicos que nortearam o desenvolvimento deste estudo,
considero importante discorrer um pouco sobre minha relação com o Movimento Indígena –
MI da região do Baixo Rio Tapajós.
Logo após ingressar, no final do ano de 2002, no curso de Licenciatura Plena em
Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará – UFPA, Campus Universitário de
Santarém, conheci o Prof. Dr. Florêncio Vaz, professor do curso de Direito daquele campus e
ativista do Movimento Indígena na região, sendo um dos membros fundadores do Grupo
Consciência Indígena – GCI (ONG que atua em defesa das causas indígenas e no resgate da
cultura destes povos).
No início de 2003, após participar, a convite de meu irmão Newton Braga (o qual já
participava das atividades do GCI há alguns meses), de várias palestras e debates sobre o
Movimento Indígena, realizados na UFPA- Campus de Santarém, aceitei o convite de
Florêncio para uma viagem do MI à Aldeia Escrivão, no Município de Aveiro, Pará. Nesta
ocasião, Florêncio me falou um pouco sobre a missão do GCI, bem como seus objetivos e sua
área de atuação, e convidou-me para visitar o escritório da ONG e, assim, conhecer mais um
pouco do grupo, suas instalações físicas e seus projetos. Foi quando resolvi participar de uma
reunião que acontece todas as segundas-feiras nas dependências do GCI.
Encantei-me com a causa indígena defendida pela ONG e comecei a participar das
atividades realizadas pelo grupo, não demorando a engajar-me no MI, do qual me afastei no
final do ano de 2006 para dedicar-me à finalização de meu curso de graduação. Foi a partir do
ingresso no GCI que voltei às minhas origens indígenas e conheci um pouco da história de
minha própria família, de meu avô Belmiro Braga, nativo da Aldeia de São Pedro no Rio
Arapiuns.
Dentre as atividades realizadas pelo GCI, das quais eu participava, havia os encontros
indígenas denominados de Encontro dos Povos Indígenas dos Rios Tapajós e Arapiuns –
EPITA e as viagens, às aldeias situadas ao longo dos Rios Tapajós e Arapiuns. Nestes
encontros e viagens, ouvi falar muito sobre o conflito existente, na Aldeia Novo Lugar, entre
os Borari e os madeireiros e no movimento de resistência desse povo.
Em abril de 2003, o GCI, o Comitê Latino Americano de Solidariedade – CLAS, o
Diretório Acadêmico – DA/UFPA e as turmas 2001 e 2002 do curso de Direito do Campus
44
local realizaram, sob a coordenação e orientação do Professor Florêncio Vaz, a Caravana da
Solidariedade7 à Aldeia Novo Lugar. Foi nesta ocasião que tive o primeiro contato com os
Borari e com a realidade vivida naquela Aldeia.
Nesta viagem, conheci o Senhor Higino Borari, seu neto Dadá Borari (1º e 2º cacique,
respectivamente), sua esposa, a Senhora Domingas Borari (já falecida), seu irmão Floriano
Borari e sua sobrinha Edite Borari, e fiquei impressionada de como estas cinco pessoas se
manifestavam em relação à chegada dos madeireiros na região, pois, ao mesmo tempo em que
temiam pela própria vida e a de seus parentes, não se esquivavam em buscar meios para
defender sua terra e seu povo. Dadá Borari tornou-se, posteriormente, coordenador do
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA.
Dois pontos me chamaram muito atenção naquela viagem: o primeiro foi uma placa
exposta na entrada do barracão comunitário da Aldeia com a seguinte frase: “Aldeia do Povo
Indígena de Novo Lugar – nós não abri mão de nossa terra”; e o segundo foi o depoimento
da Senhora Domingas Borari a seguir:
“...Deus foi que deixou ela [terra] pra nós, então se a gente lutar... a
gente tem que lutar a favor dela, porque se a gente planta maniva dá,
planta cará dá batata, planta batata dá, planta macaxeira dá batata,
planta manicuera dá, qualquer coisa que a gente planta ela brota, ela
cria pra alimentar a gente, e os bicho que cantam pra alegrar o dia,
os que tão aí pra ser o nosso alimento, tudo a floresta tem, e pra gente
largar mão pra esses bandido? Como dizia a minha finada vó, que
não nasceram nem aqui, e nós que nascemo aqui, fomo criado, eu já
to com 50 anos, desde que abri meu olho feito cachorrinho eu to aqui
nessa região”.
Ambas as situações relatadas acima causaram-me interesse em saber mais sobre
aquele povo, seu modo de vida, sua luta e, como estudante de biologia, o interesse pela
relação existente entre os Borari e a terra e seus recursos naturais, especialmente aqueles de
origem vegetal. A viagem chegava ao fim, depois de três (3) dias conhecendo a realidade
daquele lugar, participando de reuniões, debates e encaminhamentos e após visita ao pico
demarcatório feito pelos madeireiros. Ao caminhar durante aproximadamente quatro horas
pela floresta com os indígenas, percebi, em meio as suas falas, como a da Senhora Domingas
Borari, citada acima, que a luta desse povo não era simplesmente por um pedaço de chão e
7
A Caravana da Solidariedade foi realizada em abril de 2003 e contou com a presença de representantes de
várias entidades e movimentos sociais, tais como: Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Santarém – STTR; Centro de Estudo, Formação e Pesquisa dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Baixo
Amazonas – CEFT-BAM; Padres Verbitas, Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação – JPIC/Ordem
Franciscana; Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA. O objetivo desta Caravana foi prestar solidariedade
à luta dos povos do Rio Maró, conhecer e divulgar na imprensa local a situação vivida pelos Borari de Novo
Lugar para sensibilizar a sociedade e formalizar denúncia junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal.
45
sim pela sua história e cultura, enfim, pelo modo de ser e viver dos Borari naquele espaço,
com aquela floresta.
A partir daquela viagem, percebi que algo tinha despertado em mim. Todavia naquela
ocasião, não sabia explicar bem o quê. Assim, durante esses anos acompanhei as notícias
sobre este conflito, às vezes de perto - quando ainda estava participando do Movimento
Indígena - e às vezes de longe - pelas notícias nos jornais ou, ainda, através de discussões
existentes na universidade. Mas sabia que eu queria voltar naquele lugar, estar com aquele
povo novamente e contribuir, de alguma forma, com sua resistência e luta. A pesquisa
realizada nesta dissertação me oportunizou realizar tais aspirações.
Portanto, a escolha da área de estudo foi determinada diretamente pelo meu
envolvimento com o Movimento Indígena, pelo desejo de conhecer a relação existente entre
os Borari e os recursos naturais e os conflitos pela terra e recursos que ora ocorrem naquela
região, fatos estes importantes para a definição do tema central dessa dissertação de mestrado.
3.2
O LOCAL DE ESTUDO
3.2.1 Localização
A Aldeia Novo Lugar, pertencente à Terra Indígena – TI Maró, localiza-se à margem
esquerda do Rio Maró, cujas águas formam, com as do Rio Aruã, o Rio Arapiuns, principal
afluente do Rio Tapajós.
Situa-se na Gleba Nova Olinda, composta por quatorze (14)
comunidades, entre elas, as três Aldeias indígenas, a saber: São José III, Cachoeira do Maró e
Novo Lugar que formam a TI Maró. A Gleba Nova Olinda é integralmente constituída de
terras públicas arrecadadas pelo Estado do Pará, no Município de Santarém, Oeste do Estado
(ITERPA, 2007; IBAMA, 2007) (Figura 1). A Aldeia Novo Lugar, do povo indígena Borari,
faz limites com a Comunidade Fé em Deus (não indígena) e com a Aldeia Cachoeira do Maró
do Povo Arapium.
46
Figura 1 – Mapa de localização da Aldeia Novo Lugar, TI Maró (indicada pela
circunferência) na Gleba Nova Olinda (indicada pela seta vermelha), Santarém,
Oeste do Pará.
Fonte: Ideflor
47
3.2.2 Aspectos biofísicos
O solo, na região da Gleba Nova Olinda, é formado principalmente por arenitos finos a
grossos, de cores vermelho-tijolo e variegados (RADAMBRASIL, 1976). O rio Maró possui
águas consideradas “relativamente”, e não totalmente, pretas, bastante ácidas e muito pobres
em sedimentos (SIOLI, 1984), sendo estreito e pequeno.
O tipo climático da região é o Am, cuja média mensal de temperatura mínima é
superior a 18° C e temperatura do ar sempre elevada, com média anual de 25,6° C, com
máximas de 31° C e mínimas de 22,5° C. Quanto à umidade relativa, esta apresenta valores
acima de 80% em quase todos os meses do ano. A pluviosidade se aproxima dos 2.000 mm
anuais, com certa irregularidade durante todo o ano. A estação chuvosa (inverno) coincide
com os meses de dezembro a junho e a menos chuvosa (verão) com os meses de julho a
novembro.
A cobertura vegetal predominante na área consiste de floresta ombrófila densa e
floresta ombrófila aberta. Estas duas tipologias podem ser subdivididas em diversas
subclasses de vegetação, indicando a existência de uma grande heterogeneidade florística e
variedade de habitats. Os enclaves de cerrado são raros e bastante delimitados. A área de terra
firme predomina sobre a área de floresta inundada (igapó). São encontradas árvores que
alcançam até 50 metros de altura ou mais, com um sub-bosque rico em palmáceas. Várias
espécies são encontradas nestas formações florestais, como aquariquara (Minquartia
guianensis Aubl.), andiroba (Carapa guianensis Aubl.), bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.),
breu (Protium spp), buriti (Mauritia flexuosa L.), carapanaúba (Aspidosperma carapanauba
Pichon), castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.), copaíba (Copaifera langsdorffii Desf.),
cumarú (Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.), envira (Xilopia spp), itaúba (Mezilaurus itauba
(Meiss.) Taub.), entre outras (EMBRAPA, 1983).
3.2.3 Pra chegar até aqui... no inverno é bom... mas no verão, hum... o parente sofre: o
acesso à Aldeia Novo Lugar
Como mencionado anteriormente, a Aldeia Novo Lugar pertence ao município de
Santarém e a sede do município é o centro urbano de acesso mais comum. Novo Lugar fica
distante cerca de dezesseis (16) horas (no inverno, quando os rios estão cheios) e
aproximadamente vinte e seis (26) horas (no verão, quando os rios estão baixos) da cidade de
Santarém, utilizando embarcação típica da região (Figura 2), com motor a diesel, para a
realização da viagem. A única forma de acesso à aldeia é o transporte fluvial realizado
48
normalmente pelos chamados barcos de linha8.
Figura 2 – Meios de transporte para a Aldeia Novo Lugar
A – Embarcação de médio porte; B – Embarcação de pequeno porte (bajaras).
Fonte: Pesquisa de Campo, 2010.
No período chuvoso, utilizam-se embarcações de médio porte que comportam em
média 70 passageiros. Já na época de baixa das águas dos rios, as embarcações de porte médio
só chegam até o Papagaio, uma localidade ainda no Rio Arapiuns (percorrendo apenas 10
horas de uma viagem de aproximadamente 26 horas). Desse ponto em diante, para chegar à
Aldeia, são utilizadas embarcações de pequeno porte, as bajaras9, com capacidade de
comportar, em média, 10 passageiros. A bajara só chega até a Aldeia Cachoeira do Maró,
onde os passageiros saem da embarcação com seus pertences e caminham até o outro porto na
mesma Aldeia10. Neste, os passageiros embarcam novamente em um barco pequeno, agora
com capacidade para 20 a 25 pessoas, e, ao entardecer, chega-se à Novo Lugar. Essas
embarcações são utilizadas também para o transporte dos produtos agroflorestais que os
indígenas levam para a cidade e daqueles industrializados, levados da cidade para a Aldeia.
8
Trata-se de embarcações que suportam um número variável de passageiros, entre 10 e 70, e que fazem viagens
semanais transportando cargas. O valor pago pelas cargas depende da distância entre a cidade de Santarém e a
comunidade ou Aldeia, assim como, do tipo de mercadoria a ser transportada. Transportam-se nestas
embarcações geleiras, animais, materiais de construção, farinha, etc.
9
Bajara é como os Munduruku chamavam antigamente os navios grandes. Atualmente significa canoa
motorizada, é um termo regional, paraense. Meio de transporte mais comum utilizado pelos ribeirinhos e
indígenas da região (Vaz Filho, 2010b).
10
Essa caminhada não dura mais de 10 minutos e é necessária somente porque as pedras que formam a cachoeira
não dão condições para a travessia das bajaras.
49
3.3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.3.1 O método
O método utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é o estudo de caso, onde a
Aldeia Novo Lugar foi analisada profundamente. Pois, segundo Becker (1994), este método
possibilita revelar detalhes a partir da exploração intensa, a respeito do grupo investigado,
identificando, dentre outros aspectos, quem são seus membros, quais suas atividades e
interações decorrentes de suas práticas e como se relacionam com o meio externo.
Preocupando-se em retratar a complexidade de uma situação particular, que focaliza o
problema em seu aspecto total, no estudo de caso o pesquisador utiliza uma variedade de
fontes para a coleta de dados, que são colhidos em vários momentos da pesquisa e em
situações diversas, com diferentes tipos de sujeitos (OLIVEIRA, C., s/d).
3.3.2 As técnicas utilizadas na coleta de dados de campo
As técnicas de coleta de dados que foram utilizadas no desenvolvimento da pesquisa
foram as seguintes:
a) Entrevistas estruturadas e semi-estruturadas – de acordo com Albuquerque et al.
(2010), as entrevistas são a forma mais básica de obtenção de dados e têm por finalidade
recolher informações desejadas a partir de variações de tópicos (VIERTLER, 2002). Na
entrevista estruturada, cada informante deve ser questionado sobre as mesmas perguntas, estas
devem ser previamente estabelecidas e estar na mesma seqüência (ALBUQUERQUE et al.
2010). Na entrevista semi-estruturada, as perguntas sobre um determinado tópico são
formuladas pelo pesquisador, antes de ir ao campo, no entanto, esta é uma técnica flexível por
tratar de um determinado tema, mas que possibilita ao interlocutor uma maior liberdade
acerca de suas respostas, já que permite aprofundar elementos ao longo da entrevista, na
medida em que novos assuntos vão surgindo (ALBUQUERQUE et al. 2010; SEIXAS, 2005).
Neste sentido, as entrevistas foram guiadas por um roteiro de entrevista onde evidenciou-se
aspectos socioculturais dos indígenas, seus conhecimentos e utilização dos recursos vegetais,
bem como a gestão e o manejo desses recursos de acordo com o seu conhecimento e uso.
b) Observação participante – objetiva conhecer e compreender a realidade da comunidade
estudada, além de oportunizar maior aproximação do pesquisador com o grupo estudado ao
longo do desenvolvimento da pesquisa (AMOROZO e VIERTLER, 2010) pois, “o
pesquisador se entrega à rotina e à participação nas várias atividades de interesse dos
pesquisados” (VIERTLER, 2002, p.16). Conforme discute Becker (1994), a observação
50
participante se define como a presença do pesquisador em uma situação, com o objetivo de
realizar uma investigação científica, na qual o pesquisador participa do cotidiano dos atores
envolvidos. Desse modo, a convivência do pesquisador com os membros do grupo e o
envolvimento em suas atividades diárias (AMOROZO; VIERTLER, 2010; ALBUQUERQUE
et al., 2010), possibilita adquirir informações sobre o cotidiano da comunidade estudada
(ALBUQUERQUE et al., 2010) bem como compreender o modo de vida, as idéias e
motivações dos sujeitos da pesquisa (AMOROZO; VIERTLER, 2010).
c) Observação direta - tem como pretensão acessar dados não previstos, mas de muita
importância para a pesquisa. Implica em um contato com a comunidade sem apresentar o grau
de envolvimento exigido na observação participante, consistindo no registro livre dos
fenômenos observados em campo (ALBUQUERQUE et al., 2010).
d) Registro da história de vida – esta técnica consiste em uma abordagem aberta, cujo
objetivo é contribuir com o aprofundamento de uma determinada questão (ALBUQUERQUE
et al., 2010). Segundo Viertler (2002), ela possibilita a captura do processo de memória e de
reflexão sobre a vivência do ser humano em determinada situação. Conforme discute Pollak
(1992), a história de vida é um instrumento pelo qual se pode conhecer e avaliar os momentos
de mudanças, pois permite o conhecimento sob certo grau de domínio da realidade, já que
enfatiza o valor da história própria da pessoa, por ter uma riqueza de detalhes (BECKER,
1994). Desse modo, podem-se “constatar valores, expectativas, ideais de vida, ponderações,
frustrações e sofrimentos face aos vários processos sociais vivenciados pelos informantes”
(VIERTLER, 2002).
e) Diário de campo – é onde o pesquisador registra suas observações e constrói sua primeira
leitura dos sistemas culturais, já que todas as percepções e conclusões sobre as pessoas com as
quais manteve contato, além dos acontecimentos ocorridos durante o dia de trabalho, estão
registrados no diário de campo (ALBUQUERQUE et al., 2010). Este é considerado um
instrumento ideal para esse tipo de estudo, onde se aplica a observação participante (PIEVE et
al., 2009).
f) Mapeamento participativo - visa reunir informações sobre os recursos naturais e sobre a
percepção local de um espaço geográfico (ALBUQUERQUE et al., 2010), ou seja, consiste
na construção de um mapa da visão local sobre as representações dos recursos naturais
(SEIXAS, 2005), onde os participantes podem desenhar, indicar, nomear ou delinear os locais
de obtenção de determinados recursos naturais (SEIXAS, 2005). Nos estudos etnobiológicos e
51
etnoecológicos, esta técnica é útil para o registro do conhecimento local sobre zonas
ecológicas, distribuição da vegetação e dos recursos naturais úteis (ALBUQUERQUE et al.,
2010).
g) Técnica de Lista Livre – esta técnica foi utilizada com a pretensão de buscar informações
específicas sobre um domínio cultural da comunidade estudada (ALBUQUERQUE et al.,
2010), onde os indígenas foram solicitados a citar as plantas conhecidas, utilizadas e
manejadas por eles (ALBUQUERQUE et al., 2010). Pelo fato da Lista livre apresentar alguns
entraves, devem ser incorporadas a ela técnicas como a: a) Indução não específica
(“Nonspecific prompting”) – que consiste em questionar o informante logo após o mesmo
declarar não recordar de mais elementos. As “induções” devem consistir de frases
positivamente formuladas e que não induzam respostas do tipo “sim” e “não; b) Nova leitura
(“Reading back”) – pode ser usada em seguida a anterior, e consiste em ler lentamente todos
os itens citados pelo informante, permitindo-o adicionar itens não listados anteriormente e c)
Sugestão semântica (“Semantic Cues”) – que parte do pressuposto natural de associação
entre elementos, e consiste em perguntar ao informante que outros elementos do domínio são
similares ao que ele já mencionou (BREWER, 2002 citado por ALBUQUERQUE et al.,
2010).
h) Turnê guiada - técnica que consiste em fundamentar e validar os nomes das plantas
citadas nas entrevistas (ALBUQUERQUE et al., 2010).
i) Coleta e herborização de amostras botânicas para identificação científica - Os
procedimentos de coleta, herborização, identificação botânica e incorporação de uma coleção
em um herbário são fundamentais para o conhecimento da flora local (SANTOS et.al., 2010).
Do ponto de vista teórico, as discussões foram fundamentadas analisando-se uma
bibliografia pertinente às temáticas imbricadas no objeto de estudo, onde foram mobilizados
autores que tratam da etnobotânica, do manejo e gestão de recursos naturais, da etnogênese e
dos conflitos socioambientais: Albuquerque, (2002; 2005); Albuquerque e Andrade, (2002);
Almeida (2009; 2008; 2006a; 2006b; 2004); Amorozo, (1996); Anderson e Posey, (1985;
1990); Arenz (2000); Balée, (1993; 1989; 1987; 1986); Bartolomé, (2006); Begossi, (1993);
Brito e Coelho, (2000); Carneiro da Cunha (1986); Diegues (2000; 1999); Diegues e Arruda,
(2001); Fonseca-Kruel e Peixoto, (2004); Haverroth (2010a; 2010b; 2007); Halbwachs
(1990); Heck et al., (2005); Iores, (2005); Kerr e Posey (1984); Kohlhepp (2002); Lauriola
(2003); Little (2001; 2002); Losivolo (1989); Maués (2005; 2003); Miller e Nair, (2006);
52
Ming, (2006); Ming et al., (2002); Oliveira P. (1999; 1998); Oliveira e Bursztyn, (2005);
Pezutti e Chaves (2009); Picoli (2006); Posey (1987a; 1987b; 1992; 1995); Posey e Oliveira,
(1992); Ribeiro (1990); Roosevelt (1992); Santos (2005); Santilli (2005, 2009); Vanwey;
Ostron e Merestsky (2009); Vaz Filho (2010a; 2010b; 2009; 2008; 2004; 1997; 1996); Wolf
(1976), dentre outros que foram mobilizados no decorrer de toda a pesquisa.
3.3.3 A Pesquisa de Campo
Devido ao envolvimento com povos indígenas e o acesso ao Conhecimento
Tradicional Associado (CTA), foi formalizada a autorização para a pesquisa, na forma do
Termo de Anuência Prévia (TAP), conforme a Medida Provisória de n° 2.186-16/200111.
Neste documento foram explicitadas a motivação da pesquisa, a metodologia e o destino das
informações coletadas. Estando os membros da Aldeia de acordo com a realização da
pesquisa, o TAP foi assinado por suas lideranças (Anexo A).
O universo amostral neste estudo foi de 21 famílias, ou seja, a totalidade das famílias
existente na Aldeia Novo Lugar. No entanto, em função dos objetivos deste trabalho tratou-se
ora com os mais velhos, ora com as lideranças, com os homens e mulheres, jovens e crianças.
O primeiro contato com os Borari da Aldeia Novo Lugar, com a intenção de realização
da pesquisa, aconteceu em julho de 2009 em Santarém, ocasião em que se obteve dos
indígenas a autorização para a realização da pesquisa. Posteriormente, em dezembro do
mesmo ano, ocorreu o segundo contato com as lideranças desse povo (cacique, pajé, liderança
feminina e outros membros da aldeia), cujo objetivo foi apresentar detalhes sobre o projeto de
pesquisa e realizar as primeiras entrevistas com os Borari de Novo Lugar.
A pesquisa de campo desenvolveu-se em duas fases, distribuídas em cinco viagens à
Aldeia. A primeira fase se deu na estação chuvosa e a segunda ocorreu no verão, onde as
chuvas são raras. As duas fases e a distribuição dos dias de permanência na Aldeia estão
representadas na Figura 3.
11
A Medida Provisória 2.186-16 de 23 de agosto de 2001 dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a
proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios, bem como ao acesso à
tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização (SANTILLI, 2009).
53
Figura 3 – Quadro: Fases e distribuição dos dias de permanência em campo na Aldeia Novo
Lugar, Santarém, Pará
Fases
1ª fase
Período
Permanência no
campo (em dias)
05 de maio a 6 de junho de 2010
32
16 de junho a 4 de julho de 2010
18
7 a 25 de julho de 2010
18
8 de setembro a 2 de outubro de 2010
24
6 a 31 de outubro de 2010
25
2ª fase
Total
117
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Ao desembarcar na Aldeia, na primeira viagem, fui recepcionada pela Senhora Edite
Borari, pelo professor da escola Jailson Borari, além de outros indígenas (adultos e crianças).
Depois de ser acomodada na casa da Senhora Edite Borari, conversei com alguns indígenas
que se encontravam na casa naquele momento. Nesta conversa, combinamos a realização de
uma reunião com os demais indígenas da Aldeia, para que fosse apresentada aos que ainda
não me conheciam e explicasse os objetivos, metodologias, e motivos que me levaram a
realizar esta pesquisa em Novo Lugar, dentre outros. A divulgação da reunião foi feita pelo
professor Jailson, através dos alunos da escola, os quais levaram para seus pais um convite
feito pelo professor em seus cadernos. Outra forma de divulgação da reunião foi a visita
realizada por mim em algumas casas, na qual fui acompanhada por alguns indígenas, como a
Senhora Edite e o professor Jailson, além de várias crianças. A reunião aconteceu na escola da
Aldeia às 19 horas do dia 05 de maio de 2010.
A primeira viagem proporcionou uma aproximação maior com o grupo e permitiu
levantar informações sobre seu quotidiano, perfil sócio-econômico das famílias, suas
atividades atuais, além de informações acerca de suas unidades produtivas e de coleta
(quintais, roças e florestas). Na segunda viagem, dados sobre a saúde, a educação, as práticas
de manejo e gestão dos recursos naturais, dentre outros aspectos, foram aprofundados. Na
terceira viagem, realizou-se o levantamento etnobotânico das principais plantas usadas,
manejadas e cultivadas pelos Borari, em seus quintais, roças e florestas, assim como, a coleta
de amostras de material botânico para identificação e constituição de uma coleção
54
testemunha, nas áreas dos quintais e roças. Durante toda essa fase, foram levantadas
informações sobre vários aspectos do modo de vida dos Borari, tais como: ocupação territorial
da etnia ao longo Rio Maró, as mudanças ocorridas após a chegada dos madeireiros em suas
terras e sobre sua cultura.
Durante a segunda fase, que compreende a quarta e quinta viagens, foi aprofundado o
trabalho de campo no que diz respeito, principalmente, ao uso, manejo e gestão dos recursos
naturais pelos Borari, sua trajetória de ocupação e o processo de territorialização da terra ao
longo do Rio Maró, além da situação de conflito existente na área. Foi ainda, nesta fase, que
ocorreu a coleta e herborização de amostras botânicas das principais espécies da floresta
usadas e manejadas pelos indígenas.
Cabe ressaltar aqui também que a temática da dissertação muito agradou os Borari.
Para os mesmos, falar sobre sua história, seu modo de ser e viver, além de mostrar suas
plantas, as técnicas que utilizam para manejá-las e cultivá-las, parecia-lhes uma oportunidade
de esbanjar seus conhecimentos. Além disso, a disposição de acompanhá-los em seus roçados
e outras atividades, trabalhar no processamento da mandioca (descascando, cevando,
espremendo, peneirando, fazendo o beiju) era motivo de grande aceitação por parte dos
Borari.
A seguir estão descritos, passo a passo, os procedimentos metodológicos realizados
para responder cada objetivo da pesquisa.
Para caracterizar culturalmente a etnia Borari da Aldeia Novo Lugar e resgatar
historicamente a ocupação desta etnia na região do Rio Arapiuns, foram realizados registros
da história de vida dos Borari de Novo Lugar, através de entrevistas semi-estruturadas,
conversas informais e observação participante, a qual permitiu investigar a organização social,
o contexto sociocultural e a situação demográfica da Aldeia, dentre outros (SEIXAS, 2005). O
censo demográfico foi realizado em todas as casas da Aldeia no início da primeira viagem de
campo, e atualizado em todas as viagens posteriores à mesma. Durante todo o trabalho de
campo ocorreram várias conversas, com diferentes pessoas, sobre o processo de ocupação da
Aldeia e o processo demarcatório da área da TI Maró, bem como, sobre a história da família
Alves de Sousa, a quem se atribui a formação da Aldeia Novo Lugar. As memórias foram
sistematizadas, organizadas e registradas através das várias técnicas que compõem a coleta de
dados deste trabalho. Foi realizado ainda registro fotográfico de imagens, de festas e rituais,
além de consulta à bibliografia especializada.
De modo a caracterizar as principais formas de manejo e gestão dos recursos naturais
55
na Aldeia de Novo Lugar, Terra Indígena Maró, foram analisadas as suas unidades agrícolas
(quintais e roças) e florestais, identificadas percorrendo-se, juntamente com alguns membros
da comunidade, algumas áreas da Aldeia, bem como, através de mapeamento participativo.
Foi confeccionado pelos Borari um mapa mental que aponta os limites da pretendida área da
Terra Indígena Maró, onde estão localizadas as três aldeias que a compõem, os rios e
igarapés, bem como as estradas abertas pelos madeireiros. Foram localizados, na Aldeia Novo
Lugar, de forma mais detalhada, as unidades produtivas (roçados e quintais) e as áreas de
floresta onde praticam a coleta de produtos madeireiros e não madeireiros e a caça, os lagos,
igarapés e a disposição das casas, escola, igreja, dentre outros.
As principais espécies vegetais utilizadas e manejadas pelos Borari foram inicialmente
obtidas a partir de um levantamento etnobotânico amplo, realizado através da técnica de Lista
Livre. Em seguida, perguntou-se aos indígenas sobre quais espécies vegetais, dentre as citadas
através desta técnica, são consideradas mais importantes para eles e o porquê. A partir de
então, foi realizado o levantamento etnobotânico dessas plantas, através de entrevistas semiestruturadas e observação direta, de forma a obterem-se informações acerca dos seus locais de
ocorrência, uso, práticas de manejo e cultivo, assim como sua diversidade infra-específica
(variedades locais).
De acordo com Posey (1987a), para a coleta de dados etnobiológicos, deve-se utilizar
perguntas abertas que permitam agregar maior quantidade de informações dos indígenas a
respeito do objeto de estudo. Posey diz ainda que devem-se evitar conceitos ocidentais,
valorizando os elementos culturais que revelem o conhecimento diferenciado das relações
existentes entre indígenas e o mundo natural. Seguindo este princípio, optamos por realizar
entrevistas onde os informantes ficavam a vontade para falar sobre as plantas, sendo as
perguntas formuladas de maneira bastante flexível.
As espécies citadas no levantamento etnobotânico amplo foram coletadas em seus
respectivos ambientes, através do método de turnê guiada, fotografadas e prensadas em
campo, e encaminhadas para identificação botânica ao Laboratório de Botânica da
EMBRAPA Amazônia Oriental. Tal identificação também foi realizada através de análise do
material coletado, comparação com material de herbário devidamente identificado e consulta
à bibliografia especializada (MARTIN, 1995; ALBUQUERQUE et al., 2010). O material
coletado foi depositado no Herbário IAN da EMBRAPA Amazônia Oriental a fim de se
constituir numa coleção-testemunha, com duplicatas a serem encaminhadas ao Herbário do
Museu Paraense Emílio Goeldi. Uma parte desta coleção de plantas será igualmente entregue
56
à escola da Aldeia de Novo Lugar.
Para o levantamento e análise das práticas agrícolas e/ou extrativistas dos indígenas de
Novo Lugar e as formas de manejo das principais espécies vegetais nas unidades agrícolas e
florestais, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, observação direta e observação
participante. Através do mapeamento participante, obteve-se informações sobre a distribuição
dos recursos vegetais, sobre a exploração dos mesmos em cada unidade agrícola e florestal e
acerca dos sistemas de apropriação dos recursos (SEIXAS, 2005).
Para levantar as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba
Nova Olinda e analisar como os indígenas de Novo Lugar se organizam para garantir seus
direitos, foram consultados documentos, tais como: laudos demarcatórios, estudos
antropológicos, relatórios sócio-econômicos e ambientais, estudos de impacto ambiental,
entre outros, realizados nesta região; assim como, consulta à literatura especializada,
jornalística e àquela proveniente de instituições públicas, organizações não-governamentais e
outras entidades da sociedade civil que acompanham o caso, como o Ministério Público
Federal (MPF), o Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Estado do Pará (SEMA),
a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
de Santarém (STTR) e do Projeto Saúde Alegria (PSA).
Uma das atividades previstas inicialmente em nossa pesquisa era ouvir todos os atores
envolvidos no conflito na Gleba Nova Olinda (indígenas, madeireiros e não-indígenas). No
entanto, fomos alertados, tanto por representantes de órgãos e instituições de Santarém que
acompanham o caso, quanto por pessoas das comunidades vizinhas a Novo Lugar e Fé em
Deus (envolvidas no conflito), pelos próprios indígenas, assim como, por proprietários de
embarcações que realizam o transporte de passageiros e cargas para a Aldeia Novo Lugar e
demais comunidades do Rio Maró, que não conseguiríamos ouvir os atores contrários à luta
indígena devido ao nosso envolvimento primeiro com este grupo e dos riscos do contato com
madeireiros e não-indígenas considerados violentos localmente. A região do Rio Maró está
então dividida entre dois lados antagônicos. Para entrar na Gleba Nova Olinda, tem-se que
escolher um lado (MILANEZ, 2010). Felipe Milanez relata, em seu artigo “Medo e tensão no
Oeste”, publicado na revista Rolling Stones em outubro de 2010, que, devido ter iniciado sua
viagem pelo lado da resistência aos madeireiros, a comunidade oposta fechou as portas para
ele. Desse modo, optamos por levantar as situações de conflitos, na área de estudo, somente
57
através de entrevistas com funcionários das instituições citadas acima e com os Borari da
Aldeia Novo Lugar.
Os dados da pesquisa obtidos em campo foram tabulados e organizados em planilhas à
medida que foram coletados no campo e, a partir daí, utilizados para a elaboração de tabelas,
gráficos e esquemas ilustrativos. Priorizou-se a organização desses dados em sumários,
fluxogramas e matrizes com textos, para melhor analisá-los, comparando e contrastando os
resultados, para “formar categorias, estabelecer os limites das categorias, designar segmentos
de dados às categorias, sumarizar o conteúdo de cada uma, encontrar evidências negativas,
etc.” (AMOROZO; VIERTLER, 2010).
58
4
SOBRE A VIDA BORARI
Partindo-se do pressuposto que entender o contexto de vida dos Borari significa
evidenciar as condições de organização física, social e cultural das famílias e da aldeia, este
capítulo corresponde a uma caracterização dos indígenas da Aldeia Novo Lugar. Neste
sentido, serão evidenciados aspectos gerais da aldeia, das famílias e sua trajetória de ocupação
das terras ao longo do Rio Maró.
Desta maneira, este capítulo é dividido em quatro partes: na primeira, são apresentados
os Borari a partir de dados das famílias e seus membros, assim como da infra-estrutura da
aldeia e o acesso à educação e à saúde. Na segunda parte, é mostrado o perfil sócioeconômico e político dos Borari. Na terceira parte apresenta-se a organização religiosa dos
indígenas: a fé católica e a crença nos encantados, assim como o misticismo e os rituais
realizados pelos indígenas. O processo de ocupação e formação do espaço territorial pelos
Borari, ao longo do Rio Maró, estão explicitados na quarta parte deste capítulo.
4.1
ALGUNS DADOS CENSITÁRIOS
Atualmente, vivem na aldeia 21 famílias, totalizando 88 pessoas distribuídas em 17
casas, em média 5,2 pessoas por casa. Desse total, 52% da população é do sexo masculino e
48% é do sexo feminino. Cinqüenta e nove por cento (59%) da população está concentrada na
faixa etária de 0 a 20 anos de idade, significando uma base social constituída, em sua maioria,
por crianças e jovens; 31% encontram-se na idade adulta (entre 21 e 50 anos) e 10% da
população estão na faixa dos 51 anos ou mais (Figura 4).
Figura 4 – Quadro: Distribuição dos índios Borari da Aldeia Novo Lugar quanto ao sexo e
faixa etária.
FAIXA
ETÁRIA
(em anos)
Nº DE
PESSOAS
0 – 10
SEXO
PERCENTUAL
M
F
M
F
37
19
18
41,5%
43%
11 – 20
15
5
10
11%
24%
21 – 30
20
14
6
30,5%
14%
31 – 40
5
3
2
6,5%
5%
59
Figura 4 – Continuação
FAIXA
ETÁRIA
(em anos)
Nº DE
PESSOAS
41 – 50
SEXO
PERCENTUAL
M
F
M
F
2
1
1
2%
2,5%
51 – 60
4
3
1
6,5%
2,5%
+ 60
5
1
4
2%
9%
TOTAL
88
46
42
100%
100%
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Na estrutura etária, a Aldeia Novo Lugar apresenta uma pirâmide aparentemente em
desenvolvimento, pois sua base é composta de um número bastante elevado de crianças e
jovens, havendo um estrangulamento na faixa dos 41 a 50 anos, onde se registra baixíssimo
índice de ocorrência (cerca de 2%) (Figura 5).
Figura 5 – Pirâmide demográfica da população da Aldeia Novo Lugar, Terra Indígena Maró,
Santarém-Pará.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
As famílias Borari, nos termos de Wolf (1976) são do tipo nuclear, onde existem as
díades conjugal, maternal, paternal e fraternal, habitando sob um mesmo teto, exceto quatro
famílias, que são do tipo extensa, ou seja, formada por agrupamentos que compreendem
inúmeras díades conjugais e maternais que seriam aquelas unidades sociais mantidas juntas
60
por uma regra de parentesco, compondo assim uma família extensa com uma periferia de
parentes e agregados.
As casas são construídas com madeira e cobertas de palha (matéria prima coletada na
floresta), com exceção de quatro casas cobertas com telhas, e não possuem divisão interna,
sendo a cozinha construída separadamente. São dispostas de forma a não ficar longe da
margem do Rio Maró ou de igarapés, como o Igarapé da Raposa (apenas 2 casas), bem como
da igreja, da escola, da sede e do campo de futebol, espaços destinados aos rituais, festas, e
reuniões em geral.
Figura 6 – Disposição das casas na Aldeia Novo Lugar:
A – Casas mais ao fundo e a Escola São Francisco das Chagas, à direita. B – Estilo da casa Borari com cozinha
construída separadamente.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Os meios de comunicação entre a aldeia e o exterior são quase que inexistentes e,
quando há, são ineficientes. Do rádio a pilha instalado em uma das casas da Aldeia, só se
consegue sinal esporadicamente e, quando isto acontece, o mesmo fica sintonizado o dia todo
na Rural/AM, emissora da Igreja Católica da cidade de Santarém, cuja programação está
voltada para as comunidades ribeirinhas e indígenas da região. As quartas-feiras, quando
consegue-se sinal do rádio, reúnem-se todos, ou boa parte dos indígenas da aldeia, para ouvir
a Voz do chibé, programa dirigido por Florêncio Vaz, destinado às aldeias indígenas da
região. Através deste canal, os indígenas de Novo Lugar ficam informados sobre as notícias
da região e recebem avisos de pessoas que estão em Santarém, assim como de órgãos
governamentais e não-governamentais.
Os donos de embarcações também funcionam como elo de comunicação entre a aldeia
e a cidade, levando e trazendo bilhetes, cartas, documentos e mercadorias, além de mensagens
entre Novo Lugar e as aldeias e/ou comunidades ribeirinhas da região. Outro tipo de
61
comunicação é estabelecido através de um celular via satélite, doado pela Defensoria Pública
do Estado do Pará ao 2º cacique Odair José Alves Borari, mais conhecido como Dadá Borari,
por este estar inserido no Programa de Proteção aos Direitos Humanos no Estado Pará –
PEPDDH/PA. No entanto, este telefone não é utilizado para fins pessoais dos indígenas e sim,
para assuntos de interesse coletivo da aldeia ou de urgência, como casos de doenças.
A aldeia não possui energia elétrica, as casas são iluminadas com lamparinas e uma
das fontes de iluminação mais utilizadas pelos Borari é o aproveitamento da iluminação
natural, gerada principalmente pela lua cheia, para a realização de rituais, reuniões de
interesse dos indígenas ou somente para o bate-papo debaixo da mangueira no quintal do 2º
cacique Dadá Borari.
O abastecimento de água é feito diretamente do rio Maró ou do Igarapé da Raposa. A
lenha é a principal fonte de combustível para uso doméstico, tanto na preparação de alimentos
quanto para a torração da farinha de mandioca e seus derivados, como beijus (nas suas mais
diversas formas), crueira, carimã, farinha de tapioca, entre outros. Tanto a lenha quanto a água
não são estocadas, estas são coletadas diariamente conforme as necessidades da família, sendo
esta função de responsabilidade das mulheres.
4.2
A EDUCAÇÃO
"...temos os guerreiros que ficam na aldeia e que cuidam de nosso
povo, mas precisamos também formar cada vez mais guerreiros
políticos, que possam vir aqui para fora e lutar por nossos direitos e
só a educação dá pra gente essa oportunidade" (2º Cacique Dadá
Borari).
Atualmente, o nível de escolaridade entre os Borari ainda é considerado baixo. No
entanto, diante da fala de Dadá Borari, podemos perceber que há todo um investimento das
lideranças e pais para que as crianças e jovens da aldeia tenham uma educação formal.
Do total de pessoas existentes na aldeia, apenas 6,8% são analfabetos e 4,5% são
alfabetizados (foi considerado alfabetizado aquele que apenas sabe ler e escrever ou sabe
somente assinar o nome). É importante ressaltar que nessa estatística encontram-se apenas
pessoas maiores de 50 anos. Vinte e uma pessoas, ou seja, 23,9% da população possuem o
Ensino Fundamental incompleto, nesta estatística estando incluídas aquelas com faixa etária
entre 20 e 40 anos que não freqüentam mais a escola. Cerca de quarenta e quatro por cento
(44,3%) da população, ou seja, as crianças, jovens e adultos com idade entre 5 e 30 anos estão
na escola, seja na própria aldeia, na aldeia vizinha ou cursando o Magistério indígena, um
62
curso de formação para professores indígenas (7 jovens) em Santarém. Os demais, 20,5% da
população borari, são as crianças menores de cinco anos e que ainda não freqüentam a escola.
Novo Lugar possui uma escola que recebeu o nome de São Francisco da Chagas,
padroeiro da aldeia. A escola é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação de
Santarém – SEMED e atende 18 (dezoito) alunos do Ensino Fundamental I (séries iniciais à 4ª
série), dentro do sistema multisseriado. Sete (7) alunos cursam as séries iniciais e 11 (onze)
estão distribuídos entre a 1ª a 4ª série. Os dois professores da escola são indígenas da própria
aldeia e estão cursando o Magistério Indígena. A Língua Geral ou nheengatu faz parte da
grade curricular de educação indígena implementada na escola.
Para os jovens cursarem o Ensino Fundamental II (5ª à 8ª séries) ou o Ensino Médio,
precisam se deslocar até a escola da aldeia Cachoeira do Maró, mantida pelo Governo do
Estado. Cachoeira do Maró dista, de Novo Lugar, cerca de 1 hora de rabeta (pequena
embarcação que funciona com um motor à gasolina) ou 2 horas e meia de canoa a remo.
Estudam em Cachoeira do Maró oito (8) alunos distribuídos no Ensino Fundamental II e seis
(6) cursando as séries do Ensino Médio. No entanto, segundo o 1º cacique e pajé da aldeia, Sr.
Higino Alves Borari, eles pretendem instalar futuramente na aldeia uma escola que atenda a
todos os alunos de Novo Lugar, pois, como mostra a fala de seu Higino Borari, os alunos
correm risco de morte no percurso de Novo Lugar à Cachoeira do Maró.
“O transporte escolar é um problema, porque as vezes a máquina dá
problema e bajara alaga né, e as crianças correm risco, quando isso
acontece eles chegam aqui, coitados, todos molhados com os
cadernos molhado,é.. isso quando não perdem tudo no rio. A gente
tem um plano de conseguir uma escola pra cá mesmo, para que eles
não precisem sair daqui arriscando a vida pra estudar. Nós já
conseguimo uma escola que ensina até a 4ª, e com uma conquista
muito grande, os nossos professor são filho da terra mesmo, antes os
professor eram não índio, mas dava muito problema, agora não.
Então se a gente lutar e buscar os recursos a gente consegui sim uma
escola grande pra cá pra nossa aldeia né”. (1º cacique e pajé Higino
Borari)
Dados não quantificados, mas resultantes de observações diretas e conversas informais
realizadas com os pais e lideranças da aldeia revelam que um dos planos para o futuro (seja
político ou cultural) do povo Borari é o acesso e a melhoria da educação das crianças e
jovens, como avalia Dadá Borari quando diz que "É com educação que vamos poder formar
cidadãos mais prontos a lutar pelos seus direitos também entre os índios". Nesse mesmo
sentido, retomo aqui a fala de um pai Borari:
“Para garantir um futuro para nossas crianças é necessário a
educação dos não índios também, não podemo esquecer da nossa
cultura, da nossa educação indígena, mas... como diz..., a educação
63
do branco é cada vez mas precisa para que a consciência da
juventude possa manter as nossas tradição, nossa terra e a nossa
natureza” (Sr. Floriano Borari, 66 anos).
Devido à escola ser envolvida no sistema organizacional da aldeia, pois está em
constante interação com a população, a educação escolar em Novo Lugar tem se revelado um
mecanismo de resgate e manutenção dos costumes, do modo de ser dos Borari. Pois ao
mesmo tempo em que os professores indígenas trabalham a educação formal com os alunos,
eles agregam valores locais da cultura borari.
4. 3 A SAÚDE
A Aldeia de Novo Lugar não possui posto de saúde, as doenças do corpo e do espírito
são tratadas inicialmente pelo pajé, as grávidas são acompanhadas por três parteiras.
Geralmente, os remédios são feitos com ervas e/ou produtos coletados na floresta e/ou nos
quintais. O trabalho nesta área também é dividido com um Agente Comunitário de Saúde
(ACS), funcionário da rede municipal, que é indígena da Aldeia Cachoeira do Maró. Este
ACS realiza visitas periódicas às famílias das três aldeias pertencentes a TI Maró (São José
III, Cachoeira do Maró e Novo Lugar), a fim de monitorar principalmente a saúde de crianças
e gestantes através da pesagem regular.
Os casos que não são da competência do pajé são levados para o posto de saúde mais
próximo, situado na Comunidade de Prainha - Rio Maró, distante cerca de três horas de rabeta
de Novo Lugar. Implantado pelo poder municipal que contratou um funcionário responsável
(enfermeiro), este posto não é dotado de muitos recursos, sendo que as condições de
atendimento são para casos bem simples, como suturas de cortes leves adquiridos,
geralmente, no trabalho da roça, gripes, verminoses, diarréias, entre outros.
Nos casos mais graves, os Borari são levados para a cidade, de barco da linha ou de
ambulancha, um transporte pertencente à Secretaria Municipal de Saúde de Santarém
utilizado para o deslocamento de pessoas da região dos rios Tapajós, Arapiuns, Aruã e Maró
para a sede do município.
O pajé, Sr. Higino Borari, que acumula também a função de 1º cacique, é filho do Sr.
Manoel Avelino Alves de Sousa, falecido pajé de grande renome na região e um grande
conhecedor dos recursos naturais locais. “Com suas rezas, benzeções e remédios do mato, dá
alívio nos casos das doenças de índio”, como costumam dizer os Borari. No entanto, existem
casos que não são da competência do pajé e estes necessitam de atendimento médico,
atendimento este, distante dos indígenas, como fala o 1º cacique e pajé Sr. Higino Borari,
64
quando se recorda das vezes que necessitou de atendimento nos hospitais de Santarém:
“Uma vez eu ouvi assim: - “se são índio, porque não voltam lá pro
mato e se curam com os seus próprios remédios”. Será dona, que nós
que vivemo na mata, filho da mata, nativo daqui, filho dessa terra,
será que nós não merecemos uma pílula, um remédio da farmácia?
Não precisa de uma consulta de médico? Chamam a gente de bicho
do mato. Mas primeiro, antes dos branco, quem foi os primeiros era
nós. E nós somos tratados desses jeito. Não dá pra nós viver assim, a
lei tem que ter mais consideração pra proceder com a nossa pessoa.
Porque esses remédio da mata ainda tem pra gente pegar, mas daqui
algum dia a gente não vai poder sair pra pegar porque não vai ter
mais” (1º cacique e pajé Sr. Higino Alves Borari, 56 anos).
Figura 7 – Mulher Borari sendo atendida pelo enfermeiro do Posto de Saúde da comunidade
de Prainha do Maró.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
A saúde constitui um dos pontos delicados à sobrevivência dos Borari. Hoje a escassez
de caça, a introdução de novos hábitos alimentares (enlatados e outros produtos
industrializados), a distância até o posto de saúde e hospitais, assim como as dificuldades de
transporte contribuem para uma condição de saúde bastante precária. Neste sentido, o 2º
cacique Dadá Borari expressa em sua fala a preocupação com a saúde dos Borari:
“Um dos nossos principais problema é a saúde, pois as plantas
medicinais não suprem a necessidade de todos, nem todas as doenças
conseguimos tratar com nossos remédio de índio e, além disso, tem o
problema do recurso, a escassez, pois muitas das plantas que a gente
precisa fica longe daqui, fica lá na mata e a gente corremos até risco
indo lá pegar. A distância para o posto e para a cidade, para o
hospital de Santarém é muito grande demais, e pior... quando a gente
não tem combustível pra levar pro posto ou pra Santarém a coisa se
complica...”.
65
4.4
OS ATORES PRINCIPAIS: BORARI, UM MODO DE SER INDÍGENA
4.4.1
Organização sócio-política e econômica dos Borari
As lideranças sócio-políticas são efetivadas pelo 1° cacique (Sr. Higino Alves Borari,
filho de Manoel Avelino Borari) e 2° cacique (Odair José Alves Borari, bisneto de Avelino
Borari). O 1º e 2º cacique são lideranças políticas da aldeia eleitas principalmente para tratar
das relações com a sociedade envolvente. Os assuntos internos da aldeia são também da
alçada dos caciques, no entanto, estes recebem a ajuda de lideranças que atuam mais
internamente e que orientam as atividades coletivas da aldeia, são elas: liderança feminina
(Sra. Maria Edite Alves Borari), clube de futebol, grupo de jovens, equipe de catequese,
ministro que celebra os cultos aos domingos na capela de São Francisco das Chagas e as
pessoas mais velhas da aldeia, como o Sr. Floriano Alves Borari e as Senhoras Zilda Alves
Borari e Constantina Alves Borari.
Outra liderança da aldeia é a Delegada Sindical (Sra. Maria Graciete Alves Borari) –
pois os indígenas são associados ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Santarém (STTR). Além de serem vinculados ao Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns
(CITA), entidade representante dos indígenas da região do Baixo Rio Tapajós, o qual tem
como ex-coordenador Dadá Borari. Os indígenas de Novo Lugar integram também o
Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns (MDVCA), movimento criado em
novembro de 2009, por ocasião de uma manifestação realizada pelos povos da região dos rios
de Santarém, como será relatado mais adiante.
As decisões de caráter coletivo costumam ser tomadas nas reuniões comunitárias,
buscando sempre a orientação dos caciques e dos mais velhos para as questões que envolvem
a aldeia.
O casamento é uma instituição social importante entre os Borari e, em geral, se dá
entre parentes (primo e prima ou tio (a) e sobrinha (o)). O casamento com membros de outras
aldeias também é permitido, já que garante a manutenção e ampliação de alianças entre
parentelas, o que é muito comum e valorizado entre eles.
Em Novo Lugar, não há propriedade privada da terra, ela pertence à comunidade e
todos do grupo podem utilizá-la para a caça, pesca, coleta e agricultura. Configurando, dessa
forma, o que Arenz (2000) chama de adaptação integral a seu habitat de rios e mata, já que o
traço fundamental da cultura e tradição indígena é a integração ao meio ambiente (ARENZ,
2000).
As atividades produtivo-econômicas desenvolvidas pelos Borari de Novo Lugar não
66
diferem das salientadas por Arenz (2000), isto é, a caça, a pesca, a coleta e a agricultura, das
quais trataremos com mais profundidade quando nos reportarmos ao manejo dos recursos
naturais vegetais realizados pelos Borari, em suas unidades produtivas e de coleta (quintais,
roçados e florestas). Os instrumentos de trabalho são de propriedade individual, no entanto, é
muito comum o empréstimo dos mesmos para quem precisa deles.
Cada família é responsável pelo seu roçado, no entanto, determinadas atividades do
trabalho na roça funciona coletivamente em forma de puxirum. O puxirum é uma forma de
trabalho realizado em grupo para colaborar com a preparação e implantação do roçado de uma
família; funcionando em forma de rodízio, o puxirum beneficia a todos que dele participam.
Enquanto os homens realizam os trabalhos com a terra, as mulheres se ocupam do preparo das
comidas e bebidas que são consumidas até o fim dos trabalhos. De acordo com o 2º cacique
Dadá Borari, o puxirum é um costume dos povos indígenas onde:
“o dono do roçado convida os parentes [indígenas] para o trabalho e
pra animar os trabalhador é servido o tarubá e a tiborna [bebida
fermentada extraída da mandioca], por exemplo, se vier dez me
ajudar esses dez vai fazer um rodízio, né... é assim... eu tenho
obrigação de ir no puxirum deles até completar o grupo”.
Figura 8. Puxirum realizado para cobrir a sede da aldeia
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
O puxirum é mais que uma troca de mão de obra, é um elemento agregador entre os
Borari, pois, além de servir para a manutenção dos meios de subsistência do grupo, fortalece
os laços de solidariedade entre os indígenas. O puxirum não é realizado somente na roça,
costuma-se adotar esta forma de trabalho também na construção de espaços coletivos e
67
individuais, como, por exemplo, quando um membro do grupo precisa construir sua casa, na
limpeza da área da escola, da igreja, da sede social, quando a bajara, que transporta os alunos
para a escola da aldeia Cachoeira do Maró, quebra ou fura.
4.4.2
A divisão social do trabalho
A divisão do trabalho entre os Borari é baseada no sexo e idade. Desse modo, são
atividades destinadas às mulheres os cuidados com a casa, o preparo dos alimentos e das
bebidas, os cuidados com os animais domésticos, assim como os trabalhos nas roças
relacionados com o plantio, manutenção e colheita. As mulheres realizam, ainda, a coleta de
lenha e de água para o consumo doméstico diário, pois os Borari não têm o costume de
estocar produtos naturais, a coleta é realizada de acordo com as quantidades diárias
necessárias. Aos homens, cabe a derrubada da mata e a preparação do terreno para o plantio
após a queimada (coivara). Na fabricação de farinha, toda a família está envolvida.
A divisão dos trabalhos agroextrativistas dá-se da seguinte forma (Figura 9):
 No roçado: Os homens preparam o roçado (derrubam e queimam a vegetação),
enquanto as mulheres preparam e servem as bebidas (tarubá e tiborna) e comidas,
sempre com a ajuda das crianças. No plantio, os homens coivam (abrem as covas) e as
mulheres e crianças plantam. Na capina e colheita homens, mulheres e crianças fazem
as mesmas atividades;
 Na floresta: Os homens formam grupos ou individualmente vão para a mata caçar e
coletar os produtos madeireiros e não-madeireiros. Não é permitido às mulheres o
acesso a floresta para realizações destas tarefas. Pelo que se pôde perceber em campo,
as mulheres não adentram às florestas devido as longas distâncias a serem percorridas
para a coleta desses produtos e pelos possíveis riscos que podem sofrer devido à
presença dos funcionários das madeireiras nestas áreas.
 No rio: é de responsabilidade dos homens e, esporadicamente, das crianças a pesca na
margem do Rio Maró, lagos e igarapés;
 Nos quintais: a responsabilidade de limpeza, o cuidado com as plantas e pequenas
criações é das mulheres e crianças. Os homens, às vezes, trazem plantas de outros
lugares, como da floresta, capoeira, margens dos lagos e igarapés, entre outros, para
serem introduzidas nos quintais, mas a tarefa de plantar e manejar posteriormente
estas espécies é realizada pelas mulheres.
68
Figura 9 – Divisão social do trabalho na Aldeia Novo Lugar.
A – Mulheres preparando o vinho de patauá; B – Homem voltando da caça com um jacaré; C – Mulheres e
crianças descascando a mandioca; D – Homem torrando a farinha de mandioca.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
4.4.3
Os parentes e a putáua entre os Borari: relação de reciprocidade e parentesco
Além da forma de trabalho grupal (puxirum), que indica como a cooperação e a
solidariedade são elementos importantes na vida dos Borari, eles criaram esquemas de
distribuição dos produtos vitais, o que faz com que, na aldeia, ninguém passe fome quando
alguém obtém algum alimento. Normalmente, os produtos da pesca, da caça, da coleta e das
atividades agrícolas pertence à família que o produz, mas, na época de escassez, geralmente,
devido à sazonalidade, os alimentos são distribuídos de forma a atender às necessidades de
cada membro do grupo. As enchentes e vazantes anuais dos rios determinam o ritmo de vida
dos Borari – fartura de peixe, caça, coleta de frutos, preparo do roçado, entre outros. Fatores
que, segundo Arenz (2000), demonstram a sintonia da interação entre natureza e indígenas.
Outro fator que atualmente está gerando a escassez de alimentos na aldeia Novo Lugar
é a exploração em grande escala dos recursos naturais, especialmente os madeireiros, o que
69
leva à diminuição de produtos alimentícios, como os frutos e a caça, já que fruteiras são
derrubadas e, com isso, os animais (caça) fogem da região em busca de alimento e abrigo.
Foi num destes momentos de solidariedade entre os Borari, que entendi o sentido da
putáua12 e me reportando a Vaz Filho (2010ª, p.113), ao relembrar seu estudo sobre os “Povos
indígenas e etnogêneses na Amazônia” em sua afirmação “(...) a reciprocidade dos povos do
baixo rio Tapajós é muito mais importante para a economia local e para a realidade social
vivida do que se imaginava (...)”. Muitas vezes, em minha estada na aldeia, observei que,
quando a caça e a pesca eram realizadas com sucesso, estas eram obrigatoriamente repartidas
entre as famílias. Percebi, ainda, que essa partilha nunca era recusada pelos presenteados e,
com isso, eram convertidos nos próximos doadores. A putáua obedece a uma ordem em que
se priorizam os parentes mais próximos, pais e irmãos do casal, depois tios e avós, em seguida
os parentes adquiridos por compadrio, se houver, e, por fim, os primos.
As famílias de Novo Lugar são ligadas por consangüinidade e/ou afinidade à geração
composta pelos irmãos Floriano, Mário Francisco, Higino (1° cacique e pajé da aldeia),
Constantina e Zilda Alves de Sousa, filhos de Manoel Avelino e Salustiana. A composição
populacional de Novo Lugar está diretamente ligada à família do casal fundador da aldeia,
senhor Manoel Avelino Borari e Salustiana Borari, como ilustra a fala do Cacique e pajé Sr.
Higino Alves Borari: “Aqui dona, nós é tudo irmão, é tudo parente, semo tudo descente do
finado meu pai, semo uma borarizado só”.
4.5
4.5.1
ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA DOS BORARI
A Fé em São Francisco das Chagas
A religiosidade dos povos da Amazônia centra-se na crença e no culto dos Santos
(MAUÉS, 2005), sendo uma de suas principais características (ARENZ 2000). As festas
tradicionais que os indígenas celebravam cederam lugar às festas de santo, as quais passaram
a desempenhar as mesmas funções sociais daquelas (VAZ FILHO, 2010a). Pois estes, ao
invés de substituírem o seu imaginário, acabaram integrando as devoções e práticas do
catolicismo dentro de sua cosmovisão (ARENZ, 2000). Neste sentido, a festa do Santo,
padroeiro da aldeia, e a crença nos encantados desempenham papel fundamental na
religiosidade dos Borari. A capela de São Francisco das Chagas constitui o símbolo maior da
12
“Putáua é uma palavra em nheengatu significa o costume de uma pessoa ou família doar um pouco de
alimento a outra família, que lhe retribui, imediata ou posteriormente, com uma porção de alimentos. Putáua,
literalmente, é aquilo que se dá, um presente que carrega consigo a obrigação de retribuição. No fim é uma
rede de troca de presentes que muito contribui para a distribuição geral de alimentos na comunidade,
evitando o acúmulo em algumas casas e a escassez em outras” (VAZ FILHO, 2010a, p. 113).
70
presença do catolicismo em Novo Lugar.
Durante o trabalho de campo, testemunhei as festividades do “Santo da Aldeia”, como
dizem os Borari. É uma festa anual que tem início geralmente no último domingo de setembro
e encerra-se no dia quatro de outubro, data em que se comemora o dia do santo. No entanto,
no ano de 2010, devido às eleições, cuja venda e consumo de bebida alcoólica é proibida pela
Lei Seca Eleitoral, a festa de São Francisco das Chagas foi atrasada em uma semana,
iniciando-se no dia três de outubro e encerrando-se no dia 9 deste mesmo mês.
A “Festa do Francisco”, como é denominada pelos fiéis, é representada pela procissão,
os noitários, a missa, as ladainhas, a festa dançante e a levantação e derrubada do mastro
(Figura 10). Durante a semana dos festejos, acontecem os noitários, onde os indígenas fazem
orações, cantam a ladainha e, ao final, joga-se bingo. Segundo Vaz Filho (2010a), para os
indígenas, as festas de santo fazem parte de sua cultura, já que estes assim o afirmam. Para o
autor, os indígenas têm razão nessa afirmação já que “as folias de santo, hinos religiosos
cantados por um grupo de músicos, animados por tambores e outros instrumentos, são
bastante usadas nas atuais festas indígenas” (VAZ FILHO, 2010a, p. 137, com destaque no
original).
Figura 10 – Festividades de São Francisco das Chagas.
A – Procissão dos fiéis chegando à capela e o mastro enfeitado com frutas em agradecimento por uma boa
colheita de produtos agrícolas. B – Derrubada do mastro pelos pretos. Fotos cedidas pelo 2º cacique Dadá
Borari.
De acordo com os Borari, a procissão é vista como uma obrigação a ser cumprida
pelos devotos todos os anos, enquanto que a festa dançante, a dança dos pretos, a levantação e
a derrubada do mastro é entendida como uma homenagem ao Santo. Desse modo, a festa
71
dançante agregada ao torneio de futebol é preparada durante o ano todo. O festeiro e o time de
futebol realizam ainda visitas nas festas dos Santos Padroeiros das comunidades vizinhas para
ganharem uma visita na festa deles, como relata a Sra. Edite Alves Borari:
“A gente vai visitar, leva o time daqui pra é... jogar no torneio deles
[Festa de Santo das Comunidades Vizinhas] e ai a gente ganha uma
visita também né, assim a gente garante gente na festa deles e na
nossa também, a gente vai em festa durante o ano todo, visita muita
comunidade, e é... assim, a gente ganha muita visita também”.
No dia nove, após a realização do torneio, da derrubada do mastro pelos pretos e da
procissão, seguida da missa, aconteceu a festa dançante com a banda musical da Comunidade
São Pedro, no Rio Arapiuns, trazida por uma promesseira. Por outro lado, uma das festeiras
garantiu energia para o som e a iluminação da festa quando trouxe consigo um motor a óleo
diesel.
A derrubada do mastro pelos pretos tem a função de homenagear o Santo e oficializar
o encerramento da festa, que ocorre quando as frutas que o enfeitam são retiradas e
distribuídas entre os presentes. Feita a distribuição das frutas, o mastro é derrubado e as
pessoas presentes tomam a bandeira posta no topo e se tornam os festeiros do próximo ano.
O(s) festeiro(s) (Figura11) são os responsáveis pela organização da festa do ano seguinte, que
vai desde as visitas às comemorações nas comunidades vizinhas ao enfeite do mastro e à
organização da festa dançante.
Figura 11 – Festeiros do ano de 2011
Foto cedida pelo 2º cacique Dadá Borari
72
4.5.2
A crença nos encantados
De acordo com Maués (2005), a religiosidade dos povos da Amazônia apresenta uma
grande riqueza de mitos, concepções, crenças e práticas. Além do Santo Padroeiro, o povo
Borari de Novo Lugar crê na pajelança13 que é considerada católica. A pajelança é um ritual
de cura realizado pelos indígenas. Arenz (2000) define pajelança como um conjunto
complexo de conceitos, crenças e práticas de origens xamânicas. Já Maués (2003, p.30) a
define como “um culto de características xamânicas, no qual o oficiante (“pajé” ou
“curador”) recebe entidades chamadas encantados ou caruanas14, com a finalidade principal
de curar os doentes que o procuram” (destaque no original). Segundo Arens (2000) pajelança
e catolicismo interagem de forma complementar, e destaca a praticidade da pajelança ao visar
a cura integral da pessoa, pois a riqueza da cosmovisão dos indígenas se expressa, também, no
culto aos santos católicos e nas crenças e rituais (ARENS, 2000).
Além dos santos e da pajelança, os Borari crêem também na existência dos encantados
que vivem na mata e no fundo das águas, como a mãe da mata, do igarapé, o boto e o
curupira, dentre outros, que, como o Santo, também intervém na natureza e a eles se deve
respeito. O boto, por exemplo, é respeitado por homens, mulheres e crianças e nada se faz
contra ele, pois, caso contrário, o boto pode encantar ou despertar a panemice15 (falta de
sorte). No entanto, para os Borari, um homem fica empanemado também quando mulheres
grávidas ou menstruadas entram nas canoas ou manejam seus instrumentos de caça e pesca.
Para Maués (2005, p. 262), “os encantados, ao contrário dos santos, são seres humanos
que não morreram, mas se “encantaram”. Certamente, segundo o autor, essa crença tem
origem na Europa e está ligada à idéia de príncipes e princesas encantadas, sustentada nas
histórias infantis do mundo ocidental. No entanto, lembra este autor, na Amazônia, tal crença
teria sido influenciada por concepções de origens indígenas e africanas, de lugares situados no
fundo das águas ou, ainda, abaixo da superfície terrestre.
Segundo Vaz Filho (2010a), a crença nos encantados não é a mesma que nas lendas.
Para este autor, a crença nos mitos da natureza, assim como nos costumes herdados dos
13
“Geralmente busca-se sua origem em sociedades tribais do tronco lingüístico tupi-guarani onde o expert
religioso foi chamado de “pajé”. Ele é a figura central e o “titular” da pajelança” (ARENS, 2000, p. 70).
14
Caruanas são os chamados guias que se incorporam nos pajés e são os seus companheiros, sendo
fundamentais na realização de seus trabalhos de pajelança (ARENZ, 2000).
15
A palavra panemice ou panema tem origem no tronco tupi. E significa infelicidade na caça, na pesca ou
mesmo no amor. A pessoa empanemada é aquela azarada, vítima de feitiço ou mau olhado (VAZ FILHO,
2010b).
73
antepassados indígenas, é fundamental para a preservação da floresta. Em Novo Lugar, o
catolicismo, a crença e os rituais indígenas não se manifestam no cotidiano do grupo como
forças opostas. Ao contrário, se fundem em uma mesma prática que se resume nas
manifestações culturais e sociais do grupo, firmando uma relação de entendimento entre o
homem e a natureza, entre sobrevivência física ou sócio-cultural e a preservação do espaço de
pertencimento. Neste sentido, destaca-se a afirmação:
A cosmovisão ampliada tanto em termos de entidades espirituais (especialmente,
santos, encantados do fundo, espíritos do mato, anjos, almas errantes, bichos
visagentos) quanto de espaços (por exemplo, céu, terra, mata, fundo do rio,
purgatório) concede à pajelança uma dinâmica social peculiar devido à interação
recíproca entre pessoas humanas e seres ligados à natureza que, de fato,
proporcionam saúde e estabelecem a ordem (ARENS, 2000, p. 45).
As práticas religiosas e mágicas em Novo Lugar giram em torno da devoção ao Santo,
da crença nos encantados e da figura do pajé, uma espécie de médico-feiticeiro que cura as
doenças e é o responsável pelo bem-estar da aldeia, protegendo-a contra os espíritos
malignos. Pela importância das suas atividades, o pajé é elemento fundamental na aldeia
Novo Lugar.
4.5.3
Os rituais como elementos culturais da identidade Borari: cantos, danças e
orações
Nossos rituais na floresta, nas noites de lua cheia, são momentos de
verdadeiros reencontros entre nós. Sempre dançamos e continuamos
dançando, pois os povos que param de dançar ficam tristes, doentes e
desaparecem. Na verdade, quando dançamos é Deus que se aproxima
e dança com a gente, entra no círculo sagrado. Nesses momentos
fortes lembramos dos nossos antepassados e eles lembram de nós.
(Blog do GCI, http://www.conscienciaindigena.blogspot.com,
acessado em 29/10/2010)
Carneiro da Cunha (1986) chama atenção para o fato de que: “índio é todo aquele que
se auto-identifica como tal, e é identificado pelos outros”. Os grupos que reivindicam uma
identidade étnica como elemento de garantia de direitos, incluindo-se principalmente a terra, a
saúde e a educação diferenciadas, buscam corresponder às exigências legais desse processo,
através da reelaboração de mecanismos para reforçar e divulgar sua identidade indígena.
Neste sentido, o Grupo Consciência Indígena introduziu, no ano de 2000, no movimento
indígena da região, o Ritual da Fogueira16. Em Novo Lugar, os Borari adotaram o ritual da
fogueira, que, posteriormente, foi aprimorado com a introdução de elementos locais e, hoje,
16
Este ritual é considerado como um das tradições mais antigas dos povos indígenas. Referência encontrada no
roteiro para a realização do ritual da fogueira organizado pelo GCI.
74
este grupo costuma realizar oito diferentes rituais. Segundo Brasileiro (1995), um processo
semelhante ocorreu entre os índios Kiriri, localizados no norte da Bahia, que adotaram o ritual
do Toré testemunhado em visita à aldeia dos índios Tuxá em Rodelas/BA.
Em 1974, líderes Kiriri organizaram uma caravana com cerca de cem índios à Terra
Indígena Tuxá, a princípio para realizar um jogo de futebol entre os dois povos, mas já com a
intenção de assistir ao ritual do Toré realizado por aquele povo e aprendê-lo (BRASILEIRO,
1995). O Toré representa um símbolo de união e de etnicidade, fornecendo elementos
ideológicos de unidade e de diferenciação e, portanto, fonte de legitimação de objetivos
políticos (ISA, 2003). Sobre a estrutura do ritual, os Kiriri foram introduzindo seus próprios
elementos:
Sobre a estrutura física do ritual, os Kiriri introduziram progressivamente novos
elementos: seus “encantados”, acrescentados àqueles tomados de empréstimo aos
Tuxá, aos poucos assumiram lugar de destaque; ao repertório melódico “original”,
adicionaram seus próprios “toantes” e mesmo as bases coreográficas e de vestuário
passaram por inovações (BRASILEIROS, 1995, p.103)
Para os indígenas da aldeia Novo Lugar, os rituais assumem dois aspectos
diferenciados: a) de cerimônia sagrada para homenagear os espíritos da floresta, e b) como
forma de legitimar e legalizar os territórios considerados indígenas. Os rituais realizados pelos
Borari de Novo Lugar são:
 Ritual de acolhida, acontece por ocasião da chegada de alguém na aldeia para visitálos ou realizar algum tipo de trabalho;
 Ritual de preparação para guerra, ocorre sempre que têm que enfrentar algum inimigo;
 Ritual de plantio, realizado quando do plantio do roçado, nos meses de dezembro a
fevereiro;
 Ritual de crescimento das plantas, acontece depois da germinação das plantas,
geralmente em março e abril;
 Ritual da água, que ocorre no início da enchente e da vazante dos rios;
 Ritual das crianças, realizado nos dias de lua cheia;
 Ritual de caça, acontece geralmente no início da semana, quando os homens saem para
a caça;
 Ritual de cura, que ocorre sempre que necessário e seguido de pajelança.
Os rituais realizados na aldeia (Figura 12) envolvem, geralmente, a defumação do
75
local e dos participantes. Em seguida, há a saudação aos elementos da natureza, como Tupã
(Deus) e a mãe terra, sempre acompanhado de cantos e danças e da oferta de tarubá e/ou chibé
(mistura de água com farinha de mandioca), numa única cuia, compartilhada com todos os
participantes do ritual. As roupas utilizadas nos rituais são confeccionadas com a casca de
uma madeira da região chamada de estopa. Nos rituais, são entoados alguns cantos, dois dos
quais (citados abaixo) são geralmente entoados, enquanto todos dançam e com muita alegria
reverenciam as divindades como o Tupã (Deus) e a Mãe Terra:
Canto: Xibé puranga
A Cia mua
pecatu maramé a um xibé,
xibé puranga,
puranga
aretana agustari,
mure ara
a a xipé puranga.
Canto a Tupã
Tupã está na terra
Tupã está no céu
Tupã está na mata
Tupã está no rio
Tupã está em mim
Tupã está na terra
Tupã está no céu
Tupã está na mata
Tupã está no rio
Tupã está em ti
(Cantos utilizados pelos indígenas do Baixo Rio Tapajós e Arapiuns nos rituais em agradecimento a Tupã, Mãe
Natureza, Mãe Terra)
Figura 12 – Rituais realizados pelos índios Borari de Novo Lugar.
A – Ritual de preparação para guerra; B – Ritual das crianças; C – Ritual das águas; D – Ritual de cura. Fotos
cedidas pelo 2º Cacique Dadá Borari.
76
4.6
ALDEIA NOVO LUGAR: PROCESSO DE FORMAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO
ESPAÇO TERRITORIAL
As informações sobre o processo de formação e ocupação territorial de Novo Lugar
fundamentam-se na memória social do grupo. Para Halbwachs (1990), a memória é um
fenômeno coletivo ou social e está sujeita a transformações que vão moldando a história de
um determinado grupo. Todavia, este autor lembra que cada indivíduo utiliza-se
primeiramente de sua memória individual, onde as lembranças são estruturadas através da
relação com a memória do grupo. A memória coletiva ou social dos Borari resgata a história
de ocupação e construção do espaço que hoje é a Aldeia Novo Lugar. É com base nesta
memória que se resgatam os fatos existentes e onde outros fatos vão surgindo, no seio do
grupo, essenciais para se delinear o contexto atual em que se situa a aldeia.
Nas narrativas de origem da aldeia, os Borari de Novo Lugar atribuem a definição de
fundador ao Sr. Manoel Avelino Alves Correia (nativo da Vila de Alter-do-Chão, no Baixo
Rio Tapajós, onde no passado situava-se a Missão Jesuítica Borari) e Salustiana Alves de
Sousa, nativa da região do rio Maró. Segundo relatos, antes de morarem na localidade
denominada Beiju-Açu17, a família de seu Avelino Borari habitava a região do Rio Inambu,
um dos afluentes do Rio Maró, de onde migraram para Beiju-Açu. Após terem vivido durante
alguns anos no Beiju-Açu, localidade situada dentro dos limites da Aldeia Novo Lugar,
ocorreu mais um deslocamento da família, agora para a aldeia atual. Na elaboração do mapa
participativo apontando seu território, os Borari definem o Beiju-Açu como uma das
extremidades da aldeia, em divisa com as terras da comunidade Fé em Deus.
Periodicamente,
as
aldeias
indígenas
são
abandonadas,
pois
os
recursos
proporcionados pelo meio natural circundante já não são suficientes para suprir as
necessidades do grupo, o que leva o mesmo a deslocar-se para outra parte do território sob seu
domínio (Dantas, 1991). Foi o caso dos Borari. De Beiju-Açu, a família do Sr. Avelino Borari
saiu para constituir a atual aldeia Novo Lugar, cuja denominação, segundo eles, refletiria a
busca por novas condições de vida, de maiores possibilidades de apropriação dos recursos
naturais em ecossistemas mais ricos a fim de garantirem o futuro dos Borari após vários anos
de migrações pela região. A mobilidade espacial é uma característica indígena, ainda presente
em alguns povos indígenas do Tapajós, como os Munduruku (ALMEIDA, R. 2001). Darrrell
Posey (1995) relata que os Kayapó abandonavam suas aldeias caso acontecesse algum tipo de
catástrofe, como a morte de múltiplas pessoas, migrando em busca de outras áreas para
17
Beiju, espécie de bolo achatado feito da massa de tapioca, derivado de mandioca. Açu significa grande em
tupi. Beiju-Açu, bolo grande, achatado e grosso feito no forno.
77
construírem novas aldeias. As falas de Dadá Borari e Dona Constantina Borari nos mostram
como os indígenas buscavam outras terras para viver e dos vários motivos que os levaram a
migrar, como, por exemplo, o desencanto por determinado lugar, a busca por terras férteis,
por melhores condições de vida, a fuga das pragas, a perseguição e a busca por segurança.
“Olha Tati, hoje os povos indígenas moram na beira do rio, mas antes
a gente gostava era de morar no meio do mato mermo, bem perto do
canto do pássaro, dos bicho, é... bom demais, é...ouvi os macacos,
toda qualidade de macaco, guariba, prego, os nossos antepassados
viviam no meio do mato, lá dentro mermo, só saíam de lá quando
alguma coisa acontecia, morria 1 ou 2, aí eles ficava triste e dizia: oh,
o nosso lugar já tá ruim, ta na hora de ir embora, é... aí eles ia pra
beira do rio. Nós morava lá, lá no Beiju-Açu, lá com a meu bisavô,
é... a gente veio pra cá e aqui nós está até hoje. Minha vó Constantina
tinha uma colônia pra cá, lá no igarapé do cachimbo, lá onde nós
quer o nosso limite, a gente briga porque lá tem semente nossa, tem
raiz lá nossa né. Nós não era perseguido, nós morava prá lá, oh... nós
viemo pra cá não porque ninguém perseguiu, nós veio porque os mais
velhos viram que aqui era melhor, é...meu vô Guri veio e viu esse
lugar que era bom pra fazer um campo pra jogar bola, era bom aqui
era bom. Agora nós passou a ser perseguido né, essas empresa que
tão aqui, eles persegue, mas nós num vamos embora, num vamos” (2º
cacique Dadá Borari, 28 anos).
“Eu tinha, eu e o meu marido finado, aí... construimo uma colônia
aqui, bem lá no centro, no garapé do Cachimbo, nós tava já
plantando a nossa roça, meu pai, é... o finado meu pai fez a casa dele
lá na beira do rio e o Gori e o Higino também construíram a casa lá
perto do papai, vieram tudo lá do Beiju-Açu né... porque lá tinha
muita praga de formiga, é... tinha muita formiga de saúba, não tinha
roça que fosse pra frente, manazinha, não tinha... aí, então eles
vieram pra cá, a buscar terra boa, e é desse jeito... é foi assim que a
gente viemos pra cá e tá aqui com a graça de Deus” (Sra. Canstantina
Alves Borari, 66 anos).
Quando Dadá Borari relata que, no passado, os povos indígenas gostavam de morar no
meio da floresta e não nas margens do rio, ele está resgatando em sua memória também a
trajetória feita por seu povo, ao longo do tempo, pela região do rio Maró. Os motivos pelos
quais os Borari deslocaram-se de um lugar para o outro, relatados pela senhora Constantina e
por Dadá, são os mesmos verificados por Posey (1995) em seu estudo com os Kayapó. Diante
desses relatos, verifica-se a memória valorizada, dentro do atual contexto, como fonte de sua
ancestralidade indígena. Para Losivolo (1989), a memória valorizada é aquela reconhecida
como histórica e coletiva, essencial para a consciência étnica. Losivolo chama a atenção para
a importância dessa memória valorizada quando afirma que:
Valorizada, então, quer por sua participação na construção da identidade e da
comunidade, quer pelo papel que desempenha no fortalecimento e emancipação dos
fracos, ela não pode nem deve ser esquecida. Ao mesmo tempo, a memória coletiva
firma-se cada vez conscientemente como leitura seletiva: ela esquece e lembra no
mesmo movimento (LOSIVOLO, 1989, p. 16).
78
4.7
A TERRA INDÍGENA MARÓ E A ALDEIA NOVO LUGAR
A aldeia Novo Lugar, pertencente a TI Maró, faz parte de um amplo processo iniciado
desde o final da década de 1990, entre diversas comunidades das regiões dos rios Tapajós e
Arapiuns. Processo este caracterizado pela afirmação de sua ancestralidade indígena e o
resgate dos laços culturais com o passado de ocupação de diversas etnias, anteriormente
consideradas dizimadas e/ou miscigenadas, durante a colonização (IORIS, 2005). Neste
sentido, assume particular importância a definição de suas territorialidades, lugares de
memórias, espaços de sustentabilidade dos grupos e marcos físicos de suas reivindicações
coletivas.
A chegada de grileiros e madeireiros na região, no início da década de 2000, provocou
inúmeros conflitos de ordem sócio-ambiental na região da Gleba Nova Olinda, acelerando o
processo de organização dos Borari em prol da regularização fundiária das terras da aldeia. Os
Borari iniciaram sua luta pelo reconhecimento da Terra Indígena Maró a partir da autoidentificação étnica indígena e dos processos inerentes junto aos órgãos competentes:
Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Rejeitando o
rótulo genérico de comunidades, assumido regionalmente pelos grupos vizinhos, e adotando a
denominação de aldeia, com o propósito de demarcar e ressaltar sua identidade indígena, os
Borari iniciaram tal processo.
As famílias de Novo Lugar passaram a recolher e reconstituir simbolicamente, com
base nos relatos dos mais velhos e de elementos que fazem parte do universo sociocultural da
região, um discurso identitário que demarcava sua origem e identidade indígena, dando
sentido ao que Losivolo (1989) chama de memória valorizada. Esse discurso é estruturado na
demarcação de fronteiras de base étnica, se diferenciando dos demais grupos envolvidos na
luta pela regularização fundiária.
Esses esforços de reordenamento de suas categorias identitárias, entre outras
manifestações, constituem um fenômeno denominado pela literatura antropológica de
emergência étnica ou etnogênese, que abrange os processos de construção e afirmação de
identidades compartilhadas, baseadas em tradições culturais preexistentes ou elaboradas e
sistemas simbólicos (BARTOLOMÉ, 2006), que iluminam sua experiência social e sustentam
sua ação coletiva diante de outros grupos e do aparato institucional do Estado.
A exemplo de alguns povos da Bahia, como os Pataxó e os Kiriri (OLIVEIRA, P.
1998), os Borari de Novo lugar, embora reconhecidos como índios pelos órgãos indigenistas,
79
não dispõem de terras demarcadas18 e protegidas.
É fundamental entender o espaço territorial onde a Terra Indígena Maró está inserida,
a exploração madeireira, a ausência de segurança e os conflitos fundiários entre indígenas e
empresários. Outro ponto importante para a sustentabilidade dos recursos naturais na Aldeia
Novo Lugar é o mapeamento do uso desses recursos (dos locais de ocupação dos Borari:
lagos, igarapés, roças, serras, ambientes florestais, entre outros) para um melhor entendimento
sobre a sua utilização pelos indígenas. O controle sobre um dado território, mais ou menos
extenso, permite o funcionamento de uma sociedade, na qual a terra se constitui no bem maior
(DANTAS, 1991).
Para que os recursos naturais existentes na TI Maró satisfaçam as necessidades dos
Borari, é necessário, sobretudo, que a gestão desses recursos considere o desenvolvimento das
múltiplas maneiras de acessá-los pelos indígenas, em função da terra ocupada e os espaços
atualmente disponíveis aos mesmos, bem como sua participação política e acesso a
informações, já que estes fatores são cruciais para a resiliência dessa população frente às
mudanças políticas e ambientais que ora ocorrem.
“O reconhecimento dos índios enquanto realidades sociais diferenciadas (...) [não está
dissociado] da questão territorial, dado o papel relevante da terra para a reprodução
econômica, ambiental, física e cultural destes” (FUNAI, 2008), o que é garantido pela carta
magna brasileira (1988), em seu capítulo VIII (Dos Índios): “através do direito à demarcação
de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e imprescindíveis tanto às suas atividades
produtivas como à preservação dos recursos ambientais, segundo sua cultura. Essas terras
destinam-se a sua posse permanente, com o usufruto das riquezas naturais nelas existentes.
São ainda considerados nulos, sem efeito jurídico, atos que tenham por objeto ocupação,
domínio ou posse, salvo relevante interesse público da União”.
De acordo com o STTR e CPT (2008, p. 28), o reconhecimento da Terra Indígena
Maró visa garantir principalmente: “1) a manutenção e reprodução do modo de vida dos
indígenas que lá habitam, calcadas em práticas coletivas de organização sócio-cultural e no
uso dos recursos naturais de forma sustentável; 2) a proteção ambiental como condição para a
18
O processo demarcatório de Terras Indígenas no Brasil está definido pelo Decreto de nº 1.775/96,
apresentando as seguintes etapas: a) Identificação – Terra Indígena a ser estudada ou em estudo pela FUNAI;
b) Delimitação – limites aprovados pela FUNAI, publicados no Diário Oficial da União e no Diário Oficial
do Estado; c) Declaração – limites reconhecidos pelo Ministério da Justiça, viabilizando a demarcação física
da área; d) Homologação pelo Presidente da República; e e) Regularização – registro no cartório de registro
de imóveis do(s) município(s) e na Secretaria de Patrimônio da União.
80
existência física e cultural dos povos Borari e Arapium. Conservar a floresta e os rios são
imprescindíveis para a sobrevivência do grupo, posto que vivem da caça, da pesca e do
agroextrativismo; 3) assegurar a função social das terras e florestas públicas, através da
expulsão dos grileiros, madeireiros e latifundiários da região, que visam somente o “uso
devastador da terra”. Além disso, busca-se impedir novas invasões na área por “pessoas que
não são de lá”. “Não são de lá” geograficamente e culturalmente falando”.
81
5 ATIVIDADES AGRÍCOLAS E EXTRATIVISTAS: USO, MANEJO E GESTÃO DOS
RECURSOS NATURAIS
Este capítulo foi desenvolvido com o objetivo de apresentar as formas de uso, manejo
e gestão dos recursos naturais realizadas pelos Borari. Nele, serão reafirmados alguns
aspectos básicos do sistema produtivo indígena e das condições espaciais de sua reprodução,
os quais são essenciais, tanto para a garantia da sobrevivência física e social do grupo quanto
para a preservação de seus recursos naturais. Neste sentido, serão discutidas, aqui, as
atividades agrícolas e extrativistas realizadas pelos indígenas, bem como os ambientes onde
são realizadas, a época do ano, as pessoas envolvidas em cada uma dessas atividades e os
recursos naturais utilizados, em especial aqueles de origem vegetal.
Os indígenas de Novo Lugar utilizam quatro áreas distintas para a realização de suas
atividades agrícolas e extrativistas, a saber: a) margem do rio Maró; b) colônias; c) florestas; e
d) lagos, igarapés e a calha do rio Maró.
Na margem do rio Maró, estão localizados a capela, a escola, o barracão
comunitário e as casas com seus quintais agroflorestais19. Os quintais são vistos como espaços
de continuidade da mata, pois contribuem para a diversificação dos produtos alimentares
consumidos e apreciados pelos Borari, em especial as frutas, tais como: cupuaçu (Theobroma
grandiflorum Schum.), caju (Anacardium occidentale L.), banana (Musa sp.), laranja (Citrus
sinensis L. Osbeck), açaí (Euterpe oleraceae Mart.) e cacau (Theobroma cacao L.). Nestes
espaços, podem ser encontrados ainda cultivos de legumes, verduras, temperos e ervas
medicinais, tais como: arruda (Ruta graveolens L.), boldo (Vernonia condensata Backer),
mucuracaá (Petiveria alliacea L.), pau-de-angola (Piper divaricatum Mey), urubucaá
(Aristolochia trilobada L.), cipó-alho (Mansoa alliaceae (Lam.) A.H. Gentry), entre outras,
além da criação de animais de pequeno porte como galinhas, patos, porcos e cachorros.
As colônias, localizadas mais distantes das margens do rio, compreendem as unidades
familiares produtivas de mandioca (Manihot esculenta Crantz) e outros gêneros alimentícios,
tais como: abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril), batata-doce (Ipomoea batatas L. (Lam.),
maxixe (Cucumis anguria L.), jerimum (Cucurbita pepo L.), cana-de-açucar (Saccharum
officinarum L.), banana (Musa sp.), cará-roxo (Dioscorea sp.), mangarataia (Zingiber
19
Os quintais agroflorestais são o tipo mais antigo e comum de sistema agroflorestal encontrado em todo trópico
úmido (DUBOIS, 1996), cuja diversidade em quantidade e variedade pode ser tão grande como em nenhum
outro sistema agroflorestal (LOK, 1996). São sistemas de uso e manejo da terra, onde árvores e/ou arbustos
são utilizados em associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, numa mesma área, de maneira
simultânea ou numa seqüência temporal. Uma das maiores vantagens deste sistema é, precisamente, sua
capacidade de manter bons níveis de produção a longo prazo e de melhorar a produtividade de forma
sustentável (BRITO; COELHO, 2000).
82
officinalis Rosc.), melancia (Citrullus vulgaris Schard.), pimenta-de-cheiro (Capsicum sp.),
milho (Zea mays L.), entre outras. São nas colônias que ficam localizados os roçados e as
capoeiras utilizadas para a caça e coleta de produtos florestais.
As florestas são áreas comunitárias, locais onde se realizam as atividades extrativistas
vegetais (madeireiras e não-madeireiras) e de caça tradicionais de animais como o catitu
(Pecari tajacu), porco-queixada (Bradypus sp.), veado (Mazama sp.), paca (Cuniculus paca),
cutia(Dasyprocta aguti), anta(Tapirus terrestris), tatu(Euphractus sexcintus), macaco-prego
(cebus apella), jacamim(Psophia sp.), jacu-peua (Penelope sp.), mutum (Crax fasciolata),
inambu-açu (Tinamus major), inambu-frango (Tinamus sp.), jabuti (Geochelone sp.), etc.,e,
mais raramente, a implantação de roçados. Da floresta são retiradas madeiras, como: cumaru
(Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.), itaúba (Mezilaurus itauba Taubert ex Mez..), cedro
(Cedrela odorata Ruiz & Pav.), dentre outras, para a construção das edificações existentes na
aldeia, assim como para a fabricação de móveis, bajaras, beira de fornos e de utensílios como:
remos, arcos, cabos de ferramentas e outros. São também coletados da floresta produtos para
fins alimentícios, medicinais e artesanais, tais como: açaí (Euterpe oleraceae Mart.),
castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.) mucajá (Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex
Mart.), curuá (Attalea spectabilis Mart.), muirassacaca (Croton cajucara Benth.) e andiroba
(Carapa guianensis Aublet).
A pesca artesanal de peixes e quelônios (tracajás e pitiús) é realizada, principalmente,
no Igarapé da Raposa, no Lago da Raposa, nas áreas de igapó e na própria calha do Rio Maró.
Algumas espécies de peixes capturadas pelos Borari são: aracu (Schizodon sp.) , tucunaré
(Cichla sp.), pacu (Metynnis sp.), jaraqui (Semaprodchilodus sp.), caratinga (Geophagus
surinamenseis), acará (Astronotus crassipinis Heckel), arraia (Potamotrygon sp.), piranha
(Serrasalmus sp.), curimatá (Curimata sp.), entre outras. Na Figura 13, estão localizados os
principais locais de obtenção e manejo dos recursos naturais, incluindo as áreas agrícolas.
83
Figura 13 – Mapa mental elaborado pelos Borari em 18 de junho de 2010, onde se identificam o uso do território e as atividades desenvolvidas
nos diferentes espaços geográficos.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
84
Nota-se que, os Borari possuem uma lógica própria de produzir, uma vez que cada
espaço possui uma função produtiva e uma importância sócio-cultural para os indígenas.
Neste sentido, e conforme indicação da Figura 13, podemos observar que os Borari
mobilizam os recursos naturais de vários ambientes para sua sobrevivência e que a área
utilizada, manejada e gerida por estes indígenas, no que diz respeito aos recursos naturais, não
se limita à sede da aldeia.
5. 1 CARACTERIZAÇÃO
DO
PADRÃO
DE
UTILIZAÇÃO
DOS
RECURSOS
NATURAIS PELOS BORARI
As atividades de agricultura, caça, pesca e coleta dos produtos da floresta compõem o
padrão de utilização dos recursos naturais pelos Borari. Estas atividades distribuem-se,
principalmente, de acordo com as estações: chuvosa (inverno – período que se estende de
dezembro a junho) e seca ou menos chuvosa (verão – que ocorre entre os meses de julho a
novembro), e da safra dos produtos florestais (Figura 14).
Dessa maneira, observa-se que as águas e a floresta são elementos da natureza que
regulam as práticas cotidianas de utilização, manejo e gestão dos recursos naturais por esses
indígenas. Segundo Pezzuti e Chaves (2009), a sazonalidade disponibiliza ou diminui
recursos naturais, sejam eles frutos, pescado ou caça, em diferentes períodos do ano, dentro de
um ciclo que certamente é acompanhado por indígenas. Haverroth (2010) observa que estas
estações orientam não só os cultivos nos roçados, mas também determinam as espécies de
animais da mata, peixes e espécies frutíferas disponíveis em cada época e local. Eloy e
Lasmar (2011) registraram, em seu estudo com os indígenas residentes em São Gabriel da
Cachoeira-AM, que, devido os recursos florestais e pesqueiros serem de disponibilidade
sazonal, as famílias tendem a se deslocar e/ou multiplicar suas casas, casas de forno e abrigos
temporários em busca dos recursos disponíveis.
85
Figura 14 – Quadro: Calendário das atividades agrícolas e extrativistas realizadas pelos Borari
da Aldeia Novo Lugar.
*Aqui estão citados apenas alguns dos principais produtos oriundos da floresta utilizados pelos Borari, dizendo
respeito apenas à atividade de coleta dos frutos, já que além destes são coletadas também, de algumas árvores,
folhas e cascas do tronco, que são utilizadas na fabricação de remédios, e de madeira para suas construções, por
exemplo. A coleta de folhas e cascas é realizada de acordo com as necessidades dos indígenas.
** A coloração dos quadrados corresponde à intensidade da atividade, quanto mais escuro ele se apresenta, mais
intensamente ela é praticada.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
Como observado na figura acima, o modo de vida dos Borari é pautado basicamente
no extrativismo vegetal (coleta de frutos, sementes e outros produtos da floresta), caça, a
pesca artesanal e na agricultura de subsistência, voltada especialmente para, o cultivo de
mandioca para a produção de farinha e de outras espécies comestíveis, como o cará
(Dioscorea sp.), a batata-doce (Ipomoea batatas L. (Lam.), o jerimum (Cucurbita pepo L.), o
abacaxi (Ananas comosus (L.) Merr.), etc. Estas atividades também foram observadas por
Haverroth (2010), em seu estudo com os Kulina, assim como por Pezzuti & Chaves, (2009)
na pesquisa com os Deni; Schröder (2003), ao estudar as economias indígenas na Amazônia
Legal; Albert (1992), em estudo sobre os Yanomami; Posey (1987b), em sua pesquisa junto
aos Kayapó e outros.
Como apresentado figura 14, a estação chuvosa é dedicada ao plantio nos roçados e à
coleta na floresta de algumas frutas, tais como: a castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa
86
Bonpl.) e o patauá (Oenocarpus bataua Mart.), importantes na dieta alimentar dos Borari. A
caça é regularmente praticada no decorrer do ano. A pesca, assim como a caça, é praticada
durante o ano todo pelos Borari, no entanto, quando o nível do rio e dos igarapés começa a
baixar, ela se intensifica, já que, estando os níveis de água dos rios mais baixos, os peixes e
quelônios concentram-se em determinados locais (lagos, igapós e enseadas), facilitando sua
captura.
Os apetrechos e técnicas utilizados pelos Borari na pescaria são variados, estes
utilizam arco e flecha, zagaia, caniço e anzóis iscados com minhocas e pequenos pedaços de
peixes, além da pesca de lanterna e do mergulho, com arpão e máscara. Pezzuti & Chaves
(2009), em seu estudo com os indígenas do sudeste do Amazonas, observaram que a pesca
praticada pelos Deni também era realizada em diversos ambientes, sendo eles: lagos, ressacas,
canos, calhas dos rios e florestas alagadas, onde utilizavam apetrechos e técnicas como
anzóis, arco e flecha, veneno de pesca, vespas ou zagaias. As técnicas utilizadas pelos Deni
são semelhantes às observadas na pesca praticada pelos Borari, embora em Novo Lugar não
tenha sido registrada a pesca com veneno e nem com vespas.
A pesca pode ser uma atividade tanto masculina quanto feminina entre vários povos
indígenas da Amazônia (PEZZUTI; CHAVES, 2009; SCHRÖDER, 2003). No entanto, entre
os Borari, esta é uma atividade masculina, salvo em algumas situações, muito raras, como na
ausência dos homens da casa. Habitualmente, quando um chefe (homem) de família se
ausenta da aldeia, geralmente o peixe que é consumido pela família dele é provido por
membros (masculinos) de outras famílias, mais precisamente pelos parentes mais próximos,
como irmãos, pai e cunhados do Borari ausente.
As atividades agrícolas realizadas pelos Borari da aldeia Novo Lugar vão se
intercalando, durante todo o ano, com as atividades extrativistas, a caça e a pesca. Desse
modo e diante da complexidade territorial da aldeia, torna-se necessário analisar o sistema de
produção dos Borari a partir das especificidades dos ecossistemas, analisando as formas de
utilização dos diferentes espaços e as práticas que orientam a gestão dos recursos disponíveis
em cada área (floresta de terra firme, roças e quintais).
5. 2 FLORESTAS DE TERRA FIRME
Os Borari praticam na floresta as atividades extrativistas madeireiras e nãomadeireiras e de caça tradicionais e, mais raramente, a implantação de roçados. A atividade
madeireira é realizada de acordo com as necessidades dos indígenas para suas construções e
87
fabricação de móveis. Da floresta, são retiradas madeiras para a construção das casas
habitacionais, das casas de farinha (assim como para a fabricação da beira de fornos, gareiras
e caixa do motor para sevar a mandioca20) (Figura 15), dos locais de uso comum como escola,
capela, barracão comunitário e para a construção de móveis, suporte para pendurar panelas,
cabos de ferramentas, cascos21, bajaras, remos, etc. A atividade de coleta dos produtos
florestais, principalmente os não madeireiros, é praticada pelos Borari em menor escala se
comparada à agricultura; no entanto, é uma atividade de grande importância, especialmente
no que tange à alimentação e à saúde.
Figura 15 – Casa de farinha e seus componentes fabricados com a madeira retirada da
floresta.
A seta A indica a caixa do motor para sevar mandioca, a B mostra a beira do forno e a seta C é a gareira (uma
espécie de cocho de madeira.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
A caça, como mencionado anteriormente, é uma atividade exclusivamente masculina,
entre os Borari, e se desenvolve em áreas próximas da sede da aldeia, em trilhas habituais,
barrancos e próximo a árvores frutíferas da floresta. Porém, pode ocorrer em locais mais
distantes destes, onde os indígenas caminham o dia todo para chegaram em barrancos e
lugares estratégicos próximos a igarapés, onde estão situados os tapiris. Nestes casos, são
20
Para sevar a mandioca através da utilização de motor movido a gasolina, é necessário construir uma caixa,
onde acopla-se um “eixo dentado” que, ligado ao motor, por uma correia, gira rapidamente e a mandioca,
depois de descascada, é pressionada contra esse eixo e, em pouco tempo, é sevada (ralada/triturada) e, assim,
obtêm-se a massa.
21
Cascos são canoas pequenas feitas de uma peça só de um tronco cavado, sem bancos e sem motor, muito
utilizados pelos indígenas e ribeirinhos da região (VAZ FILHO, 2010b).
88
formados grupos para a caçada, que pode durar de dois dias a uma semana. Características
igualmente retratadas por Pezzuti e Chaves (2009), Albert (1992) e Laraia (1986) em seus
estudos.
Quando os Borari saem para esse tipo de caçada, levam consigo farinha e sal para sua
sobrevivência durante o período em que permanecerem na floresta e para conservar a caça
capturada. Na mata, estes grupos de homens formam uma espécie de acampamento
temporário ou tapiris (como denominados pelos indígenas). Os tapiris são barracos feitos de
palha, localizados em pontos estratégicos da floresta, geralmente próximos a igarapés e
árvores frutíferas (Figura 16), utilizados tanto para a tocaia (espera) da caça, quanto para o
tratamento dos animais capturados, pois possuem uma espécie de jirau para esse fim. A
caçada é uma atividade que pode ser realizada tanto durante o dia quanto à noite. A caça
capturada é dividida entre as famílias da aldeia, obedecendo ao ritual da putáua (Figura 16).
Figura 16 – Atividade de caça na Aldeia Novo Lugar.
A – Localização de tapiris no mapa mental da Aldeia construído pelos Borari. Fonte: Pesquisa de campo, 2010;
B – Borari tratando, no jirau do tapiri, a caça capturada, para posterior distribuição entre as famílias. Foto B
cedida pelo 2º cacique Dadá Borari.
Entre os indígenas da Amazônia, os instrumentos e as técnicas utilizados para a caça
são os mais diversos, no entanto, a espingarda (PEZZUTI; CHAVES, 2009; ALBERT, 1992;
LARAIA, 1986) e a embiara22 com cachorro são as mais comuns. Os Borari possuem diversas
técnicas de caça e utilizam principalmente a espingarda para o abate dos animais. As técnicas
utilizadas consistem em: a) fazer tocaias para abater a caça em lugares em que estão caindo
22
Embiara – Do Tupi, significa a caça capturada pelo caçador, a presa (VAZ FILHO, 2010b).
89
frutas, próximas aos tapiris; b) imitar o som dos animais para atraí-los (por exemplo no caso
da caça do caititu e anta); e, em alguns casos, imitar o filhote (no caso da caça do veado e
queixada); c) realizar o rastreamento, ou seja, caminhar, seguindo por horas, as pegadas de
queixadas ou antas. Quando o animal foi atingido e tem hemorragia, os Borari seguem-no
acompanhando as gotas de sangue no solo da floresta; d) capturar manualmente os animais
como tatus e jabutis; e e) fazer a embiara (emboscada com cães) para caçada de vários
animais como: cutia, veado, paca, porco do mato e outros.
Técnicas semelhantes foram registradas por Pezzuti e Chaves (2009) entre os Deni,
que realizavam caçadas em trilhas de matas e barreiros, onde são feitas emboscadas com cães,
captura manual de tatus e jabutis e esperas com armas de fogo para animais de grande porte.
Segundo os Borari, está havendo uma redução na atividade de caça devido à limitação
imposta pelos madeireiros, recorrentes na área, em seu território, além da proximidade de
estradas (abertas pelos empresários) em suas áreas tradicionais de caça. A redução na
população de animais, devido à caça predatória, por parte dos agentes externos (empregados
das madeireiras), se reflete também na diminuição dos estoques naturais nos arredores da
aldeia. O 2º cacique Dadá Borari relata essa realidade:
“Antes deles [madeireiros] chegarem aqui, a gente encontrava caça
com facilidade, a gente ia bem próximo da aldeia e encontrava caça,
é... aqui na aldeia mesmo atravessava bando de porco, atravessa
porco do mato e a gente, a gente matava, hoje não, não tem mais isso.
Olha as vez quando nós vamo pro mato caçar a gente encontra
cabeça de queixada, de veado podre que os cara [funcionários das
madeireiras] mataram e eles nem aproveita tudo, eles corta a cabeça
e joga fora, joga aquela parte que tem muita carne, eles matam a
torto e a direito, e eles não tem necessidade, porque eles joga muita
carne, a gente vê muito casco de jaboti que eles pega”. (2º Cacique
Dadá Borari, 28 anos)
Para Albert (1992), a redução do território, juntamente com sua degradação ecológica,
significa uma queda imediata da disponibilidade de comida (caça), afetando diretamente a
dieta alimentar e a produção protéica e, portanto, consistindo numa ameaça direta e drástica à
sobrevivência física de um grupo indígena. Algumas vezes, quando do trabalho de campo, foi
observada a volta dos caçadores sem nenhuma caça, assim como a de pescadores com poucos
ou nenhum peixe, levando os Borari a se alimentarem somente dos produtos derivados da
mandioca ou de algum alimento industrializado (enlatados), caso os tivessem em suas
dispensas.
Os fatores que estão provocando a redução na atividade de caça dos Borari são
90
comuns entre outros povos, revelados pelos estudos realizados por Martins (2006), Bertho
(2005), Schröder (2003), Albert (1992), Ladeira (1982), respectivamente entre os indígenas:
Katukina, Guarany, Guajajara, Yanomami e Tupi. A coleta de frutas, a serem consumidas in
natura ou em forma de vinho e suco, é uma atividade bastante apreciada pelos indígenas e
complementa sua alimentação. São diversas também as plantas medicinais coletadas na
floresta pelos Borari, este uso das plantas da floresta sendo até mais importante que a coleta
para fins alimentícios. Para ilustrar tal afirmação dos Borari, seguem abaixo, trechos de
entrevistas com alguns indígenas da aldeia:
“A mata é importante sim pra tudo nós, é onde nós pega as planta que
a gente precisa pros nossos remédio do mato. No nosso quintal a
gente planta né? Mas não é toda planta que se dá bem. A gente tem
muita planta aqui perto da casa, de alimento, de remédio, de tudo né.
Mas na mata tem mais, e eu sei tudo onde a gente pode encontrar, a
gente pega lá e traz pra gente comer a fruta, o ingá, a pitomba, o
patauá, mas isso também tem aqui no quintal. Mas os remédios nosso,
muitos é mais difícil de nós ter aqui, o mururé, por exemplo, só tem na
cabeceira do garapé do Cachimbo, a muirassacaca eu até queria ter
aqui por que é com ela que eu preparo meu cigarro né? O cigarro do
pajé. É lá que tem os nossos remédios principal, a planta medicina
que a gente precisa né? É a mata que dá” (Pajé e Cacique Higino
Alves Borari, 56 anos).
“Olha nós pega tudo que a gente precisa lá da mata, mas é...nós pega
principalmente a planta medicina, eu faço muito remédio pra toda
essa gente, porque eu aprendi fazer muito remédio, é...naquela
oficinas que o Frei faz pra gente, lá eu, não só eu tudo nós aprende...
O remédio que é feito é preciso de planta medicina lá da mata. Olha
eu quero comer uma manga eu pego aqui no meu quintal, se não tem
eu pego por ali, mas o caju-açu, não tem aqui, só tem lá na mata
mesmo, não tem jeito” (Sra. Edite Alves Borari, 43 anos).
“É da mata que a gente pega o nosso remédio, pra comer e pros
bichos, tem aqui né, no quintal, eu planto, eu gosto. Mas mururé,
tauari, andiroba eu pego é lá na mata mesmo, porque ela dá pra nós
né?” (Sr. Floriano Alves Borari, 65 anos).
Os Borari também costumam coletar na floresta a matéria prima para a confecção de
seus artesanatos, em especial as sementes de várias espécies, tais como: tucumã (Astrocaryum
vulgare Mart.), tento (Ormosia coccínea (Aubl.) Jack.) e o inajá (Maximiliana maripa (Mart.)
Drude) e para a confecção dos utensílios domésticos, tais como, cipós: cipó titica (Heteropis
flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting), cipó ambé (Philodendron solimoensis A.C. Smith), cipó
apará (não identificado) e folhas das palmeiras como: arumã (Thalia geniculata L.), bacaba
(Oenocarpus bacaba Mart) e buriti (Mauritia flexuosa L.). Coleta-se ainda da floresta as
folhas de curuá (Attalea spectabilis Mart.) para a cobertura de casas (Figura 17). Segundo os
Borari, o manejo do palhal (população densa de curuá) se dá da seguinte forma: nunca se
deve retirar mais de três folhas adultas, ou mais de uma folha nova da mesma planta, pois,
91
assim, garante-se que as folhas novas que a planta possui amadureçam para que se dê
condições da planta frutificar e se reproduzir.
Figura 17 – Manejo e uso da Attalea spectabilis Mart
A. Coleta de palha preta (folha adulta) de curuá. B. Indígena Borari tecendo o jacaré (uma espécie de capote ou
cumieira) para o acabamento da cobertura da casa.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
A comercialização de produtos oriundos da floresta, pelos Borari, é basicamente em
forma de artesanato, os indígenas utilizam sementes para a confecção de colares, anéis,
brincos e adornos; e palhas e cipós, para a confecção de cestarias (jamanxim23, peneiras,
paneiros), tipiti, arco, flecha, bordunas, entre outras (Figura 18). Não há comercialização da
carne de caça e da madeira; esta última, quando realizada, é sob a forma de móveis e
utensílios. Athayde (2000), ao realizar um estudo sobre os recursos naturais utilizados pelos
Kaiabi em sua cultura material, observou também que, dos produtos coletados na floresta,
vários são utilizados para a confecção de artesanatos e que estes objetos são quase que
exclusivamente destinados à venda.
23
Palavra indígena para um tipo de cesto feito de cipó ambé, de forma bem caprichada e leva anos para se
estragar. Este cesto é usado normalmente por homens no trabalho da roça ou na caçada. O jamanxim tem
uma abertura na parte de trás, o que permite que comporte bastante carga (VAZ FILHO, 2010b)
92
Figura 18 – Cestarias produzidas pelos Borari de Novo Lugar.
A. Jamanxim; B. Paneiro e C. Peneiras e tipiti. Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
A Terra Indígena Maró é rica em espécies vegetais úteis como fruteiras, medicinais,
artesanais e as utilizadas para a construção, entre outras (Ver apêndices). Este estudo, enfatiza
apenas aquelas que são consideradas mais importantes pelos Borari.
5. 2.1
A magia na coleta dos recursos naturais da floresta
Os Borari envolvem preceitos de magia e religiosidade com relação à entrada na
floresta e à coleta dos recursos naturais disponibilizados por esta. Segundo os indígenas, não
se entra na floresta sem pedir permissão à mãe da mata e sem fazer a reverência aos deuses e
protetores daquele ambiente, como o curupira24. Estas atitudes e cuidados são a garantia de
proteção e sucesso nos trabalhos dentro da floresta. Quando a caçada é realizada de forma
coletiva, faz-se o ritual de caça antes da saída da equipe, onde se pede a proteção e a benção
dos deuses da floresta para seus trabalhos.
De acordo com Ribeiro (1996), os Kaapor creêm nos seres sobrenaturais que habitam
as matas, o curupira, o anhanga e outros, e a eles deve-se respeito. Darcy Ribeiro registra os
cuidados e crendices dos caçadores ao adentrar na mata com o intuito de caçarem veados,
estes fazem o “remédio para caçar veado”, onde se defumam com cunaricica, almécega e
muitas folhas e raízes aromáticas que cheiram como cabelos de cauda de veado ou de bigode
de paca. Segundo o relato, depois do caçador estar defumado, a caça chega perto dele e “fica
besta”, no entanto, no primeiro dia de caçada, não se pode atirar (RIBEIRO, 1996).
24
O curupira é um encantado da mata e tem por função proteger plantas e animais da floresta de pessoas que
destroem as matas de forma predatória (ARENZ, 2000).
93
5. 3 ROÇADOS
“A importância da mandioca pra minha família né? é por causa que
daqui que a gente produz o alimento e a gente produz também
algumas coisa pra manter na escola, comprar material escolar de
criança, então esse é a nossa renda que nós tira daqui pra vender né?
e comprar esses objeto, a agricultura nossa é aonde nós trabalha em
benefício de sustentar a nossa família né” (Senhora Graciete Alves
Borari, 32 anos).
A agricultura, através do sistema de corte e queima, também chamado de coivara ou,
ainda, de agricultura itinerante (ELOY; LASMAR, 2011; HAVERROTH, 2010; PEDROSO
JUNIOR et. al., 2008; RIBEIRO, 2004; CAMPOS; EHRINGHAUS, 2003; LEONEL, 2000;
MILLIKEN et. al., 1992), é a principal atividade de subsistência dos Borari de Novo Lugar,
sendo o cultivo da mandioca o mais importante, pois é sua principal fonte de alimentação e
renda. Entre os povos indígenas amazônicos, a agricultura de corte-queima é comumente a
atividade produtiva mais praticada (HAVERROTH, 2010; PEZZUTI; CHAVES, 2009;
PERONI, 2004; RIBEIRO, 2004; LEONEL, 2000; RIBEIRO, 1995; CHERNELA, 1997;
ALBERT, 1992; MILLIKEN et. al., 1992; POSEY, 1987b). Este sistema produtivo consiste,
em linhas gerais, na derrubada e queima de áreas florestais (capoeiras ou matas secundárias e
primárias) para o plantio de espécies agrícolas, medicinais e frutíferas, entre outras
(RIBEIRO, 2004).
É o tipo de agricultura considerado menos intensivo da Amazônia, pois apresenta
roçados pequenos e itinerantes, além de ciclos regulares de uso e pousio da terra
(HAVERROTH, 2010; PERONI, 2004; ALBERT, 1992), consistindo-se num dos elementos
mais importantes no sistema de manejo e gestão das áreas indígenas (PEZZUTI; CHAVES,
2009; DIEGUES; ARRUDA, 2001).
Segundo Pezzuti e Chaves (2009), a agricultura de corte e queima ainda se constitui
num dos elementos mais importantes para o manejo da fauna, já que as áreas em descanso
podem propiciar habitat para muitas espécies de animais que preferem se alimentar de
diversas espécies de arbustos e gramíneas, cujo crescimento é proporcionado pelo tempo de
pousio da área (PEZZUTI; CHAVES, 2009; ANDERSON; POSEY, 1990; POSEY, 1987b).
A agricultura de corte e queima praticada pelos indígenas compreende várias etapas,
formando um ciclo (HAVERROTH, 2010; PEZZUTI; CHAVES, 2009; RIBEIRO, 2004). O
ciclo de uso do roçado pelos Borari envolve as seguintes etapas: abertura (broca) que consiste
na retirada de cipós e arbustos, em seguida, acontece a derrubada de árvores, as quais são
utilizadas para as construções, seja das casas ou de bajaras, remos e móveis, por exemplo,
94
posteriormente, ocorre a queima do local, seguida da retirada de materiais queimados que são
utilizados como lenha. Cada roçado queima durante aproximadamente meio dia, no entanto,
alguns não queimam completamente, fazendo-se necessário atear fogo novamente na área. O
responsável (dono) pelo roçado toma os cuidados necessários para que o fogo não atinja
locais indesejados como a floresta e os roçados vizinhos, causando prejuízos. Para isto, é feito
o aceiro 25 nas laterais do roçado. Segundo Leonel (2000), um dos estudos mais detalhados
sobre o uso do fogo por indígenas foi o realizado por Darell Posey com os Kayapó. Posey
(1987b) descreve o cuidado que os Kayapó têm na manipulação indígena do fogo:
Mas a queima não é aleatória: sua época adequada é decidida pelos anciãos
(mebenget) e proclamada pelos chefes. As queimadas ocorrem antes do
“nascimento” da lua de agosto (muturwa katoro nu) e antes que os brotos de pequi
(Caryocar villosum) estejam desenvolvidos demais. [...] Nem todos os kapôt são
queimados no mesmo dia, nem sequer na mesma semana. Quando determinados
kapôt são selecionados para a queima, os “proprietários” dos apétê vizinhos cortam
a grama seca e arbusto em torno de seus apétê, para formar uma barreira contra o
fogo. Ateiam, então, o fogo e ficam a postos com ramos de palmeira e banana braba
(Ravenata guianensis) para abafar qualquer chama que se aproxime demais
(POSEY, 1987b, p. 184).
Com exceção da coleta de lenha, todas as tarefas nessa fase de implantação do roçado
são realizadas exclusivamente por homens que utilizam terçado (facão), machado, foice e,
quando disponível, a motosserra para a derrubada das árvores mais grossas. O ciclo do roçado
vai se completar com o plantio, os cuidados com o plantio (a limpeza ou capina da roça é feita
de 2 em 2 meses, aproximadamente) e, após um ano, com a primeira colheita (em se tratando
da mandioca), onde são utilizados terçado, enxada, ferro de cavar, paneiros e panacu26 (Figura
19) para o desenvolvimento de tais tarefas.
25
26
Aceiro é o desbaste, de cerca de 1 metro, em volta do roçado, para que o fogo não ultrapasse esse limite.
Palavra de origem Nenhagatu significa uma espécie de jamanxim feito de palha preta de curuá. É um cesto
que se leva nas costas e serve para carregar mandioca, frutos, carne de caça, farinha e qualquer outro tipo de
carga. Ao contrário do jamanxim, que é feito de forma mais caprichada, o panacu é feito de forma
improvisada, rápida e normalmente só se usa uma vez (VAZ FILHO, 2010b)
95
Figura 19 – Panacú (cesto) utilizado pelos Borari para transportar cargas.
Fotos cedidas pelo 2º cacique Dadá Borari.
Nestas últimas etapas, as mulheres e crianças trabalham junto com os homens, bem
como, quando da realização das tarefas anteriores (de broca e derrubada, quando realizados
sob a forma de puxirum). Todavia, nestas etapas de broca e derrubada, as mulheres são
responsáveis somente pelo preparo das bebidas e comidas que são servidas aos trabalhadores,
fato igualmente retratado por Laraia (1986) entre os indígenas Tupi. O abandono da área para
o pousio da terra fecha o ciclo de um roçado.
O roçado é cultivado geralmente por dois anos, em sistema de replanta, e a área fica
em pousio por, no mínimo, quatro anos. A área em pousio, no entanto, continua fornecendo
vários produtos cultivados durante anos (HAVERROTH, 2010; ALBERT, 1992; POSEY,
1987b). É possível coletar alguns produtos dos roçados abandonados pelos Borari, tais como:
banana, abacaxi, urucum, dentre outros. O que coincide com o documentado por Ramos
(2008) em seu estudo com os Yanomami: as roças velhas e tomadas pelo mato continuam
fornecendo alguns produtos como: banana, pupunha e alguns tubérculos.
Após o tempo de pousio, as roças antigas são, geralmente, rebatidas, requeimadas e
replantadas. A mão-de-obra e o tempo dispensado para esse trabalho é menor e mais fácil, se
comparado a implantação de novos roçados em florestas ou ainda em capoeiras muito antigas.
No entanto, como adverte Pezzuti e Chaves (2009), o rendimento também pode ser menor,
devido ao esgotamento do solo.
Os novos roçados são abertos comumente no verão (estação seca), fato observado
também por Haverroth (2010), Pezzuti e Chaves (2009), Martins (2006), Albert (1992),
Anderson e Posey (1990) e outros pesquisadores. Após os roçados serem abertos, aguardam-
96
se alguns meses para que a vegetação derrubada seque e a queima seja realizada. A queima
dessa vegetação disponibiliza nutrientes ao solo (MARTINS, 2005; PERONI, 2004;
ALBERT, 1992) que servem de fertilizantes e neutralizam sua acidez (HAVERROTH, 2010).
Posey (1987b) destaca o uso do fogo pelos Kayapó como uma técnica utilizada no
manejo dos recursos com o objetivo de fertilização do solo e abertura de espaço aos cultivos,
além do controle da população de cobras e escorpiões. Após uns dias da realização da queima,
os Borari realizam o plantio da mandioca, sendo os homens responsáveis pela abertura das
covas e as mulheres e crianças por inserir a maniva27. Todos os informantes mencionaram
possuir roças novas, ou seja, de primeiro plantio, e roças mais antigas já no segundo plantio,
semelhante ao relatado por Ramos (2008) entre os Yanomami. Em quase todas as roças, foi
possível perceber que havia manivas estocadas (Figura 20), oriundas da primeira colheita,
prontas para o replantio.
Figura 20 – Manivas estocadas na roça para o replantio.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
A mandioca (Manihot esculenta Crantz) e o cará (Dioscorea sp.) são as principais
espécies cultivadas pelos Borari de Novo Lugar em suas roças. No entanto, uma grande
variedade de outras plantas alimentícias são encontradas nestes espaços, tais como: abacaxi
(Ananas comosus (L.) Merril), banana (Musa sp.), batata-doce (Ipomoea batatas L. (Lam.),
cana-de-açucar (Saccharum officinarum L.), cará-roxo Dioscorea sp.), jerimum (Cucurbita
pepo L.), mangarataia (Zingiber officinalis Rosc.), maxixe (Cucumis anguria L.), melancia
(Citrullus vulgaris Schard.), milho (Zea mays L. ) e pimenta-de-cheiro (Capsicum sp.) (Figura
21). Este fato é considerado, por alguns autores, como Schröder (2003), como uma forma de
27
Estacas retiradas do caule da mandioca, que garantem a reprodução vegetativa dessa espécie.
97
minimizar os riscos de pragas. A associação de plantas em uma roça diminui a competição e
aumenta a utilização de recursos (MARTINS, 2005).
Figura 21 – Exemplos de roças entre os Borari.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
Muitos autores consideram a mandioca como o principal cultivo do sistema agrícola
dos povos indígenas da Amazônia como, por exemplo, Pezzuti e Chaves (2009), Laraia
(1986) e Kerr e Clement (1980). Chernela (1997) registrou, em seu estudo com os índios do
Uaupés, o cultivo de várias espécies: banana, abacaxi, inhame, batata-doce, pimenta, coca,
pupunha, umari, ingá e muitas plantas de uso medicinal. Entretanto, relata a autora, a
mandioca ocupa 91% de toda a área cultivada.
No entanto, outros autores registraram diferenças quanto ao principal produto
cultivado nos roçados indígenas estudados. Schröder (2003) cita o milho e a banana, como o
principal cultivo entre os Yanomami.
Estudando também os Yanomani, Albert (1992)
registrou o cultivo da banana (em 58,5% da superfície das roças dos Yanomani ocidentais),
enquanto que, entre os Yanomami setentrionais, o principal cultivo na roça é a mandioca
(ocupando 31% da área cultivada). Entre os Kaninauá e os Yawanawa, os principais cultivos
98
são a mandioca, a banana e o milho (CAMPOS; EHRINGHAUS, 2003). A maioria das
famílias Borari possui de um a três roçados e a mandioca, com suas diversas variedades, é o
cultivo principal e predominante. Para Ribeiro (1995), os cultivares indígenas têm grande
importância na produção de alimentos e na geração de renda das populações indígenas. Neste
ponto, Berta Ribeiro faz um destaque que é atual para o cultivo da mandioca:
O cultivo da mandioca apresenta várias vantagens: 1) é pouco suscetível a pragas; 2)
tem maior rendimento por unidade de área; 3) cresce em todo o tipo de solo tropical;
4) sendo pobre em proteína não retira do solo nitrogênio na mesma proporção que as
outras plantas; 5) produz cerca de 5 a 6 meses depois de plantada; 6) a raiz pode ser
estocada na própria roça, por dois a três anos, e retirada na medida da necessidade;
7) da mandioca se produz a farinha e inúmeros outro alimentos: vinte e oito pratos
entre os índios do alto rio negro, Amazonas. (RIBEIRO, 1995, p. 175)
Os roçados Borari podem ser compartilhados. Geralmente, isso acontece entre pais e
filhos ou entre irmãos, existindo também casos em que cunhados ou primos compartilham o
mesmo roçado, estes porém mais esporádicos. O tamanho dos roçados feitos pelos Borari
varia entre 0,125 ha e 0,25 ha (2 e 4 tarefas, cada tarefa dos Borari medindo 625 m2). No
entanto, em termos gerais, segundo Diegues e Arruda (2001), o tamanho das roças variam
entre 0,5 e 5 ha entre os povos indígenas da Amazônia. Albert (1992) verificou que a área
cultivada pelos Yanomami era algo em torno de 3 a 5 ha. O que difere do observado por
Pezzuti e Chaves (2009), em seu estudo com os Deni, onde registraram roçados em torno de
15 ha. A diferença nos tamanhos dos roçados entre os indígenas pode ser devido ao número
de indígenas na aldeia. Se a aldeia tiver baixa densidade demográfica, os roçados tendem a ser
menores ou, ainda, quando os roçados são coletivos, estes são maiores, como é caso dos Deni.
A distância entre os roçados Borari e a sede da aldeia varia bastante e pode estar entre 20
minutos e 1 hora e 10 minutos de caminhada.
Segundo os Borari, os inimigos mais pertinazes aos roçados são as formigas saúvas
que atacam a mandioca ainda pequena. O controle dessas formigas é feito através de uma
mistura de tucupi28 e sal, jogado sobre o formigueiro, ou, ainda, através da utilização do
formicida MirexR. Os indígenas dizem que só recorrem ao uso do Mirex “em último caso” e,
comumente utilizam a mistura com o tucupi. Animais, como veados, cutias, capivaras e pacas,
atacam as roças causando prejuízos aos indígenas, necessitando de vigilância constante dos
donos. As roças dos Borari aparentemente não sofrem intensos ataques de pragas. Quando
perguntados sobre esse assunto, os informantes dizem “não sofrerem desse mal, só saúva
mesmo...” (Sr. Floriano Alves Borari, 65 anos).
28
Tucupi é um líquido extraído da mandioca, é obtido após a mandioca ter sido ralada, a massa é espremida e o
líquido é separado.
99
5. 3.1
A Magia do Plantio nos roçados
Este tópico refere-se às crenças, ritos e cuidados considerados importantes pelos
Borari para o sucesso do ano agrícola. Antes do plantio da mandioca, são realizados dois
rituais, tidos como principais pelos indígenas: o ritual do plantio, mais conhecido como o
ritual da mãe-da-roça, referente à etapa de plantio; e o ritual da fumaça, referente ao ritual de
crescimento das plantas, destinado a fortalecer o crescimento da mandioca. O ritual da mãeda-roça é descrito pelo Cacique e Pajé Sr. Higino Alves Borari e o ritual da fumaça é descrito
pela Senhora Edite Alves Borari a seguir:
“É..., a mãe-da-roça é pras mandioca crescer protegida, bonita, pra
defender. Olha, você faz um jacaré ou uma arraia na roça, é no chão,
antes de fazer o seu plantio, eles vão comer a doença que cai na
planta. Você faz um desenho do bicho e vai plantando a maniva até
preencher o jacaré. Pode ser também um peixe-boi, esse é pra crescer
a mandioca. Esse ritual é meu pai que ensinou pra nós, ele aprendeu
com meu avô” (Cacique e Pajé Sr. Higino Alves Borari, 56 anos)
“A fumaça é pra crescer a mandioca, a gente pega, é... casco de
jabuti e coloca casca de invirataia, de pau-de-angola, dente de alho,
osso de cobra e queima, defuma todos os cantos da roça deixando o
casco lá na roça. Tem que deixar um canto lá, pra doença sair” (Sra.
Edite Alves Borari, 43 anos)
Além dos dois rituais descritos acima, os Borari ainda fazem o mauari, que consiste na
plantação, em forma de cruz, da maniva. Este é realizado logo após a queima do roçado com o
objetivo de proteger a roça de pragas (lagartas) e da queima das folhas novas da mandioca.
Outro cuidado considerado muito importante pelos Borari é a questão da mulher menstruada.
Esta não pode ir à roça porque atrai as formigas, “quando uma mulher menstruada vai na
roça as formiga e as saúvas ficam tudo braba e comem as folhas das maniva” (Senhora Edite
Alves Borari, 43 anos). A senhora Zilda Borari relatou que quando inicia sua roça, ela canta e
grita para que as manivas cresçam e sua produção seja grande: “Olha eu converso com a
minha roça, eu falo, canto, grito, porque ninguém gosta de tristeza, de ficar sozinho né? As
maniva também não gosta, quando eu vou lá e converso com elas, elas crescem fortes e
bonitas e dão cada raiz que é muito grande, minha mãe fazia isso e eu aprendi com ela”
(Zilda Alves Borari, 69 anos).
Os resultados apresentados no corrente estudo com os Borari demonstram que, até o
momento, as atividades agrícolas praticadas por esses indígenas não representam ameaças à
manutenção dos ecossistemas locais, na escala em que ocorrem, pois estes não desmatam
grandes áreas para a implantação de seus roçados e só cortam ou derrubam árvores em casos
realmente necessários, caso contrário, estas são sempre poupadas. Ratificando assim as
100
discussões levantadas por autores, como Haverroth (2010), quanto ao sistema de produção
indígena, o qual afirma que estes “sistemas de produção e uso de recursos naturais são de
baixo impacto ambiental, permitindo a conservação dos ecossistemas”. Para Haverroth (2010)
o fato de desmatar pequenas áreas, derrubando somente o necessário para o cultivo de roçados
e abertura de caminhos, além do abandono da área, após um determinado tempo, para o
pousio, torna o processo de regeneração da floresta mais acelerado.
Desse modo, também Anderson e Posey (1990) afirmam que a agricultura praticada
por alguns povos indígenas, como os Kayapó, não acarreta a exaustão do meio ambiente.
Diante dos resultados obtidos em suas pesquisas, estes autores observam que “é possível
cultivar a terra sem comprometer o ecossistema, explorando recursos e técnicas de trabalho
que, ao contrário das aplicadas por nós respeitam as características fundamentais das áreas
utilizadas e favorecem sua diversidade típica” (ANDERSON; POSEY, 1990, p. 200). Para
endossar essa observação, citamos também, a seguir, a reflexão feita por Balée (1993):
Isto não significa que os índios agricultores da Amazônia não tenham alterado o
meio ambiente de maneira significativa. Eles o fizeram: mas, em lugar de terem
provocado extinções, parecem ter na verdade contribuído para o aumento da
diversidade biológica. Esta aparente ação diversificadora estende-se desde os tempos
do Neolítico até o presente, e seu mais notável testemunho é a série de espécies
domesticadas e semi-domesticadas presentes na Amazônia (BALÉE, 1993, p. 386).
5.3.2
Estocagem e processamento da mandioca
A mandioca é geralmente estocada na própria roça e a colheita é feita conforme as
necessidades dos Borari. Estes indígenas consomem a mandioca de várias formas, que vai
desde cozida ou em forma de mingau (macaxeira, manicuera - mandioca mansa), até a farinha
e seus derivados (mandioca brava), tucupi, tapioca (povilho), beijus (em suas diversas formas:
beiju cica, mole, beiju duro, beiju de tapioca, entre outros), tarubá, tiborna, crueira, carimã (os
dois últimos são uma espécie massa bem peneirada de mandioca para fazer mingau e bolos) e
outros. O processo de beneficiamento da mandioca varia de acordo com a forma de consumo.
O tarubá, bebida obtida através da fermentação da massa de mandioca, é geralmente
produzido quando há trabalhos coletivos, festas ou para ofertar aos que visitam Novo Lugar
ou estão realizando algum tipo de trabalho na aldeia, como no nosso caso. Durante o trabalho
de campo, várias famílias fabricaram a bebida para nos ofertar.
A farinha é a principal forma de processamento da mandioca (Figura 22). Em linhas
gerais, as etapas dessa fabricação são: a coleta da mandioca nos roçados, seguida do
descascamento das raízes tuberosas, com a utilização de facas e terçados, cevagem da
101
mandioca, com um ralador manual, confeccionado com latas furadas ou com motor à
gasolina. Após a mandioca ser cevada esta é misturada à massa de mandioca mole29, a mistura
é feita nas gareiras. A prensagem da massa é realizada através do tipiti e a torrefação é
realizada em fornos de latão aquecidos com lenha. Esta última atividade é realizada por
homens e mulheres. Após a torrefação, a farinha é colocada em sacos para consumo interno e
para a venda, que é feita para os donos de embarcação que realizam viagens pelo Rio Maró ou
levada para a cidade de Santarém, onde é vendida no mercado local.
Figura 22. Algumas etapas da fabricação de farinha
A – colheita de mandioca; B – Descasca da mandioca; C – Prensagem da massa; D – Massa de mandioca sendo
peneirada e torrada.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
29
Alguns dias antes da descasca da raiz, uma porção de mandioca é coletada e colocada de molho, em sacos, no
rio ou em cascos cheios de água, com a finalidade de obter a massa da mandioca mole.
102
5.4
QUINTAIS
Iniciaremos este tópico conceituando os termos quintal e quintal agroflorestal. O
termo quintal é usado para se referir ao espaço do terreno, situado ao redor da casa,
regularmente manejado, onde são cultivadas plantas para vários fins, tais como: alimentares,
condimentares, medicinais, ornamentais, etc., e criados animais domésticos de pequeno porte
como: galinhas, patos e cachorros (AMOROZO; GÉLY, 1988; LIMA; SARAGOUSSI,
2000). Já os quintais agroflorestais podem ser entendidos como sistemas de uso da terra
envolvendo o manejo de árvores e arbustos, em íntima associação com cultivos agrícolas e
criação de animais, dentro dos limites das residências, e intensivamente manejados através do
trabalho familiar (FERNANDES; NAIR, 1986). Neste estudo, optamos por utilizar e definir
os quintais dos indígenas de Novo Lugar como do tipo agroflorestal, por estes apresentarem
as características descritas acima (Figura 23).
Figura 23. Exemplos de quintais agroflorestais entre os Borari de Novo Lugar.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
Em geral, os quintais dos Borari de Novo Lugar são bem cuidados e limpos,
apresentando grande diversidade de plantas úteis. De acordo com Miller et al. (2006), estes
espaços são geralmente limpos diariamente para evitar a presença de cobras e insetos. Na
Aldeia Novo Lugar, os quintais não possuem cercas, nem muros, sendo delimitados
geralmente por espécies vegetais, tais como: cajueiros (Anacardium occidentale L.),
ingazeiros (Inga sp.), mangueiras (Mangifera indica L.), bacabeiras (Oenocarpus bacaba
Mart), tucumanzeiros (Astrocaryum vulgare Mart.) e seringueiras (Hevea brasiliensis M.
Ang.). Em geral, as plantas medicinais e as verduras ficam localizadas próximas às casas num
jirau suspenso.
São nos quintais que estão localizadas as casas de farinha, espaço de trabalho, mas
103
também de sociabilidade. Durante o trabalho de campo, foi observado que, quando uma
família inicia os trabalhos na casa de farinha, logo outros Borari começam a chegar para
conversar e ajudar a família em todas as etapas da fabricação de farinha.
Os quintais são espaços que apresentam várias funções para os Borari, entre elas,
servem para promover festas, encontros e reuniões comunitárias, brincadeiras de crianças,
rezas e para o descanso da família, além da criação de pequenos animais domésticos (como
galinhas, patos e cachorros) e secagem das roupas (Figura 24). Para Dubois (1996), o quintal
é um espaço tanto para plantações de espécies úteis e criação de pequenos animais como um
espaço de convívio social. Neste sentido, Miller et al. (2006) salientam o valor dos quintais
para as famílias e a importância do avanço nas pesquisas em relação a estes espaços, no
sentido de estudar não só a composição, freqüência e uso das espécies neles existentes, mas
também as funções no contexto social e agrícola de subsistência.
Figura 24 – Funções dos quintais para os Borari de Novo Lugar.
A: Cultivo de plantas medicinais e verduras em jirau suspenso; B: Espaço de recreação para as crianças e criação
de animais; C: Secagem de roupa no quintal por mulher Borari e D: Reunião de indígenas na casa de farinha para
início dos trabalhos de fabricação da farinha.
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
104
Estas funções dos quintais também foram observadas na aldeia dos Waimiri-Atroari
(MILLER et al., 2006). Nota-se, também, que os Borari mantêm em seus quintais um rico
banco de germoplasma, sobretudo de espécies alimentícias. Algumas plantas, antes de serem
cultivadas nas roças, ou em outras áreas da Aldeia, são primeiramente plantadas nos quintais
para melhor adaptação e só após a semente germinar e a planta estar com certo grau de
desenvolvimento, é que são levadas para seus lugares definitivos como as roças (Figura 25).
Desse modo, pode-se considerar que os quintais são espaços onde novas espécies e variedades
vegetais são testadas, aclimatadas e multiplicadas antes de se fazer plantios mais extensos
(MILLER; NAIR, 2006).
Figura 25 – Banco de germoplasma in vivo,
“Berçário” de mudas de laranjeiras (A) e cupuaçuzeiros (B).
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
Os quintais Borari apresentam grande diversidade de espécies distribuídas em
diferentes estratos e zonas de manejo, o que teoricamente pode nos proporcionar subsídios
para a discussão sobre as práticas de manejo e gestão desse ambiente, considerando o
conhecimento e as práticas realizadas nestes espaços pelas comunidades indígenas, já que a
interação entre os recursos naturais e o seu manejo, por parte dos Borari, está baseada em seus
conhecimentos, necessidades e utilização de tecnologias simples.
Os sistemas agroflorestais incorporaram uma variedade de espécies, atestando sua
flexibilidade e a capacidade de inovação dos agricultores (MILLER et al., 2006), sejam eles
indígenas ou não. Segundo Miller e Nair (2006), a prática de quintais agroflorestais de origem
indígena é mantida viva tanto pelos grupos indígenas remanescentes quanto pelas populações
ribeirinhas e caboclas de origem mestiça, pois os quintais agroflorestais tradicionais
representam um equilíbrio dinâmico das práticas indígenas com o cenário criado pelo
105
processo de colonização (MILLER et al., 2006).
Lock (1996) discute os quintais agroflorestais como sistemas que demonstram, através
de sua complexidade, características como: eficiente ciclagem de nutrientes, alta
biodiversidade e grande potencial para a conservação da estrutura física e da fertilidade do
solo.
Neste sentido, podemos citar o estudo realizado por Pinho et al. (2011), nas savanas de
Roraima, com as etnias Macuxi, Wapixana, Taurepang e Sapara, que constituem a Terra
Indígena Araçá, onde observaram que a fertilidade do solo foi resultado da escolha e
combinação de plantio de árvores e da ocupação humana. Para estes autores, a melhoria das
características do solo, nos quintais, ao longo do tempo, forma as ilhas de fertilidade. As
manchas de terra com maior fertilidade são encontradas em torno das casas, isso se deve a
maior concentração de nutrientes gerados a partir das ocupações humanas, já que estas
descartam, em áreas específicas, dejetos de fácil decomposição, como restos de alimentos e
matéria orgânica proveniente da limpeza do próprio quintal, como folhas e frutos (MILLER et
al., 2006).
Posey (1987), em seu artigo sobre o ”Manejo da floresta secundária, capoeiras,
campos e cerrados (Kayapó)”, observa que um dos principais resultados do manejo de
quintais pelos Kayapó é a formação de um solo muito fértil. Afirma, ainda, que estes espaços
podem ser alguns dos mais ricos e produtivos solos da Amazônia e isso se dá devido ao seu
manejo. Estas faixas de solos férteis são denominadas de “terra preta dos índios”.
Os Borari associam os quintais como pertencentes à unidade familiar residente na
casa, ou seja, em uma casa onde residem duas famílias, o quintal é gerido pelas duas famílias.
No entanto, a palavra final é sempre da matriarca da família. Pois o quintal “pertence” à
mulher do dono da casa. Ela é a responsável pelo manejo e a gestão dos recursos naturais
desse ambiente, bem como pelo cuidado dedicado a ele, como a limpeza e trato com os
pequenos animais.
Nos 17 quintais estudados na aldeia Novo Lugar, foram levantadas 128 espécies
vegetais (ver apêndices A), às quais são atribuídos diferentes usos (medicinal, mágico,
alimentício, ornamental, confecção de utensílios e artesanato (incluindo-se, nesta categoria, as
destinadas à pintura corporal). Assim sendo, os quintais podem ser considerados como um
componente importante de subsistência, tecnologias e conhecimentos culturais de indígenas
amazônicos (MILLER et al., 2006).
É importante ressaltar que as espécies mais comuns nos quintais dos Borari são de uso
106
múltiplo, estando incluídas em duas ou mais categorias de uso. O açaí (Euterpe oleraceae
Mart.), encontrado em todos os quintais, e o abacaxi (Ananas comosus (L.) Merril),
encontrado em 15 dos 17 quintais da aldeia, são utilizadas como alimento e medicinal. Neste
estudo, relacionamos especialmente aquelas espécies dos quintais consideradas principais
pelos Borari, as quais são apresentadas no item 4.5 deste capítulo.
Ao se tratar da origem das plantas nos quintais, verificamos que 17 (dezessete) das
128 espécies cultivadas pelos Borari foram trazidas pelos mesmos das florestas de terra firme,
da capoeira, das florestas de igapó, das matas às margens de lagos e igarapés (Figura 26) com
a intenção de tê-las mais próximas de casa e facilitar assim o acesso a estas espécies, como
explicita a fala do Senhor Floriano Borari:
“Eu planto essas plantas aí que trago de outro lugar, da mata, da
colônia, até lá do lago, pra ver a natureza perto de casa, árvores,
frutas atrai bicho, passarinho eu gosto. Pra ter também frutas e
remédios por perto pra dar para os filhos, netos e vizinho e é por isso
que acho que o quintal é importante pra mim” (Sr. Floriano Alves 65
anos).
Figura 26 – Quadro: Plantas trazidas das florestas de terra firme, florestas de igapó, capoeiras,
margens de lagos e igarapés pelos Borari para serem cultivadas em seus quintais.
Nome Vulgar/ Nome científico
Categoria
de uso
atribuída
Origem da planta
Forma de
plantio no
quintal
Abacate
Persea americana Mill.
Açaí
Euterpe oleraceae Mart.
A
M
A, M, ART
Igarapé da Raposa
Semente
Muda
Semente
Andiroba
Carapa guianensis Aublet.
M
Floresta de igapó
Mata da Beira do lago
Mata da Beira de Igarapé
Florestas
Araticum
Annona montana Macf.
Arcanfocaá
Barreria latifólia (Aubl.) K.
Schum.
Arraiacaá
Piper marginatum Jacq.
Buriti
Mauritia flexuosa L.
Caju
Anacardium occidentale L.
Cumapú
Physalis angulata L.
Cumaruzinho
(não identificada)
A,M
Capoeiras
Muda
MAG
Floresta de igapó
Muda
MAG
Floresta de igapó
Muda
A, ART,
ADU
A, M
Floresta de igapó
Muda
Capoeira
Semente
M
Capoeira
Muda
MAG
Floresta
Muda
Muda
107
Figura 26– Continuação
Nome Vulgar/ Nome científico
Categoria
de uso
atribuída
A
Origem da planta
A, M
Capoeira
A, M
Floresta
Forma de
plantio no
quintal
Muda
Semente
Semente
Raiz
Semente
Seringa
Hevea brasiliensis M. Ang.
ART
Florestas
Muda
Taperebá
Spondias mombim L.
Vassoureira
Myrciaria floribunda (H. West
ex Willd.) O. Berg
Vindicá
Alpinia zerumbet (Pers.) B. L.
Burtt & R.M. Sm.
A, M
Capoeira
Muda
M, F.U
Capoeiras
Galho
M, MAG.
Florestas
Muda
Curuminzeiro
Justicia pectoralis Jacq.
Laranja
Citrus sinensis L. Osbeck
Muruci-açu
Byrsonima aerugo Sagot
Capoeira
Categoria de Uso: A = alimentícia; M = medicinal; MAG. = mágica; ART. = confecção de artesanato; ADU. =
adubo; F. U. = fabricação de utensílios
Fonte: Pesquisa de Campo, 2010
Nota-se que às espécies trazidas pelos Borari, de seus ambientes naturais, para cultivo
em seus quintais são atribuídas geralmente mais de uma categoria de uso e forma de
introdução, a qual pode se dar através da plantação de sementes, raízes, mudas e galhos. As
espécies vegetais da floresta que os Borari gostariam de ter em seus quintais são: piquiá
(Caryocar villosum (Aubl.) Pers.) [nove citações], uxi-liso (Endopleura uchi (Hub) Cuart.)
[oito citações], castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.) [seis citações], mururé
(Brosimum obovata Ducke) [quatro citações], andiroba (Carapa guianensis Aublet.), sucuúba
(Hiamatanthus sucuuba (Sppruce) Woodson) e tauari (Couratari oblongifolia Ducke & R.
Knuth) [todas com três citações], copaíba (Copaifera sp.) e muirassacaca (Croton cajucara
Benth.) [com duas citações] e pepina (não identificada), abiu (Pouteria caimito (Pavon)
Radlk) e caju-açú (Anacardium spruceamum Benth. Ex Engl.) [com apenas uma citação].
Os motivos pelos quais os Borari gostariam de ter essas espécies em seus quintais,
segundo os próprios indígenas, dizem respeito à importância das mesmas como alimentícias e
medicinais, a grande distância que devem percorrer para encontrarem e obterem estas plantas
e, finalmente, o medo de penetrar na mata devido à presença dos madeireiros e seus
funcionários. O mururé, por exemplo, é encontrado na cabeceira do Igarapé do Cachimbo e,
108
para atingi-lo, é necessário que os indígenas atravessem o Condomínio Agroflorestal Japurá
(base dos madeireiros) e fazendas de “propriedade” desses empresários.
5.4.1
A magia do plantio nos quintais
Kerr e Clement (1980), em seus estudos com os Desâna e Tikúna, registraram algumas
crendices (rituais) associadas aos seus cultivos de pupunha. Entre os Desâna: a) raspando a
semente com um ralo, a planta não produz espinhos e, b) se amarrar as folhas novas em cima,
a árvore crescerá pouco e produzirá cachos a baixa altura. Entre os Tikúna: a) no momento do
plantio, deve-se ter nas costas um paneiro bem cheio, de modo a se fazer bastante esforço,
isso fará a pupunheira produzir muito; b) plantando com casca de aruá (Pomatium
amazonicum) a pupunheira dará cachos bem baixo, sem isso dará alto; c) se passar banha de
tartaruga na semente as pupunhas sairão oleosas e, d) se raspar a semente, lixá-la até ficar
lisinha, esfregando na cinza, a planta sairá sem espinhos.
Nenhum desses rituais foi observado ou mencionado pelos indígenas de Novo Lugar,
porém, os Borari costumam realizar também, em seus quintais, o ritual da fumaça, praticado
nos roçados, para que as plantam tenham um bom desenvolvimento. Arranhar o caule das
fruteiras com espinha de peixe é outro rito praticado pelos indígenas com o objetivo de que as
mesmas dêem uma boa safra. As mulheres menstruadas não manejam as plantas nesse período
e as ervas medicinais não podem ser fervidas quando elas estão neste estado, pois isso causa a
morte da planta. Plantas como arruda (Ruta graveolens L.), cuja utilidade é a proteção da
família e da casa, não podem ser plantadas em lugares onde fiquem expostas à vista, seu
cultivo é realizado em locais reservados, quase que escondidos, pois, caso contrário, as
pessoas tiram a força da planta e ela morre.
5.5
PRINCIPAIS ESPÉCIES VEGETAIS UTILIZADAS E MANEJADAS PELOS
BORARI: LEVANTAMENTO ETNOBOTÂNICO
Os Borari utilizam, manejam e cultivam, espécies vegetais de diferentes ambientes da
Aldeia (florestas, capoeiras, roças e quintais). Todavia, neste estudo, demos maior ênfase aos
ambientes de florestas, roças e quintais. Neste tópico, são apresentadas as plantas
consideradas pelos Borari como principais para a manutenção dos seus modos de vida,
agregando-se dados sobre o seu uso e manejo (Figura 27).
109
Figura 27 – Número de espécies vegetais consideradas mais importantes pelos Borari em
diferentes ambientes explorados pelos indígenas na Aldeia Novo Lugar.
Fonte pesquisa de campo, 2010.
Como aponta a Figura 27, a floresta guarda o maior número de espécies consideradas
muito importantes pelos Borari, se comparada a quintais e roças. Algumas das espécies da
floresta são cultivadas posteriormente nos quintais, porém, a maioria delas são coletadas pelos
Borari diretamente no seu ambiente natural (Figura 26). Os Borari identificam facilmente os
locais de ocorrência destas espécies na mata, o que os permite obtê-las com facilidade, em
caso de necessidade. Ming e Amaral Junior (2003), em seu estudo na Reserva Extrativista
Chico Mendes, confirmam o hábito dos indígenas de não plantarem certas espécies perto de
casa por terem uma relação muito íntima com floresta. Ratificando a observação de Ming e
Amaral e, reforçando a prática de coleta dos recursos naturais diretamente da floresta, citamos
abaixo trecho de entrevista com o Senhor Higino Alves Borari:
“Não é preciso plantar, ter perto de casa muitas dessas plantas, basta
ir coletar na mata ou em outro lugar, no igapó, na beira do lago, do
igarapé, no lugar dela para pegar, eu sei onde tá tudo essas plantas”
(Cacique e Pajé Higino Alves Borari, 56 anos).
Foram levantadas, nos 17 quintais Borari analisados, 128 espécies vegetais (Apêndice
A) utilizadas, manejadas e cultivadas pelos indígenas, das quais oito (8) foram consideradas
muito importantes para eles. A saber: açaí (Euterpe oleraceae Mart.), abacaxi (Ananas
comosus (L.) Merril), banana (Musa sp.), caju (Anacardium occidentale L.), arruda (Ruta
graveolens L.), goiaba (Psidium guajava L.), urucum (Bixa orellana L.) e cupuaçu
110
(Theobroma grandiflorum Schum.) (ver também Figura 28).
Enquanto que, entre os 17 (dezessete) roçados estudados, na Aldeia Novo Lugar, onde
registrou-se a ocorrência de 14 espécies de plantas cultivadas pelos indígenas (Apêndice B),
em forma de consórcio, apenas duas (2) foram apontadas como principais: mandioca
(Manihot esculenta Crantz) e cará (Dioscorea sp.).
Por sua vez, os Borari citaram 93 espécies vegetais (Apêndice C) utilizadas e
manejadas por eles oriundas das florestas de terra firme, dentre as quais, 21 (vinte e uma)
foram consideradas muito importantes para sua reprodução social, são elas: andiroba (Carapa
guianensis Aublet.), arumã (Thalia geniculata L.), bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.), buruti
(Mauritia flexuosa L.), castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.), cipó-titica (Heteropis
flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting), copaíba (Copaifera sp.), cumaru (Dipteryx odorata (Aubl.)
Willd.), curuá (Attalea spectabilis Mart), envira-taia (Anona ambotay Aubl.), itaúba
(Mezilaurus itauba Taubert ex Mez.), jatobá (Hymenae courbaril L.), muirassacaca (Croton
cajucara Benth), mururé (Brosimum obovata Ducke), patauá (Oenocarpus bataua Mart.),
piquiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers.), preciosa (Aniba canellila Mez.), taurari (Couratari
oblongifolia Ducke & R. Knuth), ucuúba-preta (Virola sp.), uxi curuba (Hirtella sp.) e uxi liso
(Endopleura uchi (Hub) Cuart.).
No total, foram consideradas pelos Borari 31 espécies vegetais como principais para a
manutenção de seus modos de vida (Figura 28). Para a sistematização destas plantas, foram
consideradas oito (8) categorias de uso, indicadas pelos Borari, nas quais buscamos incluir as
diversas formas de utilização dos recursos vegetais, nos diferentes espaços explorados e
estudados na Aldeia Novo Lugar. Os critérios gerais, indicados pelos indígenas, para a
inclusão dessas plantas nestas categorias de uso estão descritos abaixo:
 Alimentícia – todas as plantas utilizadas, de alguma forma, na dieta alimentar dos
Borari, sendo elas extraídas ou cultivadas. Várias dessas espécies são apontadas
também como alimento para animais;
 Medicinal – aqui foram consideradas apenas as plantas utilizadas como remédio para
a cura de doenças físicas pelos indígenas;
 Mágica – incluem-se, nesta categoria, exclusivamente as plantas utilizadas nos rituais
praticados pelos Borari e na cura de doenças do espírito, tais como encantamento,
mal olhado e feitiços, assim como aquelas utilizadas para a proteção de pessoas e
casas e para dar sorte à caçadores e pescadores;
111
 Artesanal – espécies vegetais utilizadas na confecção de adornos, roupas, enfeites,
tintura de utensílios e pintura corporal;
 Adubos – plantas cuja utilidade é a de adubar outras plantas;
 Fabricação de utensílios – espécies vegetais utilizadas para a fabricação de utensílios
domésticos, como colheres, remos, móveis, arcos, cuia-péua, tipiti, peneiras,
paneiros, jamanxins, panacú e outros;
 Construção – plantas utilizadas na construção das habitações e demais edificações da
Aldeia, assim como de canoas e bajaras;
 Atrativo para a caça – incluem as espécies vegetais que servem para atrair a caça.
Os povos indígenas possuem um vasto conhecimento sobre as plantas que
manejam e utilizam. Milliken et. al., (1992) registraram o conhecimento dos Waimiri-Atroari
em relação às plantas que manejam e utilizam. Segundo os autores, foram atribuidas seis
categorias de uso para as plantas utilizadas pelos indígenas estudados: alimentícia, tecnologia,
medicinais, construção, rituais e comerciais.
112
Figura 28 – Quadro: Levantamento etnobotânico das espécies vegetais consideradas mais importantes pelos Borari da Aldeia Novo Lugar.
Nome Popular/
Nome Científico
Abacaxi
Ananas comosus (L.)
Merril
Açaí
Euterpe oleraceae Mart.
Família
Botânica
Bromeliaceae
Arecaceae
Ambiente onde
as plantas são
extraídas e/ou
cultivadas
Quintais
Roças
Quintais
Floresta
Hábito
Categoria de
uso
Parte
utilizada
E
A
- Fruto
PAL
M
A
M
ART
Andiroba
Carapa guianensis
Aublet.
Meliaceae
Floresta
A
M
ATRA
Arruda
Ruta graveolens L.
Rutaceae
Quintais
E
M
MAG.
Arumã
Thalia geniculata L.
Marantaceae
Floresta
PAL
ART./F.U
Formas de Uso
- Alimento humano (suco ou in natura; licor
servido em rituais)
- Folhas
- Eliminar vermes de cachorros
- Fruto
- Alimento humano (vinho e in natura) e para
pássars
- Raiz
- Tratar hepatite e anemia
- Sementes - Confeccionar colares, pulseiras, brincos e
outros.
- Óleo do
- Combater o inchaço, baque, tosse, ferida e
fruto
desmintidura30
- Afugentar mosquitos
- Fruto
- Os frutos são apreciados por animais como:
paca, jabuti, cutia, macaco, queixada, etc. Na
safra os Borari aproveitam para esperar
próximo da árvore a caça para abatê-la
- Folhas
- Tratar a dor de estômago; derrame; limpar o
útero após o parto; dor de cabeça; esipla
(erisipela) e constipação
- Folha/planta - Combater mal olhado; proteger a casa e as
inteira
pessoas
- Folhas
Fabricação de paneiros, cestos e peneiras
Hábito: A = árvore; AB = arbusto; C = cipó; E = erva; PAL = palmeira. Categoria de Uso: A = alimentícia; M = medicinal; MAG.. = mágica; ART. = utilizada para a
confecção de artesanato; ADU. = adubo; F. U. = fabricação de utensílios; CONS. = construção; ATRA = atrativo para caça.
30
Desmintidura ou desmentidura é a junta de ossos machucada devido ao mau jeito, quedas ou baques; ossos deslocados, destrocados ou batidos. Fala-se que “o osso saiu do
lugar” (VAZ FILLHO, 2010b)
113
Figura 28 – Continuação
Nome Popular/
Nome Científico
Família
Botânica
Bacaba
Oenocarpus bacaba
Mart
Banana
Musa sp.
Arecaceae
Musaceae
Buruti
Mauritia flexuosa L.
Arecaceae
Caju
Anacardium occidentale
L.
Anacardiaceae
Cará
Dioscorea sp.
Castanha-do-Pará
Bertholletia excelsa
Bonpl.
Dioscoreaceae
Lecythidaceae
Ambiente onde
as plantas são
extraídas e/ou
cultivadas
Quintais
Floresta
Hábito
Categoria
de uso
Parte utilizada
PAL
A
- Fruto
Quintais
Roçados
E
ART./F.U
A
M
- Folhas
- Fruto
- Seiva do tronco
Floresta
PAL
A
ART
ATRA
- Fruto
- Folhas
- Fruto
ADU
- Folhas/tronco
A
- Fruto
M
- Casca do tronco
E
A
- raiz
A
A
- Fruto
M
ATRA
- Ouriço
- Fruto e flor
Quintais
Roças
Quintais
Floresta
A
Forma de Uso
- Alimento humano (vinho ou in natura) e
para pássaros,
- Para a fabricação de tipiti e peneiras
- Alimento humano (in natura ou mingau)
- Curar feridas na boca de criança; tosse e
estancar sangue
- Alimento humano (in natura e/ou “vinho”)
- Fabricação de tipiti e peneiras
- Apreciados por animais como: antas,
queixada, catitu, etc. Na safra os Borari
esperam a caça, próximo da árvore, para
abatê-la
- Quando estão apodrecidos os Borari
colocam nas plantas que cultivam para adubálas
- Alimento humano (in natura e suco) e de
animais (passarinhos)
- Curar tosse, ferida, diarréia e como
cicatrizante
- Alimento humano (sob a forma de mingau,
tiborna, manicuera e cozido)
- Alimento humano (in natura, mingau, e leite
para temperar comida (caça)
- Combater a hepatite
- Na época em que as flores e frutos estão
caindo, os Borari esperam, próximo às
árvores, animais como: cutia, macacos antas,
paca, queixada, catitu, etc, para caçá-los
114
Figura 28 – Continuação
Nome Popular/
Nome Científico
Família
Botânica
Ambiente onde
as plantas são
extraídas e/ou
cultivadas
Hábito
Categoria
de uso
Parte
utilizada
Cipó-titica
Heteropis flexuosa
(H.B.K.) G.S Bunting
Copaíba
Copaifera sp.
Cumaru
Dipteryx odorata (Aubl.)
Willd.
Cupuaçu
Theobroma grandiflorum
Schum.
Curuá
Attalea spectabilis Mart
Envira-taia
Anonna ambotay Aubl.
Araceae
Floresta
C
CONS
- raiz
- Para amarrar a palha nos caibros e cobrir a
casa
Caesalpiniaceae
Floresta
A
M
- Óleo
- Curar a tosse, baque, derrame e inflamação
Fabaceae
Floresta
A
M
F.U.
- Semente
- Madeira
- Para combater a tosse, gripe e catarro
- Para a fabricação de mesas e bancos
Sterculiaceae
Quintais
A
A
ART
- Alimento humano (vinho, suco e doce)
- Para a confecção de cuias
Arecaceae
Floresta
PAL
Anonaceae
Floresta
A
CONS
A
M
- Fruto
- Casca do
fruto
- Folhas
- Fruto
- Sumo da
entre casca
- Casca
MAG.
Goiaba
Psidium guajava L.
Myrtaceae
Quintais
A
A
M
Itaúba
Mezilaurus itauba Taubert
ex Mez.
Lauraceae
Floresta
A
CONS.
- Fruto
- Folhas
jovens
- Madeira
F.U
- Madeira
Forma de Uso
- Para cobrir as casas
- Alimento humano (in natura e mingau)
- Combater o reumatismo
- Defumação para: espantar mal olhado,
pessoa encantada, olhada de bicho e para
que as plantas cresçam sadias e produzam
bem (ritual da fumaça)
- Alimento humano e de animais como
pássaros, galinhas e porcos
- Para tratar a diarréia
- Construção de casas e canoas (bajaras e
cascos)
- Fabricação de remos, arcos, cuia-peuá (apá
para mexer a farinha quando está sendo
torrada)
115
Figura 28 – Continuação
Nome Popular/
Nome Científico
Jatobá
Hymenae courbaril L.
Mandioca
Manihot esculenta Crantz
Família Botânica
Caesalpiniaceae
Euphorbiaceae
Ambiente onde
as plantas são
extraídas e/ou
cultivadas
Floresta
Roçados
Quintais
Hábito
Categoria
de uso
Parte
utilizada
A
A
.- Fruto
M
ATRA
- Casca
- Fruto
A
- Raiz
AB
M
ADU
Muirassacaca
Croton cajucara Benth.
Mururé
Brosimum obovata Ducke
Patauá
Oenocarpus bataua Mart.
Piquiá
Caryocar villosum (Aubl.)
Pers.
- Casca da
raiz
- Tucupi da
raiz
Folhas/casca
Euphorbiaceae
Floresta
A
M
MAG.
Moraceae
Floresta
A
M
- Folhas
Arecaceae
Floresta
PAL
A
ATRA
- Frutos
Caryocaraceae
Floresta
A
A
M
- Fruto
Forma de Uso
- Alimento humano (in natura; mingau, na
comida (como tempero na carne de caça)
- Curar gripe, tosse e hemorragia
- Os Borari esperam por animais como: anta,
paca, cutia, macaco embaixo da árvore
quando os frutos estão caindo.
- Alimento humano (farinha, beiju, tarubá,
tucupi e tapioca) e para animais (porcos e
galinhas)
- Combater a Esipla (emplasta-se o local
afetado com a massa da macaxeira)
- As cascas das raízes são queimadas e depois
de frias são colocadas nas plantas para adubálas
- Matar formigas saúvas (sob a forma de
tucupi)
- Combater a gastrite
- Fabricação do cigarro do pajé no ritual de
cura
- Tratar o reumatismo e o baque
- Alimento humano (in natura e em vinho)
- Os Borari esperam animais como: paca,
veado, macaco, cutia e outros, próximo ao
patauazeiro para caçá-los
- Alimento humano (cozido)
- Fabricação do óleo para passar em inchaços
e hérnias
116
Figura 28 – Continuação
Nome Popular/
Nome Científico
Família Botânica
Hábito
Categoria
de uso
Parte
utilizada
Lauraceae
Ambiente onde
as plantas são
extraídas e/ou
cultivadas
Floresta
A
M
- Casca
Lecythidaceae
Floresta
A
CONS
MAG.
Madeira
Folhas/casca
Myristicaceae
Floresta
A
M
- Casca
Bixaceae
Quintais
Roçados
AB
- Frutos
Uxi curuba
Hirtella sp.
Humiriaceae
Floresta
A
A/
ART
M
A
ATRA
Uxi liso
Endopleura uchi (Hub)
Cuart
Humiriaceae
Floresta
A
M
A
ATRA
- Casca
- Fruto
Preciosa
Aniba canellila Mez.
Taurari
Couratari oblongifolia
Ducke & R.Knuth
Ucuúba-preta
Virola sp.
Urucum
Bixa orellana L.
- Raiz
- Fruto
- Casca
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Forma de Uso
- Tratar a dor no estômago e a gastrite
- Construção das casas
- Tirar mal olhado, olhada de bicho e enrolar o
cigarro do pajé utilizado nos rituais
- Curar a tosse, diarréia, e amebas
- Temperar comida
- Realizar a pintura corporal e de utensílios
- Curar micoses de cachorros
- Alimento humano (in natura)
- Na safra, os Borari esperam animais como:
veado, anta, queixada, catitu, tatu, paca, cutia,
macaco, jacu, inambú e outros, próximo ao
uxizeiro para caçá-los.
- Curar tosse (fabricação de xarope)
- Alimento humano (in natura)
- Na safra, os Borari esperam animais como:
veado, anta, catitu, tatu, paca, cutia, macaco, jacu,
inambú e outros bichos para caçá-los.
- Curar a tosse (fabricação de xarope)
117
Conforme aponta a Figura 28, algumas das 31 plantas consideradas pelo Borari como
mais importantes são constantemente utilizadas para diferentes finalidades. Dez (10) dessas
31 plantas apresentaram três diferentes tipos de uso. Entre os usos múltiplos, destaca-se a
combinação alimentícia-medicinal-atrativo para a caça (com cinco plantas indicadas), seguida
da combinação alimentícia-medicinal (com quatro plantas indicadas), medicinal-mágica e
alimentícia-medicinal-artesanal (com três plantas indicadas, cada). Percebemos que estas
espécies podem possuir certa centralidade na vida e no cotidiano dos indígenas, no entanto, é
salutar ressaltar que outras plantas, que tem apenas uma finalidade de uso, também podem ser
extremamente importantes para os Borari, como é o caso do cará, da copaíba e do mururé (por
sua especificidade e rara ocorrência na área).
As espécies de usos múltiplos oriundas da floresta são manejadas pelos Borari,
principalmente pela técnica da coleta, de forma que suas intervenções acarretem o mínimo de
prejuízo à ocorrência dos recursos na área, isto é, quando uma fruteira está na época da safra,
tem-se o cuidado de não coletar todos os frutos desta planta para o consumo, possibilitando a
sua reprodução; ou, ainda, quando se coleta a casca de uma árvore, faz-se de maneira a não
vir a provocar a morte desta planta. Outro exemplo é a já citada coleta de palha (ou de folhas
do curuá).
Das 31 espécies vegetais consideradas principais pelos Borari, seis espécies são
palmeiras. Campos e Ehringhaus (2003) realizaram um estudo sobre o conhecimento que os
Yawanawá e Kaxinawá detêm sobre este grupo de plantas. Estas autoras registraram o uso de
18 espécies entre os Yawanawa e 21 entre os Kaxinawá. Dentre elas, estão as espécies dos
gêneros:
Euterpe,
Thalia,
Oenocarpus,
Mauritia,
Attalea,
Astrocaryum,
Bactris,
Cheylocarpus, Chameodora, entre outros, os primeiros cinco gêneros de palmeiras,
coincidindo com aqueles cujas espécies são manejadas e utilizadas pelos Borari.
Os indígenas estudados por Campos e Ehringhaus atribuíram quatro categorias de uso
para suas palmeiras, como: alimentícia, tecnologia, artesanato e rituais, enquanto que os
Borari atribuíram sete diferentes categorias de uso para as palmeiras manejadas por eles, são
elas: alimentícias, medicinais, artesanais, construção, atrativo para caça, fabricação de
utensílios e como adubo para as plantas por eles cultivadas. Desse modo, verifica-se que as
palmeiras desempenham um papel central na vida dos Borari, pois estão associadas às
necessidades básicas desses indígenas, como: alimentação, remédio, construção das casas e
utensílios.
As plantas de interesse dos Borari são manejadas de diferentes maneiras, sendo
118
algumas coletadas no seu ambiente natural e outras cultivadas nos quintais e roças. Para
sistematizar este manejo, separamos as plantas estudadas em três categorias: plantas
coletadas, plantas cultivadas e plantas coletadas e cultivadas.
 Plantas coletadas – aquelas cujo uso está ligado estritamente à retirada de partes da
mesma do ambiente natural de ocorrência;
 Plantas cultivadas – aquelas cuja existência na área da Aldeia depende diretamente da
intervenção humana, seja através do transporte e plantio de mudas ou cultivo a partir
de semente;
 Plantas coletadas e cultivadas – aquelas que passam pelos dois tipos de manejo citados
anteriormente.
A distribuição das freqüências entre as três categorias de manejo de plantas aponta a
coleta como a prática de manejo mais utilizada (Figura 29). A diversidade de plantas
coletadas exige um bom estado de conservação da floresta e dos ambientes onde estão
disponíveis. O acesso aos locais de coleta dos recursos, muitas vezes, orientam a abertura de
novos caminhos na floresta. Todavia, algumas plantas são coletadas nas roças, tais como:
pajurá (Couepia bracteosa Benth.); mucajá (Acrocomia sclerocarpa Mart.), escada-de-jaboti
(Bauhinia guianensis Aubl.) e tucumã (Astrocaryum vulgare Mart.), pois são conservadas
durante a abertura e o preparo da terra para o plantio. Além disso, muitas plantas são mantidas
ou cultivadas nos caminhos para a floresta e por diferentes espaços da Aldeia, como, por
exemplo: muruci ou muruci do norte (Byrsonima crassifolia (L.) Kunth), verônica (Dalbergia
monetária L.F.), quina (Quassia amara L.) e barbatimão (Stryphnodrendron brabatimam Mart.).
119
Figura 29 – Relação entre as categorias de uso e as práticas de manejo para as 31 plantas
consideradas mais importantes pelos Borari.
Fonte pesquisa de campo, 2010.
As plantas cultivadas são principalmente aquelas pertencentes às categorias de uso
alimentícias e medicinais. São cultivadas nas roças principalmente a mandioca (Manihot
esculenta Crantz) brava e mansa (macaxeira) em suas diferentes variedades. Foram
registradas entre os Borari 30 variedades de mandioca (Figura 30). Outra planta cultivada em
menor escala, mas considerada como a segunda mais importante nos roçados, é o cará
(Dioscorea sp.), representada com quatro diferentes variedades (Figura 30).
Segundo Kerr e Clement (1980), a mandioca é uma das espécies mais antigas dos
índios sul-americanos, datando entre quatro e dez mil anos. Sendo uma das principais
espécies cultivadas na Amazônia, representada por numerosas variedades (PINTON;
EMPERAIRE, 2004; EMPERAIRE, 1999), se constitui numa das principais fontes de
carboidratos (Emperaire, 1999). Para as autoras, as pesquisas científicas sobre a diversidade
das mandiocas ainda são escassas, em relação à alta diversidade étnica e territorial dos grupos
que a cultivam.
120
Figura 30 – Variedades de mandioca, macaxeiras e carás registradas nas roças dos Borari da
Aldeia Novo Lugar
Variedades de
Mandioca
Acari
Achada preta
Baixinha
Brebe
Brebe olhuda
Brebe roxo
Cadete
Carauaçu
Caroço
Castanha
Cavalo
Coraci
Flexa
Guia roxa
Inambú
Jaboti Vermelho
Jaraqui
Joaquim Pedro
Quantidade
deroçados onde
estão presentes
5
2
4
1
2
6
5
3
4
1
5
5
7
2
3
5
3
1
Variedades de
Mandioca
Manicuera preta
Manivão
Maria Augusta
Olhudinha
Passarinho
Petrona
São José
Sardinha
Tauazinho
Vermelhinha
Variedades de Macaxeira
Macaxeira manteiguinha
Macaxeira preta
Variedades de Cará
Cará branco
Cará espinho
Cará pé-de-anta
Cará roxo
Quantidade de
roçados onde
estão presentes
13
2
3
4
2
5
1
8
2
5
9
10
9
6
4
12
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Como podemos perceber, a alta diversidade inter e intra-específica das espécies
cultivadas nos roçados e quintais da Aldeia Novo Lugar são características dos sistemas de
produção dos Borari. Sua complexidade reflete a dimensão do conhecimento necessária para
manejá-la, bem como as relações sociais estabelecidas, como: o trabalho coletivo, as redes de
trocas de plantas e o consórcio de espécies. Em seus estudos com os indígenas na Amazônia,
Kerr e Clement (1980) encontraram os seguintes números de variedades de mandioca: 40
entre os Desâna; 17 entre Yamamadi; 14 entre Galibí; 14 entre Tikuna-Umarí-açu; e 12 entre
Paumarí. Em relação ao cultivo do cará, os Desâna cultivam oito variedades diferentes
(KERR; CLEMENT, 1980). Emperaire (2002) registrou uma grande variedade de mandioca
entre os indígenas da Amazônia Brasileira. Entre os Tukano, foram 89 variedades; entre os
Baniwa 74; 60 entre os Baré; 13 e 19 entre os Sateré-Mawé de Marau Nova Esperança e
Sateré-Mawé de Marau Nova Aldeia respectivamente (EMPERAIRE, 2002).
Nos cultivos Borari, além da mandioca, o muruci, cultivado nos quintais, mesmo não
tendo sido apontada como uma das plantas principais para os Borari, apresenta três diferentes
variedades nestes espaços (Figura 31).
121
Figura 31 – Diversidade infra-específica de murucis cultivada pelos Borari em seus quintais
Fonte: Pesquisa de campo, 2010.
Aproveitando-se da variabilidade genética, os indígenas da Amazônia conseguem
vencer e usar a variabilidade ecológica, os diferentes espaços (secas, enchentes, terra firme,
várzea) (KERR; CLELMENT, 1980). Isso demonstra o vasto conhecimento em relação às
plantas que manejam e utilizam. Para Pedroso Junior et. al. (2008) é salutar ressaltar o
conhecimento que os povos e comunidades tradicionais31 detêm sobre os recursos naturais,
pois estes povos possuem uma íntima interação com a diversidade dos recursos naturais locais
e com os itens por eles cultivados, bem como o entendimento do manejo desses recursos, das
práticas agrícolas desenvolvidas e das formas de organização do trabalho familiar. O autor,
citando Peroni e Hanazaki (2002), observa que a agricultura de corte e queima e a alta
diversidade inter, mas, principalmente, a intraespecífica de espécies cultivadas, são
características intrínsecas desses conhecimentos sobre o sistema de produção agrícola
praticado pelos povos tradicionais.
No entanto, três fatores externos aos povos indígenas estão afetando o uso e o manejo
dos recursos naturais por estes grupos. Estes fatores tendo sido explicitados, tanto por
pesquisadores quanto pelos próprios indígenas. São eles: a) o confinamento em áreas
limitadas (BERTHO, 2005; FUNAI; PPTAL, 2004; SCHRÖDER, 2003; LADEIRA, 1982),
31
Segundo o Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, compreende-se por Povos e Comunidades Tradicionais
“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição”.
122
pois essa limitação de terra pode reduzir a disponibilidade de área para o plantio e acesso aos
recursos naturais, como a coleta de produtos vegetais e a caça (Felipim, 2001); b) os
problemas ambientais no entorno das TIs (BERTHO 2005), e c) a exploração dos recursos
naturais por agentes externos (LIMA; POZZOBON, 2005).
Segundo Rueda & Murrieta (1995) a extração de madeiras da Amazônia para a
exportação ou para o consumo dos grandes centros urbanos nunca foi uma atividade típica dos
moradores da floresta. Foi sempre iniciativa de grandes empresas, como é o caso dos
madeireiros instalados na Aldeia Novo Lugar. Em alguns casos, segundo os autores, estas
empresas contam com o incentivo governamental e muitas delas burlam ou abusam das
concessões obtidas. Nesse contexto, os Borari vêm organizando ações que condicionam a sua
permanência na área: denúncias aos órgãos competentes (IBAMA, ITERPA, SEMA, FUNAI,
MPF) e na imprensa, realização de documentários, participação em seminários e mesas
redondas, para mostrar a realidade vivida por eles na região, e a criação do Movimento em
Defesa da Vida e Cultura do Arapiuns.
A freqüente pressão sobre os recursos naturais tradicionalmente utilizados pelos Borari
da Aldeia Novo Lugar fez com que estes indígenas reagissem contra a atuação dos agentes
externos na área e procurassem os movimentos sociais locais (Movimentos Indígenas da
região) e órgãos, como a Fundação Nacional do Índio e o Ministério Público Federal, para
tentar solucionar tal problema.
Ainda com relação aos esforços dos Borari pela garantia de seus direitos territoriais e o
controle dos recursos naturais existentes na área da Aldeia Novo Lugar, apresento a seguir as
situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na Gleba Nova Olinda e a maneira
como os Borari se organizam para garantir seus direitos.
123
6
LUTA PELA TERRA E PELO CONTROLE DOS RECURSOS NATURAIS:
UMA SITUAÇÃO DE CONFLITO NA ALDEIA NOVO LUGAR – TERRA
INDÍGENA MARÓ, GLEBA NOVA OLINDA-PA
A Nova Olinda pede socorro
“Contra investidas dos tubarões
À nossa terra não esta a venda,
Nem a floresta foi à leilão.
Ninguém se iluda com as promessas
Que o progresso só vai melhorar
E digo à soja não quero lá,
Nem madeireira pra nos explorar.
Nós defendemos o peixe-boi,
As cachoeiras e os animais.
O verde e que agora nós vemos lá
No Sudeste não se vê mais.
Vivemos bem sem suas ganâncias
Respeite a vida e nossa tradição
Nossa certeza é a Vitória!
Fruto da luta e da união
Com ajuda da organização as grilagens acabarão!
Ýxé ind andepá puray
Tem a sasa aramem tupana
(Vamos lutar esse é o nosso lugar
junto ao nosso Deus Tupã)”.
(Dadá Borari, 2º Cacique. Recitado, no Seminário de Ordenamento Territorial
no Conjunto de Glebas Mamuru-Arapiuns).
Nos capítulos anteriores, foram abordadas a organização sócio-cultural e política dos
Borari; as formas de ocupação, utilização, manejo e gestão dos espaços territoriais pelos
indígenas da aldeia Novo Lugar, bem como, dos recursos naturais neles existentes e as
relações sociais estabelecidas. Práticas estas que, segundo os indígenas, encontram-se
ameaçadas por fatores externos ao grupo, provenientes da entrada de agentes econômicos na
região, com o objetivo de explorar os recursos madeireiros para fins de comercialização.
No final da década de 1990, estabelece-se na região da Gleba Nova Olinda32 um
cenário de luta, protagonizada pelos indígenas em prol da regularização fundiária da região e
pelo controle dos recursos naturais. Este cenário foi desencadeado por uma série de fatores: a
limitação das áreas de acesso aos recursos naturais para os Borari, estabelecida pelos
madeireiros; o desmatamento e a exploração indiscriminada dos recursos naturais, em
especial os recursos madeireiros e de caça, realizada pelos membros da Cooperativa do Oeste
do Estado do Pará (COOEPA) que se instalou na região. A exploração de madeira pela
32
A Gleba Nova Olinda faz parte do conjunto de Glebas Estaduais Arapiuns/Mamurú. Possui 172,9 hectares e
fica localizada entre o Rio Aruã e o Rio Maró, afluentes do Rio Arapiuns, município de Santarém. Sendo
assim, tem função vital para toda a população da região do Arapiuns. A manifestação contra todos os crimes
e desrespeitos que ocorrem na Gleba Nova Olinda criou o “Movimento em Defesa da Vida e Cultura do
Arapiuns” (BALETTI et. al, 2010).
124
COOEPA tem escala comercial, enquanto que a exploração da caça é destinada ao consumo
dos funcionários da cooperativa. A contribuição da Amazônia para a produção total de
madeira do Brasil aumentou rapidamente de 14% para 85% em duas décadas (KOHLHEPP,
2002).
“A devastação da mata trouxe muita escassez das frutas, como as
castanheiras que foram derrubadas pelos madeireiros, e o piquiá
também, tanto dá falta pra gente como pros animais, porque eles não
têm o que comer, aí vão embora, e a gente fica sem a caça. Antes aqui
dava muito queixada, agora não dá mais, e também tem os pião que
caça pra eles comer, eles caçam de tudo jeito, tem gente que é
contratado só pra caçar, e eles nem aproveita toda a caça, ele só tira
a parte de carne e o resto joga fora, eu já vi onde eles joga, tem muita
cabeça de queixada e de outros bicho lá apodrecendo, as vez eles
enterra pro IBAMA não ver quando eles vêm aqui fazer a
fiscalização” (F. A. Borari, 65anos).
“A gente via antes da queima das balsas [ação realizada pelos
manifestantes no protesto que ocorreu na Comunidade de São Pedro,
em 2009] baixar pra Santarém pelo Arapiuns [Rio] por volta de 40
balsas, por semana, carregadas de toras de madeiras, mas agora até
diminuiu, depois que a gente colocou fogo nelas. Eles [madeireiros]
derrubam as árvores de castanheira, que a gente sabe que é proibido,
derruba árvore que tem oco, que também é proibido, porque eles não
fazem uma seleção, porque o que interessa pra eles é encher os
caminhão e os pátios pra mandar pra Santarém e de lá pra outros
lugares, o que interessa pra eles é dinheiro, não importa se eles tão
devastando tudo, se tão deixando famílias sem terra, sem mata, sem
alimento” (O. A. Borari, 28 anos).
Além dos impactos negativos em relação aos recursos naturais, oriundos destas ações,
tem-se, ainda, a ameaça à manutenção dos modos de vida dos indígenas e da integridade física
e psicológica dos membros do grupo. Para Little (2001), a intervenção humana na natureza,
com fins econômicos, gera, frequentemente, impactos nefastos tanto para o funcionamento da
natureza quanto para as pessoas. Ainda segundo o autor, além dos autores destas intervenções
serem beneficiados pelos seus atos, não sentem os impactos negativos de suas ações,
enquanto que o grupo não beneficiado é o que sofre diretamente os impactos negativos, como
é o caso de Novo Lugar, onde o desmatamento realizado pelos madeireiros causa grandes
prejuízos aos indígenas. O desmatamento é classificado por Little como um destes tipos
básicos de impacto negativo, pois as altas taxas de desmatamento levam à extinção da flora e
da fauna.
Sentido-se ameaçados pelos agentes externos que comprometiam seus modos de
produção e seu padrão de utilização dos recursos naturais (caça, pesca, coleta e agricultura),
os Borari iniciaram as articulações em defesa da terra e dos recursos naturais indispensáveis à
sua sobrevivência. Segundo Oliveira (2005), para os indígenas, a terra “é o próprio cosmos,
125
vida e morte, corpo e espírito, peixes e estrelas se encerram nela. É uma visão do todo, onde
cada parte tem seu lugar e existência definida e arranjada; onde a desarticulação de uma
dessas partes ameaça o todo”. Saraiva (2008), argumenta ainda que a caça representa para os
indígenas não apenas a aquisição de alimento, mas é uma forma de expressar os valores e
modos de lidarem com a natureza, revelando não somente a percepção do espaço, mas
também os conhecimentos acumulados pelo grupo e a relação estabelecida entre si e com a
natureza.
A resistência dos Borari frente aos agentes externos que ora exploram os recursos
naturais na área, onde se encontra a Aldeia Novo Lugar, pode se enquadrar no que Heck et al.,
(2005) discutem como lutas de resistência e afirmação em defesa de seu meio ambiente,
expressando-se “como teimosia diária dos povos indígenas em continuarem, dinamicamente,
a viver do seu jeito”. Hoje, vê-se crescer, dia-a-dia, a luta dos indígenas em defesa dos seus
territórios e de seus direitos (OLIVEIRA, 2005). Uma das principais iniciativas dos Borari foi
o reconhecimento de sua identidade étnica indígena e da Terra Indígena33 Maró, reivindicando
sua demarcação como forma de frear a exploração dos recursos naturais e garantir a
reprodução física e sócio-cultural da atual e das futuras gerações dos Borari:
“Nós sempre fomo índio, só não nos mostravam pra cidade [para a
sociedade civil e autoridades em geral] porque nós vivia aqui na
aldeia, na mata, tranqüilo, sem ninguém nos ameaçando, sem gente
que vem lá de longe pra acabar com a floresta por causa do dinheiro,
da ganância de ficar rico destruindo a natureza, e nós que sempre
moramo aqui, que respeitamo a mata, os bicho, e todos que vive nela,
tá sendo expulso, então nós resolvemo lutar pra que isso tudo, essa
riqueza de recursos que Tupã e a mãe terra dá pra gente por
intermédio da mata não se acabe, não vire só um poeirar, sem vida”
(H. A. Borari, 56 anos),
“Antes, dona, nós vivia bem aqui, sem nenhuma briga né? Com tudo
farto, fruta, remédio do mato, caça, de tudo, agora nós fica sendo
ameaçado pelos madeireiros, pelos capanga deles, pelos pistoleiros
que eles tem aí, mas a senhora sabe, a gente não pode esmurecer não,
a gente tem que lutar, e buscar os nossos direitos de donos desse
lugar, porque nós nascemo aqui, minha mãe nasceu aqui, ela nasceu
lá no Beiju-Açu, meu pai que veio lá de Alter do chão, mas nós tudo
nascemo aqui, e nunca fomo incomodado por ninguém, foi só essa
firma chegar aqui que a gente temo ameaçado de tudo, ai nós fomo
buscar o nosso direito, o direito dos nossos pais e avós, o nosso
direito de ser índio, eu sou índio, nasci e cresci no mato, meu pai e
minha mãe são índio e os pai deles também, é... então eu também sou
índio” (F. A. Borari, 65 anos).
Para Kohlhepp (2002), na medida em que a integridade espacial, física e cultural do
grupo indígena é ameaçada, suas terras devem ser protegidas, o que causa conflito entre as
33
A definição de Terra Indígena tem caráter jurídico e encontra sua defesa na esfera do Estado, uma vez que é
considerada como um bem sob domínio da União.
126
partes envolvidas. Os conflitos relacionados aos recursos naturais são, em geral, entre os
grupos que reivindicam a posse da terra onde se encontram os tais recursos, gerando o que
Litlle chama de dimensão social do conflito por terra (LITTLE, 2001).
A entrada de empresas madeireiras na região, onde se localiza a Aldeia Novo Lugar,
representa um exemplo da dimensão social do conflito por terra, pois enquanto os Borari
reivindicam o controle sobre suas terras, os empresários estão interessados em explorar os
recursos madeireiros existentes na mesma. De acordo com Loureiro e Pinto (2005), é
crescente e acelerada a ocupação e o desmatamento em áreas de conservação ambiental, assim
como em Terras Indígenas. Como decorrência disso, salientam os autores, dá-se o
empobrecimento da floresta, com efeitos negativos sobre a caça e a pesca, de que antes os
indígenas sobreviviam. Foi diante desse cenário que os Borari iniciaram sua luta pelo direito à
terra que tradicionalmente ocupam34 e pelo controle dos recursos naturais, direitos estes de
garantia do território, para além da posse da terra e da proteção dos recursos naturais.
Segundo os Borari, a ocupação tradicional de suas terras representa os processos históricos de
ocupação da região do Rio Maró por seu povo, o que configuram os modos como manejam os
recursos naturais.
Desse modo, os indígenas articularam-se com os movimentos sociais locais (fazendo
alianças), objetivando a manutenção e a reprodução de seus modos de vida. Segundo STTR e
CPT (2008), essas discussões foram determinantes para que houvesse o amadurecimento
político deste povo, construído ao longo do tempo e fortalecido em função dos conflitos com
os novos atores em campo: “empresários”, “de fora”, “capitalistas”, “devastadores”35, entre
outros.
A fim de abordar a problemática da luta pela terra protagonizada pelos Borari,
apresento, neste capítulo, as situações de conflito por recursos naturais e posse da terra na
Gleba Nova Olinda e a maneira como os Borari se organizam para garantir seus direitos,
abordando a importância territorial da aldeia, no sentido que esta seja a expressão dos espaços
de sustentabilidade de suas práticas produtivas e sócio-culturais e o marco de demarcação de
seus limites territoriais atuais.
34
35
Entenda-se por Terras tradicionalmente ocupadas o que dispõe o parágrafo 1º do Art. 231 da Constituição
Federal de 1988: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,
costumes e tradições” (CF,1988).
Formas como os indígenas do Rio Maró identificam os madeireiros e sojeiros que chegaram à região da Gleba
Nova Olinda a partir de 2000 (informações oriundas de entrevista concedida pelo 2° cacique da Aldeia).
127
6.1
OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DA TERRA INDÍGENA MARÓ E DOS
RECURSOS NATURAIS NA REGIÃO DA GLEBA NOVA OLINDA: UMA BREVE
CRONOLOGIA DOS CONFLITOS
A Demarcação
Sofrimento é demais
Já não dá pra suportar
Queremos a nossa paz
A nossa Terra demarcar
A demarcação, a demarcação
Terra Indígena Borari-Arapium (2x)
Não queremos nenhum posseiro
Que só trazem destruição
Chega de sermos enganados
Pois só queremos demarcação
A demarcação, a demarcação
Terra Indígena Borari-Arapium (2x)
Não queremos área degradada
Nós temos filhos para trabalhar
Só queremos nossa terra
Para que os índios possam preservar
A preservação, a preservação
Terra Indígena Borari-Arapium
(Canto de reivindicação da demarcação da TI
Maró, povos Borari e Arapium)
Conforme relatos orais fornecidos pelos Borari de Novo Lugar e os registros do
Relatório de viagem às Aldeias Indígenas Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III,
realizado pelo analista pericial em Antropologia do Ministério Público Federal (MPF, 2007),
a Terra Indígena Maró possui um território que vai do Campo de Natureza e Lago Janauí (ao
norte), seguindo em linha reta até o Igarapé do Arraia em direção à região onde se encontram
as cabeceiras dos Igarapés do Olaia, da Raposa e do Cachimbo (oeste), em seguida, a linha
segue para o sul margeando o Igarapé do Cachimbo até o ponto onde se inicia o pico aberto
pelos indígenas de Novo Lugar, na auto-demarcação, para a defesa da área do Beiju-Açu,
deste ponto em diante, o limite segue até a margem do rio Maró, em sentido leste (ver mapa
mental no capítulo anterior, Figura 13).
A TI Maró consta no relatório do CIMI (2009, p. 44) como uma das Terras Indígenas
que estão sofrendo com a morosidade no processo demarcatório: “Conforme declaração do
MPF, a morosidade na demarcação da Terra Indígena Maró potencializa os conflitos entre
indígenas e madeireiros. O estudo de identificação e delimitação foi concluído em julho de
2009, mas ainda não foi apreciado pela FUNAI”. Ainda segundo este relatório, a exploração
de madeira na região da TI Maró é realizada de forma ilegal: “... há evidências de extração
irregular de madeira e a fiscalização se faz necessária”.
128
Os limites defendidos para a TI Maró, contra os interesses dos madeireiros, vêm
provocando uma série de conflitos sócio-ambientais que resultaram em ameaças de morte às
lideranças Borari e insegurança e manifestações por parte dos indígenas. Os conflitos sócioambientais são entendidos aqui, segundo o conceito de Little (2001, p. 107), “como disputas
entre grupos sociais derivados dos distintos tipos de relação que eles mantêm com o seu meio
natural”.
Em seu artigo “Biologismos, geografismos e dualismos: notas para uma leitura crítica
de esquemas interpretativos da Amazônia que dominam a vida intelectual”, Almeida (2009)
observa que os povos indígenas são tidos como sujeitos biologizados, sem consciência e
direitos. No entanto, quando os indígenas passam, de mera parte da paisagem como sujeitos
biologizados (ALMEIDA, 2009), onde não se confrontam aos interesses econômico-políticos
(LEROY, 2010), para sujeitos ativos que reivindicam seus direitos, estes são ameaçados na
sua dimensão, não apenas física, mas cultural, social, religiosa, moral, econômica e ecológica,
desencadeando o conflito.
Segundo Heck et al. (2005), as terras indígenas na Amazônia são constantemente
invadidas por agentes econômicos como: madeireiros, garimpeiros, peixeiros, rizicultores,
fazendeiros e outros, em busca de lucro. Os autores citam como exemplos de tais invasões,
que desencadeiam conflitos entre os atores sociais envolvidos, o caso do contrabando de
mogno na TI Kayapó; a exploração ilegal de madeira em Terras Indígenas em Rondônia; a
monocultura do arroz, em Roraima, na TI Raposa Serra do Sol; e, mais recentemente, o
agronegócio, em especial da monocultura da soja, nos estados do Mato Grosso, Pará,
Amazonas e Roraima, tendo como conseqüências a degradação ambiental e a ameaça aos
territórios já conquistados ou ainda reivindicados pelos indígenas, como é o caso dos Borari
de Novo Lugar.
Para compreender os conflitos existentes na Gleba Nova Olinda, faz-se necessário uma
contextualização histórica. Para facilitar o entendimento das relações conflituosas existentes
entre os Borari e os madeireiros/sojeiros, instalados na região, mostramos, a seguir, um breve
relato cronológico sobre as ações referentes aos conflitos existentes na área da Gleba Nova
Olinda, onde situa-se a TI Maró, desde a chegada de tais empresários, no início da década de
2000. A cronologia dos fatos demonstra a relação entre os Borari e sua luta contra as frentes
expansionistas na defesa do seu território.
Desde o final da década de 1990, quando se iniciaram as discussões para a criação da
Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, os povos indígenas e tradicionais das 14 comunidades
129
que formam a Gleba Nova Olinda, ao longo do Rio Maró, têm acompanhado com expectativa
a criação dessa unidade de conservação federal e lutado para o seu reconhecimento legal
como populações originárias junto aos governos. Os Borari de Novo Lugar esperavam que,
com a criação da Resex Tapajós-Arapiuns, seriam contemplados com o processo de
regularização fundiária de suas terras, como relata Dadá Borari:
“Foi assim, é... é em 98 nós participava da luta, nós e a Cachoeira
[Aldeia Cachoeira do Maró], a luta do sindicato [STTR-Santarém]
fazia para a demarcação das terra, o sindicato fez um pico que era lá
abaixo da Cachoeira, a aldeia Cachoeira do Maró, passava pelo
garapé do Arraia, e ia até lá no garapé do Cachimbo, lá onde eu já
falei que era a colônia da minha vó Constantina, essa área era que o
sindicato, é... ia fazer a demarcação pras comunidade né... foi nessa
época que a gente começou a participar das audiências públicas da
RESEX, porque nós pensava né? que nós ia fazer parte da RESEX,
mas não aconteceu assim, é... quando a RESEX foi liberada, é foi
inaugurada, pra nossa surpresa, o que aconteceu? Nós tava de fora, o
Dr. Procurador Felício Pontes chegou pra nós e disse que a RESEX
ficava à margem esquerda do Rio Arapiuns subindo o Maró, e a gente
tava de fora, pô e a gente se entristeceu” (O. A. Borari, 28 anos).
De acordo com Dadá Borari, a regularização fundiária das terras tradicionalmente
ocupadas por seu povo é almejada há pelo menos 13 anos, através da tentativa inicial de
fazerem parte da Resex Tapajós-Arapiuns. Entretanto, diante do contexto atual de
regularização fundiária da Região da Gleba Nova Olinda: de implantação de Unidade de
Conservação – UC (Floresta Estadual do Alto Aruã), de Projetos de Assentamentos – PA
(Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista – PEAX: Aruã, Vista Alegre e
Mariazinha, e Projeto Estadual de Assentamento Sustentável – PEAS: Aruã-Maró, Fé em
Deus e Repartimento), e o avanço de agentes econômicos interessados em explorar seus
territórios, os Borari, no ano de 2002, reagiram a essa situação reconhecendo e reivindicando
sua identidade étnica indígena, passando a reconstruir simbólica e culturalmente, com base
nas suas memórias valorizadas (Losivolo, 1989) e nos elementos que fazem parte do seu
universo sócio-cultural, um discurso identitário que demarcava sua origem e identidade étnica
indígena (MPF, 2007).
Pode-se entender a reação dos Borari a partir do que Heck et al. (2005, p. 251) define
como “o gestar o grito de resistência, onde os povos indígenas organizam-se articulando ações
contra a invasão e o saque da terra e dos recursos naturais”. Através da construção social do
seu território, os Borari reforçaram sua identidade coletiva, afim de “caracterizar seu território
não somente por seus limites, mas também pelo controle e pela gestão dos seus recursos
naturais” (LEROY, 2010, p. 103).
Com a chegada de empresas madeireiras na Gleba Nova Olinda, no início da década
130
de 2000, tem início os conflitos sócio-ambientais. Vale ressaltar que estes conflitos não são
apenas entre as comunidades e as empresas madeireiras, mas também entre as próprias
comunidades, como, por exemplo, entre a Aldeia Novo Lugar e a Comunidade Fé em Deus,
que se posiciona ao lado dos madeireiros, hostilizando os indígenas e desrespeitando acordos
sobre os limites de seu território. Haja vista o fato dos empresários madeireiros conquistarem
o apoio de algumas comunidades, em troca de serviços a serem prestados, como, por
exemplo, a doação de “motor de luz” para a geração de energia, de antenas parabólicas, a
construção de barracão comunitário, entre outros. A tática dos empresários se inicia pelo
processo de expropriação do nativo para, em seguida, seduzi-lo ao emprego e torná-lo
proletário no desmatamento da floresta (STTR; CPT, 2008; BALETTI et al.,2010). Desse
modo, os empresários cooptaram algumas lideranças comunitárias locais (não indígenas), as
quais passaram a facilitar suas ações na região.
No ano de 2003, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis –
IBAMA realizou uma ação de fiscalização na região da Gleba Nova Olinda, onde constatou,
de acordo com matéria do jornal O Liberal, versão online (Anexo B)36, um esquema de
loteamento e comercialização de áreas para o consórcio de empresas madeireiras e sojeiras
que compõem a COOEPA. Ainda, segundo a matéria de O Liberal, o escritório desse
esquema funcionava no Município de Juruti, Estado do Pará.
Nessa operação, o IBAMA constatou ainda vários crimes ambientais na área, que vão
desde a destruição da floresta nativa, a abertura de mais de 100 km de estradas ilegais,
desmatamento de área de vegetação secundária para abertura de pista de pouso, extração
ilegal de madeira e destruição de floresta em regeneração e em áreas de preservação
permanente. O IBAMA emitiu nove (9) autos de infração e vinte e um (21) termos de
apreensão, embargo e notificação. Aplicou 136,2 mil reais em multas e apreendeu armas,
maquinários e equipamentos. Em seu relatório, o técnico responsável pela vistoria conclui
com uma lista de nomes de pessoas a serem investigadas e um alerta para a necessidade de dar
um basta na situação na Gleba Nova Olinda (IBAMA, 2003).
Ainda em 2003, a Comunidade Novo Lugar foi reconhecida como indígena pelo
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA e pelo Grupo Consciência Indígena – GCI
(ONGs que atuam em defesa dos índios na região do Baixo Rio Tapajós). Foi também, neste
ano, que o processo de reconhecimento da Terra Indígena Maró foi incluído na listagem do
36
Documento cedido pelo Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de SantarémPA.
131
Plano Operacional Anual – POA do Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras
Indígenas da Amazônia Legal – PPTAL, associado à Fundação Nacional do Índio – FUNAI, a
ser identificada e delimitada a partir de 2004 (Anexo C).
Após várias ações de denúncias na imprensa local e para as autoridades
governamentais (Anexo D) contra os madeireiros e manifestações de disposição ao
enfrentamento físico contra os empresários madeireiros, sem obtenção de resposta do Poder
Público no que tange à demarcação de suas terras, os Borari, juntamente com os Arapium das
outras duas aldeias que formam a TI Maró, buscaram o apoio do Movimento Indígena da
Região e demais movimentos sociais e decidiram, em 2006, pela auto-demarcação do
território indígena (Figura 32).
Figura 32 – Fotos dos Borari e Arapiuns realizando a auto-demarcação da TI Maró.
Fotos cedidas pelo 2º cacique Dadá Borari.
No final de 2006, ocorreu a concessão de algumas autorizações para a exploração
florestal em grandes áreas públicas, como as Autorizações de Detenção de Imóvel Público
(ADIPs), por parte do ITERPA, formalizando o direito de exploração dos recursos naturais.
Mesmo após a auto-demarcação realizada pelos indígenas, foram concedidas cinco (5) ADIPs
para a região da Gleba Nova Olinda, onde se situa o território indígena, desconsiderando a
132
ocupação tradicional da área e sua fragilidade ambiental (STTR; CPT, 2008).
Em 2007, realizou-se uma nova vistoria do IBAMA na Gleba Nova Olinda, onde
foram verificadas as mesmas irregularidades já ocorridas em 2003, além do aumento da
retirada ilegal de madeira, caça predatória, alteração nos costumes locais. O chefe da
fiscalização lembra em seu relatório a gravidade dos crimes ambientais praticados na Gleba
Nova Olinda pelos madeireiros e grileiros da cooperativa. Aponta ainda que estes grupos
estão “espremendo” as comunidades na beira dos rios (IBAMA, 2007). Neste mesmo ano, o
Ministério Público Federal realizou um procedimento administrativo, onde um analista
pericial em Antropologia visitou a área indígena com o objetivo de fazer um diagnóstico da
situação em que os grupos indígenas estavam envolvidos: mobilização em busca do
reconhecimento de sua identidade étnica junto aos órgãos públicos e as mudanças ocorridas a
partir da chegada da Cooperativa do Oeste do Estado do Pará – COOEPA (MPF, 2007).
Em 2008, o Governo do Estado do Pará lança o Decreto Nº 1.149, de 17 julho (Anexo
E), que estabelece a Área de Limitação Administrativa Provisória Mamuru-Arapiuns37
(ALAP) nas Glebas Nova Olinda I, II e III, Curucumucuri e Mamuru, com validade até
dezembro de 2008. A criação da ALAP renova o anseio das populações locais de destinação
fundiária com respeito à conservação dos recursos naturais locais, pois o Art. 2º deste decreto
dispõe sobre a proibição da exploração insustentável dos recursos naturais nas áreas
submetidas na limitação administrativa: “I – atividades e empreendimentos efetiva ou
potencialmente causadores de degradação ambiental; II – atividades que importem em
exploração a corte raso da floresta e demais formas de vegetação nativa, e III – atividades que
impliquem no uso direto dos recursos naturais, excetuando-se o uso direto sustentável por
parte das comunidades tradicionais”.
Ainda em 2008, mais precisamente em novembro, realizou-se em Santarém o
“Seminário participativo para elaboração do Plano Participativo de Mosaico de Uso da Terra
nas Glebas Nova Olinda, Nova Olinda II, III, Curucumucuri e Mamuru no Oeste do Pará”.
Este seminário abrangeu as comunidades e as organizações sociais na área de abrangência da
ALAP e trabalhou o mapeamento de todas as comunidades, a proposta de destinação
territorial e os tipos de conflitos sócio-ambientais existentes na área, como, por exemplo: “o
roubo de madeira que vem ocorrendo, acompanhados de demarcações de terras e ameaças aos
moradores locais” (STTR; CPT, 2008, p. 08). Nos dois dias de seminário, foram apresentados
37
Mamuru-Arapiuns é a denominação da região que abrange as Glebas Nova Olinda I, II e III, Gleba
Curumucuri e Gleba Mamuru.
133
os resultados das discussões que vinham ocorrendo na região, durante o processo de
regularização fundiária do conjunto de Glebas Mamuru-Arapiuns e, na sistematização dos
resultados, gerou-se um mapa do Mosaico de destinação das glebas (Figura 33).
Figura 33 – Mapa do mosaico de destinação das glebas, resultado do “Seminário de
elaboração participativa de mosaico de uso da terra na ALAP Nova
Olinda/Mamuru no Oeste do Pará
Fonte: STTR e CPT (2008).
Em 2009, segundo os indígenas, depois de uma década de denúncias, tentativas de
134
negociações, apelos às autoridades, ameaças de morte das lideranças e as mais diversas
formas de desrespeito ao povo do Rio Arapiuns, sem nenhum resultado em favor daqueles
moradores, chegou-se à decisão de chamar a atenção das autoridades governamentais e da
sociedade em geral, através de uma manifestação que reuniu mais de 1.000 pessoas, de mais
de 26 comunidades de toda região do Rio Arapiuns, para impedir a retirada de madeira na
Gleba Nova Olinda (Figura 34). O local de realização da manifestação foi a Comunidade de
São Pedro, ou praia Ponta do Pedrão, no Rio Arapiuns. Vale ressaltar que a Comunidade de
São Pedro não fica na Gleba Nova Olinda, mas sim na Resex Tapajós-Arapiuns.
Figura 34 – Imagens da manifestação em Defesa da Vida e Cultura do Rio Arapiuns.
Fotos cedidas pelos manifestantes.
Em 2010, foi instalado o segundo GT (Grupo Técnico) de identificação e delimitação
do território da TI Maró, para conclusão dos trabalhos iniciados pelo GT instalado em 2006, o
qual não foi concluído, devido aos seus integrantes sofrerem ameaças por parte dos
madeireiros. O relatório deste GT atual ainda não foi finalizado e suas informações não foram
publicadas, por serem sigilosas, de forma que, até o momento, não tivemos acesso a elas.
135
6.2
OS BORARI, A LUTA EM DEFESA DE SEU TERRITÓRIO E A HISTÓRIA
SOCIAL DOS CONFLITOS
O território reivindicado pelos Borari está localizado, como citado anteriormente, na
Gleba Nova Olinda. Esta é palco de disputa sobre a destinação de suas áreas no âmbito de um
ordenamento territorial em implantação. Os atores sociais envolvidos nessa disputa são
comunidades tradicionais, povos indígenas (Borari e Arapiuns), empresários do setor de
exploração madeireira e o próprio Governo do Estado do Pará. Um dos instrumentos jurídicos
utilizados para tal processo de ordenamento e destinação territorial da referida Gleba é a
gestão de florestas públicas, realizada a partir das disposições da Lei 11.284/200638 que trata
dessa questão (SENA, 2009).
Em 2010, o Governo do Estado do Pará, por intermédio do Instituto de
Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará, torna público o Edital 001/2010: 1ª Licitação
para Concessão Florestal do Conjunto de Glebas Mamuru-Arapiuns. Este Edital foi revogado
por decisão do Ministério Público Estadual em 29 de novembro do mesmo ano (Anexo F). No
entanto, em março de 2011, foi publicado um segundo edital de licitação, o Edital 001/2011,
com a mesma finalidade do anterior, o qual encontra-se em andamento.
Obedecendo à legislação federal de florestas públicas, o Estado do Pará tem como
norma principal a Lei 11.284, de 2 de março de 2006, e passa por uma fase de transição
prolongada, na qual, ao mesmo tempo em que se promovem os instrumentos de resolução de
conflitos, especialmente fundiários, existentes na Gleba Nova Olinda, se preparam as
condições para as concessões de terras, em regime de licitação, envolvendo atores de
diferentes portes empresariais (madeireiros), diferentes experiências de mercado e diferentes
origens sócio-culturais sob as mesmas regras. Sobre esta questão, Little (2001) salienta que
cada ator social tem sua ideologia e modo de vida e que essa particularidade entra em choque
com as formas dos outros atores, desencadeando assim o conflito sócio-ambiental.
Haja vista que os limites do território reivindicado pelos indígenas foram configurados
em meio à luta contra a exploração de recursos naturais vitais para seus modos de vida e
expropriação de suas terras, o processo de conscientização da identidade indígena
fundamentou a defesa de um território coletivo. A noção de um território coletivo baseia-se
38
Esta Lei dispõe sobre a gestão de florestas públicas para produção sustentável, institui na estrutura do
Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB; cria o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal – FNDF; constitui os princípios da gestão de florestas públicas; altera as Leis nos
10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, 4.771,
de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31 de agosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras
providências.
136
no auto-reconhecimento de formas de ocupação e uso da terra articuladas a critérios de
tradicionalidade (MPF, 2007). Segundo Almeida (2006), o significado de terra incorpora cada
vez mais a noção de território e os fatores identitários correspondentes, esboçando as
perspectivas de mobilização e a luta.
VanWey et al. (2009), revisam algumas teorias tradicionais sobre as relações
existentes entre
população e mudanças ambientais e discute de forma mais geral, as
mudanças sociais e ecológicas, especificamente a mudança de uso da terra, como é o caso da
Aldeia Novo Lugar. As autoras argumentam que o caráter determinista e generalista deve
ceder lugar a abordagens multiescalares, de forma que se considerarem os diversos fatores de
forma complementar e segundo a perspectiva dos atores. Desse modo, o manejo e a gestão
dos recursos naturais na Aldeia Novo Lugar deve consistir na análise das concepções dos
atores em cena (indígenas e empresários).
É neste sentido que as situações de conflito ora vivida pelos Borari propiciaram um
contexto no qual este grupo indígena estrutura um discurso identitário, com base na
demarcação de fronteiras étnicas, se diferenciando dos demais grupos envolvidos na luta pela
regularização fundiária na Gleba Nova Olinda.
Este processo de formação de identidade étnica, segundo Oliveira (1998, p. 55), estaria
imbricado no que denomina territorialização, cuja noção se define “como um processo de
reorganização social (destaque do autor) que implica: 1) a criação de uma nova unidade
sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a
constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do controle social sobre
os recursos ambientais; 4) a reelaboração da cultura e da relação com o passado” (Oliveira,
1998, p. 55).
Para Almeida (2004), a territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e
força. A territorialização é o produto de uma conjunção de fatores que abarca a mobilidade e a
organização em torno de uma política de identidade, onde os sujeitos empenham-se nas lutas
e reivindicam direitos face ao Estado (Almeida, 2008). O autor vai além, quando ressalta que,
em um processo de territorialização, têm-se a construção de identidades específicas junto com
a construção de territórios específicos. Para um maior entendimento de tal processo, Almeida
(2008) cita a emergência étnica indígena dos povos do Nordeste e da Amazônia e afirma que,
ao mesmo tempo em que emergem as etnias, têm-se critérios político-organizativos que se
estruturam em cima de demanda por terras e que estas vão além de seus aspectos espaciais e
físicos.
137
Desse modo, os Borari passaram a reivindicar formalmente seu território,
organizando-se e articulando-se local e sistematicamente, para a mobilização de mecanismos,
a partir da auto-identificação indígena e dos processos inerentes junto aos órgãos
competentes: Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a
fim de combater o processo de usurpação de seu território e dos recursos naturais nele
existentes.
Os Borari expuseram em seus documentos aos respectivos órgãos os problemas que os
afetavam e as demandas por direitos específicos assumidos a partir da afirmação pública da
identidade étnica, direitos estes reconhecidos pela Constituição Federal de 1988. É neste
sentido que me reporto a Almeida (2008), ao salientar que o fator identitário leva as pessoas a
se agruparem sob uma coletividade expressando e declarando seu pertencimento a um povo
ou um grupo a fim de encaminharem demandas e reivindicações ao governo para o
reconhecimento de suas formas intrínsecas de acesso a terra e outros direitos.
A Aldeia Novo Lugar faz parte do movimento de ressurgimento de identidades étnicas
indígenas que vem se delineando na Amazônia (IORES, 2005). Iniciado em meados da
década de 1990, tal movimento reúne diversas comunidades do Baixo Rio Tapajós e Rio
Arapiuns que afirmam sua ancestralidade indígena (SANTOS, 2005; IORES, 2005; VAZ
FILHO, 2010a), onde novos elementos são introduzidos, articulados a elementos do passado,
para reelaboração de sua cultura (OLIVEIRA, 1998).
Segundo Heck et al. (2005, p. 253), os indígenas recusam o rótulo de ressurgidos e se
definem como resistentes: “não somos ressurgidos nem emergentes, mas povos que
resistiram”, como eles próprios se definiram no I Encontro Nacional dos Povos em Luta pelo
Reconhecimento Étnico e Territorial, realizado em maio de 2003. Em seu artigo, o autor faz
referência ao movimento dos povos do Baixo Rio Tapajós, como exemplo de luta dinâmica e
criativa pela terra e reconhecimento étnico.
Vale ressaltar, aqui, o critério da auto-identificação como identificador dos grupos
sociais, aos quais se aplica a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT
(Art. 1º, 2). Este critério representa uma inversão de papéis entre o “sujeito de direito” e o
“aplicador do direito”. O disposto no item 2 do art. 1º da Convenção 169 da OIT preceitua
que: “A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser tida como critério
fundamental para determinar os grupos aos quais se aplicam as disposições desta Convenção”
(BRASIL, 2004).
A Convenção 169 da OIT não define quem são os povos indígenas ou tribais, mas
138
estabelece o critério da auto-definição como instrumento para que os próprios sujeitos de
direito se identifiquem. Isto representa uma inversão entre os papéis atribuídos ao “sujeito de
direito” e ao “operador do direito”. Com o critério de auto-definição, o “sujeito de direito” é
quem diz o que é o direito, enquanto o “operador do direito” ou “intérprete do direito” apenas
reconhece a declaração feita pelo “sujeito de direito” (SENA, 2009, p. 09).
Outro dispositivo de grande importância na Convenção 169 da OIT, em especial ao
caso concreto que se está analisando neste estudo, é o que dispõe o item I do art. 7º:
“Os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de decidir suas próprias
prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento na medida em que
afete suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, e às terras que ocupam
ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, seu próprio
desenvolvimento econômico, social e cultural” (CONVENÇÃO 169 da OIT).
O texto da Convenção, além de basear-se na auto-definição dos sujeitos sociais,
reconhece explicitamente a usurpação de terras (Almeida, 2008). Diante do exposto no item I
do art. 7º da Convenção 169 da OIT, observamos que a extração de madeira e a presença de
empresários com histórico de plantação de soja na Gleba Nova Olinda contradizem a referida
Convenção, pois, segundo os Borari, estas atividades são uma ameaça a vida e a cultura dos
indígenas do Rio Maró, como afirma H. A. Borari: “Os Borari vêem a exploração de madeira
por empresas madeireiras como uma afronta aos seus modos de vida”; e outros Borari:
“Nós aqui não gostamo dos invasores, eles derrubam a mata, matam
os animais e as ave, tudo vira um deserto, eu nunca tinha visto a terra
daqui tão seca, sem vida, sem nenhum capinzinho sequer, muita
poeira, eles não respeitam nossos direitos, nosso modo de viver” (Sr.
A. A. Borari, 39 anos).
“Acabar com o patrão [madeireiro], tirar eles daqui, e deixar a
natureza livre e a demarcação da nossa terra, pode resolver o
problema dessa falta de respeito que eles têm com nós, com os nossos
costumes, a nossa cultura e com a mata” (F. A. Borari, 65 anos).
A chegada da COOEPA foi cercada de muita expectativa por parte das comunidades
do Rio Maró, uma vez que significava, para muitas, a promessa de emprego e melhorias
materiais. Isso provocou conflitos entre a Aldeia Novo Lugar, consciente de sua luta através
da via étnica para a defesa de seus modos de vida (MPF, 2007), e a comunidade vizinha, Fé
em Deus, atraída pelas promessas (propostas de demarcação de lotes) e “presentes” (motor de
luz, antena parabólica, entre outros) da Cooperativa.
A matéria de O Liberal, de novembro de 2006 (Anexo G)39, relata que o diretor de
relações públicas da COOEPA, Alvadir Cristofoli, representa um consórcio de 50 empresários
39
Documento cedido pelo MPF – Procuradoria da República no Município de Santarém-PA.
139
do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso, que teriam obtido as terras na
Gleba Nova Olinda através de dois meios: um protocolo no ITERPA de até 2.499 ha por
cooperado e pela compra de títulos públicos em 1986, no governo Jader Barbalho. Segundo
Cristofoli, o então Governador do Estado teria vendido aos empresários da cooperativa lotes
da gleba Altamira VI, em São Félix do Xingu.
Essa área, comprada pelos cooperados, foi posteriormente reconhecida como território
indígena da etnia Mebengokre (Kayapó) (MPF, 2007). Segundo Cristofoli os empresários
entraram na Justiça para reaver o dinheiro investido na compra dos títulos, mas somente 20
anos depois conseguiram permissão para explorar a produção madeireira na Gleba Nova
Olinda, como permuta dos referidos lotes comprados na Gleba Altamira VI.
Hoje, segundo Leroy (2010), as terras que antes não interessavam ao capital por causa
de problemas, tais como, o difícil acesso, a distância dos portos para escoamento e dos
mercados consumidores, podem ser exploradas devido à existência de novas tecnologias que
permitem solucioná-los. Em princípio, a Gleba Nova Olinda apresentava tais problemas, no
entanto, a logística, o crédito e os maquinários hoje disponíveis pelas empresas madeireiras
viabilizaram sua exploração. Os madeireiros, integrantes da COOEPA, abriram pistas de
pouso e estradas na região da Gleba Nova Olinda (IBAMA, 2003), que passam por dentro da
TI Maró (Figura 35), estradas que os indígenas tentam interditar, mas que são sempre
reabertas pelos empresários, que utilizam tratores para ampliá-las.
Figura 35 – Estradas que cortam a Aldeia Novo Lugar, TI Maró.
A – Detalhe (no mapa mental, indicado pela seta vermelha) das estradas (travessão) abertas pelos madeireiros
dentro dos limites do território indígena.
Fonte pesquisa de campo 2010.
B – Estrada aberta pelos madeireiros na TI Maró para o escoamento da madeira retirada da área.
Foto cedida pelo 2º cacique Dadá Borari.
140
Dentro do território indígena, encontram-se, ainda, fazendas “de propriedade” dos
membros da cooperativa, que derrubam a floresta e constroem casas e fixam placas como
formas de intimidação aos Borari (Figura 36). Os madeireiros abriram ainda, picos
demarcatórios, delimitando a área de utilização dos recursos naturais pelos indígenas, fato
este mencionado por Vieira, técnico responsável pelo relatório de vistoria na Gleba Nova
Olinda: “é fato que as comunidades onde moram as populações tradicionais estão ficando
com seus territórios restritos, “espremidos” às margens dos rios” (IBAMA, 2007, p. 24). A
fala de uma liderança Borari corrobora com o registrado por Vieira em seu relatório:
“Olha dona, a situação aqui é desse jeito, é dificultoso, é... é... os pico
que a firma [empresas madeireiras] faz estão chegando perto do rio,
deixando nós numa faixa de terra que fica entre o pico e o rio, onde
não dá pra fazer nossas coletas de frutas e remédio e pra nós
construir as nossas coisas, não dá nem pra gente caçar, a gente fica
aqui espremido, sem poder ir caçar ou pegar nossos remédio onde
nós era acostumado pegar por que os pistoleiros tão lá, e a gente
pode morrer, as mulher ficam aqui com o coração na mão cada vez
que os homem saem pro mato, porque elas não sabe se volta ou não,
se traz o alimento ou o remédio ou se volta com as mão abanando”
(F. A. Borari, 65 anos).
Figura 36 – Placas afixadas na Terra Indígena Maró pelos madeireiros como forma de
intimidação aos Borari
Foto cedida pelo 2º cacique Dadá Borari.
141
De acordo com Oliveira (2005), a limitação das áreas indígenas, de forma a promover
o cerco dessas áreas, é um processo que se compara às missões e aldeamentos, em termos de
violência, pois este cerco deteriora igualmente a cultura de um grupo indígena, já que
restringe as áreas de caça e coleta, dificulta a livre circulação dos indígenas, altera e degrada o
meio ambiente em torno das aldeias. Neste sentido, podemos entender os picos demarcatórios
abertos pelos madeireiros na área da TI Maró como uma ameaça à sobrevivência dos Borari,
espremendo-os às margens do rio Maró.
O impacto conflitivo das operações da COOEPA na região da Gleba Nova Olinda, que
desde 2002 avança para o território da Aldeia Novo Lugar, arregimenta comunidades
ribeirinhas para abertura de picos na floresta, ramais para o trânsito de caminhões e o
estabelecimento de um porto e uma pista de pouso, para facilitar a localização, extração e
distribuição da madeira. Segundo os moradores e lideranças indígenas, existem comunidades,
como a de Fé em Deus, cujos moradores têm demonstrado apoio a esses avanços, hostilizando
os moradores da aldeia indígena e desrespeitando acordos de limites. Durante o trabalho de
campo, presenciamos, por diversas vezes, tais pessoas, ao passarem por Novo Lugar
hostilizarem os Borari com palavras de baixo escalão e discriminatórias em relação a sua
identidade.
A cooptação de alguns moradores da Gleba Nova Olinda por empresários
madeireiros/sojeiros, através da sedução do emprego assalariado, fez com que esses
moradores, especialmente os da Comunidade Fé em Deus, passassem a fazer a defesa de seus
projetos de destruição da floresta (MPF, 2007). No entanto, a maioria dos nativos não se
sujeita a este modelo de destruição, como é o caso dos Borari de Novo Lugar, que, juntamente
com os Arapium, habitantes das outras aldeias indígenas que formam a TI Maró, continuam
um movimento de resistência contra o avanço das extrações madeireiras na área reivindicada
como seu território.
No que tange aos conflitos pela invasão do território reivindicado pelos indígenas, os
problemas com os madeireiros não são os únicos, existe ainda o conflito com os moradores da
Comunidade Fé em Deus a propósito da área denominada Beiju-Açu, localizada ao sul da
aldeia, no limite com a referida comunidade. Conforme explicitado no capítulo 3, na seção “O
Novo Lugar: processo de formação e organização do espaço territorial”, foi para Beiju-Açu
que o Sr. Manoel Avelino migrou com sua família antes de se fixarem em Novo Lugar.
Através das entrevistas não se pode identificar a presença de terras pretas de índio em
Novo Lugar, porém, elas estão presentes em Beiju-Açu. Este local é, portanto, de grande
142
importância para os Borari, pois, as terras pretas, são indicadoras de ocupação pelos seus
ancestrais, que, no seu entender, devem ser resguardados, assim como, o Campo de Natureza
e o Lago Janauí (ao norte da TI Maró), lugares onde habitam os encantados e palco de
celebrações e práticas ritualísticas realizadas pelos pajés das três aldeias, que também devem
ser protegidos.
“Não tem muita diferença entre os indígenas e os não-indígenas, no
entanto, quando os madeireiros chegaram é que começou um conflito
com os não índios, é uma briga porque eles pensam que a gente tá
tomando a área deles, o que acontece é que os madeireiros lotearam
a área deles [moradores da comunidade Fé em Deus], e eles ficaram
sem área, e eles entraram lá no Beiju-Açu, mas essa área não é deles,
e eles sabe disso eles até fala pra gente que sabe que lá foi que nós
nascemo [referindo-se aos filhos do casal Avelino e Salustiana], mas
eles diz que não tem mais área pra eles, aí eles querem entrar na
nossa área, mas nós não abre mão, porque foi lá que minha mãe teve
nós e nós vivemo por um bom tempo” (F. A. Borari, 65 anos).
Para Little (2002), o processo de ocupação territorial se revela como um peso histórico
às reivindicações territoriais de um grupo. É neste sentido que o autor lembra ser a discussão
de lugar e memória interessante na defesa de territórios reivindicados, sendo o vínculo social,
simbólico e ritualístico, que os diversos grupos sociais diferenciados mantêm com seus
respectivos ambientes biofísicos, um elemento fundamental dos territórios sociais:
“A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas
se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões
simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e
consistência temporal ao território” (Little, 2002, p. 11).
A importância sócio-cultural dos lugares de memória, como Beiju-Açu, Campo de
Natureza e Lago Janauí, para os Borari, constitui uma razão de reivindicação dos limites por
eles almejados em seu território. Pois esses lugares, tidos como sagrados, orientam as
sociedades indígenas em sua cosmologia, ritos e práticas ambientais; assim sendo, quando
estes lugares são ameaçados por outros grupos, surgem os conflitos a respeito do valor
daquele lugar (LITTLE, 2001). Para Posey (1987), é salutar ressaltar a importância das
relações cosmológicas, expressas pelos mitos e rituais, na preservação dos recursos naturais e
do equilíbrio ecológico de um dado ambiente.
Desse modo, o movimento de resistência dos Borari em defesa do seu território inclui
a defesa de sua cultura, cosmologia, modo de ser e viver, padrão de utilização dos recursos
naturais, dentre outros, através das ações de auto-demarcação dos limites de seu território, de
denúncias públicas contra os madeireiros, manifestações de disposição ao enfrentamento
físico contra as empresas madeireiras e outras. No entanto, isto culminou em ameaças de
143
morte às lideranças indígenas.
O segundo cacique da aldeia Novo Lugar, desde o início de sua luta pela demarcação
da TI Maró, tem sofrido diversas ameaças de morte (CIMI, 2009). Esta liderança sofreu dois
atentados contra sua vida e, ainda, atos discriminatórios contra a sua identidade indígena. Em
fevereiro de 2006, esta liderança foi abordada, em uma das ruas de Santarém, por três homens
encapuzados usando motocicletas, os quais “diziam para ele não se meter com gente que ele
não conhecia” (O. A. Borari, 28 anos). Em 2007, ocorreu a segunda ação contra a liderança,
novamente em Santarém, este foi sequestrado, espancado e depois, deixado amarrado em uma
árvore na floresta, próximo a uma rodovia do município.
Os fatos foram registrados na Delegacia Civil de Santarém, mas, segundo a liderança,
até o momento não houve nenhuma resposta às ocorrências. Depois de muita insistência, o
indígena recebeu do Governo Estadual uma proteção pessoal, foi incluído no Programa de
Proteção aos Direitos Humanos no Estado Pará – PEPDDH/PA. Porém, a proteção não atende
as suas necessidades, já que o programa não prevê o acompanhamento fora da cidade de
Santarém, nem mesmo dentro da Gleba Nova Olinda, palco do conflito.
Em reconhecimento à luta do Segundo Cacique Dadá Borari pelos direitos de seu
povo, a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção
Pará, concedeu a Dadá Borari o prêmio José Carlos Dias de Castro de Direitos Humanos em
dezembro de 2007 (Anexo H). O líder indígena foi homenageado pela OAB-PA por atuar na
defesa dos direitos humanos do povo indígena, o direito à terra de seus ancestrais e o resgate
da cultura de seu povo:
Por isso, a Ordem, nesse trabalho de valorização e divulgação das causas defendidas
pelos defensores dos direitos humanos no Estado, homenageou o cacique Dadá
Borari, assumindo a luta de sua etnia e demais populações indígenas e tradicionais
do Oeste do Pará, para dar maior visibilidade à causa defendida por ele e estimular o
debate à importância da regularização fundiária das terras indígenas e defesa das
riquezas naturais das reservas (OAB-PA, 2009, p. 06).
No entanto, segundo as lideranças indígenas, mesmo tendo a realidade vivida por seu
povo certa repercussão em setores da sociedade (OAB, por exemplo), em favor de sua luta, os
madeireiros continuavam sua ação devastadora de exploração dos recursos naturais em seu
território. Desse modo, como mencionado anteriormente, os moradores das comunidades do
Rio Arapiuns se juntaram para defender sua região: decidiram fazer uma manifestação na
Comunidade de São Pedro para chamar a atenção das autoridades para os crimes cometidos
contra aquele povo e denunciar a extração ilegal de madeira (CIMI, 2009).
Iniciada no dia 12 de outubro de 2009, a manifestação contou com populações
144
indígenas, não indígenas, assentados do PAE Curuai e da Resex Tapajós-Arapiuns. A
princípio, no dia 12 de outubro, estavam envolvidas apenas 6 comunidades e algumas
entidades como STTR-Santarém, Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS, CITA e CPT.
No entanto, com o prosseguimento da pauta de reivindicações e as ações ocorridas, mais
comunidades passaram a integrar o movimento, chegando a um total de 26 comunidades
participantes (Figura 37).
Figura 37 – Chegada de pessoas para integrarem-se no Movimento em Defesa da Vida e
Cultura do Arapiuns.
Foto cedida pelos manifestantes.
Nesta manifestação, deu-se origem ao “Movimento em Defesa da Vida e Cultura do
Arapiuns”. Com o objetivo de “lutar por uma terra que legitimamente pertence às
populações tradicionais e indígenas que moram naquele espaço há muitos anos” (H. A.
Borari, 56 anos). Os manifestantes reunidos nesta ocasião decidiram impedir a passagem de
balsas carregadas com madeiras vindas da Gleba Nova Olinda. Foram detidas duas balsas de
madeira e solicitada a presença de representantes do Governo do Estado e outras autoridades
para tratar do assunto; todavia, o Governo do Estado do Pará nunca admitiu nenhuma
irregularidade e tão pouco se propôs a encontrar uma saída a partir da pauta de reivindicações
dos moradores do Arapiuns (Anexo I).
Segundo relatos dos manifestantes, a participação das pessoas variava de 80 a 1.200
pessoas a depender do horário e dos dias da semana; havia a participação de crianças, jovens e
145
adultos. As comunidades da região, compreendida pelo Lago Grande, Tapajós e Arapiuns, de
Santarém, envolveram-se no movimento. Sendo que os moradores das comunidades mais
distantes ajudaram com a doação de alimentos, basicamente peixe e farinha, para os
manifestantes se manterem no local. Os alunos das escolas da região do Rio Arapiuns
participavam ativamente das atividades, fazendo apresentações, paródias, cartazes, músicas e
poesias (Figura 38). Neste sentido, vale ressaltar o relato de uma criança Borari a respeito da
manifestação:
“Nós foi tudo lá pra ponta do Pedrão [Comunidade São Pedro], foi é
todo mundo, a aldeia ficou vazia, era tempo de manga, se estragava.
Mas as vez nos vinha aqui buscar, pra levar pros outros q tava lá. Nós
fomo tudo, não teve aula, o professor foi também. Nós tava lá era
lutando pela nossa terra né? Tinha muita gente lá, de tudo lugar,
tinha criança das outras comunidades do Arapiuns, a gente brincava
muito [risos], mas a gente participava das reunião também, dos
ritual, porque a gente tem que ser unido né? E lutar. Nós [crianças]
gosta dos ritual, nós tem o ritual das criança, nós tem música, eu e o
preto, nós faz poesia sobre a nossa aldeia, muita coisa nós faz” (J. A.
Borari, 9 anos).
Figura 38 – Participação das crianças (alunos) na manifestação de São Pedro.
Fotos cedidas pelos manifestantes.
Uma pauta de reivindicações foi estabelecida pelos manifestantes, no entanto, pouco
se avançou nas negociações com as autoridades competentes (SEMA, IDEFLOR, ITERPA,
MPF e MPE). Apesar das reiteradas solicitações feitas aos representantes do Governo do
Estado do Pará para conversar com os manifestantes a fim de apurar as denúncias de
irregularidades no processo de extração de madeira, o Governo ignorou os apelos, dando
respostas evasivas aos moradores do Arapiuns (CIMI, 2009). Segundo os manifestantes, o
desrespeito foi tanto que, no dia 12 de novembro, depois de um mês de manifestação, e como
146
o Governo do Estado não atendeu à solicitação das comunidades, decidiram dar um recado ao
mesmo, queimando a madeira de duas balsas apreendidas, com indícios de irregularidades
(Figura 39).
Figura 39 – Queima da madeira de duas balsas apreendidas, com indícios de irregularidades,
no Rio Maró, pelos manifestantes.
Foto cedida pelos mesmos.
A mídia local tratou a manifestação como vandalismo, a ela atribuindo outras
acusações, como a destruição do patrimônio particular e prejuízos à empresa M2000, que teve
sua carga de madeira queimada. Para reforçar este discurso, os principais meios de
comunicação regionais têm usado informações de um pesquisador ambiental sobre mudanças
climáticas e assessor do Deputado Federal da região. Este pesquisador afirma não existirem
indígenas na região do Rio Arapiuns. Seus argumentos ignoram ou desconhecem a
Constituição Federal Brasileira e a Convenção 169 da OIT ratificada pelo Governo Brasileiro,
em 2002, que tratam do assunto.
Este assessor político também tenta difamar padres da Igreja católica de serem os
responsáveis pelo processo de “inventar” a existência de índios na região. O ato desesperador
é uma tentativa clara de intimidar o serviço da Igreja junto a estas populações e propagar um
discurso contra os direitos dos povos nativos da Amazônia e, ainda, de criminalizar a luta dos
povos indígenas.
Segundo Nilson Vieira, chefe da vistoria do IBAMA na Gleba Nova Olinda, em 2007,
uma das táticas utilizadas por parte dos empresários para desacreditar a legitimidade da Terra
Indígena Maró pauta-se na desqualificação das lideranças indígenas, veiculando, por exemplo,
matérias aparentemente pagas na imprensa local, onde essas lideranças são chamadas de
falsos índios, em discurso que é disseminado na região, além das ameaças de morte e
147
espancamentos, enfrentados freqüentemente pelas lideranças indígenas (IBAMA, 2007).
Os conflitos vividos pelos Borari de Novo Lugar não são raros entre os indígenas. A
esse respeito, podemos citar alguns casos: Posey (1995) relata que a confrontação dos Kayapó
com os agentes econômicos externos, especialmente madeireiros, garimpeiros e os grandes
negócios, ameaçam concretamente todos os aspectos da cultura kayapó, à medida que esses
agentes adentram na Terra Indígena. Segundo Coutinho et al. (2002), os indígenas do Estado
do Maranhão vêm sendo, ao longo do tempo, fisicamente lesados e subjugados pela sociedade
civil. Os autores dizem, ainda, que aqueles que sobreviveram às sucessivas ações de
extermínio sofrem drásticas reduções em seu território de ocupação tradicional. Realidades
estas, semelhantes às vividas pelos Borari de Novo Lugar.
Segundo Ramos (2008), os Yanomami vêm sofrendo, desde meados do século XX,
inúmeras ameaças a sua integridade física e sócio-cultural. A construção da rodovia
Perimetral Norte, nos anos 1970, deixou um rastro de morte, levando à extinção de
comunidades inteiras. Posteriormente, os Projetos Agropecuários expulsaram as comunidades
Yanomami de suas terras e a corrida pelo ouro propiciou a invasão dos territórios Yanomami
causando a pior epidemia de malária já vista na região. Após vários massacres e mortes dos
Yanomami e muitas lutas dos indígenas em prol de suas terras, a Terra Indígena Yanomami
foi demarcada em 1991, sendo homologada no ano seguinte:
“A desagregação social deu-se em vários níveis, a começar pela destruição da base
econômica das comunidades: roças destruídas pela força de enormes mangueiras
vomitando colossais jorros contra barrancos desmoronados em segundos; trilhas
seccionadas por imensas crateras abertas à força de tremendos jatos d’água, cortando
o acesso a roças, acampamentos e aldeias; animais de caça escorraçados pelo
pandemônio do trânsito constante de aviões e helicópteros e do infernal barulho do
tosco maquinário que serve o incontrolável afã de buscar ouro a qualquer preço.
Tudo isso foi acompanhado da implacável sangria de vidas indígenas, fosse por
doenças altamente contagiosas, fosse pura e simplesmente por assassinatos. [...]
Povo do movimento, do fluxo e da expansividade, os yanomami continuam
enfrentando os assaltos, ainda que em menor grau, de levas de garimpeiros, mesmo
depois de o estado brasileiro, desde 1992, ter investido milhões de reais em
repetidas, mas ineficazes operações de desocupação da terra indígena yanomami.
[...] Além desses novos transtornos, os yanomami ainda enfrentam um outro perigo,
que são as tentativas intermitentes por parte de alguns políticos de anular o que lhes
é garantido por direito: um território suficientemente amplo capaz de assegurar a
continuidade de seu modo fluido e sábio de viver” (RAMOS, 2008, p. 112).
Ainda em relação aos conflitos em territórios indígenas, o CIMI (2009) elaborou um
relatório sobre a violência e a violação dos direitos indígenas garantidos pela Constituição
Federal Brasileira e pela Convenção 169 da OIT. O referido relatório demonstra os conflitos
existentes nos estados Brasileiros. Abaixo, estão relacionados alguns conflitos existentes em
Terras Indígenas na Amazônia Brasileira (Figura 40).
148
Figura 40 – Quadro: Alguns conflitos existentes em Terras Indígenas na Amazônia Brasileira
Estado
TI/Etnia
Breve descrição do conflito
Acre
Kampa do Rio
Amônea/
Ashaninka
Maranhão
Araribóia/
Guajajara e AwáGuajá
Maranhão
Awá/
Awá-Guajá
Nesta TI a indústria cosmética é acusada pelo MPF de fazer a
indevida exploração de conhecimentos tradicionais dos
Ashaninka. O processo de produção de cosméticos a partir do
óleo do murumuru já foi patenteado por três empresas: Tawaya,
indústria sediada em Cruzeiro do Sul, a Natura Cosméticos e
Chemyunion Química Ltda.
Esta TI sofre também com invasões de não-indígenas. O MPF
acusa dois não-índios por danos morais, materiais e ao meio
ambiente resultante da invasão da terra indígena do povo
Ashaninka. Os acusados fizeram a abertura irregular de estradas,
derrubaram árvores e retiraram madeira
Na TI Araribóia existem vários crimes cometidos contra os
indígenas e seu território:
- Extração ilegal de madeira: foram exploradas ilegalmente as
poucas áreas remanescentes de floresta amazônica na terra
indígena Alto Turiaçu. Infratores ambientais têm usado serrarias
portáteis, mais fáceis de montar e desmontar e que permitem se
embrenhar na mata e produzir madeira serrada no próprio local.
Madeireiros abriram uma estrada clandestina na parte norte da
terra indígena, rumo à Lagoa Buritizal, que é o espaço de caça e
coleta de grupos Awá-Guajá sem contato e que vivem há anos
nessa terra.
- Garimpo ilegal;
- Plantação de maconha, onde os traficantes plantaram diversas
roças de maconha, ocupando grande parte da área da reserva
indígena. A área deveria ser usada para plantação de mandioca.
Extração ilegal de madeira: a devastação intensa na área levou a
conflitos entre madeireiros e indígenas com confrontos e mortes.
O grupo isolado está sendo encurralado e corre sério risco de
aniquilação.
Extração ilegal de madeira: desde o início do ano de 2009,
lideranças da TI Bacurizinho vêm relatando situações de invasão
de madeireiros em sua área.
Bacurizinho/
Guajajara
Cana
Brava/Guajajara
Guajajara
Caru/
Awá-Guajá
Extração ilegal de madeira: desde 1986 a TI Cana Brava vem
sofrendo invasão por madeireiros. Porém, a situação se agravou
no mês de fevereiro de 2009, onde houve o assassinato de um
madeireiro na Aldeia Caru. Em função disso, dois indígenas
estão presos acusados do assassinato e os conflitos entre
indígenas e não-indígenas aumentam cada vez mais.
Desmatamento: a Justiça do estado do Maranhão na pessoa do
juiz José Carlos Madeira deu parecer favorável aos Awá-Guajá
reconhecendo a TI Awá como sendo terra tradicional do povo e
estipulou um prazo de 190 dias para desintrusão da área. O prazo
foi esgotado e nenhum ocupante foi retirado. No dia 23 de
outubro, o primeiro Tribunal Regional Federal suspendeu a
decisão. Com isso, o processo de degradação ambiental corre de
forma acelerada. O povo Awá-Guajá vem lutando há 25 anos
pela conquista de sua terra radicional.
149
Figura 40 – Continuação
Estado
TI/Etnia
Breve descrição do conflito
Mato
Grosso
Parque Indígena
do Xingu/
Várias etnias
Extração ilegal de madeira: existe invasão e desmatamento
dentro e fora do Parque Indígena do Xingu. Os acusados foram
flagrados cortando e carregando grande quantidade de madeira
sem autorização.
Desmatamento para pastagem: o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) detectou 47,27 km2 de desmatamento e
degradação florestal na terra indígena. Ainda em 2009 a
operação Curuá flagrou mais de 6 mil hectares de área
desmatada ilegalmente e identificou duas grandes fazendas em
plena atividade de produção agrícola, a Conquista e a Colombo.
Desde a década de 1960 os índios lutam pela retomada do local.
Em 1998, veio a demarcação da terra e o reconhecimento do
direito dos Xavante à reserva, mas há uma disputa judicial em
que os fazendeiros, que continuam na terra indígena, questionam
a ordem de saída da região. Dos mais de 165 mil ha, os índios
ocupam apenas 30 mil ha. O restante da área é ocupada por
fazendeiros, posseiros e grileiros.
Desmatamento: os índios denunciaram a presença de
madeireiros na reserva. Segundo o cacique da comunidade, os
madeireiros aproveitaram a realização da 10a Edição dos Jogos
dos Povos Indígenas, para invadir a reserva.
Desmatamento para pastagem: o território indígena de 7.700
km2 tem cerca de 1.200 invasores que derrubam a mata para
criar gado, segundo a Funai. O grupo que vive na área depende
da caça e tem sentido uma diminuição significativa no número
de animais na região, o que compromete a subsistência dos
indígenas.
Os conflitos gerados pela UHE Belo Monte, no rio Xingu, cujos
estudos e projetos não respeitam o direito de consulta prévia e
bem informada das comunidades atingidas e, muito menos, seu
direito de manter a integridade de seus territórios e a preservação
dos recursos naturais.
Invasão e exploração madeireira: reunidos na 7a Assembleia dos
Povos Indígenas, em Guajará-Mirim, as etnias do Vale do
Guaporé expressaram “repúdio às ocupações promovidas pelo
agronegócio, madeireiros e fazendeiros.” Haveria planos de
manejo e atividades extrativistas, travestidas de atividades
agrícolas dentro das terras da União e área indígena em
Rondônia. Conforme as denúncias, trechos das reservas são alvo
da extração de essências para exportação.
Construção de hidrelétrica, a instalação da hidrelétrica Santo
Antonio atingirá 5 povos contatados e vários povos isolados.
Segundo Roberto Smeraldi, diretor de “Amigos da Terra –
Amazônia Brasileira, “a concessão das licenças contrariou
repetidamente os pareceres da equipe técnica do Ibama”. Uma
das principais irregularidades apontadas é a autorização
ambiental do Ibama, antes de a Funai ter informações suficientes
sobre a localização geográfica de índios que vivem na área.
Marãiwatsedé/
Xavante
Pará
Alto Guamá/
Tembé
Apyterewa/
Apyterewa
Pará
Várias Terras
Indígenas/
Várias etnias
Rondônia
Vale do Guaporé/
Várias etnias
Várias TIs/
Vária etnias
150
Figura 40 – Continuação
Estado
TI/Etnia
Breve descrição do conflito
Rondônia
Várias TIs/
Vária etnias
Roraima
Yanomami/
Yanomami
A construção e pavimentação de estradas: a pavimentação de
291 quilômetros da BR-429, sul de Rondônia, poderá dizimar
vários povos isolados, além dos Yvyraparakwara e Jurureí. A
rodovia passa perto de áreas de conservação e terras indígenas
demarcadas, além de cortar territórios a serem demarcados para
os índios Poruborá e Miguelenos.
Garimpo: O garimpo ilegal vem devastando a terra, provoca
poluição dos rios e ameaça a sobrevivência das populações
indígenas que aí vivem. A Delegacia do Meio Ambiente diz
realizar ações de combate ao garimpo diariamente. A
fiscalização na reserva indígena é complexa. Demanda tempo e
efetivo que não existe na unidade regional, além de apoio
logístico das Forças Armadas e Polícia Federal
Destruição do patrimônio:
- Em torno de 20 a 30 pessoas, algumas armadas, invadiram a
terra indígena e começaram a destruir o curral da comunidade.
- Empregados de um fazendeiro da região destruíram as cercas
da comunidade indígena que faziam divisa com a fazenda em
questão.
- A escola indígena da comunidade foi totalmente queimada
durante a madrugada. Um fazendeiro da região, antes do registro
do delito pelos indígenas, tinha registrado Boletim de Ocorrência
na mesma Delegacia alegando não ser ele o autor do crime, sem
que ninguém tivesse lhe imputado o crime.
-Na noite do dia 27de junho, um grupo de homens armados,
oriundos do projeto Assentamento Nova Amazônia, entraram na
aldeia Lago da Praia e queimaram o Posto de Saúde com todos
os equipamentos, medicamentos e equipamento de radiofonia
que dava suporte de comunicação à comunidade
Danos ao meio ambiente: Ao deixar a Terra Indígena Raposa
Serra do Sol, os invasores que plantavam arroz tornaram suas
terras “terra arrasada”.
Agrotóxico: a comunidade indígena vem sofrendo com as
plantações de soja na região. Segundo relatos dos indígenas, há
forte contaminação das pessoas, solo, água e animais devido à
enorme quantidade de agrotóxicos pulverizados. Os indígenas
atingidos relatam doenças respiratórias e de pele; morte de aves
e pequenos animais, além de erosão e má qualidade da água.
Serra da Moça/
Makuxi,
Wapixana
Roraima
Tocantins
Raposa Serra do
Sol/
Várias etnias
Kraolândia /
Krahô
Fonte: CIMI, 2009
O que se pretende mostrar, com as informações da figura acima, é que não são raros os
conflitos em territórios indígenas amazônicos e que a morosidade das ações dos órgãos
competentes contribuem, se não para o aumento, mas para a manutenção das situações
conflituosas vividas por estes vários povos indígenas amazônidas.
Neste sentido, sobre o processo demarcatório da TI Maró, se faz necessário a
celeridade na publicação dos estudos de identificação e delimitação, pois, diante da
indefinição pelos órgãos competentes dos limites da área indígena, diversos conflitos estão
151
ocorrendo entre os indígenas e os não indígenas (madeireiros e comunitários) na área e a
contínua exploração da madeira tem gerado degradação ambiental e, consequentemente,
provocado impactos negativos diretos ao modo de viver das populações indígenas locais.
De acordo com Amorozo (2007), a garantia de posse e uso de seu território é essencial
para a reprodução dos modos de vida das sociedades tradicionais. Nesse sentido, a luta pelo
reconhecimento e demarcação das Terras Indígenas (TI) visa garantir não somente a proteção
da biodiversidade e a sobrevivência dos referidos povos, mas também direitos originários
perante seu território cultural, político, econômico, ecológico, entre outros, os quais são
ameaçados na disputa entre os diferentes atores sociais, pelo acesso à terra e aos recursos
naturais existentes em terras indígenas.
A legislação referente aos indígenas, a partir da Constituição Federal de 1988, cobre
amplamente as recomendações acima, através do direito à demarcação de terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios e imprescindíveis tanto às suas atividades produtivas
como à preservação dos recursos ambientais, segundo suas pautas culturais, demarcadas
oficialmente ou não. Essas terras destinam-se a sua posse permanente, com o usufruto das
riquezas naturais nelas existentes. São ainda considerados nulos, sem efeito jurídico, atos que
tenham por objeto ocupação, domínio ou posse, salvo relevante interesse público da União
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE L988, CAPÍTULO VIII, DOS ÍNDIOS, art 231 e 232).
Por seu modo de proceder, os representantes das madeireiras que atuam na região da
TI Maró não só ameaçam a permanência da população indígena na área, como também todo o
ecossistema da região. Motivos pelos quais os Borari resistem e lutam em favor de seu
território, de seus modos de vida e de sua cultura. As atividades de agricultura de subsistência
e o uso histórico dos recursos naturais pelos Borari devem ser um referencial para a proposta
de demarcação de TI Maró, considerando o grau de vulnerabilidade a que essa área está
sujeita, pelo tipo de exploração dos recursos naturais ora imposta pelos madeireiros.
Os Borari reivindicam um território que representa uma resposta às novas fronteiras de
expansão e ao avanço indiscriminado da exploração dos recursos naturais da região da Gleba
Nova Olinda, circunscrevendo tanto sua territorialidade, sua identificação étnica indígena,
quanto o uso e controle coletivo dos recursos naturais.
Na Amazônia, segundo Oliveira (1998), a grande ameaça é justamente a “invasão dos
territórios indígenas e a degradação dos recursos ambientais”. Sendo assim, a regularização
das TIs representa também a limitação do território, obstáculo para os capitalistas
expropriarem as terras e, conseqüentemente, os recursos naturais nelas existentes (PICOLI,
152
2006). Segundo IMAZON e ISA (2011), o desmatamento, a atividade madeireira, a
construção de estradas e a mineração são as pressões das atividades humanas mais freqüentes
sobre as Terras Indígenas. As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê
várias obras, tais como: rodovias, hidrelétricas e hidrovias que teriam impactos nas TIs
(IMAZON; ISA, 2011). Dentre estas, destaca-se a Hidrelétrica de Belo Monte, obra que trará
conquências imprevisíveis e irreversíveis para indígenas e não-indígenas da região de
Altamira, no estado do Pará (CIMI, 2009).
153
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício de descrever e analisar a história dos Borari da Aldeia Novo Lugar
proporcionou compreender saberes e práticas sociais que orientam tanto a organização social,
cultural e política, quanto às formas de apropriação, utilização, manejo e gestão dos recursos
naturais, em especial os vegetais, por esses indígenas. Os diferentes espaços do território
utilizados pelos Borari indicam que a complexidade do meio construído e a dinâmica de
organização dos indígenas são orientadas por aspectos culturais amplos (saberes tradicionais,
mitologia, cosmologia, crenças, etc.).
A organização sócio-política dos indígenas de Novo Lugar é bem definida e pode
ilustrar aspectos como a resistência cultural, a intensa relação de reciprocidade familiar
imanente aos Borari, o processo de ocupação da terra ao longo do Rio Maró, o padrão de
utilização dos recursos naturais e a luta pelo direito a terra, evidenciando sua ancestralidade e
identidade indígena.
O universo mítico dos Borari representa uma articulação, através da reverência ao
catolicismo, aos rituais e às divindades, associado à reafirmação étnica e à luta pelo território.
A luta pela terra é associada ao significado que une o grupo em questão, através de uma
identidade etnicamente diferenciada, aos aspectos cosmológicos de suas crenças e
religiosidade, aos lugares de memória da ocupação territorial do grupo pela região (BeijuAçu, cabeceira do Igarapé do Cachimbo, e Lago e Campo de Natureza Janauí) e ao modo de
viver dos Borari, expressado através de suas práticas políticas, sociais e culturais, além de sua
relação com a natureza.
As formas de utilização e manejo dos recursos naturais da Aldeia Novo Lugar sempre
foram orientadas por saberes locais que mantiveram, em sua prática, a conservação dos
recursos naturais para as gerações posteriores. Nesse sentido, as regras de utilização do espaço
e conservação do meio natural da aldeia, foram, por muito tempo, orientadas pelo Sr. Manoel
Avelino, fundador da Aldeia e um grande conhecedor dos ecossistemas naturais locais.
Sendo, a composição populacional da aldeia diretamente vinculada à família do casal
fundador, Sr. Manoel Avelino e Sra. Salustiana Alves Borari, tais experiências foram
perpetuadas pelos seus filhos e repassadas até hoje pela família Alves de Sousa aos membros
da aldeia.
Em geral, os Borari detêm um vasto conhecimento sobre a flora local e sua utilização
(potencialidades). O conhecimento geográfico e ecológico proveniente da ocupação sucessiva
dos ambientes ao longo dos anos, associado aos vínculos simbólico-religiosos referentes ao
154
mundo natural, geram a cosmologia relacionada ao universo botânico dos Borari. Tais
conhecimentos estão diretamente imbricados ao modo de utilização e ocupação do espaço
territorial.
Os resultados apresentados evidenciam que o padrão de utilização dos recursos
naturais dos Borari pauta-se na interligação das unidades produtivas e de coleta (quintais,
roças, florestas) manejadas pelos indígenas, revelando o conhecimento que estes têm sobre o
potencial florístico de suas terras. Os espaços produtivos e de coleta se complementam na
busca de garantia das necessidades básicas dos Borari, especialmente no que tange à
alimentação, à saúde e às condições de moradia. A diversidade de plantas manejadas e
utilizadas por esses indígenas é consideravelmente alta e seu cultivo e/ou coleta é realizado,
basicamente, para suprir a demanda familiar e para a doação entre os demais indígenas da
aldeia.
Os dados obtidos neste trabalho revelam que as principais espécies consideradas pelos
Borari como fundamentais para sua reprodução física e sócio-cultural possuem múltiplos
usos. Estas destinam-se à alimentação, tanto humana como animal; aos cuidados com a saúde,
tanto física como espiritual; a construção de suas casas e de todas as outras edificações
necessárias na aldeia; aos artesanatos e utensílios fabricados e utilizados por estes indígenas, o
que indica que os Borari têm uma visão integrada dos recursos naturais considerados
fundamentais para eles, maximizando seus usos.
Dessa forma, conclui-se que os Borari de Novo Lugar não possuem apenas um
conhecimento aprofundado do seu meio natural, tradicionalmente repassado. Julgo que o
processo de ocupação territorial na região do Rio Maró, pelo uso comum da terra e dos
recursos naturais, seja uma construção do território intrínseca da relação indígenas-mundo
vegetal. Desse modo, a perspectiva de conservação própria dos indígenas pode e deve ser
integrada em um plano que tenha por finalidade a conservação do meio ambiente e dos
saberes tradicionais indígenas, pois os Borari dependem, por sua cultura e estilo de vida, do
ambiente natural onde vivem e têm um interesse direto em usá-lo de maneira sustentável e em
conservá-lo para seus filhos e netos.
Os resultados deste trabalho despertam a atenção sobre a necessidade da continuidade
dos estudos nesse campo de pesquisa com indígenas da região do Baixo Rio Tapajós, sobre os
quais pouco se sabe. Pois um grande esforço é preciso para a compreensão do relacionamento
complexo que os povos indígenas mantêm com seu meio ambiente, através de seus modelos e
regras de apropriação e uso do espaço e dos recursos naturais. Embora se tenha discutido
155
neste trabalho a relação dos Borari com os vegetais em seus quintais, roças e floresta de terra
firme, um estudo mais aprofundado sobre a relação dos indígenas com outros tipos de
florestas como, por exemplo, as florestas de igapó, os campos de natureza e os diversos tipos
de capoeiras se torna necessário para entender melhor o universo botânico dos indígenas da
região do Baixo Rio Tapajós.
Os dados apresentados neste trabalho mostram que a luta pela terra protagonizada
pelos Borari está distante de ser apenas por espaço territorial. Essa luta deve ser entendida
como a busca pela sobrevivência e manutenção de um território que abrange a articulação
entre as dimensões sociais, políticas, culturais e a natureza. Pois, enquanto esta última oferece
materiais (recursos naturais), que regulam o modo de viver dos Borari, as dimensões sociais e
políticas estabelecem a forma como esses materiais são utilizados, manejados e geridos, e a
dimensão cultural expressa a cosmologia de como o território e seus recursos naturais são
apropriados e explorados pelos Borari.
A entrada da COOEPA, na região da Gleba Nova Olinda, não só proporcionou a
diminuição drástica do território de sobrevivência dos Borari, no que diz respeito à
diversidade e à qualidade de seus alimentos, mas também afetou grandemente a relação
Borari-natureza, ao afetar o modo de viver dos indígenas, pois os mitos e crenças religiosas
estão intimamente ligados ao manejo da natureza, uma vez que ambas se entrosam
indissoluvelmente. O fato dos indígenas estarem confinados a uma faixa entre o rio e o pico
demarcatório imposto pelos madeireiros ameaça concretamente a reprodução física, social e
cultural dos mesmos, visto que lugares de extrema importância para a memória e ritualística
dos Borari, onde antes permeavam sem problemas, hoje são disputados com os agentes vindos
de fora (madeireiros), mas também com os próprios nativos da região (vizinhos da
Comunidade Fé em Deus).
As situações de conflitos vividas pelos indígenas de Novo Lugar proporcionaram um
contexto no qual os Borari se apropriaram de símbolos, valores e práticas pertencentes a seu
universo cultural a fim de orientar e sustentar formas distintivas de sua etnicidade em relação
aos demais grupos locais envolvidos na problemática fundiária da Gleba Nova Olinda. A luta
pela terra, a reivindicação étnica indígena, a violência política e costumeira dos empresários
madeireiros e a seletividade do Estado nos conflitos existentes na Gleba Nova Olinda,
indicam a continuidade do processo de dilaceramento da cidadania indígena, mas revelam
também o vigor das lutas desse povo.
A tradicionalidade da cultura borari favoreceu a conservação de seus saberes
156
tradicionais, aliada a seu padrão de utilização dos recursos naturais. No entanto, o acentuado
desmatamento da floresta na região da Gleba Nova Olinda, por um lado, e a falta de
demarcação de terras, por outro, podem estar comprometendo esses saberes tradicionais.
Analisando os dados pesquisados, chegamos ao fato concludente de que um dos
grandes desafios para os Borari está na garantia de sua própria sobrevivência. Sobrevivência
esta intimamente ligada à saúde, vista de forma global: física, intelectual, cultural e social.
Pois se, no passado, os Borari eram donos de uma vasta área capaz de garantir e satisfazer
plenamente suas necessidades, hoje se encontram acuados em uma faixa entre o pico
estabelecido pelos empresários madeireiros e o rio, que não chega à metade da dimensão de
suas antigas terras. Além do mais, a exploração gradativa dos recursos naturais, especialmente
pelos madeireiros, em grande escala, leva à escassez de produtos alimentícios, como os frutos
da floresta e a caça.
Em função dos resultados obtidos neste estudo, infere-se que a proposta de
regularização fundiária do Seminário Participativo para elaboração do Plano Participativo de
Mosaico de Uso da Terra nas Glebas Nova Olinda, Nova Olinda II, III, Curucumucuri e
Mamuru, no Oeste do Pará, nos parece, assim, entre aquelas discutidas ao longo desses
últimos anos, a mais próxima do ideal. Pois representa, de fato, o território necessário para a
reprodução física e cultural dos Borari e, ademais, é a condizente com o almejado pelos
indígenas.
Por terem uma vivência sócio-cultural estreitamente vinculada ao seu território, os
Borari utilizam, para sua sobrevivência física e cultural, uma área bem mais ampla do que a
área que os madeireiros delimitaram como da aldeia. Em vista desses fatos, a delimitação, a
desintrusão e a proteção de um espaço territorial adequado para os Borari aparecem
claramente como uma condição essencial para sua sobrevivência física e cultural. Neste
sentido, o território adequado para os Borari deve ser entendido, aqui, como uma área
calculada prioritariamente em função das condições de reprodução do sistema produtivo
indígena descrito ao longo deste trabalho, isto é, uma área extensa e contínua.
O reordenamento territorial em curso implica o dever do Estado em promover a
demarcação e a homologação da TI Maró, na perspectiva constitucional dos direitos
indígenas, que inclua áreas tanto para suas atividades produtivas quanto aquelas
imprescindíveis à preservação de recursos ambientais para sua reprodução física e cultural.
Neste sentido, no processo de demarcação da TI Maró, deve-se respeitar a ocupação
tradicional, delimitando o território conforme o seu uso sócio-cultural. Pois para ter-se a
157
redução ou o fim dos Borari, não será necessária sua eliminação física. Mas, pensemos: o que
teremos daqui a algum tempo? O que será dos Borari de Novo Lugar daqui a alguns anos? E
da devastação da floresta na região da Gleba Nova Olinda se se prosseguir a agressão
praticada pelos empresários contra esse povo e as terras ao seu entorno?
Por tudo isto, é tarefa de maior importância para os órgãos governamentais
competentes promover a demarcação da área indígena dos Borari-Arapiuns (TI Maró)
segundo os limites almejados por eles, e a garantia de uma fronteira étnica e geográfica que
possa assegurar tanto a preservação da biodiversidade local (vegetal e animal), quanto a
reprodução física e sócio-cultural dos indígenas, visto que seu padrão de utilização dos
recursos naturais implica o uso e destinação sustentável dos recursos disponíveis no ambiente.
158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERT, B. Urihi: terra, economia e saúde Yanomami. Brasília: UNB, 1992. p. 1-20. (Série
Antropologia, v.119).
ALBUQUERQUE, U. P. de. Etnobiologia e biodiversidade. Recife: NUPEEA/Sociedade
Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, 2005. 78p. (Série Estudos e debates).
ALBUQUERQUE, U.P. de; LUCENA, R.F. de P.; ALENCAR, N.L. Métodos e técnicas para
coleta de dados etnobiológicos. In: ALBUQUERQUE. U.P; LUCENA, R.F.P. de; CULHA,
L.V.F.C da (Orgs.) Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e tnoecológica. Recife,
NUPPEA, 2010, p. 39-64. (Coleção estudos & avanços)
ALBUQUERQUE, U.P; ANDRADE, L.H.C. Conhecimento botânico tradicional e
conservação em uma área de caatinga no Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil. Acta
Botanica Brasilica, v. 16, n.3, p. 273-285, 2002.
ALCÂNTARA, L. Povos indígenas no Brasil: como vivem nossos contemporâneos. Brasília,
Senado Federal, 2000, 80p. (Caderno de Debates, Coleção Idéias, nº 6).
ALMEIDA, A.W.B. Biologismos, geografismos e dualismos: notas para uma leitura crítica de
esquemas interpretativos da Amazônia que dominam a vida intelectual. In: PORRO, R. (Ed.)
Alternativa agroflorestal na Amazônia em transformação. Brasília, EMBRAPA
Informação Tecnológica, 2009, p. 65 – 122.
ALMEIDA, A. W. B. de. Terra de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livre”,
“castanhais do povo”, faixinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. 2. ed.
Manaus: PGSCA-UFAM, 2008, 192p.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. Os quilombolas e a base de lançamento de foguetes de
Alcântara: Laudo Antropológico, Brasília: MMA, 2006, v. 1, 213p.
ALMEIDA, A. W.B. de. Terra e territórios: a dimensão étnica e ambiental dos conflitos
agrários. In: CANUTO, A et al.. (Coord.). Conflitos no campo. Goiânia: CPT Nacional,
2006, p. 16 – 41
ALMEIDA, A. W.B. de. Terras tradicionalmente ocupadas: processo de territorialização e
movimentos sociais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Rio de Janeiro:
ANPUR, v.6, n.1, p. 9-32. 2004.
ALMEIDA, R.H. de. Relatório de viagem ao rio Tapajós. Brasília: Fundação Nacional do
Índio, 2001. 63p.
AMOROZO, M.C. de M. Construindo a sustentabilidade: biodiversidade em paisagens
agrícolas e a contribuição da etnobiologia. In: ALBUQUERQUE, U.P. de; ALVES, A.G.C. &
ARAÚJO, T.A. de S.A (orgs.). Povos e paisagens: etnobiologia, etnoecologia e
biodiversidade. Recife: NUPEEA/UFRPE, 2007, p. 77-89.
AMOROZO, M.C. de M. A abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas medicinais. In:
DI STASI, Luiz Cláudio (Org.). Plantas Medicinais: arte e ciência, um guia de estudo
159
interdisciplinar. São Paulo: Editora da UNESP, 1996, p. 47-68.
AMOROZO, M. C. de M.; GÉLY, A. Uso de plantas medicinais por caboclos do Baixo
Amazonas. Barcarena, PA, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, n.1, p. 47131, 1988. (Série Botânica v. 4)
AMOROZO, M.C. de M.; VIERTLER, R.B. A abordagem qualitativa na coleta e análise de
dados em etnobiologia e etnoecologia. In: ALBUQUERQUE. U.P; LUCENA, R.F. de P.;
CULHA, L.V.F.C da (Orgs.) Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e
etnoecológica. Recife, NUPPEA, 2010, p. 65- 82. (Coleção estudos & avanços).
ANDERSON, A. B.; POSEY, D. A. O reflorestamento indígena. In: BOLOGNA, G. (Org.).
Amazônia, adeus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 199-210.
ANDERSON, A.B.; POSEY, D. Manejo de cerrado pelos índios Kayapó. Boletim do Museu
Paraense Emílio Goeldi, série Botânica, v.2, n.2, p. 77-98,1985.
ARENZ, K.H. A teimosia da pajelança: o sistema religioso dos ribeirinhos da Amazônia.
Santarém: Instituto Cultural Boanerges Sena (ICBS), 2000. 176 p.
ARRUT, J.M.A. A emergência dos “remanescentes”: notas para o diálogo entre indígenas e
quilombolas. Mana, v.3, n.2, p. 7-38, 1997.
ATHAYDE, S. F. de. Sustentabilidade ambiental de recursos naturais utilizados na cultura
material Kaiabi (Tupi-guarani) no Parque Indígena do Xingu, região amazônica, Brasil.
Etnoecológica, v. 4, n.6. p. 84-100. 2000.
BAINES, S.G. Conflitos interétnicos no Rio Jauaperí. Pp. 105-126.In: ALMEIDA, A.W.B.
de; FARIAS JÚNIOR, E. de A. (Org.). Mobilizações étnicas e transformações sociais no
Rio Negro, Manaus: UEA Edições, 2010, 476p.
BALÉE, W.A. Biodiversidade e índios amazônicos. In: VIVEIROS DE CASTRO, E.;
CUNHA, M.C. da (Orgs.). Amazônia: etnologia e história indígena. São Paulo, Núcleo de
História Indígena e do Indigenismo da USP: FAPESP, 1993, p. 385-393. (Série Estudos).
BALÉE, W.A. Cultura na vegetação da Amazônia brasileira. In: NEVES, W.A. (Org.).
Biologia e ecologia humana na Amazônia: avaliação e perspectiva. Belém, Museu Paraense
Emílio Goeldi. Programa de Biologia Humana, 1989, p. 95-109.
BALÉE, W.A etnobotânica quantitativa dos índios Tembé (Rio Gurupi, Pará). Boletim do
Museu Paraense Emílio Goeldi, n.1, p. 29-50. 1987. (Série Botânica v. 3,).
BALÉE, W. Análise preliminar de inventário florestal e etnobotânica Ka’apor (Maranhão).
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, n.2, p. 141-167, 1986. (Série Botânica, v. 2).
BALETTI, B.; SENA, A.; REGO, G. Em Defesa da Amazônia Moradores enfrentam
madeireiros e o Governo em batalhas locais. Programa das Américas Reporte, Washington,
DC: Center for International Policy, 11 de Janeiro de 2010.
160
BRASILEIRO, S. dos S. Organização política e o processo faccional no povo indígena
Kirirí. 1995. 250 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal Bahia.
Salvador. 1995
BARTOLOMÉ, M. A. As etnogêneses: velhos atores e novos papéis no cenário cultural e
político. Mana, v. 12, n.1, p. 39-68. 2006.
BECKER, H.S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2ª ed. São Paulo: HUCITEC,
1994. p.117-135.
BEGOSSI, A. Ecologia humana: um enfoque das relações homem-ambiente. Interciencia,
v.18, n.3, p.121-132, 1993.
BENSASUN, N.; GONÇALVES, M. A. Terras Indígenas e Unidades de Conservação: debate
centrado em conflitos não tem futuro. In: LIMA, André (Org.). Aspectos jurídicos
fundamentais para a proteção da Mata Atlântica. São Paulo, 2001. p. 101-107.
(Documentos ISA, 7).
BERTHO, A. M. M. Os índios Guarani na Serra do Tabuleiro. 2005. 224 f. Tese
(Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4 ed. São
Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
BRASIL. Decreto n° 5.051, de 19 de abril de 2004, recepciona a Convenção n° 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT, In: Diário Oficial da União, 2004.
BRASIL. Decreto n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em 10/01/2010.
BRASIL. Lei Federal nº. 11.284, de 2 de março de 2006. Disponível em:
www.planalto.gov.br. Acesso em 10/01/2010.
BRITO, M.A. de; COELHO, M.F.B., Os quintais agroflorestais em regiões tropicais
unidades-auto-sustentáveis: revisão de literatura. Revista Agricultura Tropical, v.4, n.1,
2000.
CAMPOS, M.D. Etnociência e Etnocenologia: interfaces. In: SEMINÁRIO INTERNO DO
DEPARTAMENTO DE ARTE CORPORAL DA ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E
DESPORTOS, 2.,2006, Rio de Janeiro. Anais...: conhecendo e reconhecendo a dança na
UFRR. Rio de Janeiro,: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. p. 38-46.
CAMPOS, M.T.; EHRINGHAUS, C. Plant virtues are in the eyes of the beholders: a
comparison of known palm uses among indigenous and folk communities of southwestern
Amazonia. Economic Botany, v. 57, n. 3, p. 324-344, 2003.
161
CARINI, J.J. Tribo em Marcha - a dimensão de território para os índios caingangues de
Nonoai do século XIX. Disponível em: www.semina.clio.pro.br/4-2-2006/Joel%20Carini.pdf.
Acesso em 10 de julho de 2009.
CARNEIRO DA CUNHA, M. Antropologia do Brasil: mito-história-etinicidade. São Paulo:
Brasiliense, 1986. 173p.
CARNEIRO FILHO, A. Temos um esplêndido passado pela frente? As possíveis
conseqüências da BR – 163. In: TORRES, M. (Org.). Amazônia revelada: os descaminhos
ao longo da BR-163. Brasília: CNPq, 2005, p.185-199.
CASTRO, E. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais. In: DIEGUES,
A.C. (Org.). Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. São
Paulo, HUCITEC/ NUPAUB/USP, 2000, p.165- 182.
CAVALLO, G.A. La aspiración indígena a la propia identidad. Revista Universum, v. 21, n.
1, p. 106-119, 2006.
CHERNELA, J.M. Os cultivares de mandioca na área Uaupés (Tukâno). In: RIBEIRO, B.G
(Org). Suma Etnológica Brasileira, Edição atualizada do Handbook of South American
Indians. 3ª ed. Belém: Editora Universitária UFPA, 1997, p. 171-180.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Violência contra os povos indígenas no
Brasil: relatório 2009. Brasília, 2009. 148p.
COUTINHO, D. F.; TRAVASSOS, L. M. A.; AMARAL, F. M. M. Estudo etnobotânico de
plantas medicinais utilizadas em comunidades indígenas no Estado do Maranhão – Brasil.
Visão Acadêmica, v.3, n.1, p. 7-12, 2002.
DANTAS, B. G. Os índios em Sergipe. Pp. 19-60. In: DINIZ, D. M. (Coord.). Textos para a
história de Sergipe. Aracaju, Universidade Federal de Sergipe, BANESE, 1991, 294 p.
DIEGUES, A.C. Etnoconservação da natureza: enfoques alternativos. In: DIEGUES, A.C.
(Org.). Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. São Paulo,
HUCITEC/ NUPAUB/USP, 2000, p. 1- 46.
DIEGUES, A.C. (Org.). Biodiversidade e as comunidades tradicionais no Brasil: os
saberes tradicionais e a biodiversidade no Brasil. NUPAUB-USP/ PROBIO – MMA/ CNPq.
São Paulo. 1999, 211 p.
DIEGUES, A.C.; ARRUDA, R. S. V. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil.
Brasília, Ministério do Meio Ambiente. São Paulo: USP, 2001. 176p.
DOURADO, S.B. Institucionalização do movimento indígena no médio rio negro. In:
ALMEIDA, A.W.B. de; FARIAS JÚNIOR, E. de A. (Org.). Mobilizações étnicas e
transformações sociais no Rio Negro, Manaus: UEA Edições, 2010, p. 327- 350.
DUBOIS, J.C.L. Manual agroflorestal para a Amazônia. v. 1., Rio de Janeiro, REBRAF.
1996. 228p.
162
ELOY, L. e LASMAR, C. Urbanização e transformação dos sistemas indígenas de manejo de
recursos naturais: o caso do alto rio Negro (Brasil). Acta Amazônica, v.41, n.1, p. 91-102,
2011.
EMBRAPA. Levantamento de reconhecimento de média intensidade do solo e avaliação da
aptidão agrícola das terras da área do Polo Tapajós. Rio de Janeiro. Embrapa Boletim de
Pesquisa, v.20, 1983. 284 p.
EMPERAIRE, L. O manejo da agrobiodiversidade – o exemplo da mandioca na Amazônia.
Pp. 189-201. In: BENSUSAN, N. Seria melhor mandar ladrilhar? Biodiversidade como,
para que, por quê? ISA, UnB, 2002. 428p
EMPERAIRE, L. Elementos de discussão sobre a conservação da agrobiodiversidade: o
exemplo da mandioca (Manihot esculenta Crantz) na Amazônia brasileira. In: SEMINÁRIO
DE CONSULTA, 1999, Macapá. Avaliação e identificação de ações prioritárias para a
conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios, 1999.
FELIPIM, A.P. O sistema agrícola Guarany Mbyá e seus cultivares de milho: um estudo
de caso na Aldeia Guarany da Ilha do Cardoso, município de Cananéia, SP. 2001 120 f.
Dissertação (Mestrado Ciências Florestais) Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.
Piracicaba, 2001
FERNANDES, E.C.M.; NAIR, P. K. R. An evaluation of the structure and function of
tropical homegardens. Agricultural Systems, v. 21, p. 279 – 310. 1986.
FONSECA-KRUEL, V.S.; PEIXOTO, A.L. Etnobotânica na Reserva Extrativista Marinha de
Arraial do Cabo, RJ, Brasil. Acta Botanica Brasilica v. 18, n.1, p.177-190, 2004
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. “Os Índios” e “As Terras Indígenas”. 2008.
Disponível em <http://www.funai.gov.br/>. Acesso em 10 de agosto de 2009.
FUNAI; PPTAL. Levantamentos etnoecológicos em terras indígenas na Amazônia
brasileira: uma metodologia. Brasília, 2004. 53 p.
HALBWACHS, M. A Memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, 189p.
HAVERROTH, M. Etnobotânica, uso e classificação dos vegetais pelos Kaingang Terra
Indígena Xapecó. Recife: NUPEEA/Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia,
2007. 107 p.
HAVERROTH, M. Agricultura indígena e princípios agroflorestais. In: SILVA, V. A. da;
ALMEIDA, A. L. S. de; ALBUQUERUQE, U.P. (Orgs.). Etnobiologia e Etnoecologia:
pessoas e natureza na América Latina. Recife: NUPEEA, 2010, p. 305-320. (Série
Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia).
HAVERROTH, M. Os desafios da pesquisa etnobotânica entre povos indígenas. In: SILVA,
V. A. da; ALMEIDA, A. L. S. de; ALBUQUERUQE, U.P. (Orgs.). Etnobiologia e
Etnoecologia: pessoas e natureza na América Latina. Recife: NUPEEA, 2010, p. 131-141.
(Série Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia).
163
HECK, E.; LOEBENS, F.; CARVALHO, P.D. Amazônia indígena: conquistas e desafios.
Estudos Avançados, v.19, n.53, p. 237-255, 2005.
IBAMA. Relatório de fiscalização Cachoeira do Aruã, Gleba Nova Olinda, Santarém, Pará,
14 a 28 de setembro de 2003.
IBAMA. Relatório técnico de vistoria na Gleba Nova Olinda. Santarém, Pará, 2007. 32p.
IMAZON; ISA. Áreas protegidas na Amazônia brasileira: avanços e desafios.
VERISSIMO, A.; ROLLA, A.; VEDOVETO, M.; FUTADA, S. de M. Belém: Imazon, São
Paulo: Instituto Socioambiental, 2011. 87p.
IORIS, E. M. A Forest of disputes: struggles over spaces, resources and social identities in
Amazonia. 2005. 326 f. Tese (Doutorado em Antropologia Cultural). Universidade da Flórida,
USA. 2005.
ITERPA. Relatório técnico: vistoriar, coletar coordenadas geográficas, realizar levantamento
socioeconômico, fundiário, identificar/verificar área de pretensão e definir junto às
comunidades existentes a forma de regularização fundiária da Gleba Nova Olinda I no
Município de Santarém. Pará: ITERPA, Belém, 2007, 16 p.
JUNQUEIRA, A.B. Uso e manejo da vegetação secundária sobre terra preta por
comunidades tradicionais na região do médio Rio Madeira, Amazonas Brasil. 2008. 126
f. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas – Botânica). Manaus: UFAM/ INPA. 2008.
KERR, W.E.; CLEMENT, C.R. Práticas agrícolas de conseqüências genéticas que
possibilitaram aos índios da Amazônia uma melhor adaptação às condições ecológicas da
região. Acta Amazônica, v.10, n.2, p. 251-261, 1980.
KERR, W.E.; POSEY. Informações adicionais sobre agricultura dos Kayapó. Interciencia,
v. 9, n. 6. 1984. p. 392-400.
KOHLHEPP, G. Conflitos de interesse no ordenamento territorial da Amazônia brasileira.
Estudos Avançados, v.16, n.45, p. 37-61, 2002.
LADEIRA, M. E. Uma Aldeia Timbira. In: NOVAES, S.C. (Org.). Habitações indígenas.
São Paulo, Ed. Nobel, 1982, p. 11-13.
LARAIA, R. B. Tupi: índios do Brasil atual. São Paulo: FFLCH/USP, 1986. 303 p.
LAURIOLA, V. Ecologia global contra diversidade cultural? Conservação da natureza e
povos indígenas no Brasil: o Monte Roraima entre Parque Nacional e Terra Indígena Raposa
Serra do Sol. Ambiente e Sociedade, v.5, n.2, p.165-189, 2003.
LEÃO, R.B.A.; FERREIRA, M.R.C.; JARDIM, M.A.G. Levantamento de plantas de uso
terapêutico no município de Santa Bárbara do Pará, Estado do Pará, Brasil. Revista
Brasileira de Farmácia v. 88, n.1, p. 21-25, 2007.
164
LEONEL, M. O uso do fogo: o manejo indígena e a piromania da monocultura. Estudos
Avançados, v.14, n.40, p. 231-250, 2000.
LEROY, J.P. Amazônia: Território do capital e território dos povos. In: ZHOURI, A.;
LASCHEFSKI, K. (Org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2010, p. 92-113.
LÉVI-STRAUSS, C. O uso das plantas silvestres da América do Sul Tropical. In: RIBEIRO,
B.G (Org). Suma Etnológica Brasileira, Edição atualizada do Handbook of South American
Indians. 3ª ed. Belém: Editora Universitária UFPA, 1997, p. 19-42.
LIMA, D.; POZZOBON, J. Amazônia socioambiental: sustentabilidade ecológica e
diversidade social. Estudos Avançados, v. 19, n.54, p. 45-76, 2005.
LIMA, R. M. B.; SARAGOUSSI. MFloodplain home gardens on the Central Amazon in
Brazil. In: JUNK, W.J.; et. al. (eds.). The Central Amazon floodplain: actual use and
options for a sustainable management. Leiden: Backhuys. 2000. p. 243-268.
LITTLE, P. E. Ambientalismo e Amazônia: encontros e desencontros. In: SAYAGO, D.;
TOURRAND, J.F; BURSZTYN, M. (Orgs.). Amazônia: cenas e cenários, Brasília,
Universidade de Brasília, 2003, p. 321-344.
LITTLE, P. E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia
da territorialidade. Brasília, 2002. p. 1–32. (Série Antropologia, n.322).
LITTLE, P. E. Os conflitos socioambientais: um campo de estudo e de ação política. In:
BARTHOLO JUNIOR, R. S. et al. (Orgs.). A difícil sustentabilidade: política energética e
conflitos ambientais. 2ª ed. Rio de Janeiro, Garamond, 2001, p. 321-344.
LOK, R. La funcion Insustituble de los huertos caseros. Agroforesteria en Las Americas,
v.3. n. 9/10, p. 5, 1996.
LOSIVOLO, H. A Memória e a formação dos homens. Estudos Históricos, v.2, n.3, p. 1628. Rio de Janeiro, 1989.
LOUREIRO, V. R.; PINTO, J. N. A. A questão fundiária na Amazônia. Estudos Avançados,
v.19, n.54, p.77-98, 2005.
MARQUES, J. G. W. Pescando pescadores: ciência e etnociência em uma perspectiva
ecológica. São Paulo: NUPAUB/ USP, 2001. 304 p.
MARTIN, G. J. Etnobotánica: manual de métodos. Montevideo, Nordan-Comunidad, 1995.
240 p.
MARTINS, H. M. Os Katukina e o Kampô: aspectos etnográficos da construção de um
projeto de acesso a conhecimentos tradicionais. 2006. 161 f. Dissertação (Mestrado em
Antropologia Social) – UNB, Brasília. 2006.
165
MARTINS, P. S. Dinâmica evolutiva em roças de caboclos amazônicos. Estudos Avançados
v.19, n.53, p. 209-220, 2005.
MAUÉS, R. H. 2003. “Bailando com o Senhor”: técnicas corporais de culto e louvor (o êxtase
e o transe como técnicas corporais). Revista de Antropologia, v.46, n. 1, p. 10-40, 2003.
MAUÉS, R. H. 2005. Um aspecto da diversidade cultural do caboclo amazônico: a religião.
Estudos Avançados, v.19, n.5, p. 259-274, 2005.
MENÉNDEZ, M. A Área Madeira-Tapajós. Situação de contato e relações entre colonizador
e indígenas - uma contribuição para a etno-história da área Tapajós-Madeira. In: CUNHA,
M.C. da (Org.) História dos Índios do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.
289-385.
MILANEZ, F. Medo e tensão no Oeste. Revista Rolling Stones, edição de outubro de 2010,
p. 155-162.
MILLER, R.P.; NAIR, P.K.R. Indigenous agroforestry systems in Amazonia: from prehistory
to today. Agroforestry Systems, v.66, p. 151- 164, 2006.
MILLER, R.P., PENN, Jr. J.W.; LEEUWEN, J. van. Amazonian homegardens: their
ethnohistory and potential contribution to agroforestry development. In: KUMAR B.M. &
NAIR P.K.R. (Eds.), Tropical Homegardens: a time-tested example of Ssstainable
agroforestry. Dordrecht. Advances in Agroforestry 3, Springer Science, 2006, p. 43-60.
MILLIKEN, W.; MILLER, R.P.; POLLARD, S.R.; WANDELLI, E.V. Ethnobotany of the
Waimiri-Atroari Indian of Brazil. Royal Botanical Gardens, London. 1992, 146p.
MING, L. C.; AMARAL JUNIOR, A. Ethobotanical aspects of medicinal plants in the Chico
Mendes Extractive Reserve. In: D. DALY; SILVEIRA, M. (org.). Floristics and economic
botany of Acre, Brazil. vol.1. Nova York, The New York Botanical Garden/Universidade
Federal do Acre, 2003. p. 1-38.
MING, L. C. Plantas medicinais na Reserva Extrativista Chico Mendes (Acre): uma visão
etnobotânica. São Paulo: UNESP, 2006. 160 p.
MING, L. C.; HIDALGO, A. de F.; SILVA, S.M.P. da. A etnobotânica e a conservação de
recursos genéticos. In:______. Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia. v.1. Recife:
Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, 2002, p. 147 -151.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – Procuradoria da República no Município de
Santarém/PA. Relatório da viagem às Aldeias Indígenas Novo Lugar, Cachoeira do Maró
e São José II, situadas no Rio Maró, Gleba Nova Olinda. Santarém, 2007. 61p.
MURRIETA, J. R.; RUEDA, R.P. Reservas Extrativistas. UICN- União Mundial para
Conservação, 1995. 132p.
O’DWYER, L. C. Processos de territorialização e conflitos sociais no uso dos recursos pelo
povo Awá-Guajá em área da antiga Reserva Florestal do Gurupi. In: ZHOURI, A.;
LASCHEFSKI, K. (Org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo Horizonte,
166
Editora UFMG, 2010, p. 388-411.
OLIVEIRA, B. C. de. Todo dia é dia de índio: terra indígena e sustentabilidade. In: TORRES,
M. (Org.). Amazônia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163, Brasília, CNPq, 2005.
p. 201-235.
OLIVEIRA, C. L. de. Um apanhado teórico conceitual sobre a pesquisa qualitativa:
Tipos,
técnicas
e
características.
Disponível
em
http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas. Acesso, junho de 2010.
OLIVEIRA, J. P. de. A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no
Nordeste. Rio de Janeiro: Contracapa, 1999. 364 p.
OLIVEIRA, J. P. de. Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. Mana, v. 4, n. 1, p. 47-77, 1998.
OLIVEIRA, L. R. de; BURSZTYN, M. Conflitos socioambientais nas reservas legais em
bloco: o caso do PA Margarida Alves, em Rondônia. In: THEODORO, S. H. (Org.).
Mediação de conflitos socioambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. 220 p.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, seção Pará. Direitos Humanos, nosso
compromisso. Edição especial, 2009.
PATZLAFF, R. G.; PEIXOTO, A. L. Pesquisa em etnobotânica e o retorno do conhecimento
sistematizado à comunidade: um assunto complexo. História, Ciência e Saúde –
Manguinhos, v.16, n.1, p. 237-246, 2009.
PEDROSO, N.N.J.; MURRIETA, R.S.S.; ADAMS, C. A agricultura de corte e queima: um
sistema de transformação. . Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, n.2, p. 153-174.
2008. (Série Ciências Humanas, v.3)
PERES, S.C. Associativismo, etnicidade indígena e transformações sociais: a manufatura
política dos direitos territoriais em Barcelos. In: ALMEIDA, A.W.B. de; FARIAS JÚNIOR,
E. de A. (Org.). Mobilizações étnicas e transformações sociais no Rio Negro. Manaus:
UEA Edições, 2010, p. 213-232.
PERONI, N.; HANAZAKI, N. Current and lost diversity of cultivated varieties, especially
cassava, under swidden cultivation system in the Brazilian Forest. Agriculture, Ecosystems
& Environment, v. 92, n. 2-3, p. 171-202, 2002.
PERONI, N.; MARTINS, P. S. Influência da dinâmica agrícola itinerante na geração de
diversidade de etnovariedades cultivadas vegetativamente. Interciencia, v.25, n.1, p. 22-27.
2000.
PERONI, N. Agricultura de pescadores. In BEGOSSI, A. (Org.). Ecologia de pescadores da
Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: NEPAN/UNICAMP, NUPAUB/USP, FAPESP,
2004. p. 59-88.
PEZZUTI, J.; CHAVES, R. P. Etnografia e manejo de recursos naturais pelos índios Deni,
167
Amazonas, Brasil. Acta Amazonica, v.39, n.1, p. 121-138, 2009.
PICOLI, F. O capital e a devastação da Amazônia. São Paulo, Expressão Popular, 2006.
256 p.
PIEVE, S. M. N.; KUBO, R.R.; COELHO-DE-SOUZA, G. Pescadores da lagoa Mirim:
etnoecologia e resilência. Brasília, MDA, 2009, 244 p.
PINTON, F. & EMPERAIRE, L. Agrobiodiversidade e agricultura tradicional na Amazônia:
que perspectivas? In: Sayago, D., Tourrand, J.F., Bursztyn, M. (Orgs.). Amazônia: cenas e
cenários. Brasília, Universidade de Brasília. 2004, p. 73 – 100.
POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, v.5, n.10, p. 200-212, 1992.
POSEY, A.D. Consequencias ecológicas da presença do índio Kayapó na Amazônia: recursos
antropológicos e direitos de recursos tradicionais. In: CAVALCANTI, C. (Org.).
Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo, Cortês,
1995, p. 177-194.
POSEY, D. A. Etnobiologia: teoria e prática. In: RIBEIRO, B.G (Org). Suma Etnológica
Brasileira. 2. ed. Rio Janeiro: Vozes, 1987a, p. 15-25.
POSEY, D. A. Manejo da floresta secundária, capoeiras, campos e cerrados (Kayapó). In:
RIBEIRO, B.G (Org). Suma Etnológica Brasileira. 2. ed., Rio Janeiro: Vozes, 1987b, p.
173-185.
POSEY, D.A. Etnobiologia e etnodesenvolvimento: importância da experiência dos povos
tradicionais. In: Seminário Internacional sobre meio ambiente, pobreza e
desenvolvimento da Amazônia (Anais), 1992, Belém. Belém: Governo do Estado do Pará.
1992. p. 112-117.
POSEY, D.A. The application of ethnobiology in the conservation of dwindling natural
resources: lost knowledge or options for the survival of the planet. In: POSEY, D. A.;
OVERAL W.L. (Eds.). Ethnobiology: implications and applications. Proceedings for the
First International Congress of Ethnobiology. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, p. 4761. 1990.
POSEY, D. A.; OLIVEIRA, A. E. de. Ciência Kaiapó: alternativas contra a destruição.
Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi / CNPq / SCT, p. 15 – 44, 1992.
PRANCE, G.T. Etnobotânica de algumas tribos Amazônicas. In: RIBEIRO, B.G (Org). Suma
Etnológica Brasileira, Edição atualizada do Handbook of South American Indians. 3. ed.
Belém: Editora Universitária UFPA, 1997, p. 135-151.
RADAM BRASIL. Departamento Nacional da Produção Mineral. Projeto. Folha SA – 21 Santarém; Geologia, Geomorfologia, Solos, Vegetação uso Potencial da Terra.
Levantamento de Recursos Naturais 10, Rio de Janeiro, 1976. 522 p.
168
RAMOS, A.R. O paraíso ameaçado: sabedoria Yanomami versus insensatez predatória.
Antípoda, n. 7, p. 101-117, 2008.
RIBEIRO, B. G. Amazônia urgente. Belo Horizonte, Itatiaia, 1990. 272 p.
RIBEIRO, B. G. A contribuição dos povos indígenas à cultura brasileira. In: LOPES, A. da
S.; GRUPIONE, L.D (orgs.). A temática indígena nas escolas: novos subsídios para
professores de 1º e 2º grau. 4ªed. Brasília: MEC/MARI/UNRESCO. 2004. 575p.
RIBEIRO, B. G. Os Índios das Águas Pretas: modo de produção e equipamento produtivo.
São Paulo: EdUSP/Companhia das Letras, 1995. 270 p.
RIBEIRO, D. Diários Índios: os Urubus-Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996,
626p.
ROOSEVELT, A.C. Arqueologia Amazônica. In: CUNHA, M. C. (Org.): História dos
Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, l992, p. 53-86.
RUEDA, R.P.; MURRIETA, J.R. Reservas Extrativistas. UICN- União Mundial para
Conservação, 1995.
SANTILLI, J. O Regime Jurídico Nacional: a medida provisória 2.186-16/2001. In:
Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores. Peirópolis, São Paulo, 2009. Pp. 273-293.
SANTILLI, J. Contexto histórico da Assembléia Nacional Constituinte. In:
Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural.
São Paulo, Instituto Internacional de Educação do Brasil e Instituto Socioambiental, 2005, p.
55-99.
SANTOS, G. S. dos; RUBIM, A. C. Processos de territorialização no rio Cuieiras. In:
ALMEIDA, A. W. B. de; FARIAS JÚNIOR, E. de A. (Org.). Mobilizações étnicas e
transformações sociais no Rio Negro. Manaus: UEA Edições, 2010, p. 351-374.
SANTOS, I. M. C. dos. Pueblos indígenas del Bajo Rio Tapajós, rostros contemporáneos
de Brasil. 2005. 150f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Quito: Faculd
Latinoamericana de Ciencias Sociales, 2005.
SANTOS, L. dos S.; et. al. Técnicas para coleta e processamento de material botânico e suas
aplicações na pesquisa etnobotânica. In: ALBUQUERQUE. U.P; LUCENA, R.F.P. de;
CUNHA, L.V.F.C da (Orgs.) Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e tnoecológica.
Coleção estudos & avanços. Recife, NUPPEA, 2010, p 277-295.
SARAIVA, M. P. Identidade multifacetada: a reconstrução do “ser indígena” entre os
Juruna do Médio Xingu. Belém: NAEA. 2008, 233p.
SCHRÖDER, P. Economia Indígena: situação atual e problemas relacionados a projetos
indígenas de comercialização na Amazônia Legal. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2003,
177 p.
169
SEIXAS, C. S. Abordagens e técnicas de pesquisa participativa em gestão de recursos
naturais. In: VIEIRA, P. F.; BERKES. F.; SEIXAS, C. S. (Org.) Gestão integrada e
participativa de recursos naturais: conceitos, métodos e experiências. Florianópolis, APED.
2005, p. 73-105.
SENA, A. E. de C. Ordenamento territorial no Estado do Pará e a negação do pluralismo
aos povos e comunidades tradicionais: o caso da Gleba Nova Olinda. Santarém, 2009.
Mímeo.
SILVA, V.A.; ALBUQUERQUE, U.P.; NASCIMENTO, V.T. do. Técnicas para análise de
dados etnobotânicos. In: ALBUQUERQUE, U. P. de; LUCENA, R. F. P. de; CUNHA, L. V.
F. C. da (Orgs.) Métodos e técnicas na pesquisa etnobotânica. 2 ed. Revisada, atualizada e
ampliada. Recife: COMUNIGRAF, 2008, p. 127-143.
SILVA, V.A. da. Etnobotânica dos índios Fulni-ô (Pernambuco, Nordeste do Brasil).
2003. 128f. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal). Recife: Universidade Federal de
Pernambuco. 2003.
SIOLI, H. The amazon and its main affluents: hydrology, morphology of the river courses and
river types. In: H. SIOLI (Ed.) Amazon: limnology and landscape ecology of a mighty
tropical river and its basin. Dordrecht, W. Junk, 1984, p. 127-165.
STTR; CPT. Plano participativo de mosaico de uso da terra nas glebas: Nova Olinda,
Nova Olinda II, III, Curumucuri e Mamuru no Oeste do Pará. Santarém/PA. Dezembro de
2008, 75 p.
VANWEY, L.; OSTROM, E.; MERESTSKY, V. Teorias subjacentes ao estudo de interações
homem-ambiente. In: MORÁN, E.; OSTROM, E. (Orgs.). Ecossistemas Florestais: interação
homem-ambiente. São Paulo: EDUSP, 2009, p. 41-817.
VAZ FILHO, F. A. Povos indígenas e etnogêneses na Amazônia. In: LUCIANO, G. dos S.;
OLIVEIRA, J. C.; HOFFMANN, M. B. (Orgs.). Olhares indígenas contemporâneos.
Brasília, CINEP, 2010a. p. 104-159
VAZ FILHO, F. A. Dicionário papa-xibé do Baixo Amazonas. Santarém, 2010b. Mímeo.
VAZ FILHO, F. A. De cablocos a indígenas: uma cronologia da etnogênese no Baixo Rio
Tapajós, Pará, Brasil. 2009. Mimeo
VAZ FILHO, F. A. O nativo revestido com as armas da antropologia. Trabalho apresentado
na MR 18 “Intelectuais e Lideranças Étnicas no Campo da Antropologia”, coordenada
pela Profa. Maria Rosário de Carvalho, na 26ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada
entre os dias 01 e 04 de junho de 2008. Porto Seguro: Bahia, 2008.
VAZ FILHO, F. A. As comunidades munduruku na Flona do Tapajós. In: RICARDO, F.
(Org.) Terras indígenas e unidades de conservação da natureza: o desafio das
sobreposições. São Paulo: Instituto Socioambienal, 2004, p. 571-574.
VAZ FILHO, F. A. História dos povos indígenas do Rio Tapajós e Arapiuns a partir da
170
ocupação portuguesa. Santarém, 1997. Mimeo
VAZ FILHO, F. A. Ribeirinhos da Amazônia: identidade e magia na floresta. Revista de
Cultura Vozes, n.2, p. 47-65. 1996.
VIERTLER, R. Métodos antropológicos como ferramenta para estudos em Etnobiologia e
Etnoecologia. In: AMOROZO, M. C. de M; MING, L.C; SILVA, S. P. Métodos de coleta e
análise de dados em Etnobiologia, Etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro:
UNESP/CNPQ, 2002. p 11-29.
VIVEIROS DE CASTRO, E. No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é. Entrevista.
In: RICARDO, B.; RICARDO, F. (Eds.). Povos Indígenas no Brasil: 2001-2005. São Paulo:
ISA, 2006, p. 41-49.
WOLF, E. R. Aspectos sociais do campesinato. In: Sociedades camponesas. 2. ed.
(tradução). Rio de Janeiro: Zahar. 1976, p 87-113.
171
APÊNDICES
172
Apêndice A – Lista das 128 espécies dos quintais cultivadas e utilizadas pelos Borari de
Novo Lugar-TI Maró, Santarém-PA.
NOME POPULAR
Abacate
Abacaxi
Açaí
Abuta
Água ardente
Alecrim
Alfavaca
Alfavaca braba
Algodão branco
Algodão roxo
Amor crescida
Anador
Ananás
Andiroba
Araçá
Araticum
Arcanfocaá
Arraiacaá
Arruda
Bacaba
Banana
Batata-doce
Biribá
Boldinho
Boldo
Buriti
Caatinga de mulata
Cacau
Café
Caju
Cana-de-açúcar
Cana mansa
Canela de jacamim/jacamincaá
Capim laranjinha
Capim santo
Cará
Carmelitana
Castanha-do-Pará
Cebolinha
Chama
Chicória
Chumburana
Cidreira
Cipó-alho
Coco
NOME CIENTÍFICO
Persea americana Mill.
Ananas comosus (L.) Merril
Euterpe oleraceae Mart.
Cissapelos andromorpha DC.
Capraria biflora L.
Rosmarinus officinalis L.
Ocimum sp.
Ocimum sp.
Gossypium arboreum L.
Gossypium herbaceum L.
Portulaca subsect. Pilosae D. Legrand
Alternanthera minutiflora Sucess.
Ananas sp.
Carapa guianensis Aublet.
Psidium guineensis Pers.
Annona montana Macf.
Barreria latifólia (Aubl.) K. Schum.
Piper marginatum Jacq.
Ruta graveolens L.
Oenocarpus bacaba Mart.
Musa sp.
Ipomoea batatas L. (Lam.)
Myrcia fallax (Rich.) DC.
Vernonia condensata Backer
Plectranthus neochilus Schlechter
Mauritia flexuosa L.
Aelanthus suaveolens L.
Theobroma cacao L.
Coffea arabica L.
Anacardium occidentale L.
Saccharum officinarum L.
Costus spiralis (Jacq.) Rosc.
Alternanthera dentata (Moench) Stuchlik ex R.E. Fr
Cybopogon winterianus Jowitt ex Bor
Cymbopogon citratus Stapf
Dioscorea sp.
Lippia cf. Alba (Mill.) N.E. Br. Ex Britton & P. Wilson.
Bertholletia excelsa Bonpl.
Allium fistulosum L.
Não identificada
Chicorium intybus L.
Canna sp.
Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P. Wilson
Mansoa alliaceae (Lam.) A.H. Gentry
Cocos nucifera L.
173
Apêndice A – Continuação
NOME POPULAR
Coramina
Crajirú
Crista de galo
Croton
Cumapú
Cumaruzinho
Cupuaçu
Curuminzeiro
Espécie ornamental
Escada de jaboti
Feijão
Flexal
Folha grossa
Fruta pão
Gapuí
Gergelim
Goiaba
Graviola
Hortelanzinho
Ingá
Ingá de corda
Ingá xixica
Jambo
Japana branca
Jatobá
Jenipapo
Jerimum
Laranja
Lima
Limão
Limão tangerina
Mndioca, macaxeira e manicuera
Mamão
Manga
Mangarataia
Mangarataia amarela
Mangericão
Maracujá
Marrequinha
Marupaí
Mastruz
Maxixe
Melancia
Melão
Melhoral
Milho
Mucajá
NOME CIENTÍFICO
Pedilanthus tilhymaloides (L.) Polt.
Arrabidaea chica (H.B.K.) Verlot
Altharanthera sp.
Croton sp.
Physalis angulata L.
Não identificada
Theobroma grandiflorum Schum.
Justicia pectoralis Jacq.
Não identificada
Bauhinia guianensis Aubl.
Phaseolus sp.
Não identificada
Coleus amboinicus Lour.
Artocarpus altilis (Parkinson) Fosberg
Adenocalymma sp.
Sesamum indicum DC
Psidium guajava L.
Annona muricata L.
Mentha sp.
Inga sp.
Inga edulis Mart.
Inga heterophylla Willd.
Eugenia malaccensis L.
Eupatorium triplinervis (Vahl) R.M. King & H. Rob.
Hymenae courbaril L.
Genipa americana L.
Cucurbita pepo L.
Citrus sinensis L.Osbeck
Citrus limetta Syingle. Var
Citrus limon (L.) Burm.f.
Critrus sp.
Manihot esculenta Crantz
Carica papaya L.
Mangifera indica L
Zingiber officinalis Rosc.
Zingiber sp.
Ocimum basilicum L.
Passiflora edulis Sims.
Alternanthera sp.
Eleutherine plicata Herb.
Chenopodium ambrosioides L.
Cucumis anguria L.
Citrullus vulgaris Schard.
Cucumis melo L.
Coleus barbatus (Andrews) Benth.
Zea mays L.
Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.
174
Apêndice A – Continuação
NOME POPULAR
Mucuracaá
Murrueiro
Muruci do norte ou muruci
Muruci-açu
Muruci pequeno ou da natureza
None
Onça
Onze horas
Pau-de-angola
Piaçoca
Pião branco
Pião roxo
Pimenta de cheiro
Pimenta malagueta
Preciosa
Pucá
Pupunha
Quina
Rosa branca
Rosa cumuacá
Sabugueiro
Saia de noiva
Salva de marajó
Sara tudo
Seringa
Tajá buceta
Taperebá
Tártaro
Trevo roxo
Tucumã
Urubucaá
Urucum
Uxi liso
Vic
Vassoureira
Vindicá
NOME CIENTÍFICO
Petiveria alliacea L.
Eschweilera ovata (Cambess.) Miers
Byrsonima crassifólia (L.) Kunth
Byrsonima aerugo Sagot
Byrsonima spicata (Cav.) DC.
Morinda citrifolia L.
Costus spicatus (Jacq.) Sw.
Portulaca grandiflora Hook.
Piper divaricatum Mey
Croton sacaquinha Croizat.
Jatropha curcas L.
Jatropha gossypiifolia L.
Capsicum sp.
Capsicum cf. annuum L
Aniba canellila Mez.
Cardiospermumhalicacabum L.
Bactris gasipaes Kunth.
Quassia amara L.
Rosa sp.
Pereskia sp.
Sambucus nigra L.
Catharanthus roseus (L.) G. Don
Lantana grandis Scham.
Rhacodiscus cf. calucinus (Nees) Bren
Hevea brasiliensis M. Ang.
Não identificado
Spondias mombim L.
Tanacentum sp.
Micromeria chamissonis (Benth) Greene
Astrocaryum vulgare Mart.
Aristolochia trilobada L.
Bixa orellana L
Endopleura uchi (Hub) Cuart
Mentha arvensis L.
Myrciaria floribunda (H. West ex Willd.) O. Berg
Alpinia zerumbet (Pers.) B. L. Burtt & R.M. Sm.
175
APÊNDICE B – Lista das 14 espécies cultivadas e utilizadas nas roças pelos Borari de Novo
Lugar-TI Maró, Santarém-PA
NOME POPULAR
Abacaxi
Arroz
Banana
Batata-doce
Cana-de-açúcar
Cará
Jerimum
Mandioca, macaxeira
Mangarataia
Mangarataia amarela
Maxixe
Melancia
Milho
Pimenta de Cheiro
NOME CIENTÍFICO
Ananas comosus (L.) Merril
Oryza sp.
Musa sp.
Ipomoea batatas L. (Lam.)
Saccharum officinarum L.
Dioscorea sp.
Cucurbita pepo L.
Manihot esculenta Crantz
Zingiber officinalis Rosc.
Zingiber sp.
Cucumis anguria L.
Citrullus vulgaris Schard.
Zea mays L.
Capsicum sp.
176
APÊNDICE C – Lista das 93 espécies das florestas citadas pelos Borari de Novo Lugar-TI
Maró, Santarém-PA
NOME POPULAR
Abiu
Açaí
Amapá
Ananim
Andiroba
Angelim-pedra
Angelim-vermelho
Apuí
Aquiqui
Araticum
Arcanfocaá
Aroeira
Arraiacaá
Arruda da natureza
Arumã
Assuva
Bacaba
Bacuri-da-mata
Barbatimão
Breu
Buriti
Buxinha
Cacauí
Caju-açu
Caranã
Carapanaúba
Castanha-do-Pará
Cedro
Cedrorana
Cipó ambé
Cipó apará
Cipó titica
Cipó-unha-de-gato
Copaíba
Cumarú
Cumaruzinho
Cupiúba
Cupuí
Curuá
Envira
Envirataia
Escada de jaboti
Estopa
Faxeiro
Flexal
Inajá
Ipê
Itaúba
NOME CIENTÍFICO
Pouteria caimito (Pavon) Radlk
Euterpe oleraceae Mart.
Brosimum parinarioides Ducke
Não identificada.
Carapa guianensis Aublet.
Hyminelobium sp.
Hyminelobium petraeum Ducke
Não identificado
Não identidicado
Annona montana Macf.
Barreria latifólia (Aubl.) K. Schum.
Astronium gracile Engl.
Piper marginatum Jacq.
Não identificado
Thalia geniculata L.
Não identificada
Oenocarpus bacaba Mart
Rheedia macrophylla Planch & Mart.
Stryphnodrendron brabatimam Mart.
Protium heptaphullum (Aubl.) March.
Mauritia flexuosa L.
Não identificada
Não identificada
Anacardium spruceanum Benth. Ex Engl.
Não identificada
Aspidosperma carapanauba Pichon.
Bertholletia excelsa Bonpl.
Cedrela odorata Ruiz & Pav.
Cedrelinga catanaeformis Dulcke
Philodendron solimoensis A.C. Smith
Não identificado
Heteropis flexuosa (H.B.K.) G.S Bunting
Uncaria tomentosa (Wild. ex R & S) DC
Copaifera sp.
Dipteryx odorata (Aubl.) Willd.
Não identificada
Goupia glabra (Gmel.) Aublet.
Não identificada
Attalea spectabilis Mart.
Não identificada
Anonna ambotay Aubl.
Bauhinia guianensis Aubl.
Não identificada
Não identificada
Não identificado
Maximiliana maripa (Mart.) Drude
Tabebuia sp.
Mezilaurus itauba Taubert ex Mez.
177
Apêndice C – Continuação
NOME POPULAR
Itaubão
Jacarandá
Jandicá
Jatobá
Jucá
Louro-faia
Maçaranduba
Maparajuba
Marapuama
Marupá
Meri
Mucajá
Muiracatiara
Muirassacaca
Murrueiro
Muruci da natureza
Muruci-açu
Mururé
Pajurá
Paricá
Patauá
Pau d'arco
Pau de angola da natureza
Pau-rosa
Paxiúba
Pepina
Piquiá
Piquiarana
Pitomba do mato
Pracaxi
Preciosa
Seringa
Sorva
Sucuúba
Taperebá
Tauari
Tento
Tucumã
Ucuúba branca
Ucuúba preta
Ucuúba vermelha
Uxi curuba
Uxi liso
Verônica
Vindicá
NOME CIENTÍFICO
Nectandra rubra (Mez) C.K. Alen
Dalbergia spruceana Benth.
Não identificado
Hymenae courbaril L.
Caesalpinia ferrea Mart.
Não identificada
Manilkara huberi (Ducke) Chevalier
Manilkara amazônica (Huber) Standl.
Ptychopetalum olacoides Bent.
Acronomia sclerocarpa Mart.
Não identificada
Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.
Astronium le-cointei Ducke
Croton cajucara Benth
Eschweilera ovata (Cambess.) Miers
Byrsonimasócata (Cav.) DC.
Byrsonima aerugo Sagot
Brosimum obovata Ducke
Couepia robusta Hub.
Virola theiodora Warb.
Oenocarpus bataua Mart.
Tabebuia serratifoia (Vahl) G. Nicholson
Piper sp.
Aniba roseodora Ducke
Não identificada
Não identificada
Caryocar villosum (Aubl.) Pers.
Não identificada
Talisia cf. carinata Radlk
Pentaclethra macroloba Kuntze
Aniba canellila Mez.
Hevea brasiliensis M. Ang.
Não identificada
Himatanthus sucuuba (Spruce ex Mull.Arg.) Woodson
Spondias mombim L.
Couratari oblongifolia Ducke & R. Knuth
Ormosia coccínea (Aubl.) Jack.
Astrocaryum vulgare Mart.
Virola sp.
Virola michelli Heckel
Virola cuspidata (Spruce ex Benth.) Warb
Hirtella sp.
Endopleura uchi (Hub) Cuart
Dalbergia monetaria L.F.
Alpinia zerumbet (Pers.) B. L. Burtt & R.M. Sm.
178
ANEXOS
179
Anexo A – TAP assinado pelas lideranças da Aldeia Novo Lugar, TI Maró
180
181
182
183
Anexo B – Matéria do jornal O Liberal, versão online
184
185
Anexo C – Listagem do Plano Operacional Anual – POA do Projeto Integrado de Proteção às
Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal – PPTAL, associado à Fundação Nacional
do Índio – FUNAI, a ser identificada e delimitada a partir de 2004
186
Anexo D – Algumas das denúncias feitas pelos Borari na imprensa local e para as autoridades
governamentais.
187
CONSELHO INDÍGENA TAPAJÓS ARAPIUNS - CITA
Trav. 02 de Junho, 806 – Aldeia
CNPJ: 07.1063.314/0001-13
Fone: 093 – 3522 1124
O Conselho Indigena Tapajós Arapiuns (CITA), formado por 38 aldeias nos municípios de
Santarém, Belterra e Aveiro, no Estado do Pará. Há muito tempo vem lutando pela demarcação de
suas terras, educação e saúde. Os governos estaduais anteriores em nenhum momento se
preocuparam com tais problemas. Reivindicamos que o novo governo tenha mais sensibilidade e
trabalhe em busca de resolver tais problemas.
Hoje, três aldeias indígenas dos povos Arapiun e Borari residentes na Gleba Nova Olinda,
município de Santarém, vem sofrendo violências promovidas por associados da cooperativa
denominada COOEPA (Cooperativa Oeste do Pará) formada por produtores agrícolas e madeireiros
proveniente de outras regiões do Brasil, que se instalaram na região desde 2003. A forma violenta e
ilegal como os cooperados invadiram a região causou indignação e a reação do povo indígena.
Em 2003, o IBAMA realizou uma fiscalização, onde foram presos e autuados vários grileiros
da COOEPA. Porém, a situação em nada mudou, a COEPA permanece ilegalmente na área e
cometendo os mais absurdos crimes ambientais e violência contra a população indígena. Estradas
ilegais foram abertas, pistas para pouso de pequenas aeronaves, dezenas de tratores derrubando a
mata, armazenamento de madeira cortada na mata, extermínio de animais de caça, intimidação de
índios e outros crimes são atos permanentes promovidos pelos associados da COOEPA.
NOS, verdadeiros donos da terra, e também, verdadeiros promotores da preservação
ambiental, reivindicamos das autoridades que neste novo governo sejam tomadas às medidas
necessárias para a expulsão dos criminosos e a demarcação da terra indígena pleiteada pelos dois
povos. Declaramos também apoio a criação do Projeto Agro-extrativista pleiteado por outras
comunidades não-indigenas na Gleba.
Da mesma forma, este novo governo precisa implementar definitivamente as políticas de
saúde e educação para todos os povos indígenas da região. Pois são medidas emergenciais para
nossos povos que tem vivido e lutado incansavelmente com governos anteriores pela efetivação de
tais políticas, sem ter tido a atenção das autoridades.
Acreditamos que neste novo governo posamos ter atendido nossas reivindicações e, não
tenhamos mais que continuar sofrendo com as ações criminosas dos invasores. Por outro lado, se
neste governo, os povos indígenas sofrerem o mesmo descaso dado pelos governos anteriores, não
restará outra alternativa que não seja a mobilização para a resistência e o enfrentamento em favor
dos nossos parentes.
Santarém, 06 de janeiro de 2007.
Odair José Borari
Coordenador do CITA
188
Anexo E – Decreto Nº 1.149 de 17 julho.
189
190
191
192
Anexo F – Impugnação do edital de concessão florestal n. 001/2010
ESTADO DO PARÁ
MINISTÉRIO PÚBLICO
Exmo. Sr.
JORGE ALBERTO GAZEL YARED
Diretor-Geral do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará – IDEFLOR
Nesta
IMPUGNAÇÃO AO EDITAL DE CONCESSÃO FLORESTAL N. 001/2010
RAZÕES DA IMPUGNAÇÃO
O Ministério Público do Pará, por meio dos signatários, vem apresentar Impugnação ao Edital de
Concessão Florestal 01/2010, pelas razões e argumentos expendidos a seguir:
O ponto focal da impugnação está baseado juridicamente no art. 3º da Lei 8666/93, de 21.6, cujo texto
se transcreve integralmente:
Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa
para a Administração e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do
julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.
§ 1º. é vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas
ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter
competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da
naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra
circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do
contrato.
193
Por sua vez, a Lei de Gestão de Florestas, que estabeleceu o novo regime jurídico para a política
florestal brasileira, com previsão de concessão de uso de florestas públicas, focalizou a estratégia de
produção no contexto também da proteção da biodiversidade e das populações tradicionais existentes
eventualmente no território a ser destinado.
De direito, em seu art. 6º, essa Lei trata exatamente da participação das comunidades nesse processo,
dando-lhes mais prerrogativas e mais segurança quanto à posse tradicional, como se vê, in verbis:
“Art. 6º - Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas
ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação,
pelos órgãos competentes, por meio de:
I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável,
observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000;
II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de
desenvolvimento sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art.
189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma
Agrária;
III - outras formas previstas em lei.
§ 1º - A destinação de que trata o caput deste artigo será feita de forma não onerosa
para o beneficiário e efetuada em ato administrativo próprio, conforme previsto em
legislação específica.
§ 2º - Sem prejuízo das formas de destinação previstas no caput deste artigo, as
comunidades locais poderão participar das licitações previstas no Capítulo IV deste
Título, por meio de associações comunitárias, cooperativas ou outras pessoas
jurídicas admitidas em lei.
§ 3º - O Poder Público poderá, com base em condicionantes socioambientais
definidas em regulamento, regularizar posses de comunidades locais sobre as áreas
por elas tradicionalmente ocupadas ou utilizadas, que sejam imprescindíveis à
conservação dos recursos ambientais essenciais para sua reprodução física e cultural,
por meio de concessão de direito real de uso ou outra forma admitida em lei,
dispensada licitação.
Como se vê, o cuidado do legislador com a proteção do interesse das comunidades, vai não somente na
dimensão da proteção de seu território (de seu uso tradicional), mas também na extensão de incluir sua
participação no certame público, por meio de uma pessoa jurídica apta.
194
E o ponto focal do questionamento está exatamente aí, pois, apesar do Edital questionado prever a
participação garantida em lei, em simetria com a proteção constitucional dessas populações, não foram
garantidas na realidade as condições necessárias para que a concorrência ocorresse com reais garantias
de isonomia e igualdade.
De fato, o edital restringe a competitividade do certame, pois que a possibilidade da participação das
associações das comunidades locais, não se realiza em razão das condições e requisitos habilitatórios,
inalcançáveis e inexequíveis, sendo, dessa forma, restritivas e excludentes e impedindo a vigência da
previsão legal indicada.
Para que tal não ocorresse e fosse, de fato, realizada a igualdade e isonomia desejáveis, o Estado, por
meio de suas organizações de apoio e fomento, deveria realizar os investimentos necessários para
viabilizar a capacidade organizacional e técnica das comunidades para permitir a realização plena dos
princípios de ambas as normas citadas e tornar o processo plenamente participativo, garantindo-se às
comunidades as condições de disputa no uso dos recursos naturais.
O edital licitatório, portanto, é nulo de pleno de direito, pois, dispõe sobre a matéria com
restrições à competição, em especial em relação à participação das comunidades no certame.
Vejamos alguns exemplos. O item 8.1.1. do edital impugnado estipula, como condições habilitatórias
imprescindíveis, que:
“8.1.1. Poderão participar desta licitação empresas e associações de comunidades locais,
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e cooperativas constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País, cadastradas ou não no
Sistema de Cadastramento Único de Fornecedores – SICAF ..., no ramo de atividade
relacionada ao objeto deste edital e que atendam às condições estabelecidas neste edital e
seus anexos.
Ora, as associações de comunidades locais, que não receberam previamente o apoio necessário do
poder público, em especial dos órgãos de fomento da atividade especializada, em termos de
organização e capacitação técnica, apesar de prevista a possibilidade de participação registrada no
edital licitatório, só por esta declaração, não terão as condições de habilitação técnica, jurídica e
operacional exigidas pelo ato convocatório.
É provável que, considerando a complexidade da atividade e a escala de sua realização, até mesmo
empresas do ramo não terão alcançarão demonstrar a capacidade técnico-operativa exigida.
De fato, o licitante terá que comprovar, primeiro, capacidade financeira compatível com o custo dos
trabalhos, com investimentos operacionais caros e de considerável risco, além de demonstrar infraestrutura necessária ao empreendimento, e também capacidade técnica para realizar as atividades
previstas.
195
Não se deve olvidar, também a necessidade de oferecer as garantias que, apesar da previsão dos
descontos destinados aos casos excepcionais, como os das associações das comunidades, são
volumosas considerando o valor do contrato de concessão, como prevê o item 19 do edital licitatório,
exigindo uma capacidade financeira e liquidez que não pode ser alcançada ou oferecida por elas.
Assim, verifica-se no edital que a participação das comunidades no certame é uma grande
fantasia. Pode-se interpretar o Edital como direcionado somente àqueles grandes grupos empresariais,
que detêm técnica e capacidade operativa compatível com as escalas de alto empreendimento. As
comunidades, ainda que associadas, em nada poderiam igualar-se àquelas entidades industriais de
grande porte e, evidentemente, nunca adquiririam as condições habilitatórias exigidas pelo edital.
Ora, sendo uma licitação de melhor técnica e preço, como uma associação comunitária poderia
demonstrar, sem o apoio prévio do Estado, em tão breve tempo, a infra-estrutura necessária aos
trabalhos especificados e na qualidade exigida? Como se haveriam para estruturar suas entidades se
ainda estão em fase de um extrativismo rudimentar e agricultura de subsistência? O equipamento e a
capacidade técnica e financeira para gerir e garantir tamanho empreendimento, como as comunidades
poderiam conseguir, sem o apoio do fomento público?
O Estado, de fato, não cuidou dessa dimensão do processo, como seria sua obrigação na prestação
positiva que lhe é exigida para garantir a realidade dos princípios da isonomia e da igualdade real.
Deixou as comunidades a descoberto e desamparadas, mesmo havendo advertências sistemáticas e
reiteradas do Ministério Público em mais de uma oportunidade nas reuniões da Comef e nos
documentos escritos.
Por outro lado, se a participação das comunidades é para ser um objetivo real, ainda que para dar
satisfação à sociedade, deveria, sim, haver uma forma jurídica especial de atendimento de seus
interesses no empreendimento, sob pena de criarem-se, como ora se afirma, condições restritivas e, por
isso, anulatórias do certame.
Por essas razões, é a presente impugnação para que esse órgão pronuncie, ex-officio, corrigindo as
falhas para sanar a nulidade apontada e, dessa forma, tornar efetivo o direito de participação das
comunidades locais no procedimento licitatório, como previsto pela normativa indicada.
Belém (PA), 29 de novembro de 2010.
RAIMUNDO DE JESUS COLEHO DE MORAES
Promotor de Justiça e representante do Ministério Público na Comissão Estadual de Florestas do Pará
LILIAN REGINA FURTADO BRAGA
Promotora de Justiça de Juruti e Santarém
196
Anexo G – A matéria de O Liberal, de novembro de 2006
197
Anexo H – Homenagem da OAB ao Cacique Dadá Borari – prêmio José Carlos Dias de
Castro de Direitos Humanos em dezembro de 2007
198
Anexo I – Pauta de reivindicações dos moradores do Arapiuns – Movimento em Defesa da
Vida e Cultura do Arapiuns.