Futebol e Cidadania - Fundação Tide Setubal

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Futebol e Cidadania - Fundação Tide Setubal
Futebol e Cidadania: esporte e educação entram em
campo pela transformação social
Viviane Hercowitz, Marcelo Veiga e André Moreira*
O Projeto Futebol e Cidadania é um dos trabalhos realizados pela Fundação Tide
Setubal, com crianças, adolescentes e jovens (de 7 a 17 anos). A proposta tem
como principal objetivo promover a associação entre a prática esportiva e valores
como convivência social, limites que organizam as relações inter-pessoais,
cooperação, união, e trabalho em equipe, base para a construção da cidadania.
O projeto nasceu a partir de uma demanda dos monitores esportivos que atuam no
CDC Tide Setubal, um espaço público destinado ao esporte, a cultura e ao lazer da
comunidade de São Miguel Paulista. A prática do futebol sempre se destacou como
uma das mais importantes ações de participação comunitária neste espaço, como
fonte de possível fortalecimento da identidade individual e grupal. Entretanto os
monitores esportivos ressaltavam o alto nível de vulnerabilidade social das crianças
e jovens, tais como pouco repertório de reflexão e diálogo e atitudes violentas
entre os participantes do treino, com a presença de preconceitos, intolerância ao
diferente e desunião. Desconsideração com o espaço público com atitudes de
depredação também entravam em campo.
Apresentamos nas páginas a seguir uma síntese do projeto, com os objetivos, a
metodologia e os temas trabalhados, durante o ano de 2008. Buscamos reunir
dados que mostrem a trajetória construída em parceria com esses jovens, hoje,
mais atentos às relações de convivência, aos cuidados com os espaços da
comunidade, e acima de tudo, mais atentos aos seus projetos de vida.
Objetivos do Projeto Futebol e Cidadania
O projeto Futebol e Cidadania possui três objetivos principais:
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-refletir e praticar os fundamentos da cidadania junto aos participantes do
futebol no CDC Tide Setúbal;
-acompanhar e oferecer suporte para questões subjetivas dos esportistas,
nesta fase da vida repleta de construções de novas referências de si e do
mundo;
-contribuir para uma maior integração das famílias das crianças e
adolescentes junto às atividades realizadas no clube, fortalecendo os
vínculos comunitários.
Para tanto, visamos construir junto aos monitores esportivos ações que consigam
associar a prática esportiva aos conteúdos, percepções e valores inerentes aos
aspectos de cidadania, tais como: convivência social, trabalho em equipe,
autoconfiança, sentido de responsabilidade, compreensão e respeito às regras,
desenvolvimento do letramento. Aspectos esses que são fundamentais tanto para
atividade esportiva como para as demais relações sociais.
Quanto ao viés subjetivo, procuramos construir um espaço de escuta dos
participantes, que se configura como um referencial de apoio para as crianças e
adolescentes em aspectos emocionais como: medos, inseguranças, sentimentos de
rejeição, desvalorização pessoal, dificuldades na utilização dos recursos de leitura e
escrita, etc.
Em relação ao terceiro objetivo, valorizamos as intervenções que visassem
aproximar e incluir os pais ou responsáveis no espaço comunitário, o Clube da
Comunidade (CDC Tide Setubal), por meio de atividades que proporcionem a
participação conjunta.
Metodologia do trabalho
A metodologia desse trabalho teve de ser extremamente refletida em nossa equipe
dado alguns desafios:
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-os participantes vão ao CDC procurando treinar futebol e não estão
habituados a pensarem o esporte como instrumento de desenvolvimento do
exercício cidadão;
-os participantes estão imersos em uma atividade física, ou seja, numa
prática repleta e dinamismo e ação;
-tivemos de analisar as características dos participantes, já citadas neste
relatório. Desta forma, preocupamo-nos em adequar as atividades reflexivas
de acordo com os recursos simbólicos e elaborativos possíveis para eles;
-o trabalho teria de ter um diálogo fluido e constante com o trabalho dos
monitores esportivos, para que as atividades não ficassem desconexas com
as práticas nos treinos.
Nesse contexto, realizamos rodas de conversas e oficinas que impulsionam e
envolvem as crianças e adolescentes nos temas que se referem ao
desenvolvimento e ao interesse deles, tendo como eixo norteador os fundamentos
do conceito de cidadania (cooperação, solidariedade, participação comunitária,
auto-estima, apropriação de conhecimentos sobre direitos e deveres, entre outros).
Estes encontros acontecem durante os trinta minutos finais dos treinos. Sempre
nos preocupamos em compartilhar a elaboração das oficinas e os dados analisados
do trabalho com os monitores esportivos, de forma que nossa intencionalidade
possa ser posta em prática durante os treinos também.
Cuidamos do dinamismo e do envolvimento dos participantes nas atividades,
optando por oficinas lúdico-educativas, utilizando uma linguagem acessível,
materiais ilustrativos, jogos interativos e desafiantes, músicas, filmes.
Nossa postura como coordenadores também foi trabalhada no sentido de envolver
os adolescentes. Oferecemos uma presença disponível e acolhedora, atentando
para o movimento do grupo, mediando conflitos e colocando limites claros que
organizasse as relações. Construímos um clima de confiança e de cooperação entre
os participantes, valorizando as conquistas e ajudando-os na superação das
dificuldades de cada um, sempre apostando na potência deles.
Reforçando a nossa aposta no fortalecimento da condição de sujeitos-cidadãos dos
participantes, resolvemos realizar as atividades em diversos locais do CDC, de
modo que pudessem vivenciar um real pertencimento àquele espaço público e de
direito deles.
Também complementamos nossas oficinas com atividades de desenvolvimento do
letramento, com intuito de valorizar e fortalecer as habilidades de leitura e escrita
dos participantes e, principalmente, o uso social delas. Ou seja, trabalhamos para
que eles compreendam textos e usem a linguagem escrita com mais propriedade,
adotando estes recursos para expandirem seus saberes sobre si e sobre o mundo, e
para ações transformadoras da realidade.
Nestes dois anos de trabalho, abordamos temas como meio ambiente, drogas,
cuidados com o corpo e sexualidade, violência, e cidadania propriamente dita. A
seguir, destacaremos alguns exemplos de atividades e seus impactos para as
crianças e adolescentes.
TEMAS E VIVÊNCIAS
Meio Ambiente:
Trabalhamos a noção de ambiente como o próprio espaço onde os jovens vivem,
circulam e interagem, focando em questões inerentes à apropriação e cuidado do
espaço do CDC Tide Setúbal, das ruas, casas e praças da própria comunidade.
Ampliamos as discussões a partir de reflexões sobre ecologia e desenvolvimento
sustentável:
uso
consciente
da
água,
poluição,
lixo
e
reciclagem.
Uma atividade bastante significativa para os participantes foi quando propusemos
que eles andassem pelo espaço do clube, anotando tudo que percebessem que de
alguma forma prejudicava o ambiente. Eles realizaram apontamentos importantes
como: presença de areia do campo nos corredores (levada pelos próprios
jogadores), paredes pichadas, pontas de cigarros no chão, lixos em locais
incorretos (coleta seletiva). Esses apontamentos se constituíram em ótimos
disparadores para discussão, na qual abordamos a importância de cuidarem do
local que pertence à comunidade e de maneiras de efetivarem isso.
“Seria bom ter cartazes falando da limpeza”, “...a gente pode tirar a chuteira
dentro do campo”, “...eu acho que ajudaria conversar com a pessoa na hora que a
gente vê ela sujando”, “...tem que punir quem faz isso”.
Entendemos que essas atividades ajudaram a promover a reflexão sobre o
pertencimento desses jovens ao “ambiente”, bem como o aumento do sentimento
de apropriação do espaço público e do sentido da sua preservação e proteção.
Outra intervenção realizada nesse tema foi o passeio ao zoológico. Tínhamos a
intenção de oferecer vivências relacionadas ao tema, uma ampliação do repertório
cultural e a maior circulação das crianças e jovens para espaços em outras regiões
da cidade, fora de São Miguel Paulista. Também visamos proporcionar um
momento de interação entre profissionais, os participantes do projeto e seus
familiares, a partir de um convite aberto a esses. Para nossa surpresa, muitos não
se motivaram a convidar seus parentes dizendo que “não adiantava convidá-los
porque nunca vão”.
Percebemos então que muitas das crianças sentem a ausência das figuras parentais
e que, diante desta frustração, protegem-se não os convidando para participarem
de suas atividades, por mais que isso seja fundamental para eles.
Diante da realidade apresentada, conversamos sobre os motivos da não
participação dos pais e o que podiam fazer nesse sentido. Diferenciamos situações
de limites concretos (como, por exemplo, falta de tempo devido à carga horária de
trabalho intensa) e de negligências, e fomos legitimando seus sentimentos e
implicando as crianças e jovens a buscarem alternativas de transformação desta
realidade. Estávamos, portanto, no âmbito do ambiente familiar.
Adaptamos o convite às pessoas que de algum modo fossem referência de cuidado
para os participantes. O passeio ocorreu em dois domingos, no primeiro com as
crianças e pais/ responsáveis e no segundo com adolescentes. Também nos
chamou a atenção o fato de alguns adolescentes levarem irmãos mais novos, se
apresentando como figuras de cuidado para eles.
VIOLÊNCIA
Antes mesmo de iniciarmos o tema, algumas preocupações se faziam presentes:
como trabalhar um assunto tão complexo com grupos grandes e rotativos? Alguns
participantes podem se sentir expostos? Como construir rodas de conversa com
efetiva participação destes, já que por vezes se expressam verbalmente de maneira
tão frágil e tímida?
Por outro lado, sabíamos da importância de colocarmos este tema para ser
compartilhado, posto em palavras, refletido. Até porque sabíamos que a violência
faz parte do cotidiano destes meninos e, na maioria das vezes, provoca impotência,
solidão
e
desamparo.
Desta forma, tivemos como objetivos principais:
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- Atender solicitação dos participantes;
- Refletir sobre o conceito de violência;
- Dismitificar a naturalização e banalização da violência nas relações
cotidianas;
- Conhecer os diferentes tipos de violência: Física, Psicológica, Negligência e
Abuso Sexual;
- Informar atendimentos da rede para pessoas vítimas de violência.
Utilizamos como metodologia algumas dinâmicas de grupo e materiais informativos.
Destacamos a atividade na qual apresentamos imagens dos diferentes tipos de
violência e solicitamos a construção coletiva de histórias que as contextualizassem.
Tivemos a intenção de ajudá-los no fortalecimento de recursos simbólicos, de
expressão oral, de trabalho em equipe e, preocupamo-nos em realizar atividades
mais projetivas, de modo que pudessem falar de si, expondo-se de maneira
protegida.
Durante a discussão, os participantes relataram situações de violência, por
exemplo: assaltos, agressões contra as mulheres e crianças, brigas entre familiares
e agressões físicas dentro da escola. Trabalhamos também os sentimentos diante
dessas situações: “medo”; “raiva”; “revolta”; “vingança”.
Na descrição de como costumam reagir, foi notória a impotência: “nada”; “deixo
pra lá”; “paraliso”, “ninguém faz nada”, “choro” ou a própria violência como
resposta (violência gera violência).
Chamou-nos atenção a facilidade de relatarem episódios de violência que sofreram
ou foram vítimas logo no primeiro encontro. Isso nos suscitou a refletir sobre a
naturalização destes atos em suas relações interpessoais, e a pensar na
vulnerabilidade com que esse público se apresenta diante dessas situações. Por
outro lado, esses relatos também nos mostraram a confiabilidade dos integrantes
para com o nosso trabalho.
Vale frisar, ainda dentro dessa temática, as questões relacionadas ao preconceito.
As “brincadeiras de cunho racial” circulavam de maneira natural entre jovens, e
violentavam o negro duplamente porque além dele sofrer o preconceito, ele fica
sem argumentos para se defender, já que o contexto e o tom são de humor e
sutileza. Pontuamos nossa posição contrária a essa situação, nomeando e
explicitando as violências em questão.
Diferenciamos os conceitos de violência e agressividade. Partimos do pressuposto
que todos os indivíduos carregam certa dose de agressividade, mas possuem
igualmente a possibilidade de refletirem de que maneira podem utilizá-la
saudavelmente, por exemplo, disputando competições, praticando esportes
radicais, participando de debates ou na luta por justiça e ampliação/efetivação de
diretos, entre outros.
A nossa intervenção baseou-se na possibilidade de compreenderem a gravidade da
questão da violência, ampliarem os conhecimentos de seus direitos em relação à
integridade física, mental e psicológica, e construírem outras formas de relações
pessoais, sem violência.
As crianças e adolescentes expressavam sintomas da sociedade, falando da nossa
dificuldade em estabelecer relações democráticas e éticas, não pautadas pela
opressão/submissão das relações de poder.
SEXUALIDADE
Esse é sem dúvida um tema de grande interesse entre os adolescentes. Mesmo
assim, destacamos a importância de estarmos atentos aos tabus, padrões de
condutas e preconceitos morais que cercam a temática para se conseguir produzir
reflexões que auxiliem os adolescentes frente aos medos, receios e novidades
inerentes ao exercício da sexualidade.
Os objetivos principais do trabalho com esse tema foram:
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- Oferecer um espaço para discussão e reflexão sobre sexualidade e
cuidados com o corpo;
- Identificar as dúvidas dos adolescentes e abrir possibilidades de diálogo
sobre este tema;
- Informar sobre os métodos contraceptivos e sobre os sintomas, as
prevenções e tratamento das DST’s, inclusive sobre a AIDS;
- Refletir sobre a gravidez na adolescência.
Ressaltamos a importância de termos trabalhado com perguntas e necessidades
que partiram dos participantes; fato que só aconteceu porque cuidamos das
estratégias metodológicas, e nos mostramos disponíveis para escutá-los sem
julgamentos, promovendo um ambiente de confiança e respeito entre eles.
Já de início utilizamos uma atividade para ajudar na descontração dos jovens.
Divididos em grupos, tiveram a tarefa de escrever os apelidos sobre os órgãos
sexuais e o ato sexual. Em meio a risos e brincadeiras, escreveram também,de
forma sigilosa, as dúvidas que possuem a respeito do assunto.
Essas perguntas nortearam as demais atividades nas quais utilizamos materiais
informativos como: álbum com imagens do corpo do homem e da mulher, e
respectivos “aparelhos reprodutivos”, bem como um quadro com métodos
contraceptivos, pênis e vagina de borracha.
Os participantes trouxeram muitas dúvidas em relação aos métodos contraceptivos
e as mudanças corporais, como: “o corpo muda depois da transa?”; “masturbação
faz mal a saúde?”; “o sangue da menstruação é sujo?”; “a pílula deve ser tomada
no momento da relação sexual?”.
No trabalho com o tema, as questões de gênero também se destacaram, talvez
mais ainda por terem como coordenadores uma dupla composta por um homem e
uma mulher.
Pudemos conversar bastante, sobre a posição da mulher e do homem em relação à
sexualidade. Muitos estereótipos foram questionados e desconstruídos, abrindo
espaço para novas referências. Diziam: “menina que fica com vários é galinha, mas
o menino é o garanhão, gostosão”; “se a menina tem camisinha na bolsa ou insiste
para o menino usar é mal vista pelos meninos”; “ menino tem muito mais
necessidade de sexo do que menina”.
O fato de estarmos num território historicamente masculinizado, um campo de
futebol, também aqueceu as discussões sobre sexualidade, sob o viés da questão
de gênero: Para os meninos, pareciam que tinham a obrigação de se mostrarem
sexualmente ativos, conhecedores de todas as informações e tranqüilos em relação
a esta temática; tudo como provas necessárias de confirmação de virilidade e
potência. Tivemos de ir desconstruindo estas exigências determinadas
culturalmente.
A última atividade foi a construção coletiva de músicas sobre esta temática.
Trabalhamos de forma lúdica, para que eles se apropriassem e usassem seus novos
conhecimentos. Demos destaque à estimulação e ao desenvolvimento da linguagem
escrita e do trabalho de cooperação intra-equipe.
Gravamos os meninos e meninas cantando suas composições e apresentamos para
o grupo. Eles se sentiram realizados, úteis, reconhecidos, escutados!
Este trabalho foi muito importante para repensarem suas identidades de menino ou
de menina, para conhecerem o funcionamento de seus corpos, para pensarem em
encontros respeitosos entre meninos e meninas (inclusive exercitando isto junto à
dupla mista de coordenadores), enfim, para exercerem a sexualidade de forma
prazerosa e saudável.
CIDADANIA
Esse tema é o eixo central de todos os outros. Acreditamos que ao trabalharmos,
sexualidade, diversidade, violência, meio ambiente, estamos sim trabalhando
cidadania. No entanto, também percebemos que delimitar as atividades
apresentando aos jovens que estamos destacando e aprofundando o tema
cidadania, teve um efeito organizador que facilitou a participação e a apreensão do
sentido do mesmo, inclusive no próprio encontro com os outros jovens e com os
coordenadores.
Nossos objetivos foram:
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Investigar o que os jovens entendem pelo conceito de Cidadania;
Ampliar, de forma coletiva, o entendimento sobre o que é Cidadania;
Refletir sobre o papel do cidadão;
Compreender quais são os direitos e deveres de cada um na sociedade;
Primeiramente, as atividades pautaram-se na construção coletiva do conceito de
cidadania que os próprios participantes possuem. Para tanto, realizamos a
construção de painéis com colagem de figuras. Vale destacar que vimos refletidos
nesses painéis a apreensão da relação do conceito de cidadania com outros temas
trabalhados, por exemplo, a compreensão da sexualidade e a proteção de mulheres
e crianças como direito.
Nesta atividade também puderam exercitar e fortalecer a habilidade de
interpretação da mensagem implícita em uma imagem, um recurso simbólico e
expressivo fundamental para qualquer cidadão.
A partir daí, fomos inserindo aspectos mais conceituais sobre cidadania como a
história da Declaração dos Direitos Humanos e a criação do ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente). Fizemos leituras orais destes documentos, estimulando
esta habilidade, bem como o clima de cooperação e solidariedade para com quem
tinha mais dificuldades.
Para que o trabalho com este tema não ficasse meramente informativo e teórico,
visamos à aproximação do grupo criando recursos que os ajudassem a participar.
Para trabalharmos com os artigos do ECA, por exemplo, dividimos os garotos em
subgrupos e soltamos dentro do campo de futebol várias bexigas contendo ou uma
imagem referente a um artigo ou o artigo escrito. Após brincarem com os balões
deveriam estourá-los, buscar a relação entre artigo e imagem, e por fim apresentar
ao grupo, fazendo os comentários que desejassem.
Partimos do pressuposto que se fazia necessário associar o tema cidadania às
questões práticas e concretas do cotidiano daqueles jovens, por isso pudemos
conversar sobre a ida ao espaço público como o CDC Tide Setúbal, a participação
em projetos sociais, o lazer e a prática esportiva como direito, entre outros.
Na medida em que realizaram trabalhos coletivos, muitas vezes marcados pelo
respeito, cooperação e solidariedade entre os participantes, eles já vivenciavam, no
encontro, os princípios de cidadania tão fundamentais.
CONCLUSÃO:
Avaliamos que a metodologia utilizada no Projeto Futebol e Cidadania é o ponto
central para o desenvolvimento favorável das intervenções, haja vista que o
dinamismo, característico do futebol, e a possibilidade de diálogo e reflexão se
fizeram presentes.
Entendemos que o projeto facilitou a circulação dos jovens nos diferentes espaços
do CDC, legitimando e autorizando a participação em outras modalidades
esportivas e atividades culturais como as oficinas de teatro, desenho, música,
fotografia.
Compreendemos que a empatia por parte dos coordenadores, a escuta sem préjulgamentos e a inserção de limites claros e democráticos, quando necessário,
foram posturas que auxiliaram no desenvolvimento das intervenções, contribuindo
com pequenas, mas significativas transformações, como por exemplo, respeito e
solidariedade à dificuldade do outro, principalmente, nos momentos da leitura oral.
Faz-se necessário ressaltar a importância inestimável da colaboração dos monitores
esportivos para efetivação do projeto, abrindo espaço em sua prática para os
momentos de discussão, e muitas vezes, participando ativamente nas atividades
propostas.
Acreditamos que estar em contato com esses jovens que, por suas características
singulares, dificilmente chegam a participar dos demais projetos oferecidos pela
rede de recursos comunitários, é de imensa valia. Aproveitamos desta maneira, a
via facilitada da prática de futebol, significada pelos jogadores como local de
realização, esperança de inserção social e reconhecimento, para implicá-los num
trabalho de fortalecimento da cidadania.
Este projeto possibilita a construção de espaços de discussão, em que possam
fortalecer suas auto-imagens, exercitar e ampliar sua participação na vida coletiva
e inserção social. Assim, adquirem mais ferramentas para ações políticas, à medida
que possuem voz, e constroem ações criativas com base em reflexões críticas sobre
si e sobre a realidade.
Por fim, faz-se também necessário frisar a gratificação que temos em trabalhar
junto a essas crianças e adolescentes, ajudando-os a enfrentar tantas dificuldades
(familiares, socioeconômicas, exclusão social), e podendo acompanhá-los
semanalmente, compartilhando momentos de alegria, prazer, encontro,
descobertas, com a prática do futebol que tanto amam!
*Viviane Hercowitz é psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
desde 2000, especialista em psicanálise e coordenadora dos projetos MeninaMulher, Espaço Jovem e Futebol e Cidadania da Fundação Tide Setubal.
*André Moreira é psicólogo e coordenador do projeto Futebol e Cidadania.