laura conde tresca políticas locais de fomento à comunicação

Transcrição

laura conde tresca políticas locais de fomento à comunicação
LAURA CONDE TRESCA
POLÍTICAS LOCAIS DE FOMENTO À
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA
Os casos das prefeituras de Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Porto Alegre e Recife
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo - SP, 2008
LAURA CONDE TRESCA
POLÍTICAS LOCAIS DE FOMENTO À
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA
Os casos das prefeituras de Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Porto Alegre e Recife
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social
da Universidade Metodista de São Paulo
para obtenção para o grau de Mestre em
Comunicação Social.
Orientadora: Profa. Dra. Cicilia M.
Krohling Peruzzo.
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo - SP, 2008
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação de mestrado “Políticas locais de fomento à comunicação comunitária Os casos das prefeituras de Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Porto Alegre e Recife”, elaborada
por Laura Conde Tresca, foi defendida no dia 23 de abril de 2008, perante a banca
examinadora composta pela Profa. Dra. Cicilia M. Krohling Peruzzo, Profo. Dro. Valério Cruz
Brittos e Profo. Dro. Adolpho Queiroz.
Declaro que a autora incorporou as modificações sugeridas pela banca examinadora
sob a minha anuência enquanto orientadora, nos termos do Art.34 do Regulamento dos
Cursos de Pós-Graduação.
Assinatura da orientadora: ___________________________________________
Profa. Dra. Cicilia M. Krohling Peruzzo
São Bernardo do campo, _______ de ____________________ de 2008.
Área de concentração: Processos comunicacionais
Linha de pesquisa: Comunicação massiva
Projeto temático: Mídia local e comunitária
À minha mãe, referência sempre viva de
bondade e utopia.
As sociedades a quem se nega o diálogo
– comunicação – e, em seu lugar lhes
oferecem comunicados, resultantes de
compulsão ou doação, se fazem
preponderantemente mudas. O mutismo
não é propriamente a inexistência da
resposta. É a resposta a que falta teor
marcadamente crítico.
Paulo Freire
Paz sem voz
Não é paz, é medo.
O Rappa
AGRADECIMENTOS
A realização dessa pesquisa implicou em muitas viagens – praticamente do Oiapoque
ao Chuí, passando pela Ponta do Seixas. No último um ano e meio, fui duas vezes a cada uma
das localidades, com exceção de Macapá. Somando todos os dias fora de casa, foram quase
dois meses com o pé na estrada. Passei por muitos albergues, ônibus e motos-táxi. Todas
essas idas e vindas renderam mais de 50 entrevistas, 27 horas de gravações, dois cadernos de
anotações e muitos documentos coletados. Contudo, o fundamental para fazer a pesquisa não
foi o só o acúmulo de dados. O essencial foi a presteza, apoio e dedicação de muitas pessoas
até então desconhecidas. Neste percurso, são muitos os obrigadas devidos.
Agradeço a todos que contribuíram diretamente para realização desse trabalho me
concedendo entrevistas: Alessandra Oliveira, Alexandre Barbalho, Ana Cláudia Perez, Ana
Rochelle Borges Pessoa, André Luiz de Jesus “Saroba”, Andréia Freitas, Carlos Augusto
Fonseca Pereira, Carlos Manulo da Silva Costa, Clarice de Lima Abrahão, Deisimer
Gorczevski, Dilmair Santos, Dulce Melo, Edílson Pureza da Silva, Edinho Moraes, Ednaldo
Alves, Elias Correa de Souza “Ceará”, Fábio Mozart, Fernando Pessoa de Oliveira, Flávio
Eduardo “Fuba”, Germana Duarte, Gideon Melo da Silva, Guilherme Sampaio, Jany Mery
Alencar Leite, Joana D’Arc Dutra, José Moreira da Silva, José Nildo Alves Caú, Juquinha,
Kevin Krieger, Lindoval Ronildo da Mota Borges, Marcelo Inácio de Souza, Margareth
Ferreira dos Santos, Maria Guaneci Marques de Ávila, Maria Juliana Gomes do Nascimento,
Mariana Martins, Michelline Helena, Mirleide de Brito Pereira, Paulo de Tarso Riccordi,
Ramon Cavalcanti Lima, Raob Napoleão de Assunção, Renata Poliseni, Rodrigo Cortez,
Rodrigo Ramos, Sandro Martins, Sérgio Gomes Pena Santos, Silvia Abreu, Silvio Juramar
Leal e Zairton Cavalcante.
Em especial, ofereço meus agradecimentos a Paulo de Tarso que me proporcionou
uma aula particular inesquecível. Em Porto Alegre, deixo registrado meu muito-obrigada a
Carlos Augusto pela dedicação e disponibilidade; a Luís Henrique, pela busca de fontes,
empenho, companhia e amizade e a Dagmar pelo acesso ao seu acervo pessoal sobre
democratização da comunicação e doação de documentos. No Recife, agradeço Dulce e
Rodrigo pela acolhida e Edinho pelo envio de material. Em Fortaleza, sou grata a Ana
Cláudia, Joana e Alexandre pelo pronto atendimento. Em João Pessoa, ofereço meu muitoobrigada a José Moreira e Fábio Mozart pela recepção sempre alegre. Por fim, em Macapá
devo agradecer toda equipe de comunicação que solidariamente abriu as portas do setor a uma
pesquisadora desconhecida.
Na Universidade Metodista de São Paulo, agradeço a orientadora Cicília M. Krohling
Peruzzo, pelo acompanhamento, confiança e paciência com minhas crises e nós; a professora
Graça Caldas, fonte constante de incentivo e apoio. Enfim, agradeço os professores e colegas
do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social pelo compartilhamento de saberes.
Agradeço também a Thiago José Diogo Alves de Oliveira e Samantha Tomé, que
quase solidariamente transcreveram todas as fitas de entrevistas e ainda me ofereceram
acalanto nos momentos de desespero; a Zilka Dias por viabilizar as entrevistas por telefone; a
Mariane Ottati pela viagem a Belém; aos amigos por entenderem minhas ausências nas horas
que necessitaram de cuidado e de diversão.
Não poderia deixar de citar minha família, que me apoiou, incentivou e alimentou
minhas esperanças. Em especial, meu pai que contribuiu para essa dissertação como agência
de fomento à pesquisa pairalela.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Questões norteadoras do estudo de casos X fontes de evidências
Quadro 2- Táticas do estudo de caso para quatro testes de projeto
Quadro 3- Contexto institucional das políticas de comunicação de Aracaju (SE) em 2004
Quadro 4- Contexto institucional das políticas de comunicação de Belém (PA) em 2004
Quadro 5- Contexto institucional das políticas de comunicação de Curitiba (PR) em 2004
Quadro 6- Contexto institucional das políticas de comunicação de Goiânia (GO) em 2004
Quadro 7- Contexto institucional das políticas de comunicação de Porto Alegre (RS) em 2004
Quadro 8- Contexto institucional das políticas de comunicação do Recife (PE) em 2004
Quadro 9- Contexto institucional das políticas de comunicação de Salvador (BA) em 2004
Quadro 10- Contexto institucional das políticas de comunicação de São Paulo(SP) em 2004
Quadro 11- Panorama das políticas locais de fomento à comunicação no Brasil de 2001 a 2004
Quadro 12- Contexto institucional das políticas de comunicação de Fortaleza (CE) em 2006
Quadro 13- Contexto institucional das políticas de comunicação de João Pessoa (PB) em 2006
Quadro 14- Contexto institucional das políticas de comunicação de Macapá (AP) em 2006
Quadro 15- Contexto institucional das políticas de comunicação de Porto Alegre (RS) em 2006
Quadro 16- Contexto institucional das políticas de comunicação do Recife (PE) em 2006
Quadro 17- Panorama das políticas locais de fomento à comunicação no Brasil em 2005 e 2006
Quadro 18- Síntese dos condicionantes político-sociais, materiais, ideológicos e institucionalmetodológicos das políticas locais de fomento à comunicação comunitária
Quadro 19- Perguntas para dimensionar desafios para execução de políticas públicas de fomento à
comunicação comunitário
Quadro 20- Exemplo de lista de tarefas
SUMÁRIO
Resumo
Introdução ..................................................................................................................
13
I-
26
Diante da incomunicação, comunicação comunitária para quê? ........
1. Comunicação comunitária para democracia ..................................................
28
2. Comunicação comunitária para o desenvolvimento................................................
34
3. Mas qual comunicação comunitária? O que é comunicação comunitária?....
39
4. Considerações finais do capítulo: os perigos da exclusão comunicacional ... 44
II-
Pesquisas brasileiras sobre políticas de comunicação ..........................
45
1. Aspectos das pesquisas brasileiras sobre políticas de comunicação..............
1.1 Políticas de comunicação e o direito à comunicação .............................
1.2 Ambientes e marcos regulatórios............................................................
1.3 Outras abordagens ..................................................................................
2. A política do mimeógrafo contra o satélite: a contribuição de Paulo de
Tarso Riccordi para o pensamento sobre políticas de comunicação municipais
2.1 Planejamento estratégico para definição das políticas de comunicação
2.2 A estratégia adotada em Porto Alegre....................................................
3. Considerações finais do capítulo: voz para enfrentar a incomunicação.........
48
49
53
56
III- Panorama das políticas locais de fomento à comunicação
comunitária no Brasil nas gestões municipais de 2001 a 2004 e nos
anos de 2005 e 2006........................................................................................
1. Experiências de 2001 a 2004 .........................................................................
1.1 Aracaju (SE) ..........................................................................................
1.2 Belém (PA) ............................................................................................
1.3 Curitiba (PR)..........................................................................................
1.4 Goiânia (GO)..........................................................................................
1.5 Porto Alegre (RS) ..................................................................................
1.6 Recife (PE).............................................................................................
1.7 Salvador (BA).........................................................................................
1.8 São Paulo (SP) .......................................................................................
1.9 Primeiras replicações: pioneirismo e incipiência ...................................
2. Experiências de 2005 e 2006..........................................................................
2.1 Fortaleza (CE).........................................................................................
2.2 João Pessoa (PB).....................................................................................
2.3 Macapá (AP)...........................................................................................
2.4 Porto Alegre (RS)...................................................................................
2.5 Recife (PE) ............................................................................................
2.6 Outras iniciativas e avanços ..................................................................
2.6 Replicações: experimentação ................................................................
3. Comparação: avanços e retrocessos entre a gestão de 2001-2004 e os anos
de 2005 e 2006 ...................................................................................................
IV-
Estudo de casos: os condicionantes político-sociais, materiais,
ideológicos e institucional-metodolológicos das políticas locais de
fomento à comunicação comunitária ....................................................
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1. Condicionantes político-sociais ...................................................................
1.1 Fortaleza (CE) ........................................................................................
1.2 João Pessoa (PB).....................................................................................
1.3 Macapá (AP)...........................................................................................
1.4 Porto Alegre (RS)...................................................................................
1.5 Recife (PE) ............................................................................................
2. Condicionantes materiais................................................................................
2.1 Fortaleza (CE).........................................................................................
2.2 João Pessoa (PB).....................................................................................
2.3 Macapá (AP)...........................................................................................
2.4 Porto Alegre (RS)...................................................................................
2.5 Recife (PE) ............................................................................................
3. Condicionantes ideológicos ..........................................................................
3.1 Fortaleza (CE).........................................................................................
3.2 João Pessoa (PB).....................................................................................
3.3 Macapá (AP)...........................................................................................
3.4 Porto Alegre (RS)...................................................................................
3.5 Recife (PE) ............................................................................................
4. Condicionantes institucional-metodológicos .................................................
4.1 Fortaleza (CE).........................................................................................
4.2 João Pessoa (PB).....................................................................................
4.3 Macapá (AP)...........................................................................................
4.4 Porto Alegre (RS)...................................................................................
4.5 Recife (PE) ............................................................................................
5. Há replicações?...............................................................................................
5.1 Replicações dos condicionantes político-sociais....................................
5.2 Replicações dos condicionantes materiais..............................................
5.3 Replicações dos condicionantes ideológicos .........................................
5.4 Replicações dos condicionantes institucional-metodológicos ...............
6. Considerações finais do capítulo....................................................................
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Conclusões ......................................................................................................... 170
Referências ................................................................................................................. 182
Anexos
1. Roteiro para entrevista por telefone e e-mails
2. Levantamento realizado em 2006
3. Entrevistados e suas respectivas relações com as políticas de fomento à
comunicação comunitária
4. Carta Compromisso da Rede de Comunicadores Populares de Fortaleza (CE)
5. Edital do projeto Jornais Juvenis Associados de Fortaleza (CE)
6. Croqui da rádio de poste Capital, Macapá (AP)
7. Contrato de Prestação de Serviço de Publicidade, Macapá (AP)
RESUMO
TRESCA, Laura Conde. Políticas locais de fomento à comunicação comunitária: os casos das
prefeituras de Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Porto Alegre e Recife. 2008. 186f. Dissertação
(Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo.
Quais foram as políticas de fomento à comunicação comunitária, desenvolvidas nas gestões
municipais de 2001 a 2004 e nos anos 2005 e 2006, das capitais brasileiras? A partir de
reflexões teóricas sobre incomunicação, democracia, desenvolvimento, comunicação
comunitária, transformação social e políticas públicas de comunicação, é descrito o panorama
das políticas locais de fomento à comunicação comunitária no Brasil. Contudo, é preciso
verificar em que condições o fomento à comunicação comunitária é possível. Assim, essa
pesquisa objetiva analisar os condicionantes políticos-sociais, materiais, ideológicos e
institucionais-metodológicos das políticas locais de comunicação das prefeituras de Fortaleza
(CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre (RS) e Recife (PE) em execução em
2007. Optou-se pelo estudo de casos múltiplos, a fim de verificar quais são as replicações
possíveis. Como fontes de evidências, foram utilizadas a documentação existente sobre essas
experiências e entrevistas semi-estruturadas. Tal multiplicidade se fez necessária uma vez que
a triangulação foi a forma de análise de dados escolhida. Por fim, conclui-se que políticas de
fomento à comunicação comunitária começam a ser implantadas em âmbito municipal, mas
ainda de forma incipiente e pouco articuladas.
Palavras–chave:
Políticas públicas de comunicação. Comunicação comunitária. Direito à
comunicação. Gestão local.
RESUMEN
TRESCA, Laura Conde. Políticas locales para promoción de la comunicación comunitaria: los
casos de los ayuntamientos de Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Porto Alegre y Recife. 2008.
186f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo.
¿Cuales fueran las políticas para promoción de la comunicación comunitaria, desarrolladas en
las gestiones municipales de 2001 a 2004 y años 2005 y 2006 en las capitales brasileñas? De
las reflexiones teóricas acerca de la incomunicación, de la democracia, del desarrollo, de la
comunicación comunitaria, de la transformación social y de las políticas publicas de
comunicación, es descrito el panorama de las políticas locales para promoción a la
comunicación comunitaria en el Brasil. Sin embargo, es necesario verificar en qué
condiciones es posible la promoción a la comunicación comunitaria. Esta investigación se
prepone analizar los condicionantes politicosociales, materiales, ideológicas y institucionalmetodologica de las políticas públicas de comunicación de los ayuntamientos de Fortaleza
(CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre (RS) y Recife (PE) en curso en 2007. Fue
optado al estudio de casos múltiples, para verificar cuáles son las replicaciones posibles.
Como fuentes de evidencias, fueron utilizadas la documentación existente y entrevistas. Tal
multiplicidad era necesaria una vez que la triangulación fue la forma de análisis de los datos
elegidos. Finalmente, concluye que las politicas para promoción de la comunicación
comunitaria empiezan a ser desarrolladas en alcance municipal, pero aún de forma incipiente
y de poco articuladas.
Palabras-clave: Políticas públicas de comunicación. Comunicación comunitaria. Derecho a
la comunicación. Gestión local.
ABSTRACT
TRESCA, Laura Conde. Local politics of promotion to the communitarian communication:
the cases of the city halls of Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Porto Alegre and Recife. 2008.
186f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São
Paulo, São Bernardo do Campo.
Which had been the politics of promotion to the communitarian communication, developed in
the municipal managements of 2001 the 2004 and in years 2005 and 2006, of the Brazilian
capitals? From theoretical reflections on incommunication, democracy, development,
communitarian communication, social transformation and public politics of communication,
the panorama of the local politics of promotion to the communitarian communication in
Brazil is described. However, it’s necessary to verify in what conditions the promotion to
communitarian communication is possible. Thus, this research intends to analyze politicosocial, material, ideological and institutional-methodology conditions of the public politics of
communication of the city halls of Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto
Alegre (RS) and Recife (PE) in course in 2007. It was opted to the study of multiple cases, in
order to verify which the possible responses are. As sources of evidences, the existing
documentation on these experiences and interviews were used. Such multiplicity was
necessary once the triangulation was the form of analysis of data chosen. Finally, one
concludes that politics of promotion to the communitarian communication start to be
developed in municipal scope, but still of incipient form and little articulated.
Key words:
Public politics of communication. Communitarian communication. Right to
communication. Local Management
INTRODUÇÃO
No Brasil, as prefeituras e câmaras municipais começam a se despertar para o papel do
poder público local na promoção de políticas públicas de comunicação. Os municípios ainda
não têm o poder efetivo de concessão, permissão ou autorização de canais de radiodifusão ou
de televisão – apesar de algumas leis de municipalização terem sido aprovadas nas câmaras
municipais e sancionadas pelos prefeitos em algumas localidades, como São Paulo (SP) e
João Pessoa (PB)1. Contudo, as políticas de garantia e fomento ao direito à comunicação são
muito mais amplas que as outorgas. Oficinas ou cursos de comunicação, práticas de leitura
crítica da mídia, acesso aos meios de produção midiática, financiamento de impressão de
jornais ou revistas, constituição de conselhos de comunicação são apenas alguns exemplos de
outras ações que podem ser executadas. Inclusive, pensar em democratizar a comunicação
somente ampliando ou modificando a política de concessões de rádio e televisão pode ser um
equívoco. Por exemplo, o que adianta uma política de distribuição em massa de canais de
radiodifusão comunitária sem preparar as associações para uma gestão democrática? Não é
raro encontrarmos histórias de rádios comunitárias que fecharam não por causa ação da
Polícia Federal, mas porque não sobreviveram às transições internas de alternância de poder2.
Portanto, o fato das prefeituras e câmaras municipais ainda não terem o poder efetivo
de concessão, permissão ou autorização de canais de radiodifusão ou de televisão não é causa
suficiente para o poder local se omitir em contribuir para a garantia do direito à comunicação
por meio políticas de públicas.
A atuação do poder executivo local no âmbito das políticas de comunicação refere-se à
pelo menos duas noções. A primeira baseia-se no direito à informação: ser bem informado e
buscar livremente a informação onde for possível. A segunda está firmada no direito à
1
De acordo com a Constituição Federal, artigo 223, “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão,
permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Na prática, as outorgas para a execução dos
serviços de radiodifusão de sons e imagens (TV) e as de radiodifusão sonora em ondas curtas, em ondas tropicais
e ondas médias são conferidas via concessão pelo Presidente da República. As outorgas para a execução do
serviço de radiodifusão sonora em ondas médias locais e as de freqüência modulada (FM) são conferidas por
meio de permissão, via portaria do Ministro de Estado das Comunicações. O serviço de radiodifusão comunitária
é outorgado pelo Ministério das Comunicações por meio de autorização, como previsto no art. 10 da Lei n°
9.612/98 (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, [s.d.]).
2
Exemplo, conforme informações fornecidas por Silvio Juramar Leal em entrevista à pesquisadora dia 11 de
outubro de 2007 e confirmadas por Dagmar Camargo por e-mail: a rádio Restinga FM, em Porto Alegre (RS),
foi fechada pela segunda vez em 2004 pela Polícia Federal em ação conjunta com a Agência Nacional de
Telecomunicações – Anatel. Não faltou mobilização local para a reabertura da rádio. Contudo, em 2006, houve
uma eleição em que se mudou o grupo de direção da rádio pela diferença de um voto. A rádio não sobreviveu à
mudança de gestão e fechou as portas no mesmo ano.
14
comunicação: de entender e dizer a palavra, entender e apresentar opinião e manifestar o
pensamento (GUARESCHI, 1989, p.117). A primeira noção corresponde à comunicação
governamental. Compreende as ações de assessoria de imprensa, divulgação, publicitárias e
marketing. Normalmente, consiste em manter uma imagem positiva da prefeitura, secretarias
e prefeito(a) perante a opinião pública. É recorrente a criação veículos de comunicação
próprios como jornais, portais na internet e revistas3. A segunda, que é a adotada nesse
trabalho, refere-se às ações de fomento à comunicação por meio do fomento à comunicação
comunitária, alternativa ou popular4. Fundamenta-se no direito à comunicação – que, de
acordo com Peruzzo (2007, p.11-12), tornou-se uma concepção mais ampla do que o direito à
expressão:
[...] tal concepção vem sendo renovada ao incluir a dimensão do direito à
comunicação enquanto acesso ao poder de comunicar. As liberdades de
informação e de expressão postas em questão na atualidade não dizem
respeito apenas ao acesso da pessoa à informação como receptor, ao acesso à
informação de qualidade irrefutável, nem apenas no direito de expressar-se
por ‘quaisquer meios’- o que soa vago, mas de assegurar o direito de acesso
do cidadão e das suas organizações coletivas aos meios de comunicação social
na condição de emissores – produtores e difusores - de conteúdos. Trata-se,
pois, de democratizar o poder de comunicar [...].
Portanto, trata-se de um direito à comunicação massiva, de forma ativa, em
contraposição à passividade da mera recepção de informações. Pressupõe um processo
educativo, de conhecimento, a partir do domínio de informações, técnicas e procedimentos
para produção de matérias5.
De forma ainda não generalizada, algumas prefeituras brasileiras vêem desenvolvendo
políticas públicas de fomento à comunicação, que vão além da divulgação de informações
institucionais ou governamentais.
3
Estão surgindo algumas iniciativas interessantes que não estão baseadas apenas em uma comunicação
governamental ou política, mas no interesse público. É possível citar, por exemplo, a criação departamentos para
elaborar materiais publicitários e de divulgação de interesse comunitário, ou ainda, a incorporação de
reportagens jornalísticas aos Diários Oficiais como contraponto à linguagem jurídica típica desse meio - que não
comunica ao cidadão comum.
4
A autora da dissertação reconhece as diferenças entre comunicação comunitária, alternativa e popular.
Entretanto, não estabelece uma lista de conceitos e características diferenciadoras, porque opta por dialogar com
as noções adotadas pelas prefeituras de Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre(RS) e
Recife (PE). Portanto, a expressão “fomento à comunicação comunitária” amplamente utilizada ao longo dessa
dissertação toma como referência as iniciativas de fomento e garantia do direito à comunicação, tal como
exposto por Peruzzo.
5
Em artigo publicado em 2002, Graça Caldas reflete sobre a leitura crítica da mídia e a importância do processo
de aprendizagem de “como a mídia comunica” para a cidadania.
15
Em levantamento realizado em todas as capitais brasileiras, entre junho e julho de
6
2006, foram localizadas práticas fomento à comunicação comunitária em Fortaleza (CE),
João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre (RS) e Recife (PE) – apenas em cinco das 27
cidades pesquisadas7.
Como se tratam de exceções, casos raros, optou-se eleger como enfoque metodológico
os casos que efetivamente desenvolvem ações de fomento à comunicação comunitária. Nesse
sentido, é fundamental questionar: por que e como as prefeituras de Fortaleza, João
Pessoa, Macapá, Porto Alegre e Recife desenvolvem políticas de fomento à comunicação
comunitária?
Essa investigação adotou, inicialmente, como pressuposto que o sucesso de
implantação e manutenção de uma política pública depende de uma combinação favorável de
condicionantes político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos.
A noção de condicionantes, adotada como referência nessa dissertação, foi
desenvolvida por Vitor Henrique Paro (1995). Ele utilizou-se do método etnográfico para
pesquisar em que condições a participação da comunidade na escola torna-se uma realidade.
Ao final de sua pesquisa, criou quatro categorias de condicionantes. Os primeiros
condicionantes são os político-sociais que se referem aos interesses dos grupos dentro da
escola. Depois, são analisados os condicionantes materiais, ou seja, as condições objetivas de
participação. São seguidos pelos condicionantes institucionais que dizem respeito à
organização da escola. Finalmente, colocam-se os condicionantes ideológicos, entendidos
como “todas as concepções e crenças sedimentadas historicamente na personalidade de cada
pessoa, que movem suas práticas e comportamentos no relacionamento com os
outros”(PARO, 1995, p.304).
Márcia Aparecida Jocomini (2004) retoma esses conceitos para entender o porquê do
fracasso ou do sucesso da implantação da política pública de ciclos e progressão continuada.
Nesse caso, ela faz uma adaptação e analisa três condicionantes: materiais, ideológicos e
institucional-pedagógicos.
No caso das políticas de fomento à comunicação comunitária, foi importante
novamente fazer uma adaptação das noções de condicionantes já desenvolvidas. Dessa forma,
6
A metodologia de levantamento será descrita a seguir.
Fora das capitais existem ou já existiram experiências relevantes em Campinas (SP), Camaragibe (PE), Nova
Olinda (CE), Niterói (RJ) entre outras cidades. Eliana Nardelli de Camargo, por exemplo, estudou práticas de
uso de jornal na sala de aula nas escolas públicas de Santos (SP) e Jundiaí (SP).
7
16
retoma-se de Paro os condicionantes político-sociais8, no sentido de analisar quais os
interesses de grupos em torno dessas políticas. A hipótese trabalhada foi que existiriam
interesses
compartilhados
–
que
poderiam
ir
desde
a
cooptação
ideológica,
manutenção/criação de empregos, estratégia de divulgação até a ampliação da cidadania – que
comporiam um cenário favorável ao fomento da comunicação comunitária.
Os condicionantes materiais, nesse caso, referem-se à disposição de: espaço físico
adequado (salas, estúdios etc.); equipamentos necessários (computadores, gravadores, ilha de
edição etc.); materiais de apoio (livros, cartilhas etc.); materiais de consumo (papelaria, fitas
etc.); e de recursos humanos (técnicos, assessores, agentes comunicacionais etc.). A hipótese
trabalhada foi que os recursos materiais empenhados pelo poder público municipal seriam
poucos e até insuficientes em relação à demanda, mas que parcerias seriam buscadas como
forma de viabilizar ações de fomento à comunicação comunitária.
Os condicionantes ideológicos dizem respeito às concepções e crenças em relação à
comunicação dos atores envolvidos nesta política – gestores, técnicos, beneficiados etc. A
hipótese trabalhada foi que os atores teriam concepções e crenças em relação à comunicação
bem variadas, mas compartilhariam da noção funcionalista da comunicação, como um
instrumento para atingir determinados fins, e por isso demandariam ou executariam políticas
de fomento à comunicação comunitária.
Por fim, é feita uma adaptação da noção dos condicionantes institucional-pedagógicos
de Jocomini, que se transforma em condicionantes institucional-metodológicos - que se
referem à como são implantadas e executadas tais experiências de fomento à comunicação e
às condições de funcionamento e organização da instituição responsável por elas. A hipótese
trabalhada foi que o projeto metodológico, os marcos regulatórios e desenho institucional
ainda estariam se configurando uma vez que prefeituras executarem políticas de fomento à
comunicação comunitária são iniciativas raras e ainda incipientes.
Dessa forma, o objetivo central da dissertação foi compreender quais são as
motivações e maneiras que as prefeituras de Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP),
Porto Alegre (RS) e Recife (PE) encontram para desenvolverem políticas de fomento à
comunicação comunitária.
Especificamente, objetivou-se:
8
Adota-se como pressuposto que os posicionamentos políticos estão relacionados às posições sociais dos atores.
Por isso, a manutenção do termo sociais nesse condicionante.
17
a) Descrever as experiências de políticas locais de fomento à comunicação comunitária
desenvolvidas na gestão municipal de 2001 a 2004 e nos anos 2005 e 2006 nas capitais
brasileiras;
b) Investigar como os condicionantes político-sociais, materiais, ideológicos e institucionalmetodológicos compõem o cenário de implantação e desenvolvimento de políticas municipais
de fomento à comunicação comunitária;
c) Analisar o histórico das políticas municipais de fomento à comunicação comunitária a fim
de localizar temporalmente como desenvolvimento dos condicionantes político-sociais,
materiais, ideológicos e institucional-metodológicos interferem nas motivações e maneiras;
d) Averiguar como são implantadas e executadas as políticas de fomento à comunicação
comunitária e as condições de funcionamento e organização da instituição responsável por
elas;
e) Interpretar as concepções em relação à comunicação dos atores envolvidos as políticas de
fomento à comunicação comunitária.
Metodologia
Essa dissertação é uma pesquisa qualitativa dividida em duas etapas: pesquisa
exploratória e estudo comparativo de casos múltiplos.
A pesquisa exploratória, de acordo com Lakatos; Marconi (1999, p.87):
São investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de
questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses,
aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno
para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar
conceitos.
De acordo com Gil (2002, p. 41), “na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem
levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o
problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão”.
Para o estudo de casos múltiplos, foi adotado como referencial teórico-metodológico
os conceitos e procedimentos desenvolvidos por Robert K. Yin. De acordo com esse autor
18
(2003), esta estratégia de pesquisa aplica-se quando a questão de pesquisa busca saber o
“como” ou o “por que” de acontecimentos contemporâneos, que não exige controle sobre os
eventos comportamentais.
Assim é definida a investigação do estudo de caso:
- enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais
variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado,
- baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir
em um formato de triângulo, e, como outro resultado,
- beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para
conduzir a coleta e a análise de dados (YIN, 2003, p. 32).
Como políticas locais de fomento à comunicação comunitária se tratam de fenômenos
raros, foram consideradas unidades de análise todos os casos existentes em 2006 nas capitais
brasileiras: Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre(RS) e Recife(PE)9.
Etapa I: Pesquisa exploratória
O estudo exploratório foi feito definir o panorama das políticas locais de fomento à
comunicação comunitária no Brasil. De acordo com Yin (2003, p.24-26), essa estratégia de
pesquisa aplica-se quando a questão de pesquisa busca saber quem, o que, onde, quantos,
quando. No caso dessa pesquisa, optou-se por fazer um levantamento em todas as capitais
brasileiras, com a pergunta norteadora: esta prefeitura atualmente executa alguma política
de fomento à comunicação comunitária?10 Para responder essa questão inicial, adotou-se
como procedimentos técnicos a pesquisa documental e a entrevista por telefone.
A pesquisa documental tem por finalidade reunir e classificar documentos de todo
gênero dos diferentes domínios da atividade humana sobre um determinado assunto
(MARTINS, 2002, p. 35). Ao utilizar documentos, intenção não era que a pesquisa
documental respondesse totalmente ao problema, mas foi essencial para uma visão melhor das
questões postas e a verificação posterior. “[...] a pesquisa documental vale-se de materiais que
não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo
com os objetos de pesquisa” (GIL, 2002, p.45). Dessa forma, leis, relatórios, e folders também
forneceram dados para esse estudo. Contudo, a principal fonte de documentos foi páginas na
9
“De modo geral, considera-se que a utilização de múltiplos casos proporciona evidências inseridas em
diferentes contextos, concorrendo para a elaboração de uma pesquisa de melhor qualidade (GIL, 2002, p. 139)”.
10
Em Brasília foi contado o Governo do Distrito Federal, já que esta capital não é administrada por uma
prefeitura.
19
internet11. Nesse caso, foram copiados integralmente os textos e referências à política de
comunicação municipal, quando havia. Analisando essas informações, foram apontados dados
para confirmação ou melhor explicação em entrevista, como por exemplo a Rádio Gari e a TV
Cidadania de Manaus. No segundo caso, a entrevista foi feita por telefone, fazendo
diretamente a pergunta “esta prefeitura atualmente executa alguma política de fomento à
comunicação comunitária?” e questionando a existência de Conselho Municipal de
Comunicação ao funcionário ou gestor do órgão responsável pela comunicação do município
(anexo 1). Quando havia registro de práticas anteriores (TRESCA, 2004) foi perguntado pela
manutenção de cada uma das políticas mapeadas em 200412. Em alguns casos, o entrevistado
pediu para que se encaminhassem as informações necessárias por e-mail 13.
Assim, essa pesquisa apenas considerou que há política de fomento à comunicação
comunitária no município se a informação foi confirmada pelo funcionário ou gestor do órgão
responsável pela comunicação da prefeitura. Dessa forma, foram constatadas a manutenção de
algumas práticas em Recife (PE) e Porto Alegre (RS) e a implantação de políticas públicas de
comunicação em Fortaleza (CE), João Pessoa (PB) e Macapá (AP)14.
A pesquisa exploratória resultou também na identificação de atores que deveriam ser
inicialmente contatados e aspectos a serem aprofundados na pesquisa de campo do estudo de
casos.
Etapa II: Estudo de casos múltiplos
Feito esse levantamento nos meses de junho e julho de 2006, optou-se pelo estudo de
casos múltiplos, a fim de verificar quais são as replicações possíveis dos condicionantes
político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos. Como fonte de
11
Os principais documentos foram coletados na internet e receberam um tratamento científico, no sentido
atribuído por Gil.
12
Em alguns casos, o entrevistado pediu para que se encaminhasse as informações necessárias por e-mail – que
foi enviado conforme modelo em anexo 1.
13
O que se verificou na prática é que alguns informantes tinham receio de informar que não desenvolviam esse
tipo de ação. Em Porto Velho, por exemplo, o funcionário da assessoria de comunicação disse que apoiavam a
comunicação comunitária, mas não conseguiu dar exemplo de nenhuma prática. Nesses casos, houve
entendimento de que a ação não existe e a tabela de sistematização de dados (anexo 2) apenas se limita a
registrar que não há ações.
14
Foram localizadas políticas de comunicação nos espaços formais de educação no Rio de Janeiro (RJ) e São
Paulo (SP). Contudo, tais experiências são brevemente descritas no capítulo III, mas não foram consideradas
para análise como estudo de casos, porque o locus dessas políticas é a escola e não comunidades.
20
evidências, optou-se pela documentação existente sobre as políticas estudadas, entrevistas e
pesquisa bibliográfica (quando existente e disponível).15
Em relação à documentação Yin (2003, p.112), defende que “para os estudos de caso,
o uso mais importante dos documentos é corroborar e valorizar as evidências oriundas de
outras fontes”. Nesse caso, a documentação recebeu o mesmo tratamento da pesquisa anterior,
com base na proposta de Gil (2002, p.87). Abaixo, no quadro 1, estão organizadas, em forma
de perguntas, as informações que foram buscadas na pesquisa documental.
As entrevistas são consideradas as fontes essenciais de informação para o estudo de
caso, de acordo com Yin. Por isso, optou-se por coletar pessoalmente, nos locais de estudo de
caso, depoimentos de variados atores relacionados ao contexto das políticas municipais de
fomento à comunicação comunitária. Dessa maneira, foram realizadas 10 entrevistas em
Fortaleza (CE), 7 em João Pessoa (PB), 7 em Macapá (AP), 18 em Porto Alegre (RS) e 11 no
Recife (PE). Juntas, somam 53 entrevistados (anexo 3). De qualquer forma, de maneira
alguma foi possível contemplar com entrevistas todos os atores relacionados ao contexto das
políticas municipais de fomento à comunicação comunitária. Optou-se por entrevistar pessoas
que cumpriam um papel-chave no processo de implantação da política ou eram
representativas de um determinado grupo16. Por exemplo, não foram entrevistados todos os
membros da Rede Municipal de Comunicação em Fortaleza. Foram privilegiados
representantes das instituições que compunham a coordenação provisória e, ainda, que
possuíam tendências divergentes. Yin (2003, p.116) recomenda uma entrevista semiestruturada em que se pareça como uma “conversa guiada”. Então, as perguntas foram
organizadas de acordo com o perfil do interlocutor, relacionando-as aos condicionantes. A
isso, foram somadas as questões norteadoras da pesquisa documental e desenvolvido o
seguinte protocolo, a fim de garantir que qualidade à pesquisa:
15
Inicialmente, no projeto de pesquisa, foi previsto um tempo de observação participante em cada uma das
localidades. Entretanto, devido ao curto tempo de duração do programa de pós-graduação strito-senso, no nível
mestrado, tal procedimento de pesquisa não se mostrou viável. Contudo, foram registradas em caderno de campo
observações acerca do contexto das entrevistas.
16
Ver lista de entrevistados e suas respectivas relações com as políticas de fomento à comunicação comunitária
em anexo 3.
21
Quadro 1 - Questões norteadoras do estudo de caso X fontes de evidência
Por que e como são desenvolvidas as políticas de fomento à comunicação comunitária?
Análise
documental
Entrevistas
Condicionantes políticosociais
Condicionantes materiais
Condicionantes ideológicos
Condicionantes institucionalmetodológicos
- quais são os grupos de interesse
em torno dessas políticas?
- o que eles querem?
- quais recursos (noção de capital
de Bourdieu) que dispõem para
exercer poder?
- quais as referências sobre orçamento/
dinheiro que aparecem?
- quais as referências que aparecem sobre
o espaço físico?
- quais as referências que aparecem sobre
equipamentos?
- quais as referências que aparecem sobre
materiais de apoio?
- quais as referências que aparecem sobre
materiais de consumo?
- quais as referências que aparecem sobre
recursos humanos?
- o que pensam os gestores dessa
política sobre comunicação?
- o que pensam os técnicos
envolvidos nessa política sobre
comunicação?
- o que pensam os beneficiados
por essa política sobre
comunicação?
- como foi implantada a política?
- como a equipe está organizada para
executar essa prática.
- qual o dia-a-dia dessa prática?
- qual a preparação da equipe para executar
tais ações?
- qual o clima organizacional?
- como os beneficiados avaliam o
programa?
Temas/perguntas para
- Gestores:
- A implantação dessa
experiência não deve ter sido
muito fácil... Tinha alguma
pressão da população para que
essa política fosse implantada?
– Para quem era interessante
fazer essa política? Por quê?
- O que você pensava no meio
disso tudo?
- E como acabou se resolvendo?
- qual a condição material do públicoalvo?
Temas/perguntas para
- Gestores:
- Qual o orçamento dessa política? Como
eles são distribuídos?
- Como foi feito para conseguir este
espaço físico?
- Como conseguiram os equipamentos?
- Como vocês fazem para produzir ou
reproduzir material de apoio?
- E os materiais de consumo?
- Quantos funcionários ou prestadores de
serviços estão envolvidos neste projeto?
- Quais são as condições de vida dos
beneficiados por este programa?
- há algum marco regulatório para esta
política? Qual? Do que se trata?
Temas/perguntas para
- Gestores:
- O que comunicação é para
você?
- Por que você acha
importante fazer esse projeto?
- Técnicos:
- O que comunicação é para
você?
- Por que você acha
importante fazer esse projeto?
Temas/perguntas para
- Gestores:
- Qual o organograma desse projeto?
- Como foi composta a equipe? Quais
qualidades que você acha que o pessoal
tem para implantar essa política?
- Eles passaram por treinamento?
- Como você sente o clima entre o pessoal?
- E como é o dia-a-dia dessa prática?
- O pessoal gosta do jeito que vocês
trabalham?
- Tem alguma lei que regula esta política?
Como fica a questão da garantia dessa
política como um direito?
22
- Técnicos:
- A implantação dessa
experiência não deve ter sido
muito fácil... Tinha tensões
políticas em torno dela? Quais
foram essas tensões?
- Os técnicos foram ouvidos? O
que você pensava no meio disso
tudo?
- E como acabou se resolvendo?
-Público-alvo:
- Como foram oferecidas essas
atividades para vocês? Falaram
o que sobre o porquê iam fazer
essa ação?
- E a população daqui
participou da implantação? De
que jeito (dando opiniões,
fazendo a gestão...)? E você
acha que a opinião da
comunidade teve peso? Por
quê?
- Técnicos:
- O espaço que você tem para trabalhar é
bom?
- E os equipamentos?
- Vocês usam material de apoio? De
onde vem?
- E material de papelaria? Falta?
- Você acha que o número de pessoas
envolvidas nesse projeto é suficiente?
- Como você acha que as condições de
vida dos beneficiados influem nessa
política?
-Público-alvo:
- Você acha que este espaço aqui é bom?
Falta alguma coisa?
- Quais equipamentos que você mais
usa?
- Vocês recebem algum material
didático?
- E se precisar anotar alguma coisa,
vocês usam caderno? Quem dá o
caderno?
- Você acha que o número de
funcionários envolvidos nesse projeto é
suficiente?
- Alguém deixa de participar porque não
tem dinheiro?
-Público-alvo:
- O que comunicação é para
você?
- Por que você acha
importante fazer esse projeto?
- Técnicos:
- Quem trabalha nesse projeto?
- E como é a relação com os
coordenadores?
- E com seus colegas?
- Quem decidiu o jeito que o projeto ia ser
implantado?
- Você teve participação?
- Você fez algum treinamento?
- Quais qualidades você acha que tem para
exercer essa função?
- Se você pudesse mudar alguma coisa
nesse projeto, o que mudaria?
- Como é seu dia-a-dia?
- Como os beneficiários avaliam o trabalho
de vocês?
- Alguém pergunta para vocês qual a base
jurídica dessa política? Qual você acha que
deveria ser?
-Público-alvo:
- Vocês gostam do jeito que o projeto é
feito?
- Os funcionários aqui se dão bem?
- Quando acabar essa gestão, vocês acham
que essa política deveria ser continuada?
Você sabe o que é preciso para garantir
isso?
23
Em estudo de casos múltiplos, o protocolo é relevante para obtenção de informações
comparáveis, além de ser instrumento para conferir confiabilidade à pesquisa.
A multiplicidade de fontes de evidências indicadas no protocolo se faz necessária uma
vez que o procedimento de análise de dados escolhida foi a triangulação17:
Quando você realmente fez a triangulação dos dados, os eventos ou fatos do
estudo de caso foram suportados por mais de uma simples fonte de dados;
quando você usou múltiplas fontes, mas não chegou a triangular os dados, em
geral você analisou cada fonte de evidências separadamente e comparou as
conclusões a partir das diferentes análises - mas não triangulou (YIN, 2003,
p.126-128).
Cada entrevista realizada foi considerada uma fonte. Assim, os dados considerados
para análise foram expressos por três ou mais entrevistados ou somaram-se as observações do
contexto da entrevista e fontes documentais. A pesquisa não se limitou ao sentido que os
atores atribuem às situações por eles vivenciadas. Não se baseou na apreensão imediata dos
discursos
individuais,
sobrepondo
atitudes,
opiniões,
aspirações
para
explicar
o
funcionamento das políticas de fomento à comunicação comunitária. Portanto, nessa pesquisa
não se pretendeu fazer a mera descrição de casos ou de discursos sobre os casos. A análise
procurou privilegiar um olhar dialético e crítico sobre os dados - sem restringir-se a lógica
pré-definida no protocolo anterior, causalmente estabelecida a partir de uma ordem de fatos
externos e fixos.
Por meio dessa metodologia, pretende-se seguir o esquema apresentado por Yin (2003,
p.55) para garantir a qualidade desse tipo de pesquisa social empírica:
17
Triangulação é o fundamento lógico para utilizar fontes múltiplas de evidências.
24
Quadro 2 - Táticas do estudo de caso para quatro testes de projeto
Testes
validade do constructo
validade interna
validade externa
confiabilidade
Tática do estudo de caso
-utiliza fontes múltiplas de
evidências
- estabelece encadeamento de
evidências
- o rascunho do relatório do
estudo de caso é revisado por
informantes-chave
- faz adequação ao padrão
- faz construção da explanação
- faz análise de séries
temporais
- utiliza lógica de replicação
em estudos de casos múltiplos
- utiliza protocolo de estudo de
caso
- desenvolve banco de dados
para o estudo de caso
Fase da pesquisa na qual a
tática deve ser aplicada
coleta de dados
coleta de dados
composição
análise de dados
análise de dados
análise de dados
projeto de pesquisa
coleta de dados
coleta de dados
Fonte: Yin (2003, p.55).
De acordo com Yin (2003, p.68) as provas resultantes de casos múltiplos são
consideradas mais convincentes. Se forem obtidos resultados semelhantes em cada um dos
casos, é possível inferir quais são as replicações das políticas locais de fomento à
comunicação comunitária.
Estrutura da dissertação
No capítulo I, partindo das teses sobre a incomunicação, se questiona qual a
importância da comunicação comunitária. São apresentadas duas possibilidades de respostas:
pela democracia e pelo desenvolvimento. No primeiro caso, toma-se como referência o
pensamento de Wolton; no segundo, Luis Ramiro Beltrán. Por fim, é atualizado o conceito de
comunicação comunitária e analisados os desafios de fomentá-la.
No capítulo II, discorre-se sobre a influência do anseio de transformação social sobre
as pesquisa no campo da comunicação. Analisa-se aspectos das pesquisas brasileiras sobre
políticas de comunicação e aprofunda as contribuições de Paulo de Tarso Riccordi para o
pensamento em âmbito local.
O capítulo III reforça a importância do desenvolvimento de políticas públicas de
comunicação em âmbito local e descreve os resultados da pesquisa exploratória.
São
relatadas as experiências localizadas nas capitais brasileiras nas gestões municipais de 2001 a
25
2004 a fim de compará-las e constatar avanços e retrocessos nas práticas de fomento à
comunicação comunitária desenvolvidas nas mesmas localidades nos anos de 2005 e 2006.
O foco do capítulo IV é apresentar uma análise dos dados obtidos por documentação e
entrevistas. Para tanto, é feita uma reflexão sobre a pertinência da noção de condicionantes
para analisar as políticas públicas de comunicação. A organização do capítulo é feita por tipos
de condicionantes a fim de facilitar a observação de possíveis replicações.
Por fim, são apresentadas algumas conclusões gerais, indicações para aprofundamento
e pesquisa nessa temática e dicas para planejar e executar um plano local de políticas públicas
de fomento à comunicação comunitária.
26
CAPÍTULO I - DIANTE DA INCOMUNICAÇÃO,
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA PARA QUÊ?
Historicamente, as novidades nas tecnologias de transmissão de sons e imagens
sempre mudaram a vida cotidiana, as estruturas de relacionamento social e o imaginário
simbólico de uma sociedade. Da mesma forma que a organização do espaço interno da casa se
reconfigurou por causa do advento da televisão, o mesmo acontece com o computador, que
agora precisa de um espaço para ser abrigado - cada vez menor, é verdade. O uso dos chats
proporciona uma nova maneira de conhecer pessoas. Uma nova lógica cognitiva (bits)
emerge. O hipertexto, por exemplo, desenvolve uma nova lógica de cognição, não-linear,
baseada na interatividade.
Os entusiastas dessa nova dinâmica parecem encontrar a redenção democrática na
web. A internet messiânica daria oportunidades iguais a todos de se comunicarem e
democratizaria a difusão de informações. Com o advento da internet o monopólio de obtenção
e distribuição de notícias parecia ter fim. Afinal, qualquer um pode montar uma página na
internet, comunidades virtuais e divulgar informações1.
De fato, há uma explosão tecnológica de meios comunicação e há uma boa quantidade
de informações que circula em grande volume pelas redes. O problema é que não há
necessariamente comunicação. Ciro Juvenal Marcondes Filho (2004, p.8) se pergunta:
O que acontece, que faz com que vivamos neste início de século tão
estimulados, tão incentivados a comunicar, que tenhamos tantos aparelhos e
situações que nos facilitem a transmissão do que sentimos, mas que - mesmo
assim - a comunicação não ocorra ou, quando ela ocorre, é só em parte,
insatisfatória, frustrante, pobre?
Apesar de Marcondes não se referir explicitamente ao conceito de incomunicação,
essa é uma das inquietações desta área da Ciências da Comunicação. Todavia, os
questionamentos sobre essa temática nasceram décadas antes do advento da internet. Por
exemplo2, em julho de 1975, a Incomunicação Social foi o tema do encontro da União Cristã
1
Até mesmo centrais de contra-informações foram criadas. Por exemplo, o Centro de Mídia Independente, rede
internacional de produtores voluntários que mantém um site na internet, recebendo e armazenando vídeos,
imagens, sons e textos – principalmente sobre as lutas sociais-, que podem ser publicados e reproduzidos sem
copyright por qualquer pessoa ou qualquer órgão de mídia independente sem fins comerciais.
2
Nesse trabalho, não se pretende discorrer sobre a produção acadêmica na área da incomunicação, mas apenas
exemplificar alguns questionamentos decorrentes destes estudos.
27
Brasileira de Comunicação (UCBC)3. O termo foi utilizado para expressar a falta ou a
dificuldade de comunicação, sejam pelas barreiras tecnológicas ou cognitivas, políticas,
psicológicas, econômicas e sociais (MARQUES DE MELO, 1976, p.10). De acordo com
Marques de Melo, inicialmente, Paulo Freire vai atribuir como um dos marcos da vida
nacional o mutismo:
Assim sendo, a expressão ‘mutismo do homem brasileiro’ cede lugar, na
análise de Paulo Freire, para a enunciação da ‘cultura do silêncio’. Impondo e
reproduzindo a opressão, a ‘cultura do silêncio’ apresenta-se como uma
característica de todos os povos colonizados e tem suas raízes na prática
secular da incomunicação (MARQUES DE MELO, 1988, p.265).
Após 25 anos, em 2001, o Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia
organizou um ciclo de semiótica e cinema denominado Os meios da incomunicação, realizado
no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo4. Se 1975 o discurso era de denúnciareinvindicação, em 2001 Norval Baitello Junior (2005, p.9) retoma a noção como denúnciacatástrofe:
Muitas vezes menosprezada ou ignorada, mas sempre atuando, a irmã menos
amada desfaz as trilhas, caminhos, elos e vínculos cuidadosamente abertos
pela primeira. E, quanto mais esquecida, mais danosos serão seus atos, porque
despercebidos, surpreendentes, porque tomam-nos todos de assalto e
despreparados. E quanto mais ressaltamos e nos orgulhamos dos bons
serviços e das qualidades da comunicação, mais a incomunicação ganha força
e ousadia, provocando estrago, desfazendo e desmontando, distorcendo e
deformando, semeando discórdia e gerando falsas expectativas, invertendo
sinais e valores, azedando as relações e produzindo estranhamentos
incômodos.
Em 2004, baseado em várias referências filosóficas, Marcondes (2004, 83-101)
radicaliza e questiona até se a comunicação é realmente possível ou se acontece somente em
situações muito particulares.
A partir de tais reflexões, é inevitável se perguntar: se já existem tantos meios de
comunicação e mesmo assim a comunicação necessariamente não acontece, para quê
fomentar a comunicação comunitária? Enfim, comunicação comunitária para quê?5 Para ser
mais uma voz que grita e ninguém ouve?
3
As reflexões deste evento foram registradas no livro Comunicação/Incomunicação Social no Brasil, organizado
por José Marques de Melo.
4
As reflexões deste evento foram registradas no livro Os meios da incomunicação, orgazinado por Norval
Baitello Junior.
5
Longe das concepções funcionalistas de que tudo precisa ter uma função (ou disfunção) para ter sentido, aqui
apenas se pretende localizar algumas fundamentações que justifiquem a defesa da comunicação comunitária.
Novamente, esta é apenas uma possibilidade de abordagem. Vários outras motivações podem existir.
28
As inquietações da autora encontram ressonância no pensamento Marcelo Inácio de
Souza, do Movimento Cearense pela Democratização da Comunicação (MCDC)6:
Tem um agravante: [...] o grande problema é o medo do caos que a
comunicação aparentemente leva. Eu já ouvi professor dizer em debate algo
do tipo ‘imagine uma ilha com quarenta pessoas falando ao mesmo tempo, o
caos que seria’. O direito a comunicação gera esse medo. Imagine se todas as
pessoas pudessem falar, manifestar suas inquietações, incertezas e
discordâncias? A universidade traz esse fantasma... Têm muitas teses
absurdas que o professor de comunicação tem muita ‘didática’ para discutir.
A gente trabalha com algo mais primário do poder: ‘Eu posso falar, porque eu
sei; eu posso falar, porque eu tenho o que dizer’. Esse é o princípio da difusão
do ‘eu tenho o que falar; as pessoas comuns não têm o que falar’. Enfim, para
que elas precisam de rádio? Com três ou quatro rádios com acesso, o negócio
estaria garantido.
Encontrar algumas possibilidades de respostas a esse questionamento talvez seja
reviver, com nova roupagem e sob um novo estatuto7, o conflito apocaliptícos-integrados.
Entretanto, é fundamental adentrar nessa arena para a manutenção da defesa da comunicação
como um direito humano.
A seguir, são apresentadas pelo menos duas motivações para fomentar a comunicação
comunitária: pela democracia e pelo desenvolvimento, uma dimensão política e outra
econômica-política-social. No primeiro caso, utiliza-se como referência Dominique Wolton;
no segundo caso, Luiz Ramiro Beltrán. Esses autores foram escolhidos, porque - apesar de
estarem distanciados no tempo e tomarem como ponto de partida referenciais bem diferentes eles dialogam diretamente com as teses de incomunicação.
1. Comunicação comunitária para democracia
Dominique Wolton dialoga diretamente com as teses de incomunicação mais recentes,
de denúncia-catástrofe. O autor não nega a incomunicação. Pelo contrário, reconhece que a
comunicação tem limites, não atingiu um nível de diálogo capaz de evitar conflitos: “O
progresso das comunicações não impede as barbáries em Ruanda, Kosovo, Iraque […]”
(WOLTON, 2006, p.9). Mas, valendo-se de um argumento típico da antropologia, o da
alteridade, Wolton não coloca a incomunicação como uma catástrofe. Pelo contrário, pensar a
incomunicação no âmbito do respeito à diferença é construir a coabitação:
6
Em entrevista realizada pela pesquisadora, dia 22 de outubro de 2007.
No sentido que o cerne do conflito se desloca da comunicação de massa para a própria comunicação
interpessoal.
7
29
Pensar a sociedade da incomunicação não é, portanto, uma proposta
pessimista. É admitir que há, de certa forma, um limite para a comunicação.
Quando tudo circula, permuta-se e se conecta, não é inútil lembrar que há
sempre três situações: a partilha, a coabitação, a incomunicação. Essas três
situações ontológicas perduram, qualquer que seja o desempenho dos
instrumentos, e é essa trilogia que se deve guardar no espírito quando se
quer evitar que a onipresença da comunicação técnica se torne uma das
tiranias da globalização.
De qualquer maneira, comunicar é assumir um risco, em que reside, de fato,
toda a grandeza da coisa. O risco do encontro do outro e do fracasso. Não
há ética da comunicação sem respeito do outro, isto é, sem uma reflexão
política, pois coabitar com o outro leva de imediato, à questão política, à da
democracia (WOLTON, 2006, p.224).
Se por um lado não a razão comunicativa não se concretizou tal como o pensador
alemão Jürgen Habermas analisou - e de certa forma almejou-, foi por meio das comunicações
que foi possível constituir mobilização solidária mundial às vítimas do tsunami no sudeste
asiático. Adotando esse exemplo, Wolton (2006, p.11) explicita por que é preciso salvar a
comunicação:
Os desvios da comunicação não invalidam o ideal normativo que a
fundamenta, tanto quanto os desvios da democracia não invalidam a
democracia. Por que aceitar as contradições da democracia e não as da
comunicação?
Nesse sentido, mais do que promover o direito ao acesso à informação, é necessário
fomentar o direito à comunicação. Não se trata de uma comunicação linear que envolve
apenas emissores, mensagens, canais e receptores. Refere-se a uma comunicação orgânica e
complexa, que não se localiza somente nas tecnologias e técnicas de transmissão de
informações, mas que resulta na conquista da cidadania para a transformação social:
Sim, salvar a comunicação é antes de tudo preservar sua dimensão
humanista: o essencial da comunicação não está do lado das técnicas, dos
usos ou dos mercados, mas do lado da capacidade de ligar ferramentas cada
vez mais performáticas a valores democráticos, como se viu com o imenso
movimento de solidariedade mundial por ocasião do Tsunami de dezembro
de 2004 no sudeste asiático (WOLTON, 2006, p.10).
Em todas as suas análises, Wolton (2004, 2006) parte de uma concepção de
comunicação que envolve uma dimensão normativa e outra funcional:
30
A dimensão normativa remete ao ideal da comunicação: informar, dialogar,
compartilhar, compreender-se. A dimensão funcional, como seu nome
indica, ilustra o fato de que, nas sociedades modernas, muitas informações
são simplesmente necessárias para o funcionamento das relações humanas e
sociais. [...] Essas duas dimensões da comunicação funcionam de certo
modo segundo o modelo de uma dupla hélice, tal qual a do gene, num
processo dinâmico e contínuo. Essas duas dimensões, normativa e
funcional, remetem, aliás, aos dois sentidos da palavra ‘comunicação’. O
primeiro e mais antigo (século XIV), ligado à dimensão normativa, significa
‘compartilhar’, ‘comungar’, na tradição judaico-cristã. O segundo, a partir
do século XVI, ligado ao processo técnico, remete à idéia de transmissão e
de difusão (WOLTON, 2006, p. 15-16).
Wolton e Marcondes (2004) partem de noções de comunicação muito próximas e
chegam a conclusões bem diferentes. Se para Marcondes o encontro com o outro não é
possível ou raramente acontece, Wolton reconhece essa dificuldade como preocupação, mas
traz a esperança da dimensão humanitária e de mobilização social da comunicação.
Em relação à política, Wolton (2004) defende que a comunicação é a condição de
funcionamento da democracia, indissociável do paradigma democrático8. Para ele existe um
“triângulo infernal” formado pelos jornalistas, políticos e opinião pública, no qual o triunfo da
comunicação desestabiliza essa correlação de forças. Partindo da idéia de que a lógica desses
atores são, respectivamente, os acontecimentos, a ação e a hierarquização dos temas, ele
aponta três elementos desse desequilíbrio: 1) o acontecimento se sobrepõe a ação; 2) os
jornalistas não são confrontados; 3) e as pesquisas de opinião são entendidas como
onipresentes, expressão natural da opinião pública. Sobre o primeiro elemento, Wolton (2004,
p. 204) afirma:
[Os homens políticos] Estão confrontados com a contradição seguinte: as
mídias são necessárias para valorizar sua ação, mas ao mesmo tempo
sublinham a escassez de sua margem de manobra... Além disso, o homem
político sofre a pressão do acontecimento e o cortejo de jornalistas. Estes
fazem comentários diariamente, acham significações ocultas em estratégias
improváveis, questionam facilmente a capacidade de ação dos homens
políticos, que são obrigados a correr de programas de rádio a estúdios de
televisão para responder aos rumores, confirmar alguns deles, desmentir
outros, distinguir-se dos concorrentes, construir sua própria imagem,
mostrar planos para o futuro e não dar a impressão de ser incapaz de lidar
com o presente. É difícil, nessas condições, não ver que muitas vezes o rei
está nu.
8
Diferente das teses que defendem que há uma ditadura dos meios de comunicação e da chamada opinião
pública e que, por isso, a comunicação seria um problema para a democracia.
31
Desta forma, os homens políticos dispensam muitos recursos no gerenciamento
midiático e correm o risco de deixarem a desejar na execução de políticas públicas. Sobre o
segundo elemento, diz Wolton (2004, p. 207):
Aqui, o poder do jornalismo, que consiste em passar de um acontecimento a
outra sem nunca parar, torna-se um defeito. E, nessa relação de força com
os homens políticos, os jornalistas têm a enorme vantagem de nunca ser
confrontados com nenhuma sanção. É claro, existe a percepção crítica do
público, mas esta parece tão distante...
Essa declaração de maneira alguma pode ser interpretada como defesa da censura.
Trata-se da identificação da ausência de parâmetros, de auto-avaliação, tal como estava em
discussão quando se propôs a criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Já sobre o terceiro elemento, Wolton aponta o poder que as pesquisas de opinião têm
de banalizar a complexidade, o que acaba por reforçar o poder dos jornalistas:
A onipresença das pesquisas de opinião acentua a cultura do instantâneo,
em que se sucedem, em um ritmo desenfreado, acontecimentos, pesquisas,
informações, como em uma espécie de gigantesco jogo de perguntas e
respostas. A conseqüência é uma redução de qualquer distância crítica.
Tudo é imediato, criando uma ilusão de transparência ou, pelo menos, de
racionalidade possível da história instantânea... Uma espécie de 'cultura
tampão', à base de superinformação e pesquisas, cria-se entre o indivíduo e
o mundo (WOLTON, 2004, p.211).
No Brasil, há pelo menos mais dois fatores que potencializam esse desequilíbrio entre
jornalistas, políticos e opinião pública: os donos de mídias e políticos se confundem e certos
veículos comportam-se como verdadeiros partidos políticos. Pesquisa conduzida pelo
professor Venício de Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de
Brasília (UnB), aponta 51 deputados federais que são concessionários diretos de emissoras de
rádio e TV, conforme dados oficiais do Ministério das Comunicações9. Além disso, algumas
mídias levantam bandeiras e até defendem políticas e projetos de leis10 como se fossem uma
associação que visa à conquista do poder para realizar um determinado programa, como se
fossem partidos políticos. Aqui, mídia e política se sobrepõem.
O autor (WOLTON, 2004, p.211) aponta três conseqüências do desequilíbrio entre
jornalistas, políticos e opinião pública: 1) As crises sociais continuam inesperadas e violentas,
9
Disponível em <http://www.unb.br/ceam/nemp/deputados.htm>, acesso em 25 de abril de 2007.
É possível citar como exemplo a recente cruzada que a Rede Globo de Televisão encampou para aprovar a lei
“da maioridade penal”.
10
32
apesar da hipermediatização da realidade e da onipresença de todos os tipos de indicadores
2) A lógica do acontecimento ocupa espaço demais, quando uma crise social explode:
As mídias e pesquisas de opinião encontram-se ainda mais mobilizadas,
amplificando a crise social pelo simples efeito mecânico de sua
concorrência e repetição. A tal ponto que, depois de alguns dias, uma crise
social ou política parece uma situação insurrecional. As mídias não somente
colocam o problema da ‘capacidade do governo’ para resolver a crise, mas
logo questionam a ‘autoridade’ e até a ‘legitimidade’ política (WOLTON,
2004, p.212).
E, por fim, 3) as mídias atuam como mediadoras da crise, como se tudo fosse apenas
um problema de informação (WOLTON, 2004, p.213).
Mas, além de identificar o desequilíbrio e suas conseqüências, Wolton (2004, p. 216221) aponta as portas de saída: o homem político deve diminuir a pressão do acontecimento,
valorizando seu papel de ação; revalorizar a dupla homem político-cidadão; e, finalmente,
ampliar o círculo dos que falam. Wolton (2004, p. 242-243) afirma que a liberdade de
expressão não seria suficiente, uma vez que teria um efeito perverso, garantindo voz sempre
aos mesmos grupos:
Em outras palavras, o número crescente de mídias não leva
obrigatoriamente a um número maior de opiniões debatidas. Ocorre uma
espécie de seleção, visando eliminar as opiniões desviantes e levando um
processo de empobrecimento, totalmente descontrolado, que se traduz pelo
reforço de certas opiniões em detrimento de outras. […]
Essa generalização da expressão na sociedade da comunicação traz então
dois problemas. Se todos se expressam, quem escuta? A sociedade da
expressão não é a sociedade de comunicação: pode haver tantos
esquizofrênicos quantas pessoas se expressando. Por outro lado, a fala
competente e autorizada aumenta à medida que o número dos que se
expressam também cresce. Ou seja, quanto mais há expressão, mais se
precisa de especialistas.
No contexto da expressão livre e igualitária, surgiria a necessidade de hierarquizar as
opiniões. Os jornalistas, então, concederiam a palavra aos elementos representativos, aos
especialistas e àqueles que representam bem o ponto de vista de qualquer um.
Se o pensamento de Wolton faz sentido para a realidade brasileira, é justamente a
ampliação do círculo dos que falam que possibilita pensar que o fomento à comunicação
comunitária é indispensável para equilibrar as relações entre jornalistas, políticos e opinião
pública. Além desses entraves próprios da dinâmica jornalismo, no Brasil, o círculo dos que
falam fica ainda mais fechado, porque há uma grande concentração dos meios de
33
comunicação: poucas empresas detêm muitos (ou diferentes) meios de comunicação que
atingem a maior parte do território.
Portanto, para preservar o estatuto normativo da comunicação e da democracia é
fundamental o fomento à comunicação comunitária. É no espaço público que jornalistas,
políticos e opinião pública se encontram, debatem e estabelecem relação. Baseado em
Immanuel Kant e Jürgen Habermas, Wolton (2006, p.230) define espaço público como
intermediário entre a sociedade civil e o Estado. Inicialmente, é um espaço físico como a rua,
a praça, mas tornou-se simbólico, com vocabulário e representações comuns.
É um espaço simbólico onde são expressas e trocadas as opiniões
contraditórias dos indivíduos e dos grupos. A mídia desempenha nele um
papel essencial, mas o espaço midiático não é sinônimo do espaço público,
mais amplo e complexo. […] Não se decreta a existência de um espaço
público, constata-se sua existência. Ele simboliza a existência de uma
democracia, com a expressão contraditória das informações, das opiniões,
das ideologías (WOLTON, 2006, p.230, grifo nosso).
Referindo-se principalmente às sociedades tradicionais, Wolton afirma que, para
consolidar e afirmar o espaço público, foi historicamente necessário reduzir o peso e a
legitimidade das comunidades parciais11. A perda de autonomia e poder dessas comunidades
significava a ampliação do espaço público universal. O problema, para o autor, é que a
relação de força inverteu-se tanto que as comunidades não têm mais autonomia em relação
sistema de referências e símbolos: “Mas uma sociedade não pode repousar a legitimidade e
autoridade de um único sistema de valores, mesmo que seja o sistema de valores
democráticos” (WOLTON, 2006, p.232).
Certamente, esse não é um fenômeno exclusivo das comunidades tradicionais, mas um
problema que as comunidades urbanas atuais também enfrentam. Algumas tribos juvenis, por
exemplo, encontram pouco espaço de expressão de seus valores, são muitas vezes
estigmatizadas e apenas despertam curiosidade depreciativa – straight edges, góticos,
grafiteiros etc. Nesse sentido, garantir o direito à voz de diversos sistemas simbólicos é
reservar um lugar no espaço público para o diferente ou contraditório. É equilibrar a
correlação de forças entre jornalistas, políticos e opinião pública. É preservar a dimensão
humanista da comunicação e fortalecer a democracia.
11
Comunidades parciais são “definidas ao mesmo tempo por regras estritas de funcionamento, por um sistema
de autocontrole e autolegitimação, e também por regras de reconhecimento mútuo”(WOLTON, 2004, p.231). O
conceito é aplicado a comunidades antigas, mas pode muito bem ser considerado como referência para a reflexão
sobre as comunidades atuais.
34
2. Comunicação comunitária para o desenvolvimento
Um dos pioneiros da escola latino-americana de Ciências da Comunicação Luiz
Ramiro Beltrán – no trabalho Communication and Modernization: The Case of Latin
American, apresentado na XI Conferência Mundial da Sociedade para o Desenvolvimento,
realizado em 1969, em Nova Delhi, na Índia – traça a anatomia da incomunicação, que
dialoga diretamente com a abordagem denúncia-reivindicação.
Assim como Wolton, Beltrán não nega a incomunicação. Pelo contrário, ele assume a
reivindicação e lista doze barreiras para comunicação acontecer (BELTRÁN, 2006, p.38): 1)
falta de consciência dos governantes do significado e das funções da comunicação na
modernização; 2) baixa prioridade para a comunicação nos planos de governo e,
conseqüentemente, dotação orçamentária inadequada; 3) desarticulação entre estratégias
gerais de desenvolvimento e estratégias específicas de comunicação para o desenvolvimento;
4) uma disponibilidade insuficiente dos meios de comunicação governamentais para
estabelecer e manter um sistema de comunicação de via dupla entre funcionários públicos e a
maioria da população, bem como entre os diferentes setores da população; 5) uma exagerada
preferência, por parte das agências governamentais, por um tipo de conteúdo – publicidade
institucional, propaganda política, por exemplo – bem como um tipo de canal, a palavra
impressa; 6) uma excessiva concentração declarada, por parte das agências governamentais,
em produção não-planejada de mensagens; 7) a preponderância de deficiência em infraestrutura física, como falta de estradas, falta de eletricidade e falta de equipamentos modernos
de comunicação, que fazem a existência de uma verdadeira rede de comunicação social
extremamente difícil; 8) um elevado índice de analfabetismo, junto com a pobreza da maioria
da população, impõe severas restrições ao uso da mídia impressa; 9) uma ausência de
motivação por parte das instituições dos meios de comunicação de massa – na maioria
propriedade privada – para realmente atingir as massas; eles continuam a se contentar em
atingir as elites e as classes médias altas das cidades; 10) um crescimento insuficiente de
associações nacionais e regionais de profissionais da comunicação; 11) uma falta de
efetividade e independência das agências nacionais de informação; 12) uma fraqueza das
empresas nacionais de publicidade que permite consórcios extra-regionais controlarem muitos
mercados publicitários internos de vários países.
O argumento de Beltrán concentra-se no papel do Estado na promoção da
comunicação, nas políticas nacionais de comunicação. Na verdade, o autor se preocupa que o
35
Estado promova a comunicação, porque a compreende como um instrumento para o
desenvolvimento nacional:
Na verdade, é possível inferir o nível de desenvolvimento geral de um país a
partir do nível de desenvolvimento da comunicação. É muito difícil ser um
país bem desenvolvido com comunicações pobres. A correlação se explica
facilmente. Desenvolvimento implica em interação, mobilização massiva,
participação universal nas tomadas de decisões de problemas de interesse
público e no processo de implantação dos objetivos nacionais. E interação,
mobilização e participação não podem ocorrer sem comunicação (BELTRÁN,
2006, p.36, tradução nossa).
Foram muitas as instituições acadêmicas e pesquisadores latino-americanos que
teorizaram as relações entre comunicação e desenvolvimento. Jan Servaes (2004), apesar de
não ter essa origem, sistematizou bem esse pensamento no artigo “Comunicación para el
desarrollo: tres paradigmas, dos modelos”. De acordo com o autor, existem pelo menos três
teorias
do
desenvolvimento
(modernização,
dependência
e
multiplicidade/outro
desenvolvimento) e dois enfoques teóricos sobre comunicação para o desenvolvimento
(difusionista e participativo).
O paradigma da modernização nasce no contexto pós Segunda Guerra Mundial, em
que os superpoderes da Guerra Fria – Estados Unidos e União Soviética – necessitavam
expandir seus interesses aos países em desenvolvimento. Predominante nos meios acadêmicos
até meados de 70, a idéia baseava-se na noção de evolução: unidirecional, acumulativo,
predeterminado, irreversível e progressivo (SERVAES, 2004, p.24). Portanto, seguindo
etapas parecidas com as dos países desenvolvidos, os países subdesenvolvidos atingiriam a
modernidade. Era preciso superar as barreiras das sociedades tradicionais, que precisavam
atualizar-se. Nessa concepção, desenvolvimento era endógeno e significava ocidentalização.
O enfoque da dependência tem sua origem nos debates da CEPAL – Comissão
Econômica para América Latina e Caribe. Apesar de possuir diversas variações, a idéia-base,
de acordo com T. dos Santos, é que a “dependência é uma situação condicionante na qual a
economia de um grupo de países está condicionada pelo desenvolvimento e expansão de
outros” (apud SERVAES, 2004, p.30). Assim, os principais obstáculos para o
desenvolvimento estariam no sistema internacional da divisão do trabalho. Não se tratava de
um problema interno aos países. O desenvolvimento do centro significava o perpétuo
subdesenvolvimento da periferia.
O paradigma da multiplicidade/ outro desenvolvimento surge da dificuldade crescente
de se definir quais são os países do primeiro, segundo e terceiro mundo ou quais são centro ou
36
periferia, dada a influência regional que alguns países exercem. Nesse conceito, não haveria
um padrão universal de desenvolvimento. Seria um processo integral, multidimensional e
dialético que resultaria em uma outra sociedade. Possuiria diversas características para além
da dimensão econômica: satisfação de necessidades básicas materiais ou não-materiais;
autoconfiança; endógeno; ecologia; democracia participativa e mudanças estruturais. O
desenvolvimento estaria voltado para a satisfação das necessidades dos homens e não para o
acúmulo de capitais.
A estas teorias do desenvolvimento corresponderiam dois modelos de comunicação:
difusionista/mecanicista e participativo/orgânico. No primeiro caso, a mensagem fluiria de um
emissor até um receptor, que informado, re-orientaria sua ação. Por mais que almeje a
mudança social, esse modelo é vertical, unidirecional e antidemocrático. Diferente do modelo
participativo/orgânico, em que se toma como ponto de partida a comunidade: “[…] se os
meios são suficientemente acessíveis, o público pode fazer conhecer suas necessidades de
informação” (SERVAES, 2004, p.23). Assim, o desenvolvimento se daria a partir das
necessidades da comunidade e não do que um grupo ou país desenvolvido julga moderno.
Beltrán, em 2005, realizou uma análise em perspectiva histórica da comunicação para
o desenvolvimento na América Latina. A primeira constatação é que a prática antecedeu a
teoria, na década de 1950. Cita como iniciativas precursoras as rádios-escolas da Colômbia, as
rádios mineradoras da Bolívia e os serviços públicos de informação em agricultura, saúde e
educação dos EUA. Reconhece que – apesar da teoria da dependência ter sido elaborada na
década de 1960 - o modelo de desenvolvimento baseado na idéia de modernização foi
implantado até a década de 1970, quando sucumbiu com a crise do petróleo. De acordo com o
autor, foi nesse período que os acadêmicos latino-americanos começaram a produzir uma
literatura de protesto e de proposta que suscitou debates naquele momento e posteriormente.
Nesse contexto, as primeiras noções da multiplicidade/ outro desenvolvimento foram
formuladas:
Em 1973 propus entender o desenvolvimento como ‘um processo dirigido de
profunda e acelerada mudança sóciopolítico que gerasse transformações
substanciais na economia, ecologia e cultura de um país a fim de favorecer o
avanço moral e material da maioria da população em condições de dignidade,
justiça e liberdade’ (BELTRÁN, 2005, p. 15, tradução nossa).
É no cenário da multiplicidade/ outro desenvolvimento que o fomento à comunicação
comunitária se torna indispensável. Em 1978, Beltrán criticou os modelos de comunicação
tradicionais como variações do modelo aristotélico de retórica, baseado em três elementos:
37
locutor, discurso e ouvinte. Baseado em teorias e autores norte-americanos, Beltrán (1981,
p.12-17) questiona a noção mecânica da comunicação e o papel passivo do receptor; atenta
para as interações sociais e diferencia informação de comunicação. Tomando como referência
a realidade latino-americana, a autor ainda critica a persuasão como motivação da
comunicação, associando-a a dominação cultural e perpetuação da condição de
subdesenvolvimento (BELTRÁN, 1981, p. 17-28). A partir dos trabalhos de autores latinoamericanos, em especial Paulo Freire, Beltrán (1981, p.31) desenvolve a proposição de um
modelo de comunicação horizontal:
Comunicação é um processo de interação social democrática baseado no
intercâmbio de símbolos pelos quais os seres humanos compartilham
voluntariamente suas experiências sob condições de acesso livre e igualitário,
diálogo e participação. Todos têm direito à comunicação para satisfazer suas
necessidades de comunicação por meio da utilização dos recursos da
comunicação.
Essa seria a comunicação capaz de romper com a manutenção das oligarquias,
submissão, passividade e alienação dos povos oprimidos. Uma forma de “democratizar a
comunicação tanto no conceito quanto na prática”(BELTRÁN, 1981, p.28). E, apoiando-se
nessa definição e nas primeiras noções de multiplicidade/ outro desenvolvimento, Beltrán
propõe esta conceitualização específica:
A comunicação alternativa para o desenvolvimento democrático é a expansão
e o equilíbrio do acesso do povo ao processo de comunicação e na
participação no mesmo empregando os meios - massivos, interpessoais ou
mistos – para assegurar, além do avanço tecnológico e bem estar material, a
justiça social, a liberdade para todos e o governo da maioria (BELTRÁN,
2005, p.21, tradução nossa).
Foi esta produção acadêmica que embasou os debates da Primeira Conferência
Intergovernamental sobre Políticas Nacionais de Comunicação na América Latina12 e da Nova
Ordem Internacional da Información – NOMIC, culminando no relatório “Um mundo, muitas
vozes” da comissão MacBride.
Na década de 1980, com a crise econômica que afetou drasticamente a América
Latina, o debate sobre desenvolvimento passa por uma “década perdida” (BELTRÁN, 2005,
p. 23). Por outro lado, os movimentos pela democratização da comunicação tomam corpo e
fôlego, inspirados pelos processos de redemocratização política. No Brasil, nascem os
12
Em São José da Costa Rica, 1976.
38
primeiros embriões do que viria a ser o Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação13.
Na década de 1990, a produção intelectual de Martín–Barbero “sustentou que a
comunicação é mais um fenômeno de mediação do que dos meios e que, portanto, era
necessário vê-la também do ângulo da recepção […]”(BELTRÁN, 2005, p. 26). Martín–
Barbero atentou que o popular não se referia apenas às culturas indígenas ou camponesas, mas
se tratava das tramas das mestiçagens e das deformações do urbano, do massivo. A
multiplicidade e a diversidade ganham espaço acadêmico, passam a ser peças-chave do
desenvolvimento e da democracia14.
O fortalecimento da comunicação horizontal e da multiplicidade de maneira alguma
significa que as mídias de massas não têm um papel a desempenhar no desenvolvimento e na
consolidação da democracia. Um processo midiático não substituiu o outro. Pelo contrário,
eles podem ser uma alternativa coexistente:
Como entende Buber, o diálogo nem sempre é possível e, poder-se-ia
acrescentar, o monólogo nem sempre é evitável, sendo até mesmo necessário,
algumas vezes, dependendo de diversos propósitos e circunstâncias. Esse dois
elementos, segundo Johannesen, poderiam ser vistos como os dois extremos
de uma linha contínua. Idealmente todas as comunicações deveriam ser
horizontais. Na prática esse ideal nem sempre é possível e talvez nem sempre
seja desejável. Assim, quando a comunicação vertical tiver que permanecer
ainda em cena, não deveria de forma alguma ser exercida de maneira
manipuladora, enganadora, exploradora e coercitiva (BELTRÁN, 1981, p.34).
No Brasil, depois do processo de redemocratização e propulsionados pelas conquistas
de direitos contempladas na Constituição de 1988, os movimentos pela democratização da
comunicação e as organizações populares conquistaram alguns avanços importantes na
direção do ideal da comunicação horizontal, como a garantia de disponibilidade de um canal
comunitário pelas operadoras de TV a cabo. O Conselho de Comunicação Social foi criado e
chegou a ser instalado, apesar de ainda estar se configurando e consolidando.
Contudo, se por um lado houve avanços, por outro lado a democratização da
comunicação no Brasil está longe de ser uma tarefa cumprida. Poucas empresas detêm muitos
e diferentes meios de comunicação que atingem a maior parte do território nacional. As
propriedades dessas empresas estão muitas vezes diretamente ou indiretamente ligadas a
13
Em 1980, durante o 18º Congresso de Jornalistas Profissionais, é criada a Comissão Permanente para o Estudo
da Nova Ordem Informativa Internacional, sob a liderança da Federação Nacional dos Jornalistas ProfissionaisFENAJ. Em 4 de julho de 1984, a FENAJ reorganiza esse movimento com a criação da Frente Nacional por
Políticas Democráticas de Comunicação, embrião do que viria a ser o Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação – FNDC.
14
Tal como Wolton expôs e foi discutido no item anterior.
39
políticos profissionais. Os conteúdos ainda reforçam os valores e poderes oligárquicos.
Portanto, o fomento à comunicação comunitária urge e o Estado tem papel fundamental a
desempenhar nessa tarefa.
3. Mas qual comunicação comunitária? O que é comunicação comunitária?
Comunicação comunitária, alternativa, popular, radical, para mudança social, contracomunicação, participativa, dialógica, horizontal são expressões muitas vezes usadas para
descrever uma mesma experiência ou processos comunicacionais bem distintos. Qualificar a
comunicação como comunitária é sempre um desafio, dada a complexidade e multiplicidade
do conceito de comunidade. Inclusive, muitas vezes, no âmbito da comunicação, as noções de
alternativo e popular se confundem com o conceito de comunidade – de fato e de propósito. É
muito comum quando se descreve práticas de comunicação comunitária questionarem se trata
de uma experiência realmente verdadeira, partindo de uma visão ideal ou purista da noção de
comunidade.
Nessa dissertação, não se parte de uma noção restrita de comunicação comunitária,
mas dialoga-se com as noções adotadas pelas prefeituras de Fortaleza (CE), João Pessoa (PB),
Macapá (AP), Porto Alegre (RS) e Recife (PE)15. Portanto, nesse trabalho não será listada
uma série de características indicativas do que seria uma comunicação comunitária
“verdadeira”16. Entretanto, faz-se necessário buscar referências mais amplas para estabelecer
esse diálogo.
Na literatura internacional, o Consórcio Comunicação para a Mudança Social
organizou uma antologia mundial com textos de autores de diversos países que trabalham com
essa temática. Os editores Alfonso Gumucio-Dagron e Thomas Tufte afirmam que
procuraram manter na publicação os valores-chave da comunicação para a mudança social:
valorização de todas as vozes, dando espaço para as pessoas contarem suas próprias histórias,
da sua própria maneira (Gumucio; Tufte, 2006, p.14). Como proponentes, eles optam por uma
abordagem da comunicação a partir da multiplicidade/ outro desenvolvimento:
[...] Geralmente, processos comunicacionais que permitem que as pessoas
definam elas mesmas quem são, o que querem e precisam e como trabalharão
15
O que se define e se restringe nessa pesquisa é a noção de políticas de fomento à comunicação comunitária, tal
como exposto na formulação do problema central desse trabalho, na Introdução.
16
Tal como já foi exposto nesse trabalho, toma-se como referência as definições de comunicação propostas por
Wolton e Beltrán, compreendendo-se que a dimensão normativa da comunicação tem correspondência direta
com a noção de comunicação horizontal.
40
juntas para melhorar suas vidas são a maneira mais apropriadas de enfrentar
assuntos sociais complexos.
Diálogo é o coração da comunicação para a mudança social. Ele permite que
pessoas com diversas experiências dividam idéias, informem outros, persuadam
alguns – mas antes de tudo e o mais importante, ouçam (Gumucio;Tufte, 2006,
p.14, tradução nossa).
Dessa forma, “a comunicação para mudança social é um jeito de pensar e uma prática
que põe o povo no controle dos meios e do conteúdo do processo comunicacional”
(Gumucio;Tufte, 2006, p.19, tradução nossa). Assim são sintetizadas as diretrizes da
comunicação para a mudança social:
- A mudança social pode ser sustentada se indivíduos e comunidades
influenciarem os próprios meios, os conteúdos e os métodos da comunicação.
- A comunicação para a mudança social é horizontal e reforça laços
comunitários pela amplificação das vozes dos povos que são mais pobres.
- Os povos dentro das comunidades pobres devem ser os protagonistas para sua
própria mudança e gerenciar suas próprias ferramentas de comunicação.
- Menos que se focar na persuasão e disseminação de informação, a
comunicação para a mudança social promove o diálogo entre vozes iguais, e o
debate e a negociação dentro das comunidades.
- Os resultados da comunicação para a mudança social vão além do
comportamento individual e consideram a influência de normas sociais, de
valores, de políticas atuais, de cultura e do contexto total do desenvolvimento.
- A comunicação para a mudança social esforça-se para reforçar a identidade
cultural, a confiança, o compromisso, a voz, a posse, o engajamento
comunitário e o empoderamento.
- A comunicação para a mudança social rejeita o modelo linear da transmissão
de informação de um remetente central a um receptor individual, e confia, por
outro lado, em um processo cíclico de interações focadas no compartilhamento
de conhecimento e na ação coletiva (Gumucio;Tufte, 2006, p.20, tradução
nossa).
Ainda segundo Gumucio e Tufte (2006), as características essenciais da comunicação
para a mudança social incluem também participação e posse comunitária; língua e relevância
cultural; criação de conteúdo local; uso de tecnologia apropriada e rede e convergência.
No Brasil, Cicilia Maria Krohling Peruzzo (2006, p.2)17, aponta como elemento
comum da comunicação popular, alternativa e comunitária que “o sentido político é o mesmo,
ou seja, o fato de tratar-se de uma forma de expressão de segmentos excluídos da população,
mas em processo de mobilização visando atingir seus interesses e suprir necessidades de
17
Existem diversos outros autores que trabalham com a temática (como Regina Festa, Denise Cogo, Bruno
Fuser, Beatriz Dornelles etc.), mas o trabalho apresentado ao Núcleo de Pesquisa “Comunicação para Cidadania”
do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em 2006, por Cicilia Peruzzo faz uma síntese
atualizada dos principais conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária. Por esse motivo, foi
elegido como referência para essa dissertação.
41
sobrevivência e de participação política”18. A autora diz que a comunicação comunitária
incorporou conceitos e reproduziu práticas tipicamente da comunicação popular em sua fase
original. Sintetizando alguns pensadores latino-americanos, como Fernando Reyes Matta,
Mário Kaplún, Regina Festa e Gilberto Gimenez, Peruzzo (2006, p.4) afirma:
Em síntese, a comunicação popular e alternativa se caracteriza como
expressão das lutas populares por melhores condições de vida que ocorrem a
partir dos movimentos populares e representam um espaço para participação
democrática do “povo”. Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindicativo
e tem o “povo” como protagonista principal, o que a torna um processo
democrático e educativo. É um instrumento político das classes subalternas
para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na
construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa.
A pensadora chama a atenção que desde 1970, 1980, houve mudanças nos cenários e
nas práticas da comunicação popular e alternativa. “De uma comunicação dirigida a pequenos
grupos e centrada nos aspectos combativos dos movimentos populares, passou-se – aos
poucos – a ampliar seu alcance por meio da incorporação de meios massivos, principalmente
de radiodifusão, e, portanto, de novos conteúdos e linguagens” (PERUZZO, 2006, p. 4). Além
disso, os discursos foram se adaptando a nova ordem democrática, incorporando o lúdico, a
cultura e o divertimento para além do caráter combativo, extrapolando os limites dos
movimentos sociais.
Essa complexidade gerou conceitos que permitem tomar as expressões
comunicação popular, alternativa e comunicação comunitária como
sinônimos, mesmo reconhecendo características próprias em cada um dos
processos. Em decorrência das dificuldades para se fazer demarcações
precisas consistentes entre ambos os processos, é aconselhável captar as
experiências e teorizar sobre elas a partir de casos concretos (PERUZZO,
2006, p.7).
A comunicação alternativa é caracterizada por apresentar uma opção de fonte de
informação, tanto pelo conteúdo que oferece quanto pelo tipo de abordagem que utiliza. No
Brasil, denominou as experiências de contra-informação na época da ditadura militar, mas
está presente na comunicação dos movimentos populares. Já a comunicação comunitária é
aquela que
[...] se caracteriza por processos de comunicação baseados em princípios
públicos, tais como não ter fins lucrativos, propiciar a participação ativa da
população, ter propriedade coletiva e difundir conteúdos com a finalidade de
18
Esse elemento em comum já aponta o “para quem” da comunicação comunitária.
42
desenvolver a educação, a cultura e ampliar a cidadania. Engloba os meios
tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle dos
movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos. Em última instância,
realiza-se o direito à comunicação na perspectiva do acesso aos canais para se
comunicar. Trata-se não apenas do direito do cidadão à informação, enquanto
receptor – tão presente quando se fala em grande mídia –, mas do direito ao
acesso aos meios de comunicação na condição de emissor e difusor de
conteúdos. E a participação ativa do cidadão, como protagonista da gestão e
da emissão de conteúdos, propicia a constituição de processos
educomunicativos, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento do
exercício da cidadania (PERUZZO, 2006, p.9-10).
Peruzzo (2006, p.13) afirma que apesar das mudanças, muitos princípios em relação à
noção de comunidade permanecem válidos como relacionamento baseado na coesão,
convergência de objetivos e de visão de mundo, interação, sentimento de pertença,
participação ativa, compartilhamento de identidades culturais, co-responsabilidade e caráter
cooperativo.
Dos conceitos à prática, relatos de experiências têm registrado empiricamente os
desafios e impactos do fomento à comunicação comunitária. Amarildo Carnicel, em trabalho
publicado no livro Comunicação Alternativa – Cenários e Perspectivas (2005), relata três
experiências de educação não-formal em jornalismo comunitário organizadas pelo Centro de
Memória – Unicamp. As oficinas aconteceram na primeira metade da década de 2000, em
bairros periféricos de Campinas-SP.
Os conteúdos das oficinas tratavam19: da importância do jornal como agente
transformador da sociedade; da função do jornal como órgão de prestação de serviço; dos
conceitos e importância do jornalismo comunitário; da leitura crítica da mídia; de conceitos
relacionados à atividade jornalística como notícia, reportagem, entrevista ou lide, título,
legenda e reunião de pauta e funções de repórter e editor. Cumprida esta etapa, era proposta a
produção de material noticioso diferente das notícias publicadas nos jornais da cidade sobre o
bairro. Os adolescentes se dividiam em grupos de reportagem, redação, registro fotográfico e
ilustração (CARNICEL, 2005, p.56- 57).
Entre as dificuldades citadas, o autor destaca “a busca de um mecanismo de produção
e diálogo que minimize aquele que se constitui o maior entrave para uma produção desta
natureza, ou seja, o nível sócio-cultural em que estão inseridos os adolescentes protagonistas
dessa ação” (CARNICEL, 2005, p. 45).
19
Certamente, muitos outros conteúdos e metodologias poderiam ter sido empregados, mas aqui não será feita
uma dicussão do que “deveria ser feito”, mas do que foi efetivamente realizado.
43
O uso de novas tecnologias está presente nessas experiências, embora não chegaram a
constituir uma apropriação tecnológica. O uso de computadores pelos adolescentes era feito
para digitação e envio de e-mails. A edição, diagramação e o tratamento de imagens foram
delegados a “editores”. A impressão também foi realizada em gráficas, sem a participação dos
jovens no processo.
A experiência do mural Jornal Costa e Silva refletiu o sentimento de pertença dos
jovens ao bairro que residem, na escolha do nome do veículo e na escolha das pautas. Nesse
caso, ficaram muito evidentes as demandas informativas dos adolescentes daquele bairro:
campanhas de saúde, grupos musicais, atividades físicas, programação da igreja, o trabalho
dos narcóticos anônimos etc., além das pautas de serviço e com personagens locais. As
dificuldades iniciais para conseguir pessoas para serem entrevistadas foram superadas. A
entrevista passou de um instrumento jornalístico a uma ferramenta de diálogo.
Na confecção do fanzine Conexão Jovem, adolescentes mais inibidos não tomaram a
iniciativa de produção ou sugestão de pautas, mas atendiam pedidos e encontraram meios de
expressão através de trabalhos mais introspectivos como poesias e ilustrações. De acordo com
o autor, eles melhoraram a auto-estima ao ver os trabalhos publicados, o reconhecimento e a
valorização da comunidade. Aqui, as pautas também refletiram as demandas informativas do
grupo como violência, afetividade, drogas, serviço de atendimento médico e espaço para
participação.
A iniciativa no complexo São Marcos esbarrou na dificuldade de escrita e das
deficiências do sistema educacional brasileiro: “Embora com idades avançadas e com grau de
escolaridade que atingia a sétima série do ensino fundamental, muitos destes adolescentes não
iam além da escritura do próprio nome”(CARNICEL, 2005, p.61). Como se tratava de uma
oficina de jornalismo impresso, os jovens não se sentiram motivados a produzir e buscar
informações.
Essas experiências refletem a complexidade dos conceitos de comunicação
comunitária, alternativa e popular. Se não havia um texto explicitamente reivindicatório, a
demanda por políticas fica evidente nas proposições de pautas e no processo das
oficinas20.Certamente, esses veículos se configuraram como uma fonte alternativa de
informação ao abordarem assuntos diferentes das violências publicadas pelos jornais da
cidade. Também construíram uma linguagem própria, com as ilustrações, poesias e opiniões.
E, enfim, contribuíram para um processo de educação não-formal, de reflexão sobre a
20
Inclusive, a oficina que não aconteceu é dado de uma demanda de política pública na área da educação.
44
realidade local e o fortalecimento da cidadania. Conseqüências que, se ganham escala, podem
ser capazes de impulsionar o outro desenvolvimento, consolidar a democracia brasileira e
provocar uma transformação social para melhora da qualidade de vida.
4. Considerações finais do capítulo: os perigos da exclusão comunicacional
Apesar dos grandes volumes de informações que circulam pelas redes, a
incomunicação se faz presente e o direito à comunicação está longe de se realizar plenamente.
No senso comum, o ato comunicacional é tido como uma ação natural, como se não exigisse
preparação ou acesso aos meios de comunicação de massa. Conseqüentemente, isso favorece
o monopólio dos canais de expressão - tão questionado pelos movimentos de democratização
da comunicação.
Tal concepção de comunicação pode se tornar um risco social, que não tem origem em
situações biológicas, psicológicas ou físicas - como no caso da saúde. A incomunicação como
denúncia-reinvindicação ainda se faz legítima na atualidade. Com base em Paulo Freire,
Marques de Melo (1998, 266) afirma:
Comunicação e liberdade são fenômenos coincidentes. Não dicotomizados. A
comunicação só se faz autenticamente com liberdade. Por sua vez, a liberdade
só se conquista pela comunicação.
Muitas vezes, ‘tocados pelo medo da liberdade’, os homens evitam a
comunicação. Preferem o gregarismo à convivência autêntica. Preferem a
adaptação à comunhão criadora.
O que é isso, senão a síndrome da opressão? É uma situação concreta de
homens injustiçados, roubados, principalmente na sua palavra. O oprimido é
que não se comunica. É alguém que recebe comunicados. A opressão maior é
talvez o seu silêncio, pois quando fala é para reproduzir a fala do opressor.
Esse risco social implica em um perigo iminente. Na falta de ação, as crianças e
adolescentes oprimidas hoje continuarão a ser os oprimidos adultos de amanhã. Portanto, toda
reflexão sobre o fomento à comunicação comunitária para democracia e desenvolvimento só
encontra sentido na perspectiva da transformação social – tratada no capítulo a seguir.
45
CAPÍTULO II – PESQUISAS BRASILEIRAS SOBRE
POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMUNICAÇÃO
A transformação social sempre foi tema recorrente nas reflexões do campo das
ciências sociais - em especial, dos intelectuais vinculados ao marxismo1. No campo da
Ciências da Comunicação na América Latina, a temática da mudança social esteve presente
seja como protagonista ou pano de fundo das pesquisas2.
Tomando como base a classificação proposta por José Marques de Melo, de forma
simplificada, é possível afirmar (MARQUES DE MELO; GOBBI, 2004): o grupo dos
pioneiros, nos anos de 1950-60, está imerso no contexto das reflexões sobre desenvolvimento,
apesar da abordagem difusionista do paradigma da modernização; o grupo dos inovadores, na
década de 1970, inspirado na corrente crítica da Escola de Frankfurt, faz a “pesquisadenúncia”, revelando o “imperialismo norte-americano”; nos anos de 1980, os renovadores
fazem uso da pesquisa-ação em busca de formas alternativas e populares de comunicação; e,
nos anos de 1990, o pragmatismo utópico privilegia o comprometimento social como
diferencial da pesquisa acadêmica. Todas as gerações, de certa forma, estiveram permeadas
pela idéia de transformação social3:
Nosso pressuposto é, portanto, o de que a pesquisa latino-americana sobre
comunicação massiva tem privilegiado historicamente a dimensão política.
Ela deixa de ser variável cíclica para figurar como ingrediente estrutural dos
nossos processos comunicacionais.
Essa tendência manteve-se constante durante toda a segunda metade do século
XX, atingindo o seu clímax nos anos 70, quando ocorreu o fenômeno de
‘polítização’ da própria pesquisa comunicacional (MARQUES DE MELO,
1998:95). Tal distorção suscitaria questionamento no interior da comunidade
acadêmica. Tanto assim que, nas duas últimas décadas, emergiram outras
vertentes – cultura, tecnologia, psiquismo -, que rivalizariam com a faceta
política, embora sem abalar seu ímpeto.
Neutralizada a distorção militantista daqueles pesquisadores que migrariam
para os movimentos políticos tão logo foram abertos os canais de participação
dos intelectuais nas estruturas do poder, os estudos comunicacionais
readquiriram legitimidade acadêmica, não obstante tenham conservado a
política como dimensão privilegiada (MARQUES DE MELO, 2003, p.94-95).
1
É possível citar inúmeros exemplos para além do próprio Karl Marx: Antonio Gramsci, Florestan Fernandes,
Rosa Luxemburgo, Georg Lukács, Louis Althusser etc.
2
No campo da comunicação, no Brasil, transformação social significa – entre outras possibilidades - a denúncia
do colonialismo cultural, recusa do difusionismo, a busca de alternativas para o desenvolvimento, a
democratização da comunicação e a comunicação para a cidadania.
3
Não que outros interesses não se fizeram presentes e não tenham sido determinantes na pesquisa e ensino no
campo da comunicação na América Latina. Cito, como exemplo, a reforma curricular brasileira, na década de
1980, que fez a transição de formação do comunicador polivalente para o especializado a fim de atender às
necessidades da indústria cultural no Brasil (MARQUES DE MELO, 2003, p.57-58).
46
Se para alguns intelectuais a opção política do pesquisador deve ser neutralizada a fim
de não enviesar os resultados das pesquisas, para outros ela deve ser assumida, uma vez que a
objetividade científica não seria um dado real, mas uma realidade virtual. É o caso de
Marialva Barbosa (2004, p.36):
[...] Nesse sentido é urgente pensar a produção que se constrói em
comunicação também como possibilidade de transformação social. Repetindo
a clássica frase de Marx a Feuerbach podemos dizer: não se trata de apenas
interpretar o mundo, mas de transformar o agir humano e seus
comportamentos sociais.
As pesquisas deveriam estar vinculadas a esse esforço, tendo, pois, um
desafio teórico e outro de natureza prática: a máxima adequação possível ao
objeto estudado e a possibilidade de transformar a sociedade.
Contudo, quando se fala em transformação social as questões referentes às estratégias
são inúmeras4. No campo da comunicação, e especificamente na área de políticas públicas de
comunicação, as pesquisas até então desenvolvidas freqüentemente tiveram como mote o
desvelar das grandes estruturas – seja sob a influência da escola crítica ou da economia
política da comunicação. Questões referentes aos fluxos internacionais de informação; planos
nacionais de comunicação; marcos regulatórios; políticas de concessões outorgas e
permissões; concentração e propriedade cruzada de mídias; participação de capital estrangeiro
nas empresas jornalísticas e de radiodifusão; políticas de conteúdo (diversidade e classificação
4
Conseqüentemente, há um acúmulo intelectual significativo sobre estratégias de transformação social,
frenqüentemente abordado pela oposição (não necessária) entre reforma e revolução :
“Que os dois comportamentos designados respectivamente pelos termos reforma e revolução sejam comumente
considerados incompatíveis e conseqüentemente as duas estratégias correspondentes sejam definidas como
alternativas, não se deve induzir à conclusão de que na verdade as coisas não se tenham dado de alguma vez de
outro modo. Na polêmica política, caracterizada como se sabe por uma certa viscosidade das palavras, as duas
posições foram às vezes consideradas complementares e, portanto, perfeitamente compatíveis. Por parte dos
reformistas, com o argumento de que a transformação revolucionária da sociedade é o produto final de uma série
ininterrupta de reformas graduais e com base no princípio de que a mudança quantitativa consiste afinal em um
salto de qualidade, desde que se trate de reformas que incidam sobre a modificação das relações de poder, não só
do poder político, mas também do poder econômico (as chamadas ‘reformas estruturais’, se quisermos dar a esta
expressão da linguagem política corrente um significado definido). Por parte dos revolucionários, com o
argumento de que as reformas são atos preparatórios e como tal necessários para a transformação revolucionária
da sociedade, mesmo que ao final a passagem de uma forma de produção para outra, do domínio de uma classe
para o domínio da classe que a ela se contrapõe, não possa acontecer senão através de medidas de caráter
excepcional que não podem ser incluídas nos procedimentos invocados e seguidos pelos reformistas. Com base
nesses argumentos, repetiu-se com freqúência de ambas as partes que a alternativa reformas ou revolução é uma
falsa alternativa” (BOBBIO, 2000, p.581).
Bobbio afirma que uma das características dos reformistas é a fidelidade ao método democrático, em relação
tanto à conquista quanto ao exercício do poder – em contraposição à ditadura do proletariado, enunciada pelos
revolucionários. Em relação ao procedimento para se obter o resultado desejado, o reformista é um legalista,
“porque considera que as mudanças devem ser introduzidas por respeito às regras do jogo, que são afinal as
regras fundamentais ou constitucionais [...](BOBBIO, 2000, p.591)”. Contudo, as duas estratégias partem de
uma concepção progressiva da história, diferente das concepções estáticas dos povos do Oriente e regressivas de
Platão (BOBBIO, 2000, p.590).
47
indicativa) e gastos públicos com publicidade são constantes temas de debates intelectuais e
pesquisas. Todavia, de acordo com Paulo de Tarso Riccordi (2007, informação verbal)5:
Você precisa operar na superestrutura da posse dos meios de comunicação do
país, sem nenhuma dúvida. Mas, você não pode deixar de operar na
democratização da comunicação, na base da sociedade. Só que a isto eu
acrescentei há muito tempo atrás essa terceira coisa: os processos
comunicacionais pedagógicos – porque se os processos comunicacionais não
forem emancipatórios, sequer isso adianta. Você pode ter um mar de redes
comunitárias, um mar de jornais de bairro e eles continuarem a reproduzir o
modelo comunicacional hegemônico.
Pequenas experiências revolucionárias/transformadoras muitas vezes são julgadas
como marginais, periféricas, experimentais e conjunturais. Portanto, como seriam ineficazes
para “alterarem cenários” ou “atacar as grandes estruturas”, seriam “retardadoras da
revolução”. Também por esses motivos, muitas vezes, não são tomadas como objeto de
estudo.
Entretanto, no Brasil, nos últimos anos, vem crescendo o número de iniciativas
transformadoras/emancipatórias nas mais diversas áreas, como a economia solidária,
educação popular, inclusão digital, segurança comunitária, promoção de igualdade racial,
software livre, pontos de cultura e, ousa-se citar também, a comunicação comunitária. Muitas,
inclusive, estão sendo adotadas como políticas de governo e políticas públicas. Essas ações
isoladamente, de fato, parecem ter pouco potencial de transformação social. Entretanto,
pensá-las em conjunto e na forma de rede – tal como vem acontecendo – parece aumentar as
sinergias e possibilidades reais de transformação e melhora da qualidade de vida6.
O estudo das políticas municipais de fomento à comunicação comunitária pretende
somar-se a essa rede de transformação social que está se formando. Portanto, não se vincula à
noção muitas vezes modernizadoras/ difusionistas das inovações, das “best practices”, mas
sim à de transformação social.
5
Entrevista concedida à autora, dia 24 de outubro de 2007.
Por exemplo, a I Conferência Nacional de Economia Solidária se posicionou sobre a temática de “comunicação
e divulgação” nesses termos, conforme os Anais do evento, p.17: “ A democratização da comunicação, com o
fortalecimento das redes alternativas de comunicação popular (jornais, rádios, TV’s comunitárias etc.), também é
uma prioridade da economia solidária [...]. As políticas públicas da economia solidária devem privilegiar os
meios populares de comunicação e exigir dos grandes meios de comunicação a contrapartida a que são
obrigados, como concessões públicas que são. Para fortalecer a Rede de Comunicação da Economia Solidária,
um percentual da verba publicitária do governo federal deve ser destinada aos meios de comunicação
comunitários, através dos mecanismos de apoio cultural; com a mesma finalidade, deve-se implantar uma
política de concessões de rádios comunitárias pelos governos municipais, sob o controle dos movimentos
populares”.
6
48
1. Aspectos das pesquisas brasileiras sobre políticas de comunicação
Além da transformação social, o tema das políticas públicas enseja o debate
acadêmico sobre diversos temas e assuntos correlatos ao campo da comunicação, como
esfera/espaço público, cidadania, Estado, governo, serviço público, ciência política
administração pública etc7. Essas relações temáticas são trabalhadas por diversos
pesquisadores das políticas de comunicação. Todavia, Signates (2003, p.7), avalia que no
Brasil, ainda não se amadureceu o tema tanto na prática como teoricamente:
[...] os conflitos vinculados às estruturas sistêmicas de poder simbólico, em
especial à mídia, têm extraordinária dificuldade de serem reconhecidos como
espaços onde devem caber igualmente políticas públicas, socialmente
orientadas. No Brasil, esse problema se manifesta em todos os âmbitos, desde
as formulações teóricas acerca da questão da comunicação estatal
(normalmente teorizada no campo da discussão profissional das “relações
públicas”), até o da aplicação política e da estruturação normativa e
burocrática das funções das secretarias de comunicação nas esferas e níveis de
governo. Quase que invariavelmente, a comunicação é sempre vista e aplicada
a partir de um prisma instrumental funcionalista, mesmo quando não eivada
de vícios de corrupção e clientelismo, que marcam, por exemplo, desde as
diferentes formas de concessão de canais de rádio e televisão no país, até as
políticas de ocupação de espaços comerciais e jornalísticos na mídia
instituída.
Diz que são poucos os pesquisadores e teóricos no Brasil que “tematizaram a ação de
comunicação dos governos como campo de possibilidades de políticas públicas, para além da
mera propaganda governamental ou da prática do clientelismo nas relações com a mídia”
(SIGNATES, 2003, p.7).
Cicilia Peruzzo (2008, p.1-2) atenta para o fato de que, na prática, a comunicação
comunitária teve, historicamente, uma posição desvantajosa no debate das políticas de
comunicação no Brasil:
Historicamente a discussão sobre as políticas nacionais e regionais de
comunicação no Brasil enfatiza o universo da grande mídia, ou dos meios de
comunicação de massa, especialmente o setor audiovisual. [...]
A comunicação popular, alternativa e comunitária não ocupou espaço
expressivo nesse debate. Ela traçou caminho paralelo, provavelmente porque
7
No caso dessa dissertação, não há pretensão em aprofundar os aspectos conceituais ou fazer revisões
bibliográficas extensivas sobre os referidos temas, mas abordá-los na medida necessária para a reflexão sobre
políticas públicas de comunicação.
49
seu patamar de atuação, pelo menos num primeiro momento, não alcançava os
sistemas de transmissão massivos então preponderantes. Seu forte era a
comunicação grupal, o jornalzinho, o panfleto, o cartaz, o megafone, o altofalante de baixo alcance e, posteriormente, o vídeo cassete. Em segundo lugar,
porque costuma ser vista como algo menor e sem importância no contexto das
Comunicações. Sem falar que, não dependia de regulamentação já que o seu
caráter alternativo estava justamente em criar meios próprios e independentes
de expressão. Como os estudos das políticas nacionais de comunicação
privilegiam questões de regulamentação e regulação das comunicações, bem
como as relações de poder e a estrutura do mercado, eis outro motivo para o
menosprezo à comunicação comunitária. Esse quadro só começou a mudar
com o avanço da comunicação comunitária, expresso na conquista de leis para
as rádios comunitárias (1998) e os canais de uso gratuito na televisão a cabo
(1995), entre eles, o comunitário. Não se pode dizer que não houve abertura
para a inclusão dessa modalidade de comunicação, mas que essa passagem
sempre foi tímida e restrita a aqueles indivíduos que têm alguma passagem
relevante no setor [...].
É possível concluir, portanto, que a comunicação comunitária de fato nunca foi
fomentada pelo Estado brasileiro como uma política pública.
1.1 Políticas de comunicação e o direito à comunicação
Edgard Rebouças (2003, p.2) avalia que, com relação à fundamentação teórica, os
conceitos relativos às políticas de comunicação estão cercados de um lado pelas políticas
culturais e de outro pelas políticas industriais:
[...] A influência das políticas culturais no âmbito das políticas de
comunicações ocorre sobre as questões relativas ao conteúdo, como podemos
acompanhar nas discussões a respeito da qualidade da programação das
emissoras de TV, da quantidade de horas destinadas nas rádios para a música
nacional etc. Quanto às políticas industriais, o poder de pressão é bem maior,
já que envolve também uma estrutura industrial forte e apoiada por boa parte
das políticas públicas - exemplos são a infra-estrutura de telecomunicações, os
subsídios às fábricas de equipamentos, os empréstimos a fundo perdido etc. A
primeira está ligada às estratégias de atuação, regulamentação e a regulação
do conteúdo, enquanto a segunda age sobre a tecnologia. Não pode ser
esquecido ainda o contexto da produção e da distribuição de bens simbólicos
e de capital. Essa vertente se aproxima dos estudos ligados à economia
política da comunicação - segundo a tradição de anglo-canadenses,
americanos, ingleses e australianos -, ou das indústrias culturais – conceito
mais usado por franceses, franco-canadenses e espanhóis.
50
Ainda, uma nova perspectiva possível de ser pensada é: quando se interpreta a
comunicação como um direito humano8, a reflexão sobre as políticas de comunicação começa
a perpassar pela lógica das políticas sociais e de proteção e promoção dos direitos humanos,
na medida em que o Estado pode ser fomentador da comunicação, assim como é feito nas
áreas de educação ou promoção de igualdade racial, por exemplo.
É oportuno que num momento como o atual, de convergência e crescente demanda
pela universalização da internet, e quando aumenta a consciência sobre o acesso aos
canais de comunicação como direito humano de qualquer cidadão, não se dissocie
das políticas nacionais e regionais de comunicação aquelas facetas diretamente
relacionadas à comunicação popular e comunitária. Se o menosprezo estiver
relacionado ao baixo alcance e amplitude deste tipo de comunicação em relação ao
número de pessoas atingidas, convém lembrar que o ‘pouco’, ou aparente
insignificante, se torna muito e importante quando disseminado nos mais diferentes
espaços urbanos e rincões. Essa modalidade comunicativa remete diretamente a
segmentos específicos da população, trata dos assuntos que afetam a vida no
cotidiano e é um poderoso instrumento de educomunicação popular. Ajuda a
desenvolver a consciência crítica, o intelecto, a auto-estima e a melhorar as
condições de existência. Suas práticas fincam os alicerces para uma política de
comunicação comunitária que não dependeu de estatutos jurídicos para se
concretizar (PERUZZO, 2008, p.11).
No Brasil, apenas dois ordenamentos jurídicos tratam da comunicação comunitária: a Lei
8.977/95 sobre o serviço de TV a Cabo e a Lei 9.612/98 sobre o serviço de radiodifusão
comunitária. No primeiro caso, trata-se de uma conquista dos movimentos de democratização de
comunicação: a operadora de TV a Cabo deve tornar disponível, em sua área de prestação de
serviço, um canal comunitário “aberto para utilização livre por entidades não governamentais e sem
fins lucrativos”, de acordo com o artigo 23, alínea g, da referida Lei. Porém, tal conquista é limitada
quantitativamente por se tratar de apenas um canal comunitário. No segundo caso, a Lei é de
restrição e não de fomento:
Sancionada em fevereiro de 1998 e regulamentada pelo Decreto 2.615, de julho do
mesmo ano, a lei é criticada pelo movimento e os estudiosos das políticas de
comunicação. A Abraço [2005, p.6-7] destaca os seguintes aspectos que a tornam
restritivas às rádios comunitárias:
8
“O acesso à informação e aos canais de expressão é um direito de cidadania. Faz parte dos direitos da pessoa.
Um direito de primeira geração, ou seja, se circunscreve à dimensão civil da cidadania que assegura, entre outros
direitos, o de liberdade de opinião e de expressão de idéias, convicções, crenças etc. Um direito de segunda
geração, ao prever o acesso a bens. Mas, é também um direito de terceira geração, ao deslocar-se da noção de
direito do indivíduo para direito coletivo; direitos de grupos humanos, dos movimentos coletivos, e em suas
diferenças”(PERUZZO, 2007, p.16).
Ainda, o artigo Direito à comunicação e acesso à mídia, escrito por Valério Cruz Brittos e Marcelo Schmitz
Collar, publicado no Observatório da Imprensa em 14/11/2006, faz um levamento sucinto e relevante sobre a
disputa de significados em torno da expressão “direito à comunicação” entre diversos atores da sociedade civil.
Disponível em : < http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=407IPB002>. Acesso em: 10
jan.2008.
51
- Destina um só canal por município;
- Estabelece o alcance de 1 km;
- Proíbe publicidade;
- Exige que a diretoria da rádio more nesse círculo de 1km;
- Se o sinal de uma rádio comunitária interferir numa comercial o Estado pune,
mas, em caso contrário, não há punição;
- Proíbe as emissoras comunitárias de entrarem em cadeia;
- Limita a potência a 25 watts; [...] (BOLAÑO, 2007, p.51).
Tal fenômeno pode ser entendido pela constante colonização do Estado pelos interesses
empresariais dos grandes grupos de mídia:
Pode-se abrir brechas no sistema, mas a colaboração entre Estado e grupos
econômicos está em sua base. Mesmo a Lei do Cabo está longe de contemplar os
interesses inicialmente propostos pelo Fórum [Nacional pela Democratização da
Comunicação], o que é natural, diante da negociação. Apesar disso, nunca mais foi
viabilizado um resultado tão positivo, em termos sociais, como o da Lei do Cabo,
considerando-se textos legais anteriores e posteriores à sua edição. O acesso do
empresariado às instâncias decisórias por portas próprias atrasou o início da
televisão por assinatura no país e legou uma legislação permissiva, dominada por
portarias e decretos, que praticamente não estabelece limites à concentração da
propriedade e à presença do capital estrangeiro (BRITTOS, 1999, online)9.
Schuler (2000, p.168, tradução nossa), diante das pressões do capital perante o Estado,
chega a negar a capacidade do Estado de resolver questões comunitárias:
Com freqüência se apela aos governos para resolver os problemas
comunitários. Como veremos, é pouco provável, e em alguns sentidos não
desejável, que o governo trate de resolver por si mesmo os problemas das
comunidades deterioradas. Freqüentemente, o aparato governamental é
demasiadamente grande, burocrático, sofre de paralisia e possui muitas idéias
pre-concebidas para responder efetivamente. Além disso, o governo – pelo
menos os Estados Unidos – está manipulado em grau elevado e incômodo por
poderosos interesses corporativos e empresariais. Por um lado, as corporações
e os muito ricos contribuem com uma alta porcentagem dos dólares
necessários para as campanhas políticas, retornando assim aos distritos
eleitorais com os quais os políticos estão comprometidos. [...] A melhor razão
para não esperar (ou querer) uma ajuda exclusiva do governo é que as
soluções reais para os problemas que das comunidades necessitam de uma
forte participação comunitária, e o governo dos Estados Unidos raramente se
mostrou capaz de ser um participante em igualdade de condições como são os
cidadãos em projetos comunitários.
De fato, pelos motivos expostos, o Estado pode não ser capaz
de resolver os
problemas comunitários, mas pode apoiar iniciativas emancipatórias. Peruzzo (2008, p.10)
identifica que “estes setores [populares] não querem ser controlados, nem mesmo
9
Disponível em: <http://www.recensio.ubi.pt/modelos/documentos/documento.php3?coddoc=239>. Acesso em
14.fev.2008
52
regulamentados em todos os seus passos, mas necessitam de políticas que garantam apoio e
condições de funcionamento”.
Nesse caso, a influência das políticas sociais e de proteção e promoção dos direitos
humanos no âmbito das políticas de comunicações ocorreria sobre questões relativas à
preparação para a gestão democrática dos meios de comunicação, às centrais públicas de
acesso, produção e distribuição midiática; às políticas de educomunicação; às políticas de tv’s
de rua, oficinas ou cursos livres de comunicação e outras práticas que serão apresentadas no
capítulo III.
Peruzzo (2008, p.11-12) ainda lista alguns princípios e mecanismos facilitadores que
não poderiam estar ausentes de uma Política Nacional e Regional de Comunicação:
Princípios
a) Reconhecer o acesso aos meios de comunicação na condição de emissor
como direito do cidadão, no mesmo nível dos demais direitos de cidadania;
b) Incentivar o protagonismo do cidadão, dos movimentos sociais e das
organizações coletivas na elaboração de conteúdos e linguagens condizentes à
realidade de cada segmento e “comunidade” onde se localizam;
c) Criar condições para o empoderamento social das tecnologias de
comunicação – antigas e modernas – por organizações coletivas sem fins
lucrativos;
d) Facilitar a participação ativa e autogestionária dos cidadãos e das entidades
civis representativas em todo o processo de comunicação; produção e difusão
de conteúdos, planejamento e gestão dos meios, de modo a possibilitar a
educomunicação popular;
e) Ter como finalidade o desenvolvimento social integral e multifacetário dos
cidadãos e da sociedade.
Mecanismos facilitadores
a) Formar fundos públicos que garantam a sustentabilidade dos meios de
comunicação popular-comunitários e sem fins lucrativos de modo a não serem
forçados a se submeter à lógica de mercado capitalista;
g) Criar em cada município pelo menos um Centro Coletivo de Produção
Audiovisual destinado à formação de lideranças e ao apoio na elaboração de
sites, vídeos e programas para exibição nos canais comunitários de televisão e
emissoras de rádio de baixa potência, e de outros canais de comunicação
segundo a realidade de cada lugar;
h) Formar Conselhos Municipais de Comunicação (constituídos como órgão
público e compostos por representantes dos diferentes macro segmentos da
sociedade civil e política) e Comitês Locais de Comunicação (constituídos
como organismo civil autônomo, pluralista e representativo das organizações
e movimentos socais sem fins lucrativos) com a finalidade de incentivar e
fiscalizar (no caso de serem beneficiadas pelo fundo público) as políticas e
práticas operacionais e orçamentárias das unidades comunicacionais;
i) Incentivar o trabalho cooperativo entre as entidades locais de comunicação
e as demais organizações sociais engajadas na promoção da cidadania, bem
como universidades, institutos, Ministério Público, Organizações nãogovernamentais e afins.
53
Tais princípios e mecanismos facilitadores, somadas às influências que as políticas
sociais e de proteção e promoção dos direitos humanos deveriam ter no âmbito das políticas
de comunicações, poderiam compor uma política pública de garantia e fomento à
comunicação, sem tornar irrelevante a intervenção estatal e sem ferir a autonomia
comunitária.
1. 2 Ambientes e marcos regulatórios
O espaço público é o locus de atuação do Estado. Não que o Estado seja o único
interventor do espaço público. Há, por exemplo, nos últimos anos no Brasil, um crescimento
da atuação das organizações não-governamentais no espaço público10. Isso implica que atualmente e desde a criação da imprensa e da opinião pública- o Estado não é o único
detentor de poder público. Mesmo assim, convencionou-se a remeter o termo poder público às
atividades e instituições estatais. É como se o Estado fosse o ator por excelência desse espaço,
fruto do pacto social11.
O sentido de ser do Estado é a promoção do bem comum por meio de políticas
públicas12. Desse modo, as políticas públicas compreendem uma série de premissas e
princípios que orientam programas e ações estatais destinadas à garantia do bem comum. Não
se trata, porém, simplesmente de decisões políticas:
10
Os conceitos e as atividades de instituições da sociedade civil que intervêm no espaço público ainda são temas
de debates acadêmicos, geralmente referidos nas expressões como “terceiro setor” e “público não-estatal”.
11
Por isso, nesse trabalho optou-se por estudar as políticas públicas de comunicação estatais. Não se partiu da
idéia de Estado-providência para realizar esse estudo e nem há a ilusão de que o Estado sozinho tem capacidade
para resolver todas as questões do espaço público.
12
É aquele que não pode ser apropriado particularmente ou individualmente.
“A questão central e determinante do papel do Estado na promoção de políticas públicas é o que se entende por
bem comum. Os liberais defendem o Estado Mínimo, em que sua atuação se limita à defesa nacional, educação e
edição mínima de regras para o mercado. O Estado de Bem-Estar assume um papel complementar nos âmbitos
social e economico. Trata-se um Estado intervencionista. Na re-edição do liberalismo, o Estado Neoliberal é
totalmente passivo. Nessa concepção, a desregulamentação total é sinônimo de liberdade. Não há regras para o
comércio e para a alocação dos capitais internacionais.
Isso implica numa transformação economico-institucional: O Estado delega à iniciativa privada a produção de
bens e serviços e seu papel se torna residual, sendo provedor somente aos que não têm suas necessidades
supridas pelo mercado e pelo terceiro setor. O risco social é interpretado como uma questão individual e pessoal,
devendo ser enfrentados de acordo com as necessidades de cada um.
Essas concepções foram formadas e transformadas ao longo da História. O modelo liberal de Estado começa,
porém, a entrar em decadência depois da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa. Acaba desmontado na
crise de 30. É o mesmo momento histórico da Segunda Guerra Mundial, seguido pelo surgimento do Estado de
Bem –Estar nos países considerados desenvolvidos e o Estado Desenvolvimentista e Protecionista no chamado
‘Terceiro Mundo’, em que assumiria um papel complementar tanto no âmbito social quanto no econômico. Essa
prática acarretou em um agigantamento do aparelho estatal, que o levou ao colapso. O neoliberalismo surge em
meados dos anos 80 e se desenvolve na década de 1990” (TRESCA, 2004, p.40).
54
Enquanto a decisão política significa uma escolha, entre alternativas
disponíveis, a política pública envolve bem mais do que isso, pois decorre de
inúmeras decisões coordenadas de tal forma a se especificarem numa
estratégia política. Assim, compreende-se que toda política pública implica
necessariamente em decisão política, mas nem toda decisão política constitui
obrigatoriamente em políticas públicas (SIGNATES, 2003, p.3, grifo nosso).
Normalmente, o conjunto de premissas e princípios de um Estado é formalizado nas
Constituições e Leis. Por isso, é comum entender políticas públicas como um conjunto de leis,
normas e mecanismos de regulamentação que orientam o funcionamento de uma determinada
atividade ou setor. Na Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação - Compós, por exemplo, a abordagem da temática das políticas de comunicação
privilegia a análise legislativa, conforme descrição do grupo de trabalho Economia Política e
Políticas de Comunicação13:
A Economia Política é campo teórico-conceitual multidisciplinar essencial à
análise e compreensão da Questão Social e suas potencialidades de
emancipação. Neste GT, ela está associada ao estudo e pesquisa das Políticas
de Comunicação, entendidas como o conjunto de princípios, disposições
constitucionais, leis, regulamentos e instituições estatais, públicas e privadas
que compõem o ambiente normativo da televisão, cinema, rádio, internet,
publicidade, produção editorial, indústria fonográfica, artes e espetáculos
[grifo nosso].
Entretanto, no Brasil, é recorrente a execução de políticas públicas sem respaldo em
leis. Tal como será analisado no capítulo III, Porto Alegre desenvolveu políticas públicas de
comunicação na gestão municipal de 2001 a 2004, mas com relação ao setor de comunicação
só tem uma Lei, que se refere à criação do Conselho Municipal de Comunicação. Edgard
Rebouças (2006, p.66), inclusive, faz uma diferenciação entre regulação e regulamentação:
Não deve haver confusão em relação aos aspectos ligados à regulação estabelecimento de políticas - e à regulamentação - estabelecimento de leis e
normas -, apesar de ambos serem elementos constitutivos do ambiente
regulatório. Enquanto os estudos sobre a regulamentação estão mais voltados
para aspectos de controle,acompanhamento e até legislativos, os da regulação
têm uma visão mais geral, pois atuam sobre um conjunto de fenômenos que
acompanham as movimentações em torno de interesses mais amplos. [...]
Em uma definição ampliada de regulação, poderiam estar incluídos todos os
posicionamentos do Estado relacionados às atividades cotidianas dos cidadãos
ou ao funcionamento dos setores privados da economia. Isso faria com que
todas as atividades de um governo fossem de ordem reguladora.
13
Disponível em <http://www.compos.org.br > . Acesso em 26.jan. 2008.
55
César Ricardo Siqueira Bolaño (2007, p.5) publicou o livro Qual a lógica das políticas
de comunicação no Brasil?, em que se propõe a fazer uma análise legislativa a partir da
regulação:
O objetivo deste livro é discutir o modelo de regulamentação do setor
audiovisual e do conjunto do macro-setor das comunicações no Brasil,
analisando a evolução histórica da legislação sobre o tema, procurando
detectar, na literatura especializada, as principais tendências através das quais
os atores hegemônicos influenciam os processos regulatórios e legislativos.
Trata-se de analisar a regulamentação à luz da regulação, no sentido
propriamente regulacionista dos termos [...].
Peruzzo atenta para o fato da regulação da comunicação no Brasil estar a serviço da
manutenção dos interesses dos “grandes grupos econômicos de matriz familiar e com vínculos
políticos de tendência conservadora ou liberal” (2008,p.5), detentores dos grandes grupos
midiáticos:
Os principais meios de comunicação no Brasil são controlados por setores
dominantes da sociedade e as decisões que envolvem regulamentação e
definição de políticas públicas sempre visam à manutenção dessa estrutura.
Na verdade, apesar de não existir uma política de comunicação expressa
(escrita em forma de documento) no país, muito menos de comunicação
comunitária, há uma regulação implícita que favorece a mídia como negócio
(PERUZZO, 2008, p.13).
Há ainda um agravante que é a falta de continuidade das políticas públicas nas trocas
de governo. Inclusive, quando existe a manutenção de premissas e princípios de governos
anteriores, tal fato é constantemente tomado como negativo pela ausência de inovações14.
Nota-se, nesses casos, que o interesse partidário no jogo político para obtenção do poder
público coloca-se acima do interesse público, do bem comum. Edgard Rebouças (2006, p.66)
localiza o insucesso no estabelecimento de políticas na falta de impacto estrutural e na
atuação para além das possibilidades legais:
O sistema político está sempre diante de complicações que podem afetar tanto
a eficácia como a legitimidade de suas decisões. Os governos normalmente
fracassam em estabelecer políticas porque não têm efeito sobre os problemas
como um todo ou então as propostas vão além das possibilidades legais. O
sistema político deve estar atento também à legitimidade de sua interferência.
Contudo, no país, os casos de leis que “não pegam” – como o da compulsoriedade de
doação de órgãos, na ausência de indicação como “não doador” no documento de identidade –
não são tão raros. Portanto, ter avanços somente no âmbito regulatório não garante que o
14
Essa é a tônica da campanha publicitária “O PSDB criou e o PT copiou”, veiculada em 2007, nos grandes
veículos de comunicação de massa no Brasil.
56
direito à comunicação esteja efetivado: a Constituição Federal de 1988 criou o Conselho de
Comunicação Social, por exemplo, que só foi implantado em 2002. Desta maneira, a análise
das políticas públicas de comunicação deve ir além das leis e decretos, como vem ocorrendo.
De qualquer maneira, as discussões em torno dos ambientes e marcos regulatórios são
necessárias, porque é o estabelecimento de direitos reconhecidos em leis que garante
conquistas de cidadania formais.
Além de César Ricardo Siqueira Bolaño e Edgard Rebouças, diversos outros
pesquisadores trabalharam – ou ainda trabalham- na análise do ambiente político e regulatório
das políticas de comunicação: Valério Cruz Brittos, Othon Jambeiro, Murilo César Ramos,
Venício Lima, Maria das Graças Conde Caldas, Adilson Vaz Cabral Filho, Guilherme Canela
e outros. As replicações nos diversos fóruns e nas abordagens teóricas dos pesquisadores,
caracterizam uma tradição de pesquisa sobre a temática das políticas de comunicação, no
campo das ciências da comunicação.
1. 3 Outras abordagens
As pesquisas sobre políticas de comunicação parecem ainda ser uma área aberta às
inovações e novas perspectivas – apesar recorrência da abordagem sobre os ambientes e
marcos regulatórios. É o que demonstra o título do livro organizado, em 2007, por Murilo
César Ramos e Suzy dos Santos: Políticas de comunicação - Buscas teóricas e práticas.
Nesse livro, Murilo César Ramos traduz assim o desafio que pretende enfrentar (2007, p.21):
Este é, portanto, um capítulo originado da ambição teórica de um autor que,
muito embora tenha, em sua trajetória acadêmica de estudioso de políticas de
comunicação, se dedicado mais às questões práticas legais e regulamentares,
vê-se agora na contingência de arriscar movimentos teóricos para tentar
escapar das amarras que o neoliberalismo tem conseguido impor ao
pensamento do que outrora se chamou Terceiro Mundo. Entre essas amarras,
e esta é a hipótese central a ser analisada, está a idéia despolitizada, acrítica,
desideologizada, de uma sociedade civil que se mistura e se confunde com a
idéia de um terceiro setor instrumental à manutenção da hegemonia e à
expansão da doutrina neoliberal.
E, de certa forma, todos os capítulos da parte I denominada Buscas teóricas tratam do
tema da sociedade civil. Suzy dos Santos e Érico da Silveira abordam as tradições
regulatórias, mas também discutem o interesse público nas comunicações a partir das “formas
de governança para processar demandas sociais em sociedades capitalistas”(SANTOS;
57
SILVEIRA, 2007, p.58), inspirados em esquema explicativo elaborado por Vicent Mosco
(apud SANTOS; SILVEIRA, 2007, p.60):
Este artigo configura um modesto esforço [...] para sugerir formas de acentuar
o político na economia política das telecomunicações [...]. Concretamente,
ofereci modos de expandir a discussão dos assuntos de políticas para além do
pensamento dicotômico – regular ou não regular – e modos de ver o jogo
político em torno da formação de políticas que façam justiça ao papel central
das telecomunicações na vida social contemporânea.
César Bolaño e Valério Brittos, nesse livro, tratam do espaço público midiático e do
merchandising social. Avaliam que os problemas sociais propostos para debates não se
referem aos grandes temas nacionais ou universais. Assim, “o interesse pelo tema perdura
enquanto durar a telenovela, promovendo inclusive mobilizações provisórias, distorcidas,
parciais e auxiliares da pedagogia capitalista para o consumo” (BRITTOS; BOLAÑO, 2007,
p.89).
Othon Jambeiro aborda o ambiente regulador, mas também debate democracia e
cidadania. Lara Laje foca-se na discussão sobre esfera pública, o papel da sociedade civil e o
poder. Regina Luna dos Santos faz uma análise legislativa, mas propõe uma discussão não a
partir da influência dos detentores de grande capital econômico, mas a partir dos conceitos de
cordialidade e república.
Também em 2007, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-ANDI (2007, p.3)
fez um estudo de análise conteúdo em que analisa como a própria mídia trata a temática das
políticas de comunicação:
[...] Embora muitos estudos, tratados e legislações debatam Políticas Públicas
de Comunicação – e a despeito de toda a relevância desses conteúdos,
produzidos pelos mais diferentes atores – resta ainda uma enorme lacuna na
compreensão sobre o comportamento da imprensa quando o foco noticioso
são as comunicações e sua relação com o fortalecimento dos processos
democráticos, no âmbito da contemporaneidade.
Ainda, o livro organizado por Maria José da Costa Oliveira, em 2004, Comunicação
Pública aborda as relações entre Estado, mídia e sociedade a partir das correlações da
comunicação pública com a sociedade, com o governo e a esfera pública não-estatal. Portanto,
aprofunda o que se chamou de comunicação governamental na formulação do problema dessa
pesquisa15:
15
Ver introdução.
58
[...] É nesse cenário que se evidencia a Comunicação Pública, cujo conceito
ainda é pouco conhecido e se refere exatamente à comunicação realizada no
espaço público democratizado, com discussão de temas de interesse público, o
que subentende o envolvimento e a participação ativa do governo, das
empresas, do Terceiro Setor e da sociedade como um todo (OLIVEIRA, 2004,
p.9).
Abordagem que encontra ressonância na crítica de Signates (2003) à visão estratégicoinstrumental da comunicação, a qual atribui um caráter “funcionalista e transmissionista”.
Signates (2003,p.9), inclusive, propõe que a reflexão sobre as políticas públicas de
comunicação parta de dois referenciais:
O primeiro é o estudo da relação Estado-sociedade pela perspectiva da
comunicação, num movimento teórico de superação de uma visão técnicoinstrumental dos processos comunicativos. O segundo, o do estudo das
condições de possibilidade da emergência, no Brasil contemporâneo em fase
de consolidação democrática, de novas esferas públicas surgidas do próprio
processo de organização social, num quadro que evite identificar a concepção
de esfera pública como mero entorno do sistema estatal.
Outra perspectiva que também pode ser adotada é: a inovação da abordagem sobre
temática de políticas de comunicação começa a ocorrer quando as políticas de fomento à
comunicação comunitária em âmbito local começam a ser eleitas como objetos de estudo.
Na origem do Laboratório de Políticas de Comunicação e Informação (LaPCom) da
Universidade de Brasília, em 1991, está a discussão de um capítulo sobre Comunicação Social
– que acabou sendo incorporado- na Lei Orgânica do Distrito Federal. Othon Jambeiro
também está pesquisando, em Salvador, os recortes locais do desenvolvimento da Sociedade
da Informação, compreendendo se os complexos urbanos constituem ou não de políticas que
preservem a soberania e a capacidade de beneficiarem-se do desenvolvimento da sociedade
mundial. No Rio Grande do Sul, o Estúdio Multimeios de Porto Alegre, por exemplo, foi
objeto de estudo das pesquisadoras Elizângela Zaniol e Deisimer Gorczevski16. Iracema
Nascimento estudou o Canal Comunitário de Porto Alegre, mas não deixou de pesquisar o
Conselho Municipal de Comunicação. Abordagens diferentes de Pedro Luiz da Silveira
Osório17, que analisa toda a política de Comunicação Social desenvolvida pela Administração
Popular de Porto Alegre.
16
Apesar de trazerem informações importantes para o estudo da experiência, a abordagem escolhida em ambos
os casos é a juventude e não a análise do fenômeno enquanto política de comunicação.
17
Além de pesquisador acadêmico, Pedro Osório foi Coordenador de Projetos Especiais da Prefeitura de Porto
Alegre de 1989 a 1992, Coordenador de Comunicação Social de 1993 a 1996 e o primeiro Presidente do
Conselho Municipal de Comunicação.
59
Fora das capitais, Maria José da Costa Oliveira estudou a experiência da prefeitura
municipal de Campinas, no interior paulista. A experiência pernambucana de Camaragibe foi
pesquisada por José Ricardo Rodrigues de Mello Filho e por Maria Salett Tauk Santos. Entre
os citados, juntamente com a pesquisa de Pedro Luiz da Silveira Osório, os três estudos são
uns dos poucos trabalhos que relacionam as experiências que relatam com a temática
específica das políticas públicas locais de comunicação.
Muitas outras pesquisas poderiam ser citadas18. Entretanto, avalia-se que o
pensamento de Paulo de Tarso Riccordi merece aprofundamento, porque inova o campo das
ciências da comunicação ao pensar e implantar na prática da gestão pública a noção de
comunicação já trabalhada por Paulo Freire e Luis Ramiro Beltrán.
Essas pesquisas que aprofundam pequenas experiências locais muitas vezes são postas
de maneira opostas àquelas que elegem as grandes estruturas sistêmicas como objeto de
estudo – o que pode ser um equívoco quando se almeja de fato a transformação social. O
desvelar das grandes estruturas societárias deve caminhar ao lado da afirmação e
disseminação do novo modo de fazer políticas de comunicação e comunicar:
Nesse contexto, as práticas locais - que não têm necessariamente um respaldo
regulatório constituído e mesmo assim estão em execução- são fontes de dados importantes
para entender como é possível a ação estatal para além dos limites legais e qual modelo de
administração pública que permite essa maleabilidade. Esse um dos temas do pensamento de
Paulo de Tarso Riccordi, apresentado a seguir.
2. A política do mimeógrafo contra o satélite: a contribuição de Paulo de
Tarso Riccordi para o pensamento sobre políticas de comunicação
municipais
Paulo de Tarso Riccordi, apesar de não ter escrito nenhum documento acadêmico
conhecido sobre as políticas públicas de comunicação municipais, tem demonstrado em
seminários, encontros e debates promovidos por prefeituras, sindicatos e movimentos sociais
uma reflexão importante, construída a partir da prática como gestor e consultor na área19.
18
A experiência de uso da comunicação para mobilização social em torno de políticas públicas foi pesquisada
Desirée Cipriano Rabelo e Célia Maria Retz Godoy dos Santos, estudando respectivamente a Agenda 21 de
Vitória e a conferência Bauru + 10 Construindo o Futuro. Esses estudos foram debatidos no Núcleo de pesquisa
“Relações Públicas e Comunicação Organizacional” da Intercom. Em 2004, durante o Encontro dos Núcleos de
Pesquisa em Comunicação, inclusive, foi realizada uma mesa específica intitulada “Estratégias em Comunicação
Pública”.
19
Ele atuou como consultor na área de comunicação em Campinas, São Paulo, Jacareí, Araraquara, Recife,
Pelotas, Santa Maria, Maringá e Goiânia. Fez palestra em Vitória. Foi consultor em outras áreas em Fortaleza e
Governo do Estado do Piauí. Sua trajetória como consultor em gestão pública começou em 2001, após
60
Em entrevista concedida à pesquisadora, Riccordi associa comunicação ao direito ao
conhecimento20, um direito que garantiria os outros direitos:
Esse bloco todo nosso, da turma de comunicação popular e comunitária, já
estava há muito tempo falando no direito à comunicação. Desde 2000, eu
comecei a falar não em direito à informação, mas a falar em direito ao
conhecimento, que extrapola muito.
[...]Grande parte dos problemas do cidadão é porque ele não tem acesso ao
conhecimento. Isso é mais do que acesso à informação. Conhecimento
mesmo. Têm direitos públicos que estão disponíveis e que os cidadãos não
acessam. As pessoas no limite da vulnerabilidade não sabem que elas têm
direito à bolsa disso ou daquilo. [...] Existe um número de pessoas que não
consegue participar disso simplesmente porque não tem conhecimento. É o
excluído, do excluído, do excluído. [...] Quanto mais você conhece sobre a
vida, o Estado e as relações de cidadania, mais participante você pode estar.
Por exemplo, se você não sabe de onde vem a bolsa-família – o que é, para
quem vai– de modo geral você consegue ficar fora disso, por
desconhecimento.
Riccordi não pensa em transferência de conhecimento ou simples divulgação de
informações, como nas concepções modernizadoras/ difusionistas. Saber não significa
entender e informação não significa comunicação. Apesar de já ter sido criticado por isso, ele
usa a expressão “processo comunicacional pedagógico”. Uma comunicação que ajuda na
compreensão do mundo. Dessa forma, a comunicação não é um processo que emerge para as
comunidades, mas das e com as comunidades como forma de conhecimento:
Todas as prefeituras – dessas que a gente operou, nesses 7 anos – a gente
montava duas coisas. A primeira é que a coordenação de comunicação tem
que integrar a comunicação política do governo, porque ele precisa dela
estrategicamente. Para onde que o governo está indo? Quais são os grandes
desafios da saúde e os grandes desafios da educação? Ou das muitas áreas de
governo e tal se a comunicação não faz parte, deixa de ser uma ferramenta
estratégica de governo. A partir daí, eu faço uma proposta de processos
comunicacionais. Se o cara da comunicação não participa disso, ele não opera
experiência de dois anos no governo Raul Pont, em Porto Alegre. Lá, criou a primeira Coordenação de Políticas
Públicas de Comunicação em uma prefeitura de capital no país. Academicamente, Riccordi é jornalista e
começou mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi professor na
Ciespal – Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para a América Latina. Cita Pierre
Bourdieu como uma das suas principais referências teóricas.
20
“O conhecimento é um processo que prevê a condição de reelaborar o que vem como um dado, possibilitando
que não sejamos meros reprodutores; inclui a capacidade de elaborações novas, permitindo reconhecer, trazer a
superfície o que ainda é virtual, o que, na sociedade, está ainda mal desenhado, com contornos borrados. Para
tanto, o conhecimento prevê a construção de uma visão que totalize os fatos, inter-relacionando todas as esferas
da sociedade, percebendo que o que está acontecendo com cada uma delas é resultado de uma dinâmica que faz
com que todos interajam, dentro das possibilidades daquela formação social, naquele momento histórico; permite
perceber, enfim, que os diversos fenômenos da vida social estabelecem suas relações tendo como referência a
sociedade como um todo. Para tanto, as informações- fragmentadas- não são suficientes” (BACCEGA apud
CALDAS 2002, p. 141).
61
estrategicamente. Ela [a comunicação] passa a ser assessoria de comunicação.
No sentido mais restrito da palavra. Com ferramentas lindas...
[Entrevistadora: E, em tese, ferramentas que dialogam com as necessidades de
informações das comunidades...]
Só que todas elas são difusionistas. Não que não se possa fazer isso. Eu até
prego outras coisas com relação a isso, mas com muito mais cuidado. Tem um
texto meu famoso, também muito criticado em que eu começava dizendo: 'A
prefeitura de Porto Alegre não tem rádio comunitária, não terá rádio
comunitária. A prefeitura de Porto Alegre não paga rádio comunitária, não
constrói rádios comunitárias. Qual é o papel dela? Ela fomenta, apóia,
capacita, banca capacitações e banca articulações. Esse é nosso papel'. Então,
você pode ter rádio poste, você pode ter TV de rua e pá, pá, pá e isto
continuar sendo informação e não sendo comunicação. Por quê? Porque a
cabeça de jornalista é um troço muito fechado. Aparentemente, nós somos as
pessoas mais abertas do mundo. As pessoas mais horizontais. Só que como
nós somos superficiais, você conhece de tudo um pouquinho. A formação do
jornalista, do repórter, lhe leva a isto. Como nunca nós precisamos ser
gestores de comunicação, nunca nós fizemos os cortes de profundidade para
perceber isto. E a gente acha que difundir é comunicar (RICCORDI, 2007,
informação verbal)21.
Por causas das idéias de difusão e disseminação, uma prática comum nas assessorias
de imprensa das prefeituras seria distribuir releases em massa. Contudo, segundo Riccordi,
quando as pessoas não se reconhecem nos projetos – ou nas notícias, ou no processo de
educação- se tornam objeto dessa realidade, dessa história. E não tem como as pessoas serem
sujeitos, se não tiverem compreensão e não fizerem as correlações necessárias com vida.
Ainda de acordo Riccordi, na mesma entrevista, as pessoas acham que vendo o Jornal
Nacional, por exemplo, estariam se informando, mas elas não apreendem nenhuma
compreensão de mundo a partir do Jornal Nacional. Portanto, não ocorreria um salto de
percepção. Alijados do processo comunicacional pedagógico, sem entender as causas dos
problemas sociais e das cidades, os cidadãos tenderiam a exigir dos governos soluções
inadequadas e, por vezes, ineficientes. E quem conseguiria de fato fazer um processo
comunicativo pedagógico, explicar as correlações das informações com a vida cotidiana,
seriam as pessoas que pertenceriam ao mesmo grupo social – por isso, elas deveriam ter voz,
falar.
A noção de comunicação que ele utiliza encontra ressonância no pensamento de Luis
Ramiro Beltrán na concepção de “comunicação horizontal” e Paulo Freire nas concepções de
“diálogo”, “rigor”, “leitura do mundo”, “percepção crítica da realidade”:
Não há comunicação sem dialogicidade e a comunicação está no núcleo do
fenômeno vital. Nesse sentido, a comunicação é vida e fator de mais-vida.
21
Entrevista concedida à pesquisadora, dia 24 de outubro de 2007.
62
Mas, se a comunicação e a informação ocorrem ao nível da vida sobre o
suporte, imaginemos sua importância e, portanto, a da dialogicidade, na
existência humana no mundo. Nesse nível, a comunicação e a informação se
servem de sofisticadas linguagens e de instrumentos tecnológicos que
“encurtam” o espaço e o tempo. A produção social da linguagem e de
instrumentos com que os seres humanos melhor interferem no mundo anuncia
o que será a tecnologia (FREIRE, 2004, p.74-75).
Contudo, a principal inovação de Riccordi para o campo da comunicação é pensar e
implantar na prática essa noção de comunicação na gestão pública local:
Você vai exponencialmente pensando como o conhecimento pode chegar ao
cidadão sempre. Radicalmente. Todo meu raciocínio de comunicação na
verdade acabou baseado nisso [direito ao conhecimento]. Ele não começou
por aí, ele terminou aqui. Então, as minhas ações pensam isso. Não basta eu
dizer para uma pessoa que existe isto e aquilo, se ela não entender as
correlações na vida. Não serve para nada. Você anuncia num bairro:
‘Atenção, a partir de segunda-feira, às 7 da manhã, a sua rua estará
interditada, porque se iniciará a implantação da nova rede de esgotos para a
nova estação adutora da zona norte da cidade. Esta é uma obra decidida pelo
orçamento participativo, decidida por você no orçamento participativo’.
Parece lindo. Só que isso é nada, nada. Como é que nós traduzimos isso? Em
Porto Alegre, a gente fez muito isso, a partir da lógica de políticas públicas de
comunicação. A primeira coisa, o sujeito tem que entender. Antecipadamente,
antes de começar a obra, tem que ter reuniões no bairro, processos
comunicacionais; e a reunião é o mais poderoso de todos. Não tem processo
comunicacional que supere as reuniões, porque ele precisa permitir a presença
do contraditório, do outro. Ele precisa permitir o ‘Não entendi, doutor. Como
é que é mesmo isso aí, doutor?’. Então, você tem que voltar à discussão.
Nesse meu exemplo, como é que a gente fazia, a grosso modo, isto aí inspira
o resto: - ‘Tem uma obra aí para ser iniciada na sua rua e isso aí vai produzir
pó e barro, mas atenção, minha senhora, isso daí não é só pó e barro, isso aí é
uma política pública de saúde’. ‘Que negócio é esse’? ‘Ah, porque o
tratamento de esgoto, a água tratada permite a redução de doenças, reduz a
mortalidade e, principalmente, a mortalidade infantil’. Você dá aulas sobre
isso. Dá aulas entre aspas. São explicações, são debates. [...] Então, isso é uma
política pública. Se você não tem conhecimento disso, você não opera nessa
realidade. Aquilo fica invisível para ti. Ao acrescentar esse conhecimento na
tua vida, ele te permite abordar políticas públicas, governo, orçamento, voto,
o que você pensar, de um lugar mais qualificado; porque esta pessoa vai
demandar para o Estado coisas mais qualificadas (RICCORDI, 2007,
informação verbal)22.
O processo descrito por Riccordi encontra eco na concepção de “mobilização social”
de Toro e Werneck (1996): não é meramente reunião de pessoas e nem acontece por acaso.
Interpretada como um processo, a mobilização social pressupõe, pelo menos, cinco
elementos: propósito, agentes, campo de atuação, coletivização e acompanhamento de
22
Entrevista concedida à pesquisadora, dia 24 de outubro de 2007.
63
resultados23.
2.1 Planejamento estratégico para definição das políticas de comunicação
Riccordi analisa que o modelo de administração burocrática tradicionalmente adotado
no Brasil – e em boa parte de outras localidades no mundo – não favorece a mobilização
social. É uma prática que faz com que cada gestor fique encastelado em sua área de atuação,
muitas vezes sem procurar agir em conjunto com outros gestores públicos.
[...] é insignificante o número de pessoas dentro da gestão pública que se dá
conta de duas coisas básicas: a primeira é que governar por secretarias é
equívoco para quem quer transformar a realidade. Esta lógica de
compartimentalização é uma lógica conservadora, muito antiga. Então, o
prefeito tem idéias, chama os secretários - por isso que o nome é secretário
mesmo - e diz: 'Olha, faz isso, faz assim, faz assado'. A articulação de tudo
isso estava na cabeça dele. Agora, pense em Fortaleza com dois milhões e
quatrocentos mil habitantes. Pense em São Paulo com dezessete milhões. Ao
se estruturar por secretarias, na verdade, por especialidades, a primeira
bobagem que a gente faz é pensar pelo recorte da sua especialidade. Você
pensa a vida a partir da saúde. Aí o cara do lado pensa a vida a partir da
23
O propósito é um interesse compartilhado. É o que baliza a atuação dos agentes. Mas não se trata apenas de
um sonho abstrato repartido coletivamente, mas possui “elementos de validade formais (históricos e científicos)”
(TORO; WERNECK, 1996, p.37). Torna-se, assim, critério para a ação e identificação de alternativas a seguir.
Além de possibilidade de mudança e propósito, a mobilização social requer agentes, que podem ser institucionais
ou pessoas. Os autores identificam três papéis a serem desempenhados: produtor social, reeditor social e editor.
O campo de atuação desses agentes é o cotidiano. As ações são factíveis, no sentido que são possíveis de serem
realizadas. “Não se faz mobilização social com heroísmo. As mudanças são construídas no cotidiano por pessoas
comuns, que se dispõem a atuar coletivamente, visando alcançar propósitos compartilhados” (TORO;
WERNECK, 1996, p.44). Não se trata de fazer ações-espetáculo, sem conexão com a realidade vivida
diariamente. Por isso, motes como Fora FMI não mobilizam. Também não é pontual, como um assistencialismo
eventual.
A coletivização é a sensação do compartilhar, de fazer parte de um projeto maior. Nesse sentido, a disseminação
de informações é necessária, mas não é a única ferramenta. Baseia-se também no processo de identidade- que se
dá na relação de alteridade . É o que legitima a ação e confere reconhecimento social. “A coletivização é o
sentimento e a certeza de que aquilo que eu faço, no meu campo de atuação, está sendo feito por outros, da
minha mesma categoria,com os mesmos propósitos e sentidos. É ela que dá estabilidade a um processo de
mobilização social”(TORO; WERNECK, 1996, p.52). Nesse sentido, a coletivização não é mera divulgação,
mas um comportamento comunicativo no sentido da busca de consensos para a realização dos interesses
emancipatórios. “Para o sucesso de uma mobilização é preciso que todos que dela participam tenham um
comportamento comunicativo, tenham interesse e disposição para consumir e fornecer informações” (TORO;
WERNECK, 1996, p.52).
Enfim, o acompanhamento dos resultados é fundamental para o processo de mobilização a fim de julgar se as
mudanças pretendidas estão sendo alcançadas. Os aspectos a serem observados também são definidos
coletivamente. “Eles são importantes para manter aceso o entusiasmo dos que estão participando, estimular a
ampliação dos participantes e argumentar com os possíveis financiadores do movimento” (TORO; WERNECK,
1996, p.53).
Essa perspectiva de mobilização social como processo é importante, porque desloca da noção de que tomada de
consciência por si só leva à ação.
A pesquisadora em trabalho anterior (TRESCA,2004) denominou esse processo comunicativo como
“comunicação mobilizadora”. Entretanto, nessa pesquisa, abandona a locução por verificar que o significado já é
compartilhado por outras expressões, semelhante ao que ocorre com o conceito de comunicação comunitária.
64
educação. Só que o cidadão é único. Então, você não tem como fazer uma
fatia do cara. 'Esse é o pedaço do cidadão da saúde, esse é o pedaço do
cidadão da educação e tal'. E as coisas não se interligam. As ações públicas
não se interligam no corpo, na casa e no bairro desse cidadão com nome e
com endereço. Então, não se acha conexões, as óbvias conexões entre saúde e
educação, renda, habitação, trabalho, lazer... Tudo isso é uma coisa só. Isso
quer dizer que eles [os gestores] não se dão conta, porque estão focados na
sua especialidade (RICCORDI, 2007, informação verbal)24.
Na mesma entrevista, ele ainda afirma que a maior parte dos governantes e gestores
imagina que se um bem é universal e está à disposição de todos, bastaria anunciar e quem
precisa iria buscar:
Aparentemente isso é certo, mas não. Isso é um enorme sofisma, porque não
toma em conta as multidões que são excluídas do processo de conhecimento,
dos sistemas de informação. E, mais do isso, mesmo tendo a informação, a
pessoa não necessariamente tem a compreensão. Essa que é a chave de
mudança de tudo.
Baseado em Pierre Bourdieu, Riccordi também analisa que é preciso criar novos
campos e romper com os anteriores todos25. Nesse novo campo, ao invés da divisão por
secretarias ou pastas, Riccordi adota o planejamento estratégico como modelo de gestão de
políticas públicas: “Todas as soluções já existem, já estão aí. O problema é que elas são
fracionadas. [...] Quando você adota o planejamento estratégico como método de gestão
público ou privado, a sua chance de sucesso aumenta extraordinariamente”. A lógica do
planejamento estratégico seria perguntar primeiro: o que eu desejo fazer? Fazer essa pergunta
para a utopia ou para o mercado. A segunda pergunta seria: quais são as dificuldades objetivas
e subjetivas para que isso aconteça? Quais são as dificuldades e limitações para que eu
alcance isso? Por fim, a última pergunta seria: diante do que quero e das dificuldades, quais
são os projetos que eu preciso fazer? Uma vez que os problemas sociais têm endereço -estão
24
Entrevista concedida à pesquisadora, dia 24 de outubro de 2007.
Além do planejamento estratégico, Riccordi chama a atenção para o processo de matricialização para a
constituição desses novos campos: “Então, em Bourdieu, você cria um novo campo em que especialidades
diferenciadas precisam se entrecruzar. É a tal da matricialização. Você muda o olhar. O desenho da política
pública não parte da vontade do governo, mas parte do desafio da realidade. E o governo dirá, a partir do desafio
da realidade: 'O que a gente sabe fazer? O nosso dinheiro alcança fazer quanto disso?' E: 'Quais são as
intersecções dessas especialidades?' Você põe o desafio: reduzir a pobreza ou aumentar a renda per capita.
Então, você estabelece ideologicamente as matrizes condicionantes disso. Você diz para onde direcionar: 'Não,
vão ser os mais pobres. Não, vão ser as mulheres primeiro. Não, serão as mulheres chefes de família primeiro'. A
sua ideologia dá o norte. Aí você pergunta para o território: 'Quanto dessa realidade a gente tem aqui?' E aí, sim,
cada secretaria, cada especialidade, vai executar. O campo de decisões é que mudou. É dentro do fórum. Eu não
vou dizer para um médico como é que ele vai fazer um corte cirúrgico. Agora o processo de atendimento, sim. O
processo de acesso do cidadão à saúde, sim. Nós vamos dizer. Não importa que eu seja um jornalista, que eu seja
um antropólogo, que eu seja um cara lá da educação. Na discussão com a educação sim, eu vou dizer porque a
educação sozinha não dá conta do maior bem que é reduzir o índice de repetência, que é aumentar o
conhecimento das crianças, ela precisa que as outras secretarias entrem junto. Poucos se dão conta disso. [...] ‘A
gente faz reurbanização aqui ou não?’ Você não consegue fazer isso sem a comunidade. Decidir. Sem que a
decisão venha dela também”.
25
65
localizados em um lugar e é possível detectá-los-, existe a possibilidade de inverter e fazer
perguntas ao território, ao invés de fazê-las para as secretarias:
Ao invés do planejamento a partir das especialidades – um secretário brilhante
genial que sabe tudo sobre saúde, não dá conta de entender a realidade sequer
da saúde –, você faz a partir do território. A gente inverte, isto é, pergunta
para o território: qual é o teu problema? Esse é um outro conceito bem velho,
mas incrível, para gestão pública é extremamente novo. Então, você vai
analisar territórios, você pergunta para eles quais são as suas debilidades. E os
territórios vão gritar: 'Ah, aqui a renda per capita é de tanto, é baixíssima. Ah,
aqui tem a maior concentração de jovens da cidade inteira. Aqui tem
concentração de desemprego assim. Aqui não tem quadras esportivas. Aqui
não tem banca de jornal. Os rádios só falam que desse bairro como uma
região de criminosos, de criminalidade'. [...] Esse é um modelo de gestão que
é muito mais eficiente, porque você não toma decisões a partir da demandinha
picada. Você pensa a cidade. Pergunta para a cidade quais são os desafios que
ela impõe a partir daí, então, você monta tudo. O processo comunicacional,
por fim, entra nesta lógica (RICCORDI, 2007, informação verbal)26.
Dessa maneira, a estratégia comunicacional a ser adotada pela gestão pública também
seria definida em função do planejamento estratégico e dos territórios. Na mesma ocasião,
Riccordi analisa que o processo comunicacional não é autônomo. “Ele não é... ‘Atenção, olha
aqui me consegue uma capa de jornal. Olha aqui me faz uma cartilha. Vamos botar 200 rádios
comunitárias por dentro e no entorno das escolas’. Sim, mas em função de quê?”. O processo
ideal seria: “Para a gente melhorar os indicadores de saúde quais são os processos
comunicacionais necessários? Aí você pensa as ferramentas”. O processo de definição de
quais instrumentos comunicacionais a serem utilizados deve levar em conta quais são os
públicos, onde estão e quais conhecimentos são importantes para melhorar a qualidade de
vida desses públicos.
Como é possível notar, Riccordi não desvincula as políticas de comunicação dos
objetivos de governo. Uma administração municipal que promove a democratização da
comunicação é comprometida com a transformação social:
Há, portanto, a necessidade de um processo de comunicação que articule,
permanentemente, cada ação pública ao projeto e à concepção de mundo que
a inspira e determina, que supere a fragmentação das informações,
articulando-as, contextualizando-as, dando-lhes significado e explicitando a
grande política que aquela obra ou serviço integra (RICCORDI, s.d, p.1).
O conceito de políticas públicas no qual se baseia está fundamentado na noção de
universalização de direitos. Assim, “as políticas públicas se caracterizam pela democratização
26
Entrevista concedida à pesquisadora, dia 24 de outubro de 2007.
66
do usufruto dos bens (democratização do acesso) e a organização da sociedade para a
determinação e distribuição desses bens (democratização da gestão)” (RICCORDI, s.d, p.7).
Dessa forma, as políticas públicas de comunicação
[...] objetivam democratizar o bem público comunicação, possibilitando que a
informação e o conhecimento sejam acessíveis a todos, não apenas como uma
potencialidade mas como realidade e que a sociedade, organizada, incida na
definição das grandes políticas para a cidade. Significa ampliar o acesso dos
cidadãos à informação e ao conhecimento através de meios de comunicação;
significa também constituir instâncias democráticas de controle público para
que ela própria determine a ética e os princípios gerais da programação dos
meios de comunicação; e também significa habilitá-la para a posse de meios
próprios e para a produção de comunicação (RICCORDI, s.d, p.7).
Riccordi não entende a comunicação como algo ou um processo simplesmente não
tangível, mas um bem que pode ser compartilhado. Tal perspectiva é fundamental para
efetivar políticas públicas de comunicação que sejam de fato fomentadoras do direito à
comunicação.
2.2 A estratégia adotada em Porto Alegre
Tratando da política de comunicação de Porto Alegre, em entrevista à pesquisadora,
Riccordi defende que o espaço da comunicação naquela administração é dentro do núcleo
formulador das estratégias de Governo: “Por que partidos de esquerda se candidatam a
governar cidades tomadas por problemas gerados pelo capitalismo e limitadas por uma
legislação pensada para ser conservadora? Para tentar transformar essa realidade apontando
para aquelas utopias”. Dessa forma, a comunicação assumiria outras funções, além da clássica
assessoria de imprensa. A comunicação estaria vinculada aos processos de transformação
social. Explicitado esses preceitos, são expostos os eixos nos quais a política de “comunicação
institucional” deveria se dividir:
- ação na mídia - informações massivas através dos instrumentos do
Jornalismo e da Propaganda (ocupação dos espaços editoriais e espaços
pagos), para divulgação das ações da Administração e também ações de
disputa de versões (nossa versão, direito de resposta, etc.)
- comunicação direta - constituição de instrumentos de comunicação direta
(fora dos meios de comunicação de massa) entre a Administração e os
cidadãos, para rompimento do cerco da oligopolização e sua partidarização e
de suas tentativas de colocar-se como mediadores das relações da sociedade
com o poder público.
- e, em paralelo a isso, uma terceira linha de ação: o desenvolvimento de
políticas públicas de comunicação, que incentivem e apóiem ações da
67
sociedade para a democratização da comunicação e o desenvolvimento de
uma segunda linha de combate a oligopolização dos meios (RICCORDI, s.d,
p.1).
Do modelo teórico esboçado para a prática há uma enorme lacuna. Riccordi assim
avalia as condições para que avance uma política ou para que haja uma transformação:
Você precisa fundamentalmente de três coisas e dentro delas estão
dezenas de coisas. Primeiro, você precisa de uma tomada de consciência.
Essa tomada de consciência pode ser uma necessidade. Então, para a tomada
de consciência, você precisa de conhecimento também. A pessoa que não
entende tem dificuldade para transformar. Quem não entende, bate lata na
frente do palácio. Ela pede que o governante se transforme. Ela pede que o rei
se convença de que ele está em pecado e mude o seu comportamento.[...]
A segunda, você precisa de espaços públicos para ter onde operar essa
consciência, essa democracia, essa transformação. Se você não tem esse
espaço público, não acontece nada também. Então, você tem que criar OP,
criar conselho no bairro... você precisa criar também entidades. [...] Quando a
gente cria um novo campinho de futebol naquele bairro e chama os cidadãos
do entorno para fazer a gestão daquilo é isso que está se fazendo, porque você
discute as relações do bairro. Você discute violência, a falta do espaço urbano,
o processo de ocupação ... [...] Se você tem consciência e não tem esse espaço
público, você vira o chato de bar. 'Ah, porque esse governo está errado'. 'Cara,
deixa de ser chato. Entra para a política e se candidata. Vai transformar. Vai
criar uma ONG, vai criar uma associação de bairro'. Então, ele precisa ter um
lugar onde operar politicamente.
E a terceira coisa é o que Lênin chamava de 'o agitador'. A decisão, a vontade
política. 'Vamos fazer'. Porque muitos dos nossos governos têm esses dois
outros elementos. Tem-se a compreensão e consciência dos desafios da vida
da cidade, você tem espaços públicos, você tem secretárias na mão, você tem
caneta, tem alguns orçamentos, mas você não tem esse outro salto da vontade:
'Vamos fazer, sim'. [...] Então, são os três elementos. O partido Lenista tinha
isto. Tinha o educador, o propagandista, o organizador e tinha o agitador.
Transfere aquele modelo para um estado e você tem, necessariamente, as três
coisas para gerar isso.
Em Porto Alegre, a principal dificuldade para a formulação de políticas públicas de
comunicação, então, foi a compreensão do que se tratava a proposta. A tarefa não foi fácil e
encontrou resistência inclusive dos colegas:
Mas teve muita polêmica, inclusive, com colegas que estavam na
comunicação, porque não entendiam esse negócio. Comunicação é tudo. Sim,
é verdade, é tudo. Mas têm recortes. Tem comunicação que você faz
diretamente, tem outra que não. [...] Levei críticas de todos os lados,
inclusive, de amigos. Tinha um, no nosso sindicato de jornalistas de Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul, que dizia 'Não, porque o negócio é a luta
superestrutural'. Tem até algumas piadas famosas feitas comigo. Uma era
assim: 'Não! Você quer bater o satélite da Globo com um mimeógrafo!?!’
(RICCORDI, 2007, informação verbal)27.
27
Entrevista concedida à pesquisadora, dia 24 de outubro de 2007.
68
A Coordenadoria de Políticas Públicas de Comunicação só foi criada em março de
1999, pouco antes de Riccordi se tornar consultor em gestão pública. Porém, a estrutura
formal não pode ser tomada como garantia de entendimento: “Embora tenha instalado a
Coordenadoria [...], em um claro sinal de que há vontade de trabalhar a comunicação a partir
de uma perspectiva renovada, a compreensão na Prefeitura ainda é pequena sobre o que seria
essa nova postura e esse novo fazer da área” (NASCIMENTO, 2001, p.94).
Quem assumiu o setor, após a saída de Riccordi, foi Luiz Henrique da Silveira28. Em
2004, quando questionado por qual motivo as pautas do portal da prefeitura na internet ainda
privilegiavam “as prioridades do Governo e da Prefeitura” em detrimento do interesse
público, ele justificava argumentando que, apesar da visão estratégica, era difícil incorporá-la
na prática. E exemplificava falando da estrutura que a Coordenadoria de Políticas Públicas
dispunha na época: “eu, um computador e um arquivo de pastas suspensas”. Certamente, nada
significativo ao ser comparada aos outros 70 funcionários que se dedicavam à comunicação
governamental. Depreende-se que os processos de constituição de políticas públicas não são
lineares. Não se trata de um avanço constante.
Riccordi, em entrevista concedida à pesquisadora, ainda chama a atenção para as
mudanças na conduta das iniciativas públicas e manutenção da “regularidade discursiva”,
mesmo sem haver troca de governo. Cita como exemplo, o programa Cidade Viva, que apesar
de desenvolvido em quatro governos do Partido dos Trabalhadores, teve cinco formatos
diferentes. “Ele ia se movendo. Esse, no governo Raul, não tinha nada a ver com o primeiro
governo do Olívio”. Um desses formatos privilegiou a proposta de Riccordi de processos
comunicacionais pedagógicos: “inclusive, era a população que falava e não o governo”.
Contudo, Riccordi avalia que o programa “já perdeu a capacidade de enunciado também,
porque virou propaganda de governo”.
Todavia, sem a disputa simbólica/cultural, não é possível alterar condutas, hábitos –
sejam cotidianos ou estruturais. O modelo de comunicação proposto por Riccordi concorre
com outros modelos de comunicação integrada e estratégias para garantir o direito à
comunicação.
Contudo, o que era para ser uma “areazinha” na Secretaria de Comunicação de Porto
Alegre tomou fôlego e começa a se espalhar como prática nas prefeituras brasileiras – seja
pela pelos trabalhos de consultoria feitos por Riccordi, seja pelo “despertar” para a
28
As atividades desenvolvidas pela Coordenadoria de Políticas Públicas de Comunicação serão descritas no
capítulo III.
69
necessidade de fomentar a comunicação em âmbito local. Vinculadas a outras iniciativas,
essas experiências podem aumentar as possibilidades reais de transformação e melhora da
qualidade de vida, fortalece a democracia e fomenta a multiplicidade/outro desenvolvimento.
3. Considerações finais do capítulo: voz para enfrentar a incomunicação
Paulo de Tarso Riccordi associa comunicação ao direito ao conhecimento - tal como
exposto anteriormente. Em entrevista à pesquisadora, ele atenta para o fato que simplesmente
a expressão não dá conta gerar conhecimento:
Se você decide que vai ler a realidade, você enxerga muita coisa e não
enxerga muita coisa. A primeira palavra que eu usei é 'se'. Se você lê, porque
há uma parte dos gestores públicos que não lê a realidade. Tem afirmações
sobre a realidade. Portanto, ele não precisa, ele não sente a necessidade de
ouvir a realidade, ouvir as pessoas. Tem muita gente que fraudou o
Orçamento Participativo, que usa o OP como assembléias homologatórias da
sua decisão. É uma traição vergonhosa do processo [...]. Esse é o primeiro
‘se’. Se você faz uma leitura da realidade, se você está decidido a ler a
realidade, tudo isto, o grafite, inclusive, está dizendo sobre a realidade. Por
que agora também não é bem assim? Vamos para um caso extremo, de
violência. O menino ou a menina que está sendo violento na escola ou que
está fazendo brincadeiras de conotação sexual ou ato sexual. Essa criança está
falando. Ao agredir os colegas e o professor, ele está falando que ele está
sendo agredido ou está presenciando agressão. De modo geral, nessa idade,
dentro da casa dele. Isto é, ele está falando, mas ele não está sabendo o que
ele está dizendo. Uma das importâncias da comunicação, portanto, não é
apenas assegurar o direito à fala, assegurar o direito à informação, mas
garantir o direito ao conhecimento. Isto é, constituir processos
comunicacionais que o cidadão entenda a sua realidade. Entenda, portanto, as
correlações. [...] Ai você pergunta para esse menino e ele não vai saber lhe
verbalizar isso. Agora, se você bota ele numa roda de discussão, aí você
começa a puxar discussão, você faz essa discussão como um processo
comunicacional pedagógico.
De fato, a comunicação que se coloca como facilitadora da transformação social
pressupõe ser um processo de conhecimento. De acordo com Paulo Freire, o conhecimento
emancipador não acontece pelos olhos e ouvidos, como na “educação bancária”, mas na
práxis: “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na açãoreflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o
mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens”
(FREIRE apud MARQUES DE MELO, 1998, p.281). De acordo com LASCH (1995, p.198):
70
É o ato de expressar e defender nossas visões que as elevam da categoria de
‘opiniões’, que lhes dá forma e definição, e possibilita que outras pessoas
também as reconheçam como uma descrição de suas próprias experiências.
Em resumo, só sabemos realmente o que pensamos quando nos explicamos
aos outros.
Dessa forma, para sair do mutismo/ cultura do silêncio -que marca a identidade
nacional, de acordo com Paulo Freire29- para vivenciar um processo de conhecimento, é
necessário expressar-se. E como citado por Peruzzo, já não é mais por quaisquer meios:
Enquanto essas “batalhas” por mudanças seguem lentamente e em posição
contra-hegemônica, setores populares inventam suas próprias maneiras de
democratizar a comunicação, mesmo na ausência de políticas públicas
específicas. São movimentos sociais, coletivos e organizações sem fins
lucrativos, uma vez percebendo-se ausentes ou tratados de modo tendencioso
e parcial pela grande mídia, passam a forjar uma comunicação própria
visando à transformação social (PERUZZO, 2008, p.7).
No capítulo seguinte, é traçado um panorama das políticas locais que fomentam as
vozes dos cidadãos para enfrentarem a incomunicação.
29
Ver capítulo I.
71
CAPÍTULO III - PANORAMA DAS POLÍTICAS LOCAIS DE
FOMENTO À COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NO BRASIL
NAS GESTÕES MUNICIPAIS DE 2001 A 2004
E NOS ANOS DE 2005 E 2006
Nas últimas décadas, as mudanças nas tecnologias da informação e da comunicação
conduziram a um aumento exponencial da capacidade de geração, transmissão,
compartilhamento e acumulação das informações produzidas. Segundo Castells (1999a, p.50),
esse é um evento histórico da mesma qualidade que a Primeira Revolução Industrial, porque
induziu um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura.
O autor argumenta que houve uma mudança de paradigma tecnológico, que gerou uma cultura
material centrada na tecnologia da informação1. E Castells (1999b, p. 87) vai além do
capitalismo financeiro e estabelece um novo modo de produção global: o informacionalismo
ou capitalismo informacional:
É informacional, porque a produtividade e a competitividade de unidades ou
agentes nessa economia dependem basicamente da sua capacidade de gerar,
processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em
conhecimentos. É global porque as principais atividades produtivas estão
organizadas em escala global, diretamente ou mediante uma rede de conexões
entre agentes econômicos. É informacional e global porque a produtividade é
gerada e a concorrência é feita em uma rede global de interação.
Quando o modo de produção se modifica toda a sociedade se reconfigura. É o que
Castells (1999b, p. 17) chama de sociedade em rede:
Essa sociedade é caracterizada pela globalização das atividades econômicas
decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em
redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da
mão-de-obra. Por uma cultura de virtualidade real constituída a partir de um
sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado. E pela
transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço - mediante a
criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões
das atividades e elites dominantes.
1
Com isso, o autor não quer afirmar que a tecnologia determina a sociedade. Novas formas e processos sociais
surgem como resultado da transformação tecnológica. “A tecnologia é a sociedade e esta não pode ser entendida
sem suas ferramentas” (MIOTTO, 2004, p. 99).
72
A globalização é um fato vivenciado no cotidiano. O pensador brasileiro Octávio Ianni
em Teorias da globalização (2000) discorre sobre o poder da mídia para a construção da
globalidade de idéias, padrões e imaginário. Contudo, de acordo com Castells, o compartilhar
desses valores comuns pode trazer uma crise generalizada:
A globalização e a informacionalização, determinadas pelas redes de riqueza,
tecnologia e poder, estão transformando nosso mundo, possibilitando a
melhoria de nossa capacidade produtiva, criatividade cultural e potencial de
comunicação. Ao mesmo tempo, estão privando as sociedades de direitos
políticos e privilégios. À medida que as instituições do Estado e as
organizações da sociedade civil fundamentam-se na cultura, história e
geografia, a repentina aceleração no tempo histórico, aliada à abstração do
poder em uma rede de computadores, vem desintegrando os mecanismos
atuais de controle social e de representação política. À exceção de uma elite
reduzida de globopolitanos (meio seres humanos, meio fluxos), as pessoas em
todo o mundo se ressentem da perda de controle sobre suas próprias vidas, seu
meio, seus empregos, suas economias, seus governos, seus países e, em última
análise, sobre o destino do planeta (CASTELLS, 1999b, p.93).
O Estado se torna cada vez mais uma abstração alheia para os cidadãos comuns.
Contudo, ao mesmo tempo, pessoas se socializam e interagem em seu ambiente local. Dessa
forma, as questões que parecem fazer sentido são as mais próximas, vividas no bairro ou na
cidade.
[...] quando as decisões se tomam muito longe do cidadão, correspondem
muito pouco às suas necessidades. Assim, a dramática centralização do poder
político e econômico que caracteriza a nossa forma de organização como
sociedade, leva em última instância, a um divórcio profundo entre as nossas
necessidades e o conteúdo das decisões sobre o desenvolvimento econômico e
social (DOWBOR, 1995, online)2.
Portanto, o poder de resistência à homogeneização encontra-se no local. Esse é o lugar
da pluralidade cultural. Em mundo estruturado por processos cada vez mais globais – e
conseqüente crise do Estado Nação - as forças políticas têm força cada vez mais locais.
Assim, de acordo com Ladislau Dowbor (1995, online):
[...] o poder local já não pode mais ser visto, portanto, como um nível de
decisão que se limita à construção de praças, recolhimento de lixo e outras
atividades de cosmética urbana. Trata-se de um eixo estratégico de
transformação da forma como tomamos as decisões que concernem o nosso
desenvolvimento econômico e social.
2
Disponível em: < http://ppbr.com/ld/>. Acesso em: 23 out.2004
73
Por isso, a efetivação do direito à comunicação – seja pela atuação autônoma dos
movimentos sociais e comunidades ou pelo fomento do poder público - ocorre também onde a
vida acontece: em âmbito local. No Brasil, o município é a menor unidade do pacto
federativo. O poder público responsável pela execução e regulamentação das políticas
públicas, nesse âmbito, é respectivamente a prefeitura e a câmara de vereadores.
1. Experiências de 2001 a 2004
Em 2004, foi feita uma pesquisa (TRESCA, 2004) a fim de identificar, nas gestões
municipais de 2001 a 2004 das capitais brasileiras, as experiências desenvolvidas na área de
políticas públicas de comunicação que fossem além da assessoria de imprensa
governamental3. Especificamente, foram investigadas quais as práticas de educação nãoformal em comunicação (educomunicação e outras ações que não acontecem necessariamente
no espaço escolar); leitura crítica da mídia; acesso às mídias (inclusão digital e outras
práticas); ações de fomento à comunicação alternativa e comunitária; e participação e
democratização das políticas públicas de comunicação no nível da administração pública
municipal (conselhos municipais, conferências, plebiscito).
Para esse mapeamento, foram utilizados dois instrumentos de pesquisa: questionário
endereçado ao órgão responsável pela comunicação do município (secretaria, coordenadoria,
diretoria ou gabinete) e pesquisa documental4. Contudo, o retorno dos questionários enviados
foi escasso: apenas Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Aracaju (SE), Curitiba (PR), Salvador
(BA) e Belém (PA)5.
Portanto, pelo levantamento realizado em 2004, é possível afirmar que havia
experiências - ou pelo menos divulgação de práticas na internet - em apenas oito capitais
brasileiras, das 27 estudadas: Aracaju (SE), Belém (PA), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Porto
Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
3
Pesquisa realizada, em 2004, como trabalho de conclusão de curso de graduação sob orientação da Prof. Dra
Graça Caldas.
A monografia ficou em segundo lugar, na categoria Monografia de Graduação do Primeiro Concurso de
Monografias, Dissertações e Teses – 2007, promovido pelo Programa InFormação da Agência de Notícias dos
Direitos da Infância – Andi.
Observe que o critério de levantamento em 2004 é um pouco diferente do critério utilizado em 2006: no último
levantamento, focou-se nas políticas de fomento à comunicação comunitária.
4
Os principais documentos foram coletados na internet e receberam um tratamento científico, no sentido de que
foi usado roteiro de observação, construídas categorias e sistematização em tabelas comparáveis.
5
Como a pesquisa foi desenvolvida em período eleitoral, se verificou o engajamento dos órgãos de comunicação
nas campanhas em detrimento do fornecimento das informações necessárias para a pesquisa.
74
A seguir, são feitos breves relatos analíticos das iniciativas, organizado por ordem
alfabética de cidade6. Para cada município, foi feito um pequeno quadro do contexto
institucional das políticas de comunicação, com informações sobre: o(a) prefeito(a), partido a
que está vinculado (a), a Lei Orgânica do Município, o órgão da prefeitura responsável pela
comunicação municipal e a existência de mecanismos locais e coletivos de participação na
política de comunicação. Por fim, procede-se à descrição das experiências de fomento à
comunicação.
1.1 Aracaju (SE)
De 2001 a 2004, Aracajú (SE) foi administrada pelo prefeito Marcelo Déda, filiado ao
Partido dos Trabalhadores (PT). Foi reeleito e governou até 2006, quando renunciou para
concorrer ao posto de Governador do Estado de Sergipe, cargo que exerce atualmente pelo
mesmo partido.
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Aracaju (SE):
Quadro 3 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Aracaju (SE) em 2004
Marcelo Déda
Prefeito
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria Municipal de Comunicação
comunicação municipal
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Sim
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Não
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
“Fala Cidadão”
Iniciativas de fomento à comunicação
6
A descrição será breve, porque os resultados dessa pesquisa já foram relatados em pesquisa anterior. Também
se objetivou driblar o problema apontado por Ladislau Dowbor ( 2004, p.8) no artigo Informação para a
cidadania e o desenvolvimento sustentável:
“Mais do que da construção de novos universos de informação, trata-se aqui de desenvolver as metodologias e
formas de organização que permitam a produção, sistematização e divulgação de informações normalmente já
existentes, e que precisam ser disponibilizadas de forma a permitir a ação concreta dos diversos atores sociais.
Não são necessárias, aqui, grandes teorias: o que precisamos é de um choque de bom senso. Somos literalmente
bombardeados, a cada momento, com informações sobre o desodorante da moda, mas não temos uma
informação tão importante para a nossa cidadania, como, por exemplo, quanto tempo se espera o ônibus, em
média, na nossa cidade. Podemos viver com muito menos informação do que o dilúvio a que somos diariamente
submetidos. Mas temos de ter a informação que efetivamente nos interessa”.
75
O órgão da prefeitura responsável pela comunicação era a “Secretaria Municipal de
Comunicação”, o que em tese implicaria em uma maior autonomias administrativas,
financeiras e executivas em relação a assessorias de imprensa, por exemplo.
De acordo com análise realizada em 2004, na Lei Orgânica do Município, há um
capítulo específico que trata da Comunicação Social, no qual consta apenas um artigo: o Art.
328 dispõe que “a livre manifestação de pensamento e criação, a expressão e a informação
não sofrerão quaisquer restrições, sendo vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística”. Ou seja, limitava-se a reforçar o que já estava disposto na Constituição
Federal e não avançava para as outras dimensões da comunicação.
O município não tinha nenhum mecanismo coletivo de participação na política de
comunicação: não tinha conselho ou fórum de comunicação e nunca havia realizado nenhuma
conferência ou seminário para discussão das políticas municipais de comunicação.
A estratégia de comunicação adotada podia ser caracterizada dentro do escopo da
comunicação governamental, tal como é possível depreender da “Apresentação da Secom”
disponível no portal da prefeitura, em 2004:
A política de comunicação social do prefeito, dos secretários municipais e dos
dirigentes das demais entidades da municipalidade é uma das competências da
Secretaria Municipal de Comunicação – Secom. A secretaria que cuida da
imagem da administração tem várias atribuições, como manter constante
relacionamento com todos os órgãos de comunicação social de Aracaju, do
Estado e do país; dar cobertura a todas reuniões públicas do prefeito, bem
como entrevistas, festividades, solenidade e inaugurações; ter, sob seu
controle, toda a despesa com material de publicidade, autorizando a
divulgação de material pago, sempre com a antecipação dos recursos
orçamentários e os empenhos previstos em lei; colaborar com o cerimonial da
prefeitura na organização das solenidades oficiais; manter estreito
entendimento com os órgãos estaduais, federais e de outros Estados, ligados
assuntos de Comunicação Social; manter cadastro de todas as suas atividades,
arquivo e documentação de discursos, notas públicas em jornais e revistas, de
fotografias, filmes e outras matérias de interesse da cidade.
Contudo, entre os projetos desenvolvidos, o “Fala Cidadão” é uma ação pontual de
abertura da administração municipal para o diálogo, para a expressão da população, por meio
de caixas de sugestões, espalhadas em alguns pontos da cidade:
Nome: Fala Cidadão
Descrição: A Prefeitura de Aracaju tem um outro canal
aberto para que você possa mandar seu recado para o
prefeito e seus auxiliares. É o Fala Cidadão, a Secretaria de
Comunicação Social em parceria com Centrais de
Atendimento de outros órgãos do município, colocou em
alguns pontos da cidade de Aracaju caixas de sugestões.
76
Você pode escrever sua sugestão, crítica ou reivindicação, e toda semana uma
equipe da prefeitura recolhe as informações e envia para o destinatário
escolhido por você.
Através deste projeto, qualquer cidadão pode falar com a Prefeitura de
Aracaju. Essa conversa pode se dar de várias formas; de urnas colocadas em
vários pontos da cidade; do telefone; do fax: 3179-1311; da internet; através
de carta: Rua Itabaiana, 50, centro, Aracaju; ou pessoalmente. Todas as
sugestões, reclamações e contatos ajudam na administração da cidade.
Portanto, em 2004, a política municipal de comunicação estava voltada principalmente
para a divulgação governamental, mas havia uma experiência inicial, muito pontual, na
direção da participação cidadã 7.
1.2 Belém (PA)
De 2001 a 2004, Belém (PA) foi administrada pelo prefeito Edmilson Rodrigues,
filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2004, ele não se submeteu à reeleição, porque
estava no segundo mandato consecutivo. Concorreu Ana Júlia Carepa que perdeu para
Duciomar Costa, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Atualmente, Edmilson é
filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Belém (PA), em 2004:
Quadro 4 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Belém (PA) em 2004
Edmilson Rodrigues
Prefeito
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Coordenadoria de Comunicação Social
comunicação municipal
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Câmara Municipal aprovou a criação do
Conselho de Comunicação Municipal, mas
municipal de comunicação?
não foi implantado.
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
“Volante
Cabano
de
Cultura”
e
Iniciativas de fomento à comunicação
“Comunicação Popular”
7
De acordo com o levantamento realizado em 2006, o atual governo não expressou a prática como fomento à
comunicação comunitária. Portanto, com os critérios adotados no levantamento realizado em 2006, não foi
considerada para análise de estudo de caso.
77
O órgão da prefeitura responsável pela comunicação era a “Coordenadoria de
Comunicação Social” - o que denotava um trabalho de coordenação de uma área, com
autonomias administrativa, financeira e executiva relativas.
De acordo com análise realizada em 2004, a Lei Orgânica do Município de Belém
colocava como um de seus princípios a participação popular no planejamento municipal,
definindo os conselhos e órgãos colegiados instituídos, como instrumentos de participação e
órgãos de cooperação que terão a finalidade de auxiliar a administração na análise e no
planejamento de matérias de sua competência. Não obstante considerasse a participação
popular como um de seus princípios, a Lei Orgânica de Belém não tratava da comunicação e o
termo nem ao menos era citado no texto da Lei.
O município não tinha nenhum mecanismo coletivo de participação na política de
comunicação em funcionamento. Entretanto, de acordo com questionário respondido em
2004, o projeto de lei de criação do Conselho Municipal de Comunicação tinha sido aprovado
pela Câmara Municipal e aguardava sancionamento pelo prefeito8. A iniciativa foi um avanço
importante para o marco regulatório da comunicação no município, uma vez que a Lei
Orgânica não contemplava o setor. Contudo, nunca foi realizado nenhuma conferência ou
seminário para discussão específica das políticas municipais de comunicação9.
A estratégia de comunicação adotada, além da comunicação governamental,
contemplava duas iniciativas de fomento à comunicação comunitária: Volante Cabano de
Cultura e Comunicação Popular. A primeira consistia em uma TV de rua10, montada em um
ônibus, com palco móvel e telão. Quem definia a programação era a própria população do
local. A esta iniciativa foi acrescentado o projeto Curta nas Ruas. Por meio da união das duas
propostas, as comunidades tinham acesso à exibição de curtas-metragens, debates e
apropriação do processo comunicacional. A segunda tratava-se de oficinas de comunicação
popular, conforme questionário respondido:
São realizados cursos sobre produção de jornal e fotografia para pessoas
envolvidas em projetos sociais da prefeitura, como Fome Zero e Sementes do
Amanhã (projeto desenvolvido junto a crianças que antes trabalhavam em um
lixão). No Sementes do Amanhã, os adolescentes e crianças produzem um
programa exibido em uma rádio comunitária.
8
Até 2006, o Conselho Municipal de Comunicação não havia sido implantado.
Contudo, Belém fazia periodicamente o “Congresso da Cidade”, entendido como uma experiência de
desdobramento do Orçamento Participativo. O prefeito Edmilson Rodrigues o considerava o principal meio de
comunicação utilizado por seu governo – conforme palestra ministrada durante o evento Urbis 2002. É uma
concepção semelhante à de Paulo de Tarso Riccordi, apesar do consultor não ter atuado em Belém.
10
As TV’s de Rua foi tema da dissertação de Cássia Maria Chaffin Guedes Pereira, na Universidade Metodista
de São Paulo, em 1995.
9
78
Ainda, no mesmo questionário respondido, era afirmado que a leitura crítica da mídia
era prática recorrente nas escolas municipais. Contudo, de acordo com o levantamento
realizado em 2006, o atual governo não manteve nenhuma das ações no município.
1.3 Curitiba (PR)
Curitiba (PR), na gestão 2001-2004, era administrada pela segunda vez consecutiva
por Cássio Taniguchi, do Partido da Frente Liberal (PFL).
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Curitiba (PR), em 2004:
Quadro 5 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Curitiba (PR) em 2004
Cássio Taniguchi
Prefeito
Partido da Frente Liberal (PFL)
Partido
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Sim
texto específico sobre comunicação?
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria Municipal da Comunicação Social
comunicação municipal
Município tem ou teve conselho ou fórum Câmara Municipal aprovou o Conselho de
Comunicação Municipal, mas não foi
municipal de comunicação?
implantado.
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
Estúdios de rádios em escolas
Iniciativas de fomento à comunicação
As ações de comunicação estavam concentradas na Secretaria Municipal da
Comunicação Social (SMCS). Assim, era expressa a principal atribuição do órgão, em
questionário respondido em 2004: “A SMCS é um órgão de assessoria que atende à prefeitura
como um todo, pois tem a missão de divulgar todos os atos, ações e obras da Administração
Municipal à população de Curitiba”.
Contudo, a Lei Orgânica de Curitiba é uma das poucas que trata da Comunicação. Há
um capítulo inteiro para tratar da “Comunicação Social”, composto por três artigos:
Art. 185. Observados os princípios da Constituição Federal, o Município
promoverá e incentivará a manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,
priorizando a cultura regional.
Art. 186. Lei ou ação do Poder Público Municipal não poderá constituir
embaraço à liberdade e ao direito de informação.
Art. 187. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou
artística.
79
São diretrizes muito gerais, reafirmando alguns princípios constitucionais brasileiros.
A única referência ao âmbito local é o incentivo à “cultura regional”.
Na referida Lei, não há menção à participação nas políticas municipais de
comunicação. Também, o município nunca havia realizado nenhuma conferência ou
seminário para discussão das políticas municipais de comunicação.
Não coordenado pela Secretaria Municipal da Comunicação Social, mas pela
Secretaria Municipal de Educação, a prefeitura dispunha estúdios de rádio para a produção de
programas feitos para e pelos os alunos nas escolas Centro de Educação Integral
Expedicionário e CEI Bela Vista do Paraíso. Quando questionados sobre as ações
relacionadas ao jornalismo comunitário, simplesmente fizeram uma lista de periódicos que a
prefeitura produzia especificamente para a comunidade escolar.
Portanto, em 2004, a política municipal de comunicação estava voltada principalmente
para a divulgação governamental, mas havia uma experiência inicial, muito pontual, na
direção do fomento do direito à comunicação11.
1.4 Goiânia (GO)
De 2001 a 2004, Goiânia foi administrada por Pedro Wilson, do Partido dos
Trabalhadores (PT). Era a segunda vez que a cidade era governada pelo partido.
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Goiânia (GO), em 2004:
Quadro 6 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Goiânia (GO) em 2004
Pedro Wilson
Prefeito
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria de Comunicação
comunicação municipal
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Sim
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Sim
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
Iniciativas de fomento à comunicação
Instalação do Conselho Municipal de
Comunicação e instalação de serviço de
som.
11
De acordo com o levantamento realizado em 2006, o atual governo não expressou práticas de fomento à
comunicação comunitária. Portanto, a capital não foi considerada para estudo de caso.
80
O órgão da prefeitura responsável pela comunicação era a “Secretaria de
Comunicação”, que era “ligada ao gabinete do prefeito” – o que, de certa forma, denotava um
papel estratégico da comunicação na gestão. Na página da Secretaria de Comunicação na
internet (2004) era possível depreender quais eram as atribuições e política de comunicação
desenvolvida no município:
[...] A prefeitura considera que o acesso à informação é uma condição
imprescindível ao juízo crítico da população. E que o controle social sobre os
meios de comunicação é imprescindível no processo de democratização da
própria informação e, conseqüentemente, da administração pública.
Por isso, a gestão pública, democrática e participativa, que está sendo
construída, tem ampliado a atuação nessa área, desenvolvendo políticas
públicas de comunicação, associadas à comunicação institucional. Estas
políticas de comunicação são baseadas em princípios básicos e éticos
intocáveis; respeito à população; orientação democrática e participativa;
preocupação com a qualidade e com a otimização de custos; adaptação às
mudanças efetivadas pela administração; e comunicação institucional
adequada ao novo caráter da administração.
A comunicação desta gestão é composta por um conjunto de ações que
implicam o uso da mídia convencional (rádio, TV, jornal, revistas, outdoor,
ect) e não convencional (rádios, TVs e jornais comunitários, murais, boletins,
cartilhas, cartazes, jornais setoriais, etc.), sempre a serviço da democratização
da informação e da formação da consciência crítica da população.
A Lei Orgânica de Goiânia trazia um capítulo específico para tratar da Comunicação
Social. Referia-se à informação como bem público, cabendo ao Município garantir a
manifestação do pensamento, a criação e a expressão. Como parte integrante da política de
comunicação social, o Município observaria alguns princípios, como: a garantia, aos setores
organizados da sociedade, especialmente aos afins, de participação na política de
comunicação; a garantia de espaço, nos órgãos municipais de comunicação social, segundo
critérios a serem definidos em lei, aos partidos políticos e organizações sindicais,
profissionais, comunitárias, culturais, ambientalistas e outras dedicadas à defesa dos direitos
humanos e à liberdade de informação e expressão; e a aplicação, de forma disciplinada, das
verbas destinadas à propaganda e à publicidade oficiais.
A Lei ainda dizia que as verbas
públicas não seriam destinadas à propaganda e à publicidade oficiais em empresas de
comunicação social que não respeitassem a legislação trabalhista. E, por fim, criava o
Conselho Municipal de Comunicação Social, para regulamentar o setor.
De acordo com o questionário parcialmente respondido em 2004, as atividades de
fomento à comunicação implementadas pela gestão eram “instalação do Conselho Municipal
de Comunicação e instalação do serviço de som no Mercado Aberto da cidade”. O Conselho
81
Municipal de Comunicação foi previsto na Lei Orgânica de 1990, mas somente em 1994 foi
aprovada a Lei n.º 7.332 que regulamenta o seu funcionamento. Mesmo assim, a primeira
executiva do Conselho só foi eleita em 2002. Teve um mandato excepcional até o fim do ano.
O serviço de som no Mercado Aberto consistia na instalação de caixinhas de som no referido
mercado a fim de que os comerciantes pudessem fazer programas de rádio.
As ações não foram mantidas em 2006 e, portanto, desconsideradas para continuidade
de análise como estudo de caso dessa dissertação.
1.5 Porto Alegre (RS)
O prefeito de Porto Alegre (RS) era João Verle, mas era o quarto mandato do Partido
dos Trabalhadores (PT), que governou a cidade por 16 anos.
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Porto Alegre (RS), em 2004:
Quadro 7 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Porto Alegre (RS) em 2004
João Verle
Prefeito
Partido dos Trabalhadores
Partido
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Órgão da prefeitura responsável pela Gabinete de Comunicação Social
comunicação municipal
Município tem ou teve conselho ou fórum Sim
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Sim
seminário municipal de comunicação?
Rede de jornais escolares, “Estúdio
Iniciativas de fomento à comunicação
Multimeios”, “Rede Jornal”, orientação para
solicitação de autorização de funcionamento
de rádios comunitárias, promoção de eventos
e debates, cursos de capacitação para
produção em rádio e formação
profissional em comunicação comunitária.
Somente em 2004 foi criada uma estrutura formal, em Lei, para as políticas de
comunicação: o Gabinete de Comunicação Social12. Gabinete, de acordo com definição do
dicionário Houaiss (online), significa “pequena sala, com certo isolamento do conjunto de
uma habitação, destinada a diversos usos, mas, sobretudo, a trabalho”. Esse significado, se por
12
Apesar da estrutura formal ter sido criada somente em 2004, informalmente, os governos contavam com uma
Secretaria Municipal de Comunicação.
82
um lado denota uma estrutura de gestão municipal isolada, por outro lado revela o escopo de
organização do trabalho.
Na Lei Orgânica do Município, não constava nenhum texto específico sobre as
políticas municipais de comunicação ou do conselho de comunicação. A comunicação era
citada somente como vocábulo, de forma vaga.
Porto Alegre, em 2004, era a cidade que apresentava o maior número de ações e
articulação entre as iniciativas, apoiadas em uma estrutura institucional – a Coordenação de
Políticas Públicas de Comunicação – e na participação cidadã13.
Dessa maneira, a prefeitura desenvolvia diversas ações de fomento à comunicação,
como uma das atribuições da Coordenação de Políticas Públicas – criada com “a
responsabilidade de reativar o Conselho Municipal de Comunicação, apoiar as rádios
comunitárias, ser a porta de relacionamento da Prefeitura com os jornais de bairro,
comunitários e especializados ‘fora de banca’”, conforme questionário respondido.
Na área de educação não-formal em comunicação, as escolas municipais organizavam
16 jornais que circulavam na rede municipal de ensino. Ainda, uma escola possuía uma rádio
interna e “no último Fórum Mundial de Educação foi organizada uma cobertura jornalística
com 100 alunos da rede [municipal de ensino], fazendo texto, foto, vídeo e rádio”, conforme
questionário respondido.
A prática usual de anúncio nos jornais de bairro e mídias alternativas como forma de
fomento à comunicação também era feita em Porto Alegre14. Entretanto, a Coordenação de
Políticas Públicas atuou para que fosse criada a Rede Jornal, uma associação de jornais de
bairro. A idéia era mudar do conceito de concorrentes para cooperados. Pressupunha-se que
grupos de pequenas empresas trabalhando juntos teriam melhores condições de sobreviver no
mercado. Como eles atingiam diferentes bairros, podiam se auxiliar nas dificuldades. Por
exemplo, o desafio de conseguir grandes anunciantes. Com uma distribuição conjunta de até
180 mil exemplares ficava muito mais viável para o cliente. Além da união comercial, havia
cooperação para a qualificação.
Ainda, a Coordenação de Políticas Públicas manteve reuniões de divulgação, incentivo
e orientação das comunidades que organizavam ou que cogitavam organizar-se para requerer
13
Tal como informado no capítulo anterior, foi Paulo de Tarso Riccordi quem criou a Coordenação de Políticas
Públicas de Comunicação, em 1999, durante a gestão de Raul Pont. Isso significa que as iniciativas em Porto
Alegre são anteriores à gestão de João Verle.
14
Luís Henrique Silveira, coordenador de políticas públicas, em entrevista concedida à autora, por telefone em
2004, afirmou que todos os jornais recebiam verbas publicitárias igualitárias, proporcionais à tiragem e à
circulação, independente da linha política do veículo.
83
autorização de funcionamento de um canal de rádio comunitária na capital15. Promoveram
parte do financiamento dos congressos gaúcho e brasileiro da Associação Brasileira de
Radiodifusão Comunitária (Abraço) e do seminário Rádio Comunitária é Legal.
Cursos de capacitação para produção em rádio comunitária foram oferecidos em
associações de bairro da Ilha da Pintada, Restinga, Vila Cefer 2 e Escola Padre Reus. Apesar
de não terem conseguido implantar antes de acabar a gestão, foram aprovadas junto ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) 16 oficinas de formação profissional, visando à
comunicação comunitária.
A iniciativa mais inovadora – no sentido de que ainda não havia sido instalada em
nenhuma outra capital – era o Estúdio Multimeios. Inicialmente, tratava-se de uma central
pública de acesso, aprendizagem, produção e distribuição de produtos midiáticos, concebida
como forma de combate à violência16. Contava com telecentro, estúdio de gravação, ilhas de
edição, um espaço multiuso com palco e cadeiras para reuniões e uma “biblioteca de
equipamentos” com máquinas fotográficas, câmeras de vídeo e gravadores. O espaço era
utilizado para oficinas, mas também por grupos ou cidadãos mediante
agendamento.
Também se constituiu como local de shows e apresentações17.
Porto Alegre também foi a primeira prefeitura que institucionalizou um canal de
participação e democratização das políticas públicas de comunicação: o Conselho Municipal
de Comunicação (CMC). O CMC é criado em 1989, pelo Decreto nº 9426, assinado pelo
prefeito da época, Olívio Dutra (PT). A formulação do conselho se dá por pressão do
momento histórico e dos movimentos sociais, mas principalmente por vontade política do
poder executivo. Certamente, a experiência de Porto Alegre foi concebida por influência da
criação do Conselho Comunicação Social, na Constituição de 1988, um ano antes. De acordo
15
A pesquisadora recebeu a doação de Dagmar Camargo do livreto A era das rádios comunitárias. Saiba como
dar voz à comunidade: rádio comunitária passo a passo publicado pela prefeitura e usado nas referidas reuniões.
16
Foi um projeto piloto feito pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, com parceria
com o Ministério da Justiça e coordenado por Luiz Eduardo Soares. Conforme a página do Estúdio Multimeios
na internet, a idéia era "enfrentar o problema com intervenções capazes de prevenir a violência e a criminalidade,
alterando as condições propiciatórias. Nesse sentido, foi identificado como foco principal a ser combatido: o
tráfico de armas e drogas, que atrai o grupo mais vulnerável que é o jovem, pobre, normalmente do sexo
masculino. Sendo assim, uma política de segurança de caráter preventivo que privilegie esse público-alvo tem de
fazê-lo, promovendo, mais do que a integração ao mercado de trabalho e à inclusão social, o acolhimento destes
jovens, reforçando-lhes a auto-estima, proporcionando-lhes uma imersão em linguagens e valores que devolvam
a esperança e confiança no jogo da sociabilidade cidadã. Que crie alternativas no plano simbólico e dê
visibilidade e importância a meninos e meninas expostos a essa realidade".
Houve uma grande mobilização local para instalação do Estúdio, com várias ações reivindicatórias.
O Estúdio Multimeios foi temas da reunião do Conselho Municipal de Comunicação, de 27 de novembro de
2003. O espaço foi apresentado por um convidado externo e se decidiu estudar quais seriam os meios para a
instalação desses estúdios nas 16 regiões do Orçamento Participativo.
17
Assemelha-se muito com a atual proposta do programa “Casa Brasil” do Governo Federal.
84
com Nascimento (2001, p.84), o grupo que criou o órgão, estava ligado ao militante pela
democratização da comunicação Daniel Herz. A criação não implica, necessariamente, em
implantação. Em agosto de 1994, acontece o ato de lançamento do Conselho, por meio do
seminário Os meios de comunicação de massa na construção da Cidadania: possibilidades de
uma experiência municipal. Participaram 75 pessoas de 28 entidades. A mobilização
alcançada nesse ato inicial foi mantida com reuniões mensais. Até 2003, a maior ação do
conselho foi o fomento à criação do canal comunitário a cabo de Porto Alegre, em 1996.
Inclusive, a história do canal comunitário começa com uma convocação pública do Conselho
Municipal de Comunicação para uma reunião. De 1997 a 2000, terceira gestão municipal
petista em Porto Alegre, o órgão praticamente não funcionou. Rearticulado em 2001,
trabalhou até 2003 em torno da I Conferência Municipal de Comunicação18.
Ilustração 1- Logotipo da I Conferência Municipal de Comunicação de Porto Alegre
Em 2003, foi feito o Seminário Comunicação Cidadã para lançar a I Conferência
Municipal de Comunicação19. As propostas e idéias aprovadas Conferência não tinham o peso
da formalidade da Lei. Mas tinham o poder de legitimação:
Quando eu assumi o setor de Políticas Públicas de comunicação eu precisava
saber quais seriam as políticas que nós iríamos implementar. Eu não poderia
tirar da minha cabeça quais seriam essas políticas. Então já havia uma
proposta de fazer uma conferência municipal. [...] Hoje nós temos um
conjunto de propostas que tem por objetivo incentivar a comunicação
comunitária na cidade. [...] O que a gente fez foi um trabalho de construir uma
política pública de comunicação.”20
18
Ainda em 2003 e durante o ano de 2004, a principal pauta de discussão foi o conceito de comunicação
comunitária para reconhecimento dos veículos impressos e eletrônicos – aprovado em maio e publicado no
Diário Oficial do Município, em dezembro de 2004.
19
Certamente, a fala de especialistas direcionou a pauta da conferência.
O grupo de trabalho constituído no seminário para encaminhar a conferência montou, como metodologia, uma
página na internet para que as propostas fossem encaminhadas anteriormente para o debate e aprovação durante
a conferência.
20
Luis Henrique Silveira, coordenador das políticas públicas de comunicação, em entrevista concedida à
pesquisadora, por telefone, em 21/09/2004.
85
Portanto, as propostas aprovadas foram tomadas como diretrizes para a ação do poder
executivo local, conforme Relatório da Primeira conferência municipal de comunicação: 21
Ao final desta Conferência, a população de Porto Alegre e a administração
municipal dispõem de um conjunto de sugestões e idéias, para elaboração de
políticas públicas de comunicação, afim de que a democracia participativa, da
qual a cidade é modelo para o mundo, seja completa, pois não existe
democracia plena sem a democratização dos meios de comunicação de massa.
Apesar de tantas iniciativas, não foi fácil implementá-las, tal como descrito no capítulo
II. Também, não foi possível mantê-las totalmente, como será analisado no capítulo IV.
1.6 Recife (PE)
De 2001 a 2004, Recife foi administrado por João Paulo Lima e Silva, do Partido dos
Trabalhadores (PT). Foi reeleito e permanece no cargo e no partido.
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação do Recife (PE), em 2004:
Quadro 8 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Recife (PE) em 2004
João Paulo Lima e Silva
Prefeito
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria de Comunicação Social
comunicação municipal
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Sim
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Lei Orgânica prevê o Conselho de
Comunicação Social, mas não foi implantado.
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
Iniciativas de fomento à comunicação
“Tv Matraca”, “prefeitura online”,
“opinião” e “fórum de debates”.
A Secretaria de Comunicação Social era o órgão da prefeitura responsável pela
comunicação - o que teoricamente implicaria em uma maior autonomia administrativa,
financeira e executiva em relação a assessorias de imprensa, por exemplo. A Secretaria
possuía uma subdivisão denominada “Diretoria de Rádio e Comunicação Popular”.
21
Além de orientar as Políticas Públicas de Comunicação a serem implementadas pela prefeitura, certamente, a
Conferência fomentou o debate na sociedade civil a respeito da democratização da comunicação e as ações
possíveis em âmbito local. Um dos resultados mais imediatos foi a mobilização em torno do Conselho Municipal
de Comunicação: as reuniões voltaram a acontecer e com freqüência regular.
86
A Lei Orgânica Municipal do Recife era uma das poucas Leis Orgânicas que tratava
da comunicação, estabelecendo inclusive um Conselho de Comunicação Social, “como
instrumento de conscientização e defesa da cidadania”22, conforme art. 5. Nesse caso,
vinculava-se ao poder Legislativo – assim como o Conselho de Comunicação Social nacionale tinha a participação das entidades representativas da Comunicação Social, garantida em Lei.
Ainda sobre a comunicação, dizia a Lei, no art. 63, inciso xx:
§ 1º - As ações do Poder Público, no campo da comunicação social, inclusive
a programação visual e sonora, deverão ter caráter educativo, informativo e
de orientação social, e basear-se, exclusivamente, nos elementos da identidade
oficial do Município, não podendo, em hipótese alguma, conter nomes,
símbolos, imagens, cores ou sons característicos de outras instituições, idéias,
fatos ou pessoas.
Por fim, o capítulo III da Lei Orgânica tratava do processo de democratização das
informações, assegurando aos cidadãos o direito à informação:
DO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES
Art. 67 - Será assegurado aos cidadãos amplo acesso às informações relativas
a ação da administração pública municipal, conforme regulamentado em lei.
Parágrafo Único - Para efeito do cumprimento do disposto neste Artigo, será
facilitado o acesso e a compreensão das referidas informações, especialmente
através da informatização dos arquivos de dados do poder público municipal.
Art. 68 - Toda entidade da sociedade civil com sede ou representação no
território do Município, desde que requeira, terá assegurada audiência pública
com o Prefeito ou outra autoridade do Município, para que se esclareça
determinado ato ou projeto da administração municipal.
Art. 69 - A lei disciplinará os gastos com publicidade no caso dos órgãos da
administração direta, da indireta e da Câmara Municipal, cujas despesas não
poderão ultrapassar 1% (um por cento) da receita efetiva realizada no
exercício anterior, excluídas as operações de crédito e as transferências de
capital.
São preocupações relacionadas ao campo do direito à informação. Certamente, é um
avanço em relação às outras capitais. Contudo, a legislação deixa a desejar detalhes e
aprofundamento.
Apesar de previsto em Lei Orgânica, o Conselho de Comunicação Social não havia sido
implantado. Também nunca havia sido feito nenhum seminário ou conferência específicos
para discutir as políticas municipais de comunicação.
22
Além do Conselho de Comunicação Social, a Lei Orgânica considera como instrumentos de conscientização e
defesa da cidadania os seguintes Conselhos: o Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, o Conselho de Defesa
do Consumidor e o Defensor do Povo.
87
No portal da prefeitura, na página da Secretaria de Comunicação Social, no link
“missão” era publicado: “A Secretaria de Comunicação Social tem a missão de democratizar
as informações, contribuindo na construção de um Governo transparente, participativo e
solidário; e criando condições para permitir a implantação de uma gestão radicalmente
democrática”. E mais:
A Secretaria de Comunicação Social está voltada à construção da cidadania.
Nesta perspectiva, criou a Diretoria de Comunicação Popular, que produz e
coordena canais próprios de comunicação da Prefeitura com os moradores da
cidade, estimulando a participação e o diálogo (PORTAL DO RECIFE, 2004,
online).
No link “projetos e ações” havia: “Tv Matraca”, “prefeitura online”, “opinião” e “fórum
de debates”. A “Tv Matraca” era um projeto de Tv de rua semelhante ao Volante Cabano de
Belém. Clicando no link era possível obter os seguintes detalhes:
Informar, formar, educar, sensibilizar, mobilizar, interagir, multiplicar. Para
cumprir estes compromissos, a comunicação de um governo democrático e
popular não pode fazer uso, apenas, da mídia tradicional. Por isso, criou a TV
MATRACA, uma TV de Rua que, através de telão, leva informação,
educação e lazer para as comunidades das 35 micro-regiões do Município.
O objetivo é estimular a participação e o diálogo com a população,
desencadear uma relação de troca sistemática e transparente, através de
campanhas educativas, de conscientização nas áreas de saúde, educação,
limpeza urbana, direitos, drogas, prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, cultura - cidadania, enfim. O Programa é produzido pela TV
VIVA, sob a coordenação da Secretaria de Comunicação Social. A TV VIVA
é uma produtora que, há mais de 20 anos, desenvolve um trabalho de TV de
Rua. (PORTAL DO RECIFE, 2004, online).
O objetivo do projeto “prefeitura online” era a “incrementação do uso da internet no
processo de comunicação interna e com o cidadão”. Essa ação situava-se principalmente no
campo da assessoria de imprensa. Entretanto, localizava-se também na área de acesso às
mídias, já que havia a preocupação de incorporar “recursos de usabilidade, tornando-o
acessível aos portadores de deficiência visual que utilizem navegadores não-visuais”. O
projeto “opinião” era um “espaço para artigo e crônicas sobre política, cidadania e qualidade
de vida”. Assim, a página se constituía como um instrumento de publicação, uma mídia.
Dessa forma, dava voz aos cidadãos. O “fórum de debates” era um “espaço para debates e
discussões sobre temas diversos”. Nesse sentido, se constituía em lugar de se usar a palavra e
de se ouvir também.
No levantamento realizado em 2006, nota-se uma grande mudança na gestão municipal
de comunicação, apesar da reeleição do prefeito João Paulo. A Secretaria de Comunicação
88
Social passou a ser denominada Secretaria de Gestão Estratégica e Relações Internacionais.
Nenhuma das ações foi mantida. Entretanto, outras foram adotadas e serão descritas a seguir,
no item 2.5 .
1.7 Salvador (BA)
De 2001 a 2004, Salvador (BA) foi administrada por Antonio José Imbassahy da
Silva, do Partido da Frente Liberal (PFL), pela segunda vez consecutiva. Em 2005, ele trocou
de partido: filiou-se ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Na prefeitura, foi
sucedido por João Henrique Carneiro vinculado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT).
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação de Salvador (BA), em 2004:
Quadro 9 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Salvador (BA) em 2004
Antonio José Imbassahy da Silva
Prefeito
Partido da Frente Liberal (PFL)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria Municipal de Comunicação Social
comunicação municipal
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Não
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
Anúncios publicitários e leitura crítica da
Iniciativas de fomento à comunicação
mídia.
A Secretaria Municipal de Comunicação Social era o órgão da prefeitura responsável
pela comunicação - o que teoricamente implicaria em uma maior autonomia administrativa,
financeira e executiva em relação a assessorias de imprensa, por exemplo.
A Lei Orgânica do Município não tinha nenhum capítulo ou texto específico sobre
comunicação. As menções feitas ao vocábulo se referiam à “conscientização pública para a
proteção do meio ambiente, através de um programa sistemático de educação ambiental, em
todos os níveis de ensino e nos meios de comunicação de massa” e ao reforço da livre
expressão, já disposta na Constituição Federal. Não havia avanços para as outras dimensões
da comunicação.
A participação popular, por força do art. 6º, da Lei Orgânica, constituía o princípio
fundamental da administração municipal. Não obstante a existência muitos conselhos no
89
referido código, até o Conselho do Carnaval, não havia qualquer menção a mecanismo de
participação no âmbito da comunicação. O município também nunca havia realizado nenhuma
conferência ou seminário para discussão das políticas municipais de comunicação.
A estratégia de comunicação adotada podia ser caracterizada dentro do escopo da
comunicação governamental, tal como é possível depreender da definição dada ao trabalho de
comunicação no questionário respondido em 2004:
A secretaria se mantém como o principal canal de comunicação das ações da
administração pública com a cidade. Interliga os diversos setores de serviços e
realizações internamente, mas também para a grande imprensa local e em
todo o país. Estabelece ponte de comunicação – informação – com outras
prefeituras, governos de Estado e com a União.
Nesse mesmo questionário, em relação ao fomento à comunicação alternativa e
comunitária, citavam os anúncios como prática: “A Coordenação de Publicidade e Propaganda
apóia, como anunciante de institucionais (campanhas de vacinação, ações educativas de reciclagem de
lixo, programas educativos etc.), pequenos meios, rádios comunitárias, jornais de bairro e outros
pequenos veículos de imprensa”. De fato, a compra de espaço publicitário é uma forma
recorrente de financiamento dos meios de comunicação. Contudo, é uma prática que, quando
incorre em fisiologismo, pode ser - além de moralmente perigosa – um retrocesso para a
consolidação da comunicação como um direito.
Outra iniciativa, descrita de forma vaga, encontrava-se no âmbito da leitura crítica da
mídia: “A Secretaria atua interligando ações das outras secretarias e organismos municipais.
Por exemplo, permite que a rede municipal de ensino possa utilizar a estrutura para a
produção de vídeos por estudantes”.
No levantamento realizado em 2006, foi informado que as iniciativas não foram
mantidas como prática de fomento à comunicação comunitária.
1.8 São Paulo (SP)
São Paulo (SP) foi administrada por Marta Suplicy, do Partido dos Trabalhadores
(PT), na gestão 2001-2004. A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto
institucional das políticas de comunicação de São Paulo (SP), em 2004:
90
Quadro 10 – Contexto institucional das políticas de comunicação de São Paulo (SP) em 2004
Marta Suplicy
Prefeita
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria Municipal de Comunicação
comunicação municipal
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Não, em 2004
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
“Educom.rádio”
Iniciativas de fomento à comunicação
A comunicação não era regulamentada na Lei Orgânica do Município. Uma das
poucas vezes que a palavra comunicação aparecia no texto da Lei referia-se à “provisão de
condições para que o processo educativo utilize meios de difusão, educação e comunicação”.
Depois, ao tratar da pessoa portadora de deficiência, quando se refere à sua “inserção na vida
social e econômica, através de programas que visem o desenvolvimento de suas
potencialidades, em especial o direito à informação e à comunicação, considerando-se as
adaptações necessárias”.
Contudo, São Paulo obteve avanços legislativos importantes, embora nenhuma Lei
tenha se efetivado. Ainda em 2004, foram sancionadas a Lei Municipal 13.885 que estabelece
a obrigação de um Plano Diretor de Radiodifusão Comunitária para a Capital e a Lei
Municipal 13.941 que institui o programa Educom.radio.
Até 2004, não havia nenhum conselho ou fórum de comunicação em funcionamento.
Ainda, nunca havia sido feito nenhum seminário ou conferência específicos para discutir as
políticas municipais de comunicação.
A estrutura da Secretaria Municipal de Comunicação de São Paulo era voltada para a
assessoria de imprensa. Entretanto, em parceria com o Núcleo de Comunicação e Educação da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), foi desenvolvido o
Programa Educom.rádio, de 2001 a 2004. Nesse caso, os laboratórios de rádio implantados
em escolas públicas municipais foram privilegiados como instrumentos de trabalho. Ainda,
foi eleita a abordagem de um tema específico: a violência. Tratava-se de um projeto vinculado
ao espaço formal de educação, a escola.
91
1.9 Primeiras replicações: pioneirismo e incipiência
Após a descrição e análise contexto institucional das prefeituras de capitais que
executaram políticas de fomento à comunicação, na gestão 2001-2004, é possível apresentar
um quadro com a síntese das informações obtidas individualmente de cada cidade23:
23
Foram colados em negrito dados que se destacam na tabela.
92
Quadro 11- Panorama das políticas locais de fomento à comunicação no Brasil de 2001 a 2004
Aracaju (SE)
Belém (PA)
Curitiba (PR)
Goiânia (GO)
Porto Alegre (RS)
Recife (PE)
Salvador (BA)
São Paulo (SP)
Marcelo
Déda
Edmilson
Rodrigues
Cássio
Taniguchi
Pedro Wilson
João Verle
Antonio
Imbassahy
Marta Suplicy
Partido
Órgão
da
prefeitura
responsável pela
comunicação
municipal
Lei Orgânica do
Município
tem
capítulo ou texto
específico sobre
comunicação?
Município
tem
ou teve conselho
ou
fórum
municipal
de
comunicação?
PT
Secretaria
Municipal de
Comunicaçã
o
PT
Coordenadoria
de Comunicação
Social
PFL
Secretaria
Municipal da
Comunicação
Social
PT
Secretaria de
Comunicação
PT
Gabinete de
Comunicação
Social
João Paulo
Lima e
Silva
PT
Secretaria
de
Comunicaçã
o Social
PFL
Secretaria
Municipal de
Comunicação
Social
PT
Secretaria
Municipal de
Comunicação
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Lei
Orgânica
prevê o
Conselho de
Comunicaçã
o Social,
mas não foi
implantado.
Não
Não
Município faz ou
já fez conferência
ou
seminário
municipal
de
comunicação?
Câmara
Municipal
aprovou o
Conselho de
Comunicação
Municipal, mas
não foi
implantado.
Não
Não
Não
Prefeito(a)
93
Iniciativas
de
fomento
à
comunicação
Aracaju (SE)
Belém (PA)
Curitiba (PR)
Goiânia (GO)
Porto Alegre (RS)
Recife (PE)
Salvador (BA)
São Paulo (SP)
“Fala
Cidadão”
“Volante Cabano
de Cultura ” e
“Comunicação
Popular”
estúdio de rádio
em escolas
Instalação do
Conselho
Municipal de
Comunicação e
instalação de
serviço de som.
Rede de jornais
escolares, “Estúdio
Multimeios”,
“Rede Jornal”,
orientação para
solicitação
autorização de
funcionamento de
rádios
comunitárias,
promoção de
eventos e debates,
cursos de
capacitação para
produção em rádio
e formação
profissional em
comunicação
comunitária
“Tv
Matraca”,
“prefeitura
online”,
“opinião” e
“fórum de
debates”.
Anúncios
publicitários e
leitura crítica
da mídia.
“Educom.rádio”
94
A primeira constatação desse panorama é geográfica. Na região norte, apenas Belém
(PA) desenvolveu políticas de fomento à comunicação na gestão 2001-2004. É o mesmo caso
de Goiânia (GO) e São Paulo (SP), respectivamente, nas regiões centro-oeste e sudeste. A
maior parte das iniciativas apareceu no nordeste: Aracaju (SE), Recife (PE) e Salvador (BA).
Entretanto, trata-se da região que tem mais Estados e, portanto, mais capitais: nove. Dessa
forma, proporcionalmente ao número de capitais, a região Sul foi que obteve melhor
desempenho com duas ocorrências, em Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR).
O quadro também revela a recorrência de partido políticos que executam políticas
municipais de fomento à comunicação: Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido da Frente
Liberal (PFL). Entretanto das oito capitais com iniciativas de fomento à comunicação, seis
eram administradas pelo PT.
O desenho institucional mais adotado é a organização da comunicação em secretarias.
Secretarias são concebidas como órgãos responsáveis pela organização e o funcionamento de
um serviço administrativo. Em tese, possuem autonomias administrativas, financeiras e
executivas. Há, ainda, ocorrência de uma coordenadoria e um gabinete, respectivamente, em
Belém (PA) e Porto Alegre (RS). Contudo, a informação mais relevante desse quadro é a
preocupação em montar estruturas que vão além das assessorias de imprensa, ou seja, como
órgãos que fomentam o direito à comunicação, tal como conceituado nesse trabalho.
Observa-se que as Leis Orgânicas Municipais tinham capítulo ou artigos específicos
para comunicação em apenas metade das capitais com práticas de fomento à comunicação:
Aracaju (SE), Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Recife (PE). Em termos legislativos, embora
deixe a desejar detalhes e aprofundamento, a Lei Orgânica do Recife é que mais avança,
criando o Conselho Municipal de Comunicação e discorrendo sobre propaganda e
democratização das informações.
Os conselhos municipais, formalmente, começam a ser formulados, mas não estavam
implantados de fato – a não ser em Porto Alegre (RS), na gestão 2001-2004. Em Goiânia
esboçou-se a instalação do Conselho Municipal de Comunicação e não se obteve sucesso.
Belém, apesar da forte tradição em estabelecer políticas participativas, como o Congresso da
Cidade, não a levou ao campo das políticas de comunicação municipais.
Certamente, a grande inovação - em termos de participação na política municipal de
comunicação - é a prática da Conferência Municipal de Comunicação que só ocorreu em
Porto Alegre (RS).
95
Por fim, o relato das experiências demonstra uma diversidade grande de iniciativas:
TV’s de rua, caixas de opinião, oficinas de comunicação, estúdio de rádio em escolas, criação
de espaços opinativos online, rede de jornais escolares, instalação de serviço de som, “Estúdio
Multimeios”, rede de jornais de bairro, orientação para solicitação de rádios comunitárias,
promoção de eventos e debates, formação profissional em comunicação comunitária,
anúncios, prática de leitura crítica da mídia e educomunicação. Entretanto, conforme pesquisa
exploratória realizada em 2006, todas as práticas descritas nesse item não tiveram
continuidade – com exceção do Estúdio Multimeios e oficinas de comunicação em Porto
Alegre (RS).
Contudo, a relevância das experiências desenvolvidas nas capitais brasileiras de 2001
a 2004 está no pioneirismo em se conceber um papel para o poder público local também
executar políticas de comunicação para além da assessoria de imprensa. Também como
característica comum pode ser apontada a incipiência das iniciativas. Mesmo em Porto Alegre
(RS), com todo processo elaborativo e participativo, as ações eram praticamente um ensaio,
um experimento.
2. Experiências em 2005 e 2006
Em 2006, para se desenvolver essa dissertação, foi feito um novo levantamento em
todas as capitais brasileiras, com o enfoque e a metodologia um pouco diferente24. As
diferenças, porém, não invalidam a comparação entre um período e outro.
A pergunta norteadora foi: esta prefeitura atualmente executa alguma política de
fomento à comunicação comunitária? Foram adotados dois procedimentos para coleta de
dados: pesquisa inicial na internet e entrevistas por telefone com funcionários ou gestores dos
órgãos de comunicação das prefeituras das capitais25.
Portanto, pelo levantamento inicial realizado em 2006, é possível afirmar que há
experiências de políticas locais de fomento à comunicação comunitária em apenas cinco
capitais brasileiras, das 27 estudadas: Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto
Alegre (RS) e Recife (PE).
24
A principal diferença de uma pesquisa para a outra é que em 2004 a pesquisadora analisou as informações e
identificou as práticas que iam além da assessoria de imprensa. Em 2006, focou-se nas iniciativas de fomento à
comunicação comunitária. Dessa forma, as práticas de educomunicação, por exemplo, não foram contempladas,
porque o locus dessas políticas é a escola e não comunidades.
Também, só foram consideradas para análise como estudo de casos as políticas identificadas pela pesquisadora e
confirmadas órgão da prefeitura responsável pela comunicação municipal.
25
Ver descrição detalhada da metodologia na Introdução.
96
A seguir, são feitos relatos analíticos das iniciativas, organizado por ordem alfabética
de cidade. Para cada município foi feito um pequeno quadro contexto institucional das
políticas de comunicação, com informações sobre: o(a) prefeito(a), partido a que está
vinculado (a), o desenvolvimento de políticas de fomento à comunicação comunitária na
gestão anterior, a Lei Orgânica do Município26, o órgão da prefeitura responsável pela
comunicação municipal, a existência de mecanismo coletivo de participação na política de
comunicação e o total de despesas municipais com “Comunicação Social”, nos anos de 2005 e
200627.
Por fim, procede-se à descrição das experiências de fomento à comunicação
comunitária.
Também foram incluídas informações sobre algumas iniciativas esboçadas na área,
mas que não se adequaram ao objetivo da pesquisa por não estarem em execução em 2006,
não terem se efetivado ou por não terem como locus de atuação a comunidade.
2.1 Fortaleza (CE)
Fortaleza (CE), na gestão 2005- 2008, é administrada pela primeira vez por Luizianne
Lins, do Partido dos Trabalhadores (PT).
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação de Fortaleza (CE), em 2006:
26
As informações referentes às Leis Orgânicas Municipais foram obtidas em análise realizada em 2004.
O total de despesas municipais com “Comunicação Social”, nos anos de 2005 e 2006, provém de informações
obtidas por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI. É interessante
observar que “Comunicação Social” é uma das subfunções da função “Administração”. Entretanto, o sistema só
começou a divulgar as rubricas das subfunções a partir de 2004. Há ainda uma função denominada
“Comunicações”, mas é composta pelas subfunções “Comunicações Postais”, “Telecomunicações” e “Outras
despesas na função comunicação”- que se julgou fugirem da abordagem desta dissertação. Os dados referentes a
2007 ainda não estavam publicados.
De qualquer forma, a composição das rubricas denota uma concepção de comunicação e sabe-se que muitas
vezes o jeito de "prestar contas" influi diretamente na execução do orçamento e, conseqüentemente, na condução
das políticas.
É importante incorporar essas informações à análise, porque, de certa forma, revelam o quanto de investimento é
feito na área em cada município.
27
97
Quadro 12 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Fortaleza (CE) em 2006
Luizianne Lins
Prefeita
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Coordenadoria de Comunicação
comunicação municipal
A gestão anterior desenvolvia políticas de Não
fomento à comunicação comunitária?
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Sim
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Sim
seminário municipal de comunicação?
Total de despesas municipais com Não há informações28
“Comunicação Social”, nos anos de 2005 e
2006
Iniciativas de fomento à comunicação “Rede Municipal de Comunicação Popular”,
apoio cultural aos veículos de comunicação
comunitária
comunitários, rádios nas escolas, “Jornais
juvenis associados” e municipalização das
outorgas de radiodifusão
Conforme análise realizada em 2004, na Lei Orgânica Municipal não há nenhum
capítulo ou texto específico sobre a comunicação. O termo sequer é citado, apesar de
explícitas várias formas de participação.
A gestão anterior não desenvolvia políticas de fomento à comunicação comunitária: as
iniciativas descritas a seguir começaram em 2005. Para isso, foi criado um núcleo específico
para a comunicação alternativa e popular, dentro da Coordenadoria de Comunicação29. A
atuação dessa estrutura se dá em duas frentes: a criação de canais de comunicação próprios da
prefeitura30 e fortalecimento das iniciativas alternativas já existentes no município – esta
última frente se relaciona diretamente com o tema dessa pesquisa e será aprofundada.
28
No portal da prefeitura de Fortaleza na internet, há publicação do balanço de gestão fiscal. Contudo, os dados
localizados não são o total de despesas municipais com “Comunicação social”. Referem-se apenas aos gastos
alocados, no relatório de orçamento fiscal, no Gabinete da Prefeita com “Comunicação de governo” ou “Gestão
da política de comunicação”. De acordo com o referido documento, as despesas em 2005 foram de R$
7.451.819,62 e em 2006 R$ 11.201.438,51, totalizando R$ 18.653.258,13. De qualquer forma, não é possível
saber através do relatório, por exemplo, quanto foi destinado especificamente ao programa Jornais Juvenis
Associados.
29
Existem outros três núcleos: assessoria de imprensa, institucional e publicidade.
30
De acordo com a coordenadora do Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular, Ana Cláudia Perez, a
proposta é abrir canais de comunicação próprios da prefeitura para disputar simbolicamente com a mídia
hegemônica. Diz que o jornalismo feito não é “chapa branca”, não se foca nas pessoas, mas nos serviços
públicos. São iniciativas nesta área: “Rádio volante” (rádios difusoras nos terminais de ônibus; em 2007, ainda
não estava implantado, porque se buscava parceiros para financiamento) e “Tv sala de espera” (nos postos de
saúde).
98
As ações de fomento à comunicação comunitária do Núcleo de Comunicação Popular
e Alternativa só começaram efetivamente a ganhar corpo em 2006, com o I Seminário de
Comunicação Popular – A Comunicação que Queremos. A coordenadora do setor, Ana
Cláudia Perez, explica que o primeiro ano foi para “arrumar a casa” – o que implicaria uma
mudança de cultura de gestão do prefeito anterior, Juraci Magalhães do PMDB31.
Assim, em julho de 2006, foi realizado o I Seminário de Comunicação Popular – A
Comunicação que Queremos. O objetivo do Núcleo era poder mapear as entidades que
trabalhavam com comunicação no município, conhecê-las e estudar como estabelecer
parcerias32. Assim, no evento, foi elaborada uma “Carta Compromisso” (anexo 4), um
relatório de intenções com proposições de ação tanto para prefeitura como para a sociedade
civil. Também foi criada a Rede Municipal de Comunicação Popular, em que a prefeitura
inicialmente participou não como membro, mas apenas como um dos parceiros.
A idéia é que a rede fosse o canal de diálogo e de demandas para a prefeitura. Assim,
para o ano de 2007, estava previsto o mapeamento de demandas de capacitação por meio da
Rede e a prefeitura viabilizar parcerias com ONG’s e outras organizações da sociedade civil
para que as iniciativas acontecessem.
Conseqüência dos debates da rede, o vereador Guilherme Sampaio, líder da prefeita na
Câmara Municipal de Vereadores, apresentou o projeto de lei nº 284/06, que dispõe sobre a
exploração do serviço de radiodifusão em Fortaleza. Uma audiência pública realizada Câmara
Municipal de Vereadores, em novembro de 2006, discutiu a proposta que ainda está
tramitando33.
Também foi destinado, tal como previsto no relatório de intenções, 1% da verba
publicitária do município para o apoio cultural aos veículos de comunicação comunitários. De
acordo com a coordenadora do Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular, Ana Cláudia
Perez, o apoio cultural às rádios comunitárias só é oferecido aos veículos legalizados,
mediante a divulgação de campanhas educativas elaboradas pela prefeitura34. Ela ainda afirma
que a prefeitura procura mudar a qualidade da relação com esses meios, de burocrático - ou de
paternalista ou provedor - para parceiros.
31
Entre as mudanças, Ana Cláudia cita a troca de todo corpo gestor e técnico da área de comunicação da
prefeitura.
32
A coordenadora do núcleo de comunicação alternativa e popular, Ana Cláudia Perez, informa que estiveram
presentes cerca de 200 pessoas no evento.
33
Embora ainda esteja tramitando, o vereador Guilherme Sampaio avalia que o projeto não será aprovado, dada
a inviabilidade do projeto de lei em outras localidades.
34
Em janeiro de 2007, Ana Cláudia Perez informa que havia 13 rádios comunitárias legalizadas no município, 7
em funcionamento e cerca de 100 pedidos feitos ao Ministério das Comunicações.
99
Por fim, em parceria com a Coordenadoria Especial de Políticas de Juventude e
organização não governamental (ONG) Comunicação e Cultura, está sendo realizado o
projeto Jornais Juvenis Associados35. Conforme edital (anexo 5), o objetivo do projeto é:
[...] viabilizar a FORMAÇÃO DE JOVENS, CRIAÇÃO e PUBLICAÇÃO de
jornais, pretendendo desta forma incentivar a produção jornalística, a sua
divulgação, trocas de experiências e conhecimentos, de modo a incentivar a
democratização dos Meios de Comunicação em Fortaleza.
A previsão é a iniciativa dar suporte de impressão em preto e branco para 4 edições
dos jornais, com quatro páginas, com uma tiragem máxima unitária de 1.500 exemplares. 34
grupos se inscreveram, 20 foram selecionados e cinco ficaram em lista de espera36.
A gente está muito feliz com essa ação, se a gente conseguir ver esses vinte
grupos [publicarem seus jornais]. A expectativa é de ter duzentos grupos. Nós
temos essa projeção, de acordo com o contato que nós temos. Existem grupos
que teriam esse perfil, mas que já têm os seus próprios jornais, já conseguiram
ser independentes em relação ao poder público (DUTRA, 2007, informação
verbal)37.
Inicialmente, ainda existem muitas demandas da Carta Compromisso a serem
viabilizadas38. Contudo, a palavra parceria é o melhor termo para qualificar a atuação do
Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular para o fortalecimento das iniciativas de
35
Os grupos foram selecionados em 17 de outubro e as atividades começaram em 19 de janeiro de 2008. Então,
trata-se de uma iniciativa cuja primeira experiência ainda está em curso.
36
Ainda, em parceria com o programa Rede Olhar Brasil do Ministério da Cultura, a Fundação de Cultura,
Esporte e Turismo de Fortaleza (FUNCET) está coordenando o Núcleo de Produção Digital . De acordo com a
página do Ministério da Cultura na Internet, a Rede Olhar Brasil são “Núcleos de Produção Digital formados a
partir da disponibilização gratuita de equipamentos, suporte técnico e atividades de aprimoramento profissional e
artístico dos realizadores audiovisuais. O projeto apóia a produção audiovisual independente e o estabelecimento
de uma rede popular de formação audiovisual”. Observa-se que se trata de um projeto um pouco semelhante ao
“Estúdio Multimeios”, de Porto Alegre. Contudo, a iniciativa foca-se, principalmente, na produção audiovisual
cinematográfica. Como a gestora do projeto reconhece que esta é uma iniciativa do Ministério da Cultura e não
da prefeitura, ela não foi considerada para análise.
Contudo, Ramon Cavalcanti Lima explica quais foram os benefícios para fazer o documentário Cadeiras com
Rodas, em entrevista à pesquisadora realizada em 24 de outubro de 2007: “Eu acho fantástico a possibilidade de
você pegar emprestado o equipamento para a produção.[...] Assim, você democratiza mesmo a produção, porque
o edital é super simples. Você não precisa ter um megaprojeto; você não precisa ter um currículo. A priori,
qualquer um tem a possibilidade de pegar equipamento emprestado e ter acompanhamento técnico para rodar o
seu curta-metragem, o seu vídeo, com equipamento de qualidade e acompanhamento eficiente. Então é, assim,
claramente e honestamente uma iniciativa de democratização do acesso. [Entrevistadora: Você falou que você
recebeu tecnologia digital e você conseguiu R$ 10 mil pra fazer o seu curta-metragem. Mas de certa forma o
Núcleo também facilita sua vida...] O aluguel dessa câmera, a diária dela é de R$ 350,00. Aqui eu usei dez dias o
equipamento. Se eu tivesse alugado essa câmera por dez dias, teria ido 35% do meu orçamento: R$ 3.500,00.
Fora o equipamento de edição, que também foi disponibilizado; fora iluminação - que no meu caso, a gente não
usou-, que também seria outro custo”.
37
Em entrevista à pesquisadora em 23 de outubro de 2007.
38
Apesar de não ser citado pela prefeitura como uma prática de fomento à comunicação comunitária, Marcelo
Inácio, do Movimento Cearense pela Democratização da Comunicação, aponta o papel importante do poder
executivo local na negociação com a Anatel para evitar o fechamento das rádios comunitárias ainda sem
autorização de funcionamento.
100
comunicação alternativas já existentes. As iniciativas demonstram uma grande mobilização da
prefeitura para fomentar a comunicação comunitária de forma participativa.
O total de despesas municipais com “Comunicação Social”, nos anos de 2005 e 2006,
não está disponível Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal –
SIAFI.
2.2 João Pessoa (PB)
Ricardo Coutinho, Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi eleito em 2004 para
administrar João Pessoa (PB).
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em João Pessoa (PB), em 2006:
Quadro 13 – Contexto institucional das políticas de comunicação de João Pessoa (PB) em 2006
Ricardo Coutinho
Prefeito
Partido Socialista Brasileiro (PSB)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria da Comunicação Social
comunicação municipal
A gestão anterior desenvolvia políticas de Não
fomento à comunicação comunitária?
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Sim
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Em elaboração.
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Sim
seminário municipal de comunicação?
Total de despesas municipais com R$ 24.269,8039
“Comunicação Social”, nos anos de 2005 e
2006*
Iniciativas de fomento à comunicação Municipalização das outorgas de radiodifusão
comunitária e regularização das rádios
comunitária
difusoras
*Dado do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI
De acordo com análise realizada em 2004, a Lei Orgânica de João Pessoa tratava sobre
a comunicação, mas a citava de forma restritiva e não propositiva. Dessa maneira, de acordo
com o art.8 alíneas III e IV, o município não pode:
39
Inicialmente, parece um valor de despesa muito baixo para os dois anos, em uma capital de estado - o que
pode significar uma inconsistência dos dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo
Federal – SIAFI.
101
III- subvencionar ou auxiliar, de qualquer modo, com recursos pertencentes
aos cofres públicos, quer pela imprensa, rádio, televisão, serviço de altofalante ou qualquer outro meio de comunicação, propaganda político partidária ou fins estranhos à administração;
IV- manter a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas de
órgãos públicos que não tenham caráter educativo, informativo ou de
orientação social, assim como a publicidade da qual constam nome, símbolos
ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores
públicos;
A Secretaria da Comunicação Social é o órgão da prefeitura responsável pela política
municipal de comunicação. Por vezes, é também denominada como Gabinete de
Comunicação Social. Ainda, na Secretaria, existe a Divisão de Comunicação Comunitária –
estrutura herdada do governo anterior.
Em 2005, assim que o secretário municipal de comunicação assumiu, o então Fórum
Metropolitano de Comunicação Comunitária40 solicitou uma reunião com o gestor a fim de
conhecer o plano de governo para o setor. Na reunião, surgiu a iniciativa de um seminário
para discutir propostas para o governo municipal.
Nos dias 13 e 14 de outubro de 2005, foi realizado o I Seminário de Comunicação
Comunitária que “[...] reuniu cerca de 180 participantes desses movimentos de rádios livres e
associações de moradores. Várias associações produzem pequenos jornais - alguns com
periodicidade e outros eventualmente-, trazendo necessidades como a luta por um esgoto, por
exemplo” (ALVES,2007, informação verbal)41.
As sugestões resultantes do encontro foram: 1) municipalização do serviço de
concessões de rádios comunitárias na Capital, através da criação de lei municipal; 2) criar
mecanismos sociais e governamentais para contribuir com assessoramento técnico e jurídico
da comunicação comunitária; 3) mobilizar associações, sindicatos e grupos sociais para o
debate sobre o Conselho de Comunicação Municipal; 4) estudar formas de sustentação
financeira das rádios comunitárias e procurar esses meios no orçamento do município; 5)
40
Em 2007, o Fórum Metropolitano de Comunicação passou por uma discussão interna e assumiu a identidade
da Associação Brasileira de Comunicação Comunitária – Abraço (PB), já que os membros do Fórum eram
principalmente vinculados à radiodifusão comunitária. Contudo, tal informação não foi triangulada – não foi
localizada nenhuma fonte documental ou feita entrevista que comprove o fato. Portanto, a informação deve
usada com cautela e mediante comprovação.
Embora a organização nacional da Associação Brasileira de Comunicação Comunitária - Abraço receba muita
crítica com relação aos métodos e propostas defendidos, acarretando muitas vezes em perda de legitimidade,
nota-se que o trabalho e propostas do antigo Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária são sérias e
factíveis.
41
Ednaldo Alves, da Divisão de Comunicação Comunitária, em entrevista concedida à autora, dia 31 de outubro
de 2007.
102
estimular a preocupação com a qualidade da programação; 6) propor treinamentos e
atualizações sobre problemas locais, fazendo com que as rádios do setor voltem suas ações
para a comunidade e 7) divulgar a legislação e fiscalizar as concessões que estão sendo dadas,
denunciando aquelas emissoras sem o caráter comunitário.
Nota-se que, nesta ocasião, foi posta em discussão a municipalização da
regulamentação das rádios comunitárias. Apesar de todas as outras propostas, a atuação da
prefeitura focou-se no acompanhamento e articulação política - inicialmente do projeto e
depois - da Lei 10.716/2006 que regulamenta a municipalização das outorgas de radiodifusão
comunitária, aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito, mas em disputa na
justiça.
Conseqüência do seminário e também da discussão de municipalização das outorgas
de radiodifusão comunitária, o Conselho Municipal de Comunicação continua em processo de
instalação. Entretanto, sem o caráter de debater as outorgas de rádios comunitárias por causa
da disputa judiciária:
Já realizamos algumas reuniões. Existe uma minuta desse projeto de criação
do conselho, que foi discutida entre o Sindicato dos Radialistas, Sindicato dos
Jornalistas, Associação Paraibana de Imprensa, empresas de comunicação,
rádios, jornais e grupos comunitários. Tentamos envolver o máximo de
pessoas tanto da sociedade civil como empresariais (ALVES,2007,
informação verbal)42.
Outra iniciativa é a regulamentação das rádios difusoras no município, reflexo da Lei
do Governo Estadual para o setor. Ocasionalmente, a prefeitura investe em apoio cultural ou
anúncio nas rádios ou pequenos jornais43.
As iniciativas demonstram que na área da comunicação a prefeitura tem atuado na área
de regulamentação, procurando mais regulamentar situações e propor leis do que
propriamente executar políticas.
O total de despesas municipais com “Comunicação Social”, nos anos de 2005 e 2006,
de acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal –
SIAFI, foi de R$ 24.269,80.
42
Em entrevista concedida à autora, dia 31 de outubro de 2007.
Contudo, como foi revelado que esta não é uma prática universal – que só se destina a alguns veículos em
circunstâncias especiais-, a prática não foi considerada para aprofundamento.
43
103
2.3 Macapá (AP)
João Henrique Rodrigues Pimentel é prefeito de Macapá (AP) desde 2001. No
primeiro mandato, foi eleito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e foi reeleito prefeito
pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Atualmente, está em diálogo com o Partido da
República (PR)44.
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Macapá (AP), em 2006:
Quadro 14 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Macapá (AP) em 2006
João Henrique Rodrigues Pimentel,
Prefeita
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Coordenadoria Municipal de Comunicação
Social
comunicação municipal
A gestão anterior desenvolvia políticas de Não
fomento à comunicação comunitária?
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Não
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
Total de despesas municipais com R$ 1.283.318,7145
“Comunicação Social”, nos anos de 2005 e
2006*
Iniciativas de fomento à comunicação anúncios e regularização das rádios de poste
comunitária
*Dado do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI
Apesar de esse ser o segundo mandato do prefeito, na gestão anterior, não eram
desenvolvidas políticas de fomento à comunicação comunitária.
De acordo com análise realizada em 2004, a Lei Orgânica Municipal cita o verbete
comunicação apenas uma vez, no art. 357, ao tratar da educação em saúde. O texto limita-se a
dizer que “deverá ser fornecida orientações à população e estar presente em todos os níveis
possíveis de comunicação”. Ou seja, não é um texto sobre comunicação, mas sobre saúde.
A Coordenadoria Municipal de Comunicação Social é o órgão da prefeitura
responsável pela execução das políticas municipais de comunicação. O município não tem
conselho ou fórum para discutir as políticas municipais de comunicação. Também nunca
foram feitas conferências ou seminários sobre a temática.
44
45
De acordo com entrevista concedida ao Jornal do Dia, em 30 de dezembro de 2007.
Resultado parcial uma vez que a rubrica referente ao ano de 2005 não está especificada.
104
A ação desenvolvida pela prefeitura de Macapá é muito pontual. Fazem, mediante um
contrato de 12 meses, anúncios nas rádios de poste46. Com o número crescente de rádios de
poste - em 2001 só havia 5 e em 2007 são quinze-, a regularização da atividade se fez
necessária. Por conta da poluição sonora, a autorização de funcionamento é feita pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente. São feitos croquis com a localização das caixinhas
de som (anexo 6). Inicialmente, os mapas até parecem um plano diretor das rádios difusoras,
mas acaba sendo apenas um instrumento para evitar possíveis conflitos caso uma rádio queira
instalar uma caixinha no poste destinado à outra rádio.
As despesas municipais com “Comunicação Social”, em 2006, de acordo com o
Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, foram de R$
1.283.318,7147.
2.4 Porto Alegre (RS)
José Fogaça do Partido Popular Socialista (PPS) foi eleito prefeito de Porto Alegre, em
2004, pela coligação com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O mote de sua campanha foi
“mudar o que está ruim” e “manter o que é bom”. O Orçamento Participativo, por exemplo,
foi mantido. Em março de 2007, Fogaça deixou o PPS e em setembro, retornou à sigla em que
se iniciou na política, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação em Porto Alegre (RS), em 2006:
46
As rádios de poste, consideradas pela prefeitura como rádios comunitárias, são na verdade “sistemas públicos
de publicidade”. Em 2007, de 32 bairros do município, 15 tinham essas rádios.
A coordenadora de comunicação social da prefeitura de Macapá (AP), Germana Duarte, em entrevista à
pesquisadora, realizada dia 23 de agosto de 2007, aponta para um efeito não-intencional do crescimento do
número de rádios de poste: “Isso aí acaba sendo uma geração de emprego e renda, porque eu acho que no
mínimo, no mínimo, devem ter três pessoas numa rádio dessas trabalhando. E eles ainda têm que contratar
técnicos”.
47
Resultado parcial, porque a rubrica referente ao ano de 2005 não está especificada.
105
Quadro 15 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Porto Alegre (RS) em 2006
José Fogaça
Prefeita
Partido Popular Socialista (PPS)/ Partido do
Partido
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
Órgão da prefeitura responsável pela Coordenadoria de Comunicação
comunicação municipal
A gestão anterior desenvolvia políticas de Sim
fomento à comunicação comunitária?
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Não
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Sim
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Sim
seminário municipal de comunicação?
Total de despesas municipais com R$ 219.968,0948
“Comunicação Social”, nos anos de 2005 e
2006*
Iniciativas de fomento à comunicação “Estúdio
Multimeios”,
cursos
de
comunitária
capacitação em comunicação comunitária
e formação profissional em comunicação
comunitária.
*Dado do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI
Tal como exposto no item 1.5, na Lei Orgânica do Município, não constava nenhuma
texto específico sobre as políticas de comunicação. O Conselho Municipal de Comunicação
de 2005 até 2007 estava com as atividades paralisadas. E, nenhuma outra Conferência
Municipal de Comunicação foi realizada, após a saída do PT da administração da cidade.
Em Porto Alegre, na atual gestão, assim como no Recife e outras localidades, a
política de comunicação foi reformulada. Não existe mais a Coordenadoria de Políticas
Públicas de Comunicação. Das políticas executadas pela administração anterior, inicialmente,
foi informado que a única ação que persistiria seria o Estúdio Multimeios, na Restinga. E, tal
como comunicado no primeiro contato por telefone feito com o gestor atual do espaço, Carlos
Augusto Fonseca Pereira, “não está em atividade plena”. O trabalho de campo, realizado em
outubro de 2007, constatou que o espaço está sendo utilizado eventualmente para ensaio de
bandas e outras iniciativas pontuais como eventos ou oficinas eventuais:
A programação é fixa. Então, têm algumas bandas que ensaiam uma vez por
semana e eu tenho professor de música, de violão. Essa quarta, ele,
infelizmente não vai estar - porque ele, por enquanto, é voluntário. [...] Eu
tenho um professor de bateria que quarta à tarde vai estar dando aula lá, mas
como quarta à tarde nós vamos estar com o secretário... Temos um professor
de canto que dá leitura de partitura aos sábados à tarde e uma cantora lírica
48
Resultado parcial uma vez que a rubrica referente ao ano de 2006 não está especificada.
106
que é voluntária e dá aula de canto para crianças. Na verdade, ela é uma
mulher famosa, que é a Cristina [Sorrentino]. Ela, pelo seu prestígio, fez com
que as crianças, das oficinas da Restinga e da Cruzeiro, subissem no palco
com o cantor Toquinho quando ele esteve em Porto Alegre. [...] A Cristina
também fez com que as crianças participassem do lançamento da campanha
do câncer infantil no McDonalds junto com celebridades, como o Dunga, o
Tafarel, o prefeito, Falcão – são pessoas aqui do Sul que são famosas e
estavam aí e as crianças mais uma vez tiveram essa oportunidade. E a última
apresentação que eles fizeram foi na Assembléia Legislativa, num congresso
internacional. Então, isso aí repercute bastante, porque o objetivo do estúdio é
trabalhar com essa dificuldade, com a carência (PEREIRA, 2007, informação
verbal)49.
Também foi revelado pelo trabalho de campo que as oficinas de comunicação
comunitária - demandadas na Conferência Municipal de Comunicação realizada em 2003 e
aprovadas no Orçamento Participativo da Temática Cultura em 2006 - estão em execução50.
Nota-se que nenhuma das duas iniciativas citadas são executadas pela Secretaria
Municipal de Comunicação. O Estúdio Multimeios é um equipamento público vinculado à
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana e as oficinas de comunicação
fazem parte do Programa de Descentralização da Cultura.
Por fim, dado que as iniciativas mantidas tiveram início na gestão anterior, o número
de práticas paralisadas e que nenhuma outra ação foi iniciada na gestão municipal de 2005 a
2008 no sentido do fomento à comunicação comunitária, conclui-se que as experiências em
curso em Porto Alegre (RS) são resíduos da gestão anterior. Também se observa que manter
uma política de um governo para o outro não significa de maneira alguma continuidade.
Debaixo da marca ou da estrutura anterior, o conteúdo e metodologia podem ser totalmente
re-elaborados e re-significados – o que se mantém é apenas uma regularidade discursiva.
As despesas municipais com “Comunicação Social”, em 2005, de acordo com o
Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, foram de R$
219.968,0951.
49
Coordenador do Estúdio Multimeios, em entrevista à pesquisadora em 08 de outubro de 2007.
Foram localizadas oficinas profissionalizantes no âmbito da comunicação comunitária executadas pela
Comissão Municipal de Trabalho e Emprego, com recursos do Fundo do Amparo do Trabalhador (FAT), tal
como citado no item 1.5. Entretanto, como a pesquisadora se deparou com uma apostila com conteúdos de
Matemática e Segurança do Trabalho, optou-se por não aprofundar essa experiência. De acordo com Dagmar
Camargo, o Conselho Regional de Rádios Comunitárias da Região Sul (CONRAD-RS) estuda a possibilidade de
encaminhar os documentos e de formalizar uma denúncia junto ao Ministério Público.
51
Resultado parcial uma vez que a rubrica referente ao ano de 2006 não estava especificada.
50
107
2.5 Recife (PE)
O prefeito do RECIFE (PE), João Paulo Lima e Silva, do Partido dos Trabalhadores
(PT), foi reeleito, permanece no cargo e não trocou de partido, tal como exposto no item 1.6.
A seguir, apresenta-se quadro com a síntese do contexto institucional das políticas de
comunicação do Recife (PE), em 2006:
Quadro 16 – Contexto institucional das políticas de comunicação de Recife (PE) em 2006
João Paulo Lima e Silva
Prefeito
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Órgão da prefeitura responsável pela Secretaria de Gestão Estratégica e
comunicação municipal
Relações Internacionais
A gestão anterior desenvolvia políticas de Sim
fomento à comunicação comunitária?
Lei Orgânica do Município tem capítulo ou Sim
texto específico sobre comunicação?
Município tem ou teve conselho ou fórum Não
municipal de comunicação?
Município faz ou já fez conferência ou Não
seminário municipal de comunicação?
Total de despesas municipais com R$ 12.533.428,00
“Comunicação Social”, nos anos de 2005 e
2006*
Iniciativas de fomento à comunicação Municipalização das rádios comunitárias,
Liberdade nas Ondas do Rádio, instalação de
comunitária
serviço de som nos mercados municipais,
Parabólica e Satélite do Mangue, oficinas de
rádio e oficina de voz para profissionais de
rádio
*Dado do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI
A Lei Orgânica do Recife (PE) é a mais avançada de todas as capitais, porque cria o
Conselho Municipal de Comunicação e discorre sobre propaganda e democratização das
informações – embora deixe a desejar mais detalhes. Ainda em 2006, o Conselho de
Comunicação Social não havia sido implantado.
Muitos encontros e debates relacionados à comunicação, em especial à comunicação
comunitária, continuam a acontecer no Recife52. As políticas municipais de comunicação
foram pauta de discussão de audiência pública realizada na Câmara de Vereadores em 14 de
52
É possível citar como exemplo o Congresso Estadual da Associação Brasileira de Comunicação Comunitária –
Abraço realizado em novembro de 2007.
108
setembro de 2005. O tema do debate foi a municipalização das rádios comunitárias no Recife,
proposto como projeto de lei pelo vereador Vicente André Gomes.
Na gestão anterior, a prefeitura já executava políticas de fomento à comunicação
comunitária, como é possível verificar no item 1.6. Contudo, na gestão 2005-2008 do Recife,
a estrutura de comunicação da prefeitura foi totalmente reformulada: “A Secretaria de
Comunicação Social passou a ser denominada Secretaria de Gestão Estratégica e Relações
Internacionais, constituindo o núcleo central do sistema de gestão estratégica, de comunicação
social e de relações internacionais e captação de recursos da Prefeitura do Recife”, conforme
o portal da prefeitura na Internet. Mas, a mudança não foi apenas de nomenclatura. Se por um
lado, a comunicação passou ter um papel estratégico, por outro, reforçou seu lado mais
instrumental, na difusão de informações. Também houve mudanças com relação às políticas
de fomento à comunicação comunitária. A Diretoria de Rádio e Comunicação Popular foi
mantida, mas para trabalhar principalmente com o desenvolvimento de programas de rádios e
outros serviços para esse segmento da comunicação53. Todavia, novas iniciativas emergiram:
Liberdade nas Ondas do Rádio, programa profissionalizante Multicultural, instalação de
serviço de som nos mercados municipais, projetos Parabólica e Satélite do Mangue, oficinas
de rádio e oficina de voz para profissionais de rádio54.
Como
incentivo
a
outros
conteúdos,
não
hegemônicos -
diferentes
dos
tradicionalmente divulgados pelos grandes grupos midiáticos -, foi criado o projeto
“Liberdade nas Ondas do Rádio”. A primeira edição tratava-se de um conjunto de CD’s com
músicas de 27 artistas locais foi gravado e distribuído para divulgação em todas as rádios
comunitárias do município. Os músicos pernambucanos tiveram seus trabalhos conhecidos e
as rádios opção musical para oferecer aos ouvintes.
Na mesma perspectiva, em parceria com o Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães
(Geraldão), jovens receberam capacitação de radialismo esportivo, em 2005. Eles tiveram
aulas de expositivas com radialistas esportivos famosos na localidade. Após a formação, os
53
Trata-se de um trabalho inovador no âmbito da comunicação governamental. A Diretoria de Rádio e
Comunicação Popular oferece, por exemplo, entradas ao vivo, como se o funcionário do setor fosse um repórter,
diariamente. A prefeitura, desta maneira, divulga os serviços públicos e a rádio ganha em dinâmica com o
ouvinte. Há ainda os serviços de som para orientação de público instalados no bairro Recife Antigo durante o
Carnaval e Morro da Conceição durante celebrações da festa de Nossa Senhora da Conceição.
Todavia, como ainda se tratam de atividades de assessoria de imprensa focada nos veículos comunitários, tais
iniciativas não foram consideradas para análise, assim como se procedeu com a iniciativa de Manaus, durante o
levantamento realizado em 2006.
54
A prefeitura cita também a parceira com o Programa Tim de Rádio nas Escolas. Contudo, como se trata de
uma iniciativa da empresa de celulares e não da prefeitura, a experiência não foi considerada para análise. A Tim
mantém ações parecidas em Belém, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,
Cuiabá e Manaus.
109
jovens fizeram a cobertura – algumas inclusive ao vivo - para as rádios comunitárias do
campeonato municipal de futebol de várzea, denominado Futebol Participativo.
Ainda, como umas das atividades do programa Círculos Populares de Esporte e Lazer,
são feitos fanzines com grupos de jovens, após debates temáticos. São os projetos Parabólica
e Satélite do Mangue.
Além dessas iniciativas, em 2005, a prefeitura participou ativamente da III Semana
Nacional pela Democratização da Comunicação, fazendo inclusive um show de encerramento
com o lançamento da segunda edição projeto “Liberdade nas Ondas do Rádio”, que dessa vez
fez homenagem ao centenário do frevo.
Também, em caráter experimental, estão sendo instaladas caixinhas de som em dois
mercados municipais a fim de que os comerciantes possam fazer programas de rádio e a
prefeitura fazer divulgação das campanhas e ações municipais. De acordo com o assessor da
Diretoria de Rádio e Comunicação Popular, Rodrigo Cortez,
Recife tem uma grande rede de mercados públicos e [o mercado] é um lugar
tradicional de encontro da cultura popular e de confraternização. Nós
escolhemos dois mercados para iniciar um projeto piloto de instalação de
rádios comunitárias. Seriam rádios populares com a participação de
comerciantes, dos usuários e da prefeitura. A gente já montou as equipes que
vão coordenar isso em dois mercados: o da Encruzilhada e na Boa Vista. Ele
[um funcionário da prefeitura] está indo agora fazer um levantamento de uma
rádio comunitária no Mercado do Beberibe, que é bem precária. A mulher que
está lá faz isso há três anos. Ela tem caixinhas pelo mercado, onde ela anuncia
o preço do feijão, leite, verdura... E aí a gente vai lá para fazer um
levantamento do que ela precisa e para ver o que nós conseguimos de dinheiro
para dar uma melhorada no equipamento dela55.
Ocasionalmente, são feitas oficinas de voz e capacitação para os trabalhadores das
emissoras populares. Os programas desenvolvidos na gestão passada -“Tv Matraca”,
“prefeitura online”, “opinião” e “fórum de debates”- não foram mantidos56.
O total de despesas municipais com “Comunicação Social”, nos anos de 2005 e 2006,
de acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal –
SIAFI, foi de R$ 12.533.428,00.
55
Em entrevista concedida à autora, dia 26 de outubro de 2007.
O portal da prefeitura na internet continua a existir. Contudo, não se oferece mais como um meio de expressão
do cidadão e nem se atém às questões de acessibilidade. De acordo com uma fonte que pediu para não ser
identificada, a TV Matraca deixou de existir por causa de “adequações político-partidárias”, que serão descritas
no capítulo seguinte.
56
110
2.6 Outras iniciativas e avanços
Algumas outras iniciativas foram esboçadas na área das políticas públicas locais de
fomento à comunicação comunitária57 .
Em 2007, a prefeitura de Vitória (ES) começou a se organizar para implantar políticas
de fomento à comunicação comunitária. Em 10 de novembro de 2007, foi realizado o
Seminário Comunicação Cidadã: a cidade e suas muitas formas de comunicar. Entretanto,
como se trata de uma ação ainda incipiente e por questões metodológicas referentes ao recorte
temporal da pesquisa, optou-se por não atualizar o levantamento realizado em 2006.
A prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) citava em sua página da internet parceira no
projeto Central Rádio Escola. Outra iniciativa de educomunicação tem lugar em São Paulo
(SP). Garantido pela Lei Municipal 13.941, o programa Educom.rádio permanece
timidamente em execução em São Paulo (SP). Contudo, a parceria com a Universidade de São
Paulo (USP) está paralisada desde 2005. O Comitê Gestor do Programa Educom Educomunicação pelas Ondas do Rádio só foi estabelecido no final do ano de 2005. Hoje, o
projeto executado é assim descrito pelo gestor do programa, Carlos Lima, em sua página da
internet:
Em 6 horas os alunos e professores que participaram tiveram a oportunidade
de aprender técnicas de comunicação radiofônica, noções de sonoplastia e
produção de programa em sistema digital, ou seja, pelo computador. A
garotada saiu feliz e cheio de idéias para colocar uma programação legal nos
intervalos e eventos culturais que escola irá desenvolver.
Tais experiências não foram consideradas para análise como estudo de casos, porque o
locus dessas políticas é a escola e não comunidades.
São Paulo obteve avanços legislativos importantes, embora nenhuma Lei tenha se
efetivado. No ano de 2005, foi sancionada a lei de municipalização das outorgas para o
funcionamento de emissoras de radiodifusão em São Paulo. Ainda em 2005, foi criado e
instalado o Conselho Consultivo de Inclusão Digital e Democratização dos Meios de
Comunicação. Contudo, as discussões de 2005 só trataram de inclusão digital. Em 2006, a
radiodifusão comunitária chegou a ser pautada, mas em julho o Conselho já não estava mais
em funcionamento.
Em 2007, a vereadora Sonia Francine Gaspar Marmo, conhecida como Soninha,
apresentou à Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo o projeto de resolução nº 14/07,
57
Contudo, tais experiências se adequaram ao objetivo da pesquisa por não estarem em execução em 2006, não
terem se efetivado ou por não terem como locus de atuação a comunidade.
111
ainda em tramitação, que institui a Frente Parlamentar em Defesa da Radiodifusão
Comunitária e da Democratização dos Meios de Comunicação no Município de São Paulo.
2.7 Replicações: experimentação
Após a descrição e análise contexto institucional das prefeituras de capitais que
executaram políticas de fomento à comunicação, em 2005 e 2006, é possível realizar um
quadro com a síntese das informações obtidas individualmente de cada cidade58:
58
Foram colados em negrito dados que se destacam na tabela por destoarem do conjunto de informações.
112
Quadro 17- Panorama das políticas locais de fomento à comunicação no Brasil em 2005 e 2006
Prefeito(a)
Fortaleza (CE)
Luizianne Lins
João Pessoa (PB)
Ricardo Coutinho
Partido
Partido dos Trabalhadores (PT)
Partido
Socialista
Brasileiro (PSB)
Órgão da prefeitura
responsável
pela
comunicação
municipal
A gestão anterior
desenvolvia
políticas de fomento
à
comunicação
comunitária?
Lei Orgânica do
Município
tem
capítulo ou texto
específico
sobre
comunicação?
Município tem ou
teve conselho ou
fórum municipal de
comunicação?
Coordenadoria
Comunicação
Secretaria
Comunicação Social
de
da
Macapá (AP)
João Henrique
Rodrigues Pimentel
Partido
dos
Trabalhadores (PT)
Coordenadoria
Municipal
de
Comunicação Social
Porto Alegre (RS)
José Fogaça
Recife (PE)
João Paulo Lima e Silva
Partido
Popular
Socialista
(PPS)/
Partido do Movimento
Democrático
Brasileiro (PMDB)
Coordenadoria
de
Comunicação
Partido dos Trabalhadores (PT)
Secretaria
de
Estratégica
e
Internacionais
Não
Não
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Em elaboração.
Não
Sim
Não
Gestão
Relações
113
Fortaleza (CE)
Município faz ou já
fez conferência ou
seminário
municipal
de
comunicação?
Total de despesas
municipais
com
“Comunicação
Social”, nos anos de
2005 e 2006
Iniciativas
de
fomento
à
comunicação
comunitária
Sim
Não há informações
João Pessoa (PB)
Sim
59
60
R$ 24.269,80
Macapá (AP)
Não
Porto Alegre (RS)
Sim
Não
Recife (PE)
R$ 1.283.318,7161
R$ 219.968,0962
R$ 12.533.428,00
das
rádios
e Estúdio
Multimeios, municipalização
das anúncios
Rede
Municipal
de Municipalização
das cursos de capacitação comunitárias, Liberdade nas
Comunicação Popular, apoio outorgas de radiodifusão regularização
em
comunicação Ondas do Rádio, instalação de
cultural aos veículos de comunitária e regularização rádios de poste
comunitária e formação serviço de som nos mercados
comunicação
comunitários, das rádios difusoras
profissional
em municipais, Parabólica e Satélite
rádios nas escolas, “Jornais
do Mangue, oficinas de rádio e
comunicação
juvenis
associados”
e
oficina de voz para profissionais
comunitária.
municipalização das outorgas
de rádio
de radiodifusão
Fonte: Elaborado com informações do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, Tribunal Superior Eleitoral - TSE e dados do
levantamento realizado em 2006.
59
No portal da prefeitura de Fortaleza na internet, há publicação do balanço de gestão fiscal. Contudo, os dados localizados não são o total de despesas municipais com
“Comunicação social”. Referem-se apenas aos gastos alocados, no relatório de orçamento fiscal, no Gabinete da Prefeita. De acordo com o referido documento, as despesas
em 2005 foram de R$ 7.451.819,62 e em 2006 R$ 11.201.438,51, totalizando R$ 18.653.258,13.
60
Inicialmente, parece um valor de despesa muito baixo para os dois anos, em uma capital de estado - o que pode significar uma inconsistência dos dados do Sistema
Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI.
61
Resultado parcial uma vez que a rubrica referente ao ano de 2005 não está especificada.
62
Resultado parcial uma vez que a rubrica referente ao ano de 2006 não está especificada.
114
Nas experiências em curso em 2005 e 2006, sobressaem as iniciativas no nordeste,
com três ocorrências num total de cinco – sendo o melhor índice proporcional ao número de
estados também. Dessa vez, nota-se a ausência de experiências na região sudeste63 e centroOeste.
Ainda, em todas as experiências do Nordeste foram montadas divisões administrativas
específicas para tratar da comunicação comunitária. Em Porto Alegre (RS), a Coordenadoria
de Políticas Públicas de Comunicação foi extinta. Em Macapá (AP), as políticas de fomento à
comunicação são geridas pela Coordenadoria Municipal de Comunicação Social – estrutura
que tem replicação em Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB). Portanto, são menos Secretarias
com autonomias administrativa, financeira e executiva.
O quadro também revela a recorrência do Partido dos Trabalhadores (PT) como o
principal executor de políticas de fomento à comunicação. Há ainda o registro de uma capital
administrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB)
64
e outra inicialmente administrada
Partido Popular Socialista (PPS), antes de José Fogaça trocar a legenda pelo Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Das cinco capitais elegidas para aprofundamento como estudo de caso, nota-se que
apenas duas têm textos específicos sobre comunicação em suas Leis Orgânicas: João Pessoa
(PB) e Recife (PE). A única capital que possui um fórum de discussão das políticas
municipais de comunicação é Fortaleza (CE), por meio da “Rede Municipal de Comunicação
Popular”. O Conselho Municipal de Comunicação de Porto Alegre até 2007 estava com as
atividades paralisadas. Em João Pessoa (PB), o Conselho Municipal de Comunicação está em
elaboração. Em 2005 e 2006,
apenas Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB) realizaram
seminários para discutir as políticas locais de comunicação comunitária. Nenhuma outra
Conferência Municipal de Comunicação foi realizada em Porto Alegre (RS) ou outra cidade
de capital.
As cidades que já desenvolviam políticas de fomento à comunicação na gestão de
2001 a 2004 são Porto Alegre (RS) e Recife (PE). Contudo, até no Recife onde o prefeito
permaneceu mesmo65, as políticas ou foram abandonadas (como no caso da TV matraca no
Recife) ou foram re-significadas (como no caso do Estúdio Multimeios em Porto Alegre).
63
Como diria a professora Graça Caldas, nenhuma experiência no Sudeste “maravilha”.
De certa forma, normalmente, o PSB se aproxima do PT no espectro ideológico da política brasileira.
Diferente do PPS e do PMDB que estão mais distantes.
65
Tal fenômeno talvez possa ser explicado se considerar que mesmo com a reeleição as correlações de força se
alteram – seja pelo aumento ou diminuição da bancada de vereadores ou pelas alianças e acordos feitos durante
as eleições municipais.
64
115
Contudo outras iniciativas emergem como novidade, como a Rede Municipal de
Comunicação Popular, o apoio cultural aos veículos de comunicação comunitários, as rádios
nas escolas, os Jornais Juvenis Associados, a municipalização das outorgas de radiodifusão,
regularização das rádios difusoras, os cursos de capacitação em comunicação comunitária, a
formação profissional em comunicação comunitária, a instalação de serviço de som nos
mercados municipais, Liberdade nas Ondas do Rádio, Parabólica e Satélite do Mangue,
oficinas de rádio e oficina de voz para profissionais de rádio.
Em todos os municípios que desenvolveram políticas de fomento à comunicação nos
anos de 2005 e 2006, a municipalização ou regularização das rádios comunitárias ou difusoras
estão colocadas em pauta66. A prática de anúncio ou apoio cultural mais uma vez também se
mostra recorrente. Entretanto, aparecem novidades como as oficinas profissionalizantes
multiculturais e de fanzines dos Círculos Populares de Esporte e Lazer do Recife (PE).
Destacam-se a experiência dos “Jornais Juvenis Associados” e “Liberdade nas Ondas do
Rádio”como iniciativas singulares e pioneiras nas capitais brasileiras. A primeira por abrir
edital para qualquer grupo de jovens receber formação e ter as primeiras edições de um jornal
impresso. A segunda por ser a única a atentar-se para a diversidade de conteúdos como
democratização da comunicação, incentivando conteúdos contra-hegêmonicos, que não estão
vinculados diretamente com a prestação de serviços da prefeitura.
Contudo, as iniciativas mantêm o caráter de experimentação e incipiência. Não há
nenhum indício que essas políticas de fomento à comunicação comunitária estejam sendo
construídas como políticas públicas duradouras no tempo. Por isso, devem terminar como
políticas de governo, nos finais de mandato.
Com relação às despesas municipais com “Comunicação Social”, são poucas as
inferências possíveis de serem feitas com as informações do Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI tamanha a falta e provável
inconsistência de dados. Entretanto, no referido sistema está registrado que estas capitais,
juntas, gastaram R$ 14.060.984,60 com “Comunicação Social” em 2005 e 2006. Se, de
alguma forma, despesas retratam a importância que o município dá ao setor, R$12.533.428,00
são despesas só do Recife67.
66
Mesmo em Porto Alegre, em que não se chegou a elaborar um projeto de lei de municipalização das
autorizações de funcionamento das rádios comunitárias, Luis Henrique da Silveira explica que o debate sobre o
conceito de comunicação comunitária feito pelo Conselho Municipal de Comunicação objetivava por último
alcançar a discussão da municipalização.
67
Se forem consideradas as informações do balanço de gestão fiscal publicado no portal da prefeitura de
Fortaleza na internet, o total das despesas sobem para R$ 32.714.242,73. Fortaleza, só nos gastos alocados, no
116
3. Comparação: avanços e retrocessos entre a gestão de 2001-2004 e os anos
de 2005 e 2006
O número de experiências locais de fomento à comunicação comunitária nas capitais
brasileiras diminuiu, de acordo com os critérios adotados nessa dissertação68: de oito
ocorrências na gestão de 2001-2004 para cinco em 2006. Se juntarmos os dois períodos
analisados, é possível afirmar: nos últimos seis anos, de 2001 a 2006, houve experiências de
fomento à comunicação para além da clássica assessoria de imprensa em 11 capitais
brasileiras, de um total de 27. Trata-se de um número que revela que a disseminação do papel
do município na garantia do direito à comunicação ainda está muito tímida no Brasil.
A região do país, proporcionalmente ao número de estados, que mais tem capitais que
desenvolvem políticas de fomento à comunicação é a região Nordeste, com ocorrências em
cinco estados (Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Ceará) de um total de nove69. Por outro
lado, a região Centro-Oeste é a que menos registra capitais com experiências de fomento à
comunicação, nos últimos seis anos, com a ocorrência só em Goiânia (GO)70.
O quadro também revela a recorrência do Partido dos Trabalhadores (PT) como o
principal executor de políticas de fomento à comunicação. Das 11 capitais com experiência de
fomento à comunicação nos últimos seis anos, apenas quatro não eram administradas por
prefeitos não filiados ao PT. É um fato que corresponde à percepção de Peruzzo (2008,p.5)
sobre as políticas de comunicação:
Nos conflitos entre as diferentes concepções de modelo de comunicação
sempre prevaleceu de linha conservadora e depois a liberal-modernizadora,
que aliás, não deixa de ser conservadora no sentido de favorecer a livre
iniciativa, a concentração de propriedade e a ideologia capitalista. Razão pela
qual as conquistas da linha progressista são tímidas ou não se efetivam
relatório de orçamento fiscal, no Gabinete da Prefeita teve mais despesa que qualquer outro município estudado
nessa dissertação, totalizando R$ 18.653.258,13.
68
Se fossem considerados os critérios da pesquisa realizada em 2004, em que a pesquisadora era quem definia
individualmente o que era ou não prática de fomento à comunicação independente da confirmação por parte do
órgão da prefeitura responsável pelas políticas de comunicação, as experiências de Aracaju, São Paulo e Rio de
Janeiro seriam consideradas para o estudo de casos. Ainda, é importante atentar que mesmo passado mais da
metade do período de mandato algumas experiências têm surgido, como é o caso de Vitória (ES) em 2007.
69
É importante atentar que, junto com o Norte, o Nordeste é uma das regiões do Brasil onde a comunicação,
enquanto campo de investigação científica, está menos institucionalizada, ou seja, tem menos instituições de
ensino com cursos de graduação e de pós-graduação na área – o que pode revelar certo descompasso entre a
localização da Acadêmia e experiências empíricas de políticas locais de fomento à comunicação comunitária.
70
O Conselho Municipal de Comunicação havia sido criado em 2006 em Campo Grande, mas ainda não estava
regulamentado e nem em funcionamento. De acordo com o funcionário da Coordenadoria de Comunicação, a
discussão estava vinculada à regulamentação da publicidade oficial.
117
legalmente e/ou na prática. Mesmo o governo Lula, identificado como de
esquerda, não tem avançado na implementação de políticas significativas de
comunicação. O exemplo está no modelo de televisão digital adotado (modelo
japonês - o ISDBT-T), totalmente em conformidade com os interesses dos
grandes grupos de mídia que já dominam o setor no país.
Das 11, apenas cinco possuíam textos específicos sobre comunicação em suas Leis
Orgânicas: Aracaju (SE), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Recife (PE) e João Pessoa (PB). Tal
evidência reforça um dos argumentos do capítulo anterior: as leis por si só não garantem que
os direitos sejam efetivados e mesmo sem leis regulamentadoras as políticas de fomento à
comunicação comunitária começam a ser executadas. Tal como exposto anteriormente, em
termos legislativos, embora deixe a desejar detalhes e aprofundamento, a Lei Orgânica do
Recife (PE) é que mais avança, criando o Conselho Municipal de Comunicação e discorrendo
sobre propaganda e democratização das informações.
É possível afirmar que cada desenho de burocracia estatal insere-se numa noção maior
de gestão da cidade e vincula-se a uma noção de comunicação. Dessa forma, nota-se que as
assessorias de imprensa não têm sido o locus da gestão municipal das políticas locais de
fomento à comunicação. Contudo, nos últimos seis anos, as cidades que chegaram a constituir
divisões administrativas específicas para o relacionamento com a comunicação comunitária
foram: Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Porto Alegre (RS), Recife (PE) e Manaus (AM)71.
O Conselho Municipal de Comunicação só funcionou efetivamente em Porto Alegre
(RS), apesar de ter sido instalado também em Goiânia (GO)72. Em João Pessoa (PB) o
conselho está em elaboração junto aos atores relacionados à comunicação no município. Até
então, Conferência Municipal de Comunicação de Porto Alegre (RS) foi uma experiência
única nas capitais. Entretanto, iniciativas de estabelecer políticas de fomento à comunicação
comunitária de forma participativa começam a aparecer em Fortaleza (CE) e João Pessoa
(PB), em 2005 e 2006, onde ocorreram seminários municipais com esta pauta específica.
Atualmente, a única capital que possui um fórum de discussão das políticas municipais de
comunicação atuante é Fortaleza (CE), por meio da Rede Municipal de Comunicação Popular.
Como dito anteriormente, são poucas as inferências possíveis de serem feitas com os
dados de despesas municipais com “Comunicação Social” do SIAFI. Contudo, é possível
71
Tal como exposto anteriormente, apesar do setor criado, Manaus não foi considerada para análise, porque se
trata apenas de uma atividade de assessoria de imprensa focada nos veículos comunitários e, portanto, foge à
delimitação do objeto de estudo dessa dissertação.
72
O Conselho Municipal de Comunicação havia sido criado em 2006 em Campo Grande, mas ainda não estava
regulamentado e nem em funcionamento. De acordo com o funcionário da Coordenadoria de Comunicação, a
discussão estava vinculada à regulamentação da publicidade oficial.
118
afirmar que as despesas municipais com Comunicação Social não são insignificantes. No
Brasil, em 2005, a despesa com a referida subfunção nas capitais brasileiras somam R$
84.188.208,58. Em 2006, foram R$ 115.284.403,95. Juntos, somam R$ 199.472.612,53 em
dois anos. É um valor muito expressivo, se considerarmos que as despesas das capitais, em
2005 e 2006, com a subfunção “Fomento ao Trabalho” somaram apenas R$ 77.408.495,78 ,
por exemplo.
Se legislativamente ainda não se obteve nenhum sucesso efetivo73, a partir da
discussão da municipalização das autorizações de funcionamento das rádios comunitárias nos
últimos anos, as prefeituras começam a despertar para seu papel na democratização da
comunicação. Dessa discussão, nasceram diversas iniciativas relatadas nesse capítulo.
Observa-se que, em diversas capitais, a prática de anúncio ou apoio cultural aos
veículos comunitários é recorrente. Entretanto, nesses casos, sempre é bom atentar para que
práticas fisiologistas não sejam adotadas: o interesse público deve estar acima dos interesses
particulares ou partidários.
Comparando todas as experiências, é possível eleger os processos de Porto Alegre
(RS) na gestão 2001-2004 e de Fortaleza (CE) nos anos 2005 e 2006 como referenciais
iniciais para a formulação de políticas locais participativas de fomento à comunicação
comunitária, por causa mobilização, da participação e consistência das iniciativas – apesar de
permeados também pelo caráter experimental e incipiente.
A análise das iniciativas aponta que as experiências aqui descritas – principalmente as
de tv’s de rua, rede de jornais de bairro, Estúdio Multimeios, orientação para solicitação de
autorização de rádios comunitárias, cursos profissionalizantes para formação de
comunicadores populares, práticas de educom, Parabólica, Liberdade nas ondas do Rádio,
Jornais Juvenis Associados – são idéias que também devem ser consideradas na elaboração de
um plano municipal de fomento à comunicação, pelo acúmulo de discussão e prática de
gestão e execução.
Assim, apesar do número pequeno de iniciativas nas capitais brasileiras, a idéia de que
o município também pode executar políticas de fomento à comunicação, para além da
assessoria de imprensa, começa a construída na prática - por meio das experiências descritas
nesse capítulo.
Desse modo, como as políticas de fomento à comunicação comunitária ainda são casos
raros, torna-se fundamental o questionamento: por que e como as prefeituras de Fortaleza
73
Apesar de aprovadas em algumas localidades, como em São Paulo e João Pessoa, as Leis não estão em
execução.
119
(CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre (RS) e Recife (PE) desenvolvem essas
políticas? Esta é a pergunta central dessa dissertação, que será tratada a seguir, a partir da
análise dos condicionantes políticos-sociais, materiais, ideológicos e institucionalmetodológicos das políticas locais de fomento à comunicação comunitária.
120
CAPÍTULO IV – ESTUDO DE CASOS:
OS CONDICIONANTES POLÍTICO-SOCIAIS, MATERIAIS,
IDEOLÓGICOS E INSTITUCIONAL-METODOLÓGICOS DAS
POLÍTICAS LOCAIS DE FOMENTO À
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA
A comunicação na América Latina, enquanto campo científico, já nasce
interdisciplinar. É uma das características que o define (MARQUES DE MELO, 2003, p.40):
“A marca distintiva de todas essas elaborações científicas é o hibridismo teórico e a
superposição metodológica, plasmando uma singular investigação mestiça, representativa da
fisionomia cultural latino-americana”.
No campo da sociologia, a maior contribuição do pensamento pós-moderno foi abrir
lugar na reflexão social para o multifacetado, o fragmentado, o ambíguo, o microcosmo, o
efêmero etc. em detrimento dos grandes esquemas explicativos. Ao mesmo tempo, a mesma
contribuição é o maior alvo de críticas1. Constantemente, as idéias pós-modernas são
associadas ao “neoconservadorismo” por serem consideradas mais um meio da produção
ideológica capitalista para confundir a percepção dos homens a respeito da luta de classes e do
desenvolvimento histórico. Portanto, seriam idéias “retardadoras da revolução”.
Embora se considera importante aprofundar, no campo das ciências da comunicação, o
dilema posto, avalia-se não ser pertinente fazer esta reflexão nesse trabalho por não ser o
objetivo dessa pesquisa2. Contudo, não foi possível eleger somente um esquema interpretativo
para entender as políticas municipais de fomento à comunicação comunitária.
A fim de não se ater somente aos “efeitos sociais” dos fenômenos estudados3,
recorreu-se à noção de condicionantes desenvolvida por Vitor Henrique Paro (1995), no
campo da educação. Apesar do pensamento do autor ter como base a economia política da
1
De acordo com Bourdieu, o campo é um conjunto de posições de agentes definidas pela sua inserção no espaço
social, através de uma composição específica de capital. O capital pode assumir diversas formas. Inclusive,
simbólicas. Internamente, o campo baseia-se em relações permanentes de conflito e dominação desse capital, a
fim de conquistar novas posições. A disputa desse capital acontece em mercados específicos, sendo “a lógica de
funcionamento de cada mercado definida pelo campo que o delimita” (SAMPAIO, 2001, online). Desse modo,
cada campo estabelece regras próprias, com autonomia em relação aos outros campos. São essas disputas que
movimentam o campo e, conseqüentemente, ditam a forma do espaço social. Dessa forma, é possível interpretar
que está ocorrendo uma disputa de capital simbólico no campo da sociologia. Grandes esquemas explicativos
que concorrem, reivindicando suas validades. Há quem se refira aos dilemas postos como uma crise de
paradigmas.
2
Esta pode ser uma das possibilidades de aprofundamento futuro da dissertação. Inclusive, outras tendências de
pensamento contemporâneo, como a de Bruno Latour que defende que “jamais fomos modernos”, deverão ser
tomadas em conta.
3
De acordo com Edgard Rebouças (2003, p.3), “a maior parte da pesquisas se atém às conseqüências dos
fenômenos em relação ao interesse social”.
121
educação, o que se ponderou é que a proposta analítica de Paro pode fornecer elementos para
interpretar as práticas de fomento à comunicação comunitária de diversas perspectivas, a
partir da caracterização empírica dos condicionantes.
O pesquisador utilizou o método etnográfico para elaborar a idéia de condicionantes.
Por este método, não são formuladas categorias a priori, antes de se ir ao campo. As
categorias surgem - se surgirem – da observação participante. Ele pesquisou em que
condições a participação da comunidade na escola torna-se uma realidade. Ao final da
pesquisa, foram criadas quatro categorias de condicionantes: político-sociais, materiais,
institucionais e ideológicos4. Apesar de necessários, nenhum dos aspectos foi eleito como
suficiente para entender a participação da comunidade na escola.
No campo da comunicação, não foram localizados trabalhos que tomam como
referência o pensamento de Paro. Portanto, é possível afirmar que se trata de uma novidade.
Por isso, se pretendeu nessa pesquisa também fazer o exercício de verificação se os
condicionantes formulados por Paro serviriam para análise das políticas públicas locais de
comunicação. Dessa forma, inicialmente, se sentiu a necessidade de se fazer pequenas
adaptações - tal como explicitado na formulação das hipóteses5 - e se chegou à formulação
dos condicionantes político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos
utilizados nessa dissertação6.
Outros condicionantes poderiam ter sido elaborados a priori, mas optou-se apenas por
esquematizar um protocolo com a intenção de conferir maior objetividade à pesquisa de
campo. Contudo, tal procedimento não significa que a pesquisadora se limitou a uma lógica
pré-estabelecida e não atentou para a possibilidade de entender a existência de outros
condicionantes influindo no cenário de execução das políticas locais de fomento à
comunicação comunitária. Inclusive, a vigilância crítica durante o trabalho de campo revelou
que os condicionantes histórico-culturais são uma outra vertente que deveria ser incorporada
às noções de condicionantes de Paro. Em Macapá (AP), por exemplo, para se entender a
lógica da política é imprescindível. Como será demonstrado a seguir, nota-se nas práticas de
fomento à comunicação comunitária a cultura do posseiro, típico da Amazônia. Só
conhecendo a cultura local é possível conhecer de fato os hábitos e maneiras de um povo
estabelecer sua relação com o Estado. Só a análise profunda da história é capaz de examinar a
4
Márcia Aparecida Jocomini (2004) retoma esses conceitos para entender o porquê do fracasso ou do sucesso da
implantação da política pública de ciclos e progressão continuada. Neste caso, ela faz uma adaptação e analisa
três condicionantes: materiais, ideológicos e institucional-pedagógicos.
5
Ver Introdução.
6
De certa forma, é possível desenvolver um exercício de aproximação dos condicionantes aos conceitos
sociológicos de luta de classes, materialismo histórico, ideologia e burocracia.
122
influência das heranças culturais nas políticas executadas. No Brasil, nas relações políticas,
essas heranças costumam corresponder às práticas de nepotismo, clientelismo, paternalismo,
coronelismo e fisiologismo. Portanto, mesmo um olhar sincrônico - tal qual se propõe fazer
nesta pesquisa – deve considerar a perspectiva diacrônica dos fatos e localidades para de fato
compreender os fenômenos de maneira mais ampla7.
Neste capítulo, são apresentadas análises dos dados obtidos por entrevistas – e,
eventualmente, por documentação ou observação do contexto da entrevista8. Como a análise
foi feita a partir de um conjunto limitado de depoimentos, documentos e observações, trata-se
apenas de um retrato – que pode não dar conta da totalidade e nem das mudanças às quais o
fenômeno está suscetível ao longo do tempo.
A organização do capítulo está feita por tipos de condicionantes a fim de facilitar a
observação de replicações9. Contudo, características político-sociais, materiais, ideológicos e
institucional-metodológicos não são aspectos de um fenômeno mutuamente excludentes.
Portanto, separá-las conforme pretendido nessa dissertação é só um arranjo intelectual
suscetível à falhas e contestações.
1. Os condicionantes político-sociais
Na democracia, o conflito é legítimo. Um dos objetivos das pessoas, grupos ou
instituições ao disputar é que seus interesses se tornem objeto de políticas públicas ou sejam
reconhecidos formalmente em Lei. Para isso, geralmente, somam forças com outros que têm
interesses parecidos e se organizam, seja em partidos políticos, movimentos sociais,
sindicatos, associações etc. Nesse sentido, a sociedade civil não é homogênea. Está
fragmentada em interesses que disputam - e também podem se alinhar.
7
Entretanto, apesar de ser constatada a necessidade a partir do exercício empírico, não foi possível executar essa
análise, por causa do tempo de execução exigido para concluir a pesquisa. Tal como delimitado inicialmente,
analisou-se apenas os condicionantes políticos-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos
atuam na implantação das políticas de fomento à comunicação comunitária. Não se pretendeu oferecer uma
explicação exaustiva dos fenômenos. Contudo, é mais uma das possibilidades de aprofundamento futuro da
pesquisa que surge.
8
Ao se eleger fazer o estudo de vários casos em perspectiva comparativa, a escolha é feito em detrimento do
aprofundamento que é possível fazer quando se estuda um único caso. Como explicitado na introdução, as
entrevistas feitas não foram exaustivas e nem foi possível realizar a observação participante. A lista completa de
entrevistados encontra-se em anexo 3.
As eventuais lacunas nessa pesquisa poderão ser aprofundadas em pesquisas posteriores.
9
Também por esse motivo, as replicações de cada condicionantes serão analisadas conjuntamente, no item 5
desse capítulo (e não no final de cada item).
123
Assim, os condicionantes político-sociais se referem aos interesses dos grupos em
torno das políticas locais de fomento à comunicação comunitária10. Para análise desse
condicionante, o primeiro aspecto considerado foi identificar quais são os grupos que flutuam
em torno das políticas de fomento à comunicação comunitária.
É importante atentar que a identificação de interesses, às vezes, não é completa por se
deparar com motivações escamoteadas, difíceis de serem apreendidas. Outro aspecto a ser
considerado é que interesses também podem ser conjunturais e podem mudar ao longo do
tempo. Por fim, esses interesses podem estar difusos entre os atores e muitas vezes
aparecerem em um determinado agente de forma combinada. Por exemplo, as ONG’s podem
ter interesses em estabelecer parcerias com a prefeitura para obtenção de recursos públicos
assim como os pequenos empresários da área de comunicação têm. Contudo, se para os
primeiros o fim último pode ser a melhoria do processo pedagógicos escolares para os outros
pode ser o lucro para enriquecimento próprio11. Portanto, o que se procurou ponderar para
identificar os interesses dos grupos que flutuam em torno das políticas de fomento à
comunicação comunitária foi a motivação última, ou seja, os grandes objetivos dos atores.
E, tão importante quanto identificar quais são os grupos e os interesses, é entender o
quanto esses interesses são compartilhados12. Por último, também é necessário entender quais
recursos, capital, que estes atores dispõem para atuarem no campo das políticas locais de
comunicação.
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que existiriam interesses compartilhados – que
poderiam ir desde a cooptação ideológica, manutenção/criação de empregos, estratégia de
divulgação até a ampliação da cidadania – que comporiam um cenário favorável ao fomento
da comunicação comunitária.
A seguir, estão sistematizados os dados já triangulados dos condicionantes políticosociais das capitais que fomentam a comunicação comunitária, organizados pela ordem
alfabética dos nomes dos municípios considerados para estudo de casos.
10
Tal como explicitado na introdução dessa dissertação, adota-se como pressuposto que os posicionamentos
políticos estão relacionados às posições sociais dos atores. Por isso, a manutenção do termo sociais nesse
condicionante.
11
Nada impede também que existam atores que busquem melhorar os processos pedagógicos escolares e
enriquecer também. Inclusive, de forma simplificada, essa é uma das grandes críticas que se faz ao chamado
“terceiro setor”.
12
Tal como visto no capítulo II, o propósito é o primeiro passo para mobilização social. E propósito é um
interesse compartilhado. Neste sentido, os horizontes utópicos não são uma perspectiva individual mas um
imaginário coletivo, que vislumbra um futuro por construir com muitas mãos. É o que baliza a atuação dos
atores. Mas não se trata apenas de um sonho abstrato repartido coletivamente, mas possui “elementos de
validade formais (históricos e científicos)” (TORO; WERNECK, 1996, p.37).
124
1.1 Fortaleza (CE)
Em Fortaleza (CE), os atores identificados em torno das políticas de fomento à
comunicação comunitária são: a) “ nós-representantes da Prefeitura Municipal de Fortaleza,
estudantes, integrantes de movimentos sociais, comunicadores populares, jornalistas,
militantes da causa pela democratização da informação”, conforme Carta Compromisso da
Rede de Comunicação Popular; b) Movimento Cearense pela Democratização da
Comunicação (MCDC), ONG Catavento, ONG Comunicação e Cultura13, Associação
Cearense de Emissoras de Rádio e TV Comunitária - ACERTCOM14, a Rádio Frei
Tito/Escuta e a Rádio Parreão, conforme coordenação provisória da Rede de Comunicação
Popular, estabelecida em 16 de dezembro de 200615; c) políticos, pequenos empresários da
área de comunicação, conforme observação in loco.
A assessora do Núcleo de Comunicação Popular e Alternativa, Joana D’arc Dutra, em
entrevista realizada pela autora16, também identifica a influência dos grandes grupos
midiáticos na política de municipalização das outorgas de rádios:
[Pesquisadora: Você acha que quando se dá apoio cultural aos veículos
comunitários, existe um choque com os interesses comerciais?] Acho que não.
O bolo delas é muito maior. As rádios comerciais estão preocupadas em
outras esferas. A municipalização das rádios ainda não saiu porque existe uma
pressão das rádios comerciais para que não saia. Hoje, na Câmara Municipal,
você pode procurar o vereador Guilherme Sampaio e ele vai dizer que o
projeto não está mais nas mãos dele, porque existe um projeto anterior, de
outro vereador que é ligado aos donos de rádios comerciais.
Marcelo Inácio de Souza, do Movimento Cearense pela Democratização da
Comunicação (MCDC), assim descreve as correlações de força do campo da comunicação
comunitária em Fortaleza (CE):
13
De acordo com a assessora do Núcleo de Comunicação Popular e Alternativa, Joana D’arc Dutra, em
entrevista à pesquisadora em 23 de outubro de 2007, a ONG Comunicação e Cultura “faz um trabalho muito
bom aqui em Fortaleza, fomentando a produção de jornais escolares. Já tem parceria com a nossa Secretaria de
Educação, na produção do projeto “Primeiras Letras” - que é um projeto em que os jovens, sob a orientação de
professores, produzem poemas e textos que geram um produto impresso. E além do “Primeiras Letras” tem outro
com jornais escolares”.
14
É possível levantar a hipótese de que as rádios Frei Tito/Escuta e Parreão não se sentem representadas pela
ACERTCOM, uma vez que não delegaram à associação a participação ou defesa dos seus interesses na Rede.
15
O que se interpreta é: apesar da diversidade de atores inicial expressa na Carta Compromisso, só alguns atores
assumiram a coordenação da Rede, tornando-se os protagonistas do fórum (não de todas as políticas de fomento
à comunicação comunitária).
16
Em 23 de outubro de 2007.
125
Nós participamos de um projeto curioso de idas e vindas com relação à
história da comunicação. Foi uma briga interessante que começou em um
determinado local e evoluiu para um outro. Começou, na verdade, em uma
disputa do sindicato dos jornalistas. A gente, eu e outras pessoas, que estão
nessa articulação do movimento hoje aqui da democratização da
comunicação, estávamos em campos opostos dessa discussão por conta de
oposição em chapa de sindicato. A minha chapa, a minha corrente, perdeu o
sindicato, mas eu continuei um trabalho que eu já vinha desenvolvendo antes
sobre a democratização. Eu me propus a trazer pra cá o Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação [FNDC], que era um negócio que eu havia
encontrado em Brasília no Encontro sobre Direitos Humanos. Eu chamei o
sindicato e a gente começou a discutir por quase um ano, no mesmo campo,
algumas propostas. Em determinado momento a gente rompeu o movimento e
resolveu apoiar, não mais o FNDC, mas sim a CRIS BRASIL. E o pessoal que
saiu do nosso grupo - que era de dentro do sindicato - resolveu fundar o
comitê local do FNDC. [Pesquisadora: Essa era uma das perguntas, se o
MCDC era um dos braços do FNDC...] Não. Hoje nós estamos filiados a
CRIS BRASIL e articulando uma participação na Abraço. [...] A Abraço está
no FNDC mas tem suas políticas próprias de defesa dos radiodifusores
comunitários. Coisa que o FNDC tem, mas de uma maneira muito tranqüila,
até meio acanhada. Como a gente [o MCDC] tem isso como uma bandeira
intensa, a gente resolveu fazer uma aliança nacional através de uma seção
local. Enfim, no que é que isso resulta nas políticas públicas? Boa parte dessas
pessoas que estava trabalhando com a gente - e que de certa forma se desligou
a partir do momento que a gente se associou ao CRIS BRASIL -, hoje está
trabalhando na prefeitura por uma contingência de pessoas que estavam no
mesmo barco, politicamente falando. Pessoas do PT, pessoas que foram
chamadas para trabalhar em áreas específicas da prefeitura, porque realmente
tinham experiência. E aí essas pessoas levaram essa cultura da radiodifusão
comunitária para dentro da prefeitura (SOUZA, 2007, informação verbal) 17.
Apesar da formação política em organizações da sociedade civil, os gestores
demonstram saber diferenciar o seu papel enquanto Estado do papel dos movimentos sociais.
A Carta Compromisso da Rede de Comunicação Popular inteira pode ser tomado
como um documento de expressão dos interesses objetivos das organizações da sociedade
civil e veículos comunitários.
Com relação aos políticos e gestores, notou-se que em Fortaleza (CE) que há dois
interesses principais em jogo: manutenção de legitimidade política perante a opinião pública18
e ampliação dos direitos, conforme é possível depreender do e-mail enviado por Ana Cláudia
Perez - gestora do Núcleo de Comunicação Popular e Alternativa - a autora como resposta ao
levantamento realizado nos meses de junho e julho de 2006:
17
Em entrevista à pesquisadora, dia 22 de outubro de 2007.
Tal como visto no capítulo I, p. 17, o triângulo infernal vivido por jornalistas, políticos e opinião pública faz
com que os políticos, o tempo todo, tenham que renovar perante a opinião pública a legitimidade concedida nas
urnas.
18
126
Não à toa, entre os 13 princípios que norteiam as ações de comunicação hoje,
figura a diretriz que recomenda que a comunicação incentive mídias
comunitárias como meio de consolidação das políticas públicas de
democratização do acesso à informação; que apóie o surgimento desses meios
de comunicação legítimos, feitos pela própria gente das comunidades; e que mais importante ainda – esteja presente na comunicação comunitária de uma
forma independente e não cooptadora. Ao valorizar o desenvolvimento de
canais como jornais de bairro, rádios e TVs comunitárias, radiodifusoras,
jornais da escola, vídeos populares e sites na Internet, por exemplo,
acreditamos estar cumprindo papel fundamental de formação e consolidação
da cidadania.
Trata-se de uma postura que encontra ressonância no pensamento dos entrevistados,
representantes do Movimento Cearense pela Democratização da Comunicação (MCDC),
ONG Catavento, ONG Comunicação e Cultura e Rádio Parreão.
Por outro lado, o compartilhamento de grandes interesses não significa que os
conflitos estejam ausentes ou neutralizados. Pelo contrário, há grandes diferenças de
percepções e por vezes divergência de como os processos deveriam ser conduzidos. É o que
se demonstrará a seguir no item 4.1.
Os recursos/ capital que cada grupo um dispõe para exercer influência para atingir
seus objetivos são claros para serem atribuídos aos atores. Os políticos e gestores dispõem o
poder de destinação de recursos. As organizações da sociedade civil possuem o poder de
mobilização para apoio ou oposição aos políticos e também o poder de executar a política seja por competência técnica, facilidade administrativa ou mobilização de público. Os
pequenos empresários da área de comunicação dispõem de audiência, ou seja, público para as
informações que a prefeitura quer divulgar.
Por fim, nota-se que os interesses e recursos dos grupos em torno das políticas de
fomento à comunicação comunitária em Fortaleza não são só políticos e econômicos.
Aparecem outros componentes como técnica e facilidade administrativa.
Conclui-se que - mesmo com os conflitos de interesse que transparecem, como o que
desencadeou uma primeira desarticulação da Rede de Comunicação Popular – existe um grau
elevado de compartilhamento de interesses que possibilita a formulação e o estabelecimento
de parcerias para a execução de políticas de fomento à comunicação comunitária.
1.2 João Pessoa (PB)
Em João Pessoa (PB), os atores identificados em torno das políticas de fomento à
comunicação comunitária são: Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço-
127
PB), antigo Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária; ONG Amazona; rádio
Zumbi dos Palmares; rádio Diversidade; Associação Paraibana de Rádios a Cabo- APRAC e
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão –Abert.
Na iniciativa de regulamentação das rádios difusoras do município, o interesse das
rádios difusoras, dos pequenos empresários da área de comunicação, é receber verba
publicitária. A prefeitura, por outro lado, tem interesse em regularizá-las para contar com
mais meios legalizados de difusão de informações. Neste caso, os interesses têm um alto grau
de complementaridade.
É diferente do processo de municipalização das autorizações de rádios comunitárias. A
iniciativa surge do interesse das próprias rádios comunitárias já em funcionamento em
regularizarem a situação. Entretanto, diante da possibilidade de efetivação da lei, a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) entregou uma representação
ao Ministério Público Estadual, contestando a lei que municipaliza as rádios comunitárias em
João Pessoa.
Há uma leitura dos membros da Abraço – PB que o “grande capital” até então não
estava preocupado com a radiodifusão comunitária, mas após a aprovação da lei e a
possibilidade de disputa de público e talvez anunciantes, o “grande capital” se mobilizou para
impedir a efetivação da lei.
Os políticos e gestores inicialmente abriram-se para o diálogo e idéias do então Fórum
Metropolitano de Comunicação comunitária – tanto que realizaram o seminário,
acompanharam a elaboração do projeto de Lei e por fim o prefeito sancionou a Lei. Contudo,
diante da disputa jurídica instalada, interpreta-se que houve um recuo por parte do poder
público local, com o discurso de “Não há mais nada que podemos fazer, pois agora se trata de
uma questão da justiça”.
Todavia, além da discussão da regularização das rádios difusoras, a discussão do
Conselho Municipal permanece. O diretor de comunicação comunitária, Ednaldo Alves, assim
descreve os conflitos postos em torno da questão19:
Sempre ocorrem problemas. A associação que representa os proprietários das
empresas de comunicação enxergou que aquele conselho tinha mais
representação dos trabalhadores do que dos patrões. Tem essa divergência em
relação à proposta. [...]. Foi garantida uma vaga para as rádios comunitárias,
mas existem várias entidades que trabalham com isso no município: a Abert,
Abraço, Unibertas, a ONG Amazonas que tem apoio da Petrobras... não existe
ainda nenhum acordo. Várias grupos não concordaram com a proposta inicial
19
Em entrevista concedida à pesquisadora, dia 31 de outubro de 2007.
128
que colocava uma vaga apenas para elas no conselho. Fizemos uma reunião
em novembro para ver se até o final do ano a gente entrega uma proposta para
o prefeito, um projeto pronto.
Nota-se também um interesse do diretor de Comunicação Comunitária, Ednaldo
Alves, em falar que “em nenhum outro lugar foi feito um Conselho Municipal de
Comunicação”. Inicialmente, avalia-se que os recursos/ capitais que estão em jogo, nesse
caso, referem-se inicialmente à legitimação mútua: interesse do Conselho em ser legitimado e
dos gestores e políticos de manterem relações com comunicadores para manutenção da
legitimidade política do prefeito perante a opinião pública.
Em João Pessoa (PB), também se observa claramente como as relações políticas
influem nas postura dos movimentos. Em conversa espontânea com os membros do então
Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária (atual Abraço - PB), eles demonstraram
total descontentamento com relação ao trabalho da Divisão de Comunicação Comunitária.
Contudo, o presidente da Abraço – PB, José Moreira, é também assessor parlamentar do
deputado federal Luiz Couto (PT) – aliado político do prefeito Ricardo Coutinho (PSB)20. No
momento de avaliar a atuação da Divisão de Comunicação Comunitária, Moreira (2007,
informação verbal)
21
abranda o discurso dos membros do então Fórum Metropolitano de
Comunicação Comunitária e diz que a relação com a prefeitura melhorou:
[Pesquisadora: Teve a audiência com o prefeito que você disse ter havido um
resultado. Isso foi suficiente para o movimento? Tem mais coisas que a
prefeitura poderia fazer?] Na verdade nós estamos construindo. Acho que tem
muito mais e o prefeito quer. Primeiro, porque as rádios comunitárias estão
dentro dos movimentos sociais e o prefeito é dessa linha. Às vezes, ele tem
que tomar algumas atitudes que não agradam a todos, mas o prefeito zela pela
cidade. Inclusive ele foi premiado como o segundo melhor prefeito, em
âmbito nacional. Como não se pode pegar a máquina pública para promover
esses movimentos, assim, o prefeito tem que se organizar e apresentar
projetos. Se o projeto é bem elaborado e a gente percebe que haverá
continuidade, a gente apóia. O prefeito reclama que os movimentos sociais
não se desenvolverem mais no governo dele. Segundo as suas palavras, os
movimentos podem contar com ele.
Por fim, nota-se que os interesses grandes grupos midiáticos locais – portanto, os
interesses do “grande capital” - prevaleceram em João Pessoa (PB) contra a municipalização
das autorizações de funcionamento das rádios comunitárias. Conclui-se que o grau de
compartilhamento de interesse que possibilitam a formulação e o estabelecimento de parcerias
para a execução de políticas de fomento à comunicação comunitária é médio. Por um lado, os
20
José Moreira conta, em entrevista à pesquisadora, que “Eles estão querendo lançar o meu nome para vereador
lá no bairro, mas acho que não é hora disso”.
21
José Moreira, em entrevista à pesquisadora, dia 30 de outubro de 2007.
129
movimentos pela democratização da comunicação no município revelam descontentamento.
Por outro lado, nota-se uma articulação política por parte da Divisão de Comunicação
Comunitária para levar adiante as demandas de regularização das rádios difusoras e a
constituição do Conselho Municipal de Comunicação.
1.3 Macapá (AP)
Em Macapá (AP), os atores identificados em torno das políticas de fomento à
comunicação comunitária são: os gestores, os proprietários das rádios de poste e pessoas ou
grupos que gostariam de ter uma rádio.
Os interesses em torno das políticas de anúncios são fáceis de serem identificados22:
meio de divulgação com audiência e veiculação de anúncios utilizando baixo orçamento por
parte da prefeitura e recursos por parte dos proprietários:
Como é que nós chegamos até isso? O nosso orçamento na Coordenadoria de
Comunicação é muito pouco. Então, você não tem como divulgar todas as
ações da prefeitura, por exemplo, na TV Amapá que é uma praça da Globo.
Então, aqui é muito caro a veiculação. As rádios AM e FM, eu também
considero um valor alto para o nosso orçamento. E há uma ciumeira muito
grande se você não colocar em todos. [...] Aqui são pra mais de 10 rádios. Se
eu escolher, por exemplo, três ou quatro rádios para veicular um evento da
prefeitura - uma programação ou os próprios serviços da prefeitura - começa a
ciumeira nos outros.[...] Se você hoje assistir televisão, você quase não vê
campanha da prefeitura na televisão, porque eu acho que a mídia alternativa
para mim deu muito mais resultado. Aí, eu comecei a investir na mídia
alternativa, nessas rádios, que foram surgindo pelos bairros (DUARTE, 2007,
informação verbal)23.
Interesses e poderes dos proprietários dos sistemas públicos de publicidade e da
Coordenadoria de Comunicação Social se complementam, no caso de Macapá (AP). Contudo,
além do argumento econômico, é possível identificar na fala de Germana um “não-interesse”
político: se indispor com os grandes veículos de comunicação. Dessa forma, os grandes
grupos midiáticos não se fazem atores presentes diretamente nas políticas municipais de
fomento à comunicação comunitária, mas indiretamente.
Além disso, nota-se que a coordenadora de comunicação social, Germana Duarte, não
abandona a postura de assessora de imprensa, na entrevista concedida à pesquisadora dia 23
22
Observou-se práticas de nepotismo na Coordenadoria Municipal de Comunicação Social de Macapá: a filha da
coordenadora de comunicação, Germana Duarte, é assessora do órgão. Contudo, a ocorrência não interfere
diretamente nas práticas de anúncios ou regularização das rádios de poste. Referem-se a uma questão política
mais ampla.
23
Germana Duarte, coordenadora de comunicação social da prefeitura de Macapá (AP), em entrevista concedida
à pesquisadora dia 23 de agosto de 2007.
130
de agosto de 2007. Há um grande interesse por parte da gestora em reforçar o político João
Henrique. Por exemplo: “Eu fico até preocupada. Não sei se o próximo prefeito, se as pessoas
que virão pra cá vão continuar com essa política, né? Porque isso daí é uma política do
prefeito João Henrique. Ele anda muito nos bairros, ele visita muito, conversa muito...”.
Com relação aos interesses dos proprietários das rádios de poste, Germana Duarte e
Andréia Freitas identificam, em conversa informal com a pesquisadora, a melhora nas
condições de vida dos proprietários das rádios de poste. Fato que, de certa forma, pode ser
associado ao objetivo de acúmulo de capital.
Das quinze rádios existentes, só foi localizada na cidade uma rádio de poste que não
recebe os recursos de anúncios: Rádio Renascer. O proprietário da rádio, Elias Correa de
Souza, o “Ceará”, em conversas informais com a autora, garantiu que é por causa de seus
posicionamentos e anseios políticos. Contudo, o que se nota é que não houve grande empenho
do proprietário em obter os recursos:
Através do Ronildo – que é dono de uma das rádios comunitárias mais
conhecidas aqui – eu fiquei sabendo que existia esse repasse. E que era algo
legal, porque se fosse ilegal, eu não procuraria. A princípio, eu não queria,
porque eu não gosto desse negócio de ficar esperando autoridade em cadeira.
Mas, ele insistiu e disse que seria prático, só seria necessária a documentação
minha e da rádio. Então, eu fui. Chegando lá, eu procurei a secretária de
comunicação da prefeitura, Germana Duarte. Ela demorou um pouco, mas me
atendeu. No momento, ela me disse que a pessoa que cuidava desse
procedimento estava em Belém, cuidando de um parente que passava por uma
cirurgia. E que essa pessoa retornaria daqui a algum tempo, uma semana
talvez. Eu me informei, então, com uma menina que era cliente da minha
banca e que trabalhava com ela na comunicação. Essa menina me disse que
possivelmente não daria para me atender esse ano, somente no ano que vem,
porque eles fechariam essa folha no mês de julho e não daria para me incluir.
Eu liguei, então, para o prefeito. Disse que era o Ceará da Banca e que
gostaria de participar do convênio das rádios. Pedi a ele para que falasse com
sua secretária de comunicação. Ele me disse que a secretária me ligaria e até
hoje não ligou. Baseado nisso, eu não procurei mais nenhum deles. [E você
não pretende mais ir atrás do convênio da prefeitura?] Não pretendo mais
(CORREA DE SOUZA, 2007, informação verbal)24.
Apesar da verba publicitária, todos os proprietários de rádios de poste entrevistados
garantiram que não têm o conteúdo ou relações políticas influenciados pela prefeitura. Por
exemplo, é o caso de Lindoval Ronildo da Mota Borges, da Rádio Igarapé:
Eu, desde 2002, quando entrei [para o negócio das rádios de poste], era o
prefeito João Henrique. Na reeleição do João Henrique, o meu candidato era
outro. [E o seu convênio não foi aprovado?] Isso não interferiu em nada. Até
porque a nossa questão independe desse negócio. Mas tem pessoa que acha
24
Elias Correa de Souza, Elias Ceará, em entrevista à pesquisadora dia 27 de agosto de 2007.
131
que, porque foi do contra, não vai ganhar [a verba publicitária]. Acabou ali o
momento político, acabou. É assim que o prefeito pensa e é assim que a gente
pensa. Mas outros não, outros acham que vão ser prejudicados. Até porque no
nosso sistema, em época eleitoral, não pode divulgar nada político. O terreno
não permite. A gente não tem como ajudar de qualquer forma (BORGES,
2007, informação verbal)25.
Com relação à regularização das rádios de poste, os interesses são evitar poluição
sonora - ou pelo menos, menos reclamações dos cidadãos - e evitar conflitos com relação à
localização das caixas de som26. Normalmente, quem dispõe de mais capital para comprar as
caixas de som é quem viabiliza a instalação da rádio:
Aqui gira tudo em torno de política. Esse foi o meu medo quando eu iniciei,
porque é ruim perder. Mas quando você perde, você tem que se conformar,
porque você não era o melhor e também não estava no seu momento de
ganhar. Então foi o que aconteceu. Eu percebi que as pessoas ficaram
insatisfeitas. Eles tinham esse projeto desde 2002, mas financeiramente não
tinham condições de montar. Eles estavam angariando dinheiro com político,
mas político sempre tem manobra. Ele diz que vai te dar amanhã e depois de
amanhã. Quando eu concluí [a instalação da rádio], eu procurei essa pessoa
que era a mais antiga no projeto e ofereci ajuda, porque ele se intitula, hoje,
como presidente da associação de moradores daqui do bairro. Eu, para ser
humilde e não criar atrito com ele, fui na casa dele. Lá, eu disse que tinha
montado a rádio, mas essa rádio estava a benefício da comunidade e como ele
era um líder da comunidade, as portas estavam abertas para ele fazer suas
reivindicações ou mesmo falar sobre os projetos. Ele disse que não precisaria
da minha rádio, porque, daqui a uma semana, ele montaria a dele, inclusive
nas mesmas ruas em que eu havia montado. A própria esposa dele reagiu num
tom de discussão, mas eu somente desejei boa sorte e fui embora. [Houve,
então, um conflito, um mal-estar?] Houve, mas não da minha parte. [Ele
colocou as caixinhas junto a suas?] Até agora não (CORREA DE SOUZA,
2007, informação verbal).
É possível interpretar que o processo de instalação das rádios de poste é conflituoso,
mas é respeitado na localidade, apesar de não estar respaldado em Lei. Também é possível
interpretar que um elemento catalisador da aceitação é a lógica dos posseiros – prática muito
recorrente no Norte do país.
Por fim, nota-se que os interesses e recursos dos grupos em torno das políticas de
fomento à comunicação comunitária em Macapá são da ordem política e econômica. Contudo,
outros componentes como cultura política local e a lógica dos posseiros, contribui para que
25
Em entrevista concedida à pesquisadora, em 21 de agosto de 2007.
As autorizações ambientais têm validade de seis meses. Conforme o documento Relação das rádios
comunitárias/ divulgação publicitária fixa autorizadas, o último vencimento de autorização acontecerá dia 10 de
maio de 2008. Vale atentar que é uma data antes das eleições municipais, o que pode vir a favorecer a barganha
política no período.
26
132
esses sejam os interesses e recursos determinantes dos condicionantes político–sociais de
Macapá.
Dessa forma, conclui-se que existe um grau elevado de compartilhamento de
interesses, reforçado pela cultura do silêncio da lógica dos posseiros- que possibilitam a
formulação e a manutenção de políticas públicas de fomento à comunicação comunitária no
local.
1.4 Porto Alegre (RS)
Conforme relatado no terceiro capítulo, em Porto Alegre (RS), houve descontinuidade
das ações de fomento à comunicação comunitária desenvolvidas na gestão municipal de 20012004. Portanto, os atores inicialmente notados na formulação e implantação das experiências
correspondem somente a uma parte dos atores identificados nas práticas de 2005 e 200627.
Dessa forma, em torno da experiência do Estúdio Multimeios, foram observadas em
2007 as presenças do gestor do espaço, do Secretário Municipal de Direitos Humanos e
Segurança Pública, dos funcionários e estagiários, consultores e do movimento de Hip Hop do
bairro da Restinga. Não se notava as presenças de veículos de comunicação comunitários,
pequenos empresários da área de comunicação ou grandes grupos midiáticos28.
Inicialmente, atores da sociedade civil estavam muito mobilizados e foram muito
atuantes na implantação do Estúdio Multimeios29. Entretanto, houve muitos conflitos durante
a discussão de como se daria a gestão do local. O gestor do espaço, Carlos Augusto Fonseca
Pereira assim expõe o dilema:
Num primeiro momento, alguns retrucam que esse processo do Conselho
Gestor era misto. Vamos dizer assim: metade governo e metade comunidade.
Só que muita gente da comunidade tinha um interesse de domínio, de
comandar ali. E, daqui a pouco, eles viram que aquele processo não ia ser bem
assim, como eles queriam. Alguns representantes do governo foram,
praticamente, postos ali por uma situação de cima para baixo. E ai o que
aconteceu? Talvez até faltou um pouco de articulação da própria coordenação,
porque às vezes você se move tanto para apagar o fogo, que você acaba
27
O relato da I Conferência Municipal de Comunicação inteiro e as atas das reuniões do Conselho Municipal de
Comunicação podem ser tomados como documentos de expressão dos interesses das organizações da sociedade
civil, veículos comunitários e pequenos empresários da área de comunicação. Entretanto, boa parte dos atores
identificados nestes fóruns não permaneceram como atores em torno das políticas de fomento à comunicação
comunitária em 2005 e 2006.
28
Contudo, também já houve a presença - em torno da experiência do Estúdio Multimeios- de outros gestores,
do Fórum de Educadores da Restinga (Feres), de coletivos de comunicação, de promotoras legais populares e de
pesquisadores com interesses acadêmico-científicos.
29
Inclusive, houve manifestações e encaminhamento de propostas solicitando a instalação do equipamento
público do bairro da Restinga.
133
esquecendo de outras partes. E eu acho que, num todo, ele acabou
enfraquecendo. E aí o seguinte: hoje, as pessoas anseiam muito por reuniões
que tragam resultados imediatos. E uma reunião do Conselho Gestor não seria
isso aí. Então, o pessoal também já estava um pouco saturado. Muita gente
que estava ali era oriunda de outros movimentos. A grande maioria participa
de vários movimentos. Então, o que acontece? Eles acabam se desgostando e
acabam se afastando. Eu acho que, por isso, não evoluiu mais (PEREIRA,
2007, informação verbal)30.
Decorre que o espaço foi abandonado por boa parte dos atores que a reivindicaram31.
Quando questionados porquê o espaço não é utilizado ou é subutilizado, inicialmente são
dadas respostas vagas do tipo “é longe”32. Contudo, conforme se avança na conversa, nota-se
o verdadeiro conflito que foi instalado e o abandono da idéia:
O estúdio, na realidade, eu não estou acompanhando mais. O que eu sei – de
outras pessoas que eu conheço que são artistas – é que funciona como um
objeto público como todos os objetos públicos funcionam historicamente na
comunidade. Têm alguns indivíduos que se apropriam, que se chamam
coordenadores ou supervisores e aí seus colegas ou seus mais chegados
conseguem desenvolver um trabalho melhor. Mas um trabalho muito assim...
acho que não tem muita... até porque não tem diversidade, né? Então, ficam
só os colegas e aqueles velhos... a maneira de agir meio assistencialista, né?
[...] E o dinheiro é pouco também para fazer uma coisa diferente. Então, fica
nessa coisa. Eu não acompanho mais esse processo. Eu acompanhei até a
implantação. Depois, eu não acompanhei mais. Então, eu não tenho o que te
dizer. Até porque eu acho que tem uma coordenação, que é o Augusto. Ele,
gerente da Guarda Municipal, é o coordenador do Multimeios. Um cara muito
legal. É negro. Muito legal. Eu não conheço. Não sei se ele sabe alguma coisa
de comunicação ou de arte, só sei que ele é funcionário público, é guarda
municipal e é coordenador do Multimeios. Não sei porque ele foi colocado
nisso, mas é um cara muito aberto, muito legal. Não sei se ele entende da tua
área, mas ele está gestionando há um, dois meses esse espaço, não sei o que
ele pode te dizer. Eu acompanho mais de perto uma rádio que se criou, que
tentou se constituir, está tentando se afirmar depois da rádio Restinga, que é a
rádio Quilombo (JESUS, 2007, informação verbal)33.
30
Carlos Augusto Fonseca Pereira, coordenador do estúdio multimeios, em entrevista à pesquisadora dia 08 de
outubro de 2007.
31
Contudo, o valor da idéia original permanece e foi viabilizada de outras formas, como através do Programa
Cultura Viva do Ministério da Cultura.
32
A localização do Estúdio consta em documento de propostas elaborado em discussão com diversos grupos,
organizações e militantes sociais da Restinga e encaminhado à Secretária Municipal de Direitos Humanos e
Segurança Pública Helena Bonumá em 2003: “Com as dificuldades encontradas pelo poder público municipal
na execução do projeto, propomos a imediata implementação dos equipamentos nas dependências da IETINGA[
Incubadora Empresarial da Restinga] – local destinado ao desenvolvimento da região, onde há disponibilidades
de espaço físicos – como forma de iniciarmos a formação técnica da comunidade para operar e gerenciar os
equipamentos. Sendo que, a construção definitiva do prédio deverá ser em lote destinado para tal, também na
área do Distrito Industrial, com a participação do conselho gestor comunitário no projeto arquitetônico”.
33
André Luiz de Jesus, Saroba, em entrevista à pesquisadora, dia 10 de outubro de 2007.
Observe que os argumentos apresentados são constituídos principalmente pelo não-dito (ORLANDI, 1993), pelo
que Sabora “não sabe”.
134
É importante apontar que André Luiz de Jesus, o Saroba, não se refere apenas aos
atuais gestores, mas aos anteriores também. Os argumentos apresentados por Sabora refletem
na visão de Sandro:
Eu não vou deixar de dizer, porque o Augusto está aqui e é coordenador.
Primeiro, falta um entendimento do Estado em querer fazer alguma coisa lá.
A gente sabe que, às vezes, o comprometimento e o empenho de quem está lá,
não é o mesmo comprometimento que o Estado oferece. E a força política que
o Estado – o Estado que eu digo é a prefeitura – tem outras necessidades e
ainda não entendeu o projeto como um todo. Não sei se porque não era do seu
governo, não sei se porque não tem ainda essa compreensão. Porque você
sabe quando você vai para uma discussão de políticas públicas, você vai
colocar a sua visão e, nem sempre, todo mundo aceita a visão do outro. Eu
não vou dizer que seja força política, mas eu acho que ainda falta lá uma
articulação maior com as entidades. Aquilo lá não é do Augusto, não é do
Sandro. Aquilo lá está para servir... (MARTINS, 2007, informação verbal)34
Já Juquinha do movimento Hip Hop da Restinga prefere negar que o espaço não é
utilizado ou subutilizado: “Não, a gente sabe que o espaço está lá. Quando a gente quiser a
gente usa”. Contudo, todas as atividades do grupo ocorrem em escolas locais e não no espaço
do estúdio.
Em 2007, o gestor do espaço, Carlos Augusto Fonseca Pereira35, demonstrou à autora
em diversas situações informais que tem o interesse de ser reconhecido publicamente. O
Secretário Municipal de Direitos Humanos e Segurança Pública, Kevin Krieger, deixa
transparecer a falta de interesse político pelo Estúdio Multimeios, quando responde a questão
“Uma fala que a gente sempre ouve é: 'Quando o governo quer fazer, ele dá um jeito de
arrumar dinheiro'. É assim?”: “Eu não posso te dizer que aqui aconteceu, porque a gente
queria fazer diversas coisas aqui e não conseguiu. [...] Então, acontece. Isso também tem.
Agora não dá para fazer tudo, porque se tivesse dinheiro para fazer tudo, faria tudo”
(KRIEGER, 2007, informação verbal)36.
Avalia-se que a política só teve continuidade, porque conta com um espaço físico
estruturado, que precisa ser gerido de alguma forma.
Nas oficinas de comunicação, são observadas hoje as presenças dos gestores,
oficineiros e participantes da Plenária Temática da Cultura do Orçamento Participativo. Não
34
Sandro Martins em entrevista à pesquisadora dia 9 de outubro de 2007.
Houve um cuidado do gestor em fazer contatos e apresentar peças-chave para entrevista à pesquisadora. Carlos
Augusto também fez questão de levar aos locais de encontro e acompanhar todas as entrevistas feitas pela
pesquisadora sob o argumento que também estava conhecendo a história do aparelho público que gerencia.
Contudo, a pesquisadora não se limitou ao direcionamento proposto pelo gestor e estabeleceu seus próprios
contatos.
36
Kevin Krieger, Secretário Municipal de Direitos Humanos e Segurança Pública, em entrevista com a
pesquisadora em 10 de outubro de 2007.
35
135
se nota a presença de influência de veículos de comunicação comunitários, pequenos
empresários da área de comunicação ou grandes grupos midiáticos.
Silvio Juramar Leal é funcionário de carreira da Secretaria Municipal de Cultura e é
gestor do programa de Descentralização da Cultura – que basicamente consiste na realização
de oficinas culturais conforme demandas de grupos na Plenária Temática da Cultura do
Orçamento Participativo. Seu interesse e sua tarefa, em princípio, são apenas atender à
solicitação do referido fórum. Como os oficineiros são escolhidos individualmente, via
inscrição conforme edital, inicialmente, seus interesses são profissionais. Por fim, os
participantes da Plenária Temática da Cultura do Orçamento Participativo, teoricamente, são
representantes de grupos que demandam as oficinas de comunicação. Contudo, foi relatado
caso de demanda de oficina de comunicação em que o solicitante não conseguiu organizar um
grupo para freqüentá-la:
A Restinga demandou uma oficina de comunicação comunitária, via Estúdio
Multimeios. Só que eles estavam atrelados a um formato de comunicação
comunitária [...], porque eles tiveram uma oficina de rádioweb, então, eles
estavam muito atrelados a rádioweb. E a minha proposta é a escrita, jornal
impresso. Então, eu fui para lá, porque a comunidade tinha demandado. Só
que, na verdade, não era uma real demanda da comunidade. Daí, isso gera um
questionamento, todo um problema desse jeito de fazer. Inclusive, do OP,
porque o líder comunitário não tinha representatividade da comunidade. Ele
não sabia qual era o interesse real da comunidade. Não era comunicação, era
oficina de vídeo e de música, por exemplo. Estavam rolando outras oficinas
com muitas pessoas presentes. [...] E a comunicação não acontecia. Não
aconteceu, porque não era o interesse da comunidade. Então, a gente foi
divulgar com a comunidade e não apareceu praticamente ninguém. E daí
resolvemos implementar essa oficina no Cristal – que não foi demandada.
Você vê, não tinha um projeto e já foi aprovado (RAMOS, 2007, informação
verbal)37.
Observa-se que as oficinas de comunicação em execução em Porto Alegre (RS), em
outubro de 2007, eram oferecidas somente à ONG’s e não à veículos comunitários. Em
princípio, o interesse dessas instituições era diversificar suas atividades sem ter gastos.
Assim, conclui-se que existe um baixo grau de compartilhamento de interesses que
leva as políticas executadas em 2005 e 2006 serem apenas resíduos da gestão anterior. Os
grupos - que demandavam e participavam das ações da gestão municipal de 2001-2004 –
retiram-se aos poucos da cena das políticas locais de fomento à comunicação comunitária.
37
Rodrigo Ramos, oficineiro, em entrevista concedida à pesquisadora dia 11 de outubro de 2007.
136
1.5 Recife (PE)
Em 2007, os atores identificados, pelo trabalho de campo, em torno das políticas de
fomento à comunicação comunitária no Recife (PE) são: Fórum Pernambucano de
Comunicação (Fopecom), Federação das Rádios Comunitárias de Pernambuco (Fercom/PE),
Sindicato dos Radialistas de Pernambuco, Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária
(Abraço – PE), Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (Geraldão), políticos, rádios
comunitárias artistas locais, jovens e empresários da área de comunicação. Não se identificou
a influência dos grandes grupos midiáticos locais - ou regionais ou nacionais – nas ações de
fomento à comunicação comunitária executadas pela prefeitura do Recife (PE).
O conflito de interesses aparece, no Recife (PE), na descontinuidade das ações de
fomento à comunicação comunitária desenvolvidas na gestão de 2001-2004. A continuidade
do partido e do prefeito não foi suficiente para manter as correlações de interesses e força
política. Quando questionada porque não houve continuidade, a diretora de Rádio e
Comunicação Popular, Dulce Melo, simplesmente responde: “Foi uma opção política”. De
acordo com uma fonte que pediu para não ser identificada, apesar da parceria de muitos anos
do partido do prefeito com TV Viva38, a paralisação da iniciativa TV Matraca aconteceu com
a chegada de novos quadros políticos na prefeitura:
E de repente, assim, houve uma mudança para adequação político-partidária.
Por exemplo, vieram umas pessoas do Sul, se não me engano quando perdeu a
prefeitura de Porto Alegre. Quando a Marta perdeu [a prefeitura de São Paulo]
também. Enfim, aí começa aquela adequação partidária.[...]
Quando mudou a coordenação de comunicação comunitária, aí mudou tudo,
porque - para você ter uma idéia - as pessoas que passaram a fazer parte desse
núcleo da coordenação da comunicação comunitária, elas sequer conheciam a
cidade. Então, o pessoal supergente boa, muito gente boa, muito legal. A
gente conversou várias vezes e tal, mas as coisas foram simplesmente
acabando, acabando... Tanto que nunca houve, assim, um 'acabou'. Nunca
houve, entende? 39.
Todavia, observa-se que no Recife (PE), mais do que em qualquer outra localidade
estudada nesta dissertação, os atores da sociedade civil, políticos e gestores constantemente se
confundem. Exemplos: Napoleão Assunção da Abraço – PE já atuou como assessor na
Diretoria Rádio e Comunicação Popular; a diretora do setor Dulce Melo já foi membro da
direção do Sindicato dos Radialistas de Pernambuco; Mariana Martins atuava no Geraldão,
38
É possível estabelecer uma correspondência da TV Viva de Olinda (PE) com a TVT- TV dos Trabalhadores de
São Bernardo do Campo (SP).
39
O entrevistado, que pediu para que seu nome não fosse revelado, não soube – ou não quis – confirmar se
tratava-se dos casos de Félix Sanches e Paulo de Tarso Riccordi.
137
mas também era membro do Fopecom. Assim, o lançamento da segunda edição projeto
“Liberdade nas Ondas do Rádio” aconteceu no encerramento da III Semana Nacional pela
Democratização da Comunicação, proposta pela Frente Nacional pela Democratização da
Comunicação.
Dessa forma, os interesses em jogo inevitavelmente se confundem. Nesse caso,
minimizam as disputas e favorecem o alto grau de compartilhamento de interesses.
2. Os condicionantes materiais
Há uma noção compartilhada pelo senso comum de que a decisão de executar ou não
uma política independe de recursos, mas é acima de tudo uma questão de “vontade política”.
Tal como foi demonstrado no capítulo III, as despesas municipais com Comunicação Social
não são insignificantes. Mas será que esses recursos são suficientes?
Assim, os condicionantes materiais referem-se às condições objetivas de implantação
e execução das políticas de fomento à comunicação comunitária. Tal como é a característica
do condicionante, a coleta de dados procurou privilegiar as informações objetivas sobre
orçamento e valores. Contudo, coletar essas informações ainda é tarefa difícil no setor
público. Os dados disponíveis e revelados são sempre registros genéricos, tal como as
informações do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI,
utilizados no capítulo III 40.
Contudo, as condições materiais revelam-se por meio de indícios: espaço físico (salas,
estúdios etc.), equipamentos (computadores, gravadores, ilha de edição etc.), materiais de
apoio (livros, cartilhas etc.), materiais de consumo (papelaria, fitas etc.) e recursos humanos
(técnicos, assessores, agentes comunicacionais etc.).
Outro fator a ser considerado é condição material do público-alvo das referidas
políticas. As políticas locais de fomento à comunicação comunitária são dedicadas a que
setores da sociedade? A análise também buscou reconhecer - para além das informações
objetivas- as estratégias encontradas em cada caso estudado para viabilizar financeiramente as
políticas locais de fomento à comunicação comunitária. Por fim, se procurou identificar se
alguma política deixou de ser feita por falta de recursos materiais.
40
Boa parte dos dados não foi obtida. Como não é novidade no Brasil, a transparência das contas públicas ainda
é um tabu a ser enfrentado pela administração pública.
138
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que os recursos materiais empenhados pelo
poder público municipal seriam poucos e até insuficientes em relação à demanda, mas que
parcerias seriam buscadas como forma de viabilizar o fomento à comunicação comunitária.
A seguir, estão sistematizados os dados já triangulados dos condicionantes materiais
das capitais que fomentam a comunicação comunitária.
2.1 Fortaleza (CE)
Em Fortaleza (CE), a única informação objetiva referente a orçamento e valores foi o
valor dos “apoios culturais”: R$ 1.000,00 mensais, de acordo com Zairton Cavalcante, da
Rádio Parreão – sendo que a agência de publicidade contratada pela prefeitura para agenciar
os anúncios fica com R$200,00 mensais. Portanto, o valor líquido que chega nas rádios é de
R$800,00 mensais. Há também uma informação genérica: a destinação de 1% do orçamento
de publicidade da Prefeitura de Fortaleza, para apoios culturais a veículos comunitários, de
acordo gestora Ana Cláudia Perez. Observe que, nestes casos, estas rubricas referem-se a um
orçamento próprio do Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular para executar políticas
de fomento à comunicação comunitária.
O Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular conta ainda com a estrutura da
Coordenadoria de Comunicação para os outros recursos necessários para gestão das políticas:
espaço físico, equipamentos, material de consumo e recursos humanos (1 coordenadora e 2
assistentes)41.
Contudo, o principal meio de viabilizar as iniciativas encontrado pelo Núcleo de
Comunicação Alternativa e Popular são as parcerias com outros órgão governamentais e
ONG’s. Por exemplo, o orçamento do projeto Jornais Juvenis Associados vem da
Coordenadoria Especial de Políticas de Juventude e a execução é feita pela ONG
Comunicação e Cultura42. Não foi possível coletar informações sobre os valores repassados à
ONG Comunicação e Cultura para execução do projeto Jornais Juvenis Associados. Contudo,
a gestora Joana D’arc Dutra explica a origem dos recursos:
Vem do Governo Federal, porque a juventude é via [o programa] Pró-Jovem.
A Juventude tem parte de uma reserva na folha, que é o orçamento. A
prefeitura de Fortaleza tem um orçamento direcionado à Juventude e a própria
41
O núcleo de comunicação alternativa e popular não trabalha diretamente com o público-alvo final - diferente
de Porto Alegre e Recife, por exemplo.
42
O orçamento do projeto rádio escola vem da Secretaria de Educação e a execução é feita pela ONG Catavento.
139
Juventude, por meio de Conselhos, define o curso desses recursos (DUTRA,
2007, informação verbal)43.
Assim, os recursos de espaço físico, equipamentos, material de apoio, material de
consumo e recursos humanos para execução do projeto Jornais Juvenis Associados fica por
conta das ONG parceira, Comunicação e Cultura.
As noções de participação e parcerias estão presentes desde o início de elaboração das
propostas: tal como relatado, o seminário foi feito para levantar possibilidades de parcerias. É
também o que se depreende do slogan do I Seminário de Comunicação Popular – A
Comunicação que Queremos: “A prefeitura e você fortalecendo as mídias alternativas”,
conforme imagem do cartaz do evento, abaixo:
Ilustração 2 – Cartaz do I Seminário de Comunicação Popular – A Comunicação que Queremos
A prática de parcerias, feita pelo Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular,
encontra ressonância no Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura (MinC). Na
iniciativa do MinC, é aberto um edital e as instituições inscrevem propostas para receber uma
verba para potencializá-las ou implantá-las44. Observe que, assim como é feito em Fortaleza
(CE), não é o governo que diz quais atividades culturais que as entidades devem executar,
43
Joana D’arc Dutra, em entrevista à pesquisadora em 23 de outubro de 2007.
Em princípio, o valor da verba é igual para todas as propostas, independente do tamanho dos projetos - seja de
público ou qualidade. Vários critérios são usados para avaliar as propostas - desde condições de vida do lugar de
onde veio o projeto até diversidade de linguagens e expressões culturais. Contudo, nem todas as iniciativas são
contempladas.
44
140
mas são os proponentes que fazem um projeto do que gostariam de fazer ou potencializar e
faltam recursos. Contudo, o procedimento de editais poderia ser uma boa referência para
aperfeiçoamento da transparência na destinação de recursos das parcerias realizadas em
Fortaleza (CE). Todavia, as experiências em Fortaleza avançam em relação ao Programa
Cultura Viva, porque as parcerias não são estabelecidas só financeiramente e na troca de
experiências, mas também no acompanhamento da execução dos projetos, como será visto no
item 4.1.
Por fim, nota-se que o orçamento foi impeditivo para execução de projetos em
Fortaleza (CE), sim. De acordo com Ana Cláudia Perez, Joana e material publicitário
destinado à captação de recursos, o projeto Rádio Volante – de instalação de serviço de som
nos terminais de ônibus da cidade- ainda não foi implantado por falta de parceria para
financiamento do projeto.
2.2 João Pessoa (PB)
Inicialmente, não foram obtidas informações objetivas sobre orçamento destinado
especificamente à Divisão de Comunicação Comunitária. Contudo, o referido órgão conta
com a estrutura da Secretaria da Comunicação Social para os recursos necessários para o
trabalho de articulação política: espaço físico, equipamentos, material de consumo e recursos
humanos (1 diretor e 2 assistentes).
O antigo Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária e atual Abraço – PB, em
janeiro de 2007, não contava com espaço para reuniões. Os membros se encontravam na
calçada em frente a um sebo famoso na localidade. Contudo, em outubro de 2007, o próprio
movimento conseguiu articular um espaço para reuniões.
Dessa maneira, conclui-se que as práticas em João Pessoa (PB) não demandam grande
mobilização de recursos materiais, já que a ação refere-se principalmente à articulação
política.
2.3 Macapá (AP)
A coordenadora de comunicação de Macapá (AP), Germana Duarte, recusou-se a
informar os valores destinados aos anúncios nas rádios de poste45. A gestora limita-se a dizer:
45
Inclusive, em um ato de desconfiança sobre a veracidade da identidade da pesquisadora, pediu à autora para
ver o projeto de pesquisa.
141
“O nosso orçamento na Coordenadoria de Comunicação é muito pouco”. Inclusive, o
argumento econômico é uma das motivações exposta para o fomento à comunicação
comunitária, tal como descrito no item 1.3.
Contudo, o documento Contrato de Prestação de Serviço de Publicidade revela a
origem e valor orçamentário:
UNIDADE ADMINISTRATIVA
COOR. MUNICIPAL DE COMU.
SOCIAL
PROGRAMA
04.131.0010.2.004.000
CAT.ECON.
33.90.39.00
VALOR EM R$
R$3.300,00
Fonte: Contrato de Prestação de Serviço de Publicidade, p.28 (anexo 7).
Como o contrato tem a duração de 11 meses, cada rádio recebe R$ 3.300 reais por ano.
Se multiplicarmos o valor por quinze rádios existentes no município, teremos o total de R$
49.500,00 anuais gastos pela prefeitura com publicidade em rádios de poste46. Certamente, é
um valor muito baixo com relação aos R$ 1.283.318,71 gastos com o setor no município em
200547.
As sedes das rádios de poste normalmente localizam-se nas casas dos proprietários.
Eles moram em bairros periféricos, mas nota-se que suas casas são melhores do que da
vizinhança. Contudo, não chegam aparentar riqueza. Os custos de instalação e manutenção
das caixas de som nos postes são por conta dos proprietários.
Todos os proprietários entrevistados disseram que adotam a mesma política de
cobrança pela divulgação de anúncios de Lindoval Ronildo da Mota Borges, da Rádio
Igarapé: “Tocamos música, hora certa, informações educativas. Tudo isso nós fazemos.
Agora, em termos de captação de recursos, só os spots comercias - de empresas e comércios
em geral - a gente cobra. O resto é parceria, é gratuito (BORGES, 2007, informação verbal)”.
Ou seja, as entidades comunitárias não pagam pela utilização do serviço.
A regularização desses veículos de comunicação não é cobrada por parte da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente, mas é feita mediante troca de anúncios gratuitos para a referida
Secretaria.
46
Trata-se de um valor aproximado, uma vez que a Coordenadora de Comunicação Social não confirmou a
informação.
47
Ver capítulo III, item 2.3. Todavia, nota-se que a Coordenadoria Municipal de Comunicação Social possui
muitos funcionários e assessores. As salas que ocupam no prédio da prefeitura são muito pequena – inclusive
não há mesas, cadeiras e computadores para todas as pessoas alocadas no setor. Observa-se que o uso de material
de consumo, como papel e telefone é à vontade.
142
Dessa forma, conclui-se que as práticas de anúncios em Macapá têm recursos bem
delimitados. As práticas das políticas locais de fomento à comunicação comunitária são
dedicadas aos pequenos empresários da área de mídia.
2.4 Porto Alegre (RS)
O Estúdio Multimeios é um equipamento público com espaço para telecentro,
recepção, secretaria, dos banheiros, copa, espaço multiuso com palco móvel, cadeiras, mesas,
estúdio multiuso e sala para edição de vídeos.
Não foi possível obter informações objetivas sobre as despesas referentes ao Estúdio
Multimeios. Contudo, Carlos Augusto48 indica a falta de recursos como o principal empecilho
para viabilizar atividades49:
Junto com a construção da secretaria, veio verba para guarda, verba para
oficinas de direitos humanos, de geração de renda... aí veio tudo naquele
projeto. E é onde foram implantadas algumas oficinas de capacitação, oficinas
de geração de renda, de profissionalização, mas isso no primeiro molde.
Agora a secretaria está fazendo o segundo molde, tentando renovar esse
projeto para ter mais recurso. E, por isso, que nós estamos nessa situação de
perna curta.
De fato, entre a primeira visita realizada ao espaço em julho de 2006 e a segunda
realizada em outubro de 2007, nota-se uma grande falta de manutenção do espaço e
equipamentos. O único lugar bem conservado e com equipamentos de última geração é o
telecentro, que é mantido pela Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto
Alegre - PROCEMPA50.
As ilhas de edição de vídeo já estão tecnologicamente ultrapassadas51. Até o estúdio
utilizado para ensaio e gravação de CD’s por bandas locais estava paralisado, porque o
módulo havia queimado. Inclusive, foi muito interessante o modo como Carlos Augusto
conseguiu a manutenção do aparelho. Ele fez a solicitação diretamente ao secretário na frente
da pesquisadora. Sentindo-se avaliado, o secretário chamou o responsável pela finanças e
ordenou liberar o orçamento necessário rapidamente. Certamente, foi uma estratégia – ou uma
encenação- de coagir o político para ação.
48
Entrevista concedida à pesquisadora em 9 de outubro de 2007, junto com Sandro Martins.
Entretanto, a pesquisadora avalia que, na verdade, falta mobilização e objetivos compartilhados com a
população do bairro. Fala-se da necessidade de dinheiro, mas não se sabe indicar para que será utilizado.
50
Inclusive, a gestão e atividades do telecentro é feita totalmente independente e à parte do Estúdio Multimeios.
51
Carlos Augusto conta, em conversas informais, que para viabilizar as demandas de edição de vídeo, utiliza o
contato pessoal do secretário com a produtora K3. Ele garante que nada é oferecido em troca para a produtora,
que os serviços são feitos por conta da relação de amizade.
49
143
Uma das alternativas que está sendo pensada para captação de recursos para a
manutenção do espaço e oferecimento de atividades é a criação de uma Associação Amigos
do Estúdio Multimeios. Avalia-se que a associação tem uma estrutura menos burocrática que
a do Estado para estabelecer parcerias:
O conselho gestor não tem condições de captar recursos. A função do
conselho gestor é administrar aquilo que vai ser trabalhado dentro do
estúdio. É discutir as sistemáticas.[...] Então, hoje, essa associação vem
suprir a grande necessidade do estúdio. [Mas não pode ter parceria de
uma secretaria com a outra] Mas não da forma dele [do Sandro].
Dificilmente, eles vão repassar a verba (PEREIRA, 2007, informação
verbal).
Como ainda se trata de uma idéia, não é possível avaliá-la a priori. Todavia, é
importante atentar para que a pretendida associação não seja só uma forma de obter recursos,
sem projetos efetivos52.
Atualmente, trabalham no espaço um gestor, uma secretária, dois estagiários e dois
guardas municipais.
O bairro em que se localiza o equipamento é a Restinga. Não é considerado o bairro
mais pobre de Porto Alegre, mas é um dos mais distantes do centro da cidade. A região foi
considerada para instalação do projeto piloto, porque era a que tinha os índices de
criminalidade mais elevados.
Tal como descrito no capítulo III, as oficinas de comunicação foram viabilizadas pela
programa de Descentralização da Cultura. O espaço físico, equipamentos e público para as
oficinas são viabilizados pela entidades que solicitam a oficina53. Às vezes, os grupos também
fornecem o material de consumo. Outras vezes, fica por conta do próprio oficineiro, como
previsto em edital de contração de oficineiros: “As oficinas terão duração de até oito meses e
o cachê será de R$ 700,00 (setecentos reais) por mês, sem material. Este valor sofrerá
desconto de 11% na fonte”. De acordo com o oficineiro Rodrigo Ramos, é um procedimento
que nem sempre dá certo: “Às vezes, atrasa o pagamento e aí o oficineiro não tem dinheiro
para comprar material para a oficina. Isso foi colocado na comunidade e uma das edições do
mural do Clube de Mães foi elas quem compraram o material, imprimiram e se organizaram
52
Como será visto no item 4.4, foram esboçadas algumas oficinas no Estúdio Multimeios que não foram viáveis
por falta de público e não de recursos materiais.
53
As condições materiais do público-alvo variam. Há desde adolescentes moradores em bairros periféricos até
senhoras do Clube de Mães.
144
para isso54. Em outubro de 2007, havia quatro oficineiros de comunicação contratados e cinco
iniciativas em andamento.
Dessa forma, conclui-se que – apesar de demandados e serem condicionantes da
política- não são os recursos (ou a falta deles) que têm sido determinantes na execução das
políticas de fomento à comunicação em Porto Alegre (RS).
2.5 Recife (PE)
Não foi possível localizar informações objetivas referentes a orçamento e valores
especificamente das políticas de fomento à comunicação comunitária no Recife (PE).
Contudo, a Diretoria de Rádio e Comunicação Popular possui uma boa estrutura física,
de material de consumo, de equipamentos e de equipe na Secretaria de Gestão Estratégica e
Relações Internacionais. São duas salas com computadores e um estúdio para a produção de
programas de rádio55.
O material de apoio dos cursos e oficinas oferecidos pela Diretoria de Rádio e
Comunicação Popular são elaborados pelos próprios gestores, Dulce e Rodrigo.
A palavra parceria é muito citada pelos gestores quando questionados como se
viabilizam as ações, como no caso da instalação de serviço de som nos mercados municipais:
“A CSURB [Companhia de Serviços Urbanos do Recife] fez uma reforma nos mercados e no
orçamento eles incluíram a construção de um estúdio e a compra dos equipamentos”
(CORTEZ, 2007, informação verbal) 56. Foi também em parceria com o Ginásio de Esportes
Geraldo Magalhães (Geraldão), que jovens receberam capacitação de radialismo esportivo,
em 2005.
3. Os condicionantes ideológicos
Ideologia é sempre um conceito complexo. Certamente, tem bases nas condições
objetivas de vida e vincula-se às aspirações políticas dos indivíduos e grupos sociais.
Contudo, nesta dissertação, se optou pela definição ideologia usada por PARO (1995, p.304)
54
Rodrigo Ramos, oficineiro, em entrevista concedida à pesquisadora dia 11 de outubro de 2007.
Inclusive, a primeira entrevista, realizada em janeiro de 2007, foi em um lugar improvisado, pois o prédio da
prefeitura estava em reforma.
Entretanto, como descrito no capítulo III, a atuação da diretoria está voltada principalmente para trabalhar o
desenvolvimento de programas de rádios e outros serviços para esse segmento da comunicação da comunitária,
como em um serviço de assessoria de imprensa especializado.
56
Rodrigo Cortez ,em entrevista concedida à pesquisadora em 26 de outubro de 2007.
55
145
“todas as concepções e crenças sedimentadas historicamente na personalidade de cada pessoa,
que movem suas práticas e comportamentos no relacionamento com os outros”.
Revela-se nas práticas diárias dos indivíduos e grupos sociais, na medida que não é um
elemento abstrato ou uma questão retórica. Todavia, nesta dissertação, os elementos usados
para se apreender as ideologias em jogo podem vir das histórias de vida dos atores envolvidos
com as políticas de fomento à comunicação comunitária, do contexto das entrevistas ou das
falas das entrevistas.
Neste item, serão descritos o que os atores identificados entendem por comunicação e
especificamente comunicação comunitária57. Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que os
atores teriam concepções e crenças em relação à comunicação bem variadas, mas
compartilham da noção funcionalista da comunicação, como um instrumento para atingir
determinados fins, e por isso demandariam ou executariam políticas de fomento à
comunicação comunitária.
A seguir, estão sistematizados os dados já triangulados dos condicionantes ideológicos
das políticas locais de fomento a comunicação comunitária em execução em 2006.
3.1 Fortaleza (CE)
As expressões utilizadas pela prefeitura para se referirem ao que nesta dissertação se
denomina “comunicação comunitária” foram “comunicação popular” e “comunicação
alternativa”, tal como é o nome do núcleo e consta no cartaz do I Seminário de Comunicação
Popular – A Comunicação que Queremos (ver item 2.1)58.
Em Fortaleza (CE), a prefeita Luizianne Lins é jornalista. Inclusive, é professora
licenciada do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC). Tal
perfil já demonstra sensibilidade ao tema da comunicação. A palestra que proferiu na abertura
I Seminário de Comunicação Popular – A Comunicação que Queremos, denominou-se
"Nossos princípios: comunicação como instrumento de uma gestão democrática e popular".
Trata-se de um título que remete à política de comunicação desenvolvida em Goiânia (GO),
na gestão 2001-2004, tal como relatado no terceiro capítulo.
57
É neste item que se faz o diálogo proposto no primeiro capítulo, item 3.
Tal como visto no capítulo I, a expressão “comunicação popular e alternativa”, de acordo com Cicilia Peruzzo,
“Em síntese, a comunicação popular e alternativa se caracteriza como expressão das lutas populares por
melhores condições de vida que ocorrem a partir dos movimentos populares e representam um espaço para
participação democrática do “povo”. Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindicativo e tem o “povo” como
protagonista principal, o que a torna um processo democrático e educativo. É um instrumento político das classes
subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na construção de uma sociedade
igualitária e socialmente justa (PERUZZO, 2006, p.4)”.
58
146
Quando questionada porquê a prefeitura faz essas ações, Ana Cláudia resume à “opção
política”, porque vê a comunicação como um direito na perspectiva educativa59.
As concepções de comunicação dos gestores, além do embasamento na experiência
sindical, fundamentam-se no conhecimento técnico, “de quem é da área”60. Para os gestores,
se por um lado a comunicação é um instrumento para obtenção ou manutenção de
legitimidade para o exercício do poder, nesta administração, o exercício do poder orienta-se
pela ampliação de direitos, tal como visto no item 1.1.
É uma concepção que encontra correspondência ao pensamento do Movimento
Cearense pela Democratização da Comunicação, mas possui as suas nuances:
[...] a gente achou que a história da CRIS BRASIL era mais curiosa para
gente, porque ela envolvia a história do direito humano à comunicação e a
gente achava a coisa mais ampla do mundo e ao mesmo tempo o assunto mais
curioso para gente tratar, que era mais novo. Então a gente se empolgou com
essa história do direito humano a comunicação como sendo fomentador de
todas as democratizações que a gente pudesse propor - para a comunicação
tanto na TV, rádio ou jornal. Então a gente quis trabalhar o direito humano à
comunicação como fundamentação de todo nosso trabalho e fazer uma
plataforma de três eixos – o primeiro era de controle social da comunicação, o
segundo era o de sistema geral da comunicação [...] e o terceiro era a
radiodifusão comunitária, que e gente queria investir pesado. Esse eixo de
radiodifusão comunitária foi o que a gente mais conseguiu avançar em termos
de políticas públicas (SOUZA, 2007, informação verbal) 61.
São concepções que também se revelam nos documentos dos programas, como no
edital do projeto Jornais Juvenis (anexo 5), que assim descreve o objetivo da iniciativa:
[...] viabilizar a FORMAÇÃO DE JOVENS, CRIAÇÃO e
PUBLICAÇÃO de jornais, pretendendo desta forma incentivar a
produção jornalística, a sua divulgação, trocas de experiências e
conhecimentos, de modo a incentivar a democratização dos Meios de
Comunicação em Fortaleza (EDITAL, 2007, p. 1 ,grifo nosso).
Trata-se praticamente de um consenso entre os atores da sociedade civil, políticos e
gestores. O papel do poder público local, em Fortaleza (CE), tem sido principalmente de
mediador e mobilizador – seja na Rede Municipal ou na articulação de parcerias para
59
Apesar de ser possível identificar as iniciativas de Fortaleza com as propostas de Paulo de Tarso Riccordi,
como informado no segundo capítulo, a atuação do consultor na localidade se refere à segurança pública e
educação.
60
Inclusive, uma das gestoras das políticas de fomento à comunicação comunitária, Joana D’Arc Dutra, fez uma
pesquisa de mestrado com o tema de comunicação sindical na Universidade Federal da Bahia, sob orientação de
Albino Rubim – uma das suas referências acadêmicas.
61
Marcelo Inácio do Movimento Cearense pela Democratização da Comunicação, em entrevista à pesquisadora
em 22 de outubro de 2007.
147
viabilizar projetos de ONG’s. Tal opção política remete a uma noção de Estado como
gerenciador de recursos.
Outro aspecto importante a ser considerado é o que se entende pelo que não é uma
política de fomento à comunicação comunitária. Conforme o primeiro edital do projeto
Jornais Juvenis podiam participar “[...] organizações de juventude que atuem nas temáticas de
Meio Ambiente, Esporte, Cultura, Participação, Saúde, Movimento Estudantil Universitário e
outras temáticas sociais [...] O projeto não apoiará propostas de autoria de Juventude
Partidárias, sendo oficiais ou não”. Portanto, a política proposta não foi uma maneira
encontrada de financiar a expressão da juventude do partido da prefeita ou de qualquer outro
grupo político.
3.2 João Pessoa (PB)
Na página da prefeitura na internet, assim está descrita a missão da área: “A Secretaria
de Comunicação Social da Prefeitura Municipal de João Pessoa tem uma missão fundamental:
levar a informação ao cidadão, de forma completa, transparente e democrática, colaborando
para construir um governo participativo e solidário”. Os objetivos também estão listados, mas
não há qualquer referência à comunicação comunitária:
- Compete à Secretaria definir e implantar a política municipal de
comunicação social;
- Promover e divulgar as realizações governamentais;
- Promover o relacionamento entre os órgãos do Governo Municipal e a
imprensa;
- Implantar programas informativos, além da coordenação, supervisão e
controle da publicidade institucional dos órgãos e das entidades da
administração municipal direta, indireta e fundacional;
- Cuidar da publicidade dos atos oficiais.
Contudo, na Secretaria de Comunicação Social, existe a Divisão de Comunicação
Comunitária – estrutura institucional com origem no governo anterior. O diretor da área,
Ednaldo Alves conta, em entrevista concedida à pesquisadora em 3 de janeiro de 2007, que
Divisão de Comunicação Comunitária na gestão anterior funcionava como um braço da
assistência social do município62: “Ali era um guichê em que as pessoas iam pedir coisas,
como um remédio ou um bilhete de ônibus”.
62
Tal informação não foi triangulada – não foi localizada nenhuma fonte documental ou feita entrevista que
comprove o fato. Portanto, a informação deve usada com cautela e mediante comprovação. Na pesquisa
realizada em 2004, não houve retorno do questionário e não foram localizadas informações na internet.
148
Se por um lado Ednaldo tentou romper com a noção de assistencialismo, por outro
lado, é importante notar que, na entrevista realizada em 3 de janeiro de 2007, ele tinha
acabado de percorrer a cidade pendurando faixas de divulgação de um evento. Tarefa que,
inicialmente, também não caberia ao diretor de comunicação comunitária e sim ao setor e
funcionário responsável pela manutenção da cidade.
Tal como descrito no terceiro capítulo, as políticas de fomento à comunicação
comunitária em João Pessoa (PB) têm origem no pedido de reunião do então Fórum
Metropolitano de Comunicação Comunitária63 com o secretário de comunicação. Depreendese que as políticas municipais de fomento à comunicação comunitária é uma reação do poder
executivo local a uma demanda do movimento local pela democratização da comunicação.
Uma vez aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito, o diretor de
comunicação comunitária entende que o papel que lhe cabe é fazer a articulação política e o
acompanhamento do trâmite da questão na justiça64. O diretor de Comunicação Comunitária,
Ednaldo Alves, em entrevista à pesquisadora em 31 de outubro de 2007, assim descreve o
trabalho em torno do Conselho Municipal de Comunicação: “Houve reuniões preparatórias
envolvendo todas essas entidades para poder formular o regimento e apresentar ao prefeito um
proposta já – digamos- negociada e acordada, com poucos problemas”.
O trabalho efetivamente desempenhado assemelha-se com a função de um assessor
parlamentar e não com a função de um gestor de políticas públicas. De fato, as questões
demandadas pelos movimentos locais de luta pela democratização da comunicação são
levadas ao conhecimento do prefeito, mas ao invés de se pensar em programas a serem
executados, são feitos projetos de leis. Depreende-se que os atuais assessores da Divisão de
Comunicação Comunitária romperam com a noção de assistência social que permeava o
órgão na gestão anterior, mas não conseguiram estabelecer um pólo executor de projetos e
programas.
63
Em 2007, o Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária passou por uma discussão interna e assumiu a
identidade da Associação Brasileira de Comunicação Comunitária – Abraço (PB), já que os membros do Fórum
eram principalmente vinculados à radiodifusão comunitária. Contudo, tal informação não foi triangulada – não
foi localizada nenhuma fonte documental ou feita entrevista que comprove o fato. Portanto, a informação deve
usada com cautela e mediante comprovação.
Embora a organização nacional da Associação Brasileira de Comunicação Comunitária - Abraço receba muitas
críticas com relação aos métodos e propostas defendidas, acarretando muitas vezes em perda de legitimidade,
nota-se que o trabalho e propostas do antigo Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária são sérias e
factíveis.
64
De acordo com conversa informal com os participantes Fórum Metropolitano de Comunicação Comunitária,
reunidos com a pesquisadora em 3 de janeiro de 2007, não haveria um empenho por parte da prefeitura para
ganhar a causa. Eles avaliam que o diretor de comunicação comunitária seria mero observador do processo na
justiça. Inclusive, essa é uma avaliação generalizada sobre sua atuação- não como executor, mas como
observador das iniciativas de comunicação comunitária no município.
149
Se por um lado boa parte dos entrevistados do antigo Fórum Metropolitano de
Comunicação Comunitária demonstra descontentamento com a atuação da Divisão de
Comunicação Comunitária para democratização da comunicação no município, por outro
lado, quando questionados sobre qual o papel que poderia ser desempenhado, eles não
conseguem verbalizar nenhuma outra ação que vá além da aplicação da Lei de
municipalização de autorização de funcionamento das rádios comunitárias. Portanto, se não se
vai além, é também porque o movimento tem uma visão restrita do que o poder público local
pode fazer para o fomento da comunicação comunitária.
3.3 Macapá (AP)
Em Macapá (AP), a expressão usada pela gestora Andréia Freitas para se referir às
rádios de poste, em pesquisa exploratória realizada em junho de 2006, foi “rádios
comunitárias”. Por isso, a iniciativa foi eleita para aprofundamento como estudo de caso nesta
dissertação. Contudo, quando se chegou na cidade, a primeira informação coletada foi que a
expressão usada oficialmente era “sistema de público de publicidade”,
de acordo com
documentos e o proprietário da Rádio Igarapé, Lindoval Ronildo da Mota Borges (2007,
informação verbal): “O povo chama de rádio poste, chama de rádio cipó e outros que chamam
de rádio comunitária. A gente tem esses três nomes. Mas o nome mesmo correto é sistema de
publicidade fixa”65. Notou-se também que as rádios tinham proprietários. Os proprietários
eram indivíduos e não associações.
Em um primeiro momento, avaliou-se abandonar a experiência para aprofundamento
como estudo de caso. Entretanto, num segundo momento, ponderou-se que para aquela
população o significado de rádio comunitária era aquele e, então, de acordo com a lógica local
aquela era de fato uma política de fomento à comunicação comunitária. Se por um lado, as
pequenas empresas de comunicação não correspondem às definições ideais de comunicação
comunitária, em Macapá, elas não deixam de abordar as questões comunitárias e acabam se
configurando como um sistema de comunicação alternativa. Em todas entrevistas feitas com
os proprietários de sistemas de públicos de publicidade, notou-se que as rádios são espaços
abertos para comunidade para mobilização social66:
O pessoal tem interesse, sim. Geralmente, quem mais participa são os
presidentes de associações de moradores. Para marcar reuniões, para
65
66
Em entrevista concedida à pesquisadora, em 21 de agosto de 2007.
Em anexo constam alguns anúncios coletados na rádio Igarapé.
150
suspensão de consultas em postos médicos por algum motivo, eles anunciam
aqui.[Pesquisadora: Os moradores também podem reclamar de algum serviço
que a prefeitura ficou de fazer e não fez como, por exemplo, uma promessa de
asfalto em determinada rua?] Ele pode ir lá e fazer a sua reivindicação.
Geralmente, a comunidade reivindica aquilo que lhe é direito. Mas, nós não
atacamos a nenhum grupo, nem A e nem B. Não é esse o nosso interesse.
Trabalhamos, sim, para levar a verdade ao povo, sem a finalidade de atacar
ninguém (PUREZA DA SILVA, 2007, informação verbal)67.
A noção de bem ou interesse público, inicialmente, não faz parte da cultura
institucional da prefeitura como um todo, que funciona nos moldes da caricatura negativa do
serviço público: aparelhamento político-partidário das estruturas estatais, práticas de
nepotismo, burocracia, dificuldade de acesso e horário de trabalho só até às 14h.
Conseqüentemente, a noção da comunicação como um direito, um bem público, também não
está posta em Macapá. Comunicação é apenas um pequeno negócio alternativo. O que está em
jogo é o melhor custo benefício para divulgação de informações. De acordo com Lindoval
Ronildo da Mota Borges (2007, informação verbal), proprietário da Rádio Igarapé:
Qual é função dessa publicidade, desse sistema? Nada mais é do que divulgar
a publicidades de empresas, de comércio em geral, dos próprios órgãos
públicos em parceria, das entidades não governamentais, das entidades
filantrópicas, das associações de bairro... É isso aí.
Inclusive, o slogan da Rádio Igarapé é feito para atrair o anunciante e não o público:
“Rádio Igarapé, aquela que você ouve até sem querer”.
A noção da comunicação como um negócio alternativo é compartilhada entre os
atores. Germana Duarte, em entrevista à autora, relata como era sua visão sobre as rádios de
poste, antes de considerá-las um meio eficaz de comunicação:
Fomos primeiro visitar, porque eu nem conhecia essas rádios, porque só
existia lá nas periferias mesmo, em cima de ponte. Eu, antes de fazer
jornalismo, achava isso até brega, cafona. Quando eu passava por aí e via
aqueles radinhos em postes, entende? Quer dizer você não tem aquela idéia de
que é um bom negócio.
A legalização, tal como visto no item 1.3, só é feita pela Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e como garantia do direito à propriedade e combate à poluição sonora. Inicialmente,
avalia-se que se trata apenas de uma tarefa administrativa e burocrática.
67
Edílson Pureza da Silva, da Rádio Comunitária do Brasil Novo, em entrevista concedida à pesquisadora em 22
de agosto de 2007.
151
3.4 Porto Alegre (RS)
Em Porto Alegre (RS), as políticas de fomento à comunicação comunitária nascem
vinculadas a um projeto maior de governo - conforme pensamento de Paulo de Tarso
Riccordi, explicitado no segundo capítulo. Contudo, o fato das ações de fomento à
comunicação que permanecem em execução no município não serem executadas pela
Secretaria de Comunicação já denota a inércia das experiências em curso.
Na origem do estúdio multimeios, há um consenso sobre a eficácia da proposta do
estúdio como política para o combate a criminalidade. O atual gestor do espaço, Carlos
Augusto Fonseca Pereira, a partir de uma visão tradicional de família, de certa forma
compartilha da visão inicial do projeto:
[...] o objetivo do estúdio é trabalhar com essa dificuldade, com a carência.
Ou seja, trabalhar com aquelas crianças que estão na área de vulnerabilidade
ou na área de risco, que são aquelas crianças que estão à beira da prostituição,
da marginalidade, da drogadição. Então, essa é a nossa preocupação: buscar
esses adolescentes, essas crianças, esses jovens adultos, procurando
proporcionar a eles uma realidade diferente, repassando valores ou mostrando
que é importante o caminho do bem. Embora, hoje, você competir com o
traficante, competir com a droga, competir com a marginalidade é muito
difícil. [...]. Em pouco tempo, eles adquirem aquilo com que eles sonham.
Eles adquirem um nike, uma roupa da moda, eles têm dinheiro no bolso, eles
acabam se tornando bãbãbã, porque é isso que, normalmente, essa gurizada
procura – ela procura o seu espaço. E, hoje, [...] eu me permito dar um espaço
a mais para eles, deixar eles extravasarem aquela violência, aquela
agressividade - porque, na verdade, depois que eles extravasam, eles estão
simplesmente dizendo para você que eles querem ajuda. Eles querem ser
amados, querem carinho. Hoje, eu faço uma leitura das nossas famílias aí. A
maioria desses jovens, que está em conflito com a lei, vem de famílias
desestruturadas. E, principalmente, na família que falta aquela presença
masculina. Famílias que têm mães, têm avós, tias, mas não têm o pai. Ou
porque o pai está preso ou porque o pai morreu e isso aí gera um problema
muito grande. 68
Carlos Augusto justifica as atividades reduzidas, dizendo que “as construções
comunitárias são demoradas”. Trata-se de uma visão processual, que não corresponderia ao
imediatismo demandado:
Agora, no meu ponto de vista, demorou muito para uma política que é tão
importante[...]. Então, se perdeu muito tempo, se perdeu muito dinheiro,
muitas oportunidades da gente construir coisas. E aí, claro, como o governo é
68
Carlos Augusto Fonseca Pereira, coordenador do estúdio multimeios, em entrevista à pesquisadora em 08 de
outubro de 2007.
152
transitório, então, entrou outro governo. E o outro governo não deu tanta
importância como o outro dava. Pelo menos o anterior fazia discussão das
coisas, mesmo que elas não andassem, se fazia discussão. E, hoje, não se tem
nenhuma discussão. Tem mais é mostra de projeto. O cara faz uma mostra lá
de arte: bota duas, três bandas para tocar; bota num cartaz para divulgar para a
comunidade; apresenta para o coordenador dele e fala que está fazendo
alguma coisa (JESUS, 2007, informação verbal)69.
Mobilização social e comunicação eram os ingredientes essenciais do projeto inicial.
Contudo, a base inicial foi perdida nos conflitos explicitados no item 1.4. Assim, o Estúdio
Multimeios não se configura mais enquanto política de comunicação. Hoje, trata-se apenas de
um equipamento público subutilizado, que precisa ser gerido de alguma forma.
Quando questionado porquê as rádios comunitárias demandaram as oficinas –
primeiramente na Conferência Municipal de Comunicação e depois Plenária Temática da
Cultura do Orçamento Participativo - e não as freqüentavam, Dagmar Camargo do Conselho
Regional de Radiodifusão Comunitária (Conrad-RS) explica que as propostas escolhidas por
Silvio não corresponderiam às necessidades dos veículos de comunicação comunitários, ao
que teria sido aprovado nas assembléias:
[Pesquisadora: Ele falou que foi feito um edital para inscrever oficineiros de
comunicação...] É, eu me inscrevi no primeiro que teve. Fui lá e apresentei o
mesmo projeto que já tinha sido aprovado. Foi previamente aprovado na
assembléia do OP. Eu era delegada do OP. Eu quem fiz a proposta. Por isso,
eu não acredito em mais nada.[...] Não foi isso que foi proposto. Comunicação
comunitária, não sei qual é a abordagem que a atual prefeitura, a atual
descentralização está dando, mas tudo que nós construímos em termos de
conceito, em termos do que seria mesmo as oficinas e tal [não está sendo
implantado]. Inclusive, nós chegamos a formular uma oficina que era de rádio
dramaturgia que juntava, dentro da própria descentralização, o pessoal do
teatro para trabalhar rádio dramaturgia, para fazer programas da rádio. Nada
disso [está sendo implantado]70.
Certamente, trata-se de um conflito do que se entende por comunicação comunitária.
Dagmar restringe o conceito de comunicação comunitárias às rádios comunitárias, tal como
foi definido pelo Conselho Municipal de Comunicação. O gestor da Secretaria de Cultura,
Silvio Juramar Leal71 possui uma visão diferente:
69
André Luiz de Jesus, Saroba, em entrevista à pesquisadora, dia 10 de outubro de 2007.
Observe que os argumentos apresentados são constituídos principalmente pelo não-dito (ORLANDI, 1993), pelo
que Sabora “não sabe”.
70
Dagmar Camargo, do Conselho Regional de Radiodifusão Comunitária (Conrad-RS), em entrevista à
pesquisadora, dia 9 de outubro de 2007.
71
Em entrevista concedida à pesquisadora, dia 11 de outubro de 2007.
153
A partir da proposta do edital de seleção dos oficineiros, surgiu essa
possibilidade de contratar pessoas que viessem trabalhar a questão da
comunicação comunitária. A grande maioria do pessoal que veio com
projetos entendia que a comunicação comunitária era simplesmente
rádio comunitária. E não é essa a nossa visão. A nossa visão é de
democratizar mesmo todos os meios de comunicação comunitária:
rádio, jornal, fanzine, rádio poste... Tudo que for possível para fazer o
trabalho de divulgação, ou seja, o trabalho de mídia comunitária .
No caso da Associação dos Moradores da Vila Tronco Neves (AMAVTRON), Sandro
Martins explica que a oficina de comunicação comunitária não foi demandada pelos
adolescentes que dela participam, mas surge como idéia da coordenação da ONG por entender
a comunicação como um elemento importante de valorização e elevação da auto-estima dos
jovens da localidade.
Contudo, todos os oficineiros entrevistados falam do impacto das oficinas na prática
da leitura e escrita, como resultado das ações72. A oficineira Silvia Abreu, por exemplo, cita
em entrevista à pesquisadora, o caso de um menino que não lia e nem escrevia na escola e a
professora não conseguia cumprir esta missão, mas ele se interessou em fazer, do jeito dele,
uma reportagem.
Questionado sobre a associação entre comunicação e cultura, o oficineiro Rodrigo
Ramos constrói uma relação a partir de noções antropológicas:
A questão é que eu vejo com esse projeto da comunicação na
descentralização, eu vejo um alargamento no sentido de cultura. O que se
pensa, normalmente: cultura na instituição? Objetos artísticos, isso somente é
cultura. E, na verdade, por um conceito antropológico de cultura, todas as
práticas sociais podem e devem ser vistas como cultura. Então, eu vejo assim:
a comunicação, as práticas de leitura, as práticas de escrita, as práticas de
entendimento e de produção de dizer e fala, elas também estão atreladas a
questões ideológicas, a questões discursivas e, por isso, culturais. Então, eu
vejo um alargamento nesse sentido de cultura, mas eu acho que é ainda um
passo inicial, porque poderia ter oficinas de muitas outras coisas que não,
necessariamente, de produção artística (RAMOS, 2007, informação verbal)73.
.
72
O oficineiro Rodrigo Ramos atenta para o fato de não se tratar de escrever melhor: “Não é escrever melhor.
Isso é muito interessante, porque, geralmente, quando você fala 'escrever melhor', as pessoas ficam atreladas à
questão do erro ou do acerto. [...] E se você vai escrever para a comunidade um artigo de opinião, você pode
escrever de um certo modo, utilizando um certo vocabulário. Se você vai escrever uma notícia para aquela
comunidade, já tem um outro tipo de linguagem. Então, [...] normalmente, as escolas não trabalham assim. Não é
escrever melhor, é escrever. É ler e escrever. É praticar a escrita. Daí tem toda a questão discursiva da escrita, do
interlocutor situado, para quem você está escrevendo realmente. Tanto é que alguns textos até podem, do ponto
de vista gramatical, estarem inadequados, mas do ponto de vista discursivo e das suas funções, eles estão muito
bem escritos.
73
Rodrigo Ramos, oficineiro, em entrevista concedida à pesquisadora dia 11 de outubro de 2007.
154
3.5 Recife (PE)
O papel estratégico da comunicação dentro do atual governo da prefeitura do Recife
(PE) revela-se até mesmo na localização da secretaria, ao lado do Gabinete do Prefeito74.
No Recife (PE), a Diretoria de Comunicação Popular e Rádio da Prefeitura, de acordo
com Dulce Melo, trabalha com todas as rádios comunitárias do município: “Esta gestão
entende que as rádios comunitárias não estão legalizadas, porque não querem. Não é
proposital”. É um posicionamento radical em defesa da comunicação comunitária – diferente
da opção política de Fortaleza (CE), por exemplo.
Contudo, o foco principal da Diretoria de Comunicação Popular e Rádio da Prefeitura
é ainda difundir informações, como em um serviço de assessoria de imprensa especializado.
Inclusive, se o Liberdade nas ondas do rádio por um lado tem a pretensão do combate ao
“jabá”, por outro, ainda se trata de uma política de difusão de conteúdos. A instalação de
serviços de som nos mercados públicos, inicialmente descrita por Rodrigo Cortez como uma
iniciativa de fomento às rádios populares, também revela seu caráter de “comunicado”: “A
gente vai muni-los com informação, notícias, campanhas educativas, jingles, enfim, com tudo
que nós produzimos aqui” (CORTEZ, 2007, informação verbal).
Marcelo Inácio de Souza, do Movimento Cearense pela Democratização da
Comunicação (MCDC), a partir da apresentação de Dulce Melo no I Seminário de
Comunicação Popular – A Comunicação que Queremos realizado em Fortaleza, faz a mesma
leitura:
Nesse seminário que aconteceu em setembro, veio pra cá uma pessoa do
Recife que lá era responsável pelas questões de rádios comunitárias. Toda a
apresentação dela foi voltada para a possibilidade da prefeitura dialogar com
as pessoas, mas ainda mais através de comunicados do que por comunicação.
'Temos muitos boletins para mandar para essas rádios comunitárias. Por que a
gente vai investir no comercial, que é muito caro e não fala do que a gente
quer? [...] Por que não investir nas rádios comunitárias? Vamos investir nesse
projeto popular de difusão de informação e não de conquista de direito'.
(SOUZA, 2007, informação verbal) 75.
Como analisado no item 1.5, os atores dos movimentos pela democratização da
comunicação, políticos e gestores constantemente se confundem no Recife (PE). Portanto, há
74
Inclusive, nota-se que de todas as cidades visitadas, Recife é a cidade em que o prefeito está mais acessível ao
cidadão em termos de “portas a atravessar”. Qualquer cidadão consegue subir no prédio e falar com a recepção
do gabinete sem nenhuma burocracia.
75
Marcelo Inácio do Movimento Cearense pela Democratização da Comunicação, em entrevista à pesquisadora
em 22 de outubro de 2007.
155
comprometimento ideológico com o fomento à comunicação comunitária. Todavia, tal
vínculo não impede que haja incoerências e contradições76.
4. Os condicionantes institucional-metodológicos
Por fim, os adeptos da abordagem racional–burocrática apostam na administração
pública eficiente para que uma política pública ou política de governo seja implementada:
basta ter uma iniciativa, respaldo em Lei, orçamento e método.
Considerando-se que estes elementos, de fato, também compõem o cenário de
implantação das políticas locais de fomento à comunicação comunitária, os condicionantes
institucional – metodológicos se referem à como são implantadas e executadas tais políticas e
às condições de funcionamento e organização da instituição responsável por elas.
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que o projeto metodológico, os marcos
regulatórios e desenho institucional ainda estariam se configurando uma vez que prefeituras
executarem políticas de fomento à comunicação comunitária são iniciativas raras e ainda
incipientes.
A seguir, estão sistematizados os dados já triangulados dos condicionantes
institucional-metodológicos das políticas locais de fomento a comunicação comunitária em
execução em 2006.
4.1 Fortaleza (CE)
As parcerias, além de ser um meio para viabilizar financeiramente as políticas locais
de fomento à comunicação comunitária, também são uma maneira de viabilizá-las
metodologicamente e burocraticamente.
Como relatado no item 2.1, o Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular organizase com 1 coordenadora e 2 assistentes. Nenhum é funcionário público da prefeitura
concursado. Trata-se de cargos de assessoria política também. Todavia, tal característica não
dispensa a formação técnica – todos são da área da comunicação. Inicialmente, nota-se na
equipe uma sinergia de trabalho.
76
Um exemplo de contradição é quando o enfoque está no produto e não no processo, como é o caso da
iniciativa de capacitação em radialismo esportivo. Se por um lado havia uma intenção de fornecer conteúdos
contra-hegemônicos a partir da do campeonato municipal de futebol de várzea, denominado “Futebol
Participativo”, por outro lado acabou reforçando aos jovens participantes da oficina o estilo e poder simbólico
dos grandes grupos midiáticos ao eleger radialistas esportivos famosos na localidade para oferecerem a
formação.
156
A noção de participação e parcerias permeiam as políticas de fomento à comunicação
comunitária executadas em Fortaleza (CE) desde I Seminário de Comunicação Popular – A
Comunicação que Queremos, como relatado anteriormente. Esse evento durou dois dias: 14 e
15 de setembro de 2006. Todas as manhãs foram dedicadas a palestras – o que certamente é
uma forma de direcionar o debate pelo discurso do especialista. Inclusive, uma das exposições
orais foi de Dulce Melo, da Diretoria de Rádio e Comunicação Popular do Recife. As tardes
foram dedicadas aos debates em grupo. Em primeiro momento, foi feita a “socialização das
experiências,
informações
e
saberes
e
levantamento
das
demandas
sociais
em
Fortaleza”(PROGRAMAÇÃO, 2006, p.1). O segundo momento foi o agrupamento de
propostas para montar um documento que representasse o pensamento do seminário. Por fim,
houve “apresentação da síntese das propostas de cada grupo, votação e encaminhamento para
a construção do texto de uma carta-compromisso”. Dessa maneira, o seminário conseguiu
levantar demandas e possibilidades de parcerias. A execução das propostas elaboradas no I
Seminário de Comunicação Popular – A Comunicação que Queremos, inclusive, tem
acontecido com base na viabilidade de estabelecer parcerias.
Para continuidade de participação nas políticas de fomento à comunicação
comunitária, foi criada a rede Rede Municipal de Comunicação Popular. Observa-se que os
condicionantes
institucional-metodológicos
foram
determinantes
para
a
inicial
desmobilização da Rede de Comunicação. Conflitos entre os atores foram expostos na
discussão sobre o caráter da rede. Duas propostas diferentes foram colocadas. Uma pensava a
rede como uma forma de alocar recursos públicos para sustentação dos movimentos e
entidades que defendem a democratização e o direito à comunicação. Outra, contrariamente,
defendia que pela rede não deveria passar dinheiro pois seu caráter era de fórum e
mobilização – e que cada entidade estabelecesse com seus próprios recursos as parcerias com
a prefeitura. Observe que os argumentos baseiam-se em diferenças, não de concepção do que
é a comunicação ou em interesses diferentes, mas de como se deve estabelecer a relação com
a prefeitura para obtenção ou não de recursos. A divergência é principalmente de caráter
institucional-metodológica – perpassando pelas questões materiais, ideológicas e políticosociais.
Tal como relatado no terceiro capítulo, conseqüência dos debates da Rede, o vereador
Guilherme Sampaio apresentou o projeto de lei nº 284/06, que dispõe sobre a exploração do
serviço de radiodifusão em Fortaleza. A metodologia de formulação do projeto de Lei foi
também participativa. A proposta inicial foi publicada na internet - na página do vereador na
internet - e recebeu comentários por 30 dias. Posteriormente, as informações foram
157
sistematizadas, novamente discutidas com os interessados e incorporadas ao projeto de lei.
Uma audiência pública realizada Câmara Municipal de Vereadores, em novembro de 2006,
discutiu a proposta que ainda está tramitando.
O projeto “Jornais Juvenis Associados” é uma parceria com a ONG Comunicação e
Cultura e a Coordenadoria Especial de Políticas de Juventude, tal como foi descrito no item
2.1. Eles fizeram uma divulgação massiva, em diversos veículos de comunicação da cidade,
um edital de inscrição de grupos de jovens interessados (anexo 5) em receber formação em
comunicação e publicar os primeiros números de um jornal. Foram selecionados vinte grupos
e as atividades devem ter começado em janeiro de 2008.
De acordo com Ana Cláudia Perez, o apoio cultural aos veículos comunitários só é
oferecido aos legalizados, mediante a divulgação de campanhas educativas elaboradas pela
prefeitura. Os anúncios são negociados pela agência de publicidade que é responsável pela
conta da prefeitura.
Em geral, em Fortaleza (CE), não há marco regulatório. Mas, tal como exposto
anteriormente, tramita lei de municipalização das outorgas de radiodifusão.
4.2 João Pessoa (PB)
Tal como relatado anteriormente, em João Pessoa (PB), o que se tem é uma Divisão de
Comunicação Comunitária que acompanha e articula politicamente as questões postas como
demandas dos movimentos relacionados à comunicação na cidade. Acompanhar e articular
politicamente, nesse caso, refere-se a fazer o trabalho como se fosse um assessor político
parlamentar: participar de reuniões, falar em nome do político/prefeitura e levar
encaminhamentos ao secretário ou prefeito. As negociações tem sido feitas também em
audiências diretamente com o prefeito:
Melhorou, porque nós tivemos uma audiência com o prefeito. Antes a gente
não tinha. A audiência foi em maio e o prefeito pediu para gente ter mais
alguns encontros tanto com a Secretaria de Comunicação quanto com a
Procuradoria do Município, para ver a possibilidade de fornecer uma
procuração na questão dos processos contra as rádios [comunitárias, fechadas
pela Anatel] (MOREIRA,2007, informação verbal)77.
E, como a ação política se refere a respostas às demandas, a relação estabelecida entre
sociedade civil e prefeitura é inevitavelmente participativa. Foi assim que foi realizado o
77
José Moreira, em entrevista à pesquisadora, dia 30 de outubro de 2007.
158
seminário em 2005, construída a lei de municipalização e estão sendo encaminhadas a
constituição do Conselho Municipal de Comunicação e a lei de regularização das rádios
difusoras – todas ações no sentido da construção do marco regulatório da comunicação na
cidade.
Como relatado no item 2.2, a Divisão de Comunicação Comunitária organiza-se com 1
coordenador e 2 assessores. Nenhum é funcionário público da prefeitura concursado - são
assessores políticos.
4.3 Macapá (AP)
Em Macapá (AP), de acordo com Germana Duarte, a verba para veiculação de
anúncios publicitários da prefeitura é oferecida a todas as rádios de poste do município,
mediante assinatura de contrato de prestação de serviço de publicidade.
Com relação aos pagamentos dos anúncios, é recorrente a queixa sobre atrasos, como
é o caso de Carlos Manulo da Silva Costa, da Rádio Guanabara:
Qualquer valor ajuda quando vem, apesar de atrasar. A última fatura da
prefeitura que nós recebemos foi em dezembro do ano passado. E pelo que eu
estou vendo talvez vá completar um ano para sair a outra fatura. Já estamos
em agosto, para setembro, outubro, novembro. Talvez seja mais ou menos
isso (COSTA, 2007, informação verbal)78.
Tal como relatado no item 1.3, normalmente, quem dispõe de mais capital para
comprar as caixas de som é quem viabiliza a instalação da rádio.
A regularização, tal como visto no mesmo item, só é feita pela Secretaria Municipal de
Meio Ambiente para evitar poluição sonora – e acaba servindo também como garantia do
direito à propriedade. Elias Ceará, assim resume o processo de instalação regular da rádio:
Então é isso: você pega o mapeamento das ruas, a sua documentação –
endereço, comprovante de residência do local da instalação da rádio – e outros
documentos que agora eu não me lembro. Você dá a entrada, o fiscal faz a
vistoria e o secretário assina. Depois que o secretário assina é que você monta.
Os fiscais fazem uma nova vistoria e verificam os decibéis para ver se a altura
está compatível com o que foi combinado na documentação. A altura é de 75
decibéis, mas a gente sempre faz um pouco abaixo para não ter problema.
Você tem que ter nota fiscal dos equipamentos e não é necessário abrir firma
(CORREA DE SOUZA, 2007, informação verbal)79.
78
79
Em entrevista concedida à pesquisadora dia 22 de agosto de 2007.
Elias Correa de Souza, Elias Ceará, em entrevista à pesquisadora dia 27 de agosto de 2007.
159
Nota-se que a Coordenadoria Municipal de Comunicação Social possui muitos
funcionários e assessores80. Contudo, a falta de formação acadêmica dos gestores refere-se a
um problema mais amplo: a falta de cursos de graduação na área de comunicação, em
Macapá, até pouco tempo atrás. Portanto, são pessoas que tiveram a sua formação na prática
diária do jornalismo ou da publicidade. Germana Duarte, por exemplo, formou-se jornalista
em 2007. Contudo, já trabalhou como repórter na afiliada da Rede Globo em Belém (PA) e
faz um programa diariamente em uma rádio FM de Macapá (AP).
Não há uma regulamentação em Plano Diretor ou uma política de concessão em Lei
Municipal para distribuir ou limitar o número de postes por proprietário. Em Macapá, nota-se
também que a noção de direitos e Estado passa por outros registros que não são o
formalização da carta constitucional ou da letra.
4.4 Porto Alegre (RS)
No estúdio multimeios a gestão do espaço foi pensada para ser compartilhada.
Entretanto, tal como demonstrado anteriormente, houve um conflito para instalação do
conselho gestor e as entidades deixaram de participar do local. Hoje, a metodologia de
trabalho estabelecida é de agendamento de uso de espaço, que fica aberto das 8h às 22h81.
A pesquisadora fez uma visita ao local sem avisar previamente o gestor. Apesar do
discurso de que o Estúdio Multimeios é aberto a qualquer cidadão, notou-se o
constrangimento do guarda municipal e do estagiário, presentes no local, em fornecer
informações sobre o espaço. Inclusive, o guarda municipal ligou imediatamente para o gestor
para saber se podiam e o que podiam falar. Ao encontrar-se com o gestor do local, no dia
seguinte, a pesquisadora foi repreendida por fazer a visita sozinha. Tal episódio demonstra a
subordinação da equipe, falta de transparência e uma tentativa de controle muito grande do
gestor do que é dito ou não dito sobre o Estúdio Multimeios82.
Contudo, entre os estagiários e funcionários, observa-se práticas de nepotismo. A
secretária do espaço é esposa do consultor, Sandro, que quer elaborar projetos para captação
80
Inclusive, observou-se práticas de nepotismo na Coordenadoria Municipal de Comunicação Social de Macapá:
a filha da coordenadora de comunicação, Germana Duarte, é assessora do órgão. Contudo, a ocorrência não
interfere diretamente nas práticas de anúncios ou regularização das rádios de poste. Referem-se a uma questão
política mais ampla.
81
No espaço do telecentro, são oferecidos cursos de informática, cuja metodologia e equipe são de
responsabilidade da entidade executora, a Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre
– PROCEMPA.
82
Essa tentativa de controle notou-se também no acompanhamento do gestor em praticamente todas as
entrevistas realizadas. Quando alguma informação ou opinião negativa era posta pelo entrevistado, Carlos
Augusto sempre interferia na tentativa de justificar.
160
de recursos e ocupação do espaço. Um dos estagiários, Gideon, é filho do gestor do espaço
anterior a Augusto, Juarez Melo da Silva Júnior conhecido como Juninho. Inclusive, o jovem
por causa dos estudos não consegue conciliar adequadamente o horário da escola com o
horário que seria melhor para o estúdio, mas não é substituído por conta da relação de
parentesco83.
Os estagiários do espaço aprenderam a manusear os equipamentos em oficinas
realizadas no próprio estúdio. Gideon conta, por exemplo, que aprendeu usar a mesa de som e
o software de edição de áudio em uma oficina de webrádio. Todavia, nota-se um descompasso
entre o que é oferecido como cursos e oficinas e o que é demandado. Por exemplo,
demandada na Plenária Temática da Cultura no Orçamento Participativo, a Secretaria de
Cultura contratou um profissional para dar oficinas de comunicação comunitária no Estúdio
Multimeios. Contudo, a atividade não aconteceu por falta de público, falta de pessoas
interessadas. Diante de tal situação, o gestor da Secretaria de Cultura, Silvio Juramar Leal,
contatou o Clube de Mães do bairro Cristal e ofereceu a oficina ao grupo84. A associação
aceitou e acabou contemplada por uma atividade inicialmente não demandada.
As metodologias empregadas nas oficinas de comunicação ficam por conta de cada
oficineiro contratado pela prefeitura de Porto Alegre (RS). Conseqüentemente, é possível
concluir que todo o produto –seja ele bom ou ruim- é resultado do indivíduo e não da
instituição, da prefeitura. Rodrigo descreve sua metodologia e defende que pode ser usada
para diversos veículos comunitários:
[...] a oficina foi muito organizada a partir da reunião de pauta, de um
levantamento das necessidades da comunidade, escolhendo temas principais,
formando equipes para trabalhar determinados temas. Produção desse texto,
leitura desses textos, avaliação desses textos, reescritura desses textos. Bom
que pode fazer na TV, no rádio ou no... o veículo é, digamos, a última
instância trabalhada na oficina. Na Pedreira, por exemplo, nós trabalhamos
com dois veículos, dentro desse formato, e agora a gente está se organizando
para um terceiro que é o jornal impresso (RAMOS, 2007, informação
verbal)85.
83
Inclusive, após entrevista à pesquisadora, Carlos Augusto também solicitou ao Secretário Municipal de
Direitos Humanos e Segurança Pública mais um estagiário por causa das dificuldades de horário de Gideon.
Kevin sugeriu simplesmente substituí-lo por alguém que pudesse cumprir o horário. Carlos Augusto argumentou
dizendo que não podia, porque se tratava do filho do antigo gestor do Estúdio Multimeios, Juninho. Contudo,
Kevin manteve-se em seu posicionamento original e não cedeu mais um estagiário.
84
Vale a pena deixar registrado que Clube de Mães do bairro Cristal fez a publicação “Memórias de um lugar”,
muito interessante, de fotonovelas documentais como resultado das oficinas de literatura.
85
Rodrigo Ramos, oficineiro, em entrevista concedida à pesquisadora dia 11 de outubro de 2007.
161
A relação dos oficineiros com o gestor das oficinas, Silvio, acontece individualmente.
Os oficineiros de uma mesma área não se encontram. Nem ao menos há um troca de
experiências. Contudo, a dificuldade de receber o pagamento Rodrigo acaba refletindo no
trabalho em campo dos oficineiros: “Daí tem aquela questão: atrasa o pagamento, daí, assim,
você fica meio desmotivado para tocar o trabalho. E aí você quer abrir outras frentes. E daí
em vez de você estar falando com um colega, você está dando uma aula em outro lugar”.
Todo ano é aberto um edital para contratação de oficineiros para suprir a demanda
exposta na Plenária Temática da Cultura no Orçamento Participativo. Anexo ao edital, deve
ser apresentada uma proposta de oficina. Silvio não sabe explicitar claramente quais são os
critérios de seleção usados:
[Qual era o critério para julgar como melhor a proposta?] Não, não tinha...
pode ver que era uma coisa tão diferente para nós, no momento, nós não
tínhamos critério para fazer isso. Se perguntarem para mim, o que é
comunicação comunitária? Eu não sei. Eu vou dizer que não sei. Eu acho que
existem vários modos de fazer comunicação comunitária. E a gente, na hora
de ver projeto por projeto, o que a gente pensou? Em ver o que tivesse mais
conteúdo de política cultural ou política da comunicação. Foram os
selecionados. Cada um teve um processo diferente que atendia o que a gente
queria, ou seja, o que a gente pretendia: uma comunicação que pudesse servir
de base para as comunidades poderem desenvolver um trabalho lá de
divulgação daquilo que está sendo feito lá, que a grande mídia não dá.
Na falta de critérios objetivos, nota-se uma tentativa de se despolitizar as questões que
envolvem a comunicação comunitária, de acordo com Dagmar Carmargo. Contudo, nota-se
que a equipe de oficineiros, pelo menos, tem qualificação acadêmica ou profissional: Rodrigo
é bacharel em Letras, Silvia é jornalista e arte educadora e Renata é jornalista e trabalhou em
diversos jornais de Porto Alegre (RS).
Em geral, em Porto Alegre (RS), não há marco regulatório definido para as políticas
de fomento à comunicação comunitária. Contudo, a municipalização das autorizações de
radiodifusão comunitária era o objetivo final dos debates sobre o conceito de comunicação
comunitária travados em reuniões do Conselho Municipal de Comunicação, de acordo com
Luís Henrique Silveira.
4.5 Recife (PE)
As ações de fomento à comunicação comunitária no Recife (PE) são pontuais.
Portanto, as metodologias empregadas variam muito para cada iniciativa.
162
Por exemplo, como umas das atividades do programa “Círculos populares de esporte e
lazer”, é feito o projeto Parabólica e Satélite do Mangue. São feitos fanzines com grupos de
jovens, após debates temáticos.
Cada monitor acompanhava uma comunidade e passava seis meses fazendo reuniões
mensais ou semanais, discutindo vários temas, relacionados à juventude e políticas públicas.
Contudo, as questões debatidas não são encaminhadas para solução pela diretoria de esportes,
enquanto gestores públicos que estão no governo em exercício. Limitavam-se a orientar como
reivindicar políticas para os problemas analisados. Um exemplo hipotético: a questão da
gravidez na adolescência. Se for detectado um problema de política pública neste âmbito, ao
invés dos gestores do Parabólica e Satélite do Mangue se articularem com os grupos e
gestores de saúde para resolver a questão, limitam-se a dizer àqueles jovens que eles têm que
procurar a Secretaria de Saúde para garantir os seus direitos. Ou seja, o processo é incompleto
no sentido em que não se propõe a resolver as demandas que aparecem – incompleto, se
tomarmos como referência a proposta de Paulo de Tarso Riccordi, descrita no capítulo II.
De acordo com a monitora Ana Rochelle Borges Pessoa, “depois de seis meses, a
gente sistematizava todo material e construía o fanzine. Antes, era dada uma oficina de
fanzine, sobre o que seria a publicação, qual a sua proposta. E então a gente [os monitores]
trazia pra cá, organizava, fazia a diagramação e publicava”.
Também em parceria com o Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães (Geraldão),
jovens receberam capacitação de radialismo esportivo, em outubro de 2005. A capacitação de
radialismo esportivo durou dois dias. Eles tiveram aulas de expositivas de radialistas
esportivos famosos na localidade como Adilson Couto e Edson Peixoto da Rádio Jornal do
Commercio e Heriverton Ramos da Rádio JSP FM. O conteúdo foi comentário esportivo;
cobertura de pista; plantão, narração e edição; entre outros. Após as aulas teóricas, os jovens
fizeram a cobertura – algumas inclusive ao vivo - para as rádios comunitárias.
Tal como analisado no capítulo III, no Recife há um marco regulatório definido em
Lei Orgânica. Contudo, a referida Lei não é totalmente executada: ainda em 2006, o Conselho
de Comunicação Social previsto não havia sido implantado.
5. Há um replicações?
Identificadas as características de cada condicionante em cada cidade considerada para
aprofundamento nesta pesquisa como estudo de caso, questiona-se: há replicações? Há fatores
comuns que condicionam a implantação de uma política pública local de fomento à
comunicação comunitária?
163
Quadro 16- Síntese dos condicionantes político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos das políticas locais de
fomento à comunicação comunitária
Condicionantes
político -sociais
Fortaleza
João Pessoa
Macapá
Porto Alegre
Recife
políticos, gestores,
organizações da
sociedade civil, veículos
de comunicação
comunitários e pequenos
empresários da área de
comunicação
políticos, gestores,
organizações da sociedade
civil, veículos de
comunicação
comunitários, pequenos
empresários da área de
comunicação e grandes
empresários da área de
comunicação
políticos, gestores, e
pequenos empresários da
área de comunicação
políticos, gestores,
profissionais e organizações
da sociedade civil
alto grau de
compartilhamento de
interesses
baixo grau de
compartilhamento de
interesses
políticos, gestores, organizações
da sociedade civil, veículos de
comunicação comunitários,
artistas locais, jovens e pequenos
empresários da área de
comunicação
alto grau de
compartilhamento de
interesses
alto grau de compartilhamento de
interesses
médio grau de
compartilhamento de
interesses
materiais
indícios: suficientes
indícios: suficientes
indícios: suficientes
indícios: insuficientes
indícios: suficientes
não demanda grandes
recursos
funcionalista:
difusão de informações
para transparência e
participação
orçamento próprio
parcerias
ideológicos
orçamento próprio e
parcerias
direito
funcionalista:
empreendimento comercial
para difusão de
informações
burocrática:
administração do “Estúdio
Multimeios” e das oficinas de
comunicação demandadas
orçamento próprio e
parcerias
funcionalista:
papel estratégico como
meio de difusão de informações e
conteúdos culturais
papel do poder público
municipal no fomento à
comunicação comunitária:
acompanhamento
papel do poder público
municipal no fomento à
comunicação comunitária:
parceiro comercial e
regulador
burocrática:
estabelecimento de
contratos e regulamentação
papel do poder público
municipal no fomento à
comunicação comunitária:
manutenção burocrática
papel do poder público municipal
no fomento à comunicação
comunitária: difusor de
conteúdos contra-hegemônicos
burocrática
reativa às demandas
papel do poder público
municipal no fomento à
comunicação
comunitária: mediador e
mobilizador
institucional metodológicos
participativa, ativa,
parceria, regulamentação
participativa, reativa,
regulamentação
164
5.1 Replicações dos condicionantes político-sociais
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que existiriam interesses compartilhados – que
poderiam ir desde a cooptação ideológica, manutenção/criação de empregos, estratégia de
divulgação até a ampliação da cidadania – que compõem um cenário favorável ao fomento da
comunicação comunitária.
Nota-se uma relativa proximidade com relação aos atores presentes em cada uma das
experiências consideradas para aprofundamento como estudo de casos: políticos, gestores e
sociedade civil organizada. Os grandes empresários do setor de mídia não aparecem como
protagonistas nas políticas locais de fomento à comunicação comunitária na maioria dos casos
– com exceção da experiência de João Pessoa (PB), em que a ABERT entrou com processo
para embargar a municipalização das autorizações de funcionamento das rádios comunitárias.
Também parece comum os gestores terem também um papel político - o que, de certa
forma, remete à idéia de Paulo de Tarso Riccordi de que a política de comunicação deve estar
diretamente vinculada aos objetivos de governo. Somente no caso das oficinas de
comunicação comunitária de Porto Alegre (RS) observam-se gestores e oficineiros só com
perfil técnico ou administrativo.
Contudo, apesar de preponderantes, não são só interesses e recursos políticos e
econômicos que estão em jogo nas políticas locais de fomento à comunicação comunitária.
Em Fortaleza (CE), por exemplo, aparecem como fatores competência técnica e facilidade
administrativa. Em Macapá (AP), a cultura política local acaba reforçando os interesses
econômicos e políticos.
Por fim, nota-se em Porto Alegre (RS) que hoje há um baixo grau de
compartilhamento de interesses entre os atores envolvidos nas experiências em execução –
reforçando o caráter residual das iniciativas com relação à gestão anterior. Fortaleza (CE),
entre os cinco municípios estudados, é o que apresenta o maior número de grupos e ONG’s
atuando na área da comunicação comunitária, conforme se pode constatar e confirmação de
Ana Cláudia Perez que entende que “a cidade vive uma efervescência na área da
comunicação”. Apesar dos conflitos, há um alto grau de compartilhamento de interesses que
favorece as políticas de fomento à comunicação comunitária. Por outro lado, apesar do
número de grupos e ONG’s atuando na área da comunicação comunitária em João Pessoa
(PB) ser menor do que em Fortaleza (CE), eles possuem um alto grau de mobilização – sendo
os protagonistas das políticas locais de fomento à comunicação comunitária. Contudo, a
165
postura de “acompanhamento” pode denotar falta de comprometimento – e diminuir o
compartilhamento de interesses entre Estado e sociedade civil. Tal como analisado
anteriormente, o alto grau de compartilhamento de interesses em Macapá advém da
complementaridade dos recursos em jogo – do lado da prefeitura verba publicitária e do lado
dos proprietários dos sistemas públicos de publicidade meios de divulgação com audiência.
Diferente do cenário do Recife (PE), em que gestores e atores da sociedade civil se
confundem, tendo um alto grau de compartilhamento de interesses.
Todavia, observa-se que a implantação e manutenção das iniciativas de fomento à
comunicação comunitária, nas cidades estudadas, estão diretamente e proporcionalmente
relacionados com grau de compartilhamento de interesses entre os atores envolvidos com essa
política, tal como formulado na hipótese.
5.2 Replicações dos condicionantes materiais
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que os recursos materiais empenhados pelo
poder público municipal seriam poucos e até insuficientes em relação à demanda, mas que
parcerias seriam buscadas parcerias como forma de viabilizar o fomento à comunicação
comunitária.
Observa-se que em Fortaleza (CE), Macapá (AP) e Recife (PE) as políticas possuem
recursos próprios, previstos em orçamento. Contudo, em Fortaleza (CE) e Recife (PE) é
deduzido que não foram suficientes para ampliar as ações e foi necessário buscar parcerias. É
a saída que se encontra também em Porto Alegre (RS) para manutenção do “Estúdio
Multimeios” e das oficinas de comunicação comunitária.
Contudo, a análise de indícios86 - espaço físico (salas, estúdios etc.), equipamentos
(computadores, gravadores, ilha de edição etc.), materiais de apoio (livros, cartilhas etc.),
materiais de consumo (papelaria, fitas etc.) e recursos humanos (técnicos, assessores, agentes
comunicacionais etc.)- revela condições materiais suficientes para a execução das políticas de
fomento à comunicação comunitária em todas as capitais estudadas, com exceção de Porto
Alegre (RS). Contudo, tal como explicitado no item 2.4, a falta de recursos em Porto Alegre
(RS) está aliada à falta de projetos e objetivos. A Diretoria de Rádio e Comunicação Popular
do Recife (PE) é a que possui a melhor estrutura física e de número de funcionários para
realizar as atividades de fomento à comunicação comunitária entre as cidades estudadas – o
86
Como não foi possível obter dados consistentes e objetivos sobre o orçamento das políticas locais de fomento
à comunicação comunitária nos casos estudados, a análise privilegiou os indícios.
166
que pertinente com os dados de despesas municipais com “Comunicação Social”, tal como
descrito no terceiro capítulo. As ações de João Pessoa (PB), por limitarem-se ao
acompanhamento de processos, são as que menos demandam recursos financeiros para serem
executadas.
Assim, normalmente, o orçamento não foi um condicionante impeditivo na maioria
das políticas estudadas. Neste sentido, o condicionante material parece ser o menos
determinante para a execução de políticas municipais de fomento à comunicação comunitária.
Assim, o senso comum de que “não se trata de dinheiro, mas de vontade política” parece
assumir veracidade nos casos estudados. Todavia, não é possível generalizar já que se
encontrou iniciativas ainda não implantadas em Fortaleza por falta de recursos, como a Rádio
Volante.
5.3 Replicações dos condicionantes ideológicos
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que os atores teriam concepções e crenças em
relação à comunicação bem variadas, mas compartilhariam da noção funcionalista da
comunicação, como um instrumento para atingir determinados fins, e por isso demandariam
ou executariam políticas de fomento à comunicação comunitária.
De fato, a noção funcionalista da comunicação está presente como ideologia
predominante do poder público executor das políticas de fomento à comunicação comunitária.
Até mesmo no Recife (PE), onde se atribui um caráter estratégico à comunicação no governo
municipal, a papel estratégico refere-se principalmente à importância como meio de difusão
de informações e conteúdos culturais87. O papel do poder público municipal no fomento à
comunicação comunitária não está claro, por se tratar de ações pontuais, reativas às demandas
de outras secretarias e projetos.
A noção funcionalista é também o que se depreende do texto institucional da
Secretaria da Comunicação Social exposto no portal da prefeitura de João Pessoa (PB) na
internet (ver item.3.2). O papel do poder público municipal no fomento à comunicação
comunitária é fazer o acompanhamento de reuniões e processos legislativos.
Por fim, em Macapá (AP), a concepção funcionalista está bem clara para todos os
atores: empreendimento comercial para difusão de informações. O papel do poder público é
87
Por outro lado, há uma contradição no Recife quando se radicaliza o fomento à comunicação comunitária ao se
trabalhar com as rádios que também não estão legalizadas – diferente de Fortaleza.
167
simplesmente de parceiro comercial no caso dos anúncios e de regulador no caso das
regulamentações das rádios de poste.
Em Porto Alegre (RS), nem a concepção funcionalista de comunicação está formulada
nas idéias e práticas dos gestores e técnicos do Estúdio Multimeios e das oficinas de
comunicação comunitária. Assim, depreende-se que as políticas locais de fomento à
comunicação comunitária referem-se à simples “regularidade discursiva” das políticas que já
estavam em curso, tal como Riccordi trabalha o conceito no capítulo II. Não há nenhuma
concepção de comunicação em jogo. Contudo, tal como relatado no item 3.4, a mobilização
social já esteve no cerne dos projetos na gestão municipal de 2001-2004. Hoje, o papel do
poder público municipal no fomento à comunicação comunitária refere-se apenas à
manutenção burocrática de algumas iniciativas do governo anterior..
Por fim, somente em Fortaleza (CE) a comunicação é vista e entendida como um
direito. O papel do poder público municipal no fomento à comunicação comunitária tem sido
de mediação de recursos e mobilizador de atores. Mesmo assim, na prática, há uma opção
política por se trabalhar só com rádios comunitárias legalizadas, por exemplo.
5.4 Replicações dos condicionantes institucional-metodológicos
Inicialmente, a hipótese trabalhada foi que o projeto metodológico, os marcos
regulatórios e desenho institucional ainda estariam se configurando uma vez que prefeituras
executarem políticas de fomento à comunicação comunitária são iniciativas raras e ainda
incipientes.
De fato, as metodologias utilizadas são bem diferentes. Nota-se que, em Fortaleza
(CE), o Núcleo de Comunicação Alternativa e Popular tem um papel inicial muito ativo, de
propositor do Seminário e da Rede de Comunicação Alternativa. Trata-se também de uma
maneira de privilegiar a constituição de políticas de forma participativa e executá-las em
parceria com a sociedade civil. Diferente da Divisão de Comunicação Comunitária de João
Pessoa (PB) que assume uma postura participativa, mas como reação às demandas da
sociedade civil organizada. De certa forma, é uma atitude que encontra semelhança com a da
Diretoria de Rádio e Comunicação Popular do Recife (PE), por não constituir uma política
articulada com objetivos amplos, mas ser apenas uma reação a demandas de outras
secretarias, no caso. Por sua vez, a idéia de participação na formulação das políticas não está
presente em Macapá (AP), que faz uso de uma administração burocrática, de estabelecimento
168
de contratos publicitários e regulamentação das rádios de poste. Burocracia é também o que
marca a conduta de manutenção do Estúdio Multimeios e das oficinas de comunicação
comunitária em Porto Alegre (RS).
As metodologias aproximam-se apenas em um caso ou outro – como no I Seminário
de Comunicação Popular – A Comunicação que Queremos realizado em Fortaleza (CE), I
Seminário de Comunicação Comunitária de João Pessoa (PB) e a I Conferência Municipal de
Comunicação de Porto Alegre (RS). A diversidade metodológica explica-se pela raridade,
incipiência e multiplicidade de projetos. São muito poucos os que se repetem em uma cidade
e outra, tal como constatado no capítulo III.
Contudo, muitos procedimentos adotados em um município ou em outra política
pública podem servir de referência para aperfeiçoar as políticas em execução em uma
determinada localidade. Como é o caso da adoção de editais para o estabelecimento de
parcerias com ONG’s em Fortaleza ou o plano de regularização das rádios de poste de
Macapá que pode servir de referência à discussão de regularização das rádios difusoras em
João Pessoa.
Por outro lado, é comum em todas as cidades pesquisadas a presença da discussão
sobre a municipalização das concessões de rádio. Em Macapá (AP), a discussão não está
posta da mesma maneira que nas outras cidades. Mas, de certa maneira, está presente na
prática de regulamentação das rádios de poste. Em Porto Alegre(RS), Luiz Henrique da
Silveira explica que os debates sobre o conceito de comunicação comunitária travados em
reuniões do Conselho Municipal de Comunicação era o primeiro passo para a discussão da
municipalização das autorizações de radiodifusão comunitária.
6. Considerações finais do capítulo
Da análise geral das replicações dos condicionantes, concluí-se que os condicionantes
político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos - apesar de sempre
estarem presentes e se replicarem em algumas situações - não se forjam de maneira a se
tornarem individualmente determinantes. Ou seja, são componentes do cenário das políticas
municipais de fomento à comunicação comunitária empiricamente existentes - e portanto
observáveis -, mas não há um que seja suficiente para a implantação e desenvolvimento da
política. Talvez, um só condicionante não se torne determinante, porque as características
político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos não são aspectos de um
169
fenômeno mutuamente excludentes. Também se interpreta que não há “medida certa” de
combinação entre os condicionantes a ser seguida para que uma política de fomento à
comunicação comunitária seja implantada com sucesso.
No contexto plural-democrático, outras variáveis para além da detenção de grandes
capitais econômicos e simbólicos – como os condicionantes ideológicos e institucionalmetodológicos – começam a serem fatores determinantes no cenário de formulação e
execução das políticas de comunicação88. No caso locais estudados, por exemplo, ao formulálas parte dos governos não tem explícita a pretensão inicial de combater os grandes fluxos de
conteúdos de bens simbólicos e informativos ou afrontar os interesses dos detentores de
grandes capitais econômicos e simbólicos. Alguns, inclusive, vinculados a projetos políticos
progressistas, orientam-se não pelo controle dos fluxos de conteúdos simbólicos e
informativos ou pelo marco regulatório, mas pela noção de ampliação dos direitos de
segmentos excluídos da população – como é o caso de Fortaleza (CE).
Contudo, tal complexidade não impede que desse panorama se elabore como seria o
processo ideal de formulação e execução de política local de fomento à comunicação
comunitária – principal conclusão desse trabalho, descrita a seguir.
88
Observe que aqui não se afirma que a influência dos detentores de grande capital econômicos e simbólicos
sobre as políticas de comunicação foi neutralizada. Pelo contrário, ela se faz muito presente em João Pessoa
(PB), por exemplo. Entretanto, o que se pretende fazer é apenas chamar a atenção que novos condicionantes
começam a surgir e são determinantes também.
170
CONCLUSÕES
Políticas públicas de fomento à comunicação comunitária começam a ser implantadas
em âmbito municipal, no Brasil. Em todos as capitais que desenvolveram iniciativas com esse
propósito nos anos de 2005 e 2006 – Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto
Alegre (RS) e Recife (PE) –, a municipalização ou regularização das rádios comunitárias ou
difusoras foram colocadas em pauta. Se o poder de concessão, permissão ou autorização de
canais de radiodifusão ou de televisão não se efetivou ainda, por outro lado, o debate em torno
da questão ensejou pequenas iniciativas de fomento ao direito à comunicação.
Dessa maneira, além da possibilidade de outorgas de radiodifusão, nota-se outras
motivações para o poder público local fomentar a comunicação comunitária como a
ampliação dos direitos de cidadania; resposta às demandas dos movimentos locais de luta pela
democratização organizados; reconhecimento dos meios de comunicação populares,
comunitários e alternativos como instrumentos de comunicação eficazes; manutenção de
práticas de governo anteriores e o envolvimento dos gestores das políticas públicas com os
movimentos locais de luta pela democratização organizados.
A análise dos condicionantes político-sociais, materiais, ideológicos e institucionalmetodológicos revela que a implantação e manutenção das políticas públicas de fomento à
comunicação comunitária nos municípios estudados estão relacionados com o grau de
compartilhamento de interesses entre os atores envolvidos com referida política; com a
destinação de orçamento próprio às práticas ou busca de parcerias para viabilizá-las
financeiramente; com as noções de comunicação em jogo, especialmente a funcionalista; com
o experimento de metodologias e configuração dos marcos regulatórios e desenhos
institucionais1.
Os termos inovação, diversidade, pioneirismo, incipiência e experimentalismo podem
ser usados para qualificar as práticas de políticas de comunicação de fomento à comunicação
comunitária que estão ou estiveram em curso nas capitais brasileiras de 2001 a 2006.
Quantitativamente, o número de experiências locais de fomento à comunicação comunitária
nas capitais brasileiras diminuiu: de oito ocorrências nas gestões municipais de 2001 a 2004
para cinco em 2006.
1
A análise detalhada das hipóteses e replicações foi feita no item 5, do capítulo IV. As conclusões focaram-se
em uma leitura mais ampla de todo o trabalho, nas possibilidades de aprofundamento e continuidade da pesquisa
e na elaboração de proposta e dicas para planejar e executar um plano local de políticas públicas de fomento à
comunicação comunitária.
171
Interpreta-se que o panorama brasileiro de políticas locais de fomento à comunicação
comunitária - que estão ou estiveram em curso nas capitais brasileiras de 2001 a 2006 - ainda
constitui-se por políticas que não sobrevivem a alterações e alternância de poder no cenário
político. Mesmo quando o partido político que está no poder permanece na gestão do
município, a alteração das correlações de forças políticas têm impacto direto nas políticas
públicas de comunicação, como foi o caso do Recife (PE). Nas localidades onde há
alternância de partido político, nota-se a descontinuidade das ações de fomento à
comunicação comunitária ou apenas manutenção como regularidade discursiva, como foi o
caso de Porto Alegre (RS). Fatos que, de certa forma, rompem com a noção linear de acúmulo
de experiência para o desenvolvimento quantitativo e qualitativo de políticas públicas. Por
exemplo, as práticas de Porto Alegre na gestão municipal de 2001 a 2004 eram muito mais
significativas em termos mobilização, participação e consistência do que na gestão de 2005 a
2008, tal como descrito no terceiro capítulo e analisado em profundidade nos aspectos
político-sociais, materiais, ideológicos e institucional-metodológicos no quarto capítulo.
O problema, de fato, é que até agora houve pouco acúmulo prático e intelectual, tal
como foi discutido no segundo capítulo, sobre o fomento estatal à comunicação comunitária e
o papel do município nessa tarefa2. A situação de incipiência em que se encontram as políticas
de fomento de comunicação comunitária e local nas capitais brasileiras é fato incontestável
empiricamente. A persistência desse problema pode agravar as desigualdades sociais, dada a
importância cognitiva, simbólica e financeira da comunicação na atual configuração da
sociedade.
Contudo, se o direito humano à comunicação ainda não está totalmente concretizado
no Brasil, algumas poucas experiências revelam estar na direção da comunicação como
prática de conhecimento, tal como proposto por Paulo de Tarso Riccordi. As pequenas
experiências descritas e analisadas nesta dissertação –muitas vezes julgadas como marginais,
periféricas, experimentais, conjunturais - denotam potencial para o rompimento com o
mutismo e a cultura do silêncio, diagnosticada e denunciada por Paulo Freire desde a década
de 1960, mas que ainda se faz presente nesse início de século no Brasil. Aos poucos, essas
práticas podem ser adotadas como políticas públicas que têm respaldo em Lei e perduram no
tempo, como se tentou ensaiar no programa Educom em São Paulo (SP).
2
Avalia-se que não necessariamente, após essa dissertação, haverá uma mudança na conduta acadêmica e das
políticas municipais de comunicação, tal como inicialmente desejado e estimado pela pesquisadora. Pelo
contrário, se essas informações não chegarem e não fizerem sentido prático e político aos gestores de
comunicação municipais, corre-se o risco de práticas de fomento à comunicação comunitária serem implantadas
sem partir do saber acumulado na área.
172
Ainda, com referências em outras iniciativas, o conceito dessas políticas pode ser
ampliado e juntar-se a outras para transformação social. É assim, por meio de ações simples3,
que as prefeituras de Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre (RS) e
Recife (PE) estão contribuindo para que a democracia no Brasil seja ampliada, pelo aumento
do círculo dos que falam, tal como apontado por Dominique Wolton. E também cooperando
para que a multiplicidade/outro desenvolvimento se torne uma realidade, por meio da
comunicação horizontal, tal como indicado por Luis Ramiro Beltrán. Pensá-las em conjunto e
na forma de rede com outras iniciativas - de educação popular, inclusão digital, economia
solidária, por exemplo - pode aumentar as sinergias e possibilidades reais de transformação
social para melhora da qualidade de vida.
Caminhos a serem trilhados
Alguém já disse que uma boa pesquisa não é aquela que necessariamente traz grandes
conclusões, mas que instiga boas perguntas. É desta forma que esta pesquisa espera ter
contribuído para o campo de reflexão e estudos das políticas de comunicação.
Ao se eleger fazer estudo de vários casos em perspectiva comparativa a escolha é feito
em detrimento do aprofundamento possível quando se estuda um único caso. Como dito na
introdução, as entrevistas feitas não foram exaustivas e nem foi possível realizar a observação
participante. Portanto, é possível que haja lacunas nessa pesquisa que poderão ser
aprofundados em pesquisas posteriores.
Algumas possibilidades identificadas para continuidade dos estudos e aprofundamento
são: a) acompanhar a evolução das leis municipais em relação à comunicação; b) estudar
detalhadamente o orçamento das despesas municipais com Comunicação Social; c) analisar
outros condicionantes não abordados nessa dissertação como os históricos e culturais; d)
entrevistar outros atores relacionados ao contexto das políticas municipais de fomento à
comunicação comunitária e e) reflexão teórica sobre as contribuições do pensamento pósmoderno para a pesquisa sobre políticas de comunicação.
Novas abordagens podem ser importantes não só para aprofundar a temática das
políticas públicas de comunicação e os objetos de estudo, mas para apreender melhor o lugar
da comunicação na configuração da sociedade atual.
3
Descritas no capítulo III e analisadas em profundidade nos aspectos político-sociais, materiais, ideológicos e
institucional-metodológicos no capítulo IV.
173
Proposta e dicas para planejar e executar um plano local de políticas
públicas de fomento à comunicação comunitária
Essa proposta, em forma de roteiro, foi inicialmente pensada para ser executada por
prefeituras. Contudo, deve ser tomada como dicas para atuação. Nada impede que adaptações
livres sejam feitas. Certamente, gerir uma política não é como seguir uma receita de bolo.
Cada localidade, de acordo com os valores e cultura política em jogo, deve buscar sua própria
maneira de garantir o direito à comunicação. Tais pistas foram elaboradas a partir de reflexão
teórica e da análise de experiências empíricas já executadas em Aracaju (SE), Belém (PA),
Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Porto Alegre
(RS), Recife (PE), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
I - Diagnóstico participativo de demandas de fomento à comunicação comunitária
1. Divulgação de horizontes possíveis e delimitação do assunto
Em Porto Alegre (RS), João Pessoa (PB) e Fortaleza (CE) a primeira estratégia usada
para elaboração de pautas e mapeamento de demandas foi a realização de seminário – que em
Porto Alegre culminou na realização de uma Conferência Municipal de Comunicação4. Essa
estratégia revelou-se eficiente para o objetivo almejado. Contudo, mais do que chamar
pessoas “com experiência” para “dar aulas”, “orientar” ou “pautar” quais devem ou podem ser
as políticas de fomento à comunicação comunitária, recomenda-se a troca de experiências
tanto entre localidades quanto entre atores da sociedade civil. Os relatos de práticas são
importantes para a visualização de horizontes possíveis, mas não podem se tornarem a
imposição de um caminho pela figura do especialista.
Dessa forma, as descrições das iniciativas não precisam acontecer pessoalmente ou
oralmente no evento – o que pode direcionar o debate posterior. É possível pensar em uma
pequena publicação – que pode ter o formato de jornal, revista, livreto - em que as pessoas
possam se informar sobre as experiências e tirar suas próprias conclusões sobre qual é a
delimitação do assunto e as possibilidades de atuação municipal. A construção de um portal é
4
Mapear o que não são demandas pode ser importante para evitar o esvaziamento de propostas, tal como ocorreu
em Porto Alegre nos anos de 2005 e 2006. De repente, o gestor imagina que um curso de capacitação em jornal
impresso pode ser muito bacana para um determinado grupo, mas nos últimos dois anos eles já participaram de
tantas iniciativas de ONG’s, por exemplo, que contemplaram suas demandas de formação em jornalismo. O que
eles realmente querem é montar uma associação de distribuição de jornais. Portanto, seria desperdício de
dinheiro público e re-trabalho.
174
uma estratégia que pode ser adotada paralelamente e inicialmente para o relato de
experiências, mas também para a construção colaborativa de propostas, sistematização de
idéias e até mesmo pré-definição de prioridades. Foi um instrumento que se revelou
importante para a sistematização das propostas I Conferência Municipal de Comunicação de
Porto Alegre. Para tanto, é necessário divulgar juntamente com o convite os locais públicos de
acesso à internet.
É importante atentar que os relatos de políticas de fomento à comunicação que podem
constar tanto na publicação quanto no portal são diversas das políticas federais, no sentido que
o escopo e área de atuação são outros. Por exemplo, a municipalização das outorgas de
radiodifusão, tão discutidas nos municípios, tendem a ser revogadas pela Justiça nas cidades
onde foram aprovadas, com base no argumento de que são inconstitucionais. Portanto, trata-se
de uma pauta parlamentar federal, de mudança constitucional. É para a Câmara dos
Deputados Federais que deve ser encaminhada e discutida a questão. Assim, é importante
focar em ações que efetivamente podem ser executadas pelos municípios. Vários exemplos
foram relatados no terceiro capítulo.
Avalia-se que as idéias pensadas pelos gestores que não se referem a iniciativas que já
estão ou estiveram em prática em algum lugar – como incubadoras de mídias comunitárias ou
formação para a gestão democrática – não devem constar inicialmente na publicação ou
portal. Devem ser encaminhadas como propostas a serem discutidas juntamente com as da
sociedade civil.
A publicação pode ser entendida como um convite qualificado para o debate. Contudo,
precisa ser distribuída antes do evento, chamado de seminário em Porto Alegre (RS), João
Pessoa (PB) e Fortaleza (CE).
2. Mobilização para o evento
Diversas estratégias podem ser usadas para divulgação e mobilização para o evento.
Primeiro, práticas de comunicação governamental, já difundidas nos governos. Como por
exemplo, uso de todos os meios de divulgação massiva possíveis e viáveis: panfletos
distribuídos nas ruas, casas e comércios; anúncios em rádios comunitárias e comerciais;
anúncios em tv’s comunitárias, educativas e comerciais; anúncios em jornais e revistas locais;
internet; outdoors; correspondências e outras conforme orçamento e criatividade. Em Porto
Alegre, Luis Henrique da Silveira, relata o uso de carros de som.
175
Contudo, embora necessária, a divulgação massiva não é suficiente. São necessários
convites pessoais a grupos e pessoas. Desta maneira, é importante freqüentar reuniões de
conselhos, associações de bairros e outras organizações da sociedade civil para a realização
do convite de participação. Telefonemas, e-mails ou correspondências personalizados são
indispensáveis.
3. O evento
O seminário realizado em Fortaleza (CE) usou como método a discussão em grupos
temáticos e plenária final. Trata-se de uma prática recorrente para formulação e aprovação de
propostas coletivas. Contudo, o processo pode ser aprimorado, com base na metodologia
usada na Conferência Municipal de Comunicação de Porto Alegre (RS).
É possível pensar em um evento dividido em dois dias, distantes no tempo. Em um
primeiro dia, os participantes discutem quais grupos temáticos formar, se dividem, discutem e
elaboram propostas e as incluem no portal. Durante um prazo determinado – um mês, por
exemplo-, novas propostas podem ser encaminhadas e incluídas. Esse tempo é importante
para que idéias sejam discutidas e amadurecidas e articulações estabelecidas. No final do
prazo, organiza-se um caderno com todas as propostas, tentando agrupá-las de alguma forma
quando se referirem a um mesmo tema ou ação. Ele pode ser organizado em: idéias para
sociedade civil, idéias para o governo municipal, idéias para o governo federal5, idéias para a
iniciativa privada etc. Essa divisão é importante, porque o gestor já define o escopo de
atuação de cada proposta. Por fim, é feito um segundo encontro presencial para votação e
definição de prioridades. Recomenda-se que sejam aprovadas primeiro as idéias para o
governo municipal e hierarquizadas em prioridades, bandeiras. A quantidade de prioridades a
serem eleitas vai depender principalmente da capacidade de gestão e orçamento.
É importante atentar para o perfil dos mediadores do evento. É indispensável a postura
de “perguntador” e não de “formulador” para a efetivação de um diálogo aberto. Peruzzo
(1998) trabalha com a concepção de Juan Dias Bordenave de graus de participação, na relação
entre membros e dirigentes: informação; consulta facultativa; consulta obrigatória;
elaboração/recomendação; co-gestão e delegação; e autogestão. E propõe as seguintes
qualificações para a participação: passiva, controlada e participação-poder. A prática mais
5
O governo municipal não é responsável pela classificação indicativa, por exemplo, mas nada impede que
propostas sobre a temática sejam feitas, discutidas e aprovadas. Contudo, deverão ser encaminhadas ou
divulgadas para o interlocutor correto.
176
recorrente é da participação controlada. É uma participação limitada, porque “é favorecida e
possível somente nos aspectos ou até o ponto que as instâncias detentoras do poder
permitirem. Na prática, isso significa sua concretização em fragmentos secundários ou
parciais da tomada de decisões” (PERUZZO, 1998, p. 79). O fato de ser limitada não quer
dizer que este espaço não deva ser conquistado ou ocupado: “Todavia, há que se ter cuidado
para não se cair nas raias do clientelismo nem se admitir uma pseudoparticipação,
manipulada” (PERUZZO, 1998, p.80). Manipular significa “a tentativa de, via de regra,
adequar suas demandas aos interesses de quem detém o poder”. Geralmente, quando o
objetivo da manipulação não é atendido, a participação é interrompida, confirmando-se uma
farsa.
Teoricamente, um governo é eleito a partir de suas proposta de governo. Desta forma,
é legítimo o grupo político que assume uma administração pública propor políticas. Contudo,
não é necessário se restringir a suas próprias propostas ou impô-las a qualquer custo. Por
vezes, o gestor público pode ter uma visão mais ampla sobre os processos e possibilidades.
Isto não o legitima a sobrepor sua opinião à dos outros. De fato, às vezes, é difícil levar as
pessoas a alcançarem o pensamento, as idéias, de outra. Por isso, às vezes será necessário
tempo para que as idéias amadureçam. Gestores e atores da deve controlar a ansiedade. A
abertura para o diálogo, a negociação, é indispensável para elaboração realmente participativa
de um plano de fomento à comunicação comunitária.
A construção de um regimento a priori também facilita o processo participação. Este
foi o regimento usado em Porto Alegre (RS) na I Conferência Municipal de Comunicação:
As propostas serão lidas pela mesa coordenadora da I Conferência Municipal
de Comunicação e encaminhadas para processo de debate (a favor e contra),
no tempo de 3 minutos para cada um dos lados;
As propostas poderão sofrer emendas aditivas, substitutivas ou supressivas,
que também serão submetidas a debate (contra e a favor) com o mesmo tempo
de 3 minutos para cada um dos lados;
As propostas serão consideradas aprovadas com maioria simples de voto
(50% mais 1);
Num primeiro momento a votação será por contraste, em caso de necessidade,
se fará a contagem de votos;
Todas as propostas serão lidas e apresentadas através de datashow com telão
para o plenário visualizar as propostas;
Todas as modificações serão realizadas pelo data-show, com visibilidade do
público (RELATÓRIO, 2003, online)6.
6
Relatório da Primeira Conferência Municipal de Comunicação de Porto Alegre, disponível em
<http://www.portoalegre.rs.gov.br/conf_comunicacao/default.asp>. Acesso em: 20 out.2004 .
177
II - Execução participativa de plano de fomento à comunicação comunitária
As políticas de comunicação não podem estar desvinculadas dos objetivos de governo
quando se almeja a transformação social, tal como analisado no capítulo II. Portanto, a
elaboração do plano de ação das políticas de fomento à comunicação não deveria ocorrer
somente no gabinete de comunicação.
Uma vez com a lista de demandas e prioridades elaborada participativamente, é
possível localizar geograficamente a pessoa ou grupo que fez uma determinada proposta.
Então, essas demandas podem ser incorporadas ao planejamento estratégico e matricial dos
territórios. Tal como proposto por Paulo de Tarso Riccordi7, primeiro, estuda-se
profundamente os territórios e suas dinâmicas, inclusive conhecendo as demandas postas.
Então, discute-se coletivamente quais são as soluções mais efetivas para os problemas
diagnosticados: é mesmo o que foi demandado? Um vez pensadas essas soluções, avalia-se o
que cada ator tem competência para executar, o montante de dinheiro necessário e quais são
as intersecções possíveis. Um exemplo hipotético: a reforma de uma escola. Reforma de
escola, inicialmente, quem tem competência para fazer é a Secretaria de Obras. Tem dinheiro?
Não o suficiente? A associação de pais e mestres pode entrar com um mutirão? O realmente
faz com que a escola seja depredada? O que fazer para a escola não ocorrer mais? Isso pode
estar associada à incubadora de jornais comunitários que foi demandada? De que forma? Essa
incubadora também pode ajudar no controle de hipertensão diagnosticado na localidade?
Contudo, além da iniciativa transversal nos territórios, nada impede que ações setoriais
também sejam executadas8. Diante da lista de demandas e prioridades elaborada
participativamente, pergunta-se: quais são as dificuldades e facilidades para que eu execute
essas propostas? As perguntas relacionadas aos condicionantes político-sociais, materiais,
ideológicos e institucional-metodológicos podem ajudar a dimensionar os desafios, conforme
quadro abaixo:
7
Ver capítulo II, item 2.
Pensar como executar as ações setoriais também é importante, porque o planejamento estratégico e matricial
dos territórios ainda não é uma prática recorrente nas administrações.
8
178
Quadro 19 – Perguntas para dimensionar desafios para execução de políticas públicas de fomento à
comunicação comunitária
Condicionantes
Condicionantes
Condicionantes
Condicionantes
político-sociais
materiais
ideológicos
institucionalmetodológicos
- quais são os grupos de
interesse em torno dessa
política?
- o que eles defendem?
- quais recursos que
dispõem para exercer
poder?
- o quanto os interesses
são compartilhados?
- quanto dinheiro essa
política vai demandar?
- qual espaço físico
necessário?
- quais equipamentos?
- quais materiais de apoio?
- materiais de consumo?
- quantas pessoas
precisarão trabalhar nisso?
- o que as pessoas e grupos
em torno dessa política
pensam? O que esperam?
- há divergências?
- quais as possibilidades de
realização e frustração?
- tem alguma lei que
favorece ou limita a
ação?
- qual treinamento de
equipe será necessário?
- qual a condição material
do público-alvo? Eles têm
como diminuir custos?
Diante da avaliação das propostas, é possível identificar por onde está mais fácil
seguir9. Assim é possível elaborar quais são os encaminhamentos necessários, organizar a
equipe de execução e saber a qualificação ou treinamento é demandado.
Tanto no planejamento estratégico territorial quanto setorial, é importante elaborar
uma lista de tarefas a serem cumpridas, com prazo determinado. Estas são as linhas gerais de
um exemplo hipotético:
Quadro 20- Exemplo de lista de tarefas
Incubadora de cooperativas de jornais
Encaminhamento
Quem
Prazo
Fechar parceria orçamentária com
a Secretaria de trabalho e renda
Elaborar edital para convênio com
ONG para fazer formação
Aprovação do edital
Revisão
do
edital
e
encaminhamento para publicação
Fechar convênio
Discussão metodológica com a
entidade selecionada
Edital para inscrição de grupos
Seleção dos grupos
Início dos trabalhos com os grupos
Primeira avaliação
Segunda avaliação
Avaliação final
Maria
2 meses
Pedro e João
1 semana
Maria
Pedro e João
2 dias
2 dias
Maria
Pedro e João
2 meses
15 dias
Pedro e João
Pedro, João e entidade
entidade
Pedro, João, Maria, ONG e grupos
Pedro, João, Maria, ONG e grupos
Pedro, João, Maria, ONG e grupos
15 dias
15 dias
7 dias
30 dias
30 dias
30 dias
9
Contudo, o gestor não deve executar apenas o “mais fácil”, mas enfrentar também os desafios impostos.
Também não é necessário executar apenas uma iniciativa por vez, é possível articulá-las
179
Apesar da lista de demandas e prioridades elaborada participativamente ser o
documento orientador da execução de políticas, nada impede que outras parcerias sejam
feitas, conforme oportunidade. Como por exemplo, o caso de uma empresa que resolve
praticar uma ação de responsabilidade social equipando escolas públicas com estúdios de
rádio. Mesmo que o assunto não tenha surgido como proposta no evento ou não seja uma
prioridade eleita, a oportunidade não deve ser dispensada.
A prioridade é importante para planejar os investimentos. A população demanda
financiamento de impressão de jornais, mas aparece uma ONG com um projeto montadinho
para dar um curso de capacitação em comunicação popular. Caso a iniciativa não seja uma
prioridade eleita e vai demandar recursos que deveriam ser destinados a executar a prioridade,
mesmo que seja difícil fazer o processo de licitação de gráfica, o gestor deve privilegiar a
vontade dos cidadãos. Ou seja, diante do dilema “ou uma iniciativa ou outra”, a opção não
deve ser pelo mais fácil de executar, mas pelo que foi estabelecido coletivamente. Claro que
sempre é possível buscar parcerias adicionais para executar propostas relevantes.
Outro fator a se considerar, são as propostas simples de serem executadas – como o
encaminhamento de uma moção ao Ministério da Justiça sobre a Classificação Indicativa, por
exemplo. São iniciativas que não demandam recursos e nem dispêndio de tempo. Portanto,
mesmo que não sejam prioridades, devem ser executadas imediatamente, desde que sejam
aprovadas coletivamente.
III - Participação e controle social
1. Transparência e avaliação
Um dos pressupostos da gestão realmente participativa é a transparência tanto de
processos quanto das contas públicas e resultados. Portanto, a adoção da prática de editais
para estabelecimento de convênios ou compra de material é indispensável. Também, os
contratos devem estar abertos para consulta pública. A prestação de contas deve ser feita - e
publicada ao público - detalhadamente, sem rubricas genéricas. O público efetivamente
atendido e as dificuldades de implantação da política10 bem como os resultados atingidos
devem ser igualmente tornados públicos. O estabelecimento de metas coletivas, tal como é
feito com relação a questões de educação e segurança pública, é um procedimento
10
Por causa do triângulo infernal descrito por Wolton, analisado no capítulo I, os gestores normalmente têm
receio em assumir publicamente os percalços de implantação de uma política.
180
interessante para avaliação. Contudo, não deve ser tomado como um número a ser forjado como não é raro acontecer.
Há diversas maneiras para, de fato, essas informações serem conhecidas. Referem-se
às estratégias de comunicação governamental, já difundidas e praticadas nos governos.
2. Gestão participativa
Não basta fazer um evento, eleger prioridades e apartar os cidadãos como apenas
receptores, beneficiados das políticas. O diagnóstico participativo inicial não garante que as
políticas sejam efetivadas – e nem que serão executadas de maneira igualmente participativa.
Tanto no planejamento estratégico territorial quanto setorial, é importante atentar para que os
cidadãos estejam presentes também, revelando suas competências e recursos. A decisão deve
ser compartilhada para que eles sejam co-responsáveis pelas políticas públicas. Portanto,
estabelecer canais de participação e controle social, como os Conselhos Municipais de
Comunicação, é fundamental.
Para tanto, é necessário ter clareza do que significa participar. Não se trata de mera
presença ou formalismo. Também é uma construção e uma conquista. Peruzzo (1998, p.75)
alerta: “[...] a dominação não é simplesmente imposta. Às vezes também há cumplicidade,
omissão e até um jeito de ‘gostar’ de ter um chefe. Isso vai fazendo parte de nossa cultura.
Somos vítimas e culpados? Talvez sim”. Peruzzo (1998, p.76-77), baseada em Francisco W.
Ferreira, também identifica três tipos de participação em relação os programas públicos: nos
resultados, nas decisões e na execução. A primeira refere-se à “distribuição de riqueza
acumulada socialmente”. A segunda significa exercitar o poder em conjunto, a coresponsabilidade. A terceira, na execução, quando se estabelecem relações controladas.
Portanto, a participação que deveria pretendida nas políticas públicas de comunicação
seria a participação-poder, nas decisões. Assim, os Conselhos Municipais de Comunicação
deveriam estar vinculados ao poder executivo e não somente ao poder legislativo. De acordo
com Maria do Carmo Carvalho (1998, online) 11, os conselhos:
[...] são canais efetivos de participação da sociedade civil, são formas
inovadoras de gestão pública que permitem o exercício de uma cidadania
ativa, incorporando as forças vivas de uma comunidade à gestão de seus
problemas e à implementação de políticas públicas que possam solucioná-los.
A sociedade, atuando nos Conselhos, tem a possibilidade de contribuir para a
definição de um plano de gestão das políticas setoriais, conferindo maior
transparência nas alocações dos recursos e favorecendo a responsabilização
dos políticos e dos técnicos da administração pública [...].
11
Disponível em: < http://www.polis.org.br/publicacoes/papers/19982.html>. Acesso em 24 out.2004.
181
A literatura tem ressaltado as características dialógicas dos Conselhos, a idéia
da transparência das discussões, afastando em tese, o fantasma da cooptação e
do clientelismo, traços da cultura política brasileira. Os Conselhos são
compreendidos como um caminho para a reforma democrática do Estado, ao
realizarem uma importante função pedagógica na construção da democracia
participativa e de uma atuação cidadã.
Mas é importante notar que os Conselhos são espaços de disputa também. Depreendese que os pareceres elaborados pelos Conselhos devem ter o peso de uma construção coletiva,
mas não são -de modo algum - uma síntese do pensamento da sociedade civil:
(...) as associações civis e organizações voluntárias são pressupostas como
portadoras de interesses generalizáveis, quanto ao risco de que a esfera
pública, de não-estatal, se transforme de fato em paraestatal, ou em mais uma
arena institucional vulnerável a instrumentalização pelo Estado, pelos partidos
e pelos políticos”(SIGNATES, 2003, p.3).
Neste sentido, é necessário transitar entre o cidadão onicompetente e o tecnicismo
exacerbado, para de fato co-responsabilizar os conselhos pelas decisões das políticas públicas
desenvolvidas. Representantes do poder público também se fazem fundamentais, para não se
configurarem como apenas mais um espaço de luta reivindicatória, como a Rede de
Comunicação Popular de Fortaleza.
3. Construção do marco regulatório
Apesar de todos os problemas relacionados à efetivação de Leis no Brasil, para que as
políticas públicas de comunicação implantadas sejam reconhecidas como direitos formais, é
preciso elaborar e aprovar o marco regulatório da comunicação no município.
É importante que a temática da comunicação seja incorporada às Leis Orgânicas
Municipais, descrevendo as atribuições do município na área. Os Conselhos Municipais de
Comunicação devem ser criados e regulamentados por Lei. Ainda, os recursos para as
políticas públicas de comunicação devem ser garantidos nas Leis de Diretrizes Orçamentárias
ou em Lei própria.
O processo de reconhecimento política pública em Lei parece natural, se houver uma
mobilização de fato. Entretanto, tal como analisado no terceiro capítulo, Porto Alegre
desenvolveu diversas ações de fomento à comunicação comunitária na gestão municipal de
2001 a 2004, mas só tem o Conselho Municipal de Comunicação criado em Lei. Assim, por
mais que as Leis no Brasil não signifiquem efetividade de direitos, é importante que se deixe
um marco regulatório definido. A formalidade da carta não pode ser dispensada enquanto
ideal normativo.
182
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