Influência da nutrição neonatal no desempenho produtivo

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Influência da nutrição neonatal no desempenho produtivo
Influência da nutrição neonatal no desempenho produtivo e sanitário de frangos de corte DVM., MSc. Marcelo Dalmagro A avicultura tem experimentado nas últimas décadas uma evolução genética sem precedentes. Em uma demonstração bastante esclarecedora onde foram comparadas linhagens avícolas de 1957 e 2001, Havenstein et al. (2003a,b) determinaram que em torno de 85% do avanço na produtividade avícola deveu-­‐se ao melhoramento genético e somente 15% à nutrição e manejo alimentar. Durante esse período houve um incremento anual de mais de 1% (45 g) no peso vivo das aves. As melhorias obtidas em 44 anos resultaram em um frango de corte que necessita aproximadamente 1/3 do tempo e 1/3 do alimento para chegar a 1.800 g de peso vivo. Esta impressionante evolução genética segue aprimorando até hoje, onde as linhagens são ainda mais eficientes. Devido ao perfil de crescimento acelerado dessas aves de produção, o acesso a alimento e água antes da chegada à granja é vital para otimizar seu desenvolvimento neonatal (Gonzales et al., 2008) Como consequência da evolução observada na velocidade de crescimento dos frangos de corte, a proporção entre os períodos de vida pré e pós-­‐eclosão foi reduzida, chegando a ser menor que 1:1.5 em aves de abate precoce (grillers). Isso indica que gradualmente nos aproximamos de lidar com um animal neonato durante grande parte do ciclo produtivo, obrigando-­‐nos a entender sua dinâmica fisiológica e consequentemente suas necessidades nutricionais. Apesar de que os frangos de corte possuem grande capacidade inicial de desenvolvimento, alguns manejos relacionados a esse período seguem contraproducentes. A incubação artificial de ovos permitiu à avicultura chegar a grandes escalas de produção atingindo parâmetros produtivos bastante exigentes. Entretanto, esse sistema de incubação nos impede de aproveitar uma das vantagens competitivas das aves precociais frente às altriciais: a capacidade de alimentar-­‐se por conta própria horas após a eclosão. Enquanto que na natureza os pintainhos (aves precociais) eclodem e passam imediatamente à busca de alimento para suplementar as reservas da gema e gerar a colonização microbiana intestinal, aqueles nascidos em incubatórios comerciais ficam resignados a aguardar dentro dos nascedouros até o momento determinado para o nascimento/retirada. De modo geral, as eclosões em escala comercial seguem um padrão populacional com distribuição normal, podendo apresentar faixas tão amplas quanto 40h (Figura 1) entre início e fim dos nascimentos. Figura 1. Exemplo de janela de eclosão. Devido a diversos fatores associados às reprodutoras, ao manejo dos ovos férteis e ao processo de incubação, raras vezes nos deparamos com curvas de eclosão ideais onde haveria uma distribuição normal de nascimentos a partir das 24 horas pré-­‐retirada. É comum observar curvas de eclosão desviadas (Figura 2) onde mais de 25% dos pintainhos já eclodiram 36 horas antes do momento do determinado para o nascimento. Figura 2. Exemplo de um perfil anormal de eclosão. Fonte: Dr. Mario Plano Se somarmos à permanência no nascedouro um tempo de pelo menos 12 horas entre manuseio (sexagem + vacinação), espera na planta e transporte até a granja, concluímos que até um terço dos pintainhos de cada lote pode chegar às granjas com mais de 48 horas desde eclodidos. Devemos considerar que dependendo do manejo da planta de incubação e principalmente da distância de transporte dos pintainhos, em muitos casos esse tempo total pode chegar a 72 horas. Para os frangos de corte esse período é extremamente significativo, chegando a representar de 5 a 10% da vida das aves. Isso ajuda a explicar parte da desuniformidade observada nas granjas durante os primeiros dias das aves (Willemsen et al., 2009), já que intervalos tão grandes entre eclosões e a restrição ao acesso a alimento e água determinam diferenças pronunciadas no desenvolvimento inicial das aves. Quando o desenvolvimento fisiológico e a colonização microbiana neonatal são atrasados, os parâmetros zootécnicos no restante do ciclo produtivo também são prejudicados. Além de reduzir a performance produtiva, esse atraso também afeta negativamente a formação e maturação do sistema imune, comprometendo a capacidade das aves em reagir contra patógenos e responder aos programas de vacinação. Dentro desse panorama, programas de alimentação pós-­‐eclosão surgem como ferramentas de fácil implantação, que permitem otimizar os resultados produtivos e sanitários das aves. Para que estes objetivos sejam alcançados, a nutrição neonatal ideal tem sua base forjada em 3 pilares inter-­‐relacionados (Figura 3): Acesso rápido à hidratação, alimentação equilibrada e flora microbiana saudável. Figura 3. Pilares da nutrição neonatal Para avaliar a importância de um programa de nutrição neonatal, devemos entender como se dá o desenvolvimento pós-­‐eclosão dos frangos de corte. Também é necessário conhecer as respostas fisiológicas ao atraso que ocorre rotineiramente no fornecimento de nutrientes e microorganismos benéficos aos pintainhos. Com essa base de informações em mente, compreenderemos de que maneira a nutrição pós-­‐eclosão influencia os resultados produtivos e sanitários dos lotes e teremos as ferramentas para sustentar a implantação de um programa de nutrição neonatal. Seis parâmetros serão discutidos a seguir, relatando-­‐se a possível influência da nutrição neonatal em cada um deles: a necessidade de nutrientes pós-­‐eclosão, o desenvolvimento dos sistemas de suporte, o desenvolvimento do sistema digestório, o desenvolvimento do sistema imune, o desenvolvimento muscular precoce e o estabelecimento da microbioma intestinal. A necessidade de nutrientes pós-­‐eclosão Durante muito tempo perseverou o paradigma de que pintainhos mantidos em jejum absorveriam mais rapidamente a gema residual. Atualmente sabe-­‐se que a ingestão de alimento neonatal não somente favorece a absorção da gema (Figura 4), mas também otimiza o aproveitamento dos nutrientes nela presentes (Bigot et al., 2001; Noy and Sklan, 2001). Em um trabalho publicado na década de 80, Murakami et al. (1988) observaram que os nutrientes da gema correspondiam por apenas 50% da energia e 43% da proteína requerida pelos pintainhos no primeiro dia de vida. É racional pensar que três décadas depois, com a seleção genética das linhagens atuais para crescimento inicial acelerado, os requerimentos do pintainho neonato são ainda maiores e os nutrientes presentes na gema se tornam proporcionalmente mais restritos. Em uma situação normal, ao terceiro dia de vida o conteúdo da gema residual já não deveria representar um aporte nutricional significativo para a ave. Quanto à composição nutricional, a gema possui um perfil lipídico e proteico mais favorável à síntese de membrana celular e à manutenção da imunidade passiva (IgY) do que ao atendimento das demandas energéticas do neonato. Portanto, quando as aves são forçadas a utilizar a gema como fonte básica de energia ocorre um desvio no uso dos nutrientes presentes, em detrimento de seus objetivos principais: crescimento corporal e defesa contra patógenos. Figura 4. Efeito da alimentação precoce (imediatamente após a eclosão) ou jejum (96 h) sobre a reabsorção da gema durante a primeira semana de vida. Adaptado de Noy et al., 1996. Além de não suprir a totalidade dos nutrientes requeridos pelos pintainhos, a gema não possui quantidades significativas de carboidratos, o que reduz a disponibilidade de glicose para ser usada como combustível metabólico. Como forma de compensação, os pintainhos são preparados para gerar glicose a partir de tecidos corporais (músculos e gordura). Quando se oferece a pintainhos dietas ricas em carboidratos, ocorre a substituição da glicose circulante de origem endógena por aquela de origem alimentar, o que é demonstrado pela redução na atividade da enzima hepática glicose-­‐6-­‐fosfatase (Donaldson & Christensen, 1991). O atraso no fornecimento de alimento neonatal leva também a um aumento na dependência da gordura presente na gema para produção de energia, o que pode levar o pintainho à cetose (Best, 1966). O excesso de corpos cetônicos no sangue causa diurese (aumentando a desidratação) e possui efeito anoréxico, reduzindo a voracidade com que os pintainhos buscam alimento. Portanto, o atraso na alimentação dispara um círculo vicioso, onde as aves passam a utilizar nutrientes endógenos e como resultado reduzem o apetite, gerando maior dependência nos nutrientes corporais e assim sucessivamente. O desenvolvimento dos sistemas de suporte Além de fornecer o suporte necessário para o adequado crescimento nos primeiros dias de vida dos pintainhos, a nutrição neonatal tem um papel fundamental no desenvolvimento/maturação das estruturas corporais que permitirá os ganhos zootécnicos futuros. Para que ocorra um ganho de peso acelerado na fase inicial da vida das aves, o crescimento de carcaça deve ser amparado pelo desenvolvimento dos sistemas de suporte (digestório, cardiorrespiratório, etc.). Através dessa perspectiva, os órgãos de suporte ou suprimento devem maturar com precocidade para permitir o desenvolvimento dos órgãos de demanda, como por exemplo os sistemas esquelético e muscular. A nutrição neonatal tem influência direta sobre essa questão. Como demonstrado na Figura 4 por Renema et al. (2012) em um trabalho exposto no Congresso Mundial de Avicultura da Bahia, a ingestão de alimento pós-­‐
eclosão afeta positivamente o tamanho relativo do coração às 24 horas de vida. Sendo o desenvolvimento do coração um indicativo de capacidade metabólica, pintainhos que receberam nutrição neonatal possuem desde o início de seu ciclo produtivo mais chances de desenvolver-­‐se adequadamente. Figura 4. Proporção do peso do coração em relação ao peso corporal em pintainhos. Fonte: Renema et al., 2012 O desenvolvimento do sistema digestório Mesmo que a capacidade digestiva comece a ser observada alguns dias antes da eclosão, a maioria do seu desenvolvimento ocorre pós-­‐eclosão quando os pintainhos neonatos passam a consumir alimento (Sklan, 2001). Para dar-­‐se conta da relevância dessa fase na vida das aves, vale ressaltar que a maturação do trato gastrointestinal (TGI) influencia a expressão do potencial genético das aves (Barnes et al., 2000; Uni e Ferket, 2004). O sistema digestório corresponde à porta de ingresso de todos os nutrientes que serão utilizados adiante para desenvolvimento dos demais sistemas corporais, além de representar o principal mecanismo de defesa contra patógenos que desafiam os pintainhos nos primeiros dias de vida. O TGI é um sistema de alta complexidade, possuindo seus próprios sistema neuroendócrino, nervoso e imune, além de um microbioma comensal bastante desenvolvido. Em linhas gerais, a capacidade digestiva inicia a partir da ingestão do fluido amniótico e está relacionada com o crescimento do trato digestivo. Ao 17o dia de incubação o trato digestivo corresponde a 1% do peso do embrião e à eclosão o peso do trato digestivo sem a gema residual já significa 25% do peso vivo dos pintainhos, reduzindo-­‐se a 8% aos 15 dias de idade. O sistema digestório é o grupo de órgãos que proporcionalmente desenvolve-­‐se mais rapidamente após a eclosão, e a velocidade desse desenvolvimento é regulada tanto pelo acesso quanto pela composição do alimento neonatal. Durante a fase embrionária, as vilosidades se desenvolvem com a formação de enterócitos que possuem orientação endocítica (Moran, 1985) permitindo a absorção de macromoléculas. Após o nascimento, há uma renovação de enterócitos que são originados nas criptas de Lieberkühn e migram ao topo das vilosidades, possuindo já uma orientação para digestão e absorção de nutrientes. Em torno de 72 horas após a eclosão, as microvilosidades na superfície dos enterócitos já tornam-­‐se evidentes. Paralelamente, a atividade enzimática do sistema digestório aumenta nos primeiros de vida e também é afetada pela nutrição perinatal, como exemplificado na Figura 6 através da atividade enzimática da tripsina (em unidades/kg de peso vivo). Figura 6. Efeito da alimentação precoce na evolução da atividade da tripsina (unidades/kg de peso vivo) nos primeiros dias dos pintainhos. Adaptado de Nitsan et al. (1991). Apesar de que o consumo de qualquer tipo de alimento acelera o desenvolvimento intestinal, a qualidade e composição do alimento é determinante na otimização desse processo. Alimentos complexos (água, nutrientes compostos, diversos tamanhos de partícula, flora) estimulam o desenvolvimento gastrointestinal e ampliam o perfil de secreção de enzimas digestivas , o que melhora a capacidade de digestão e absorção dos nutrientes presentes no alimento. A presença de alimento também estimula a secreção de hormônios gastrointestinais como a colecistoquinina (CCK), a qual influencia diversos processos fisiológicos como o apetite, produção de bile, secreção de enzimas digestivas, etc. Exemplificando a importância da nutrição neonatal no desenvolvimento intestinal, pintainhos que sofreram um atraso de 24 horas no acesso ao alimento após a eclosão apresentaram redução na altura das vilosidades (Yamauchi et al., 1996), diminuição no tamanho e número de criptas por vilosidade e menor taxa de migração de enterócitos (Geyra et al., 2001a). A compreensão do desenvolvimento do sistema digestório no neonato deixa claro que as medidas que tomemos para favorecer o seu desenvolvimento gerarão frutos duradouros na produtividade dos lotes. Os efeitos práticos da nutrição neonatal sobre o desenvolvimento do sistema digestório já são conhecidos há bastante tempo. Ainda na década de 70 demonstrou-­‐se que o jejum prolongado após a eclosão determina menor habilidade para digerir e absorver aminoácidos e outros nutrientes quando as aves passam a ser alimentadas (Newey et al., 1970). A demora no acesso ao alimento também reduz drasticamente o número de células caliciformes e a secreção de mucina, expondo o epitélio intestinal à invasão bacteriana e reduzindo a sua capacidade absortiva (Uni et al., 2003). O desenvolvimento do sistema imune Quando eclodem, os pintainhos são expostos a uma infinita gama de antígenos, estimulando os mecanismos de defesa inata e também os processos de proliferação e diferenciação dos diferentes clones de células imunitárias (Whittow, 1999). Uma das tarefas iniciais mais importantes do sistema imune é determinar contra quais antígenos deve-­‐se gerar resposta imunitária (patógenos, toxinas, etc.) e quais deve-­‐se desenvolver tolerância (nutrientes, bactérias benéficas, etc.). Esta atividade é especialmente importante no TGI, pois é o local onde haverá maior contato com antígenos. O balanço entre resposta imune e tolerância depende grandemente da interação entre as células do sistema imune, o parênquima intestinal e a microbiota que coloniza a mucosa. Nos primeiros dias de vida dos pintainhos, a proteção aos desafios depende basicamente dos níveis de imunoglobulinas (IgA e IgY) obtidos por via passiva e dos mecanismos de defesa inespecíficos, como por exemplo as células fagocíticas (macrófagos, etc.) e a barreira de muco produzida pelas células caliciformes. Pode-­‐
se dizer que o desenvolvimento do sistema imune ocorre de forma gradual durante as primeiras semanas de vida das aves. O desenvolvimento e atividade do trato gastrointestinal e do sistema imune a ele relacionado influenciarão a capacidade das aves para defender-­‐se de patógenos não apenas nos primeiros dias de vida, mas durante todo o ciclo produtivo. Portanto, pode-­‐se afirmar que a performance sanitária das aves é dependente da forma em que o sistema imune é estimulado e se desenvolve durante o período perinatal. A dinâmica do desenvolvimento do sistema imune no período neonatal, em especial do tecido linfóide associado à mucosa gastrointestinal (GALT), permite que se compreenda porque é necessário romper paradigmas e atuar de forma mais ativa durante esse período da vida das aves. Durante o período pós-­‐eclosão ocorrem episódios relevantes do desenvolvimento do sistema imune das aves de produção. Mesmo que durante a vida embrionária alguns mecanismos de defesa como a atividade fagocitária dos macrófagos já estejam presentes, parte importante do desenvolvimento do sistema imune no que se relaciona à produção de anticorpos acontece após a eclosão. Durante a incubação células linfocitárias prematuras povoam a Bursa de Fabricius (BF) e proliferam-­‐se, formando os folículos linfóides. Na BF esses linfócitos B prematuros passam por conversões genéticas que originam células B com um repertório diversificado de Igs. Aproximadamente ao momento de eclosão as células B com as distintas Igs começam a abandonar a BF e migrar para povoar tecidos periféricos como o GALT (Masteller et al., 1994). Após a eclosão, as células da BF possuem alta atividade proliferativa e a forma que ocorre esta proliferação determinará a capacidade de produção de anticorpos futuramente. Os intestinos já são colonizados com crescentes números de linfócitos de 4 a 6 dias pós-­‐
eclosão, e estes linfócitos maturam durante a segunda semana de vida das aves. Da mesma forma, células secretoras de IgA são observadas na lâmina própria intestinal após 10 dias da eclosão. Consequentemente, a resposta imune por anticorpos (IgY e IgA), tanto sistêmica quanto originada no GALT, é produzida pelos pintainhos apenas a partir da segunda semana de vida. Na natureza, logo após o nascimento as aves começam a realizar uma “amostragem” de diversos antígenos (sejam eles patógenos ou não) à medida em que passam a ingerir nutrientes e também microorganismos como ocorre normalmente através da coprofagia. O acesso a esta grande variedade de antígenos gera uma espécie de treinamento do sistema imune para que saiba distinguir entre tolerância e reposta, estimulando tanto respostas imunitárias inatas quanto adaptativas. De forma contrária ao que ocorre na natureza, com o advento da incubação industrial estamos restringindo a variabilidade de antígenos a que os pintainhos estão expostos e dessa forma atrasando os mecanismos de treinamento e desenvolvimento do sistema imune. Diversos pesquisadores afirmam que a capacidade dos pintainhos de gerar uma resposta imunitária própria é influenciada pelo acesso precoce ao alimento. Um exemplo desta hipótese foi realizado por Dibner et al. (1998), demonstrando que a atividade proliferativa das células da BF tem seu potencial reduzido quando os pintainhos não tem acesso imediato a alimento. Sabe-­‐se também que o atraso no fornecimento de alimento pós-­‐eclosão diminui levemente o GALT da região proximal do intestino em idade de abate. Porém, esse atraso alimentar reduz drasticamente o GALT da região distal do intestino, o qual possui maior importância já que é mais atuante ao nascimento e participa ativamente da amostragem de antígenos pela cloaca via retro peristáltica. Segundo Dibner et al. (1998), o jejum afeta o desenvolvimento do sistema imune de três formas distintas: 1) Sem o acesso à ingestão de alimentos e outras partículas não alimentares reduz-­‐se a bateria de antígenos a que os pintainhos são expostos e consequentemente reduz-­‐se o pool de anticorpos formados; 2) O jejum estimula a secreção de corticosterona, hormônio conhecido pelo seu potente efeito inibidor da proliferação de células imunes; 3) Com o atraso na alimentação, o pintainho passa a consumir os anticorpos maternos presentes na gema residual como fonte de aminoácidos para produzir as proteínas necessárias para sua sobrevivência e crescimento. O desenvolvimento muscular precoce A nutrição neonatal é importante para que a manutenção das necessidades fisiológicas e o crescimento inicial dos pintainhos não ocorra às custas do uso de nutrientes endógenos (p.ex., de origem muscular). Adicionalmente, a nutrição neonatal também influencia de forma direta o potencial de deposição muscular dos frangos de corte. A capacidade de crescimento muscular depende dos nutrientes recebidos durante a fase neonatal principalmente devido ao número e atividade das células satélite. As células satélite estão localizadas entre a lâmina basal e o plasmalema das fibras musculares e são capazes de proliferar, diferenciar-­‐se e juntar-­‐se à fibras musculares existentes ou então de se fundirem entre si para formar novas fibras (Campion, 1984). Após a eclosão, não há aumento significativo no número de fibras musculares, portanto o crescimento muscular pós-­‐eclosão se dá em grande parte pelo aumento no conteúdo de DNA através da atividade das células satélite (Mauro, 1961). As células satélite estão presentes em grande número e são muito ativas logo após o nascimento, tendo seu número reduzido de forma acentuada com o crescimento (Cardiasis e Cooper, 1975). Em uma situação normal, no período neonatal ocorre a proliferação das células satélite, gerando aumento no número de núcleos da fibra muscular permitindo assim uma maior capacidade de crescimento muscular ao longo da vida das aves. A relevância das células satélites no crescimento muscular dos frangos foi comentada por Mozdiak et al. (1997), sugerindo que o tamanho do músculo pode ser permanentemente reduzido se houver inibição da agregação de novos núcleos durante o desenvolvimento inicial. Estes autores relataram que as células presentes no tecido muscular em crescimento são sensíveis a flutuações no status nutricional das aves. Portanto, o fornecimento de um alimento neonatal nutricionalmente balanceado é crítico para a proliferação das células satélite e o consequente desenvolvimento muscular dos frangos de corte. Estabelecimento do microbioma gastrointestinal Como o desenvolvimento do TGI e do GALT estão intimamente relacionados com os microorganismos que o colonizam, para que tenhamos sucesso em chegar a um desenvolvimento precoce da capacidade digestiva e imunitária também é necessário estabelecer rapidamente uma microflora comensal adequada. A permanência dos pintainhos recém eclodidos dentro dos nascedouros até o momento do nascimento oficial, juntamente com o tempo total até a chegada na granja atrasam não somente o acesso ao alimento, mas também a uma flora microbiana variada. Soma-­‐se a isto o fato de que na maioria das granjas comerciais os pintainhos são expostos a uma carga microbiana excessiva e bastante desviada do que seria adequado para uma correta colonização do TGI. O TGI pode conter até dez vezes mais células bacterianas que o total de células eucarióticas de todo o organismo animal (Eckburg et al., 2005; Guarner e Malagelada, 2003). Essas inferências não consideram ainda fungos e protozoários que também contribuem para a complexidade do ecossistema microbiano do TGI. Dessa forma, a microflora comensal pode ser considerada um “órgão” composto por uma rica diversidade de microorganismos que possuem uma ampla gama de funções importantes para o hospedeiro. Em mamíferos, tem sido demonstrado que a colonização do epitélio intestinal após o nascimento é essencial para que se regule a tolerância imunitária a uma série de subprodutos microbianos (Xu e Gordon, 2003). Essa forma de condicionamento aparentemente reduz as respostas alérgicas a alimentos ou antígenos ambientais (Braun-­‐Fahrlander et al., 2002). Um grande exemplo dos efeitos das bactérias da microflora comensal no desenvolvimento e função do TGI é a aparição de bactérias filamentosas segmentadas (BFS) associadas ao epitélio intestinal em torno da primeira semana pós-­‐eclosão (Goodwin et al., 1991). As BFS são conhecidas por influenciar a colonização de outras bactérias comensais servindo como âncoras entre o epitélio e o lúmen intestinal (Angert, 2005; Klaasen et al., 1992). Outras funções das BFS são aumentar a atividade mitótica e a relação entre o número de enterócitos e células caliciformes (Umesaki et al., 1995) além de serem identificadas como potentes estimuladores da secreção de IgA e da maturação do sistema imune de mucosas (Snel, 1997). Para que haja uma colonização efetiva do TGI logo após o nascimento, é necessário que além de ingerir os microorganismos, o bioma gastrointestinal permita o sobrevivência e proliferação destes. Visto que a maioria da microflora benéfica utiliza carboidratos como substrato para crescimento, é importante oferecer alimentos que contenham carboidratos para os pintainhos logo do nascimento já que esses componentes são escassos na gema residual (Apajalahti, 2005). O fornecimento de alimento adequado o crescimento dos microorganismos benéficos determina o estabelecimento precoce de uma microflora comensal que auxiliará nos processos de desenvolvimento das aves. Considerando-­‐se que a alimentação neonatal tem efeitos positivos sobre a população microbiana presente no intestino das aves, a combinação de uma fórmula nutricional balanceada, ingredientes que favoreçam o crescimento de bactérias benéficas e a administração de bactérias probióticas logo após a eclosão parece ser uma ótima estratégia para otimizar o crescimento e desenvolvimento integral das aves. Conclusões O desenvolvimento neonatal nas aves de produção comercial é bastante intenso e a forma que esse ocorre determinará a capacidade das aves em expressar seu potencial genético. As características da produção avícola moderna fazem com que os pintainhos recém eclodidos tenham acesso restrito a alimento, água e flora microbiana adequada durante uma parte vital de seu desenvolvimento inicial. Conforme demonstrado, o atraso no fornecimento de nutrientes e flora gera transtornos no desenvolvimento de vários sistemas corporais, resultando em efeitos negativos permanentes para as aves. A nutrição neonatal, sustentada por seus 3 pilares (alimentação, hidratação e colonização microbiana) é uma forma prática de reduzir o impacto negativo do jejum pós-­‐eclosão, gerando melhorias na performance produtiva e sanitária das aves que perdurarão por todo seu ciclo produtivo. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Angel, R.; Ashwell, C.M. 2008. Dietary conditioning results in improved phosphorus utilization. In: WORLD’S POULTRY CONGRESS, 23., Brisbane. Proceedings... Brisbane, 2008. Angert, E. 2005. Alternatives to binary fission in bacteria. Nature Rev Microbiol 3:214-­‐224. Apajalahti, J. 2005. Comparative gut microflora, metabolic changes, and potential opportunities. J. Appl. Poult. Res. 14:444-­‐453. Bigot, K., Tesseraud, S., Taouis, M., Picard, M. 2001. Alimentation néonatale et développement précoce du poulet de chair. Productions Animales, v. 14, p. 219 – 230. Best, E. E. 1966. The changes of some blood constituents during the initial post-­‐
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