O anonimato e sua contribuição para a liberdade

Transcrição

O anonimato e sua contribuição para a liberdade
O ANONIMATO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A
LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO PENSAMENTO NA
INTERNET
UMA PROPOSTA DE REDEFINIÇÃO DE ANONIMIA
Eixo Temático III
Liberdade de expressão na Internet: Garantias e Limites
Gustavo Diógenes de Oliveira Paiva.
Graduando de Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Administrador do Grupo de Estudos de Direito
da Internet/UFRN.
Karoline Lins Câmara Marinho
Doutoranda em Direito Tributário pela Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE. Mestre em Direito Constitucional Tributário
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN (2008),
especialista em Direito Constitucional pela UFRN (2007) e
graduada em Direito pela UFRN (2006).
Professora de Direito Tributário e Direito Administrativo.
Atualmente Professora Efetiva da UFRN. Professora dos cursos de
Pós-Graduação da UFRN, UNI-RN, UNP e Maurício de Nassau/PE.
ANONIMATO NA CF
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; “
(BRASIL, 1988).
"VOTO DO MIN. CELSO DE MELLO: Sabemos, Senhor Presidente, que o veto
constitucional ao anonimato, nos termos em que enunciado (CF, art. 5º, IV, "in fine"),
busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do
pensamento e na formulação de denúncias apócrifas, pois, ao exigir-se a identificação de
seu autor, visa-se, em última análise, com tal medida, a possibilitar que eventuais
excessos derivados de tal prática sejam tornados passíveis de responsabilização,
"a posteriori", tanto na esfera civil quanto no âmbito penal, em ordem a submeter aquele
que os cometeu às conseqüências jurídicas de seu comportamento.
Essa cláusula de vedação - que jamais deverá ser interpretada como forma de
nulificação das liberdades do pensamento - surgiu, no sistema de direito
constitucional positivo brasileiro, com a primeira Constituição republicana, promulgada
em 1891 (art. 72, § 12)."
(BRASIL, 2002)
“Dir-se-á que, no caso, a denúncia não foi anônima. Isto é verdade, relativamente ao poder
público, vale dizer, relativamente ao Tribunal de Contas da União. Relativamente,
entretanto, ao denunciado, ela é anônima. Por ser anônima, relativamente ao denunciado,
não poderia este adotar contra aquele que causou gravame à sua imagem, as providências
que a Constituição autoriza”.
(BRASIL, 2003)
"O anônimo pode se ocultar de modo absoluto, e isto ocorre quando ninguém é capaz de
identificá-lo. Por outro lado, na sua forma relativa, aquele age anonimamente em relação a
certo sujeito (podendo ser a pessoa que está sofrendo a violação de direitos), mas um
terceiro é capaz de individualizá-lo, chegar à sua identidade."
(MORAES, 2011)
INTERNET E ANONIMATO
O anonimato na Internet surge como consequência de um dos elementos
de sua estrutura, o Internet Protocol (IP). Esse protocolo é o responsável
pela transmissão de pacotes de informação, e para tanto atribui a cada
destino uma sequência de números que se denomina de endereço IP.
Ocorre, contudo, que essa identificação não é permanente, de modo que a
um mesmo computador podem ser atribuídos diferentes endereços à cada
conexão que estabelece com a rede. Não obstante, uma vez que o número
de endereços IP disponíveis é finito, é extremamente comum que a dois
computadores sejam atribuídos o mesmo endereço, tanto em momentos
distintos no tempo quanto simultaneamente.
Em sua obra, Wallace (1999) desenvolve um estudo excepcionalmente
detalhado acerca do anonimato e fornece uma definição concisa para o
fenômeno. Para a estudiosa, um indivíduo é composto por uma miríade de
traços, isto é, características que formam sua identidade. Traço é qualquer
característica associável a um indivíduo, por menor que seja, e identidade
é o conjunto dos traços de um sujeito.
As definições em questão são facilmente ilustradas por um exemplo.
Machado de Assis tem escritor como um de seus traços. É, também,
definido como brasileiro falecido, indivíduo nascido no Século XVIII,
descendente de escravos e autor de Dom Casmurro. Todos esses traços
são componentes da identidade de Machado de Assis, que chega a
englobar muitos outros.
Ocorre, contudo, que somente um desses pode, isolado dos restantes, ser
confiavelmente conectado a todos os outros do indivíduo Machado de Assis.
Enquanto que há uma infinitude de escritores na história da humanidade,
incontáveis descendentes de escravos, brasileiros falecidos e indivíduos
nascidos no Século XVIII, há somente um autor de Dom Casmurro. Essa
característica em particular é relacionável a todas as outras, de tal modo que
qualquer sujeito que venha a se identificar como autor de Dom Casmurro
pode imediatamente ser associado à identidade de Machado de Assis e a
todos os outros traços conectados. Igualmente, caso se encontre um
manuscrito desprovido de nome de autor — isto é, supostamente anônimo,
— mas determinado como escrito pelo autor de Dom Casmurro, não há
anonimato de fato. Embora não haja nome, desse objeto se extrai um traço
tão peculiar e único que a determinação da identidade de seu autor é trivial.
"Agravo de instrumento. Ação cautelar inominada com pedido liminar. Internet. Veiculação de
conteúdo difamatório em rede social. Decisão agravada que determinou a empresa agravante ao
fornecimento de informações e dados cadastrais dos responsáveis pelas ofensas. Apresentação do
endereço de IP e dos demais registros exibidos. Suficiência. Desnecessidade de informação do
endereço físico. Jurisprudência dominante do STJ e de Tribunais pátrios. Aplicação do art. 557, §
1.o-A, do CPC. Provimento do recurso.”
"- Assim, 'Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo que
registra o número de protocolo (IP) na Internet dos computadores utilizados para o
cadastramento de cada conta mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus
usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de
provedor de serviço de Internet’."
"3. O fornecimento do registro do número de protocolo (IP) dos computadores utilizados para
cadastramento de contas na internet constitui meio satisfatório de identificação de usuários.”
(BRASIL, 2014)
Como compreender o anonimato?
“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa somos nós.”
— José Saramago
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em:
04/05/2015.
______. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Lex: Diário Oficial da União de 24 abr. 2014.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm> Acesso em: 19 jun. 2015.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança no 24.369. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 10 de out. de 2002. Diário Oficial da União. Brasília, DF.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo286.htm>. Acesso em: 19 jun. 2015.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.405. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, DF, 3 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União. Brasília.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=86127>. Acesso em: 19 jun. 2015.
______. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. AgIn 2007048-94.2014.815.0000. Relator: Miguel de Britto Lyra Filho. João Pessoa, PB, 6 de ago. de 2014. Revista dos
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CAPANEMA, Walter Aranha. O direito ao anonimato: uma nova interpretação do art. 5o, IV, CF. 2011. Disponível em: <http://waltercapanema.com.br/wordpress/download/228/>.
Acesso em: 20 abr. 2015.
REFERÊNCIAS
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MORAES, Paulo Francisco Cardoso de. A vedação constitucional do anonimato aplicada à internet. O papel do estado brasileiro na identificação dos usuários e
responsabilização dos provedores. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 91, ago 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9964>. Acesso em: 20 abr. 2015.
PAIVA, Gustavo Diógenes de Oliveira; FIGUEIREDO, Lucas Freire Duarte; MEDEIROS, Eric Cavalcanti de. A Relativização da Vedação Constitucional ao Anonimato
no Domínio do Direito Digital. In: Seminário do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, 20, 2015. Natal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015.
PAIVA, Gustavo Diógenes de Oliveira; FIGUEIREDO, Lucas Freire Duarte; SOARES, Elisianne Campos de Melo. O Direito Digital para o Brasil: O Marco Civil da
Internet, a Lei Carolina Dieckmann, e Documentos Não-Vinculantes. In: Seminário do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, 20, 2015. Natal, Universidade Federal do Rio
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PAIVA, Gustavo Diógenes de Oliveira; PAIVA, Silvana Maria da Silva Diógenes. O Paradoxo do Anonimato no Mundo Digital: Uma Reinterpretação da Proibição
Constitucional. Natal, 2015. Trabalho não publicado.
REFERÊNCIAS
PINHEIRO, Patrícia Peck. Anonimato: para o bem ou para o mal? 2014. Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/
patricia-peck-pinheiro/anonimato-para-o-bem-ou-para-o- mal_b_5698564.html>. Acesso em: 20 abr. 2015.
______. Direito Digital. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
WALLACE, Kathleen A. Anonymity. Ethics And Information Technology, Berlim, v. 1, n. 1, p.21-31, 1999. Springer
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WALLACE, Kathleen A.. Online Anonymity. In: HIMMA, Kenneth Eimar; TAVANI, Herman T. (Ed.). The Handbook
of Information and Computer Ethics. New Jersey: Wiley, 2008. Cap. 7. p. 165-189.

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