8 - Carro Elétrico ok.cdr
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REPORTAGEM Por Rogério Lessa CARRO ELÉTRICO Revolução silenciosa Elogiado nos círculos ambientalistas e desenvolvimentistas, o carro elétrico não é uma panaceia para todos os males dos veículos automotores, mas pode ser grande aliado na estratégia contra o aquecimento global e pela melhoria da qualidade de vida nas cidades, além de ser excelente base para difusão tecnológica. P Divulgação ara o Brasil, acompanhar o desenvolvimento das tecnologias ligadas ao carro elétrico pode abrir uma janela de oportunidades. O país possui indústria automobilística consolidada e um mercado que já ocupa a sexta posição no ranking mundial. “O carro elétrico não deixa de ser uma revolução”, resume o engenheiro Roberto Marx, que coordena o Curso de Capacitação em Análise e Projeto de Negócios no Novo Setor Automotivo na Fundação Vanzolini, instituição ligada à Universidade de São Paulo (USP). Marx observa que, do ponto de vista do motor, a transformação tecnológica é muito grande, pois além de Roberto Max, da Fundação Vanzolini: “O carro elétrico não deixa de ser uma revolução”. silencioso, ele remete para o passado toda a poluente tecnologia de combustão. “Este fato terá um impacto enorme junto aos fornecedores e à cadeia de manutenção tal qual conhecemos hoje. O modelo totalmente elétrico passa a não queimar mais combustível fóssil”, enfatiza, ressalvando que no Brasil têm predominado as experiências com o modelo híbrido, que utiliza também combustíveis renováveis, como o etanol – nos últimos 20 anos, 75% das emissões de carbono na atmosfera derivaram da queima dos combustíveis fósseis. Já o diretor de Regulamentação da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Pietro Erber, acrescenta que além do motor e da bateria, outro desafio para as pesquisas, o carro elétrico tem alguns componentes que estão em franco desenvolvimento. “São três categorias de sistemas: acumulação (baterias e capacitores), eletrônico e motores elétricos para tracionamento das rodas. Há carros com um motor para cada roda e um sistema que estabiliza o conjunto”, exemplifica Erber, que é também RUMOS - 8 – Julho/Agosto 2011 Quebra de paradigma – Claudia, que é professora na Universidade Veiga de Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, pondera que, apesar da criação de um novo paradigma, algum aspecto do passado será utilizado nesta nova dimensão tecnológica, inclusive porque os agentes serão os mesmos. “O novo paradigma tecnológico pode vir a ser path dependence do paradigma anterior, considerando a dinâmica da estrutura industrial e, consequentemente, a capacidade inovadora. Entende-se por path dependence a dependência da trajetória passada, ou seja, a empresa não se desenvolve; dependendo do acaso, a direção de seu crescimento e as oportunidades enfrentadas para a entrada em novos ramos de atividade requerem competências acumuladas e decisões técnicas e estratégicas do passado”, explica. Assim, a P&D da indústria em torno do veículo elétrico tem como base o conhecimento, desenvolvimentos e tecnologias já em curso. “Pelo fato de a própria indústria automobilística ter de migrar, ela busca adaptar os processos a partir do que já existe sem sucateá-la. Isso irá definir uma nova trajetória, ou seja, o path dependence pode vir a influenciar fortemente o paradigma seguinte”. No entanto, o foco de veículo ecologicamente correto no Brasil não é elétrico, pois a principal aposta é no motor híbrido. A difusão do carro totalmente elétrico requer incentivos do governo e mudança nas percepções dos consumidores. Isto, segundo Claudia, pode afetar a direção do desenvolvimento tecnológico. E o Brasil tem enorme potencial hidroelétrico a ser explorado, grande volume de gás natural e sol abundante com baixa emissão de carbono a serem aproveitados. “Os ganhos em eficiência energética e qualidade ambiental com os carros elétricos são inegáveis e podem significar uma esperança renovada de ganhos ambientais e econômicos para novos investidores em energia no Brasil. Porém, dar incentivos aos carros híbridos e elétricos não é compatível com o programa do etanol”. Este fato representa um risco, pois, segundo a economista, apesar da evolução recente, os carros totalmente elétricos ainda terão de superar grandes problemas antes de se tornarem interessantes no uso diário. “Sua autonomia ainda é pequena, algo grave em um país de g randes distâncias. O tempo necessário para recarga continua longo e os pacotes de baterias são caros e pesados”. Noel Joaquim Faiad diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética (Inee). Ele destaca, ainda, que o motor elétrico é mais leve que o tradicional e não tem marchas. Já a economista Claudia Martins, doutoranda em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPED/IE/UFRJ), está estudando as possíveis repercussões da entrada do carro elétrico no cenário da indústria automobilística. Claudia chama a atenção para os “ativos complementares” que o veículo pode alavancar. “Uma tecnologia não funciona isoladamente. Quando o veículo elétrico ganhar trajetória tecnológica definida, as ações de pesquisa e desenvolvimento (P&D) acerca de seus ativos complementares ganharão efetividade”. A economista ressalta que a difusão do veículo elétrico, especialmente nos países em desenvolvimento, exigirá uma série de adaptações às circunstâncias do mercado local, à escala de negócios e à disponibilidade de insumos e materiais. “Além disso, será necessário disponibilizar financiamento e incentivos fiscais à inovação”, completa. RUMOS - 9 – Julho/Agosto 2011 Baterias – O problema da acumulação da energia é sem dúvida um dos principais desafios para o carro elétrico. A começar, segundo Pietro Erber, pelo principal “combustível” das baterias: o lítio, substância que precisa ser importada da Bolívia. “O lítio existe em poucos países e não é renovável. Além disso, embora o conceito do carro, do ponto de vista de emissões, seja sustentável, a bateria tem ainda o REPORTAGEM problema da reciclagem”, enumera, ponderando que as baterias também podem ser de chumbo. Elas, por sinal, representam 20% do custo do carro. O diretor do Inee acrescenta que existem ainda as células-combustível, baseadas no hidrogênio, que seriam a alternativa mais limpa. O problema é como obter o hidrogênio, estocá-lo e viabilizar o abastecimento, ou seja, é uma saída que não pode ser considerada no curto prazo. “Mas a célula combustível funcionará melhor para outras finalidades e é uma tecnologia que certamente vai entrar no mercado”, completa. Um terceiro problema, segundo Erber, é toda a infraestrutura necessária para a recarga. “Para o carro puramente elétrico, isto seria feito nas tomadas. Mas e quando se está circulando?”, indaga o executivo da ABVE. Ele cobra também a definição de normas técnicas. “O carro do futuro se constrói hoje. Quem vai mandar no mercado está agindo agora, embora, para nós consumidores, ainda seja futuro distante”, diz, acrescentando que também estão sendo desenvolvidos capacitores, que podem atuar junto com as baterias no armazenamento de energia. Uma boa notícia é que muitas empresas de energia elétrica estão estudando o problema da recarga. “Veículos híbridos não têm esse problema, pois transformam o combustível em energia elétrica. Mas no caso do carro a bateria, faltam pontos de carregamento, que vai depender de tomadas adequadas nas residências, nos estacionamentos, enfim, muito mais do que a ideia do eletroposto propriamente”. Quanto à morosidade da recarga, ele aponta para a simples substituição da bateria, embora seja uma alternativa ainda cara. “Em países como Portugal, Israel e Dinamarca, troca-se a bateria no posto. Mas não é barato. Precisa haver um robô para trocar, pois, embora o motor seja leve, a bateria pesa mais de 200 kg, superando o motor a gasolina. O frentista não pode fazer”. Financiamento e incentivos – No final de 2009, o Ministério da Fazenda preparou relatório sobre veículos ambientalmente favoráveis, que teve os carros elétricos como foco principal. O governo já tem posições e medidas prontas para divulgar, mas, na opinião de Erber, “por enquanto só há desincentivo” para o carro elétrico no país. “A bateria paga mais Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Há uma linha de financiamento do BNDES que é bem pensada, mas é operacionalizada pelos bancos privados. Aí volta-se ao convencional, que não serve para dar início a esse tipo de mercado, pois, por enquanto, tanto o ônibus quanto os carros híbridos ou a bateria custam mais caro”. Todavia, o diretor do Inee ressalva que o BNDES está criando uma linha para compra de ônibus que será financiada diretamente pelo banco. “Assim, o processo pode deslanchar”, opina, reconhecendo, ainda, que alguns estados oferecem isenção do IPVA. Além disso, em agosto deste ano, o BNDES aprovou R$ 7,5 milhões para desenvolvimento de motores elétricos, em contrato assinado com a empresa WEG, por meio da linha Inovação Tecnológica “Na verdade, isentar ou reduzir imposto não altera nada na receita, pois no início serão muito poucos os veículos. Brasil é mercado forte O Brasil produziu 3,6 milhões de veículos em 2010, segundo a Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea), ocupando a sexta posição no ranking mundial. Em vendas, já está em quarto lugar, com 3,5 milhões de unidades. De acordo com a Anfavea, entre 2003 e 2010 já foram vendidos 12,5 milhões de veículos com motor bicombustível. Ano passado, a participação dos motores flex fuel atingiu a marca de 86%. Atualmente, mais de 90% dos veículos do mundo são movidos a gasolina ou diesel, mas essa participação deve cair para uma faixa entre 65% e 85% nos próximos 15 anos, de acordo com o relatório Automotive Landscape 2025 (Panorama Automotivo 2025), divulgado em março pela empresa de consultoria Roland Berger. A pesquisa prevê que os carros elétricos puros elevarão sua participação – algo entre 3% e 12% –, em 2025, quando a China deverá responder por 31% das vendas totais de veículos leves. Já os veículos híbridos, que combinam motor de combustão interna e elétrica, deverão representar 40% do mercado. Limpo e eficiente Econômico – De acordo com estudo do Ministério da Fazenda, em 2010 o custo de rodagem por quilômetro era de R$ 0,23 no carro movido com motor a combustão, enquanto o carro elétrico tinha custo de R$ 0,06. Por outro lado, o preço de um carro convencional ainda é um terço daqueles movidos a energia elétrica. Sustentável – Os especialistas defendem que o carro elétrico poderia reduzir as emissões de gases do petróleo a uma fração do que se emite hoje. Isto porque, enquanto a eficiência do motor a gasolina é inferior a 40%, os motores elétricos a ímã permanente (que são usados nos carros elétricos) têm eficiência de 96%. Mesmo considerando as perdas na distribuição de energia e na armazenagem na bateria, queimar petróleo para produzir a eletricidade para mover o carro elétrico ainda emitirá bem menos carbono do que produzem os motores a combustão comum. Além disso, os carros elétricos acumulam energia nas freadas, reduções e nas descidas. O motor elétrico pode, ainda, usar em grande escala energia gerada de fontes de baixa emissão, como hidraúlica, eólica, nuclear, etc. No entanto, mesmo a energia gerada em térmicas a gás natural, que é um combustível fóssil, emite metade do carbono que o petróleo, configurando também uma alternativa mais eficiente. Simplicidade – No que tange à manutenção, o motor a combustão possui de 300 a 400 partes móveis, enquanto o elétrico tem apenas três. RUMOS - 10 – Julho/Agosto 2011 RUMOS - 11 – Julho/Agosto 2011 Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional Caio Coronel/Itaipu Binacional Manter impostos altos é que inviabiliza a história. Precisamos de uma política global para o Brasil, que tem responsabilidade de reduzir emissões e, acima de tudo, um compromisso com a população”. Já Roberto Marx, que também é coordenador do Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade (MobiLAB), da Escola Politécnica da Os carros elétricos fabricados pela Fiat, no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Montagem, em USP, avalia que a legislação Itaipu Binacional, são equipados com a bateria de lítio de 253 volts, que pesa 164 kg. será fator central no incendo desenvolvido conjuntamente pela fabricante de automótivo ao carro elétrico. Ele reclama que, no Brasil, o marco legal veis e a Itaipu Binacional, além de um grupo de empresas parsó seja discutido na parte da emissão de gases poluentes ou ceiras, como uma alternativa para o futuro próximo”, inforcausadores do efeito estufa. “A redução do IPI para híbridos e ma a economista. Segundo a professora da UVA, as carroceelétricos foi vetada pelo ex-presidente Lula, talvez por pressão rias dos carros, montadas especialmente para o projeto, são dos atuais fabricantes”, critica o engenheiro da Fundação Vanfeitas na fábrica da Fiat Automóveis, em Betim (MG), e, em zolini, defendendo a criação de incentivos para centros de pesItaipu, recebem os componentes específicos do carro elétriquisa voltados para esse novo nicho. co – motor, transmissão e baterias. Para estas últimas, por sinal, as pesquisas para o aproveitamento de sódio, em vez do Montadora nacional – Para Marx, se fosse criada uma monchumbo ou do lítio, estão adiantadas. O sódio tem a vantatadora nacional a partir do carro elétrico, a empresa poderia gem de ser reciclável e barato. despertar mais interesse da parte do governo. “Há estudos, Além da Fiat, a Nissan, montadora que vem sendo uma como na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), das maiores incentivadoras da produção de carros 100% elépor exemplo, que defendem uma empresa de capital naciotricos na Europa, Japão e Israel, e a Renault assinaram, em nal, mas não estatal, para que o governo não precise colocar abril de 2010, um acordo tripartite com o município de São dinheiro. Passaríamos a ter no país um centro de decisões Paulo, no qual a prefeitura se comprometeu a estudar ações estratégicas importantes”, opina. O engenheiro destaca que a para implementação e manutenção de uma rede de recarga própria questão da mobilidade passaria a ter interferência de para veículos elétricos. “No acordo cogitou-se também empresas sediadas aqui. “No Japão, Rússia e na Coreia do Sul incentivos fiscais para adoção de veículos elétricos, sem os há empresas privadas fortes, de capital nacional. Isso tem quais ficará difícil fazer a popularização dos mesmos no país, sido importante para explicar o crescimento lá. A Coreia, por além de campanhas educativas sobre o benefício dos veículos exemplo, hoje vende carros para o mundo inteiro. Na China, elétricos para a cidade e toda a sociedade”, relata, acrescenisto é questão de tempo. O Brasil é um mercado importante, tando que, inicialmente, a cidade adotará alguns veículos elémas fica à mercê das decisões de que produto fazer e da escotricos em sua frota para uso em órgãos públicos. “São Paulo é lha de fornecedores a partir de decisões que vêm de fora”. Na a primeira cidade da América do Sul a assinar um acordo desvisão de Marx, com uma montadora de capital nacional o país se tipo com o objetivo de reduzir a poluição e, de certa forma, poderia até pensar em criar produtos totalmente novos, volpreservar o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida da tados para o consumidor de renda mais baixa, que sirvam população”, sublinha Claudia. para pequenos trajetos ou para ir até o transporte coletivo. Essas e outras iniciativas de montadoras transnacionais “Mas, para tanto, o Brasil teria que ter uma proposta que fosfazem Pietro Erber ponderar que, apesar de “não ter nada se além de aumentar a produção de carros no mesmo contra” uma montadora nacional, o mais importante é que o padrão”, adverte o engenheiro. Brasil tenha acesso ao domínio da tecnologia. “Hoje não exisClaudia Martins, por sua vez, não crê em fabricantes genute mais carro propriamente nacional em lugar nenhum do inamente nacionais, mas espera que as montadoras aqui insmundo. A Embraer cria o conceito de seus aviões, mas as taladas produzam veículos elétricos no Brasil, como irá ocorpeças vêm de vários lugares. Nessa linha, a chance de dar cerrer nos Estados Unidos, onde a Nissan acaba de ganhar uma to é muito maior, ou seja, apostar em algo que seja bem aceito licitação para trocar a frota de taxis nova-iorquinos, com a no mercado e não precise de muito incentivo”. condição de que a produção seja feita no território norteNeste sentido, o diretor da ABVE recomenda o desenvolamericano. “A Fiat já vem desenvolvendo seu carro elétrico vimento de um veículo para transporte público, inclusive táxis, nacional há alguns anos, tendo iniciado as pesquisas com o que teria bom impacto ambiental. “O mundo inteiro subsidia Palio Hatch. A montadora tem um galpão na área da usina transporte público. E justifica, pois sendo limpo e eficiente o hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, que abriga uma oficina de montagem e um centro de testes. O veículo está sentransporte público aumenta a eficiência da sociedade”. n
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