procuradoria da república no município de bauru-sp

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procuradoria da república no município de bauru-sp
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE BAURU
Rua 13 de Maio, nº 10-93 – CEP: 17.015-270 – Fone/Fax: (014)3234-6351 – e-mail: [email protected]
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(ÍZA) DA ___ª VARA
FEDERAL EM BAURU - 8ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE
SÃO PAULO.
Ação de Improbidade 0004646-91.2010.4.03.6108, distribuída à 3ª Vara Federal
de Bauru
“Como é cediço em nossa sociedade, a
Associação Hospitalar de Bauru passa por
estado
de
penúria,
em
condições
precárias...1”
Tutela Coletiva – Procedimento Preparatório nº 1.34.003.000355/2009-81
OBS: As folhas mencionadas ao longo desta petição inicial referem-se aos autos do
procedimento em epígrafe (3 Volumes), que seguem em anexo.
O Ministério Público Federal, pelo Procurador da República que
esta subscreve, no exercício de suas funções constitucionais e legais, vem, mui
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inciso III,
da Constituição Federal e nas Leis 7.347/85 e 8.429/92, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CUMULADA COM PEDIDO
DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO
em face de:
JOSEPH GEORGES SAAB, brasileiro naturalizado, casado, industrial,
inscrito no CPF/MF sob o nº 042.612.248-87, portador do RG nº 7.659.337-X SSP/
SP, residente e domiciliado na Rua Olímpio de Macedo, nº 5-55,
Vila Universitária, Bauru/SP (fls. 17, 27 e 247 – volume I);
1
- Declaração fornecida por Joseph Georges Saab – vide item 5.4
G:\ASCOM\2010\JUNHO\AIA HOSPITAL BAURU\AIA - 1.34.003.000355-2009-81-AHB-Joseph-Saab.doc
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
JONAS FLORÊNCIO DA ROCHA, brasileiro, casado, comerciante, inscrito no
CPF/MF sob o nº 119.412.941-20, portador do RG nº 383.853-X SSP/DF, residente
e domiciliado na Rua QRSW 08, bloco A-5, apto. 103, Setor Sudoeste, Brasília/DF
(fls. 18, 28 e 219 – volume I).
pelos fundamentos de fato e de direito a seguir consubstanciados:
1. DA INTRODUÇÃO
Inicialmente, cumpre esclarecer que a Associação Hospitalar de
Bauru (AHB), criada em 02/12/1977, é uma entidade civil, sem fins lucrativos, beneficente
de assistência social (art. 195, § 7º, C.F.), que possui como finalidade administrar o
Hospital de Base da 7ª Região, o Hospital Manoel de Abreu e a Maternidade Santa Izabel
(fls. 28 – volume I e 398 – volume II).
Pois bem, a AHB, através do convênio nº 1702/1994
(fls. 344/351 – volume II), celebrado em 29/12/1994 com o Ministério da Saúde/Fundo
Nacional de Saúde (Processo nº 25000.023198/94-57 – Empenhos números: 7632 e 7634,
ambos de 29/12/1994 – fl. 343 e ss. – volume II), conseguiu obter, R$ 1.500.000,00 (um
milhão e quinhentos mil reais), recurso liberado integralmente na conta corrente da
entidade aos 04/01/1995 (extrato Banco do Brasil – fl. 356), que deveria ser utilizado para
“o custeio e aquisição de equipamentos e material permanente, visando a fortalecer a
capacidade técnico-operacional e o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde – SUS”
(fl. 345 – volume II).
Todavia, Joseph Gorges Saab (Diretor-Presidente da AHB na
época dos fatos – fls. 142/143 – volume I) e Jonas Florêncio da Rocha
(responsável pela Empresa Cardiosul Comercial Ltda. – fls. 163/164 e 219 – volume I)
uniram-se para praticar crimes/atos de improbidade administrativa, tendo como objetivo o
enriquecimento ilícito através da malversação de tal verba federal repassada pelo
Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde à AHB (convênio nº 1702/1994).
Destarte, a presente ação civil pública tem como escopo buscar a
condenação dos réus pela prática de atos de improbidade administrativa, relativamente à
utilização de tal verba federal (item 5.4).
2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA
A Lei 8.429/92 utiliza um conceito amplo de agente público, de
forma a abranger tanto os servidores públicos como aqueles que mantém apenas um
vínculo transitório com a administração ou mesmo não mantenham qualquer vínculo, mas
concorram ou se beneficiem da prática do ato de improbidade:
“LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992.
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Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou
não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba
subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem
como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com
menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes
casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres
públicos.
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no
artigo anterior. “ (grifo nosso)
Vê-se, portanto, que não há dúvidas quanto à legitimidade passiva de
Joseph Gorges Saab, pois na época dos fatos ele era Diretor-Presidente da AHB, entidade
beneficente de assistência social, que goza de isenção de contribuições para a seguridade
social, nos termos do art. 195, § 7º, C.F., além de outros tributos federais, na forma do
artigo 150, inciso VI, alínea “c”, C.F., conforme informado pela Delegacia da Receita
Federal de Bauru à fl. 103 – volume I.
Deveras, pois por exercer cargo de direção (fls. 142/143 – volume I)
em entidade que recebe benefício fiscal (isenção/imunidade tributária), de órgão público,
Joseph Gorges Saab é equiparado a agente público, para os efeitos da Lei de Improbidade
Administrativa.
Em relação a Jonas Florêncio da Rocha, a legitimidade passiva está
caracterizada diante do que estabelece o art. 3º da Lei 8.429/92, in verbis:
“Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
(grifo nosso)
3. DA PRESCRIÇÃO
Comprovada a legitimidade passiva dos co-réus, faz-se mister tecer
breves considerações sobre a prescrição, visto que tal instituto está relacionado à
possibilidade de deflagração da ação.
O Ministério Público Federal, aos 10/02/2003, ajuizou ação civil
pública (processo nº 2003.61.08.000871-0 – 3ª Vara Federal - Bauru/SP) em face de
Joseph Georges Saab e Jonas Florêncio da Rocha, tendo como desiderato somente o
ressarcimento ao erário (recursos provenientes do convênio nº 1702/1994), pois segundo o
Dr. Rodrigo Valdez de Oliveira, Procurador da República que atuou no caso, os
atos de improbidade administrativa estariam acobertados pelo manto da prescrição, visto
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que os fatos ocorreram em 1995, tendo transcorrido mais de cinco anos desde então
(fls. 27/44 – volume I).
Contudo, com a devida vênia, tratando-se de agente público detentor
de mandato, o prazo prescricional para a propositura de ação de improbidade
administrativa é de 5 anos, nos termos do art. 23, inciso I da Lei 8.429/92, in verbis:
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser
propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão
ou de função de confiança;” (grifo nosso)
Portanto, no caso, além de ter fixado o prazo prescricional (5 anos),
o legislador estabeleceu que a contagem tem início após o término do exercício do
mandato.
Por outro lado, no que tange à reeleição, há omissão legislativa,
pois não existe nenhum dispositivo sobre o termo inicial quando o agente público é
reconduzido ao cargo, através de sucessivos mandatos. Tal questão foi objeto de vários
debates no passado, a dúvida consistia em saber se o prazo começava a correr após o
término do mandato no qual ocorreu o ato de improbidade ou se somente após o final do
último mandato.
Todavia, atualmente, a questão não suscita maiores problemas,
posto que o C. Superior Tribunal de Justiça e a doutrina já firmaram entendimento no
sentido de que a contagem só pode ter início após o encerramento do último mandato.
Nesse diapasão, vale transcrever as lições de Emerson Garcia e
Rogério Pacheco Alves 2:
“Entendemos que a prescrição somente começará a fluir a partir do término do
exercício do último mandato outorgado ao agente, ainda que o ilícito tenha
sido praticado sob a égide de mandato anterior. Em abono dessa conclusão,
podem ser elencados os seguintes argumentos: a) o art. 23, I, da Lei n. 8.429⁄1992 fala
em exercício de mandato, o que afasta a possibilidade de se atrelar o lapso
prescricional ao exercício do mandato durante o qual tenha sido praticado o ato; b) a
reeleição do agente público denota uma continuidade no exercício da função em que se
deu a prática do ilícito, o que, apesar da individualidade própria de cada mandato,
confere unicidade à sua atividade; c) as situações previstas no art. 23, I, da Lei n.
8.429⁄1992, tratam de vínculos de natureza temporária, estando o lapso prescricional
atrelado à sua cessação, o que somente ocorrerá com o término do último mandato; d)
a associação do termo a quo do lapso prescricional à cessação do vínculo está
diretamente relacionada à influência que poderá ser exercida pelo agente na apuração
dos fatos, o que reforça a tese de que a prescrição somente deve se principiar com o
afastamento do agente; e e) a sucessão temporal entre os mandatos não pode acarretar
sua separação em compartimentos estanques, pois consubstanciam meros elos de uma
corrente ligando os sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade” (grifo nosso)
Outro não é o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho 3:
2
- GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 4. ed., rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008, pp. 501-502
3
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006
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“No caso de mandato, impõe-se vislumbrar a possibilidade de o mandatário ser
eleito para períodos sucessivos. Em razão desse fato, poder-se-ia indagar se o
prazo de prescrição se iniciaria a partir do término do mandato dentro do qual
foi praticado o ato de improbidade, ou a partir do fim do último mandato. É
certo que cada mandato tem por fundamento aspectos específicos próprios de cada
processo eletivo. No entanto, a ratio do dispositivo foi exatamente a de evitar que,
valendo-se do poder que ostenta, pudesse o mandatário influir na decisão de propor a
ação de improbidade ou nas provas que devem ampará-la. Dessa maneira, o titular do
segundo mandato poderia assim agir em relação a atos praticados durante o primeiro.
resulta, pois, que a contagem do prazo deve realmente ser iniciada a partir do
término do último mandato.”(grifo nosso)
Nessa linha de raciocínio, o posicionamento do C. Superior Tribunal
de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. ART. 142 DA LEI N. 8.112/91. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
ART. 23 DA LEI N. 8.429/92 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LIA). PRAZO
PRESCRICIONAL.
(…)
3. Interpretação da Lei n. 8.429/92. Método teleológico. Verifica-se claramente
que a mens legis é proteger a moralidade administrativa e todos seus
consectários por meio de ações contra o enriquecimento ilícito de agentes
públicos em detrimento do erário e em atentado aos princípios da
administração pública. Nesse sentido deve ser lido o art. 23, que trata dos
prazos prescricionais.
(…)
5. A Lei de Improbidade associa, no art. 23, I, o início da contagem do prazo
prescricional ao término de vínculo temporário, entre os quais, o exercício de
mandato eletivo. (...) o prazo prescricional deve ser contado a partir do fim do
segundo mandato.
(...)
(REsp 1107833/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,
julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009)” (grifo nosso)
Nesta perspectiva, tem-se que o direito de ação, para
responsabilização dos atos de improbidade perpetrados por Joseph Georges Saab, não
foram atingidos pela prescrição, uma vez que ele ficou na presidência da AHB durante 14
anos (1995/2009 – fls. 115/131) 4, de forma ininterrupta, daí porque a contagem do prazo
prescricional somente teve início em 2009.
Por fim, ressalte-se que não há que se falar em prescrição dos atos
ímprobos de Jonas Florêncio da Rocha, eis que a contagem do prazo prescricional
também só teve início em 2009, consoante entendimento do C. Superior Tribunal de
Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. REQUERIMENTO DE NOTIFICAÇÃO REALIZADO FORA DO
PRAZO PRESCRICIONAL. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. DIES A QUO DO PRAZO
PRESCRICIONAL. ART. 23, INCISO I, DA LEI Nº 8.429⁄92. EXTENSÃO. PARTICULAR.
(...)
4
- O co-réu conseguiu 6 reeleições consecutivas: 31/03/95 (1995/1998), 21/03/1998 (1998/2001), 18/03/2001
(2001/2004), 19/01/2004 (estatuto da AHB foi alterado, mandato passou a ter duração de 2 anos - 2004/2005),
16/12/2005 (2006/2007) e 05/12/2007 (2008/2009) – fls. 115/131 – volume I.
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IV - O dies a quo do prazo prescricional, aplicável aos servidores públicos e agentes
políticos, previsto no art. 23, inciso I, da Lei nº 8.429⁄92, é extensivo aos
particulares que se valeram do ato ímprobo, porquanto não haveria como
ocorrer tal ilícito sem que fosse em concurso com agentes públicos ou na
condição de beneficiários de seus atos.
(...)
(REsp 704323/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
16/02/2006, DJ 06/03/2006 p. 197)” (grifo nosso)
4. DOS FATOS
A presente ação é proposta, portanto, com espeque nas informações
e documentos colhidos por este Órgão Ministerial, através do Procedimento Preparatório nº
1.34.003.000355/2009-81 (fl. 01 – volume I), instaurado em virtude do que consta nos
autos da ação penal nº 97.1306661-8 (1ª Vara Federal - Bauru/SP), na qual foram
denunciados Joseph Gorges Saab e Jonas Florêncio da Rocha, pela prática dos crimes 5
tipificados no art. 171, § 3º 6, do Código Penal e nos arts. 90 7 e 91 8 da Lei 8.666/93 e, ao
final, condenados, em primeira instância, pela prática do crime do art. 171, § 3º 9, do
Código Penal (fls. 637/698).
Em busca da elucidação dos fatos, os autos foram instruídos, em
síntese, com cópias dos seguintes documentos:
−
Processo nº 97.1306661-8 (1ª Vara Federal – Bauru/SP): Denúncia
(17/23 – volume I), alegações finais do MPF (fls. 03/16 – volume I) e diversos
documentos que instruem os autos em epígrafe (fls. 135/319 – volume I;
322/465 e 476/503 – volume II).
−
Processo nº 2003.61.08.000871-0 (3ª Vara Federal –
Petição inicial e manifestação do MPF (fls. 27/51 – volume I).
Bauru/SP):
−
Processo nº 97.130.6413-5 (2ª Vara
Sentença condenatória (fls. 76/91 – volume I).
Bauru/SP):
−
Processo nº 700.065/1997-0 (TCU): Relatórios, votos, decisões,
demonstrativos de débito, despachos, pareceres, comprovantes bancários e
comunicações processuais (fls. 52/75 – volume I).
5
Federal
–
- Todos os crimes estão ligados à malversação das verbas federais repassadas pelo Ministério da Saúde/Fundo Nacional
de Saúde à AHB - convênio nº 1702/1994.
6
- Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. (...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou
de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência
7
- Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do
procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto
da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
8
- Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração
de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário: Pena - detenção,
de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
9
- Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em
erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. (...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou
de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência
6
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Consigne-se, por oportuno, que há decisão judicial autorizando o
compartilhamento das provas produzidas no processo nº 97.1306661-8
(1ª Vara Federal – Bauru/SP), veja-se (fl. 465 – volume II):
“Consoante expressivos precedentes, não há impedimento à utilização de elementos de
prova reunidos em investigação criminal mediante quebra de sigilo bancário, fiscal ou
telefônico devidamente autorizadas pelo Poder Judiciário contra as mesmas pessoas em
relação às quais foi produzida, desde que o compartilhamento tenha sido autorizado
pela autoridade judicial (…) Dessa forma, fica expressamente autorizado o
compartilhamento das provas que instruem estes e os autos do Pedido de
Quebra de Sigilo nº 1301658-27.1998.403.6108 (98.1301658-2 na numeração
anterior) com o Procedimento Preparatório – Tutela Coletiva
nº 1.34.003.000355/2009-81 da Procuradoria da República em Bauru/SP bem
como eventual Ação Civil Pública e de Responsabilização por Improbidade
Administrativa decorrente do mencionado procedimento preparatório, sob dever
de resguardo do sigilo...” (grifo nosso)
Feitas essas breves considerações, passa-se a identificar as
irregularidades verificadas no âmbito dos processos/procedimentos que servem de base
probatória para a presente ação, para, em seguida, identificar e imputar a responsabilidade
de cada um dos co-réus.
Recentemente, os requeridos foram condenados na ação penal nº
97.1306661-8, pelo Juiz Federal da 1ª Vara de Bauru, Exmo. Dr. Roberto Lemos Santos
Filho, em sentença datada de 20/05/2010 (cópia às fls. 637/698).
Na sentença criminal, em razão da malversação dos citados recursos
federais, no importe R$ 1.500.000,00, recebidos do Ministério da Saúde/Fundo Nacional
de Saúde, através do nº 1702/1994, reconheceu-se que os requeridos praticaram crime de
estelionato, tipificado no § 3° do art. 171 do Código Penal, motivo pelo qual foram
condenados a penas privativas de liberdade, de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez)
dias de reclusão, em regime inicial fechado, além da multa pecuniária.
5. DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
5.1. PROCESSO CRIMINAL nº 97.130.6413-5 – 2ª VARA FEDERAL – BAURU/SP
A execução do plano criminoso (malversação dos recursos oriundos
do convênio nº 1702/1994) teve início antes da transferência das verbas federais para a
AHB, o que demonstra premeditação e intenção inequívoca de enriquecimento ilícito.
Joseph Georges Saab usou documentos falsos, quais sejam,
CRS (Certidão de Regularidade de Situação perante o FGTS) e CND (Certidão Negativa
de Débito do INSS), para conseguir a liberação das verbas, tendo em vista que a AHB era
notória devedora do FGTS e do INSS, circunstância impeditiva para a concretização do
7
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convênio com o Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde (fls. 04, 18, 76/78 e 88 –
volume I).
Em razão de tal contrafação o Ministério Público Federal denunciou
Joseph Georges Saab como incurso nas penas dos arts. 293, § 1º 10 e 299 11, todos do
Código Penal, processo nº 97.130.6413-5 – 2ª Vara Federal de Bauru (fl. 76 – volume I).
A imputação foi julgada procedente, conforme verifica-se no trecho
da sentença (prolatada em 20/10/2000) a seguir transcrito (fls. 76/91 – volume I):
“Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos exordiais, para condenar o réu
JOSEPH GEORGES SAAB da prática do crime de falsificação de papéis públicos
artigo 293 § 1º e falsidade ideológica artigo 299 do Código Penal, em concurso material
(artigo 69 do CP.) .
(…)
Assim, comino ao réu Joseph Georges Saab a pena de dois anos de reclusão pela
prática do delito do artigo 293 § 1º, um ano de reclusão pela prática do crime previsto
no artigo 299 do Código Penal, resultando a pena base de três anos de reclusão. Torno
definitiva, ante reconhecimento da existência de concurso material prevista no artigo
69 do CP. a serem cumpridos em regime aberto.
Comino-lhe ainda a pena de 50 dias multa, a razão de um trigésimo do valor do salário
mínimo vigente à época do fato para cada dia multa, a serem pagos na forma do artigo
50 do Código Penal.
Nos termos do artigo 44, parágrafo 2º, do Código Penal, com redação alterada pela Lei
nº 9.714/98, substituo a pena privativa de liberdade aplicada ao réu Jospeh Georges
Saab, por multa, a saber:
Prestação pecuniária no valor dez salários mínimos, a favor de entidade pública ou
privada de filantropia, reconhecida como de utilidade pública, de Bauru/SP, a ser
escolhida por este Juízo, em audiência admonitória, quando se fixará o prazo do
pagamento e o modo de operacionalizá-lo....”
Inconformado com a decisão, Joseph Georges Saab recorreu,
contudo, a egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que por
unanimidade, negou provimento ao seu recurso de apelação (data do julgamento:
11/10/2004 – fls. 567/576 – volume II).
Contra o julgado do TRF da 3ª Região, Joseph Georges Saab
interpôs recursos especial e extraordinário, os quais não foram recebidos pelo
Tribunal, o que ensejou a interposição de agravos de instrumento
(fls. 578/580 – volume II).
10
- Art. 293 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os: (…) § 1o Incorre na mesma pena quem:
I - usa, guarda, possui ou detém qualquer dos papéis falsificados a que se refere este artigo;
II - importa, exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda, fornece ou restitui à circulação selo
falsificado destinado a controle tributário;
III - importa, exporta, adquire, vende, expõe à venda, mantém em depósito, guarda, troca, cede, empresta,
fornece, porta ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, produto ou mercadoria:
11
- Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer
inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar
a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e
reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
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Contudo, diante da demora no julgamento do caso, acabou-se por
reconhecer a prescrição da pretensão punitiva (data da decisão: 17/08/2006), na
modalidade intercorrente, ou seja, prevaleceu a impunidade, mesmo existindo sentença
condenatória confirmada em 2ª instância (fls. 501/503 - volume II).
5.2. PROCESSO CRIMINAL nº 97.1306661-8– 1ª VARA FEDERAL – BAURU/SP
Quanto à malversação das verbas federais propriamente dito (R$
1.500.000,00 – um milhão e quinhentos mil reais), provenientes do convênio (nº
1702/1994) firmado com o Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde, as investigações
demonstraram, de maneira cristalina, que Joseph Georges Saab e Jonas Florêncio da
Rocha uniram-se para praticar atos de improbidade administrativa/crimes, tendo como
desiderato o enriquecimento ilícito
Da análise dos autos, extrai-se que os co-réus, no primeiro momento,
simularam a realização de licitação (aquisição de equipamentos hospitalares) visando
ludibriar os órgãos de fiscalização. Embora conste nos autos a realização de uma
“consulta” às empresas do ramo de saúde, o que ocorreu, na verdade, foi a participação de
uma única empresa, qual seja, Cardiosul Comercial Ltda, cujo proprietário é Jonas
Florêncio da Rocha.
No segundo momento, dando continuidade à empreitada criminosa,
os co-réus utilizaram diversos expedientes fraudulentos (notas frias, superfaturamento,
equipamentos pagos e não recebidos, equipamentos com defeito, equipamentos de
“segunda mão”, equipamentos usados, entre outros) em relação as mercadorias que foram
entregues para a AHB, tudo para alcançar seus objetivos espúrios (enriquecimento ilícito).
Diante de tais fatos, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia
em relação a Joseph Georges Saab e Jonas Florêncio da Rocha, como incursos nas
sanções do art. 171, § 3º, do Código Penal e dos arts. 90 e 91, da Lei 8.666/93.
E, tal se deu porque o co-réu Joseph Georges Saab, antes de efetuar
a suposta compra dos equipamentos hospitalares que a AHB estava necessitando (fls.
330/332 – volume I), tentou simular uma licitação, para tanto, realizou pesquisa de preços
e consultou algumas empresas do ramo da saúde: Neoequipo Equipamento Médico
Hospitalar Ltda (fls. 171/174 – volume I), Central Científica Comércio Importação e
Exportação Ltda (fls. 175/180 – volume I), NKV Distribuidora de Material Hospitalar Ltda
(fls. 181/186 – volume I), MEDIMP Sociedade de Importação e Exportação de Produtos
Médicos Ltda (fls. 187/191 – volume I) e Cardiosul Comercial Ltda. (fls. 192/197 –
volume I).
Tal procedimento, no entanto, nem de longe atendeu às exigências
da Lei de Licitações (8.666/93), conforme bem exposto no Relatório de Supervisão do
Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde (fls. 404/405 – volume II):
“ (…) A forma adotada para as aquisições foi a “consulta” ao mercado, uma vez
que não se constatou nenhum procedimento licitatório (…) Segundo ficou
constatado, a firma CARDIOSUL foi a fornecedora dos equipamentos solicitados, por
9
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ter apresentado os menores preços, perfazendo o valor total de R$ 939.730,00
(novecentos e trinta e nove mil, setecentos e trinta reais).” (grifo nosso)
Impende consignar, por oportuno, que a realização de certame no
caso em tela era condição indispensável para o Ministério da Saúde repassar verbas à
AHB, confira-se (fls. 345/346 – volume II):
“Convênio nº 1702/1994
(…)
CLÁUSULA SEGUNDA – DAS OBRIGAÇÕES
(…)
II – DO EXECUTOR – O EXECUTOR compromete-se a:
(…)
2.9 – promover as licitações para aquisição de materiais, de acordo com a legislação
específica;
(…)
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA – DA RESCISÃO E DA DENÚNCIA
O presente Convênio poderá ser rescindido de pleno direito no caso de infração a
qualquer uma das cláusulas ou condições nele estipuladas...” (grifo nosso)
As declarações dos representantes das empresas que, em tese,
teriam participado do procedimento licitatório, comprovam a existência de simulação,
veja-se:
Naresh Kumar Vashist, representante da NKV (fl. 202 – volume I):
“ (…) Que, desde o final de 1995 a empresa NKV – Distribuidora de Material Hospitalar
Ltda. Não funciona mais; Que, o depoente não conhece as pessoas relacionadas na
Carta Precatória; Que, quando do funcionamento da empresa do depoente nunca
ouve (sic) participação de licitação no Estado de São Paulo...” (grifo nosso)
Elmer Carvalho, representante da NEOEQUIPO (fls. 259/261 – volume I):
“(...) Fiquei sabendo que o denunciado estava envolvido em uma grande negociação
para a venda de equipamentos para a Associação Hospitalar de Bauru. Sei que ele
ganhou uma licitação para fornecer equipamentos (...) O denunciado usou papel
timbrado e máquina da minha empresa Neoequipo para apresentar sua
proposta no processo de licitação. Na época não soube que era para esse fim que eu
estava cedendo os citados insumos; pensava que era um orçamento. Pelo que sei, o
denunciado apresentou a proposta como se tivesse sido preparada pela
Neoequipo. Tive ciência dos valores nela consignados e verifiquei que os valores
constantes da proposta, com efeito, estavam superfaturados. Reafirmo, como disse, a
parte do meu depoimento policial, no que se refere a não reconhecer como
minha a assinatura lançada na proposta, assim como não autorizou o
denunciado a assiná-la em seu nome. Pode ser que o denunciado tenha imitado
minha assinatura com base em outros papéis assinados por mim e que se encontravam
na empresa...”. (grifo nosso)
10
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Sérgio Augusto, representante da Central Científica (fls. 153/154 – volume I):
“(...) Que confirma que a CENTRAL CIENTÍFICA não participou do processo
licitatório em questão, não apresentou qualquer proposta; Que alguém
certamente obteve de forma que o declarante desconhece, formulário antigo da
CENTRAL CIENTÍFICA LTDA e elaborou a proposta ora questionada, cópia de
fls. 23/28 deste expediente, observando que assinaturas e rubicas nela constantes
não são de qualquer dos sócios da empresa ou de qualquer pessoa identificada,
ligada a empresa; QUE o tipo de mecanográfico utilizado na elaboração do
documento questionado não pertence a qualquer máquina de escrever de propriedade
da empresa; QUE a empresa só dispõe de uma máquina de escrever, elétrica, IBM, mas
as propostas normalmente saem pelo computador; QUE o impresso que foi utilizado na
proposta questionada parecer ser um impresso antigo, que saiu de linha em 1993 ou
1994; QUE o declarante nada sabe a respeito do processo licitatório em
questão, nunca mantivera qualquer contato com quem quer que seja que
tivesse sido identificado como da Associação Hospitalar de Bauru, do
Ministério da Saúde... ” (grifo nosso)
Reforçando as assertivas de Sérgio Augusto Macedo, as declarações
dos outros sócios da empresa Central Científica:
Antonio Augusto Lopes Pedro (fls. 155/156 – volume I):
“(...) Que nada sabe a respeito da participação da Empresa Central Científica
em licitação promovida pela Associação Hospitalar de Bauru; Que não conhece
quem quer que seja que pudesse estar ligado a Associação citada ou ao Ministério da
Saúde que eventualmente estivesse tratando da licitação em questão (...) Que
apresentado ao declarante o documento de fls. 23/28, deste expediente, por cópia,
perguntado se reconhece como sua ou de alguém de sua empresa, as assinaturas e
rubricas constantes no referido documento, diz o declarante que a assinatura e
rubrica existentes
no documento não partiram de seu punho, não
reconhecendo como assinatura ou rubrica de qualquer outro sócio...”
(grifo nosso)
Carlos Eduardo Lopes Pedro (fls. 157/158 – volume I):
“(...) Que desconhece totalmente a participação da Empresa Central Científica
em licitação promovida pela Associação Hospitalar de Bauru, não conhecendo
quem quer que seja, ligado a Associação citada, também não conhecendo quem quer
que seja do Ministério da Saúde que eventualmente estivesse tratando da licitação em
questão (…) Que apresentado ao declarante o documento de fls. 23/28, deste
expediente, por cópia, perguntado se reconhece como sua ou de alguém da empresa,
as assinaturas e rubricas constantes no referido documento, diz o declarante que a
assinatura e rubrica existentes no documento nada tem a ver com as
assinaturas de qualquer dos sócios da empresa...” (grifo nosso)
João Adolfo Barbosa (fls. 159/160 – volume I):
“(...) Que nada sabe a respeito da participação da CENTRAL CIENTÍFICA em
licitação promovida pela Associação Hospitalar de Bauru/SP, informando não
conhecer qualquer pessoa que tenha relacionamento com a associação citada ou com o
Ministério da Saúde (…) Que apresentado ao declarante o documento de fls. 23/28, por
cópia, questionado quanto a assinatura e rubrica nele constante, diz o declarante
desconhecer por completo o documento em questão, não reconhecendo como
sua qualquer assinatura ou rubrica existente no referido documento,
informando serem divergentes de assinaturas e rubricas de qualquer outro
sócio...” (grifo nosso)
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Miguel Antonio Della Rosa (fls. 161/162 – volume I):
“(...) Que nada sabe a respeito de possível participação da CENTRAL
CIENTÍFICA em licitação promovida pela Associação Hospitalar de Bauru/SP,
informando que não tem qualquer relacionamento na área em questão, não conhece
qualquer pessoa da citada associação ou mesmo do Ministério da Saúde; Que
apresentado ao declarante o documento de fls. 23/28, por cópia, questionado quanto a
assinatura e rubrica nele constante, diz o declarante desconhecer por completo o
documento em questão, não reconhecendo qualquer assinatura ou rubrica
existente no referido documento….” (grifo nosso)
Finalizada
a
primeira
etapa
do
plano
criminoso
(simulação de licitação), Joseph Georges Saab, como já era de se esperar, fechou negócio
com a Cardiosul Comercial Ltda., que apresentou proposta no valor de R$ 939.730,00
(novecentos e trinta e nove mil, setecentos e trinta reais). A “transação comercial”, em tese,
teve como objeto a venda dos equipamentos descritos nas notas fiscais nº 034 e nº 035
(fls. 198/199 – volume I).
O pagamento foi realizado através de dois cheques
(números: 450178 e 450179), nos valores de R$ 718.798,00 (setecentos e dezoito mil,
setecentos e noventa e oito reais) e R$ 220.932,00 (duzentos e vinte mil, novecentos e
trinta e dois reais), assinados por Joseph Georges Saab, emitidos e compensados em favor
da empresa Cardiosul Comercial Ltda. (fls. 216/218 – volume I).
Enfatize-se, nesse ponto, que a segunda fase do plano criminoso
refere-se aos equipamentos que foram entregues à AHB.
Transcrever-se-á, por ser bastante elucidativo quanto às
irregularidades existentes no “negócio” celebrado entre a Cardiosul Comercial Ltda. e a
AHB, trecho do relatório elaborado pelo Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde
(fls. 397/410 – volume II):
“EQUIPAMENTOS ADQUIRIDOS E NÃO CONSTANTES DA RELAÇÃO ANEXA AO
PLANO DE TRABALHO
- 01 aparelho de Raio X em arco “C” - Modelo MCA 100/EMILTRON com intensificador
de imagem, 02 monitores 12” e congelador de imagem MDI-100, adquiridos na firma
EMITRON EQUIPAMENTOS MÉDICOS LTDA., no valor de R$ 26.424,00.
- 01 central de vácuo NASH Mod. OU-6A DUPLEX (MHC-80) adquirido da firma NASH
DO BRASIL BOMBAS LTDA., no valor de R$ 13.270,00.
EQUIPAMENTOS ADQUIRIDOS CONFORME RELAÇÃO ANEXA AO PLANO DE
TRABALHO
Os equipamentos e materiais permanentes adquiridos representam em torno
de 50% do proposto na relação anexa ao Plano de Trabalho. Foram em sua
totalidade, comprados na Firma CARDIOSUL COMERCIAL LTDA., por meio das
notas fiscais 034 e 035.
Constatamos verificando “in loco” em conversa com o corpo clínico do Hospital de Base
da 7ª Região, bem como através de Carta encaminhada pela Associação à firma
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fornecedora, que pelo menos 50% dos bens que foram fornecidos, apresentavam
irregularidades, da seguinte ordem:
a)Equipamentos constantes das Notas Fiscais nº 034 e 035, pagos e não recebidos:
-01gerador de radiofrequência.............................R$ 126.300,00
-01medidor de gluconato......................................R$ 18.300,00
-01 bilirrubinômetro.............................................R$ 25.250,00
-01 T-540 Coulter Canter.....................................R$ 23.260,00
-01 Fotômetro de Leitura......................................R$ 14.634,00
-01 R.A – XT Automatização em Bioquímica........R$ 97.260,00
Total ......................................................................R$ 305.004,00
b)Equipamentos constantes das notas fiscais 034 e 035 entregues com defeito:
-05 eletrocardiógrafos – 4 com defeitos................R$ 19.250,00
-05hemoglobinômetros – faltam os equipamentos que contam glóbulos. Encontram-se
no almoxarifado.............R$ 42.720,00
Total......................................................................R$ 61.720,00
c)Equipamentos entregues usados:
-02 capinógrafos – conforme apreciação médica, além de usados, um deles entregue
sem o cabo e o outro apresenta defeito..................R$ 30.700,00
-05 respiradores para UTI – além de usados, falta circuito completo (do equipamento
para o paciente) ....................................................R$ 68.900,00
Total.......................................................................R$ 99.600,00
d)Equipamentos entregues e não constantes nas notas fiscais:
-01
-02
-01
-02
-01
-01
glucometer
impressoras para microcomputadores
micro reader 01
aparelhos de gazometria Zenite
automação em bioquímica marca CELM-SBA 200
diluidor DA 500 – marca CELM.
e)Equipamentos fora da especificação:
-02 dosadores
-05 estufas bacterianas
Pudemos constatar através do quadro acima colocado, que mais de 50% das compras
efetivas apresentaram irregularidades.
(...)
SOBRE AS NOTAS FISCAIS EMITIDAS PELA “CARDIOSUL COMERCIAL LTDA.
(..)
Pudemos constatar através das notas fiscais que as mesmas não contém os vistos dos
postos de fiscalização sobre o transporte de mercadoria. Encontrava-se informado nas
notas que a via de transporte foi o rodoviário.
As mercadorias pagas pela Associação em 05.01.95, somente mereceram
registro no almoxarifado da Entidade, em 31.03.05. caracteriza, portanto,
pagamento antecipado.
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Médicos do corpo clínico do Centro cirúrgico do Hospital de Base da 7ª Região
de Bauru, solicitaram a esta Equipe que fosse realizada pesquisa de preços dos
equipamentos adquiridos pela Associação, pois constataram que alguns dos
recebidos pelo Centro Cirúrgico estavam com o preço superfaturado.
(…)
AS NOTAS FISCAIS Nº 034 E 035 – CARDIOSUL, APRESENTADAS, NÃO
CORRESPONDEM ÀS OPERAÇÕES DE COMPRA E VENDA.
3.Consoante demonstrado no item 8, precedente, a 1ª Unidade Setorial de
Fiscalização, Gerência de Fiscalização da Secretaria da Fazenda, declara não
estarem as notas fiscais registradas no Livro de Controle da Firma, anulação de
vias inexistentes, imprimindo o entendimento de que trata-se de operações
mercantis “frias”, e que serviram apenas para simular uma prestação de
contas.
A rejeição integral das notas fiscais apresentadas é a única alternativa que nos
resta.
(…)
III – CONCLUSÃO
Tendo em vista as razões fáticas demonstradas no Relatório e análise precedente, e:
Considerando que a Associação Hospitalar de Bauru descumpriu regras ínsitas
do Convênio nº 1702/94, relacionadas a aquisição dos equipamentos; e
Considerando restar demonstrado que a documentação da Firma Cardiosul
Comercial Ltda. apresentada como prestação de Contas é em integralidade,
irregular, porquanto não corresponde as operações mercantis de compra e
venda, consoante Relatório emitido pela Secretaria da Fazenda do Estado de
Santa Catarina,
RECOMENDAMOS:
- Seja expedido ofício à ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR DE BAURU, solicitando o
recolhimento da quantia de R$ 979.424,00 (novecentos e setenta e nove mil,
quatrocentos e vinte e quatro reais), devidamente corrigidos, no prazo de 30 dias,
informando que o não cumprimento da solicitação implicará na instauração da Tomada
de Contas Especial correspondente;....” (grifo nosso)
Sem destoar de tais informações do Ministério da Saúde/Fundo
Nacional de Saúde, as declarações de Amilton Alves Teixeira, funcionário da Diretoria
Regional de Saúde de Bauru - DIR X (fl. 265 – volume I):
“O depoente pertence aos quadros da direção regional de saúde de Bauru, desde 1976.
Em 1997, presidiu comissão de auditoria, levada à cabo em face da Associação
Hospitalar de Bauru, a pedido do Ministério Público Estadual. No bojo da auditoria,
tomou conhecimento da existência de uma verba a fundo perdido, doada pelo
Ministério da Saúde, no montante de R$ 1.500.000,00, a qual foi utilizada pela
Associação Hospitalar de Bauru, sendo R$ 500.000,00 para o pagamento de dívidas
com terceiros (fornecedores) e com funcionários do próprio hospital, e R$ 1.000.000,00
na compra de equipamentos provenientes da empresa Cardiosul Comercial Limitada.
A auditoria concluiu serem os equipamentos comprados da Cardiosul, em sua
maioria, 'de segunda mão'. Alguns equipamentos vieram desviados de outros
hospitais públicos (Rio de Janeiro e de Niterói, por exemplo), nos quais até
14
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mesmo constava a etiqueta de manutenção do hospital de origem. Um
microscópio, cuja nota fiscal mencionava fabricação japonesa, na verdade havia
sido fabricado no México. Dos cinco aparelhos respiradores artificiais Mark IV,
somente dois funcionaram, graças à adaptação de peças dos outros
respiradores, feitas pelos médicos da Associação. A grande maioria dos
equipamentos estava nesta situação. Quem adquiriu os equipamentos foi a
associação Hospitalar por meio de procedimento licitatório (pesquisa de preços).
Dentro da função do depoente encontra-se a de fazer averiguações em
estabelecimentos hospitalares”. (grifo nosso)
Em reforço ao até aqui exposto, faz-se mister trazer à baila alguns
excertos do Relatório de Auditoria Contábil e Fiscal confeccionado pela Diretoria Regional
de Saúde de Bauru – DIR X (fls. 413/431 – volume II):
“(...) Análise da operação realizada com a Cardiosul Comercial Ltda.: (...)
Os fatos, os quais obviam a irregularidade dessa operação, abordados na
documentação do Fisco de Santa Catarina, são os diante alinhados: a) As notas fiscais
de nºs 034 e 035, emitidas em 04.01.95, nos valores de R$ 718.798,00 e R$ 220.932,00,
respectivamente, não estavam registradas no Livro de Registro de Saídas da Cardiosul
Comercial Ltda., no mês de janeiro de 1995; b) No mês de dezembro de 1994,
constavam como anuladas as notas fiscais de nºs 031 a 037, não se encontrando no
talão as vias originais das notas fiscais 034 e 035; salta aos olhos um grande paradoxo,
pois se estas notas tornaram-se nulas em dezembro de 1994, não poderiam ser
utilizadas em 04.01.95; c) Foram encontradas apenas cópias reprográficas das notas
fiscais 034 e 035, que consignavam venda de equipamentos para a AHB, nos valores
acima descritos; d) O total das compras efetuadas pela Cardiosul Comercial
Ltda., desde o início de suas atividades, abril de 1994 até 31.03.95, pasmem,
foi de R$ 55.275,95 (5,8 % da soma das vendas à AHB). Em tese, este
faturamento efetuado pela Cardiosul Comercial Ltda., para a AHB estaria
forjado, pois é impraticável, atualmente, uma transação comercial nesses
parâmetros ou seja, comprar por R$ 55.275,95 e vender por R$ 939.730,00,
gerando uma margem de lucro aproximada de 1.600 %. Outros fatores que
reforçam essa tese, são os delineados a seguir: - dos 37 (trinta e sete) itens
enumerados nas notas fiscais 034 e 035, somente 3 (três) deles citam marcas e modelos
dos equipamentos, conforme proposta de preço daquela empresa, sendo omitidas essas
especificações nos demais itens; - o ofício CT/GAB/DP-0059/95 (vide doc. fls. 250/252)
enviado em 01.06.95, 5 (cinco) meses após a operação realizada, enumera 18 (dezoito)
irregularidades citados pelo Diretor Presidente da AHB, denunciando tardiamente,
entendemos, que certos equipamentos não foram recebidos, alguns eram usados,
outros continham defeitos ou estavam incompletos; até equipamentos não solicitados e
não figurantes nas notas fiscais aqui aportaram, segundo denunciamos linhas atrás...”
(grifo nosso)
Por fim, aludido Relatório aponta, ainda, que:
“(...) Em razão dos fatos expostos, somados aos que alinharemos avante, intuímos ter
sido planejada ou, mesmo, premeditada aquela transação, para uso indevido de
recursos provenientes de “fundo perdido” do Ministério da Saúde, como noticia a Ata
nº 262, da reunião realizada pela AHB em 29.12.94 (…) Tomando-se em linha de conta
que as ocorrências dissertadas configuram operação irregular, pois o fornecedor é
irregular e o levantamento de preços foi irregular, tipificando “superfaturamento”(...) é
censurável a postura da Diretoria da AHB, ao recorrer a fornecedor do Estado
de Santa Catarina para “adquirir/pagar equipamentos médico-hospitalares,
repetimos, com defeitos, usados, incompletos e, até, não encomendados”.
Grande parte dos recursos aplicados nessas aquisições poderiam ser
economizados, se os melhores propósitos e o bom-senso presidissem a ação da
Diretoria da AHB, pois, como informou a mesma (item 2 – docs. fls. 130 e 185),
os hospitais sob sua gestão encontram-se carentes de meios para serem
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reequipados, aliás isso é imperioso, apesar de ignorado nos procedimentos da
Diretoria...”. (grifo nosso)
Vê-se,
portanto,
que
apesar
do
vultoso
valor
(quase R$ 1.000.000,00 – um milhão de reais) do contrato firmado entre a Cardiosul
Comercial Ltda. e a AHB, os equipamentos que foram entregues não estavam em
consonância com o montante que foi gasto, uma vez que irregularidades gravíssimas foram
encontradas, tais como equipamentos pagos e não recebidos, equipamentos com defeito,
equipamentos de “segunda mão”, equipamentos usados, entre outras.
Mas não é só.
Além da simulação de licitação e das irregularidades encontradas
nos equipamentos hospitalares, descobriu-se também a existência de superfaturamento,
conforme dessome-se das constatações do Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde
(fls. 397/410 – volume II) e da Diretoria Regional de Saúde de Bauru – DIR X
(fls. 413/431 – volume II).
João Viana de Albuquerque, fiscal de tributos, relatou que encontrou
irregularidades nos livros da Cardiosul Comercial Ltda. (fls. 255/256 – volume I):
“(…) Que não conhece os co-denunciados; que se lembra de alguns detalhes da
fiscalização que realizou, em razão de lhe ser lida a denúncia na presente audiência;
que na Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina foram recebidos
documentos remetidos pela Polícia Federal; que por envolver questões fiscais o
depoente, na época Fiscal de Tributos Estaduais, foi designado para efetuar
fiscalização na empresa; que dentre os documentos enviados pela Polícia Federal
estavam cópias de notas fiscais originais que haviam sido apreendidas no Hospital em
São Paulo; que o depoente se deslocou para a empresa nominada na denúncia e lá
constatou que nas demais vias do bloco onde haviam sido extraídas as notas
não apresentavam o mesmo valor da primeira via, cuja fotocópia havia sido
remetida pela Polícia Federal; que examinando o livro de inventário de 1994 para
1995 constatou que parte do material que estava relacionado nas primeiras vias
cujas cópias haviam sido remetidas pela Polícia Federal não constava no
referido livro e também não foram apresentadas notas de entrada, referentes a
essas mercadorias; que em razão disto o depoente cumpriu as formalidades fiscais
pertinentes no que se refere a início de fiscalização, emissão do lançamento/notificação
e termo de encerramento de fiscalização...” (grifo nosso)
Nesse diapasão, faz-se mister trazer à colação as principais
constatações do Relatório Fiscal (fls. 411/412 – volume II):
“As Notas Fiscais de nº 34 e 35 com data de emissão em 04.01.95, com os valores de
R$ 718.798,00 e R$ 220.932,00, respectivamente, consignando como destinatária a
Associação Hospitalar de Bauru sito à Rua Monsenhor Claro 88 – Bauru-SP,
apresentaram as seguintes irregularidades:
1-Não estavam registradas no Livro de Registros de Saídas no mês de Janeiro
de 1995 (Livro 1 Fl. 17)
2-No mês de dezembro de 1994 constaram como anuladas as Notas Fiscais de
nº 31 a 37. Além dos lançamentos não obedecerem a sequência numérica, também
não poderiam as Notas Fiscais de nº 34 e 35 constarem como anuladas por
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falta das respectivas “vias” (art. 8º do Anexo III do RICMS/SC, aprovado pelo Dec.
3017 de 28.02.89).
3-As vias destas Notas Fiscais não foram encontradas, tornando-se, portanto, irregular
a anulação das mesmas;
4-Foram encontradas cópias (xerox) destas citadas notas fiscais na empresa e nas
quais consignavam a venda para a Associação Hospitalar de Bauru e cujos
valores já foram acima discriminados.
5-Verificamos que a empresa não efetuou compras significativas desde o início de suas
atividades (abril/94) até 31.01.95. O total das compras no período supra citado foi
de R$ 55.275,95.
6-Há indícios de superfaturamento na venda efetivada através das Notas
Fiscais nº 34 e 35, pois na Nota Fiscal de nº 23 de 24.05.95 a empresa vendeu
DESFIBRILADOR MODELO D-10 MARCA TEB por R$ 1.250,00 enquanto na NF
nº 34, item 02 (em 04.01.95) o preço do mesmo aparelho é R$ 5.620,00”.
(grifo nosso)
Ante tal quadro, vale lembrar que o próprio contador da Cardiosul
Comercial Ltda., José Carlos da Silva, confirmou as irregularidades concernentes às notas
fiscais (nºs 034 e 035) emitidas pela empresa de Jonas Florêncio da Rocha (fls. 165/167 –
volume I):
“(...) Informa que pela sua experiência, conhecimento de contabilidade e pelo
que tomou conhecimento neste ato, com certeza os materiais descritos nas
Notas nunca existiram, mesmo porque é impossível tais produtos passar por 05 ou 06
postos de fiscalização de Florianópolis/SC até São Paulo e não parar em nenhum, além
da falta do Conhecimento do Frete, além do que não foram contabilizadas as Notas
porque não foram enviadas ao escritório do declarante...” (grifo nosso)
Destaque-se, nesse ponto, que a Polícia Federal realizou perícia nas
notas fiscais/equipamentos hospitalares que foram entregues pela Cardiosul Comercial
Ltda. (fls. 222/240 – volume I), sendo que o resultado corroborou a existência de
superfaturamento, confira-se:
NOTA FISCAL Nº 034
item quant DESCRIÇÃO
Preço unitário
(PERÍCIA)
Preço unitário
(CARDIOSUL)
01
20
Monitor cardíaco Mod. 10 TEB
1.970,00
2.740,00
02
05
Desfibrilador cardíaco Mod. D10 TEB
4.100,00
5.620,00
03
05
Eletrocardiógrafo QRS 1
2.700,00
3.850,00
04
01
Gerador de Radiofrequência
15.400,00
126.300,00
05
01
Polígrafo para hemodinânica
35.300,00
197.400,00
06
05
Respirador para UTI
12.000,00
13.780,00
07
02
Aparelho de anestesia
13.321,00
14.810,00
08
05
Oxímetro de pulso
4.700,00
9.500,00
09
02
Capinógrafo
16.600,00
15.350,00
17
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Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
10
01
Bisturi elétrico
6.420,00
2.800,00
11
03
Hemoglobinômetro
2.216,00
14.240,00
12
06
Hemogenizador de sangue
400,00
292,00
13
10
Suporte de hemossedimentação
350,00
390,00
14
02
Especto fotômetro
4.513,00
4.900,00
15
03
Estufa bacteriológica
770,00
940,00
16
02
Agitadores
1.120,00
513,00
17
02
PH metro
701,00
867,00
18
02
Contador de leucócitos
320,00
350,00
19
02
Centrífuga
1.100,00
1.450,00
20
02
Estufa n. 2
700,00
900,00
21
02
Microscópico nikon
2.100,00
4.100,00
22
02
Dosador
1.550,00
1.655,00
23
03
Estufa bacteriológica n. 2
750,00
980,00
24
02
Estufa de secar e esterelizar
750,00
980,00
25
01
Microscópio de fluorescente
14.500,00
19.986,00
26
04
Centrífuga 16 tubos
2.420,00
1.970,00
NOTA FISCAL Nº 035
27
02
Desintômetro para eletroforoese
2.800,00
3.550,00
28
02
Aparelho de gasometria
13.700,00
14.850,00
29
01
Autoclave 30 L
1.560,00
1.980,00
30
01
Destilador de água
889,00
897,00
31
01
Deionizador 1.800
516,00
891,00
32
02
Cuba de eletroforese
720,00
830,00
33
01
Bilirrubinômetro
---------
25.250,00
34
01
Medidor de gluconato
---------
18.300,00
35
01
Fotômetro de leitura
---------
14.634,00
36
01
T-540 coulter canter
10.800,00
23.260,00
37
01
RA-XT automatização em bioquímica
22.400,00
97.260,00
Da análise do laudo pericial, depreende-se que o valor dos
equipamentos vendidos pela Cardiosul Comercial Ltda. à AHB, caso tivessem sido
aplicados os preços de mercado, totalizaria R$ 413.467,00 (quatrocentos e treze mil,
quatrocentos e sessenta e sete reais). Cumpre consignar, por pertinente, que o valor que
consta no laudo é R$ 451.317,00 (quatrocentos e cinquenta e um mil, trezentos e dezessete
reais), no entanto, é imperioso subtrair os valores relativos as notas fiscais nº 731, 27537 e
29607 (R$ 37.850,00 – trinta e sete mil, oitocentos e cinquenta reais), pois elas não
pertencem à Cardiosul Comercial Ltda.
18
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Assim, comparando-se o valor do contrato (R$ 939.730,00) com o
valor que seria devido (R$ 413.467,00), verifica-se o valor do superfaturamento, qual seja,
R$ 526.263,00 (quinhentos e vinte e seis mil, duzentos e sessenta e três reais).
Causa espécie o prejuízo que os réus causam ao erário e, por
conseguinte, ao Sistema Único de Saúde (SUS), visto que o valor do “negócio”
(R$ 939.730,00) é suficiente para comprar o dobro dos equipamentos (R$ 826.934,00) que
constam nas notas fiscais nº 34 e nº 35, sendo que ainda sobraria R$ 112.796,00
(cento e doze mil, setecentos e noventa e seis reais).
Repise-se que o superfaturamento é espantoso (quase todos os itens
estão superfaturados). É possível citar, como exemplo, o item 04 da nota fiscal nº 034
(Gerador de Radiofrequência), avaliado em R$ 15.400,00 (fl. 239 – volume I) e vendido
por R$ 126.300,00 (fl. 237 – volume I), ou seja, daria para ter comprado 08 (oito)
Geradores de Radiofrequência e ainda sobraria R$ 3.100,00 (três mil e cem reais - o
superfaturamento foi superior a 800 %).
Frise-se, por pertinente, que o laudo foi produzido tendo como base
o valor de equipamentos novos, sendo certo, todavia, que os valores que realmente seriam
devidos não podem ter como parâmetro o preço de equipamentos novos, uma vez que os
produtos que foram entregues são usados e de “segunda mão”.
De outra banda, vale repisar o trecho do Relatório do Ministério da
Saúde/Fundo Nacional de Saúde, cujo teor confirma o total descaso com o dinheiro
público, a intenção clara de enriquecimento ilícito e a vontade inequívoca de burlar a lei
(fl. 408 – volume II):
“(...) A ASSOCIAÇÃO DESCUMPRIU CLÁUSULAS DO CONVÊNIO E LEGISLAÇÕES
ESPECÍFICAS PARA TAL QUANDO:
2.-não abriu conta específica para movimentar os recursos oriundos do Convênio com o
FNS/MS, segundo observamos nos extratos bancários;
-não colocou, no momento da entrega dos equipamentos, profissional habilitado a
realizar identificação e avaliação dos mesmos...”
Com efeito, de acordo com a cláusula quarta do contrato
(fls. 344/351 – volume II), os recursos provenientes do convênio nº 1702/94 deveriam ter
sido movimentados em uma conta específica. Ocorre que os recursos foram depositados
em uma conta geral da AHB (Agência 0037-0 – Conta Corrente nº 4.470-9 – Banco do
Brasil S.A), criada para administrar todos os valores oriundos do SUS
(fls. 401 e 410 – volume II), o que dificulta a fiscalização da utilização/destinação das
verbas do convênio.
Registre-se, outrossim, que Jospeh Georges Saab demorou muito
para conferir/determinar a conferência dos equipamentos que foram entregues pela
Cardiosul Comercial Ltda. As caixas permaneceram fechadas durante vários meses, sob
o argumento de que estavam aguardando a chegada dos técnicos da empresa vendedora
(fl. 08 – verso; 262/264 – volume I).
19
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Wladimir da Costa, gerente de serviços gerais da AHB,
disse que (fls. 262/263 – volume I):
“(...) Com relação a equipamentos, está inserido na incumbência do depoente organizar
o recebimento de equipamentos novos, conferi-los e destiná-los ao setor cabível no
hospital. Foi o depoente quem, pessoalmente, conferiu os equipamentos adquiridos da
empresa Cardiosul Comercial Limitada. Esclarece que os equipamentos ficaram
embalados por meses, pois aguardavam a vinda de técnicos da empresa
vendedora, a fim de abrir as embalagens. Em face da demora, e considerando a
necessidade do hospital na utilização dos equipamentos adquiridos, abriram as
embalagens e, ao fazê-lo, constataram divergências com a descrição constante
das notas fiscais (…) Há doze anos trabalha na AHB, e nunca teve
conhecimento de fato semelhante...”
Rodolfo de Barros Muller, chefe de patrimônio da AHB,
aduziu que (fl. 264 – volume I):
“(...) O depoente era chefe de patrimônio quando foram adquiridos os equipamentos da
empresa Cardiosul. Não sabe quem comprou os equipamentos. Os equipamentos
ficaram encaixotados por cerca de quatro meses, no aguardo da vinda de
técnicos, enviados pela empresa vendedora, os quais seriam responsáveis pela
conferência dos equipamentos, quando da abertura das embalagens. Passados
quatro meses, e ante a necessidade de utilização dos equipamentos, o gerente do
depoente, Sr. Wladimir da Costa, autorizou a abertura das caixas, para inicial
conferência e posterior utilização das máquinas. O depoente participou da abertura e
conferência dos equipamentos. De pronto, foram percebidas divergências, tais
como falta de acessórios, bem como alguns tinham a aparência de usados...”
A cronologia dos fatos por si só revela os atos de improbidade
administrativa/crimes praticados pelos co-réus: A proposta da Cardiosul Comercial Ltda.
foi enviada à AHB em 03/01/1995 (fls. 192/197 – volume I), as notas fiscais
(relativas aos equipamentos comprados pela AHB) foram emitidas em 04/01/1995
(fls. 198/199 – volume I), o pagamento (antecipado) foi feito em 05/01/1995
(fls. 217/218 – volume I) e as mercadorias foram entregues em 31/03/1995
(quase 3 meses após o pagamento – fls. 198/199 – volume I).
Tal modus operandi não está em consonância com o interesse
público, muito pelo contrário, satisfaz somente os interesses ilícitos dos co-réus. É óbvio
que um negócio envolvendo quase R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) não pode ser
fechado do dia pra noite, sem as cautelas e exigências legais, notadamente quanto ao
procedimento licitatório.
Ora, se os co-réus se uniram para buscar o enriquecimento ilícito, é
evidente que nenhum técnico da empresa Cardiosul Comercial Ltda se deslocaria de
Santa Catarina/SC (sede da empresa) até Bauru/SP apenas para fazer a conferência dos
equipamentos.
O argumento teve como objetivo ganhar tempo e ocultar as
atividades ilícitas, por isso Joseph Georges Saab “não colocou, no momento da entrega
dos equipamentos, profissional habilitado a realizar identificação e avaliação dos
mesmos” (fl. 408 – volume II).
20
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De outro giro, no que tange à autoria, é de clareza solar a
responsabilidade de Joseph Georges Saab e Jonas Florêncio da Rocha pelos fatos
criminosos/ímprobos que lhes são imputados, eis que em unidade de desígnios e identidade
de propósitos, livre e conscientemente, uniram-se para buscar o enriquecimento ilícito às
custas dos cofres públicos.
Joseph Georges Saab, ao ser interrogado em juízo, prestou as
seguintes informações (fls. 247/248 – volume I):
“(...) O interrogado não tem tido mais contato com o co-denunciado Jonas, tendo o visto
pela última vez quando entregou o cheque relativo aos aparelhos, em torno de janeiro
de 1995. (…) Na ocasião, Mauro Almeida Rocha, quem assumiu a vicepresidência, procurou o interrogado e esclareceu que havia um emissário do
Ministério da Saúde que estaria oferecendo ao hospital a quantia de um milhão
e meio de reais, a fundo perdido. A condição desta entrega seria que deveria o
hospital comprar um milhão de reais em aparelhos e o restante seria utilizado no
custeio de remédios. Foi esclarecido que o hospital não tinha que fazer nada,
apenas fornecer o nome dos aparelhos necessários que estes viriam do
Ministério da Saúde. Diante dessas informações, o interrogado convocou a reunião
da diretoria, no dia seguinte expondo a questão sendo que na reunião, a diretoria
aprovou por 9 a 3 a autorização para a aquisição dos aparelhos (…) Os aparelhos
requeridos chegaram dia 02 ou 03 de janeiro de 1995. Não sabe dizer quem trouxe os
aparelhos. Quando os aparelhos chegaram, foram emitidos dois cheques,
totalizando aproximadamente um milhão de reais, em favor da empresa
Cardiosul, empresa que constava nas notas fiscais relativa aos aparelhos. Os
aparelhos permaneceram nas caixas lacradas até a vinda dos técnicos, pois se
abertos antes, perderiam a garantia. Demorou para que todos fossem abertos
em torno de 90 dias. Os aparelhos estão sendo utilizados até hoje no hospital.
Quando o interrogado foi fazer os cheques mencionados, constatou que tinha
vindo uma tomada de preços, com vários orçamentos e o menor valor era da
Cardiosul. O responsável pela tomada de preços era o vice-presidente, Mauro
Almeida Rocha. Todos os aparelhos recebidos eram novos. A única falta que o
interrogado deu conta foi de um cabo, que foi entregue posteriormente. (…)
Não sabe dizer sobre a alegação de superfaturamento, já que, como dito, tal atribuição
não é da alçada do interrogado...”
As declarações de Joseph Georges Saab podem ser resumidas com
uma única palavra: pantomima.
Inicialmente, cumpre relembrar alguns aspectos importantes no que
diz respeito ao “negócio” celebrado entre a Cardiosul Comercial Ltda. e a AHB, tendo em
vista as seguintes afirmações: “Quando os aparelhos chegaram, foram emitidos dois
cheques (…) os aparelhos permaneceram nas caixas lacradas até a vinda dos técnicos
(…) constatou que tinha vindo uma tomada de preços, com vários orçamentos e o menor
valor era da Cardiosul (…) Todos os aparelhos recebidos eram novos. A única falta que o
interrogado deu conta foi de um cabo, que foi entregue posteriormente”.
Como já foi dito alhures, o pagamento foi realizado
antecipadamente, ou seja, em 05/01/1995 (fls. 217/218 – volume I), sendo que os
equipamentos só foram entregues em 31/03/1995 (fls. 196/197 – volume I).
acompanhado
a
Em relação aos aparelhos, técnicos habilitados deveriam ter
entrega, no entanto, sob o frágil argumento de que
21
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“se abertos antes, perderiam a garantia”, as caixas só foram abertas após
aproximadamente 90 dias.
Tal omissão, como bem exposto pelo Ministério da Saúde/Fundo
Nacional de Saúde, “descumpriu cláusulas do convênio e legislação específica”
(fl. 408 – volume II). Enfatize-se, nesse ponto, que, ao contrário do que disse o
ex-presidente da AHB (caixas abertas pelos técnicos da Cardiosul Comercial Ltda.), foram
os próprios funcionários (Wladimir da Costa e Rodolfo de Barros Muller - fls. 262/264 –
volume I) da associação que tiveram a iniciativa de abrir as caixas.
Quanto à existência de tomada de preços, modalidade de licitação, é
despiciendo tecer maiores comentários, tendo em vista as declarações fornecidas pelos
representantes das empresas (Naresh Kumar Vashis, Elmer Carvalho, Sérgio Augusto,
Antonio Augusto Lopes Pedro, Carlos Eduardo Lopes Pedro, João Adolfo Barbosa e
Miguel Antonio Della Rosa, respectivamente, às fls. 202, 259/261, 153/154, 155/156,
157/158, 159/160, 161/162 – volume I) que supostamente teriam participado do
procedimento licitatório, bem como as informações do Ministério da Saúde/Fundo
Nacional da Saúde (fls. 404/405 – volume II) e do Tribunal de Contas da União
(fl. 55 - volume I – vide item 5.3).
Registre-se que ainda que tivesse ocorrido “tomada de preço”,
haveria irregularidade, pois o art. 23, inciso II, alínea c, da Lei 8.666/93,
determina que para a realização de compras acima de R$ 650.000,00
(seiscentos e cinqüenta mil reais) deve ser adotada a “concorrência”.
No que tange à qualidade dos equipamentos, a maior parte das
mercadorias que foram fornecidas pela Cardiosul Comercial Ltda. apresentaram
irregularidades, tais como "pagos e não recebidos", "entregues com defeito",
"entregues e não constantes nas notas fiscais", "fora de especificação","equipamentos
usados", "equipamentos de segunda mão", "equipamentos com defeito", entre outras,
tais constatações são frutos de fiscalização/auditoria realizada pelo Ministério da
Saúde/Fundo Nacional de Saúde (fls. 397/410 – volume II) e pela Diretoria Regional de
Saúde de Bauru (fls. 413/431 – volume II).
Dito isso, observe-se que a defesa valeu-se, em síntese, de dois
argumentos. O primeiro teve como fundamento a ausência de responsabilidade em relação
à compra dos aparelhos hospitalares, pois segundo Joseph Georges Saab, o Ministério da
Saúde iria transferir R$ 1.500.000,00 para a AHB (uma espécie de doação) e como
contrapartida a Associação só teria que indicar os equipamentos que deveriam ser
comprados, não sendo necessário realizar licitação. O segundo consistiu em atribuir as
irregularidades a Mauro Almeida Rocha, vice-presidente da AHB à época dos fatos e já
falecido.
Tais assertivas encontram-se divorciadas da realidade, pois as provas
coligidas aos autos são claras quanto à responsabilidade de Joseph Georges Saab.
Todos os documentos usados para celebrar o convênio
com o Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde foram assinados por Joseph Georges
Saab, sendo assim, não há que se falar em ausência de responsabilidade, haja vista que é
22
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de conhecimento do homem médio que, ao assinar um documento, a leitura do seu teor é
medida que se impõe, uma vez que a assinatura servirá para demonstrar ciência e
concordância (fls. 325/328 e 344/351 – volume II).
Assim, após o término da instrução criminal, não se descortinou a
mínima evidência que sustentasse a versão dos requeridos, de que “havia um emissário do
Ministério da Saúde que estaria oferecendo ao hospital a quantia de um milhão e meio de
reais, a fundo perdido” (fls. 247/248 – volume I).
Das provas colhidas descortinou-se que não existiu nenhum
intermediário, tal pessoa só existiu na mente de Joseph Georges Saab e nas declarações
das pessoas que tentaram defendê-lo (fls. 290/297 e 311).
A tese é de uma fragilidade infantil, pois durante toda a instrução
criminal os requeridos e as testemunhas por eles arroladas não conseguiram indicar
qualquer diligência que pudesse levar à identificação e localização do suposto
intermediário.
De qualquer forma, a existência do suposto intermediário, acaso
admitida, em nada afasta a responsabilidade dos requeridos, mas ao contrário agrava, pois
diante do quadro relatado, contribuíram eles, de forma decisiva, para a malversação dos
recursos federais e, ainda, protegeram a identidade do hipotético mentor.
Anote-se,
por
pertinente,
que
o
plano
criminoso
(simulação de licitação e superfaturamento), ao que tudo indica foi engendrado até mesmo
antes do repasse dos recursos federais, pois Joseph Georges Saab, conforme já foi dito
alhures (item 5.1), chegou, inclusive, a falsificar documentos (certidões negativas de
tributos) para obter as verbas federais, o que demonstra premeditação e intenção
inequívoca de locupletar-se ilicitamente.
Consigne-se, por oportuno, que o prejuízo causado aos cofres
públicos só não foi maior porque o Ministério da Saúde não acolheu o pedido inicial de
Joseph Georges Saab (fl. 324 – volume II), qual seja, repassar à AHB R$ 3.600.000,00
(três milhões e seiscentos mil reais).
Realce-se que em nenhum momento o Ministério da Saúde/Fundo
Nacional de Saúde manifestou-se no sentido de realizar “doação” para a AHB, o que houve
foi repasse de verbas públicas, tendo como condição a estrita observância das cláusulas do
convênio e a comprovação de sua regular, eficaz eficiente aplicação, nos fins a que se
destinava.
Aliás, vale lembrar que no convênio firmado com o Ministério da
Saúde/Fundo Nacional de Saúde consta, na parte que fala sobre as obrigações do Executor,
o dever de realizar licitação, confira-se (fl. 346 – volume II):
“II – Do EXECUTOR – o EXECUTOR compromete-se a
(…)
2.9
- Promover as licitações para aquisição de materiais, de acordo com a
legislação específica”. (grifo nosso)
23
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Observe-se, outrossim, que embora Joseph Georges Saab tenha dito
que não teve participação em relação à escolha da Cardiosul Comercial Ltda., o seu
comparsa, Jonas Florêncio da Rocha, fez uma afirmação em sentido contrário, pois
asseverou que“como realizava trabalho naquela região foi fazer uma visita sem contudo
poder precisar a data, tendo ficado acertado interesse do dirigente do hospital a aquisição
dos equipamentos para implantação de um serviço moderno naquela cidade”.
Disse, ainda, que foi “apresentado pelo cardiologista do hospital de Bauru a JOSEPH
GEORGES SAAB” (fls. 219/221 – volume I).
Cumpre ressaltar, nesse trecho, que o próprio Joseph Georges Saab
admitiu a inexistência de “intermediário” e que, assim, o negócio com a Cardiosul
certamente fora realizado por ele mesmo, veja-se os argumentos esposados nos autos do
Processo nº 700.065/1997-0 12, Tomada de Contas promovida pelo Tribunal de Contas da
União (fls. 56 – volume I):
“(...) Argumento: de forma diversa da afirmação da existência de superfaturamento e
de que houve tão-somente uma cotação de preço, alega o recorrente ter procedido a
uma regular concorrência entre cinco empresas, e que a vencedora Cardiosul
apresentou o menor preço. Afirma, ainda, que as Notas de Empenho 94NEO7632 e
94NE07634 expressamente dispensam a licitação. 'Assim, o Sr. Administrador,
acusado, fora extremamente diligente em sua conduta, vez que, embora
dispensado legalmente de licitar, cotou o preço dos equipamentos entre 05 (cinco)
empresas e somente comprou da Cardiosul porque sujeitou-se a esperar a
aprovação do recurso financeiro e pelo fato de apresentar o menor preço, e
ainda, aceitar o pagamento após a entrega das mercadorias em que pese o
nome da Associação Hospitalar de Bauru constar na liste de inadimplentes do
Serasa' (…) Análise: o art. 116 da Lei 8.666/93 determina que aplicam-se as
disposições da Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros
instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. A
afirmação do Sr. Joseph de que realizou cotação em cinco empresas, o que não foi
comprovado, não afasta a sua responsabilidade pela não realização de licitação na
forma prevista pela Lei...” (grifo nosso)
A vontade de fazer prevalecer a impunidade é tão grande que
Joseph Georges Saab, tendo como objetivo fortalecer seus argumentos, valeu-se de
três testemunhas para confirmar suas teses.
Célio Parisi, advogado e promotor aposentado, ao ser inquirido em
juízo, aos 10/11/2008, afirmou que (fls. 290/293 – volume I):
“(…) Esclarece ter conhecimento que foi feita licitação para aquisição dos
equipamentos, mas essa licitação não foi realizada em Bauru/SP. Afirma que a
documentação necessária para aquisição dos equipamentos já veio pronta,
acreditando que foi encaminhada por Brasília/DF (…) Conhece o acusado Joseph
desde 1968 ou 1969 e pode dizer que trata-se de pessoa com reputação ilibada,
uma das mais ilibadas de todas as pessoas que conhece. Ele realiza trabalho
voluntário em prol da comunidade e aceitou a verba acreditando que tudo
estava correto...” (grifo nosso)
12
- Maiores considerações serão tecidas no item 5.3
24
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Zarcílio Rodrigues Barbosa, jornalista e professor universitário,
por seu turno, em depoimento prestado aos 10/11/2008, alegou que (fls. 294/297 – volume
I):
“(...) Houve a liberação da verba e a remessa de equipamentos ao Hospital de
Base de Bauru/SP pelo próprio Ministério da Saúde. Reafirma que a aquisição do
equipamento foi realizada pelo Ministério da Saúde. Não houve participação
alguma de qualquer integrante do corpo diretivo da Associação Hospitalar de Bauru/SP
para aquisição dos equipamentos com a verba obtida junto ao Ministério da Saúde (…)
Sabe que a Associação recebeu a documentação pronta de Brasília/DF para a
realização de licitação (...) Joseph Georges Saab é pequeno empresário de Bauru/SP,
que sempre ocupou importantes cargos na Maçonaria e sempre prestou relevantes
serviços voluntário à comunidade bauruense à frente da Associação Hospitalar
de Bauru/SP....” (grifo nosso)
Pedro Tobias, deputado estadual, em suas declarações, prestadas em
Juízo, aos 11/03/2009, informou que (fl. 311 – volume I):
“(...) Recorda-se de um grupo de pessoas vindo de Brasília para oferecer ao
Hospital, dois milhões de reais, de um fundo perdido, sendo que um milhão e meio
de reais seria para o Hospital e quinhentos mil reais para a compra de equipamentos.
Os equipamentos foram comprados, mas o acusado JOSEPH fez posteriormente uma
auditoria e constatou que houve superfaturamento na aquisição desse equipamentos
(…) Nada sabe que desabone o acusado JOSEPH, tratando-se de pessoa correta e
trabalhadora (…) Afirma que a aquisição dos equipamentos hospitalares foram
feitos pelo próprio grupo que veio de Brasília oferecer o dinheiro, de modo que
o superfaturamento teria sido de responsabilidade desse grupo de pessoas.
Afirma que ninguém vem trazer dinheiro de graça, acreditando que assim agiram para
ganhar comissão...” (grifo nosso)
Da leitura dos trechos dos depoimentos retrocitados, extrai-se que as
testemunhas envidaram esforços a fim de beneficiar, ilegalmente, Joseph Georges Saab,
visto que salta aos olhos, diante do fatos alinhavados anteriormente, que o responsável pela
aquisição fraudulenta dos produtos fornecidos pela Cardiosul Comercial Ltda. à AHB foi o
ex-Diretor-Presidente da AHB.
Aliás, da postura adotada por tais testemunhas, tem-se a presença,
em tese, de materialidade e de indícios de autoria, por parte deles, do crime de falso
testemunho, tipificado no art. 342, § 1º 13, do Código Penal.
Tal circunstância restou inclusive reconhecida, obter dictum, na
sentença condenatória proferida nos autos da respetiva ação penal nº 97.1306661-8. De
fato, ao analisar o teor do depoimento de Zarcílio Rodrigues Barbosa, disse o nobre
magistrado federal (fl. 685 – volume III):
“[...}
Ocorre que referido testemunho não possui amparo nas demais provas carreadas aos
autos, devendo inclusive, assim como os prestados às fls. 932/935, 936/939 e 977
13
- Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº
10.268, de 28.8.2001) Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. § 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço,
se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em
processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.(Redação
dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001)
25
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e verso, merecer detida análise por parte do Ministério público Federal para
apuração de possível aperfeiçoamento de conduta ao tipo do art. 342 do Código
Penal, o que, ao menos em tese, creio estar configurado
Certo é que referido elemento de prova não possui sustentáculo algum nas demais
provas produzidas durante a instrução, que são fortes, consistentes e congruentes no
sentido da prática de ações por parte de JOSEPH GEORGES SAAB e JONAS
FLORÊNCIO DA ROCHA que foram suficientes e aptas para fraudar licitação e para
utilizar verba da União de forma fraudulenta, em prejuízo à saúde pública.
[...]”
Anote-se que os depoimentos testemunhais “prestados às fls.
932/935 e 936/939 e 977”, referidos pelo magistrado federal, são justamente aqueles
testemunhos que foram dados por Célio Parisi, Reinaldo Silvestre Rocha e Pedro Tobias.
Ipso facto, este Órgão Ministerial está adotando as providências
cabíveis (instauração de procedimento criminal e representação criminal, tendo em vista o
foro por prerrogativa de função, relativamente ao parlamentar estadual – fls. XXX ...), pois
trata-se de crime contra a administração da justiça, cujo objetivo é o de prejudicar a
persecutio criminis.
Assim, diante da falta de argumentos convincentes, Joseph Georges
Saab tentou responsabilizar Mauro Almeida Rocha, o que não faz o menor sentido. A
propósito, vale transcrever as ponderações do MM. Juiz Federal Heraldo Garcia Vitta, na
sentença condenatória proferida nos autos do processo nº 97.130.6413-5 - 2ª Vara Federal
– Bauru (fls. 87/88- volume I):
“(...) Não se pode aceitar as declarações do réu, atribuindo a culpa ao
vice-presidente, Sr. Mauro Rocha, já falecido, como tendo sido ele a pessoa que
conduziu toda a negociação em torno da liberação da verba, pois do que consta da ata
de reunião, e da prova testemunhal, foi o Presidente, ora acusado, quem noticiou a
oferta daquela verba. As provas comprovam que ele na qualidade de Presidente
da Associação, foi quem convocou a reunião, exatamente para tratar desse
assunto, também assinou o requerimento do pedido de verba e a declaração de
que a associação não tinha débitos junto ao Tesouro Nacional ou outro órgão
federal e, finalmente, assinou o convênio...” (grifo nosso)
Realmente, como bem realçado pelo nobre magistrado federal, foi
Joseph Georges Saab que, aos 29/12/1994, convocou uma reunião com a Diretoria da
AHB para decidir se a Associação aceitaria ou não a “doação”. As declarações dos
membros da AHB retratam todo o empenho de Joseph Georges Saab para obter
os recursos do Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde, bem como as inverdades
que foram prolatadas visando à concretização de tal intento (fls. 205/207 e 210/215 –
volume I):
José Roberto Castilho (1º Secretário da AHB à época dos fatos)
“(...) QUE, quando da reunião da diretoria realizada aos 29.12.94, o Presidente expôs
a questão do oferecimento da doação a fundo perdido, o que só se conseguiria
através de um “lobista” junto ao Ministério da Saúde e mediante determinadas
condições, ou seja, a aquisição de material seria realizada pelo próprio
Ministério da Saúde e não pela ASSOCIAÇÃO (…) QUE, naquela reunião
manifestou ao lado dos demais diretores a sua preocupação quanto a
possibilidade de ocorrer irregularidades por ocasião da aquisição dos
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materiais, que constou na ata; QUE, embora desconhecendo o “lobista” é de seu
conhecimento tratar-se do mesmo que obteve em Brasília o título de Entidade
Filantrópica para a ASSOCIAÇÃO FILANTRÓPICA DE BAURU/SP, processo que há
anos vinha se arrastando e não se conseguia...” (grifo nosso)
Petrônio de Jesus (1º Tesoureiro da AHB à época dos fatos)
“(...) Que participou da reunião da Diretoria realizada em 29 de dezembro de 94
e na qual foi aprovado que a Associação aceitasse a doação de importância a
fundo perdido, do Ministério da Saúde, para aquisição de equipamentos, no
valor de um e meio milhão de reais e cujo processo de licitação para aquisição
de equipamentos, em sua maior parte, seriam realizados no âmbito do
Ministério da Saúde, ainda que figurando a Associação como compradora; Que todos
os diretores manifestaram preocupação com possível ocorrência de corrupção
nesse processo de licitação, lembrando que o ideal seria que a doação fosse em
dinheiro e ficasse por conta da Associação. entretanto apenas três Diretores votaram
contrariamente, tendo o declarante acompanhado o voto do diretor, Dr. Antônio Leal
Galesso, ou seja aprovou com ressalva; Que era de seu conhecimento que a Associação
possuía débitos previdenciários e fundiários, entretanto não acompanhou a
formalização do processo, encontrando-se a frente do negócio o Diretor
Presidente JOSEPH GEORGES SAAB e o diretor Primeiro Presidente MAURO DE
ALMEIDA ROCHA, hoje falecido (…) Que o processo referente ao empréstimo,
convênio ou doação permanecia em uma pasta de acesso restrito aos dois
diretores, Presidente e primeiro Vice...” (grifo nosso)
Maria Estela Bandeira (3ª Secretária da AHB à época dos fatos)
“ (…) Houve uma convocação da diretoria e foi colocado em votação uma proposta no
sentido de ser firmado um convênio com o Ministério da Saúde para obtenção de
determinada verba a fundo perdido, uma doação para aquisição de equipamentos e
custeio; QUE, a proposta foi feita pelos diretores Presidente, na época JOSEPH
GEORGES SAAB e 1º Vice Presidente MAURO DE ALMEIDA ROCHA; QUE, conforme
a exposição feita a diretoria teria sido abordada por um intermediário e a
licitação, para aquisição dos equipamentos, seria feita diretamente em
Brasília, havendo interesse de determinadas empresas; QUE, de um modo geral os
diretores manifestaram a sua preocupação com esse tipo de procedimento (…)
a declarante votou contra e isso porque era evidente que haviam
irregularidades no processo para obtenção da verba; QUE, aliás não foi dito que
já existiam processos em andamento e nem que o convênio estava sendo
firmado naquela mesma data; QUE, também não foi citado o nome do intermediário
que estaria providenciando a doação...” (grifo nosso)
Antônio Pádua Leal Galesso (4ª Secretário da AHB à época dos fatos)
“(...) A proposta foi apresentada na reunião da diretoria pelo diretor presidente
JOSEPH GEORGES SAAB e foi falado que havia uma proposta de doação que
partia diretamente do Ministério, sendo que a licitação seria feita diretamente
pelo Ministério; QUE, de um modo geral os diretores manifestaram a
preocupação com a possibilidade de eventuais irregularidades, entretanto o
declarante assim como a maioria dos diretores aprovaram a doação face a carência de
equipamentos existentes nos hospitais administrados pela ASSOCIAÇÃO...”
(grifo nosso)
José Fernando Casquel Monti (Diretor da AHB à época dos fatos)
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“(…) Que, no final de DEZEMBRO de 1994 participou de uma reunião da diretoria
na qual o então presidente da ASSOCIAÇÃO, JOSEPH GEORGES SAAB, também
o 1º Vice-presidente MAURO DE ALMEIDA ROCHA, comunicaram que havia
uma oferta de doação de determinada verba a fundo perdido por parte do
Ministério da Saúde e que deveria ser em sua maior parte utilizada na aquisição de
equipamentos, equipamentos que seriam adquiridos diretamente pelo Ministério
embora viesse a constar a ASSOCIAÇÃO como adquirente; QUE, essa proposta
tinha sido feita através de determinado escritório; QUE, diversos diretores
manifestaram a preocupação quanto a eventuais irregularidades, especialmente
o diretor REINALDO SILVESTRE ROCHA que citou o caso de um hospital de
Limeira/SP, que houvera adquirido, no governo COLLOR equipamentos superfaturados;
QUE, também o declarante se manifestou contrário a participação da ASSOCIAÇÃO
(…) QUE, a proposta foi aprovada pela maioria dos diretores, com os votos contrários
do declarante, REINALDO SILVESTRE ROCHA e MARIA ESTELA BANDEIRA
MOREIRA RUENDA (...) Que, gostaria de esclarecer que naquela reunião a
proposta foi apresentada não como fato consumado e sim como se fosse um
processo em andamento, sendo surpresa tomar conhecimento que o convênio
foi assinado na mesma data em que houve a reunião que aprovou o
recebimento da doação...” (grifo nosso)
Reinaldo Silvestre da Rocha (Diretor da AHB à época dos fatos)
“(...) Participou da reunião onde o principal assunto era a aceitação de uma
doação a fundo perdido feita pelo Ministério da Saúde; QUE, o assunto foi
apresentado pelo Diretor-Presidente JOSEPH GEORGES SAAB e detalhado pelo
então 1º Vice-Presidente MAURO DE ALMEIDA ROCHA, hoje falecido; QUE, foi dito
que a maior parte dos recursos deveriam ser utilizados na aquisição de
equipamentos, o que seria feito diretamente pelo Ministério da Saúde e
figurando a ASSOCIAÇÃO como adquirente; QUE, assim o declarante se propôs
a votar em primeiro lugar e o fez, votando contrariamente, inclusive expondo
caso análogo anterior onde ocorrera, com relação a uma entidade de Limeira
ou Sorocaba/SP, superfaturamento na aquisição de equipamentos (…) QUE,
naquela reunião não foi falado quanto a documentos nem quem seria o possível
intermediário entre a ASSOCIAÇÃO e o Ministério da Saúde, apenas foi dito
que este órgão se encarregaria de tudo....” (grifo nosso)
Telma Cristina de Freitas (Diretora da AHB à época dos fatos)
“(...) Não votou quanto a proposta de recebimento de determinada doação a fundo
perdido por parte do Ministério da Saúde, objeto da reunião citada; QUE, nessa
reunião o Presidente JOSEPH GEORGES SAAB expôs os fatos afirmando que
receberam uma proposta de doação, que seria um “pacote fechado”, estando já
definido o fornecedor, sendo formalizada a documentação no âmbito do
Ministério da Saúde (…) Que, quem expôs a proposta a diretoria foi o presidente
JOSEPH GEORGES SAAB...” (grifo nosso)
A reunião teve como objetivo, na verdade, assegurar o sucesso da
empreitada criminosa. Os membros da AHB foram ludibriados, Joseph Georges Saab
utilizou diversos engodos (doação a fundo perdido, existência de um intermediário,
licitação feita pelo Ministério da Saúde, documentação formalizada no âmbito do
Ministério da Saúde, entre outras) para mascarar sua real intenção, qual seja,
enriquecimento ilícito através da malversação das verbas federais repassadas pelo
Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde à AHB.
Nessa linha de raciocínio, faz-se mister trazer à colação trechos do
acórdão no qual a 5ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que por
unanimidade, negou provimento à apelação de Joseph Georges Saab, mantendo a
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condenação proferida em primeira instância (nos citados autos nº 97.130.6413-5), em razão
da falsificação de documentos para obtenção dos recursos provenientes do Ministério da
Saúde/Fundo Nacional de Saúde (fls. 567/576 – volume II):
“(...) O réu alega não ter agido com dolo, embora soubesse da inadimplência da
Associação Hospitalar de Bauru, e que desconhecia a falsidade dos documentos usados
para celebrar o convênio com o Fundo Nacional de Saúde. Em relação à assinatura
lançada na declaração ideologicamente falsa (fl. 384), argumenta que assinou sem
ler. Justifica o desconhecimento porque toda a documentação ter sido
fornecida por um escritório de Brasília, representado por um desconhecido que
somente teve contato com Mauro Rocha, então vice-presidente da Associação
Hospitalar de Bauru. A versão do réu não é verossímil.
(...)
Merece destaque a Ata n. 262 da reunião da Diretoria da Associação Hospitalar
de Bauru, realizada em 29.12.94, aprovada por unanimidade em 12.04.95 (fl. 138),
que demonstra, contrariamente ao alegado pelo réu, que ele teve participação
ativa nos trabalhos, conforme transcrição seguinte:
“Às 10:15 horas o Presidente Saab iniciou os trabalhos, determinando a leitura da
ata que foi aprovada por unanimidade. Informou que a convocação da reunião se
prende à oferta de doação de importância, a fundo perdido, do Ministério da
Saúde, destinada à aquisição de equipamentos. Explicou que da referida
importância, uma grande parte deveria necessariamente ser empregada na
compra de equipamentos, sendo que a licitação e aquisição será feita pelo
próprio Ministério, figurando no entanto, como compradora a Associação.
Todos os diretores se manifestaram no sentido de que o ideal seria que todo o
montante nos fosse entregue em dinheiro, com o processo de licitação realizado pela
Associação Hospitalar de Bauru. Com a informação do Presidente da impossibilidade do
atendimento da doação dessa forma, por haver interesse de empresas fornecedoras (...)
Doutor Reynaldo, citando exemplo do Hospital de Americana, que no governo Collor
acabou recebendo equipamentos super-faturados, manifestou-se contrário a
participação da Associação Hospitalar de Bauru nesse sistema. Os demais diretores
também manifestaram a preocupação da possibilidade de haver corrupção, manchando
o nome da Associação e afetando o conceito moral dos diretores, todos reconhecendo
porém, a necessidade premente de modernização do laboratório de análise, o que é
impossível de outra forma, face as sabidas dificuldades financeiras por que passa a
Associação. Colocado o assunto em votação (...) aprovada a aceitação da doação, por
maioria, com os votos contrários dos Diretores Fernando Casquel Monti, Reynaldo
Silvestre e Maria Estela Rueda (...).” (fls.136/137). As provas colhidas nos autos
demonstram os fatos delituosos imputados ao réu, consistentes no uso da certidão
negativa de débito do INSS falsa e do certificado de regularidade de situação do FGTS
falso na celebração de convênio com o Ministério da Saúde. Está também comprovada
a falsidade ideológica da declaração subscrita pelo réu usada com idêntica finalidade
(fls. 94 e 384).
(…)
O réu atribui ao então vice-presidente Mauro, falecido, o contato com a
suposta pessoa do Ministério da Saúde que intermediou a celebração do
convênio, razão pela qual o acusado desconheceria os documentos que seriam
necessários, limitando-se apenas a assiná-los. Porém, a alegação do apelante
não merece credibilidade. Não é crível que o réu, presidente da Associação
Hospitalar de Bauru, comerciante experiente, assinasse os documentos sem os
ler, ainda mais quando o negócio envolvia a vultosa quantia de R$ 1.500.000,00
(um milhão e quinhentos mil reais). Causa estranheza o fato de o réu não
indicar o nome ou qualquer outro elemento identificador da pessoa que
forneceu a documentação apresentada...” (grifo nosso)
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Por outro lado, verifica-se que os elementos probatórios amealhados
aos autos também são inequívocos no que toca à responsabilidade de Jonas Florêncio da
Rocha.
José Carlos da Silva, contador da empresa Cardiosul Comercial
Ltda., forneceu as seguintes informações (fls. 165/167 e 253/254 – volume I) :
“Que é contador, com escritório nesta capital; Que começou a fazer a escrita da
empresa CARDIOSUL desde seu início, em abril de 1994, data do registro do Contrato
Social; Que no Contrato, constam como sócios-gerentes JONAS e sua sobrinha
GISELA, quem procurou ao depoente para fazer a escrita da empresa; Que tem pleno
conhecimento que, de fato, quem administrava a empresa e detinha verdadeiro
poder de mando era o JONAS. Que GISELA era apenas uma empregada comum da
empresa, fazendo serviços gerais de secretaria e outros, tendo apenas cedido o seu
nome, por exigências legais para JONAS poder constituir uma sociedade por Quota de
Responsabilidade Limitada e não individual (...) Que sobre as irregularidades
apontadas na CARDIOSUL, ora tratadas, pode dizer que GISELA foi apenas
usada pelo seu tio, JONAS, nada tendo a ver com as mesmas; Que tomou
conhecimento dessas irregularidades através de uma revista; Que nada sabe sobre
processo de licitação da CARDIOSUL com a ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR DE
BAURU/SP...” (grifo nosso)
Gisela Rocha Daniel Martins, sobrinha de Jonas Florêncio da
Rocha e sócia da Cardiosul Comercial Ltda., confirmou que seu tio é o responsável pela
empresa (fl. 163 – volume I):
“Que não tem como prestar os esclarecimentos, porque na época, no período de
início de dezembro até final de janeiro do ano de 1995, afastou-se,
informalmente, da empresa para cuidar do seu casamento, que foi contraído no
dia 07-01-95 (…) Que mesmo no período em que exercia as suas atividades naquela
empresa, todos os serviços de gerência e administração eram exercidos por
JONAS FLORÊNCIO DA ROCHA e este apenas incluiu o nome da declarante no
Contrato Social como sócia para ter uma segunda pessoa, conforme exigência
da Junta Comercial; Que nunca recebeu nenhuma vantagem por isso, a exceção do
seu salário de secretária; Que, para ratificar estas informações, o próprio JONAS
deu à declarante uma Declaração por ele firmada, que oferece para juntada
(...)”.
Impende consignar, por oportuno, que além das provas testemunhais
mencionadas, há prova documental, pois Gisela Rocha Daniel Martins apresentou uma
declaração na qual Jonas Florêncio da Rocha assume toda a responsabilidade pela
administração da empresa Cardiosul Comercial Ltda. (fl. 164).
Percebe-se, dessa forma, que é nítida a responsabilidade deste
co-réu, pois na qualidade de proprietário da empresa Cardiosul Comercial Ltda., ele foi o
beneficiado pelo vultoso contrato (quase R$ 1.000.000,00 – um milhão de reais) celebrado
com a AHB.
Pontue-se que Jonas Florêncio da Rocha, assim como
Joseph Georges Saab, não mediu esforços para obter êxito na empreitada criminosa,
ajudando, inclusive, a simular a realização de licitação, é o que extrai-se do depoimento de
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Elmer Carvalho dos Santos (proprietário da empresa Neoequipo – fls. 259/261
– volume II), confira-se:
“Conheço o denunciado. Isso aconteceu em 1994. Eu era, assim como sou até hoje,
representante autorizado da TEB – Tecnologia eletrônica Brasileira. Além de
representante, presta também assistência técnica para aludida empresa. Conheci o
denunciado em um congresso de cardiologia em Florianópolis/SC. O denunciado veio
para Marília pra conhecer a maneira como minha empresa trabalhava; eu não estava.
Ele ligou para mim e pediu licença para utilizar papel e máquina de escrever
da minha empresa. Eu autorizei. Ele era um colega também representante da
TEB em Brasília e Florianópolis. Fiquei sabendo que o denunciado estava envolvido
em uma grande negociação para a venda de equipamentos para a Associação
Hospitalar de Bauru. Sei que ele ganhou uma licitação para fornecer equipamentos da
TEB, já que fui eu quem os instalou em Bauru. Sobre os fatos deduzidos na denúncia,
só soube pela imprensa. Eu ouvi falar que o denunciado desapareceu. É o que sei. Às
reperguntas do Ministério Público Federal: (...) O denunciado usou papel timbrado
e máquina da minha empresa Neoequipo para apresentar sua proposta no
processo de licitação. Na época não soube que era para esse fim que eu estava
cedendo os citados insumos; pensava que era um orçamento. Pelo que sei, o
denunciado apresentou a proposta como se tivesse sido preparada pela
Neoequipo. Tive ciência dos valores nela consignados e verifiquei que os valores
constantes da proposta, com efeito, estavam superfaturados”. (grifo nosso)
Jonas Florêncio da Rocha, durante interrogatório na Polícia
Federal, forneceu as seguintes informações (fls. 219/221 – volume I):
“Que ratifica o teor de sua declaração de 22.09.97 constante às fls. 130 do presente
apuratório, cuja cópia neste momento lhe é exibida, esclarecendo que presente,
GISELA ROCHA DANIEL não teve nenhuma participação (…) Estava participando de
um Congresso de Cardiologia em Porto Alegre/RS na função de expositor no estander
da Indústria TEB-Tecnologia Eletrônica Brasileira; QUE na ocasião atendeu e deu
explicações para um cardiologista de Bauru/SP, tendo posteriormente sido
informado que o mesmo exercia na época a função de Diretor Clínico do
hospital público de Bauru/SP; QUE aquele dirigente e outro médico seu amigo
manifestaram interesse na compra de vários equipamentos (…) tendo uma semana após
o congresso, recebido uma ligação telefônica daquele médico pedindo que lhe fosse
feita uma visita em caráter comercial ao referido hospital; Que como realizava trabalho
naquela região foi fazer a visita sem contudo poder precisar a data, tendo ficado
acertado interesse do dirigente do hospital a aquisição dos equipamentos para
implantação de um serviço moderno naquela cidade; Que as cartas convites foram
enviadas pelo hospital, via Sedex por dirigentes daquela casa de saúde não
sabendo precisar quem especificamente; Que forneceu integralmente os
materiais descritos nas notas fiscais 34 e 35 (..) Que não tem sequer conhecimento
de cancelamento de tais notas (…) Que os materiais comercializados foram
diretamente das indústrias para o Hospital de Bauru/SP (…) Que não tem
conhecimento de entrega de material usado; Que não houve o
superfaturamento dos materiais (…) Que na época o responsável do Escritório da
Cardiosul no Distrito Federal era o Sr. TANIO e CLÁUDIO RAEFF; Que não conhece
VAGNER AZARA, MAURO DE ALMEIDA e LUIZ TOMAZ DIONISIO, tendo sido
apresentado pelo cardiologista do hospital de Bauru a JOSEPH GEORGES
SAAB...” (grifo nosso)
As declarações estão repletas de incongruências. O co-réu afirmou
que seu vínculo com a AHB foi estabelecido por intermédio de um “cardiologista de
Bauru/SP”. Note-se que em todos os trechos nos quais há referência ao suposto cardiologia
nenhum nome é citado. Ora, se o co-réu conheceu tal pessoa em um Congresso e se
contatos posteriores foram realizados, é no mínimo estranho não conseguir identificá-la.
31
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Em relação ao envio de “cartas convites”, como já foi
ostensivamente exposto, não houve nenhuma espécie de certame no caso em tela. Frise-se,
nesse ponto, que novamente o co-réu valeu-se de expressões vagas para referir-se aos fatos
em comento, pois não soube informar quem enviou “as cartas convites” para sua empresa.
Averbe-se, novamente, que a vários dos equipamentos que foram
entregues pela Cardiosul Comercial Ltda. à AHB apresentaram diversas irregularidades
(fl. 265 – volume I e fls. 397/410 – volume II).
Os fatos expostos confirmam o plano criminoso elaborado pelos
co-réus. Inicialmente, Joseph Georges Saab tentou se eximir das suas responsabilidades,
para tanto, criou um álibi totalmente divorciado da realidade, no sentido de que a
celebração do convênio com o Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde ocorreu
através de um “intermediário”.
Buscou,
ainda,
passar
a
imagem
de
dirigente
zeloso/responsável através do envio de uma correspondência à Cardiosul Comercial Ltda.,
na qual deu-lhe simples ciência sobre as irregularidades constatadas nas notas fiscais da
empresa (fls. 168/170 – volume I).
Se Joseph Georges Saab realmente não estivesse envolvido nos
fatos que ensejaram esta ação, ele teria tomado providências efetivas a fim de proteger os
interesses da AHB e da sociedade, o que não foi feito. Saliente-se que os conselhos da
diretoria foram preteridos (possível ocorrência de fraudes/superfaturamento - fls. 205/207
e 210/215 – volume I) e a auditoria realizada na AHB pela Diretoria Regional de Saúde foi
fruto de solicitação do Ministério Público Estadual (fl. 413 – volume II).
Jonas Florêncio da Rocha, por sua vez, utilizou expressões vagas e
imprecisas para se referir aos fatos investigados, tendo como escopo dificultar as
investigações.
Diante dos elementos de convicção cabais que foram produzidos no
decorrer da apuração dos fatos, os co-réus mudaram suas estratégias de defesa.
Jonas Florêncio da Rocha desapareceu 14 e Joseph Georges Saab passou a culpá-lo pelas
irregularidades concernentes ao contrato firmado com a Cardiosul Comercial Ltda.
(fls. 487 – volume II).
Ante este triste quadro outra alternativa não restou ao Juiz Federal
titular da 1ª Vara em Bauru, senão condená-los, através da já citada sentença, aos
20/05/2010 – processo crime nº 97.1306661-8 (cópia às fls. 637/698 – volume III), nos
seguintes termos:
[…]
Por todo o exposto, tenho como comprovado à saciedade que JOSEPH GEORGES
SAAB e JONAS FLORÊNCI DA ROCHA, em unidade de ações e de propósitos,
fraudar licitação imprescindível à aquisição, junto à empresa Cardiosul
Comercial Ltda., de equipamentos hospitalares, que acabaram sendo
14
- Apesar de devidamente citado e intimado, não compareceu em juízo para se defender em relação à imputação que é
objeto do processo nº 97.130661-8 – 1ª Vara Federal – Bauru/SP – fls. 251 – volume I.
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adquiridos por preços supervalorizados, para a Associação Hospitalar de
Bauru, com utilização de verba pública proveniente do Ministério da Saúde.
Bem amoldadas as condutas, assim, ao tipo do art. 171, § 3°, c.c. o art. 29, ambos do
Código Penal, registro compreender que a fraude à licitação ocorreu como meio para a
prática da fraude à União, pelo que concluo de rigor a aplicação à espécie do
entendimento cristalizado na Súmula 17 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Dispositivo.
Ante o exposto, julgo procedente parte a denúncia, para condenar JOSEPH GEORGES
SAAB FLORÊNCIO DA ROCHA nas penas do art. 171, § 3°, do Código Penal. Na forma
preconizada pelo art. 68 do Código Penal procedo à dosimetria das penas.
Os réus possuem culpabilidade normal, tratam-se de pessoas formação educacional
correspondente á média nacional, possuem antecedentes indicativos de serem
detentores de personalidades e condutas sociais voltadas à pratica de ilícitos, ao
cometimento de fraudes.
As ações por eles perpetradas ocorreram por motivo ignóbil, a obtenção de recursos
mediante artifício fraudulento, prejudicial ao Erário e à saúde publica, como se infere
dos depoimentos prestados às fls. 676/677, 678 e verso e 679 e verso.
É de ser considerado o fato de as fraudes praticadas pelos réus terem importado a não
aquisição de equipamentos necessários ao funcionamento da hospital, e a compra de
equipamentos impróprios para uso, em inconteste prejuízo ao grande número de
pessoas humildes e doentes que se socorrem da Associação Hospitalar de Bauru.
A magnitude de prejuízo causado ao grande número de cidadãos que têm a Associação
Hospitalar de Bauru, conhecido como Hospital de Base de Bauru, maior
estabelecimento de saúde pública da região, demonstra a singularidade das ações
perpetradas pelos acusados, que também de forma específica e singular devem ser
sancionadas.
[…]
Diante de todo o exposto, fi a JOSEPH GEORGES SAAB condenado ao cumprimento da
pena de /5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão,/ em regime inicial
fechado, e ao pagamento de pena de multa equivalente a 181 (cento e oitenta e um)
dias multa, que deverão ser calculados à razão de um salário mínimo, por dia, vigente
ao tempo dos fatos.
Por todo o exposto, fica JONAS FLORÊNCIO DA ROCHA condenado ao cumprimento da
pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de
reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de pena pecuniária equivalente a
a 181 (cento e oitenta e um) dias multa, que deverão ser calculados à razão de um
salário mínimo, por dia, vigente à época dos fatos.
[...]
Além de todas essas provas (testemunhas, documentos e perícia),
há também decisão (com trânsito em julgado) do Tribunal de Contas da União, na qual os
co-réus foram condenados, solidariamente, a restituir ao erário os valores relativos ao
convênio 1.702/94, conforme será exposto no tópico a seguir.
5.3. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – PROCESSO Nº 700.065/1997-0
33
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O Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou Tomada de Contas
Especial “em virtude de irregularidades na execução do Convênio 1.702/94, celebrado
entre o Fundo Nacional de Saúde e a Associação Hospitalar de Bauru de Bauru/SP no
valor de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), sendo R$ 1.000.000,00
(um milhão de rais) para aquisição de equipamentos e materiais permanentes e
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para custeio” (fl. 52 – volume I).
Em 07/08/2003, os Ministros da 2ª Câmara do TCU, decidiram
(fl. 52 – volume I):
“9.1. Julgar irregulares as presentes contas e em débito o Sr. Joseph Georges Saab,
solidariamente com a empresa Cardiosul Comercial Ltda., pela quantia de
R$ 305.917,65 (trezentos e cinco mil novecentos e dezessete reais e sessenta e cinco
centavos), fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da notificação, para que
comprovem, perante o Tribunal, o recolhimento da dívida aos cofres do Fundo Nacional
de Saúde, acrescida da atualização monetária e dos juros de mora devidos, contados a
partir de 04.01.95 até a data do efetivo pagamento, nos termos da legislação em vigor.
9.2. Julgar em débito o Sr. Joseph Georges Saab pela quantia de R$ 800.506,00
(oitocentos mil e quinhentos e seis reais), fixando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, a
contar da notificação, para que comprove, perante o Tribunal, o recolhimento da dívida
aos cofres do Fundo Nacional de Saúde, acrescida da atualização monetária e dos juros
de mora devidos, contados a partir de 04.01.95 até a data do efetivo pagamento, nos
termos da legislação em vigor (acórdão nº 1.304/2003-TCU-2ª Câmara).”
O veredicto do Tribunal de Contas da União baseou-se nas seguintes
constatações (fls. 52/53 – volume I):
10.1. Responsáveis solidários: empresa Cardiosul Comercial Ltda e Sr. Jospeh Georges Saab
Ocorrência: irregularidades na aquisição de equipamentos da empresa Cardiosul (notas fiscais
34 e 35) realizada no âmbito do Convênio 1.702/94, celebrado entre o Ministério da Saúde/FNS
e a Associação Hospitalar de Bauru/SP, quais sejam:
Descrição
Valor original
Data de ocorrência
Equipamentos pagos,
mas não entregues
R$ 178.704,00
04/01/95
Superfaturamento de equipamentos
(itens 1,2, 6 e 8 constantes
das notas fiscais n. 34 e 35)
R$ 127.213,65
04/01/95
10.2. Responsável: Sr. Joseph Georges Saab.
Ocorrência: demais ilicitudes na execução do convênio supracitado, quais sejam:
Descrição
Valor original
Data de ocorrência
Equipamentos desnecessários ou
inadequados, adquiridos da empresa
Cardiosul (notas fiscais 34 e 35)
R$ 234.640,00
04/01/95
Equipamentos cujas marcas e/ou modelos
são incompatíveis com a proposta da
empresa Cardiosul (notas fiscais 34 e 35)
R$ 65.866,00
04/01/95
Não comprovação da regular aplicação
dos recursos destinados ao custeio, em
R$ 500.000,00
04/01/95
34
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Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
vista da impugnação integral da relação
de despesas de custeio apresentada pelo
responsável
Inconformado com a decisão, Joseph Georges Saab interpôs
recurso de reconsideração, o qual recebeu provimento parcial, veja-se
(fls. 53/58 – volume I):
“Conheço do recurso de reconsideração, por preencher os requisitos de admissibilidade
estabelecidos nos artigos 32, inciso I, e 33 da Lei 8.443/92 e no art. 285, parágrafo 2º,
do Regimento Interno.
(…)
As restrições levantadas pelo controle interno às notas fiscais 34 e 35, emitidas pela
Firma Cardiosul Comercial Ltda., em 4/1/95, não são apenas infrações tributárias,
como pretende fazer crer o recorrente. A Secretaria da Fazenda do Estado de Santa
Catarina informou (fls. 34/5 do volume principal) que o total das aquisições da
empresa, do início de suas atividades – abril/94 – até 31/01/95, foi de R$
55.275,95. As duas notas fiscais são, respectivamente, de R$ 718.798,00 e R$
220.932,00. Por simples comparação matemática e, também, considerando
princípios elementares de contabilidade, de que a empresa somente pode
fornecer materiais por ela adquiridos ou produzidos, fica patente a fraude na
emissão das notas fiscais. A irregularidade é reforçada por outra informação
prestada pela Secretaria de Fazenda do Estado de Santa Catarina: a nota fiscal de
número 23, da mesma empresa, foi emitida em 24/5/95, mais de cinco meses
após a emissão das notas fiscais 34 e 35, e nela o preço do desfibrilador
modelo D-10, marca TEB, é de R$ 1.250,00 ao passo que naquelas o preço do
mesmo produto é de R$ 5.620,00.
(…)
Com relação à aquisição de equipamentos não previstos no plano de trabalho ou
defeituosos, os elementos apresentados também não afastam as irregularidades e,
assim, nada há para corrigir na deliberação recorrida na parte referente a
equipamentos e material permanente.
Para as despesas de custeio, contudo, foram apresentados elementos que justificam a
modificação da deliberação recorrida. O interessado, mediante documentos idôneos,
conseguiu demonstrar a aplicação, no objeto do convênio, da importância de
R$ 474.464,82, restando débito de R$ 25.535,18.
Dessa forma, dou provimento parcial ao recurso de reconsideração, para alterar o valor
do débito constante no item 9.2 do Acórdão 1.304/2003-2ª Camâra, de R$ 800.506,00
(oitocentos mil e quinhentos reais e seis reais) para R$ 326.041,18 (trezentos e vinte e
seis mil, quarenta e um reais e dezoito centavos)...” (grifo nosso)
Foi interposto, ainda, recurso de embargos de declaração, todavia, a
condenação foi mantida (fl. 60 – volume I).
Joseph Georges Saab, em 31/01/2008, realizou o recolhimento do
débito relativo ao convênio nº 1.702/94 (fl. 67 e 70 – volume I):
35
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Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
“Após notificação ao Sr. Joseph Georges Saab (Diretor-Presidente, à época, da
Associação Hospitalar de Bauru) e à empresa Cardiosul Comercial Ltda, foi recolhido
aos cofres públicos o montante de R$ 4.146.127,76 15 em 31/01/2008.
Vale ressaltar que o pagamento foi efetuado pela Associação Hospitalar de
Bauru e não pelos responsáveis. Entretanto, em razão dessa associação ser pessoa
jurídica de direito privado (fls. 766 – vol. 9), entendo que nenhuma medida adicional
por parte deste Tribunal deve ser adotada...” (grifo nosso)
Por derradeiro, vale ressaltar que, embora o TCU tenha dado
quitação da dívida, os recursos usados para o pagamento foram obtidos de forma ilícita,
conforme será exposto no item 5.4
5.4. EMPRÉSTIMO EFETUADO JUNTO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF
Joseph Georges Saab, em 09/01/2008, em nome da Associação
Hospitalar de Bauru – AHB, celebrou contrato (nº 24.0290.610.0000011/01) de mútuo com
a Caixa Econômica Federal (fls. 511/517 – volume II), no valor de R$ 16.000.000,00
(dezesseis milhões de reais), tendo como objetivo pagar dívida pessoal, qual seja, a
condenação proferida pelo TCU, no montante de R$ 4.146.127,76 (quatro milhões, cento
e quarenta e seis mil, cento e vinte e sete reais e setenta e seis centavos).
Aqui vale interromper a narrativa para observar que o requerido
Joseph Georges Saab ou tem muita influência ou realmente tem especial habilidade para
enganar as pessoas, pois além de ter a seu favor o depoimento do Deputado Estadual Pedro
Tobias, que inclusive o qualificou, em depoimento, prestado aos 11/03/2009, como
“pessoa correta e trabalhadora”(fl. 311), ainda teve o “aval” do Secretário Estadual de
Saúde do Estado de São Paulo, Sr. Luiz Roberto Barradas Barata, que assinou, na
qualidade de interveniente/anuente, o contrato de mútuo celebrado com a Caixa Econômica
Federal, no valor de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais).
Pois bem, de acordo com o que consta no contrato, a finalidade do
negócio foi antecipar à AHB “o recebimento de recursos oriundos da prestação de
serviços ambulatoriais e/ou internações, ao SUS, a serem pagos pelo Ministério da
Saúde” (cláusula primeira - fl. 511 – volume II). Estabeleceu-se como garantia de
pagamento a “Cessão de Direitos Creditórios do SUS” (cláusula quarta - fl. 511 –
volume II).
Diante das informações fornecidas pelo TCU, este Órgão Ministerial
enviou ofício à AHB requisitando esclarecimentos (fl. 504 – volume II):
“Senhor Gestor,
1) Visando instruir os autos do procedimento em epígrafe, requisito-lhe, com
supedâneo no art. 8º, inciso II, da Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do
Ministério Público da União), seja informado se porventura foi realizada auditoria
visando averiguar a destinação dada pelo então administrador dessa instituição, Sr.
Joseph Georges Saab, aos recursos obtidos através de contrato de mútuo de dinheiro,
com a Caixa Econômica Federal, aos 09/01/2008, no valor de R$ 16.000.000,00.
- R$ 4.146.127,76 = R$ 305.917,65 (solidariamente) + R$ 326.041,18 (individualmente) + atualização
monetária e juros de mora a contar de 4/1/95
36
15
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Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
2) Requisito ainda seja informado se de tal recurso foi utilizado para quitar o valor de
R$ 4.146.127,76, referente à condenação do Sr. Joseph Georges Saab, pelo Tribunal de
Contas da União, no processo TC 700.065/1997-0, relativamente à malversação de
recursos federais recebidos por essa entidade, em razão do Convênio nº 1.702/1994,
celebrado com o Fundo Nacional de Saúde.
3) Fixo o prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, para seja atendido o quanto aqui
requisitado...”
Em resposta, a AHB enviou relatório (fls. 582/615 – volume II),
confeccionado pela Apply (empresa de auditoria), que concluiu pela existência de diversas
irregularidades no contrato ora analisado:
“3. CONCLUSÃO
De acordo com o objeto deste trabalho, os procedimentos propostos e com base nos
documentos apresentados pela ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR DE BAURU, verificamos
que o contrato nº 24.0290.610.0000011/01, firmado com a CEF em 09.01.2008,
no valor de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), não apresentou na sua
formalização o atendimento às disposições do Estatuto da entidade.”
(grifo nosso)
Tal conclusão baseou-se em diversas irregularidades, notadamente
na inobservância do Estatuto da AHB.
Com efeito, os arts. 27, 38 e 42 do aludido Estatuo, dispõem
(fl. 586 – volume II):
“Art. 27 – Compete ao Conselho Administrativo:
(…)
XIII – Autorizar a Diretoria Administrativa a praticar atos que importem em transigir,
renunciar, alienar, hipotecar ou onerar bens e contrair empréstimos de qualquer
natureza, sendo que, com referência a empréstimos bancários, necessários à
operacionalização da administração, a Diretoria Administrativa poderá fazê-los
livremente, na medida do necessário.
Art. 38 – As resoluções da Diretoria Administrativa serão consignadas em ata e
tomadas por maioria de votos dos membros presentes, votando o Presidente somente
em caso de empate.
Art. 42 - É vedada a Diretoria Administrativa assumir encargos econômicos, financeiros
ou quaisquer outras obrigações que se vençam após o término de seu mandato, salvo
quando autorizada pelo Conselho Administrativo.” (grifo nosso)
Vê-se, portanto, que a realização de empréstimo está condicionada à
aprovação do Conselho Administrativo, sendo que os encargos econômicos/financeiros não
podem ultrapassar o período de gestão do Presidente da Diretoria Administrativa (2 anos).
Ocorre que Joseph Georges Saab (mandato: 2008-2009),
sem consultar o Conselho Administrativo, celebrou contrato de mútuo com a
Caixa Econômica Federal, com prazo de pagamento de 60 meses (5 anos), tempo superior
ao seu mandato, em total desconformidade com o Estatuto da AHB, veja-se a constatação
dos auditores da Apply (fl. 587 – volume II):
37
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“(...) Não identificamos nas atas apresentadas do Conselho Administrativo,
autorização para a assinatura do referido empréstimo, haja visto, o prazo desse
ultrapassar o prazo de mandato dos membros da Diretoria Administrativa que
assinaram o referido contrato (…) Não nos foi apresentada Ata de reunião da
Diretoria Administrativa sobre a tomada da decisão de firmar o referido
contrato” (grifo nosso)
Outrossim,
imperioso observar
ao pagamento da dívida de Joseph Georges
(fls. 590/591 – volume II):
os dados concernentes
Saab junto ao TCU
“Da individualização dos pagamentos em cada instituição financeira
(…)
B) Para Banco do Brasil S/A cta 4470-9 ag 37-x
DIA
MÊS
HISTÓRICO NO EXTRATO DO BANCO
31
1
TED-Crédito em Conta
31
1
Pagtos Div Autorizados
DÉBITO – R$
CRÉDITO - R$
4.146.127,76
4.146.127,76
Comentário: Recurso utilizado para “recolhimento da GRU junto ao Ministério da Fazenda e
Secretaria do Tesouro Nacional em nome da Unidade favorecida: Diretoria Executiva do Fundo
Nacional de Saúde” - texto entre aspas constante da Autorização de débito em Conta Corrente
de 31 de janeiro de 2008, da qual está anexa a referida GRU e seu comprovante de pagamento
emitido pelo Banco do Brasil. Nessa GRU consta no campo “Número de Referência” a
indicação 70006519970, que corresponde ao número do processo junto ao Tribunal de Contas
da União (TC-700.065/1997-0), com as seguintes características, conforme cópia apresentada
no referido processo:
Responsáveis: Joseph Georges Saab (CPF nº 042.612.248-87) e empresa Cardiosul Comercial
Ltda.
Interessado: Fundação Nacional de Saúde.
Assunto: Tomada de Contas Especial instaurada em decorrência de irregularidades
detectadas na execução do Convênio nº 1.702/94. Acórdão nº 1.304/2003 – 2ª Câmara.”
Nessa perspectiva, verifica-se que Joseph Georges Saab, mais
uma vez, valeu-se de seu cargo na AHB para buscar benefícios pessoais, na medida em que
efetuou empréstimo junto à Caixa Econômica Federal, em nome da Associação Hospitalar
de Bauru, visando à quitação de dívida pessoal, gerada em razão de sua conduta delituosa,
reconhecida em sentença penal como estelionato, consistente na malversação de verbas
públicas federais repassadas pelo Ministério da Saúde.
As verbas públicas federais foram destinadas para uso em benefício
das atividades da AHB, contudo foi o requerido Joseph Georges Saab e o seu comparsa,
o outro requerido, Jonas Florêncio da Rocha, quem, pessoalmente, deram a destinação
ilícita e perpetraram a fraude na aplicação de tais recursos públicos, lesando o erário, logo,
somente eles é que têm responsabilidade pelo prejuízo e, portanto, deveriam ter ressarcido
o erário com seus patrimônios pessoais.
Mas, ao contrário, Joseph Georges Saab ainda conseguiu obter
recursos federais, em nome da AHB, em entidade bancária oficial da União, para quitar
38
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Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
débito pessoal perante o Tribunal de Contas da União, que o havia condenado justamente
por malversação dos recursos públicos repassados pelo Ministério da Saúde à AHB.
Note-se que também para tal pagamento perante o TCU, não havia
autorização do Conselho de Administração da entidade, mesmo porque, ainda que
houvesse, isto não conferiria foro de legalidade a tal procedimento, mas apenas, ampliaria
a responsabilidade por mais este desvio, para alcançar também os conselheiros que
tivessem autorizado tal pagamento.
Ademais, no referido contrato de mútuo, Joseph Georges Saab,
além de exorbitar os seus poderes de administração, conforme já exposto, obteve o recurso
almejado – R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) – mediante garantia que
outorgou à Caixa Econômica Federal a Cessão de Direitos Creditórios ... junto ao
Ministério da Saúde, em decorrência da prestação de serviço ao Sistema Único de Saúde
– SUS, representada pelo Termo de “Notificação de Cessão de Direitos Creditórios ...”,
conforme cláusula quarta (fl. 511 – volume II).
Ou seja, ao fim e ao cabo, utilizou-se ele de verbas federais,
repassadas pelo Ministério da Saúde, para custear serviços de saúde (procedimentos de
média e alta complexidade), prestados aos usuários do SUS, para pagar o
empréstimo/mútuo firmado pela AHB na CEF e, usou parte do valor do empréstimo para
quitar dívida pessoal, no valor de R$ 4.146.127,76, decorrente de condenação que lhe
impôs o Tribunal de Contas da União (fls. 590/591 – volume II).
5.5. IDENTIFICAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Portanto, realmente desalentadora a conduta perpetrada pelos coréus, principalmente os atos de Joseph Georges Saab, pois na condição de DiretorPresidente da AHB, competia-lhe zelar pela aplicação correta e efetiva dos recursos
federais repassados pelo Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde, que deveriam ter
sido usados para suprir as necessidades dos pacientes de Bauru e região, notadamente das
pessoas carentes, que não possuem condições financeiras de ter planos de saúde
particulares e só podem se valer do Sistema Único de Saúde – SUS.
Como é cediço, infelizmente, o SUS não possui uma boa estrutura.
Em algumas localidades há verdadeiro caos, pois faltam médicos especializados,
funcionários capacitados, medicamentos, equipamentos hospitalares e outros recursos
materiais/humanos indispensáveis para o fornecimento de um serviço de saúde eficiente.
Quase todos os dias os meios de comunicação apresentam notícias
ligadas as dificuldades de atendimento do SUS. A título de ilustração traz-se à colação
algumas informações divulgadas pela mídia concernentes à AHB, tendo em vista que até
pouco tempo ela possuía como Diretor-Presidente Joseph Georges Saab, responsável pela
malversação das verbas públicas repassadas à AHB pelo Ministério da Saúde/Fundo
Nacional de Saúde, veja-se:
15/05/2010 - Geral
39
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Semana de oração quer ajudar AHB
16
De 16 a 23 de maio, cristãos das mais diversas denominações incentivarão público a
angariar materiais para a entidade
Como acontece há um século no mundo, os cristãos das mais diversas denominações de
igreja vão se reunir em oração entre os dias 16 e 23 deste mês. Mas pela primeira vez,
a celebração ecumênica resultará num gesto concreto. Os participantes serão
convidados a contribuir com a Associação Hospitalar de Bauru (AHB), imersa numa
crise sem precedentes.
Há quase um mês e meio, a entidade gestora da Maternidade Santa Isabel e do
Hospital de Base suspendeu todas as cirurgias de pacientes que não corriam risco
iminente de morte por falta de materiais básicos. As operações foram retomadas, mas
podem ser suspensas novamente. Por essa razão, um dos objetivos da Semana de
Oração pela Unidade dos Cristãos é angariar materiais como copos descartáveis, papel
higiênico, guardanapo de papel, alimentos não perecíveis (arroz, feijão carioca, açúcar
e café), além de biscoito de cream creaker e maisena para enviar à ação...
Domingo, 07 de fevereiro de 2010
Fornecedores da AHB ameaçam parar tudo
Cancelamento de produtos a hospitais é planejado por falta de pagamento
17
Cansado de esperar, um grupo de fornecedores da AHB (Associação Hospitalar de
Bauru) se reúne há 15 dias e ameaça: vai parar de entregar produtos aos hospitais caso
não receba nada até o final deste mês, depois do repasse do SUS (Sistema Único de
Saúde), previsto para o dia 20...
01/12/2009 - Geral
Dívida da associação é de quase R$ 90 milhões
18
Segundo o interventor Fábio Teixeira, a dívida total da AHB está beirando os
R$ 90 milhões. “A dívida maior é com a Receita Federal e demos passos consistentes
em sua renegociação. Nos inscrevemos no Refis e pretendemos iniciar o pagamento.
Isso vai propiciar uma condição muito salutar de restabelecer nossa filantropia,
voltarmos a ter os benefícios fiscais que uma entidade filantrópica possui. Isso diminui
os nossos custos e essa redução nos propicia a usar essa verba na assistência”,
esclarece...
12/11/2009 - Cartas
AHB - vergonha nacional
19
Bauru foi notícia em nível nacional e internacional mais uma vez negativamente em
menos de duas semanas. Lamentável! Desta vez, assistindo à edição do Bom Dia Brasil
do dia 11/11/2009 (veiculado pela Rede Globo de Televisão em território nacional e
internacionalmente pela Globo Internacional), vejo a notícia de que médicos,
enfermeiras, pacientes e até vigilantes de plantão ajudaram a socorrer recém-nascidos
prematuros internados na UTI Neonatal da Maternidade Santa Isabel. Tudo isso
porque, pasmem cidadãos bauruenses, a unidade da Maternidade Santa Isabel não
conta com gerador de energia elétrica. Mais um absurdo de incompetência e má gestão
do dinheiro público por parte da AHB. Pensávamos nós que esta instituição de nome
AHB tinha chegado ao fundo do poço, mas a mesma chegou aos limites do inferno....
09/11/2009 - Geral
Vigilância Sanitária notificou Hospital de Base
20
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2010.php?codigo=183006
- http://www.redebomdia.com.br/Noticias/Política/11900/Fornecedores+da+AHB+ameacam+parar+tudo
18
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2009.php?codigo=171589
19
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2009.php?codigo=170178
20
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2009.php?codigo=169960
40
16
17
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
A Vigilância Sanitária de Bauru já havia notificado o Hospital de Base (HB) das
inconformidades encontradas pela fiscalização do órgão na instituição administrada
pela Associação Hospitalar de Bauru (AHB), investigada por desvio de verbas,
superfaturamento e cobranças indevidas de serviços...
08/11/2009 - Geral
AHB - cenário macabro da saúde
21
Técnica de enfermagem que trabalhou oito anos na Associação Hospitalar de Bauru
(AHB) e foi demitida porque teve a coragem de denunciar o descaso com a vida
humana revela ao JC, com exclusividade, o pano de fundo da baderna em que se tornou
o maior e mais público dos hospitais da região - o de Base, um teatro de horror que terá
de ser reconstruído urgentemente pela sociedade e autoridades. Leia a seguir o relato
detalhado de problemas sérios com assepsia e contaminação, falta de remédios,
irresponsabilidade com doentes nos leitos e nas UTIs, comida azeda, equipamentos
quebrados, negligência com pessoas à beira da morte, perseguição a funcionários,
improvisações perigosas, entre outras barbaridades....
02/11/2009 - Geral
Queixas eram constantes, diz Conselho
22
O coordenador do Conselho Municipal de Saúde, Marcos Rodrigues da Silva, destaca
que a o órgão solicitou medidas para apurar possíveis irregularidades na Associação
Hospitalar de Bauru (AHB). “O conselho já vinha há algum tempo pedindo intervenção
das esferas superiores na associação”, destaca. Silva informa que as denúncias contra a
entidade eram constantes. “Recebíamos informações até de contaminação de roupa
hospitalar e retorno de água na lavanderia”, diz. O coordenador informa que foi
solicitada uma posição da AHB, mas que nunca foram apresentados resultados. “Eles
disseram que tinham feito uma vistoria interna, mas o que foi encontrado de errado não
foi informado ao conselho”, diz...
03/04/2009 - Geral
Cerca de 15 macas permanecem nos corredores
23
Cerca de 15 macas permanecem, em média, nos corredores do Pronto-Socorro Central
(PSC). Precária, a situação afeta a auto-estima dos pacientes. Em muitos casos,
influenciados pelo contexto, o acompanhante acredita que o tratamento nem foi
iniciado...
Aliás, vale lembrar, que o próprio Joseph Georges Saab
já reconheceu a situação de penúria vivenciada pela AHB 24: “(...) Como é cediço em nossa
sociedade, a Associação Hospitalar de Bauru passa por estado de penúria, em condições
precárias, dependendo habitualmente do auxílio de verbas do Governo Estadual, mas que
ainda assim não consegue honrar todos os seus compromissos financeiros com
pontualidade...” (fls. 509/510 – volume II).
É inegável que o SUS possui inúmeras deficiências, não se pretende
aqui atribuir ao ex Diretor-Presidente à responsabilidade por todos os problemas existentes
na área da saúde.
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2009.php?codigo=169922
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2009.php?codigo=169455
23
- http://www.jcnet.com.br/busca/busca_detalhe2009.php?codigo=153474
21
22
24
- Informações prestadas por Joseph Georges Saab nos autos do procedimento preparatório nº 1.34.003.000027/200713, referente à apuração de irregularidades no atendimento preferencial aos idosos nas unidades de saúde do Município
de Bauru/SP
41
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
Por
outro
lado,
a
partir
do
momento
que
há
desvio/apropriação/malversação de recursos públicos destinados ao aprimoramento do
sistema de saúde, não há que se falar em ausência de responsabilidade, muito pelo
contrário, trata-se de crime e ato de improbidade gravíssimo, pois se os recursos são bem
administrados há diminuição das dificuldades, beneficiando-se, por conseguinte, as
pessoas que utilizam a rede pública de saúde.
O estado de penúria no qual encontra-se a AHB, como dito por
Joseph Georges Saab, poderia não ser tão grave se este co-réu tivesse administrado de
forma adequada a AHB, sem utilizar sua função para locupletar-se ilicitamente e
beneficiar terceiros indevidamente.
Na condição de brasileiro naturalizado, Joseph Georges Saab
deveria ter buscado retribuir, da melhor forma possível, os benefícios que vem obtendo no
Brasil, país que o acolheu e proporcionou condições para seu desenvolvimento
(pessoal/profissional).
Realce-se, por oportuno, que não se trata de agente
ímprobo/criminoso neófito, muito pelo contrário, trata-se de pessoa que vem praticando
ilícitos (criminais/cíveis) de forma habitual.
Como já foi exposto (item 5.1), em 20/10/2000,
Joseph Georges Saab foi condenado pela prática dos crimes tipificados nos
arts. 293, § 1º e 299, do Código Penal, em razão de ter falsificado documentos para obter
recursos do Ministério da Saúde/Fundo Nacional de Saúde. Tal condenação foi mantida
pelo e. TRF da 3ª Região, no entanto, a impunidade prevaleceu em virtude dos efeitos
nefastos da prescrição.
E, mais recentemente, conforme já exposto, foi condenado por crime
de estelionato – art. 171, § 3º, Código Penal (processo nº 97.130.6661-8), por malversação
das verbas públicas federais repassadas à AHB pelo Ministério da Saúde (convênio nº
1702/1994 ).
Consigne-se, ainda, que há alguns meses atrás, mais precisamente
aos 19/10/2009, Joseph Georges Saab teve sua a prisão temporária decretada (processo nº
2009.61.08.8978-5 – 2ª Vara Federal - Bauru/SP), tendo em vista sua participação ativa
nos ilícitos
investigados
pela polícia
federal
(“Operação
Odontoma”),
isto é, crimes/atos de improbidade ligados, mais uma vez, à malversação de verbas
públicas/administração
indevida
da
AHB.
Veja-se
trecho
da
decisão
do E. Juiz Federal Heraldo Garcia Vita, da 2ª Vara de Bauru, que decretou-lhe a custódia
cautelar (fls. 518/566 – volume II):
(Jospeh Georges Saab É o atual presidente da Associação Hospitalar de Bauru,
cargo este que, segundo informou o Ministério Público Federal (folhas 54),
permanece há longos 14 (quatorze) anos. (…) Apesar do cargo que ocupa, demonstrou
ausência de probidade no desempenho de suas atribuições, ao adotar posturas
prejudiciais à organização que preside. A falta de probidade noticiada consiste no
propósito deliberado, segundo demonstram trechos de conversas telefônicas
interceptadas, de dar sumiço (ou ao menos tentar) às fichas de atendimento
ambulatorial (FAA) do setor buco-maxilo-facial, da Associação Hospitalar de Bauru,
para acobertar atividades ilícitas levadas a efeito pelo seu filho, Marcelo Saab, o qual
42
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Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
trabalha em tal setor do hospital e tinha por hábito lançar, nos referidos documentos,
notas alusivas a tratamentos prestados a pacientes que, em verdade, nunca foram
atendidos, ou mesmo incluir dados referentes a serviços que não foram prestados aos
pacientes atendidos, tudo com a finalidade de aumentar o valor dos honorários
profissionais que lhe seriam pagos. Ainda no tocante à falta de probidade, deve ser
destacada também a atuação do investigado, Joseph Georges Saab, no sentido de
arregimentar, ou tentar arregimentar, consentimento dos membros do Conselho
Fiscal da instituição para votarem a aprovação das contas da entidade, sem a
submissão da documentação contábil a rigorosa e pormenorizada averiguação por
parte de empresa externa de auditoria, que pudesse esclarecer satisfatoriamente,
portanto, com publicidade, a destinação dada ao valor financeiro, objeto do contrato de
empréstimo firmado com a Caixa Econômica Federal (R$ 16.000.000,00) (…) Em
suma, pelas razões acima, pode-se afirmar que sobre a pessoa de Joseph Georges
Saab recaem substanciais indícios do cometimento, em tese, de atos de improbidade
administrativa e do envolvimento (co-autoria ou participação) na prática (ou ao menos
na tentativa) dos delitos de favorecimento pessoal ou real (artigos 348 e 349 do CP) e
subtração ou inutilização de livro ou documento (art. 337 do CP)....”
Note-se que os atos de improbidade/crimes praticados por
Joseph Georges Saab são gravíssimos, na medida em que atingiram a AHB,
pessoa jurídica de direito privado, cujo serviço é considerado de relevância pública
(art. 197, da CF). Destarte, as condutas ilícitas perpetradas por este co-réu alcançaram
também, de uma forma geral, as pessoas que necessitam dos serviços públicos de saúde,
direito de todos e dever do estado (art. 196, da CF).
Assim, não é demais recordar, no que tange aos
estrangeiros/brasileiros naturalizados, que apesar das garantias insculpidas na Constituição
Federal (art. 5º, caput 25 e art. 12, § 2º 26), há também sanção rigorosa (art. 12, § 4º, inciso
I 27) para aqueles que vêm ao Brasil para praticar atividades nocivas ao interesse nacional.
Pois bem, feitas essas considerações e comprovada a
materialidade/autoria dos atos de improbidade administrativa, resta enquadrar as condutas
dos co-réus nos dispositivos legais elencados na Lei 8.429/1992:
- Joseph Georges Saab: As condutas enquadram-se nos artigos 9º, caput, incisos II
e XI, 10, incisos I, V, VIII, XI e XII, e, subsidiariamente, no artigo 11, caput,
inciso I.
- Jonas Florêncio da Rocha: Restou caracterizado que ele foi beneficiado pelas
condutas ilegais supramencionadas, motivo pelo qual deve sujeitar-se as mesmas
penalidades que serão aplicadas ao co-réu Jospeh Georges Saab, face ao que
preceitua o art. 3º da Lei 8.429/1992.
25
- Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes...
26
- Art. 12. São brasileiros: (...)
§ 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos
nesta Constituição.
27
- Art. 12. São brasileiros: (…)
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional;
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Município de Bauru-SP
6. DOS PEDIDOS
Diante do exposto, o Ministério Público Federal requer:
a) a autuação da inicial, juntamente com os documentos que a
instruem;
b) a notificação dos réus para manifestação em 15 dias, nos termos
do art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92, bem como o seu recebimento em 30 dias, após
exaurido o prazo para manifestação prévia, de acordo com o § 8º do referido dispositivo;
c) a notificação da União para, querendo, nos termos do
artigo 17, § 3º, da Lei n. 8.429/1992, integrar a presente relação jurídico-processual na
qualidade de assistente litisconsorcial, igual notificação deve ser dirigida à Associação
Hospitalar de Bauru - AHB;
d) oportunamente, após a observância da alínea “b”, a citação dos
réus, para responderem, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revelia;
e) no mérito, a procedência do pedido para o fim de condenar os
co-réus as sanções previstas nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei n.º 8.429/92;
f) a condenação do co-réu Joseph Georges Saab a restituir à
Associação Hospitalar de Bauru, a quantia de R$ 4.146.127,76 (quatro milhões, cento e
quarenta e seis mil, cento e vinte e sete reais e setenta e seis centavos), com juros e
correção monetária, recurso proveniente do empréstimo que tem como credora a Caixa
Econômica Federal, usados indevidamente para pagar dívida pessoal razão de condenação
do Tribunal de Contas da União, nos termos do item 5.4;
g) a condenação dos réus nos ônus da sucumbência.
Protesta o Ministério Público Federal pela produção de todos os
meios de prova em direito admitidos, notadamente, depoimento pessoal dos requeridos,
oitiva de testemunhas e tudo o mais que se fizer necessário para aferição da veracidade dos
fatos articulados.
Dá-se à causa o valor de 4.146.127,76 (quatro milhões, cento e
quarenta e seis mil, cento e vinte e sete reais e setenta e seis centavos).
Bauru, 28 de maio de 2010
PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA MACHADO
Procurador da República
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