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DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: UMA IMPORTANTE FERRAMENTA NA RELAÇÃO ENTRE O IDOSO ENFERMO, SUA FAMÍLIA E OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE Carolina Barreto Bertinato; Waldir Souza PUC-PR - Mestrado em Bioética. Curitiba- PR- Brasil [email protected] RESUMO Com as transições epidemiológica, nutricional e demográfica das últimas décadas, houve uma mudança nas causas de morte no mundo, havendo redução do número de mortes por doenças infecciosas, aumento do número de mortes por doenças crônicas não transmissíveis, aumento da expectativa de vida. Os assuntos morrer, morte, direitos do paciente e dilemas bioéticos como a eutanásia, a distanásia, a ortotanásia e a humanização do cuidado são de grande importância no contexto da saúde. Foi realizado um estudo sobre as diretivas antecipadas de vontade, para estimular a leitura e a discussão. A metodologia baseou-se em um levantamento bibliográfico de artigos em periódicos indexados em bases de dados mundiais nos últimos cinco anos e livros, com os temas diretivas antecipadas de vontade, testamento vital, testamento biológico, instruções prévias, instrucciones previas, living will, advanced care documents, advanced directives, bioethics, bioética. As diretivas antecipadas de vontade são documentos que salvaguardam os direitos e as decisões dos pacientes, orientam os profissionais da saúde no atendimento, e dão ao médico respaldo legal para agir especialmente em situações conflituosas, sendo, portanto, uma importante ferramenta na relação entre o idoso enfermo, sua família e os profissionais da saúde. Palavras-chave: diretivas antecipadas de vontade; bioética. INTRODUÇÃO As transições epidemiológica, nutricional e demográfica das últimas décadas mudaram as causas de morte no mundo, havendo redução do número de mortes por doenças infecciosas, aumento do número de mortes por doenças crônicas não transmissíveis, aumento da longevidade e da expectativa de vida (Papaléo Netto, 2007; Hazzard, 2009; Fillit; Rockwood; Woodhouse, 2010; Freitas; Py, 2011; Jacob Filho; Kikuchi, 2011; Felix et al, 2013). Com a ocorrência de casos como Karen Ann Quinlan, Nancy Beth Cruzan e Terry Schiavo, de conhecimento público mundial, os Estados Unidos iniciaram a criação de documentos legais com informações e orientações antecipadas de vontade da pessoa quanto a tratamentos médicos em caso de se tornar incapaz. Atualmente há vários subtipos de diretivas no país, devidamente legalizadas e seguidas. A Austrália e vários países europeus e latinoamericanos são signatários de convenções de direitos humanos, sendo que alguns possuem leis próprias sobre o assunto, como Portugal, Espanha, Porto Rico, Argentina e Uruguai (Dadalto, 2013; Lippmann, 2013; Rocha et al, 2013). As diretivas antecipadas de vontade são documentos importantes para salvaguardar os direitos e as decisões dos pacientes e orientar os profissionais da saúde no atendimento. Outro documento legal é o consentimento informado, pedido pelo médico para o paciente assinar após explicações médicas de procedimentos (Santos, 2009; Despelder; Strickland, 2010; Fillit; Rockwood; Woodhouse, 2010; Beauchamp; Childress, 2011; Jacob Filho; Kikuchi, 2011; Kastenbaum, 2011; Dadalto, 2013, 2014). Entre os princípios que fundamentam estes documentos estão a autonomia, o respeito às pessoas, a dignidade da pessoa humana e a lealdade, princípios bioéticos (Dadalto, 2013). As diretivas antecipadas de vontade e a ortotanásia são válidas na justiça brasileira por estarem embasadas em princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a autonomia privada. Mas fica clara a necessidade de lei específica sobre o tema, para que não haja nenhum problema quanto à realização das diretivas e ao cumprimento da vontade da pessoa (Bussinguer; Barcellos, 2013; Dadalto, 2013; Lippmann, 2013). Os assuntos envelhecimento, processo de morrer, morte, direitos do paciente e dilemas bioéticos são de grande importância no contexto da saúde. Dada a relevância dos temas, foi realizado um estudo sobre as diretivas antecipadas de vontade, através de uma revisão de literatura. A intenção é abrir espaço para reflexão e estimular à leitura e discussão desses assuntos, talvez levando a uma prática mais digna no atendimento aos pacientes. METODOLOGIA A metodologia da pesquisa baseou-se em um levantamento bibliográfico de artigos em periódicos indexados em várias bases de dados mundiais (como Medline, SciELO, Lilacs entre outras) nos últimos cinco anos e livros, com os temas diretivas antecipadas de vontade, testamento vital, testamento biológico, instruções prévias, instrucciones previas, living will, advanced care documents, advanced directives, bioethics, bioética, sendo filtrados após leitura e permanecendo os pertinentes ao assunto. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Na história humana há uma degradação progressiva da relação com a morte, que passa de tradicional para moderna, de familiar para hospitalar, de domada para selvagem. Com o advento dos cuidados paliativos e da medicina paliativa volta-se a falar em boa morte, humanizada e aceita socialmente, e procura-se viabilizar uma assistência ao ser humano como um todo. Esta é a morte contemporânea, pós-moderna ou neo-moderna (Ariès, 1975, 2008; Santos; Incontri, 2009; Santos, 2009, 2010; Freitas; Py, 2011; Ariès, 2012; Marreiro, 2013; Kovács, 2014). A psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross iniciou em 1960 o seu trabalho sobre a morte e o morrer, propondo uma sequência de estágios pelos quais passam pacientes que enfrentam o diagnóstico de uma doença grave, ou perderam pessoas próximas, e estão vivendo situações limite: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação (Kübler-Ross, 1998; Menezes, 2004; Balk; Meagher, 2007; Santos, 2011; Alves; Dulci, 2014; Kovács, 2014). Na década de 1960, com a fundação do St. Christopher´s Hospice, pela médica Cicely Saunders, começa o movimento hospice, um local de cuidados para pacientes que não podem ser curados e onde possam morrer suavemente. Pode-se aliviar o sofrimento biopsicossocioespiritual, restituindo o bem-estar e a dignidade e respeitando a sua autonomia. A filosofia dos cuidados paliativos desenvolve a ortotanásia na prática, ou seja, promove o bem morrer, respeitando a biologia e a biografia da pessoa, não abreviando a vida (eutanásia) nem a prolongando artificialmente (distanásia), mas deixando-a ser vivida até que a morte chegue (Kovács, 2003a; Pessini, 2009; Despelder; Strickland, 2010; Pessini; Siqueira; Hossne, 2010; Beauchamp; Childress, 2011; Freitas; Py, 2011; Kastenbaum, 2011; Pessini; Bartachini, 2011; Santos, 2011; Carvalho; Parsons, 2012; Felix et al, 2013; WHO, 2014). O estudo SUPPORT de 1998 tinha por objetivo ajudar os médicos a tomar decisões acertadas no fim da vida de seus pacientes terminais e evitar um processo de morrer doloroso, prolongado, com suporte mecânico. O estudo em duas etapas demonstrou que a comunicação médico-paciente era falha, nem sempre a vontade do paciente foi respeitada, o controle da dor foi ineficiente, muitos pacientes foram expostos a tratamentos agressivos e ficaram na UTI em suporte mecânico no fim de seus dias. Isto levou a um maior desenvolvimento dos cuidados paliativos e da comunicação médico-paciente, o que inclui respeitar as preferências do paciente para seu fim de vida, mas ainda há muita resistência em mudanças de atitudes e hábitos. Para uma melhora do cuidado terminal deve-se pensar no bem-estar espiritual do paciente, no treinamento adequado e humanizado das equipes de saúde, no respeito às questões éticas e à inter e multidisciplinaridade, na aprimorada comunicação entre o paciente, sua família e os profissionais de saúde (Connors et al, 1998; Despelder; Strickland, 2010; Kovács, 2014). O processo de morrer pode ser prolongado à vontade da equipe médica, podendo se chegar à obstinação terapêutica, futilidade médica, encarniçamento terapêutico ou distanásia. As causas mais comuns são a importância da vida biológica independente da qualidade de vida apresentada; a falta de conhecimento do assunto por parte de pacientes e familiares; a angústia do médico perante o insucesso do tratamento e a dificuldade em aceitar a morte. Para se defender disto os pacientes começam a determinar, por exemplo, ordens de não reanimação. A questão essencial à medicina não é combater a morte, mas favorecer o morrer com dignidade e sem dor (Santos; Incontri, 2009; Fillit; Rockwood; Woodhouse, 2010; Junges et al, 2010; Pessini; Bartachini, 2011; Baruzzi; Ikeoka, 2013; Felix et al, 2013; Marreiro, 2013; Oliveira; Barbas, 2013; Rocha et al, 2013; Kovács, 2014; Nunes; Anjos, 2014). A eutanásia é a saída indolor e pacífica da vida, realizada por pessoas que encurtam a existência do doente no intuito de acabar com seu sofrimento. A eutanásia ativa é composta de ações que têm por objetivo tirar a vida de uma pessoa que sofre muito e não tem recuperação. É legalizada na Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Já a eutanásia passiva é a retirada de tratamentos que poderiam prolongar a vida. A morte assistida é realizada com autorização em apenas alguns locais do mundo, como Oregon (EUA) e Holanda. Neste caso, um paciente maior de dezoito anos com doença incurável e irreversível, que determine a morte em menos de seis meses, recebe uma prescrição médica dos remédios que serão administrados pela própria pessoa. Há protocolos e regulamentações, mas a prática é autorizada e realizada, mas ainda por poucos pacientes. Estes assuntos envolvem questões de direito do estado, direito do indivíduo, direito de princípios, religiosas, filosóficas, médicas e bioéticas (Balk; Meagher, 2007; Papaléo Netto, 2007; Kovács, 2008; Santos, 2009; Despelder; Strickland, 2010; Junges et al, 2010; Kastenbaum, 2011; Felix et al, 2013; Kovács, 2014). O Brasil não possui uma legislação madura e ampla nessas áreas, considerando eutanásia e morte assistida como crimes. As diretivas antecipadas de vontade são documentos usados quando o paciente não puder livre e conscientemente se expressar. O testamento vital ou biológico foi traduzido do termo americano living will de 1967. Muitos autores preferem usar o termo declaração prévia de vontade para o fim da vida, documento este que é um tipo de diretivas antecipadas restritas a situações de fim de vida. O mandato duradouro, que também compõe as diretivas antecipadas, é um documento no qual o paciente nomeia procuradores para exercerem sua vontade em questões de tratamento médico quando estiver incapaz, podendo este ser um parente. Enquanto a declaração prévia de vontade para o fim da vida tem efeito apenas em caso de incapacidade definitiva do paciente, o mandato duradouro tem efeito também em casos de incapacidade temporária. Devem ser registrados em cartório para ter segurança jurídica (Hazzard, 2009; Dadalto, 2013; Lippmann, 2013; Rocha et al, 2013). A declaração prévia de vontade para o fim da vida traz a manifestação das vontades de uma pessoa capaz com relação a tratamento médico. Deve conter os valores e desejos de vida, orientações sobre equipe e tratamento médicos (cuidados paliativos, suspensão de esforço terapêutico, quais intervenções aceita ou recusa, querer ou não saber de diagnósticos), disposições sobre seus últimos dias (onde quer passá-los, enterro, cremação), ciência de que pode revogar o documento a qualquer momento, nomeação de um procurador, e doação de órgãos (desnecessária a colocação de disposições sobre isto, uma vez que o país já tem leis próprias sobre o assunto), tudo detalhadamente (Brasil, 1997, 2001; Dadalto, 2013; Lippmann, 2013; Nunes; Anjos, 2014). Garante ao paciente que seu desejo será realizado e dá ao médico respaldo legal para agir. Deve ser anexada ao prontuário. Entre as limitações do documento estão a objeção de consciência do médico (o paciente deve ficar aos cuidados de outro profissional), a proibição de disposições contrárias ao ordenamento jurídico (por exemplo, a eutanásia ativa e passiva) e a disposição de condutas ou tratamentos contraindicados ou não mais usados (deve-se considerar a evolução das ciências da saúde e o lapso de tempo entre a feitura do documento e o ocorrido, levando em consideração as condutas e os tratamentos existentes na época do ocorrido e não da época de feitura do documento) (Bussinguer; Barcellos, 2013; Dadalto, 2013; Lippmann, 2013; Rocha et al, 2013; Nunes; Anjos, 2014). O Conselho Federal de Medicina emitiu as resoluções 1805 de 2006 permitindo a ortotanásia, e 1995 de 2012 dispondo sobre as diretivas antecipadas de vontade como direito do paciente a ser seguido pelo médico, desde que não esteja em desacordo com o código de ética médica. As resoluções não legalizam a ortotanásia nem as diretivas no país, uma vez que o conselho não tem competência para legislar. O novo código de ética médica de 2010 reafirma a ortotanásia e proíbe a eutanásia (Conselho Federal de Medicina, 2006, 2009; Carvalho; Parsons, 2012; Conselho Federal de Medicina, 2012; Cruz; Oliveira, 2013; Dadalto, 2013; Lippmann, 2013). Os dilemas éticos envolvidos neste assunto não param de surgir e precisam ser discutidos. A bioética oferece espaço para a reflexão e o juízo de valores e analisa a atuação das normas e práticas habituais, com participação multi e interdisciplinar. Seu papel é fundamental no processo educacional e formativo do profissional de saúde. Reflete sobre ética, moral, autonomia, beneficência, justiça, não maleficência, eutanásia, suicídio assistido, ortotanásia, distanásia, definição do momento da morte, cuidados paliativos, reanimação, doação de órgãos, entre outros assuntos de extrema importância (Barchifontaine, 2001; Kovács, 2003a; Urban, 2003; Balk; Meagher, 2007; Santos; Incontri, 2009; Despelder; Strickland, 2010; Santos, 2010; Freitas; Py, 2011; Jacob Filho; Kikuchi, 2011; Kastenbaum, 2011). Os comitês de bioética são espaços em que se podem encontrar, num contexto pluralista e com uma metodologia interdisciplinar, os diversos componentes dos vários setores das atividades conexas com a vida e a saúde humana, sejam locais de hospitalização, instituições clínicas de pesquisa ou laboratórios de experimentação. Seus membros, com preparo adequado, enfrentam os problemas éticos que aparecem, chegando a uma solução operacional o mais coerente possível com valores e princípios contidos em seu estatuto (Sgreccia, 1997). DISCUSSÃO Kovács (2014) esclarece como a morte virou inimiga, solitária e considerada um fracasso especialmente para o profissional da saúde, que cada vez mais conta com a tecnologia e menos com uma relação humanizada com seus pacientes e colegas. Relata o aumento da população idosa no país e das necessidades de cuidados paliativos, e a importância da bioética para ajudar na tomada de decisões e resolução de problemas. Defende a ortotanásia com respeito à dignidade de morrer, com controle dos sintomas físicos, espirituais, sociais e psíquicos. Recomenda o uso das diretivas antecipadas de vontade para se ter direito à autonomia e possiblidade de escolha, levando a um planejamento final da existência, além de ser instrumento de comunicação entre médicos, pacientes e familiares. A perda é um dos processos mais desorganizadores para o ser humano, podendo se referir a perder pessoas na morte, mudanças na vida como a alteração da situação socioeconômica ou afetiva, adoecimento entre outras. Fica clara a necessidade de aprender a lidar com este processo desde a mais tenra idade. A educação para a morte fornece informação e orientação para pessoas nas diversas fases do desenvolvimento, sendo de fundamental importância para os profissionais da saúde (Kovács, 2003b). A sociedade deveria se preparar mais para ver a morte como verdadeiramente é, inexorável à vida, e viver mais suas potencialidades. Quem trabalha com o processo de morrer e a morte como os profissionais da saúde e religiosos e os familiares de pacientes com doenças terminais deveriam rever suas posturas para serem mais produtivos e humanos em seus afazeres (Alves; Dulci, 2014). A formação dos profissionais de saúde não pode prescindir da transmissão de valores humanísticos, pois sua prática pressupõe o domínio de valores de compreensão e respeito ao homem, conhecimento aprofundado sobre a natureza humana e os mecanismos sociais (Junges et al, 2010; Baruzzi; Ikeoka, 2013). O médico se torna tão mais eficaz e consistente quanto conciliar seu conhecimento técnico com os aspectos afetivos, sociais, culturais e éticos da relação médico-paciente, no processo de tomada de decisões, valorizando esta relação e contribuindo significativamente para a recuperação, manutenção e promoção da qualidade de vida (Ferreira, 2001; Hazzard, 2009; Junges et al, 2010; Baruzzi; Ikeoka, 2013). Com os questionamentos sendo levantados nas últimas décadas sobre o paternalismo médico, o uso excessivo da tecnologia e o direito de morrer dignamente, surgem há quarenta anos nos Estados Unidos as diretivas antecipadas de vontade e o mandato duradouro. Há poucos anos o Brasil entra no conjunto de países que dão direito aos seus cidadãos de fazerem estes documentos. Não apenas a autonomia do paciente é respeitada, mas há melhor comunicação entre todos os atores do processo, melhor entendimento das informações prestadas, promovendo a capacitação para tomada de decisões por parte do paciente, que se torna verdadeiramente autônomo e menos vulnerável. A prática médica vem mostrando que a maior parte dos pacientes que preenchem as diretivas mantém suas decisões no fim da vida, e que a maioria das vezes estas diretivas são seguidas. Mas ainda há poucos estudos sobre isso. A recomendação é a atualização constante do documento (Nunes; Anjos, 2014). A distanásia é prática comum no dia-a-dia da saúde. Dever-se-ia pensar em eficácia, benefício e onerosidade da ação, em valores e princípios como autonomia, beneficência, não maleficência e equidade e implementar a ortotanásia (Junges et al, 2010; Saraiva, 2012; Cruz; Oliveira, 2013; Oliveira; Barbas, 2013). Cerca de 20% a 40% dos leitos hospitalares brasileiros estão ocupados por pacientes com doença terminal. Estudos em diferentes países mostram que grande parte dos pacientes terminais não deseja prolongar a vida com intervenções médicas, mas deseja receber cuidados paliativos, de preferência em casa. Em contraposição a isto, os médicos em sua maioria conversam com seus pacientes, mas não esclarecem o tempo que resta de vida, e apenas metade adota os cuidados paliativos (Baruzzi; Ikeoka, 2013; Felix et al, 2013; Oliveira; Barbas, 2013; Rocha et al, 2013). A prática da distanásia pode configurar imprudência, imperícia e ser passível de processo legal, uma vez que viola o princípio da igualdade, viola a integridade psicofísica do paciente, cerceia a liberdade individual, repercutindo em sua autonomia, cerceia o direito do indivíduo de morrer com dignidade e de forma humana, entre outros. Há responsabilidade civil do médico, que pode ter que reparar os danos sofridos pelos pacientes e seus familiares (Cruz; Oliveira, 2013; Marreiro, 2013). A autonomia pelo prisma bioético é a competência humana de legislar sobre si próprio, a habilidade controlar, lidar e tomar decisões pessoais. Na gerontologia, é a habilidade de fazer julgamentos e de agir. O idoso precisa passar pela senescência sabendo lidar com as limitações e modificações e situar-se na vida autonomamente. O cuidador é impactado pelo processo, e mesmo vendo a redução da saúde e da independência física, deve estimular o idoso a ser autônomo, resgatando a dignidade no envelhecimento (Saquetto et al, 2013). Autonomia completa não existe. Vive-se em sociedade, com regras sociais, influências religiosas, familiares, culturais. A pessoa autônoma pode não agir assim em algumas situações, como quando está doente e precisa que alguém a leve ao médico, não tem acesso a certos tipos de tratamentos porque estes não existem em sua cidade ou não pode comprá-los, ou quando sofre de desordens emocionais ou mentais (Oliveira; Barbas, 2013). Atualmente é cada vez maior o reconhecimento e o respeito à autonomia na área da saúde. O paciente tem sido esclarecido sobre procedimentos e tratamentos e tem tido sua vontade manifesta por autorizá-los ou não. A ortotanásia proporciona qualidade ao processo de morrer, com cuidados paliativos. No Brasil não há lei específica sobre ortotanásia, mas o ordenamento jurídico aceita a recusa de tratamento médico, baseado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Este mesmo embasamento serve para as diretivas antecipadas de vontade (Cruz; Oliveira, 2013; Felix et al, 2013; Rocha et al, 2013). Quanto ao profissional que pratica a ortotanásia, ele não pode ser responsabilizado civilmente, pois o próprio conceito de ortotanásia não determina culpa, dano ou nexo causal. Não há culpa com negligência, imprudência ou imperícia porque a ortotanásia está relacionada ao uso de cuidados paliativos, diligência, prudência e conhecimento. Não há dano, pois seria a causação da morte que constituiria um dano, e não a morte em si. O médico age eticamente respeitando a autonomia do paciente, o qual escolhe como prefere passar seus últimos dias. Não há nexo causal entre a morte do paciente e o ato médico, uma vez que a ortotanásia está relacionada apenas a pacientes em fase terminal de sua doença, sendo que a morte faz parte da evolução normal daquela enfermidade (Cruz; Oliveira, 2013). CONSIDERAÇÕES FINAIS A morte é um processo natural e universal, inerente ao organismo. No entanto, vive-se em uma sociedade que nega a morte. A formação médica é insuficiente, e o profissional formado é despreparado. Esta situação gera defesas contra a presença de morte, como a negação, observada por uma improdutiva relação médico-paciente, onipotência, omissão, desenvolvimento de doenças como a síndrome de burnout etc (Barchifontaine, 2001; Kebbe; Ferreira; Rossi, 2004; Santos; Incontri, 2009; Kastenbaum, 2011; Santos, 2011). Fica clara a necessidade de melhor formação da equipe de saúde não apenas em técnica, mas em humanização do cuidado. Políticas públicas devem ser criadas e cumpridas para melhorar o acesso à saúde, aos atendimentos e tratamentos com qualidade, não deixando de lado a importância de prover um bom ambiente de trabalho aos profissionais da saúde de modo a não os sobrecarregar para que possam se dedicar com mais tempo, atenção e humanização aos pacientes. No Brasil o assunto das diretivas surge pelas resoluções do Conselho Federal de Medicina, mostrando como os médicos brasileiros têm se preocupado com as questões de terminalidade e relação médico-paciente. As diretivas antecipadas têm validade no ordenamento jurídico brasileiro, respeitam a dignidade e a autonomia do sujeito, possibilitando à pessoa terminar de construir sua biografia como lhe convier. Seria de interesse nacional a criação de lei específica para as diretivas, esclarecendo as disposições, a validade, a possibilidade de criação de banco nacional, dando segurança jurídica e zelando eficazmente pelo cumprimento da vontade do paciente, salvaguardando seu direito de morrer com dignidade, orientando seu médico e sua sociedade da importância disto. São necessários mais estudos e pesquisas para maior esclarecimento sobre os assuntos abordados e mais dados coletados na prática diária especialmente brasileira, para ajudar não apenas na tomada de decisão por parte dos profissionais, familiares e pacientes, mas para melhores relações sociais e jurídicas, menos conflitos e melhor qualidade de vida e de cuidado do paciente em fase terminal e de seus familiares. Por fim, o cuidado deve ser o elemento norteador do profissional, fazendo-o se preocupar com o paciente, sua saúde, seu sofrimento, sua dor, sua família, sua vida em todas as dimensões e seu processo de morrer, resgatando valores básicos da medicina, reconstruindo uma boa relação médico-paciente, levando à reumanização do viver, do adoecer e do morrer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, C.B.; Dulci, P.L. (2014). Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross. Revista Bioética, 22(2), 262-270. 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