Liberdade Tutelada: Ingênuos e órfãos no Pará - PPHIST

Transcrição

Liberdade Tutelada: Ingênuos e órfãos no Pará - PPHIST
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
MARCELO FERREIRA LOBO
Liberdade Tutelada:
Ingênuos e órfãos no Pará (1871 -1893).
Belém.
2015.
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DA AMAZÔNIA
MARCELO FERREIRA LOBO
Liberdade Tutelada:
Ingênuos e órfãos no Pará (1871 -1893).
Dissertação de mestrado apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Pará, como
exigência parcial para obtenção do titulo de Mestre
em História Social da Amazônia, sob orientação do
Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto.
Belém.
2015.
3
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFPA
_________________________________________________________
Lobo, Marcelo Ferreira, 1984Liberdade tutelada: ingênuos e órfãos no Pará
(1871-1893) / Marcelo Ferreira Lobo. - 2015.
Orientadora: José Maia Bezerra Neto.
Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal do Pará, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em
História, Belém, 2015.
1. Brasil. História. Lei do Ventre Livre,
1871. 2. Brasil. História. Abolição da
escravidão, 1888. 3. Escravos Emancipados Pará.
4. Negros Educação Pará. 5. Órfãos. I. Título.
CDD 22. ed. 326.098115
_________________________________________________________
4
MARCELO FERREIRA LOBO
Liberdade Tutelada:
Ingênuos e órfãos no Pará (1871 -1893).
Dissertação de mestrado apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Pará, como
exigência parcial para obtenção do titulo de Mestre
em História Social da Amazônia, sob orientação do
Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto.
DATA DE DEFESA 13/03/2015.
Banca Examinadora.
__________________________________________________
Prof. Dr. José Maia Bezerra Neto – Orientador (PPGHIST/UFPA).
__________________________________________________
Prof. Dr. Eurípedes Antônio Funes (PPGHIST/UFCE).
__________________________________________________
Profª. Drª. Magda Maria de Oliveira Ricci (PPGHIST/UFPA).
__________________________________________________
Profª. Drª. Edilza Joana de Oliveira Fontes (PPGHIST/UFPA).
5
SUMÁRIO.
Lista de Tabelas............................................................................................................ 2
Lista de Quadros........................................................................................................... 3
Lista de Gráficos........................................................................................................... 4
Lista de Siglas............................................................................................................... 4
Lista de Figuras............................................................................................................ 5
Agradecimentos............................................................................................................. 6
Resumo.......................................................................................................................... 7
Abstract......................................................................................................................... 8
Introdução .................................................................................................................. 11
Capítulo I – Os Deserdados da Sorte: A Lei do Ventre Livre e “o nascimento do
Ingênuo”.................................................................................................................... 19
Debates sobre a Lei do Ventre Livre..........................................................................
21
Os Ingênuos no Grão-Pará........................................................................................
27
Das Associações: para zelar pela educação do Ingênuo...........................................
38
Colônias Agrícolas? A formação do trabalhador nacional!......................................
44
A execução da Lei.......................................................................................................
52
Capítulo II – Infância Desvalida: Educação, Tutelas e Ordem Social no Pará.
“Futuros Operários do progresso”: infância desvalida e educação .......................
Escola 13 de Maio: educação para libertos no pós-abolição....................................
61
76
Tutelas nos Tribunais de Belém (1870-1887) ...........................................................
86
Libertos, ingênuos e senhores.....................................................................................
97
Capítulo III – Os Lugares de Cada Um: De Ingênuos á Órfãos.......................... 106
Pelos Ingênuos: Uma nova escravidão!..................................................................... 108
Os ex-ingênuos: geração de transição!...................................................................... 113
Conflitos tutelares no país sem escravidão!............................................................... 126
Ingênuos, libertos e família......................................................................................... 134
Considerações finais.................................................................................................. 145
Fontes.......................................................................................................................... 148
Referências bibliográficas........................................................................................... 153
Anexos.................................................................................................................................... 160
6
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Tabela de Saldo da Fazenda Nacional no Marajó................................ 34
TABELA 2 – Número de Ingênuos matriculados, falecidos e que entraram e
saíram no Pará, 1875 .................................................................................................. 55
TABELA 3 – Distribuição dos tutelados por idade e sexo ....................................... 126
TABELA 4 - População de Filhos livres de mulheres escravas da
Província do Pará........................................................................................................ 137
TABELA 5 – Famílias escravas matriculadas na Capital .......................................... 138
TABELA 6 – Famílias classificadas para serem libertas pelo
Fundo de Emancipação .............................................................................................. 139
7
LISTA DE QUADROS.
Quadro 1 – Quadro de Receita e Despesa da Fazenda Nacional do Marajó .......... 34
Quadro 2 – Quadro de ingênuos Matriculados no Império .................................... 54
Quadro 3 – Frequência de Alunos escravos na Escola Noturna Santa Maria de
Belém ...................................................................................................................... 75
8
LISTA DE GRÁFICOS.
Gráfico 1 – Processos tutelares ............................................................................. 88
Gráfico 2 – Órfãos sem tutores do Município de Ourém ...................................... 91
LISTA DE SIGLAS
HDBN – Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
BDSF – Biblioteca Digital do Senado Federal
APEP- Arquivo Público do Estado do Pará
CMA – Centro de Memória da Amazônia
9
LISTA DE FIGURAS.
FIGURA 1 – Anúncio de Venda de Família Escrava ............................................. 42
FIGURA 2 – Educação Feminino no Século XIX .................................................. 69
FIGURA 3 – Anúncio da Escola 13 de Maio ........................................................ 80
FIGURA 4 – Bilhete inserido no auto de tutela de Benedicta, 1889 ..................... 106
10
AGRADECIMENTOS.
Ao chegar ao final desta dissertação deixo muitas dívidas de gratidão, e nestas
poucas linhas registro meus agradecimentos a todos que de alguma forma contribuíram
com o andamento de minha pesquisa. Em primeiro agradeço a minha família, que é a
base essencial de apoio de qualquer pesquisador, minha mãe Raimunda a quem devo a
tranquilidade de saber que qualquer dificuldade pode ser superada com o esforço e
paciência devida, aos meus irmãos, Daniel, Leandro, e particularmente a minha irmã
Franci. Agradeço ao meu amor Aline, por ter me acompanhado durante estes dois anos
de mestrado, por ter lido os meus muitos textos incompletos, pelo incentivo e
preocupação, por dividirmos nossas expectativas, dúvidas e incertezas acadêmicas,
profissionais e pessoais.
Agradeço também aos meus colegas de mestrado que no final de 2012
comemoraram o ingresso no programa de Pós-Graduação em Historia Social, e com
quem celebrei muitas vezes essa etapa acadêmica. Agradeço aos meus Amigos; Alex,
Amílson, Tunai, Marcus, Elielton, Reinaldo, Ivanilson, Cláudia, Marina, Luíza, Tati que
tornaram as aulas e a própria pesquisa em algo mais leve e divertido. Agradeço ao Alex
pelas indicações de textos e por ceder fontes das quais me vali na construção de meu
projeto de doutorado, também agradeço a Viviane Frazão pela fonte cedida.
Devo agradecimentos também aos meus professores do programa de mestrado que
em suas inúmeras discussões participaram do meu amadurecimento acadêmico. Muitas
das indicações apontadas durante minha qualificação me fizeram alargar as dimensões
da minha pesquisa, e por tais contribuições agradeço as professoras Magda Ricci e
Edilza Fontes. Agradeço ao meu orientador José Maia Bezerra Neto pela confiança
depositada, pelos caminhos indicados e pelos livros emprestados. A todos que
contribuíram deixo registrado meus agradecimentos.
Também devo agradecer ao apoio financeiro promovido pela CAPES sem o qual
dificilmente teria executado esta pesquisa no devido tempo.
Se toda obra carrega parte do pesquisador visto nenhum trabalho ser de todo
objetivo/isento, esta dissertação carrega um pouco de cada pessoa que contribuiu com
minha pesquisa, espero que ao constatar isto, todos acima saibam que fazem parte deste
trabalho.
11
RESUMO:
A presente dissertação trata dos conflitos que envolveram escravos, libertos e seus
filhos entre os anos que sucederam a promulgação da Lei do Ventre Livre e a
promulgação da Lei Áurea no Brasil. Especificamente as questões que envolveram os
ex-ingênuos, considerados órfãos depois do treze de Maio. Mostra como houve toda
uma discussão sobre o destino dado aos filhos dos ex-cativos, assim como, as disputas
judiciais entre os pais dos menores e os seus ex-senhores pela tutela. Em Belém as
discussões sobre o destino das crianças perpassaram pela criação de escolas destinadas a
estes indivíduos egressos da escravidão, assim como o ingresso destes menores na
marinha através das escolas de aprendizes de marinheiros. Também fora muito discutido
as constantes concessões de tutela aos ex-senhores de escravos na capital e pelas
comarcas do interior da Província. A educação popular passara a fazer parte de maneira
mais incisiva dos projetos políticos do Governo Imperial e provincial e propostas de
criação de núcleos coloniais e escolas agrícolas são implementadas em várias províncias
do império. No Pará a fazenda Nacional localizada no Marajó chegou a ser cogitada
como local a ser criado um asilo para menores desvalidos e ingênuos, aos moldes do
implementado na Fazenda Nacional do Piauí. O Pará também teve de lidar com a
questão dos filhos de escravos nascidos depois da Lei de 1871, e é sobre as diversas
dimensões que envolveram libertos, escravos, ingênuos, senhores e o próprio Estado
que esta dissertação se debruça.
Palavras-Chaves: órfãos, ingênuos, educação.
12
ABSTRACT:
This dissertation focuses on conflicts involving the freedmen and their children between
the years following the promulgation of the Free Womb Law and the promulgation of
the Golden Law in Brazil. Specifically the issues involving the former “ingênuos”, as
orphan after May 13 law. Shows how there was a whole discussion on the destination of
the sons of former slaves, as well as the legal disputes between the responsible of the
minors and their former masters for protection. In “Belem” discussions about the fate of
children permeated by creating schools for these graduates individuals of slavery, as
well as the inflow of these smaller in the “Ingênuos” through schools of sailors of
learners. Also much discussed outside the constant tutelage of concessions to former
slave owners in the capital and the interior districts of the province. Popular education
had become part of more effective way of political projects of the Imperial Government
and provincial, creating proposals for colonial settlements and agricultural schools are
implemented in various provinces of the empire, in Pará the National farm located in
Marajó came to be entertained as site to be created a home for destitute children and
Ingênuo, to templates implemented in Piauí National Treasury. Pará also had to deal
with the issue of the children of slaves born after the 1871 law, and is on the various
dimensions involving freedmen, slaves, naive, lords and the own state that this
dissertation focuses.
Key Words: orphans, Ingênuos, education.
13
Ao grande cidadão Ruy Barbosa.
Comissionados pelos nossos companheiros, libertos de várias fazendas próximas a estação do
Paty, município de Vassouras para obtermos do governo Imperial educação e instrução para os
nossos filhos, dirigimo-nos à Va. Excia. Pedindo o auxílio da invejável ilustração e do grande
talento de Va. Excia., verdadeiro defensor do povo e que d’entre os jornalistas foi o único que
assumiu posição definida e digna, em face dos acontecimentos, que vieram enlutar nossos
corações de patriotas.
A Lei de 28 de setembro de 1.871 foi burlada e nunca posta em execução quanto a parte que
tratava da educação dos ingênuos.
Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarece-los e guiá-los por meio
da instrução. A escravidão foi sempre o sustentáculo do trono n’este vasto e querido país agora
que a Lei de 13 de maio de 1888 aboliu-a, querem os ministros d’”A Rainha”, fazerem dos
libertos, nossos inconscientes companheiros, base para o levantamento do alicerce do 3º
reinado.
Os libertos do Paty do Alferes, por nós representados protestam contra o meio indecente de que
o governo quer lançar mão e declaram aproveitando esta ocasião, que não aderem a
semelhante conluio e que até agora sugado pelo governo do Império querem educação e
instrução que a Lei de 28 de setembro de 1.871, lhes concedeu.
O governo continua a cobrar o imposto de 5% adicionaes, justo é que esse imposto decretado
para o fundo d’emancipação dos escravos reverta para a educação dos filhos dos libertos.
É para pedir o auxílio da inspirada Penna de Va. Excia., que tanto influiu para a nossa
emancipação, que nos dirigimos a Va. Excia.
Comprehendemos perfeitamente que a libertação partiu do povo que forçou a coroa e o
parlamento a decreta-la e que em Cubatão foi assignada a nossa liberdade e por isso não
levantaremos nossas armas contra os nossos irmãos, embora aconselhados pelos áulicos do
paço, outrora nossos maiores algozes.
Para fugir do grande perigo em que corremos por falta de instrução, vimos pedi-la para nossos
filhos e para que eles não ergam mão assassina, para abater aqueles que querem a República,
que é a liberdade, igualdade e fraternidade.
Estação do Paty, 19 de abril de 1889
A Comissão de Libertos
Quintiliano Avellar (preto)
Ambrósio Teixeira
João Gomes Batista
Francisco de Salles Avellar
José dos Santos Pereira
Ricardo Leopoldino de Almeida
Sergio Barboza dos Santos.1
1
ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes (org). Antologia Cubatense. Santos: Prodesan, 1975. P.
43.
14
INTRODUÇÃO
“(...). A Lei de 28 de setembro de 1871 foi burlada e nunca posta em
execução quanto à parte que trata da educação dos ingênuos. (...).”
(Carta da Comissão de Libertos enviada a Rui Barbosa, 1889).2
A pesquisa que deu origem a esta dissertação se iniciou onde muitas outras
terminam, a partir dos conflitos que ocorreram após a promulgação da Lei Áurea. Ao
olhar os desdobramentos iniciais do fim da escravidão no Grão-Pará deparei com um
conjunto de documentos até então desconhecidos por mim, os “autos de tutelas”.
Organizadas em de seis caixas para o período de 1870 à 1893 guardadas no Centro de
Memória da Amazônia. A minha surpresa ao encontrar inúmeros libertos envolvidos
nestes processos refletiam não apenas a minha ignorância sobre o tema, mas também a
carência de estudos sobre os ingênuos no Pará. A princípio notei que o 13 de maio
ressignificou as relações sociais, não apenas entre libertos e ex-senhores, mas também
entre ao menores e seus tutores.
Nem conquista romantizada, nem engodo senhorial, a Lei Áurea trouxe consigo a
necessidade de novas formas de controle ou ressignificações de antigos mecanismos de
sujeição da população de cor, como também trouxe noções e experiências de liberdade
vividas durante o regime escravagista, assim como aspirações ao exercício de direitos.
Uma destas “novas” formas de controle foi o uso da tutela por parte dos antigos
proprietários de escravos para manterem o controle sobre os ingênuos. No entanto, os
então libertos do 13 de maio não ficaram passivos, eles também foram aos tribunais em
busca da manutenção de seus laços familiares, enfrentaram seus antigos senhores
tomando para si mesmos as noções de liberdade e direitos construídas ao longo de suas
experiências no cativeiro.
Mal vistos por parte da sociedade os libertos tiveram de encarar a suspeição
generalizada por parte da polícia e outras autoridades. Em 6 de setembro de 1888 o
subdelegado do 3º distrito do Acará, enviou um ofício ao Chefe de Polícia da Província
paraense para saber se deveria ou não recrutar dois libertos para o corpo de polícia. O
mesmo Chefe de Polícia encaminhou o ofício ao Presidente de Província, colocando
uma série de características que comporiam a personalidade social dos libertos, como
mostra o ofício abaixo transcrito:
2
ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes. Op. Cit. P. 45.
15
Tendo parte dos libertos, por efeito da Lei de 13 de maio do corrente
ano, abandonado a casa de seus ex-senhores, para atirarem-se a
vagabundagem, e muitos deles recusando o razoável salário, que
estes lhes oferecerão; e tendo também resultado, d’este estado de
coisas, grande alteração de ordem e sossego público e não menos
prejuízo a uma pequena lavoura, que morre a falta de braços; venho
consultar a V.Exª a ordem de medidas que devo tomar em tais
emergências, visto me parecer inútil o meio legal de que posso me
dispor, neste caso - o termo de bem viver –. Digo inútil, podendo
mesmo acrescentar prejudicial, porque sendo inumeroso e despovoado
como é nosso território, esses indivíduos ignorantes, temendo na
medida pelo aparato que ela se reveste, emigrão para os centros
povoados ou para os despovoados, ficando de tudo ainda de mau a
pior. - atendendo a grande aversão, que manifestam nos indivíduos ao
serviço disciplinado, tomo a liberdade de mostrar a V. Exª. a
conveniência de, como medida de exemplo: - engajar dous ou três
desses indivíduos, para o serviço policial militar desta capital; e se
ainda não fez em prática essa medida é por carecer de autorização
especial, entretanto V.Exª resolvera em sua sabedoria e critério o que
for mais justo e acertado.3
Mais do que a necessidade de braços para serem aplicados nos serviços da polícia,
o subdelegado buscava “dar exemplo” aos libertos que não procurassem um modo de
vida disciplinado e ordeiro. Manter a ordem, controlar a então população liberta foi o
motivo da solicitação do subdelegado do Acará ao verificar a ineficiência dos
dispositivos que poderiam se valer que eram os termos de bem viver .
A resposta do Presidente de Província Miguel Pernambuco foi incisiva
considerando tais indivíduos inadequados para compor o corpo policial: “por quanto
que é o próprio subdelegado que apresentando a ideia, declara que são esses libertos,
vagabundos, desordeiros e ignorantes”. Segundo o subdelegado os libertos saíram do
domínio de seus ex-senhores para atirarem-se a “vagabundagem”; e é sob o discurso de
combate a vagabundagem que o recrutamento militar obrigatório é novamente instituído
em 1888. Curioso notar que segundo o parecer do Presidente da Província os libertos
3
Fundo: Secretária de Policia da província, série: ofícios, 1888. Arquivo Público Estado do Pará.
16
estariam inaptos a serem alistados no Corpo de Polícia, mesmo diante das reclamações
do pouco pessoal no quadro policial da Província do Pará no ano de 1888.
O ofício acima carrega uma série de representações acerca dos libertos, nos meses
subsequentes ao Treze de Maio, a construção do próprio conceito de vadio recaia sobre
práticas culturais e modos de vida próprios à população pobre e de cor. 4 Principalmente
no contexto do termino da escravidão, onde uma massa de ex-escravos comporiam o
quadro da população, as expectativas sobre o comportamento dos libertos foram de
imediato frustradas em função do grau de autonomia que estes buscavam levar suas
vidas, como ressalta Wlamyra Albuquerque, “Denominados de vadios no vocabulário
policial, os que traduziram liberdade por mobilidade e autonomia foram alvos da
desconfiança da policia.” 5
A polícia em determinados momentos serviu como uma extensão do braço do
senhor. Em agosto de 1888 o delegado do termo de Anajás, José Rodrigues Martins,
mandou o inspetor do 10º quarteirão com mais três indivíduos cercarem a casa do
“cidadão” Antonio Luis de Lima em busca do “ex-escravisado” chamado José, do exsenhor João Tavares, por esse ter deixado a companhia do seu ex-senhor, em
consequência de se achar livre pela Lei de 13 de Maio. Segundo a nota o mesmo José
só não foi levado por ter uma mulher da casa se oposto,6 mostrando um corpo policial
que agia de acordo com os interesses senhoriais.
Não faltaram disputas nos tribunais, e diversos conflitos em torno da própria
noção de liberdade. Em janeiro de 1889, uma nota no jornal A Reacção sob a epígrafe
“protesto”, reclamava a atitude de um “ex-escravisado” do Capitão Francisco Xavier da
Gaia, que havia se apossado de uma plantação de cacau. Segundo o articulista da nota o
ex-escravo “invadiu os mesmos cacaueiros, limpando-os, replantando uma iroca no
4
O termo “pessoa(s) de cor”, ou “população de cor” faz referência à documentação da época e a forma
como as pessoas negras eram tratadas, embora Manuela Carneiro da Cunha ressalte que o termo “pessoas
livres de cor” usada genericamente para classificar as pessoas livres não pode ser pensada enquanto uma
categoria homogênea ao menos para a primeira metade do século XIX. Manuela da Cunha cita o caso do
cônsul inglês no Pará que distinguia a população livre de brancos entre brancos estrangeiros e brancos
nativos, enquanto paras as pessoas pretas e pardas usava uma única categoria (Cunha, 2012, p. 35.).
Manuela da cunha apresenta pelo menos três dimensões que perpassavam a categoria “pessoas de cor”, a
cor, a nacionalidade, e a condição legal, chegando ao número de nove categorias de indivíduos que
genericamente poderiam ser classificados como “pessoas de cor”. Tal discussão pode ser vista em:
CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros estrangeiros: Os escravos libertos e sua volta a África. 2ª Ed. –
São Paulo – Companhia das Letras, 2012, pp. 38-43.
5
Albuquerque, Wlamyra R. de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo;
Companhia das Letras, 2009. p. 35.
6
A Província do Pará, 21/08/1888. BPEP; Setor de Microfilmagem.
17
centro deles e praticando atos com o fim talvez de invocar posse”. 7 Aqui posso aventar
que o ex-escravo se considerasse com algum direito sobre a as tais terras.
O que aponto aqui é mais do que jogados às margens da sociedade, os libertos
tiveram de encarar os novos sentidos da liberdade após a Abolição, e isso não significou
que os libertos e livres de cor não tivessem encarado conflitos antes da Abolição em
torno de uma frágil cidadania; não a instituída juridicamente pelo Estado, mas uma
noção vivenciada de cidadania no dia a dia. A população de cor esteve sujeita a práticas
e projetos políticos de controle e suspeição que limitavam os direitos a que esta parcela
tinha acesso, o que não significa que deixaram de pouco a pouco, por meio de ações
individuais tentarem alargar a noção de cidadania. Nesta busca por cidadania, Maria
Aparecida Papali levantou a seguinte questão:
Para além de possíveis confrontos na luta pela inserção social sob
parâmetros burgueses, tem-se de pensar a comunidade liberta como
também construtora de seus próprios caminhos, de seus ideais de
liberdade.
Dentro dos limites sociais aos quais todo sujeito histórico se encontra
determinado, não se pode desconsiderar os valores culturais que os
escravos e libertos brasileiros já vinham construindo há tantos anos,
experiências vividas dentro da escravidão. Ao defrontar-se com
tamanho empenho de disciplinarização do trabalho a que se propunha
a elite brasileira, disposta a continuar tutelando a descendência livre
da mulher escrava, o liberto brasileiro recusou o tipo de inserção
social que estavam lhe oferecendo”. 8
Concordo em parte com o que a Papali aponta, porém não posso deixar de notar
que os libertos e escravos quando pleiteavam na justiça tanto pela liberdade quanto pela
retirada de seus filhos da companhia dos ex-senhores, utilizavam nos seus discursos
valores próprios dos ideais modernizantes e burgueses da segunda metade do século
XIX. O “preto” Sebastião, por meio de uma petição solicitou a Junta de Classificação
de escravos a serem libertos pelo Fundo de Emancipação, que fosse incluso na lista do
referido fundo, pois era o único da sua família, composta por sua mãe e três irmãos, que
permanecia escravo:“ afirma se liberto o suplicante terá tempo e gosto para continuar
na aprendizagem que é tão pouca para quem é escravo de vergonha e portanto quer
cumprir os seus deveres”9. Já em 1888 a liberta Lucinda envia a seguinte petição ao juiz
de órfãos de Belém:
7
A Reacção, janeiro de1889, edição 108. Biblioteca Publica do Estado do Pará, setor de microfilmagem.
Papali, Maria Aparecida Chaves Ribeiro. Escravos, libertos e órfãos: a construção da liberdade em
Taubaté (1871-1895). São Paulo, Annablume, 2003. p. 144.
9
Ação de liberdade, 1877. Centro de Memória da Amazônia/UFPA, fundo: Liberdade Escrava, 18701879.
8
18
Diz Lucinda Antonia Maria Da Conceição, que tendo sido
contemplada com a Lei de 13 e maio, que libertou a da escravidão, e
que tendo dou filhos de nomes Arthur, 15 anos e Adolpho 12 anos de
idade querendo dar-lhes uma boa educação, requer a V.Sa. que se
digne nomear tutor dos mesmos a Joaquim da costa
Freitas,estabelecido como oficina de sapateiro a travessa do
passinho. 10
Os libertos e escravos, a partir de muitos conflitos vividos ainda no regime da
escravidão aprenderam a instrumentalizar estes valores burgueses em seus discursos, a
experiência de vida destes indivíduos esteve imbricada a condicionamentos, valores e
normas sociais impostos, que se não eram incutidos passivelmente aos valores que os
cativos e pobres possuíam foram ao menos em certo grau ressignificados.
Entre a Lei do Ventre Livre e a Lei que decretou o fim da escravidão no Brasil,
novos sujeitos sociais passaram a fazer parte das conflitantes relações entre senhores e
escravos, o próprio Estado passou a intervir cada vez mais na relação que durante muito
tempo foi do âmbito estritamente privado. Foi durante esse contexto que também se
processaram projetos políticos voltados para a construção de uma estrutura física e
burocrática que proporcionasse diversos níveis de instrução a população, principalmente
a população pobre, e foi sob este contexto como afirma Marcus Vinicius da Fonseca que
se deram as primeiras políticas educacionais voltadas para a população negra no
Brasil.11
A Lei 2040 de 28 de setembro de 1871 criava a categoria do “ingênuo”, nascido
livre de mãe escrava, os ingênuos vivenciaram uma condição fronteiriça entre a
escravidão e a liberdade. Robert Conrad indicou um universo de quatrocentos mil
ingênuos matriculados no Império em 1885, tais cifras dimensionam a importância
destes sujeitos diante de um período de mudanças e desestruturação do sistema
escravagista. O Grão-Pará possuía ao final de 1887 mais ingênuos do que escravos,
deste modo compreender qual o lugar do ingênuo nas discussões sobre o fim da
escravidão e mesmo como foi vivenciada esta “liberdade tutelada”, fazem parte das
muitas questões que constituem esta dissertação.
10
Auto de tutela, 1888. CMA, fundo: Tutela, 1888.
FONSECA, Marcus Vinícius. As primeiras práticas educacionais com características modernas em
relação aos negros no Brasil. In: Negro e Educação: Presença do Negro no Sistema educacional
Brasileiro, Marcus Vinicius da Fonseca, Patrícia Maria de Sousa Santana, Cristiana Vianna Veras,
Elianne Botelho Junqueira, Julio Costa da Silva, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Regina Pahim
Pinto (organizadores). São Paulo, 2001
11
19
Esta pesquisa esta dividida em três capítulos, o primeiro apresenta as discussões
entorno do projeto da Lei do Ventre Livre, e o surgimento do ingênuo como nova
categoria não apenas jurídica, mas também social. As discussões promovidas durante a
elaboração do projeto que veio a culminar com a Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871
refletiram não apenas as aspirações dos emancipacionistas, mas também, de variados
interesses, mais do que libertar o ventre escravo seu objetivo fora por a questão do
elemento servil sob o controle do Estado acalmando os ânimos de abolicionistas e
escravocratas.
Ao falar dos ingênuos no Pará apresento as discussões promovidas pelo governo
provincial sobre a situação dos ingênuos, e quais os procedimentos deveriam ser
tomados para o cumprimento da Lei, em 1877 o presidente de província do Pará Sr.
João Capistrano Bandeira de Mello Filho nomeou uma comissão com o intuito de
averiguar a situação de possíveis locais e instituições que servissem para abrigar e
educar os ingênuos. As propostas desenvolvidas na década de 1870 estavam buscando
dar conta da expectativa de que milhares de ingênuos fossem entregues ao Estado no
ano de 1879 quando os menores nascidos a partir de 1871 completariam oito anos; e
deveriam tomar destino ou sob a guarda do Estado ou do senhor das suas mães, a
sugestão do então presidente de província foi a de se aproveitarem as fazendas nacionais
existentes na Ilha do Marajó para a fundação de escolas agrícolas.
Ainda no primeiro capitulo trato da atuação das associações emancipacionistas em
relação aos ingênuos, a Lei de 1871 possibilitava que as mesmas criassem institutos
onde poderiam dar educação aos mesmos. No entanto, percebeu-se que as associações
principalmente quando tomamos a figura do Curador Geral de Órfãos o Dr. José
Henrique Cordeiro de Castro não tomaram tal iniciativa, dando preferência para a ação
de particulares. As discussões sobre o destino dos ingênuos esteve relacionada à criação
de institutos e escolas agrícolas nos moldes das instaladas em Pernambuco, Rio de
Janeiro e no Piauí.
Ao observar as discussões sobre os ingênuos na década de 1870 e mesmo as
medidas para a execução da Lei o que esteve por base mesmo não estando tão à
amostra, foi o receio do Governo Imperial de que milhares de ingênuos fossem
entregues ao Estado sem que o mesmo tivesse providenciado as condições necessárias
para recebê-los e educa-los. Ao fim do ano de 1879 apenas um número ínfimo de
ingênuos foi entregue a maior parte permaneceu sob a “tutela” dos senhores de suas
20
mães. E as discussões sobre os ingênuos perdem fôlego, dando lugar a discussões e
propostas sobre a questão da Infância Desvalida, fenômeno semelhante ocorrera após a
promulgação da Lei Áurea.
O segundo capítulo aborda justamente as discussões sobre a educação e a infância
desvalida e sua relação com o mundo da escravidão. O surgimento de institutos
educativos ocorreu de forma paralela às discussões sobre a emancipação escrava no
Império, a educação da população pobre, entre estes destaca-se a população de “cor”, o
controle social, manutenção da ordem e mesmo desenvolvimento de uma mão de obra
qualificada construída por meio de uma educação dirigida pelo Estado.
Nos meses subsequentes ao fim da escravidão uma iniciativa tomada por diversas
figuras ilustres da sociedade Paraense entre eles o intelectual José Veríssimo de Mattos
deram andamento a fundação de uma escola para ingênuos e ex-escravisados em Belém,
denominada Escola 13 de Maio, funcionado sob a direção do Club 13 de Maio. Em
1889 o referido Club chegou a atingir o número de 82 sócios, no entanto percebeu-se
que da proposta inicial que era a de proporcionar uma educação oficiosa aos libertos
passou-se a formarem uma educação voltada para a menoridade desvalida, ampliando
assim o seu campo de ação.
O terceiro e último capítulo intitulado “de Ingênuo a órfão” trata da corrida aos
juízes de órfãos no Pará. Muitos ex-senhores de escravos após a abolição viram-se
privados do que até aquele momento eles possuíam como um direito seu; a guarda e o
usufruto da força de trabalho do filho da escrava. Ao se depararem sem seus escravos e
“seus ingênuos”, os ex-senhores se valeram da possibilidade legal de continuarem com
o domínio dos filhos das escravas por meio da tutela. Para o período imediatamente
subsequente ao 13 de maio encontrei varias disputas entre ex-senhores e ex-escravos, a
tutoria passou a ser denunciada nos periódicos de Belém como uma “nova escravidão”.
A Lei do Ventre Livre longe de ter significado a diminuição de nascimentos entre os
escravos, produziu mecanismos pelos quais os cativos poderiam alcançar a alforria. A
família ao mesmo tempo em que aumentava as chances de se obter a liberdade por meio
do fundo de emancipação que privilegiava a classificação de famílias escravas, ou
mesmo com os esforços somados dos membros da família para a compra da carta de
alforria, também poderia ser o elemento que daria algum grau de estabilidade nas
tensões entre senhores e escravos. Os autos de Tutela envolveram estes sujeitos em
21
conflitos que buscavam preservar o domínio senhorial em uma sociedade onde a
escravidão fora abolida.
Em 1893 é fundada a Associação Protetora da Infância e o “Orphelinato Paraense”
que posteriormente se tornou “Orphelinato Municipal de Belém” e que encerra o recorte
desta pesquisa, a criação de orfanatos distancia cada vez mais questão da infância
desvalida com a memória da escravidão e os menores desamparados passam a receber
atenção do Estado por meio de novos institutos.12
12
DUARTE, Antonio Valdir Monteiro. Órfãs e Desvalidas: A formação de meninas no orphanato
municipal de Belém do Pará, (1893 -1831). Tese de doutorado, Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós – Graduação em Educação, 2013.
22
“Um povo que nasce, e que toma do influxo estrangeiro mais
vícios do que virtudes, se quiser prosperar, deve tornar o ensino
livre a aprendizagem obrigatória e o trabalho um hábito
necessário e bem remunerado.”
(Dr. Gonçalo de Faro. – Regulamento das Colônias
Orfanológicas, em Jornal do Pará, 1878).
23
CAPÍTULO I.
“OS DESERDADOS DA SORTE”:
A Lei do Ventre Livre e o nascimento do Ingênuo.
“... a nossa ocasião com a presente Lei, que posto não acabasse de
todo com o mal, todavia estabeleceu o libertamento do ventre,
preparando deste modo a liberdade completa, em um futuro não muito
longínquo. Não deve ficar, porém, ai a obra, e é palpitante a
necessidade de prepararmos o futuro desses entes, deserdados da
sorte”. (Vicente Aves de Paula, magistrado cearense, presidente do
Tribunal da Relação do Pará, 1875).13
Nas páginas que se seguem busquei compreender o lugar dos filhos da Lei do Ventre
Livre; podemos pensar em muitas formas e experiências de cativeiro, o mesmo vale para as
diversas “modalidades de liberdade” no Brasil Imperial. Tais conceitos como escravidão e
liberdade longe de serem fixos mostram-se fluídos de acordo com os contextos, espaços e
marcadores sociais diversos como gênero, cor, condição jurídica etc. Os filhos das escravas
que nasceram sob a vigência da Lei de 1871 nasceram livres, mas sob uma modalidade de
liberdade muito próxima da escravidão ao continuarem ligados aos senhores de suas mães
até atingirem a maioridade jurídica/civil. Não apenas por permanecerem em companhia
dos senhores e sim “sob o domínio” dos senhores.
Podendo ser pensada como uma geração de transição visto que quando do término da
escravidão no Brasil estes menores contarem com no máximo 17 anos de idade, ainda
sendo obrigados a prestar serviços aos proprietários de suas mães, experimentaram durante
os primeiros anos de suas vidas a fronteira difusa da escravidão para com a liberdade.
Diferentemente da geração que os precedera não eram propriedades, não podiam ser
separados de suas mães ao menos até a idade de 8 anos, isso remete a uma ressignificação
das relações afetivas entre os cativos e seus filhos. Estes tiveram o privilégio de crescerem
nos seus primeiros anos de vida em companhia das mães, tornaram-se criados de casa,
quando não “crias da casa”.
13
PAULA, Vicente Alves de. Anotações à Lei e Regulamentos sobre o Elemento Servil: anotações até o fim
de 1874, com os avisos do Governo, Jurisprudência dos tribunais e alguns esclarecimentos. Rio de Janeiro,
Instituto Tipográfico do Direito. Rua Theofilo Ottoni, 1875, p. 6.
24
O “ingênuo” nasce em 28 de setembro de 1871 enquanto categoria social de indivíduos
que estariam marcados por uma condição fronteiriça entre liberdade e escravidão. Quando
em 1888 o ingênuo passa a ser tratado como órfão, tal “metamorfose” não se deveu tão
somente em virtude da Lei Áurea e sim diante de um processo de demarcação social que se
iniciou em 1871.
Nestes dezoito anos que se passaram entre as Leis do Ventre Livre e a Áurea, essa
“geração de transição” fora alvo de projetos políticos, educacionais e disputas pela mão de
obra. Experimentaram uma liberdade tutelada, aproximaram-se do mundo da liberdade não
como qualquer criança livre, mas uma liberdade associada a orfandade, sempre sob a tutela
do Estado ou dos senhores e mesmo a de indivíduos movidos pelas “humanitárias ideias”
do século.
Neste capítulo analiso as discussões da Lei de 1871 na própria historiografia brasileira,
e também a execução da Lei, que longe de ter sido facilmente cumprida encontrou
dificuldades de cunho burocrático, pela falta de recursos, má vontade dos senhores de
escravos e em certa medida pela inoperância do Estado. Por tais motivos acabou-se por
necessitar a elaboração de regulamentos e decretos que indicariam os modos e
procedimentos para o cumprimento da Lei, os Ministérios da Justiça e de Agricultura e
Obras Públicas produziram uma série de avisos e circulares para todas as províncias do
Império. Os jornais que circulavam em Belém discutiram ricamente o futuro do ingênuo,
as ideias presentes em tais discussões estiveram articuladas a discussões que se
processavam por todo o Império brasileiro.
Em 1874 o Pará possuía 19.729 escravos14 matriculados (a matricula de escravos foi
determinada pela Lei de 1871), enquanto que no Censo Geral do Império em 1872 contava
com 27. 199 cativos, essa diferença de 7.470 para menos longe de representar a perda do
contingente de escravos da província para outras áreas do Império, representa a dificuldade
do Governo Provincial do Pará em efetuar a matricula dos escravos e a respectiva produção
dos relatórios baseados em tais dados. As dificuldades administrativas para a execução da
Lei são vistas na falta dos livros para serem registrados os óbitos e nascimentos de
ingênuos, na ausência de responsáveis pela administração de cemitérios, falta de membros
nas juntas de classificação de escravos. Ou seja, a Lei de 1871 necessitou de um longo
tempo para ser executada.
14
Tal número de escravos matriculados foi extraído de: Luiz Francisco da Veiga. Livro do Estado Servil e a
Respectiva libertação, 1876. BDSF.
25
Os abolicionistas no Pará na década de 1880 se ocuparam menos com o futuro dos
ingênuos do que com a libertação dos escravos. Não encontrei maiores referências sobre
instituições relacionadas às associações emancipacionistas que se ocupassem da educação
do filho da escrava, em certa medida a mudança de status do filho da escrava não se
refletiu em uma mudança drástica nas relações particulares entre escravos e seus senhores.
Debates sobre a Lei do ventre livre.
As discussões ocorridas no final da década de 1860 acerca da emancipação escrava
desembocaram na elaboração da Lei número 2040 de 28 de setembro de 1871, conhecida
como a Lei do Ventre Livre. Tal Lei não se restringiu tão somente em libertar os filhos
nascidos de mulher escrava, mas, também em normatizar na Lei determinados direitos
assentados nas relações costumeiras entre senhores e escravos, como a compra da
liberdade por parte do cativo.15
A Lei do Ventre Livre deixou os filhos dos escravos em uma condição jurídica diferente
da escravidão, normatizou o pecúlio do escravo e a compra da alforria, e criou o Fundo de
Emancipação, estabeleceu a Matrícula Geral dos Escravos e libertou os escravos de
nação.16 E muitas vezes foi ressignificada nos tribunais abrindo brechas para que os
escravos alcançassem a liberdade.17
Quando do centenário da referida Lei em 1971, Edson Carneiro proferiu uma palestra
sobre a mesma Lei destacando a necessidade de se estabelecerem mais pesquisas acerca da
legislação que normatizava as relações escravagistas do Império.18 De lá pra cá muito já se
15
Tal dimensão da lei do ventre Livre em relação ao costume do pecúlio foi discutido por Manuela Carneiro
da Cunha. Ver : CUNHA, Manuela Carneiro da. Sobre os silêncios da lei: lei costumeira e positiva nas
alforrias de escravos no Brasil do século XIX. In: Revista de Antropologia do Brasil, 1986.
16
Os escravos de nação eram aqueles que pertenciam ao Estado, e exerciam suas atividades em
estabelecimentos administrados pelo governo.
17
A Lei do Ventre Livre foi constituída por nove artigos, sendo o primeiro deles sobre a liberdade do ventre
escravo o mais conhecido, o artigo 2º determinava que o governo poderia entregar o menor ingênuo a
associações, no terceiro artigo fora determinado a libertação de escravos em cada província com a criação de
um fundo para tal fim, no 4º artigo permitiu ao escravo a formação do pecúlio, pratica essa que era de cunho
costumeiro. No artigo 5º sujeitava as sociedades emancipacionistas a inspeção do juiz de órfãos, no caso do
Pará o Curador Geral de Órfãos Henrique cordeiro de Castro, que assumiu o cargo em 1877 era membro de
uma agremiação abolicionista; o artigo 6º declarava libertos os escravos da nação, os dados em usufruto a
Coroa, os de heranças vagas e os abandonados por seus senhores. O sétimo artigo determinava que nas
causas da liberdade a ação seria sumária, e no oitavo e nono artigos versavam sobre a matrícula geral de
cativos e ingênuos e sobre as multas e taxas em relação ao não cumprimento das determinações da lei.
18
A referida palestra foi publicada em formato de artigo: CARNEIRO, Edson. A Lei do Ventre Livre.
Revista Afro-Ásia, n. 13. http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n13_p13.pdf
26
adiantou nos estudos das Leis e da escravidão brasileira, contudo é interessante tomarmos
alguns pontos indicados por Edson Carneiro em 1971.19
Edson Carneiro indicou que as reformas da Lei de 1871 correspondiam de modo geral a
duas correntes principais de opinião, uma dos escravocratas que ansiavam por acalmar os
ânimos de abolicionistas e preservar o seu direito a propriedade escrava; e outra constituída
por liberais de cunho mais radical que ansiavam pelo fim da escravidão. Edson Carneiro
estabeleceu uma correspondência entre a Lei do Ventre Livre e as proposições feitas por
José Bonifácio de Andrade na Assembleia Constituinte do Império de 1823, onde algumas
daquelas propostas apresentadas por Bonifácio como o pecúlio do escravo, a criação de um
fundo que serviria pra alforriar cativos anualmente, entre outras, serviram de base para a
Lei de 1871.20
Segundo Carneiro foi logo após a promulgação da Lei de fim de tráfico de escravos de
1850 (Eusébio de Queiroz) que o deputado pela província do Ceará o Sr. Silva Guimarães
apresentou uma proposta declarando livres os filhos de escravas e proibindo a separação de
cônjuges escravos, não obtento apoio na Câmara, e dois anos depois o mesmo deputado
apresentou novo projeto sendo novamente derrotado. Outros projetos com propostas que
tratavam sobre a “questão servil” foram apresentados na década de 1860, três do deputado
Silveira Mota entre 1862 e 1865, mais três foram apresentados pelo Visconde de
Jequitinhonha (1865), também foram apresentados projetos propostos por Tavares Bastos
em (1866).
Entre 1866-1867 o deputado Pimenta Bueno (Visconde de São Vicente) ficou
incumbido e preparar um projeto sobre a questão dos nascituros; em primeiro momento a
Guerra do Paraguai serviu de desvio de foco e arrefeceu a questão no parlamento, no
entanto a declaração da emancipação da escravidão no Paraguai em 2 de outubro de 1869
por pressão do governo Brasileiro trouxe novamente a questão ao debate no parlamento
brasileiro. Foi sob o gabinete do Visconde do Rio Branco que o projeto de Lei sobre os
nascituros fora votado em 1871.21 Como frisou Edson Carneiro; a Lei de 1871 declarou
19
Entre o conjunto de trabalhos que discutem não apenas a legislação escravagista do Império brasileiro e
sim também a relação entre justiça e escravidão ver a coletânea de textos publicados em: Direitos e justiças
no Brasil, 2006, UNICAMP.
20
CARNEIRO, Edson. Op. Cit. pp. 15-17.
21
VER PROJETO nº 1 apresentado por Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. In: Trabalho sobre a
extinção da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1868. p. 3-18. Disponível em:
http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/185616.
27
livre da escravidão jurídica os filhos de ventre escravo, no entanto, constituiu a condição
destes menores como uma escravidão de fato. 22
Christina Ladiler indica que apesar das críticas feitas pelos abolicionistas contra a Lei
de 1871 como uma forma de alongar ainda mais a vida da escravidão, ainda sim esta Lei
marcou um momento importante, enfraquecendo a legitimidade da escravidão ao
deslegitimar no sentido moral a instituição da escravidão no Brasil. Somente foi possível o
andamento do projeto da Lei de 1871 devido ao contexto formado com o fim do tráfico de
escravos e o processo de concentração da propriedade escrava nas mãos de poucos
proprietários; o que possibilitou a formação de uma elite urbana não necessariamente
vinculada à propriedade escrava e que carregava consigo os “ideais do século”. Segundo a
mesma autora:
A sociedade vivia grandes mudanças após o fim do tráfico. Alteravase o padrão da propriedade de escravos, que se concentrava
progressivamente em poucas mãos, permitindo que setores
desvinculados e não dependentes da escravidão crescessem e
apoiassem a emancipação como condição do progresso da nação.
Por outro lado, a base da estrutura social, antes formada pelos
africanos boçais, já não existia, e ladinos e crioulos, que até então
podiam esperar por benefícios frente aos recém-chegados, passaram
à ocupar o lugar mais baixo da hierarquia social, e sua luta por
prerrogativas tornou-se luta por direitos, num contexto de menor
expectativa de alforrias concedidas graciosamente.23
O argumento forte de Christina Ladiler foi à existência de um processo de
fortalecimento de uma elite desvinculada da mão de obra escrava, o que possibilitou o
andamento dos debates das Leis emancipacionistas. Posto estes pontos, corroboro com a
afirmação de Carneiro do caráter dual da Lei de 1871, desde o texto de Edson Carneiro tal
premissa se apresentou de forma contundente aos que estudam a Lei do Ventre Livre.
Sidney Chalhoub também se ocupou de analisar as transformações e as discussões no
contexto da Lei de 28 de setembro de 1871.24 Ao mostrar os ir e vir discursivo de diversos
parlamentares sobre a questão da reforma servil principalmente a partir de 1867, Chalhoub
mostra o quanto conflituoso fora à aprovação da Lei do Ventre Livre. Destacando a
mudança de gabinete desde a solicitação pelo Imperador ao Visconde de São Vicente
(Pimenta Bueno) para elaboração de um projeto que versasse sobre a questão.
22
Idem; p. 23.
LAIDLER, Christiane. Lei do Ventre Livre: interesses e disputas em torno do projeto de “abolição
gradual”; p. 181.
24
CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis historiador. Companhia das Letras. E-book.
23
28
Como indica Chalhoub mesmo diante das pressões em prol da emancipação servil que
aumentara na década de 1860, tanto a aprovação da Lei quanto a sua execução encontrou
resistência sob o argumento de manutenção da ordem, e com o receio do abalo no poder
moral dos senhores que a Lei viria causar. O próprio Visconde do Rio Branco teceu críticas
à reforma nas discussões de 1867 acerca da reforma servil, mudando de opinião nos quatro
anos seguintes.
Um dos pontos apresentados por Chalhoub e que aqui destaco foi à discussão
promovida no parlamento sobre a condição do filho da escrava durante o ano de 1871
diante das discussões do projeto de reforma então em pauta. A Lei de 1871 criou novas
categorias sociais e extingui tacitamente outras. Podemos afirmar que Lei de 1871
silenciou acerca da condição dos africanos livres e aqueles escravizados ilegalmente ao
estabelecer a Matrícula Geral dos Escravos em seus artigos, possibilitando que o senhor de
indivíduos ilegalmente escravizados atribuíssem caráter de legitimidade e legalidade a sua
“suposta propriedade”.25 Assim como deu um “fim” a questão sobre os africanos livres,
categoria social que caducou no contexto da década de 1870.26
Se durante as décadas de 1860 algumas ações de liberdade se baseavam na Lei de fim
de tráfico de 1831,27 após a Matrícula Geral de Escravos estabelecida na Lei do Ventre
Livre, a discussão ganhou novas direções como a questão da formação de uma mão de obra
livre para a lavoura, o controle da população liberta, e dos filhos das escravas.
Houve certo destaque durante as discussões sobre a Lei do Ventre Livre dado a questão
da denominação a ser atribuída ao filho da escrava nascido a partir da promulgação da Lei.
Tal discussão não trazia em si somente a necessidade de denominação da criança de ventre
cativo, e sim dos limites da cidadania que estes menores poderiam usufruir futuramente,
seria ele chamado de liberto? Ou de ingênuo?
25
CHALHOUB, Sidney. A Força da Escravidão: ilegalidade e Costume no Brasil Oitocentista. 1ª ed. São
Paulo, Companhia das Letras, 2012.
26
O discurso proferido por C. Ottoni no parlamento em 1882 vai indicando o quanto a questão dos africanos
vai caducando sobre o contexto da década de 1870 e 1880: “Que a lei era aplicável a centenas de milhares
de casos, facilmente se prova. São passados 52 anos depois da promulgação dessa lei. Os africanos
importados nunca o eram em tenra idade; as crianças não suportavam a travessia, nem achavam
compradores, porque o de que se precisava era braços para o trabalho. A mínima idade dos africanos
importados pode ser avaliada em 12 a 13 anos. Assim, dos importados antes de 1831 só podem existir alguns
maiores de 65 anos, e sabe-se que raros desses infelizes transpõem tal meta. Portanto, ou não existem, ou
raríssimos são os indivíduos naturais da África que estejam isentos da sanção da lei de 1831. Eu não tenho
conhecimento de um que seja. (...)”. In: Emancipação dos Escravos. Discurso Proferido no Senado, Sessão
30 de Junho de 1883. Rio de Janeiro, Tipographia Nacional, 1883. BDSF.
27
COTA, Luis Gustavo Santos. Não só “para inglês ver”: justiça, escravidão e Abolicionismo em Minas
Gerais. Historia Social, nº 21, segundo semestre de 2011.
29
Ao se denominar a criança nascida de ventre cativo de “liberto” admitia-se o caráter de
propriedade do menor e, portanto, abriam-se brechas para a indenização aos proprietários
das mães cativas; ao mesmo tempo em que se restringiam a cidadania completa sendo que
pela constituição de 1824 os libertos não teriam acesso a determinados direitos políticos. O
Barão do Rio Branco alertava para tal situação que iria ser criada se os filhos da Lei de
1871 fossem considerados libertos:
A Lei não restitui a liberdade aos indivíduos a quem vai beneficiar,
estabelece o princípio de que da sua data em diante, ninguém nascerá
escravo no território brasileiro. É esse o seu pensamento, e por isso
não reconhece nesta parte direito de indenização em favor dos
senhores. O contrário estaria em flagrante contradição com tudo
quanto se pode alegar e se alega, em nome da religião, do direito
natural e das luzes do século, contra o estado de escravidão. O
contrário fora criar entre nós uma nova classe social não menos
perigosa, a de cidadãos privados de preciosos direitos em relação à
vida pública e política. Se os libertos até hoje se mostram resignados,
é porque neles verificam-se os motivos da incapacidade prevista pela
constituição, e não são eles em grande número, ou se acham em
situações muito diversas de lugar, de ocasião e de idade, visto que as
alforrias são individuais, incertas e lentas. (Paranhos, 1871. Apud:
Chalhoub).28
Rio Branco distanciava a categoria social criada com a Lei do ventre Livre da condição
dos libertos. A Lei não os restituiria a condição de liberdade, sendo que estes já nascerem
livres e por tanto detentores de uma cidadania plena. O valor de seiscentos mil reis que
visava indenizar o senhor da mãe cativa, não tinha por fim indenizar o valor da criança e
sim os gastos que o mesmo teria ao cuidar do menor até este atingir a idade de oito anos e
tornar-se força de trabalho.
A outra denominação que embora tenha sido usada durante os debates, nos tribunais e
na sociedade imperial de modo geral ao longo das décadas de 1870 e 1880 era o termo
“ingênuo”. O individuo nascido ingênuo (nascido livre) possuiria direitos a uma cidadania
“integral”, o que pareceu não agradar a muitos escravocratas do parlamento; a estratégia
elaborada no discurso do Visconde de São Vicente (Pimenta Bueno) fora a de deixar a
questão de “classificação” do menor para mais adiante, e o denomina-lo tão somente por
àquela hora de “condição livre”. Daí o silêncio do termo ingênuo na Lei de 1871, no
entanto, costumeiramente tal denominação foi bastante comum nos tribunais e nos
periódicos, a necessidade de distinguir os filhos da Lei de 1871 das crianças cativas e dos
libertos levou a uso costumeiro do termo ingênuo.
28
CHALHOUB, Sidney. 2012, Op. Cit. p. 127.
30
Dos debates parlamentares até as transformações de fato vivenciadas pelos cativos e
seus filhos, constituem-se quase que objetos distintos no sentido de que embora os
legisladores e parlamentares calculassem os riscos e ressonâncias da Lei do Ventre Livre,
sua efetiva aplicação ganhou significados diversos. Um dos primeiros foi à afirmação do
menor nascido de “condição livre” enquanto ingênuo. Outro fora o uso da força de trabalho
do ingênuo. Kátia Mattoso ao falar do filho da escrava resaltava que os senhores de
escravos longe de deixarem de dar atenção à reprodução dos cativos de seus planteis,
passou a utilizar da mão de obra do ingênuo, segundo Kátia Mattoso:
Teríamos a tendência de pensar que, finalmente, o valor do escravo
criança desaparece com a promulgação da Lei de 1871; até atribuímos
a falta de precisões sobre o sexo, o nome, a cor e a idade ao fato que a
criança ingênua interessava menos agora aos seus senhores. Na
realidade, a falta de dados sobre ingênuos é talvez mais uma maneira
dos senhores aproveitarem-se de situações pouco claras. De qualquer
maneira, os senhores nunca deixaram de bem conhecer o valor real
dessas crianças.29
Quando estes menores atingiram a idade de oito anos poucos senhores os entregaram ao
Estado, a tutela do ingênuo tornou-se um direito a qual o escravocrata não abriu mão. Isso
remete a uma experiência muito mais enraizada na sociedade brasileira que é o de ter um
moleque, uma cria da casa, ora um indiozinho, ora um mulatinho, uma relação baseada na
exploração da força de trabalho em troca de cuidados e moradia, e alguma modalidade de
educação. A manutenção do domínio senhorial sobre os ingênuos representou a
institucionalização em termos legais de uma prática social.
O literato paraense Marques de Carvalho em um poema abolicionista publicado em
1886 sob o patrocínio de uma associação abolicionista em Recife - PE, condenava a
inoperância do Imperador D. Pedro em relação à questão servil, sob o contexto da década
de 1880 a Lei do Ventre Livre deixava de dar contento aos abolicionistas que se
reorganizavam e exigiam novas medidas em prol da emancipação escrava, o trecho do
poema de Marques de Carvalho remete a este contexto:
A Pedro assim disseram :
- Somos as crianças
Que uma Lei luminosa ao jugo arrebatou.
Nossos pais entretanto na desdita lanças!
No teu peito o remorso nunca se aninhou!
Ah! nunca! nunca! é certo.! O povo brasileiro
E' maldito por toda a civilização,
Porque no Brasil reina o infame cativeiro,
29
MATTOSO, Kátia. O Filho da Escrava (entorno da Lei do Ventre Livre). Revista Brasileira de História .São Paulo, V. 8, n. 16. Mar/Ago, 1988, p. 55.
31
Esse verme que roe a pútrida nação!
Quase todos nós somos filhos dos senhores
De nossas boas mães, das míseras mulheres
Que de dia sofriam do castigo as dores
E á noite lhes davam sensuais prazeres...
Coitadas! Muita vez para longe vendidas
Deixaram-nos pra sempre, mártires bondosa,
E vimo-nos sem mães, crianças desvalidas,
Dos próprios pais sofrendo penas rigorosas!
Mas libertos nós fomos, graças aos esforços
De Rio-Branco o grande apostolo imortal
Da santa Liberdade ... - O' rei! duros remorsos
Não te mordem acaso o coração brutal?30
Marques de Carvalho construiu uma representação romantizada da Lei de 1871, assim
como a noção da escravidão enquanto um elemento que degenera a nação brasileira,
remetendo-se também as relações sexuais entre as cativas e seus senhores. Mais do que
atribuir alguma concretude real as representações apresentadas neste poema é interessante
perceber que as significações das categorias e simbologias utilizadas tem sentido dentro
das discussões do período “pós-Lei do ventre livre”. Para Marques de Carvalho, assim
como para outros abolicionistas a Lei de 28 de setembro de 1871 ao libertar o ingênuo e
não fazer o mesmo pelos pais gerou uma nova massa de menores desvalidos; “ E vimo-nos
sem mães, crianças desvalidas”.
Os ingênuos no Grão – Pará.
O Pará em 1888 possuía a população de 11.273 ingênuos matriculados, sendo que
Belém mantinha 25,5 % desse contingente, número muito próximo do número de escravos
para o mesmo período. Embora tenha encontrado dados sobre o número de ingênuos para o
ano de 1876, o Pará apresentou os dados bem mais tarde que outras províncias, em 1874 o
Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Amazonas e outras seis províncias já apresentavam seus
dados.31
Foi somente a partir de 1878 que informações sobre a população ingênua passaram a
serem apresentadas nos relatórios dos presidentes de província do Grão- Pará, e mesmo
assim em períodos pouco regulares, temos dados para os anos de 1878, 1884,1885 e 1887.
30
Marques de Carvalho, João. O Sonho do Monarcha; Poemeto Abolicionista. Recife – Typographia da
Industrial, 1886, p. 12.
31
VEIGA, Luiz Francisco da. Op. Cit. p. 53.
32
As determinações sobre á matrícula destes menores assim como as dificuldades para
registrar e sistematizar tais dados foram um empecilho para a pronta execução da Lei.
Estes menores surgiram como sujeitos principais nas ações de tutela nos anos finais da
escravidão e principalmente nos meses subsequentes a Lei Áurea. A Lei de 1871 marca um
momento de maior intervenção do Estado na relação privada entre senhor e escravo, o fato
é que ao possibilitar legar automaticamente a tutela do ingênuo ao senhor da mãe cativa, o
Estado diminui o grau de intervenção na relação entre cativo e senhor. Para além das
propostas e discursos o Estado só aparece novamente na figura do juízo de órfãos durante o
período final do regime escravagista, quando os ex-senhores viram-se privados de um
direito que até então usufruíam sendo este o domínio sobre a força de trabalho do ingênuo.
No relatório de 1872 o então presidente de província Abel Graça registrou em palavras
de “júbilo” a chegada da notícia na província paraense sobre a Lei do Ventre Livre, tal Lei
segundo ele seria um “imenso passo dado pelo Império no caminho do progresso e
civilização”. De imediato fora dado pelo presidente da província dois dias dos seus
“subsídios” para serem aplicados a emancipação de crianças do sexo feminino. Mediante o
que foi apresentado no Relatório de Presidente de Província, a Lei do ventre livre teria sido
o “primeiro e mais importante cometimento” na obra da emancipação, faltava agora que se
mantivesse o “ardor patriótico” para a execução da Lei.32
A Lei de 1871 criou novas categorias sociais assim como marcou o fim de outras. Para
sua efetiva implementação foram necessários outros regulamentos produzidos entre 1871 e
1879, de como deveriam ser arrecadados e aplicados os fundos a serem distribuídos para a
emancipação de escravos, o regulamento sobre o como deveria se proceder a Matricula
Geral dos Cativos e a matrícula dos ingênuos. Seguiu a Lei de 1871, o decreto nº 4835 de 1
de dezembro de 1871 tratando sobre a matrícula dos escravos e filhos livres de mulheres
escravas, depois o decreto nº 5135 de 13 de novembro de 1872 que aprovou o regulamento
geral para a execução de Lei do Ventre Livre.
Tal conjunto de decretos e regulamentos que se seguiram após a Lei do Ventre Livre
correspondem aos mecanismos pelos quais se buscou por em execução a referida Lei e
podem indicar as dificuldades sobre a sua execução. Lenine Nequete elencou sete decretos
que se seguiram a Lei do Ventre Livre; o decreto nº 4,835 de 01/12/1871 estabelecendo as
regras para a matrícula de escravos e ingênuos, o nº 4.960 de 08/05/1872 promovendo
alterações ao decreto anterior em relação à matrícula de ingênuos, o nº 5.135 de
32
Relatório Apresentado á Assembleia legislativa Provincial na primeira sessão da 18º legislatura em 15 de
fevereiro de pelo presidente de província, Dr. Abel Graça. 1872, p. 5.
33
13/11/1872 aprovando o regulamento geral para a execução da Lei do ventre livre, o de nº
6.341 de 20/09/1876 alterando as certas disposições do regulamento de 13/11/1872; o
decreto nº de 08/07/1878 que prorrogou o prazo para matrícula de ingênuos de três para
seis meses; o decreto de 31/10/1879 aumentando o valor das taxas a serem pagas pelos
senhores, e por fim o decreto de 15/11/1879 estabelecendo multas por omissão na
matrícula dos escravos, a estes devem ser acrescidos os inúmeros avisos e circulares
emitidos pelo Ministério da Agricultura e Obras Públicas.33
Vicente Alves de Paula34 em 1875 publicara sua obra que trazia as disposições da Lei de
1871 juntamente com os decretos e alguns pareceres que ocorreram nos tribunais do
Império até 1874. Magistrado em sobral na província do Ceará, Alves de Paula logo no
início de sua publicação fez referência à situação que teria se seguido nos Estados Unidos
durante a guerra de secessão após a libertação dos escravos, segundo ele:
Nos Estados-Unidos, quando começou a guerra de secessão, a
animação foi geral, no intuito de criar os meios de educação aos
infelizes, que iam deixar a escravidão, e o Governo se paz á testa da
propaganda, e com tanto interesse, que no fim de um ano (1863),
1,500 escolas estavam abertas para receber os libertos, e no começo de
1868 haviam 4,000.35
O magistrado Cearense via na experiência dos Estados Unidos um guia na forma como
lidar com os ingênuos da Lei de 1871. A educação para ele seria o meio de manter a ordem
e civilizar a nação, o receio que os filhos livres de mulheres escravas se tornassem um
perigo à sociedade fora o que fundamentara seu discurso sobre a necessidade de educa-los,
eis a perspectiva de Alves de Paula nas suas palavras: “(...), que no fim de contas e quando
os filho dos escravos, que hoje nascem, tiverem de aparecer na sociedade, será necessário
demasiada vigilância dos poderes públicos para os conter nas raias do dever, prevenindo
qualquer alteração na ordem publica”.36 A educação seria uma via de contenção dos
vícios que estes menores poderiam carregar se mantidos em condição semelhantes à de
seus pais.
33
NEQUETE, Lenine. Escravos & Magistrados no 2º reinado: aplicação da lei nº 2040 de 28 de setembro de
1871. Brasília, Fundação Petrônio Portella, 1988, pp. 155-156.
34
Vicente Alves de Paula nasceu em sobral no ano de 1828, formou-se em direito em 1850 na faculdade de
Olinda – PE, ocupou o cargo de juiz de direito de Sobral de 1865 a 1876, após esse período ocupara o cargo
de Desembargador da Relação do Pará, em 1878 fora nomeado presidente da mesma Relação e recebeu o
titulo
de
Conselheiro.
Informações
tiradas
de:
http://www.ceara.pro.br/cearenses/listapornomedetalhe.php?pid=32160
35
PAULA, Vicente Alves de. Op. Cit., p. 8.
36
Idem.
34
O artigo 2º da Lei do Ventre Livre determinava que o Governo pudesse entregar os
menores abandonados ou cedidos pelos senhores das mães às associações que
apresentassem interesse; as mesmas poderiam usufruir dos serviços dos menores até a
idade de 21 anos, sendo estas obrigadas a cria-los e dar educação juntamente com um
pecúlio. Segundo Alves de Paula foi publicado um aviso do Ministério da Agricultura de
30 de outubro de 1871 solicitando aos Presidentes de Província que verificassem se
existiam em suas Províncias associações emancipacionistas já organizados e com seus
devidos estatutos aprovados.37 Karla Barros indica que o Ministério da Agricultura em
1877 calculava a existência de 192.000 ingênuos matriculados o Império e estimavam uma
media anual de 4.000 nascimentos,38 e deste modo cogitavam a possibilidade de que ao
menos um sexto destes menores fosse entregue ao Estado; daí a necessidade de se
fundarem estabelecimentos para receberem estes menores a partir de 1879, ano que os
mesmos completariam a idade de oito anos.
Em 1877 foi encaminhada a presidência da província do Pará um relatório executado
por mando da mesma presidência para averiguar se existiam associações emancipacionistas
e institutos que poderia cuidar e educar dos filhos livres de mulheres escravas de acordo
com a Lei de 1871.39
Pará, 19 de setembro de 1877.
ILLm. e Exm. Sr. , - Em devido tempo nos temos reunidos em
comissão com o fim de dar cumprimento no encargo que V. Exc. se
dignou confiar-nos, qual o de informarmos a essa presidência, se nesta
província existem elementos para fundação de associações destinadas
a criar e educar filhos de escravas nascidos desde a promulgação da
Lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871, que forem cedidos ou
abandonados pelos senhores das escravas ou forem tiradas do poder
destes em virtude o §6º do art. 1º da mesma Lei.40
37
Segundo Alves de Paula: “O Aviso de 30 de Outubro de 1871, dirigido aos Presidentes das Províncias,
consultou: se existiam na Província a cargo de cada um, elemento e disposições para e fundarem as
associações de que trata este artigo, devendo imediatamente empregar esforços para sua organização,
comunicando as medidas, que por parte do Governo forem precisas para esse fim. E se existiam sociedades
de emancipação já organizadas e funcionando com estatutos legalmente aprovados, devendo o Presidente
promover a sua regularização na hipótese contraria: quais os meios de que dispõe, os serviços que tem
prestado, as medidas que convém adotar para seu desenvolvimento, e finalmente, se estão dispostas a
admitir entre os fins de sua instituição o de receberem menores filhos de: escravas, de que se faz menção
neste art. E sob que condições”. Ver, Vicente Alves de Paula. Op. cit. 1875, p. 18.
38
Barros, Karla. Op. Cit. 2009, pp. 113-114.
39
Jornal do Pará, 18/10/1877, nº 237, p.1.
40
Idem.
35
Os membros da mesma comissão foram: Antonio Gonçalves Nunes, que também era
presidente da Comissão de Colonização no Pará, 41 foi um dos redatores do jornal Diário
do Gram Pará, e deputado do partido conservador.42 Também participava da comissão
para averiguar a existência de associações, os senhores; Guilherme Francisco Cruz, eleito
no ano de 1884 Deputado pela província do Pará e de cunho conservador,43 Manoel Roque
Jorge Ribeiro era um capitalista, dono de escravos e integrante da Associação
Philantrópica de Emancipação de Escravos e eleito membro do conselho deliberativo da
mesma em agosto de 1869,44 Joaquim Jose de Assis e Antonio José de Sousa Dillon, o
primeiro foi um dos donos do Jornal político O Colombo, ligado ao Partido Liberal, não
encontrei referências sobre este último. O relatório estabelecia alguns apontamentos para
que se pudesse cumprir a Lei de 1871, segundo os relatores haviam sérias dificuldades para
se organizarem as referidas associações no Pará, entretanto viam a necessidade de se
estabelecerem formas para o cumprimento da Lei, eis um trecho do relatório:
É preciso não perder de vista que os filhos de mulher escrava que vão
entrar no gozo dos benefícios a que dá-lhes direito a Lei de 28 de
setembro, destinam-se, principalmente ao emprego na lavoura, das
artes e dos ofícios, devendo previamente, receber uma boa e
compatível educação e instrução. As associações de que se trata tem
sobre tudo por fim promover essa instrução e educação, antes quais
não devem, nem podem auferir vantagem alguma, e mais seria menos
difícil de conseguir.
Para os menores destinados as artes e ofícios, possuímos nesta capital
diversos estabelecimentos públicos e particulares que não farão
questão de recebe-los, uma vez que lhes sejam prometidas algumas
vantagens, e outro tanto podemos dizer também acerca dos que
destinam á lavoura, bem que, quanto a estes, em vista do atraso em
que ela se acha, dada á ruína, terão eles apenas um fraco meio de
subsistência.45
Os relatores dividiam a educação dos ingênuos em dois níveis um destinado às artes e
ofícios, para os quais o próprio governo já havia criado, como exemplo embora não citado
no relatório temos o Instituto de Educandos e Artífices fundado em 1872. O relatório
destacava ainda que se as dificuldades para “dar cumprimento” da Lei em relação aos
41
A informação do cargo exercido por Gonçalves Nunes foi retirada de um oficio do presidente da província
encaminhado ao mesmo para que no seu cargo distribuísse o valor de quarenta e oito mil reis a imigrantes
cearenses que fora arrecadada em Vizeu para as vitimas da seca. Jornal do Pará, 24/10/1877, p.1.
42
BEZERRA NETO, Jose maia, 2009. Op. Cit., pp. 167, 169.
43
Idem. p. 431.
44
Ibidem. pp. 205, 216.
45
Jornal do Pará, 18/10/1877, nº 237, p.1.
36
menores de sexo masculino eram grandes, as do sexo feminino seriam maiores havendo a
necessidade de se criarem institutos “modelados” a imagem do Colégio do Amparo.
Quanto à lavoura, os relatores viam nela apenas uma forma de parca subsistência, um
dos membros da comissão o Sr. Gonçalves Nunes era então presidente da Comissão de
Colonização e por tal cargo deveria estar a par da situação da lavoura na província
paraense. Enquanto o relatório indicou que poderiam ser formulados estabelecimentos de
artes e ofícios em modelo de internatos, os estabelecimentos rurais não seriam exequíveis
em prazo de poucos anos.
A participação de um dos membros da então antiga Associação Philantrópica de
Emancipação de Escravos O Sr. Manoel Roque Jorge Ribeiro na comissão que elaborou o
relatório causa mais dúvidas acerca da ausência de menção à associações
emancipacionistas no relatório, infiro que isto ocorreu em virtude da Lei de 1871 ter dado
“contentamento” suficiente no cotexto do movimento emancipacionista paraense da década
de1870. O que se buscou a partir de 1871 foi o cumprimento da Lei, este foi o eixo de
maior ação dos então emancipacionistas paraenses até a década de 1880 quando o
movimento abolicionista ganharia novo fôlego.
Mais do que dar “trabalho ou emprego” a estes menores, o relatório indica uma
preocupação com a educação dos mesmos. O principal seria o estimulo a criação de
estabelecimentos com o intuito de educar os menores nas artes, nos ofícios e na lavoura.
Viam-se nestes menores todo o potencial de contingente de mão de obra para o progresso
da sociedade, os relatores concluem o trabalho oferecendo sugestões para o comprimento
da Lei:
Recorremos aos sentimentos filantrópicos e humanitários dos
habitantes desta província e ao mesmo tempo prometendo-lhes
algumas vantagens que tornem menos pesado o sacrifício, estamos
convencidos que V. Exc. com o prestigio que justamente goza, pode
conseguir formar uma ou mais associações que se proponham a criar e
educar os filhos de escravos, cujos senhores os abandonarem, uma vez
que o governo geral o habilite a subvencionar tais associações,
segundo as proporções que elas tiveram, além das vantagens que a Lei
garante dos serviços prestados pelos ingênuos até a idade de 21 anos.46
Seguiu-se ao relatório um ofício encaminhado pelo presidente de província do Pará o
Sr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho em cinco de outubro de 1877 ao Ministério da
Agricultura. O então presidente de província do Pará cumprindo as determinações do aviso
de 24 de maio de 1877 do Ministério da Agricultura encaminhou o relatório acima
46
Jornal do Pará, 18/10/1877, nº 237, p.1.
37
mencionado ao referido ministério, e fez alguns apontamentos para solucionar a questão
dos filhos livres de mulheres escravas na província Paraense.
No seu Ofício administrativo encaminhado juntamente com o relatório, ele pedia
licença para sugerir ao governo Imperial que fossem utilizadas as fazendas nacionais
existentes da ilha do Marajó, sendo que nelas já haviam muitos libertos de Nação, 47 que
após cumprirem o quinquênio de serviços exigido por Lei continuavam a trabalharem nas
mesmas terras, o então presidente de província João Capistrano Bandeira de Mello Filho
sugeriu que as fazendas nacionais do Marajó se tornassem um “estabelecimento agrícola”
para os filhos livres da mulher escrava, visto primeiramente que as fazendas nacionais
estavam a dar prejuízo ao erário régio e o governo imperial havia autorizado a venda das
mesmas.
Ao transformar as fazendas nacionais em estabelecimentos agrícolas (ele citou como
exemplo o que ocorrera com a fazenda nacional no Piauí) o governo estaria sanando três
problemas; tanto a utilização das fazendas nacionais e minimizando os gastos e prejuízos
que as mesmas estavam proporcionando, como facilitaria o cumprimento efetivo da Lei de
1871 dando educação aos menores, e que também produziria braços para a lavoura
paraense em tão “lastimoso estado”.
No meu humilde conceito é preferível aproveitar, ao menos como
ensaio, as fazendas nacionais para estabelecimentos, onde se criem e
eduquem para a vida agrícola os filhos livres de mulher escrava, do
que continuarem elas no pé em que se acham, dando constantes
déficits ou a vende-las conforme acaba o governo imperial de ser
autorizado, porquanto, neste ultimo caso serão mui grandes os
prejuízos com a venda das mesmas, atentas diferentes circunstancias,
entre elas sobreleva o avultado dispêndio com a demarcação e divisão
das referidas fazendas, o que é necessário para mais facilmente haver
compradores.48
Em relação às Fazendas Nacionais localizadas na Ilha do Marajó, um relatório
produzido pelo Dr. Ferreira Pena e apresentado ao então presidente de Província do Pará o
Sr. F. M. Corrêa de Sá Benevides no ano de 1876; indicando que as fazendas estavam
47
O decreto de nº 4.815 de 11 de novembro de 1871 estabeleceu as instruções para o cumprimento do art. 6º
da lei 2040 de 28 de setembro de 1871, que declarava libertos os escravos de Nação, ou seja, aqueles
pertencentes ao Estado. Segundo o mesmo decreto os escravos das fazendas nacionais no Piauí, Maranhão e
Pará poderiam permanecer nos referidos estabelecimentos recebendo salários fixados pelo governo (art. 3º do
mesmo decreto), o art. 5º determinava que os libertos poderiam procurar outra ocupação útil desde que com
a autorização do presidente de província, já no art. 7º determinava que os presidentes de província do Piauí,
Maranhão e Pará dirigiriam um relatório sobre o estado das fazendas e bem como qual destino seria dado aos
libertos. Ver: Vicente Alves de Paula. Op. Cit., pp. 28-29.
48
Jornal do Pará, 18/10/1877. Nº 237, p. 1.
38
dando prejuízo ao governo, que seria de 22.500$000 a cada ano, em relação ao último
quatriênio.
Quadro da Receita e despesa da fazenda nacional em Marajó
Quatriênios
Receita
Despesa
Saldo
1858 a 1863
106: 487$900
30:368$719
76:119$181
1863 a 1867
98:049$368
47:496$681
50:552$687
1867 a 1871
172:172$567
68:915$178
103:257$389
1871 a 1875
167:769$710
181:777$697
514: 479$551
329:558$275
Total
Déficit
14:007$981
229:929$257
14:007$981
(Fonte: relatório Transcrito em Diário de Belém, 04/03/1876, nº 51, p. 1.).
Tabela de Saldo total da Fazenda Nacional em
Marajó
Saldo em 16 anos financeiros
214:921$276
Saldo em cada quatriênio
53:730$319
Saldo em cada ano
13:432$579
(Diário de Belém, 04/03/1876, nº 51, p. 1).
Desde o início da década de 1870 as fazendas nacionais localizadas no Marajó passaram
a dar prejuízo ao erário régio. Ao olharmos o quatriênio de 1867 a 1871 o a fazenda
Nacional teve o período de maior saldo, a queda na sua lucratividade coincide com o
período posterior a Lei do ventre livre que declarou libertos todos os escravos de Nação,
incluído os que trabalhavam nas fazendas nacionais. O relator também fora incumbido de
verificar as condições convenientes para a criação de um asilo de menores: “Nas instruções
me foi recomendado examinar se a Fazenda Nacional Arary oferece as conveniências e
vantagens precisas para nela funcionar um Asilo para os menores nascidos de ventre
escravo e outros desamparados”.
Segundo o relator as terras na região do Marajó não seriam adequadas para a
implantação de asilos de menores voltada para o ensino agrícola. Ao visitar a Fazenda
Nacional do Arary e ouvir pessoas “habilitadas” que moram na região o relator apontou
três elementos que impossibilitaria o projeto do Governo, seriam estes; a infertilidade do
solo, que em sua maioria seria composto por argila e uma areia fina, destacando ainda que
nas partes que eram férteis as terras eram frequentemente inundadas; o segundo empecilho
era o tipo de agricultura praticada na região, de caráter rudimentar que não estava em
39
consonância com as técnicas modernas e científicas da lavoura. E por último os costumes
da população local:
Em regra nas Fazendas Nacionais e particulares de Marajó, um menor
qualquer, livre, liberto ou escravo, branco, mestiço ou preto, a
primeira coisa que começa a fazer é a atirar o laço, fazendo seus
ensaios in (ilegível); quero dizer, em pequenos tocos de paú, em
bezerros novos, etc, a montar cavalo ou em bois e, quando já crescido,
a galopar no campo, a sangrar as reses com maior destreza e
indiferença; e ai então que completa a sua educação adestrando-se na
arte de furtar gado aos vizinhos e ao próprio dono da fazenda em que
mora.
Tal é, em geral, porque nisto há muitas felizes exceções, a
educação que o home adquiri ali como exemplo cotidiano, desde que
sai da infância até a idade varonil. O filho do fazendeiro ou
administrado quer ordinariamente ser fazendeiro ou administrador e
precisa habilitar-se em todas essas artes. O mestre sucede, e então sem
exceção alguma, ao filho do feitor ou ao do vaqueiro, livre ou escravo,
para o qual não há profissão mais cômoda do que a de feitor ou
vaqueiro. A respeito destes, esta esse modo de vida tão arraigado que
para o vaqueiro será castigo intolerável tira-lo do campo para o
serviço de uma fazenda de cultura. O gaucho, remando uma canoa,
não se acharia tão contrariado como um vaqueiro trabalhando numa
roça.49
O Dr. Ferreira pena ao relatar o modo de vida do vaqueiro marajoara atribuía um caráter
jocoso aos seus costumes, seria o conflito entre o mundo “moderno e civilizado” diante do
“mundo tradicional”. A forma como a educação era processada no Marajó, fora do
ambiente escolar a partir da vivência cotidiana não deixava de ser a forma de aprendizado
de grande parte da população pobre da província, fossem livres ou escravos.
Ferreira Pena deu um parecer negativo para a implantação de um asilo de menores na
ilha do Marajó talvez motivado por este relatório o governo provincial do Pará não copiou
o modelo de “colônia Agrícola” que se fundou na Fazenda Nacional do Piauí, a sugestão
do relator foi a de que se fundassem tal instituto na área próxima de Ourém, por ter maior
contato com a capital, por “não estar contaminada pelos vícios que reinam nos seringais”, e
facilitaria a comunicação com Bragança e “seus laboriosos agricultores”.
O presidente de Província do Pará havia citado como exemplo o caso das fazendas
nacionais do Piauí. Vale conhecermos um pouco deste exemplo que serviu de referência ao
presidente da província. O ministério da Agricultura pelo decreto nº 5392 de 10 de
setembro de 1873, autorizava a celebração de contrato entre Francisco Parentes e o mesmo
ministério para o estabelecimento de uma colônia rural nas fazendas nacionais do Piauí,
denominadas Guaribas, Mattos, Algodões e Olho D’água. Das disposições estabelecidas no
49
Diário de Belém, 04/03/1876, nº 51, p. 2.
40
contrato estava a de empregar os libertos de Nação existentes nas fazendas do Estado, “que
forem aptos para o trabalho”, ainda que pudesse contratar trabalhadores que não fossem
libertos da nação, caso o número dos mesmos fosse insuficiente, também estava obrigado a
educar, “física, moral e religiosamente” os libertos menores e os filhos das libertas, sendo
que os menores não poderiam ser separados de suas mães até os cinco anos de idade,
também ficou obrigado a prover habitação e alimentação dos libertos inválidos, as demais
disposições tratavam de como seria estruturada a administração do estabelecimento rural
assim como a estrutura que deveria ser construída.50
Assim é possível compreender o fato de que o presidente de província do Pará tenha
sugerido o uso das fazendas nacionais do Marajó, por meio de um contrato semelhante ao
que ocorreu nas fazendas do Piauí, o governo poderia ter um estabelecimento que cuidasse
dos ingênuos sem maiores ônus ao Estado.
O tema da educação de menores desvalidos, e mesmo dos ingênuos esteve em pauta na
década de 1870. Um caso curioso ocorreu na cidade de Abaeté, região do Baixo Tocantins,
o delegado literário da paróquia de Abaeté, o Sr. José Honório Roberto Maués encaminhou
uma solicitação à direção de instrução pública da província do Pará em 1876; ele informou
ter construído em sua residência uma escola para ingênuos filhos de suas escravas e de
outras da sua família.
Em ofício publicado no Jornal do Pará foi recomendado que fossem dados ao mesmo
delegado literário os livros e demais objetos solicitados, e ainda que: “louve, em nome
desta presidência, o referido delegado, pelo seu ato de patriotismo e de amor a causa da
instrução popular”.51 Nota-se na fala da autoridade provincial à associação à ideia de
educação de ingênuos ao ideal de patriotismo, para o bem da pátria seria necessário tomar
conta dos menores desvalidos e dos ingênuos que poderiam tonar-se um problema social.
Outro caso que me chamara à atenção ocorreu em uma área fronteiriça entre as
províncias do Maranhão e Pará, na cidade de Turi-Assú (Maranhão). Em 1877 foi
encaminhado um requerimento ao Ministério de Agricultura e Obras Públicas pelo Sr.
Francisco Sabino de Freitas Reis solicitando que o Estado tomasse conta de um
estabelecimento criado por ele. Segundo o mesmo, aderindo a “política humanitária da Lei
de 28 de setembro de 1871” alforriou seus 22 escravos com a condição de que os mesmos
50
O contrato entre o Ministério da Agricultura e obras públicas e o agrônomo Francisco Parentes foi
publicado em: Luiz Francisco da Veiga. Livro do Estado Servil e Respectiva Libertação. Rio de Janeiro,
Tipographia Nacional, 1876, pp. 75-81.
51
Jornal do Pará, 3/10/1877, p. 1.
41
continuassem a “lavrar as terras onde residem sob a tutela do juiz de órfãos” ou qualquer
outra autoridade que o governo imperial considere adequada. E ainda concedendo para
usufruto dos libertos uma légua de terras sitiadas em lugar denominado Peximbá a pouca
distancia do município de Turi-Assú criando ai um estabelecimento rural “com casas,
fabricas e utensílios, assim os mesmos libertos e sua descendência como vários outros
nominalmente designados...”.52
Como meio de realização deste generoso intuito exprime o cidadão
Sabino Reis o desejo de que mediante as bases indicadas, tome a si o
Estado à administração do estabelecimento, dando-lhe a organização
que julgar adequada aquele fim e denominando-o - Colônia Reis – em
homenagem à memória do pai do doador.53
Ao ser encaminhado o requerimento ao ministério da agricultura e após consulta feita ao
procurador da coroa, fazenda e soberania nacional, declarando por fim que o Governo
não poderia dar andamento no plano do doador quanto à fundação da “Colônia Reis”,
elencando três pontos que impediriam.
Sobre o parecer o Governo não julgava conveniente promover a fundação de uma
colônia assim como a sua administração em terras que ainda pertenciam ao doador. Sendo
que concedida em usufruto as terra doadas por Sabino Reis não constituíam uma
verdadeira doação à mesma poderia ser anulada por herdeiros e até mesmo pelo doador
quando a bem lhe aprouvesse e por que faltava ao governo competência para; “compelir
pessoas livres, como são os alforriados” e a “lavrarem terras com domicílios obrigados e
debaixo de especial regime”. Ainda segundo a decisão tomada Sabino Reis poderia fazer
modificações na escritura de doação possibilitando a exequibilidade de sua solicitação:
Podendo contudo dar-se que para tornar praticável sua humanitária
intenção queira o doador alterar a mencionada escritura na parte em
que pode ser, fazendo seguir á doação do uso-fruto a do domínio das
terras e estabelecimento nelas fundado, em tempo comunicarei a v.
exc. a deliberação que nesse caso haja de ser tomada por este
ministério em visat das informações solicitadas do presidente da
província do maranhão acerca da natureza das terras, estado os
estabelecimento e suas proporções, e o mais que cumpre verificar
antes de solução definitiva.
Deus guarde a v. exc. – Thomaz Jose Coelho de Almeida. – A sua
Exc. o Sr. José Bento da Cunha Figueiredo.54
O caso me chamou a atenção por revelar as ideias que cercaram a questão dos libertos e
mesmo da aplicação da Lei de 1871, época de “humanitárias ideias”. A criação de
52
Jornal do Pará, 30/07/1876, nº 170, p. 1.
Idem.
54
Ibidem.
53
42
institutos agrícolas ou de educação revelam as expectativas e receios dos governantes sobre
a população liberta e os ingênuos, a necessidade do Estado intervir cada vez mais no
ordenamento da mão de obra, controle do trabalho e vida de determinados grupos. Neste
caso assim como no caso da escola para ingênuos em Abaeté, foram os senhores que
solicitaram o auxilio do Estado, diante de políticas voltadas para a organização da força de
trabalho, e a emancipação do elemento servil alguns senhores viram possibilidades de
usufruir destas políticas. Assim como os governos provinciais e mesmo o Imperial
buscavam na iniciativa particular formas de dar conta da questão do “elemento servil”.
Das Associações: para zelar pela educação do Ingênuo.
Em 1877 foi publicado no Jornal do Pará o regulamento e o estatuto da colônia
Orfanológica Estrela localizada no Rio de Janeiro o articulista do jornal iniciou declarando
que daquele número em diante estariam tratando de tais institutos de educação e sobre a
questão da educação das classes pobres.55 No mesmo periódico em edição posterior foi
publicado também um aviso do Ministério da Agricultura a diversas províncias do Império
para que buscassem criar estabelecimentos nos moldes da Colônia Orfanológica Estrela. A
colônia Estrela seguia o modelo de educação voltada para dar conta da educação de
menores desvalidos e entre estes os ingênuos.
Circular - Aos juízes de Direito das comarcas da província. –
envio a V. S. o incluso número do Jornal oficial em que vem
publicados o regimento, relatório e mais pareceres sobre as
colônias orfanológicas da Estrela, na província do Rio de
Janeiro e, chamando a atenção de V.S. para tais peças, espero
do seu zelo pelo serviço público que, de acordo com o
respectivo juízo municipal, promovam todos os meios ao seu
alcance a criação de idêntica instituição nesta comarca, cujas
vantagens não precisam ser demonstradas e cuja exequibilidade
já se acha provada pela prática. 56
Bezerra Neto não faz menção à existência destes menores nas associações abolicionistas
em Belém, embora destaque a criação de escolas noturnas durante o governo do presidente
de província Abel Graça (1872). Segundo Bezerra Neto a Lei de 1871 acabou por arrefecer
o movimento emancipacionista na província paraense.57 Uma das hipóteses para que as
associações emancipacionistas não postulassem o abrigo a estes menores em suas diretrizes
55
Jornal do Pará, 26/05/1878, nº 120, pp. 1-2.
Jornal do Pará, 04/06/1878, nº 126, p. 1.
57
BEZERRA NETO, José Maia. Op. Cit.; pp. 239-244, 274.
56
43
seria de fato que a maior parte destes menores continuou sob a companhia dos
proprietários das mães; já vimos que o ingênuo não perdeu o seu valor enquanto força de
trabalho. De acordo com as informações prestadas no relatório de 1877 produzido pra
verificar se haveria “elementos” para fundarem associações com o intuito de educar os
ingênuos, não houve menção a existência de associações emancipacionistas ou de outro
gênero que se ocupassem de tal encargo.
Dado o contexto da década de 1870 quando do arrefecimento do movimento
emancipacionista na Província paraense, o fato de não ter sido mencionado nenhuma
associação, mesmo tendo um dos membros da antiga Associação Philantrópica de
Emancipação remete-nos pensar que longe de ter surgido algum instituto do gênero em na
capital da província para o período da década de 1870; tal questão ficou restringida ao
debate das autoridades provinciais ou a certos indivíduos isoladamente, não tendo ganhado
maior dimensão enquanto projeto de abolicionistas. Bezerra Neto aponta uma
desarticulação do movimento abolicionista durante a década de 1870 ao mesmo tempo em
que não refuta a atuação individual em prol da liberdade de escravos.58
Os ingênuos só atingiriam a idade “produtiva” a partir dos oito anos, sendo assim ao
longo da década de 1870, para o governo deixar ao encargo do senhor da escrava o
ingênuo foi à atitude mais comum. No Pará encontramos uma taxa de mortalidade de 1
óbito para cada 10 ingênuos nascidos entre 1871 até 1876, ainda sim em Belém no ano de
1878 existiam 2.522 ingênuos matriculados, equivalendo a 40% da população de ingênuos
da Província. A ausência destes menores nos processos de tutelas para esse período, assim
como maiores referência a estes na documentação dos juízes de órfãos indicam que para
além da tutoria automática legado aos proprietários das mulheres escravas, os ingênuos
estiveram muito mais sujeitos as relações privadas entre senhores e escravos, do que com o
próprio Estado.
Em outubro de 1877, assume como Curador Geral na Curadoria Geral de Órfãos,
interditos e ausentes do termo da capital do Pará o Dr. José Henrique Cordeiro de
Castro.59Cordeiro de Castro esteve ligado ao movimento abolicionista Paraense, um dos
membros responsáveis pela reestruturação da Associação Philantrópica de Emancipação
de Escravos, também fora secretário da Liga Redemptora em 1888, e membro da
58
BEZERRA NETO, Jose Maia. Op. Cit. 2009, pp. 36-37.
O edital que notifica a tomada do cargo de curador geral foi publicado em: O Liberal do Pará, 14/11/1877,
nº259, p.2.
59
44
Comissão Central de Emancipação em 1884. Tal cargo o colocava em constante contato
com questões relativas à escravidão e aos menores desvalidos.
Em 1882 na sessão “Solicitados” do jornal A Constituição foi publicado uma
reclamação contra o procedimento do Curador Geral de Órfãos Dr. Cordeiro de Castro por
ter agido de modo arbitrário ao mandar depositar uma escrava de nome Benedita para ser
arbitrado seu valor em juízo, visto a mesma ter apresentado o pecúlio de 500$$000
depositado em juízo. Segundo o senhor da escrava, Francisco Amândio de Oliveira,
Cordeiro de Castro havia oferecido o valor de 800$000, no entanto a mesma escrava havia
sido vendida poucos dias antes pelo valo de 1.100$$000. Francisco teria tido sua residência
cercada por soldados acompanhados por um oficial de justiça que levaram Benedita para
ser depositada. Tal procedimento era usual em algumas ações de liberdade na qual o cativo
requeria a compra da alforria.60
Na função de curador Cordeiro de Castro esteve envolvido em ações de liberdade, nos
autos de tutela e vivenciou cotidianamente conflitos entre senhores e escravos. Em 1882
como presidente da Associação Philantrópica de Emancipação de Escravos, encaminhara
ao juízo de órfãos de Belém uma solicitação para que os menores encontrados vagando nas
ruas de Belém fossem entregues a “Associação Filantrópica”:
Associação Filantrópica de Emancipação de EscravosO ilustre Sr. Dr. Cordeiro de Castro, no intuito de alargar a esfera
benéfica desta associação de que é digno presidente, requereu ontem
em nome dela ao Dr. Juiz de órfãos, de conformidade com o estatuto
na Lei de 28 de setembro de 1871 e reg. de 13 de novembro de 1872,
a entregar dos menores de ambos os sexos que vagavam nas ruas desta
cidade. A “Associação Filantrópicas”, que conta já em seu seio um
grande número de respeitáveis senhoras e distintos cidadãos,
compromete-se por os meninos nas oficinas dos seus associados
vencendo até, depois de 6 meses ou 1 ano conforme o
desenvolvimento, um salário correspondente, que ira entrar para a
caixa econômica para formar o seu pecúlio; e as meninas em casa de
famílias honestas recebendo o ensino doméstico para tornarem-se boas
mães de famílias. E uma ideia grandiosa, que deve merecer seria
atenção da autoridade de quem depende a pronta realização deste
empenho.61
Eis a primeira menção mais efetiva de uma associação emancipacionista em relação a
cuidar da educação dos menores. O discurso acerca da educação de tais menores fora o
mesmo dos discursos presentes nos pareceres dos juízes de órfãos nas ações de tutela no
Pará; quando se concedia a tutela de um menor o juiz mandava que lhe fosse provido à
60
61
A Constituição, 17/02/1882, nº 39, p.2.
Diário de Belém, 31/05/1882, nº 120, p.2.
45
educação conveniente ao tutelado pelo respectivo tutor, para as meninas uma educação de
prendas domésticas, e para os meninos as artes e ofícios.
O anúncio publicado por Cordeiro de Castro dá a entender que os menores filhos de
escravas andavam a vagar pelas ruas da capital. Estes serviam de mensageiros, vendedores
de bilhetes ou qualquer outra atividade que pudesse ser exercida por menores, em
dezembro de 1881 no Diário de Noticias foi publicado um anúncio ofertando emprego:
“EMPREGO PARA CRIANÇAS, Precisa-se de vendedores nesta tipografia”.62
A proposta da Associação não era a de fundar um estabelecimento especifico para criar
e educar os menores e sim de distribuí-los entre os sócios da associação, para que estes
ficassem responsáveis pela educação dando-lhes salário a cada seis meses, que seria
depositado para a formação de pecúlio usufruindo dos serviços dos menores.
Tal modelo é o mesmo que se encontra nas ações de tutela; alguém resolve requerer a
tutoria de um menor desvalido ou órfão; o juiz de órfãos avalia a idoneidade do requerente
e defere a solicitação, sendo que o tutor pode usufruir dos serviços do menor, desde que
quando o mesmo atingir a idade adequada passe a exercer o oficio que lhe foi ensinado e a
receber salário. A visão de Cordeiro de Castro sobre a maneira que poderia ser dada a
educação aos menores permanecera a mesma ao longo dos anos, visto que em 1888 a
curadoria geral de órfãos reclamava da situação dos menores
da seguinte maneira;
“estando, como está, na sua intenção a colocação desses infelizes órfãos, de ambos os
sexos, em oficinas e casas de família, onde possam aprender ofícios e prendas
domesticas”.63
Há uma aproximação ideológica no discurso do curador de órfãos entre os ingênuos e os
menores desvalidos, a proposta da Associação Philantrópica sequer utiliza as expressões
“ingênuo”, “libertos” ou “filho livre de mulher escrava”. O termo do qual se vale é
“menores”, categoria que abrangia a camada mais baixa da população, os filhos das classes
pobres. O fato é que enquanto a legislação orfanológica dava conta dos menores desvalidos
e órfãos, os ingênuos ficavam a cargo da legislação de 1871 e seus sucessivos
regulamentos. A solução proposta pela Lei de 1871 era a criação de estabelecimentos que
cuidasse e educassem os ingênuos e que em contrapartida poderiam usufruir do serviço
destes até a idade de 21 anos. Então porque a distribuição destes menores entre
particulares? Podemos inferir que à valorização da força de trabalho dos mesmos, ocorreu
62
63
Diário de Noticias, 29/12/1881, nº295, p. 3.
Diário de Noticias, 18/06/1888.
46
em consonância com a perspectiva do fim gradual da escravidão, isso serviu para o maior
interesse em ter uma “cria da casa”.
Em 30 de novembro de 1882 o Diário de Belém publicou o seguinte anúncio:
Figura – 1.
(Fonte: Diário de Belém, 30/11/1882, nº 270, p.3).
O destaque dado ao fato da escrava ter dois filhos ingênuos pode ser atribuído ao valor
inerente aos serviços que tais menores poderiam prestar, embora já por Lei, a venda de
uma escrava deveria ser acompanhada pelos filhos menores de 12 anos. Ainda na mesma
edição do Diário de Belém, fora denunciado que em Belém a escrava Benedita possuía
uma filha nascida à pouco tempo, e os seus senhores não querendo que a mesma se
distraísse de suas atividades domésticas negaram que a mesma cativa o criasse, a menor
ingênua teria sido entregue a liberta Maria, irmã de Benedita. Maria haveria levantado a
quantia de seiscentos mil reis para a liberdade de sua irmã, tendo entregado tal pecúlio ao
Curador Geral de Órfãos e membro da Associação Filantrópica de Emancipação José
Henrique Cordeiro de Castro.
Segundo o articulista da denúncia embora tenha sido prometido a Maria que sua irmã
seria liberta, na data de 15 de novembro, e posteriormente na de 28 de setembro (datas
representativas de efemérides e em alusão a Lei do ventre livre, em geral os momentos
escolhidos para se promoverem alforrias pelas associações emancipacionistas) e nada
ocorrera.
Para o articulista, embora relutando em declarar acintosamente que existiam interesses
particulares em jogo neste caso, o fato da mesma cativa não ter sido alforriada ainda que
apresentando um pecúlio considerável poderia ser devido ao fato da mesma pertencer a
Lourenço Lins de Hollanda amigo de Cordeiro de Castro. Neste caso irei me deter sobre a
filha de Benedita, segundo a Lei de 1871 a menor poderia permanecer com o senhor da
mãe cativa ou então deveria ser entregue ao Governo ao atingir a idade de 8 anos, visto que
pela declaração feita no jornal que o menor seria de idade tenra. Este deveria permanecer
sob a companhia da mãe e o senhor da mesma deveria tratar e cuidar do menor, ao que
parece não podendo entregar o menor ao Governo e nem querendo dispensar os cuidados
47
necessários que acarretariam ônus pecuniário Lourenço de Hollanda resolveu livrar-se da
criança.64
Curiosamente em 1888 nas semanas seguintes a Lei Áurea, Lourenço Hollanda
solicitara a tutela de diversos menores filhos de suas ex-escravas.65 O que ocorreu foi
gradual valorização do trabalho que o filho de “ventre livre” pode propiciar ao proprietário
da mãe; não há como saber ao certo as motivações que levaram Lourenço a dispensar o
domínio sobre a criança, no entanto, não é inverossímil que após o filho de Benedita
alcançar a idade de oito anos Lourenço lançasse mão de seus “direitos” sobre o menor. Ter
gastos com uma criança que poderia vir a falecer antes de auferir alguma vantagem pode
não ter parecido ser um bom negocio a primeira vista por Lourenço Hollanda.
Em 11 de janeiro de 1876 fora publicado no jornal A Regeneração uma circular do
Ministério da Agricultura acerca de uma duvida do inspetor da Tesouraria da Província de
Minas Gerais, inspetor questionava sobre a obrigatoriedade do senhor da escrava dar
matrícula aos ingênuos quando o mesmo desistisse do direito a indenização ou aos
serviços, no qual obteve a resposta seguinte: “em resposta ao aviso de 37 do mês próximo
findo, que em virtude das disposições do art. 4º do regulamento n. 4835, sem duvida
cumpre aos senhores, naquela hipótese matricularem os referidos menores”.66
Tal aviso publicado em um periódico de Belém demonstra as dúvidas suscitadas para a
execução da Lei de 1871, tomando a resposta dada no aviso, vemos que Lourenço Lins de
Hollanda deixou de cumprir a Lei ao simplesmente livrar-se do menor, evitando gastos
com taxas e mesmo as despesas com criação. No mesmo periódico temos noticias da
dificuldade de se proceder à matrícula de escravos e ingênuos no interior da província
paraense:
Ao Sr. Inspetor de Quarteirão. (comunicam-nos) desde 1º de julho de
1873 que deixou de haver coletor geral nesta vila de Breves, por ter o
alferes Mello pedido e obtido demissão desse cargo. Não são poucos
os prejuízos causados ao fisco com semelhante falta, como é sabido
por todos.
Muitas liberdades tem deixado de ser averbadas, assim como muitos
senhores não tem feito as declarações, dos ingênuos filhos das
escravas!
Espera-se portanto que o digno Sr. inspetor da Tesouraria providencie
em ordem a sanar tão sensível falta causadora de muitos prejuízos.67
64
Diário de Belém, 30/11/1882, nº 270, p. 3.
Ver capítulo III.
66
A Regeneração, 11/01/1876, p.2
67
A Regeneração, 5/03/1874, p. 3.
65
48
Questões de cunho administrativo poderiam deixar em dificuldades a autoridades locais
para o cumprimento da Lei. Melina Perussato ao estudar os ingênuos no município de Rio
Pardo – RS destaca a presença dos mesmos nos inventários post-mortem, estes eram
avaliados juntamente com os escravos do inventariado, segundo Perussato isto seria uma
prática comum na Vara da Família de Rio Pardo.68 Um caso particular chamara a atenção
de Perussato, em 1880 quando da avaliação dos bens pertencentes a Eugenia Maria de
Oliveira tivera uma baixa valorização tendo dois ingênuos sido avaliados em 50$$000 e
10$$000, isso acarretou uma disputa jurídica onde fora questionado pelo procurador de Rio
Pardo a própria ilegalidade deste procedimento, seu estudo apresenta uma crescente
presença de ingênuos nos inventários de Rio Pardo nas décadas de 1860,1870,1880
correspondendo respectivamente aos percentuais de 0,4%; 8% e 25%.69
Retomando a questão das associações e os ingênuos; A ausência de maiores referências
sobre associações que zelassem pela educação dos ingênuos no Pará apenas serve para
sustentar que o movimento abolicionista paraense optou por seguir a linha das
emancipações graduais por indenização, auxiliando em ações de liberdade,
70
defesa do
direito natural à liberdade nos periódicos de Belém. O filho livre da escrava seria tratado
sob o conjunto mais amplo dos menores desvalidos. A única associação criada em Belém
com o intuito de educar os ingênuos foi criada após a abolição da escravidão, o Club 13 de
Maio, que fundou com o auxilio de membros de abolicionistas, intelectuais e mesmo do
governo provincial uma escola também denominada Escola 13 de Maio.
Colônias e escolas Agrícolas? Os debates nos jornais.
O fim gradual da escravidão no Império brasiLeiro após a legislação de 1871 suscitou
discussões acerca da transição do trabalho escravo para o trabalho livre. O trabalhador
nacional mal visto por autoridades governantes foi posto como inapto para esse momento
de reorganização do trabalho, por carregarem os vícios adquiridos na sua convivência com
o escravo, ou mesmo pela “ignorância” ante as ideias e técnicas modernas próprias dos
tempos de progresso cientifico. Durante a década de 1870 foram criadas colônias
68
PERUSSATTO, Melina Kleinert. Nascidos de ventre livre: trabalho na passage do escravismo para o
trabalho livre no Brasil Meridional – Rio Pardo/RS. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História, Natal –
RN, julho de 2013.
69
PERUSSATO, 2013, op. Cit., p. 4.
70
Embora em relação às mesmas poucas ações de liberdade com as quais tive contato tiveram auxilio de
associações abolicionistas.
49
orfanológicas por diversas províncias como as colônias “Christina” (Ceará); Nossa senhora
do Carmo do Itabira (Minas Gerais); Asilo Agrícola Isabel (Rio de Janeiro), Orfanológica
Izabel (Pernambuco) e “Macedina” (Goiás). O ministério da Agricultura já demonstrava
em seus avisos e circulares a preocupação com o destino destes menores e apontava para a
criação de asilos agrícolas:
Os dois anos e poucos meses que nos separam do prazo fixado no Art.
1º da Lei de 28 de setembro (Lei do Ventre Livre) bastam,
seguramente, para a expedição das providencias necessárias ao
cumprimento das obrigações incumbidas ao Estado pelo Art. 2º
parágrafo 4º
.... Um dos alvitres que se afiguraram mais aptos para a consecução do
fim da Lei é o estabelecimento dos asilos agrícolas, adotados com
bom êxito, em outras nações para a educação dos menores. Num país,
como o Brasil, em que a agricultura definha pela falta de braços e de
ensino profissional esse alvitre traria o excelente resultado de
aumentar o número dos bons lavradores.
(Ministério da Agricultura, 1876. Apud; FONSECA, Marcus Vinicius.
O Negro na Educação. Op. Cit. p. 16).
As criações de institutos agrícolas que ficassem a cargo de particulares seriam de
extrema conveniência ao Governo visto os gastos demandados para a construção de um
aparato que abrigasse e promovesse educação escolar aos ingênuos. No relatório do
Ministério da Agricultura calcularam-se os gastos com indenização
educação dos
ingênuos em um valor aproximado a cinco milhões de contos de reis.
Como destacou um suposto agricultor que publicara um artigo sob o codinome de
“agricultor progressista”; no norte do Brasil a lavoura se encontrava em péssimo estado,
segundo suas palavras; “somente três coisa temos em abundância; pobreza, indiferentismo
e preguiça”. Suas palavras enfatizavam a necessidade desenvolvimento da lavoura por
meio de técnicas modernas da agricultura, daí os projetos para se fundarem escolas
agrícolas.71
Tal perspectiva deve ser vista como uma representação usual do trabalhador nacional
por parte de parlamentares do Império. As escolas agrícolas não seriam voltadas para os
libertos adultos, ou mesmo os pobres livres já marcados pelos “vícios e falta de moral”; e
sim voltado para a infância, esta sim como um campo ideal a se moldar a moral e a
valorização do trabalho, deste modo o ensino profissional tanto de artes e ofícios quanto
para a lavoura serviria para incutir uma ética do trabalho.
É na década de 1880 que os jornais de Belém publicam mais artigos sobre a criação de
estabelecimentos agrícolas. No inicio da década de 1880 o Bispo Diocesano do Pará dera
71
Diário de Noticias, 11/12/1881, p. 2.
50
início ao projeto de construção de um estabelecimento agrícola voltado para a educação da
infância desvalida.72no jornal O Liberal do Pará de 14 de julho de 1882, saiu uma pequena
nota informando que o bispo diocesano do Pará havia voltado de Minas Gerais trazendo
consigo a quantia de 112,000$$000 e receberia ainda no prazo de dois anos a quantia de
150,000$$000, o mesmo havia dado a declaração de que; “pretende aplicar esse dinheiro
na criação de um estabelecimento agrícola e industrial para a educação de ingênuos e
órfãos”.
Um artigo escrito por José Agostinho dos Reis sobre a indústria no Pará também falava
das escolas agrícolas. José Agostinho dos Reis era engenheiro paraense, radicado na corte,
abolicionista de uma corrente mais radical, membro da Confederação Abolicionista no Rio
de Janeiro, e um dos fundadores da Comissão Central de Emancipação em Belém.73
Segundo Bezerra Neto; José Agostinho dos Reis chagou a propor montar um Engenho
Central com subsídios do governo provincial do Pará. Ele e outros requereram autorização
provincial para montar uma companhia responsável por estes engenhos Foi
lendo a
noticias do projeto então em discussão na AssembLeia Legislativa do Pará que dava
garantia de juros para sete engenhos centrais da província em que.
Estando no Rio de Janeiro quando ocorriam às discussões na AssembLeia Provincial do
Pará, período em que ele iniciaria a publicar na revista Cruzeiro uma serie de artigos sobre
o Vale Amazônico versando sobre as indústrias da região. Agostinho dos Reis elencou no
seu artigo os pontos sobre os quais sustentava seu requerimento ao governo provincial,
seriam estes; primeiro que não excederiam o prazo de 24 anos do usufruto da concessão
dos engenhos, segundo que seriam empregados os processos mais modernos me todos os
engenhos, e também que somente admitiram nos serviços dos engenhos homens livres
“libertando para isso os que forem necessários”, e viria a servir não somente como
solução dos problemas da indústria e da economia, mas o problema social da transição do
trabalho escravo para o trabalho livre, e justamente com tal intuito ofereceriam aos alunos
das escolas agrícolas do Pará que utilizassem os estabelecimentos quer agrícolas quer
fabris, para as suas aulas e exercícios práticos. Para Agostinho dos Reis, suas proposições
eram em linhas gerais uma forma que se adotada solucionaria tanto o “problema das
industrias, quanto o do trabalho escravo”:
72
Fora durante o Bispado de D. Macedo Costa que foi fundado o Instituto Providência e 1883, o instituto
voltado para a educação de índios, órfãos e menores desvalidos.
73
BEZERRA NETO, José Maia. 2009. Op. Cit., pp. 259-260.
51
No plano completo do desenvolvimento industrial do Pará e
Amazonas tínhamos combinado e relacionado diversos ramos de
atividade humana com o fim, ao mesmo tempo econômico e social, de
não só produzir bom e barato, como o de transformar o trabalho
escravo em trabalho livre no mais curto espaço de tempo nessas
províncias. Para isto, porém, convirá que S. Exc. o Sr. presidente da
província se digne de celebrar contrato com os peticionários de modo
que a Companhia de forme para a construção de todos os sete
engenhos.
É este um projeto importantíssimo, porque, como dissemos, a ele se
liga a realização completa, no futuro, de um plano bem pensado sobre
as questões que mais interessam ao Pará: o seu bem estar financeiro, a
civilização e a libertação dos escravos.74
A visão de Agostinho dos Reis pode ser atribuída a uma perspectiva mais radical
valorizando o trabalho do liberto e sua inserção no mundo do trabalho livre. Visão que
esteve longe de ser compartilhada de forma unanime. Giralda Seyferth, ao buscar
estudar os projetos de imigração para o Brasil no século XIX, vinculou estes ao projeto
de formação de uma identidade nacional e a formação da nacionalidade assentada na
ideia de raça, o que ela denomina de “nacionalismo étnico”, ao discutir a formação do
“trabalhador nacional” os intelectuais e políticos buscavam o “tipo” mais adequado para
a assimilação e branqueamento da raça nacional, criticando a imigração Alemã pelo seu
caráter “fechado” de não assimilação por meio do contato com o elemento miscigenado,
e por conseguinte não contribuído para o branqueamento da população, dentre os tipos
europeus mais adequados para a “assimilação” e por tanto mais indicados no projeto
atração de imigrantes segundo Giralda seriam os povos latinos, portugueses, espanhóis e
italianos, (nesta ordem), dignos dos “ideais de civilização” e “assimiláveis.”
Para a imigração no Pará já em 1882 o Diário de Belém falava da necessidade de
estabelecer formas de organização do trabalho livre vendo na imigração Europeia uma
forma de resolver o problema, a transição do trabalho servil para o trabalho livre, que
deveria ser tomada por medidas legais instituídas pela assembLeia provincial, segundo
o articulista: “Ferir a dificuldade que embaraça o País inteiro, é aludir a evolução do
trabalho servil para o trabalho livre, e, n’uma província de salário tão elevado,
mostrar como sem o ensino profissional não pode a agricultura desenvolver-se”.75
Para o articulista a questão de substituição do “trabalho servil” para o
assalariado embora tratado como uma questão nacional deveria ser dada de modo
particular pelos membros integrantes da assembLeia legislativa provincial do Pará,
74
75
Diário de Belém, 21/12/1882, nº 286, p. 3.
Diário de Belém, 3 outubro de 1882, nº 221.
52
mostrando sua opinião política contra a centralização do poder. Outro aspecto
interessante é a insistência na política de se estabelecer uma educação profissional para
o bem da lavoura e da indústria paraense, criticando o estado das coisas, caracterizando
a sociedade como cheia de vadios:
A vadiagem é hoje uma profissão, a imoralidade campeã altiva por
toda a parte e os grupos se formam aqui e ali para insultar o decoro
publico com vozeiras indecentes, ás quais não raras vezes assiste e
aplaude a urbanidade.(...).
A capital tem recursos de outra ordem e a Câmara de Belém uma
receita de trezentos contos de réis. Pois bem, aplique-a em beneficio
publico e deixe que o tesouro provincial ocorra aos encargos da divida
publica e vá ainda aumentar a nossa indústria e promover o nosso
desenvolvimento.
Porque não habilitar o governo para franquear os nossos portos,
principalmente á Açorianos e Galegos, pagando-lhes passagens e
fazendo com que venham compartilhar conosco as vantagens de que
aqui gozamos? Veja bem a AssembLeia: em quanto o sul não olha
para nós, depende a nossa prosperidade do aumento de nossa
população laboriosa e nenhuma temos que nos convenha mais do que
a portuguesa (das ilhas principalmente) e a galega pelas suas
manifestas afinidades conosco e sua propriedade ao nosso clima.76
Para o articulista do Diário de Belém um dos meios de combater a vadiagem era
a educação profissional e a forma de aumentar a população laboriosa da província era
com a vinda de imigrantes portugueses, não foi à toa que nas primeiras décadas da
república inúmeros imigrantes ibéricos entraram no Pará por meio de subsídios e
contratos. Diante das discussões sobre os projetos imigrantistas o que mais chamou a
atenção de Giralda foi o silêncio acerca da população negra, e dos nacionais livres:
Por outro lado, as construções em torno do ‘trabalho livre’ (ou braço
livre) – que remetem a abolição – deixam claro. Conforme frase de
Carvalho (1874:189), ‘que a colonização não deve ser apenas a
substituição do odioso trafico de africanos’. Apesar da condenação
explicita do escravismo, não há qualquer preocupação com o destino
da população escrava, nem mesmo com os demais trabalhadores
nacionais, e o significado mais imediato de ‘trabalho livre’ é a
desqualificação do negro e mestiço para o trabalho independente.
Eram, pois, considerados incapazes e agir por iniciativa própria. (p46).
(...) no Império, as etnias eram classificadas de acordo com a
capacidade de produzir uma economia capitalista, uma agricultura
moderna, que tinha como modelo o famer americano. Isto não
significa a inexistência de preocupações com a questão racial, mas
certamente o branqueamento da população não era tão imperativo
antes de 1888. Nas primeiras décadas da republica, a formação do
branqueamento a partir dos dogmas associados à ‘ciência das raças’
76
Idem. (grifos meus).
53
levou a um novo formato da classificação dos imigrantes europeus.77
(grifos meus).
Na ausência de dados ou informações contundentes de alguma instituição que cuidasse
de ingênuos em Belém nos moldes da Lei de 1871 propunha. O que não faltaram foram às
discussões nos jornais sobre o aproveitamento da mão de obra dos ingênuos,
principalmente nas lavouras, assim as ideias sobre colônias agrícolas ou mesmo escolas
agrícolas foram as mais pertinentes para o período da década de 1880. Tais discussões que
hora se apresentavam em artigos específicos sobre a Província paraense oura traziam
discussões de outras províncias, transcritas nos jornais locais, remetem a como foi pensada
a questão da educação do filho livre da escrava.
Então quais seriam estas ideias? Quais seriam as visões sobre o filho da escrava e sua
relação com a sociedade brasileira?
Na edição de 17 de abril de 1884 é transcrito no jornal A Constituição a segunda parte
de uma série de artigos assinados por Luiz Monteiro Caminhoá escritos na Corte, que
tratavam sobre o fim da escravidão, sob a epígrafe “Transição do Trabalho”, Luiz
Caminhoá foi engenheiro agrônomo, nascido na Bahia. A publicação de tal texto traz uma
série de categorias e visões que podemos relacionar não apenas enquanto discurso mais
como signos sociais presentes na realidade.
Um dos elementos a serem pensados para a transição do trabalho segundo Caminhoá era
a educação dos ingênuos. Para o mesmo o ensino primário das classes “pouco favorecidas”
se não estivesse vinculado a uma educação voltada para o trabalho, não faria mais do que
“infelicita-los”, visto que a escravidão havia incutido na sociedade o princípio de que o
indivíduo aprendendo a ler, escrever e contar se rebaixaria ao “pegar em uma enxada”,
destacando ainda: “Demais, a Leitura de publicações exageradas e poço prudentes traz
naturalmente exaltamento do espírito para quem não possui instrução e discernimento
necessários; esta e uma das causas do socialismo”.
Sua percepção da realidade vendo na instrução exagerada das classes populares um
perigo social ao incutir ideias perigosas para o Estado remete a uma perspectiva
hierarquizante da sociedade, onde o lugar social deve ser preservado. Quando olhamos
para a educação no Brasil da segunda metade do século XIX vemos um conjunto de
discursos que genericamente afirmam a ideia de níveis diferenciados de instrução de
77
SEYFERTH, Giralda. “Construindo a Nação: Hierarquias raciais e o papel do racismo na política de
imigração e colonização”. In: Maio, Marcos Chor et. al. Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro;
FIOCRUZ/CBB, 1996. P. 41-58.
54
acordo com o sexo, e lugar social ocupado pelo menor. Assim a instrução também é um
marcador social. Daí o medo do “socialismo”, visto que as ideias socialistas subverteriam a
ordem social, e mesmo poderiam provocar perturbação as estruturas hierárquicas. Agora
voltemos ao assunto:
Voltemos ao assunto que nos afastamos. (...).
Um dos nossos chefes de policia, se não nos enganamos o integro e
laborioso conselheiro Tito de Mattos, procurou acabar na Cortê com
os pequenos vagabundos, proporcionando-lhes o habito da lavoura;
mas como não tivesse para onde envia-los, conseguiu que alguns
fazendeiros os recebessem. Foi certamente louvável esta medida;
infelizmente, porém, não era possível fiscalizar sua educação, por não
terem os fazendeiros meios de separa-los dos escravos. Resultou que a
maioria fugiu das fazendas para onde foram enviados, continuando na
mesma vida que tinham.
O espírito da Lei em relação aos ingênuos foi torna-los morigerados e
uteis á sociedade, pela educação, confiando-os ao governo como seu
executor, ou ao fazendeiro como possuidores dos pais. O primeiro tem
disso curado pensando nas vantagens que dai resultam? Se o tem feito
é indiretamente. Os últimos, com diminutas exceções, já
demonstramos que por conveniências não o fariam, e que mesmo
alguns abusariam de suas forças, como meio de aumentar a produção
da propriedade.78
Ao destacar a experiência do chefe de policia da Cortê, Caminhoá associa o poder
policial ao controle dos menores “vagabundos”. Tratava-se não apenas de zelar pela
infância, mas de controle e ordenamento social. A própria distribuição destes menores
entre fazendeiros foi visto pelo articulista como algo positivo, visão diferente em relação a
um procedimento semelhante na cidade de Belém do Pará em 1875 quando fora publicado
uma circular pela secretaria de policia do Pará para seus subdelegados criticando o
procedimento de muitos destes que apreendiam menores vagando pelas ruas e os dava a
quem lhes aprouvesse, sem encaminhá-los a autoridade competente que era o juiz de
órfãos.79 Destaca-se ainda na fala do articulista a critica a postura do governo em relação a
educação do filho da escrava enquanto praticamente inexistente, assim como a critica em
relação ao tratamento dado pelos senhores das mães aos ingênuos.
A educação do filho da escrava ficaria a cargo a iniciativa particular, sugestão
semelhante ao feito pelo presidente de província do Pará, Bandeira de Mello em 1877 em
seu oficio encaminhado ao Ministério da Agricultura quando verificou as condições para a
criação de associações que cuidassem dos menores. Bandeira de Mello esperava da
78
79
A Constituição, 17/04/1884, nº 87, p. 2.
O Liberal do Pará, 25/11/1875, nº45.
55
iniciativa particular aderindo a “humanitária e civilizadora causa”. Ainda segundo as ideias
de Luiz Monteiro de Caminhoá, no Rio de Janeiro sob a iniciativa particular foi fundado a
Associação da Infância Desamparada, idealizada pelo Conde D’Eu e mantida pelos seus
associados que já contavam “com mais e mil contribuintes”.
Esta associação de cavalheiros e senhoras, conforme resam seus
estatutos, destina-se a “velar sobre os ingênuos e menores de ambos os
sexos, vagabundos ou destituídos de amparo da família,
proporcionado-lhes educação moral e religiosa, sendo esta facultativa
para os acatólicos; instrução primaria e ensino agrícola de caráter
pratico de modo a incutir-lhe o gosto e habito dos trabalhos da
lavoura”. O ensino profissional nesses estabelecimentos, como fica
dito, é essencialmente prático, apoiando-se nas noções gerais de
agricultura e zootecnia, como indispensáveis ao fim a que se destinam
os ditos menores.80
Novamente temos uma homogeneização dos menores desvalidos, embora classificando
ingênuos e órfãos, ambos estariam abrigados ob o mesmo teto, mesma disciplina. Também
é interessante notar que não há uma dissociação do trabalho destes menores nacionais em
relação a uma agricultura “moderna”, os menores teriam um ensino de acordo com as
novas ciências e técnicas agrícolas tonando-os agricultores aptos ao desenvolvimento da
lavoura e “Os fundadores da associação, pensando como ficou dito, na educação do
menino desvalido e do ingênuo, procuram torna-los cidadãos uteis á pátria, combatendo
pelo estimulo e pelo trabalho a vagabundagem e o socialismo”. O articulista termina
fazendo um apelo para a “imprensa patriótica” e os cidadãos do Império a tomarem parte
na “empresa civilizadora” em nome do futuro da pátria. Atrelar a educação a um
sentimento de patriotismo, ou mesmo de amor a província é ponto comum em vários
discursos sobre o tema da educação das classes populares, a formação de uma nação
civilizada e moderna passaria pela instrução o seu povo.
Entre os diversos sujeitos que falaram sobre a educação popular, a educação do ingênuo
e mesmo a de escravos e libertos, existiu uma correlação em suas ideias. José Agostinho
dos Reis (abolicionista), Cordeiro de Castro (curador de órfãos), Bandeira de Mello Filho
(presidente da província do Pará, 1877), o bispo D. Macedo Costa, entre muitos outros, não
apenas restrito a província do Grão Pará, mas pelo Império como um todo, discutiram a
situação do filho livre da escrava, e que por sua vez acabava a ser associado à questão da
infância desvalida. Na década de 1870 a discussão sobre o futuro dos ingênuos estava viva
em função da expectativa sobre o número de ingênuos que seriam entregues ao Estado
80
Idem.
56
Pelos senhores de suas mães. No entanto em 1885 os dados do ministério da agricultura
mostraram que dos 403. 827 ingênuos matriculados em dezenove províncias mais o
município neutro apenas 113 forem entregues ao Estado.81
(...) Fundar colônias agrícolas como a Izabel, para recolher e educar os
libertos denominados ingênuos contra todas as regras da etimologia, é
medida não somente útil, mas de urgência, pois 1879 nos bate a porta
e de 28 de setembro de 1879 em diante hão de afluir os tais ingênuos,
sem o governo estar pronto para accomodal-os: sem contar, que este é
o único meio de utilizar para a produção agrícola parte daquela
geração (...) (CEPA/PE, 1978, p.150. Apud: Adlene Arantes, p. 3. )
Ainda sim, a educação dos ingênuos volta ao discurso na década de 1880 diante dos
projetos de colonização e fundação de estabelecimentos de ensino agrícola, reavivamento
do movimento abolicionista e expectativa do fim da escravidão.
A Execução da Lei...
“Cada ano o relatório do ministério da agricultura nos diz, como uma
espécie de estribilho, a Lei de 28 de setembro vai sendo executada
lealmente e sem fraude. Será exata esta asseveração?”.82
Cristiano Otoni em 1883 levantou a questão de como estava sendo procedida a
execução da Lei de 28 de setembro de 1871. Constatando que da matricula geral de
escravos concluída em 1873, onde foram matriculados 1.540.796 cativos ainda não
representavam o número, total pelo motivo de que mesmo após 10 anos do término da
matricula ainda faltavam dados de 42 municípios do Império. Segundo os dados do
Ministério da Agricultura de 1873 a 1882 haviam falecido no Império 132.777 cativos que
representavam 8,6% dos cativos matriculados em 1873, correspondendo a uma taxa anual
de mortalidade de apenas 1%. Ottoni critica tais números indicando que entre a população
livre haviam números maiores em relação a taxa de mortalidade, e deste modo uma taxa de
apenas 1% entre os cativos seria inverossímil, Citando o estudo do medico carioca Dr. José
Maria Teixeira que indicava uma taxa de mortalidade para a cidade do Rio de Janeiro de
81
CONCEIÇÃO, Miguel Luiz da. O Aprendizado da Liberdade: educação de escravos, libertos e Ingênuos
na Bahia Oitocentista. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da
Universidade Federa da Bahia. 2007., pp. 58-59.
82
C. Otoni. Op. Cit. p. 11.
57
5,12%, deste modo Otoni criticava a ausência de um registro de óbitos de escravos que
desse verdadeiramente conta do número de falecimentos.83
Outro tema tocado por Cristiano Otoni foi o das libertações de escravos pelo fundo de
emancipação, segundo os dados que ele descreveu desde a promulgação da Lei do Ventre
livre até a data do relatório de 1882 haviam sido libertados 100.000 cativos, sendo que
87.000 por particulares e apenas 13.000 por parte do Estado “emancipamos 13.000
enquanto a morte liberta 431.000”.84 também criticava o fundo de emancipação que estava
a pagar altos valores pelos escravos ao mesmo tempo que o valor venal dos cativos estava
em baixa devido as altas taxas denunciando uma rede de compadrios que visavam se
beneficiar do mesmo fundo, apontando para o fim do arbitramento, o valo do cativo só fora
tabelado pela Lei dos Sexagenários em 1885.
Baseado nos dados apresentados pelo relatório do Ministério da Agricultura de 1882 C.
Ottoni criticou os dados e a lentidão para os registros e matriculas; dados sobre os óbitos e
mesmo a baixa atuação do Estado para a emancipação gradual, assim como o mau
funcionamento do Fundo de Emancipação. No discurso de Ottoni não forma mencionados
dados sobre os ingênuos, mas podemos pensar que foi sobre estes que maior fora o pesa
das dificuldades na execução da Lei.
Ao mesmo tempo em que o número de cativos no Pará diminuía ao longo das ultimas
décadas do século XIX o número de ingênuos aumentava, de 6.205 em 1878 para 11.273
em finais de 1887, enquanto o número de escravos no Pará em 1872 era de 27.458 e em
1888 reduziu para 10.535.85 O número de cativos reduzira em 38,5% em virtude de
alforrias, mortes e perda de cativos para outras áreas,86 o número de ingênuos aumentara
em 55.04%, ai podemos dimensionar a importância que os ingênuos passaram a ter como
força de trabalho nos últimos anos da escravidão no Império.
Os dados referentes aos ingênuos matriculados no Império até 31 de dezembro de 1875,
embora ainda incompletos visto que muitas províncias não haviam cumprido as
determinações do Ministério da Agricultura, lançam alguma luz sobre dados gerais acerca
dos ingênuos.
83
C. Ottoni. pp. 33-35.
Idem, p. 39.
85
BEZERRA NETO, 2009. Op. Cit., p. 172.
86
Bezerra neto já apontou que no Pará, mesmo após a lei de 1871 consegui manter em certa medida seus
escravos.
84
58
(Quadro – 1.)
Quadro dos ingênuos matriculados nas províncias que ministraram as respectivas informações
até dezembro de 1875.
Províncias
Matriculados
Falecidos
% de cada Província
em relação ao número
total de ingênuos
Comparação entre
óbitos e nascimentos.
Amazonas
Ceará
Alagoas
Sergipe
Espírito Santo
Rio de Janeiro
São Paulo
Paraná
Rio Grande do Sul
Mato Grosso
Total
99
3.859
3.370
3.926
2.448
34.908
18.559
1.009
9.538
469
78.185
4
488
531
829
388
7.207
3.783
109
1.194
30
14.563
0,12%
4,93%
4,31%
5,02%
3,13%
44,64%
23,73%
1,29%
12,19%
0,59%
100%
1: 24,8
1:7,9
1:6,3
1;4,7
1: 6,3
1: 4,8
1: 4,9
1:9,3
1:7,9
1: 15,6
1:5,36
(Informações tiradas de: Luiz Francisco da Veiga. Livro do Estado Servil e a Respectiva libertação, 1876, p.
540.).
Como o quadro acima apresenta, até o final do ano de 1875 apenas dez províncias
haviam fornecidos dados a secretária do Ministério de Agricultura e dentre elas a que mais
possuía ingênuos matriculados foi a do Rio de Janeiro responsável por 44,64% dos
ingênuos matriculados no Império até o final de 1875; seguido por São Paulo com 23,73%,
somente as duas juntas eram responsáveis por mais da metade dos ingênuos nestas dez
províncias. O Rio de Janeiro computava para o mesmo período o número de 304,744
cativos matriculados equivalendo a 21,22% da população cativa do Império, já São Paulo
para o mesmo período contava com 169.964 o que equivalia a 11,87% dos cativos. Fica
difícil estabelecer comparações visto que quanto ao número de cativos matriculados até
dezembro de 1875 todas as províncias forneceram dados, diferentemente do caso dos
ingênuos.
Ainda que dados de províncias que possuíam grande percentual de cativos como a
Bahia (12,13%), Minas Gerais com 16,42% não apareceram nos dados sobre ingênuos
podemos considerar o alto percentual de falecimentos de filhos livres de mulheres escravas
desde a Lei de 1871. Temos uma média geral de 1 falecimento para cada 5 nascimentos
(tomado os dados das 10 províncias) o que significa um percentual de 18,62% de óbitos,
em comparação com o quadro parcial para todo Império temos os dados para a província
do Gram - Pará dos ingênuos matriculados de 1871 até 31 de dezembro de 1876, período
em que foram matriculados 4.801 ingênuos, e destes faleceram 459 o que dá uma media de
1 falecimento a cada 10,45 nascimentos, traduzindo para percentuais significou o número
59
de 9,56% de óbitos, a diferença de apenas um ano entre tais dados me fazem pensar que
não seriam tão diferentes entre si.87 Sendo assim o Pará teria uma média de mortalidade
inferior a uma media geral, ficando atrás apenas do Amazonas e Mato Grosso, sendo que
estas províncias possuíam apenas 0,08% e 0,49% enquanto o Pará possuía 1,37%.88
O quadro abaixo demonstra o número de ingênuos, falecimentos, entradas e saídas:
(Tabela – 1).
Número de Ingênuos matriculados na província
até 31 de dezembro de 1876.
Do sexo masculino
Do sexo feminino
Faleceram
Do sexo masculino
Do sexo feminino
Entraram
Do sexo masculino
Do sexo feminino
Saíram
Do sexo masculino
Do sexo feminino
Existiam até 31 de dezembro de 1876
Do sexo masculino
Do sexo feminino
4.801
2.346
2.455
459
216
243
47
20
27
81
44
37
4.308
2.106
2.202
(Dados retirados de Jornal do Pará, 24/10/1877. Nº 242, p. 2.).
Tais dados demonstram que dos 4.801 ingênuos matriculados na província paraense
ainda existiam até dezembro de 1876 o número de 4.308, a diminuição ocorreu em virtude
de óbitos e perdas para outras províncias, entraram 47 ingênuos e saíram 41 uma diferença
de 34 indivíduos, estes acompanhavam as suas mães quando vendidas. Neste mesmo
período entraram e saíram do Pará 1.526 e 1.303 cativos respectivamente, tendo o Pará um
saldo positivo de 223 escravos.89 Em relação ao sexo dos menores houve um equilíbrio no
número de homens e mulheres.
Ao verificarem-se os inúmeros avisos e circulares expedidos pelo Ministério da
Agricultura na década de 1870 acerca da execução da Lei de 1871, vemos as dificuldades e
87
Jornal do Pará, 24/10/1877. Nº 242, p. 2.
Os dados em relação ao Pará estavam incompletos havendo o número de 19.729 escravos matriculados e
uma diferença de 7.470 para menos em relação ao censo de 1872.
89
Jornal do Pará, 24/10/1877. Nº 242, p. 2.
88
60
duvidas sobre a “questão do elemento servil” por todo o Império. Pude levantar alguns
destes avisos e circulares publicados nos periódicos que circulavam em Belém,
principalmente no Jornal do Pará e outros publicados na obra de Luis Francisco da Veiga.90
Ao olharmos o Jornal do Pará, periódico responsável pela transcrição de informações
oficiais do Governo e administração da província paraense que teve sua circulação durante
o período de 1862 a 1878, encontramos uma serie de avisos, circulares, relatórios e ofícios
acerca da execução da Lei do Ventre Livre, principalmente na sessão específica das
informações do Ministério de Agricultura.91
Em 1877 foram encaminhados ofícios pela presidência da província à Câmara
Municipal de Soure e a de Chaves. À primeira solicitando informações sobre os óbitos de
escravos e ingênuos naquele município recomendado que a câmara do município
providenciasse para que o administrador do cemitério municipal encaminhasse as
informações para o cumprimento do art. 23º §2º do regulamento de 01/12/1871; o referido
regulamento determinava no seu art. 21º que os responsáveis pela matriculas de escravos
nos municípios deveriam informar os óbitos e mudanças de município de escravos
matriculados em prazo de três messes após a ocorrência do fato.
Já a câmara do Município de Chaves encaminhará um oficio informando estar ciente
das dificuldades para passar as informações sobre os falecimentos de escravos e menores
matriculados em virtude de que além do cemitério público do município existiam cerca de
200 outros cemitérios particulares “sem a regular administração”, tendo a secretaria da
província dado a seguinte indicação:
Lembro à mesma câmara a conveniência de serem adotadas medidas
no sentido de restringir o número de licenças para o estabelecimento
de cemitérios fora da vila e bem assim ara que sejam regularmente
ministrados pelos proprietários ou encarregados dos mesmos
esclarecimentos relativos aos enterramentos que forem feitos de
escravos e ingênuos, sob as penas cominadas no art. 26 do
regulamento de 1º de dezembro de 1871.92
O artigo 26 do regulamento de 01/12/1871 determinava que os senhores deveriam dar
conta na relação onde efetuam a matricula de seus escravos, dos óbitos de filhos das suas
90
VEIGA, Luis Francisco. Livro do Estado Servil e Respectiva Libertação, contendo a Lei de 28 de
Setembro de 1871 e os decretos e avisos expedidos pelos ministérios da Agricultura, Fazenda, Justiça,
Império e Guerra desde áquea data até 31 de dezembro de 1875, precedidos dos atos legislativos e
executivos, em benéfico da liberdade, anteriores a referida lei.
91
Sobre os periódicos que circulavam no Pará durante o século XIX ver: SEIXAS, Netília Silvia Anjos. A
imprensa em Belém no século XIX: as Décadas de 1861 e 1871. Anais do XXXV Congresso Brasileiro de
estudos interdisciplinares da comunicação, Fortaleza- Ce, 2012.
92
Jornal do Pará, 02/09/1877, nº 200, p. 1.
61
escravas que ocorreram antes de terem efetivado a matricula. As dificuldades para o
cumprimento da Lei de 1871 e seus regulamentos deram-se em função dos obstáculos para
se estabelecer números precisos a partir das matriculas.
Em 18 de janeiro de 1877 o presidente da Província do Pará Thomaz José Coelho
D’Almeida, respondendo a avisos e circulares do ministério da Agricultura prestou
informações sobre a execução da Lei 2040 de 28 de setembro de 1871:
Segundo estou informado e tenho por mim mesmo observado tem sido
a mais favorável possível à disposição dos habitantes desta província
para verem realisados os nobres e humanitários intuitos da Lei nº 2040
a qual até esta data não tem encontrado a menor repugnância no
cumprimento de suas prescrições por parte dos senhores de escravos.
Não consta que estes tenham recusado a despender, para com os filhos
livres as escravas, s mesmos cuidados que tinham para com os filhos
das mesmas quando nascidos escravos.
É este um testemunho que muito me comprazo dar dos sentimentos
humanitários e de caridade da maior parte dos senhores de escravos
desta província. É com muito satisfatório poder declarar que nesta
província e especialmente nesta capital, não avulta o número de óbitos
de filhos livres de mulher escrava, e que não registra a imprensa fatos
de desumanidade para com eles.
São constantes as manumissões de escravos de ambos os sexos e
especialmente do feminino, sendo que, por este modo, os respectivos
senhores, ao passo que se libertam do ônus do tratamento dos filhos
que possam nascer das escravas. Concorrerem para eximir o Estado da
indenização que lhes teria de fazer nos termos do art. 1º §1º da citada
Lei.93
Alegando ainda que a matricula dos escravos estava sendo feita regularmente,
encontrando dificuldades somente em função do curto prazo devido a distancia de muitas
coletorias e residências dos senhores.
Thomaz José Coelho de Almeida não via com a mesma satisfação a classificação dos
escravos para serem libertos pelo fundo de emancipação, pelo motivo da falta de adjuntos à
promotor público, estes responsáveis pela junta de classificação, e quando nomeado para
tal cargo os juízes e subdelegados dos distritos, os mesmos buscariam de todas as formas
eximirem-se de tal encargo.
Ao olharmos os relatórios provinciais a partir de 1872 podemos ver em certa medida a
aplicação da Lei. Em conformidade com o artigo 6º da Lei 2040, foram assinadas 69
cartas de liberdade aos escravos de nação existentes na província paraense.94 Ainda em
1872, ao falar da compra de uma propriedade pertencente ao comendador Manuel Antonio
93
94
Jornal do Pará, 18/03/1877, nº 62, p. 1.
Relatório de Presidente de província de 1872, p. 5.
62
Pimenta Bueno para nesta propriedade passar a funcionar o colégio de Educandos e
Artífices, fora ressaltado a utilidade de tal estabelecimento para dar destino aos libertos:
Tendo em vista o governo imperial criar asilos convenientes aos
libertos, que não ficarem em poder de seus senhores, nesta data me
dirijo ao mesmo governo, cientificando-lhes que breve pretendo criar
o colégio de educando e artífices, onde os menores libertos poderão
receber uma educação e instrução regulares. Sem que seja preciso
montar-se aqui um asilo especial para eles.
Lembrando que esta ideia ao Governo Imperial, a qual segundo
creio, será abraçada, porque são incontestáveis os esforços que o
mesmo governo há empregado para solver do melhor modo a questão
do elemento servil, a mais importante de nossos dias, quer encarada
pelo lado social, quer pelo lado econômico, tive por fim pedir ao
Governo que auxiliasse o importante estabelecimento de Educandos
artífices nesta província, afim de serem nele também recebidos
menores libertos para se educarem de um modo conveniente.
Neste sentido, pois, pedi ao ilustre ministro da agricultura pra que
concorresse ao Governo Imperial com a quantia de sessenta contos de
reis, importância da casa comprada para o colégio de artífices, que
nele seriam recebidos os menores libertos, sem mais ônus para os
cofres gerais.
Os referidos menores terão ali um asilo conveniente, onde
receberão a instrução necessária, sem que o Estado tenha de gastar
grandes somas com a criação de um estabelecimento especial e a
província por sua vez também muito lucrará com esta medida, porque
diminui consideravelmente as despesas com a criação do Colégio de
Educandos.95
A Lei de 1871determinava que fossem criados estabelecimentos para serem postos os
ingênuos que fossem entregues pelos senhores de suas mães ao Estado, ou que os
mesmos fossem entregues a associações que fossem criadas com o intuito de abrigar tais
menores, diante o contexto da Lei do Ventre Livre o presidente da Província paraense
considerou adequado à fundação de um instituto que viesse a promover a educação
oficiosa. As políticas em relação educação das classes populares receberam maior
atenção do governo provincial a partir da década de 1870, ao olharmos os relatórios
provinciais vemos que o Instituto de Educando e Artífices fora criado e orientado para
as camadas populares da sociedade. Embora não tenho encontrada mais informações
sobre libertos ou ingênuos na mesma instituição, o trecho transcrito acima faz uma
menção direta a necessidade de matricular menores libertos no referido Instituto, outro
ponto a considerar é a denominação “menores libertos”, ao falar de menores libertos o
presidente na verdade deveria estar falando dos filhos livres de mulheres escravas.
95
Relatório apresentado á Assembleia legislativa Provincial na primeira sessão da 18º legislatura em 15 de
fevereiro de 1872 pelo presidente Dr. Abel Graça, p. 59.
63
Já fora apontado aqui as diferenças entre ingênuos e libertos, o uso do termo libertos
indica ainda uma Leitura negativada os filhos da Lei de 1871. E ao utilizar o termo
menores, distancia mais ainda do universo da criança livre, o termo menor fora
comumente usado durante o século XIX para distinguir os detentos dentro da
documentação policial, quando da necessidade de construir os boletins de detenções,
classificado em homens e mulheres, adultos e menores.
Irma Rizzini aponta sob quais condições e contexto fora fundado o Instituto: “a
escassez de braços na Província, a perspectiva da abolição do elemento servil e a
expectativa que os desvalidos fossem uteis a Província e às suas famílias, compunham a
justificativa para a criação da instituição educacional”.96 A casa de Educando e Artífices
fora inaugurada em junho de 1872 sob o governo do presidente de província Abel
Graça. Irma Rizzini indica que os regulamentos do mesmo instituto determinavam que
para serem admitidos os menores devessem ter as idades de 7, 12 e 14 anos, tendo ainda
de estarem sob “a condição de orfandade, desvalimento e pobreza do candidato, boas
condições sanitárias, ter sido vacinado”,97 e pela Lei Provincial nº 660º de 31/10/1870
só era autorizado à admissão de “filhos da província”, ou seja, nascidos no Pará 98 e
ainda sendo vetado o ingresso na mesma instituição aos escravos.
Ao falar do Instituto de Educando e Artífices em sua tese de doutorado Irma Rizzini
não fez menções a presença de libertos ao longo das últimas décadas do século XIX no
mesmo instituto, embora voltada para as classes populares os então filhos livres de
mulheres cativas parecem não terem sido parte do corpo de educandos que frequentaram
o mesmo instituto. Entre 1870 e 1893 dos 564 processos de tutelas levantados nesta
pesquisa, foram envolvidos 722 menores, e destes apenas 118 eram libertos/ ou
ingênuos, destes 23 anos de documentação levantada o ano de 1888 corresponde
sozinho a 15% do número de ingênuos envolvidos nestes processos, o que estes dados
indicam, assim como a ausência de informações sobre ingênuos ou libertos no instituto
de Educando e Artífices do Pará é que embora nos primeiros anos após a Lei do Ventre
Livre a educação a ser dada aos menores filhos de mulheres escravas tenha sido
discutido, os então ingênuos foram deixados de lado pelo Estado que construiu um
projeto educacional, “civilizador e moralizante” para a população livre , enquanto os
menores ficaram sob o domínio privado dos senhores de sua mães incluído na dimensão
96
RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia
Imperial. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004. pp. 304-305.
97
Idem. pp. 318.
98
Ibidem. p. 319.
64
educacional, só retornando a serem envolvidos novamente no tema a educação popular
a partir do ano de 1888.
“Deserdados da sorte” os nascidos sob o contexto da Lei 2040 de 28 de setembro de
1871 fundamentaram discussões sobre a necessidade de se estabelecer uma educação
popular e oficiosa em bases “pedagógicas modernas” no Pará a partir do ultimo quarto
do século XIX. Tal projeto de educação ganhou uma dimensão maior do que a questão
dos filhos livres das mulheres escravas, a educação popular, das massas desvalidas,
incluído ai os indígenas, migrantes cearenses e pobres livres.
65
CAPÍTULO II - INFÂNCIA DESVALIDA; EDUCAÇÃO,
TUTELAS E ORDEM SOCIAL NO PARÁ.
“FUTUROS OPERÁRIOS DO PROGRESSO” – Infância Desvalida e
Educação.
“(...). E depois, qual a educação que poderão dar quem não tem? Apanhar
Açaí? Cortar cana? Lancear Camarões? Remar canoas e ascender cachimbos
de légua e meia? A maior parte não manda educar seus filhos que são
criados ao rigor dos tempos, quanto mais os pobres pretinhos”. 99
(grifos meus).
Pensar nas relações e questões nas quais estiveram inseridos os libertos ao longo
das décadas precedentes a abolição é também pensar na parcela livre e pobre da
população da província do Pará, e dentre esta parcela da população trabalharei os então
“menores desvalidos”.100 Considerados órfãos ante os olhos do Estado e objeto das
discussões e medidas políticas para tratar da dita “infância desvalida”, o que apresento
adiante esteve vinculado ao processo emancipacionista e a necessidade de novas formas
de arregimentação de mão de obra entre as classes populares e controle social.
O Leitor pode se perguntar qual a relação da infância com a liberdade no Brasil
oitocentista? Diante das novas configurações sociais que se desenrolaram ao longo da
segunda metade do século XIX, as discussões sobre a formação de uma massa de
trabalhadores livres, discussão que se voltou para a atração do imigrante europeu e a
necessidade de se ordenar a sociedade diante de novos ideais modernizantes, sendo a
educação uma dimensão importante no ideal de modernidade. A educação durante o
segundo reinado (1840-1889) como indica Karla Barros é tomada enquanto instrumento
para incutir valores e “condutas de civilidade”101 nas camadas populares, e manter a
ordem e o lugar social de acordo com as hierarquias já estabelecidas.
Hoje em dia o termo educação remete a práticas de ensino efetuadas nos espaços
escolares, no entanto ao pensarmos sobre a educação durante o século XIX deve-se
pensar nas diversas formas de educação, como indica Marcus Vinicius Fonseca: “Ao
fazer referência à educação dos escravos, devemos ter em mente as práticas
educacionais que eram anteriores ao modelo escolar e que não possuíam qualquer
99
O Liberal do Pará, 06/06/1888, p. 1. BPEP, Setor de Microfilmagem.
O termo “menor desvalido” passa a ganham maior ênfase a partir da década de 1870 e sob essa
categoria incluíam-se os filhos das classes populares, indígenas, mulatos, pardos, tapuios.
101
TERTULIANO DE BARROS, Karla Alves Coelho. A Educação de Ingênuos em Goiás (1871-1888).
Dissertação de Mestrado, - UFG, PPGED, 2013. p. 32.
100
66
semelhança com as práticas generalizadas a partir do processo de escolarização”.102
Como Marcus Vinicius aponta a “pedagogia senhorial” não deve ser vista como mero
adestramento, e sim como um processo de aprendizagem a qual a criança escrava esteve
sujeita. Isso pode ser pensado para além do mundo da escravidão, as classes populares
reproduziram formas “tradicionais de educação” baseadas na aprendizagem cotidiana
nas relações sociais vivenciadas no espaço privado e público.
A epígrafe que inicia este capítulo data de 1888 e fala da condição dos libertos
após a abolição, ao mencionar certos aprendizados tradicionais como apanhar Açaí,
lancear camarões, remar canoas o articulista esteve a criticar a forma de vida da
“população paraense” e a maneira como estes tratavam seus filhos. A educação que o
articulista tem em mente é uma educação escolar e oficiosa de caráter “moderno”, isto
remete a práticas educativas diferenciadas vinculadas a contextos específicos e
marcadores sociais variados quanto a gênero, classe, cor e condição jurídica. A
educação tradicional passa a conflitar com os novos modelos educativos em processo
durante o século XIX, segundo Justino Magalhães a educação tradicional possuí papel
importante em diversas sociedades.
Esses processos educativos decorrem em espaços familiares, nas
oficinas e locais de trabalho, nas praças e lugares públicos, nas festas,
nos jogos, nos atos de culto e sob uma ação pedagógica, ora mais, ora
menos organizada e formal. Deste modo os pais, ou quem os substitui,
os eclesiásticos, os mestres da corporação, os responsáveis pelos
destinos da comunidade, os órgãos do poder, não deixam de
desempenhar importantes funções educativas (Magalhães, 1996, p. 10.
Apud . Fonseca, Marcus Vinicius, 2002. p. 138)103
É sob o contexto das transformações da década de 1870 que a educação escolar
vai tomando maior espaço nas discussões dos grupos dirigentes. Ao estudar a educação
da população negra no Brasil durante o período das reformas abolicionistas iniciadas
com a Lei do Ventre Livre, Marcus Vinicius Fonseca indica a educação como uma
“dimensão complementar a abolição do trabalho escravo”, assim podemos pensar que as
reformas educacionais da década de 1870 estavam associadas à Lei do Ventre Livre,
como indica Fonseca:
Portanto, em meio às discussões que começavam a difundir a idéia e a
necessidade de estabelecer a libertação das crianças nascidas de
escravas, educação e emancipação eram vinculadas como parte do
102
FONSECA, Marcus Vinicius. Educação e Escravidão. Um desafio para a análise historiográfica.
Revista Brasileira de História da Educação, nº 4. Jul/dez, 2002, p. 127.
103
Idem. p. 138.
67
processo geral de preparação dessas crianças para o exercício da
liberdade.104
Para o mesmo autor, o texto final da Lei de 1871 fizera uma sutil distinção entre
“criar” e “educar”, enquanto a Lei determinava que os senhores deveriam cuidar e criar
dos filhos de suas escravas, o Estado deveria criá-las e educá-las quando os senhores
optassem por entregá-las ao Governo, desta maneira os senhores ficariam isentos de
propiciar uma educação escolar aos mesmos facilitando a preservação das hierarquias
sociais vigentes.105 Como foi apresentado no primeiro capítulo desta dissertação a
expectativa que um grande número de ingênuos fossem entregues ao estado no ano de
1879 propiciou uma intensa discussão sobre a construção de uma estrutura apta a
recebê-los.
O período posterior ao ano de 1879 é apontado por Marcus Fonseca como um
momento de “refluxo da questão da educação dos ingênuos”,106 quando os senhores de
escravos optaram em sua maioria por permanecem com os ingênuos a criação de tais
institutos de educação que tanto foram discutidas na década de 1870 passaram a
encontrar respaldo para a sua manutenção enfocando a educação da infância desvalida;
“Após 1879, a tendência era a de igualar o problema dos ingênuos e da infância
desamparada”.107
Os menores filhos da população pobre e principalmente da “população de cor”
tornaram-se objeto de discussão nos jornais, no parlamento, nas câmaras provinciais,
nos gabinetes de presidentes de província e nos tribunais. Segundo Daniel Almada, 108 a
Lei de 28 de setembro1871 ao invés de tornar livre o filho da escrava e igualá-lo aos
demais menores livres teve um efeito inverso, aproximando os filhos da população
pobre da condição dos filhos de escravos. Corroboro com tal argumento visto que as
fronteiras entre a condição de escravos, ingênuos, libertos e livres eram tênues.109
104
FONSECA, Marcus Vinicius. As primeiras práticas educacionais com características modernas em
relação aos negros no Brasil. In: Negro e Educação: Presença do Negro no Sistema educacional
Brasileiro, Marcus Vinicius da Fonseca, Patrícia Maria de Sousa Santana, Cristiana Vianna Veras,
Elianne Botelho Junqueira, Julio Costa da Silva, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Regina Pahim
Pinto (organizadores). São Paulo, 2001, p. 13.
105
Idem, p. 15.
106
Idem, pp. 20-22.
107
Idem, Ibidem, p. 22.
108
ALMADA, Paulo Daniel Sousa. A infância desvalida: menores do Pará entre a Lei do Ventre Livre e a
abolição. Monografia de conclusão de curso, 1984. UFPA. IFCH. Laboratório de História.
109
Sobre as condições de vida dos libertos ver: SAMPAIO, Patrícia de Mello. Africanos e Índios na
Amazônia: experiências de precarização da liberdade. Ver também: LIMA, Henrique Espada. Trabalho e
lei para os libertos na ilha de Santa Catarina no Século XIX: Arranjos e Contratos entre a autonomia e a
domesticidade. Cadernos AEL, v.14, n.26, 2009, pp. 144-177. Sobre o conceito de “precarização da
68
Entre os filhos das classes pobres também estavam os filhos de libertos e de
escravos deste modo os “menores desvalidos” estavam inseridos no conjunto da
sociedade vista como eminentemente perigosa à formação de uma identidade nacional a
partir da construção de um povo trabalhador e civilizado. Para além dos planos de
branqueamento da população perpassava pelo projeto de controle das classes perigosas
e formação de cidadãos oficiosos. A assimilação de determinadas ideias acerca da noção
de classes perigosas elaborados por criminalistas e cientistas como H. A. Fregier 110 e
Benedict Morel111 por parte da intelectualidade Brasileira e dos Parlamentares, serviram
como embasamento científico para muitas das práticas higienistas aplicadas no Brasil ao
longo da segunda metade do século XIX.
Sidney Chalhoub em seu estudo sobre os cortiços no Rio de Janeiro demonstrou à
leitura que alguns membros da Câmara dos deputados do Rio de Janeiro fizeram sobre a
obra de Fregier a adequação a realidade local da noção de “Classes Perigosas”:
“As classes pobres e viciosas, diz um criminalista notável, sempre
foram e hão de ser a mais abundante causa de todas as sortes de
malfeitores: são elas que se designam mais propriamente sob o título
de – classes perigosas –; pois quando o mesmo vício não é
acompanhado pelo crime, só o fato de aliar-se à pobreza no mesmo
indivíduo constitui justo motivo de terror para a sociedade. O perigo
social cresce e torna-se de mais a mais ameaçador, à medida que o
pobre deteriora a sua condição pelo vício e, o que é pior, pela
ociosidade.
(...)
Os pobres carregam vícios, os vícios produzem malfeitores, os
malfeitores são perigosos à sociedade; juntando os extremos da
cadeia, temos a noção de que os pobres são, por definição, perigosos.
Por conseguinte, conclui decididamente a comissão: ‘as classes pobres
[...] são [as] que se designam mais propriamente sob o título de –
classes perigosas –”.112
Para Chalhoub o uso da noção de classes perigosas serviu para que recaísse uma
“suspeição generalizada” sobre a população pobre e principalmente a de cor. Ao se
liberdade” ver o trabalho de CHALHOUB, Sidney. Precariedade Estrutural: o problema da liberdade
no Brasil escravista (século XIX). História Social, n.19, segundo semestre de 2010. Ver Também:
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. “Liberdade em tempos de escravidão”. In: Chaves, Cláudia Maria das
Graças e Silveira, Marco Antonio (Orgs.). Território, conflito e identidade. Belo Horizonte: Argumentum,
2007, pp. 89-104.
110
FREGIER. H. A. Des Classes Dangereuses de la population dans lês grandes Villes et des moyens e
lês rendre meilleurs. 2vol. Paris 1840.
111
Sobre o tratado do Psiquiatra Benedict Morel (Tratado das degenerescências, 1857) Ver: PEREIRA,
Mario Eduardo Costa. Morel e a questão da degenerescência. Revista Lantino Americana de Psicopatia.
Fund., São Paulo, V. 11, n. 3, setembro 2008, pp. 490-496.
112
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril; Cortiços e Epidemias na Corte Imperial. São Paulo; Companhia
das Letras, 1996, pp. 21-22.
69
discutir a questão da infância desvalida na província paraense as autoridades buscavam
estabelecer formas de zelar pela ordem social, ao instituir mecanismos de controle
moral que possibilitassem incutir valores atrelados ao trabalho nos menores das classes
populares.
Em 1884 o Jornal A Constituição fala da situação dos menores das classes pobres
e da criação na Corte do Império de uma Associação Protetora da Infância que estaria
articulando com as demais províncias para arrecadar fundos a fim de cuidar dos
menores. O articulista afirmava que por todo Império formavam-se institutos e asilos
com o fim de “garantir aos filhos da pobreza uma educação solida, fundada nos
princípios da sã moral”, embora ressaltando as riquezas naturais do país o articulista
destacava a pobreza moral em que grande parte da “nação” vivia:
No meio, porém, de todas estas grandezas, pasma-se diante da pobreza
em que vive a grande maioria da nação, que parece não ambicionar
sequer um futuro mais lisonjeiro. É que falta educação na massa
popular, falta hábito do trabalho, mas de um trabalho metódico e
inteligente, e faltam também estímulos.113
Tanto os institutos de educação para os menores desvalidos quanto institutos
militares como as Escolas de Aprendizes e Marinheiros estavam interessados em manter
a ordem e a tranquilidade pública. Em 1885 o Ministro da Justiça encaminhou aos juízes
de Órfãos da Corte uma determinação para que os menores enviados a estes pelas
autoridades policiais fossem encaminhados primeiramente para serem admitidos em
companhias de aprendizes de Marinheiros ou de Guerra, caso não fosse possível à
admissão destes menores na Armada que fossem admitidos em Asilos de Menores.114
Cabe compreender quem eram estes menores desvalidos. Para o período de 1810 a
1850 em um levantamento feito por Ana Rita Ramos cerca de 74% das crianças na
província paraense eram filhos ilegítimos de um total de 5.327 registros de batismos, ou
seja, filhos de relações que não estavam de acordo com os preceitos católicos,115 e
portanto se encaixavam em termos jurídicos na condição de órfãos.
O fato de não ocorrerem tantas requisições de tutorias no Pará em relação ao
mesmo período (1810-1850) pode estar vinculado ao caráter das medidas de amparo a
113
A Constituição. “A Favor da Infância Desamparada”, 09/06/1884. HDBN.
O Liberal do Pará. Menores Vagabundos, 22/12/1885. HDBN.
115
RAMOS, Ana Rita de Oliveira. Estudo da ilegitimidade nos registros paroquiais: a inserção dos filhos
de pais incógnitos na sociedade paraense católica (1810 – 1850). Monografia, Faculdade de História;
IFCH, UFPA, 2011, p. 32.
114
70
menores pobres para o mesmo período. Os trabalhos de Paulo Daniel Almada116 para a
segunda metade do Século XIX e de Edna Wanderley para o período posterior a 1888,
no Pará.117 Assim como os trabalhos de Maria Aparecida Papali118 e Ana Gicelli
Alaniz119 para o Sudeste do Brasil demonstram o ressignificação da tutela como
mecanismo de controle das classes populares, com o aumento da atuação do Estado nas
relações sociais vivenciadas anteriormente no âmbito privado.
Segundo Eduardo Nunes, até meados do século XIX as políticas de assistência à
infância desvalida no Brasil possuíssem um caráter religioso, mudando de caráter a
partir da segunda metade do século XIX onde o Estado tomaria o papel de dirigir tais
políticas assistencialistas a infância com a criação de institutos no Rio de Janeiro com o
Imperial Instituto de Meninos Surdos (1855); a Escola de Aprendiz de Marinheiro
(1873) e o Asilo de Meninos Desvalidos. Tais políticas estariam voltadas para um
projeto higienista buscando “a profilaxia e prevenção de comportamentos
desviantes”.120
O pensamento higienista, fundamentado nos valores da ciência,
tinha como objetivo, em sua ação, a prevenção da desordem. As
instituições de amparo social criadas para servir aos desprovidos, aos
desvalidos, tinham como objetivo, neste sentido prevenir a
delinquência, proteger a infância e fazer sua saúde física e de sua
adaptação moral a mais grave preocupação da sociedade.121
Embora Eduardo Nunes afirme que somente a partir da primeira Republica é que
o Estado passaria a implementar políticas efetivas de combate a “vadiagem”,
ordenamento social e “amparo” dos menores desvalidos, ao longo das duas décadas
precedentes a instauração da República os conflitos entre policiais, tutores, pais, e
autoridades do judiciário já remontam tentativas de implementação de mecanismos de
controle dos menores pobres.
Durante boa parte do período Imperial as instituições paraenses que buscavam
promover a educação de menores desvalidos estavam ligadas à igreja católica como o
116
ALMADA, Paulo Daniel. Op. Cit. p. 21.
WANDERLEY, Edna. Ser Orphã – Autos de tutela – Belém 1888 a 1910. Monografia de conclusão de
graduação, UFPA, Faculdade de História, 1996, p. 28.
118
PAPALI, Maria Aparecida Chaves Ribeiro. Escravos, libertos e órfãos: a construção da liberdade em
Taubaté (1871-1895). São Paulo, Annablume, 2003.
119
ALANIZ, Anna Gicelli Garcia. Ingênuos e Libertos: estratégias de sobrevivência familiar em épocas
de transição 1871-1895. Campinas. CMU/UNICAMP, 1997.
120
ALVARES PAVÃO, Eduardo Nunes. Balanço Histórico e historiográfico da assistência a infância
desvalida no Brasil. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, ANPUH. São Paulo, julho – 2011,
p. 15.
121
Idem. p. 15.
117
71
Colégio de Santo Antonio sob a direção das irmãs Dorotéias (fundado em 1878 que
funcionou primeiramente nas dependências do convento do Carmo como asilo a
meninas desvalidas a partir de 1872),122 o Colégio do Amparo, o Instituto Industrial e
Agrícola Providencia (1882).123 algumas das instituições atreladas à igreja recebiam
subsídios do governo da província, como destaca Elianne Barreto, para quem existiu
entre a Igreja e o Estado um incentivo para educação de crianças pobres.124 Foram
fundadas também a Companhia de Aprendizes Marinheiros (1872) e o Instituto
Paraense de Educando e Artífices (1871).
Para meninas desvalidas a educação recebida das instituições de ensino
destinavam-se a torná-las “boas mães e donas do lar”, aptas a educarem seus filhos ao
receberem uma educação moralizante, uma educação que estava de acordo com os
ideais modernizantes das elites paraenses.
Umas das instituições criadas na província paraense no século XIX objetivando
zelar pelas meninas desvalidas foi o Colégio de Nossa Senhora do Amparo fundado
pelo bispo D. Manoel Almeida Carvalho em 1804, quando o mesmo trouxera consigo
dos sertões da Amazônia 15 meninas índias para as quais resolveu cuidar da educação
das mesmas.125 Criado inicialmente com a intenção de cuidar de meninas índias
abandonadas o referido instituto recebeu auxilio financeiro do governo provincial, e em
1850 tomava definitivamente o nome de Colégio de Nossa Senhora do Amparo como
indicou Arthur Vianna:
Ficava o Recolhimento das Educandas definitivamente criado e
tomava a denominação de – Collégio de Nossa Senhora do Amparoseu fim seria recolher e educar as meninas desvalidas, as expostas a
cargo da câmara municipal de Belém, o presidente da província,
juntamente com as Irmãs, seria o protetor do colégio. O pessoal
constaria de uma administrador, um fiel, das professoras e irmãs
mestras, de um capelão e um médico. Estes deveriam ser pessoas
honestas e de probidade, maior de 35 anos de idade, prestando-se a
exercerem o cargo gratuitamente, em serviço de Deus e de Nossa
Senhora do Amparo.126
122
BEZERRA NETO, Jose Maia. As luzes da Instrução: o Asylo de Santo Antonio em Belém do Pará
(1870/1912). In: A escrita da História Paraense. Coordenadora. Rosa Elizabeth Acevedo Marin.
NAE/UFPA, 1998, pp.185-205.
123
Sobre o Instituto Providência e escolas profissionais no Pará ver BEZERRA NETO, Jose Maia.
Oficinas do Trabalho: representações sociais, institutos e ensino artístico no Pará. Revista Ver a
Educação. Vol. 2. N. 1, 1996, pp. 41-70.
124
SABINO, Elianne Barreto. A Assistência e a educação de meninas Desvalidas no Colégio de Nossa
senhora do Amparo na província do Grão – Pará (1860 -1889). Dissertação de Mestrado, Programa de
Pós-graduação em Educação, UFPA, 2012.
125
Idem, pp. 12.
126
VIANNA, 1906. Apud: ELIANNE BARRETO. Op. Cit., p.13
72
Na sessão da Assembleia Legislativa Provincial do Pará de 8 de outubro de
1868, fora debatido o novo regulamento para o Colégio do Amparo, o cerne do debate
estava na questão de a quem se destinaria o ensino na mesma instituição, se somente a
meninas desvalidas e órfãos ou se continuaria a receber meninas “pensionistas”, como
estava a fazer. O interessante no debate parlamentar era que se a referida instituição se
restringisse a classe das pessoas desvalidas, também deveriam ser mudados o quadro de
ensino, retirando do seu programa as aulas de inglês, francês e piano:
O Sr. Roque: - Pelo que respeita a educação intelectual pretende-se
acabar com as cadeiras de inglês, francês e até piano; porque entende
o nobre deputado, e com ele alguns outros, que não se deve dar as
meninas desvalidas uma educação, além da ordinária, a fim de que
não tenham elas pretensões incompatíveis com o seu estado e
condição social.127
O debate se circunscreveu a questão de se formarem mulheres aptas a serem
recebidas em matrimônio, e que obtivessem as qualidades necessárias para se casarem
com pessoas de posses e não apenas obtivessem um “casamento pobre”, tendo sido
declarado pelo Sr. Roque que conhecia vários sujeitos, amigos seus, que se casaram
com alunas egressas da mesma instituição como o seu amigo Rhossard. A educação as
meninas desvalidas deveria ser restrita às prendas domésticas e quando muito a ler e
escrever, tal perspectiva também esteve presente nos autos de tutela, quando um tutor
retrucou contra a alegação de uma mãe que reclamava da educação dada a sua filha, o
tutor argumentou que lhe dava uma educação de acordo com a “condição da menor”,
que não esperasse ela uma educação “principesca”.128
Em relação ao lugar ocupado na sociedade Imperial brasileira pelas mulheres, a
historiadora Emilia Viotti aponta que as transformações que ocorreram nas vidas das
mulheres durante o século XIX esteve associado ao desenvolvimento do capitalismo.129
E tais mudanças se apresentaram com maior ênfase para as mulheres de classes mais
abastadas que passaram a adotar novos costumes, como falar francês, inglês e às vezes
alemão. No Rio de Janeiro, em 1869, uma escola específica para meninas tentou alargar
o seu programa curricular e ao anunciar tal proposta deixava claro que o objetivo: “não
era ‘promover a emancipação das mulheres’ e sim educar as futuras mães para que
pudessem educar melhor os seus filhos”.130
127
Diário de Belém, 25 de novembro de 1868, nº 92. “Sessão ordinária de 8 de outubro de 1868”. HDBN.
Autos de tutela, 1893. Fundo Cível; série: tutela, 1893. 2º vara civil, Cartório Odon, CMA.
129
COSTA, Emilia Viotti da. Patriarcalismo e Patronagem: Mitos sobre a mulher no século XIX. In: Da
Monarquia e República: momentos decisivos. São Paulo; UNESP, 8º ed. 2007. pp. 493-523.
130
Idem. p. 504.
128
73
Outros colégios da Corte e de São Paulo buscaram diversificar os conteúdos de seus
programas acabando por encontrar resistência, o Colégio Progresso no Rio de Janeiro
obteve êxito na tentativa de ampliar o seu currículo pedagógico. Nas últimas décadas do
Império foram criadas escolas particulares de ensino secundário para meninas, a
American School (que se tornou posteriormente Mackenzie) foi criada em São Paulo em
1870-71. Foi fundado o colégio Piracicabano (fundado por Martha Watts) sob a
influência da Igreja Metodista Presbiteriana do Brasil, que o fundou em 1868, o Colégio
Internacional em Campinas. Entretanto, o acesso à escolarização de nível secundário
apresentou-se como privilégio da elite, pois para as escolas públicas observou-se a
ausência de instituições de nível secundário, o ensino público confundia-se com ensino
popular. Para a mesma historiadora:
Com raras exceções, as escolas para meninas enfatizavam seus papeis
domésticos. Em escolas católicas, dirigidas por freiras, meninas eram
instruídas nos perigos dos pecados da carne e na importância da obediência,
humilde e religiosidade; a sexualidade era severamente reprimida. Uma exaluna de um colégio do Patrocínio, em Itu, mencionou nas suas memórias que
as meninas tinham de usar camisolas quando se banhavam e mudar suas
roupas no escuro para que não expusessem seus corpos sequer para si
mesmas.131
Ainda segundo Emilia Viotti, as Escolas Normais se tornaram uma alternativa para
as mulheres em busca de profissão. Tais instituições começaram a aparecer em maior
número a partir da década de 1860, o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro (1856)
passou a admitir mulheres no quadro discente em 1881.
(Figura -2; Educação Feminina no Século XIX)
(Imagens retiradas da monografia de Julieta Botafogo Lamarão).132
131
Ibidem. p. 506.
LAMARÃO, Julieta Botafogo. Um resgate historiográfico da condição Educacional Feminina do
Brasil Colonial ao final da Primeira República. Monografia apresentada a Faculdade de Educação da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2011, p. 21.
132
74
As imagens acima remetem ao espaço privado do lar, e a práticas e costumes que
passaram a serem vivenciados pelas mulheres no Império em atividades como tocar
pianos, e pintura. Atividades atreladas a valores “civilizados” da Europa que remetem a
uma classe específica de mulheres.
Foi a partir da constituição de 1824, promulgada nos moldes liberais, que a educação
foi debatida em um sentido mais secular, em seu art. 179 item 30 da referida
constituição determinava a instrução primaria para todos os cidadãos (a cidadania plena,
política e civil era privilégios de poucos, aos quais as mulheres não faziam parte).
Contudo, apenas em 1827 fora determinado à inclusão da educação feminina na
instrução formal, com a Lei Geral de 15 de outubro de 1827.133 Julieta Lamarão
sistematizou o seguinte quadro sobre a legislação elencando os seguintes decretos.
Decreto de 1º de março de 1823 - primeira tentativa de organização da
educação e da formação docente; criou uma Escola de primeiras letras pelo
método de ensino mútuo (método lancasteriano) na Corte; Ato Adicional de
1834 – reforma constitucional; a respeito da educação, determinou que a
instrução primária e secundária ficasse a cargo das províncias, e o ensino
superior a cargo da administração nacional.
Decreto de 2 de dezembro de 1837- Criação do Colégio Pedro II,
primeiro colégio de instrução secundário no Brasil; Decreto n. 7247 de 1879Reforma Leôncio de Carvalho ou Reforma do Ensino Livre, que instituiu a
liberdade de ensino.
Decreto n. 981 de 8 de novembro de 1890, já na Primeira República Reforma Benjamin Constant. Princípios básicos: liberdade, laicidade e
gratuidade para o ensino no Distrito Federal.134
O método de ensino mútuo ou Lancasteriano consistia em formar grupos de alunos
os decúrias, sendo estes orientados por um aluno mais adiantado, os decuriões, assim
multiplicando a reprodução do conhecimento. O sistema educacional foi marcado pela
diferenciação de gênero nos programas de ensino das escolas, para as meninas a
educação estaria voltada para as ideias de civilidade, educação moral e normas de
comportamento, assim a finalidade era formar uma mulher “ideal”, “gestora do lar e dos
filhos135” enquanto para os meninos seria dada uma educação oficiosa, incutindo-lhes
valores positivos ao trabalho. Como indica a historiadora Irma Rizzini sobre a
participação das províncias do Pará e Amazonas nos projetos educacionais
desenvolvidos durante o período do Segundo Reinado:
133
Lei
Geral
de
1827disponível
em:
lei_imperial.htm 26
134
LAMARÃO, Julieta Botafogo. Op. Cit. p. 26.
135
Idem. p. 27.
http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/decreto-
75
Criar escolas era indicador importante de progresso e civilização. As
duas províncias participaram ativamente do movimento civilizador
que orientou, em todas as partes do país, a criação de escolas
primárias e secundárias, asilos para órfãos e instituições de ensino de
ofícios.136
Na década de 1850 houve uma disseminação de internatos e instituições que
visavam ensinar ofícios industriosos (artesãos) a meninos desvalidos por diversas
províncias do Império. Segundo Irma Rizzini, foram criadas no referido período nove
Casas de Educandos e Artífices em nove capitais diferentes, sendo a primeira delas a do
Pará em 1840.137 O governo provincial da Bahia não admitia meninos indígenas em
seus institutos de educação, Rizzini indica que apenas um menino indígena ingressou na
Casa Pia de Salvador em cem anos de funcionamento, e cita também um caso de
ingresso de um menino negro que resultou em protestos. Já na Colônia Orfanológica de
Pernambuco foram ingressos 18 ingênuos no ano de 1888, e no asilo do Rio de Janeiro
abrigou filhos livres de escravas, e de população de cor.138
Para a província do Amazonas uma Lei de 1882 mandava que o Instituto
Amazonense de Educandos e Artífices desse preferência para índios e ingênuos, porem
Rizzini não encontrou mais referências a tais menores posteriormente. Para o Instituto
de Educandos do Pará criado em 1872 também com o intuito de cuidar dos ingênuos
conseguindo encontrar apenas duas solicitações de matriculas de filhos livres de
escravas139 a estes casos incluo uma determinação do presidente de província em 1889
solicitando a matricula da filha de um ex-escrava no Colégio do Amparo.
Bezerra Neto indica que a construção da imagem das classes pobres enquanto
marginais, desclassificados e ociosos, embasaram as representações sociais dos
“homens públicos”. Assim mais do que a necessidade de se formar uma mão de obra
oficiosa para a indústria paraense havia a busca em “enquadrar os homens livres pobres
à ordem social como trabalhadores no processo de formação de mercado de trabalho na
província paraense”. 140 Formatando os projetos de instrução pública “enquanto ação de
136
RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na
Amazônia Imperial. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004. p. 13.
137
Idem. p. 169.
138
Ibidem. P. 190.
139
A mesma autora destaca que embora o Instituto Paraense também se destinasse a educação de
ingênuos, o Governo provincial do Pará não recebeu verbas remetidas pelo Ministério da Agricultura,
visto não encontrar referencias de tais investimentos nos relatórios posteriores a 1876. Rizzini. Op. Cit., p.
202.
140
BEZERRA NETO, José Maia. As oficinas do trabalho: representações sociais, institutos e ensino
artístico no Pará (1830/1888). Op. Cit. p.
76
controle e conformação social”, um mecanismo ideológico de firmação de valores
sociais dos grupos políticos dominantes que nas palavras de Bezerra Neto a partir da
segunda metade do século XIX a instrução pública (primaria e artística) se constituiu
como a forma pela qual se poderia processar a regeneração do país e seu
desenvolvimento moral e material. Tal perspectiva apresenta-se ainda mais acentuada
após a abolição da escravidão.
A educação foi considerada um projeto de âmbito político abrangente de
“construção da nação”, organização e afirmação do Estado e “de reordenamento das
relações de trabalho e definição do lugar social dos indivíduos”.141 O lugar social
estaria marcado pela educação adequada à condição social do sujeito, estabelecer uma
educação artística para população de pobres livres e libertos também ajudava a firmar
hierarquias, podemos observar tais discursos tanto nos pareceres doa juízes de órfãos
como os jornais que tratavam da questão.
Por mais de uma vez tem a curadoria reclamado e achamos sua
reclamação atendível, estando, como está, na sua intenção a colocação
desses infelizes órfãos, de ambos os sexos, em oficinas e casas de
família, onde possam aprender ofícios e prendas domesticas.142
A nota trata da educação de menores filhos de pobres, e que deveriam ser
encaminhadas a destinos apropriados, para os meninos, as oficinas para aprender
ofícios, e para as meninas as casas de famílias onde aprenderiam prendas domésticas.
Não é a toa que frases de cunho popular do tipo “lugar de mulher é na cozinha” sejam
ditas até hoje, pois não fora uma visão específica das relações privadas, fora instituído
pelo Próprio Governo a partir da educação formal do Império. Uma legislação que de
início foi centralizadora, deixando a cargo do governo Imperial a educação, que ao
longo do século XIX foi se alterando, passando para a administração Provincial o papel
de zelar pela educação de nível primário.
Segundo Noemi Santos, a Constituição não versava sobre o contato de escravizados
com o ensino público: “Escravos, não sendo considerados cidadãos, perante a Lei não
estavam autorizados à formação escolar básica na escola pública”. Noemi destaca que
a partir das discussões acerca da emancipação do elemento servil no Império também
esteve em voga o tema da educação de escravos, libertos e ingênuos. Segundo a autora:
141
CONCEIÇÃO, Miguel Luiz da. O Aprendizado da Liberdade: educação de escravos, libertos e
Ingênuos na Bahia Oitocentista. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em
História da Universidade Federa da Bahia. 2007. p. 2.
142
Diário de Noticias, 18/06. 1888, p. 2. BPEP, Setor de Microfilmagem.
77
É diante deste quadro que a educação foi interpretada como
mecanismo de correção dos vícios da população escrava, e como se
tivesse o potencial de encaminhar essas questões, motivos de
inquietação, para os caminhos do progresso e da civilização.
Justamente no período de transição dos regimes de trabalho, o ideal de
propagação da instrução pública tem sua difusão fortalecida e
consequentemente seu alcance para todos os segmentos sociais,
incluindo os então libertos, é assunto de calorosos debates no âmbito
político imperial.143
Ao analisar os projetos de instrução para escravos e libertos no Paraná, Noemi
apresenta o dado sobre a fundação em 1871 de uma escola na cidade de Paranaguá pelo
professor José Cleto Silva que solicitou permissão ao Inspetor Geral de Instrução
Pública do Paraná para abrir uma escola noturna destinada a escravos, em sua pesquisa
no ano de 1882 dos 361 alunos matriculado nos cursos de escolas noturnas, 71 eram
escravos. Ela aponta que boa parte dos ingênuos que frequentavam escolas eram muitas
vezes recusados a serem matriculados em escolas públicas, sendo que aos ingênuos
coube frequentar as mesmas escolas dos escravos as noturnas da província paranaense
aproximado ainda mais o universo do filho da escrava do cativeiro.
Para a Província paraense Bezerra Neto nos informa que o presidente de
Província do Pará o Dr. Abel Graça por meio do regulamento de 20 de abril de 1871
mandara criar escolas noturnas na Capital e no interior da província, sendo oito o
número de escolas noturnas e 339 o número de alunos matriculados em 1871, já
reduzindo no ano seguinte para cinco escolas e 268 alunos matriculados, caindo para
duas em 1873, em 1874 aumentam para o número de quatorze escolas (7 particulares
com 257 alunos, e sete públicas com 187 alunos), voltando a diminuir em 1878 e 1879
para 8 e 7 respectivamente, com destaque para a escola fundada sob direção do Padre
Felix Vicente Leão que funcionava no Colégio Santa Maria de Belém.
Para a cidade de Santarém região do Baixo Amazonas, encontrei um interessante
anúncio de escolas noturnas existentes naquela cidade no ano de 1872, a nota falava da
existência de duas escolas noturnas dirigidas pelos professores João Pereira Gomes e
por Manoel Sebastião de Moraes Sarmento. A do primeiro, financiada pelo governo
provincial e da do segundo pelos cofres da municipalidade. Segundo o articulista
“Frequentam este mais de setenta alunos entre adultos e menores, livres e escravos.
Nesta cidade vae-se derramando largamente a instrução publica, por todas as classes e
143
SILVA, Noemi Santos da. Escravos, libertos e ingênuos na escola: Instrução e liberdade na província
do Paraná (1871 – 1888). Anais eletrônicos do 6º encontro Escravidão e Liberdade No Brasil Meridional,
maio de 2013, p. 6.
78
mais tarde serão colhidos os resultados de tão salutar medida”,144 o articulista
estimulava a difusão de tais institutos.
Quiséramos que também nos rios de maios importância, pela sua
população e indústria agrícola, como Aritapera e Arapixuna se criasse
uma escola em cada um deles, para ali beberem do ensino primário
todos aqueles que por sua condição e circunstancias não podem
frequentar as escolas desta cidade.
Como uma tal medida depende de ato do poder legislativo provincial
confiamos no acrisolado patriotismo dos nossos deputados, para que
na próxima legislatura confeccionem uma Lei a respeito.145
Nas escolas noturnas de Santarém frequentavam alunos adultos, menores, livres
e escravos, além de solicitar-se que o legislativo provincial criasse mais escolas para
outras áreas da região. Para Bezerra Neto foram os liberais que puseram em prática as
propostas de educação de escravos adultos “o padre Felix Leão que a custeava,
ensinado gratuitamente nela Henrique João Cordeiro, Manuel da Fonseca Bernal e
João José Nogqueira. Assim os liberais fizeram alguma coisa pelos escravos,
compartilhando do espírito da época”,146 em 1872 a referida escola possuía 55 escravos
matriculados, o mapa seguinte apresenta a frequência dos alunos no mês de janeiro de
1872.
O mapa abaixo nos mostra que entre os donos de escravos que estavam
matriculados na escola noturna constavam o próprio financiador da instituição o padre
Felix Vicente Leão, com três de seus escravos matriculados, o Visconde de Arary com
seis escravos, Vicente Batista de Miranda com sete, entre outros. Os escravos do
Visconde de Arary chegaram a ter 14 faltas, o mapa mostra um número significativos de
faltas em um único mês, o que me leva a pensar se não teria sido esse motivo para não
serem encontrados mais anúncios sobre a mesma escola após 1874.
144
Baixo – Amazonas, 19 de outubro de 1872, n º 15. HDBN.
Idem.
146
BEZERRA NETO, José Maia. Por todos os meios legítimos e legais: as lutas contra a escravidão e os
limites da abolição (Brasil, Grão-Pará: 1850-1888), pp. 227-231. Tese de doutorado. PUC - São Paulo,
2009. P. 243.
145
79
Quadro de frequência de alunos escravos na escola noturna do Colégio Santa Maria de Belém
referente ao mês de janeiro.
Nº
Nomes
Faltas
Possuidores
1
Jeronymo
6
Padre Felix Vicente Leão
2
Conrado
1
“
3
Eleuterio
0
“
4
Valeriano
2
Vicente de Paula Lemos
5
Theodoro
11
José Gama Correa de Miranda
6
José
2
Vicente B. Miranda
7
Agapito
4
D. Antonia M. de Miranda
8
Honorio
8
Vicente B. de Miranda
9
Alfredo
2
João Maria de Moraes
10
Domingos
11
Visconde d’Arary
11
Cazemiro
2
Francisco Paulo Barreto
12
Baptista
3
João Maria Botelho
13
José
10
Eugenio M. A. C. de Macedo
14
Miguel
6
Bastos e Veiga
15
Severino
9
Vicente batista de Miranda
16
Paulo
4
“
17
Manoel
6
Julio A. de Aguiar Machado
18
Cyrilo
3
Dr. João Maria de Moraes
19
Satyro
10
F. P. Barreto
20
Camilo
5
José Joaquim da Silva
21
Raimundo
11
Manoel F. de Christo Correa
22
Olympio
8
José Joaquim da Silva
23
Victorino
2
Luis Calandrim da Silva Pacheco
24
Cesaltino
2
“
25
Horacio
3
Pedro M. de M. Bithencourt
26
Benedicto
8
José de Moares
27
Marcelino
13
Visconde de Arary
28
Americo
8
“
29
Balthazar
7
D. Almeida
30
Miguel
6
Vicente Batista de Miranda
31
Sabino
14
Visconde de Arary
32
Viriato
4
João Manoel
33
Augusto
3
Pedro M. de Moares Bithencourt
34
Casimiro
7
Vicente Batista de Miranda
35
Franco
3
“
36
Petronilho
1
João Olympio Rangel
37
Januario
1
Visconde d’Arary
38
Jeronymo
0
Clemente Ferreira dos Santos
39
Francisco
0
Severino A. de Mattos
40
Manoel
2
Eugenio A. de Macedo
41
Olyntho
3
Visconde d’Arary
Collegio Santa Maria de Belém, 1º de fevereiro de 1872
Padre Felix Vicente Leão147.
A educação passou a ser um instrumento tanto de formação de mão de obra,
quanto de enquadramento das classes pobres nos ideias de civilidade. Ainda sim
servindo para a manutenção de hierarquias sócias, visto cada grupo social ter sua
147
O liberal do Pará, 5 de fevereiro de 1873, p. 2. nº 29. HDBN.
80
respectiva educação, os menores desvalidos, meninos e meninas, estiveram sujeitos ao
projeto de construção de uma instrução pública segmentada em níveis sociais. Aos que
não foram alcançados pela Instrução proporcionada pelo estado como os ingênuos,
coube a tutela privada de senhores e ex-senhores.
Diante desse quadro posso inferir que a grande parte dos filhos livres de escravas
não tiveram acesso a educação “primária” proporcionada pelo Estado, ao menos para a
província do Pará. Se a grande parte destes menores permaneceram em poder dos
senhores de suas mães isto acaba por aproximar a questão da infância desvalida de uma
relação privada, de compadrios, domínio senhorial e mesmo de instrumentalização de
mecanismos legais, sendo que apenas em 1896 foi instituída uma determinação legal
que obrigava os tutores a matriculares seus tutelados em escolas.
ESCOLA 13 DE MAIO: educação para libertos e seus filhos.
Após a abolição da escravatura a educação de ingênuos esteve em pauta nos
jornais da Capital da Província paraense. Incluindo a proposta de criação de uma escola
para receber os libertos e ex-ingênuos, escola que se chamou Escola 13 de maio,
obtendo inclusive ajuda do governo provincial que a provou Lei nº 1783 em 1889:
Art. 1º fica o presidente desta província autorizado a
ceder o edifício da Escola Prática “ao Club 13 de maio”
para nele funcionar a escola de artes e ofícios sustentada
pelo mesmo club.
Art. 2º revogadas as disposições em contrario.
Sala de comissões da Assembleia Legislativa Provincial
do Pará, 6 de abril de 1889.148
Ainda em maio de 1888, José Veríssimo publicou um artigo sob a epigrafe “uma
necessidade palpitante”, onde levantava a necessidade de se estabelecer um liceu de
artes e ofícios na província. Para Veríssimo o momento era muito propício em função
dos muitos indivíduos egressos do cativeiro, segundo Veríssimo:
“Nunca, Sr. Redator, a realização dessa idéia, que me parece
auspiciosa, não só para esta capital, mas para toda a Amazônia, me
pareceu mais oportuna do que hoje que novos elementos, não só mal
educados, mas degradados pela escravidão, entraram como um fator
que não devemos nem podemos desprezar, no nosso meio social.” 149
148
149
APEP, fundo: Assembleia Legislativa, Série: Projetos, 1889, caixa 33. p. 1.
Diário de Noticias, 19 de maio de 1888, p. 2. BPEP, Setor de Microfilmagem.
81
Daí a necessidade de se fundar uma instituição que viesse não apenas comemorar
a redenção da escravidão como também a educar os “novos cidadãos”. José Veríssimo
foi diretor da Instrução Publica da Província do Pará entre os anos de 1890 e 1891, suas
idéias refletiam uma perspectiva ideológica partilhada por outros intelectuais da época,
e vinculava questões sobre educação, raça e nação. Sobre sua proposta do Liceu, em
1888, ele considerava o momento dos festejos da abolição o momento propício para se
erguer uma educação que pudesse redimir a raça emancipada de seu estado de miséria
social e de degenerescência pela falta de educação e moral:
Estão findas ou a findar as festas com que, por honra nossa,
celebramos a Lei 13 de maio – a redenção de cerca de 800 mil cativos.
Porque não criar um estabelecimento que não só comemore de uma
maneira durável essa gloriosa data, como que seja o educador desses
novos cidadãos, e, também daqueles que pela ignorância e falta de
educação, mais pertos deles estão. Creio que a utilidade, de uma tal
fundação não pode ser posta em dúvida e que por falar na tecnologia
parlamentar passaria sem discussão. Resta a questão prática, a questão
importantíssima da exequibilidade do projeto, que tenho a honra
propor a consideração da imprensa paraense, e , principalmente, dos
meios de garantir ao futuro Lyceu de Artes e Ofícios “ 13 de Maio” –
permita-me chamá-lo assim – duração e vida.150
Em seu artigo Veríssimo propunha que a mesma instituição fosse erguida com o
auxílio do povo, sem distinção de partido ou nacionalidade, e por meio da prestação de
serviços gratuitos “dos cavalheiros que se quiseram prestar a regência das diversas
cadeiras do Liceu” e de doações de dinheiro, mobília, e todo o material de estudo e
ensino necessários. E pedindo dedicação, assiduidade e consciência dos beneméritos
contribuintes da ideia, de “que somente terá sua recompensa no sentimento de que se
presta a pátria um serviço e se cumpre um dever de bom cidadão”:
a)
b)
c)
d)
e)
150
Além das lições regulares diárias, poderão estabelecer-se conferências
semanais, sempre em hora e em linguagem e assunto convenientes as
classes operárias nas quais, estou certíssimo, teriam prazer em tomar
parte os nossos homens mais distintos pelo saber e talento, e todos
quantos queiram trazer o seu auxilio a educação das classes
populares, aos artífices, aos trabalhadores de toda a espécie.
O orçamento para a manutenção do Liceu se fará:
Com uma subvenção da Assembleia Provincial
Com uma subvenção da Câmara Municipal
Com dádivas e legados
Com o produto de benefícios quermesses, Leilões etc...
Com dous de livros e mobília, ou papel, ou tinta ou outro quaisquer
que quiserem fazer ao estabelecimento, os livreiros e outros
comerciantes industriais.
Diário de Noticias, 19/05/1888; p. 2. BPEP, SM.
82
f) Com quaisquer outras rendas eventuais.151
Podemos notar que ocorreu um agrupamento no discurso de Veríssimo, entre os
“novos cidadãos” e as classes populares, aqueles que pela ignorância e falta de educação
estão próximos da condição dos ex-escravos, uma população ignorante e sem educação.
Veríssimo tece criticas não apenas a condição dos libertos, mas de uma classe de
cidadãos, há uma homogeneização social entre libertos e livres e tal homogeneização se
da pelo viés racial, uma sociedade mestiça. Para o articulista, os males da sociedade
paraense se processavam em virtude de uma educação missionária pobre e por uma
política ineficiente ainda na colônia: “as raças cruzadas no Pará estão profundamente
degradadas” e ainda “ao meio e as condições sociais, políticas e religiosas”. 152 A
escravidão na visão de Veríssimo desencadeou um mal a ser remediado não apenas pela
sua extinção, mas também por meio do combate as suas consequências que atingira a
toda sociedade brasileira:
A extinção da escravidão não é por si mesma bastante para apagar os
funestíssimos efeitos da execranda instituição.
É indispensável que a obra gloriosa, cujo coroamento foi a Lei 13 de
maio, continue pela educação, não só dos libertandos, senão de nos
todos, todos mais ou menos contaminados pela sua peçonha.153
Em resposta ao artigo de José Veríssimo, Pedro Cunha publicou no mesmo
periódico um artigo relatando que o Dr. Assis havia “convidado à maçonaria paraense a
tomar sobre seus ombros154” a tarefa de criar um Liceu de artes e ofícios. Tal artigo deu
início a uma “disputa verbal” sobre a quem caberia a ‘originalidade’ da ideia. No dia 22
do mesmo mês Veríssimo retrucou a declaração:
O que o exm. Sr. dr. Assis disse – e não propoz- em uma festa
maçônica, segundo a mim declarou o mesmo Sr. dr. Assis – foi que
seria uma bela tarefa da maçonaria ocupar-se, após a abolição feita, do
futuro dos ex-escravos, da sua educação, etc. e isso mesmo repetio o
Sr. dr. Assis , na sessão de 19 do corrente do conselho da liga
redemptora, quando pediu ao conselho que aceitassem a ideia que eu
lembrará e me ouvisse sobre ela.
A escola fundada pelo Club 13 de Maio não era a mesma proposta por
Veríssimo, no entanto, as proposições elaboradas por Veríssimo logo após a
promulgação da Lei Áurea parecem terem servido para os fundadores do Club 13 de
151
Idem.
ARAUJO, Sonia Maria da Silva & Prestes, Carlos Alberto Trindade. Raças cruzadas e educação: uma
proposta de nacionalização do mestiço na Amazônia. In: José Veríssimo, Raça, cultura e educação.
153
VERÍSSIMO, 1900. Apud Sonia, Maria Silva. Idem. p. 43.
154
Diário de Noticias. 20/05/1888; p. 2. BPEP, SM.
152
83
Maio que criaram uma escola para ex-ingênuos e libertos a partir de doações de
particulares, e voltado para o ensino oficioso.
Para além de perceber de quem foi à ideia inicial da criação de um instituto de
educação voltado para libertos e ex-ingênuos, é interessante observar a mobilização de
diversos grupos e associações em torno da ideia de educar e civilizar os libertos, entre
tais associações estavam a Liga Redemptora, a Maçonaria Paraense, o então recém
fundado Club 13 de Maio e intelectuais como José Veríssimo. Porém, não é o liceu de
artes e ofícios projetado por Veríssimo o qual tratarei aqui. A Escola 13 de Maio
fundada pelos membros do Club 13 de Maio teve suas atividades acompanhadas durante
alguns meses nos jornais de Belém:
Escola 13 de Maio.
Ante ontem, á noite, os 9 membros do Club 13 de Maio, q’ na marcha
cívica de quarta-feira tanto se distinguiram, resolveram criar uma
escola para instrução e educação de ingênuos e ex-escravisados.
O digno comerciante Antonio José Pinho ofereceu desde logo os
baixos de sua casa, para ai instalar-se a escola.
Consta - nôs que está marcado o dia 11 de junho para sua inauguração.
Os membros d’este club preparam uma surpresa para as passeatas de
hoje, ultimo dia dos festejos populares.
Um bravo á boa rapaziada!155
Para se responsabilizar pela criação e manutenção da escola foi fundado o Club
13 de maio; “acha-se fundado no 1º distrito este club, que tem por fim a criação de uma
escola noturna, gratuita, para ingênuos e libertos”.156 A escola passou a funcionar a
partir de doações feitas por “membros ilustres” da sociedade paraense, o capitão de
fragata Antonio Severino Nunes disponibilizou as oficinas do arsenal de marinha para
trabalhos nas horas vagas, o Cônego Andrade Pinheiro se dispôs a dar aulas de religião
aos sábados e doou dois bancos, Dr. Joaquim Augusto de Freitas doou sessenta e sete
livros de primeiras letras e paleográficos, diversas firmas doaram objetos de Leitura e de
escritório e “O Sr. Antonio José Pinho, um dos incansáveis membros do club, além de
oferecer as lojas de um seu prédio no largo da Sé para nelas funcionar a escola também
ofertou ½ das cadeiras”.157 E ainda sendo escolhida uma comissão para elaborar o
estatuto e o regimento interno da escola.
155
Diário de Noticias, 22/05/1888; p. 3. BPEP, SM.
A Província do Pará, 29/05/1888; p. 2. BPEP, SM.
157
Diário de Noticias, 30/05/1888; p. 2. BPEP, SM.
156
84
(Figura- 3).
(A Província do Pará, 5 de junho de 1888)
A nota acima divulgava o inicio das atividades da escola, que funcionaria a noite
com aulas de primeiras letras, desenho linear, geometria prática e desenho de figura. A
diretoria do clube era composta pelo seguinte quadro, presidente: Antonio José Pinho;
secretário: 1º tenente da Armada Ignácio da Cunha; tesoureiro: Joaquim Travassos da
Rosa, tendo entre seus demais membros, Dr. José Agostinho dos Reis, Dr. Augusto
Santa Rosa, tenente Alfredo José Barbosa, Francisco Jose Monteiro, Cícero da Costa
Aguiar, Octaviano Jose de Paiva, capitão tenente José Antonio de Oliveira Freitas e
Manuel Ignácio da Cunha.158
A inauguração do colégio ocorreu no dia 19 de junho em uma sessão solene
onde compareceram o presidente da província Miguel de Almeida Pernambuco mais
oficiais do exército e da armada, oficias da polícia e professores do Lyceu Paraense e
membros da Confederação Artística, tendo como orador da solenidade o Dr. Henrique
Santa Rosa. Segundo o articulista do jornal a solenidade de inauguração da escola “foi
uma festa modesta e simples, mas verdadeiramente patriótica”159 tendo sido publicado
um convite aberto à sociedade paraense.
Convite
O club 13 de maio convida ao povo em geral e especialmente aos srs.
Directores e professores dos collegios públicos a particulares e exmas
senhoras, para assistirem a sessão solene que este club faz hoje, ás 7
horas da noite, no salão da antiga escola Prática, para solenisar a
abertura de sua escola popular noturna, e posse do respetivo diretor.
É orador o Sr. Dr. Henrique Santa Rosa.
Manoel Ignácio da Cunha, secretário.160
158
A Província do Pará, 5/06/1888; p. 4. BPEP, SM.
Diário de Noticias, 21/06/1888; p. 2. BPEP, SM.
160
Diário de Noticias, 19/06/1888; p. 2. BPEP, SM.
159
85
A educação de libertos e ingênuos antes de ser um bem para os mesmos é vista
como um bem para a pátria, tornar os egressos da escravidão cidadãos uteis, que
comporiam a classe operaria da nação. A proposta do colégio13 de maio foi se
configurando nos discursos apresentados em uma proposta de uma educação popular;
“Já ninguém pode mais roubar aos 11 cidadãos que criaram a primeira escola para o
povo, n’esta província, a gloria de serem no Brasil os primeiros soldados da educação
dos cidadãos da Lei de 13 de maio”. Como destacou o presidente de província Miguel
de Almeida Pernambuco em sua fala a Assembleia Legislativa Provincial no ano de
1889, “a instrução popular é um assunto que não se precede, acha-se ligado a todas as
questões sociais, políticas e econômicas, que nos preocupam sempre que se trata do
progresso nacional”.161
Durante o mês de agosto de 1888 foram desenvolvidas algumas palestras
ministradas por José Agostinho dos Reis, membro da Liga Redepmtora e ativo
participante do movimento abolicionista paraense, as palestras tratavam sobre a
educação do operariado, segundo a nota do Diário de Noticias já se encontravam
matriculados na escola 150 alunos.
O Club Republicano ofereceu um prêmio ao aluno que no final do ano tirasse as
melhores notas de aproveitamento.162 Em 1890 o jornal Diário de Noticias em uma
sessão intitulada “Um sinal dos tempos: subsídios para a história” falou sobre o
primeiro aniversário da abolição na província paraense, relatando que o Club 13 de
Maio sob a proteção do Club Republicano foi à entidade que deu maior importância as
celebrações do primeiro aniversário da Lei áurea. Para além de estar em consonância
com os ideias sobre a educação que deveria ser voltada as classes populares, ao se
estabelecer relação entre o então Club Republicano do Pará com o Club 13 de Maio,
percebe-se a questão política envolvida na criação de tal club.
Chegára o dia 13 de maio, era o primeiro aniversário a solenisar-se,
não obstante muito limitada já eram as festas públicas.
O club 13 de Maio, do qual era sócio benemérito o Club Republicano,
pela proteção que lhe dispensava, foi o único que procurou dar mais
brilho ao acto que rememoravam em sessão solene tão gloriosa data.
[...].163
161
Falla com que o Exm.o snr. d.r Miguel José d'Almeida Pernambuco, presidente da província, abriu a
2.a sessão da 26.a legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Pará em 2 de fevereiro de 1889.
Pará, Typ. de A.F. da Costa, 1889
162
Diário de Noticias, 01/08/1888; p. 2. BPEP, SM.
163
Diário de Noticias, 09/08/1890; p. 2. BPEP, SM.
86
Embora seja um discurso construído já durante o regime republicano, a
participação do club republicano como sócio do club 13 de maio pode ser pensada como
uma estratégia para desvincular o ato da abolição ao regime monárquico. Diante do
grande número de menores que passaram gozar na nova condição de cidadãos tomar a
frente em busca de soluções para a questão dos menores desvalidos também poderia
influenciar a imagem das correntes políticas do momento.
Ao falar do Instituto Paraense o presidente da Província Miguel Pernambuco
ressalta o grande número de menores a quem teriam de ser dado ensino profissional para
o bem da pátria:
Grande número de menores, que antes da abolição do elemento servil,
viviam em companhia dos proprietários de seus progenitores, então
escravos, há de necessariamente ficar sujeito a receber apenas a
instrução primaria que é dada nas escolas publicas: e muitos outros
ficarão entregues a ociosidade e aos vícios, se os poderes públicos e a
filantropia dos paraenses não vierem em auxilio desses menores, de
modo que eles possam vir a ser proveitosos a si e ao seu país.
Para preparar-lhe esse futuro honroso, vos podereis concorrer
autorizando admitir o número fixado do regulamento e a ampliar o
ensino profissional e artístico, que ali é distribuído, ficando assim o
referido instituto com organização ampla e completa de um verdadeiro
lyceu de artes e ofícios.164
Realmente o número de menores beneficiados pela Lei áurea na província
paraense foi de cerca de onze mil ingênuos, e, como já visto a partir da segunda metade
do século XIX o tema da infância desvalida esteve em pauta. Neste sentido, é necessário
perceber os discursos sobre o ensino profissional a ser dado aos outrora ingênuos os
associando a formação da pátria sob ideais modernizantes, tornar os libertos futuros
operários e artistas. Se as políticas imigrantistas buscavam braços para a lavoura e
mesmo a formação de um povo filtrado de seus “males de degenerescência racial” por
meio de um processo de branqueamento, o discurso sobre educação popular não relegou
ao esquecimento os outrora escravos, caberia a estes uma educação específica, voltada
para as artes e ofícios.
Em novembro de 1888 houve uma sessão magna de distribuição de prêmios aos
alunos da escola de artes e ofícios fundada pelo club 13 de maio. Vários membros
ilustres da sociedade paraense compareceram a solenidade:
164
Relatório de Presidente de província do Pará Jose Miguel Almeida Pernambuco, 1889.
87
CLUB 13 DE MAIO
As 7 ½ horas da noite, no edifício da Escola de Artes e Ofícios,
presentes a sua exc. O Sr. Dr. Pernambuco presidente da província e
presidente honorário do Club. Os srs. Diretores da instrução publica,
arsenal de guerra, colégio Americano, Parthernon do Norte e Atheneu
Paraense, a imprensa representada pelos redatores d’ A Província do
Pará e o Jornal das Novidades, diversas comissões: do Club
Republicano, associações beneficentes Harmonia e Fraternidade,
Firmeza e Humanidade, a diretoria da Imperial Sociedade Artística,
diversas pessoas grandes de nossa sociedade, diversas famílias e
sócios do club Drs. Américo Santa Rosa, José Agostinho dos Reis,
capitão tenente José Antonio de Oliveira Freitas, Cícero da Costa
Aguiar, Francisco José Monteiro, José Antonio de Sampaio, José
Xavier Ferreira, Manuel Pedro e 1º tenente Manuel Ignácio da Cunha;
s. exc. O Sr. Presidente abriu a sessão.
Tendo faltado por motivo de moléstia o Sr. Presidente do club
Antonio José de Pinho, o tenente Cunha tomou a palavra e depois de
agradecer as pessoas presentes o seu concurso nesta festa, leu o
relatório apresentado pela diretoria.165
Por meio de tal artigo tomamos conhecimento da continuidade das atividades do
Club 13 de Maio. Na respectiva solenidade foram distribuídos prêmios aos alunos que
apresentaram os melhores desempenhos em três disciplinas, aula de primeiras letras,
aulas de desenho linear e aulas de geometria aplicada as artes. Os alunos premiados
exerciam atividades em diversas oficinas e casas de mestres, como os alunos Sabino
Antonio da Silva e Manuel Antonio Seabra (carpinteiros na oficina de Manoel Pedro &
Cia.), Jose Alves Pereira e Bartolomeu Brasil (aprendizes na companhia de artefatos
metálicos), Antonio Jose de Carvalho e Jose Francisco Xavier (aprendizes na
companhia do Amazonas). Dentre os ofícios apareceram carpinteiro, marceneiro,
pedreiro, criado e carregador, e seis dos alunos premiados exerciam atividades nas
oficinas de Manoel Pedro & Cia. Aos poucos o projeto de uma educação para libertos e
ingênuos foi se tornando o de uma educação para pobres e operários:
O club 13 de Maio teve ensejo ante-ontem de provar publicamente o
bom êxito, que em cerca de 6 meses, obteve com a fundação da escola
de artes e ofícios, especialmente destinada a preparar no ensino de
primeiras letras, desenho e outras matérias, não só os menores pobres
que se destinam as oficinas, como também os próprios operários, que
carecem de conhecimento indispensáveis a sua profissão166.
Em 1889 o presidente de província cedeu o espaço do prédio da Escola Prática
para que o Club 13 de Maio transferisse para lá a sua escola, no mesmo prédio
funcionava conjuntamente então a junta de higiene, e a escola funcionava durante a
165
166
A Província do Pará, 29/11/1888. p. 2. BPEPA, SM.
A Província do Pará, 27/10/1888. p. 3. BPEPA, SM.
88
noite167. Em abril de 1889 a escola possuía 83 alunos com uma média de frequência de
68 alunos. O número de alunos matriculados poderia ter atingido o cômputo 103, no
entanto, foram excluídos 20 alunos do quadro da escola por faltarem excessivamente.168
Também foram eleitos novos membros para o conselho administrativo do club,
passando e ser constituído por além dos sócios fundadores, pelos senhores Dr. Américo
Marques Santa Rosa, Dr. Manoel de Mello Cardoso Barata, Dr. Jose Henrique Cordeiro
de Castro; José Veríssimo de Mattos, Luiz Alexandrino Bahia, Francisco Xavier
Ferreira, Pedro da Cunha, Rodrigo de Menezes Salles, Francisco P. Cirne Lima, Manoel
Pedro e Jose Gonçalves Sampaio, contando o seu quadro 82 sócios efetivos169. Tratada
como uma instituição mantida por filantropia o articulista solicitava ajuda do povo
paraense para a continuação dos trabalhos “da primeira escola de artes e ofícios da
província”.
Tendo a nova diretoria do ano de 1889, também inscrito entre seus sócios as suas
esposas, e mais outras figuras ilustres como Francisco de Paula Bolonha, Justo
Chermont, Theotonio de Britto e o Barão do Guajará entre outros. Podemos notar a
aceitação da ideia da escola entre figuras de vulto político e social da província, o fato
do clube contar com o número de 82 sócios efetivos demonstra a adesão de diversas
autoridades locais ao club.
O caminho até aqui foi longo, mas tomo o projeto da escola e do Clube 13 de
Maio como um exemplo de transição de práticas políticas e mesmo dos discursos sobre
os egressos da escravidão e seus filhos, a educação fora um elemento de “elevar o povo”
e a “pátria”. Ainda sim a educação aos pobres era uma educação voltada para a
manutenção de hierarquias e em uma sociedade em mudança. Seria esta uma educação
limitada ou uma educação dirigida?
As Leis do Ventre Livre assim como a Lei Áurea lançaram a expectativa sobre
o que fazer com milhares de menores filhos de escravos para que os mesmos servissem
a pátria e não se tornassem “vagabundos e vadios”, a educação passou a ser tomada
como o mecanismo pelo qual se processaria a elevação da população nacional. Uma
Instrução dirigida pelo Estado e assim como no decênio subsequente a Lei de 1871, os
meses subsequentes a Lei da abolição passaram a alargara discussão da instrução não
somente à massa de sujeitos egressos do cativeiro, mas a população em geral.
167
Relatório de Presidente da Província do Pará, 1889, pp. 21-22.
A Província do Pará, 03/03/1889; p. 2. BPEP, SM.
169
A Província do Pará, 04/04/1889; p. 3. BPEP, SM.
168
89
A instrução pública se processou diante da preocupação com o desenvolvimento
da indústria nacional e pela manutenção da ordem social, conduzindo o liberto para o
mundo do trabalho livre e mais que isso assentando políticas generalizantes à
“população de cor”, como indica Wlamira Albuquerque:
Sob o titulo genérico de “emancipados” estavam sendo reunidas
pessoas que efetivamente usufruíram da Lei assinada pela princesa
Isabel, mas também outras tantas que há muito tinham conquistado a
alforria ou sequer tivessem pertencido a algum senhor.170
Para os ingênuos e menores livres pobres e “de cor” o enquadramento seria sob a
ótica da “infância desvalida”. Não excluindo outros elementos como índios e cearenses
que também compunham o quadro de menores desvalidos, porém o projeto da Escola
13 de Maio para libertos e ingênuos esteve em consonância com os projetos de
educação para a infância desvalida instituídos ao longo da segunda metade do século
XIX.
Em comemoração ao aniversário da abolição o jornal A província do Pará
produziu uma edição especial e entres as muitas notas publicadas nesta edição estava
uma das ultimas notas por mim levantado sobre a escola 13 de maio:
CLUB TREZE DE MAIO
Esta benemérita associação que fundada logo após a áurea Lei que
declarou extinta a escravidão no Brasil, tem, vai já um ano, através de
serias dificuldades mantido com máxima regularidade um escola
noturna cuja frequência não há sido inferior de 80 alunos de todas as
condições, cores e classes, celebrará para solenizar o aniversário de
sua fundação e a data memorável daquela Lei uma sessão solene no
próximo dia 13, as 7 ½ horas da noite, no Salão da Escola Prática
(grifos meus).
Pela mesma ocasião Sr. José Veríssimo inaugurará, por parte do Club,
as conferencias que esta associação tem no seu programa realisar,
dissertando sobre: O club 13 de Maio, o que elle tem feito e o que ele
pretende fazer.171
“Alunos de todas as condições, classes e cores”, sob a bandeira da igualdade o
articulista ao mesmo tempo em que associa a existência da escola com a abolição da
escravidão, também a remete a uma instituição que abriga uma diversidade de sujeitos,
pudemos notar do projeto inicial de uma escola para libertos e ingênuos ao discurso de
1889, onde tal projeto se estenderia a todas as cores e classes sociais, uma mudança
170
ALBUQUERQUE, Wlamyra. “A vala comum da ‘raça emancipada’”: abolição e racialização no
Brasil, breve comentário. In: Revista História Social, nº 19, segundo semestre de 2010, pp. 91-108.
171
A Província do Pará, 10/05/1889; p. 3. BPEPA, SM.
90
discursiva importante, uma generalização e um silênciamento quanto aos libertos e
ingênuos.172
TUTELAS NOS TRIBUNAIS DE BELÉM (1870-1887)
Uma das formas de controle e arregimentação da mão de obra “infantil” foi o
uso da tutela, mecanismo legal na qual poderia ser requerida ao juiz de órfãos da
respectiva comarca a tutoria de um menor,173 a maioridade legalmente era alcançada aos
21 anos, a fim de zelar pela educação e bem do respectivo órfão. Em uma pesquisa feita
a partir das ações de tutelas existentes no Arquivo Público do Estado do Pará, Paulo
Almada constata uma mudança nestes processos, primeiramente devido a maior parte de
sua documentação ser composta por processos subsequentes ao ano 1870, e segundo ao
notar que os processos posteriores a 1870 se dão preponderantemente sobre filhos de
pessoas das “classes pobres”, característica diferente em relação ao período anterior.174
Segundo Almada as ações estariam enquadradas em três aspectos: trabalho,
educação e moral. Tais aspectos constituem um tripé das políticas voltadas para a
população livre pobre; a formação de uma ética do trabalho, uma educação voltada a
formação de pessoas laboriosas e morigeradas e que se portassem moralmente de acordo
com os ideias de “civilidade”. O caso de tutela mais antigo encontrada por Almada data
do ano de 1820 na cidade de Abaeté quando Josefa do Nascimento solicitou a tutela de
seus filhos após o falecimento de seu marido.175
Maria Aparecida Papali aborda uma tradição assistencialista à infância que
remete desde os tempos coloniais, distinguindo em três fases; a fase caritativa até
meados do século XIX, a filantrópica até a primeira metade do século XX e a fase de
bem estar do menor a partir da década de 1960 até os dias de hoje.176
O aumento na requisição das tutelas a partir da década de 1870 fora um fenômeno
comum a outras províncias do Império.177 A tutela poderia ser alcançada por três
modos, a tutela natural; quando o tutor nomeado é um parente próximo do menor, a
172
Cabe aqui ressaltar o fato de que durante o processo de escrita desta pesquisa as fontes existentes no
Arquivo Público do Pará estavam indisponíveis, fazendo com que eu tivesse de me ater principalmente as
notícias sobre o Club 13 de maio, logo não pude conhecer informações que poderiam estar disponíveis
nos fundos sobre educação, em ofícios, e mesmo estatutos e regimentos do club e do colégio que se
apresentam como interessante objeto de pesquisa.
173
A legislação baseada ainda nas Ordenações Fillipinas Livro 4, titulo 102. Ver site:
http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4p1003.htm
174
ALMADA, Paulo Daniel Sousa. Op. Cit. pp. 5-6.
175
Idem, p. 5.
176
PAPALI, Maria Aparecida. Escravos. Op. Cit. p. 28.
177
PAPALI, Maria Aparecida. Idem. p. 34.
91
tutela testamentária; quando o testador deixa determinado em testamento alguém para
ocupar tal cargo, e as tutelas dativas, aquelas que seriam indicadas pelos juízes de órfãos
a cidadãos “idôneos” escolhidos pelos juízes.
Almada apresenta vários casos de tutelas da região do Salgado e de Belém, entre
eles alguns tratavam de filhos de libertos ou de escravos casados com pessoas livres,
onde sempre encontram resistência por parte dos parentes dos menores tutelados, que
recorriam ao juiz para que se nomeasse outro tutor.
A mudança ocorrida nestes
processos, mais o aumento no número de requisições de tutela está associado na
historiografia à promulgação da Lei do ventre livre, e a perspectiva do fim gradual da
escravidão.
Entre os anos de 1873 e 1893 para Belém foram levantados 564 processos de
tutelas existentes no Centro de Memória da Amazônia (arquivo vinculado a
Universidade Federal do Pará). No entanto, determinar de modo específico quem eram
esses menores torna-se muitas vezes inacessível, visto a maior parte de tais processos
serem de caráter sumário e nem sempre as informações dos menores irem além do
nome.
Falar em menores talvez possa incorrer em uma transposição das noções atuais do
conceito de infância, embora a maioridade jurídica (civil) no século XIX era alcançada
apenas aos 21 anos de idade. Mas se tomarmos a entrada no mundo de trabalho
podemos reduzir essa maioridade socialmente o próprio filho da escrava a partir dos
oito anos de idade torna-se apto ao trabalho, tanto que a legislação de 1871 permitia que
a mulher escrava que consegui-se a alforria leva-se consigo os filhos menores de oito
anos até atingirem a referida idade. Para o período colonial Julita Scarano indica que de
modo geral a partir dos 15 anos de idade os homens já se consideravam como parte da
população adulta e para as mulheres a idade de 12 anos já as tornava apta para o
casamento, que também se configurava como um rito de passagem para a idade
adulta.178
No total foram 722 menores tutelados ao longo dos 20 anos de processos
levantados, um número relativamente pequeno se pensarmos, por exemplo, no número
de filhos de escravos para o mesmo período. No entanto, a legislação de 1871 já
regulava a situação do filho da escrava e, portanto legava a tutela do mesmo ao senhor
da mãe que poderia usufruir dos serviços destes a partir dos 8 anos de idade até os 21
178
SCARANO, Julita. Crianças esquecidas das Minas Gerais. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História
das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999, pp. 107-191.
92
anos. Dentre estes 722 menores, 118 eram ingênuos e/ou libertos, ou seja, apenas 16,
06% do total de menores tutelados.
Considero importante destacar que a difícil classificação dos menores envolvidos
nestes processos deve-se em virtude da falta de maiores informações além do nome,
ainda sim a questão de quem eram os menores que compunham o percentual restante
dos tutelados ao longo do final do século XIX é algo a ser levantado.
Para termos um aspecto comparativo os estudos de Anna Gicelli Alaniz para Itu e
Campinas trazem os números de 608 menores, sendo que destes 120 eram ingênuos e 23
libertos constituindo assim 23,51% dos menores tutelados, sendo ainda 424 menores
livres, 39 estrangeiros e 2 desconhecidos, tendo o maior número de processos ocorridos
em 1888, dos 566 processos 112(19,78%) ocorreram no ano de 1888. 179 No caso dos
processos levantados neste trabalho no arquivo do Centro de Memória da Amazônia,
também tivemos um maior número de processos no ano de 1888 com o percentual de
15,07%, o ano de 1888 foi de grande corrida aos juízes de órfãos por todas as províncias
do Império.
Gráfico - I
Processos Tutelares dos tribunais de Belém
85
71
60
52
51
43
37
35
28
22
14
1
1
1
10 12
14
6
14
7
(Autos de Tutelas levantados entre os anos de 1870-1893, CMA).
O gráfico acima permite visualizar o crescente aumento nas requisições de tutela
ao longo das décadas de 1870 e 1880. Tal aumento está associado à construção de uma
179
ALANIZ, Anna Gicelli Garcia. Ingênuos e Libertos: estratégias de sobrevivência familiar em épocas
de transição 1871-1895. Campinas. CMU/UNICAMP, 1997, pp. 94-95.
93
legislação emancipacionista, como indica Maria Aparecida Papali à legislação de 1871
possuía uma similitude com a legislação orfanológica pautada nas ordenações filipinas e
no direito costumeiro.180
Em 1882 o curador geral de órfãos da capital, José Henrique Cordeiro de Castro
emitiu um parecer em uma ação de tutela onde condena a prática de se remeterem
menores índios do Amazonas para casas de famílias na província paraense. Pedindo que
os juízes tomassem providências para obstar tal prática, um dado curioso visto o número
de índios tutelados entre os 722 menores ser bem reduzido.
Dentre os 722 menores envolvidos nestes autos, foram apenas 12 menores índios
tutelados (1,66%) um número ínfimo em relação ao total. Embora não possamos deixar
de lado o uso de tais menores, o fato de serem tão poucos índios envolvidos nestes
processos pode apenas estar relacionado ao caráter informal do uso destes menores sem
a intervenção do Estado ou o contrario o Estado tomando para si o papel de tutor dos
menores indígenas, como no caso da Escola do Prata181 criado para abrigar menores
desvalidos especificamente indígenas, daí a queixa do curador geral assim como o
projeto de instalação de um instituto de educação para órfãos e menores pobres. Em
1870 o relatório de presidente de província tratava da ideia da criação de uma escola de
educando e artífices no Pará que seguisse o modelo da instalada no Maranhão:
Um estabelecimento dessa ordem, que produz magníficos resultados
na província do Maranhão, donde segundo me consta, foi tirado o
modelo para outro da província do Amazonas, não só custaria pouco
aos cofres provinciais, mas também faria de tantos órfãos e meninos
pobres, que ai vagão sem direção e sem aplicação útil, bons artistas de
que a Província tanto carece e cidadãos morigerados.
Eu estenderia igual beneficio aos índios de menor idade, que
geralmente são empregados aqui como creados de servir nas casas
particulares. E mais um meio á empregar-se para a catequese e
civilização dos índios.182(grifos meus).
Outros menores que também estiveram presentes nos autos eram os filhos de
migrantes oriundos do Ceará, foram 23 tutelados cearenses e/ou filhos de cearenses, a
possibilidade do número destes ser bem maior não deve ser descartada em vista do
fluxo migratório ocorrido ao longo das décadas de 1870 e 1880. O governo provincial
encaminhou um ofício ao desembargador e presidente do Tribunal da Relação do Pará
180
PAPALI, Maria Aparecida. Op. Cit. 42.
Sobre o Instituto do Prata fundado em 1898, ver o trabalho de: RIZZINI, Irma & SCHUELER,
Alessandra. O Instituto do Prata: índios e missionários no Pará. In: Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2,
Jul/Dez 2011, pp.86-107.
182
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17.a legislatura pelo
quarto vice-presidente, dr. Abel Graça. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1870, pp. 21-22.
181
94
Vicente Alves de Paula Pessoa acerca da situação dos migrantes cearenses que estavam
aportando na província paraense, no mesmo oficio era exposta a situação de penúria a
que estes migrantes se encontravam:
— Aumentando; progressivamente com a chegada periódica dos
vapores do sul o número de famílias cearenses que não encontrão
trabalho no serviço particular, e não podem ser encaminhadas para a
lavoura, porque pela maior parte se compõe de pessoas do sexo
feminino, e não raro de menor idade, sendo que, em referencia á
muitos o falecimento do chefe as deixa completamente desprotegidas,
não tendo recebido em partilha senão a viuvez, a orfandade e a
miséria, são de incontestável necessidade fundar um novo asilo para a
viúva e para o órfão cearense, casa de trabalho e bons costumes, que,
abrigando-as das necessidades e perigos do presente, as coloque em
condições de dispensar mais tarde os socorros do Estado, pela aptidão
e habito que houverem formado, de adquirir os meios de subsistência
pelo próprio e licito trabalho. (...).183
Esse contingente populacional que passava a ingressar na província paraense
durante a década de 1870 principalmente em virtude da grande seca de 1877 ganhou
algum destaque nas políticas do governo provincial. Ao nomear uma comissão especial
com o fim de estudar e dar encaminhamento a criação de um asilo para indigentes o
governo provincial buscava dar conta do grande número de menores que circulavam
pela capital. Os membros nomeados para esta comissão foram o desembargador Vicente
Alves de Paula (cearense), Antonio Gonçalves Nunes, José Lourenço da Costa Aguiar,
Fortunato Alves de Sousa e o comendador Francisco Gaudêncio da Costa, alguns destes
nomes também comporiam a comissão nomeada pelo então presidente de província do
Pará João Capistrano Bandeira de Mello Filho para verificarem a existência de
associações e institutos que pudesse educar os ingênuos no Pará.
A comissão nomeada cumprindo o seu trabalho enviou ao presidente de província
seu relatório, indicando a compra de uma casa modesta, mas ampla, localizada na
travessa da Barroco no pertencente ao Colégio do Amparo que possuía dois cômodos,
que serviriam a principio para a divisão “indispensável” entre viúvas, adulta e as
crianças.184 Neste sentido podemos ver políticas diferenciadas a cada grupo de
“desamparados”.
Deste modo entre os menores tutelados temos filhos de migrantes cearenses,
índios, libertos e alguns menores filhos de famílias possuidoras de bens, e um grande
número de menores sem definição específica. Para tentar traçar um panorama de quem
183
184
Jornal do Pará, 30/05/1878, nº 123 p. 1.
Jornal do Pará, 08/06/1878, nº 130, pp. 1-2.
95
eram esses menores vou aqui utilizar uma listagem de menores órfãos sem tutores de
Ourém do ano de 1881, tal listagem foi enviada ao juiz de órfãos para que ele nomeasse
tutores para tais menores.
A existência de tal lista por si só revela a preocupação do Estado com a questão da
infância, afinal quem teria levantado os nomes de tais menores? O gráfico abaixo
construído a partir de tal lista onde continham os nomes de 58 menores os diferenciava
por cor:
(Gráfico-II)
Pardo
Branco
Tapuio
mameluco
mulato
12%
9%
58%
9%
12%
(Mapa de Órfãos sem Tutores do município de Ourém, 1881).
O gráfico demonstra que a maior parcela destes menores listados foram
classificados como pardos, somando-se pardos e mulatos temos 70% de “pessoas não
brancas”, e apenas 12 (07) menores de cor branca, ainda contando com tapuios e
mamelucos. Se tomarmos tal listagem como uma amostragem temos um número
pequeno de indígenas e menores brancos, ainda deve-se ressaltar a inexistência de
algum menor classificado como “preto” ou “negro”. O silêncio sobre a existência de
menores negros pode indicar o elemento cor como uma característica social, os escravos
ficavam atrelados à cor “negra/preta”, e aos livres e libertos as gradações de pardo e
mulato.
Entre os 58 menores, 55 foram classificados como desvalidos e três como
possuidores de bens, a maior parte “existia” em companhia de suas mães. A existência
de “delatores” que notificavam o Estado das condições de menores “órfãos” faz pensar
quais seriam os critérios para classifica-los como órfãos? A condição de pobreza
96
(desvalidos) era um desses critérios, ser filho de mãe solteira era outra, visto a mãe não
possuir o direito ao pátrio poder. Em uma ação de tutela levantada por Almada, do ano
de 1870, o Sr. Raimundo José de Lima foi “Informado pelo inspetor do 60º quarteirão
da existência de muitos órfãos no lugar chamado Marácajó”,185 Raimundo requereu a
tutela de dois menores ai existentes, tal informação nos revela um elemento que estaria
responsável pela “delação” da existência de menores “desvalidos” e órfãos, o inspetor
de quarteirão.
Embora o decreto de número 2433 de 15 de junho de 1859 determinasse que os
párocos ficassem responsáveis pelas notificações dos juízes de órfãos acerca da
existência de menores de pais falecidos, o papel dos inspetores e policiais deve ser
considerado. O cargo de inspetor de quarteirão foi criado em 1832, instituído pelo
código criminal, escolhidos entre cidadão maiores de 21 anos que soubessem ler e
escrever e tivessem boa reputação:
Para isso, como determinava o Código de Processo Criminal
(art. 12º, § 2º), eles tinham autoridade para efetuar prisões em
flagrante, para admoestar e, até mesmo, caso não conseguissem
resultado prático com as admoestações, para obrigar a assinar “termos
de bem viver” a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, viviam
pelas ruas ofendendo os bons costumes e perturbando o sossego
público, tais como: vadios, mendigos, bêbados, desordeiros e
prostitutas. Diariamente, tinham a obrigação de enviar para os juízes
de paz uma parte circunstanciada dos acontecimentos ocorridos em
suas respectivas áreas de jurisdição. Em suma, os inspetores eram a
primeira instância do policiamento em cada aglomerado urbano, fosse
este uma vila ou uma cidade.186
Responsáveis pelo policiamento e manutenção da ordem em primeira instância
caberia muito bem aos inspetores de quarteirão o uso de suas prerrogativas para
informar as autoridades competentes da existência de “órfãos” e menores desvalidos,
pois, se para exercer sua atividade o inspetor deveria ficar atento as ocorrências
cotidianas de seu quarteirão, também estaria atento para a circulação de menores pelas
ruas. Segundo Ivan Vellasco o policiamento durante o período imperial no Brasil
possuiriam atividades voltadas prioritariamente para a “manutenção da ordem das ruas
185
ALMADA, Paulo Daniel. Op. Cit. p. 36.
SILVA, Welligton Barbosa da. “Uma autoridade na porta das casas”: os inspetores de quarteirão e o
policiamento no recife do século XIX. SAECULUM – Revista de História, nº 17; João Pessoa. jul/dez.
2007.
186
97
e controle dos comportamentos indesejáveis que da prevenção e combate à
criminalidade”.187
O combate à vadiagem também se dava em função da população de menor idade
desvalida, a existência da circulação de menores, “moleques”, pelas ruas em suas
algazarras deveria ser combatido. A rua estaria atrelada ao espaço da vadiagem, do ócio,
e da desordem, enquanto o espaço familiar do lar associava-se a ordem, a moral e
disciplina, ainda sim a família imaginada seria a de cunho patriarcal, por tanto, os filhos
de mães solteiras e de arranjos familiares que não se adequavam ao ideal burguês e
modernizante de família eram tidos como órfãos aos olhos do Estado.
Walter Fraga discute a associação da infância ao longo do século XIX na Bahia a
debates políticos e mesmo a preocupação das autoridades polícias com a ordem social e
a formação de sujeitos morigerados e trabalhadores, as arruaças e peraltices feitas por
“moleques” nas ruas de Salvador tornaram-se um problema de ordem social. Com o fim
gradual da escravidão a necessidade de disciplinar essa parcela da população
desencadeou em medidas legais e administrativas, como a criação de instituições e
asilos para menores, o envio de menores para o Arsenal de Marinha como aprendizes e
mesmo o envio a algum mestre de ofício. Segundo Fraga:
Ao longo do século XIX, o poder público passaria a assumir
papel crescente do controle dos menores desvalidos. As autoridades
passariam a intervir para retirá-los das ruas. A infância se tornaria uma
fase a ser controlada de perto pelo poder público, mesmo porque era
nessa faixa etária que as pessoas eram consideradas mais inclinadas a
vadiagem. Ao Estado cumpria assumir a implementação de medidas
para formação de homens amestrados para o trabalho. Para isso
incutindo-lhe amor ao trabalho e respeito aos superiores.188
Segundo Fraga o volume de menores que circulavam pelas ruas de Salvador (BA)
era “tão grande” que as medidas repressivas e compulsórias tomadas pela administração
e pela polícia não foram suficientes para lidar com a questão da infância desvalida, tema
que teria permanecido em discussão ao longo da primeira República.
Em março de 1871 um ofício encaminhado ao juiz de órfãos do termo da capital
da província paraense reclamava da existência de apenas 27 menores na Escola de
Aprendizes de Marinheiros, sendo que a mesma instituição suportaria duzentos
187
VELLASCO, Ivan de Andrade. Policiais, pedestres e inspetores de quarteirão: algumas questões sobre
as vicissitudes do policiamento de Minas Gerais (1831-50). In: Nação e cidadania no Império: novos
horizontes. (org.) Jose Murilo de Carvalho. – Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007. pp, 237-266.
188
FILHO, Walter Fraga. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do século XIX. Editora HUCITEC. –
São Paulo, SP/ Salvador, BA. 1996, pp 127-128.
98
aprendizes, e solicitava o auxilio da respectiva autoridade para a aquisição de menores
desvalidos.189
Em outro oficio enviado o cônego Cura da Sé em 1875, fora solicitado o seu
auxílio para arregimentar menores desvalidos para a companhia de aprendizes da
marinha, pedindo que o cônego utilizando de meios “suasórios” com os tutores e pais de
menores para os mesmos enviarem seus tutelados e filhos à mesma companhia.190
Porém a circular enviada pelo Chefe de Polícia ao delegado da capital e demais
autoridades policiais da província em fevereiro de 1875 revela que os procedimentos
das autoridades policiais não estavam de acordo com as solicitações do presidente da
província:
Secretária de polícia do Pará, 25 de fevereiro de 1875. – contando-me
que as autoridades policiais abusivamente tem arrogado a si a
faculdade de dar por termo, e a quem lhes apraz, os orphãos
desvalidos seus jurisdicionados, que por esta forma se obrigam a
prestar serviços próprios de criados, sob pretextos de serem educados,
e sem que recebam a menor vantagem, recomendando-lhe que evite a
continuação de tal abuso visto como a atribuição de dar soldada ou de
mandar educar os mesmos menores é privativa do respectivo Juiz de
órfãos.
Não podendo ter nenhum valor jurídico semelhantes termos ordenados
por vmc. Determino-lhe que com a possível brevidade haja de
remeter-me afim de serem alistados na companhia de aprendizes
marinheiros todos os menores desvalidos existentes em poder de
qualquer pessoa por um meio tão irregular senão criminoso.
Espero que bem cumprirá o quanto lhe fica recomendado.
Deus guarde a vmc. – O chefe de Polícia, - Samuel Filippe de Sousa
Uchôa.191
Embora as determinações fossem que os menores desvalidos encontrados vagando
pelas ruas fossem remetidos à escola de aprendizes de marinheiros, em 1888 sob a
epígrafe “menores desvalidos” o jornal A Província do Pará publicou uma série de
artigos falando da situação da infância na província. No primeiro artigo o articulista
denunciava o extraordinário número de menores que infestavam as ruas da cidade
(Belém) uns na vagabundagem e outros em ocupações ociosos, “perdendo tempo em
que devem preparar-se para serem uteis a si e a pátria”. O articulista sugeria que estes
menores fossem enviados a escola de aprendizes a marinheiros visto que “na escola de
aprendizes de marinheiros desta província existem setenta e tantas vagas, (...), pois
189
Jornal do Pará, 22/03/1871, nº 65. HDBN.
Jornal do Pará, 25/11/1875, nº 268. HDBN.
191
O Liberal do Pará, 27/02/1875, nº 45, p. 3. HDBN.
190
99
sendo 100 o número máximo que pode admitir, apenas é de vinte e tantos atualmente o
seu estado efetivo”.192
No artigo seguinte o articulista ressaltou as vantagens de matricular tais
“infelizes” na escola de aprendizes da marinha lembrando o soldo que os mesmos
ganhariam e do regulamento de 1885 que estabeleceu o ensino elementar na instituição:
A escola de aprendizes de marinheiros do Pará é destinado para
receber menores desta e da província do amazonas. No entanto,
conforme dizíamos ontem, conta atualmente em seu estado completo é
de cem! Não pode ser mais desanimador esse estado, quando ao
mesmo tempo vem-se pelas ruas da cidade legiões de menores,
denunciando o abandono em que vivem.
Atendam para isso os srs. Drs. Chefe de polícia, juiz de órfãos e
curador geral. Por um acordo entre esses três magistrados,
devidamente auxiliados pela presidência da província, pode em
poucos dias, completar-se a lotação da escola de aprendizes ou
vexame.193
O número ainda bem reduzido de menores, semelhante ao número declarado em
1871 de vinte sete aprendizes, indica que a distribuição de menores entre particulares se
manteve constante ao longo das décadas de 1870 e 1880. O fim da escravidão atiçou
ainda mais a questão da infância. Em 1888 tal tema foi constantemente debatido nos
jornais:
A requerimento do Dr. Curador geral, o Sr. Juiz de órfãos acaba de
tomar providencia acertada, sobre os menores desvalidos que
vagueiam pelas ruas desta capital.
S.S. reiterou um pedido ao Sr. Chefe de polícia, no sentido de serem
esses menores enviados às companhias de aprendizes e marinheiros, e
de artífices do arsenal de guerra.
Contamos com o patriotismo do Senhor Chefe de polícia. Basta isso,
para que em poucos dias fiquem completas aquelas companhias, com
dupla vantagem para o Estado e para essa pobre gente, que se esta
perdendo no meio da corrupção, do vicio e do crime.194
Curiosamente os abusos cometidos pelas autoridades policiais continuaram após
a abolição: em 1889 o curador geral de órfãos do Pará reclamou a propósito de uma
notícia dada pelo jornal A província do Pará sobre o menor Arthur Ferreira de Almeida
ter sido mandado pelo subdelegado de Nazaré (paróquia de Belém) para ser alistado na
companhia de aprendizes de marinheiros. Segundo a nota publicada na A Província do
Pará o Curador geral estava tomando conhecimento por modo indireto dos abusos
192
A Província do Pará, 21/09/1888, p. 2. BPEP, SM.
A Província do Pará, 22/09/1888. BPEP, SM.
194
Diário de Noticias, 2/10/1888. BPEP, SM.
193
100
cometidos por polícias como a distribuição de menores entre particulares sem o
conhecimento do Juízo. O Estado embora preocupado com a formação de trabalhadores
e manutenção da ordem, não necessariamente voltava-se para a situação dos menores.
Como percebeu José Veríssimo ao falar da condição do filho ilegítimo, considerado
órfão pelo Estado:
Essa era uma Lei estúpida que contribuía para a exploração das
crianças provindas desse tipo de situação. Muitos menores, por esse
motivo, foram “vendidos” pelos juízes de órfãos, não para irem às
escolas e às oficinas, mas para servirem de empregados domésticos
em casa de particulares, que os recebiam em troca de favores.
(...).
Os juízes de órfãos mandavam, e continuavam a mandar, diligencias
pelos lugares de suas jurisdições, especialmente incumbidas de trazer
ranchos de curumins, meninas e meninos tapuios para distribuir pelos
seus amigos e pessoas consideradas do termo.195
As palavras de Veríssimo retratavam cenas recorrentes na província paraense,
em 1892 o jornal Correio Paraense denunciava tal prática em um artigo intitulado
Caçada de Orphãos a ação do escrivão do juízo de órfãos, que andava dando a tutoria
de diversos menores “afim de entregá-las reduzidas quase a escravas a tutores, que nada
farão em seu beneficio” e “são lançadas ao meio da rua em serviço que davam os
senhores aos seus escravos”196, ainda no mesmo artigo o articulista criticava a ideia de
se fundar um novo estabelecimento para órfãos em Belém, indicando ser bem mais
prático a reforma do Colégio do Amparo. Em novembro de o articulista do Correio
Paraense retoma o assunto da “caçada aos órfãos”, novamente relatando da condição
servil dos órfãos tutelados, e ainda que a maior parte desses menores eram constituídos
por mulheres em idade púbere: “E lá vão elas comprometer a saúde, acurvadas sobre
uma tina de roupa, sobre um fogão ardente ou sobre um ferro de engomar, no afã de um
trabalho demasiado, sem tréguas, - trabalho de escravo de mau cativeiro, como
vulgarmente se diz”.197
Essa prática já era combatida ainda na década de 1840 quando nas palavras do
então presidente de província do Pará o Conselheiro Jerônimo Francisco Coelho se
“arrancavam violentamente crianças de suas famílias”, abaixo Jerônimo Coelho
descreve a situação:
195
VERÍSSIMO, José. 1900, pp. 74-75. Apud: BARRETO, Elianne. Op. cit, pp. 170-171.
Correio Paraense, 12/10/1893, nº 429. HDBN.
197
Correio Paraense, 25/11/1893, nº 462. HDBN.
196
101
Finalizarei este artigo informando-vos de que ao meu conhecimento
tem sido trazidas de vários pontos vivas reclamações, que denunciam
a prática abusiva, com que se arrancam violentamente às famílias
miseráveis, principalmente na classe dos mestiços, índios, ou tapuios,
crianças e menores de ambos os sexos entre 7 e 14 anos de idade
pouco mais ou menos, com os quais se fazem mimos e presentes para
dentro e fora da província, considerando-as coisas, e não pessoas, e
sujeitando-as a uma espécie de servidão, prática esta revoltante, mas
infelizmente tão generalizante e radicada pela sucessão dos tempos,
que apesar das mais terminastes ordens já do Governo Geral, já muitas
veze repetidas por meus antecessores, não tem podido ser abolida,
nem mesmo modificada; e o que é mais, muitos desses infelizes
chegam a ser convertidos em verdadeiros escravos, e a serem
vendidos como tais.198
Percebe-se tal prática enraizada culturalmente na sociedade Paraense, embora os
menores alvos de tal costume mudem de acordo com cada contexto, tapuios, pardos,
mamelucos, filhos de imigrantes cearenses e de libertos estiveram sujeitos serem
arrancados de suas famílias e distribuídos entre particulares. A experiência destes
menores então marcadas por relações de trabalho que os aproximavam do mundo da
escravidão, assim como a violência a que estiveram sujeitos e mesmo o valor de
“produto” diante de alguma negociação, não apenas o valor pecuniário.
Deste modo estas três categorias; Trabalho, Violência/castigos físicos e “valor
de mercadoria” marcaram suas experiências ao longo do século XIX, estas três
categorias refletem um domínio quase que absoluto dos tutores e mesmo os “tutores
informais” sobre estes menores, daí quando os familiares dos mesmos reclamavam na
justiça associando o estado de seus entes ao estado de escravidão.
Não só as denúncias dos jornais, mas também o aumento no número de
processos de tutelas no ano de 1888 confirmam o uso da força de trabalho dos então
menores órfãos em Belém no fim do século XIX. Também os projetos de educação
visavam ofertar aos menores desvalidos uma educação profissional, cabe agora
entrarmos um pouco mais no universo destes processos pela disputa da mão de obra de
menores livres, libertos e ingênuos.
LIBERTOS, INGÊNUOS E SENHORES.
Para o montante de 780 menores que aparecem na documentação do período de
1873 a 1893, 118 são ingênuos ou libertos, sendo que até o ano de 1887 foram 43 os
198
APUD: Salles, Vicente. O Negro no Pará. 1971, p. 275.
102
que tiveram suas tutorias requeridas, assim temos para um período de 15 anos o
percentual de 36, 44% entre menores filhos de escravos. E de 1888 a 1893 (seis anos) a
grande maioria desse tipo de menores 63,6%. Tomando que o período de 1873 a 1887
deve ser visto e analisado sob o prisma diferente do posterior a abolição, aqui me deterei
na análise dos 43 menores filhos de escravos/libertos, destes, trinta são do sexo
feminino (69,7%) e 9 do sexo masculino (20%) e 4 não apresentam maiores
especificidades além de serem filhos de escravas.
Se em 1888 a tutela fora anunciada como uma “nova escravidão”, já na década de
1870 o uso de tal mecanismo era visto como tal, ao menos esse foi o discurso
apresentado. Em 1874 no jornal Diário de Belém foi apresentado o caso da menor
liberta Ludovina de 13/15 anos de idade, que segundo artigo publicado fora retirada da
companhia de sua tia liberta, para ser tutelada do Sr. comendador Álvares de Pontes e
Sousa, segundo o articulista Ludovina pertencia aos herdeiros de Antonio da Motta
Marques, que moravam em Lisboa, e sua tia pagava o aluguel da menor aos seus
proprietários para manter sua sobrinha consigo, logo após os herdeiros de Motta
Marques manumitirem Ludovina o comendador requereu a tutela da mesma, atitude que
era questionada pelo articulista:
V.s. sabe perfeitamente que o tutor é o protetor imediato do tutelado;
pode pois ser o protetor imediato da rapariga Ludovina, v.s. que
trabalhou tanto para comprá-la; v.s, que pediu mesmo com instancia a
pessoa que lhe foi falar, que não se opusesse que a rapariga em
questão ficasse em seu poder, que aconselhasse a tia da rapariga para
que não a libertasse pois que a sobrinha ia passar muito bem em sua
casa?
A noite traz conselho, Sr. Comendador; converse, pois com o seu
travesseiro a este respeito e se, contra toda a expectativa, v.s, sufocar
a razão e a justiça, que, vez em grita, lhe acenam, teremos compaixão
de v.s.199
Em resposta as acusações Pontes e Sousa escreve um artigo que também é
publicado no Diário de Belém, declarando que exercia o cargo de procurador do
Herdeiro de Antonio da Motta Marques, e que foi procurado pelo Sr. Rigone de
Vasconcellos para tratar da liberdade da mesma Ludovina, e que o Sr. Rigone
representava a parte que deu o dinheiro para libertá-la e também da parte dos parentes
da mesma menor, tomando para si o cargo de tutor que lhe havia sido oferecido pelo
juiz de órfãos m audiência pública, visto “do contrário ser nomeado outro, e também
199
Diário de Belém, 10/09/1874, p. 2. BPEP, SM.
103
pelo condoimento que ela me inspirava”,200 e no artigo do dia 19 declarava que
“felizmente tenho suficientes escravos para serviço de minha família, e pois não é por
esse lado que aceitei nem aceitaria, a tutoria de uma pretinha débil, como ela é”.201
Em resposta ao artigo de Pontes e Sousa o articulista do primeira artigo revelasse
ser o Sr. Rigone de Vasconcellos, o mesmo declarou que indo a casa de Pontes e Sousa
em nome da preta Felisberta, foi “aconselhado” por Pontes e Sousa a tentar dissuadir
Felisberta a deixar a menor Ludovina com ele, e ainda segundo Rigone o senhor
comendador reclamou da dificuldade de se encontrar boas escravas e que havia
mandado vir algumas do Maranhão.
Interessante à afirmação de Rigone sobre a vinda de escravos do Maranhão para
Pontes e Sousa. O historiador Bezerra Neto já aponta que o Pará não só reteve os seus
escravos, após as Leis emancipacionistas, como também estava buscando suprir as
demandas por cativos no mercado interprovincial,202e na ausência de “bons escravos” a
tutoria da menor Ludovina seria conveniente. Ainda segundo Rigone:
Será possível que neste paíz, em que presentemente só se fala em
emancipação, se permita que uma pessoa, nas circunstancias da
rapariga Ludovina, que vê quebrado os grilhões que a mantiveram se
veja novamente escrava, pois outra cousa não se pode chamar a tutoria
de que lançou mão o Sr. Comendador!!
Mas, acaso ainda de tutor uma rapariga de 15 anos de idade, e não de
13, como diz o sr. Comendador (tenho a certidão de idade), uma
rapariga que, há cerca de 2 anos se acha alugada a sua tia e madrinha,
que por esta dava um aluguel mensal, como consta dos recibos
existentes em poder da tia, passados pelo Sr. Manoel Joaquim
Rodrigues, procurado dos herdeiros de A. da Matto Marques; da tia
que por ela contrai uma divida não pequena para lhe dar a liberdade?
Por outro lado, não será esta tutoria um precedente bastante
prejudicial á iniciativa de qualquer pessoa que queira fazer um
beneficio?
Cremos, pois, piamente que se os Srs. Drs. Juiz de órfãos e curador
geral, tão íntegros, tão prudentes em sua decisões, ofereceram ao Sr.
Comendador a tutoria da dita rapariga, foi por estarem mal
informados, e neste caso, seria conveniente que tão honrados
funcionários se dignassem de esclarecer o público, que, ansioso,
aguarda pelo desfecho dessa questão.
Pará, 16 de setembro de 1874.203
As palavras do articulista Sr. C. sobre a tutoria ser usada como uma forma de
escravidão que abriria precedentes remeteram-me aos processos ocorridos após o treze
200
Diário de Belém, 1/09/1874. BPEP, SM.
Diário de Belém, 18/09/1874. BPEP, SM.
202
BEZERRA NETO, Jose Maia. Escravidão Negra no Grão-Pará (séculos XVII – XIX). 2º Edição,
Belém: Paka-Tatu, 2012.
203
Diário de Belém, 17/09/1874. p. 2. BPEP, SM.
201
104
de maio de 1888, além de revelar parte da vida de Ludovina ao viver cerca de dois anos
em companhia de sua tia, que pagava aluguel aos seus donos e que segundo o articulista
contraio uma divida para comprar a liberdade de sua sobrinha. Estou aqui tentando
buscar mostrar quais eram os valores e expectativas que os processos de tutela podem
conter, no caso da menor Ludovina, o que vemos é que a liberdade ao invés de tê-la
favorecido no sentido de poder viver ao lado de sua tia teve um efeito inesperado que
foi a separação de ambas.
O “escravinho” Fabio teve sua liberdade comprada por Higino Antonio Cardoso
Amanájas que logo em seguida requereu a tutela do mesmo pois “como por esse ato
fique o dito menor considerado órfão e exista em poder do suplicante no intuito de vê-lo
amparado”,204 poderia mesmo ter Higino requerido a tutela por querer zelar pelo menor
Fabio? Não podemos excluir a possibilidade de realmente em parte dos processos a
requisição da tutela ser feita por preocupações com o estado do tutellado. Porém este
não foi o caso da liberta Lidia, que em 1877 teve sua tutoria disputada por Licio Pinto
Guimarães e Joaquim Corrêa:
João Licio Pinto Guimarães, tendo em seu poder a seis anos a menor
liberta Lidia de 12 anos pouco mais ou menos, que lhe foi entregue
por Joaquim Thomas Corrêa, para criar e dar educação compatível
com seu estado; o que assim tem feito aconteceu porém, que o mesmo
Joaquim Thomas Corrêa, exige a entrega da dita menor dizendo que a
quer para sua cozinheira, como verá do documento incluso, e e ao que
o suplicante recusa entrega-la, por que tendo ele e sua mãe velado
sobre ela, lhe tem por isso, bastante amizade, e é penoso vê-la sair de
sua companhia para ir servir de cozinheira e para serviços de roça em
um sitio é que ela não está, acostumada, e exposta assim ao contato
peçonhento de escravos do mesmo Corrêa, para isso vem pedir a VS. a
fim de que ela resguardada de qualquer incidente, que lhe nomeie
tutor da mesma vista ser órfã e mandar lavrar o competente termo de
tutoria pelo que.205
A tutela de Lidia já havia sido requerida em 1876 por Joaquim Thomas Corrêa,
declarando que mesma havia sido liberta no testamento de seu pai, e que Joaquim e sua
mulher haviam entregado a menor a Francisca Antonia de Mello para receber educação.
E que não tendo Francisca dada educação a mesma menor, os suplicantes requeriam a
tutoria de Lidia para si em 15 de novembro de 1876. Em meio aos autos do processo
estava anexado um suposto bilhete datado de seis de novembro de 1876, de Joaquim
para João Licio:
204
205
Auto de tutela de Fábio, 1877. Fundo Cível, Série: tutela, 2ª vara cível, cartório Odon. CMA.
Auto de Tutela de Lidia, 1877. Fundo Cível, Série: Tutela, 2º vara civil, cartório Odon, CMA.
105
Chiquinha Por me achar na mais dura precisão rogote me entregares a
Lidia para me servir, pois estive me servindo com Virginio e este não
tem o menor préstimo para tratar de cozinha ao bem a mulher tractar
de filhos doentes como bem sabes ou lidar com cozinha por isso é o
motivo que te peço saúde te desejo o Joanico prima mariquinha.
6 de novembro de 1876.206
A alegação de que a menor Lidia iria servir de criada para Joaquim Correa teria
sido um dos argumentos que fundamentaram a concessão da tutela a Licio Pinto visto
ele oferecer a educação “necessária” e mesmo um direito, segundo o parecer do curado
geral de órfãos interino, visto que “uma vez que ele teve o ônus da educação da menor
Lidia tem direitos aos serviços, que a menor possa prestar-lhe”. Nos autos do processo
de 1877 a tutela de Lidia havia sido dada a João Licio Pinto Guimarães tendo assim
Lidia dois tutores, divergência que foi resolvida com a nulidade de ambas as tutorias e a
nomeação de um novo tutor o Sr. Joaquim Pedro Alexandrino indicado pelo juiz.
Na disputa pela tutela de Lidia, estiveram presentes noções sobre educação, e
legitimidade do uso da força de trabalho dos menores tutelados. Para o curador geral
interino Leandro d’Almeida Ribeiro o fato de propiciar alguma educação a Lidia legava
o direito a Licio Pinto de usufruir dos serviços da menor, o que esteve em jogo não foi o
bem estar de Lidia e sim a quem caberia o usufruto de sua força de trabalho.
Ainda sim, as disputas pela tutoria de ingênuos também envolviam os pais libertos
destes, Maria Magdalena da Conceição mãe da ingênua Maria Leonor de 12/13 anos de
idade requereu a nomeação de um tutor para sua filha afim de que a mesma recebesse a
educação que lhe era negada na casa do Dr. Ernesto Adolpho de Vasconcellos Chaves,
“não recebendo a dita pequena uma educação que garanta o seu futuro”, Maria
Magdalena declarou na petição inicial que a senhora Maria do Carmo Aranha Neves,
professora normalista com uma escola particular no 4º distrito da capital, estava pronta a
receber a menor para instruí-la “segundo sua profissão”, e por tanto solicitava a
nomeação de um tutor para mandar sua filha à escola.
Não podemos imaginar que havia uma passividade dos familiares destes ingênuos,
eles buscavam por meio de mecanismos legais e mesmo por formas como incitação a
fuga livrar seus filhos da companhia de seus ex-senhores. No entanto, quando olhamos
as possibilidades de conquista desses libertos vemos as chances diminuírem de acordo
com as categorias sociais e de gênero, Maria Magdalena pediu para que se nomeasse um
206
Idem.
106
tutor em função de que legalmente ela mesma não poderia exercer o cargo. O juiz
solicitou que fossem anexados aos autos a carta de liberdade de Maria Magdalena para
saber que idade possuía Maria Leonor, quando sua mãe foi liberta, na sua carta de
liberdade é dito que se desejando “ resolver por meios pacíficos e regulares o grandioso
problema da extinção da escravidão em nossa pátria”, deu a liberdade a escrava Maria
Magdalena de 31 anos de idade, serviços domésticos, com a condição de prestar
serviços pelo prazo de dois anos, carta de manumissão datava de vinte de outubro de
1885, ou seja dois anos antes da requisição da tutela de Maria Leonor, posso inferir que
passado o prazo de prestação de serviços instituído na carta de liberdade Maria
Magdalena viu-se em condições de buscar retirar a sua filha da companhia do exsenhor.
A estratégia da liberta Maria foi valer-se da possibilidade de colocar sua filha em
uma escola, afinal educação eram uma das bases dos argumentos presentes que
norteavam as tutorias (seria composta pelo tripé: trabalho, educação e moral), o parecer
do juiz envolvido no processo apresenta as dificuldades que as mulheres forras tinham
em manter seus filhos e sobrinhos juntos de si, como no caso da liberta Felisberta que
iniciou este tópico:
Visto estes autos etc, considerando que tinha Maria Leonor 13 anos ou
mais, quando foi liberta sua mãe Casemira que só tinha direito de
conduzir consigo os filhos menores de oito anos, art.
Considerando que por isso e ainda por não poder Casemira ser tutora,
senão após prova de capacidade que não provará e nem requereu para
provar; considerando não obstante o direito incontestável que tem o
ex-senhor da mãe escrava nos filhos ingênuos maiores de 8 anos, não
prejudicará a tutela decretada para melhor garantia da menor, por isso,
indeferida por ilegal a pretensão de Casemira, manda que o Dr. Sergio
Luis Meira de Vasconcellos, um dos ex-senhores dela, assine termo da
tutela a favor de Leonor.
Belém 6 de dezembro de 1887.207
A Lei do ventre livre determinava no seu artigo 1º inciso § 4º que se a mulher
escrava obtiver a liberdade seus filhos menores de oito anos lhes serão entregues, ao
mesmo tempo em que no inciso §1º determinava que os senhores das escravas teriam
direito de usufruir dos serviços dos filhos de suas escravas a partir dos oito anos de
idade, no mesmo artigo ficam dispostas formas para cessar a prestação de serviços dos
menores antes de atingir a idade de 21 anos, seriam estas; a indenização pecuniária ao
senhor da mãe do menor , inciso § 2º (ocorreria uma avaliação dos serviços do menor),
207
Ibidem.
107
ou por sentença do juiz criminal devido a maus tratos, “infligindo-lhes castigos
excessivos” em seu inciso § 6º208.
Neste sentido o parecer do juiz em relação ao caso de Leonor foi respaldado
parcialmente pela Lei do ventre livre, ao assistir ao ex-senhor o uso dos serviços de
Leonor. E ainda pelo fato de Casemira/Maria Magdalena não apresentar capacidade
para ser tutora, por se mulher solteira, foram raros os casos em que uma mulher pode ser
tutora de seus filhos, tendo que ser levantado uma série de testemunhas para averiguar a
capacidade e idoneidade moral da mãe.
Teixeira de Freitas em seus comentários a cerca da Lei do ventre livre fala da
condição do ingênuo, lembrando que a palavra ‘ingênuo’ fora suprimida do projeto em
função do próprio sentido que o termo possuía segundo o direito romano. O conceito de
ingênuo segundo a legislação romana indicava os nascidos livres em solo romano e por
tanto gozando de todos os direitos da cidadania romana, “a constituição não classifica o
cidadão senão em duas categorias – ingênuos e libertos -, e, segundo aquele Direito,
ingenus est is, qui, statim ut natus est; e liberto aquele que foi escravo – libertini sunt
qui ex servitute manumissi sunt 209”.
Como disse Teixeira de Freitas; “a questão da ingenuidade não estava resolvida,
não ficou resolvida, ou então (convenho) só ficou resolvida em parte
210
”, longe de
usufruírem da condição de livres, os filhos de ventre escravo estiveram sujeitos ao
controle senhorial e estatal, e aproximou os menores livres da condição dos menores
ingênuos por meio da tutela. Os parentes libertos também viam nas tutelas como uma
forma de zelar pelos filhos, ao menos essa ideia passada pela liberta Dominiciana:
Diz liberta Dominiciana Maria Nunes, que tendo uma filha de menor
idade de nome Luciana quer dar-lhe um tutor que cure da educação da
menor para cujo encargo indica a V. S. Antonio Manuel Nunes e
requer a V. s. respectiva nomeação; espera211.
Sumariamente Cordeiro de Castro deferiu a solicitação, porém o caso não era tão
simples assim. (280104) O capitão Thomaz de Aquino Oliveira escreveu ao juiz de
órfãos dizendo que era residente em São Miguel do Guamá, e que no dia 17 de fevereiro
208
O texto completo da lei encontra-se publicado em NEQUETE, Lenine. Escravos & magistrados no
segundo reinado: aplicação da lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871. Brasília, Fundação Petrônio
Portella, 1988, pp. 151-155.
209
Idem, pp. 162-163.
210
Ibidem.
211
Autos de Tutela da menor Luciana. Fundo: Cível. Série: tutela, 1886. CMA.
108
quando estava ausente de casa foi raptada a sua tutelada Luciana de 16 anos de idade
por Antonio Manoel Nunes, e que Luciana estava pedida em casamento, “Nunes invadiu
a casa do suplicante arrastando de lá a menor, agarrada por dois pretos escravos”, junto
aos autos estava anexado o termo de juramento de tutoria da menor Luciana assinado
em fevereiro de 1884 pelo senhor Thomaz de Aquino de Oliveira.
Manoel Nunes diz que não se opõe ao casamento de Lúcia com Narciso Manoel
Vitorio, com quem a menor declarou desejar casar-se. Após o auto de perguntas feitas a
Luciana o juiz de órfãos nomeou seu tutor o senhor Thomaz de Aquino, visto a mesma
menor declarar que era bem tratada na casa do mesmo. Após o parecer do juiz, Nunes se
manifesta novamente dizendo que a remoção de tutoria procedida foi ilegal visto ele não
ter sido notificado. Além de declarar que a menor Luciana havia nascido na sua casa e
convivido com a sua família até a idade de 14 anos, mostrando-se não tão a favor do
casamento de Luciana com Vitorino; “requer a V. S. mandar levantar o deposito, lhe
faça a entrega de sua pupila Luciana que poderá mais tarde encontrar um bom
casamento”. O parecer final do processo foi dado pelo barão de Santarém, reclamando
da precipitação do respectivo juiz, ao não averiguar melhor os fatos a fim de se “chegar
a verdade dos fatos”, ainda segundo o Barão de Santarém:
A justificação mais verossímil parece me ser o tutor que a criou e
libertou, e onde vivia a tutelada Luciana com sua mãe e irmãos, onde
preservou-se conservada; e as informações que chegaram a este juízo
pelos acontecimentos de 6 de fevereiro em casa do tutor Tenente
coronel Nunes, favoreceu aquela procuração. Alem disso, alega-se a
paternidade de uma menor para ser favorecido não é difícil; mas isso
só por si não devia bastar para resolver-se (????) a comprovada
alegação e de uma provisão que tiver sido arguida e posta em dúvida,
certas circunstancias especiais. Pois bem; nestas condições profese-se
mandado para ser entregue orphã ou menor Luciana ao tutor que a
creou e educou e libertou-a com o ônus e onde sempre morou com sua
mãe e irmãos, e donde só saiu com o requerido pelo tutor Aquino212.
O parecer final dá à tutela da menor Luciana ao Sr. Nunes, em função do mesmo
ter “criado e educado” a menor desde o seu nascimento. Também ficamos sabendo que
Nunes era o ex-senhor de Dominiciana e Luciana, quando o ano de 1884 Aquino
requereu a tutela da liberta, pelos cálculos Luciana teria nascido em 1870 antes da Lei
do ventre livre, por tanto, não poderia ser ingênua. Mesmo liberta (pelo que os
documentos nos indicam) Dominiciana permaneceu na companhia de seu ex-senhor
212
Idem.
109
juntamente com outro(s) de seus filhos, assim como tantos outros libertos que viam nas
relações “paternalistas” uma via de sobrevivência após a aquisição da alforria.
Dos 118 ingênuos e libertos envolvidos nos processos aqui levantados 65,5% dos
envolvidos se concentram no período de 1888 a 1893, correspondendo a um momento
de inflexão na questão da infância, o treze de maio torna os que até aquele momento
eram ingênuos em “novos órfãos” ao mesmo tempo que em “novos escravos” como já
anunciava o jornal Diário de Noticias: “Não há mais ingênuos que sujeitos a legislação
comum, tornam-se doravante meros órfãos sob a jurisdição direta do juiz competente e
sob a proteção solicita do respectivo curador geral”.213
Os projetos que se processavam em relação à infância desvalida desde a segunda
metade do século XIX, principalmente a partir da década de 1870, ocorreram diante das
transformações econômicas e socais, a vinda de imigrantes para a província paraense o
deslanchar da economia da borracha, tais transformações repercutiram seus valores e
normas nas vidas destes menores e seus pais, algumas vezes preservando tais valores e
hierarquias outras vezes as modificando, o ponto de inflexão desse processo pode ser
tomado no ano de 1888 com a abolição da escravidão, não tomando 1888 como um
ponto de cisão, de rompimento e sim como um momento de redefinições das relações
sociais, que já nas décadas precedentes estavam sendo reconfiguradas.
213
Diário de Noticias, 19/05/1888, p. 2.
110
CAPÍTULO III.
De Ingênuos a órfãos.
OS INGENUOS
(...)
Ali ‘stão as senzalas
De um lado e d’outro, duas;
São vastas, arejadas,
Occupam duas ruas.
Aquella é das escravas
A outra dos homens, creio
Assim não ter incomodo
Com o que me for alheio.
- E onde a moradia
Que reserva ais demais?
Quero dizer, os quartos,
As casas dos casaes?
- com a Lei do ventre livre,
Que não nos traz proventos,
Achei desnecessário
Haver mais casamentos.214
O poema acima é do médico e folclorista baiano Mello de Moraes Filho e descreve o
que teria se processado após a promulgação da Lei do Ventre Livre, onde os proprietários
de escravos não podendo mais usufruir dos serviços dos filhos de suas escravas agora
nascidos “livres”, simplesmente não se interessavam pela reprodução entre os seus
escravos, o que não se confirma como prática.
Segundo Arethuza Zero “percebe-se que a Lei de 1871 não foi apenas um
instrumento para preservar o status quo, ela também foi um mecanismo elaborado para
promover mudanças na organização e no controle do mercado de trabalho”.215 Com a Lei
de 1871 cria-se a figura do ingênuo uma espécie de individuo sujeito a uma liberdade
tutelada, que veio a ter implicações fortes após o treze de maio de 1888. De ingênuos os
filhos das escravas a partir de 1888 passaram a serem vistos juridicamente como órfãos e
sujeitos a tutela de particulares.
É a partir da figura do ingênuo que pude encontrar famílias de libertos, e visualizar
conflitos em que alguns deles estiveram inseridos durante as ultimas duas décadas da
escravidão e primeiros anos após a promulgação da Lei Áurea. Os filhos de escravas após a
Lei do Ventre Livre desfrutaram de uma condição jurídica diferente da escravidão, mas
214
FILHO, Mello de Moraes. Cantos do Equador. Tipografia de G. Leuzinger & Filho, Ouvidor 31. Rio
de Janeiro, 1881; Poemas da escravidão. Biblioteca Digital do Senado Federal. pp. 133-134
215
ZERO, Arethuza Helena. O preço da Liberdade: Caminhos da infância tutelada, Rio Claro, 1871-1888.
Ver em: http://historia_demografica.tripod.com/bhds/bhd30/arethusa.pdf
111
que na prática remetia a uma “liberdade tutelada”, um regime compulsório de trabalho,
estando sujeitos à tutela dos senhores de suas mães. Aqui tomo a ideia de liberdade
tutelada em um sentido mais amplo do que o jurídico, referente à tutela de menores,
quando pensamos nas restrições legais existentes aos libertos e na necessidade de controle
da parcela pobre da população das “classes perigosas”, vemos as tentativas de
“organização” dessa parcela da população tendo o Estado como tutor utilizando
mecanismos e instituições como os tribunais a polícia, e as próprias Leis, como ressalta
Silva Cardoso; “o homem passou a receber a atenção do Estado, com o objetivo de
‘cuidar’ de sua saúde, educação, hábitos, moradia, na ambição de formar novos cidadãos
aptos para o viver dos novos tempos”. 216
A Lei de Treze de Maio de 1888 pôs fim ao cativeiro acerca de 10.000 escravos
existentes na província do Pará, a maior parte deles existindo em Belém, outro número não
considerado são os de 11.273 ingênuos existentes na província no final do ano de 1887,
onze mil filhos de libertos que a partir do 13 de Maio se tornaram órfãos.
Figura - 4
De bom grado aceitaria o
convite de v.s. para ser
tutor das órfãs que ai
estão se aqui estivesse
minha família, mas não
estando na tenho para
onde leva-las, no entanto
peço permissão a V. S.
para lembrar-lhe o nome
do senhor Eduardo Jose
de Sousa estabelecido a
rua da cadeia, casado, de
quem a portadora foi
escrava ai creio que as
pobres
filhas
órfãs
ficaram bem depositadas.
(Auto de tutela de Benedicta e Angélica, 1889, cartório Odon, CMA.).
216
SILVA CARDOZO, José Carlos da. O juízo de Órfãos e a organização da família por meio da tutela.
In: História Social, n.20, primeiro semestre de 2011, pp. 201-220.
112
PELOS INGÊNUOS: “UMA NOVA ESCRAVIDÃO!”.
Continuando o norte de muitas discussões que ocorreram durante as décadas de 1870
e 1880 o final do “regime servil” trouxe a tona em Belém o tema da “infância desvalida”.
Não se tratou de um tema novo, mas apenas a reificação das questões vinculadas a
educação e manutenção da ordem social tendo como alvo os menores das “classes pobres”.
A partir da abolição mais precisamente as discussões centravam-se nas crianças filhas de
ex-escravos, ou outrora ingênuos que logo se tornaram juridicamente órfãos.
A orfandade de então não implicava tão somente ter seus pais falecidos, eram
também órfãos os menores filhos de relações ilegítimas, famílias “desestruturadas”,
aqueles pais que se enquadrassem dentro de uma noção de miséria, tanto material quanto
moral estiveram sujeitos a terem seus filhos retirados de sua companhia.217
Deste modo qual foi o destino das crianças filhos de escravos após a Lei de 13 de
maio de 1888? Entre o período de 1871 a 1888 os filhos de escravos foram regulados pela
“Lei do ventre livre”, no qual os “libertavam” e os declaravam ingênuos. Ao senhor da
mãe do ingênuo caberia cuidar da criança até completar os oito anos de idade, quando
poderia optar por entregar a criança ao Estado e receber do mesmo a indenização de
seiscentos mil reis, ou utilizar dos serviços do menor até este completar a idade de 21 anos.
Se os libertos logo foram vistos como um bando de “vagabundos” entregues ao vício,
seriam estes que mais se enquadrariam na ideia de miséria moral então vigente. Não
apenas isso, com o fim da escravidão muitos ex-senhores foram aos juízes de órfãos em
busca da tutela desses menores, logo qualquer criança filha de mãe solteira (pobre) estava
disponível e ao alcance de quem quisesse “zelar por sua proteção”.
Tal prática esteve longe de passar despercebida pelos periódicos da capital da
província. A reboque do sentimento “humanitário” e de regozijo pela Lei Áurea os
periódicos passaram a defender os libertos nos messes subsequentes ao Treze de Maio,
embora quando lido de maneira menos emotiva possamos perceber um caráter
aparentemente dúbio nas publicações sobre os “ex-ingênuos” e “ex-escravisados”, de um
lado a defesa destes contra a ganância dos seus ex-senhores, e de outro a necessidade de se
disciplinar os egressos do cativeiro, estes dois aspectos presentes nos discursos
217
As ordenações filipinas em seu livro IV, titulo 102, indicam que devessem ser dados tutores a todos os
órfãos, pobres, ricos, e expostos, o juízo de órfãos é um instituição que remete a legislação ibérica,
exercido por juízes ordinários, tendo tal cargo regulamentado na colônia em 1731 permanecendo sob este
juizado as questões que envolvem menores até a criação e ‘substituição’ em definitivo pelo juizado de
menores em 1933. Idem. Também ver Raquel Pereira Francisco. Autonomia e Liberdade: os processos
de tutelas de menores ingênuos e libertos – Juiz de Fora (1870-1900). Cadernos de Ciências Humanas –
Especiária. V.10, nº18, jul. – dez. 2007, pp. 649-676.
113
apresentados pelos periódicos remete a uma lógica de disciplina social presente nas
políticas do Governo e de grupos dirigentes nas décadas de 1870 e 1880.
À medida que nos afastamos de maio de 1888 as notícias que envolvem libertos vão
tornado-se mais escassas, embora as discussões sobre a infância desvalida permaneçam
presente ao longo das décadas subsequentes.
Os ingênuos
I
Dissemos ontem, que a liga redentora havia resolvido convidar a
imprensa desta capital para proteger os ingênuos, e que ia representar
á presidência da província pedindo providencias enérgicas contra a
nova escravidão, que se constitui depois que a Lei de 13 de maio dera
o golpe de graça á escravidão no país inteiro.
O mesmo brado levanta a imprensa da capital do Império, (...).
Os ex-ingênuos seguem hoje a condição de suas mães; devem ir com
estas para onde elas forem, a menos que não se pretenda, por meio de
circunlóquios, criar uma nova espécie de escravidão. 218
O trecho transcrito do artigo acima não só indica o uso da imprensa como meio de
combate as práticas dos ex-senhores, também aponta para a questão dos ingênuos em um
âmbito nacional, mais amplo. Existem um conjunto de trabalhos que demonstram o uso da
tutela como meio de prolongar a escravidão foi algo recorrente em varias províncias.219
Dentre os jornais pesquisados, os que trataram do assunto sobre os ingênuos durante os
meses subsequentes à abolição da escravidão foram o Diário de Notícias, Diário de Belém,
O Liberal do Pará, A Província do Pará, outros periódicos também discutiram a situação
dos menores desvalidos na província paraense, como o Correio Paraense e A voz do
Caixeiro.
As notícias publicadas nos jornais definiam os envolvidos na questão da infância
desvalida em quatro categorias principais: Menor (es), Órfão(s), Ingênuo(s) e Criança(s).
Os dois primeiros termos referem-se a categorias de classificação mais gerais, havendo a
necessidade de serem seguidas por outros termos que dariam maior precisão como,
menores “desvalidos”, “vagabundos”, “vadios”, “desamparados”, órfãos desvalidos etc.
Enquanto criança e ingênuo demonstravam categorias mais precisas.
Segundo Fernado Torres Londono o termo menor que antes da virada do século XIX
para o XX estava associado à faixa etária da criança passa a ganhar novo sentido, estando
218
Diário de Belém, 20/07/1888. BPEPA, setor de microfilmagem. (grifos meus).
Um dos trabalhos pioneiros foi o de Alaniz, Anna Gicelle Garcia. Ingênuos e libertos: estratégias de
sobrevivência familiar em tempos de transição 1871 – 1895. Campinas; CMU/UNICAMP, 1997.
219
114
cada vez mais associado à ideia de abandono, miséria moral e matéria e delinquência: “Na
passagem do século, menor deixou de ser uma palavra associada à idade, quando se queria
definir a responsabilidade de um indivíduo perante a Lei, para designar principalmente as
crianças pobres abandonadas ou que incorriam em delitos”.220 Tal ressignificação se
processava desde a segunda metade do século XIX.
Além disso, podemos notar o quanto as notícias vindas de outras províncias também
estiveram articuladas as discussões em Belém, tanto notas de periódicos da Bahia, da Corte
e de São Paulo foram transcritas nos periódicos paraenses. Bem como dito no início os
discursos destas notas são de caráter ambíguo ao querer impedir que os menores se
tornassem “novos escravos” mostravam projetos para esse grupo da população:
ÓRFÃOS PELA LEI 13 DE MAIO.
Acerca da educação e bem estar desses menores, requereu o Dr.
Curador Geral, na audiência de ontem, diversas medidas salutares e
acauteladoras.
Pediu ao digno juiz, que tanto se distingui na liga redentora em prol
da liberdade, sua intervenção valiosa em favor dos ex-ingênuos, cujas
tutorias jamais devem ser concedidas aos ex-senhores que, iludindo a
Lei e ao juízo, querem continuar a reter esses infelizes sob o reinado
crasso da escravidão.
Fez suas, em plena audiência, as judiciosas palavras do distinto
Senhor Capitão-tenente Freitas que, em oficio dirigido a curadoria
geral em data de 24 de maio, disse o seguinte:
“as escolas de aprendizes e marinheiros são internatos, onde esses
menores, considerados órfão pela Lei de 13 de maio, devem receber
instrução elementar e profissional bem desenvolvida."
“todos eles, que não serão sujeitos aos castigos corporais já felizmente
abolidos, formarão seus pecúlios na caixa econômica com a
contribuição mensal que a todos proporciona o Estado, sob a imediata
fiscalização da tesouraria da fazenda”.
“concorramos todos, por esta forma, para o bem direito dessas
crianças e para glória de nossa armada, que assim contará em seu seio
marinheiros educados, prudentes e disciplinados.”
Efetivamente assim opinamos e assim deve ser; nada de consentirmos,
levados por certos respeitos sociais, por mais entendidas
considerações a certos indivíduos, que os ingênuos de ontem e órfãos
de hoje continuem, coitados, sob o látego fero do feitor nas obras e
nos canaviais.
Tudo esperamos da Lei; temos viva fé na boa vontade do digno Sr. Dr.
Juiz de órfãos.221
220
LONDONO, Fernado Torres. A origem do Conceito Menor. In: História da criança no Brasil. Org.
Mary Del Priori.
221
A Província do Pará, 21/06/1888. p. 2. BPEP, SM.
115
O envolvimento do Curador Geral de Órfãos, Dr. Henrique Cordeiro de Castro com o
movimento abolicionista foi ressaltado em várias notas publicadas ao longo do segundo
semestre de 1888. Deste modo, “por meio dele” a Liga Redentora se apresentava como
defensora dos libertos, e combatente da “nova escravidão” até então praticada pelos exsenhores.
Ao denunciar o abuso de serem dadas as tutelas dos ex-ingênuos aos ex-senhores de
seus pais o articulista mostra o quanto o ideal de que um ex-senhor estaria inapto para zelar
por esses menores em vista da condição que estes ingênuos existiam antes do treze de maio
na companhia dos senhores como se escravos fossem. Tal argumento também esteve
presente nos processos de tutelas em que os familiares dos menores questionavam a
concessão da tutela a um individuo justamente por este ter sido ex-senhor da mãe do
referido menor.
Aqui o que infiro é a instrumentalização deste discurso nos tribunais diante dos
juízes de órfãos, embora o uso de tal argumento não tenha impedido uma larga concessão
das tutelas a ex-senhores na maioria das ações. Ana Gicelli Alaniz considera que o uso da
tutela remete a uma prática que vai além da busca de mão de obra, segundo a autora o uso
deste mecanismo legal deu-se em decorrência de um processo mais amplo, perspectiva que
aqui corroboro. Segundo Alaniz:
Tratava-se principalmente de uma redefinição nas relações sociais,
que encontrava-se intimamente ligada às transformações que iam
ocorrendo na sociedade brasileira, no período estudado, ou seja, a
substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre e a mudança da
monarquia para República.222
O trabalho escravo conviveu ao longo do século XIX com o trabalho livre, e à
medida que a legislação emancipacionista foi sendo constituída as preocupações
parlamentares voltavam-se para a constituição da mão de obra a ser utilizada na lavoura,
embora tais discussões por fim tenham se voltado para os projetos imigrantistas deixando o
trabalhador nacional de lado. Bezerra Neto ao discutir a economia e a escravidão na
província paraense destaca que algumas figuras com relativo grau de influência já
criticavam o uso da mão de obra escrava em detrimento do trabalhador livre, ainda na
década de 1850, ao remeter ao caso do inspetor da alfândega da capital que enviou um
222
ALANIZ, Anna Gicelle Garcia. Idem, p. 20.
116
oficio ao presidente de província solicitando que se desse preferência para a utilização de
trabalhadores livres nas repartições públicas.223
A Lei Eusébio de Queiros de 1850 promoveu a cessação efetiva do tráfico negreiro
para o Brasil, embora ainda possamos levar em conta o trafico interprovincial como forma
de obtenção de braços escravos. A Lei de 1871 (ventre livre) pôs fim à reprodução
endógena da mão de obra cativa, abrindo uma gama de mecanismos legais para a obtenção
da alforria, e juntamente com a “Lei dos sexagenários” (1885) decretou um “fim
definitivo” da escravidão no Brasil. Ao menos essas eram as expectativas da presidência da
província ao falar no seu relatório que:
Aproxima-se felizmente o dia da redenção geral dos cativos na
terra brasileira. A Lei ultimamente promulgada pelos poderes nacionais
deu golpe definitivo na condenada escravidão, que a filantropia condena e
a economia social repele. O prazo final para sua extinção esta marcado, e
não excederá de 13 anos no tempo máximo.224
No mesmo relatório o presidente de província Tristão de Alencar de Araripe ressalta
o fato da referida Lei que ao instituir a liberdade aos escravos sexagenários poderia ocorrer
“que por sua fraqueza sejam muitos deles mantidos no estado nominal de liberdade, mas
realmente no de escravidão de fato”, e segundo ele mesmo alega “procurando rodear de
garantias para os libertos o direito que a Lei lhes confere”, instituiu três “atos”:
primeiramente que os promotores públicos denunciassem ex-senhores que mantivessem
em cativeiro os libertos pela Lei de 1885; segundo, prevenindo as autoridades policiais
para não se envolverem nas questões entre ex-senhores e libertos em relação à prestação de
serviços, e por ultimo levar as listas de sexagenários aos juízes de órfãos dos respectivos
distritos, para que estes zelem e protejam os indivíduos “remidos da escravidão”. Não
muito diferente das preocupações com os ingênuos após a Lei Áurea, onde os juízes de
órfãos ficaram responsáveis pelo zelo e proteção dos menores “remidos da escravidão”.
Os ex-ingênuos: geração de transição.
223
BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão e crescimento econômico no Pará (1850-1888). In:
Tesouros da Memória – História e Patrimônio no Grão Pará. Aldrin Moura Figueiredo e Moema de
Bacelar Alves
(organizadores). Belém, Ministério da fazenda – Gerencia Regional de Administração no Pará/ Museu de
Arte de Belém, 2009. pp. 149-164.
224
Falla com que o Exm. Sr. conselheiro Tristão de Alencar Araripe, presidente da província do Pará,
abriu a 1ª sessão da 25.a legislatura da Assembleia Provincial no dia 25 de março de 1886. Belém, Typ.
do"Diário de Notícias," 1886. Disponível em: http://www.crl.edu/brazil/provincial/par%C3%A1
117
Aqui aponto que o argumento presente nos jornais ao longo de 1888 de que os
senhores se utilizavam dos ingênuos “como se escravos fossem”, foi um argumento que
carregava em sim uma ideia de organização da sociedade, visto que ao mesmo tempo em
que criticavam as tutelas dadas a ex-senhores, também apontavam para a necessidade de se
zelar por esses menores a fim de produzirem cidadãos laboriosos e morigerados.
OS LIBERTOS.
I
Chegara-nos de muitos lugares notícias tristissimas, porque, ao
mesmo tempo que ofendem a Lei revelam peitos desumanos.
(...). Em Abaeté, o tabelião público não tem mãos em medir com a
fabricação de termos de tutela dos filhos das ex-escravisadas a requerimento
dos ex-senhores! Um tal Francisco A . das Chagas, juiz municipal suplente
em exercício, requereu e assinou a tutela de mais de 20 filhos das suas
escravisadas! E assim muitos que possuíam escravos.
Pois até crianças, que ainda as mães amamentavam, foram sem piedade
arrancadas do seio materno para ficarem escravisadas em lugar de seus pais!
Oh! Isto é bárbaro!
Em Abaeté, é preciso uma lanterna igual a de Diógenes para guiar-nos afim
de divisar quais dos ex-senhores estejam na altura, por suas boas qualidades,
de serem tutores ou educadores dos filhos dessas pobres mulheres. Quase
todos eles eram maus para seus escravos: como poderão servir de Amparo e
educadores?
E depois, qual a educação que poderão dar quem não tem? Apanhar Açaí?
Cortar cana? Lancear Camarões? Remar canoas e ascender cachimbos de
légua e meia? A maior parte não manda educar seus filhos que são criados
ao rigor dos tempos, quanto mais os pobres pretinhos.
É preciso que as autoridades competentes se compadeçam desta grande
quantidade de infelizes, salvando das garras da nova escravidão.
E quando as autoridades não atendam as lagrimas de tantas infelizes,
fazendo-lhes justiça, aconselhamos que arranquem seus filhos do poder dos
potentados e procurem justiça nesta capital, onde creio, a encontrarão. Não
tenho receio, pois temos Lei que nos rege a fim de punir os criminosos ...”.
(...).225
Deste modo os ex-senhores utilizavam-se das tutelas como forma de manter certo
controle sobre os pais dos mesmos. O fato de seus filhos continuarem nas propriedades
de seus antigos senhores poderia ajudar na estratégia senhorial de arregimentar a mão de
obra dos ex-escravisados por meio da coação com o uso dos filhos. Dentre os 564
processos levantados 30 requerentes da tutoria aparecessem mais de uma vez, a maior
parte em dois processos, embora existam casos envolvendo libertos e ex-senhores ainda
durante o regime escravista, é a partir da abolição da escravidão que ex-senhores
passam a usar da tutela como mecanismo de controle sobre os libertos.
225
O Liberal do Pará, 06/06/1888, p. 1. BPEP, Setor de Microfilmagem.
118
Partindo da idéia de “dialogicidade” entre Leitor e o produtor das notícias,
apresentadas por Robert Darton e André Pessanha,226 posso destacar que para além de
remeter a projetos políticos das quais a linha editorial dos periódicos faziam parte, os
jornais de Belém se debruçaram sobre as tensões envolvendo ingênuos e ex-senhores por
serem questões que por si só despertavam interesse nos seus Leitores, assim como os
valores presentes nestes discursos encontravam “eco” na sociedade paraense, como indica
Cota: “não obstante, os jornais também não podem ser vistos apenas como meros
instrumentos de dominação ideológica por parte da elite letrada, mas como parte de um
movimento dialético com o contexto sócio-histórico”.227
O Diário de Notícias denunciou que uma menor, ex-ingênua, continuava a ser
“alugada” pela sua antiga senhora após a abolição, na casa Comercial dos senhores Sinay
& Levi, no mesmo dia o Curador Geral envia uma petição ao Juiz de órfãos para que tal
denúncia fosse verificada:
NO CAPTIVEIRO:
Na estrada de S. Jerônimo loja dos senhores Sinay e Levy, existe uma
menor alugada, para saldar contas que sua senhora contraiu nesse
estabelecimento. Isto não se pode tolerar. Ao curador geral de órfãos pedimos
que providencie-se no sentido de dar tutor a dita menor. 228
Nos autos de perguntas feitas a menor,229 a mesma disse chamar-se Antônia Lusia da
Silva, de 16 anos de idade, filha da parda Crescência Maria da Conceição ex-escrava de D.
Joana Penna, residindo na casa dos comerciantes Sinay e Levy, disse ainda que recebia
trinta mil reis mensalmente, que até o treze de maio era recebido por D. Joana Penna, e que
“desta data em diante começou a ganhar trinta e cinco mil reis que ela depositou em poder
do senhor Haas”. Fora proposto para tutor de Antônia o comerciante Sr. Afonso Haas,
embora não se tenha nenhuma indicação de vinculo de Afonso Haas com Antonia.
A resposta imediata tomada pelo curador geral de órfãos a denúncia efetuada pelo
Jornal revela um dos aspectos destas notas publicadas ainda em 1888, o caráter de
denúncia, não uma denúncia efetuada a esmo, mas sim, direcionada para alguma
autoridade específica, esta voltada para as preocupações com a infância e mesmo
envolvida no movimento abolicionista. O uso da mão de obra dos menores não era
226
COTA, Luis Gustavo Santos. Entre amantes da ordem e candidatos a revolucionários: escravidão,
liberdade e abolicionismo na imprensa mineira da ultima década da escravidão. In: Caminhos da
Liberdade: historias da abolição e do pós-abolição no Brasil/ Martha Abreu e Matheus Serva Pereira
(orgs.). – Niteroi: PPGHistória – UFF, 2011, pp. 281-301.
227
COTA, Luis Gustavo Santos. Idem, p. 288.
228
Diário de Notícias, 11/07/1888. p. 2. BPEPA, SM.
229
Auto de Tutela da menor Antonia. Série: Cível; Subsérie: Tutelas, Caixa: 1888. Cartório Ódon. Centro
de Memória da Amazônia.
119
novidade na província paraense e nem mesmo ao curador geral Cordeiro de Castro. Em
um auto de tutela do ano de 1881, onde fora requerida por Maria Magdalena de Araujo
Martins que a tutela das menores índias Francisca e Serafina fosse dadas ao senhor José
Pio Araujo de Pinho, onde o que se mostra revelador de certas práticas é o parecer do
curador geral de órfãos que segue abaixo:
Começo a pedir ao (danificado) no juiz providencias em ordem á obstar
que as pobres índias venham, como escravas á bordo dos vapores do
“Amazonas” para serem distribuídas, pª pessoas que exigem serviços
sem dar-lhes a devida educação.
Sobre as órfãs Serafina e Francisca, acho que deve-se lhes nomear um
tutor que as tenha em seu poder e trate da sua educação domestica
mandando-lhes ensinar também a ler e escrever e não somente para
figurar como tal para deixar na mesma casa em que estão.
Belém, 26 de maio de 1882.
O Curador Geral
Cordeiro de Castro.230
Ao longo das últimas duas décadas que precederam a abolição da escravatura o uso
da tutela se mostrou recorrente, porém, como os filhos das escravas estavam regulados pela
Lei de 2040 de 28 de setembro de 1871, tais processos de tutelas se debruçavam sobre a
população livre e não ingênua, a partir do13 de maio de 1888 a corrida aos juízes de órfãos
em busca da guarda legal dos menores “órfãos” se debruçou largamente sobre as crianças
filhas de antigos escravos.
E mesmo anteriormente a abolição á de se ponderar quem eram as crianças
tuteladas, e neste sentido pensar a questão da racialização, Aline Mendes Soares levanta a
seguinte questão; “e até que ponto as discussões biológicas ao longo do século XIX em
torno da noção de “raça”, como indicador precário da capacidade e inferioridade dos
negros, interferiu no universo da infância trabalhadora no Rio de Janeiro”.231 Embora seu
estudo seja especifico ao universo carioca na virada do século XIX para o XX atrelar a
discussão da mão de obra infantil à questão racial não me parece incorrer em erro ou
simplesmente firmar um discurso da formação do “racismo” na segunda metade do século
XIX, pelo contrario, racialização não implica em racismo nos moldes como
compreendemos hoje, e sim no sentido de considerar que o aspecto étnico possuía um
230
Autos de tutela, cartório Ódon, 2º vara cível, 1882/1885. CMA.
SOARES, Aline Mendes. “Precisa-se de um pequeno”: negociação, conflito e estratégia de vida da
mão de obra infantil negra no pós-abolição no Rio de Janeiro (1888 -1927). In: Caminhos da Liberdade:
historias da abolição e do pós-abolição no Brasil. (Orgs.) Martha Abreu & Matheus Serva. – Niterói:
PPGHistoria – UFF. Edição on-line, 2011, pp. 365.
231
120
caráter que influenciava as medidas políticas e sociais, e a própria vida desses indivíduos
em graus diversos em uma sociedade fundamentada em hierarquias sociais e mesmo
étnicas.
Hebe Mattos afirma que a escravidão no Império não esteve assentada em aspectos
raciais e sim no principio liberal ao direito a propriedade, não que não existisse
discriminação, e sim que as tentativas de elaborar mecanismos institucionalizados de
diferenciação a partir de critérios étnicos poderiam causar grande desordem, assim as
determinações legais não remetiam-se a “cor” dos indivíduos mas a outros elementos, que
no fundo estavam ligados a condição social e por fim a “cor”.232
O que os periódicos ao longo de 1888 indicam é que embora combatendo o uso da
tutela como meio de arregimentar mão de obra para os antigos senhores de escravos, os
articulistas também consideravam a condição de miséria moral dos pais destes menores,
ante a um ideal de modernidade que estava em foco,233 um ideal que não esteve em
dissonância com a escravidão, mas ao pensar na parcela livre da população competia ao
Estado disciplina-la e torna-la morigerada e trabalhadora, é ai que os projetos de educação
para infância despontam em consonância com a legislação emancipacionista.
Depois do treze de maio os outrora ingênuos deixaram de estar vinculados aos
senhores de seus pais por meio da Lei do ventre livre, e abriu-se a possibilidade de recorrer
a legislação orfanológica comum para manutenção de tais laços.
PELOS INGÊNUOS!
Acabaram-se ingênuos!
Desde o dia 13 de maio, em que promulgou-se a Lei dá a todos os
brasiLeiros igual direito constitucional, acabaram-se as exceções
odiosas.
Desde que não há mais escravos no Brasil, não há mais também
ingênuos, nem contratos de locação de serviço, se não com
extrangeiros.
Não há mais ingênuos que sujeitos a legislação comum, tornam-se
doravante meros órfãos sob a jurisdição direta do juiz competente e
sob a proteção solicita do respectivo curador geral.
O juiz de órfãos deve nomear aos nascidos depois da Lei de 28 de
setembro de 1871 tutores e curadores, que cuidem da educação e
232
MATTOS, Hebe. Racialização e cidadania no Império do Brasil. In: Repensando o Brasil do
Oitocentos; cidadania, política e liberdade/ José Murilo de Carvalho & Luciana Maria Bastos Pereira das
Neves (org.). Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 2009. pp. 350-391.
233
Sobre escravidão e modernidade em Belém ver: LAURINDO JUNIOR, Luis Carlos. A cidade de
Camilo: escravidão urbana em Belém do Grão Pará (1871-1888). Dissertação de Mestrado, Programa de
Pós-Graduação em Historia Social da Amazônia, UFPA, Belém, 2012. Segundo Laurindo Junior o
despontar da modernidade em Belém trouxe consigo a necessidade de se disciplinar e controlar as classes
pobres, informando ainda que em 1872 o número de 60% da população das freguesias urbanas de Belém
era de cor, e 15% cativa. “Na visão das autoridades públicas, a cidade deveria ser o espaço de ordem”.
pp. 63-64.
121
instrução desses meninos, não consentindo que continuem no estado,
para bem dizer de escravidão, com obrigação de pagar serviços por 20
anos.
Revogam-se as disposições em contrário – diz a Lei de 13 de Maio
Corrente.
Órfãos ou menores desvalidos, o juiz não deve lhes dar por tutores os
ex-senhores de suas mães; porque com estes procurariam iludir o
espírito da Lei, tomando-os como seus tutelados para fazê-los
continuar na condição de escravos.
Escrevemos estas linhas por que mesmo dentro desta capital, existem
muitos ingênuos que não viram mudar se para melhor sua triste
condição com o beneficio da Lei de 13 de maio, por quanto continuam
a ser retidos por seus ex-senhores de suas mães.
Não há mais ingênuos, repetimos e esperamos que nossas lavras
tenham eco e encontrem pessoas bem intencionadas que encaminhem
esses infelizes para a escola e uma boa educação domestica.
Se em face das Leis orfanológicas o padrasto não pode ser tutor do
enteado, com mais força de razão não o pode o ex-senhor, que
nunca curar a com dedicação e desvelo paternais do seu pupilo ou
curatelado.
Os juízes de órfãos que não se deixem engazopar por estes
espertalhões, que ainda querem se locupletar no serviço alheio. 234
Mesmo o caráter combativo das denúncias não conseguiu parar a crescente
requisição das tutelas por ex-senhores, em 11 de outubro de 1888 a Província do Pará
denúncia um caso interessante sob a epígrafe de “o regime negro”: no distrito de Ponta
de Pedras os ex-senhores haviam buscado maneiras de manter os ex-escravisados em
suas fazendas, segundo a denuncia; “tratou-se de lançar mão de um recurso capcioso,
após a promulgação da Lei de 13 de maio, com o fim de manter n’uma ou mais
fazendas, indivíduos que acabavam de entrar na comunhão dos livres”, entre tais
fazendeiros estava o Coronel Antonio Lobato, que era parente do juiz municipal de
órfãos em exercício naquela localidade e por esse meio conseguiu a tutela de inúmeros
menores, e ainda:
Por diversas vezes os pais e parentes desses menores tem
procurado tira-los do poder de seu ex-senhor; mas infrutiferamente,
porque home abastado, político de situação, e contando entre as
autoridades parentes e amigos afeiçoados, fácil lhe tem sido zombar
doas meios empregados por aquela pobre gente no intuito de abrir
novo caminho aos tutelados do coronel Lobato.235
Outra nota, agora publicada pelo Diário de Notícias, relatou que em Abaété o Sr.
Manuel Pinheiro assinou a tutoria de 45 menores “o que constitui uma nova escravidão;
234
235
Diário de Notícias, 19 /05/1888. p. 2. HDBN (Grifos meus).
A Província do Pará, 11/10/1888. p. 2. Setor de Microfilmagem, BPEP.
122
pois estão aproveitando os seus serviços nos engenhos de assucar, e roças”,236 também
um tal de Chagas obteve a tutela de outros 20 menores,237 em suma parece que no
interior da província o uso da tutela alcançou um número bem superior de tutelados, os
processos de tutelas levantados em Belém indicam números bem menores do que os
apontados para o interior da província.
Os ofícios encaminhados pela secretaria de polícia da Província trazem alguns
casos envolvendo órfãos e menores, muitos destes ofícios encaminhados como respostas
a artigos publicados nos jornais da capital. Um ofício datado de 8 de agosto de1888 nos
traz algumas ocorrências envolvendo ingênuos e ex-senhores em Monte Alegre,
comarca de Breves.
De conformidade com a informação que me prestou o Delegado
de Monte Alegre, em oficio de 30 de junho último, acompanhado dos
documentos a que se refere, juntos por copia, sobre a queixa, que
contra ele fizeram o juiz municipal e de órfãos interino, José
Rodrigues Camará, relativamente a tirada de alguns ingênuos filhos da
ex-escravisada Eusébia do poder do seu ex-senhor, o mesmo Camará,
atualmente no exercício interino da vara de Direito, cumpre-me dizer
a V. Exª. que se bem que seja de competência dos juízes de órfãos dar
tutor aos menores, alegar o mesmo Delegado que , queixando-se esses
ingênuos e sua mãe de que seu dito ex-senhor os seviciava e
maltratava, procedia ele a inquéritos a cerca de tais acusações,
depositando os mesmos menores em poder de pessoa idônea até que
fossem esses inquéritos conclusos.
Vou de novo oficiar ao dito delegado para que me remeta os
inquéritos a que está procedendo, a fim de saber se com efeito esses
ingênuos são seviciados e maltratados por seu ex-senhor e se a mãe
dos mesmos ingênuos está em condições de poder mantê-los e educalos, foi mesma forma, que mandou Cámará. 238
Os documentos anexados a este ofício estão incompletos, no entanto resgatam parte
do conflito entre o delegado de polícia de Monte Alegre e o juiz municipal e o de órfãos da
mesma comarca, sabe-se que Eusébia era escrava de José Rodrigues Camará (juiz
municipal) e que este manteve em seu poder três filhos da mesma após a promulgação da
Lei áurea, tendo Eusébia recorrido a autoridade polícial para tentar reaver seus filhos.
Segundo José Rodrigues Camará o delegado de polícia Joaquim José da Costa com
mais dois praças estiveram em sua casa no dia 5 de julho, intimando-o que fizesse a
236
Diário de Notícias, 16/06/1888. p. 2. Setor de Microfilmagem, BPEP.
“Pelas Crianças”; Diário de Notícias, 17/06/1888. p. 2.
238
Fundo: Segurança Pública; Secretária de Polícia da Província. Série: ofícios. Ofício, 8 de agosto de
1888. APEP.
237
123
entrega de três ingênuos filhos de uma sua escravisada, e como o mesmo havia recusado a
entrega-los: “fui desacatado pela mesma autoridade”.
Tal queixa contra o delegado foi encaminhada ao chefe de polícia da capital e ao
presidente de província, foram inquiridos os supostos dois praças Candido da Silva
Nepomuceno e Antonio Francisco Bernardo, e estes afirmaram que no respectivo dia da
suposta diligencia estes “as 8 horas da manhã estavam no forte desta cidade como é de
costume e diariamente, e mais que não acompanharam a Vsª a casa nenhuma e nem
mesmo ordem alguma receberam”. A outra testemunha inquirida foi Antonio José
Pinheiro, promotor público, que no dia 5 esteve na residência de Camará para visitar um
filho do mesmo que encontrava-se doente, e que saindo do quarto foi a loja do mesmo
senhor, que lhe pediu que entregasse uma carta, Pinheiro ficou aguardando Camará
escrever a dita carta e nesse momento chegou o delegado, após a entrega da carta ele se
retirou, disse que ouviu o delegado dizer : “Compadre a preta Eusébia pediu-me que eu lhe
falasse para entregar-lhe seus filhos ingênuos”.
Pois bem até aqui temos um ex-senhor que manteve a “posse” sobre os filhos de sua
antiga escrava, utilizando-se de sua influencia como juiz municipal, junto ao juiz de órfãos
para obter a tutela dos menores, e uma mãe, egressa da escravidão que lutou para manter
sua família unida. Em resposta as acusações o delegado relatou o caso a seu modo:
Delegacia de Polícia de Monte Alegre, 30 de junho de 1888.
Ilm. Sr. dr. tendo recebido um oficio do Juiz de Orfãos suplente
deste termo, José Rodrigues Catalá, um outro de Domingos Antonio
Camará, em que manda-me vossa Exª que responda sobre o conteúdo
dos referidos ofícios. Respondendo como me ordena vossa Exª a
respeito do conteúdo dos ditos ofícios, que tenho- a honra devolve-los
a V. Exª, cumpre-me informa-lo com verdade e o facto de que foi
objecto os mesmos. Tinha Domingos Antonio Camará em seu poder
quatro ingênuos Martinho, Pedro, Theofilo e Martha, filhos de sua
escravisada Eusébia, sendo que o primeiro deles continua alugado,
recebendo aquele até hoje os alugueis. Depois da Lei áurea de 13 de
maio deste ano foi a dita escravisada ao seu ex-senhor pediu-lhe
entregasse seus filhos, visto poder ela educa-los, conforme os meios
de que dispunha. Domingos Camará, porem, não atendendo o pedido
de sua escravisada, não só a maltratou com palavras ofensivas ao
decoro, como a jogou na rua protestando- dar-lhe com o chicote se em
sua casa voltasse. Desenganada Eusébia de poder tirar seus filhos
para sua companhia, aconselhada não sei por quem foi ao juiz de
órfãos pedir-lhe as providencias necessárias a que o caso requeria,
124
mas este tornou-se surdo aos reclames desta infeliz e mandou-a
embora da mesma forma que mandou Camará. (grifos meus).239
Antonio Camará não apenas reteve os filhos de sua outrora escrava, como também
alugava um outro, como se escravo fosse. A concessão da tutela acabava por estar atrelada
a questões pessoais, juízes que ao mesmo tempo eram senhores, ou amigos de ex-senhores,
nas comarcas do interior isto parece ter sido muito forte, essa teia de relações que
possibilitavam a um só individuo obter a tutela de 45 menores.
Mesmo em Belém o tema da distribuição de menores entre particulares foi
denunciado e debatido pelo curador de órfãos. Em fevereiro de 1889 a Província do Pará
noticia que o curador geral “reclamou, em plena audiência do Dr. Juiz de órfãos, contra o
procedimento dessa autoridade policial, que não tem atribuição para dispor dos
órfãos”,240 a autoridade era o subdelegado da paróquia da trindade, criticado pelo
procedimento de enviar um menor para ser alistado na escola de aprendizes de marinheiros
sem o conhecimento do juiz competente, “tal como a distribuição dos órfãos por
particulares sem conhecimento do juízo, requereu se oficiasse ao digno chefe de polícia
pedindo providencias no sentido de não continuarem tais abusos”.
Por mais de uma vez tem a curadoria reclamado e achamos sua
reclamação atendível, estando, como está, na sua intenção a colocação
desses infelizes órfãos, de ambos os sexos, em oficinas e casas de família,
onde possam aprender ofícios e prendas domésticas.241
Ofícios e casas de famílias, eis o destino dos órfãos do 13 de Maio, ao menos era o
destino almejado pelas autoridades judiciárias de Belém: a preocupação com o destino
destes menores esteve vinculada à formação de cidadãos trabalhadores e disciplinados, a
manutenção da ordem. É neste sentido que se processou a própria preocupação dada a estes
sujeitos filhos das “classes perigosas”: para as mulheres às prendas domésticas, e para os
homens os trabalhos artísticos, futuros operários. Uma requisição de tutela em Belém ainda
em maio de 1888 demonstra o uso da tutela mesmo na capital da Província:
Diz Antonio Luis Pereira Lima que existindo na casa do cunhado
da suplicante D. Josepha pereira lima, os ingênuos Abel, Romão,
Damião, João Vitor, Raimunda e José, todos de menor idade, filhos de
239
Fundo: Segurança Pública; Secretária de Polícia da Província. Série: ofícios. Ofício, 8 de agosto de
1888. APEP.
240
“Pelos órfãos”. A Província do Pará, 28/02/1889. BPEPA, Setor de microfilmagem.
241
Idem.
125
suas ex-escravas Quitéria, Simplicia, Isabel e Felipa, (…) o suplicante
aceita tutoria deles pelo que vem respeitosamente requerer.242
A resposta do curador geral foi que não lê-se ingênuos e sim “órfãos” em face da Lei
de 13 de maio, determinando que “parece antes de tudo conveniente que esses menores
sejam apresentados a esse juízo e interrogados sobre o tratamento recebido na casa em que
se acham e serem alguns púberes”, caso o requerente estivesse no conformes da Lei que a
tutoria fosse concedida com a clausula expressa de mandar ensinar a ler e escrever a todos
os menores e lhes desse bom tratamento e pagasse salários aqueles que já estivesse em
condições de prestar serviços. Os embates entre ex-senhores e egressos da escravidão
continuaram a permear os tribunais de Belém após o treze de maio, se antes a luta eram
pela liberdade, muitas vezes utilizando das brechas legais da Lei 2040 de 1871, após a
abolição a luta foi em virtude da manutenção dos laços familiares e não é a toa que não
apenas ex-senhores solicitavam as tutelas, tios, irmãos, e mães indicando terceiros,
elaboravam estratégias para se “tornarem aptos” a receber a tutoria de seus parentes.
Maria Magdalena Barbosa liberta pela Lei de 13 de Maio, foi ao juiz de órfãos da
capital reclamar das condições de tratamento que estavam recebendo as suas duas filhas,243
Eliza de 11 anos de idade e Escolástica de 2 anos, as mesmas estavam sob a companhia do
ex-senhor de Maria, o senhor Augusto José Batalha, dizendo que elas continuam “debaixo
da escravidão” e além disso que o mesmo não poderia ser tutor das menores por não ser
casado (requisito legal para ocupar o cargo de tutor), solicitando que fosse nomeado tutor
de suas filhas o Sr. Jacinto Isidoro da Silva. Abaixo transcrevo os autos de perguntas feitas
a menor Eliza:
(...) perguntada qual o seu nome, idade, filiação e residência,
respondeu chamar-se Eliza Bazilha de Lacerda de onze anos. Filha de
Maria Madalena Barbosa, moradora a rua São Vicente em casa de seu
tutor Batallha, e que não sabe onde esta sua mãe, que sabe que seu tutor e
casado por ouvir disser ele próprio que tinha se casado na Europa, que
não apanha do seu tutor e nem da mulher dele, que lhe dão alguma roupa
e a tratam bem que não conhece Joaquim (ilegível) da Silva a quem
querem para seu tutor, que quer sair da casa de seu tutor Batalha para ir
para a companhia de sua mãe. E nada mais disse.244
Por mais que o depoimento de Eliza possa ser questionado quanto ao tratamento
recebido pelo seu tutor e mesmo em relação a ser ele casado ou não, chamo a atenção para
o desconhecimento da menor em relação ao nome indicado pela sua mãe para ocupar tal
242
Fundo: Civil. Série: Tutela, 1888. 2ª vara civil, cartório Odon. CMA.
Fundo: Civil. Serie: Tutela, 1888. 2ª vara civil, cartório Odon. CMA.
244
Idem.
243
126
cargo, as teias de relações estabelecidas após e mesmo anteriormente a escravidão seriam
importantes elementos nestas batalhas judiciais, muitas vezes encontrando pessoas
interessadas em usufruir dos serviços de seus filhos, mas de modo a poderem usufruir de
alguma vantagem ou mesmo convivência. O processo foi concluso com a seguinte resposta
do Curador Geral:
A vista do que foi exposto nos autos, parece-me conveniente a
nomeação de um tutor idôneo para os menores, entendendo que estas
permaneceram constrangidamente sujeitas em poder do atual tutor, que
foi ex-senhor de sua mãe a suplicante, e governou-os quase como senhor,
pelo que sentir-se - hão eles sempre humilhados e abatidos, embora hoje
abonados pela Lei de 13 de Maio, a altura de tutelados.245
Nem sempre os ex-senhores obtinham êxito em suas pretensões, as concessões de
tutelas não encerravam os conflitos, haviam aqueles menores que fugiam da casa de seus
tutores, o fato é que depois da abolição a infância passa a ser alvo de uma campanha em
prol da educação destes menores ante as intenções “crassas” de antigos senhores e aos
“vícios oriundos da escravidão” de seus pais. Em 1888, o Diário de Belém noticiou o
suicídio da “moreninha Sara Rosa” filha de uma ex-escrava da viúva Maria Hervez, o
artigo falava que Sara Rosa contava com 15 anos de idade e suicidou-se ingerindo arsênico
em função da mesma ser proibida por sua madrinha “de ter amores por um soldado do 16º
batalhão de infantaria a quem amava bastante”. Em fim, as relações entre senhores,
libertos, e ex-ingênuos muitas vezes trazem laços estabelecidos ainda no regime da
escravidão como o compadrio de filhos de escravos.
O ano de 1888 foi o ano de maior volume de requisições de tutelas entre os anos
levantados nesta pesquisa. Foram 85 processos envolvendo 140 menores e destes 60
ingênuos referentes às tutelas que foram requisitadas nos tribunais de Belém, que como
vimos acima estão longe de corresponder ao total dos processos de tutelas por toda a
província, tal como personagens que estiveram nos jornais e não foram encontrados nos
documentos judiciários aqui levantados como na nota de suicídio da “moreninha Sara
Rosa” publicado no Diário de Belém.
O que esteve em jogo nos jornais pós-abolição foi um “projeto” de assistência à
infância “desvalida”, projeto esse que serviu para fundamentar a larga concessão de tutela
de menores das classes pobres, separando mães e filhos. Irma Rizzini ao estudar a
educação de meninos desvalidos na Amazônia do período Imperial, indica que o
desenvolvimento de um movimento “em prol da educação popular” seria parte de um “dos
245
Ibidem, p. 12.
127
projetos de civilização e incorporação da população local a cidadania brasiLeira”.246 A
atenção dada pelo Estado aos menores desvalidos produziu uma serie de discursos que
foram reproduzidos quando a Lei Áurea “transformou” os cerca de 11 mil ingênuos do
Pará em órfãos.
No primeiro aniversário da abolição em maio de 1889 em uma edição especial
promovida em conjunto entre diversos periódicos da capital fora publicado um conto do
escritor paraense Marques de Carvalho,247 intitulado “A licção de paleógrapho”.248 O conto
narrava à trajetória de Josepha escrava que teve sua filha (Isaura) levada para a Europa por
seu senhor:
A escrava Josepha teve, n'aquelle dia, um grande sentimento. Sua
alma confrangeu-se toda, ante-soffrendo as trêdas amarguras do largo e
profundo golpe que breve teria de receber-lhe o amantíssimo coração de
mãe.—O commendador Pereira de Castro, que d'ali a dias seguiria para a
Europa, de concomitancia com toda a familia, annunciara-lhe a sua
resolução de levar comsigo a pequena Isaura, a sua querida filha, a
mulatinha amimada, cria de casa, prenda favorita de todas as pessoas
d'aquella abastada familia actualmente em vesperas de viagem.249
O trecho acima remete a um sentimento de pertencimento de Isaura ao núcleo de
relações afetivas da família de Pereira Castro, caso não tão incomum se pensarmos que os
escravos dos centros urbanos, mais especificamente as escravas domesticas mantinham
constante contato com os seus senhores. O argumento afetivo e de zelo não fora incomum
nestes processos, como no caso de Ambrosina escrava liberta, que teve sua tutela requerida
por Luisa helena dos Reis:
Diz Luisa Helena dos Reis, maior de 21 anos de idade, que
achando-se em sua companhia desde o seu nascimento, a menor
Ambrosina livre por liberdade da suplicante, de dezesseis anos e meio de
idade, filha natural de Fátima, e necessitando a referida menor,
principalmente na sua idade atual de quem a guie e aconselhe na
(danificado) vida, vem requerer a V.S. nomea-la tutora da mesma menor,
(…).
28 de abril de 1888.250
No entanto mais do que o grau de verossimilhança apresentado no conto de Marques
de Carvalho, o que esta em jogo são as representações ideológicas sobre o estado dos filhos
246
RZZINI, Irma. Op.cit. p. 23.
João Marques de Carvalho, escritor, diplomata e jornalista paraense (1866-1910), escritor naturalista,
dentre suas obras aqui destaco o livro onde ele faz criticas a escravidão e a monarquia: O sonho do
Monarca; poemeto abolicionista. Tipografia Industrial, 1886. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/
248
A Província do Pará, 12/05/1889. BPEP, setor de microfilmagem.
249
Idem.
250
Auto de Tutela de Ambrosina. Série Tutela, 1888. 2ª vara civil, Cartório Odon. CMA.
247
128
das escravas e mesmo da necessidade de educá-los. Ao ver sua escrava Josepha em prantos
Pereira Castro busca tranquilizar sua cativa em relação a sua filha demonstrando as
vantagens da manutenção da mesma sob a companhia da família do comendador:
— Que se não affligisse, ponderou. A pequena voltaria com elle e
com a familia, d'ali a annos. E com quanta vantagem para ella! Promettia
trazer-lh'a instruida, educada, elegante e feliz,—uma verdadeira senhora.
Até ella, Josepha, se arrependeria então da sua tolice actual, porque
reconheceria os beneficios que tinham querido fazer-lhe á filha. Pois não
era certo que todos ali tratavam-n'as tão bem, á mãe e á filha e que esta
era tida menos como uma ingênua do que como se, realmente, fosse
originaria do casamento d'elle commendador com sua esposa? Confiasse
a Josepha em seus senhores e o futuro mostrar-lhe-ia com exuberancia a
justeza do seu proceder.251
Treze anos se passaram após a retirada do comendador para a Europa é quando uma
carta escrita por Isaura chega às mãos de Josepha, a carta é lida por um sócio do
comendador. O conto acaba com a promulgação da Lei áurea, enquanto todos os demais
“pretos” da casa do comendador iam as ruas tomar parte do direito que lhes cabia no
regozijo pela libertação definitiva dos escravos, Josepha manteve-se na cozinha da casa;
“—Vamo' estudá a licção. Nhô Manduca, disse que p'r'ó mez que vem já posso lê a carta da
minha filhinha. Quando chega esse dia, meu Deus?”.
MINHA QUERIDA MÃE,
Escrevo-lhe de Paris, onde estou aprendendo n'um collegio e d'onde
lhe envio milhares de beijos n'esta carta, a primeira que por meu
punho escrevo, para lhe contar, se podesse, as muitas saudades que
tenho da minha santa mãe e o grande desejo que sinto de estudar
muito, para voltar depressa para onde está a mãesinha do meu
coração. Ante-hontem fiz dez annos e o meu protector offereceu-me
uma bonita penna d'ouro, dizendo-me que com ella deveria escreverlhe esta carta, minha boa mãe. Tenho passeado muito e gostado
immenso d'esta bella cidade, onde o meu prazer seria completo se a
senhora aqui estivesse junto da sua filha.
Abençôe-me e receba mil beijos que lhe envia
ISAURA. Paris, 30 de dezembro de 1887.252
Ao publicar tal conto em uma edição especial de comemoração da emancipação dos
escravos o editorial acaba por referendar um discurso do Estado de benevolencia para com
251
252
A Província do Pará, 12/05/1889. p. 2 BPEP, setor de microfilmagem.
Idem.
129
os libertos, assim por mais dolorosa que possa ser a separação dos pais e filhos, isso se
constituia como uma necessidade e mesmo como uma ação digna de louvor. Como
podemos notar no discuros da “distinta abolicionista Exma. Sra D. Augusta Assis” ao
enviar uma carta para o Dr. Cordeiro de Castro, curador geral da capital.
“tendo em consideração os múltiplos e valiosos serviços por V. Exc.
Prestados á causa da redenção e muito particularmente á “Liga
Redemptora”, como sua intrépida auxiliadora no 4º distrito de Nazareth,
venho por este meio e respeitosamente transferir intacto a v.exc, sem
resalva de poderes, o gracioso mandato com que honrou me a distinta
diretora do Colégio Santa Luzia, D. Ana Thereza de Abreu, para escolher
entre as filhas de mulheres redimidas, duas meninas de 8 a 12 anos de
idade que, as expensas dessa caridosa senhora e sob as vistas protetoras
de v.exc. possam ai receber d’ora em diante desvelada e merecida
educação.
Me é ainda sobremaneira grato comunicar á v. exc. que ao
transmitir ontem agradecido esta minha resolução a ilustre diretora do
colégio Santa Luzia, não só muito satisfeita se mostrou ela, como
assegurou me já conhecer de perto á v.exc. por suas acrisoladas virtudes;
pelo que congratuLei me comigo mesmo, como desde já congratulo com
as duas meninas órfãos que tiveram a suprema dita de serem por v. exc.
benevolamente escolhias e dignamente protegidas” 253.
Mesmo o presidente de província assinou uma determinação legal nº 1351 de 17 de
março de 1889, solicitando a matricula de órfãos no colégio do amparo dentre tais órfãos o
filho de uma liberta:
art. 1º Fica o presidente da província autorizado a mandar
admitir desde já, dispensada a idade, no colégio de N. S. do Amparo, as
órfãos Palmira e Líria, filhas do alferes honorário do exercito Camilo
José de Araujo Nobre, Raymunda Teixeira, filha da liberta Izabel (...).
12 de março de 1889
Miguel de Almeida Pernambuco.254
A necessidade de se zelar pela infância fez da própria polícia um mecanismo de
controle de tal grupo, como na no caso dos tutelados e Monte Alegre, já apresentado, onde
o delegado entra em conflito com o juiz de órfãos daquela comarca. Entre os telegramas
remetidos ao chefe de polícia na capital havia um que remetia a captura de um menor:
“preto pequeno nas costas, dita Raimunda já tem estado ai onde costuma vender redes e
outros objetos conduzidos daqui V. S. conseguir descobrir o dito menor remetelo com a
conta da despesa”.255 O que estas linhas comportam no telegrama nos possibilitam
253
“Reconhecimento”, Diário de Notícias, 29/05/1888. BPEP, SM.
Coleção de Leis Provinciais do Pará, 1889. APEP.
255
Telegrama do chefe de polícia Olimpio Manoel dos santos, 16 de julho de 1889. Fundo: secretária de
polícia da Província, 1888-1889. APEP.
254
130
conhecer é que um menor de cor “Preta” foi levado “nas costas” por uma, mulher, sua mãe
(aqui entramos no campo das possibilidades), infiro que Raimunda assim como tantas
outras libertas do Treze de Maio teve seu filho tutelado por alguém, utilizou como
estratégia para manter seu filho consigo a fuga, e tinha entre suas atividades a venda de
redes e outros objetos dado interessante para compreendermos os modos de vida destes
sujeitos.
CONFLITOS TUTELARES NO PAÍS SEM ESCRAVIDÃO!
Entre os anos de 1888 e 1893 foram 265 processos de tutelas levantados, envolvendo
392 menores e destes 72 puderam ser classificados como filhos de ex-escravos, embora o
número possa ser maior se considerarmos um elemento discursivo padrão nos processos
que envolvem ingênuos. Tal elemento se constitui no argumento no qual “o menor em
questão mora em companhia do requerente desde tenra idade”, ou desde o seu nascimento.
No entanto me ative especificamente nos processos onde a origem cativa dos pais
dos menores é mencionada, temos um conjunto de processos que nos laçam em certos
trechos das vidas de muitos libertos após o Treze de Maio, a luta pela manutenção de seus
filhos perto de si. Deste modo as brigas ocorridas nos tribunais de Belém remetem a busca
do exercício de direitos inerentes a recém e frágil cidadania adquirida com a liberdade.
A média de idade dos menores tutelados em 1888 é de 9 anos de idade, indo dos
menores de 2 anos até os com 18 anos, embora possamos pensar que alguns dos
requerentes realmente nutriam certa afetividade. Para o ano de 1888 dos 59 “ingênuos”
tutelados 34 eram mulheres e 24 homens e um não identificado. Em 45 casos a idade é
mencionada, tendo uma média de idade de 10 anos. ( 11, 42% aumentar o universo)
Abaixo apresento uma distribuição por faixa etária e sexo dos ingênuos tutelados para o
período de 1888 a 1893:
(Tabela – 3 ).
Distribuição dos tutelados ex-ingênuos por idade e sexo (1888-1893)
Faixa etária
Feminino
Masculino
Sem referência
Total
0-3
01
01
-------02
4-7
09
02
-------11
8 - 12
12
04
-------16
13 - 18
09
06
01
16
Soma
31
13
01
45
(Dados retirados dos autos de tutela do Centro de Memória da Amazônia, 1888-1893).
131
Os menores tutelados no período posterior a abolição de modo geral estavam em
idade produtiva. O uso da tutela com forma de manter controle sobre os ex-escravos e
mesmo como meio de obtenção de mão de obra se confirma em processos como o da
requisição de tutelas efetuadas por Lourenço Lins de Hollanda que requisitou a tutela de
vários filhos das ex-escravas de sua mulher, o Jornal Das Novidades noticiou tal fato sob a
epigrafe “tutella de Ingênuos”. Lourenço requereu a tutela dos menores Venâncio, Abel,
Raymundo, Esperança, e Balbina que existiam na fazenda Redemptor. As tutelas foram
requeridas ainda no mês de maio com a petição seguinte:
Diz Lourenço Lins de Hollanda, que existindo em sua companhia
na olaria “Redemptor” os menores de nome, Venâncio, Adão, Abel,
Raimundo, Balbina, Esperança, filhos de Ignácia, Delfina, Valentina,
Ângela, vem respeitosamente requere a V.sa. Se digne nomea-lo tutor
dos referidos menores.256
Sua petição foi deferida na data de 28 de junho, sendo nomeado tutor dos menores,
o caso terminaria ai se não fosse a resistência de alguns de seus tutelados. Em 2 de
setembro de 1888 Domingas Maria do Espírito Santo procurou a secretária de polícia para
prestar queixas e pedir providencias ao tratamento dado as suas filhas Anísia e Cândida
pelo tutor das mesmas o Sr. Lourenço Lins de Hollanda.257 Domingas prestou depoimento
no mesmo dia da queixa ao chefe de polícia da capital (Antonio Oliveira Cardoso
Guimarães), ela declarou ter trinta e quatro anos de idade, ser natural da cidade de Vigia,
ter o oficio de “lavadora” e morar na localidade denominada Caratateua na vila do
Mosqueiro (hoje em dia um distrito da grande Belém), e não saber ler nem escrever.
Declarou ainda que era escrava de D. Clarinda Lins de Hollanda até a Lei de 13 de Maio,
que quando liberta pela referida Lei retirou-se da companhia da sua ex-senhora com o
“consentimento da mesma”, é interessante notar a deferência que Domingas ainda possuía
por D. Clarinda Lins de Hollanda mesmo após a abolição, ao declarar que retirou-se da
companhia da mesma com o seu consentimento, embora tal fala pudesse ser também uma
estratégia diante do chefe de polícia para demonstrar um procedimento “ordeiro” da
mesma.
A partir do seu depoimento ficamos sabendo que durante o seu cativeiro Domingas
residia na “fazenda” Redemptor, localizada próximo a povoação do Pinheiro (hoje distrito
256
Autos de Tutela de 1888, Lourenço Lins de Hollanda. Cartório Odon/ 2ª vara cível. Série: Tutela,
1888. CMA.
257
Auto de Perguntas feitas a Domingas Maria do Espírito Santo. Fundo: Segurança pública; Secretaria
de Polícia. 188. APEP.
132
de Icoaraci), e suas filhas Anísia e Cândida em Belém na casa de D. Clarinda. Ao retirarse do poder de sua ex-senhora lhe foi “privado o direito que assistia a respondente; de
trazer d’alli as suas referidas filhas, declarando então Dona Maria Clarinda, que ellas
ficariam em sua companhia, para coninuarem aprender a ler e outros serviços
domésticos”. Aconteceu que no dia 28 de julho Domingas recebeu uma carta de sua filha
Maria Joaquina (Cândida) dizendo-lhe que a mesma e sua irmã Anísia haviam fugido da
casa de D. Clarinda em função dos maus tratos, inclusive com a falta de alimentação,
Domingas foi para Belém até casa de sua irmã Ângela onde estavam suas filhas e após
escutar das mesmas as queixas de maus tratos resolveu procurar a polícia.
Juntamente ao depoimento de Domingas o chefe de polícia procedeu ao inquérito,
fazendo perguntas as menores Anísia e Cândida, e posteriormente a Balbina prima das
mesmas e também tutelada de Lourenço Lins de Hollanda. As perguntas efetuadas pelo
chefe de polícia seguem um roteiro padrão de perguntas, assim ficamos sabendo que a
menor Cândida se chama Cândida Maria Joaquina, de dezesseis anos de idade, também
natural da Cidade de Vigia, de ofício de serviços domésticos e moradora a estrada de São
José. Abaixo transcrevo as demais perguntas feitas pelo chefe de polícia:
(...), perguntada por que razão saio da casa da família Hollanda,
onde se achava? – Respondeu que viu-se obrigada a sair da casa da
família Hollanda em consequência de ser ali muito maltratada, recebendo
castigos de palmatória, chicote e prisão em um quarto, sem alimento
durante o dia, castigos esses que se reproduziram algumas vezes,
ministrados sempre por dona Maria Clarinda Lins de Hollanda. –
perguntada por que razão Dona Maria Clarinda Hollanda lhe fazia esses
castigos? Respondeu que algumas vezes, porque não se dava pronta a
tarefa e outras por qualquer motivo frívolo. – perguntada se desses
castigos conserva a respondente algum vestígio? – Respondeu que não,
porque já há algum tempo que recebeu os ditos castigos, apenas ainda
conserva o cabelo aparado, que o fez a mesma Dona Maria Clarinda, por
não ter a respondente podido concluir um serviço de rede.- Perguntada se
a respondente ainda se conserva em estado de honestidade e si ali houve
alguém que tentou macular a sua honra? – Respondeu que uma vez o
irmão de Dona Maria Clarinda Lins de Hollanda de nome Lourenço Lins
de Hollanda prometeu a respondente cinco tostões para um certo fim, que
ela respondente ignora, mas que lhe pareceu não ser para negocio licito,
além disso o mesmo Lourenço Hollanda, tinha por costume penetrar no
quarto, onde a respondente, sua irmã Anísia e outras, dormem, e
suspender-lhes as camisas para observar-lhes o corpo nú; que o mesmo
Lourenço Hollanda a única coisa que conseguiu da respondente foi darlhe alguns beijos, porém isto fazia quase sempre a furto ou por força. –
Disse mais que não tem desejos de voltar para essa casa, por que receia
que Lourenço Hollanda, por meio de violência, cosiga desvirginar a
133
respondente, que sendo ainda criança e sem forças não poderá certamente
resistir ao mesmo Hollanda.258
Além das denúncias de maus tratos das quais a sua mãe já havia declarado ao chefe
de polícia, Cândida acrescenta o fato das tentativas de Lourenço Lins de Hollanda contra
sua “honestidade”, sendo tratadas ainda nos moldes da relação senhor/escravo.
Depoimento semelhante foi dado por sua irmã, Anísia Maria de Sousa, de 17 anos de
idade, serviços doméstica, e moradora na estrada de São José na casa da sua tia Ângela,
reclamando contra os maus tratos de D. Clarinda e das tentativas de sedução de Lourenço:
perguntada em que consistiam os castigos a que se referio ?
– Respondeo que consistiu em palmatadas, chicotadas nas
costas e jejuns. – Perguntada qual a razão por que a respondente e
sua irmã eram assim castigados? Respondeu que para serem
castigadas não era necessário cometerem falta alguma, que era
bastante qualquer indisposição da Dona Maria Clarinda ou
qualquer desavença com as suas irmãs. – perguntada si desses
castigos a respondente conserva algum vestígio? Respondeu que
não, por que fazem muitos dias que foi castigada. – perguntada si a
respondente ainda se encontra em estado de honestidade? –
respondeu que ainda é donzela. – perguntada si tem algum
desgosto ou motivo que a leve a querer sair da casa a família
Hollanda? Respondeu que além do que já enumerou, tem mais os
seguintes: - que o irmão de Dona Maria Clarinda de Hollanda, de
nome Lourenço Lins de Hollanda tem procurado perder a
respondente e sua irmã Cândida, já oferecendo lhes dinheiro para
fins desonestos e já penetrando no quarto onde elas dormem e ai
suspendo lhes as vestes, para observar – lhes as partes genitais, de
maneira que todas as madrugadas a respondente e sua irmã, ficam
sobressaltadas com a entrada importuna do dito Hollanda, no
entanto até o presente o mesmo Hollanda ainda não conseguiu
satisfazer seus desejos, devido somente a resistência da
respondente e de sua irmã. – perguntada a que pretexto se acha a
respondente na casa da família Hollanda? – respondeu que ai se
acha porque segundo supõe e lhe diz o mesmo Hollanda, é a
respondente sua tutelada.259
Os documentos referentes às queixas de maus tratos que as menores Anísia e
Cândida terminam com os autos de perguntas. No entanto para cruzar com os depoimentos
acima transcritos tive acesso aos autos de tutelas que envolvem as referidas menores. Em
25 de outubro de 1888 uma petição feita por Candido Hollanda Lima ao juiz de órfãos de
Belém, pedia para serem tomadas providencias diante da fuga de duas de suas tuteladas, de
nome Cândida e Anísia que “sedusidas por um seo parente e existindo actualmente os
258
259
Idem. p. 8.
Idem. p. 10.
134
menores em um cortiço a estrada se S. José”260, ao que parece a tutela das menores foi
requerida por Candido e não por Lourenço, ainda no dia 18 de maio de 1888, ou seja
poucos dias após a promulgação da Lei Áurea.
Segundo o documento inserido no auto na reclamação de fuga das menores, Candido
Hollanda Lima era tutor das menores Anísia e Cândida; filhas da liberta Domingas, dos
menores Sebastião de 9 anos de idade, filho da liberta Marcolina; também a liberta
Deolinda de 18 anos de idade, filha da liberta Olímpia. O documento também mandava que
o tutor tivesse o desvelo de um pai de família para o os menores, mandando depositar
mensalmente na Caixa Econômica da província a quantia de seis mil reis por cada menor.
Os tutelados de Lourenço Lins de Hollanda foram Venâncio, Abel, Adão,
Raimundo, Esperança e Balbina. Independente de quem era o tutor o que vemos é que a
família Hollanda de Lima usou da tutela como mecanismo para manter o controle sobre os
filhos das suas antigas escravas.
O processo de Anísia e Cândida se estendeu até janeiro de 1889, quando com a
desistência da tutoria por parte da família Hollanda Lima em relação às duas menores,
embora tenham por fim conseguido a remoção da tutoria, logo em seguida a tutela das
mesmas foi dada a Joaquim Pimenta de Magalhães, que foi chefe de polícia da capital e
também proprietário de escravos. Final diferente foi o da menor Balbina Maria do Espírito
Santo, tutelada de Lourenço Lins de Hollanda e prima das menores Anísia e Cândida, nos
autos do processo de tutela estava incluso um auto de perguntas feitas a menor, as queixas
de Balbina não eram diferentes das de Anísia e Cândida, eis as respostas dadas por
Balbina:
– perguntada qual o motivo que tem, para não querer continuar em
companhia do seu tutor? Respondeo que além de ser o seo tutor de nome
Lourenço Lins de Hollanda solteiro, tem procurado ter com ella
respondente relações ilícitas, procedimento esse digno de censura, pelo
que pede providencias, a fins de que seja seo irmão Raimundo Candido
Ramos, nomeado seo tutor, o qual além de ter maior idade, é empregado
na officina de Manoel Pedro e companhia, a fim de que assim possa viver
ella respondente com o seo irmão, em companhia de sua velha mãe de
nome Ângela Maria do Espirito, moradora n’esta cidade, á estrada de São
José, no lugar denominado Redondo, casa número quarenta e quatro, e a
qual está doente há muitos annos, isto é há quatorze annos, e ser esse
procedimento um ato de justiça e caridade, em face da Lei.261
260
Autos de tutela de Cândida e Anísia. Fundo Cível; série Tutela, 1888. Cartório Odon 2ª vara cível.
CMA.
261
Idem. p. 12.
135
Em consequências das denúncias efetuadas contra si, Lourenço Lins de Hollanda
envia um documentos ao juiz de órfãos dando a sua versão dos fatos, “Em 30 de maio
requeri a tutoria dos menores acima referidos, creados e educados sob o teto de minha
família. Julguei, assumindo o cargo de tutor, favorecer esses menores que pela Lei de 13
de maio passaram a gozar dos beneficio da legislação”. As menores Balbina e Esperança
viviam em companhia da irmã de Lourenço, declarando ainda que Balbina havia efetuado
duas fugas da casa da sua irmã, pernoitando fora. Para Lourenço a tutoria se convertiam
em um benefício às menores as quais “assim como outras de que é tutora minha irmã, não
frequentam as ruas e nem são empregadas em compras de tabernas, só saem
acompanhadas por pessoas da família, e em casa são empregadas no oficio de fazer
redes”. Tal argumento parece refletir uma prática usual na cidade de Belém ao se empregar
os menores em serviços de rua, e corresponde a um discurso das expectativas em relação
ao cuidado que deveria ser dado aos menores por parte dos juízes de órfãos.
(...). Por circunstancias de força maior, qual a de varíola em uma
pessoa de minha família, obrigo-se esta a retirar-se para a Olaria
Redentor, levando em sua companhias as ditas menores, que são parentes
de muitos dos meus ex-escravos que residem a pequena distancia da
Olaria Redentor, tendo caminho por terra e por mar; aproveitando esta
ocasião, vinham os ditos meus ex-escravos a desencaminhar as menores,
e outras pessoas de minha casa os quais lhe faziam fugir e lhe davão
coutos como posso provar com testemunhas dignas de fé. Destes menores
só deixaram Raimundo, por não ser parente e Esperança, por ter vindo
para esta cidade, (...).262
O trecho acima transcrito revela aspectos sobre o cotidiano e as ações dos libertos
após a emancipação. Primeiramente, sob a alegação de doença Lourenço levou as
menores para a sua olaria localizada as proximidades da povoação do Pinheiro, neste
sentido não é difícil inferir que parte dos ex-ingênuos tutelados da família Hollanda
trabalhassem na mesma olaria. Outro aspecto é a permanecia dos ex-escravos da família
Hollanda nas cercanias da olaria Redemptor, a povoação próxima à olaria era a
povoação do Pinheiro, posso inferir que é nessa localidade que os libertos passaram a
viver, assim como o fato de Domingas, a tia de Balbina, que morava na localidade
denominada Caratateua, então região próxima à vila do Pinheiro, tanto que em 1938 o
então distrito de Caratateua passou a pertencer ao distrito do Pinheiro.263 O pinheiro foi
um dos primeiros locais no Pará a “extinguirem” a escravidão de seu território, região
262
Ibidem.
Pelo Decreto-lei Estadual n.º 2.972, de 31-03-1938, o distrito de Caratateua perdeu a categoria de
distrito, passando a pertencer ao distrito de Pinheiro, município de Belém. Dado retirado de:
http://cidades.ibge.gov.br/
263
136
que abarcava a área hoje de Benevides e Benfica onde fora fundado um núcleo agrícola
em 1875 e em1884 se auto declarava território livre da escravidão.264
O fato é que estes libertos não se deslocaram para longe do local onde existiam
enquanto escravos, talvez pelo fato de seus parentes ainda permanecerem em poder dos
antigos senhores, como o relato de Lourenço de Hollanda permite inferir. Estes menores
viam na fuga, com a ajuda de seus parentes, um modo de lutarem contra o tratamento
semelhante ao cativeiro dado por seus tutores. Pelo depoimento do tutor de Balbina,
tomamos conhecimento que a casa onde o irmão da menor, Raimundo, morava na verdade
é um cortiço; “ela acha-se hoje residindo como declarou em seu interrogatório, na casa nº
44 no redondo. Mas essa casa é um cortiço e só isso explica o fim e a natureza de suas
reclamações a polícia”, e ainda que “quando o que é certo, e que essa casa é ocupada por
muitíssimos moradores de baixa condição e suspeitos da própria polícia”.
O tutor de Balbina pede exoneração do cargo visto a resistência da menor; “em
resumo julgo-me desobrigado para com essa menor de que já fui tutor por uns trinta e
tantos dias, passando ela a viver sobre a proteção da polícia, para mais tarde viver sob a
guarda dela”. A tutoria de Balbina foi dada a seu irmão Raimundo e a mesma pode viver
em companhia de sua mãe.
Em uma ação de tutela na qual era requerente Antonio Lopes Martins, comerciante,
que a pedido da “Comissão Redentora” havia concedido a liberdade “sem ônus” a sua
escrava Benvinda. Este requereu em 22 de maio de 1888 a tutela da filha de Benvinda a
menor Camila de 6 anos de idade, alegando que a “escravisada” saiu da sua casa “e
quer levar consigo a sua filha menor”, a quem ele a tinha sempre “tratado bem e dado
educação”, assim como também aproveitou para requerer a tutela de outra menor, filha
de uma escrava dele já falecida. Do qual a petição recebeu a seguinte resposta de
Cordeiro de Castro:
O suplicante é idôneo para o cargo de tutor mas acho que seria conveniente
interrogar-se a mãe deste menor, a quem a Lei de 28 de setembro de 1871
favorecia dando-lhe a faculdade de levar os filhos menores de 8 anos quando
liberta, pela razão que estas crianças ainda precisam do calor materno, 23 de
maio de 1888, o Curador Geral.(grifos meus) 265.
264
Sobre a questão do movimento abolicionista em Benevides ver: Bezerra Neto, Jose Maia. 2009. 0p.cit.
pp. 338-404.
265
Fundo: Civil. Série: Tutelas, 1888. 2ª vara civil Cartório Odon, CMA.
137
Henrique Cordeiro de Castro foi 1º secretário da Liga Redentora, associação
abolicionista da década de 1880, buscou basear sua decisão na Lei 2.040 de 1871, a Lei
do Vente Livre. Tal parecer nos indica que a tutela de menores com idade inferior a oito
anos poderia ser indeferida pelos juízes de órfãos. Embora eu tenha encontrado casos de
menores com menos de oito anos para o período após a abolição, o número não
ultrapassou 11 menores do total de 45 ex-ingênuos que tiveram suas idades
mencionadas.
Libertos e ex-senhores estiveram presentes nos autos de tutela ainda por alguns anos
pós a abolição. A partir de 1888 foram 31 ex- senhores que requisitaram as tutelas de
ingênuos, o caso mais distante levantado por mim data de 1892. Entretanto, um caso
datado do ano de 1906 foi levantado nos processos de tutela existentes no Arquivo Público
do Estado do Pará.266 O caso de 1892 é o dos menores Satyro de 15 anos de idade e Maria
de 12, Antonio José dos Reis requereu a tutela dos mesmos em 17 de agosto de 1892,
alegando ser tio dos menores, filhos de Felizarda Maria, no entanto em abril de 1893 José
Paulino Martins contesta a tutoria concedida a Antonio dos Reis alegando que o mesmo
não é tio das menores e nem é casado, sendo que ambos envolvidos apresentaram
testemunhas a serem inquiridas pelo juiz de órfãos.
José Antonio dos Reis alegava ser irmão de Felizarda Maria e, portanto, pessoa
adequada a exercer cargo de tutor dos menores visto “que nas veias tem a crioula o mesmo
sangue”. Da parte de José Paulino Martins, ouve a alegação que a mãe dos menores esteve
em companhia destes desde o ano de 1884, e continuaram na companhia de sua família
desde a morte da mãe das mesmas. Por fim o juiz revogou a tutoria concedida a José
Antonio dos Reis em 1892 e em janeiro de 1893 nomeou Paulino Martins o tutor das
mesas, mas José Paulino Martins falecera ainda no ano de 1893, o que provavelmente
lançou as menores novamente ao juiz de órfãos.
Os casos como os de Anísia, Cândida, Ludovina e Maria entre outros, foram
frequentes e seria necessário muita disposição dos Leitores para se debruçar na história de
cada um deles. Anacronismos a parte recordo-me da prática comum ao longo do século
XX de se utilizarem menores vindos do interior como “criados” de casa tomando essa
atitude como um ato de “benevolência”, aqui sugiro raízes em uma prática cultural. O tema
da infância desvalida permaneceu ainda por um bom tempo nas páginas dos jornais da
266
WANDERLEY, Edna. Op. Cit. p. 20.
138
capital, embora a associação com a memória da escravidão não tenha permanecido tão
latente.
Ingênuos, libertos e família.
Melina Perussato ao estudar os ingênuos na cidade de Rio Pardo/RS por meio de
inventários constatou a frequência com que estes menores apareciam nos inventários de
senhores de escravos, juntamente com o valor suas mães eram também avaliados o valor
correspondente aos serviços que os ingênuos poderiam exercer. Tal estudo indicou a
importância do uso da força de trabalho dos filhos livres de mulheres escravas,
problematizando a própria experiência de liberdade que os filhos de ventre livre
vivenciaram:
Por esse motivo, decidimos estudar as implicações da existência
desses menores nas escravarias para dimensionarmos as vicissitudes
que marcaram o processo de transformações, ao menos jurídicas, na
questão da mão de obra. Em outras palavras, problematizamos os
significados da liberdade para os filhos livres das escravas e como se
caracterizavam as relações de trabalho tecidas nessa conjuntura, a
partir dos diferentes personagens que com ele interagiam.
Um primeiro aspecto, contudo, nos pareceu apreender a própria
questão da reprodução endógena da mão de obra em Rio Pardo, afinal
não podemos pressupor que a Lei de 1871 causaria uma mudança
drástica no padrão de reprodução/reposição da mão de obra. Um
importante indício nos foi dado pelos inventários post-mortem
produzidos entre 1860 e 1887. Observamos que as escravarias
contavam com um significativo percentual de crianças (escravas,
libertas ou ingênuas dentre os trabalhadores inventariados que tiveram
a idade indicada no arrolamento).267
Cabe aqui levantarmos a questão da própria reprodução endógena dos escravos na
província paraense. Robert Conrad destaca que dos 400.000 ingênuos matriculados no
Império no ano de 1885,268apenas 0,1% foram entregues ao Estado. Visto isso posso
destacar o interesse pelo uso da mão de obra destes menores, mesmo diante dos gastos a
serem atribuídos aos cuidados dados na primeira infância, mesmo assim os senhores só
poderiam usufruir dos serviços destes menores a partir dos oito anos de idade. O
contingente de mão de obra que estes menores representavam não pode ser
desconsiderado.
267
PERUSSATTO, Melina Kleinert. Os filhos livres das escravas: relações de trabalho e significados da
liberdade às vésperas da abolição em Rio Pardo/RS. Anais Eletrônicos do 6º Encontro Escravidão e
Liberdade no Brasil Meridional. p. 2.
268
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
Dados também citados em. Perussatto, Melina Kleinert. Op. Cit. p. 1.
139
Em uma lista da população cativa da Província do Pará no ano de 1878 fora
mencionado a existência de 27.790 escravos e 6.205 filhos livres de mulheres escravas.
Dos 41 municípios elencados nesta lista os três primeiros ordenados de acordo com a
quantidade de escravos e filhos livres de mulheres escravas foram, a capital da província
com 10.086 escravos e 2.522 ingênuos, Cametá com 2.744 escravos e 535 ingênuos e
Igarapé - Miri com 2.034 escravos e 468 ingênuos.269
Após sete anos da promulgação da Lei do Ventre Livre o número de 6.205
ingênuos matriculados no Pará em 1878 indica que a reprodução entre a população
cativa não foi afetada pela referida Lei, como apontava Mello de Moraes filho em seu
poema no inicio deste capitulo. Pelo contrário, ao final do ano de 1887 o número de
ingênuos superava o número de escravos na Província Paraense.
Ouros dados extraídos dos relatórios de presidentes de província mostram o volume
de ingênuos existente no Pará ao longo da década de 1880: para os anos de 1884, 1885 e
1887 o número de ingênuos foram os de 9.872, 10.685, 1885 e 11. 273 respectivamente.
No ano de 1888 o número de ingênuos superava o número de cativos existentes na
província, Belém contava no inicio de 1888 com 2.883 ingênuos matriculados, muitos
ainda sob a companhia dos senhores de seus pais, infelizmente tais dados não especificam
as idades dos menores, mas os distinguem por gênero sendo que em Belém no ano de 1885
o número de ingênuos do sexo feminino era de 1.486, e os de sexo masculino o número de
1.589, uma diferença de cerca de 100 indivíduos, sendo que para toda a província o
número foi bem equilibrado: eram 5.364 homens e 5.321 mulheres.
Entretanto entre o ano de 1885 e 1887 houve um decréscimo de 192 indivíduos no
número de ingênuos existentes em Belém, tal decréscimo corresponde a apenas 6,24% dos
3.075 menores do ano de 1885. Bezerra Neto fala do nascimento de 7.108 filhos de
escravas após a Lei do ventre livre até a data de 31 dezembro de 1878 sendo que destes
sobreviveram 6.296 ou seja uma taxa de mortalidade de 11,42% (812 crianças).270
Em meados de 1887, Belém comportava 25,5% da população de ingênuos da
província, talvez uma análise por meio dos inventários possibilitasse compreender o lugar
do ingênuo na força de trabalho no Pará antes da abolição, o certo é que a reprodução entre
os cativos não foi freada em função da Lei do Ventre Livre como sugeriu nosso ilustre
269
Relatório Apresentado pelo excelentíssimo senhor Doutor José Coelho da Gama Abreu, Presidente da
província, á Assembleia Legislativa do Pará, na sua 1ª Sessão da 22ª legislatura, em 15 de fevereiro de
1880. P 86. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/550/
270
BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão Negra no Pará: (séculos XVII-XIX). 2ª Ed. Belém; PakaTatu, 2012. pp.114-15.
140
poeta Mello de Moraes. À medida que a população cativa diminuía o mesmo não ocorria
com a ingênua, somando tanto os cativos existentes em Belém em 1888 (2.541), quanto os
ingênuos (2.887), temos um total de 5.428 indivíduos que em tese se beneficiaram da Lei
de Treze de Maio, e compunham 13,57% da população da capital.271
O quadro abaixo apresenta os números de filhos livres de mulheres escravas pelas
diversas comarcas da província paraense.
271
Segundo dados de BEZERRA NETO, retirados de Vicente Salles, a população total de Belém em
1888 era de 40.000 indivíduos.
141
Tabela – 4.
População de Filhos livres de mulheres escravas da Província do Pará até 31 de dezembro de
1887.
Municípios
Ano
%
Ano
%
Ano de
%
Ano de
%
de
de
1885
1887
1878
1884
Belém
2.522
40,6% 2.600
26,33% 3.075
28,77% 2.883
25,57%
(capital)
Igarapé-Miry
468
7,5%
875
8,86%
925
8,65%
1.260
11,17%
Abaeté
983
9,85%
1.055
9,87%
1.241
11%
Cametá
535
8,6%
894
9,05%
873
8.17%
966
8,5%
Santarém
192
3%
324
3,28%
346
3,23%% 743
6,59%
Monte Alegre 37
0,59% 65
0,65%
55
0,51%
616
5,4%
Guáma
182
2,9%
212
2,14%
207
1,93%
505
4,4%
Ponta
de 167
2,69% 279
2,82%
293
2,74%
420
3,72%
Pedras
Obidos
160
2,57% 276
2,79%
326
3,05%
340
3%
Muaná
145
2,33% 248
2,51%
261
2,44%
266
2,35%
Bragança
182
2,93% 241
2,44%
343
3,21%
264
2,34%
Cachoeira
144
2,32% 170
1,72%
184
1,72%
194
1,72%
Mocajuba
96
1,54% 154
1,55%
165
1,54%
178
1,57%
Chaves
86
1,38% 181
1,83%
207
1,93%
173
1,53%
Alemquer
73
1,17% 16
0,16%
19
0,17%
140
1,24%
Curuça
93
1,49% 131
1,32%
138
1,29%
133
1,17%
Macapá
75
1,2%
94
0,95%
85
0,79%
117
1,03%
Breves
97
1,56% 170
1,72%
202
1,89%
115
1,02%
Anajas
100
0,88%
Curralinho
21
0,33% 170
1,72%
109
1,02%
92
0,81%
Gurupá
29
0,46% 71
0,71%
71
0,66%
90
0,79%
Soure
64
1%
99
1%
89
0,83%
82
0,72%
São Caetano
97
0,98%
106
0,99%
59
0,52%
Cintra
43
0,69% 61
0,61%
68
0,63%
56
0,49%
Quatipuru
49
0,49%
29
0,27%
53
0,47%
Melgaço
08
0,12% 15
0.15%
09
0,08%
42
0,37%
Itaituba
04
0,06% 26
0,26%
39
0,36%
38
0,33%
Oieras
14
0,22% 31
0,31%
32
0,29%
35
0,31%
Prainha
16
0,16%
18
0,16%
30
0,26%
Baião
11
0,17% 14
0,14%
17
0,15%
23
0,2%
Mazagão
17
0,27% 44
0,44%
16
0,14%
19
0,16%
Acará
60
0,96% 305
3,08%
260
2,43%
--------Vigia
210
3,38% 238
2,41%
174
1,62%
--------Moju
172
2,77%
293
2,74%
--------S. Sebastião 36
0,58%
---------da Boa Vista
Vizeu
49
0,78% 63
0,63%
61
0,57%
----------Ourém
53
0,85% 54
0,54%
65
0,6%
----------Monsáras
45
0,72% 56
0,56%
72
0,67%
----------Marapanin
35
0,56% 58
0,58%
30
0,28%
-----------Faro
19
0,3%
27
0,27%
27
0,25%
-----------Porto de Moz
36
0,58% 58
0,58%
72
0,67%
-----------Portel
17
0,27% 28
0,28%
32
0,29%
-----------Villa Franca
05
0,08% 09
0,09%
-----------Souzel
03
0,04% 17
0,17%
26
0,24%
------------
142
Irituia
Soma
6.205
100%
214
9.872
2,16%
100%
211
10.685
1,97%
100%
------11.273
-----100%
(quadro construído a partir de dados dos relatórios de Presidentes de província do Pará).
Os dados foram tirados dos relatórios provinciais, outro dado para se pensar a relação
entre libertos e escravos em Belém é o mapa das famílias escravas matriculadas na
alfândega da capital enviado ao curador de órfãos no ano de 1877. A partir do mesmo
construí a tabela abaixo:
Tabela 1- Famílias Escravas matriculadas na Capital da Província, 1877.
Casais
Escravos casados
com pessoas livres
Escravos solteiros
e/ou viúvos
Cônjuges escravos
55
Homens
04
Mulheres
07
Filhos escravos
03
15
03
50
Filhos livres
27
14
68
03
85
(dados retirados de: Autos cíveis de uma petição do Dr. Procurador Geral Fiscal da Fazenda reclamando
contra a classificação de escravos. série: escravos; fundo : juiz de órfão da capital, 1870-1879. Arquivo Publico
do Pará.)
Os dados acima remontam a constituição de laços familiares entre cativos, e tais
laços eram efetivados mesmo com pessoas livres ou libertas. Assim a condição escrava não
impossibilitava a formação de famílias, ao contrário os laços estabelecidos poderiam
contribuir no aumento das possibilidades de alcançar a liberdade. Temos 121 escravos
casados, sendo 11 casados com pessoas livres, e 18 classificados como solteiros ou viúvos.
Pormenorizando os dados do referido mapa são 204 indivíduos elencados entre escravos e
filhos livres e filhos escravos, ou seja, o percentual de escravos casados com pessoas livres
em relação ao total de escravos casados é de apenas 9%, número pequeno, mas ainda deve
ser levado em conta, pois muitas vezes a possibilidade de casar-se com alguém livre/liberto
era um elemento que acelerava o processo de alforria do cativo.
No caso das mulheres, diferentemente dos anos anteriores a 1871, ao casar-se com
uma mulher escrava a sua prole não nasceria mais escrava. Ter família era um elemento a
ser considerado para ser classificado entre os escravos a serem libertos pelo fundo de
emancipação, assim como contribuiriam para a acumulação de pecúlio.
A lista dos escravos classificados para serem libertos pelo Fundo de Emancipação no
ano de 1877 foi alterada em função de uma petição do Procurador da Thesouraria da
Fazenda reclamando contra a lista de cativos que haviam sido classificados para serem
143
libertos pelo Fundo de Emancipação que não estavam de acordo com a legislação que dava
preferência a famílias escravas, seguindo as determinações do regulamento 5.135 de 13 de
setembro de 1872. Eis os escravos então classificados:
Tabela de Famílias escravas Classificadas a serem libertos pelo Fundo de Emancipação da Capital, Belém, 1877.
4
CÔNJUGES COM FILHOS LIVRES PELA LEI E MAIORES DE OITO ANOS.
Nome
Cor
Idade
Estado
Filho (a)
Idade Proprietário
civil*
Honorata
Preta
30
Casada Maria
04
Dr. Francisco Acácio Correa
Clarinda
Parda
20
Casada Adelina
02
Domingos Jose de Miranda
Maria de Preta
26
Casada Ignez
04
Coronel Antonio Pereira da
Jesus
Silva Frade
Theodora Preta
35
Casada Balbina
04
Dr. Francisco Acácio Correa
5
Carolina
Preta
6
Rita
Mulata
Nº de
Ordem
1
2
3
7
8
Conêgunde*
Clara
Preta
CÔNJUGES COM FILHOS MENORES
21
Casada Apolônia
05
34
Casada
Elisbão
05
Ilegível
Fausta
03
02
MÃES COM FILHOS ESCRAVOS
29
Viúva
Três filhos
CÔNJUGES SEM FILHOS MENORES
Preta 47
Casada Thomaz
27
João Barata
24
CavaLeira
23
D. Ana Perpetua Miranda
Silva
D. Ana Perpetua Miranda
Silva
Bernardo Reis Soares
José AugustoDias Guerreiro.
POR INDIVÍDUOS, MÃES OU PAIS COM FILHOS LIVRES.
Mulata 28
Solteira 5 filhos
Francisco de Mattos
escravos
10
Maria
Mulata 25
Solteira 1 filho
João Simões Pimenta
Theodora*
liberto
11
Leopoldina* Preta
34
Solteira 1 filha
Jose Cerqueira d’ Aguiar
liberta
Lima
12
Ana
Preta
28
Solteira 4 filhos
Pedro Leite Chermont
Martha*
libertos
* possuem pecúlio.
9
Emilia*
O Fundo de emancipação de escravos foi instituído em 1871 com a já conhecida Lei
do Ventre Livre, e determinava que se desse preferência a escravos com famílias, seguindo
outros critérios como, sexo, idade, valor, pecúlio a ser contribuindo e mesmo a tonalidade
da pele, se dando preferência aos mais claros em detrimento dos mais escuros. No Diário
do Gram – Pará de 1873 foi publicado uma determinação da 18º legislatura da assembLeia
Legislativa Provincial sobre a destinação de 800$$000 (oitocentos mil reis) para dar a
liberdade ao “preto Felix Antonio” pelo fato de ele “ser chefe de uma família composta de
144
sua mulher e sete filhos livres”.272 O que posso inferir em relação ao fato do escravo Felix
ter sete filhos livres, é que ele casou-se com uma mulher livre ou liberta, caso semelhante
ao de João Nepomuceno que casou-se com uma pessoa livre e teve três filhos que
trabalharam para a compra da liberdade de Nepomuceno.273
Em 1874 é publicado o número de manumissões de escravos a partir da circular da
Lei 2.040 de 1871, referentes aos dados da capital da província. O quadro abaixo trazem
especificado o número de manumissões:274
CLASSIFICAÇÃO DAS LIBERTAÇÕES, 1874.
Pelos Deputados Provinciais
04
Pela Câmara Municipal
09
Pelo Governo Provincial
20
Pela Diretoria da festa de Nazareth
04
Irmandade do Divino espírito Santo D’Abaeté
01
Sociedades Nacionais
10
Associação Filantrópica de Emancipação
01
Filantropia de Particulares
112
Próprios Manumitidos
151
Possuidores
307
Total
619
(Dados retirados de Relatório apresentado a Assembleia Legislativa Provincial na primeira sessão
da 19.a legislatura pelo presidente da província do Pará, o excelentíssimo senhor doutor Pedro
Vicente de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1874. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1874, p.
49).
A maior proporção de manumissões esta entre as liberdades obtidas foram as por
filantropia de particulares, 18,09%; pelos possuidores (os próprios senhores), 49,59% e os
próprios cativos 24,39%. Embora o número de alforrias obtidas por particulares supere
consideravelmente as obtidas pelos próprios cativos, vemos como no quadro de escravos
classificados para serem libertos pelo Fundo de Emancipação de 1877, que estes cativos
libertos por particulares ou pelo Estado muitas vezes contribuíam com pecúlios a fim de
complementarem o valor de sua liberdade. Dos alforriados acima, 56,05% eram do sexo
feminino (347), e do sexo masculino 43,94%, uma proporção em relativo equilíbrio mesmo
se consideramos que entre os critérios de preferência para a manumissão está o sexo,
dando-se preferência a escravos do sexo feminino.
272
DGP, 23/04/1873, p. 2.
Autos de nulidade de testamento, 1876. Fundo: 1ª Vara do Juízo Cível; série: autos de testamento.
APEP
274
Dados também citados por: SILVA. Claudia Márcia Dias. A sociedade Filantrópica de Emancipação
de Escravos: emancipações escravas e concepções emancipacionistas em Belém, 1869/1874.
273
145
Em 1877 no jornal O Libera do Pará foi publicado uma lista de manumissões que se
procederam pelas províncias do Império desde a implementação da Lei do Ventre Livre até
o ano da nota, juntamente com as manumissões procedidas pelo Fundo de Emancipação na
qual havia sido destinada a quantia de 3.624. 521$$506 (três mil seiscentos e vinte quatro
contos e quinhentos e vinte um mil e quinhentos e seis reis), tendo sido utilizado até aquele
momento à quantia de 1.294.981$$298 para as manumissões procedidas pelo mesmo
Fundo até então.275
Províncias
Amazonas
Pará
Maranhão
Ceará
Rio Grande do Norte
Parahyba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Espírito Santo
Município da corte
Rio de Janeiro
S. Paulo
Paraná
Santa Catharina
S. Pedro
Minas Geraes
Goyaz
Matto -Grosso
Piauhy
Total
Manumissões por
particulares ou a
titulo oneroso
18
1.631
1.415
852
227
499
1.049
421
546
169
551
3.059
3.098
3.410
347
321
2.601
2.111
222
127
22.674
Manumissões pelo
Fundo de
Emancipação.
3
64
156
97
37
64
339
100
Não consta
320
78
185
292
157
23
45
187
61
25
17
22
2.258
Total
21
1.695
1.571
949
264
563
1.088
521
546
489
629
3.244
3.390
3.567
370
366
2.788
2.172
247
144
22
24.646/24.932
(Dados extraídos do Jornal O Liberal do Pará, 02/09/1877).
Os dados de Bezerra Neto indicam 2.299 libertos entre os anos de 1871 a 1878. O
relatório de 1880 apresenta um quadro das libertações havidas na província até 31 de
dezembro de 1878, onde apresenta o número de 2.200 libertações a titulo oneroso ou por
particulares e mais 76 pelo fundo de emancipação. O quadro acima foi retirado de dados
ainda incompletos publicados no jornal O Liberal do Pará do ano de 1877, ainda assim nos
275
O Liberal do Pará, 2/09/1877; Nº 200. HDBN.
146
dão um grau comparativo entre as demais províncias do Império. Ainda segundo Bezerra
Neto:
Sobre o índice de escravos alforriados na província paraense, entre
1873 e 1887, Slenes informou que 28,5% da população escrava
matriculada em 1873 no Grão-Pará, ou seja, 30.989 indivíduos, foram
alforriado ao longo de 15 anos já citados (1873-1887), representando
então, aproximadamente 8.832 cativos.276
Informando ainda que o percentual de alforrias de 28,5% estava bem acima da media
nacional de 13.3%, o quadro abaixo construído por Bezerra Neto apresenta dados mais
específicos das libertações em determinados períodos.277
Número de escravos alforriados na Província do Pará
Período
Alforrias
28/09/1871 a 31/12/1875
1.228
01/01/1876 a 18/11/1876
403
01/12/1876 a 31/12/1878
668
01/01/1879 a 30/06/1885
5.646
Total
7.945
(Fonte: Bezerra Neto, José Maia. 2012. Op. Cit.).
O crescente número de alforrias ao longo das ultimas décadas da escravidão na
província do Grão-Pará correspondem de modo geral aos desdobramentos da legislação de
1871 e ao processo de consolidação do movimento abolicionista na província paraense.
Enfim o que deve-se ter em mente é que boa parte destes escravos manumitidos muitas
vezes colaboravam com parte do valor da sua alforria, quando não a compravam por
completo.
O fato do escravo conseguir angariar pecúlio pode ser um elemento a se pensar nas
condições de vida destes cativos após o alcance da liberdade. Ainda em 1873 uma petição
do Fiscal da Tesouraria da Fazenda solicitando esclarecimentos sobre o deposito de vários
pecúlios de escravos na firma Sá & Cia em Belém, onde 158 escravos depositaram
diversos valores que ao todo somaram 35 contos de reis, destes 158 escravos cerca de 70%
276
277
BEZERRA NETO, José Maia. Op. Já cit. P 118.
Idem, p 221.
147
eram do sexo feminino278. Sheila Faria aponta para a relativização da ideia que os libertos
em geral vivenciavam condições de pobreza:
Os estudos que existem sobre alforria, mais numerosos nos últimos
anos, não ultrapassam a analise dos mecanismos sobre sua obtenção.
Poucos foram os pesquisadores que analisaram os forros depois de sua
libertação do cativeiro. Os trabalhos que tratam desse grupo social os
qualificam pela precariedade de suas condições materiais de existência. A
pobreza teria sido o resultado mais comum do tempo que despenderam
para juntar o suficiente para sua libertação.279
Ao falar das mulheres forras Sheila Faria destaca a habilidade das mesmas de
acumular pecúlio, a autora cita o dado de Eduardo França e Paiva para a cidade de Rio
das Mortes, onde nos testamentos levantados o segundo grupo em poder aquisitivo eram
as mulheres forras sedo superadas somente pelos homens portugueses. Já em Belém o
fato de 158 escravos conseguirem acumular 35 contos demonstra a capacidade de se
ganhar dinheiro com a produção de alforrias, tanto nos tribunais quanto as “concedidas”
pelos senhores. Em 1888 o curador de órfãos declara que havia existente na Tesouraria
da Fazenda a quantia de 56 contos referentes aos pecúlios dos escravos mais 15 contos
de saldo, que deveriam ser entregues aos mesmos em virtude da Lei de 13 de Maio:
“chamando os favorecidos pela Lei áurea de 13 de Maio corrente, a fim de requererem a
entrega de seus pecúlios que ainda ali existem”.280 Deste modo pode-se pensar como
Sheila de Castro indica, que as atividades que rendiam pecúlio para as mulheres cativas
as possibilitavam constituir meios de vida, o que inviabiliza as afirmações
generalizantes que buscam enquadrá-las como mulheres pobres em termos absolutos.
Aliado a inúmeros outros indícios, os contratos pré-nupciais demonstram
que a mulher forra, em particular a mulher africana, tinha condições
sociais e econômicas especiais que a tornavam detentora de um poder
econômico só muito recentemente detectado.281
Visto que para além do trabalho, escravos também poderiam receber a liberdade e
alguns bens nos testamentos de seus senhores como no testamento de Benedito Herculano
da Gama Coelho, que deixou livres seus escravos Gaspar, Senhorinha e os três filhos da
278
LOBO, Marcelo Ferreira. Direito e Escravidão; As ações de liberdade nos tribunais de Belém na
segunda metade do século XIX. Monografia para obtenção de grau em história pela UFPA, IFCH, 2011.
279
FARIA, Sheila de Castro. Mulheres Forras: riqueza e estigma social. Revista Tempo, nº 9 jul. 2000, p.
67.
280
Diário de Notícias, 19/05/1888. BPEP, SM.
281
FARIA, Sheila de Castro. Op. Cit. pp. 69-70.
148
mesma, declarando também “sou possuidor do sitio Nazaret em um quarto de léguas de
frente e dous competentes de fundo cujo sitio deixo aos meos escravos ao meu irmão e a
senhora Joana de Assunção tido pelo amor de Deos”,282 logo tais libertos não entraram no
gozo da liberdade sem bem algum.
Em 4 de maio de 1890 o editorial do jornal A voz do Caixeiro publica um artigo
sobre a situação da infância desvalida na província, “Elles, infelizes, em grande número,
entregues a essa variante da escravidão, disfarçada com o paternal titulo de
Tutoria”. Declarando que a maior parte destes “infelizes” viviam a ser alugados para
servirem de guias a cegos, venderem bilhetes de loteria, e exercerem “pequenas ou
duvidosas indústrias”:
— Não ha muito vimos estampado nos jornais desta capital o seguinte
aviso:
"Crianças Pobres”
No decidido empenho, em que me acho, de promover requerendo
ao integro Dr. juiz de órfãos ou a quem de direito for, qualquer
medida tendente ao bem estar dos infelizes órfãos pobres, os
filhos do povo propriamente ditos, colocando as meninas e os
rapazes em oficinas, onde possam receber ensino e educação
convenientes, venho rogar-vos todo o vosso auxilio n'este sentido,
dignando-vos receber, transmitir-me e publicar as reclamações, que
vos forem levadas. Contae sempre com os agradecimentos e
melhor vontade do Curador geral, J. II. Cordeiro de Castro”.283
Segundo o artigo, logo após o treze de maio alguns representantes do Arsenal de
Marinha e da escola de aprendizes a marinheiro dirigiram-se aos juízes de órfãos e
curadores solicitando que menores lhes fossem enviados, coisa que não ocorreu devido a
ganância dos tutores, terminando do seguinte modo:
Cumpre mandar ampliar as casas de educação, criar escolas agrícolas –
fazer com que se aumente ou se complete o quadros dos aprendizes de
marinheiros, essa belíssima instituição, um dos raros legados que nos
deixou a Monarchia. (A voz do Caixeiro, Maio de 1890).284
Ao ler o trecho final do artigo acima recordei dos artigos por mim levantados que
foram publicados nos jornais paraenses nas décadas de 1900 e 1910, que tratavam dos
castigos na brigada da marinha onde os menores das escolas de aprendizes a marinheiros
eram castigados com chicotadas, nestes artigos associavam tal castigo a memória da
escravidão, isso me fez lembrar de João Candido, da revolta da chibata,... de outra história.
282
Fundo: Juízo Cível da Capital. Serie: Autos de testamento, 1869. APEP.
A Voz do Caixeiro, 4 de maio de 1892. Ano 1; Nº 13. HDBN.
284
Idem.
283
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A Lei de 13 de Maio de 1888 longe de ter sido uma Lei sem maior alcance, ou
mesmo uma lei que legava uma liberdade excludente aos outrora escravos, atingiu mais
de 700.000 indivíduos e outros milhares de ingênuos que passaram a usufruir da
prerrogativa de pessoas livres. Aos ex-escravizados a liberdade significou a
possibilidade de autonomia e luta por direitos no campo da cidadania. Em 1889 uma
comissão de libertos enviou uma carta a Rui Barbosa solicitando que a Lei de 1871
fosse cumprida e que fosse providenciada instrução e educação dos seus filhos.
As transformações que se processaram após a promulgação da Lei do Ventre Livre
tornaram os menores desvalidos alvo de políticas do Estado, assim escravidão e
educação tornaram-se temas em comum, ao pensarem no futuro da indústria e lavoura
do país; os ingênuos, ao menos até o ano de 1879 foram tomados como elementos a
serem ministrados uma educação oficiosa. O receio da falta de mão e obra e mesmo da
desordem social impunha aos agricultores debates sobre a formação do trabalhador
nacional no congresso agrícola de Recife realizado em 1878. Como indica Simão André
Luciano:
De modo geral, existiam duas propostas básicas para a educação
agrícola. Uma sugeria simplesmente instituir junto ao ensino primário
a instrução agrícola. Outra pedia pela criação de colônias
orfanológicas ou fazendas agrícolas voltadas a ensinar as crianças a
arte da agricultura e onde seriam internados os ingênuos filhos de
escravas. Todos concordavam entretanto quanto ao fato de que apenas
o ensino da agricultura impediria a formação de uma massa de
vagabundos e criminosos.285
Os debates da década de 1870 se prepararam para depositar as expectativas da
formação dos trabalhadores nacionais nos ingênuos, e nos menores órfãs e desvalidos.
Foi sob este contexto que se processaram as primeiras práticas educacionais voltadas
para a população negra, as escolas noturnas para escravos, escolas para artífices e
escolas agrícolas. Após o ano de 1879 a questão da educação das crianças deixou a
figura do ingênuo de lado e passou tratar da infância desvalida, fenômeno semelhante
pode ser notado para a província paraense tanto na década de 1870 e nos dois anos
seguintes ao 13 de Maio de 1888. Os ingênuos tornaram-se alvos de disputas e
discussões sobre os seus destinos.
285
SIMÃO, André Luciano. Congressos Agrícolas de 1878: Um retrato do reformismo ao final do século
XIX. Dissertação de Mestrado. – Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, 2001. p. 171.
150
Entre a escravidão e a liberdade estava o ingênuo, que embora juridicamente livre
viveu uma escravidão de fato. A cidade de Belém concentrou a maior parte da
população de ingênuos do Pará, cerca de 25%, e foi nas barras dos tribunais de Belém
que ocorreram centenas de autos de tutela durante os meses subquentes ao término da
escravidão. Denúncias de maus tratos, de abusos e violências foram comuns, os juízes
de órfãos ao mesmo tempo em que criticavam a permanência destes menores na
companhia dos ex-senhores de suas mães, não viam na família dos libertos uma família
apta a promover a educação moral e intelectual de seus filhos. Ao lado disso vemos uma
prática enraizada culturalmente a de se ter sob guarda menores filhos de famílias pobres
servindo de domésticas e outros tipos de tarefas, sob a bandeira de uma ação
benevolente.
A vivência da infância durante o século XIX possuiu uma gama de experiências
diversificadas de acordo com os marcadores sociais; pretos, pardos, índios, brancos,
desvalidos, escravos, ingênuos e libertos estiveram sujeitos a projetos de construção e
progresso da nação. Tais projetos foram contextuais e ao mesmo tempo em que
debatiam uma questão mais ampla; a de se direcionar a educação para a formação da
mão de obra diante do processo de transição do trabalho escravo para o livre.
Se ao lado dos ingênuos existiam os indígenas e os filhos de migrantes cearenses
enquanto elementos a quem foram direcionadas as políticas de educação no final do
século XIX no Pará e Brasil, coube aos ingênuos marcar o momento de inflexão na
questão da educação popular. Foi em virtude da Lei de 1871 que se processaram debates
sobre a educação oficiosa para os menores desvalidos não se tornarem um problema
social.
Educação apresenta-se como uma das faces da liberdade. Em 1889 uma comissão de
libertos que enviaram uma carta a Rui Barbosa reivindicavam educação e instrução para
os seus filhos os ingênuos.286 As transformações no campo da economia assim como as
hierarquias construídas no regime escravista marcaram de forma incisiva a essa relação
entre liberdade (mesmo que tutelada) e educação.
O conto do literato paraense Marques de Carvalho publicado em uma edição especial
do jornal a Província do Pará em comemoração ao aniversário da abolição sobre a
ingênua Isaura destaca muito bem essa relação entre escravidão, liberdade e educação,
Isaura fora levada pelo senhor de sua mãe escrava Josepha; Isaura aprendeu a ler e a
286
GOMES, Flavio dos Santos. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro : Jorge Zahar, Ed. 2005. p.
10.
151
escrever e foi presenteada com uma “pena d’ouro” com a qual escreveu uma carta para
sua mãe em Belém que ao receber passou a estudar para que um dia pudesse ler ela
mesma a carta da sua filha.
O conto de Marques de Carvalho escrito e publicado no contexto do fim da
escravidão aponta a atitude do senhor de Josepha; ao levar a sua filha como uma atitude
de benevolência, ao tirar das trevas da ignorância a ingênua Isaura, instruí-la e levá-la
para o máximo da civilização na época, Paris. Marques de Carvalho talvez inspirado na
obra de Bernardo de Guimarães “A escrava Isaura”(1875), construiu uma Isaura nos
moldes da Isaura de Bernardo de Guimarães, que embora não fosse branca, fosse
mulatinha, era querida pela família de sua mãe, aprendeu a ler e a escrever e por estar
em Paris, podemos inferir que estava aprendendo francês, uma educação de pessoa
“branca”. No entanto, sabemos depois de tantas páginas que a educação direcionada
para essa parcela da população teve objetivos bem claros, não se tratou de instruí-los
nas letras, e sim de torná-los trabalhadores, domésticas, operários, agricultores e
artífices.
A experiência de liberdade vivida pelos ingênuos após a Lei do Ventre Livre foi
marcada por experiências próprias do mundo da escravidão e do mundo do trabalho
infantil de menores livres. A questão do destino a ser dado aos ingênuos tanto pós 1879,
quanto após os primeiros dois anos que seguiram Lei Áurea, alargaram-se para a
questão da infância desvalida. Após 1879 a questão parecia estar resolvida quando
constatou-se que pouquíssimos proprietários de escravos abriram mão da tutela
automática sobre o ingênuo. Já
no período posterior ao término da escravidão,
marcadores sociais e identidades vinculadas à memória do mundo escravista passam a
perder qualquer sentido, e novamente os outrora ingênuos se “misturam” aos “menores
desvalidos, moleques e vadios”. Em 1893 foi criado em Belém a Associação Protetora
da Infância momento que também fora fundado o Orfanato Municipal de Belém, o que
marca a implementação efetiva de novas políticas voltadas para a questão da infância
desamparada.
A história da escravidão possui muitas dimensões, assim como a historia da
liberdade e cidadania da população Negra. Aos ingênuos a cidadania concedida com a
lei do Ventre Livre foi muitas vezes inexistente o que não significou a ausência de
projetos políticos voltados para os mesmos.
152
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153
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A Voz do Caixeiro: 1890-1891.
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http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/par%C3%A1
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial na primeira sessão da 17.a legislatura
pelo quarto vice-presidente, dr. Abel Graça. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1870.
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial na segunda sessão da 17.a legislatura
pelo dr. Abel Graça, presidente da província. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1871.
154
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial na primeira sessão da 18.a legislatura
em 15 de fevereiro de 1872 pelo presidente da província, dr. Abel Graça. Pará, Typ. do Diário
do Gram-Pará, 1872.
Relatório apresentado á Assembleia legislativa Provincial na primeira sessão da 18º legislatura
em 15 de fevereiro de 1872 pelo presidente Dr. Abel Graça.
Relatório com que excelentíssimo senhor Barão de Santarém, 2.o vice-presidente da Província
passou a administração da mesma ao excelentíssimo senhor doutor Domingos José da Cunha
Junior em 18 de abril de 1873. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1873.
Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor Domingos José da Cunha Junior passou a
administração da Província do Pará ao 3.o vice-presidente, o excelentíssimo senhor doutor
Guilherme Francisco Cruz em 31 de dezembro de 1873. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará,
1873.
Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor Domingos José da Cunha Junior, presidente
da Província, abriu a 2.a sessão da 18.a legislatura da Assembleia Legislativa Provincial em 1.o
de julho de 1873. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1873.
Relatório apresentado a Assembleia Legislativa Provincial na primeira sessão da 19.a legislatura
pelo presidente da Província do Pará, excelentíssimo senhor doutor Pedro Vicente de Azevedo,
em 15 de fevereiro de 1874. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1874.
Relatório apresentado ao Exm. Sr. Dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides pelo Exm. Sr.
Dr. Pedro Vicente de Azevedo, por ocasião de passar-lhe a administração da Província do Pará,
no dia 17 de janeiro de 1875. Pará, [Typ. de F.C. Rhossard], 1875.
Relatório com que o excelentíssimo senhor doutor Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides,
presidente da Província, abriu a 2.a sessão da 19.a legislatura da Assembleia Legislativa
Provincial no dia 15 de fevereiro de 1875. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará, 1875.
Relatório apresentado pelo Exm. Sr. Dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides, presidente
da Província do Pará, á Assembleia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da
20.a legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876.
Relatório com que o Exm. Sr. presidente da Província do Pará, Dr. Francisco Maria Corrêa de
Sá e Benevides, entregou a administração da mesma ao Exm. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira
de Mello Filho em 18 de julho de 1876. Pará, Typ. do Diário do Gram-Pará, 1876.
Fala com que o Exm. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abril a 2.a sessão da 20.a
legislatura da Assembleia Legislativa da Província do Pará em 15 de fevereiro de 1877. Pará,
Typ. do Livro do Comercio, 1877.
Fala com que o Exm. Sr. Dr. José Joaquim do Carmo abril a 1.a sessão da 21.a legislatura da
Assembleia Legislativa da Província do Pará em 22 de abril de 1878. Pará, Typ. da "Província
do Pará," 1878.
Relatório com que ao Exm. sr. dr. José da Gama Malcher, 1.o vice-presidente, passou a
administração da Província do Pará o exm. Sr. dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho em
9 de março de 1878. Pará, Typ. Guttemberg, 1878.
155
Fala com que o excelentíssimo senhor doutor José Coelho da Gama e Abreu, presidente da
Província, abriu a 2.a sessão da 21.a legislatura da Assembleia Legislativa da Província do
Gram-Pará, em 16 de junho de 1879. Pará, 1879.
Relatório apresentado pelo excelentíssimo senhor doutor José Coelho da Gama e Abreu,
presidente da Província, á Assembleia Legislativa Provincial do Pará, na sua 1.a sessão da 22.a
legislatura, em 15 de fevereiro de 1880. Pará, 1880.
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial na 2.a sessão da 22.a legislatura em
15 de fevereiro de 1881 pelo Exm. Sr. Dr. José Coelho da Gama e Abreu. Pará, Typ. do Diário
de Noticias de Costa & Campbell, 1881.
Fala com que o Exm.o Sr. Dr. João José Pedrosa abril a 1.a sessão da 23.a legislatura da
Assembleia Legislativa da Província do Pará em 23 de abril de 1882. Pará, Typ. de Francisco da
Costa Junior, 1882.
Relatório com que o Exm. Sr. presidente, Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho, passou a
administração da Província ao exm. sr. 1.o vice-presidente, Dr. José da Gama Malcher. Pará,
Typ. do "Liberal do Pará," 1882.
Fala com que o Exm. Sr. general barão de Maracajú abriu a 2.a sessão da 23.a legislatura da
Assembleia Legislativa da Província do Pará em 15 de fevereiro de 1883. Pará, Typ. do Jornal
da Tarde, 1883.
Fala com que o Exm. Sr. general visconde de Maracajú presidente da Província do Pará,
pretendia abrir a sessão extraordinária da respectiva Assembleia no dia 7 de janeiro de 1884.
Pará, Diário de Noticias, 1884.
Relatório com que o Exm.o Sr. general visconde de Maracajú passou a administração da
Província ao 2.o vice-presidente, Exm.o Sr. dr. José de Araujo Roso Danin, no dia 24 de junho
de 1884. Pará, Typ. de Francisco da Costa Junior, 1884.
Fala com que o Exm. Sr. conselheiro Dr. João Silveira de Souza, presidente da Província do
Pará, abril a 2.a sessão da 24.a legislatura da Assembleia Provincial em 18 de abril de 1885.
Pará, Typ. da Gazeta de Noticias, 1885.
Relatório que ao Exm. Sr. Dr. João Lourenço Paes de Souza, 1.o vice-presidente da Província
do Gram-Pará, apresentou o Exm. Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho ao passar-lhe a
administração em 16 de setembro de 1885. Pará, Typ. de Francisco de Costa Junior, 1885.
Fala com que o Exm. Sr. conselheiro Tristão de Alencar Araripe, presidente da Província do
Pará, abriu a 1.a sessão da 25.a legislatura da Assembleia Provincial no dia 25 de março de
1886. Belém, Typ. do "Diário de Noticias," 1886.
Fala com que o Exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o vice-presidente da
Província do Pará, abril a 2.a sessão da 25.a legislatura da Assembleia Provincial em 20 de
outubro de 1887. Pará, Typ. do Diário de Noticias, 1887.
Relatório com que o Exm. Sr. desembargador Joaquim da Costa Barradas passou a
administração da província ao Exm. Sr. conselheiro coronel Francisco José Cardoso Junior.
Pará, Typ. do Diário de Noticias, 1887.
156
Fala com que o Exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, primeiro vice-presidente
da província do Pará, abril a 1.a sessão da 26.a legislatura da Assembleia Provincial no dia 4 de
março de 1888. Pará, Typ. do "Diário de Noticias," 1888.
Relatório com que o Exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1.o vice-presidente,
passou a administração da Província, no dia 6 de maio de 1888 ao Exm. Sr. Dr. Miguel J. de
Almeida Pernambuco, nomeado por carta imperial de 24 de março ultimo. Pará, Typ. do Diário
de Noticias, 1888.
Fala com que o Exm.o Snr. d.r Miguel José d'Almeida Pernambuco, presidente da província,
abriu a 2.a sessão da 26.a legislatura da Assembleia Legislativa Provincial do Pará em 2 de
fevereiro de 1889. Pará, Typ. de A.F. da Costa, 1889.
Relatório de Presidente de província do Pará Jose Miguel Almeida Pernambuco, 1889.
.
OUTRAS:
Ordenações Fillipinas Livro 4, titulo 102.
Ver site: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4p1003.htm
Decreto-Lei Estadual n.º 2.972, de 31-03-1938, o distrito de Caratateua perdeu a categoria de
distrito, passando a pertencer ao distrito de Pinheiro, município de Belém. Dado retirado de:
http://cidades.ibge.gov.br/
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164
Anexos.
1.
CLUB 13 DE MAIO
Sessão magna de distribuição de prêmios aos alunos da “Escola de Artes e Ofícios”
(A Província do Pará, 29 de novembro de 1888)
As 7 ½ horas da noite, no edifício da Escola de Artes e Ofícios, presentes a sua exc. O
Sr. Dr. Pernambuco presidente da província e presidente honorário do Club. Os srs.
Diretores da instrução publica, arsenal de guerra, colégio Americano, Parthernon do
Norte e Atheneu Paraense, a imprensa representada pelos redatores d’ A Província do
Pará e o Jornal das Novidades, diversas comissões: do Club Republicano, associações
beneficentes Harmonia e Fraternidade, Firmeza e Humanidade, a diretoria da Imperial
Sociedade Artística, diversas pessoas grandes de nossa sociedade, diversas famílias e
sócios do club Drs. Américo Santa Rosa, José Agostinho dos Reis, capitão tenente José
Antonio de Oliveira Freitas, Cícero da Costa Aguiar, Francisco José Monteiro, José
Antonio de Sampaio, José Xavier Ferreira, Manuel Pedro e 1º tenente Manuel Ignácio
da Cunha; s. exc. O Sr. Presidente abriu a sessão.
Tendo faltado por motivo de moléstia o Sr. Presidente do club Antonio José de Pinho, o
tenente Cunha tomou a palavra e depois de agradecer as pessoas presentes o seu
concurso nesta festa, Leo o relatório apresentado pela diretoria.
Foi lido o resultado dos exames e fez se a distribuição de prêmios na ordem seguinte:
AULA DE 1ª LETRAS: - prêmios de conduta – Aristides Campelo ( carpinteiro) e
Antonio Lourenço Bahia ( carregador ); prêmios de aproveitamento – Sabino Antonio
da Silva ( carpinteiro da Oficina de Manoel Pedro & Cª ) e Sebastião de Miranda
(português, carpinteiro) ; 1° prêmio de honra – ( KRMESE REDENTORA) cedido pela
associação beneficente Harmonia e Fraternidade, Ludgero Ferreira do Nascimento
(carpinteiro); 2º prêmio de honra- cedido pelo dr. Raymundo Nina Ribeiro, Manuel
Antonio Seabra ( carpinteiro da oficina de Manuel Pedro & Cª).
Nesta ocasião o “Jornal das Novidades” ofereceu um premio ao aluno de maior
aproveitamento e coube a Ludgero Ferreira do nascimento.
3ª classe – 2ª prêmios- Jose Alves Pereira ( aprendiz na companhia de Artefatos
Metálicos) e Bartolomeu Brasil ( aprendiz idem, idem); 3ª prêmios – Mauricio Ferreira
e Raimundo Estevão Ferreira ( aprendiz da oficina de Manuel Pedro & e Cª); 2ª classe –
1º premio Manuel Antonio Seabra ( aprendiz da oficina de Manuel Pedro & Cª); 2ª
prêmios- Cypriano Ferreira da Silva e José Sant’Anna Pinheiro.
Na 1ª classe foram distribuídos prêmios de animação aos alunos:
Veríssimo Dantas ( criado), Alexandre da Luz (aprendiz carpinteiro), Aniceto Lopes
(idem de pedreiro), Evaristo Salvador da Pátria (criado), Procópio Bocayuva (aprendiz
Raimundo Paes dos Santos ( idem marceneiro), João M. Pinto Moreira (idem, idem),
165
Manuel J. Rodrigues (idem, idem), Antonio Jose de Carvalho e José Francisco Xavier
(aprendiz da Companhia do Amazonas).
AULA DE DESENHO LINEAR – 1º PREMIO – ( D. Augusta de Assis) cedido pela
associação beneficiente “ Harmonia e Fraternidade”, Manuel de Deus Matta (carpinteiro
do arsenal de marinha); 2º prêmios – Bartholomeu Gomes da Costa (idem, idem) e
Francisco Santos Bertholdo ( marceneiro das oficinas de Carlos Vianna & Cª).
AULA DE GEOMETRIA APLICADA AS ARTES - 1º premio – oferecido pelo “Club
Republicano”, Hilário de Melo Ribeiro (marceneiro das oficinas de Carlos Vianna &
Cª); 2ª premio- oferecido pelo senhor Cirne Lima, Armando Velhote ( operariado das
oficinas de Manuel Pedro & Cª).
Dada a palavra ao orador do club dr. Américo Santa Rosa, este expos a utilidade das
Escolas de Artes e Ofícios, franqueadas ao povo, mostrando o desenvolvimento que tem
tido esta, criada pelo club, e terminou agradecendo as pessoas e associações que tem
concorrido para a sustentação da mesma escola.
S. exc. O Sr. Presidente de província, ao encerrar a cessão, dirigiu a animação aos
sócios e disse: - “orgulhar-se de ter dirigido os primeiros trabalhos do club, na
inauguração da escola e hoje, por apreciar os resultados obtidos, pequenos na verdade,
porém que Constancia e dedicação poderão tornar-se grandes, e que comprometia-se a
fazer tudo ao seu alcance para o engrandecimento de tão útil idéia”.Encerrou-se a cessão as 9 ½.
2.
RELATÓRIO APRESENTADO Á PRESIDENCIA PELA COMISSÃO ENCARREGADA DE
VERIFICAR SE EXISTEM NESTA PROVINCIA ELEMENTOS PARA FUNDAÇÃO DE
ASSOCIAÇÕES DESTINADAS A CRIAR E EDUCAR OS FILHOS LIVRES DE MULHER
ESCRAVA, NASCIDOS DESDE A PROMULGAÇÃO DA LEI N. 2040 DE 28 DE
SETMBRO DE 1871.
Pará, 19 de setembro de 1877.
ILLm. e Exm. Sr. , - Em devido tempo nos temos reunidos em comissão com o fim de dar
cumprimento no encargo que V. Exc. se dignou confiar-nos, qual o de informarmos a essa
presidência, se nesta província existem elementos para fundação de associações destinadas a
criar e educar filhos de escravas nascidos desde a promulgação da lei n. 2040 de 28 de
setembro de 1871, que forem cedidos ou abandonados pelos senhores das escravas ou forem
tiradas do poder destes em virtude o §6º do art. 1º da mesma lei.
Tomando por ponto de partida a existência de tais elementos, não devemos ocultar a V. exc.
melhor que nós as pode avaliar, dificilmente se organizarão tais associações. Todavia convém e
devemos tenta-las levar a efeito, visto como deles depende o cumprimento salutar daquela lei,
que dando liberdade as gerações procedentes de ventre escravo, cuidou ao mesmo tempo de os
prepararem para bem ocuparem o lugar que na sociedade lhes é destinado.
É preciso não perder de vista que os filhos de mulher escrava que vão entrar no gozo dos
benefícios a que da-lhes direito a lei de 28 de setembro, destinam-se, principalmente ao
emprego na lavoura, das artes e dos ofícios, devendo previamente, receber uma boa e
166
compatível educação e instrução. As associações de que se trata tem sobre tudo por fim
promover essa instrução e educação, antes quais não devem, nem podem auferir vantagem
alguma, e mais seria menos difícil de conseguir.
Para os menores destinados as artes e ofícios, possuímos nesta capital diversos estabelecimentos
públicos e particulares que não farão questão de recebe-los, uma vez que lhes sejam prometidas
algumas vantagens, e outro tanto podemos dizer também acerca dos que destinam á lavoura,
bem que, quanto a estes, em vista do atraso em que ela se acha, dada á ruína, terão eles apenas
um fraco meio de subsistência.
Mas quer a respeito de uns quer a respeito de outros, a associação ou associações querendo
mesmo se incumbirem, antes que lhes deem qualquer emprego ou ocupação, tem que cuidado na
educação. Os estabelecimentos públicos e particulares para artes e ofícios, que possuímos e que
para o futuro venham a ser criados, mediante auxilio pecuniário prestado pelos cofres do estado,
podem ter internatos nos quais se consigam satisfazer o fim da lei, mas os estabelecimentos
rurais, ao menos nestes anos mais próximos, não é de supor que possam vir a te-los.
As dificuldades que assinalamos, quanto as crianças do sexo masculino, são sobre maneira
maiores em relação ao sexo feminino.
Um estabelecimento modelado pelo Colégio do Amparo, segundo as vistas de seu instituidor,
preencheria perfeitamente o fim que desejamos coseguir, e é de imprescindível necessidade de
que dele cuide a associação que tomar o encargo da lei. Tendo manifestado V. exc. os
embaraços que vão opor-se nesta província, ao menos a execução de um dos pontos mais
importantes da lei de 28 de setembro, vamos também manifestar nossa opinião quanto aos
meios de os vencer.
Recorremos aos sentimentos filantrópicos e humanitários dos habitantes desta província e ao
mesmo tempo prometendo-lhes algumas vantagens que tornem menos pesado o sacrifício,
estamos convencidos que v. exc. com o prestigio que justamente goza, pode conseguir formar
uma ou mais associações que se proponham a criar e educar os filhos de escravos, cujos
senhores os abandonarem, uma vez que o governo geral o habilite a subvencionar tais
associações, segundo as proporções que elas tiveram, além das vantagens que a lei garante dos
serviços prestados pelos ingênuos até a idade de 21 anos.
Tais são exm. Sr. as informações que podemos prestar em desempenho da comissão de que nos
encarregou V. Exc. com as quais tendo-se conformado o membro Dr. Joaquim José de Assis,
deixa este de ir por ele assinado por se achar ausente.
Digne-se v. exc. de aceitar os protestos de nosso respeito e distinta consideração. – deus guarde
a v. exc.
- Illm. e exm. Dr. João Capistrano Bandeira de Melo Filho, D. Presidente desta província. –
Guilherme Francisco Cruz. – Antonio Gonçalves Nunes. – Manoel Roque Jorge Ribeiro. –
Antonio José de Sousa Dillon.
3.
OFICIO DA PRESIDENCIA A PROVINCIA AO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
ENVIANDO RELATÓRIO ACIMA.
n. 141 – 4º seção. – Palácio da presidência da província do Pará. –
Belém, 5 de outubro de 1877.
Illm. e Exc. Sr. – Afim de satisfazer o que v. exc. exigiu em aviso de 24 de maio ultimo, julguei
conveniente nomear uma comissão de pessoas habilitadas e que tomam verdadeiro interesse
167
pelas coisas públicas, para que me informassem de há nesta província elementos para fundar
associações destinadas a criar e educar, mediante as obrigações a vantagens instituídas no art. 2º
da lei n. 2040 de28 de setembro de 1871, os menores filhos livres da mulher escrava, cujos
serviços sejão dispensados pelos senhores das mães, nos prazos marcados na citada lei.
Transmito a v. exc. em original, a informação que foi ministrada pela mencionada comissão e
aderindo plenamente ás suas reflexões e meios por ela indicados para consecução daquele
humanitário fim, peço permissão á v, exc. para lembrar a conveniência de, a exemplo do que
foi feito para a província do Piauhy, relativamente aos escravos da Nação, ser fundado em uma
das fazendas nacionais sitas na ilha do Marajó, um estabelecimento agrícola onde, sob
conveniente direção, sejam educados os menores filhos livres de mulher escrava. Há naquela
ilha algumas fazendas nacionais onde é exercida a industria pastoril, porém sem methodo e
ainda segundo o sistema primitivo e rotineiro.
Estão ai no serviço das mesmas fazendas muitos libertos da Nação, os quais não obstante estar
findo o quinquênio marcado na citada lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871, não desejam daí
ausentar-se.
Com esses braços e mediante algum auxilio dos cofres gerais, reunindo ao produto da venda dos
gados e havendo regular direção com facilidade e bom êxito seria possivel manter um
estabelecimento sob bases modestas, porém suficientes para o preenchimento do fim a que me
tenho referido. Consta-me mesmo que a pessoa habilitada que se propõem a tormar a si a
direção de um estabelecimento de semelhante ordem, se lhe forem concedidas algumas
vantagens remuneratórias de seu trabalho.
No meu humilde conceito é preferível aproveitar, ao menos como ensaio, as fazendas nacionais
para estabelecimentos, onde se criem e eduquem para a vida agrícola os filhos livres de mulher
escrava, do que continuarem elas no pé em que se acham, dando constantes déficits ou a vendelas conforme acaba o governo imperial de ser autorizado, porquanto, neste ultimo caso serão
mui grandes os prejuízos com a venda das mesmas, atentas diferentes circunstancias, entre elas
sobreleva o avultado dispêndio com a demarcação e divisão das referidas fazendas, o que é
necessário para mais facilmente haver compradores.
Apresentando a v. exc. estas considerações, é meu intuito, correspondendo ao elevando
pensamento da humanitária lei n. 2040 de 28 de setembro de 1871, facilitar ao governo imperial
os meios de levar a efeito a educação dos menores filhos de escrava deles numa população
laboriosa e apta para a vida agrícola e da qual infelizmente, há tanta carência nesta tão vasta
quão fecunda região. – Deus guarde a v. exc. – Illm. e exm. Sr. conselheiro Thomaz José
Coelho de Almeida, ministro e secretário de Estados dos negócios e obras públicas. – o
presidente. – João Capistrano Bandeira de Mello Filho