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Scientia Chromatographica 2014; 6(3):205-211 Instituto Internacional de Cromatografia http://dx.doi.org/10.4322/sc.2015.006 ISSN 1984-4433 MULTIDIMENSIONAL Cromatografia em fluxo turbulento (TFC) Turbulent flow chromatography (TFC) Fernando M. Lanças* Universidade de São Paulo Instituto de Química de São Carlos 13560-970 São Carlos (SP) – Brasil *[email protected] Recebido: 30/11/2014 Aceito: 30/12/2014 Resumo A cromatografia é uma técnica de separação baseada na partição dos analitos entre duas fases: uma fase que permanence estanque durante o processo (fase estacionária) e outra que percola através dela (fase móvel). Dependendo do estado físico da fase móvel a técnica tem sido classificada em cromatografia gasosa (GC), cromatografia líquida (LC) ou cromatografia com fluido supercrítico (SFC). Entretanto, esta classificação tem sido ampliada mais recentemente para incluir subdivisões. Assim, a cromatografia líquida possui hoje várias sub-divisões, incluindo: cromatografia líquida em pressões ultra-elevadas (U-HPLC); cromatografia líquida com fluidez aumentada (EFLC); cromatografia de transição de fase; cromatografia em fluxo turbulento (TFC) e outras. Esta última, TFC, baseia-se no uso de fluxos ou vazões elevadas (tipicamente 4 a 6 mL/min) em colunas contendo partículas de diâmetro considerado grande para os padrões atuais da LC (30-60 µm). Nestas condições, a fase móvel não apresenta um fluxo laminar como usualmente em LC mas sim um fluxo turbulento o qual leva a formação de uma turbulência na coluna com a consequente transferência de massa através dos canais e a difusão dos analitos nos poros das partículas da fase estacionária. Esta condição tem se mostrado bastante eficiente no preparo de amostras, especialmente na área de bioanálises. A TFC tem sido utilizada com sucesso em um arranjo bidimensional no qual a primeira coluna, operando em fluxo turbulento, é empregada para a etapa de preparo de amostras, enquanto que a segunda é empregada como coluna analítica e recebe a amostra tratada na primeira coluna através de uma válvula de comutação de colunas. Este trabalho apresenta uma descrição das principais características da Cromatografia em Fluxo Turbulento (TFC), a instrumentação típica utilizada na mesma e uma relação dos trabalhos publicados nos últimos 10 anos na área para o leitor interessado em mais informações a respeito da técnica. Palavras-chave: fluxo turbulento; cromatografia líquida, HPLC, multidimensional. Abstract Chromatography is a separation technique based on the partition of the analytes into two phases: one phase remains still during the process (stationary phase) while the other phase percolate through it transporting the compounds under analyzes. Depending upon the physical state of the mobile phase the technique has presented the following classification: gas chromatography (GC); liquid chromatography (LC); and supercritical fluid chromatography (SFC). In fact, this classical procedure has been recently modified to include several sub-divisions. In the case of liquid chromatography, as an example, the sub-divisions includes terms such as ultra high pressure liquid chromatography (U-HPLC); enhanced-fluidity liquid chromatography (EFLC); transition phase chromatography; turbulent flow chromatography (TFC), Scientia Chromatographica 2014; 6(3) 205 Lanças FM Cromatografia em fluxo turbulento among others. In the late case, TFC, the technique is based upon the utilization of high flow rates (typically 4-6mL/min) and columns packed with particles considered large (30-60 µm) for the present LC standards. Under these conditions, the mobile phase does not exhibit a laminar flow as in standard LC but instead a turbulent flow that leads to the formation of eddies thus promoting cross-channel mass transfer and the diffusion of the analytes into the stationary phase particle pores. These conditions have shown to be efficient for sample preparation, particularly in the bioanalysis arena. TFC has been successfully employed in a bi-dimensional set-up in which the first columns operating under turbulent flow conditions is employed for sample preparation and the second (analytical column) receives the treated sample coming from the first column through a switching valve. In the present work a description of the main characteristics of the turbulent flow chromatography (TFC) is presented, followed by the presentation of the typical instrumentation utilized and a list of the papers published in the last 10 years employing this technique. Keywords: turbulent flow; liquid chromatography; HPLC; multidimensional. 1. Introdução A cromatografia líquida moderna (HPLC) é uma técnica analítica madura e que encontra aplicações analíticas em vários setores da sociedade, especialmente na análise de amostras biológicas (tais como plasma, urina, sangue, dentre outras); alimentos de origem animal e vegetal; e meio ambiente [1]. Apresenta várias classificações, de acordo com as dimensões da coluna (capilar, preparativa, analítica), forma de colocação da fase no interior do tubo (empacotada, tubular aberta ou monolítica), pressão (LC, HPLC, U-HPLC) e outros [2-4]. Como nos demais modos cromatográficos, o fluxo (vazão) da fase móvel é um importante parâmetro que comanda a eficiência e o tempo de separação em HPLC. Apesar de que nas condições usuais em que a fase móvel é empregada em HPLC – tipicamente ao redor de 1 mL/min – o perfil do fluxo é laminar, em fluxos mais elevados - como 4 a 5 mL/min - empregando partículas de diâmetros maiores – tais como 40 a 60 mícrons - na fase estacionária, o fluxo se torna turbulento (Figura 1). A modalidade cromatográfica que emprega fluxos turbulentos como fase móvel, tem sido denominada cromatografia em fluxo turbulento (TFC). Os primeiros registros sobre a definição de fluxo turbulento são atribuidos a Reynolds [5], o qual propos que o fluxo de um fluido através de um tubo torna-se turbulento quando o momento (quantidade de 206 movimento) do fluido excede sua resistência em fluir por um fator entre 2.000 e 3.000. O número de Reynolds, Re, o qual relaciona essas grandezas é dado por (Eq.1): Re = onde: υ ρ D f η (Eq.1) u = momento (massa/velocidade); r = densidade do fluido; Df = diâmetro do tubo; h = viscosidade do fluido. No caso de uma coluna cromatográfica empacotada com partículas da fase estacionária, o tamanho das partículas também precisa ser considerado. Uma vez que os espaços existentes entre as partículas é proporcional ao tamanho médio das mesmas (dp) as colunas empacotadas com partículas maiores irão reter uma quantidade de fase móvel maior do que partículas menores. O número de Reynolds para colunas empacotadas, levando em consideração a porosidade externa das partículas (e0 ) é dado por (Eq.2): , Re = Vp d p η ε0 (Eq. 2) Scientia Chromatographica 2014; 6(3):205-211 Cromatografia em fluxo turbulento Lanças FM (a) (b) Figura 1. Perfil de um fluxo laminar versus o de um fluxo turbulento. De acordo com esta equação, a turbulência em cromatografia é favorecida com o uso de partículas maiores (maior dp). Atualmente, na cromatografia em fluxo turbulento (TFC) as partículas típicas apresentam diâmetro médio entre 30 a 60 um, ao invés de 3 a 5 µm como as utilizadas em HPLC ou inferiors a 2 um utilizadas em U-HPLC [3,4]. Pelo fato de empregarem partículas menores, as colunas utilizadas na cromatografia em fluxo turbulento (TFC) apresentam menor eficiência (N, número de pratos) do que as empregadas em HPLC e U-HPLC, servindo em um método analítico mais como uma etapa de preparo de amostras do que propriamente para o isolamento e quantificação do analito de interesse presente em amostras complexas. 2. Instrumentação Apesar de fluxos turbulentos terem sido empregados inicialmente em cromatografia gasosa, e existirem algumas aplicações na cromatografia com fluido supercrítico, atualmente a grande maioria das publicações estão no nicho da cromatografia líquida. Considerando a menor eficiência das colunas TFC em relação às de HPLC e U-HPLC, apesar desta técnica poder ser empregada com apenas uma coluna o enfoque mais usual atualmente é o emprego de uma coluna TFC em linha com uma de HPLC, em um arranjo do tipo bi-dimensional (2D) (Figura 2). Na maioria das aplicações da TFC amostras biológicas são injetadas diretamente, sem prévia extração ou outro prétratamento, em uma coluna empacotada com partículas de tamanho maior – tipicamente entre 30 e 60 um – as quais operam em fluxos (vazões) superiors a 2 mL/min, gerando fluxos turbulentos. Como no caso de amostras biológicas a fase móvel, nesta etapa, é constituida de tampões aquosos, as moléculas dos analitos pequenos são retidas através de processos de difusão nos poros da fase estacionária, enquanto que o material proteico é removido e direcionada para o descarte (Fig. 2a). Após a remoção dos compostos de interesse da matriz para a coluna TFC eles são eluidos dela para a coluna analítica com um volume de solvente armazenado em uma alça (“loop”) instalada na primeira válvula (a da esquerda na Fig. 2), com auxílio de uma bomba operando em fluxos bastante inferiores aos empregados anteriormente. De forma a evitar alargamento da banda, os analitos são agora focalizados na forma de uma banda estreita na cabeça da coluna de HPLC (Fig.2b). Concluida esta etapa de focalização, através de um giro de válvula as colunas são isoladas e a coluna turbo é lavada e a alça preparada para a próxima etapa; enquanto isso a análise na segunda coluna é realizada usualmente com detecção por espectrometria de massas (MS). Scientia Chromatographica 2014; 6(3):205-211207 Lanças FM Cromatografia em fluxo turbulento analitos presentes em baixas concentrações em um meio complexo. Atualmente a técnica que emprega uma coluna de fluxo turbulento acoplada em linha com HPLC para a separação dos componentes de interesse e a análise qualitativa e quantitiva dos mesmos por espectrometria de massas em tandem, tem sido referida na literatura de forma simplificada como TFC-MS/MS. 3. Aplicações Figura 2. Posição das válvulas de comutação emu ma montage típica empregada para Cromatografia em Fluxo Turbulento (TFC) bidimensional. A figura superior ilustra o arranjo das válvulas quando a amostra está no modo carga, enquanto que a figura inferior mostra o arranjo no modo transferência. As primeiras colunas comercializadas para TFC apresentavam tamanho médio de particulas ao redor de 40 a 60 um, empacotadas em tubos de 5cm x 1 mm, e operavam em fluxos ao redor de 4 mL/min. A tendência atual consiste na diminuição do diâmetro interno da coluna para 0,5 mm, possibilitando atingir-se fluxos turbulentos operando a fase móvel ao redor de 1,5 mL/min. Um grande número de fases estacionárias para TFC, tanto baseadas em sílica quanto em polímeros sintéticos, é atualmente disponível comercialmente, possibilitando uma ampla seleção em função dos analitos de interesse. Apesar de que em princípio qualquer detector de cromatografia liquida pode ser usado com a técnica, a escolha tem recaido quase que exclusivamente sobre a espectrometria de massas (MS ou MS/MS), devido à complexidade das amostras analisadas pela técnica e a necessidade de informações qualitativas a respeito de 208 Apesar do fluxo turbulento ser conhecido e estudado há mais de 100 anos [5] e haver sido discutido por vários pesquisadores na segunda metade do século XX [6-13], especialmente em seus aspectos teóricos, a técnica começou a despertar maior atenção como uma ferramente analítica prática somente após o trabalho de Quinn e colaboradores [14,15] envolvendo o acoplamento em linha entre a cromatografia em fluxo turbulento e a espectrometria de massas. Esses pesquisadores observaram que seriam capazes de separar moléculas pequenas de macromoléculas empregando uma coluna com tamanho de partículas e diâmetro interno apropriados, operando em fluxos elevados. As moléculas menores eram retidas na fase estacionária devido a seu coeficiente de transferência de massa elevado, e as macromoléculas não conseguiriam difundir dentro dos poros da fase estacionária devido ao elevado fluxo, sendo eliminadas para o descarte. No caso de amostras biológicas, onde a principal fonte de interferentes da matriz é a grande quantidade de proteinas, sua eliminação da presença dos analitos de interesse é uma das principais etapas de métodos analíticos “on-line”. Os principais trabalhos referentes ao uso de cromatografia em fluxo turbulento publicados nos últimos 10 anos (2005-2014), encontra-se nas referencias 16 a 79. Grande parte destas aplicações encontra-se nas áreas de fluidos biológicos, resíduos de pesticidas e medicamentos veterinários em alimentos, e contaminantes em amostras ambientais. Scientia Chromatographica 2014; 6(3):205-211 Cromatografia em fluxo turbulento 4. Conclusões A cromatografia em fluxo turbulento (TFC) é uma variante das várias técnicas existentes com o objetivo de empregar duas dimensões acopladas em linha (on-line), também denominadas de cromatografia bi-dimensional (2D) ou, frequentemente, multidimensional. Neste caso, na primeira dimensão procura-se efetuar o que tradicionalmente é denominado genericamente de preparo da amostra: eliminação dos interferentes da matriz, concentração dos analitos de interesse e operações similares. Para tal pode-se empregar uma pequena coluna de HPLC com diferentes fases e mecanismos (RAM, MIP, NP, SEC,…), uma micro-técnica de preparo de amostra como SPME, SBSE, MEPS, e outras, ou uma coluna normal de HPLC, formando com a segunda dimensão um sistema LC-LC ou LCxLC, dependendo da montagem e operação da instrumentação. Na presente mini revisão discutiu-se o emprego de uma coluna operando em fluxo turbulento, como primeira dimensão. Na segunda dimensão, geralmente emprega-se uma coluna analítica padrão, contendo fase estacionária que permite a separação do analito de interesse transferido Lanças FM da primeira para a segunda dimensão, através de uma válvula (por isso às vezes este enfoque é também denominado de “column switching”, além de 2D). O uso deste arranjo, com uma coluna operando em fluxo turbulento na primeira dimensão, apresenta características importantes cujas vantagens podem ser exploradas a favor do analista. Uma das principais vantagens é o fato de permitir a eliminação do sistema de “clean up” das amostras, usualmente demorado, tedioso, sujeito a erros, e caro. Permite ainda um aumento da produtividade, através da automatização, e uma redução no uso de solventes sem perda da sensibilidade analítica. Frequentemente, também permite uma redução considerável no volume de amostra, e uma diminuição na degradação dos analitos de interesse pelo menor tempo de permanência dos mesmos no sistema. Considerando os fatores a favor e contra, a TFC apresenta-se como uma alternativa bastante interessante e viável para a automatização de análises em matrizes complexas, como as de natureza biológica, sem necessidade de etapas prévias de tratamento da amostra. Referências 1. Lanças, F. M., “Cromatografia Líquida Moderna”, Editora Átomo, Campinas, 2009. 2. Lanças, F.M., Scientia Chromatographica; 3(1), 17-23 (2011). DOI: 10.4322/sc.2011.002 ISSN 1984-4433 3. 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