Métodos de avaliação dos comportamentos de assimetria lateral
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Métodos de avaliação dos comportamentos de assimetria lateral
ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA (PP. 105-114) DAVID CATELA & JOÃO BARREIROS (EDS.) Métodos de avaliação dos comportamentos de assimetria lateral: medidas de preferência e medidas de performance Olga Vasconcelos, Paula Rodrigues Universidade do Porto, Faculdade de Desporto Resumo A avaliação dos comportamentos de assimetria lateral é uma questão complexa, no âmbito da qual devemos saber o que pretendemos avaliar e como o devemos fazer. Existem diferentes métodos, uns mais adequados para crianças, outros para adultos, quer ao nível da preferência, quer da performance. No primeiro caso, surgem três linhas metodológicas: a auto-definição, os questionários e as tarefas unilaterais. No segundo caso, contemplando os membros superiores e inferiores, temos os testes de performance (e.g., destreza, precisão, força). Qualquer destes métodos apresenta vantagens e limitações. Contudo, a assimetria lateral, sobretudo ao nível da mão, não deve ser predita a partir de apenas um único factor de medida, seja ele de preferência (pela subjectividade da auto-definição, baseada na mão de escrita e por alguma subjectividade dos questionários e das tarefas unilaterais utilizadas), ou de performance (o membro mais proficiente não é necessariamente o preferido). Por outro lado, sobretudo na assimetria manual, coloca-se a questão de saber até que ponto as medidas de preferência e de performance são indicadoras de um factor comum ou dimensões separadas de um comportamento. Estas questões serão objecto de reflexão a partir das investigações mais recentes neste domínio. Palavras-chave Lateralidade; Preferência manual; Performance manual; Métodos de avaliação; Crianças. As assimetrias laterais, sobretudo ao nível dos membros e, especialmente, no que respeita aos membros superiores, são um aspecto fundamental do comportamento humano, desde as fases intra-uterinas do desenvolvimento. Como tal, na investigação sobre lateralidade, o primeiro passo para melhor compreender a aliciante faceta dos comportamentos de assimetria lateral consiste na sua avaliação. Esta questão tem uma longa história, sendo a notação escrita mais antiga, talvez, a da Bíblia (Judeus 20: 1516), referindo-se ao número de homens da tribo de Benjamim que usava a mão ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 105 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DE ASSIMETRIA LATERAL: MEDIDAS DE PREFERÊNCIA E MEDIDAS DE PERFORMANCE OLGA VASCONCELOS, PAULA RODRIGUES esquerda para lançar pedras com uma funda. Na avaliação desta tarefa unimanual, torna-se claro que a determinação da mão utilizada se baseia numa combinação da preferência e da performance manuais. A primeira medição formal da mão preferida foi feita por Sir Francis Galton, em 1884. Este estudioso do comportamento testou aproximadamente 7000 homens que visitavam uma exposição de saúde, utilizando como medida da preferência manual (PM) um teste de força, em que cada indivíduo pressionava o dinamómetro com uma mão de cada vez. A assimetria lateral, ao nível dos membros superiores e inferiores, não deve ser predita a partir de um único factor de medida, seja ele de preferência (pela subjectividade da auto-definição, baseada na mão de escrita e por alguma subjectividade dos questionários e das tarefas unilaterais), ou de performance (o membro mais proficiente não é necessariamente o preferido, sendo esta medida “incompleta” sem a informação da PM ou da preferência pedal). Por outro lado, sobretudo na literatura sobre assimetria manual, coloca-se a questão de saber até que ponto as medidas de preferência e de performance são indicadoras de um factor comum ou dimensões separadas de um comportamento. Enquanto uns autores argumentam que preferência e performance têm diferentes origens, com distribuições tipo bimodal para a mão preferida e tipo unimodal para a mão mais proficiente, outros referem que estes dois constructos estão algo correlacionados e que a preferência é determinada pela performance. Em relação às assimetrias visual e auditiva, a questão da avaliação, no presente trabalho, confinar-se-á ao domínio da preferência, já que o do desempenho (visuograma e audiograma, respectivamente) excede os seus contornos. Existem, assim, diferentes métodos de avaliação das assimetrias laterais, originando, como adiante veremos, variações nas populações estudadas pelos diversos autores, relativamente à frequência da preferência lateral esquerda e direita dos quatro índices (mão, pé, olho e ouvido). Métodos de avaliação da assimetria lateral Existem quatro métodos para avaliar a assimetria lateral: três relativos à preferência (a auto-definição, os questionários e as tarefas motoras unilaterais) e um respeitante à performance (os testes de performance). A auto-definição A auto-definição (“Considera-se direito ou esquerdo?”) é o método mais simples e mais antigo, mas também o mais incerto e o mais permeável, no caso da mão, à pressão sócio-cultural, pois os indivíduos respondem baseando-se na mão empregue para escrever. Actualmente, este critério começa a ser credível devido à ausência (ou quase ausência…) da pressão cultural no sentido da utilização da mão direita na ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 106 ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA (PP. 105-114) DAVID CATELA & JOÃO BARREIROS (EDS.) escrita. Contudo, apesar desta pressão ser cada vez menor nas sociedades ocidentais, em outras sociedades parece manter-se. Por exemplo, o estudo de Fagard & Dahmen (2004) verificou que, entre os 5 e os 9 anos, 16.7% das crianças Francesas usam a mão esquerda na escrita, em relação a 3.3% das crianças Tunisinas, e o estudo de Holder & Kateeba (2004) registou, em crianças Ugandesas entre os 4 e os 19 anos, 4.8% sinistrómanas na escrita. Estes autores citam vários estudos neste domínio, os quais verificaram, em crianças africanas de diversos países, percentagens de PM esquerda para a escrita na ordem dos 7.9% (De Agostini et al., 1997), dos 4.5% (Payne, 1981), dos 1% (Verhaegen & Ntumba, 1964) e dos 0.3% (Dawson, 1977 e Payne, 1987). Assim, apesar de a literatura recomendar que, acima dos 40 anos de idade, os sujeitos não deverão ser inquiridos sobre a sua PM com base apenas na mão usada na escrita, devido à pressão a que possam ter sido sujeitos no caso de pretenderem usar inicialmente a mão esquerda (Peters, 1998), pensamos que esta recomendação deverá ser extensível a todas as idades. Qualquer que seja a idade, os sujeitos deverão ser também avaliados através de questionários ou de tarefas motoras, pois mesmo nas sociedades mais ocidentais continua a verificar-se alguma pressão, mais em meios rurais do que em meios urbanos (Viviani, 2006). Este autor verificou, em crianças italianas entre os 5 e os 11 anos, que as do meio rural apresentavam percentagens significativamente inferiores de preferência manual esquerda (6.2%) relativamente às do meio urbano (20.1%). Em relação aos outros índices, ocorre uma situação idêntica no sentido da auto-definição (Que pé prefere? Que olho prefere? Que ouvido prefere?). O ouvido é, dos quatro índices, aquele que menos interesse apresenta quanto à direcção da sua preferência. Por um lado, é o que está menos associado aos outros três índices (Porac & Coren, 1981): as relações de preferência entre mão-olho (em actividades básicas como o agarrar, o lançar e o rebater, em actividades contextualizadas como o basquetebol, o andebol, o voleibol, o ténis, o tiro ou desportos de raquete), entre pé-olho (actividades básicas como o chutar e o receber, actividades contextualizadas como o futebol e o futsal) e entre mão-pé (actividades e desportos com e sem bola que impliquem esta relação), justificam estudos para a sua investigação, contrariamente à relação entre o ouvido e qualquer um dos outros índices. Por outro lado, o ouvido é um órgão propenso a infecções (e.g., as otites), sugerindo uma fraca credibilidade na resposta sobre o lado preferido, pois o indicado como tal pode não ser o preferido mas sim o que melhor ouve. Asssim, a auto-definição deve ser complementada com outras medidas de preferência e não é de todo indicada para crianças com idade inferior a 10 anos, pois apesar de a PM estar bem definida aos 3 anos, esta pode sofrer variações até cerca dos 8 ou 9 anos de idade (Erhardt, 2003), desaconselhando por conseguinte este método. ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 107 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DE ASSIMETRIA LATERAL: MEDIDAS DE PREFERÊNCIA E MEDIDAS DE PERFORMANCE OLGA VASCONCELOS, PAULA RODRIGUES Os questionários Os questionários são o método mais frequentemente utilizado entre sujeitos adultos. Neles, responde-se qual o lado preferido numa variedade de actividades, tais como desenhar, chutar uma bola, espreitar por um canudo ou ouvir o tic-tac de um relógio. Este método apresenta vantagens, como a facilidade de aplicação e a possibilidade de avaliar a preferência lateral (PL) em vastas amostras. Contudo, existem algumas desvantagens: (i) os questionários variam no número e tipo de itens seleccionados; (ii) é dado igual peso a cada item, apesar de não existir qualquer evidência de que eles sejam equivalentes: será mais significativo cortar com tesoura utilizando a mão esquerda do que distribuir cartas ou abrir uma caixa (Annett, 1970); (iii) a avaliação da preferência é afectada pela interpretação das categorias de resposta. Os vários questionários diferem nas possibilidades de resposta, quer no que respeita ao lado usado em cada item (e.g., uns questionários permitem “mão esquerda”, “mão direita” ou “qualquer delas”; outros apenas “mão esquerda” e “mão direita”) quer na frequência com que esse lado é utilizado (e.g., uns questionários não consideram a frequência de utilização relativamente ao lado escolhido; outros facultam as opções “sempre a mão esquerda”, “frequentemente a mão esquerda”, “qualquer delas”, “sempre a mão direita”, “frequentemente a mão direita”). Estas questões reflectem-se nas conclusões dos estudos, diferindo estes quanto à classificação dos indivíduos nos vários grupos de preferência (no caso da mão, uns estudos contemplam destrímanos e sinistrómanos; outros estudos, admitem destrímanos, sinistrómanos e ambidestros; outros ainda, consideram destrímanos consistentes, destrímanos moderados, sinistrómanos consistentes, sinistrómanos moderados e ambidestros). Consequentemente, em função da classificação utilizada, assim variará entre os vários estudos a prevalência (proporção) de cada grupo de PL. Outras desvantagens dos questionários são a possível falsidade dos sujeitos nas respostas aos vários itens e a impossibilidade de aplicação a crianças em idade préescolar, a pessoas iletradas e a populações com necessidades especiais. Os questionários deverão conter entre oito a catorze itens e reportar-se às principais classes de movimentos da mão e braço (Kronenberg & Beukelaar, 1983). É fundamental considerar, também, as diferenças culturais no uso das mãos, no que respeita aos vários itens do questionário. Estas diferenças podem interferir na classificação do sujeito, quer no que respeita à direcção da sua preferência (sinistrómano, destrímano ou ambidestro) quer relativamente à consistência dessa preferência (forte ou fracamente lateralizado). Os Americanos, por exemplo, têm o costume de usar o garfo na sua mão preferida, enquanto os Europeus não. No caso de se introduzir a mão usada na escrita como um item do questionário, é necessário ter algum cuidado pois esta poderá ter sofrido influência da pressão cultural, sobretudo em sujeitos com mais de 40 anos. Os questionários mais conhecidos são: Annett Handedness Inventory (Annett, 1970), Edinburgh Handedness Inventory (Oldfield, ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 108 ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA (PP. 105-114) DAVID CATELA & JOÃO BARREIROS (EDS.) 1971), Waterloo Handedness Questionnaire (Bryden et al., 1994) e The Dutch Handedness Questionnaire (Van Strien, 2002). As tarefas motoras Nas tarefas motoras unilaterais, o sujeito é observado relativamente a cada índice de preferência (mão, pé, olho e ouvido). Os resultados são baseados na proporção de utilização de cada membro ou órgão. Basicamente, as tarefas consistem na execução motora dos itens dos questionários de PL. Para a avaliação da PM, o sujeito, sentado, é observado na escolha da mão em tarefas unimanuais, como desenhar um círculo, desenroscar a rolha de uma garrafa, cortar um pedaço de papel, abrir com uma chave um pequeno cofre e lançar uma bola à parede. Os objectos são apresentados sobre uma mesa, numa posição central e equidistantes das duas mãos. O mesmo ocorre para as preferências visual (e.g., espreitar por um canudo, espreitar para o interior de uma garrafa, tirar uma fotografia) e auditiva (e.g., ouvir o mar através de uma concha, ouvir o tic-tac de um relógio). De acordo com Bourassa, McManus & Bryden (1996), a avaliação das preferências visual e auditiva pode ser influenciada pela PM, ou seja, o facto de o sujeito pegar no objecto com a sua mão preferida pode condicionar a escolha do olho ou do ouvido, no sentido do órgão do mesmo lado da mão usada. Desse modo, as tarefas a solicitar ao sujeito não devem implicar a manipulação dos objectos. Para a avaliação da preferência pedal, usam-se igualmente tarefas correspondentes aos itens dos questionários, sendo o sujeito solicitado a rematar a bola à baliza, fazer um desenho com o pé ou a subir para um banco, por exemplo. Se se optar pela escrita como tarefa motora, é necessário ter alguma atenção pois a PM poderá ter sido influenciada pelas pressões culturais (Medland et al., 2004). O teste The Erhardt Hand Preference Assessment (Erhardt, 2003), que permite avaliar os quatro índices de preferência, e os testes Wathand Box Test (Bryden, Pryde & Roy (2000) e WatHand Cabinet Test (Bryden, Roy & Spence, 2007), que avaliam a PM, são outra forma de observar a escolha de um lado em tarefas unilaterais. Um tipo mais complexo de avaliação em tarefas unimanuais, usado para a avaliação da PM, engloba as tarefas de midline crossing, que pretendem investigar as relações entre a mão preferida e a mão seleccionada para alcançar objectos em vários pontos do espaço, seja este ipsilateral ou contralateral à mão executante. Esta avaliação é muito utilizada para estudar o desenvolvimento da PM na criança e nas populações especiais, apesar de também ser utilizada em estudos com adultos. A impossibilidade de aplicação dos questionários a crianças pequenas ou a populações especiais ou iletradas faz com que a avaliação dos comportamentos de PL, através de tarefas motoras observáveis, seja ideal, pois estas não requerem um elevado grau de compreensão verbal por parte dos sujeitos e fornecem resultados similares aos dos questionários de PL aplicados a adultos (Bryden, Roy & Spence, 2007). ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 109 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DE ASSIMETRIA LATERAL: MEDIDAS DE PREFERÊNCIA E MEDIDAS DE PERFORMANCE OLGA VASCONCELOS, PAULA RODRIGUES As medidas de performance Os testes de performance, manual ou pedal, permitem distinções muito precisas entre os graus de assimetria lateral numa escala quantitativa e baseiam-se na avaliação da performance de cada mão ou pé na realização de testes motores. Além disso, podem-se utilizar tarefas em que os indivíduos não tenham recebido um treino específico (e.g., juggling). Existem testes que avaliam: (i) a destreza manual (e.g., Peg-moving Test, Manual Tapping Test, Dot-filling Test, Minnesota Manual Dexterity Test, Purdue Pegboard Test e Grooved Pegboard Test) (ii) a coordenação óculomanual (e.g., Pursuit Rotor Test); (iii) a força de preensão manual; e (iv) a sensibilidade proprioceptiva manual (e.g., Discrimination Weight Test). Para a destreza pedal existe, por exemplo, o Pedal Tapping Test (Vasconcelos, 1991). Enquanto uns testes de performance apresentam grandes assimetrias entre as mãos (e.g., testes de precisão e de destreza), outros não (e.g., testes de força manual) (Vasconcelos, 1993; Bryden, Roy & Spence, 2007). Por outro lado, segundo estes autores, a complexidade e a dificuldade da tarefa, assim como as suas exigências de precisão, são variáveis que estão associadas à performance motora, gerando maiores ou menores assimetrias laterais. Resultados de vários estudos têm demonstrado a equivalência no desempenho entre as mãos em variáveis tais como o tempo de reacção simples (e.g., Tavares & Vasconcelos, 1995) ou toques alternados entre os dedos (e.g., Fagard, 1987). Além disso, outros estudos sugerem ainda um desempenho consistentemente superior da mão não preferida em tarefas de velocidade de reacção e de força (e.g., Vasconcelos, 1993; Vasconcelos, 1993a). Apesar das medidas de performance permitirem distinções precisas numa escala quantitativa, elas não são, em parte, acessíveis a crianças até à idade pré-escolar e ou a crianças com necessidades especiais. Isto deve-se à dificuldade manifestada na sua execução e à falta de motivação para o desempenho. Por vezes, torna-se necessário adaptar testes, como o caso de um teste de destreza manual adaptado do Minnesota Manual Dexterity Test e aplicado a crianças entre os 3 e os 5 anos, com Síndroma de Down e com desenvolvimento considerado normal (Oliveira, 2007). Quociente de Assimetria Lateral Para os métodos de avaliação por questionário ou através de tarefas motoras, o Quociente de Assimetria Lateral (QAL) é calculado para cada índice de PL (mão, pé, olho e ouvido) através da seguinte fórmula: QAL = (nº de respostas do lado D – nº de respostas do lado E / nº de respostas de ambos os lados) x 100. O valor resultante situa-se num continuum, que varia de -100 a +100. Este continuum permite classificar os sujeitos quanto à (i) direcção da sua PL (e.g., destrímanos e sinistrómanos; preferência pedal direita e preferência pedal esquerda); (ii) consistência da sua PL (consistentes, apresentando valores extremos quer de -100 quer de +100; não ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 110 ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA (PP. 105-114) DAVID CATELA & JOÃO BARREIROS (EDS.) consistentes, apresentando os valores intermédios); (iii) ocorrência de PL cruzada (congruentes, apresentando preferência pelos quatro índices do mesmo lado do corpo; cruzados, com pelo menos um índice de preferência do lado contrário). Em relação a este último parâmetro de classificação, sugerimos que, dos quatro índices de preferência lateral, apenas três devam ser incluídos: mão, pé e olho. Estes são os índices que consideramos fundamentais no estudo das assimetrias laterais no desenvolvimento e no comportamento motor da criança, assim como na realização das tarefas motoras e desportivas. Pensamos ser prescindível a inclusão do índice de preferência auditiva na classificação do sujeito como apresentando preferência lateral cruzada ou congruente. Tal como atrás foi referido, o ouvido está facilmente sujeito a influências externas, tais como doenças ou outras complicações que poderão afectar o lado da preferência auditiva. Para as tarefas de performance, o QAL é idêntico ao dos questionários: QAL = (Performance da Mão D – Performance da Mão E / Performance da Mão D + Performance da Mão E) x 100. Correlação entre as medidas de preferência e as medidas de performance Um problema importante no estudo das assimetrias laterais, sobretudo ao nível da mão, é a dificuldade em distinguir as assimetrias de preferência e as assimetrias de performance. Segundo Bryden, Pryde & Roy (2000), as assimetrias na performance resultam da magnitude e da direcção das assimetrias na preferência; de acordo com Bishop (1989), a preferência é determinada pela performance. Vários estudos (e.g., Vasconcelos, 1993a; Teixeira & Paroli, 2000) procuraram estabelecer correlações entre as medidas de preferência e as medidas de performance, partindo do princípio que a mão preferida deverá ser a mão mais proficiente. Bryden et al. (1997), por exemplo, verificaram que os sujeitos que referem “usar sempre” a mão direita no lançamento apresentam uma assimetria funcional maior entre as duas mãos, com melhor desempenho da mão direita, do que aqueles que referem “usar geralmente” a mesma mão. Neste estudo, as medidas de preferência apresentaram uma boa correlação com as medidas de performance. No entanto, pode acontecer que a mão preferida não seja a mais proficiente no desempenho da tarefa. A força e a destreza, por exemplo, podem ser influenciadas por factores ambientais, tornando-se independentes da preferência. Assim, a associação entre preferência manual e performance manual não é perfeita e parece variar de acordo com (i) a tarefa motora utilizada, no que respeita à preferência: umas tarefas implicam uma PM mais acentuada do que outras (acariciar um cão ou transportar um saco não requer uma forte preferência, enquanto martelar, atirar uma bola ou desenhar, já implica uma preferência bem definida); (ii) o teste motor utilizado, no que respeita à performance (mais simples ou mais complexo, de precisão, de destreza ou de força) (Teixeira & Paroli, 2000). Alguns autores (e.g., Porac & Coren, 1981) argumentam que a PM tem origens diferentes das da ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 111 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS DE ASSIMETRIA LATERAL: MEDIDAS DE PREFERÊNCIA E MEDIDAS DE PERFORMANCE OLGA VASCONCELOS, PAULA RODRIGUES performance manual, já que: (i) os dois tipos de medida não estão perfeitamente correlacionadas e (ii) as distribuições relativas da mão mais eficaz são normais (unimodais), com uma média deslocada para a direita, enquanto as distribuições da mão preferida geram uma curva de tipo J (bimodais), com um pico principal indicando fortes preferências destrímanas e um pico menor, representando as preferências sinistrómanas. De acordo com estes autores, um em cada quatro indivíduos com PM definida utiliza a mão não preferida com mais eficácia. Estes factos não vão, contudo, contra o ponto de vista de que preferência e performance estão correlacionadas. Porac & Coren (1981) referem que a correlação entre as várias medidas de preferência é superior à correlação entre as várias medidas de performance. Segundo os autores, as primeiras, comparativamente às segundas, são menos sensíveis às componentes específicas da tarefa. Brown et al. (2006) sugerem que o modelo que melhor prediz a assimetria manual, em crianças (mas também em adultos), é o que combina medidas de preferência e de performance, devendo, quer as primeiras, quer as segundas, derivar de diferentes e variadas tarefas e testes motores, respectivamente. Conclusão A avaliação da assimetria lateral apresenta problemas metodológicos fundamentais, ao nível das medidas, da forma como estas se aplicam, dos critérios de classificação dos sujeitos num grupo de PL e da consequente análise estatística. Assim, a avaliação das assimetrias laterais, nomeadamente da assimetria manual, especialmente em crianças e populações especiais, apenas será completa se incluir medidas de preferência e de performance, derivadas de diferentes tarefas e testes motores. Para crianças pequenas, entre as primeiras medidas recomendam-se as tarefas motoras e, no caso das segundas, sugerem-se testes simples, adaptados, se necessário, dos testes de performance conhecidos. Actualmente, as linhas de investigação continuam a abordar as questões metodológicas no estudo das assimetrias laterais, englobando diferentes populações representativas do vasto leque da variabilidade humana, no sentido de procurar uniformizar medidas e critérios de classificação que permitam compreender melhor este complexo comportamento. Também se procura conhecer melhor o desenvolvimento dos comportamentos de assimetria lateral desde os primeiros anos de vida e, ao longo desta, como se relacionam as medidas de preferência e de performance na determinação da especialização lateral do controlo motor. ESCOLA SUPERIOR DE DESPORTO DE RIO MAIOR 112 ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA (PP. 105-114) DAVID CATELA & JOÃO BARREIROS (EDS.) Referências Annett, M. (1970). A classification of hand preference by association analysis. British Journal of Psychology, 61, 303-321. Bishop, M. (1989). Does hand proficiency determine hand preference? British Journal of Psychology, 80, 191-199. Bourassa, D.C., McManus, I.C. & Bryden, M.P. (1996). Handedness and Eye-dominance: A Metaanalysis of Their Relationship. Laterality, 1, 1, 5-34. Brown, S.G., Roy, E.A., Rohr, L.E. & Bryden, P.J. (2006). Using hand performance measures to predict handedness. Laterality, 11, 1, 1-14. Bryden, P.J., Singh, M., Steenhuis, R.E. & Clarkson, K.L. 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