ABP Notícias 34 – Outubro 2007

Transcrição

ABP Notícias 34 – Outubro 2007
Trasngeracional: uma espaço para a transformação Suad Andrade: clínica não está em crise
Transmitir é fazer passar um objeto de identificação, um pensamento, uma história
ou afetos de uma pessoa para outra, de um grupo para outro, de uma geração para
outra. Na Transgeracionalidade as transmissões são inconscientes e poderão ser determinantes nas patologias de gerações seguintes. Por isso, Ana Rosa Trachtenberg,
presidente da SBPdePA, afirma que ela é potencialmente desestruturante para a geração receptora, pois não há circulação de palavras ou afetos. Predominam, em seu
lugar, o silêncio e o segredo. Para ela, é no consultório que a Psicanálise encontra as
palavras para o não-dito, emoção e elaboração, onde antes nada havia. “Constrói-se
uma história intergeracional onde antes havia apenas uma repetitiva prisão transgeracional. Na morada do silêncio”, conclui. (Pág. 7)
“Nosso questionamento é outro. Concordo com Marcelo Viñar quando ele diz que não
é a clínica psicanalítica que está em crise, já que ela sempre foi e continuará sendo
um lugar de inquietações. O nosso desafio são as transformações sociais, estas sim,
afetando diretamente a nós, psicanalistas, que sempre caminhamos na contramão
e agora, mais do que nunca, diante desta sociedade apressada, voraz e robotizada”,
adverte Suad Andrade, com base nas discussões ocorridas durante o XXI Congresso
Brasileiro de Psicanálise. Hoje, segundo a psicanalista, nos deparamos com a forte
tendência ao massacre da subjetividade e à procura das soluções “mágicas” para o
sofrimento psíquico, mas ela acredita que “existe, escondida, camuflada, a percepção
de um mundo interno rico de contradições e também de recursos”. (Pág. 6)
Notícias
Ano XI • Nº 34 • Rio de Janeiro • Outubro 2007
Associação Brasileira de Psicanálise
O
Carta do Editor
discurso de abertura do dr. Cláudio L. Eizirik, no nosso último Congresso Internacional,
em Berlim, foi contundente:
Zog nit keyn mol az du geyst dem letzten veg,
Khotsh himlen blayene farshteln bloye teg;
Kumen vet noch undzer oysgebenkte sho,
S’ vet a poyk ton undzer trot – mir zaynen do!
Nunca digas que este é o último caminho,
Ainda que com chumbo se obscureça o céu azul,
Pois nossa hora de heroísmo chegará,
Ouve-se nossa marcha - estamos aqui!
Era o hino dos “partizans”, cantado em iídiche, pela resistência alemã contra as forças nazistas.
Em nosso congresso, as palavras do presidente trouxeram à Berlim de hoje a intensidade do que foi
uma época que nenhum de nós deseja que se repita. A emoção evocativa daquele momento trágico da
história do homem na Alemanha iluminada pelo Século das Luzes fez tremer nossos corações. Ele disse
a seu tom: recordemos, para elaborar e não repetir.
Descortinou-se assim, um encontro histórico entre psicanalistas, no qual se mesclou história, psicanálise,
ética e análise de paradigmas, elaborando-se sentidos sobre os quais poderemos apoiar o nosso fazer
futuro. Nosso congresso foi progressista na medida em que apoiou os ideais libertários que habitam o
homem, retomando com mais vitalidade o vislumbre de uma praxis sem tantos preconceitos.
Em 1922, aconteceu em Berlim o último congresso com a presença de Freud. Pouco depois, ele e sua família
são obrigados a abandonar sua amada Viena, pela perseguição nazista. Hoje, mais uma vez, a psicanálise
pode oficialmente ocupar espaço na Alemanha e lá celebrar o seu congresso. Éramos três mil congressistas,
embalados por uma canção que uniu todos aqueles que acreditam na humanidade dos homens.
Talvez, não seja exagero dizermos que a psicanálise, aquela que joga com a vida como os “partizans”o
fizeram, também tenha no seu bojo a força que liberta o homem de suas amarras neuróticas, perversas e
psicóticas. É verdade que, talvez, não possa fazê-lo sozinha, distanciada de outras ciências ou distanciada
de um código de ética implícito, mas sozinhos também não estavam os “partizans” alemães. Berlim
2007 escutou novamente o hino dos “partizans”. Assim, assegurou uma psicanálise que não poderá mais
silenciar o homem excluído ou submetido a qualquer tipo de discriminação, tendo assumido o lugar que
sempre foi seu por direito, de compromisso com o verdadeiro sentido da palavra e do ser.
Um abraço, boa leitura.
Leonardo A. Francischelli
Eleição na ABP:
Rossi é pela
continuidade
Cláudio Rossi, da SBPSP, é candidato à presidência da ABP na
próxima eleição. Nesta entrevista,
sintetizamos o que ele pensa em
relação ao papel da entidade e o
futuro da psicanálise no Brasil e
na sua relação com outras instituições internacionais. Para ele, a hora é de dar continuidade às
políticas adotadas até o momento, visando ampliar cada vez mais
a participação das federadas no desenvolvimento, na divulgação,
na difusão e na defesa da Psicanálise como conhecimento e como
profissão. Já a questão profissional o preocupa. “A Psicanálise, todos sabemos, necessita de grande investimento e dedicação em
sua formação. Nossas instituições precisam trabalhar duro para
conseguir formar psicanalistas. Muitas instituições, porém, sem
qualquer qualificação para isso, vem dando o título de “psicanalista para quem não tem condições”. Segundo Rossi, quanto mais
a IPA reconhecer as federações regionais e as sociedades como
forças políticas e se organizar como uma federação, mais poderá
cumprir seu papel. (Pág. 3)
Congresso de Berlim repensa
prática psicanalítica
Com aproximadamente 3000 participantes, o Congresso Internacional de Psicanálise, realizado de 25 a 28 de julho em Berlim,
foi um grande passo para a elaboração de novos significados na
teoria e na prática psicanalíticas. Promovido pela Associação Internacional de Psicanálise (IPA), que tem à frente o brasileiro Cláudio Eizirick, o evento tomou como referência um dos trabalhos de
Freud – Repetir, recordar e elaborar na Psicanálise – e aprofundou
as discussões desde as situações traumáticas criadas por regimes
ditatoriais, como o nazismo, até os ganhos com a inter-relação
com outras disciplinas, como a neurociência. (Pág. 4)
Carta do Presidente
Associação Brasileira de Psicanálise
N
este nosso terceiro número do ano de 2007, gostaria de destacar alguns aspectos em que a diretoria
da ABP vem participando. Como imagino já seja de conhecimento de muitos de nossos colegas, uma
parceria com a Revista Psique foi concretizada, resultando em espaços editoriais importantes para
a divulgação da psicanálise e da associação brasileira. Trata-se de uma revista de circulação ampla,
voltada para o público de uma maneira geral, e que teve uma edição especial chamada “Grandes
Pensadores da Psicanálise”, realizada pela ABP. Neste número, os artigos foram escritos por colegas
de nossas federadas. A revista foi lançada em julho passado, vendida nas bancas e foi sucesso absoluto.
Pedro Gomes
Presidente da ABP
Além de nossos autores consagrados como Freud, Bion, Melanie Klein, Lacan, Andre Green, artigos sobre novas
concepções da Prática Psicanalítica, sobre a clínica infantil e sobre a psicanálise e a cultura, destaco dois artigos
sobre idéias de dois psicanalistas brasileiros, Isaias Melsohn e do nosso saudoso Fábio Hermann, que contribuíram
muito para uma psicanálise nossa.
Ainda no final de julho aconteceu também em Berlim o 45º Congresso Internacional de Psicanálise, presidido
pelo nosso querido Cláudio Eizirik, presidente da IPA. O Congresso foi um sucesso absoluto com quase 3.000
participantes, tendo uma significativa participação de brasileiros. Além da bela parte científica do Congresso, houve
reunião dos Presidentes de Sociedade e Diretores de Instituto para a discussão da implementação dos três modelos
de formação, que também foi bem sucedido como já deve estar sendo divulgado nos boletins dirigidos.
Para finalizar, como já registrei no número anterior, a organização do II Congresso Luso-Brasileiro de Psicanálise
e o I Encontro de Psicanálise de Países de Língua Portuguesa, já estão na reta final. Estamos agora fazendo sua
divulgação e, temos certeza, será um grande sucesso. Esperamos contar com a presença de vocês para que o evento
seja uma referência no nosso calendário.
No final deste II Congresso, dia 18/11, teremos nossa Assembléia de Delegados com a eleição da nova diretoria para
o Biênio 2006/2008, e o final de nossa gestão. Até lá.
Pedro Gomes
Expediente
Conselho Diretor
Presidente Pedro Gomes
Secretário Cláudio Rossi
Tesoureiro Rosa Maria Carvalho Reis
Conselho de Coordenação Científica
Diretora Telma Gomes de Barros Cavalcanti
Secretária Rosangela de Oliveira Faria
Conselho Profissional
Diretor Jair Rodrigues Escobar
Secretário Sylvain Nahum Levy
Conselho de Relações Exteriores
Diretora Leila Tannous Guimarães
Depto de Publicações e Divulgação
Diretor Leonardo A. Francischelli
Secretário Sergio Nick
Secretária auxiliar - PoA Augusta G. Heller
Editor da Revista Brasileira de Psicanálise Leopold Nosek
Editora Associada Maria Aparecida Quesado Nicoletti
Administração
Diretor Superintendente
Sérgio Antônio Cyrino da Costa
Secretárias Administrativas
Lúcia Lustosa Boggiss e
Renata Lang Marcel
Delegados
Luis Carlos Menezes
Myrna Pia Favilli
Alexandre Kahtalian
Carlos Roberto Saba
Altamirando Matos de Andrade Jr.
Bernard Miodownik
Ruggero Levy
Jair Rodrigues Escobar
Ivanise Ribeiro Eulálio Cabral
Alirio Torres Dantas Jr.
Rosaura Rotta Pereira
Bruno Salésio da Silva Francisco
Ana Rosa Chait Trachtenberg
Leonardo A. Francischelli
Pedro Paulo de Azevedo Ortolan
José Cesário Francisco Júnior
Maria Silvia Regadas de Moraes Valladares
Ronaldo Mendes de Oliveira Castro
Gleda Brandão Coelho Martins de Araújo
Mirian Catia Bonini Codorniz
José Alberto Zusman
Cláudio Tavares Cals de Oliveira
Cláudio José de Campos Filho
Sergio Antonio Cyrino da Costa
Conselho Científico
Carlos de Almeida Vieira
Flávio Roithmann
Luiz Marcírio Kern Machado
Mabel Cristina Tavares Cavalcanti
Maria Aparecida Duarte Barbosa
Maria da Conceição Davidovich
Miriam Catia Bonini Codorniz
Paulo de Moraes Mendonça Ribeiro
Regina Helena Manhães Neves
Sérgio Cyrino da Costa
Sergio Lewkowicz
Waldemar Zusman
Conselho Profissional
Gleda Brandão Coelho Martins de Araujo
Eduardo Afonso Júnior
Jair Rodrigues Escobar
José Luiz Meurer
Lores Pedro Meller
Marina Massi
Neilton Dias da Silva
Paulo Cesar Lessa
Sergio Antonio Cyrino da Costa
Sergio Eduardo Nick
Suely de Fátima Severino Delboni
Sylvain Nahum Levy
Edição
JLS Comunicação & Associados
Editor José Luiz Sombra
Redatora Andreia Cony e
Constança Sabença
Projeto Gráfico e Diagramação
Interface Designers - Sérgio Liuzzi
Amanda Mattos Entrevista
Associação Brasileira de Psicanálise
Rossi: É hora da continuidade
às políticas adotadas pela ABP
Cláudio Rossi
Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
O ABP Notícias entrevistou o atual secretário e membro da diretoria da instituição, Claudio Rossi, que se candidata à presidência da Associação Brasileira de Psicanálise. Nosso objetivo é
apresentar aqui algumas das idéias presentes nas propostas do
candidato para manter a instituição no mesmo caminho trilhado
pela atual diretoria.
O DPPT é uma boa iniciativa da IPA, que, assim, tem se aproximado das
sociedades componentes. Desde que em sintonia com os presidentes das
federadas, a ABP pode, como foi feito na atual gestão, aproveitar essas
verbas para fortalecer a integração da psicanálise brasileira e promover sua
difusão e divulgação.
1. Quais são as mudanças que você pretende fazer, caso seja eleito, durante a
sua gestão na ABP?
5. Quanto ao intercâmbio científico, poderiam ser organizados encontros entre as
federadas de regiões próximas, visando maior troca entre as Sociedades e, conseqüentemente, não se limitando aos Congressos Brasileiros, há cada dois anos?
4. Pensa em fazer um trabalho de maior proximidade entre as federadas e a IPA,
por exemplo, através do DPPT (Developing Psychoanalytic Practice and Training)?
A ABP há várias gestões vem cumprindo muito bem sua função, que é a de
coordenar o movimento psicanalítico brasileiro, buscando cada vez mais
a participação das federadas, apoiando e patrocinando a divulgação e a
difusão da Psicanálise e participando do movimento de articulação das entidades não filiadas à IPA para fazer frente aos desafios profissionais. Além
disso, promove a a participação das sociedades brasileiras na IPA e na FEPAL
e organiza o Congresso Brasileiro com resultados bastante positivos. Minha
intenção, por isso, é dar continuidade às políticas adotadas até o momento,
visando ampliar cada vez mais a participação das federadas no desenvolvimento, na divulgação, na difusão e na defesa da Psicanálise como conhecimento e como profissão.
A ABP deve, a meu ver, estimular ao máximo o intercâmbio entre as sociedades. Isso já vem sendo feito e deverá continuar.
6. Com relação aos Institutos, qual a sua posição sobre promover uma aproximação entre os Institutos das Sociedades, com a intenção de auxílio recíproco
e integração entre os membros em formação?
O encontro entre diretores de Institutos que a atual gestão vem promovendo é, de fato, uma ótima iniciativa que deverá ser continuada, na minha
opinião, nas futuras gestões.
7. Como vê as relações entre ABP e a FEPAL?
Nossas relações com a FEPAL são boas e a ABP tem coordenado a participação
brasileira, que tem sido significativa. Quanto mais forte for a FEPAL, e essa força
depende de ela ser representativa, melhor poderemos trabalhar para que a
IPA seja eficiente. A FEPAL, diferentemente da IPA, que é uma associação de
membros, já nasceu como federação e é assim que ela deve continuar. Suas
estruturas de poder devem representar as diretorias das sociedades componentes e evitar a formação de estruturas burocráticas que facilitem a realização de
políticas pessoais e a instalação de cargos vitalícios ou de comissões permanentes, que por melhor que funcionem, tornam-se pouco representativas. A FEPAL
deve ser uma articuladora política da América Latina para que os interesses
regionais sejam defendidos na IPA. E deve ser também uma organização que
promova, ao máximo, o intercâmbio científico entre suas componentes para
que a Psicanálise latino-americana possa se desenvolver da melhor maneira e
possa ser divulgada para as outras regiões do mundo. A difusão da Psicanálise
em regiões latino-americanas, nas quais ela ainda não existe, também, é um
objetivo importante que deve ser visado pela FEPAL.
2. Há algum ponto que você considere crítico quanto à gestão da ABP no
momento?
Não creio que haja propriamente um ponto crítico na gestão atual. A
questão profissional, porém, preocupa. A Psicanálise, todos sabemos, necessita de grande investimento e dedicação em sua formação. Nossas instituições precisam trabalhar duro para conseguir formar psicanalistas. Muitas
instituições, porém, sem qualquer qualificação para isso, vem dando o título
de “psicanalista” para milhares de pessoas que ficam convencidas que, de
fato, têm condições de exercer a profissão. Esses grupos que incluem até
agremiações religiosas, têm feito pressão política para regulamentar a profissão de uma forma que descaracterizaria completamente a Psicanálise. Na
gestão atual fizemos um estudo jurídico da questão, que foi discutido com
os presidentes e na assembléia de delegados e estamos trabalhando para
fazer frente a essa situação.
3. Com a chegada à presidência da IPA de Claudio Eizirik, parece que a ABP cumpriu um ciclo. Se foi assim, pensaria em dar início a um novo projeto?
8. A ABP pensa em alguma estratégia dirigida a transformar algum Núcleo em
Grupo de Estudos e promover, com isso, sua ascensão e autonomia?
Acredito que termos um brasileiro na presidência da IPA é algo muito bom,
mas isso apenas estimula a ABP a continuar trabalhando para levar nossas
posições, reivindicações, sugestões e contribuições para que a instituição
que, também, somos nós, torne-se cada vez mais eficiente e representativa. Quanto mais a IPA reconhecer as federações regionais e as sociedades
como forças políticas e se organizar como uma federação, mais poderá
cumprir seu papel. Acho que devemos continuar defendendo essa posição
que, felizmente, vem ganhando maior apoio dentro da IPA.
A política da ABP é apoiar os núcleos para que eles possam se desenvolver.
Como ? Divulgando suas atividades, ajudando na promoção de eventos e
dando todo apoio possível para suas atividades científicas e profissionais. Os
núcleos, porém, são sempre patrocinados pelas sociedades componentes e é,
através delas e em consonância, que a ABP atua. Em alguns casos, é interesse
dos núcleos se desenvolverem na direção de formarem novas sociedades. Outras vezes preferem se manter como núcleos. A ABP continuará dando todo
apoio que puder para os núcleos e para as sociedades que os patrocinam.
Formação Psicanalítica
Associação Brasileira de Psicanálise
Congresso de Berlim:
momento de revisão e atualização
Cláudio Laks Eizirik
O ABP Notícias divulga artigo do dr. Cláudio Eizirick, que tem como fonte de inspiração o 45o Congresso Internacional
da IPA, realizado em Berlim, entre 25 e 28 de julho deste ano. A quem lá esteve, emocionou ver o atual Presidente da
IPA, brasileiro, de origem judaica, resgatar a história que cruza com a origem do fundador da Psicanálise, Sigmund Freud,
que participou em 1922 do Congresso na mesma Berlim. Foram necessários mais de 80 anos para que a Alemanha pudesse sediar novamente um encontro como este, reunindo psicanalistas de todo o mundo. Fica o registro da honra que
sentimos, como psicanalistas brasileiros, por sermos representados pela pessoa do professor Claudio.
A Associação Psicanalítica Internacional (IPA) realizou seu 45º Congresso Internacional em Berlim, de 25 a 28 de julho, com a presença
de quase 3.000 participantes. Este congresso revestiu-se de vários
significados especiais. Seu tema oficial “Repetir, recordar e elaborar
na Psicanálise e na cultura hoje”, baseado num dos trabalhos clínicos
de Freud, permitiu examinar os significados atuais da repetição, da
recordação e da elaboração na teoria e na clínica psicanalíticas. Além
disso, abriu espaço para pesquisas recentes sobre as distintas formas
de memória e a relação entre situações traumáticas pessoais e coletivas e eventos posteriores na vida individual e social.
O congresso proporcionou ainda uma ampla reflexão conjunta sobre
o impacto do nazismo, do stalinismo, do holocausto, das ditaduras
latino-americanas e de outras situações traumáticas na mente dos
que as viveram e nas gerações seguintes, tema que tem recebido
crescente atenção, por meio da análise de filhos e netos tanto de
vítimas quanto de perpetradores.
A abertura do congresso contou com uma conferência da conhecida
escritora alemã Christa Wolff, que abordou o holocausto mesclando
suas próprias lembranças e contribuições da literatura e da poesia.
Em meu discurso de abertura destaquei o fato de que era o primeiro
congresso em Berlim em 85 anos, pois o anterior naquela cidade
ocorrera em 1922, sendo aquele o último a contar com a presença
de Freud. Naquela ocasião, alguns dos pioneiros da Psicanálise e de
áreas vizinhas, como Ferenczi, Alexander, Ernest Jones, Jean Piaget
e Melanie Klein apresentaram trabalhos que tiveram ampla influência nas décadas seguintes. Num mundo em transformação, procurei
ilustrar com fatos e evidências contemporâneas que a Psicanálise
responde à mudança com mudanças e reformulações em sua teoria
e práxis. O clima que marcou esse primeiro dia foi de muita emoção,
pois se tratava de um reencontro formal da Psicanálise internacional
com a cidade que fora um de seus berços, através de seus pioneiros
Karl Abraham e Max Eitingon.
Em seguida, ocorreu a inauguração de uma réplica da estátua da
Gradiva, personagem de uma novela literária que foi analisada por
Freud, exatamente defronte ao local em que fôra realizado o congresso de 1922, e que depois serviu de escritório para Eichman desenvolver sua infamante “solução final”, que seria o extermínio dos
judeus da Europa. As duas sociedades alemãs filiadas à IPA decidiram
realizar essa homenagem para expressar seu repúdio ao nazismo e a
vitalidade da Psicanálise da Alemanha de hoje. Ao som de peças de
Bach, ao cello, esse entardecer foi outro momento de grande emoção e congraçamento entre psicanalistas de vários países do mundo,
em especial muitos que viveram as conseqüências daquele terrível
período histórico. Em cada um dos dias seguintes, através de uma
atividade intitulada “Estar em Berlim”, organizada conjuntamente
por analistas alemães e israelenses, foram ouvidos depoimentos de
colegas europeus, latino-americanos e norte-americanos sobre a experiência de convívio com o terror, com a emigração forçada, com
o exílio e com a memória. Essa atividade atraiu um enorme número
de participantes e permitiu recordar tais eventos e principalmente
procurar elaborá-los, no sentido de um trabalho mental que segue
o conceito freudiano de Durcharbeiten, ou seja, trabalhar através,
ligar, dar novos sentidos, diminuir a dor e a dissociação e buscar
integrações possíveis.
O programa científico do Congresso permitiu um amplo estudo das
três dimensões citadas – recordar, repetir e elaborar –por meio de
discussões teóricas, clínicas, de pesquisa e de relação com a cultura.
Conforme estabelecido no trabalho de Freud de 1914, que deu o título ao congresso, e em contribuições posteriores, o processo psicanalítico visa promover transformações psíquicas através da elaboração
dos conflitos, que leva o paciente a recordar o que foi reprimido
(hoje diríamos entender e dar significado ao material inconsciente).
Assim, visa evitar sua repetição compulsiva; essa compulsão a repetir
condiciona a manutenção e perpetuação da neurose. Como diz André Green, essa compulsão à repetição assassina o tempo, pois não
permite que surja o novo, o criativo e obriga o paciente a viver o de
Artigo
Associação Brasileira de Psicanálise
“...a essência do trabalho analítico: ele visa derrubar os
muros que mantém a mente estagnada e aprisionada na
compulsão à repetição e impedem sua expansão e o desenvolvimento do pensamento livre, crítico e independente.”
(que recebeu na abertura do congresso o prêmio máximo concedido
pela IPA), Jean Laplanche, Otto Kernberg, Antonino Ferro, Daniel Widlocher, Leo Rangell, Mark Solms, Janine Puget, Stefano Bolognini,
Ricardo Bernardi, Peter Fonagy, Cesar Botella, Luis Kancyper.
O 45º Congresso da IPA, assim, percorreu as duas principais avenidas
por onde se movem a recordação, a repetição e a elaboração. Na
primeira, refletiu sobre a relevância desses três conceitos para a teoria, a clínica e a pesquisa psicanalíticas. Na segunda, permitiu uma
reflexão madura e sóbria sobre tais conceitos para entender situações traumáticas individuais e coletivas, tanto no passado como no
presente. O website da IPA, www.ipa.org.uk permite uma visão mais
abrangente de conjunto de atividades que ocorreram no 45º Congresso da IPA, bem como escutar na íntegra algumas das principais
sessões plenárias, painéis e conferências do Congresso.
Retomando um aspecto relevante desse 45º Congresso, destacado já
em sua abertura, Berlim foi o cenário, em 1989, da queda do muro
que dividia a cidade, e tentava manter o outro sistema totalitário
que dominou o século XX. A queda do muro oferece uma excelente
metáfora para a essência do trabalho analítico: ele visa derrubar os
muros que mantém a mente estagnada e aprisionada na compulsão
à repetição e impedem sua expansão e o desenvolvimento do pensamento livre, crítico e independente.
sempre, o conhecido, enfim, ficar enclausurado no círculo vicioso da
neurose ou de outras formas de sofrimento psíquico.
Três trabalhos pré-publicados, de autoria de Norberto Marucco (Argentina), Werner Bohleber (Alemanha) e Jonathan Lear (EUA) serviram
como estímulo ao debate, abordando as extensões contemporâneas
da metapsicologia e os significados da memória e as relações com a
cultura. O Congresso constou de conferências, painéis, supervisões
coletivas organizadas pela Associação Internacional dos Psicanalistas em formação, encontros com autores destacados, e lançamento
de novos livros. Em cada um destes momentos foi possível aprofundar áreas específicas e observar a interação de conceitos clássicos
com contribuições dos últimos anos, provenientes de distintas escolas psicanalíticas européias, latino-americanas e norte-americanas.
Aliás, cabe destacar que o Comitê de publicações da IPA lançou 9
novos títulos, sobre diferentes áreas da Psicanálise.
Cabe destacar a participação marcante de alguns autores que constituem a prova viva de que a Psicanálise é uma obra em construção, que revisa criticamente seus conceitos, aprimora sua acuidade
clínica e capacita os analistas a trabalhar com casos mais difíceis
e em maior contato emocional com os pacientes, expande e explora novas áreas da mente e desenvolve pesquisas com maior rigor e
sofisticação e amplia seu diálogo com outros saberes: Andre Green
Artigo
Associação Brasileira de Psicanálise
Como mantemos vivo o tema
do XXI Congresso Brasileiro
Suad Haddad de Andrade
Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e de Ribeirão Preto
Em uma jornada ocorrida em Goiânia, há poucos meses, o Sergio Rouanet cobrou dos psicanalistas o fato de não estarem pensando os problemas sociais, não estarem atentos à cultura e às patologias sociais de
nossa época. Freud, diz ele, o fez magnificamente com seus escritos
sobre religião, moralidade, psicologia das massas, narcisismo etc.; já
os psicanalistas estariam só voltados para dentro dos consultórios.“O
que Freud fazia quando pensava os problemas sociais, os grupos humanos, era chamado de “psicanálise aplicada” e, agora, parece que a
psicanálise aplicada é a que se aplica nos consultórios.”
Rouanet critica nosso apego à clínica como se ela nos isolasse do
mundo quando, na verdade, não há qualquer possibilidade de nos
distanciarmos do mundo ao nosso redor. A clínica nos situa na fronteira entre o íntimo e o social. Não podemos nos furtar a pensar
o mundo em que vivemos porque ele entra, com o paciente, para
dentro do consultório. E ao pensarmos o homem na sua intimidade
estamos contribuindo com o social. Além disso, a clínica é nosso
laboratório, onde testamos nossas teorias e de onde partimos para
criar novas teorias. A psicanálise nasceu da clínica e é da clínica que
tira seu vigor.
Nosso questionamento é outro; concordo com Marcelo Viñar quando ele diz que não é a clínica psicanalítica que está em crise, já que
ela sempre foi e continuará sendo um lugar de inquietações. O nosso
desafio são as transformações sociais, estas sim, afetando diretamente a nós psicanalistas, que sempre caminhamos na contramão
e agora mais do que nunca, diante desta sociedade apressada, voraz
e robotizada.
Gerd Bornheim, no livro “Tempo e História”, falando sobre o novo diz
que o “inovar é uma distinção constitutiva da própria condição humana”. Mesmo no universo das artes, onde durante séculos imperaram a cópia e a imitação, sem dúvida havia uma revolução ocorrendo
internamente, dentro das pessoas, dos artistas, que levou finalmente
à libertação das artes. E hoje, quando nos deparamos com a forte
tendência ao massacre da subjetividade e à procura das soluções
“mágicas” para o sofrimento psíquico acredito que existe, escondida,
camuflada, a percepção de um mundo interno rico de contradições
e também de recursos. E acredito que haverá uma revalorização das
relações, da história pessoal, dos valores grupais. O reencontro consigo próprio é temido, mas também é desejado. Deixará de ser tão assustador um dia e quando isto ocorrer estaremos disponíveis, como
sempre, para oferecer o que há de mais valioso para o ser humano
que é a possibilidade de ser acolhido e de encontrar significado para
suas turbulências internas. É da natureza humana a capacidade de
inovar, de expandir e de criar.
Além de estarmos sempre tentando compreender e nos adaptar às
mudanças ao nosso redor. Nós, psicanalistas, precisamos de um ambiente institucional acolhedor que nos ajude a suportar as frustrações inerentes ao nosso trabalho e nos congregue para juntos desenvolvermos nossos recursos e dividirmos nossas dúvidas. A troca
de experiências é, para os psicanalistas, fundamental suporte para
nossas angustias e para nosso desenvolvimento.
Artigo
Associação Brasileira de Psicanálise
Transgeracionalidade
o que é isso?
Ana Rosa Chait Trachtenberg
Membro fundador, analista titular com função didática da SBPdePA, presidente da SBPdePA
aparece na literatura (de todos os continentes) com variados nomes,
quando o fenômeno é descrito entre sujeitos de diferentes gerações
- identificação alienante, traumática, narcísica, mórbida, extrativa,
radioativa, telescopagem de gerações, etc...
Nestes casos, o filho deixa de ser um herdeiro - elo na cadeia geracional e passa a ser um escravo - depositário, hospedeiro dos produtos
tóxicos dos pais, ou daquilo que lhes excede. Vive uma vida que, ao
menos em parte, não é sua. É uma parte alienada do psiquismo, não lhe
pertence. A criança carrega, ao obedecer o mandato transgeracional,
o indizível, o irrepresentável, o fantasma dos pais, que poderá se fazer
presente através de um sintoma ou patologia. Poderíamos dizer, numa
fórmula simples, que o que numa geração se “cala”, na outra se “fala”.
Tais manifestações sintomáticas são, muitas vezes, “salvadoras” para
o psiquismo de uma criança, já que, assim, poderão “gritar” por ajuda
terapêutica. A Psicanálise está, na atualidade, preparada para brindar
essa ajuda tão silenciosamente buscada, na maioria das vezes.
Na interface da Psicanálise com a Cultura as noções de traumas nãoelaborados e de repetição transgeracional têm aparecido nas mais
diferentes áreas do conhecimento, tais como o cinema, a literatura,
a música, a poesia, as artes plásticas, os memoriais, a mídia, etc... Recentemente o Presidente da IPA, esteve na ONU, discutindo sobre a
“Participação da Psicanálise na Prevenção da Transmissão Transgeracional da Violência”. Penso que são especialmente valiosas as ações de
saúde pública, bem como a presença do psicanalista nas comunidades
psi e ampla, através de conferências, mesas redondas, entrevistas, etc...
A SBPdePA tem se dedicado a isso intensamente nos últimos anos,
contando com a valiosa participação da IPA, através do DPPT.
E é especialmente em nossos consultórios, no interior mesmo de um
processo analítico, através da surpresa na contratransferência que o
“sinistro”, subitamente, se faz presente. Nesta ocasião, os fantasmas
de um passado, pré-histórico, desconhecido, de nossos pacientes
poderão se manifestar. E é lá que a Psicanálise encontra as palavras
para o não-dito, emoção e elaboração onde antes não havia. Constrói-se uma história intergeracional onde antes havia apenas uma
repetitiva prisão transgeracional. Na morada do silêncio, do branco
e do vazio, dominada pelos mandatos da herança transgeracional
podemos instalar as palavras de um espaço de transcrição transformadora. Lá, na travessia em direção à sua herança intergeracional,
brotarão os sons, as cores e os sentidos, aproximando o sujeito da
construção da sua própria historicidade.
Alguns anos após o final da segunda guerra mundial, psicanalistas
do mundo inteiro, começam a receber em seus consultórios os sobreviventes e/ou descendentes do holocausto judeu – Shoá - em
hebraico. Reinauguram-se, a partir daí, os estudos da Transmissão
Psíquica entre Gerações, que já haviam sido anunciados por Freud
em Totem e Tabu, Introdução ao Narcisismo e Luto e Melancolia. As
violências sociais, de estado, familiares, os segredos e os traumas em
geral também foram incluídos nessa nova perspectiva psicanalítica.
Transmitir é fazer passar um objeto de identificação, um pensamento, uma história ou afetos de uma pessoa para outra, de um grupo
para outro, de uma geração para outra. Na Transgeracionalidade as
transmissões são inconscientes e poderão ser determinantes nas
patologias de gerações seguintes.
Quando falo de transmissão psíquica de uma geração para outra,
refiro-me a duas modalidades básicas: intergeracional e transgeracional. A primeira delas, a intergeracional, é estruturante, está relacionada com as identificações secundárias, transita no mundo das
palavras e permite a construção de uma novela individual neurótica.
Nela, o sujeito não é somente beneficiário, herdeiro, mas também
adquirente singular daquilo que lhe é transmitido. Este trabalho
permite a cada geração situar-se em relação às outras, perceber e
respeitar as diferenças (de sexo e de geração), tornar-se um elo, e
inscrever cada sujeito numa cadeia e num grupo.
A transmissão transgeracional, ao contrário, é invasiva e costuma estar relacionada a situações de traumas, lutos, violências (pessoais ou
sociais), e vergonhas, presentes e/ou passadas. Ela é potencialmente
desestruturante para a geração receptora, pois não há circulação de
palavras ou afetos. Predominam, em seu lugar, o silêncio e o segredo.
A desmentida, a cisão e a formação de criptas, são exemplos de defesas extremadas contra a ameaça de ruptura psíquica que o contato
emocional com o trauma pode representar para a geração que o
vivenciou. Para esse sujeito, torna-se intolerável lembrar, rememorar,
pensar, sentir, sonhar ou falar. A resultante, que é a não-elaboração
do trauma, abre o caminho para a transmissão inconsciente de tais
vivências e a repetição transgeracional.
A transmissão transgeracional ocorre, portanto, quando não há metabolização psíquica: o não elaborado na história dos pais, o indizível, o inominável, o inconfessável é transmitido como material bruto,
e depositado na geração seguinte, sem ser pensado ou simbolizado.
Trata-se de uma forma particular de identificação projetiva, que
Artigo
Associação Brasileira de Psicanálise
Utopia e desilusão
na vida contemporânea
Alirio Dantas Jr
Membro da Sociedade Psicanalítica de Recife
Uma das questões mais relevantes que nos confronta refere-se às transformações culturais que estamos testemunhando e à forma como essas
mudanças influenciam o sujeito humano e a sua interação com a cultura. Nosso mundo não respeita nem reconhece o individuo em sua singularidade. Premido por um individualismo narcisista e dominado pela
massificação, o indivíduo termina esmagado num lugar comum.
No início do filme Crash, a voz do narrador diz que numa cidade
como Los Angeles, as pessoas já não se tocam, isoladas por vidro e
aço. Parecia a ele que as pessoas trombavam umas com as outras,
para experimentar o toque, o contato com o semelhante. Essa parece
ser uma metáfora bem adequada para o evanescimento do indivíduo
no mundo contemporâneo. Nossas sociedades festejam o indivíduo
no isolamento narcísico. Somos uma sociedade individualista onde
não há, entretanto, espaço para o indivíduo, para o sujeito.
O lugar do indivíduo no mundo atual está marcado pela passividade.
Somos trabalhadores, prestadores de serviço, vítimas e bandidos, e, sobretudo, consumidores. Nesta miríade de papéis por onde desliza nossa
identidade, o indivíduo não é reconhecido em sua especificidade.
Para além de qualquer crise sempre convivemos com o conflito entre
os nossos sonhos e a realidade. O mundo das coisas opõe um importante limite aos nossos desejos. Desde a antiguidade, a civilização
constitui-se uma fonte inesgotável de frustrações às expectativas
dos homens. A história ensina que a cada novo desafio construímos
novas fantasias idealizadas do futuro. Somos, invariavelmente, frustrados pelas nossas próprias ações.
Eu creio que a utopia permite uma reflexão muito apropriada sobre
a função intrapsíquica dos ‘ideais’. Nos dois campos, o “ideal” define
um lugar perfeito e harmônico, onde reina o equilíbrio e a felicidade.
Nos dois campos esta perfeição pertence a um tempo ou a um lugar
jamais vividos. O sentimento dominante é o da nostalgia e o destino inevitável será uma desilusão. Nas duas situações há uma clara
referência a experiência de uma perda, em cujo lugar constrói-se
uma demanda em direção ao idealizado.
O confronto da realidade com as utopias não pode destruí-las. Utopias são como sonhos, vicejam livres de contradição e de coerência
no espaço construído pelo desejo. Não sonhamos por causa das experiências vividas na realidade. Sonhamos em busca da realização de
nossos desejos, e sonhamos para elaborar a frustração vivida. Frustrados nestes sonhos, os homens costumam oscilar entre movimentos
pendulares de acomodação à realidade e de exaltações idealizadas.
As utopias possuem uma importante função no mundo interno e
no mundo social. Como nos sonhos, ela permite que as experiências
vividas sejam elaboradas. Satisfatórias ou decepcionantes estas experiências precisam ser digeridas e incorporadas ao aparelho de pensar por meio de representações carregadas de significado emocional.
Por meio destas representações carregadas de emoção, a pessoa
pode discriminar a experiência, e transformar a desilusão em nova
identificação. Novas utopias, novos sonhos, asseguram ao homem
que ele pode transcender a sua impotência e fragilidade por meio de
sua vinculação a um outro ‘ideal’.
Tal como aconteceu na infância, o fracasso do investimento narcísico e a descoberta da castração não levam o homem ao vazio. Ele
não estaciona na frustração porque as novas idealizações, as novas utopias, permitem que ele se reencontre na esperança. Neste
sentido, a utopia desempenha uma função análoga à dos sonhos,
quando permite a elaboração da experiência. E desempenha outra
função, semelhante à do ‘ideal do ego’, porque sustenta uma identificação idealizada que nos permite reinvestir novamente no mundo
das coisas. Sem a esperança que estes ‘ideais’ inatingíveis nos traz,
seria muito mais difícil lidar com o desequilíbrio constante com que
o mundo de objetos, tão contraditório e cambiante, nos leva a reviver
os sentimentos de desilusão.
As utopias: as idealizações e as desilusões
A palavra Utopia designa uma expressão nostálgica de nossa alma.
Um país imaginário, onde um governo organizado da melhor maneira proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e
feliz. Esta ilha descrita por Tomas More (1516) como o local de uma
vida social e política perfeita, terminou por representar, de modo
amplo, situações ideais onde vigorem normas ou instituições políticas altamente aperfeiçoadas. Mas também significa o ideal inexistente, as fantasias e projetos irrealizáveis. Em sentido original, utopia
é a expressão do ideal inexistente, a síndrome do ‘nenhum lugar’, a
doce herdeira dos nossos sonhos e de nossas desilusões.
Artigo
Associação Brasileira de Psicanálise
“O que sentimos aqui como beleza um dia nos surgirá como verdade”.
Schiller - Os artistas, 1789
O sujeito humano e a crise
de valores sociais
soas comuns, que geralmente não têm a
menor sensibilidade para o futuro, correm
literalmente para ele. Cabeça baixa e olhos
fechados, como se o espírito do progresso
tivesse braços e pernas. Se por acaso não
quebrarem o pescoço, então das duas
uma: ou se detêm, ou se voltam”. Nos
seus ‘ideais’, os homens buscam encontrar um estado de felicidade e perfeição
que somente foi experimentado, por breve
tempo, nas fantasias onipotentes e no
pensamento mágico infantis. Eles buscam
o que nunca possuíram movidos pelo angustiante conflito entre os seus desejos e
suas realizações. Espremido entre as suas
expectativas e as suas limitações, o indivíduo equilibra-se entre o seu sofrimento
e a perda dos seus ‘ideais’.
Nós desejaríamos conservar nossos sonhos e nossos ‘ideais’. O que não queremos
é a desilusão que pode resultar deles. Não
gostamos que o mundo seja imperfeito,
que a felicidade seja provisória, e que nossos desejos sejam contraditórios. Temos
dificuldades em ver nossos sonhos diminuídos, e em alguns casos
destruídos pelos limites da realidade. Não transcendemos as nossas
experiências em razão de nossa origem, de nosso sucesso, ou da nossa
capacidade de haver, no passado, encontrado satisfação para os nossos desejos. Transcendemos a realidade em razão dos nossos sonhos,
em razão da grandeza e criatividade de nossa alma subjetiva.
É sempre o sonho aquilo que nos move. Todo investimento que
fazemos representa uma esperança de realização do desejo. Chamese a isto o prazer, o gozo ou a felicidade. Vivemos em busca de reencontrar, no futuro, um estado de satisfação e de alegria. Se isto é
uma utopia, se é uma nostalgia de um tempo que nunca vivemos,
pouco importa. Aquilo que sustenta a vida é o desejo e não a sua
satisfação.
A crise dos valores e dos laços sociais que
vivemos é, sem nenhuma dúvida, um desafio gigantesco para esta geração. Viver tem
a ver com uma inquieta insatisfação que nos
faz investir em novos vínculos e a construir
novos significados para a experiência emocional. Embora esta inquietação seja fonte
de muita dor é, sobretudo, a fonte de muito
prazer e de todo desejo. O desejo humano
é determinado pela criança mágica e impotente que habita em todos nós. A herança
legada por Freud nos ensina que a mente
primitiva é, no sentido mais pleno desse
termo, imperecível (Freud, 1915).
Em seu artigo sobre as “Reflexões para os
tempos de guerra e morte” Freud lembra
que nós acolhemos as ilusões porque ela
nos poupam sentimentos desagradáveis
e nos permite em troca gozar de satisfações. “Portanto, não devemos reclamar se,
repetidas vezes, essas ilusões entrarem em
choque com alguma parcela da realidade e se despedaçarem contra
ela.” (Freud, 1915, pg. 317).
O mundo moderno, dominado pela virtualidade da imagem, tenta tornar viável o impossível. Neste mundo não há lugar para nada que seja
diferente do idealizado. Contudo, este é um caminho muito perigoso
porque não há, na experiência humana, qualquer equivalência ao ideal. Tornar o ‘ideal do ego’ mais próximo e verossímil tornará maiores as
exigências impostas ao ego. A frustração inevitável cuidará de impor
as mais pesadas desilusões, tornando progressivamente maior a distância que separa o ego do seu ‘ideal’.
Nada disto, contudo é novo. Como qualquer outro sonho o progresso
também é idealizado enquanto meio capaz de garantir a felicidade.
Em 1798, Schlegel falou desta quimera de um modo que vive em
sua atualidade: “Uma vez tomadas pela fome de progresso, as pes-
Notícias e Programação
Associação Brasileira de Psicanálise
Psicanalistas realizam seu
45º Congresso Mundial em Berlim
cado à questão e parando, assim, com o sintoma, foi exaustivamente
discutida e ampliada à luz dos novos conhecimentos oriundos da
prática clínica. Emocionantes depoimentos de psicanalistas judeus
que emigraram da Alemanha, relatando a experiência do exílio, levaram a importantes debates com os colegas alemães.
As discussões em torno da memória, tal como é vista pela moderna
neurociência em face dos achados na clínica, evidenciaram a importância do referencial analítico para a compreensão dos distúrbios mnêmicos. Dentre as pesquisas na interface Neurociência/Psicanálise, destaca-se uma que demonstra que a terapia psicanalítica
favorece a recuperação de pacientes com doenças neurológicas. Foi
também discutido o papel da memória na recuperação da identidade, funcionando como um fio condutor da continuidade do self
ao longo do tempo e dando um colorido novo ao sujeito na medida
em que as resignificações vão se processando. Mas a grande questão
em discussão neste Congresso Mundial foram as últimas descobertas clínicas em psicanálise. Passado um século, o que ficou e o que
muda no tratamento/prática psicanalítica? Há hoje uma convergência de que as patologias que chegam aos consultórios são mais de
narcisismo do que neuróticas. “O problema nos últimos tempos é
que as patologias estão ligadas à imagem, ao corpo, a uma sensação
de vazio, onde a dificuldade de representar o acontecimento leva a
um novo tipo de descarga emocional. O contexto cultural mudou a
forma de representação. Sai Édipo e entra Narciso”, afirma o coordenador do Comitê de Divulgação da IPA.
Dentro das reuniões administrativas, ratificou-se a proposta dos três
modelos de formação psicanalítica. Para que uma sociedade implemente a mudança, foi aprovada a idéia do “oversight”, que será ainda melhor discutida e regulamentada. Ainda durante o Congresso,
o Núcleo de Campo Grande passou a ser Sociedade Psicanalítica de
Mato Grosso do Sul.
A Associação Psicanalítica Internacional (IPA) realizou seu 45º Congresso Internacional em Berlim, de 25 a 28 de julho, com a presença
de quase 3.000 participantes. Seu tema oficial “Repetir, recordar e
elaborar na Psicanálise e na cultura hoje”, baseado num dos trabalhos
clínicos de Freud, atualizou as discussões para a elaboração de novos
significados na teoria e na clínica psicanalíticas. Além disso, abriu espaço para pesquisas recentes sobre as distintas formas de memória e
a relação entre situações traumáticas pessoais e coletivas.
Para o presidente da IPA, Cláudio Eizirick, o Congresso “proporcionou
ainda uma ampla reflexão conjunta sobre o impacto do nazismo,
do stalinismo, do holocausto, das ditaduras latino-americanas e de
outras situações traumáticas na mente dos que as viveram e nas
gerações seguintes, tema que tem recebido crescente atenção, por
meio da análise de filhos e netos tanto de vítimas quanto de perpetradores”. “O enorme sucesso de público corrobora a impressão de
vivacidade da prática psicanalítica por nós sentida durante o congresso da ABP em Porto Alegre, dando-nos alento para prosseguir
no caminho que une todos os colegas da ABP/IPA”, afirma o diretor
do comitê de divulgação da IPA, Sergio Nick.
A delegação brasileira foi representada por cerca de 130 psicanalistas
da Associação Brasileira de Psicanálise (ABP) e seus filiados, que apresentaram inúmeros trabalhos para discussão. Houve também o lançamento de nove livros, dois dos quais com a participação de colegas
da ABP. O Congresso Mundial apresentou uma particularidade: pela
primeira vez, psicanalistas retornaram à Alemanha para um evento
que analisou em detalhes a questão do Holocausto. Por isso, um dos
pontos importantes em debate foi a questão do sofrimento humano e
a memória, cuja repressão acaba levando o indivíduo a repetir padrões
de comportamento, automaticamente, como ocorre no neurótico obsessivo-compulsivo.
A proposta freudiana de cortar esse ciclo, dando um novo signifi-
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Notícias e Programação
Associação Brasileira de Psicanálise
SPR realizou a XII Jornada
de Psicanálise
A Sociedade Psicanalítica de Recife realizou entre 20 a 22 de setembro,
a XII Jornada de Psicanálise e o VIII Encontro de Psicanálise da Criança e
do Adolescente. O tema escolhido foi “Psicanálise e Contemporaneidade”.
O propósito da SPR foi reunir nesse encontro científico psicanalistas, sociólogo, antropólogos, escritores, médicos, psicólogos, juristas, educadores e assistentes sociais para o aprimoramento da prática profissional. Os
temas abordados na Jornada foram: “Psicanálise e Solidão de Nossos Dias”,
“Psicanálise e Medicina”,” Psicanálise e Comunicação”, “Psicanálise e Literatura”, “Psicanálise e Ética”, “A clínica psicanalítica hoje”, “O Masculino e o
Feminino em Psicanálise”, “Quando a agressividade Transborda” e “Criança
– Onde andam os limites?”
A SPR lançará ainda este ano o 5° volume da Psicanálise em Revista. Este
número contará com dois artigos inéditos de Robert Carper e Antonino
Ferro. Além disso, a revista possui artigos de David Zimerman e Mario
Smulever, que foram apresentados na última Jornada de Psicanálise da
SPR em 2006. No número, tem ainda um artigo de Andréa Sabbadini, responsável pelo evento de psicanálise e cinema na Europa e coordenador
do Programa de Psicanálise e Arte na Sociedade Psicanalítica Britânica.
Ainda na sessão de Psicanálise e Cinema, foram editados trabalhos de
Alexandre Figuerôa e Suzana Tonim.
SBPSP promoverá
Congresso Interno
em outubro
Núcleo de Belo Horizonte tem
a XV Jornada Anual
O Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte promoveu de 16 a 18 de agosto
a XV Jornada Anual - Sempre a Clínica Psicanalítica. No dia 18 de agosto
foi realizado simultaneamente o I Encontro de Núcleos da IPA no Brasil e
o Encontro do Conselho Profissional da ABP. No dia 4 de setembro, na PUC
Minas, aconteceu o Projeto Criatividade e Pós Modernidade - “Estamira em
Debate”. Além disso, em todos os sábados pela manhã ocorreram os Diálogos
Psicanalíticos e o Curso de Psicoterapia de Orientação Psicanalítica, sendo
este último realizado quinzenalmente.
A SBPSP realizará Congresso Interno, no período de 26 a 28 de
outubro, em Atibaia (SP), com a idéia de estimular e fornecer subsídios para a discussão entre membros e candidatos sobre o tema:
“A análise do analista e nosso sistema de formação”. Na ocasião, a
diretoria do Instituto e a Comissão Organizadora composta por Luís
Carlos Menezes (coordenador), Antônio Carlos Eva, Cláudio Rossi,
Miriam M. Brambilla Altimari, Myrna Pia Favilli e Nilde J. Parada
Franch estarão promovendo alguns eventos no segundo semestre,
sempre nos finais de semana, para favorecer a presença de todos.
Já em agosto, a SBPSP teve a presença de Raul Hartke, diretor da
SPPA, com a palestra: “Diálogos sobre a formação psicanalítica:
desafios, propostas e perspectivas”. Este evento fez parte do Eixo
Conceitual promovido pela Comissão Científica e foi patrocinado
pela Comissão de Integração dos Institutos da ABP. Em setembro,
a entidade teve a presença de Luiz Meyer (SBPSP) com a palestra
“A análise didática deve ser mantida?”, trabalho que foi apresentado no 45º Congresso da IPA, em julho, na cidade de Berlin. Em
outubro, nos diass 06 e 07, a SBPSP será sede do 11º Encontro dos
Institutos da FEPAL, com o Comitê de Educação da Fepal. Além das
discussões sobre a “A análise dos analistas”, o evento trará a oportunidade de trocas de experiências nas seis supervisões cruzadas
programadas.
NPCR promoveu a II Jornada
de Psicanálise da Criança
e do Adolescente
O Núcleo de Psicanálise de Campinas e Região realizou, nos dias 21 e 22 de
setembro, a II Jornada de Psicanálise da Criança e do Adolescente. Durante o
evento foram apresentados temas livres, pôsteres e trabalhos relacionados
ao assunto do encontro. O NPCR, agora tem novo endereço: Avenida
Francisco José de Camargo Andrade, nº 630 Jardim Chapadão – Campinas
– SP. CEP: 13.070-055. Telefone: (19) 3243-6166. E-mail: secretaria@npcr.
com.br. Página na internet: www.npcr.com.br.
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Notícias e Programação
Associação Brasileira de Psicanálise
SBPdePA comemora
filiação à IPA
RBP sugere temas para 2008
A Revista Brasileira de Psicanálise propõe os seguintes temas para a
sua publicação trimestral:
• O que eu faço é psicanálise. O que você faz, não;
• Winnicott: um novo paradigma?;
• Cultura na clínica;
• Meltzer: a evolução do analista.
Além dos textos temáticos, a revista continuará recebendo artigos
variados que se enquadrem na linha editorial e que estejam de acordo
com as normas que se encontram publicadas no último número de
cada volume, na página na internet (www.rbp.org.br) e no portal de
periódicos eletrônicos em psicologia – PePSIC (www.bvs-psi.org.br) . O
editor da Revista Brasileira de Psicanálise, Leopold Nosek, quer contar
com a maior colaboração possível.
A SBPdePA está comemorando no ano de 2007 seus 15 anos de filiação à
IPA. Para a ocasião, organizou atividades que vão desde um jantar comemorativo com todos os membros da instituição e convidados especiais, até
a inauguração de uma galeria de quadros/memória de todas as diretorias
que já passaram pela SBPdePA. O fechamento do ano comemorativo será
a jornada anual, que terá como convidado especial o psicanalista francês
Renè Roussillon.
Paralelamente, a IPA autorizou a SBPdePA (através da COCAP - Child and
Adolescent Psychoanalysis Committee ), a dar início à formação de psicanalistas de infância e adolescência no seu Instituto. A decisão foi tomada
na reunião do board da IPA, em Berlim. Em setembro, começaram os Seminários Clínicos, que acontecem todas quintas-feiras. O evento tem a coordenação do dr. Renato Trachtenberg.
Grupo de Guadalajara promove
diálogo entre homens e mulheres
Cine-Forum
O Grupo Psicanalítico de Guadalajara realizará nos dias 30 e 31 de Maio de
2008, um diálogo entre homens e mulheres, em comemoração do 10° aniversário da COWAP (Comitê de Mulheres e Psicanálise). O tema do diálogo
será “Gênero e Psicanálise: Contribuições contemporâneas”. O evento será
realizado no hotel Victória Express, na Av. López Mateos Sur, n°1360, na cidade de Guadalajara, estado de Jalisco, México. As reservas podem ser feitas
através do e-mail: [email protected]
A SBPdePA continua sua programação com a comunidade (parcialmente
financiada pelo fundo DPPT/IPA), através de grupos de estudos e o CineForum para estudantes e profissionais da área da saúde e educação. Os
cine-foruns são dirigidos ao público interessado em cinema a psicanálise. A
entrada é grátis e as sessões acontecem aos sábados. No dia 11 de agosto
foi apresentado o filme Perfume e no dia 27 de outubro será a vez do Por
amor a Nancy.
Núcleo de Aracajú promove
I Jornada Sergipe/Bahia de Psicanálise
Programação da série Brasileira na Cultura:
Em setembro: Amor na novela brasileira;
Em 31 de outubro: Amor no filme “Amores Possíveis”;
Em 28 de novembro: Amor no filme “Cidade dos Anjos”.
O Núcleo Psicanalítico de Aracajú (NPA) estará realizando, em parceria com
o Centro de Estudos Psicanalíticos de Salvador (CEPssa), a I Jornada Sergipe/Bahia de Psicanálise, de 4 a 6 de outubro, no Aquarios Praia Hotel. Na
mesma ocasião, será realizado a VIII Jornada de Psicanálise de Aracaju e o
VII Encontro de Psicanálise da Criança e do Adolescente. O tema central do
evento será “Desafios à clínica: doenças da contemporaneidade”, distribuído
em três conferências, seis mesas-redondas e uma discussão clínica. Já estão confirmadas as presenças de Pedro Gomes (SBPRJ, Presidente da ABP),
Cristina Gondim (SBPSP, Presidente do CEPssa), Leda Delmondes (Presidente da ABMP, Regional Aracaju), Adalberto Goulart (Presidente do NPA),
Claudio Rossi (SBPSP), Rosa Reis (SPRJ), Telma Barros (SPR), Jair Escobar
(SPPA), Leonardo Francischelli (SBPdePA), Sérgio Nick (SBPRJ), Sérgio Cyrino
(APERJ), Leila Guimarães (SPMS), Aparecida Nicoletti (SBPSP), Carlos Vieira
(SPB/SPR/NPA), Fernando Santana (SPR/NPA), Marinella Benez (CEPssa),
Stela Santana (SPR/NPA), Leopold Nosek (SBPSP), e das candidatas do NPA
Angélica Hermínia Serôa, Vanda Pimenta e Petruska Passos. Informações e
inscrições pelos telefones: (79) 3246-5729 e (71) 3271-5024.
Evento reúne NPMR e SBPSP
Nos início de julho, o Núcleo de Psicanálise de Marília e Região(NPMR)
recebeu as visitas do dr. Luís Carlos Menezes, presidente da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e do dr. Humberto Silva
Menezes Júnior (diretor regional da entidade). O principal objetivo do
evento foi a troca de experiências, promovida pela SBPSP com sua
Diretoria Regional. Os visitantes tiveram a oportunidade de conhecer
o funcionamento do Núcleo com a apresentação de relatórios das
diversas comissões coordenadas pelo Conselho Diretor.
O NPMR foi criado em 1994 e tem feito um trabalho de divulgação
da psicanálise para a comunidade por meio de prestação de serviços,
através de atendimento clínico a custos reduzidos e cursos para
estudantes e terapeutas com atividades periódicas, reunindo pessoas
interessadas em refletir sobre os aspectos das relações humanas
contemporâneas. Além disso, o NPMR oferece à comunidade dos
terapeutas da região Curso de Especialização em Psicoterapia
Psicanalítica, em parceria com a UNIVEM. Este curso é reconhecido
como pós-graduação pelo MEC.
Já de 27 a 29 de março de 2008, o NPA estará realizando, com colaboração do Istituto Psicoanalitico di Formazione e Ricerca A.B. Ferrari,
de Roma, o Congresso Internacional sobre o Corpo em Psicanálise, que
terá como temas principais “A construção da identidade de gênero na
adolescência”, “Processos maníaco-depressivos” e “Porque se inicia uma
análise?”. Além do congresso, haverá também um curso sobre a hipótese
do Objeto Originário Concreto. Durante os eventos estarão presentes psicanalistas italianos, franceses, ingleses, latino-americanos e brasileiros.
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Notícias e Programação
Associação Brasileira de Psicanálise
SBPRJ divulga Programação Científica
Em agosto, ocorreu a sessão Clínica “Psicanálise do adolescente” apre-
SPPA promove
IX Simpósio de Psicanálise
da Infância e da Adolescência
sentada por Wania Peçanha de Oliveira e comentada por Paulo Humberto
Bianchini. Houve ainda o Fórum Livre de Psicanálise, apresentado por Carlos
Doin e o Encontro clínico entre os quatro Institutos do Rio, com supervisões
cruzadas - Parte II. Além disso, reunião com apresentação do pôster exibido
no Congresso de Berlim pelo Grupo de Estudos sobre Envelhecimento e
Mesa-redonda SBPRJ / ABPsiquiatria / COWAP sobre o tema “Sexualidade,
compulsão: uma questão de gênero?
O IX Simpósio de Psicanálise da Infância e da Adolescência, promovido
pela Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, e o II Encontro SPPA/
APdeBA de Psicanálise da Infância e Adolescência, realizados entre os
dias 27 e 29 de setembro, reuniram psicanalistas de Porto Alegre e da
Argentina para debater o tema “Parentalidade e suas implicações no
processo psicanalítico”. Os eventos contaram com a participação do
convidado dr. James Herzog, psicanalista da Associação Psicanalítica
Americana.
A SPPA realizou também nos dias 29 e 30 de junho seu IV Simpósio de
Investigação em Psicanálise, que nesta edição debateu “A observação, o
observador e a realidade psíquica”. A atividade contou com a participação
do pesquisador Ivan Izquierdo (PUC-RS) e dos psicanalistas Benzion
Vinograd, da Sociedade Argentina de Psicanálise e Julieta Ramalho, da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
No dia 6 de julho, a SPPA recebeu a visita do dr. Norberto Marucco,
presidente da Associação Psicanalítica Argentina, para debater
seu trabalho “Entre el recuerdo y el destino: la repetición”, que foi
posteriormente apresentado no 45º Congresso Internacional de
Psicanálise, realizado em Berlim. A SPPA organizou e lançou em 11
de julho o livro “Psicanálise e Cultura: homenagem aos 150 anos de
Sigmund Freud”. Reunindo trabalhos apresentados em atividades
comemorativas do sesquicentenário de nascimento de Freud (2006) e
artigos escritos por convidados, o livro, editado pela Casa do Psicólogo,
foi lançado durante o XXI Congresso Brasileiro de Psicanálise.
Para encerrar a programação, que ao longo de um ano abordou o
Método Psicanalítico, a SPPA recebeu nos dias 25 e 26 de maio, a
visita da dra. Sonia Abadi, psicanalista da Associação Psicanalítica
da Argentina, para debater Winnicot na atualidade. Já nos dias 10 e
11 de agosto, foi a vez do dr. Paul Denis, psicanalista da Sociedade
Psicanalítica de Paris, visitar a entidade para debater seu trabalho
“A pulsão de dominação” e supervisionar casos clínicos. E nos dias
24 e 25 de agosto, o dr. Arnaldo Chuster, psicanalista da Associação
Psicanalítica do Rio de janeiro – Rio-4, esteve na SPPA para proferir
conferência com o tema “As origens do inconsciente em Bion”.
Em setembro, houve o Fórum Livre de Psicanálise, apresentado por
Carlos Doin; Reunião Científica “Vim obrigado”, apresentado por Bernard
Miodownik e restrita aos membros da IPA.
Em outubro, no próximo dia 4 haverá Sessão Clínica, apresentada por
Altamirando Matos de Andrade Jr; no dia 18, Fórum Livre de Psicanálise,
apresentado por Carlos Doin, no dia 26, Fórum Psicanálise e Interface Social “Rio: que cidade é essa?”, uma realização SBPRJ /Fórum de Ciência
e Cultura da UFRJ. Finalmente, em novembro, no dia 08, Sessão Clínica
apresentada por Maria do Carmo Andrade Palhares e comentada por Edna
Vilete, e nos dias 09 e 10, evento preparatório para o Congresso Internacional de Bion - Roma 2008.
A SBPRJ informa ainda que o tema do próximo número da Revista TRIEB
será “Psicanálise e Literatura” e que o Café Literário acontece todas as
segundas 6ª feiras do mês, às 17 h, e é aberto ao publico externo.
SBPRJ - Rua David Campista, 80 – Humaitá – Rio de Janeiro.
Tel: (21) 2537-1333. E-mail: [email protected]
Palestras e cinema no NPM
No dia 13 de agosto, o Núcleo Psicanalítico de Maceió promoveu
uma palestra, seguida de debate, sobre a “Evolução de uma paciente em
análise”, proferida pela dra. Maria de Fátima Montenegro do Amaral Costa,
psicóloga e candidata a SPR . Outra palestra organizada pelo NPM foi realizada no dia 3 de setembro, que teve como tema “O declínio da função paterna e
seu reflexo na clínica de adolescentes”. Foi ministrada pela dra. Jerzuí Thomaz.
No ciclo Cinema e Psicanálise houve a exibição do filme “Os Companheiros”,
no dia 25 de agosto, comentado pelo prof. Radjalma Cavalcante.
APRio3 promove reuniões científicas
Em junho, o departamento Científico da APRio3 inaugurou uma série
Ainda em agosto, a SPPA, em conjunto, com a Federação Israelita do
de reuniões científicas, que tem como objetivo despertar a discussão em
torno de aspectos relacionados ao “Paciente que nos procura”, tendo como
cenário a sociedade contemporânea. As reuniões contaram com a apresentação do trabalho dos drs. José Alberto Zusman e Waldemar Zusman.
RS e as entidades Wizo e Na’mat Pioneiras, promoveu, no Auditório da
Federação Israelita, uma sessão de cinema para debater o filme “Our
Children”, realizado em 1946 e que aborda as vivências de crianças
sobreviventes da II Guerra Mundial.
Em julho, membros da Sociedade participaram do curso promovido pela
No dia 23 de agosto, a SPPA realizou uma atividade de homenagem
ABP em parceria com a Associação Brasileira de Psiquiatria: “Concepção Psicanalítica de Temas Psiquiátricos - Caminhos para a atenção integrada em
Saúde Mental”. No evento, Débora Regina Unikowski falou sobre “Psicanálise
de Crianças” e Marisa Helena Monteiro sobre o “Transtorno Borderline”.
ao centenário de nascimento do psicanalista Cyro Martins, um dos
pioneiros da psicanálise em Porto Alegre.
Em setembro, começaram os Seminários Clínicos, que aconte-
Em agosto, a APRio3 foi representada no evento “Supervisões Cru-
cem todas quintas-feiras. O evento tem coordenação do dr. Renato
Trachtenberg.
zadas” por Patrícia Mussoi, como apresentadora de material clínico, e por
Cláudio Cals de Oliveira, como supervisor. Este evento é o início de uma
série, que se sucederão no decorrer deste ano e terá como sede a Rio 2.
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Artigo
Associação Brasileira de Psicanálise
Aprender com o paciente
Gley P. Costa
Membro titular e didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA)
Existem diferenças nos três modelos de treinamento reconhecidos
pela IPA; eles têm em comum, no entanto, o tripé constituído de
seminários teóricos, análise pessoal e supervisão. Contudo, diferentemente dos dois primeiros elementos desse tripé, não se encontra
bem definido o que um supervisor ou um supervisionando estão realmente fazendo, quando dizem que se encontram realizando uma
supervisão. É do nosso conhecimento que algumas duplas supervisor/supervisionando se debruçam sobre o material integral das quatro ou cinco sessões semanais do paciente. Outras, sobre o material
de duas sessões, acompanhado ou não do resumo das demais. Não
faltando as que se ocupem de uma única sessão semanal ou de apenas um fragmento de sessão. Apesar dessas diferenças, todos esses
procedimentos são denominados ‘supervisão’.
A primeira questão que cabe ser considerada é se um candidato que
supervisionou apenas uma sessão semanal de dois pacientes durante
160 semanas - totalizando, portanto, 160 sessões - e um candidato
que supervisionou quatro sessões semanais de dois pacientes durante o mesmo período - totalizando 640 sessões - receberam o mesmo
treinamento. Alguém poderá argumentar que tal diferença revela
apenas uma questão quantitativa, a qual não leva em consideração
a qualidade do trabalho realizado. Não obstante, é em relação à extensão do material supervisionado a que se refere André Green:
“Uma sessão só se compreende em seu movimento. Não serve para
nada tomar um dos seus elementos e dizer: <Impactou-me isto ou
aquilo...>. É o que às vezes acontece em uma supervisão. Terminado
o relato das sessões, pergunta-se ao candidato: <O que você pensa
do que acabou de ler?>. Ele responde: <Impactou-me tal coisa...> e
cita um elemento da sessão. Isto não vale nada”.
Ampliando o ponto de vista de Green, podemos dizer igualmente
que uma semana de análise ou, ainda, uma análise como um todo
só se compreende em seu movimento, não podendo ser examinada
de uma forma mutilada. Na verdade, a compreensão de um fragmento de sessão ou de uma única sessão retirada de uma seqüência,
além de, inevitavelmente, desprezar as particularidades relacionadas
com o início e o fim do período de tempo considerado, não leva
em conta as motivações inconscientes implicadas no processo de
seleção do material, comprometendo o objetivo geral da supervisão
que, de acordo com o minucioso relatório sobre formação analítica
elaborado pelo Instituto de Psicanálise da SPMS , é proporcionar a
integração das aquisições da análise, dos seminários e a vivência
com o paciente”.
Ao basear-me na minha experiência de formação como supervisionando, que resulta na forma como trabalho como supervisor, entendo a supervisão como uma oportunidade de o supervisionando
aprender com o supervisor a “aprender com o paciente”, não dispensando, por essa razão, nada do quanto ele e o paciente dizem
e fazem ao longo do tratamento. Em contrapartida, um fragmento
semanal e, com toda a certeza, uma passagem impactante de sessão
se prestam mais para o supervisionando “aprender com o supervisor”, ou seja, com os seus conhecimentos mobilizados pelo material
clínico apresentado. Essa prática se superpõe à experiência dos seminários teóricos e, mais particularmente, ao chamado “seminário
clínico” – no qual o material clínico é apresentado com o objetivo de
corroborar e enriquecer a teoria.
Por último, levando em consideração as duas citações acima, pergunto-me se é possível considerar um processo de fragmentação do
discurso do paciente, e por via de conseqüência do supervisionando,
fora do sistema defensivo, não se podendo excluir nesse procedimento eventuais conluios inconscientes supervisor/supervisionando
com vista à escotomização de determinados temas, estes sim, verdadeiramente “impactantes”.
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Cultura
Associação Brasileira de Psicanálise
Apagão, corrupção, violência...
por que nos omitimos ?
Rosa Reis
Membro efetivo da SPRJ e diretora da ABP
sobreviver e, como conseqüência, deixamos de entrar em contato conosco
e, assim perdemos as possibilidades de criar , amar, cuidar e confiar em si
e no outro. A sensação de imprevisibilidade e a destruição da confiança nos
levam à construção de defesas que utilizamos para não reviver a angústia
do desamparo, da rejeição. Uma vez experimentada esta angústia, lutamos
ferrenhamente para não revivê-la.
Quando a Psicanálise foi criada, se reconhecia repressão como uma defesa,
comumente utilizada, para fazer desaparecer da consciência sentimentos
ruins, negativos, não oportunos. Hoje percebemos, com freqüência, pessoas
com um funcionamento mental onde o que prevalece como mecanismo de
defesa é uma cisão nas partes que formam a nossa personalidade. Não há
mais conflito. Pais defendem seus filhos que espancaram e roubaram uma
empregada doméstica ou uma prostituta, “porque são jovens”. Esta cisão
permite o vale tudo nas relações pessoais, políticas, de negócios etc.
Na repressão, deveria haver um conflito entre as várias instâncias psíquicas
(supergo, ego e id, o ego tentando “negociar” com as outras duas partes).
Se uma parte da personalidade busca colocar toda a sua violência e, destrutividade sobre o outro, haveria uma outra parte para dizer que isto
não é aceitável. Partiríamos, então, para a negociação interna, dentro de
nós mesmos, ou para a repressão. Agora não, a personalidade efetivamente
se divide e o lado que quer destruir fica separado daquele que poderia nos
lembrar das conseqüências dos nossos atos para nós e para os outros.
Assim, a pessoa que desvia um dinheiro destinado a cuidar da saúde da
população não se sente responsável pela morte do cidadão que não recebeu
assistência adequada, porque não relaciona o dinheiro desviado à impossibilidade da compra de aparelhos, remédios ou pagamentos dos profissionais necessários. Da mesma forma, quem consome drogas não se sente
responsável pelo aumento da violência relacionado ao tráfico ou, quem faz
da educação um comércio, não se responsabiliza pela qualidade do ensino.
Quem permite a decolagem de uma aeronave com problemas ou a construção ou liberação de uma pista de pouso com eventuais problemas não se
sente mais responsável pelas conseqüências de suas ações.
Estamos num momento bem diferente de 40 anos atrás, quando havia hospitais e escolas que tinham condições de atender à população. Hoje, temos
a saúde e a educação usadas como um bem de consumo e não um bem
precioso que todo cidadão deveria ter acesso. Isto faz parte da violência
que vai destruindo a pessoa e também a Nação.
Elegemos líderes que não cumprem as promessas de campanha. Depois
de eleitos se tornam privilegiados, recebendo mordomias, bons salários e
aplausos, deixando de ver o cidadão que é submetido a todo tipo de desrespeito. Cidadão que luta para sobreviver, sem as condições mínimas que
o façam crescer como pessoa para desenvolver a sua capacidade de relaxar,
criar e refletir, contribuindo assim para a sociedade. Ao não investir e respeitar o cidadão, a Nação perde sua grande chance , abrindo caminhos para
sua própria destruição.
Há muito tempo, diariamente, estamos sobrevivendo, algo bem diferente
de viver. Para o nosso alívio, veio os Jogos do Pan e nos agarramos a ele,
ávidos por um momento de relaxamento, um pouquinho de alegria, paz
e de sonhos. Afinal, o Rio está lindo e cheio de esperança. Nosso hino é
cantado a cada medalha conquistada, embalada pelo coro “sou brasileiro
com muito orgulho”.
Vivemos alguns poucos dias como se estivéssemos em paz, sem tiroteio,
balas perdidas, novas denúncias de corrupção, embora lá no fundo todos
nós soubéssemos - mas não queríamos reconhecer - que tudo continuava
acontecendo. De repente, como se acordássemos de um sonho, a realidade
se impõe mais uma vez: um avião explode, levando quase 200 vidas. Não
importa se foi uma falha mecânica, a chuva, a pista. Só podemos falar em
tragédia quando um fato acontece inesperadamente. Não podemos admitir
como tragédia algo que vinha se anunciando. Por se anunciar, ela mesma
está nos dando chance de evitá-la, clamando por ações.
Após o ocorrido, resta a sociedade chorar, se culpar para aliviar a própria
culpa, culpar e pedir indenização. Mas o que vamos indenizar? Quanto vale
os abraços que os filhos que ficaram órfãos deixarão de receber?Quanto
vale o vazio deixado em uma família pela ausência de um filho que estava iniciando a vida ou uma carreira? Quanto vale uma vida interrompida
abruptamente? E os sonhos não realizados? E as lembranças traumáticas e
a culpa que padecem os que sobreviveram?
O que constatamos é como estamos desamparados. A cada acidente, a
cada falcatrua descoberta aparecem pessoas que sabiam, relatórios que assinalavam, pessoas que se omitiam, ou que quiseram se beneficiar.
A outra tragédia, também anunciada, está relacionada à ignorância e a
omissão. Por que nos omitimos? Talvez por estarmos nos sentindo completamente impotentes, sem esperança e sem confiança no outro e no futuro.
Podemos nos conformar e pensar:“ A vida é assim”. Mas quem faz a vida
ser assim? O ser humano tem a capacidade de se desenvolver e, através
de sua experiência de vida, pode se tornar uma pessoa integrada, íntegra
e útil para a sociedade. Para isso, entretanto, ele necessita que o meio lhe
ofereça condições favoráveis. Nós , psicanalistas, nos preocupamos com
as conseqüências das invasões, dos traumas e da violência do ambiente,
pois acarretam paradas e distorções no desenvolvimento, especialmente,
na criança, mas também no adulto.
Estamos a todo o momento experimentando a sensação de que algo muito
ruim vai nos acontecer. Na verdade, tememos o que já aconteceu. Já fechamos nossas casas, colocamos grades em nossos prédios. Dia a dia, mais e
mais, vamos nos isolando.
Em contato com tanta violência e hostilidade, que tipo de cidadão estaremos criando? Pessoas que se submetem à violência e à força ou pessoas que reativamente usam da mesma violência para esconder seu próprio
medo e sua fragilidade. Quando a sociedade não está cuidando do cidadão,
oferecendo condições de vida, resta-nos apenas, como na guerra, tentar
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Cultura
Associação Brasileira de Psicanálise
Drummond: 20 anos
de uma ausência sentida
A
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
os 84 anos, em 17 de
agosto de 2002, morria Carlos
Drummond de Andradde, considerado o mais importante dos
poetas modernos. Seus poemas
foram traduzidos em, pelo menos, 12 idiomas. Sua obra refletia o comportamento humano.
Seus olhos vasculhavam o Brasil
e o mundo. Resultado: Mais de
80 livros publicados entre contos, poesias, ensaios e crônicas.
Mineiro de nascimento, carioca
por adoção. Contestado e fortemente criticado pelo poema
No meio do caminho (publicado
nesta página), hoje sabemos melhor do que ninguém a quantas e
que pedras Drummond se referia. Tropeçamos em muitas delas
diariamente em todas as áreas.
Acreditem, mas quando estudava no colégio Anchieta em Nova
Friburgo, região serrana, do Rio,
foi expulso por “insubordinação
mental”. E mais: foi um burocrata, funcionário público até se
aposentar em 1962. Como é difícil viver de arte neste país. Mas
a história dá mil voltas. Em 1987,
a escola de samba Mangueira
ganhava o desfile de Carnaval,
tendo Drummond como enredo. E hoje, ele descansa sentado,
em forma de escultura, olhando
com sabedoria a paisagem, num
banco da praia de Copacabana,
bairro onde morou grande parte
de sua vida.
Carlos Drummond de Andrade
Em Alguma Poesia
Ed. Pindorama, 1930
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