10 de Setembro - Igreja Baptista de Almada
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Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros 4 de Outubro Quando Preciso de Conforto Passagem Bíblica: Salmo 23:1-6 CONTEXTO DA PASSAGEM Este é sem dúvida o salmo mais conhecido nas comunidades cristãs, ao qual Charles Spurgeon chamou de “A Pérola dos Salmos”. Contudo, no círculo dos estudiosos, parece que a sua interpretação não é muito fácil. Uma das preocupações que eles enfrentam é: até que ponto as descrições são factos? O salmista usa metáforas para descrever a sua relação com Deus. E a questão que os exegetas levantam é: quantas metáforas são usadas? Quatro são os pontos-de-vista apresentados em relação ao salmo. Uns acham que o salmo fala de Iavé como um pastor cuidadoso, outros preferem vê-lo como um hospedeiro gracioso, e ainda outros acham que o salmo descreve Iavé como o guia dos errantes. Certamente poderemos ver que para cada uma delas temos versículos que se encaixam perfeitamente. Iavé como Pastor vê-se nos versículos 1-2, como Guia nos versículos 3-4, como Médico no versículo 5 e como Hospedeiro no versículo 6 1 . Gunkel considerou que este salmo apresenta todas as características de um salmo de confiança, mas pertencendo à classificação dos salmos de lamento 2 . E estabeleceu sete elementos que compõem este tipo de salmos: Invocação da divindade; Lamento; Petição; Motivos de intervenção divina; Afirmações de confiança; Reivindicação de inocência ou Confissão de pecados e Conclusão com expressões de confiança. No processo do estudo dos salmos, os estudiosos começaram a achar que seria importante usar um método que se concentrasse nas preocupações históricas. A ideia era que a história judaica podia ajudar imenso na interpretação dos salmos. Assim, Briggs ilustrou como é que se poderia datar o Salmo 23. A sua conclusão foi a seguinte: “A linguagem e a sintaxe do salmo e todos os seus ideais são antigos. Não há o mais pequeno traço de algo que seja pós deuteronómico. As circunstâncias históricas do poeta devem ter sido pacíficas e prósperas. Não podemos ir tão tarde quanto os tempos prósperos do período grego nem do período persa. Não podemos pensar no Exílio nem na Restauração, pois a literatura desses tempos está cheia de provações e tristezas. A ausência do templo é indicada pelo texto hebraico, mas isso deve-se a um erro textual. O templo era o recurso habitual do poeta. Ele era um convidado ali. Por isso, não podemos pensar no Exílio nem no tempo de David, o autor tradicional dos salmos… as três figuras: pastor, guia e anfitrião, são todas características simples e naturais da vida em Jerusalém e sua vizinhança em qualquer período da história bíblica. Uma pequena caminhada de Jerusalém, em qualquer altura, levaria a ribeiros e a pastagens sombrios dos pastores. Não podemos pensar no período de conflito com os assírios e os babilónios. Por isso, devemos recuar para um período mais antigo e mais simples, os dias da monarquia inicial, não anterior a Salomão nem posterior a Jeosafá” 3 . 1 Samuel L. Terrien, The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary, Grand Rapids, Eerdmans, 2003, 238. 2 Herman Gunkel, the Psalms: A Form Critical Introduction, Philadelphia, Fortress Press, 1967, 19-22. 3 C. A. Briggs, The Book of Psalms, ICC, London, T. & T. Clark, (1906) 2004, 207-8. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 1 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros Entretanto, tem sido mais complicado definir o seu contexto vivencial (Sitz im Leben). Uns consideram que o salmo é biográfico enquanto outros acham que é cultual. Como o versículo 6 fala da “casa do Senhor” há quem pense que o contexto é o de um culto com um banquete de acção de graças. Mowinckel acha que o facto de o salmo apresentar expressões de experiências e sentimentos pessoais não significa que o salmo não tenha sido escrito para ser usado no culto 4 . Não sabemos qual terá sido exactamente a experiência do salmista, apesar de se deduzir que teve uma experiência amarga com os seus inimigos, devido ao versículo 5. Certamente será de bom tom deixar que o texto nos abra várias portas interpretativas, pois presentemente, os diversos estudos feitos neste salmo apresentam-nos várias e amplas interpretações 5 . Deus Providencia (Salmo 23:1-2) Versículo 1 De acordo com o texto hebraico, este salmo começa com a expressão dwid;l] r/mz]mi (mizemor ledawid), “salmo de David”. A palavra para salmo ocorre 57 vezes e é um termo técnico somente usado no Saltério. Provavelmente denota um cântico para ser cantado no culto com o acompanhamento de instrumentos de corda 6 . O termo hebraico dwid;l] (ledawid) tem sido traduzido normalmente por “de David”. No entanto, vários estudos têm comprovado que a expressão pode ter várias interpretações. Por isso, podese concluir com Anderson que “a explicação mais provável é que na maioria dos salmos devemos traduzir a nossa frase por “pertencente a David”, isto é, à colecção de cânticos de David. Não é impossível que esta colecção incluísse alguns poemas compostos pelo próprio David, assim como outros foram escritos para o uso dos reis davídicos” 7 . O elemento mais relevante do salmo 23 é que Iavé é apresentado como o pastor da pessoa individual. Oesterley vê a indicação do que chama “o sentido crescente da importância do indivíduo em contraste com a concepção tradicional da comunidade como uma unidade da solicitude divina”.8 A frase em hebraico “O Senhor é meu pastor” ( y[iro hw;hy] – yehwah rô‘iy) é única no texto bíblico, mas não deixa de expressar um tom individual e pessoal. O pronome possessivo “meu” denota, sem dúvida, esta relação íntima que o adorador tem com Iavé. Desta forma o salmista sugere uma comparação entre Iavé e ele mesmo. Ele coloca-se na pele de uma ovelha e indicia que “é necessária uma providência constante e atenta para vencer a estranha complexidade da natureza humana” 9 . O que está em causa no verbo hur (ra‘ah) é a alimentação de quem depende de um pastor. A pastorícia era a ocupação mais comum na Palestina. “Este atributo de Deus é uma das marcas dos ofícios de profeta, sacerdote e rei”. 10 Há vários textos da Bíblia que falam de Deus como pastor embora a ênfase seja mais nas ovelhas (Sl 77:20; 78:52; 100:3; Is. 40:11; Ez. 34). A Septuaginta interpreta o substantivo como um verbo e traduz poimaivnei me (“apascenta-me”). 4 Sigmund Mowinckel, The Psalms in Israel’s Worship, vol. II, Grand Rapids, Eerdmans, (1962) 2004, 20. 5 Susan E. Gillingham, The Image, the Depths, and the Surface: Multivalent Approaches to Biblical Study, London, Sheffield Academic Press, 2002, 45. 6 Idem, 208. 7 A. A. Anderson, Psalms (1-72), Grand Rapids, Eerdmans, (1972) 1981, 45. 8 W. O. E. Oesterley, The Psalms, 1939. 9 Samuel l. Terrien, The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary, 2003, 239. 10 W.White, “hur”, TWOT, vol. 2, 853. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 2 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros São vários os textos bíblicos que mostram que a tradição israelita descrevia frequentemente Iavé como o pastor do seu povo (Is 40:10; Jr 23:3; Ez 34:11-16; Os 4:16 Mq 7:14; Zc 9:16). O rei de Israel também era descrito com a mesma linguagem (2 Sm 5:2; 7:7; Jr 3:15; 10:21; 22:22; Ez 34:23; Mq 5:4). Sabe-se que esta terminologia não é peculiar a Israel, pois outras nações da mesma época e anteriores, no Próximo Oriente, a usavam, como por exemplo: Hamurabi era chamado de “pastor”; no hino ao deus-sol, Shamash é designado como “pastor dos (povos do mundo)”. 11 Se o rei não cumpria com o seu dever de dar o alimento para o seu povo, o salmista tinha a plena confiança na providência de Deus. Ao dizer que nada lhe faltaria há “uma alusão implícita à história da salvação do povo. Enquanto atravessou o deserto durante quarenta anos, Israel não teve falta do que quer que fosse, pois Deus estava com ele (Dt. 2:7)” 12 . O salmista tem a consciência e certamente a experiência de que Deus nunca lhe faltou, por isso usa o Imperfeito de rsej; (chaser) para transmitir a ideia de que a acção ainda não está acabada e o futuro estará assegurado. Um pastor nunca deixaria que algo faltasse ao seu rebanho. Ele vai providenciar sempre o alimento e a água para saciar as duas principais necessidades biológicas. Versículo 2 Este versículo completa a metáfora do pastor, o qual não está penas preocupado em satisfazer as necessidades biológicas, mas cuida também de um bem-estar psicológico. O salmista encontra verdadeiro descanso tanto na verdura como na tranquilidade das águas. Como um bom pastor, Iavé cria as condições para que o seu rebanho possa descansar em ambiente agradável. O verbo “deitar” (≈b"r; - rabats) encontra-se no Hiphil, que transmite a ideia de causativo. Isto significa que é o sujeito que provoca a situação, neste caso a de deitar em verdes pastos (av,D, t/an]Bi – bine’ôt deshe’). A palavra t/an] (ne’ôt) tem como raiz a palavra hw;n; (nawah) que significa “pasto” ou “prado”. Quanto à palavra av,D, (deshe’), significa “erva fresca”. O profeta Isaías usa esta palavra no sentido de crescimento e prosperidade (Is. 66:14). É possível que esta frase tenha sido provocada pelo momento em que o poeta vê os campos com a erva ainda fresca, talvez no início da Primavera. O ambiente é de descanso, pois a pessoa pode deitar-se ou estender-se nos prados verdejantes. O termo que se segue a “águas” é um substantivo e não um adjectivo. Estamos perante um substantivo feminino que significa “lugar de descanso” (t/jnum] - menuchôt). Esta palavra está associada ao verbo j"Wn (nuach), de onde vem a palavra “Noé”, que significa “descansar”. No Salmo 132:14, esta palavra é traduzida por “repouso”, e Isaías também a usa para referir o lugar de repouso de Iavé. Calvino diz que David usou esta frase “para expressar as águas a fluírem suavemente” 13 . O estado constructo da palavra “águas” (yme - mey) mostra que há uma relação de genitivo, isto é, o salmista fala das águas que pertencem ou dão origem ao repouso. Ele sente-se guiado às águas de repouso. Perowne traduz o texto por “águas de descanso” 14 , e Anderson conclui que “a referência é mais provavelmente às águas que trazem repouso” 15 . 11 James B. Pritchard, The Ancient Near East, Chicago, Princeton University Press, 1973 (1958). Anderson, Psalms (1-72), (1972) 1981, 196-7. 13 Calvin, Commentary on the Book of Psalms, vol. I, tradução de Rev. James Anderson, Grand Rapids, Christian Classics Ethereal Library, 301, http://www.ccel.org. 14 Perowne, The Book of Psalms, vol. I, (1878) 1980, 250. 15 Anderson, Psalms (1-72), (1972) 1981, 197. 12 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 3 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros Deus Conforta (Salmo 23:3-4) Versículo 3 A primeira frase do versículo faz mais sentido se estiver na sequência da frase anterior “guia-me a águas de repouso”. A Bíblia Hebraica Stutgartensia mantém-na na mesma linha da frase anterior, para fazer o paralelo poético, embora só possua duas palavras, quando deveriam ser três por razões de métrica. Briggs diz que isto se deve a um erro do copista em condensar duas palavras semelhantes, o infinitivo absoluto, expressando intensidade temporal, “para sempre”, depois do seu verbo, e a forma usual do imperfeito Hiphil” 16 . Por isso, ele traduz a frase por: “ele restaura (para sempre) a minha alma”. A palavra “alma” (vp,n, - nephesh), é interpretada como sendo o assento dos apetites e dos desejos. Mas quando se pensa nos desejos, nos apetites ou nas experiências emocionais, a palavra está a ser usada para a totalidade humana 17 . Samuel Terrien não traduz literalmente esta frase por “refrigera a minha alma”, porque acha que se corre o risco de se confundir a palavra hebraica com a palavra grega psychê. Segundo ele, o hebraico bíblico, quando usa a palavra “abrange uma variedade de sentidos: o ser mais profundo, a vivacidade existente, a palpitação sanguínea, a exalação, o suspiro, o impulso emocional, o desejo, a fragrância, etc.” 18 . Por isso prefere traduzir da seguinte maneira: “renova em mim a personalidade vivificante do meu corpo”. Desta forma ele dá a ideia de que a vp,n, (nephesh) é uma coisa distinta do corpo. A palavra só pode estar a referir-se à pessoa no seu todo, designando assim o “eu”. É interessante que a palavra hebraica para “refrigerar” é bWv (shub), que é a habitual palavra para “voltar” ou “arrepender”. Em termos figurados o Po’el do verbo denota intensidade e repetição, por isso o Léxico traduz por “restaurar”. Iavé é aquele que restaura o ser do poeta, volta a dar-lhe a vitalidade que tinha. A terceira linha do poema começa com a palavra ynijen]y" (yanecheniy), “guia-me”, o Imperfeito do Hiphil do verbo hj;n; (nachah), que significa “ir em direcção de”. Esta palavra é usada especialmente para demonstrar as bênçãos que Iavé tem para os seus. Apesar da palavra “vereda” designar um caminho estreito, um atalho, ou um carreiro, e em hebraico (lG;[]m" – ma‘eggal) está associada à palavra “trincheira”. Em termos metafóricos, designa um curso de acção ou da vida. Se, por um lado, a palavra denota algo pouco agradável, por outro, ao estar ligada à palavra “justiça” ( qd,x, - tsedeq) ela adquire um sentido positivo e bom. Alguns tradutores interpretam a palavra tsedeq como uma referência à “rectidão” ou a algo “direito”. Briggs traduziu por “veredas direitas” e conclui que “são aquelas que conduzem directa e seguramente ao lugar de destino, distinguindo-se das veredas erradas que desencaminhariam” 19 . Posteriormente, Kissane sugeriu que a frase fosse traduzida por: “veredas que conduzem à felicidade” 20 . Com esta frase ele, certamente, referia-se aos caminhos que conduziam à libertação e por conseguinte ao bem-estar e à bem-aventurança. A expressão “por amor do seu nome” (/mv] ˆ["m"l] – lema‘an shemô) significa “por causa do seu nome” ou “por causa da sua reputação”. Anderson explica que “o nome de Iavé está muitas vezes associado à sua auto-revelação (cf. 106:8), e 16 C. A. Briggs, The Book of Psalms, ICC, (1906) 2004, 209. Cf. N. W. Porteous, “Soul”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 4, Nashville, Abingdon Press, 1962, 428-9. 18 Samuel L. Terrien, The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary, 2003, 239. 19 Briggs, The Book of Psalms, ICC, (1906) 2004, 209. 20 E. J. Kissane, The Book of psalms, vol. 1, Dublin, Browne and Nolan, (1953) 1964, 104. 17 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 4 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros consequentemente o que ele faz é feito para ser verdade em relação a si ou à sua automanifestação” 21 . Versículo 4 Este versículo é composto por duas linhas com seis palavras cada. O salmista descreve uma situação de grande perigo a todos os níveis. Mas está confiante por causa da presença de Deus. A Septuaginta apresenta a oração condicional em modo eventual, em que a condição ainda não se realizou mas pode realizar-se no futuro, para uma oração concessiva hebraica iniciada por yKi μG" (gam kî) 22 . O facto de o salmista dizer que não temerá qualquer mal não impede que venha a andar pelo vale da sombra da morte. Torna-se mais dramático saber que a palavra para “vale” (ay]G" – gay’) está associada a “sombra da morte”. Perowne preferiu entender esta palavra como sendo uma referência a “ravina”, “penhasco” concluindo que é um lugar “horrível com rochas ameaçadoras e longas sombras mortais que vão crescendo em profundidade e mais arrepiantes quando o sol afunda” 23 . Briggs diz que “a região montanhosa de Judá é rasgada com ravinas estreitas e íngremes, ou uades, difíceis de descer e subir, escuros, tenebrosos e abundantes em cavernas, as habitações de animais selvagens e ladrões” 24 . De facto, a palavra “sombra da morte” ( tw,m;l]x" - tsalemawet) transmite esse conceito. Os filólogos discutem se a palavra é um substantivo composto por lxe (tsel), “sombra”, mais tw,m; (mawet), “morte”, ou se é uma palavra apenas e que deve ser lida tWml]x" (tsalmut), “trevas” ou “trevas profundas”. O argumento usado por alguns estudiosos é que as palavras compostas são extremamente raras em hebraico excepto em nomes próprios 25 . O salmista certamente não estará a falar da morte, mas sim de sombras escuras que provocam calafrios numa pessoa. Poderá também haver um sentido metafórico nesta palavra. Sejam quais forem as circunstâncias, o adorador a Iavé pode afirmar que não tem temor do mal. Sabemos que a palavra [r" (ra‘) pode ser traduzida por “miséria”, “sofrimento”, “calamidade” ou “aflição”, tendo um sentido primeiramente pragmático e qualitativo 26 . A segunda linha do verso começa com a frase “porque tu estás comigo” (ydiM;[i hT;a"AyKi – kî-’atah ‘imadî). Esta linha encontra-se precisamente no meio do poema, com quatro linhas antes e quatro linhas depois. Há uma mudança forte da terceira pessoa para a segunda. O pronome “tu” (hT;a" - ’atah) é enfático. “Esta declaração … e a dupla abordagem a Deus na terceira estrofe, parece inclinar-se para uma abordagem mística com a intimidade divina” 27 . Só quem tem uma relação íntima com Deus pode afirmar que Ele está consigo. Esta certeza aponta para uma vivência espiritual cheia de fidelidade e confiança. Os dois instrumentos usados na defesa e no combate às adversidades são a garantia de que Deus defende e luta pelo salmista que confia nele. A palavra “vara” 21 Anderson, Psalms (1-72), (1972) 1981, 197. Cf. Gesenius’ Hebrew Grammar, Oxford, Clarendon Press, 1985, §160b. 23 Perowne, the Book of Psalms, vol. I, (1878) 1980, 251. 24 Briggs, The Book of Psalms, ICC, (1906) 2004, 209. 25 Cf. Perowne, The Book of Psalms, (1878) 1980, 252-3. 26 S. J. De Vries, “Evil”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 2, Nashville, Abingdon Press, 1962, 182. 27 Samuel Terrien, The Psalms: Strophic Structure and Theological Commentary, 2003, 240. 22 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 5 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros (fb,ve - shebet) designa um instrumento usado primeiramente para reunir ou contar as ovelhas, mas também para a defesa ou afastamento dos animais selvagens e outros inimigos, e ocasionalmente poderia ter uma ponta com metal (cf. 2 Sam. 23:21; Miq. 7:14). Em alguns textos a palavra é usada com o sentido de uma marca de autoridade (Gén. 49:10; Jz. 5:14) ou como símbolo de conquista (Núm. 24:17). Quanto ao termo “cajado” (tn,[,v]mi – mishe‘enet), será uma vara maior, feita de madeira e servia para apoio da pessoa que a usava. O texto termina com a frase “elas me consolam”. O autor deu ênfase ao pronome “elas” (hM;he - hemmah). Quanto ao verbo “consolar” (μj"ni - nicham), a crítica textual apresenta outra leitura. Alguns comentaristas seguem a leitura da crítica textual que apresenta o verbo “guiar” ( hj;n; - nachah), para condizer com o verbo no versículo 3. De facto, não parece mal ver aqui o verbo “guiar” em vez do verbo “consolar”. Deus Garante (Salmo 23:5-6) Versículo 5 A metáfora muda de Guia para Hospedeiro ou Curador. A frase “preparas uma mesa” é a fórmula comum para o fornecimento de uma refeição. Por isso é “muito provável que o autor tenha em mente a refeição sacrificial que se seguia ao sacrifício de acção de graças” 28 . Isto transmite a ideia de que o salmista se encontra no templo realizando um acto sacrificial e recebendo em troca uma oferta de Deus. A expressão “perante mim” (yn"p;l] - lepanay) literalmente significa “na minha face”, por dedução refere-se à frente do adorador. A palavra “na presença” (dg,n, - neged) não significa que os inimigos estivessem ali presentes no templo 29 , mas que estavam a ver. A palavra também tem o sentido de “em oposição a”. A ideia é que com a vara e o cajado Iavé derrotou os inimigos do salmista, e estes inimigos, agora vencidos, estão a presenciar o banquete de vitória que Iavé preparou para o seu servo. Perowne escreve: “aqueles que vêem, mas não podem ferir-me” 30 . A palavra “inimigos” (rx" - tsar) é o Particípio Activo do verbo rr"x; (tsarar) que significa “mostrar hostilidade a” ou “molestar”. Certamente o Particípio pode transmitir a ideia de alguém que continua a provocar, mas não se sabe que tipo de molestador, pois pode ser a nível espiritual, psicológico ou físico. Era prática comum no oriente providenciar o óleo para ungir a cabeça do visitante. A pessoa que recebia um convidado em casa dava as boas vindas e as honras da casa derramando o óleo sobre a sua cabeça (Sl. 45:7; 92:10; 133:2; Am. 6:6; Lc 7:46). Era uma forma de refrescar e mitigar o cansaço de um viajante. A palavra para “ungir” (ˆveD; - dashen) significa literalmente “engordurar”, “pôr gordura”. A acção é feita com intensidade, pois o verbo encontra-se no Piel. Significa que o sujeito da acção coloca todo o seu empenho na concretização do acto. Não é uma coisa feita levianamente. Também era costume dar as boas vindas ao convidado com uma taça de vinho. Briggs acha que a ideia aqui não é tanto “a de um cálice cheio até transbordar… mas um cujo vinho satura, molha por completo, ou encharca aquele que o bebe, tão excelente é a 28 Anderson, Psalms (1-72), (1972) 1981, 198. Assim pensa Anderson, Psalms (1-72), (1972) 1981, 198. 30 Perowne, The Book of Psalms, (1878) 1980, 252. 29 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 6 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros sua qualidade e tão ampla a sua quantidade, intoxicando” 31 . A palavra hebraica para “transborda” (hy;w;r] - rewayah) é um substantivo e significa “saturação”. No entanto, na sintaxe hebraica é costume usar-se um substantivo como predicado quando não há um adjectivo correspondente ou quando se pretende que o atributo receba uma certa ênfase 32 . Portanto, a ideia é que o cálice que lhe foi dado saciou-o completamente. Versículo 6 Mais uma vez encontramos as palavras preferidas do salmista que descrevem a natureza de Deus: “bondade” (b/f - tôv) e “misericórdia” (ds,j, - chesed). Desta vez o salmista personifica os atributos de Deus, como alguém que frequenta e espera pelos convidados. O verbo “seguir” (πd"r; - radaph) significa literalmente “perseguir”, “caçar”. Deste modo, como diz Anderson, “o salmista já não é mais perseguido pelos seus inimigos, mas é perseguido, literalmente, pela bondade de Deus” 33 . A palavra tôv fala da natureza boa de Deus. Deus é bom na sua essência, e nele não há qualquer ponta de maldade. A sua misericórdia (ds,j, - chesed) diz respeito ao amor firme e constante que ele tem pelo ser humano, que se encontra numa situação de desgraça e miséria. O seu coração palpita aceleradamente pela situação de miséria que o ser humano vive. Mas é precisamente estas duas qualidades intrínsecas em Deus que levam o salmista a sentir-se perseguido. É uma perseguição boa para o resto da sua vida. Ao sentir que Deus o persegue com o que tem de melhor/excelente, o adorador expressa o seu desejo de habitar na casa do Senhor por longos dias. Ele não quer uma experiência passageira nem temporária. Tanto quanto lhe for possível, ele manter-se-á na presença de Iavé, que lhe preparou uma mesa, refrescou a sua cabeça e saciou a sua sede. A expressão “casa de Iavé” (hw;hy]Atybe – beyt-yehvah) sempre foi usada em relação ao templo. Portanto, o salmista que escreveu este poema tem conhecimento da existência do templo, o qual ainda não tinha sido construído na época de David. É uma expressão muito usada pelos profetas do século VIII e pelos escritores da época pós exílio. No entanto, não significa que a expressão não fosse usada já antes do exílio. Mas é difícil atribuí-la a David. A Septuaginta usa a palavra katoikei'n (katoikein) que significa “habitar”. Mas o texto Massorético tem a palavra yTib]v" (shabetiy) que é o Imperferito do verbo bWv (shub), significando “voltar”. Mas a crítica textual propõe a leitura yTib]vi (shibetiy) do verbo bv"y; (yashab) que significa “habitar”. Os estudiosos dizem que faz mais sentido o verbo “habitar” do que o verbo “voltar”. Por outro lado baseiam-se na leitura do salmo 27:4. Habitar na casa do Senhor implica ter o direito a entrar nela e a participar na adoração. Isto significa que há grande alegria em ter comunhão e união com o Senhor. Como afirma Brueggemann, “não é o lugar, mas a vitalidade da relação que transforma” 34 . 31 Briggs, The Book of Psalms, ICC, (1906) 2004, 210. Cf. Gesenius’ Hebrew Grammar, §141c. 33 Anderson, Psalms (1-72), (1972) 1981, 199. 34 Walter Brueggemann, The Message of the Psalms, Minneapolis, Augsburg Press, 1984, 156. 32 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 7 Comentário ao Salmo 23:1-6 por Virgílio Barros CONCLUSÃO 1. Tudo o que nós verdadeiramente necessitamos Deus pode providenciar, e só reconhecemos isso quando confiamos nele. 2. Podemos receber o conforto em todas as situações difíceis da vida quando temos a certeza de que a presença de Deus nunca nos abandonará. 3. Ter consciência da segurança e satisfação que uma relação chegada a Deus providencia pode motivar-nos a procurar uma relação mais íntima com Ele. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 8
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