10 de Setembro - Igreja Baptista de Almada
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10 de Setembro - Igreja Baptista de Almada
Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros 22 de Novembro Dê Graças Passagem Bíblica: Salmo 116:1-19 CONTEXTO DA PASSAGEM Graças ao trabalho de Hermann Gunkel, que desenvolveu o Método da Crítica da Forma aplicado aos Salmos, praticamente todos os estudiosos classificam este salmo como um Salmo de Acção de Graças Individual. Como já é de esperar este tipo de salmos estão espalhados por todo o Saltério, no total de 11. Os elementos que de certa forma definem este género são cinco: 1) Introdução com acção de graças ou louvor; 2) Descrição da aflição e libertação; 3) Confissão de que Iavé é o Redentor; 4) Proclamação do sacrifício de acção de graças; 5) Conclusão, às vezes contendo elementos peticionários ou de hino. O uso do pronome pessoal “Eu” mostra que uma certa pessoa passou por situações difíceis, que se dirigiu para Iavé e obteve o Livramento. Por esta razão oferece sacrifícios de acção de graças. A princípio o salmo estava restringido à pessoa ou ao círculo familiar, mas posteriormente passou a ser usado pelo mesmo círculo de adoradores. Como nos diz Gerstenberger no seu comentário aos Salmos, “originalmente e até aos tempos monárquicos, os serviços de acção de graças em Israel eram mantidos provavelmente em família e círculos de vizinhança, em lares ou em santuários locais. Com a emergência de uma comunidade judaica centrada exclusivamente em Iavé …, as cerimónias para pessoas sofredoras e curadas passaram para a administração das congregações locais (Salmos 12; 118) que as adaptaram às suas necessidades e expectativas” 1 . Portanto, a partir de uma certa altura, este salmo começou a ser usado nos rituais de sacrifícios de acção de graças e é neste contexto vivencial que ele deve ser interpretado. Gunkel procurou apresentar um cenário do que se passaria naquele tempo. Então escreveu o seguinte: “A pessoa que vai oferecer o sacrifício prostra-se diante do templo (Sl 138:2). Os familiares e conhecidos que esperam participar na refeição sagradas ficam em pé à sua volta (Sl 22:26). Depois, com um pedaço de carne crua sagrada na mão (116:13) e antes do sacrifício real, ele canta o seu hino com voz audível. Deve voltar-se primeiro para os presentes e dizer algo com este efeito: Ouçam, isto foi como aconteceu comigo; portanto, agora, agradeçam a Iavé comigo.” 2 . Do salmo 113 ao Salmo 118 temos uma colecção que é conhecida por Hallel, porque entre eles temos a palavra hebraica Hy;AWll]hæ (halelu-yah) que significa “Aleluia” ou “louvai a Iavé”. O louvor é sem dúvida a concentração chave destes seis salmos. E muito chegado ao louvor está a acção de graças, porque, quando louvamos ao Senhor por aquilo que Ele fez, acabamos por Lhe agradecer. É difícil estabelecermos uma ordem lógica neste salmo, até para se apresentar uma estrutura coerente. O salmista apresenta as suas dificuldades na primeira pessoa do singular, mas o versículo 5 já usa a primeira pessoa do plural, dando a ideia de que é a comunidade que fala em conjunto. Por outro lado, o salmista mostra um discurso com 1 2 Erhard S. Gerstenberger, Psalms, Part 2 and Lamentations, Grand Rapids, Eerdmans, 2001, 296. Hermann gunkel, The Psalms: A Form-Critical Introduction , Philadelphia, Fortress Press, 1967, 17-18. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 1 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros avanços e recuos, isto é, ora fala dos seus problemas, ainda que de forma generalizada, ora fala da libertação que o Senhor operou. O salmo ainda apresenta uma espécie de refrão, repetição das palavras “Invocarei o nome de Iavé; Pagarei os meus votos a Iavé na presença de todo o seu povo” (vv. 13b-14 e 17b-18), embora não faça uma divisão perfeita do salmo. No entanto, há uma ênfase no acto da apresentação dos votos ao Senhor com a invocação do seu nome. Sem dúvida que o “salmo tinha o objectivo de ser recitado como uma acção de graças e um testemunho perante os adoradores no templo, enquanto a pessoas restaurada pagava os seus votos a Deus” 3 . Toda a congregação desfruta desta experiência pessoal identificando-se nas mesmas aflições e preocupações, assim como no acto de libertação de Deus. Pegando, porém, em palavras-chave, poderemos eventualmente dividir o salmo em quatro secções. Os versículos 1-4 concentram-se na invocação a Deus; os versículos 5-8 meditam sobre o descanso em Deus; os versículos 9-11 expressam o desejo de andar com Deus; os versículos 12-19 falam sobre a adoração a Deus. Orando a Deus (Salmo 116:1-4) Versículo 1 Este versículo começa com o verbo “amar” (bhea; - ’ahab) usado num sentido absoluto. O texto hebraico lê apenas yTib]hæa; (’ahabettiy), “Eu amei”. Isto quer dizer que ele não tem complemento directo, o que não faz muito sentido. Então, os exegetas pegaram no nome Iavé que se encontra na oração subordinada causal, iniciada com “porque”, e transformaram-no no complemento directo do verbo. Assim, as nossas versões lêem: “Eu amo ao Senhor, porque…”. A Septuaginta manteve as orações conforme o texto de hebraico, pelo que temos “hjgavphsa, o{ti…”. De qualquer forma é importante notar que os actos graciosos de Deus despertaram no salmista o desejo de fazer uma declaração pública de amor, de forma absoluta mas dirigida a Iavé certamente. Como o salmo é um cântico usado na comunidade é importante para o salmista fazer esta declaração logo no início. É em acto de culto que ele o faz. Wallis diz-nos que “foi no santuário de Iavé que o homem se tornou consciente do seu amor, e foi apenas no seu santuário em Jerusalém que o homem pôde manifestar-lhe o amor em resposta” 4 . Portanto, não é de admirar que o salmista queira iniciar o seu cântico com a palavra “amar”. A explicação que o autor dá para o sentimento que brota do seu íntimo é o facto de Iavé prestar atenção à sua voz. O verbo hebraico [mæv; (shama‘) tem precisamente o sentido de estar com atenção a fim de realizar algo condizente com o que está a ouvir. No texto hebraico, o verbo encontra-se no Imperfeito ([mæv]yi - yishema‘), “ele ouviu”, mas a crítica textual sugere a leitura no Perfeito ([mæv; - shama‘), considerando o y (yod) um erro de ditografia, por aproximação da conjunção yKi (kî). O Perfeito expressa a acção de Deus como algo acabado mas em continuação. Por outro lado, associa-se ao Perfeito do verbo “amar”. Há outra tradução para a expressão “a minha voz e a minha súplica”. De facto a Septuaginta tem “a voz da minha súplica” (th'" fwnh'" th'" dehvsewv" mou), juntando a 3 A. A. Anderson, Psalms (73-150), Grand Rapids, Eerdmans, 1981 (1972), 790. Gerhard Wallis, “bhæa;”, Theological Dictionary of the Old Testament, vol. I, Grand Rapids, Eerdmans, 1974, 116. 4 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 2 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros “súplica” à “voz” e não as tornando duas coisas distintas. Dahood também acha que estamos perante um caso constructo com um sufixo possessivo interposto, e acaba por traduzir em “o meu rogo por misericórdia” 5 . De facto a palavra ˆWnj}Tæ (tachanun) está associada à raiz ˆnæj; (chanan) que significa “mostrar favor; ser gracioso”. Portanto, como substantivo pode traduzir-se por “súplica por favor”. Sendo assim juntamos tudo e temos: “a voz da minha súplica (pedindo favor)” (cf. Sl 28:2,6; 31:22; 86:6; 130:2; 140:6). O pedido de ajuda foi feito de forma audível. Quando alguém pede “o favor” é porque reconhece a sua situação, que pode ser de derrota ou de morte, e neste caso, o pedido “exige um tipo peculiar de posição da parte daquele que procura, nomeadamente a subordinação” 6 . Como é evidente em vários salmos só tem direito a pedir o favor divino aquele que, encontrando-se numa posição de oprimido, é justo e humilde (Sl 84:11). Mas não podemos esquecer que David pediu o favor de Deus pelo seu filho que estava doente, mas a criança morreu (2 Sm 12:22). Os textos nos salmos mostram-nos que o favor pode ser pedido tanto na base da rectidão como na base da não rectidão desde que seja completado com o arrependimento dos pecados. Versículo 2 Esta segunda explicativa mostra uma maior intensidade na acção de Deus. O verbo “inclinar” (hf;n; - natah) encontra-se no Perfeito do Hiphil (causativo). De acordo com o contexto do salmo, e como se fez no versículo anterior, também aqui pode-se traduzir o perfeito no tempo presente, e porque também representa um verbo de atitude e disposição de ser 7 . A ideia de inclinar os ouvidos sugere uma atenção muito pessoal, cuidadosa e deliberada à petição do salmista. A atitude do salmista é uma consequência da atenção do Senhor, como John Phillips diz no seu comentário expositivo: “O nosso amor é sempre assim, um amor consequente” 8 . No entanto, o salmista parte do princípio de que Deus ouve e inclina os seus ouvidos. Isto significa que a sua convicção é que está perante um Deus vivo e não um deus feito por mãos de homens, que têm ouvidos mas não ouvem. Esta segunda parte do versículo pode muito bem ser a oração subordinante da oração anterior. O verbo “invocar” (ar;q; - qara’) está no Imperfeito e é muito bem traduzido pelo futuro. O salmista parte de uma constatação – “O Senhor inclina os seus ouvidos” – para afirmar que nunca irá parar de o invocar. A expressão “enquanto viver” é literalmente “nos meus dias” (ymæy;b] - beyamay). Anderson procura fazer o texto mais explícito ao parafrasear: “quando nos dias do meu infortúnio eu costumava clamar a ele” 9 . Transformar a frase numa oração temporal não faz jus à estrutura sintáctica do texto hebraico. Certamente, o salmista está a falar dos seus dias de vida. Encorajado pelo passado, o salmista vai continuar a chamar por Iavé no futuro. A sua adoração no templo é a demonstração de que está convicto da contínua atitude de Deus em ouvir aqueles que o buscam. De uma coisa podemos estar certos, é que Deus realmente nos ouve quando clamamos por ele em cada circunstância da nossa vida. Por esta razão, devemos estar gratos e expressar tal gratidão em oração, tanto individual como colectivamente. Nós 5 M. Dahood, Psalms II: 51-100, Anchor Bible, New York, Doubleday & Company, 1968, 110. Freedman e Lundbom, “ˆnæj;”, Theological Dictionary of the Old Testament, vol. V., Grand Rapids, Eerdmans, 1986, 27. 7 Page H. Kelley, Biblical Hebrew: An Introductory Grammar, Grand Rapids, Eerdmans, 1992, 86. 8 John Phillips, Exploring Psalms: An Expository Commentary, vol. 2, Grand Rapids, Kregel Publications, 2002 (1988), 239. 9 Anderson, Psalms (73-150), 791. 6 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 3 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros temos o privilégio de nos dirigirmos a Ele com as nossas alegrias, tristezas e petições. Muitos cristãos hoje conhecem o prazer de orar pessoalmente com Deus através dos momentos de oração diários, fazendo com que as suas vidas estejam completamente em harmonia com os propósitos de Deus. Versículo 3 Este versículo descreve a situação desesperada que o salmista viveu, ainda que seja apresentada de forma generalizada. É evidente que estamos perante uma metáfora quando ele diz: “cordéis de morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim”. A palavra “cercar” (πpæa; - ’aphaph) é tão antiga que só aparece 5 vezes em todo o texto do Antigo Testamento e sempre em poemas (2 Sam. 22:5; Jonas 2:6; Sl 18:5; 40:13; 116:3). A ideia que o salmista quer apresentar é a de que ele se encontra numa situação grave. Ele não define exactamente qual é a natureza do perigo, mas nota-se que é algo que o pode levar à morte. O termo “cordéis” (lb,j, - chebel) é usado como símbolo de cativeiro ou sujeição (1 Reis 20:31-32). Mas também pode ser traduzido por “dores” ou “aflições” (Is 13:8; Oseias 13:13). Gerstenberger diz que “a pessoa salva esteve perto da morte, ou melhor, ele já tinha tornado uma presa da morte e do submundo; ele estava a sofrer a agonia mais profunda” 10 . Isto faz lembrar o caso do salmo no livro de Jonas (2:5) ou a expressão do salmista no Salmo 88:5. O que serão as angústias do inferno? O Léxico refere que a palavra hebraica yrex;m] (metsarey) vem da raiz de rræx; (tsarar) que significa “ligar, atar, prender”. Portanto o significado do substantivo no plural seria “dificuldades, apertos, situações difíceis”. A palavra “inferno” corresponde ao termo hebraico l/av] (she’ol). Esta é uma palavra muito especial que ocorre 66 vezes no texto do Antigo Testamento. No entanto, o seu significado tem sido objecto de muita discussão. Na generalidade a ideia é a de que a palavra deriva do verbo laæv; (sha’al) que significa “inquirir, perguntar” e “aplicava-se originalmente ao reino dos mortos como o local onde se procuravam os oráculos a partir deles. Em apoio a isto está o facto de o verbo em causa ser, na verdade, usado no AT em conexão com as práticas (proibidas) de necromancia (Deut. 18:11; 1 Cr. 10:13), enquanto o termo cognato acádio sa’ilu denota ‘aquele que consulta os espíritos’” 11 . A ideia que se fica da leitura de vários textos do Antigo Testamento é que o Sheol está muito relacionado com a sepultura, pois é o lugar para onde ricos e pobres, cultos e incultos, grande e pequenos irão. Numa visão da antiguidade, em que a terra separava o mundo superior do mundo inferior, a palavra diz respeito ao mundo inferior. O salmista só encontra aperto hræx; (tsarah) e tristeza (ˆ/gy;). Este último termo denota uma dor emocional profunda, como quando se perde um filho (Gn 44:31). A situação do adorador não é fácil nem agradável. A dor é demasiado intensa. Versículo 4 Na sua aflição, o salmista invoca o nome de Iavé. De acordo com o texto hebraico, a primeira palavra que aparece é “nome” (μve - shem), seguida de “Iavé”. A sintaxe hebraica habitualmente começa com o verbo, mas assim o texto realça o poder presente no nome de Iavé. Por outro lado, Anderson traduz o verbo “invocar” (aræq; qara’) como uma acção contínua dizendo: “Eu continuei a invocar…”12 . Aquilo que o 10 Gerstenberger, Psalms, Part 2 and Lamentations, Grand Rapids, Eerdmans, 2001, 292. T. H. Gaster, “Dead, Abode of the”, Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 1, Nashville, Abingdon Press, 1962, 787. 12 Anderson, Psalms (73-150), 1981 (1972), 792. 11 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 4 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros salmista estaria a sofrer não seria uma coisa momentânea, por isso deverá ter chamado o Senhor várias vezes. A sua oração é breve e directa: “Senhor, livra a minha alma”. O verbo encontra-se no Imperativo Piel (hf;L]mæ - maletah) denotando a intensidade da acção, tal era o desespero da pessoa. A palavra “alma” (vp,n, - nephesh) é sinónimo de “vida” e refere-se à pessoa na sua totalidade. Parafraseando a expressão de outra forma o salmista estava a dizer: “livra-me”. Às vezes, a vida traz-nos desafios súbitos e grandes que precisamos de recorrer à oração e gritar a Deus que nos salve. Ele está perto para nos atender em qualquer situação que enfrentemos. O mais importante é que nos lembremos de O invocar e confiar nele quando o fazemos. Também é fundamental que tenhamos um período regular de oração, pois assim conseguimos discernir rapidamente o propósito de Deus para a nossa vida. Descansando em Deus (Salmo 116:5-8) Versículo 5 Neste versículo, o salmista apresente três atributos divinos que expressam a forma como Deus lida com ele. Este adjectivo “piedoso” (ˆWNjæ - channun) é usado exclusivamente como atributo de Deus. Em Êxodo 34:6, a sequência é “misericordioso e piedoso”, o que leva Freedman e Lundbom a dizerem que, neste versículo, esta ordem é crucial porque “a graça vem a seguir à confissão de pecado” 13 . Na realidade deveríamos traduzir esta palavra por “gracioso” porque ela fala do favor imerecido que é estendido ao ser humano. O segundo atributo de Deus é “justo” (qyDixæ - tsaddiyq). Esta palavra, que tem aparecido tantas vezes no texto dos salmos, denota a qualidade interior da integridade e o comportamento recto que flui dessa integridade. Deus é verdadeiramente recto no cumprimento das suas promessas que estabeleceu no Pacto. O destaque feito pelo salmista para incluir também os que o ouvem nota-se pelo uso do pronome “nosso”. O Deus deles não é um deus qualquer, pois pertence-lhes e eles pertencem-Lhe. Novo atributo é destacado neste versículo. Agora fala-se de “misericordioso” (μjeræ - rachem), palavra que descreve o sentimento mais profundo interno de simpatia pelas pessoas que têm necessidades. Mas esta expressão de compaixão é palpável, e não se restringe a meras demonstrações emocionais. Como diz Bultmann, “denota também o acto ou a expressão de amor mais do que a emoção. … também pode ser a graça do perdão concedido a Israel quando se arrepende” 14 . Versículo 6 Depois da afirmação do credo israelita daquilo que Deus é, temos a expressão da certeza daquilo que Deus faz. A palavra “guardar” (rmæv; - shamar) também significa “vigiar, preservar”, sugerindo o cuidado que Deus tem para com os Seus. Ao referir-se ao “simplices”, o salmista não está a falar de alguém que não tem capacidades mentais, pois a palavra μyiat;P] (peta’im), apesar de em alguns textos sugerir pessoas ingénuas ou Freedman e Lundbom, “ˆnæj;”, Theological Dictionary of the Old Testament, vol. V., Grand Rapids, Eerdmans, 1986, 30. 14 Bultmann, “e[leo"”, Theological Dictionary of the New Testament, vol. II, Grand Rapids, Eerdmans, 1964, 480-81. 13 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 5 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros voluntariamente tolas, aqui “provavelmente denota aqueles que são inexperientes e indefesos” 15 . O salmista identifica-se com os “simplices” quando diz que estava “abatido” (yti/LDæ – dallôtî – Perfeito do verbo llæD; - dalal). Descreve um sentimento tanto de fraqueza física como emocional. O sentimento de estar abatido pode ser causado por várias circunstâncias. Há textos em que a palavra é usada com referência à opressão provocada pelos inimigos (Jz. 6:6). E agora o que o salmista expressa é que foi salvo. Ele usa o verbo [væy; (yasha‘), que é diferente daquela palavra que se encontra no versículo 4 e que aponta não só para a salvação física mas também espiritual. Portanto, ele fala de uma restauração total e o quão importante isto é para a pessoa. Versículo 7 Certamente o termo “voltar” tem conotação teológica porque faz lembrar a “conversão”. O termo bWv (shub) está quase sempre associado ao voltar para Deus depois de se ter andado desviado e errante. O salmista diz para si mesmo, ou fala com os seus próprios botões, já posso voltar ao descanso. A palavra j;Wnm] (menuach) faz lembrar um lugar ou estado de segurança absoluta onde não há qualquer tipo de ameaça. Não só o nome “Noé” significa “descanso” como a pomba que ele lançou da arca não encontrou “repouso” e por isso voltou para ele (Gen. 8:9). Rute encontrou “repouso” (segurança) quando casou com Boaz (Rt. 3:1). O poeta está a falar de um repouso total e verdadeiro. Alguns intérpretes têm sugerido que as palavras “minha alma” descrevem o seu estado espiritual interno, mas o conceito hebraico não faz uma distinção vincada entre corpo e alma. Como já o dissemos anteriormente esta expressão é referência à própria pessoa. O salmista não está a falar para algo exterior a ele mesmo, mas está a dirigir-se a si próprio. A razão por que ele sente que pode voltar para o seu repouso tem a ver com a acção de Iavé. “O Senhor te fez bem”. Não temos propriamente ao verbo “fazer”, mas antes o verbo “tratar completa ou adequadamente” (lmæG; - gamal). Refere a forma magnânima como Iavé o tratou estando ele numa situação tão miserável. Seybold comenta que “a construção impressionante do verbo gml com ‘al´, preposição ‘com’, dá às passagens teológicas que contêm gml uma ênfase particular conectando o acto divino com o conceito pleno de ‘vir de cima sobre alguém’” 16 . Esta é a construção gramatical que temos no texto. Iavé fez vir o seu poder de cima sobre o seu servo de tal modo que houve uma mudança na vida dele. Versículo 8 O salmista continua a reconhecer que Deus é a fonte da sua libertação. O versículo começa com a explicativa yKi (kî) “porque”. O termo usado para “livrar” é diferente daqueles que encontramos nos versículos 4 e 6. Aqui temos a palavra ≈læj; (chalats) que denota um resgate poderoso. Literalmente o salmista está a dizer: “arrancaste a minha alma da morte”. A morte estava a exercer um poder tremendo sobre ele que foi necessário Deus usar toda a sua força para o arrancar da morte. 15 Anderson, Psalms (73-150), 792. Seybold, “lmæG;”, Theological Dictionary of the Old Testament, vol. III, Grand Rapids, Eerdmans, 1978, 30. 16 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 6 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros Deus secou os seus olhos, de onde brotavam as lágrimas devido à dor que sentia. O verbo continua a ser o mesmo que rege todos estes complementos. As imagens são idênticas às do salmo 56:13. Vivemos num mundo que anda numa correria desenfreada e às vezes ficamos a pensar que gostaríamos que o mundo parasse de girar para que pudéssemos saltar fora. Muitas pessoas têm tanta coisa para fazer que se torna difícil ter uma noite de sono reparador. Os médicos dizem que precisamos de descansar fisicamente o suficiente, mas a Bíblia encoraja-nos a descansar em Deus. O Senhor Jesus chamou os seus seguidores a virem a Ele com os seus fardos para encontrarem descanso (Mat. 11:28-29). A nossa segurança suprema está nele. Caminhando com Deus (Salmo 116:9-11) Versículo 9 Depois do reconhecimento daquilo que Deus fez vem o compromisso da parte do adorador. O verbo “andar” (Ëlæh; - halak) tem muitas nuances, por isso aqui o autor está a falar do modo de vida. Ele estava disposto a viver de modo que honrasse a Deus. Ele viveria em obediência, entregando a sua vida ao Senhor numa confiança total. É preciso ter uma consciência plena de que se está na presença do Senhor para se fazer tal compromisso. Desde o tempo de Abraão que o desafio de Deus é “anda na minha presença e sê perfeito” (Gén. 17:1). Andar perante a face do Senhor é aceitar que a sua vida está na frente de Deus e não atrás. O conceito da “face de Iavé” implicava a demonstração da graça de Deus. Quando Ele não se agradava de algum acto do Seu povo, Ele virava o seu rosto para o lado. O salmista tem a certeza plena de que o melhor é estar diante da face do Senhor. A expressão “na terra dos viventes” é comummente usada para descrever a vida na terra. O profeta Isaías falou da morte do Servo do Senhor dizendo que ele seria “cortado da terra dos viventes” (Is. 53:8). O salmista, por sua vez, estará a lembrar o seu passado e como foi libertado da terra da destruição e das trevas (Job 10:21). Versículo 10 Em termos de estrutura, este versículo começa da mesma maneira que o versículo 1, utilizando o verbo ˆmæa; (’aman) em termos absolutos. No início do salmo, temos “Eu amo”; aqui, temos “Eu creio”. A palavra “crer” (ˆmæa; - ’aman), raiz do termo “ámen”, contém outros significados tais como: “confirmar, suportar, permanecer firme”. Logo de seguida temos a partícula yKi (kî) com a função explicativa. A evidência clara de que o salmista confia em Deus é o facto de ele ter falado. E aquilo que ele fala demonstra a sua condição. Ele não tem receio de dizer “Eu estou aflito”. Se ele não cresse que Deus poderia fazer alguma coisa por ele, certamente não teria falado da sua aflição. O pronome pessoal “Eu” (ynia} – ’anî) é enfático e vem antes do verbo “estar aflito” (hn;[; - ‘anah). Este verbo também pode ser traduzido por “ser dobrado, humilhado, afligido”. Mas a aflição não foi uma coisa leve porque a palavra daom] (me’ôd) significa “veementemente”. A aflição foi intensa e de forma superlativa. Versículo 11 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 7 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros Este versículo continua a ideia do anterior, porque temos mais uma vez o pronome “eu” a ser usado de forma enfática. A sua confiança é demonstrada semelhantemente na afirmação: “todos os homens são mentirosos”. A palavra “precipitação” corresponde ao termo hebraico zpæj; (chaphaz) que significa “estar em trepidação, com pressa ou em alarme”. No entanto, o Infinitivo denota mais um estado de tremura severa, como acontece no Salmo 31:23. A ideia que o verbo transmite, de acordo com os contextos, é de pânico (cf. 2 Sam. 4:4; 2 Reis 7:15; Sl. 104:7). O estado em que o salmista se encontra é bastante grave, e mais se agrava quando verifica que não pode confiar em nenhum ser humano (μd;a; - ’adam). O verbo bzæK; (kazab) não significa só “mentir” mas também “falhar”, “desapontar”. Talvez o texto nos aponte nesta direcção. O salmista sente-se desapontado com os seres humanos porque eles não têm capacidade para o ajudar em situação tão gravosa. O ser humano só pode confiar em Deus para o livrar do poder do pecado e das forças que o oprimem. Por conseguinte, Deus chama-nos para que Lhe mostremos a nossa gratidão, vivendo em total confiança de que Ele é bom. Toda a boa dádiva vem do alto (Tg. 1:17) e Ele dá-nos tudo aquilo que somos e temos (1 Cor. 4:7). Adorando a Deus (Salmo 116:12-19) Versículo 12 Esta é uma pergunta retórica, cuja resposta é “nada”. Não há nada que o salmista possa dar ao Senhor em troca ou para pagamento daquilo que Ele lhe tem feito. O verbo “dar” está bem aplicado neste caso, mas o texto hebraico tem a mesma palavra que encontramos no versículo 7, bWv (shub). O salmista não tem nada que possa retribuir a não ser a sua própria vida. Ao falar de “benefícios”, o poeta usa uma palavra que não se encontra em mais lado nenhum. O termo lWmg]Tæ (tagemul) está associado ao verbo lmæG; (gamal) que significa “recompensar”. Entende-se que o sentido do substantivo esteja relacionado com coisas boas que Deus tem feito ao salmista. Esta palavra também tem um sufixo aramaico yhi/ (ôhî), o que atira a sua composição para a época em que se falava o aramaico, e é o pronome que aponta para Deus. Literalmente temos: “O que retribuirei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?” Versículo 13 O “cálice da salvação” pode significar várias coisas: 1) o levantamento do cálice da bebida no sacrifício de acção de graças (Núm. 28:7); 2) uma metáfora da libertação, em oposição ao cálice da ira de Iavé (Is. 51:17; Jer. 25:15); 3) o cálice relacionado com alguma prova específica (Núm 5:16-28); e 4) um cálice de vinho usado na refeição de acção de graças (Sl 23:5). É interpretação comum considerar-se que a primeira opção é a mais plausível. Gerstenberger diz que isto fazia parte dos rituais judaicos aos Sabath em que o adorador, ou a pessoa salva, tinha de levantar o cálice e esvaziá-lo e depois trazer a oferta adequada. E ainda diz que “ambos os rituais são acompanhados por assertivas para cumprir os votos (feitos em tempos de miséria) em frente de todo o seu povo, i. e., a congregação de Iavé” 17 . O cálice era algo que o adorador consagrava a Iavé como uma expressão de gratidão, no templo. 17 Gerstenberger, Psalms, Part 2 and Lamentations, Grand Rapids, Eerdmans, 2001, 294. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 8 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros Na parte final do versículo verifica-se que a mesma frase foi usada no versículo 4, onde se descreve o pedido de ajuda, e o qual implicava a invocação do nome divino, Iavé. Versículo 14 Alguns comentaristas consideram que este versículo foi uma inserção acidental, só porque ele se repete no versículo 18 e não aparece em alguns manuscritos tanto hebraicos como gregos. Não se vê razão para se considerar uma inserção acidental, o que mais parece é que o salmo terminava aqui e depois foi acrescentado com os versículos 15-19, repetindo estas mesmas palavras e contextualizando o local da adoração. A lei de Moisés não exigia que o povo fizesse votos ao Senhor, mas as pessoas que os fizessem deviam cumpri-los (Dt 23:21-23). Os votos (rd,n, - neder) neste caso eram uma espécie promessas feitas a Deus de ofertas. O significado básico desta palavra parece ser “separar” ou então “pôr de parte para Deus ou para o uso sagrado” 18 . Nos Salmos, porém, parece que Gunkel via que os votos eram mais uma expressão de esperança e de acção de graças pela libertação19 . O salmista faz o seu dever na presença do povo de Deus. Isto é um acto de testemunho, não para chamar a atenção para a sua pessoa, mas para encorajar outros a fazerem o mesmo. Desta forma, o salmista sublinha a importância da adoração pública. A sua adoração deve inspirar outros à adoração. Versículo 15 Não há dúvida de que este versículo surge de forma estranha neste contexto. O salmista havia declarado que Deus o livrou da morte, mas aqui está a falar de morte dos santos de Deus. Podemos interpretar que o poeta está a dizer que mesmo que a morte venha para aqueles que são fiéis, ainda assim o evento é algo precioso para o Senhor. Gerstenberger apresenta duas possibilidades que tornam compreensível o texto. “O texto pode ser corrupto; se é significativo, ele está a falar da consideração de Iavé pelos mártires e pelo martírio. Este pode ter sido o significado, em tempos posteriores, por exemplo, durante a revolta dos macabeus. Dada a objectividade da frase (nenhuma alocução de Iavé; nenhuma primeira pessoa do singular ou plural a falar), a linha parece ter sido atirada, possivelmente para trazer à mente aqueles que morreram ao serviço de Iavé. À luz de outras influências aramaicas no salmo, a emenda de Barré (pp. 69-73) também tem alguma plausibilidade. Em vez da difícil hammawtah, “o que morre”, ele postula a palavra aramaica hemanutah, “fé/confiança” (‘dos devotos’) ” 20 . Parece que a correcção que Barré faz não fica fora de sentido, pelo contrário, traz muita clarificação ao texto. Versículo 16 A afirmação “Senhor, deveras sou teu servo” revela outro aspecto da relação do salmista com o Senhor. A palavra hebraica traduzida por “servo” (db,[, - ‘ebed) significa literalmente “escravo”. No mundo antigo, um escravo não tinha direitos e só tinha de fazer a vontade do seu senhor. Este era o sentimento do salmista, que só queria fazer a vontade do seu Senhor celestial. A sua maior alegria era servir a Deus. Mais uma 18 T. H. Gaster, “Sacrifices and Offerings”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 4, Nashville, Abingdon Press, 1962, 149. 19 Cf. G. Henton Davies, “Vows”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 4, Nashville, Abingdon Press, 1962, 793. 20 Gerstenberger, Psalms, Part 2 and Lamentations, Grand Rapids, Eerdmans, 2001, 294-5. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 9 Comentário ao Salmo 116:1-19 por Virgílio Barros vez estamos perante um pronome enfático “eu” (ynia} – ’anî). E a frase repete-se mas agora com o acrescento de “filho da tua serva”. A palavra para “serva” (hm;a; - ’amah) refere uma “criada” que fazia o serviço caseiro. De qualquer forma é aquela que está ao serviço de alguém. O salmista diz que é filho de uma pessoa que está ao serviço de Deus. Provavelmente foi daí que aprendeu a servir ao Senhor. Quão importante é o papel das mães nestas situações. Versículo 17 Versículo 18 Versículo 19 CONCLUSÃO 1. Devemos estar gratos a Deus pela forma como Ele se relaciona connosco, tornando a oração possível. 2. Devemos expressar a nossa confiança em Deus descansando na Sua graça. 3. Devemos expressar a nossa gratidão a Deus vivendo em total confiança da Sua bondade. 4. Devemos expressar a nossa gratidão a Deus adorando-O. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 10
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C. A. Briggs, The Book of Psalms, ICC, (1906) 2004, 209. Cf. N. W. Porteous, “Soul”, The Interpreter’s Dictionary of the Bible, vol. 4, Nashville, Abingdon Press, 1962, 428-9.
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H. Köster, “fuvsi" ktl.”, Theological Dictionary of the New Testament, vol. IX, Grand Rapids, Eerdmans, 1974, 272.
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