10 de Setembro - Igreja Baptista de Almada
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Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros 14 de Junho Receber o Evangelho Passagem Bíblica: Gálatas 2:15-3:9 CONTEXTO DA PASSAGEM De acordo com o capítulo 2, Paulo relata o que aconteceu quando foi a Jerusalém encontrar-se com os líderes da igreja e lhes expos a qualidade do evangelho que pregava aos gentios. Segundo ele, todos foram unânimes em reconhecer que Deus lhe tinha dado um ministério entre os gentios, deixando apenas uma recomendação, que se lembrassem dos pobres (2:10). Este versículo tem sido motivo de diálogo entre os estudiosos sobre a data em que Paulo escreveu a epístola aos Gálatas, se foi antes ou depois do concílio de Jerusalém, em que a igreja fez outras recomendações que não esta (cf. Actos 15:22-35). Concomitantemente, Paulo menciona que Cefas visitou a igreja em Antioquia. Não se encontra em Actos qualquer referência a esta visita. Segundo Paulo, Cefas comportou-se indignamente para com os gentios, quando chegou um grupo de crentes enviado por Tiago, pois retirou-se da mesa com os gentios. É evidente que esta atitude é incompreensível perante o texto de Actos 10, que fala da entrada de Pedro em casa do centurião Cornélio, e perante a consequente explicação à igreja de Jerusalém (Actos 11). O objectivo de Paulo, porém, é apresentar a sua argumentação para o problema que se estava a gerar no seio das igrejas da Galácia. Ele quer demonstrar que, mesmo com os líderes da igreja de Jerusalém, ficou assente que a salvação não é adquirida pelas obras da lei, como os judeus queriam fazer crer. O seu ponto principal é mostrar que os gentios não podiam ser obrigados a viver como os judeus. Crer (Gálatas 2:15-16) Versículo 15. Infelizmente não temos possibilidade de ver onde termina o discurso directo que Paulo estava a ter com Cefas. É possível que ele vá até ao final da pergunta no versículo 17. Se assim consideramos, isso significa que, neste versículo, Paulo ainda está a dirigir-se a Pedro. Daí a ênfase que ele coloca no pronome “nós” (hJmei'"). Ele começa por mostrar que há uma diferença conceptual entre eles e os crentes das igrejas da Galácia. A expressão “judeus por natureza” significa que eles têm uma origem diferente. A palavra “natureza” (fuvsi" - pfúsis) “refere-se mais à ‘linhagem original’ que determina a nossa existência”, diz Köster 1 . Por outras palavras, Paulo estava a dizer que eles tinham sido uns privilegiados porque, sendo judeus por nascimento, tiveram acesso à revelação de Deus, à lei, que lhes dava orientações para uma vivência recta diante de Deus. Os crentes da Galácia tinham a sua origem nos gentios, o que lhes dava o estatuto de pecadores. A palavra para “gentios” é e[qno" (éthnos), donde vem a palavra portuguesa “etnia” e derivadas. O seu significado original apontava para todos os povos 1 H. Köster, “fuvsi" ktl.”, Theological Dictionary of the New Testament, vol. IX, Grand Rapids, Eerdmans, 1974, 272. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 1 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros que não eram judeus e, por conseguinte, tinham a conotação de estrangeiros pagãos. Como a idolatria estava associada a estes povos, então facilmente eram designados de pecadores (aJmartwlov" - hamartôlós), palavra que está associada à raiz cujo sentido é “errar o alvo”. Paulo não está a defender que os judeus não são pecadores, apenas está a argumentar que, se os crentes da Judeia se acham de uma origem diferente, enquanto os outros são pecadores, para serem justificados também foi preciso serem considerados pecadores (cf. v. 17). Versículo 16. Paulo continua a sua argumentação relativa à justificação. Para o verbo “saber” (oi\da), ele usa o particípio perfeito nominativo plural (eijdovte") para dizer que eles têm consciência de como o ser humano é justificado. O saber aqui está relacionado com a experiência, o que leva todas as pessoas que passaram por ela a defender uma posição comum a todos. O verbo “justificar” (dikaiovw - dikaióô) é das palavras que Paulo mais usa nas suas epístolas, tornando-se o centro da sua mensagem. Das 39 vezes em que a palavra aparece em todo o novo Testamento, Paulo usa-a 25 vezes. O Dicionário Exegético diz que a palavra significa “considerar justo ou razoável”. “Este significado básico do uso em grego aparece no NT apenas numa forma modificada, com o significado de justificar, representar como justo, tratar como justo e especialmente em Paulo na Passiva com o significado de receber absolvição e na Activa pronunciar justo ou exonerado” 2 . Apesar de a palavra ter características forenses, porque estava associada aos tribunais e aos julgamentos, em Paulo, o termo adquire toda a característica soteriológica. Ele quer apresentar o que é que pode absolver uma pessoa do julgamento de Deus; como é que uma pessoa pode ser exonerada, remida perante o julgamento justo do Senhor. Categoricamente ele diz que não é “pelas obras da lei”. Ele sabia pela experiência que todas as tentativas para se obter a justificação através da guarda da lei eram inúteis. Ninguém pode ser considerado justo nem ser absolvido diante de Deus só porque cumpre com o que está na lei. Ao usar a preposição ejk associada às “obras da lei”, a qual foi traduzida por “por”, Paulo está a dizer que a justificação do ser humano não tem origem nas obras, nos actos bons que se pratique de acordo com a lei, mas, e agora ele usa a preposição diav, que significa “através”, “por meio de”, utilizando a fé em Jesus Cristo. A palavra “fé” (pivsti" - pístis) implica não só confiança, mas também compromisso de fidelidade a Cristo. A seguir à palavra “fé” temos os vocábulos “Jesus Cristo” que se encontram no Genitivo (!Ihsou' Cristou') objectivo, isto significa que Jesus Cristo é o objecto da acção 3 . O objecto da nossa fé é Jesus Cristo, e por isso é que somos justificados. A fé é apenas um instrumento para e não a fonte da salvação. Para fundamentar a sua argumentação, Paulo usa o Aoristo do verbo pisteuvw (pisteúô) com o objectivo de dizer que eles creram de uma vez por todas em Cristo Jesus. A finalidade é apresentada a seguir, com o uso da partícula i{na (hína) mais o verbo no Aoristo do Conjuntivo. O objectivo é ser justificado a partir da (ejk) fé em Cristo. 2 K. Kertelge, “dikaiovw”, Exegetical Dictionary of the New Testament, vol. 1, Grand Rapids, Eerdmans, 1990, 331. 3 Cf. Manuel Alexandre Júnior, Exegese do Novo Testamento, Lisboa, Alcalá, 2005, 84. Aqui não encontramos qualquer exemplo do NT, mas exemplos semelhantes podem ser encontrados em BlassDebrunner, A Greek Grammar of the New Testament, §163. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 2 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros No final do versículo parece que estamos perante uma interpretação que Paulo faz de uma frase escrita no Salmo 143:2. De acordo com a Septuaginta (142:2) lemos: o{ti ouj dikaiwqhvsetai ejnwvpiovn sou pa'" zw'n - “porque nenhum vivente será justificado diante de ti”. Paulo aplicou estas palavras ao seu contexto alterando e acrescentando outras: o{ti ejx e[rgwn novmou ouj dikaiwqhvsetai pa'sa savrx - “porque nenhuma carne será justificada pelas obras da lei”. Ninguém conseguirá praticar todas as obras da lei a ponto de ganhar o direito a um relacionamento com Deus. Só receberemos a salvação se depositarmos a nossa fé em Cristo. A nossa compreensão desta verdade é crucial. Cada pessoa deve ter uma compreensão clara dessa mesma verdade para poder partilhá-la com outros que ainda não a compreendem. Se assim não for, muitas pessoas irão depender de falsos conceitos para a salvação. Comportar (Gálatas 2:17-21) Versículo 17. Estamos perante uma oração condicional de modo real, cuja prótase é apresentada como uma acusação feita pelos inimigos de Paulo e a apódose é apresentada em forma de pergunta, para desafiar o raciocínio dos inimigos. Para compreender melhor este versículo, cremos que o melhor será traduzirmos o Particípio zhtou'nte" (zêtountes) com sentido temporal, “quando procuramos”. E a frase ficaria assim: “se, porém, quando procuramos ser justificados em Cristo, fomos achados pecadores, é porventura Cristo diácono do pecado?”. Paulo e todos os cristãos eram considerados pecadores pelo facto de procurarem ser justificados em Cristo. Então, Paulo pergunta se Cristo, por acaso, é ministro do pecado. A palavra para “ministro” é diavkono" (diákonos). Refere-se àqueles que serviam às mesas, e que neste caso provavelmente tem o sentido de alguém que é o agente ou promotor do pecado. Paulo recusa, veementemente, tal consideração. Jesus jamais poderia ser o responsável por atitudes pecaminosas, se é que se poderia considerar que comer com os gentios e não obrigá-los a circuncidarem-se era pecado. Versículo 18. Este versículo procura explicar ou dar a razão por que ele pensa que Jesus de modo nenhum é um instigador do pecado, através da partícula gavr (gár), “porque”. Para Paulo, o verdadeiro pecado não era abandonar o legalismo, que alguns apontavam como sendo o único meio para se ser justificado diante de Deus, mas voltar a praticar as obras da lei depois de ter experimentado a liberdade da graça. Schneider diz que nesta passagem Paulo está a dizer que se torna um pecador quando restabelece a Lei, “quando eu renovo a sua validade, uma vez que a questão de transgressão surge apenas sob o domínio da lei” 4 . Nova oração condicional de modo real. Paulo apresenta a condição como real, embora o uso da primeira pessoal do singular tenha de ser interpretada de modo geral. Não é ele que está a edificar novamente as coisas que já tinha destruído, mas fala para os judeus que estão a fazer isso, tal como Pedro 5 . O verbo “destruir” (kataluvw), que significa “anular, tornar inválido”, certamente está a ser usado no sentido legal 6 . A 4 Schneider, “parabaivnw ktl.”, Theological dictionary of the New Testament, vol. V, 741. Ronald Y. K. Fung, seguindo o pensamento de Ridderbos, conclui que Paulo está a fazer uma aplicação para todos os que querem construir aquilo que ele destruiu, the Epistle to the Galatians, NICNT, Grand Rapids, Eerdmans, 1988, 120. 6 Betz, Galatians, 121 (nota 70). 5 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 3 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros edificação da igreja não pode basear-se no cumprimento da lei. Paulo tem edificado o seu evangelho a partir do fundamento que é Cristo, considerando inválido o princípio das obras da lei. Se ele voltar a trás, fazendo do cumprimento da lei o fundamento para a justificação de Deus, aí é que se torna transgressor da lei. O termo “transgressor” (parabavth") em grego e no Novo Testamento refere-se àquele que transgride um mandamento divino específico. O verbo sunistavnw (sunistánô) está no Presente do Indicativo, referindo-se a um estado no presente. Apesar de Paulo usar o pronome reflexivo ejmautov", “a mim mesmo” é apenas uma questão gramatical, porque o complemento indirecto representa a mesma pessoa do sujeito. Versículo 19. Paulo volta a usar a partícula gavr para fundamentar ainda mais a sua explicação começada no versículo anterior. O pronome ejgwv (ego) não se refere “ao “Eu” pessoal, mas ao “Eu” paradigmático” 7 . Paulo está a falar do seu ego e do ego de toda a gente que precisa de ser morto para que Cristo viva na pessoa. A frase “pela lei” (dia; novmou) provavelmente refere-se à lei como o ponto de partida para a conversão. É necessário reconhecer a futilidade da observância da lei como meio de se justificar diante de Deus. O verbo “morrer” (ajpoqnhv/skw), que se encontra no Aoristo, é usado metaforicamente. “A morte de uma pessoa para a lei significa que essa pessoa deixou de ter qualquer relação com a lei, de modo que a lei não tem mais direito nem controlo sobre essa pessoa” 8 . É interessante notar que o Dativo de novmw/ também pode traduzir-se por “com a lei”, o que daria um sentido interessante ao versículo. Em Cristo cumpriu-se toda a lei, pelo facto de ele ter sido crucificado no madeiro, logo é possível que Paulo esteja a falar de uma morte com a lei. A oração final que se segue também pode ser traduzida por “a fim de viver com Deus” uma vez que o termo “Deus” está no Dativo também (qew')/ . De acordo com o texto de grego o versículo 19 termina com a primeira frase do versículo 20: “Já estou crucificado com Cristo”, a qual se resume a duas palavras apenas (Cristw'/ sunestauvrwmai). O Perfeito do verbo sustaurovw (sustauróô) é o tempo da acção concluída, e certamente estamos perante um perfeito resultativo, com ênfase no estado resultante da acção no presente, e exprime um estado permanentemente estável 9 . O resultado permanente daquele que foi justificado pela fé em Cristo é o de “estar crucificado com” Cristo. Desta forma, Paulo está a realçar a identificação com Cristo na Sua morte. Versículo 20. Como já o dissemos, de acordo com o texto de grego, o versículo 20 começa com a frase “porém, vivo não mais eu…”. Mais uma vez o pronome pessoal ejgwv (ego) é enfático, referindo-se não à sua pessoa mas ao ego carnal movido por toda a concupiscência e paixões. No local do ego vive agora Cristo. No centro da sua vida já não está o seu ego, mas Cristo. Paulo continuou a viver fisicamente (ejn sarkiv), mas a sua vida tem um novo contexto e foco. Agora ele vive-a na fé no Filho de Deus. De forma geral os intérpretes têm considerado o pronome relativo o{ como uma referência à vida, pelo que, em vez de traduzirem “o que” traduzem “a vida que”. A realidade é que a vivência 7 Betz, Galatians, 122. Fung, Galatians, 122. 9 Maneul Alexandre Júnior, Gramática de Grego, 276. 8 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 4 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros cristã acontece ainda na carne. No entanto ela tem de ser vivida na perspectiva da fé em Cristo Jesus. Como diz Betz, “a vida cristã na carne é ao mesmo tempo uma vida na fé” 10 . A confiança total e o compromisso com Cristo requerem e conduzem, naturalmente, a um comportamento que reflecte o Seu carácter. Paulo descreve a atitude do cristão como resposta à acção de Jesus Cristo, utilizando os Particípios aoristos dos verbos “amar” (ajgapavw) e “entregar” (paradivdwmi). A entrega é uma demonstração concreta do amor. Versículo 21. Paulo não tem interesse nenhum em destruir o plano de salvação de Deus. O verbo “anular” (ajqetevw) não aparece muitas vezes no Novo Testamento, mas, das vezes em que aparece, está associado à vontade de Deus; em duas ocasiões a palavra significa “rejeitar” ou “não reconhecer” (1 Ts 4:8; Lc 10:16). Quando fala da graça de Deus (cavri" tou' qeou'), tendo-a já mencionado por três vezes no capítulo 1 (1:3, 6, 15), ele refere-se a todo o processo de salvação em Cristo. Perante isto, ele não pode anular o que Deus tem feito. Ao mesmo tempo, está a rejeitar a acusação que lhe foi feita pelos seus adversários. Schlier considera que Paulo estava realmente a ser acusado de destruição da graça de Deus 11 . Os seus adversários continuavam a afirmar que a graça de Deus, isto é, a justificação vinha através da lei. O verbo “vir” não aparece no texto original, foi introduzido pelos tradutores para dar sentido á frase. No entanto, é possível em casos destes, subentender o verbo “ser”. Como Paulo não escreveu o verbo, dificilmente saberemos que tempo verbal ele usaria, embora, pelo contexto, possamos deduzir que ele usaria um tempo secundário para mostrar a irrealidade de tal asserção. É impossível que a justiça se faça através da lei (dia; novmou), porque isso levar-nos-ia à conclusão de que Cristo tinha morrido em vão. A palavra usada para “em vão” é dwreavn (dôrean) e só aqui é que é traduzida desta maneira, porque normalmente ela significa “dom”, “dádiva”, “de graça”. De qualquer forma o sentido é que Cristo teria morrido sem razão nenhuma ou para nada. Neste caso, a morte de Cristo nada mais seria do que um trágico acidente, sem qualquer significado. Ser coerente (Gálatas 3:1-5) Versículo 1. Este versículo começa com uma severa abordagem de Paulo aos gálatas, chamando-os de “insensatos”. O termo grego (ajnovhtai) poderá referir-se “ou a uma insuficiência ou uso errado das faculdades mentais ou a uma deficiência na própria compreensão” 12 . Betz dia que “este insulto não deve ser tomado tão a sério. Tais abordagens eram lugar-comum nas diatribes dos pregadores nos dias de Paulo” 13 . De certa forma, Paulo está espantado com a prontidão deles em abandonarem as boas novas da graça. A realidade é que eles não estavam a pensar de forma clara. Paulo sabe perfeitamente qual é a resposta à pergunta retórica que ele faz sobre quem os hipnotizou. O verbo grego baskaivnw tem o sentido de “enfeitiçar”, muito relacionado com as artes mágicas. Os falsos irmãos tinham lançado um feitiço sobre os crentes da Galácia. 10 Betz, Galatians, 125. H. Schlier, Galater, 104. 12 Fung, Galatians, 129. 13 Betz, Galatians, 130. 11 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 5 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros Na pregação do evangelho, Paulo apresentou sempre Cristo crucificado, apontando para a morte voluntária para o perdão dos pecados das pessoas. A palavra para “representar” (progravfw) encontra-se no Aoristo Passivo e pode significar “foi escrito antes” ou “foi retratado publicamente”. Dá a ideia de se ter escrito algo em cartaz para que pudesse ser lido por todos. Cole conclui que “os grandes cartazes que contêm anúncios junto das estradas seria o melhor paralelo com o nosso mundo moderno” 14 . Mas o mais provável é que Paulo se esteja a referir à pregação apostólica sobre a crucificação de Jesus, que esteve á vista de toda a gente. Os oradores daquela época, quando entregavam a sua mensagem, procuravam apresentá-la o mais vívida possível, para que os seus ouvintes pudessem imaginar as cenas na sua realidade 15 . A forma verbal que Paulo usa para o verbo “crucificar” é o Perfeito do Particípio, a fim de mostrar que a morte de Cristo na cruz, que era escândalo para os judeus, continua a ser o elemento essencial da justificação do ser humano. Versículo 2. Paulo faz outra pergunta que também direcciona a resposta. Estas perguntas retóricas têm o objectivo não som de fazer as pessoas pensarem, como também verificarem que não há alternativa. Com a frase “só isto quero saber de vós”, Paulo demonstra a força da sua argumentação. É como se estivesse a dizer: “Eu vou demonstrar-vos o vosso erro com esta pergunta”. Qual foi a origem do recebimento do Espírito? Paulo apresenta duas possibilidades: 1) a partir das (ejk) obras da lei ou 2) a partir da (ejk) pregação da fé. A palavra ajkohv tanto pode significar aquilo pelo qual uma pessoa ouve (ouvido) ou aquilo que é ouvido (relatório, rumor, pregação) 16 . Definitivamente, eles não tinham recebido o Espírito a partir das obras da lei. É importante notar que Paulo não usa o termo “lei” no sentido absoluto. Ele não está contra a Lei, mas em oposição aos argumentos fundamentados “nas obras da lei”. Foi quando ouviram o evangelho da graça e colocaram a sua fé em Cristo que receberam o Espírito. A palavra pivsti" (pistis) aponta para a confiança em e para o compromisso de fidelidade com Jesus Cristo. Versículo 3. Mais uma vez Paulo acusa os seus leitores de falta de discernimento. A sua pergunta retórica contrasta o Espírito com a carne, o princípio com o fim, de forma irónica. Será que os crentes da Galácia eram tão insensatos a ponto de não conseguirem compreender que a sua vida cristã tinha começado com a acção do Espírito Santo nas suas vidas? O verbo “começar” corresponde à palavra grega ejnavrcomai (enárchomai) e a palavra “Espírito” está no Dativo. Como o verbo é composto com a preposição ejn a preposição em português deve ser “em” e não “por”. O sentido a dar à frase é que os crentes começam a sua vida envolvidos no Espírito; o Espírito Santo envolve o crente imergindo-o numa vida plena. Em relação ao verbo “acabar”, temos o termo grego ejpitelevomai (epiteléomai) que também é uma palavra composta pela preposição ejpiv e o verbo televomai. A preposição quando é seguida de Dativo, como é o caso de sarkiv, significa “sobre” ou “em”. Isto transmite a ideia de que agora os crentes descansam sobre as obras da carne, estão mais confiantes nas suas atitudes para a sua justificação diante de Deus. 14 Cole, Galatians, 88. Betz apresenta alguns exemplos da antiguidade. Cf. Galatians, 131, nota 36. 16 BAGD, 31. 15 © 2009 – Igreja Baptista de Almada 6 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros Versículo 4. Normalmente o verbo pavscw (páschô) tem sido traduzido com o sentido de “padecer”, “sofrer”. Mas também significa “receber uma impressão” ou “experimentar”. De forma geral o sentido do verbo é “ser afectado no bom ou mau sentido”. Certamente, Paulo está a referir-se às experiências que se tem no Espírito Santo. Ele usa o verbo no Aoristo Indicativo, com certeza, transmitindo a ideia de uma experiência fundamental e de uma vez por todas para a sua decisão de seguir a Cristo. As experiências que os crentes da Galácia tiveram não foram poucas, como se pode ver pelo uso do pronome demonstrativo tosou'to" no plural. Será que as experiências foram em vão? A palavra eijkh'/ (eikê) só aparece 7 vezes em todo o Novo Testamento, todas nas epístolas paulinas excepto uma que se encontra em Mateus 5:22, mas só em alguns manuscritos. Portanto é uma palavra que Paulo gosta de usar para dizer que as experiências que os crentes tiveram não serviram para nada, não tiveram qualquer propósito. Versículo 5. Se a evocação das muitas experiências não despertou os crentes da Galácia, talvez a chamada de atenção para a acção de Deus através do Espírito surta efeito. O pronome relativo “aquele” (oJ) é seguido de um Particípio Presente (ejpicorhgw'n), o que implica que a acção é realçada naquele que a pratica e vai sendo efectuada. O verbo ejpicorhgevw (epichoregéô) significa “fornecer”, “providenciar”, “outorgar”, “dar”. Se o Espírito Santo é uma realidade na vida deles é porque Deus vai providenciando para que assim seja. A segunda coisa que Deus está a fazer é “operar milagres”. O verbo “operar” (ejnergevw - energéô) denota eficácia. É desta palavra que surgem termos portugueses tais como: energia, enérgico, energizar. A palavra traduzida por “milagres” corresponde a duvnami" (dúnamis), de onde vem a palavra portuguesa “dinamite”. De forma muito clara, Paulo afirma que a acção de Deus não acontece porque as pessoas fazem boas obras, mas sim porque, ouvindo o evangelho, crêem nele através da fé. Quando recebemos a salvação através da fé, também recebemos o Espírito Santo, o qual nos quer dirigir para uma consistência nas nossas convicções e acções, a fim de nos fazer chegar à maturidade, como crentes. Ser Abençoado (Gálatas 3:6-9) Versículo 6. Paulo refere-se a Abraão, o pai da fé, citando Génesis 15:6 a partir do texto da Septuaginta 17 , para realçar a verdade de que as pessoas são justificadas diante de Deus através da fé. O texto de grego também não tem a palavra “isso”. Limita-se a usar o verbo logivzomai (logízomai) no Aoristo Passivo, que alguns comentaristas definem como sendo a passiva divina. Significa que foi Deus quem o contou ou avaliou para a justiça. A justiça é o alvo a alcançar e para o qual o ser humano se deve direccionar. É por isso que temos a preposição eij" que indica movimento para algo. Abraão creu (pistevw - pistéô) naquilo que Iavé lhe apresentava em termos de promessa através do concerto. Este “crer” de Abraão tem implícito o compromisso de 17 O texto de hebraico não tem o nome “Abraão” e em vez de “Deus” tem “Iavé”. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 7 Comentário a Gálatas 2:15-3:9 por Virgílio Barros ser fiel a Iavé. Foi por isso que Deus o contou como mais um entre aqueles que recebem a justiça de Deus. Versículo 7. Paulo quer que os seus leitores tenham conhecimento verdadeiro do que se passa com aqueles que são da fé. A expressão “os da fé” (oiJ ejk pivstew") aponta para a origem, o ponto de partida para a justiça. É por causa da fé que eles são identificados como filhos de Abraão. Esta é uma achega para os judeus que se consideravam os únicos descendentes de Abraão. Afinal a justiça que foi imputada a Abraão aconteceu muito antes de ele ser circuncidado, logo a justiça não tem nada a ver com a justiça, mas sim a fé. Versículo 8. Paulo personificou as Escrituras e associa-as com o verbo prooravw (prooráô), que se encontra no Aoristo Particípio e significa “ver antecipadamente”. Paulo está a dizer que o que está escrito nas Sagradas Escrituras, isto é, o texto do Antigo Testamento, já considerava que Deus haveria de justificar os povos (ta; e[qnh - tá ethnê) a partir (ejk) da fé. Mais uma vez, Paulo realça que a justificação será feita tendo como ponto de partida a fé, certamente, em Cristo. Sendo assim, então o texto de Génesis, como Escritura que é, anuncia antecipadamente (proeuaggelivzomai - proeuangelízomai) a boa nova a Abraão. O verbo está no Aoristo Indicativo, o que faz com que a mensagem tenha sido dada de uma vez por todas a Abraão, sem repetição. Paulo faz um arranjo entre os textos da Septuaginta em Génesis 12:3 e 18:18. Ele usa algumas palavras do final de Génesis 12:3 (ejneuloghqhvsontai ejn soi; pa'sai aiJ fulai; th'" gh'" - “em ti serão benditas todas as tribos da terra”) e junta algumas do texto de 18:18 (ejneuloghqhvsontai ejn aujtw'/; pavnta ta; e[qnh th'" gh'" - “nele serão benditas todas as nações da terra”). Desta forma, Paulo mostra que o anúncio antecipado é singular, daí que o verbo proeuaggelivzomai é único em todo o Novo Testamento, e que o evangelho é para os gentios, utilizando a expressão ta; e[qnh, “as nações”, que normalmente era utilizada para se referir aos gentios. Versículo 9. Quando a fé é o ponto de partida para a nossa recta relação com Deus, os que crêem acabam por ser abençoados juntamente com Abraão. A palavra grega traduzida por “crente” é pistov" (pistós), que geralmente significa “fiel”, “digno de confiança”. CONCLUSÃO 1. Recebemos a salvação só pela fé em Cristo. 2. Quando isto acontece, Cristo transforma-nos radicalmente, dando-nos orientação e poder para nos comportarmos como Ele quer. 3. Quando recebemos a salvação pela fé, também recebemos o Espírito Santo que nos conduz para convicções e acções consistentes levando-nos para a maturidade. 4. Quando nos tornamos cristãos, recebemos a bênção que Deus prometeu a Abraão e que multidões sem conta têm desfrutado. © 2009 – Igreja Baptista de Almada 8
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