Revista Texturas Famam 2006
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Revista Texturas Famam 2006
FACULDADE MARIA MILZA - FAMAM REVISTA N.° 02 - OUTUBRO DE 2006 DIRETOR DA FAMAM Weliton Antonio Bastos de Almeida DIRETORAS DO CEMAM (Instituição mantenedora da FAMAM) Jucinalva Bastos de Almeida Costa Janelara Bastos de Almeida Silva EDITOR Maria José Lima Lordelo CAPA Nelson Magalhães Filho DIGITAÇÃO Patrícia Novaes Sales Leal CRUZ DAS ALMAS 2006 Gráfica e Editora Nova Civilização Ltda. Rua J. B. da Fonseca, 280 - 1º Andar - Centro Tel.: (75) 3621-1031 - E-mail: [email protected] CEP: 44.380-000 - Cruz das Almas - Bahia CRUZ DAS ALMAS 2006 Conselho Editorial Edmar José Borges de Santana - FAMAM/UFBA Elizabete Rodrigues da Silva - FAMAM José Fernandes de Melo Filho - FAMAM/UFBA Maria Angélica Pereira de Carvalho Costa - FAMAM/UFBA Sérgio Roberto Lemos de Carvalho - FAMAM/EBDA Robson Rui Cotrim Duete - FAMAM/EBDA Ficha Catalográfica TEXTUTA. Faculdade Maria Milza. - ano 1, n. 2. (jul. - dez. 2006) - Cruz das Almas, BA.: Faculdade Maria Milza, 2006. Semestral ISSN: 1809-7812 1. Educação 2. Ciências Agrárias 3. Saúde I. Faculdade Maria Milza (...) o espírito humano produz um duplo pensamento, um simbólico / mitológico / mágico e o outro racional / lógico / empírico. Morin SUMÁRIO Apresentação.....................................................................................................09 EDUCAÇÃO A verdade Josemar Rodrigues da Silva..............................................................................................11 Recôncavo Fumageiro: Palco de uma fisionomia social e cultural Elizabete Rodrigues da Silva ............................................................................................23 Bode-Escola: Uma alternativa à política assistencialista Maria José Lima Lordelo ...................................................................................................41 Cultura, manifestações culturais e espaço urbano na contemporaneidade: uma breve leitura a partir da configuração espacial e das festas populares. Jânio Roque Barros de Castro ..........................................................................................51 Uso e ocupação do espaço urbano e impactos ambientais no município de Vitória da Conquista – BA: O estudo de caso no bairro Santa Cruz. André Luiz Dantas Estevam; Júlia Gabriela Fernandes Gonsalves; Paulo Henrique Silveira Lima .....................................................................................................................61 Ciganos: cultura e errância Márcio Emanoel Dantas Estevam .....................................................................................75 História e Informática: reflexões sobre a prática Antonio Wellington Melo Souza ........................................................................................87 A prática de atividade física e o desenvolvimento motor do salto vertical. Roberta Castilhos Detânico; Roberta Gabriela O. Gatti; Sebastião Iberes Lopes Melo ....103 Da igreja católica medieval às desigualdades sociais no Brasil. Joélio Barros de Oliveira ................................................................................................113 ENSAIOS Seminários: Toda ação demanda a adoção de um método. José Carlos de Cerqueira Moraes ...................................................................................125 Avaliação institucional: um novo olhar Dayse Bastos Pereira de Almeida Brandão; Jucinalva Bastos de Almeida Brandão ........135 CIÊNCIAS AGRÁRIAS E SAÚDE Utilização de plantas medicinais por acadêmicos da FAMAM Josiane de Melo G. Santos; Jucimaria Duarte A. da Silva; Robson Rui Cotrim Duete .......141 Interação de fungo micorrízico e Mal-do-Panamá em Banana “maçã”. Aldo Vilar Trindade; Andréa Jaqueira da S. Borges; Maria de Fátima da S. P. Peixoto ......151 APRESENTAÇÃO A Textura lança o seu segundo exemplar. Apesar de ter pouco tempo de existência, já se constitui num marco para o Recôncavo. Esperamos que, no decorrer do tempo, o seu aprimoramento venha acompanhado de uma visão redimensionada dos trabalhos acadêmicos. Nesse sentido, contamos com a crítica e sugestões do leitor, as quais revigoram as discussões, contribuindo, assim, na tessitura deste periódico. Os artigos assinados são de total responsabilidade dos respectivos autores. A reprodução dos textos não é proibida desde que haja indicação da fonte. Weliton Antonio Bastos de Almeida Diretor da FAMAM Maria José Lima Lordelo Editor da Textura A VERDADE Josemar Rodrigues da Silva* RESUMO: O texto tem por objetivo tentar mostrar que a “verdade” ainda é um dos grandes temas da Filosofia. Os antigos, os medievais, os modernos e os contemporâneos fazem da verdade uma presença relevante em suas filosofias. Este trabalho quer, longe de pretender historiar mais uma vez tais reflexões, apenas insinuar como este tema ainda fermenta e vigora as discussões. Mesmo entre os antimetafísicos, com os quais aqui se dialoga, a Verdade não deixou de ser “o” conceito diferenciador e decisivo; mas eles partem de outro ponto: a “finitude”. Assim, emergem o “perspectivismo” e o “pragmatismo” como suspeita aos pré-conceitos metafísicos. PALAVRAS-CHAVE: Verdade; pragmatismo; perspectivismo. ABSTRACT: The text has for goal to try to show that the Truth still is one of the great subjects of the Philosophy. The old ones, the medieval ones, the modern and the contemporaries make of the Truth an excellent presence in its philosophies. This study wants, far to intend to history such reflections one more time, but to insinuate as this subject still it leavens and it invigorates the argument. It even between the antimetaphysical, with which dialogue here, the Truth didn't leave of being the decisive and differentiator concept; but they leave of another point: the end or limit. Thus, the perspectivismo and the pragmatismo manifest itself as suspicion of the metaphysical pay-concepts. PALAVRAS-CHAVE: Truth; pragmatismo; perspectivismo. *Professor do Curso e História e Educação Física da Faculdade Maria Milza - FAMAM Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 12 INTRODUÇÃO A preocupação da filosofia não está apenas e absolutamente voltada para a existência em-si, mas voltou-se, também, para as questões do conhecimento e, portanto, da verdade. Desde a Grécia antiga até à contemporaneidade, a verdade tornou-se um dos grandes e caros temas na história da filosofia. Antigos, medievais, modernos e contemporâneos, cada um sob seu tempo e seu lugar, declararam suas perspectivas sobre este tema. O que interessa são reflexões contemporâneas. Nietzsche e o pragmatismo constituem a delimitação desta discussão. Isso significa, então, que se priorizam as discussões de natureza antimetafísica. Nietzsche, fazendo-se “dinamite”, traz seu “martelo”¹; o pragmatismo, fazendo-se atento, traz à realidade o seu olhar observador. O que chama atenção é o fato de Nietzsche e os pragmatistas conceberem a finitude como a expressão única da realidade, e como, curiosamente, as pretensões de ambos os distinguem². Através de Nietzsche busca-se, para compreender este objetivo, uma visão cosmológica, concebendo a natureza como ponto de partida. Quanto ao pragmatismo, busca-se compreender a medida “mais adequada” para as relações entre o homem e o mundo. É o ponto de partida de ambos – ou seja, a “contingência” – que ajudará a conceber a unidade entre o nietzschianismo e o pragmatismo. Nietzsche, em A gaia ciência (2002), declara sua visão cosmológica ao dizer que: O caráter geral do mundo, no entanto, é caos por toda a eternidade, não no sentido de ausência de necessidade, mas de ausência de ordem, divisão, forma, beleza, sabedoria e como quer que se chamem nossos antropomorfismos estéticos. (§ 109). Percebe-se, então, neste fragmento, o caráter antimetafísico da filosofia de Nietzsche quanto à sua compreensão de mundo. Ele retira do mundo as garantias com as quais a razão julga dominar a natureza, e assim declarar o caráter antiteleológico da existência. É, pois, dessa compreensão cosmológica que a pesquisa se apóia para conceber a presença nietzschiana no pragmatismo. Dessa forma, encontra-se justeza nas palavras dos pragmatistas quando estes, ao analisarem a relação “homem x mundo” demonstram conceber a contingencialidade dessa relação e dos seus resultados. Tanto Peirce como James e Dewey e outros tanto quanto importantes declaram a contingencialidade do conhecimento (do mundo), instalando uma discussão sobre a possibilidade de ¹Essas expressões são usadas pelo próprio Nietzsche, uma delas pode ser encontrada no prefácio de Crepúsculo dos ídolos (2000). ²Trataremos em especial de Willian James (1842-1910). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 13 uma epistemologia não-metafísica.³ Os pragmatistas gostariam de destruir a distinção entre 'conhecer' e 'usar' coisas. Partindo da asserção de Bacon de que conhecimento é poder, prosseguiram para a asserção de que poder é tudo o que há para o conhecimento – que a pretensão de conhecer X é uma pretensão de estar apto a fazer algo com ou a X, pôr X em relação com outra coisa. Para tornar esta pretensão plausível, todavia, eles têm que atacar a noção de que conhecer X é uma questão de estar relacionado com algo 'intrínseco' a X ao passo que usar X é uma questão de permanecer numa relação 'extrínseca', acidental, com X. (ROTY, 1991, p. 266). Trazendo este fragmento de Rorty, vê-se possível verificar as semelhanças entre Nietzsche e as idéias dos pragmatistas. Essas semelhanças, aqui expressas pelo autor, traduzem a unidade reflexiva entre estes filósofos. O jogo entre a “liberdade” e a “verdade” representa o empenho que estes empreendedores investem numa teoria em que o conhecimento não se constitui (apenas) através de “revelação” ou “representação”, mas que o conhecimento é um instrumento importante para a sobrevivência de uma certa espécie animal. Destarte, quer-se partir da cosmologia nietzschiana para entender as teorias com que o pragmatismo explica a relação do homem com o mundo. É, pois, da “vontade de poder” à reflexão sobre a linguagem que a pesquisa se inscreve. Percebe-se, então, que o objetivo desta reflexão se junta à idéia de que no pragmatismo é possível encontrar ressonâncias nietzschianas, mesmo que em alguns momentos haja sutis divergências interpretativas. A “VERDADE” ENTRE NIETZSCHE E O PRAGMATISMO (...) à ausculta dos ídolos, é importante ressaltar que os que estão em jogo, os que são aqui tocados com o martelo como com um diapasão, não são os ídolos em voga, mas os 'eternos'; – em última análise, não há de forma alguma ídolos mais antigos, mais convencidos, mais insuflados... Também não há de forma alguma ídolos mais ocos... Isso não impede, que eles sejam aqueles em que 'mais se acredita'; diz-se também, sobretudo no caso mais nobre, que eles não são de forma alguma ídolos... (Nietzsche) A diferença entre tomar a Verdade como um objetivo, com ³Este termo aqui proposto pelo autor “epistemologia não-metafísica” não pretende estabelecer nenhuma confusão quanto ao entendimento coerente do pragmatismo. Ele quer apenas designar que o pragmatismo teoriza sobre o conhecimento, mas que o caráter dessa teorização não corresponde, em hipótese alguma, às concepções racionalistas ou da filosofia clássica. Diz-se, então, que o pragmatismo pretende ser genuinamente antimetafísico. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 14 Sócrates, e tomar a Liberdade como um objetivo, com os pragmatistas, é a diferença entre apontar para alguma coisa nãohumana e apontar para alguma coisa que, se em algum momento vier a existir, será uma criação inteiramente humana. (Rorty) São inúmeros os fragmentos em Nietzsche – senão uma declaração – os quais demonstram uma concepção da natureza bem distinta das que revelam o mundo ordenado por princípios e teleologias. Esta concepção da natureza, em Nietzsche, quer-se designar como reflexão cosmológica. Deleuze (1994), por exemplo, empreende o termo “teoria das forças”, no qual, assim, clarifica, ao seu modo, os dizeres do filósofo alemão: E sabeis também o que 'o mundo' é para mim? (...) Este mundo: um gigante de força, sem início, sem fim, uma dimensão fixa e brônzea de forças, que não aumenta nem diminui, que não se consome, mas apenas se transforma, imutavelmente grande como um todo, um patrimônio sem gastos nem perdas, mas igualmente sem aumento, sem entradas, envolto por 'nada' como por seu limite (...), mas antes como força por toda a parte, como jogo de forças e de ondas de forças ao mesmo tempo único e 'múltiplo' (...), um mar de forças que se lançam e fluem para si mesmas (...) Esse mundo 'dionisíaco' de criar eternamente a si mesmo, de destruir eternamente a si mesmo, esse mundo de segredos das voluptuosidades duplas, esse meu mais além do bem e do mal; (...) Quereis um 'nome' para este mundo? Uma 'solução' para todos os enigmas? (...) 'Este mundo é a vontade de poder e nada além disso!' E também vós mesmos sois essa vontade de poder – e nada além disso! (NIETZSCHE, 2005, 38[12] p. 212) Desde O nascimento da tragédia até as suas últimas publicações, como também escritos não publicados, Nietzsche traz à baila suas idéias contundentes sobre a relação intrínseca do homem com a natureza, demonstrando, ao fim e ao cabo, que não se trata apenas de uma relação, mas de uma homogeneidade absoluta4. Homem e mundo não estão separados como se apresentassem como de naturezas distintas, pois mesmo a expressão “homem e mundo” deixa de ter sentido em Nietzsche. Ironizando tal expressão dicotômica, Nietzsche (2002) declara: “(...) já rimos, ao ver 'homem 'e' mundo' colocados um ao lado do outro, separados tão-só pela sublime presunção da palavrinha 'e'!” (§ 346). Identificando-se como “dinamite”, o filósofo de Zaratustra quer e busca destruir toda teoria maniqueísta, dicotômica ou dialética. Isto traz para ele grandes proble4 A palavra “absoluta” não quer aqui designar nenhum sentido metafísico desta unidade homem/mundo, apenas quer refletir a unidade representada pela superação metafísica empreendida por Nietzsche. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 15 mas e questões que aqui não serão sequer tocados. Porém, esta pretensão nietzschiana é o cerne para esse entendimento. Essa tentativa de superar tais dicotomias enriquece sua filosofia, fazendo-a importante marco para a contemporaneidade, e trazendo significativa contribuição ao pragmatismo. Este fragmento supracitado deixa clara aquela pretensão há pouco mencionada. Ora, homem e mundo, portanto, são única e mesma coisa e de mesmo caráter. Relembrando o argumento de que o mundo “é caos por toda a eternidade”, admite-se, de imediato, a idéia de que o homem assim também o seja. Não é clara se há menção neste fragmento de que o homem seja um caos ou que viva num caos. Seria preciso tal clarificação, pois, assim sendo, poder-se-ia resolver o problema entre homem e mundo. Ou seja: se o homem também é caos significa que a razão (lógica; logos) seria uma mera ficção ou mesmo uma patologia; mas se o homem vive no caos – sem sê-lo –, significa que é justificável a tentativa de racionalização da existência e do mundo. Nesse ponto de vista, Nietzsche traz inúmeros argumentos que confirmam a primeira hipótese, ou seja, de que o homem é também caos e que sua razão não passa de um desenvolvimento orgânico inacabado. Afirma em A Gaia Ciência (2002): A consciência é o ultimo e derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, também o que nele é mais inacabado e menos forte. Do estado consciente vêm inúmeros erros que fazem um animal, um ser humano, sucumbir antes do que seria necessário, 'contrariando o destino', como diz Homero. (§ 11). Onate (2000), comenta: Subordinando a consciência ao âmbito da vida orgânica, como seu mais tardio e incompleto desenvolvimento, Nietzsche data seu surgimento em época recente: longos períodos transcorreram na sua ausência e muito ainda deve suceder para que ela cumpra integralmente a função para a qual foi forjada. (p. 34). Vê-se, portanto, que é genuína a unidade homem/mundo. Esta unidade, em Nietzsche, desautoriza essa mesma expressão “homem/mundo”, permitindo apenas dizer mundo – se ainda possível for. Mas aqui nasce um outro ponto importante a esta reflexão: o “dizer”, ou seja, a linguagem. Para Nietzsche, é apenas o dizer – “a presunção da palavrinha 'e'” – que permite a dicotomização não só a que separa o homem do mundo, mas de toda possibilidade dicotômica do/no pensamento. Willian James (1979), declara em sua Segunda Conferência, a oposição do pragmatismo à clássica metafísica (da linguagem): A metafísica tem, comumente, seguido uma trilha muito primitiva de interrogatório. Sabe-se quanto os homens têm suspirado Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 16 por poderes mágicos ilícitos, e se sabe também a grande parte que as 'palavras' sempre desempenharam na magia. Se temos o nome ou a fórmula de encantamento que lhe diz respeito, pode-se controlar o espírito, gênio, entidade ou qualquer que seja o poder. Salomão sabia os nomes de todos os espíritos, e, tendo os seus nomes, mantinha-os sujeitos à sua vontade. Assim, o universo tem sempre aparecido ao espírito natural como uma espécie de enigma, do qual a chave deve ser procurada na configuração de algum nome ou palavra mágica iluminada. Esta palavra designa o 'princípio' do universo, e possuí-la é, de certo modo, possuir o próprio universo. 'Deus', 'Matéria', 'Razão', 'Absoluto', 'Energia', são muitos desses nomes encantados. Podemos repousar quando o temos. Chegamos ao fim de nossa pesquisa metafísica. (p. 20) É aqui que nasce uma das semelhanças entre Nietzsche e o pragmatismo. Esclarece Cometti (1995), que: para Peirce, que pretende ser fiel ao que a ciência lhe parece ensinar, o pensamento racional concebe-se tendo por base os efeitos que estão ligados ao que uma 'experiência' permite 'observar'. Por outro lado, para ele, como para James e Dewey, no que respeita aos desenvolvimentos que trarão ao pragmatismo, os fenômenos cognitivos concebem-se à luz dos processos de adaptação dos organismos vivos. (p. 13). É justamente esta concepção de que o pensamento racional concebe-se a partir dos efeitos que une esses filósofos. Em outra passagem, Nietzsche compreende que a “consciência é, na realidade, apenas uma rede de ligação entre as pessoas – apenas como tal ela teve que se desenvolver: um ser solitário e predatório não necessitaria dela”. (NIETZSCHE, 2002, § 354). Ora, se o mundo é um caos, se o homem também o é, onde, porventura, estaria o mérito da consciência, do pensamento ou da razão? Onde, pois, estaria a grandeza de Kant ao dizer que sua admiração consistia no céu estrelado e na lei moral dentro do homem? Tanto para Nietzsche como para os pragmatistas a consciência, o pensamento ou a razão estaria, justamente, na interação ou na lida do homem com o mundo5; seu instrumento (principal). Ora, se Peirce, pioneiro do pragmatismo, declara que “as crenças são, realmente, regras de ação” (apud JAMES, 1979, p. 18), então significa que não é o homem legislador da natureza como crer o racionalismo, mas um absorvente, um ser de interatividade com a mesma.6 Assim, compreende-se aquela sugestão nietzschiana de que se deve superar a dicotomia “homem x mundo”. A racionalida5 Mundo aqui quer também significar “as coisas” que constituem, estão ou formam o mundo como totalidade. 6 Cf. Willian James, 1979, p. 08 Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 17 de e a consciência não se constituem como dons divinos ou como essências ontológicas da suposta natureza humana, mas mera produção da interação do “homem” com aquilo que lhe constitui: o chamado “mundo”. Em sua obra intitulada Acerca da verdade e da mentira no sentido extramoral (2005), Nietzsche apresenta suas contundentes contribuições ao pragmatismo, mesmo que estas não tenham sido propositadas ou únicas. Nela, o autor traz uma de suas maiores interpretações sobre a constituição do termo “verdade”, ao mesmo tempo em que demonstra as produções humanas, demasiadas humanas, daquela interação supracitada. Os textos nietzschianos que trazem informações desse gênero parecem, muitas vezes, que o autor compreende o “humano” como um animal de fato. No início do texto a pouco mencionado, o autor apresenta a necessidade humana do uso, por exemplo, de “chifres ou dos dentes afiados” (p. 08). Ora, é evidente a inexistência desses órgãos nos humanos, porém essa possibilidade poderia ser real. Mas o que interessa é que, para Nietzsche, nos primórdios, o homem agia unicamente com seus instintos animalescos. Período propedêutico da razão. Parece evidente que ao pragmatismo pouco importa as formas com as quais os homens interagiam com o mundo nos primórdios da existência (humana). Mas é claro que o entendimento do pragmatismo assemelha-se com o de Nietzsche quando este apresenta o objetivo ou mesmo destino daquela interatividade primordial: a produção de uma garantia na existência e na relação com os objetos (realidades). Comparam-se os fragmentos seguintes, evidenciando a visão dos filósofos alemão e americano: Na medida em que o indivíduo se quer conservar relativamente aos outros indivíduos, este, na maior parte das vezes, utiliza o intelecto num estado natural das coisas, somente para a dissimulação; mas, como o homem quer existir tanto por necessidade como por tédio, socialmente ou em rebanho, precisa fazer a paz e aspira a que desapareça do seu mundo pelo menos o mais brutal bellum omnium contra omnes. Esta paz traz consigo algo que se parece com o primeiro passo para a obtenção daquele enigmático impulso para a verdade. Acontece que agora é fixado aquilo que doravante deve ser a 'verdade', ou seja, é inventada uma designação das coisas tão válida como vinculativa e a legislação da língua produz também as primeiras leis da verdade, pois aqui surge pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira. O mentiroso utiliza as designações válidas, as palavras, para fazer com que o irreal pareça real. (NIETZSCHE, 2005, p.09). (...) o fato tangível na raiz de todas as nossas distinções de pensamento, embora sutil, é que não há nenhuma que seja tão fina a ponto de não resultar em alguma coisa que não seja senão uma diferença possível de prática. Para atingir uma clareza perTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 18 feita em nossos pensamentos em relação a um objeto, pois, precisamos apenas considerar quais os efeitos concebíveis de natureza prática que o objeto pode envolver – que sensações devemos esperar daí, e que reações devemos preparar. Nossa concepção desses efeitos, seja imediata, seja remota, é, então, para nós, o todo de nossa concepção do objeto, na medida em que essa concepção tenha afinal uma significação positiva. (JAMES, 1979, p. 18). Surge, então, um dilema sobre as concepções relativas à verdade. Para Nietzsche, a verdade é produzida como parte de uma estratégia de sobrevivência; para James ela nasce como produto, ou melhor, como efeito de uma interação entre o homem e uma outra realidade. O primeiro, realiza uma crítica ferrenha que demonstra rejeitar qualquer possibilidade qualitativa de utilidade da verdade; o segundo, parece apenas descrever como as concepções são formadas e críveis como verdade. Percebe-se que, nascendo da reflexão antimetafísica, Nietzsche e os pragmatistas rejeitam, de modos diferenciados, a existência de uma natureza essencial metafísica. Enquanto a verdade para um apresenta-se como artifício para lidar com as mais simples intempéries da vida natural, para outro, a verdade nasce como meio pelo qual os indivíduos lidam seguramente, mesmo que provisoriamente,7 com o mundo. Mas é evidente a recusa desses filósofos a qualquer concepção metafísica de verdade. Assim, “a verdade não é nem um dado nem uma condição prévia do conhecimento, é sempre um 'resultado'”. (COMETTI, 1995, p. 20). Para os pragmatistas, a verdade está diretamente contida no âmbito ou no conjunto dos interesses (humanos). Dessa forma, tudo o que se apresenta como verídico significa que está no conjunto das coisas “interessantes” e que, por sua vez, são aceitáveis na ordem do convívio social, este que é estabelecedor do que é interessante. É claro que traçar a verdade nesse contexto do “interessante” pode trazer questões à baila no que diz respeito à ética e a outras dimensões da vida sócio-política. Mas não é conveniente tratar aqui estas questões, mas apenas mencioná-las. Mas não só para os pragmatistas. Para Nietzsche o “verdadeiro” também é fruto do interesse, da convenção, do “acerto de contas”. Talvez surja aqui a razão das críticas quando estas apontam um Nietzsche “contratualista”. Não se pretende entrar neste mérito. Se a verdade nesses filósofos apresenta-se a partir da convenção, do interesse ou do “acerto de contas”, diz-se, também, que ela se apresenta sob as “perspectivas”. Assim, a reflexão sobre o perspectivismo nietzschia7 Mesmo sendo possível a contradição em termos “seguramente/provisoriamente”, o uso aqui quer designar que, enquanto “seguramente”, diz-se do uso imediato e de efeito previsto para o resultado desejado, mas não que esse seguramente signifique algo essencialmente seguro; assim, enquanto “provisoriamente”, quer mesmo ser coerente com as propostas nietzchiana e pragmatista, quando dizem ter a crença uma natureza contingente e está diretamente ligada às produções do intelecto, já que este – o intelecto – é, para Nietzsche, igualmente contingente. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 19 no, que não se assemelha com o de Kant, traz para este texto indispensável contribuição. RESSONÂNCIAS DE UM PERSPECTIVISMO Conceber a idéia de que os efeitos de um objeto produzem no indivíduo certa crença, é o mesmo que afirmar que a crença imprimida no objeto pelo indivíduo parte da perspectiva do mesmo, adicionada pelos efeitos que aquele produz. Concebe-se, também, a presença do perspectivismo nos pragmatistas, pois, os efeitos causados pelo objeto não são efeitos em-si, pois cada indivíduo percebe os (mesmos) efeitos diferentemente, fazendo com que as crenças sejam provisórias, como foi dito anteriormente. As crenças são contingentes, primeiro porque são crenças, depois porque são “interpretações” de perspectivas igualmente contingentes. Perspectiva, crença/interpretação estão no âmbito da finitude, circunscritas na existência, contrárias à atitude metafísica. Essa contrariedade à metafísica faz afastar do perspectivismo a herança kantiana, pois não se trata das “condições” do conhecer, supondo a existência de uma essência eterna que seja suporte das representações. O perspectivismo nietzschiano, e talvez pragmatista, tem a ver mesmo com a espacialidade do corpo físico, seu campo perceptivo e possível, sua mais crua contingencialidade. Aquela interatividade mencionada (homem x mundo), em Nietzsche, não passa do jogo conflitivo de ação e reação das forças produtoras de interpretações. Se o mundo é como se viu no início, “vontade de poder” – e assim também o homem –, significa que, aquilo que se percebe como real e designa os signos é a vontade de poder. Esta designação revela-se como o instrumento com o qual se cria a fixidez, e, portanto, não se percebe a transitoriedade, o devir do mundo e da existência. As interpretações, as crenças são, na verdade, forças. Estas representam a convenção vitoriosa, seja as forças do indivíduo, seja as do grupo. Tanto em um como no outro caso, são as interpretações-força que estabelecem o 'modo' como o(s) indivíduo(s) lida(m) com o mundo. Diz Kossovitch (2004): É por isso que as interpretações são interpretações-força. Não basta afirmar o perspectivismo que define a singularidade de cada interpretação; é preciso insistir em sua índole ativa. Com efeito, a interpretação não é acrescentada à força como algo que lhe poderia faltar, ao contrário, ela é a própria força inserida no campo de dominação. (p. 47). Portanto, este é o cenário que parece compor as idéias dos filósofos aqui interessados: Nietzsche e os pragmatistas. É claro que eles percorreram métodos diferentes para expressar suas concepções antimetafísicas. O nietzschianismo e Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 20 o pragmatismo assemelham-se na crença de que a verdade é um instrumento “agregador” e “útil”, respectivamente. Radical ou tolerante, ambos são claros em suas posições frente à tradição. A verdade é criação humana e instrumento para sua sobrevivência e sua relação. Revela Nietzsche em Acerca da verdade e da mentira no sentido extramoral (2005): Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que, foram poética e retoricamente intensificadas, transpostas e adornadas e que depois de um longo uso, parecem a um povo fixas, canônicas e vinculativas: as verdades são ilusões que foram esquecidas enquanto tais, metáforas que foram gastas e que ficaram esvaziadas do seu sentido, moedas que perderam o seu cunho e que agora são consideradas, não já como moedas, mas como metal. (p. 13) Revela também James: “a verdade consiste simplesmente no que é vantajoso para o nosso pensamento, da mesma maneira que 'a justiça' consiste simplesmente no que é vantajoso para nossa conduta”.(apud. COMETTI, 1995, p. 28-29). É, portanto, estas declarações de Nietzsche e de algum dos pragmatistas – declarações estas que revelam a contingencialidade da “verdade”, tornando-a não mais eterna ou essencial às coisas, mas instrumento de lida com o mundo –, que apresentam estes filósofos como filósofos “marginais”, fazendo igualmente com suas filosofias. Assim, pode-se dizer que tais procedimentos filosóficos correspondem a uma atitude filosófica, atitude esta que, para nós, constitui-se como “filosofia da suspeita”. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS As considerações que aqui são expressas a respeito da compreensão que os filósofos expostos têm da “verdade”, ou dela como simples termo, não são considerações pretensiosas de findar tal discussão. Aqui se pretendeu apenas uma insinuação parcial de uma pesquisa em desenvolvimento. Esta parte, por sua vez, da compreensão cosmológica de Nietzsche e tenta, cautelosamente, unir aos interesses pragmatistas. Tentou-se mostrar que a reflexão nietzschiana sobre a vontade de poder é indispensável para compreender a visão que este filósofo alemão tem do mundo e do homem. A denominada teoria das forças exposta por Deleuze está na base de toda reflexão. Não por causa deste filósofo francês, claro, mas por este melhor 8 Esta expressão “filosofia da suspeita” está indicada e melhor esclarecida na obra nietzschiana intitulada Além do Bem e do Mal (2002), no aforismo 12. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 21 expressar as idéias de Nietzsche no que se refere à vontade de poder. É esta – vontade de poder – que pretende desautorizar o argumento metafísico. Em Crepúsculo dos Ídolos (200), quando Nietzsche expõe “O problema de Sócrates”, traz uma informação interessante. Ele mostra que a visão socrática de que não vale a pena viver, significa, para ele, que isto se deve ao fato de Sócrates não ser um homem robusto, ou seja, que seu pouco porte físico o conduz a uma visão pessimista da vida, pois, assim sendo fisicamente, revelava pouca possibilidade de sobrevivência a partir da força; ou seja, era um ser que, não sendo predatório, necessitava da arte da dissimulação. (cf. NIETZSCHE, 2005, p.08). A força, portanto, era a da dissimulação. Dessa forma, a concepção socrática de verdade vincula-se, para Nietzsche, a esse aspecto acidental da existência. Compreender a verdade socraticamente, ou seja, conceber a verdade como algo fora dos ditames da finitude, para além do mundo, deste mundo, é, ao mesmo tempo, negar a existência como ela é: “caos por toda a eternidade”; “vontade de potência e nada, além disso”. É por isso que Nietzsche compreende a verdade como produto de perspectiva, e estabelecida como crença. Os pragmatistas, bem próximos do que diz Nietzsche sobre a verdade, também acreditam que a verdade é crença, com a qual se lida com o mundo com certa garantia. Essa garantia se faz na medida em que, ao corresponder com certos efeitos, torna-se, a crença, um “hábito de ação” – comumente denominado verdade. Dessa forma, também os pragmatistas circunscrevem a verdade na contingência e no conjunto das produções humanas. Também aqui, verifica-se o discurso antimetafísico, desautorizando as categorias da razão pura. Ora, assim colocada a verdade no âmbito da contingência, da finitude, sobretudo da suspeita, percebe-se a emergência da reflexão sobre o perspectivismo. Não se pretendeu aqui insinuar nenhuma substituição do pragmatismo pelo perspectivismo e vice-versa. Aspirou-se, no entanto, assemelhar ou aproximar Nietzsche dos pragmatistas, e, por isso, se trouxe à baila a reflexão perspectivista, inserindo-a no ambiente pragmatista. É evidente a falta de completude nessa nossa pretensão, mas também se evidencia a necessidade do prolongamento da pesquisa para que, futuramente, melhor se possa refletir tais semelhanças. Relevando as possíveis e evidentes divergências metodológicas, o perspectivismo e o pragmatismo traduzem a filosofia contemporânea. Este empreendimento filosófico, que tenta questionar os preconceitos metafísicos, tem em muito ainda o que construir, porém suas propostas até aqui formuladas, sejam por Nietzsche, sejam pelos pragmatistas ou por tantos outros, já se revelam suficientes “suspeitas” para maior desenvolvimento desse empreendimento. Percebe-se que esta(s) filosofia(s) – perspectivismo e pragmatismo – não pretende mais inserir seus discursos “acerca da verdade e da mentira”, mas pretende questionar o valor mesmo dessas categorias metafísicas, mostrando-as como “ídolos” vulneráveis àquela suspeita filosófica, suspeita que traz consigo, se não uma “dinamite”, um “martelo”. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. 22 REFERÊNCIAS COMETTI, J. P.. A filosofia sem privilégios – desafios do pragmatismo. Traduçao de Fernando Martinho. Lisboa: ASA, 1995. CARRILHO. Manuel Maria (org.). Dicionário do pensamento contemporâneo. Lisboa: D. Quixote, 1991. DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Tradução de Antônio M. Magalhães. São Paulo: Editora Rés, 1994. JAMES, William. Pragmatismo e outros textos. Tradução de Jorge Caetano da Silva, Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1979. KOSSOVITCH, Leon. Signos e poderes em Nietzsche. São Paulo: Azougue Editorial, 2004. NIETZSCHE, Wilhelm Friedrich. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ______. Acerca da verdade e da mentira no sentido extramoral. Tradução de Heloisa de Graça Burati. 1ª Edição. São Paulo: Rideel, 2005. ______. Além do bem e do mal – prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César de Souza. 2ª Edição.São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ______. Crepúsculo dos ídolos – ou como filosofar com o Martelo. Tradução de Marco Antonio Casa Nova. 2ª Edição.Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. ______. Sabedoria para depois de amanhã. Tradução de Karina Jannini. 1ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2005. NATE, Alberto Marcos. O crepúsculo do sujeito em Nietzsche – ou como abrirse ao filosofar sem metafísica. São Paulo: Discurso Editorial, 2000. RORTY, Richard. Nietzsche, Sócrates e o pragmatismo. Cadernos Nietzsche 4. Tradução de Paulo Ghiraldelli. São Paulo: USP, 1998. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 11-22, Novembro, 2006. RECÔNCAVO FUMAGEIRO: PALCO DE UMA FISIONOMIA SOCIAL E CULTURAL Elizabete Rodrigues da Silva* RESUMO: Este estudo apresenta um olhar sobre o Recôncavo Baiano, na perspectiva de identificar na região fumageira uma fisionomia social e cultural específica, delineando a formação de uma sociedade característica do Recôncavo Fumageiro e, portanto, das mulheres charuteiras. PALAVRAS-CHAVE: Recôncavo fumageiro; cultura fumageira; fisionomia social. ABSTRACT: The present study presents a regard on Recôncavo from Bahia, in the perspective of identifying in the fumageira area a specific social and cultural physiognomy, delineating the formation of a characteristic society of Recôncavo Fumageiro and, therefore, of the charuteira women. KEYWORDS: Recôncavo fumageiro; fumageira culture; social physiognomy *Professora do Curso Normal Superior da Faculdade Maria Milza- FAMAM Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 24 Mas a história do Recôncavo é também a história das contradições. (M. de A. Brandão) Chama-se Recôncavo a região que circunda a Bahia de Todos os Santos, formando o grande anfiteatro no qual, há mais de quatrocentos anos, se vem desenrolando um dos mais antigos capítulos da colonização do Brasil, que ali teve o seu começo. (L. A. Costa Pinto). A delimitação precisa de uma região é por demais complexa em função dos vários aspectos que esta incorpora, seja do ponto de vista geográfico, econômico, político, social, cultural, histórico ou antropológico. Não havendo, dessa forma, um lugar específico e estático para cada característica que compõe uma região, ela se completa num todo harmônico, embora distinto, que sofre e gera transformações no tempo.(OLIVEIRA, 1997). A região do Recôncavo que se ergueu a partir de uma sociedade ligada à produção e manufatura do fumo e que ora buscamos entender, antes de ser, apenas, um espaço geográfico, é o resultado de um processo histórico, cuja dinâmica da realidade sócio-econômica, num determinado tempo, definiu o referido espaço, este que foi dirigido e organizado por uma sociedade, mas que não se reduz somente a uma elite política e econômica local. Trata-se de parte do Recôncavo, o Recôncavo das charuteiras que também não apresentou, em sua totalidade, uma área uniforme no que tange aos aspectos econômico e social e que, como os demais espaços, englobou e ainda engloba em sua formação variados aspectos. É, portanto, o Recôncavo das charuteiras, uma área social mais restrita dentro da zona urbana do Recôncavo fumageiro a qual, a partir da intensa atividade de fabricação de charutos, engendrou novos tipos de relações sociais, de instituições e de valores e que em congruência com a produção e reprodução cultural, traduziram o estilo de vida e psicologia social de sua gente.¹ O campo de observação deste trabalho percorre um período que vai de 1906 quando a documentação disponível fornece o registro das primeiras charuteiras da empresa Suerdieck e, que a partir de então, a indústria de charutos desenvolveu-se e potencializou econômica e socialmente a área fumageira até 1950 quando se acentuou o processo da crise e declínio da produção na região, dentro de um complexo contexto de contradições. 2 1 Segundo Milton Santos, é possível se destacar vários Recôncavos: açucareiro, mandioqueiro, de cerâmica e da pesca. Preferimos falar do “Recôncavo das charuteiras”, que é parte, também, do Recôncavo Fumageiro, mas acrescentando aí o aspecto social, nosso maior interesse. (1998, pp. 6165). 2 Brandão afirma que é a partir da segunda metade do século XX que a expansão da rede rodoviária nacional e a integração do mercado interno, dentre outros fatores de ordem história e política, que terminaram por marginalizar os velhos centros de produção regional, deprimindo a imponente rede que envolve a Baía de Todos os Santos. (1998, pp. 29-42). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 25 Considerando a especificidade de as charuteiras estarem diretamente ligadas à manipulação do fumo, lançamos um breve olhar sobre este produto e suas relações com a região e a população que ali viveu, no auge de sua produção e industrialização, elementos importantes na formação das relações sociais e culturais que envolveram as charuteiras desta região. A TERRA POR EXCELÊNCIA PRODUTORA DE TABACO A zona fumageira encontra-se mais recuada em relação ao litoral, constituindo parte do chamado Recôncavo Sul. Segundo o CEI (Centro de Estatística e Informação – 1940) esta região estendia-se de Maragogipe a Santo Antônio de Jesus. Nestes limites, destacam-se as cidades de Maragogipe, Cachoeira, São Félix e Muritiba, interligadas pela antiga estrada BA 02. Seguindo o curso do Rio Paraguaçu, a sua margem direita é ligada a Cachoeira pela Ponte D. Pedro II, que encontra do outro lado do rio a cidade de São Félix e, subindo a escarpa da falha, chega-se a cidade de Muritiba e, a seis quilômetros após, o Distrito de Cabeças (Governador Mangabeira – município criado em 1962). Nesta porção do Recôncavo Baiano, sob as coordenadas 120 23' a 130 24' latitude sul e 380 30' a 400 10' longitude oeste, (PINTO, 1970, pp. 08-09), centra-se a área que, por muito tempo, enquadrou-se sob um mesmo gênero de vida a partir da cultura do fumo, envolvendo toda a sua população, de modo particular as charuteiras, direta ou indiretamente na lida deste produto, desde seu auge à crise e decadência. Dentro destes limites territoriais, o solo apresenta uma composição natural adequada à lavoura fumageira por ser sílico-argiloso e rico em húmus, propriedades que, associadas à fertilização com o esterco de gado, prática muito freqüente em toda a região naquela época, determinavam a boa qualidade e quantidade dos fumos do Recôncavo, pois, segundo o memorialista Anfilófio de Castro "até seis meses quando o fumo, com tempo favorável em terreno bom e forte, que dá até treze cortes, qual vimos no Fumal, nós e o culto cientista bahiano Sr. Dr. Heitor Fróes" (CASTRO, 1941; LAPA, 1973). Embora, ao longo do tempo, o fumo tenhase alastrado por quase todo o Recôncavo, é nos campos de Cachoeira que ele deu os primeiros sinais de seu desenvolvimento na região. (VILHENA, Vol. I, 1969). A cidade de Cachoeira, dentre as demais, representava o centro políticoadministrativo e das relações econômicas na região, devido à sua posição portuária, depois ferroviária que, juntamente com São Félix e Muritiba, esta última um dos pontos de pouso dos transportadores de mercadorias, tinha a função de sediar o escoamento da produção, inclusive o fumo em grande quantidade, além de intermediar a capital e o interior mais distante, ou seja, o sertão, ao recambiar uma série de produtos exportáveis, fato que reproduziu o cenário de tropeiros e vaqueiros a transitar pelas ruas daquelas cidades em direção ao porto. Essa rede de comunicação solidificou-se em fins do século XIX e no início do século XX, com a Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 26 abertura de estradas de rodagem e a conseqüente utilização de veículos automotorizados, embora este tenha sido um dos fatores importantes para a progressiva transferência da importância econômica e política dessa região para outras áreas, isolando-a do resto do país. (SANTOS, 1988). Situado nos terraços fluviais da margem esquerda do Paraguaçu, o porto da Cachoeira tem a sua utilização e considerável importância no Recôncavo datadas desde a colonização e mesmo com a extensão da malha viária já nas décadas de 40 e 50, grande parte da produção do planalto fumageiro, incluindo a das manufaturas de charutos, ainda era escoada por via flúvio-marítima, elemento muito importante na estruturação econômica e social da região.(IBGE, 1980). Este cenário sugere um intenso movimento de entrada e saída de mercadorias na região que caracteriza o tempo de uma economia promissora, embora contrastasse com um quadro social de muita pobreza que ali margeava e para lá se dirigia em busca de trabalho, inclusive nas fábricas que formavam o parque manufatureiro da região. (PINTO, 1998). Datada dos tempos da colonização da Bahia, a atividade fumageira desdobrou-se paralelamente à produção do açúcar na região, a partir de uma organização sócio-econômica e cultural diferenciada. 3 Podia o fumo ser produzido em pequena escala e, seu beneficiamento, além de não exigir alto nível de especialização, era menos dispendioso que o açúcar, tais condições atraíam pequenos agricultores para aquela atividade. (CASTRO, 1941, pp. 107). O fumo, ainda que de qualidade inferior, conhecido como fumo-de-corda representou, por muito tempo, uma atividade econômica secundária no comércio colonial do tráfico de negros com a África. (BORBA, 1975, vol. 2, p. 12). Entretanto, ao longo dos séculos, sem muita modificação em suas técnicas de plantio e beneficiamento, mas já sendo produzido em forma de rapé e folhas selecionadas para fabricação de charutos foi assumindo uma posição de destaque e estabilidade dentro da pauta de produtos exportáveis para outras partes do mundo, assim como, aumentou o consumo interno possibilitando a emergência de um mercado consumidor local que viria a favorecer essa economia e a formação de um quadro social característico. Anfilófio de Castro informa que "fomos nós que já em 1559, enviamos sementes de fumo a Portugal", mas, é somente a partir da segunda metade do século XVII que a cultura do fumo passou a ser uma das principais lavouras típicas do Recôncavo Sul da Bahia, 4 atendendo ao crescente interesse comercial de Portugal, ao tempo em que este forçava o abrandamento das medidas restritivas à lavoura em favor de uma certa política protecionista que lhe favorecia no comércio de escravos com a África e as especiarias no Oriente. 3 Segundo Marisa Corrêa (1982, p. 19), o fumo da Bahia, além de ter sido produzido simultaneamente ao açúcar, rendeu mais que o ouro das Gerais aos cofres portugueses. 4 Ainda, segundo SCHWART, a produção de fumo para comercialização tem início nesta região por volta da segunda década do século XVII, quando pequenos agricultores iniciaram em São Pedro do Monte de Muritiba as primeiras plantações, seguindo-se à Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, onde começou a centralizar a indústria do fumo de rolo. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 27 Para o século XVIII, segundo Vilhena (1969, p. 199), “há nesta Capitania diferentes paragens, onde se lavra tabaco; os sítios, porém onde há mais fazendas dele são com preferência a todos do Brasil, os campos da Cachoeira". No final do século XVIII, só no distrito de Cachoeira havia oito mil plantadores de fumo e na maioria rendeiros (MATTOSO, 1992. p. 463), criando, a partir de então, uma espécie de tradição em torno dessa atividade e um tecido social territorialmente diferenciado. Nos últimos anos do século XIX, a lavoura do fumo constituía o principal artigo de exportação e, ao raiar do século XX, já contando com a instalação das fábricas de charutos, continuou contribuindo com as rendas auferidas pela exportação na economia da Bahia, sendo o Recôncavo o maior fornecedor de fumo e derivados de todo o Estado. Foi assim até mesmo quando já não ocupava lugar de destaque por ocasião das sucessivas crises e dificuldades que a lavoura enfrentava. (BORBA, 1975, vol. 2, p. 10; ALMEIDA, 1951, n.2. p. 8-9). A produção e exportação de fumo dos tipos superiores, provenientes do Recôncavo, favoreceram na Bahia fortes relações comerciais com o estrangeiro, principalmente com as cidades de Bremen e Hamburgo na Alemanha, que tinham em 1827 os seus consulados instalados na capital deste Estado. A Alemanha representava o mais importante mercado de fumo de charutos de toda a América. Bremen chegou ao fim do século XIX com o primeiro lugar na importação mundial de fumo em folha e, no início do século XX, o fumo da Bahia –como é chamado o fumo do Recôncavo-, ocupou lugar de destaque no comércio de Bremen, antes dividido somente com os Estados Unidos. (BORBA, 1975, vol. 2 p. 75-78). O fumo do Recôncavo era exportado tanto para o estrangeiro como para outras áreas internas do país, assim como mantinha, em grande parte, as indústrias locais. Ao mesmo tempo, a Bahia constituía-se num grande importador de fumo de várias partes, através de Bremen de onde também, adquiria os charutos alemães. Tais relações comerciais evidenciam o reflexo do controle do mercado do fumo baiano pela Alemanha, pois, do Recôncavo era exportado o fumo bruto, que naquele país era beneficiado e reexportado como fumo de alta qualidade para ser utilizado nas manufaturas do Recôncavo a preços altíssimos. Entretanto, comparado muitas vezes com o fumo de Havana, o fumo do Recôncavo, quando aqui beneficiado, também era destinado aos charutos de qualidade superior. (SUERDIECK, 1955). Cachoeira, São Félix, Muritiba e seus arredores representaram, portanto, o centro da cultura fumageira na Bahia, desde a colonização até o período de retração econômica, seja pela qualidade do fumo, seja pelos produtos ali produzidos. Outeiro Redondo, distrito de São Félix, chegou a receber incrementos do governo pela “produção de safras apreciáveis na balança do Estado”. (AMSF, 1952). O fumo de São Félix era, de fato, para o exterior, a melhor espécie exportada pelo Brasil, por corresponder às exigências do mercado na produção de charutos finos. Porém, num processo de sucessão histórica e ecológica, o pólo fumageiro foi, gradativamente, sendo transferido para Cruz das Almas e outras áreas, como Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 28 se pode verificar já através da produção do ano de 1926, quando Cachoeira, São Félix e Muritiba juntos produziram 1.140.000 quilos de fumo e Cruz das Almas, sozinho, produziu 1.660.000. (APEB). Conforme resumo dos trabalhos do ano de 1936, do Instituto Bahiano de Fumo (APEB), Cruz das Almas tinha cadastrado 1.521 lavradores e rendeiros produtores, Muritiba 1.466, enquanto que Cachoeira e São Félix não aparecem mais como grandes produtores de fumo. Em meados do século XX, com o evento da rodovia e do caminhão, que contribuíram diretamente para as transformações espaciais da indústria fumageira naquela região, Cruz das Almas já representava o maior produtor de fumo entre aqueles municípios. (SANTOS, 1988, p. 79). Essa mudança de direção no quadro da importância econômica dos antigos municípios produtores e beneficiadores de fumo causaram um certo mal-estar. Já em 1941, sem perceber as mudanças conjunturais oferecidas pelo momento, Anfilófio de Castro (p. 104) escrevia: (...) e, de culpa nossa, nos tomou [Cruz das Almas] a vanguarda, desaparecendo assim o nosso nome que, muito acreditado e conceituado, brilhava nos mercados estrangeiros, onde as grandes "marcas" atuais, feitas de fumo nosso, em nossos armazéns, levam chapas dizendo-se de outras procedências, como se possível noutras partes gênero igual, e operários aptos e escrupulosos como o muritibano. O Recôncavo Sul da Bahia passou a ser, então, o principal centro da cultura fumageira e de sua exportação, representado, embora em períodos diferentes, pelos municípios de Maragogipe, Cachoeira, São Félix, Muritiba, Cruz das Almas, São Felipe, Nazaré, Santo Antônio de Jesus e, percorrendo uma grande faixa de ambos os lados do Rio Paraguaçu, os chamados tabuleiros terciários, sempre recuados do litoral, formando aí uma zona natural produtora de fumo, de onde procediam várias espécies de fumo apropriadas ao fabrico de charutos pelo tratamento dado às suas folhas. (BORBA, 1975, Vol. 2, p. 19; PINTO, 1998, p. 122; APEB). 5 Nos anos 30 do século XX, a lavoura do fumo já se havia estendido a outras áreas do Estado, como por exemplo, Coração de Maria, São Miguel das Matas, São Gonçalo dos Campos e Castro Alves, chegando a 101 municípios dos 152 na época, o que caracterizou uma expansão que demonstra sua importância como produto agrícola de peso na economia baiana, já considerado como aquele que "tem uma tríplice influencia: é artigo de exportação, é objeto de geral consumo interno e é fonte fiscal ou de renda". (APEB). 5 Os tipos de fumo são classificados conforme as zonas produtoras: o "mata", fumo suave e fino era procedente de Belém (distrito de Cachoeira), Muritiba, Cruz das Almas, Conceição do Almeida, Maragogipe, São Felipe e Santo Antonio de Jesus; o "Beira-campo", ou seja, fumo forte e fino procedente de São Gonçalo e Cachoeira; produzindo as outras áreas um fumo mais "ordinário". Cada uma dessas espécies pode ainda apresentar variações secundárias de qualidade. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 29 Esse processo de evolução da importância econômica do fumo na Bahia, principalmente, no Recôncavo, é que contribuiu para a instalação e ampliação de várias empresas de manufaturas deste produto, coincidindo a época da grande exportação de fumo com o surto manufatureiro, localizado principalmente nas cidades de Maragogipe, Cachoeira, São Félix e Muritiba, que tiveram seu auge, considerando os períodos de crise, até a década de 50 quando começa o processo da decadência da manufatura fumageira na região. (BORBA, 1975, p. 18; SANTOS, 1998. p. 80-87). Em 1952, ocorreu em Salvador o Congresso Nacional do Fumo voltado para o estudo de novas técnicas na cultura do fumo, assim como, para a busca do amparo à lavoura e assistência financeira aos produtores e industriais, acontecimento que revela a importância do fumo naquele período. Na oportunidade, o Jornal Correio de São Félix dedicou importantes espaços à história do fumo e das manufaturas naquela região, como a publicação em 26 de abril de 1952, da palestra "Fábricas de Charutos", proferida pelo Comendador José Ramos de Almeida Alves, em 09/04/1952 no Rotary Club Cachoeira - São Félix; além de vários artigos publicados no Jornal Correio de São Félix, nos dias 10, 17 e 24 de maio e 12 de julho de 1952. A zona fumageira definiu, ao longo do tempo, uma nova hierarquia para as cidades da região no plano da importância do desenvolvimento econômico e sócio-espacial, emprestando também a sua população características culturais diferenciadas das regiões vizinhas ou da mesma região em outros tempos a exemplo da região canavieira. O fumo, portanto, constituiu-se num elemento importante nesta região, não apenas como produto auxiliar de sua economia, mas como produto econômico primário de uma sociedade, que além de uma paisagem natural, delineou uma paisagem humana e social característica de suas propriedades, desde o trato na roça, o uso na fabricação de charutos até o comércio. OS PLANTADORES DE FUMO - SEU TRABALHO E SEU GANHO Na porção do Recôncavo aqui abordada, apesar da vasta área dedicada ao plantio de fumo, predominaram as pequenas propriedades de terras com cerca de 1, até no máximo 10 hectares, administradas inicialmente por homens livres de poucos recursos, o que explica a condição de não-escravo, tampouco, de latifundiário como o senhor de engenho, mas que também podiam ser donos de terra, assim como meeiros, nos quais muitos escravos libertos transformaram-se, fazendo o pagamento da terra utilizada com a metade de tudo o que produziam. Contudo, a maioria dos plantadores de fumo do Recôncavo era formada de rendeiros que, por um contrato verbal e inviolável, faziam o uso e pagamento da terra ao seu proprietário. (BORBA, 1975, p. 13-15; PINTO, 1998, p. 124-125; AMSF, nº22, 15/10/1944). Em relação ao uso desta mão-de-obra, requisitava-se o concurso de toda a Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 30 família e, até meados do século XIX, também, utilizava-se um pequeno número de escravos e escravos, tanto para o trabalho da roça quanto para a preparação do fumo em rolo ou fumo em corda que formava a “bola de fumo”, trabalho pesado realizado nas manufaturas da Vila da Cachoeira. (LAPA, 1941, pp. 171-179; MATTOSO, 1992. p. 463). Com a abolição em 1888, essa região passou a contar com o retalhamento das terras e um contingente maior de mão-de-obra livre e sem trabalho fixo, dificultando o preparo dos rolos de fumo por falta de mão-de-obra escrava nas fazendas. (SANTOS, 1998, p. 73). Em fins do século XIX e no século XX, com a utilização do fumo em larga escala na fabricação de charutos e cigarrilhas e, por conseguinte, maior exigência do mercado interno e externo, predominou um número maior dos chamados pequenos e médios proprietários, assim como os rendeiros que, com o trabalho de suas famílias e as práticas de ajuda mútua e adjutório, muito comum nesta região, dedicaram-se em grande parte ao plantio do fumo, embora também se ocupassem da economia de subsistência. (MATOSO, 1992, p. 463; BORBA, 1975, p. 13-14). 6 O conjunto dessas pequenas propriedades formava “uma malhada verde nas épocas de plantação e, no período de secagem enchiam as casas de 'camas de fumo' e talos secos”, (SILVA, 1998), 7 conduzindo as famílias proprietárias ou rendeiras ao labor diário dessa atividade, desde a preparação das sementeiras e do solo, o plantio, o trato com a planta que envolviam etapas muito trabalhosas; a colheita, ou seja, as etapas do corte, secagem, enfardamento, transporte dos fardos para os armazéns dos centros urbanos mais próximos, e até mesmo no trabalho das manufaturas, que tinham o seu contingente operário maior, exatamente no período entre safras, quando cessava o trabalho na roça de fumo e se estendia a labuta com a planta já seca. 8 As ferramentas apropriadas, como o arado e a enxada, insumos como o adubo – o esterco de gado ou a mamona –,9 as mãos e os aventais das mulheres sujos de cerol de fumo, o aroma forte da planta verde ou seca, os telhados das casas e/ou dos galpões cheios de fumo, os fardos sobre os animais transitando 6 Somente após 1959 as categorias de rendeiros, parceiros e meeiros sofrem uma redução acentuada, conforme SECRETARIA DA AGRICULTURA. Fumo na Bahia: Diagnóstico Preliminar. Salvador: 1980. 7 Sobre o termo “malhada” Joaquim de Amorim Castro (Juiz de Fora e lavrador da vila de Cachoeira – 1788) já utilizou em suas Memórias como “lugar estrumado” apud LAPA, 1973. Completando, LAPA diz “que hoje pode também significar uma plantação de fumo”. p. 164. 8 Para um estudo minucioso sobre a semeadura e todas as fases de produção do tabaco, a obra que apresenta maior número de informações detalhadas é a de Antonil, que dedica 12 capítulos, versando sobre o assunto. Antonil, avalia, ainda, ser o trabalho de lidar com o tabaco tão penoso que excede em muito o de fazer o açúcar (pp. 149 – 199); (LAPA, op. cit. p. 160-167); e (CASTRO, op. cit. pp. 106-107). 9 Sobre a adubação da terra ver: APEB. Secretaria da Agricultura Indústria e Comércio. Relatório do IBF.; O adubo químico, resultado do bagaço de caroço da mamona passou a ser utilizado já gado destinado à fertilização da terra para o plantio de tabaco está intimamente relacionado à conexão desta cultura com a pecuária, na mesma região. (LAPA, op. cit. p. 162).no século XX. O estrume do gado destinado à fertilização da terra para o plantio de tabaco está intimamente relacionado à conexão desta cultura com a pecuária, na mesma região. (LAPA, op. cit. p. 162). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 31 entre as casas e os armazéns são elementos peculiares que definiram e caracterizaram não só a região como as pessoas e os tipos de relações que as mesmas teciam no seu cotidiano. A organização do trabalho, em todas as etapas de produção, ocorria com a reunião de todos os membros da família, incluindo os agregados, se os tivessem. Porém, não havia a presença de um feitor ou mestre, mas estava sob a direção do chefe da família, que, geralmente, era o homem e que, apesar de representar uma figura autoritária, não determinava, entre os membros distinção de tarefas diretamente ligadas à roça, todos podiam fazer de tudo. A este cabia-lhe, além de participar do cultivo da lavoura, a organização do transporte e a comercialização do fumo nos armazéns. A mulher, também estava presente na lida agrícola, além de já ser responsável por todo o serviço doméstico e o cuidado com as crianças, que já cresciam na lida, lado a lado, a seus pais. Situações que envolviam relações econômicas, sociais e de gênero e emprestavam àquela gente características singulares ligadas às atividades relacionadas ao fumo. (PINTO, 1998, pp. 129-130). A zona agrícola do Recôncavo Fumageiro teve sua vida econômica baseada nas pequenas unidades de produção, ao contrário da área contígua açucareira (APEB, 1940-1947) e, uma vida social organizada em torno da família, pois, segundo o Relatório do Instituto Bahiano do Fumo, "o pequeno lavrador planta sua roça e n'ella trabalha com a sua família”, esta que tanto podia ser a sacramentada pela Igreja Católica quanto a natural, criada pela mera vontade dos parceiros, ou seja, “a forma costumeira da amigação” e tão comum em toda a Bahia.10 Era o fumo do Recôncavo a “lavoura de pobre”, que também foi chamada de lavoura de “fundo de quintais” pelo seu caráter democrático de ocupar até os menores espaços da pequena propriedade, como os jardins e quintais, abarcava um grande contingente humano dedicado ao seu cultivo. A população, envolvida com a lida diária do fumo, apresentava uma pobreza bastante acentuada, que "não resta dúvida de que é aqui, entre as subáreas do Recôncavo, que atraso e pobreza são mais visíveis e mais chocantes". (PINTO, 1998, p. 122-134).11 A pobreza daquela gente revelava um modo de vida característico da região do fumo, que estendia-se do campo aos centros urbanos e suas periferias, acompanhando o trajeto do fumo aos armazéns, fábricas de charutos e às residências onde também a manipulação industrial do fumo era rotina. Sendo o fumo considerado a grande riqueza do Recôncavo Sul, a produção final de toda a região movia grandes somas de capitais dos comerciantes e do Estado. Mas, considerando a composição da mesma região como um mosaico de pequenas plantações e raras 10 Os CENSOS de 1940 e 1950, apresentam para o conjunto da população de 15 anos e mais desta região, um percentual de habitantes casados de relativamente 20% e de solteiro de 76%, ficando os outros por conta dos viúvos e os que não declararam. Ainda para o caso ver PINTO, op. cit. 1998, pp. 128-129; MATTOSO, op. cit. p. 208; E para a discussão sobre formas de amasiamento ver VAINFAS, 1989; BASTIDE, op. cit. p. 69. 11 Segundo CASTRO, os "lavradores" de fumo eram "geralmente analfabetos e pobres" (op. cit. P.104); Ainda para “lavoura dos pobres, dentre outros, ver: Correio de São Félix, nº 21, 08/10/1944; ALMEIDA, op. cit. pp. 8-9; LAPA, op. cit. P. 149; BORBA, op. cit. p.15; RIBEIRO, 1995, pp. 277-279. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 32 propriedades de maior extensão, o pequeno agricultor e sua família não recebiam do governo a atenção necessária para a ampliação de sua lavoura. O pequeno produtor ficava “nas mãos” dos trapicheiros, comerciantes – atravessadores, representantes dos vários armazéns de fumo e das exportadoras, que usavam um sistema de financiamento antecipado, ou seja, compravam as safras, antes mesmo de plantar o fumo, a preços presumidos, que significavam para eles preços baixos e assim logravam todas as suas possibilidades de lucro, além dos juros extorsivos praticados neste comércio. Caso o agricultor fosse um “meeiro” ou “rendeiro”, não sendo proprietário das terras, a falta de proteção era maior. Não recebia nenhum incremento por parte do Estado ainda ficava sujeito às condições impostas pelos proprietários das terras. Era um trabalho coletivo no tocante à força de trabalho dispensada por toda a família e, sem contar os dias de trabalho que começavam ao raiar do sol e só terminavam ao escurecer; além da lavoura de subsistência que era o que garantia, de fato, a sobrevivência real do agricultor, e que muito pouco deixava de lucro para ele e sua família, pois, segundo Borba (pp. 16-19), era destinado apenas para a compra de roupas e calçados para a família. Anexo ao decreto de criação do Instituto Bahiano de Fumo e seu Regulamento, em 1935, um relatório da Secretaria de Agricultura Indústria e Comércio (APEB) também identifica que: A sua safra de fumo dá-lhe o numerário necessário para o vestir e a sua família. As outras lavouras ou o trabalho a dia dão-lhe a subsistência. Quase sempre o lucro que dá a venda do fumo ao pequeno plantador, é destinado a compra de fazendas, roupas e calçados para a família. O ganho que percebia o pequeno agricultor de fumo e sua família não era, portanto, suficiente para uma vida razoavelmente satisfatória, dando lugar a certas práticas, como por exemplo, a de comprar parte dos mantimentos, por um longo período, no armazém mais próximo e sob o registro de uma caderneta, pagando a dívida com o próprio fumo ou somente quando vendia a sua produção. Esta prática implicava, muitas vezes, uma soma elevada referente a sua situação econômica que pouco lhe restava ao final. (MATTOSO, 1992, p. 518). Estas e outras situações de precariedade vivenciadas pelo agricultor de fumo e sua família definem aspectos da vida sócio-econômica da zona tabaqueira e explicam, portanto, a expressão “lavoura dos pobres”, que representa um paradoxo em relação ao fumo já que este era a riqueza que movia de forma ascendente a economia do Estado, nos períodos em que esteve em ascensão. Nas pequenas empresas agrícolas, onde a terra e as sementes eram trabalhadas pelas famílias de maneira ainda bastante rudimentar, homem e natureza não são distantes e a interferência do primeiro elemento sobre o segundo significa muito mais uma relação de aproximação, apesar das contradições do sistema econômico. O Recôncavo, além de ter sido o maior produtor de fumo na Bahia, foi destacado também, como o principal centro de exportação e das manufaturas de chaTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 33 rutos e cigarrilhas, onde se desenrolava uma mão-de-obra constituída, na maioria, por mulheres charuteiras que formavam o cenário urbano e social da zona fumageira. REFERÊNCIAS DO TIPO HUMANO HISTÓRICO-SOCIAL DOS FUMAGEIROS A formação da população do Recôncavo Fumageiro, quanto às características raciais, sociais e culturais, é complexa e exige um estudo minucioso. Porém, inicialmente, está intimamente ligada a sua história desde o período da colonização quando índios, europeus - principalmente o português - e negros, representaram as matrizes do processo de miscigenação que ofereceram, posteriormente, também os referenciais de cor desta população. Esta região foi povoada pelos índios Tupinambás, que somavam ainda no período dos três governos gerais 47 aldeias. São Félix, por exemplo, constituía-se numa aldeia de índios com 20 palhoças habitadas por cerca de 200 índios. Com a instituição do domínio português e a resistência indígena, instalou-se a guerra de destruição a esses índios que se constituiu em um denominador comum na história de ocupação do Recôncavo, da qual resultou o gradativo despovoamento desta região. É neste processo de luta de resistência à escravidão e ao poder sobre o seu território que os índios sobreviveram, em parte, e não resistiram ao cruzamento com o colonizador, permitindo o primeiro passo para o processo de miscigenação do Recôncavo. (MATTOSO, 1992, pp. 69-81; AMSF; AZEVÊDO, 1968, pp. 3-14; CASTRO, 1941, p. 34).12 Quanto aos negros é sabido que a sua presença esteve relacionada à escravidão africana e teve no Recôncavo, desde a colonização até o final do século XIX, a maior concentração da Bahia. A sua demanda nesta região vinculou-se ao crescimento da indústria do açúcar e as plantações de fumo, estas últimas para sustentar o tráfico de escravos no "comércio triangular". (AZEVEDO, 1968, p. 7). Cruzando as informações da evolução demográfica do Censo e os números sugeridos por Bastide (1980, p. 68-70), tinha a Bahia já em 1890, uma população de 1.919.802 habitantes e, destes 75,97% eram de negros, relativamente proporcional a estes números também todo o Recôncavo, considerando que era Cachoeira e São Félix os centros de irradiação negra do Estado. Porém, esse mesmo Recôncavo se estabeleceu como área de transição, pela sua comunicação com a Baía de Todos os Santos e o sertão, através dos rios que nesta baía desembocam e, mais tarde, com as rodovias que contribuíram para a distribuição da população, seja dos que chegavam ao Recôncavo ou dos que saíam deste em direção à capital ou ao sertão, mas que cruzavam o mesmo 12 “As margens do Paraguaçú eram da mesma fórma habitadas pela nação de Paraguás (...)".CASTRO, op. cit. p. 34. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 34 ponto. Neste percurso, o processo de fusão das raças foi redefinindo, ao longo do tempo, outro quadro, particularmente, para o Recôncavo Fumageiro que se ocupou da manufatura dos charutos. (SCHWARCZ, 1998, vol. 4, p. 193)13. Uma amostra da população, por cor, das décadas de 40 e 50 do século XX, oferece informações que apresentam para esta região uma população miscigenada, embora se considere esta miscigenação mais densamente próxima para a cor escura que para a clara, um tipo que Azevedo chama de "mulato escuro". Em 1940, a população dos municípios de Maragogipe, Cachoeira, São Félix e Muritiba somava 105.047 habitantes, sendo 34,14% de cor preta e 46,33% de cor parda. No Censo de 1950, estes municípios somavam uma população de 110.253, sendo 52,75% de cor parda, ou seja, a maioria era uma população não branca, nem exclusivamente de cor preta. (IBGE, 1958). Apesar da sobrevivência, em grande parte, nesta região, da herança de elementos da cultura africana, os deslocamentos da população e as interpenetrações sociais e culturais que se processavam em todo o Nordeste facilitaram, particularmente ao Recôncavo, a uma complexa formação étnica resultante da intensa fusão entre os elementos africano, europeu e ameríndio. (BASTIDE, 1980, p. 6971; MATTOSO, 1992, pp. 69-81). A instalação das empresas de beneficiamento, exportação e fabricação de charutos, também impôs a presença na região, já densamente miscigenada, do elemento estrangeiro. Entre 1880 e 1930, entraram no país cerca de 3,5 milhões de imigrantes, sendo 112 mil de alemães.(RAGO, 1997, pp. 580). Em 1920, contavam os municípios de Maragogipe, Cachoeira, São Félix, Muritiba e Cruz das Almas com 174 estrangeiros, sem contar 81 pessoas de nacionalidade não declarada, que podiam ser, tanto brasileiros como estrangeiros e, em 1940, estes municípios contavam com 140 estrangeiros. (IBGE, 1920 e 1940). Há de se reconhecer que estes números moviam-se constantemente com o trânsito destes indivíduos, principalmente os alemães, que negociavam com fumo entre as várias regiões do Brasil com que mantinham negócios, além de seu país de origem, no caso a Alemanha, onde as relações comerciais eram constantes. Um outro momento que reduz, consideravelmente, estes números é o contexto da Segunda Guerra Mundial, em relação aos alemães no Brasil. Destacando-se neste período, principalmente, o alemão, que apesar de ver o Brasil apenas como o porto de conquista de fortunas, muitos deles estabeleceram-se na região e constituíram famílias. Como por exemplo, o Sr. Geraldo Dannemann, alemão de Bremen, naturalizou-se brasileiro em 1889 e foi o primeiro intendente de São Félix, casando-se com a operária Aleluia Navarro com quem teve nove filhos; Gerard Meyer Suerdieck, alemão, casou-se com Tibúrcia Guedes, uma operária da fábrica de charutos, que anteriormente era pescadora de mariscos em Nagé, localidade de Maragogipe; Sr. Johann Schinke, alemão, casou-se com Zelinda de Brito operária da Suerdieck de Maragogipe.(AMSF, 26/04/1952; SUERDIECK S/A 13 Esta autora chega a afirmar que “Era a cultura mestiça que, nos anos 30, despontava como representação oficial da nação”, p.193. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 35 CHARUTOS E CIGARRILHAS, 1955). São casos que representam um fragmento de uma realidade muito mais complexa, em que as relações entre alemães e brasileiros não se reduziam apenas ao trabalho, mas estavam presentes, também, em outras circunstâncias, configurando uma assimilação que não significou a “passagem” de uma cultura à outra, mas, em certa medida, uma adaptação que gerou a integração entre grupos sociais diferentes, promovendo ganhos de ambos os lados. O fluxo da mobilidade social, em âmbito regional e em direção aos centros urbanos, também colaborou na formação social do Recôncavo. A composição do quadro social do Recôncavo Fumageiro, na primeira metade do século XX, também apresenta um processo gradativo de alfabetização que, além de lento, não aparecia como valor, muito menos como valor positivo para as funções ocupadas no trabalho com o fumo, sendo o número dos que não sabiam ler e escrever bem significativo. Assim, a lavoura e "a indústria do fumo é a ocupação de quase a totalidade do seu povo" [Muritiba], "o qual, embora com qualidades apreciáveis, é pouco instruído e pouco afeiçoado às letras". (CASTRO, p. 05). Esta afirmativa estende-se nas mesmas proporções para todos os outros municípios da região fumageira, pois, conforme o Censo de 1940, o total da população de cinco anos e mais de idade dos municípios de Maragogipe, Cachoeira, São Félix e Muritiba era de 88.275 e destes 65.720, ou seja, 74.45% não sabiam ler e escrever. Em 1950, segue com pequena diferença, o mesmo ritmo das proporções, uma média de 70.65% de analfabetos para o total da população de cinco anos e mais de idade. (IBGE, 1950). As fichas de registro dos trabalhadores da Suerdieck de Maragogipe, no entanto, oferecem outros percentuais que, proporcionais ao seu montante, permitem concluir, também, que o processo de alfabetização entre os trabalhadores da indústria do fumo pareceu um pouco mais acelerado, embora considere uma amostra restrita e dados que são relativos pela flutuação do pessoal, mas que podem ser considerados como um reflexo da realidade apresentada. De 1906 a 1950, dos 2.852 funcionários fichados, têm-se: Tabela nº 1 - Instrução Instrução N.° % Nula 1.125 39,45 Primária (1.º ao 5.º ano) 1.727 60,55 Total 2.852 100,00 FONTE: Documentos da Fábrica Suerdieck. Maragogipe-Bahia Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 36 O casamento, nos moldes oficiais republicanos, também apresentava número bastante reduzido, cedendo lugar às uniões livres, ou seja, uniões conjugais extralegais na forma do concubinato, estas que, além de serem aceitas, representavam também uma forma comum de relacionamento entre homem e mulher. Da mesma forma, Castro (p. 36) é enfático ao afirmar que "numa população de entre 37 a 40.000 almas, realizando-se apenas, anualmente, 156 casamentos legais, atinge as raias do espanto pela insignificância". Embora, o Censo informe que em 1940, em Muritiba havia apenas 28.135 habitantes, mas ao tomar a população dos quatro municípios de quinze anos e mais de idade - 105.047 -, os números revelam que 80.762 eram solteiros, relativamente 76% da população, ou seja, embora haja divergências nos números, procede o espanto do observador. Em 1950, o Censo aponta 72% da população dos cinco municípios, de 15 anos e mais de idade, composta por solteiros. (IBGE, 1940). Tabela nº 2 - Estado Civil Estado Civil N.° % Solteiro 2.333 81,80 Casado 472 16,55 Viúvo 47 1,65 Total 2.852 100,00 FONTE: Documentos da Fábrica Suerdieck. Maragogipe-Bahia Estes dados, referentes ao tipo humano, instrução e estado civil dos trabalhadores do fumo, são apenas indicativos para uma aproximação do tipo étnico, cultural e social do homem fumageiro do Recôncavo Sul da Bahia, visando identificar, também, as charuteiras como parte desse cenário, abrigando uma crença subjetiva em uma procedência comum. A evolução da importância do fumo na região do Recôncavo revela o grau de envolvimento da população que, ao longo do tempo, dedicou-se ao seu plantio, beneficiamento e manufatura, delineando, também, uma fisionomia social e cultural específica desta região. O domínio da cultura fumageira representou outra economia, outra vida e outra cultura, refletindo assim, na formação de uma sociedade característica do Recôncavo Fumageiro, onde se localiza, portanto, as charuteiras. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 37 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rômulo. Traços da história econômica da Bahia no último século e meio. (1.ª Conferência de um Curso de Economia promovido pelo Instituto de Economia e Finanças da Bahia, em 7/11/1949). Salvador (BA.): junho de 1951. AMSF - ARQUIVO M. DE SÃO FÉLIX. Correio de São Félix. São Félix: Jornal semanal, 1942 a 1952. AMSF - ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO FÉLIX: Jornal da Cidade. São Félix e sua história. São Félix: edição especial, 1990. ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Ed. Itatiaia/USP. São Paulo: 1982. APEB - ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Secretaria da Agricultura Indústria e Comércio. Relatório sobre o fumo. Cx. 2378, M. 149. APEB - ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. 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Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 23-39, Novembro, 2006. 38 CORRÊA, Marisa. Repensando a Família Patriarcal Brasileira In ARANTES, Antonio Augusto (et alli) Colcha de retalhos sobre a família no Brasil. S. Paulo: Brasiliense, 1982. IBGE, Censo demográfico: Bahia. Recenseamento geral do Brasil, 1940. Rio de Janeiro: 1950. IBGE, Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: XX vol. 1958. IBGE, Sinopse preliminar do Censo demográfico de 1970: Bahia/IBGE. Rio de Janeiro: 1980. LAPA, J. R. Amaral. Economia colonial. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1973. MATTOSO, Katia de Queirós. Bahia: século XIX: uma província no Império. R. J., 1992. OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma Re(li)gião: SUDENE, NORDESTE. Planejamento e conflito de classes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. PINTO, L. A. Costa. Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana. In BRANDÃO, Maria de Azevedo (org.). Recôncavo da Bahia: sociedade e economia em transição. Salvador (BA): Ed. 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KEY WORDS: State; administration of poverty; local administration; emancipated politic. * Professora do curso de Normal Superior, Enfermagem e Administração da Faculdade Maria MilzaFAMAM. E-mail - [email protected] Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 42 INTRODUÇÃO O Projeto Bolsa-Escola, de iniciativa do Governo Federal, criado em 1997, apresenta-se como alternativa para interromper o ciclo do trabalho infantil, através de um sistema pecuniário, para o afastamento das crianças do trabalho na cultura do sisal e na pedreira, na Bahia. Dentre as ações anunciadas, destaca-se a educação de qualidade, com o pensamento de inverter a situação descrita. Diante de um Projeto tão significativo, suscitou-me o interesse de fazer uma pesquisa avaliativa para a verificação do cumprimento dos objetivos propostos pelos gestores. Em Santa Luz, Bahia, área deste estudo, na zona rural, a população não alfabetizada, dos 7 aos 14 anos, totalizava 8.947, ou seja, 58,2%, dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE,1991). Estes indicadores ilustram a presença do trabalho infantil que caracteriza o sistema de exploração. Nesse sentido, Rizzini (1999) aponta a existência de crianças na lavoura e indústria de sisal no sertão baiano. Por isso, a Bolsa-Escola ganhou um significado especial, uma vez que o Nordeste é uma das regiões mais carenciadas. Perante tais dados, não é difícil compreender a importância de projetos que surjam com o propósito de inverter as condições demonstradas. A pesquisa foi realizada no período de 2000 a 2002, quando lecionava na UNEB, Campus XIV, Conceição do Coité. Considerei como objetivos principais: Estudar o modo e funcionamento do Projeto, nomeadamente no que diz respeito à forma como as aprendizagens se processavam no âmbito da Bolsa-Escola; verificar se este projeto cumpria as finalidades de combate ao analfabetismo, à pobreza e de promoção das crianças trabalhadoras a uma melhor posição social. Dentre os objetivos anunciados, o problema que se apresentou foi se a política da Bolsa-Escola conseguia romper o ciclo do trabalho infantil. Para alcançar tais objetivos, decidi adotar uma metodologia que incluísse vários tipos de recolha de dados, junto dos vários intervenientes do Programa. A 1ª técnica utilizada consistiu na pesquisa documental. Foram consultados os documentos legais como a Lei Municipal nº 961(31-01-2000), Secretaria Municipal de Santa Luz e o Decreto nº 16270(11-01-1995) instituído por Cristovam Buarque. Na pesquisa de campo, tomei como amostra os pais e os monitores, recorrendo à técnica da observação direta e a da entrevista aberta. Durante a observação, a minha atenção voltou-se para a forma como os monitores desenvolviam as atividades escolares e para a maneira como os sujeitos da aprendizagem eram postos frente ao objeto do conhecimento. Nas entrevistas destinadas aos pais, jovens e monitores desejava saber como o Projeto funcionava. Aos pais, precisamente, o interesse era tomar conhecimento para onde os filhos iriam após a perda do benefício. No decorrer deste estudo, deparei-me com outra experiência: O BodeEscola. Indo conversar com o Sindicato Rural de Retirolândia, região onde há também a presença do trabalho infantil, encontrei as fundadoras desse Projeto que Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 43 me informaram como o mesmo funcionava. Este fato que surgiu como resultado da própria investigação constituiu um passo decisivo neste artigo. Com esta experiência diferente, percebi de imediato que poderia representar uma alternativa à Bolsa-Escola. Isso porque o Projeto, por sua natureza, conduzia a outros tipos de objetivo, vislumbra-se a possibilidade de romper com a política assistencialista. O Bode-Escola é um Projeto em que cada família, em extrema condição de pobreza, recebe um bode e três cabras para os filhos saírem do trabalho de exploração e freqüentarem a escola. Foi desse modo que me interessei por tal projeto e desejei conhecê-lo melhor. Uma comparação entre as duas experiências pode ser muito interessante na medida em que se pode ilustrar uma política assistencialista e uma política de auto-sustentabilidade, a qual nasce de micromovimentos populares. METODOLOGIA Considerei amostra desta investigação 40 crianças retiradas do sisal, do garimpo e da pedreira. A faixa etária destas estendia-se dos 7 aos 14 anos. A escolarização que recebem no âmbito da Bolsa-Escola é feita por monitores. Especificamente em Serra Branca, Bahia, todos possuíam curso de 2º grau e recebiam mensalmente, no ano de 2002, R$132,00. Ao todo, fazem parte desta amostra seis monitores, destes, dois eram monitores da Jornada Ampliada-UJA¹, zona rural de Conceição do Coité, estudantes do Curso de Letras da UNEB, CAMPUS XIV. Foram incluídas na amostra, pais e alunos que haviam deixado o programa. Para isso, visitei outras localidades onde moravam os que perderam o benefício em virtude de já terem completado a idade limite para a permanência no programa. Procedimentos: Para a realização das entrevistas e a observação direta, conectava com a Secretaria Municipal de Educação que me encaminhava para a coordenação do Projeto. As entrevistas com os monitores foram realizadas, no ambiente escolar, com a duração, aproximadamente, de 50 minutos. Com a permissão da coordenação, assisti a uma reunião de planejamento. Nesta, observei como se desenvolviam as atividades e o que priorizavam. Os pais e ex-bolsistas foram conectados em visita domiciliar cujas indicações dos endereços foram fornecidas pelos coordenadores da Bolsa-Escola. Em nenhum momento, utilizou-se o gravador, todas as respostas iam sendo anotadas. 1 O que se denomina de Jornada Ampliada (UJA) é um segundo turno escolar, como estratégia de intervenção para suprir as deficiências da aprendizagem. Neste espaço são colocadas crianças de todas as faixas etárias e séries, da 1ª do Ensino Fundamental à 8ª. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 44 O Bode-Escola, como já afirmei antes, embora não fizesse parte dos meus objetivos iniciais, este sistema suscitou imediatamente o meu interesse. Assim, apesar de não ser, no âmbito do projeto inicial, um estudo exaustivo do BodeEscola, é importante que se conheça os seus fundadores, bem como a linha de pensamento emancipatório que conduz estas ações contra-hegemônicas. Com esse objetivo, como não havia literatura específica, a maioria dos dados foi recolhida na pesquisa de campo, salvo as informações obtidas na Folha do Sisal (fevereiro-2002), jornal criado pela Associação de Pequenos Produtores do Estado da Bahia (APAEB), município de Valente. Constituíram amostra deste estudo as fundadoras do Projeto, Zenira e Percília da Silva, ambas trabalhadoras do sisal, zona rural de Retirolândia. As técnicas utilizadas para esta análise foram as entrevistas e observações diretas, mas não houve nenhum planejamento prévio, porque me dirigi ao Sindicato Rural para colher informações sobre o funcionamento do Bolsa-Escola. A BOLSA-ESCOLA E A ADMINISTRAÇÃO DA POBREZA. A Bolsa-Escola, “criança cidadã” surgiu no Brasil, em janeiro de 1995, idealizada pelo governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque e vem sendo mantida pelo governo brasileiro. O custeio da Bolsa para a educação concedida a cada família é feito com recursos oriundos de dotações orçamentárias do Distrito Federal e da União e doações casualmente obtidas de organismos e instituições ou entidades interessadas na ajuda e apoio à infância e adolescência. O recebimento do benefício condiciona-se à obrigação de os pais manterem os filhos na escola. Para isso, recebem cinqüenta reais, mas 50% deste valor é administrado pela Prefeitura de cada município, sob a alegação de que a quantia retida será aplicada na melhoria do ensino dos bolsistas. O limite para a permanência no Programa era até 14 anos. Em junho de 2002, estendeu-se aos dezesseis. No sertão da Bahia, foram beneficiados cerca de 18.000 crianças e adolescentes.2 A responsabilidade do projeto de intervenção é do Ministério da Previdência e Assistência Social. Mas estas entidades governamentais contam com o apoio também de organizações internacionais, sindicatos e fundações privadas. Esse apoio tem como causa o combate ao trabalho infantil proibido pelo Estatuto do Menor e do Adolescente (ECA), lei nº 8069(13-07-90). Este estatuto reformula a função do Estado no tocante à oferta de serviços públicos. Assim, as suas ações limitam-se à fiscalização e orientação dos projetos 2 Dados fornecidos pela Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social – SETRAS, na Secretaria Municipal de Educação de Conceição do Coité e de Santa Luz, como também pelo Sindicato Rural de Retirolândia, pelo Movimento de Organização Comunitária – MOC, confirmados pelos coordenadores municipais do Projeto (2002). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 45 sociais. Logo, redefine-se o papel do Estado que transfere grande parte de suas responsabilidades para organizações não governamentais. Dessa maneira, nasce uma nova administração da pobreza, cujos serviços têm como finalidade a sobrevivência. Por isso, reintroduzem-se as políticas compensatórias como alternativas amenizadoras da situação de pobreza e exclusão social. É nesse sentido que se implantou o sistema da Bolsa-Escola. O primeiro critério para a implantação do Projeto na região foi um estudo sócio-econômico das famílias pauperizadas. Essa radiografia é uma das condições para a concessão da bolsa. Então, a particularidade tática da política assistencialista é suprir as necessidades elementares destas famílias. A Bolsa-Escola Criança Cidadã tem esta conotação. Através de um sistema pecuniário, afasta as crianças e adolescentes do trabalho infantil até completarem a idade estabelecida pelo Estatuto do Menor e do Adolescente que os protege do trabalho pesado. Nas entrevistas realizadas, os pais declararam que, depois do Projeto, os filhos se recusam a trabalhar na agricultura familiar, alegando que o governo proíbe o trabalho infantil. Outros pensam em ter mais filhos para aumentar a renda. Estes depoimentos revelam que o Estado estimula a relação de dependência já que a política da caridade é provisória por não promover alternativas que possibilitem a auto-sustentação das classes empobrecidas. Um outro dado relevante é a qualidade de educação oferecida aos egressos do trabalho infantil. A forma como se processavam as aprendizagens, nomeadamente o ensino da leitura, não possibilitava o atendimento de qualquer demanda. A escola denominada de Jornada Ampliada, configura-se um sistema multisseriado , onde há 40 crianças, em uma sala de aula, da 1ª à 8ª série do ensino fundamental. De acordo com o objetivo do Projeto, o 2º turno foi criado para suprir as deficiências dos egressos do trabalho infantil. Durante o período de observação (2002), percebi que esse espaço intitulado de Jornada Ampliada contribui apenas para prender os alunos, com intento de impedi-los de retornar ao trabalho. Os exercícios de matemática cumpriam só um ritual, ao invés de uma atividade pedagógica. A educação, nesse sistema, legitima a exclusão social. Esse entendimento pode ser confirmado nos depoimentos de dois monitores universitários ao declararem que a escola continua repetindo “o modelo arcaico” que considera o professor como “sabe tudo”. Acrescentaram que os bolsistas já apresentavam uma tendência à cópia e dependiam exclusivamente do livro didático que devia ser visto como suporte. E concluíram que naquelas circunstâncias era impossível que os monitores, mesmo com formação diferenciada, realizassem um trabalho favorável à aprendizagem: Este procedimento é perigoso na busca do conhecimento. Os alunos não precisam deixar a escola para trabalhar, mas a permanência, deles na sala de aula o dia todo é vista como obrigação e não algo que é feito por prazer. (SARA,2002) Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 46 As monitoras, ao se referirem ao ensino da leitura, manifestaram igualmente o seu descontentamento porque os alunos limitam-se a decodificar as palavras. Dessa forma, os egressos do trabalho infantil, ao saírem da escola, não têm condições de continuar aprendendo sozinhos. O que significa dizer que, não adquirindo o desenvolvimento da habilidade para ler e escrever não há como continuar progredindo, já que o tempo dessas crianças na escola é bastante curto. O tipo de educação que o Projeto Bolsa-Escola oferece é análogo ao oferecido às crianças operárias da escola de fábrica na Inglaterra, século XIX. A referência a esse tipo de educação é apresentado por Maria Alice Nogueira (1993) ao analisar os escritos de Marx e Engels. A similaridade, entre as escolas de fábrica na Europa, século XIX e o Bolsa-Escola no Brasil, aproxima-se até na terminologia das palavras. Os professores eram denominados de monitores, na sua maioria, com baixo nível de qualificação. Uma outra característica da Escola da Inglaterra era a imposição da permanência da criança na escola quando a lei 1843 obrigou a presença dos pequenos trabalhadores na escola. Ainda, de acordo com essa autora, a educação naquela época era quase nula, via de regra, as pessoas contratadas não eram qualificadas. Nessa perspectiva, o Estado mantém a função paliativa de ofertar serviços supletivos aos segmentos mais pobres da sociedade que recebe políticas públicas assistencialistas que não promovem a ascensão das classes pauperizadas. Bresser Pereira (1999), ao definir o papel do Estado neoliberal, diz que a premissa desta política é a de reduzir o seu papel que caberá apenas garantir os direitos mínimos da população. Passetti (1999) diz que a sociedade assistencialista sempre existiu, desde os anos 20. Estas ações hoje reaparecem e ocupam o lugar da história da caridade, antes praticadas pelas instituições religiosas. No depoimento de alguns pais, a Bolsa-Escola é uma contribuição para o sustento da família, mas não têm muita esperança na melhoria de vida com aquela escola. Este pensamento é reforçado por uma mãe que afirmou ser melhor o filho ficar debulhando feijão em casa que ir estudar. Sem sombra de dúvidas, o depoimento da informante denota o descrédito no sistema educacional como agente que contribui para a transformação sócio-econômica. A atividade de debulhar feijão gira em torno de um trabalho produtivo de subsistência, o qual vislumbra horizontes de ganhos financeiros. Como a escola não realiza uma proposta pedagógica que permita a transição dos adolescentes para um saber fazer ligado à cultura da região, a escola perde a credibilidade aos olhos da população. Essa realidade evidencia o distanciamento entre o que o Projeto propõe e o que se constatou na pesquisa de campo. As crianças e adolescentes, provisoriamente, foram impedidas de voltar ao trabalho. Portanto, a intenção do governo é atender ao Estatuto do Menor e do Adolescente. Ao lado disso, existe uma pressão internacional com a mão-de-obra infantil. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 47 O BODE-ESCOLA O Projeto Bode-Escola é o 1º empreendimento em defesa da educação na Bahia. Famílias em extrema condição de pobreza, no município de Retirolândia, recebem um bode e três cabras para o afastamento das crianças do trabalho e freqüentarem a escola. Após dois anos, com a multiplicação do rebanho, dois animais são repassados para a próxima família e assim sucessivamente. Todavia, essa política de ação participativa da comunidade não pode ser compreendida sem a desvinculação de outros movimentos de organização popular. Esta organização civil é uma reação às ações contra-hegemônicas, cuja intenção do povo é o reconhecimento dos seus direitos de cidadão. Nesse processo de construção de uma administração democrática, as classes populares organizamse para buscar condições de sobrevivência digna, que julgam possível em seu território, gerindo as suas ações. Sob esse ponto de vista, diz SANTOS: Os processos hegemônicos de globalização têm provocado, em todo o mundo, a intensificação da exclusão social. Esses processos estão sendo enfrentados por resistências, iniciativas de base, inovações comunitárias e movimentos populares (...) abrindo espaços para a edificação da comunidade, para alternativas às formas dominantes (...) (2002,p.13) Nessas circunstâncias, nasceu a experiência do Bode-Escola. A proposta tem como fundamento ético o direito de tomar decisões não só individuais como coletivas. Estes princípios foram manifestados nas reuniões com as camponesas para a discussão do Estatuto do Menor e do Adolescente. A partir do entendimento dos direitos assegurados, as mulheres idealizaram o Projeto. A idéia foi apresentada em Brasília, na 1ª Conferência Internacional do Direito da Criança e do Adolescente. Nessa conferência, as trabalhadoras do sisal demonstraram a sua preocupação com os seus filhos que não podiam estudar. Então, a organização Internacional do Trabalho (OIT) financiou o Projeto. Na entrevista, diz a informante: O Bode-Escola deu certo porque partiu do povo. A base do projeto não foi só melhorar a renda. Foi muito mais que isso, foi mostrar à população que a criação de caprinos era possível. Antes aqui não se criava cabras. O Projeto também oferece cursos sobre os caprinos. Os técnicos em agro-pecuária dão curso para as famílias, dão orientações sobre os cuidados que a gente deve ter com os animais. (ZENIRA,2002) O pronunciamento da informante revela dois pontos bastante significativos: cobrar às autoridades estatais a sua incapacidade de promover políticas públicas que satisfaçam as necessidades do povo. Noutro sentido, chama a atenção para o fato de que as crianças adquirem conhecimento no processo produtivo. Há, porTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 48 tanto, uma adaptação a novas situações e formas de sobrevivência, de acordo com a sua cultura: “É na cultura que nos educamos e desenvolvemos as organizações. A identidade, individualidade é algo que só se adquire e expressa em cultura, e pela cultura as sociedades avançam autonomamente.” (SANTOS, 1996, p.12). Desse ponto de vista, os movimentos sociais surgem como uma forma de reclamar a sua inclusão dentro do Estado Nação. Em contrapartida, o Sistema Bolsa-Escola retira as crianças de sua cultura oral e aprisionam-na em salas sem condições de oferecer uma educação que possibilite inverter a situação de exclusão a que estão submetidas. O Bode-Escola permite a integração dos adolescentes ao processo produtivo da economia doméstica. O envolvimento com o trabalho dá-se de forma prazerosa, sem estar desvinculado da instrução. Essa satisfação é apontada por Rizzini (1999), citando uma entrevista com uma das crianças que cuidam dos animais desse Projeto, as quais declararam que trocaram os espinhos do sisal pelo leite bom das cabras. No Bolsa-Escola, as crianças e adolescentes continuam dependendo da política assistencialista e não há perspectivas de rompimento do ciclo do trabalho infantil. Por isso, permanece a cultura do favor, enraizada para a prática da manipulação política. Esta é quem desencadeia todas as formas de dominação. Assim, constata-se que o resultado da pesquisa de campo demonstrou que o Projeto Bolsa-Escola interrompe o trabalho infantil temporariamente. Em visita domiciliar aos jovens que perderam o benefício por terem completado 16 anos, constatei que dos 160 alunos que deixaram o Programa, 155 retornaram ao trabalho de origem. CONSIDERAÇÕES FINAIS O insucesso do sistema Bolsa-Escola decorre de dois fatores básicos: a política assistencialista e a qualidade de educação oferecida aos bolsistas. O primeiro aspecto, o de política assistencialista, é a garantia de um rendimento mínimo até os dezesseis anos. Pelo caráter de reversibilidade da bolsa, os beneficiados retornam ao mesmo tipo de trabalho. Uma das particularidades dessa linha política é promover ações paliativas que obscurecem o empobrecimento da população. O Bode-escola adensa pressões para a autonomia dos sujeitos e rompe com a cultura da tutela dos pobres. Hoje, já se vislumbram novos investimentos como a fabricação de queijo e doce de leite. Há também o pensamento de futuros projetos para a comercialização de carne de caprino pelo baixo teor de colesterol. Com muita dignidade, camponeses tem encontrado apoio na Associação dos Pequenos Agricultores do Estado da Bahia, Entidade que se tornou destaque no exterior pela qualidade dos tapetes do sisal. Enfim, os indicadores do Sistema Bode-Escola demonstram que a gestão local nas mãos do povo é uma forma alternativa para inverter a exclusão social. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. 49 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 961 de 31 de Janeiro de 2000. Edição municipal, Santa Luz, BA: 2000, BRASIL. Decreto nº 16270 de 11 de Janeiro de 1995. Edição Federal, Brasil, DF, V. 170º da República e 35º de Brasília, 1995. CURY, Meenwr et al. Estatuto do Menor e do Adolescente comentado. São Paulo: Malheiros Editores, LTDA. 1994 NOGUEIRA, Maria Alice. Educação, saber e produção em Marx e Engels. São Paulo: Cortez,1993. PASSETI, Edson. Políticas públicas e crianças carentes. In: Del Preore, Mary. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999, p. inicial 346 a 375. PEREIRA, Bresser. Reforma do Estado e administração pública gerencial. São Paulo: Editora Fundação Getúlio Vargas (FGV),1999. RIZZINI, Irmã. Pequenos trabalhadores do Brasil (ORG).Mary Del Priore. Editora São Paulo: Contexto,1999, 444p. SANTOS, Boaventura. Introdução geral à coleção. In: Santos Boaventura. Democratizar a democracia – Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 13 a 25,2002. SANTOS, dos Eduardo João. A orientação vocacional dos jovens, ou uma psicologia cultural do trabalho. In: Conferência O papel da orientação para a educação e a formação ao longo da vida. Porto, Portugal: Editora Actas, p. 1 a 17, 1996. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 41-49, Novembro, 2006. CULTURA, MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E ESPAÇO URBANO NA CONTEMPORANEIDADE: UMA BREVE LEITURA A PARTIR DA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL E DAS FESTAS POPULARES. Janio Roque Barros de Castro* RESUMO: As cidades na contemporaneidade concentram não só as principais atividades econômicas da sociedade como grande parte das manifestações culturais. A morfologia urbana do presente é um produto histórico da dinâmica sóciocultural de um povo revelada através da materialidade. Neste trabalho, faz-se uma breve análise acerca do espaço urbano tanto como arena de deflagração e espetacularização de importantes manifestações culturais como as festas populares como materialidade produzida em um determinado contexto sócio-cultural. Busca-se portanto entender a relação entre cultura e espaço urbano a partir da contribuição de pensadores contemporâneos e de exemplos verificados no território baiano. PALAVRAS-CHAVES: Espaço urbano; cultura; cidades; manifestações culturais; festas. ABSTRACT: The cities at the contemporary time concentrate not only the main economic activities of the society, but also greatly part of cultural manifestations. The urban morphology of the present is a historical product of a socio-cultural dynamism of people, revealed through the materiality. This work aims to make a short analysis on the urban space, considered here as an arena of important cultural manifestations, such as popular fests, as well as a materiality produced in a determined socio-cultural context. Thus, this article focus on the comprehension of the relation between culture and urban space, based on the contribution of some contemporary scholars and examples verified on the Bahia's territory. KEY-WORDS: Urban space; culture; cities; cultural manifestations; fests. * Professor da Universidade do Estado da Bahia – Campus V Santo Antônio de Jesus. [email protected] Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 52 INTRODUÇÃO A partir sobretudo do pós segunda guerra mundial, o processo de urbanização intensificou-se nos países periféricos promovendo a cooptação / concentração de atividades econômicas e culturais no espaço urbano. As cidades, sobretudo aquelas que receberam um grande afluxo de imigrantes, passaram a apresentar uma maior diversidade cultural verificada tanto do ponto de vista material quanto imaterial. Segundo Corrêa (1989), do ponto de vista da sua materialidade, o espaço urbano constitui-se a partir de um conjunto de pontos, linhas e áreas. O desenho estético desse espaço forma-se a partir da dinâmica dos elementos culturais que se materializam em praças e monumentos ou como práticas religiosas e festas populares que representam o patrimônio cultural imaterial. No presente trabalho, faz-se uma breve análise da relação entre cultura e espaço urbano, fundamentando-se nas contribuições de pensadores contemporâneos e apresentando alguns exemplos de manifestações culturais do Estado da Bahia com destaque para o carnaval e as festas juninas. A CONCEPÇÃO DE ESPAÇO URBANO Para a geógrafa Maria Adélia de Souza, a cidade é uma obra humana, constituída de objetos, produzida segundo procedimentos, determinados por materialidades e regidos por intencionalidades precisas. A concepção de urbano nesta perspectiva reveste-se de intencionalidades, ou seja, a casa, a rua, a cidade, formam-se a partir de ações pensadas e desejadas pelo homem, contrapondo-se àquela de Park da Escola Sociológica de Chigago para o qual a cidade era um produto não intencional do trabalho de sucessivas gerações. A cidade, segundo Carlos (2001), como materialidade, é um produto social histórico concebido no decurso do processo civilizatório que contempla um mundo objetivo que só tem existência e sentido a partir e pelo sujeito. As formas de produção e de apropriação da cidade apresentam-se não só do ponto de vista das classes sociais como também da dimensão cultural dos grupos sociais. Corrêa destaca que: Fragmentada, articulada, reflexo e condicionante social, a cidade é também o lugar onde as diversas classes sociais vivem e se reproduzem. Isto envolve o quotidiano e o futuro próximo, bem como as crenças, valores e mitos criados no bojo da sociedade de classes e, em parte, projetados nas formas espaciais: monumentos, lugares sagrados, uma rua especial... (1989, P.09) Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 53 A leitura da cidade como espaço socialmente produzido, fragmentado e contraditório não exclui o viés simbólico, cultural uma vez que nas manifestações culturais, a exemplo das festas populares, notam-se aspectos da fragmentação e das contradições do espaço urbano o que será abordado posteriormente. O ESPAÇO URBANO COMO PRODUTO DO CONTEXTO SÓCIOCULTURAL A cidade é uma produção coletiva de múltiplos agentes sociais e de diferentes técnicas ao longo do tempo. Desta forma, o desenho urbano é um reflexo não só da dinâmica política e sócio-econômica como também é produto e reproduz o contexto cultural no qual está inserido. Sob a ótica da configuração espacial, as cidades pequenas do Brasil apresentam uma morfologia que se repete: uma imponente igreja católica no centro situada geralmente na praça principal, uma área predominantemente comercial entornada por pequenas casas residenciais. Esta configuração reflete o papel hegemônico do catolicismo no Brasil ao longo do tempo. Segundo Santos (1988), cada lugar combina variáveis de tempos diferentes. Para este autor, o arranjo de um lugar, através da aceitação ou rejeição do novo, vai depender da ação de fatores ali existentes como o espaço, o local e o cultural. Em cidades históricas do interior baiano como Cachoeira e Santo Amaro no Recôncavo, por exemplo, pode-se notar a inserção do novo, verificado com a presença de novas edificações e do velho com os antigos sobrados que revelam as formas de se construir e ornamentar as residências no passado. A morfologia urbana como conjunto e as formas espaciais individualizadas (a exemplo das residências) revelam aspectos da cultura de um povo em uma determinada época. Não só as formas espaciais revelam as práticas culturais como também os aspectos imateriais ou mesmo o nome de uma região ou cidade. Segundo Corrêa (2003), a toponímia constitui-se em relevante marca cultural e expressa uma efetiva apropriação do espaço por um dado grupo cultural. Um exemplo citado por Corrêa é a cidade de Tel Rabia que passou a se chamar Tel Aviv na década de 1940 como estratégia de hebraicização e afirmação identitária de Israel. O topônimo revela tanto elementos culturais de um povo quanto relações de poder e dominação. O nome da cidade desta forma não representa apenas uma identificação do lugar a partir de critérios estatísticos-administrativos; o topônimo pode representar estratégias de consolidação de um determinado grupo hegemônico sobre outro. No Brasil, centenas de cidades recebem o nome de santos cultuados tanto pelo catolicismo oficial romanizado quanto pelos cultos populares. Se por um lado esta prática de se homenagear os santos explicita a forte religiosidade do brasileiro, por outro, revela relações de poder e hegemonia da Igreja Católica que está presente no território brasileiro desde o início do processo de colonização. Muitas Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 54 cidades brasileiras apresentam denominações de matrizes indígenas, por outro lado, surge uma questão: Quantas cidades no Brasil apresentam na sua denominação uma homenagem a cultos de matriz afro-brasileiras? Os cultos candomblecistas foram perseguidos ao longo da história do Brasil tanto por governantes como por segmentos tradicionais do Catolicismo romanizado, produzindo assim o temor e o desdém pela cultura negra de raízes africanas que se arraigaram no imaginário coletivo. Quanto à cultura indígena pode-se falar mais em desconhecimento, falta de visibilidade e de valorização do que em um processo de perseguição ou discriminação sistematizado como ocorrera com os cultos afros. Do ponto de vista da materialidade, pode-se citar o exemplo da praça do Campo Grande em Salvador que tem ao centro uma grande estátua de um índio representando o Caboclo em um espaço de grande visibilidade da capital baiana. Por outro lado, se a estátua do caboclo apresenta-se como estratégia de rememoração de eventos do passado, por outro, nota-se a falta de visibilidade midiática para tradicionais blocos de índios que desfilam no carnaval de Salvador como os Apaches do Tororó. A seletividade imagética faz com que apareça na tela das grandes emissoras de TV o carnaval espetáculo dos grandes blocos puxados pelos cantores de axé music. O mesmo se aplica aos blocos afros como Ilê-aiyê, Male de Balê, Muzenza e outros que têm pouca visibilidade midiática mesmo em âmbito estadual. O aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares em Maceió, capital de Alagoas, é uma das raras edificações de grande visibilidade pública que homenageia um herói negro em um país onde, desde criança, aprende-se nas telas das TVs que os heróis são brancos europeus ou americanos. O reconhecimento e respeito à cultura negra e indígena devem passar tanto pela valorização da forma (monumentos, praças) como também das práticas e manifestações culturais do povo brasileiro que representam o seu patrimônio imaterial. Além dos nomes de cidades, as denominações de algumas regiões também podem ser portadoras tanto de carga ideológica como de elementos das matrizes culturais de um povo. A idéia de região sob o viés político-administrativo ou turístico fundamentada nas especificidades culturais locais / regionais também pode de ser uma estratégia arbitrária. Em uma proposta de regionalização do governo do estado da Bahia bastante conhecida pelas suas reiteradas inserções na mídia em função da atividade turística, aparecem regiões denominadas de Costa do Coqueiro, Costa do Dendê, Costa do Descobrimento entre outras denominações que procuram fazer associações entre elementos da natureza e as atividades econômicas de uma determinada porção territorial do estado. A construção de alguns condomínios fechados, edificados após a destruição de matas nativas e o aterro ou desvio de micro-bacias, ironicamente, recebe denominações que procuram fazer uma ponte entre o topônimo anterior do local e os elementos da natureza, como se pode verificar em denominações como horto florestal, bosque das orquídeas, condomínio Costa do Sauípe entre outros. Sobre este tipo de relação do homem com a natureza Baudrillard destaca que: Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 55 Na personalização existe efeito semelhante ao da naturalização com que se depara em toda parte no meio ambiente, e que consiste em restituir a natureza como signo depois de a ter liquidado na realidade. Assim, por exemplo, abate-se uma floresta para no mesmo sítio construir um sítio batizado de cidade verde e onde se tornarão a plantar algumas árvores, que darão uma sugestão de natureza. (BAUDRILLARD, 1995, p. 89). Naturaliza-se a segregação sócio-espacial e o impacto abrupto no meio ambiente assim como se procura naturalizar as fronteiras ao demarcar os limites entre países através de rios como o Grande ou Bravo Del Norte que separa os Estados Unidos do México. È importante ressaltar que parte do território estadunidense já pertenceu ao México. Na dimensão do espaço intra-urbano podem-se notar algumas denominações arbitrárias e verticais que denunciam influências eurocêntricas ou mesmo relações de poder e dominação traçadas in loco pelo clientelismo coronelista. É importante enfatizar, no entanto, a falta de receptividade de algumas comunidades urbanas em aceitar um topônimo imposto nos escritórios de políticos que, em alguns casos, nem conhecem a comunidade que desejam denominar. Este tipo de situação, às vezes, faz com que, em muitos casos, uma localidade seja desconhecida pelo seu nome oficial e notabilizada pelo nome popular, consolidado pelas tradições do lugar. Em meados de 1980, o bairro do Beiru, na periferia de Salvador, passou a se chamar Tancredo Neves em homenagem ao então recém eleito presidente da República que morreu antes de tomar posse. Alguns moradores preferiam Beiru que é uma expressão de matriz afro-brasileira que, segundo alguns pesquisadores, dava nome a um antigo quilombo situado naquelas imediações. No entanto, outros residentes resistiam ao associar esta denominação a aspectos pejorativos. Uma empresa de ônibus que circula deste bairro para a Barra e o centro comercial, para evitar problemas, optou por constar as duas denominações. O que é importante salientar é que Tancredo Neves é o nome de uma cidade da Bahia, do aeroporto de Belo Horizonte, de avenidas, etc. Beiru, no entanto, é um topônimo que reflete elementos das especificidades sócio-culturais, históricas, identitárias daquela porção territorial de Salvador e é uma expressão que remete a aspectos da memória coletiva verificados apenas naquelas imediações da capital baiana. As práticas culturais de um povo são reveladas na sua forma de produzir, de organizar, de transformar seu espaço de vivência / apropriação. A morfologia urbana e as formas espaciais denunciam uma visão de mundo e elementos das especificidades do lugar. A construção de casas populares pelos governos federal ou estadual muitas vezes não leva em conta as peculiaridades da arquitetura local / regional. Muitas vezes, edificam-se unidades habitacionais quentes em pleno semi-árido ou com um desenho e estética que não agradam ao usuário. O uso da madeira na construção de casas na Região Sul e o costume de se cortar a porta da frente ao meio no sentido horizontal para que esta porta eventualmente seja utiliTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 56 zada também como janela no Sertão nordestino, não representa apenas uma estratégia para se proteger das baixas temperaturas, no caso das casas de madeira ou para promover uma maior circulação do ar dentro das casas no caso das unidades habitacionais de alguns sertanejos. A forma de produção, apropriação, adaptação e morfologia do habitar são reflexos de um determinado contexto cultural construído historicamente. A racionalidade arquitetônica, muitas vezes, de maneira vertical e abrupta, rompe com práticas culturais que foram construídas ao longo do tempo por pessoas simples de um determinado lugar. O comodismo dos projetos pré-concebidos em gabinetes se sobrepõe a uma eventual tarefa mais trabalhosa que seria uma leitura respeitosa das práticas culturais de uma determinada comunidade. Desta forma, entende-se que, por trás do nome de uma cidade, de um monumento, de uma forma espacial ou em ritual festivo podem estar velados interesses políticos, ideológicos e culturais de determinados grupos sociais hegemônicos ou hegemonizados.. AS FESTAS POPULARES ESPETACULARIZADAS NO ESPAÇO URBANO Segundo Lefebvre (1991), a cidade teve uma origem histórica enquanto lugar da festa, lugar do encontro, lugar da obra, da criação. O capitalismo, no entanto, transformou a cidade em espaço da produção e do consumo de mercadorias. Daí, segundo o referido autor, a festa e o lúdico terem sido “empurrados” para os interstícios da sociedade. Lefebvre destaca que a cidade historicamente formada não vive mais, não é mais apreendida praticamente. Não é mais do que um objeto de consumo cultural para os turistas e para o estetismo, ávidos de espetáculos pitorescos (1991 p. 104). O referido autor destaca que o uso principal da cidade é a festa que a consome improdutivamente para promover o prazer, consumindo enormes riquezas em objetos e em dinheiro. Desta forma, o consumo de espetáculos festivos na cidade estimula o consumo de outros produtos através da imagem projetada pela publicidade. No contexto atual, no qual se intensifica a utilização expressões como marketing urbano, a cultura urbana tem maior projeção e visibilidade, sendo mercantilizada através dos seus objetos fixos (áreas tombadas como patrimônio histórico e que passaram por processos de revitalização) ou pelos atributos culturais cíclicos espetacularizados em eventos que produzem novas formas e dinâmicas espaciais como as festas juninas urbanas no Recôncavo, o carnaval em Salvador ou a micareta de Feira de Santana. Ao se colocar a “cidade a venda” como escreve Vainer (2000), vende-se a cultura local embebida em um sincretismo e hibridismo como imposição mercadológica. As festas juninas em Cachoeira, Cruz das Almas, Amargosa, Senhor do Bomfim, Jequié e outras cidades baianas se transformaram em um evento espetacularizado para atrair turistas. È a cultura urbana como negóTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 57 cio pulverizado de forma difusa em várias unidades urbanas do interior da Bahia. No carnaval mercantilizado de Salvador, podem-se notar claramente as gritantes desigualdades sociais do Brasil. O território altamente seletivo dos camarotes e o território móvel de auto-segregação dos abadás em meio à multidão de foliões de baixa renda os quais se acotovelam nos espaço públicos (chamados de pipocas) revelam o caráter excludente e elitista do carnaval espetáculo soteropolitano. São as contradições e conflitos sociais explicitados nos mega-eventos festivos da contemporaneidade. As manifestações culturais, a exemplo das festas populares da Região Nordeste, são inventadas e recriadas ao longo do tempo. Hobsbawn e Ranger (1997) definem tradição inventada como um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas, sendo de natureza ritual ou simbólica, a qual visa inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente uma continuidade em relação ao passado. Os referidos autores salientam, no entanto, que o termo tradição inventada é utilizado num sentido amplo, entretanto nunca indefinido, incluindo tanto as tradições realmente inventadas, construídas informalmente, institucionalizadas, quanto as que surgiram espontaneamente de maneira difícil de localizar num período determinado de tempo. Segundo Albuquerque Júnior (2001), o próprio Nordeste e os nordestinos são invenções de relações de poder e de saber. Este autor questiona: Existe realmente este nós, esta identidade nordestina? Em uma perspectiva DeleuzeGuatariniana é mais adequado falar-se em multiplicidade do que em identidade. Esse viés multidentitário da atualidade faz com que a idéia de unidade cultural seja vista como uma acepção tradicional e obsoleta para alguns estudiosos contemporâneos como Stuart Hall. Para Albuquerque Júnior, o “Nordeste não é recortado só como unidade econômica, política ou geográfica, mas, primordialmente, como um campo de estudos e produção cultural, baseado numa pseudo-unidade cultural, geográfica e étnica”. (Albuquerque Júnior, 2001, p.23). Desta forma, entende-se que tanto do ponto de vista geográfico como sócio-cultural, não existe um Nordeste singular e sim vários Nordestes com inúmeras singularidades e uma rica diversidade cultural que se reflete na pluralidade das suas manifestações festivas. Segundo Albuquerque Júnior, o Nordeste é considerado uma invenção pela repetição regular de determinados enunciados que são tidos como definidores da região e de seu povo. Esse autor se contrapõe a concepção de Região como sendo um produto eterno, imutável e destaca que o Nordeste está sujeito ao movimento pendular de destruição / construção, contrariando a imagem de eternidade que sempre se associa ao espaço. Essa leitura permite compreender melhor as mudanças e reinvenções de importantes manifestações culturais nordestinas a exemplo das festas juninas e do carnaval de Salvador, uma vez que, não só a materialidade no / do espaço sofrem alterações ao longo do tempo como também as práticas dos povos uma vez como salienta Albuquerque Júnior, o espaço não preexiste a uma sociedade Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 58 que o encarna. Desta forma, a perspectiva nostálgica que busca resgatar uma suposta identidade cultural das festas do passado é inconsistente. REFLEXÕES FINAIS As cidades atuais concentram maior parte da população brasileira e grande parte das atividades econômicas e culturais que foram recriadas no espaço urbano. Com o processo de globalização, intensificam-se os contatos entre os lugares o que torna a cultura urbana, tanto do ponto de vista da materialidade como da imaterialidade, mais complexa. O bairro da Liberdade em São Paulo representa a maior concentração urbana de japoneses e descendentes do Brasil. Para qualquer lugar que se olhe, notase a presença forte da cultura japonesa tanto no aspecto material como no caso de algumas edificações quanto nas manifestações festivas e religiosas. No entanto, o bairro da Liberdade não é um pedaço do Japão, uma vez que o contato desta cultura com elementos da cultura brasileira em uma grande metrópole sul americana produz na morfologia e nas práticas do povo uma forma de cultura urbana híbrida, complexa. O mesmo pode-se aplicar ao entendimento a imigração nordestina em São Paulo. Apesar de muitas manifestações culturais nordestinas terem sido levadas por imigrantes nordestinos, muitas outras continuarão existir apenas na memória desse povo. Neste contexto, mesclam-se elementos da cultura nordestina com a cultura urbana da grande metrópole paulistana. Os estudos clássicos de Park na Escola de Chicago destacaram o isolamento dos imigrantes nas primeiras décadas do século XX. Os avanços nos meios de comunicação e o aumento da mobilidade da população notadamente nos grandes centros urbanos contribuíram para a diminuição desse isolamento. Mesmo que ocorra uma segregação ou uma auto-segregação física, haverá contatos e conexões em rede através da internet que se constitui em um importante meio de comunicação. As transformações e o hibridismo cultural, notadamente na arena urbana, tendem a intensificar-se. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. . – 2. ed. – Recife:FJN, E. Massangana: São Paulo: Cortez, 2001. Baudrillard, J. A sociedade de consumo. Tradução: Artur Mourão. Rio de Janeiro: Elfos Ed; Lisboa: Edições 70, 1995. CORRÊA, R. Lobato. O espaço urbano. 1ª edição. São Paulo: Ática, 1989. 93 p. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 51-59, Novembro, 2006. 59 CORRÊA, R. Lobato. e ROSENDAHL, Zeny (Orgs). Introdução à Geografia Cultural. 1ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 2003. 223 p. CARLOS, A. Fani. A. Espaço-tempo na metrópole. 1ª edição. A fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. 367 p. CASTRO, Janio R. Barros de. O papel da Geografia no equilíbrio entre preservação ambiental e necessidades sociais na Bahia: algumas questões. Boletim informativo do curso de Geografia da UESC. Ilhéus: Ano IV – Nº 09 out / nov de 2005. DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 05; Tradução de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. – São Paulo: Ed. 34, 1997. 235 p. ______. O que é a Filosofia. Tradução de Bento Prado Júnior e Alberto Alonso Munoz. – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. 279 p. EUFRÁSIO, Mário A. A Estrutura Urbana e Ecologia Humana. A Escola de Chicago (1915 – 1940). 1ª edição. São Paulo: Editora 34, 1999. 303 p. GARCIA CANCLINI, N. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade. 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Notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento Estratégico Urbano. In: ARANTES, O . ; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis. Ed. Vozes, 2000. pp. 75 a 103. USO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO E IMPACTOS AMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA-BA: O ESTUDO DE CASO NO BAIRRO SANTA CRUZ Júlia Gabriela Fernandes Gonsalves * Paulo Henrique Silveira Lima** André Luiz Dantas Estevam*** RESUMO: A presente pesquisa analisa o processo de ocupação e a degradação sócio-ambiental no Bairro Santa Cruz, no município de Vitória da Conquista-Ba. Os procedimentos metodológicos seguiram a seguinte ordem: a) levantamento histórico, junto a PMVC; b) investigação in locus; c) aplicação de questionários; d) análise de fotografias aéreas em escala 1:10000. Em síntese, obteve-se como resultados que o Bairro surgiu a partir de uma ocupação ilegal de terras; que o aterramento parcial da Lagoa das Bateias está compactando os solos e alterando o sistema hidrológico local; e que há grande segregação sócio-espacial interna e externa ao Bairro. Na Conclusão, constatou-se que o processo de ocupação ilegal de terras acentua o desequilíbrio entre a preservação ambiental e o crescimento urbano e que a segregação sócio-espacial reflete na paisagem do Bairro. Constatouse ainda que o poder público, ou em última análise o PDU, é co-responsável por não democratizar os recursos e não manejar de forma eficiente os diversos espaços urbanos. PALAVRAS-CHAVE: Ocupação ilegal; degradação ambiental; segregação sócioespacial. ABSTRACT: The present research analyzes the process of occupation and the social environmental degradation on Santa Cruz district in Vitória da Conquista – BA city. The methodologycs procedures the following order: a) historical survey in association with P.M.V.C.; b) investigation in locus; c) questionnaires application; d) analysis of photography aerial in scale 1:10000. In synthesis it obtained as result that the district appeared from an illegal occupation of lands; that the partial of lands from Lagoa das Bateias is compacting the soils and alteration from the local hydrologic system and there is a large segregation social space inside and outside on the district. In short it noticed that the process of illegal occupation of lands emphasize the unbalance between environmental * Graduanda do Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. **Graduando do Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia *** Professor Assitente da Universidade do Estado da Bahia. UNEB. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 62 preservation and urban growth and the segregation social space reflects on the landscape of the District. It noticed still that the public power or the last analysis from P.D.U. is co-responsible for not democratic the resources and not handle in a efficient way the various urban spaces. KEYWORDS: Illegal occupation; ambient degradation; socio-spatial segregation. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 63 INTRODUÇÃO A problemática da moradia no Brasil, sobretudo nas médias e grandes cidades, tornou-se um grande problema a partir do acelerado processo de industrialização/urbanização brasileira em meados do século XX. Este processo vem, de forma cumulativa, restringindo às pessoas de maior poder aquisitivo o acesso ao mercado legal de terras, não deixando às populações de poder aquisitivo baixo a muito baixo outra opção senão a de ocuparem, de forma ilegal, as áreas de risco. Dessa forma, por estabelecimento do extremamente exagerado valor de troca do solo urbano, ou pela qualificação de legal e ilegal, é negada à maioria das populações o “Direito à Cidade”, consolidando a segregação, criando e alimentando um problema sócio-espacial de muito difícil solução. Assim como nos demais municípios brasileiros, em Vitória da Conquista, município com população de 285.927.000 habitantes, segundo projeção do (IBGE 2005), são vários os problemas relacionados ao uso e ocupação do solo urbano. O objetivo deste artigo é analisar a degradação ambiental do Bairro Santa Cruz, dentro do contexto urbano local, abordando desde a sua ocupação no início da década de 1980 até o momento atual, em que o evolutivo processo de degradação sócio-ambiental está tornando este bairro impróprio para a habitação humana. Por isso, serão avaliados os processos das autoconstruções, comuns no Bairro, e os fatores que vêm provocando os desequilíbrios ambientais, sobretudo aqueles relacionados às atividades humanas. Para melhor se analisar a segregação sócio-espacial, dividiu-se o Bairro em área I – cujas residências estão localizadas próximas ao Bairro Brasil e ao Conjunto Habitacional (Urbis II e III) e área II – referente às residências localizadas em torno da Lagoa das Bateias. Após o cruzamento de dados, teóricos e empíricos, elaborar-se-á um diagnóstico sócioeconômico e ambiental do Bairro. O uso inadequado do solo, especialmente do solo urbano, tem provocado muitos problemas sócio-ambientais em grandes escalas. As degradações, por serem as mais facilmente detectáveis, são mais sentidas e percebidas. Para evitar esses e outros tipos de problemas com o uso do solo, é necessário um conhecimento prévio de sua formação, estruturação e possibilidades, para se sistematizar ocupações e usos adequados, ou seja, determinando, de forma planejada, os tipos de atividades que cada solo suporta, conforme as especificidades de cada área. No Bairro Santa Cruz, as residências eram construídas em volta da Lagoa das Bateias, hoje já se constrói dentro da Lagoa. Assim os moradores do Bairro que sempre foram segregados (sócio-espacialmente), estão permanentemente expostos aos riscos das epidemias e das catástrofes desencadeadas pela interrelação das ações naturais e antrópicas. Por isso, neste artigo, abordar-se-á contextualmente a questão da interação sociedade-natureza no processo do uso e ocupação do solo urbano, antes de se especificar o caso do Bairro Santa Cruz. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 64 A INTERAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA NO PROCESSO DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO Fundamentação Teórica A busca do equilíbrio entre preservação ambiental e necessidade humana tem levado muitos pesquisadores a repensarem o papel das ciências e a importância do inter-relacionamento sociedade-natureza, uma vez que se admite que a ação antrópica tem provocado a degradação dos sistemas naturais e que o resultado desta degradação tem sido a degenerescência da vida humana em sociedade. Não há ser humano a-espacial ou a-natural, ou seja, vivendo fora do ambiente natural. Assim sendo, ser humano e natureza são indissociáveis, portanto cabe à Geografia analisar a relação sociedade-natureza conjuntamente. É postulado da Geográfica a busca de explicações para os efeitos originados da interação do ser humano com o ambiente. Para Mendonça “a Geografia é a [...] única ciência que desde sua formação se propôs ao estudo entre os seres humanos e o meio natural do planeta – o meio ambiente atualmente em voga [...] engloba o meio natural e o social”. (2004, p.22-23) Existe, todavia, uma corrente filosófica adotada por alguns geógrafos “físicos” que negam a intrínseca inter-relação ser humano-natureza e insistem, sustentando-se no Método Positivista, na defesa da dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana, separando respectivamente o ser humano da natureza. Estes geógrafos, todavia, quando buscam entender a relação existente entre os fenômenos naturais inserem a ação antrópica no contexto, inclusive a ação do próprio pesquisador que não é “a-natural”, ou ainda, quando recorrem ao método geossistêmico para analisar os problemas dos espaços urbanos, relacionam o uso e ocupação do solo aos aspectos “físico-humanos”. O Método Geossistêmico foi sistematizado a partir do conceito de Geossistema usado pelo soviético Sotchava, em 1962. para Mendonça (1996 p.32) “geossistema é a expressão dos fenômenos naturais, ou seja, o potencial ecológico de determinado espaço no qual há uma exploração biológica, podendo influir fatores sociais [...] na estrutura e expressão espacial”. Partindo deste pressuposto pode-se afirmar que a materialização humana faz parte e altera a dinâmica natural. Monteiro destaca que: “a modelização dos geossistemas à base de sua dinâmica espontânea e antropogênica e do regime natural a elas correspondente visa [...] promover uma maior integração entre o natural e o humano [...]”(2000, p. 32). É notória a interferência humana no equilíbrio natural de um determinado ambiente, devido à necessidade que se tem de se apropriar dos espaços geográficos, destacadamente do espaço urbano. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 65 Para Spósito (2003), a cidade é o resultado maior da capacidade social de transformar o espaço natural, por isso deixa de ser parte desse espaço e de se submeter às dinâmicas e aos processos relacionados à natureza. Contudo, estudar a cidade requer, entre outros fatores, a interpretação da forma pela qual a ação antrópica, através das manifestações espaço-temporais, a produz e a transforma, pois o espaço urbano é um espaço afeiçoado pelo ser humano, além de ser o resultado de ações que, após serem acumuladas através do tempo, materializam-se. O espaço é um produto material em relação com outros elementos materiais – entre outros, os homens, que entram também em relações sociais determinadas, que dão ao espaço, uma forma, uma função, uma significação social. Portanto, ele não é uma pura ocasião de desdobramento da estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto histórico, no qual uma sociedade se especifica. (CASTELLS 2000, p. 119) Partindo do princípio da inter-relação sociedade-natureza, a análise do espaço geográfico, especialmente do espaço urbano, deve ser guiada pelo método Geossistêmico. Considerações Teóricas sobre o surgimento Bairro Santa Cruz O valor de troca do solo urbano dinamizou, de forma extraordinária, o mercado legal das terras urbanas. Assim, os preços dos imóveis urbanos passaram a determinar o direito de se habitar em espaços privilegiados ou em espaços impróprios, rejeitados produzindo um sistema extremamente segregatório, desumano, pois a opção dos moradores excluídos do mercado legal das terras urbanas é a periferia rejeitada, desestruturada e imprópria para a habitação humana. A cidade aparece como produto apropriado diferencialmente pelos cidadãos. Essa apropriação se refere às formas mais amplas da vida na cidade; e nesse contexto se coloca a cidade como o palco privilegiado das lutas de classes, pois o motor do processo é determinado pelo conflito decorrente das contradições inerentes às diferentes necessidades e pontos de vistas de uma sociedade de classes. (CARLOS 2003, p. 23). A ocupação ilegal do espaço, do solo urbano, que deu origem ao Bairro Santa Cruz, na Zona Oeste de Vitória da Conquista, ocorreu na década de 1980, época em que grande parte da população da cidade já residia na Zona Oeste. Segundo o assessor de gabinete da Secretaria de Serviços Públicos de Vitória da Conquista, ex-Presidente da Associação de Moradores do Bairro, oficialmente, a ocupação do Santa Cruz se deu em 1982. A área ocupada pelo Bairro fazia parte das Bateias – Bateias é um bairro, mas é tido como uma espécie de Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 66 zona da cidade, formada por oito bairros. Atualmente, segundo informações da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, o Bairro Santa Cruz possui aproximadamente 7.000 habitantes. Segundo relato de antigos moradores, participantes do processo de “invasão” Santa Cruz, a ocupação do Bairro foi motivada, aliás determinada, pelas disparidades entre as condições sócio-econômicas dos moradores e os elevados preços dos imóveis e dos respectivos aluguéis em seus locais de origem. Como todos estes antigos moradores estavam inadimplentes, e sabiam da existência de uma grande área desocupada em torno da Lagoa das Bateias, mobilizaram-se, e as reuniões sucederam-se, envolvendo, naquela época, um número grande de famílias que já não podiam pagar seus aluguéis. Na madrugada de fevereiro de 1982, a ocupação foi efetivada através de um grande acampamento montado em torno da Lagoa. Os primeiros quinze dias de ocupação, segundo os próprios moradores, foram de extremo sofrimento, tanto pelas condições de moradia como pelas fortes pressões impostas pelo Poder Público Municipal, que foi “vencido pelo cansaço”. Passado o tumulto dos destes primeiros dias, cerca de trinta dias depois de montado o acampamento, iniciou-se a abertura de lotes nas imediações do Bairro Brasil e pouco tempo depois às margens Lagoa. Nesta época, “havia uma demanda muito grande por lotes, e a invasão estava à vista, estava havendo invasão em outras partes do país (...), a situação era de tal ordem que se não tem lotes para disposição haveria invasões, haveria invasões” (...) (FERRAZ 2001, p. 157). Portanto, as ocupações urbanas, como no caso do Santa Cruz, que se dão através de invasões, espontâneas ou organizadas, são as alternativas habitacionais que têm a classe pobre dentro da seletiva estrutura urbana brasileira. a existência dos chamados 'loteamentos populares' em Vitória da Conquista é responsável pela inexistência de 'favelas' na cidade. [...] deve-se lembrar que, mesmo sem o fenômeno do loteamento, em sentido técnico-jurídico, isto é, do loteamento propriamente dito [...] não foi impedido o parcelamento da terra não loteada e conseqüentemente a venda e preço relativamente acessível. (MEDEIROS 1978 APUD GONSALVES 2005, P. 3789) Portanto, o uso e a ocupação ilegal do solo urbano entrava a administração e o próprio ordenamento urbano, pois não há, perante a lei, como o poder público direcionar recursos e ações para áreas inseridas na ilegalidade. Se por um lado as ocupações ilegais de terras desestruturam a configuração urbana, por outro estas ocupações são incontroláveis pela aplicação da lei, pois as pessoas simplesmente precisam de um espaço mínimo para viver, direito assegurado pela Constituição Federal. Portanto não basta tipificar, conforme Lei de Nº 6.766/79, do Parcelamento do Solo Urbano, Artigo 50, que constitui crime contra o poder público municipal: Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 67 I - dar início de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente [...]. II - dar início de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observâncias das determinações constantes do ato administrativo de licença. III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamentos ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo. Portanto, conforme as determinações da Lei 6.766/79, o processo de ocupação e apropriação do Bairro Santa Cruz foi “criminoso”, disto tomaram ciência os moradores, mas não respeitaram o que acharam uma determinação ilegítima. Para tornar, perante esta Lei, ainda mais graves os crimes daquela ocupação, os lotes ocupados foram vendidos e revendidos, estabelecendo um mercado natural e “clandestino” das terras “ilegalmente” apropriadas. Embora afirme o assessor de gabinete da Secretaria de Serviços Públicos Municipais que em 1992, na gestão do Prefeito Murilo Mármore (1989–1992), se reconheceu, em sessão realizada na Câmera Municipal de Vereadores, o direito de uso das propriedades do Bairro Santa Cruz, nenhuma forma legal, nenhum documento foi formalizado garantindo aos moradores do Bairro a propriedade de seus imóveis. A construção clandestina não pode ter a documentação da propriedade legalizada - a escritura definitiva – mesmo tendo pago pela terra. É verdade que os moradores destes loteamentos têm-se organizado e lutado por seus direitos, e inclusive, consideram-se que a Lei [...], tenha sido, em parte, resultado do movimento dos moradores destes loteamentos. (RODRIGUES 2001, p.27). Foi por este procedimento, luta organizada de moradores “clandestinos”, por seus direitos, que os moradores do Santa Cruz conseguiram suas permanências e até um mínimo de infra-estrutura, como rede elétrica, coleta de lixo, pavimentação de algumas ruas, além da oficialização da Associação de Moradores do Bairro, conforme Lei Nº675/92. METODOLOGIA O método Geossistêmico, por tratar da interação entre os fenômenos naturais e sociais, materializados no espaço geográfico, foi usado para traçar as metas fundamentais e se chegar ao objetivo geral da pesquisa: a análise dos impactos ambientais decorrentes do uso e ocupação do solo urbano. Na escolha desse método levou-se em consideração a sua aplicação nos trabalhos desenvolvidos por Monteiro (2000) e Mendonça (1996). Assim, através da análise guiada por Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 68 este método pôde-se melhor entender a interdependência entre os aspectos ambientais e as atividades antrópicas na organização sistêmica do meio de forma geral, e do Bairro Santa Cruz, de forma particular. O segundo passo metodológico para se obter eficácia na pesquisa foi dividir a área de estudo em duas zonas diagnóstico: Área I – (situada próximo ao conjunto habitacional Urbis II e III) e Área II – (situada em torno da Lagoa das Bateias). Trabalho de Gabinete Realizou-se um levantamento bibliográfico para se fundamentar a pesquisa, como também investigaram-se documentos concedidos por órgãos públicos, como a Secretaria de Obras e Urbanismo da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, o Acervo Público Municipal e a Secretaria de Serviços Públicos. Estes documentos foram importantes para o questionamento a respeito do processo histórico-social do Bairro Santa Cruz, desde seu início em 1982, passando pela fase na qual o Bairro foi levado em consideração em tênues projetos do Plano Diretor Urbano (2004), até os problemáticos dias atuais. Cumprida esta etapa, elaboraram-se, conforme pressupostos estatísticos, gráficos e tabelas para representar, de forma sintética e de fácil assimilação, os dados coletados e analisados. Trabalho de Campo Procedeu-se a uma pesquisa empírica, com várias saídas a campo para ver, ouvir, sentir, anotar e refletir sobre o espaço e suas respectivas dinâmicas sócio-ambientais e territoriais. Para legitimar as investigações no Bairro foram aplicados cinqüenta questionários, os quais foram prontamente respondidos, atendendo às expectativas. Pelo lado do poder público, foram entrevistados o assessor do secretário municipal de serviços públicos e o secretário de habitação de Vitória da Conquista. Trabalho de Laboratório Através dos pressupostos cartográficos e sobre uma base cartográfica na escala 1:8000 delimitou-se a área do Bairro, utilizou-se ainda dos recursos laboratoriais para digitalizar e copiar plantas urbanas de Vitória da Conquista da década de 1970 a 2000, para se analisar a evolução do Bairro. Concluída esta etapa, e de posse das devidas informações, utilizou-se de uma carta planimétrica (SEI-BA, 2000), de Vitória da Conquista, de junho/2004, produzida por Altemar Amaral Rocha, para, finalmente, elaborar uma carta específica do Bairro Santa Cruz. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 69 RESULTADOS E DISCUSSÕES Contatou-se, através da pesquisa de campo, que as residências construídas na área I do Bairro, mais diretamente beneficiada pelo Decreto Público Municipal de 1992, apresentam estrutura física bem melhor do que àquelas da área II, em torno da Lagoa das Bateias, o que demonstra que há segregação sócioespacial interna no Bairro, já segregado no contexto urbano da cidade. Também se constatou que o preço dos lotes foi determinante no desenvolvimento do Bairro. Assim a dinâmica sócio-espacial mais positiva ocorreu e ocorre nas áreas onde se adquiriram lotes por preços razoavelmente baratos – o que parece irreal em uma cidade onde o valor extremamente alto dos imóveis determina o “desenvolvimento” e a dinamização dos espaços privilegiados. Há ainda a história dos moradores que levaram anos para concluir suas construções em solo de difícil edificação, em torno da Lagoa e que, por estarem em área de extremo risco, podem perdê-las a qualquer momento, por inundação ou por qualquer outro contratempo na pluviometria ou na drenagem local, pois a maioria dessas casas é autoconstruções ou casas construídas em mutirões. Nestes dois casos, o aproveitamento de materiais baratos ou rejeitados e a solidariedade substituem os procedimentos econômico-financeiros, legais e técnicos. A autoconstrução reproduz – ao produzir casas em lugares sem infra-estrutura e com um sobre-salário individual – as condições gerais de reprodução urbana. Onde é possível morar, de que modo é possível morar, definindo e redefinindo o lugar de cada um na cidade. (RORIGUES 2001, p. 34) Finalmente constatou-se que o perfil sócio-econômico dos moradores da área II, enquadra-se na análise de Rodrigues (2001), diferentemente do perfil sócio-econômico dos moradores da área I, conforme mostra a tabela abaixo. Tabela 01 – Renda Familiar Área I Área II Sem renda fixa 16% 76% Até 1 salário mínimo 4% 20% Mais de 1 salário mínimo 80% 4% Fonte: Pesquisa de campo. Outubro de 2005. A partir dos dados apresentados na tabela 1 acima, pode-se observar a nítida diferença, quanto ao aspecto econômico, entre os moradores das duas áreas do Bairro. Enquanto que na área I apenas 16% dos moradores não têm renda fixa, na área II, esse percentual é de 76%, o que é uma diferença considerável. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 70 Tabela 02 - Número de cômodos por residência Área I Área II Até 05 Cômodos 16% 76% De 06 a 10 Cômodos 72% 24% Acima de 10 Cômodos 12% 0% Fonte: Pesquisa de campo.Outubro de 2005. A tabela 2, acima, mostra que há maior número de residências com no máximo cinco cômodos localizadas na área II, 76%. Já na área I predominam as residências com maior número de cômodos, entre seis e dez, enquanto nenhuma das residências da área II há mais de dez cômodos. Na área I, há 12% das residências nestas condições. Este resultado mostra a grande diferença sócio-econômica entre os moradores da área I e da área II do Bairro. Por outro lado, é na área II que se verifica maior degradação ambiental, o que é explicado, em parte, pela dinâmica das construções em volta da Lagoa das Bateias. - Situação Topográfica: é uma área ladeada por rampas coluvionares e rebaixada de cabeceiras de drenagem, que contribui para o surgimento de áreas de nascentes e do afloramento do nível freático; -A Lagoa das Bateias recebe efluentes de esgoto e suas margens são aterradas e ocupadas [...]. (PDU, de 2004) Partindo das descrições contidas no PDU1, a área II não é apropriada para moradia, todavia, em Vitória da Conquista, assim como na maioria das cidades brasileiras, não restando outras alternativas, para a maioria pobre, ser legal ou ilegal, ter ou não ter riscos tornou-se irrelevante. Isto ficou bastante claro durante a pesquisa de campo quando os moradores do Bairro, principalmente da área II, disseram que sabiam e sabem dos riscos e dos problemas legais, mas justificam que não têm outra saída, precisam de um lugar para morar. Na tentativa de se deter e prevenir problemas de inundação, entre outros, os moradores do Santa Cruz vêm, ao longo dos anos, despejando entulhos na lagoa. Os materiais utilizados, pedras, terra, tijolos, entre outros, impermeabilizam o solo e dispersa a drenagem, causando novos problemas em escala ainda maiores, como é o caso do desvio do fluxo d'água e de esgoto da lagoa para outras áreas do Bairro. 1 Plano de Desenvolvimento Urbano Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 71 DESTINO DO ESCOADOURO DOS BANHEIROS - ÁREA I Fossa séptica Vala 12% 88% Fonte: Pesquisa de Campo, Agosto de 2005 Gráfico 01 – Destino do escoamento dos banheiros da área I Conforme o gráfico 01 acima, 12% das residências da área I lançam os dejetos dos banheiros nas valas canalizadas para a Lagoa das Bateias e 88% das residências desta área têm fossa séptica. Na área II, ocorre exatamente o oposto, 12% das residências têm fossa séptica, enquanto que 88% lançam os dejetos nas valas. Os diagnósticos da pesquisa apontam que 44% da área I está exposta aos riscos de inundação, enquanto na área II este risco se eleva para 96%. Esta diferença é explicada pela localização das residências da área II, próximas à Lagoa das Bateias que recebe a drenagem de parte da bacia do Rio Verruga e dos esgotos do próprio Bairro, o que gera graves problemas sócio-ambientais. CONCLUSÃO Portanto, analisou-se a forma como procedeu à ocupação e ao uso do solo urbano no Bairro Santa Cruz, na periferia “deprimida” do município de Vitória da Conquista. Ao se dividir o Bairro em área I e II e fazer-se uma análise comparativa constatou-se que há significativas desigualdades sócio-ambientais, sócioespaciais, além das segregações internas. Constatou-se ainda que o locus da ocupação do Santa Cruz foi a área I, cujos moradores lotearam e venderam, clandestinamente, os lotes que inicialmente formaram a área II, segundo a Lei nº 6.766/79, cometendo duplo crime, de ocupação e venda ilegais. O poder público não aplica a lei contra os moradores do Bairro por ser contraditória, pois contraria a Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a sociedade local. Por conseguinte, é preciso rever o conceito e os agentes dos crimes sociais, antes de tipificá-los e quantifica-los geometricamente. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. 72 A degradação sócio-ambiental do Bairro Santa Cruz, desencadeada a partir de sua ocupação “ilegal”, sobretudo na área II, acentua-se com o aterramento de parte da Lagoa das Bateias. Porém, se este aterramento fosse feito pelo poder público, de forma planejada, respeitando as peculiaridades dos solos, preservando a vegetação ciliar, respeitando a capacidade de escoamento e de drenagem, levando em conta os fluxos, o gradiente altimétrico e a hierarquia do escoamento da bacia hidrográfica em que se insere o Bairro e a cidade, dispensarse-ia as falácias de crime contra uma população à qual se nega direitos elementares e vitais. Ao terminar estas conclusões chega a notícia, prontamente verificada in lócus, de uma forte inundação da área II do Bairro. Deslizamentos e aterramentos forçaram moradores a abandonarem suas residências. O Programa Municipal de Habitação Popular assumiu a responsabilidade e está amenizando, “maquiando” o problema, relocando as famílias atingidas para outros espaços melhores estruturados. Entende-se, finalmente, que o que seria conveniente e legal seria o poder público, em seus projetos urbanos, direcionasse os recursos públicos aos espaços realmente carentes, e não àqueles espaços permanentemente privilegiados, que ofuscam os olhos dos segregados e contemplam os dos que não querem compreender que a miséria deve ser eliminada, que é possível fazê-lo e que ainda dá tempo. Mas isto requer a atuação de toda a sociedade, pública e civil, pois a pobreza e a miséria geram epidemias, desconfortos, sofrimentos e muitas mortes. Dizem que a questão da moradia é assunto para muita discussão, ousa-se aqui negar esta subjetividade; a questão da moradia é questão de direito, portanto, mais do que discussão, reivindica-se ação. REFERÊNCIAS CARLOS, Ana Fanni Alessandri. A cidade. 7ºEd. São Paulo: Contexto, 2003. CASTELLS, Manoel. A questão urbana. Tradução Arlete Caetano. São Paulo: Paz e Terra, 2000. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 2º Ed. 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Disponível em < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php> Acessado em 25 mar. 2005; 23:42:00. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 61-73, Novembro, 2006. CIGANOS: CULTURA E ERRÂNCIA Márcio Emanoel Dantas Estevam* RESUMO: Os ciganos fazem parte de um grupo étnico que se encontra em quase todas as partes do mundo, porém sua origem para muitos é cercada de mistérios e incoerências. O objetivo deste artigo é trazer à tona um debate sobre os ciganos, enquanto um grupo étnico que se naturalizou nas diversas sociedades por onde passou ou está instalado. Aqui, o propósito é mostrar suas origens até a sua chegada ao contexto regional mais próximo, o Recôncavo baiano. PALAVRAS - CHAVE: Ciganos; cultura; origem; mundo; Brasil; Bahia. ABSTRACT: The gypsies are part of an ethnic group that meets in almost whole the parts of the world, even so, its origin for many is surrounded of mysteries and incoherences. The objective of this article is to bring up a debate about the gypsies, while an ethnic group that was naturalized in the several societies through where it passed or it is installed. Here, the purpose is to show its until its arrival to the closer regional context, the Bahia's Recôncavo. KEY-WORDS: Gypsies; culture; origin; world; Brazil; Bahia. * Professor do Curso de Licenciatura em Geografia da Faculdade Maria Milza-FAMAM. E-mail: [email protected] Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 76 Cigano que morre: Incêndio de uma biblioteca Que nunca mais se repete (MOTA,1998, p.11) Este artigo é baseado em parte do trabalho de pesquisa realizado pelo autor no programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia e tem como objetivo lastrear estudos referentes à etnia cigana desde o seu contexto mais geral chegando até a escala regional. Várias informações sobre as origens dos ciganos foram obtidas através de estudos lingüísticos feitos a partir do século passado. A comparação entre os vários dialetos, que constituem a língua cigana, chamada romaní ou romanês, e algumas línguas indianas, como o sânscrito, o prâncrito, o maharate, permitiu que se estabelecesse com certeza a origem indiana dos ciganos. A razão pela qual abandonaram as terras nativas da Índia permanece ainda envolvida em mistério. Parece que eram originariamente sedentários e que motivados por situações adversas, tiveram que viver como nômades. Segundo outra lenda, narrada pelo poeta persa Firdausi no século V d.C. um rei persa mandou vir da Índia dez mil Louros, nome atribuído aos ciganos, para entreter o seu povo com música. É provável também: (...) que a corrente migratória tenha passado na Pérsia, mas em data mais recente, entre os séculos IX e X. Vários grupos penetraram no Ocidente, seja pelo Egito, seja pela via dos peregrinos, isto é, Creta e o Peloponeso. O caráter misterioso dos ciganos deixou uma profunda impressão na sociedade medieval. Mas a curiosidade se transformou em hostilidade, devido aos hábitos de vida muito diferentes daqueles que tinham as populações sedentárias. (ROSSO 1995, p.67). A presença de bandos de ex-militares e de mendigos entre os ciganos contribuiu para piorar sua imagem. Além disso, as possibilidades de assentamento eram escassas, porque a única forma de sobrevivência consistia em viver às margens das sociedades. Os preconceitos já existentes eram reforçados pelo convencimento difundido na Europa que a pele escura via-se como sinal de inferioridade e de malvadeza. Os ciganos eram facilmente identificados com os turcos porque indiretamente e em parte eram provenientes das terras dos “infiéis”, assim eram considerados inimigos da igreja, que condenava as práticas ligadas ao sobrenatural, como a cartomancia e a leitura das mãos que os ciganos costumavam exercer. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 77 Figura 1 Fonte: (Fonseca, 1996), Cartaz alemão de protesto contra os ciganos, cerca de 1715. a inscrição diz: Punição para[...] libertinos e ciganos[...] A falta de uma ligação histórica precisa a uma pátria definida ou a uma origem segura não permitia o reconhecimento como grupo étnico bem individualizado, ainda que por longo tempo houvessem sido qualificados como egípcios. A oposição aos ciganos delineou-se também nas corporações, que tendiam a excluir concorrentes no artesanato, sobretudo no âmbito do trabalho com metais. O clima de suspeitas e preconceito percebe-se na criação de lendas e provérbios tendendo a pôr os ciganos sob mau conceito, a ponto de se recorrer à Bíblia para considerá-los descendentes de Caim, e, portanto, malditos (Gênesis 9:25), (fig. 1). Difundiu-se também a lenda de que eles teriam fabricado os pregos que serviram para crucificar Cristo (ou, segundo outra versão, que eles teriam roubado o quarto prego, tornando assim mais dolorosa a crucificação do Senhor), como nos mostra Campos (1994). Dos preconceitos à discriminação, até chegar às perseguições, na Sérvia e na Romênia, os ciganos foram mantidos em estado de escravidão por um certo tempo; a caça ao cigano aconteceu com muita crueldade e com bárbaros tratamentos, (fig. 2). Deportações, torturas e matanças foram praticadas em vários estados, especialmente com a consolidação dos estados nacionais. Já sob o regime nazista, os ciganos tiveram um tratamento igual ao dos judeus: muitos deles foram enviados aos campos de concentração, onde foram submetidos a experiências de esterilização, usados como cobaias humanas. Calculase que meio milhão de ciganos tenham sido eliminados durante o regime nazista. Porém na bibliografia especializada sobre o Holocausto, há apenas a predominância da figura do judeu enquanto se observa uma necessidade maior de contextualizar os ciganos neste momento da história, pois estes também foram vitimas do regime nazista. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 78 Figura 2 Fonte: (Fonseca, 1996) Cartaz anuncia leilão de escravos na Valáquia: À VENDA excelente lote de ESCRAVOS CIGANOS a serem vendidos em leilão no mosteiro de St. Elias, 9 de maio de 1852, composto de 18 homens, 10 meninos, 7 mulheres e 3 meninas, em bom estado. Nas primeiras leis nazistas, os ciganos eram enquadrados como transviados sociais, incluídos nas leis criadas para os anormais e deficientes mentais internados em instituições. Em 1933, surgiu a Lei de Prevenção de Descendentes Portadora de Doenças Hereditárias e no mesmo ano é criado o Regulamento para Segurança e Reforma de Criminosos Contumazes e Transviados Sociais. Através destas medidas, os ciganos eram esterelizados sem direito de escolha. Mais duas leis criadas em 1935 proibiam o sexo entre alemães e não-europeus(ciganos e judeus) para não ocorrer “uma sujeira na raça limpa alemã”.(FONSECA:1996). A política nazista contra os ciganos tem sua próxima versão nas Leis contra o Crime: Eles [ciganos] são contados entre aqueles que por comportamento anti-social, mesmo não havendo cometido crime, demonstram que não desejam enquadrar-se na sociedade: mendigos, vagabundos (ciganos), prostitutas pessoas com doenças contagiosas que não se tratam. Em legislação posterior são inseridos os judeus, ciganos e poloneses. (p.286) Uma discussão sempre perpassou as questões que envolviam os ciganos e os judeus, quais seriam os critérios para defini-los, os raciais ou os culturais. Os nazistas usavam as duas categorias, tendo, no final, o prevalecimento das questões biológicas para justificar a cultura e o comportamento (a criminalidade e o desvio sexual para os ciganos, e venalidade e fome de poder entre os judeus), desde o inicio das deportações e prisões e mais tarde o extermínio, têm, como fator motivante, as questões étnicas transformadas em biológicas. Os ciganos foram cobaias para as mais diversas experiências como mencionado anteriormente. Para tanto, havia o Departamento de Higiene Racial e biologia Populacional do Departamento de Saúde do Reich, onde o higienista racial Dr. Robert Ritter, pesquisou dez gerações de ciganos em busca da explicação para o Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 79 comportamento criminoso e anti-social dos ciganos neste momento ainda fora dos campos e posteriormente neles, segundo Fonseca, (1996), uma das metodologias da pesquisa pautava-se em entrevistas com famílias de ciganos, mas após as mesmas, eles eram imediatamente enviados aos campos de concentração, (fig. 3). Para muitos, esta pode ser uma das explicações para a desconfiança nas entrevistas principalmente quando referentes a parentesco. Figura 3 Fonte: (Fonseca, 1996) As barracas dos ciganos no campo de Auschwitz eram identificadas como BIIe, atrás das quais ficava o hospital para prisioneiros, o crematório e a câmara de gás. Entre fevereiro de 1943 e agosto de 1944, 21mil ciganos foram mortos em Auschwitz. O conhecido médico nazista Josef Mengele também se interessou pelos ciganos, uma vez que, assim, ele podia disseminar doenças e testar “tratamentos” Uma outra questão era o interesse genético pela raça dos ciganos, pelo fato de serem eles, os nazistas, considerados “raça pura”. Nos experimentos do médico, os ciganos eram contaminados com sarna, e o tratamento consistia em transferir o doente de uma para outra banheira cheia de uma solução de sal e ácido. Quando ocorriam as mortes, a autopsia podia ser feita na hora, sem contar com o bloco Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 80 especial onde ele possuía anões, gigantes, pessoas com um olho azul e outro castanho e gêmeos e ainda mantinha amostras de cabelos, olhos (dos gêmeos) e às vezes a cabeça inteira. As crianças gêmeas interessavam-nas em especial nas suas pesquisas sobre hereditariedade, certa (...) “Mengele em pessoa injetou clorofórmio no coração de quatorze crianças gêmeas perfeitamente saudáveis para poder realizar a dissecação de seus cadáveres.” (FONSECA, 1996, p.299) Quando ele recebeu as ordens para o extermínio em massa dos ciganos, ficou contrário, pois os ciganos eram as cobaias preferidas para os seus experimentos, mas mesmo assim obedeceu às ordens e: Andou pelo campo inteiro esse dia, localizando cada criança escondida. As que haviam escapado do transporte na noite anterior ele colocou em seu próprio carro e levou pessoalmente as câmaras de gás. As crianças ciganas iam de boa vontade, pois aquele homem tinha lhes demonstrado afeto e lhes dado doces, eles o adoravam confiavam em Mengele, e corriam atrás dele gritando: Tio Pepi! Tio Pepi! (P.298)1 O ser cigano para os nazistas, envolvia a mesma questão dos deficientes físicos ou pessoas com doenças hereditárias. O cigano era como uma doença que deveria ser exterminada se alastrava rápido e de acordo aos médicos nazistas uma das suas características hereditárias que justificaria isto seria a criminalidade inata dessa raça. Atualmente, os ciganos estão presentes em todos os países europeus, nas regiões asiáticas por eles atravessadas, nos países do oriente médio e do norte da África. Na Índia, existem grupos que conservam os traços exteriores das populações ciganas: trata-se dos Lambadi ou Banjara, populações semi-nômades que os “ciganólogos” definem como “Ciganos que permaneceram na pátria”. Nas Américas e na Austrália, eles chegaram acompanhando deportados e colonos. Sucessivamente estabeleceram fluxos migratórios para aquelas regiões. Recentes estimativas sobre a consistência da população cigana indicam uma cifra ao redor de 12 milhões de indivíduos (Fonseca,1996).2 A origem indiana dos ciganos é hoje admitida por todos os estudiosos. População indo-européia, mais especialmente indo-iraniana: não há dúvidas quanto ao que diz respeito à língua e à cultura. Os indianistas modernos, no entanto, têm tendência a não considerá-lo um grupo homogêneo, mas um povo viajante muito antigo, composto de elementos diversos, alguns dos quais poderiam vir do sudeste da Índia. A maior parte dos indianistas, porém, fixa a pátria dos ciganos no noroeste da Índia. A maioria, igualmente, liga-se à casta dos párias. Isso em parte por causa 1 Citação referente à obra de FONSECA, Isabel. Enterrem-me em pé: os ciganos e sua jornada. Ver bibliografia. 2 Números exatos sobre a população cigana são imprecisos devido a grande dificuldade de contabilizalos, outros dados podem ser encontrados sobre esta questão. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 81 de seu aspecto miserável, que não se deve a séculos de perseguição, pois foi descrito bem antes da era das perseguições. Também por causa dos empregos subalternos e das profissões geralmente desprezadas na Índia contemporânea pelos indianos que lhes parecem estreitamente aparentados. O cigano designa a si próprio como Rom, pelo menos na Europa (Lom, na Armênia; Dom, na Pérsia; Dom ou Dum, Síria) ou então como Manuche. Todos esses vocábulos são de origem indiana (manuche, ou manus, deriva diretamente do sânscrito) e significam “homem”, principalmente homem livre. “Rom” e “Manuche” aplicam-se a dois dos principais grupos ciganos da Europa Ocidental CIGANOS NO BRASIL Os ciganos fazem parte de uma etnia de cultura própria, rica, já que por variadas razões encontram-se dispersos por todo o mundo, tendo passado, em suas “andanças”, por diferentes países, levando e enriquecendo a sua cultura. Uma pequena parcela, hoje em dia, ainda é nômade, mas a maioria, como no caso dos ciganos do Rio de Janeiro, é seminômade e sedentária. Segundo Ivatts apud Liechocki(1999), a concentração maior desse povo fica na Europa, ou seja, da população mundial cigana, mais ou menos a metade é residente na Europa, sendo que dois terços na Europa Oriental e parte ainda reside no norte e no sul da África, no Egito, na Argélia e no Sudão. Nas Américas, o contingente está distribuído dos Estados Unidos à Argentina, tendo uma maior concentração no território brasileiro. Devido ao modo de vida cigano, é difícil calcular o número exato deles, mas, segundo Ivatts in Rosso (1985), em 1975, sem contar com a Índia e o sudeste asiático, os ciganos eram, em média, cerca de sete a oito milhões em todo o mundo, já para (Maia:1993), como mencionado anteriormente este número esta próximo aos 12 milhões. Deve-se esclarecer que o termo cigano é genérico, assim como índio, ou seja, dentro dessa etnia existem subdivisões e, nelas, existem famílias que fazem das tradições uma cultura própria de acordo com o subgrupo ao qual pertencem. No Brasil, mais particularmente no Rio de Janeiro, existem dois grandes grupos de ciganos: o Rom e o Calom. Os nomes dos subgrupos são apresentados por força de uma profissão própria e predominante na família através dos tempos, como os kalderashès (ferreiros, caldeireiros, produtores de panelas, parafusos, utensílios, chaves, pregos, ferramentas, selas, cintos e outros objetos de couro). Alguns são exibidores de feras amestradas, os circenses (lovares e manushes). Outros ainda, que eram antigos traficantes de cavalos, atualmente, negociam com carros, sendo também exímios comerciantes, mecânicos e lanterneiros, como os ciganos do grupo Calom. Há também os que vendem ouro, jóias, roupas, tapetes, que são os mercadores ambulantes ou feirantes. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 82 Os ciganos do grupo Calom situam-se na Espanha - particularmente em Andaluzia, onde existe a maior concentração de calons. Em Portugal, na África do Norte e no sul da França, são chamados “ciganos Ibéricos”. Há muitos anos, alguns desse grupo foram deportados ou emigraram para as Américas, existindo, assim, uma grande parte desses ciganos no Brasil. Diferenciam-se dos rons pelo aspecto físico, dialeto e costumes. Em sua maioria, são nômades, principalmente no Norte e Nordeste, mas uma grande parte já está totalmente sedentarizada, principalmente no Rio de Janeiro. É importante ainda mencionar que o termo rom significa cigano para qualquer cigano, enquanto calom, como são conhecidos os ciganos Ibéricos, é o dialeto utilizado por estes desde a época da repressão na Espanha e em Portugal. O Romanês ou Romani, língua mundial cigana, traz a palavra rom significando homem, cigano e marido. CIGANOS NA BAHIA A contextualização cigana na Bahia mostrou-se uma tarefa complexa pela falta de produção historiográfica e fontes documentais sobre tal grupo étnico, representando talvez mais uma vez a naturalidade com que o cigano adquiriu, no cotidiano das pessoas, não sendo elemento merecedor de maior atenção científica. Porém, em uma obra recente produzida pelo antropólogo Ronaldo Senna, chamada “A seda esgarçada” (2005), revelando-se na atualidade como uma importante contribuição a ciganologia na Bahia, conseguiu-se garimpar, com o auxilio indispensável do prefácio da obra mencionada anteriormente, construído pelo historiador Erivaldo Neves, informações importantes que apontam algumas direções para o inicio da trajetória cigana na Bahia. As grandes dificuldades nas pesquisas sobre ciganos não se baseiam apenas na falta de documentos, mas também em uma característica cultural de tal grupo, o fato de sua língua, “o romaní”, não ter uma forma escrita, ou seja, ser ágrafa, desta forma sem uma produção histórica escrita, mas memorial. Assim, diz o poeta, um dos maiores ciganólogos do Brasil: “Cigano que morre: Incêndio de uma biblioteca/ Que nunca mais se repete”.(MOTA, 1998, p.11). O cigano na verdade traz consigo sua historia. A chegada dos ciganos ao Brasil e à Bahia ocorreu a partir do século XVI durante o período de colonização com as degredações imputadas pela coroa portuguesa como pena aos furtos realizados na metrópole e ao seu comportamento “não civil”. O degredo colonial também se dava em virtude das denúncias à inquisição. Como se sabe, até hoje características místicas da cultura cigana são tidas como demoníacas, como exemplo tem-se a prática de ler a sorte – buena dicha, os ciganos durante o período colonial e imperial dedicaram-se ao comércio de escravos e cavalos. Embora os que conseguiam acumular alguma riqueza, passavam a atuar no mercado imobiliário, agropecuário e agiotagem. Os que não conseguiam Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 83 continuavam a comercializar animais de montaria e a pequenos utensílios domésticos artesanais. As fontes documentais não permitem um aprofundamento às questões históricas envolvidas, mas apenas identificar os ciganos como um grupo social especifico, cabendo a antropologia a tarefa de a partir do mundo cigano, oral e ágrafo, traçar uma linha de estudos sobre a ciganologia. Mesmo tendo em vista tais dificuldades (Neves apud Senna: 2005), aponta com o auxilio de uma documentação histórica escassa algumas questões que envolviam o universo cigano no período colonial e imperial na Bahia. Como os documentos do Santo Ofício em visita à colônia, entre 1591 e 1595, onde o visitador da inquisição colhia os depoimentos dos ciganos e ciganas e lhes impunha as devidas penitencias fruto das blasfêmias proclamadas por eles, as acusações partiam principalmente da renegação a Deus, como mostra: O depoimento da viúva de Francisco Fernandes, ferreiro, cigano que viera degradado do reino por furto de burros, confessou que dois meses antes, “por agastamento” e “por se ver em trabalhos de passar umas ribeiras de água e se molhar disse que arrenegava a Deus. (NEVES apud SENNA,2005: Prefácio) 3 Vários são os depoimentos que se seguem. Quanto ao processo de degredo iniciado na colônia junto aos ciganos começava a delimitar-se quanto a um problema para a colônia, devido à rápida reprodução dos ciganos e dos problemas que estes criavam, assim : Os oficiais da Câmara da Cidade da Bahia denunciaram a Dom José I, em 1755, que os ciganos degredados do Brasil multiplicavam-se, vivendo “a sua vontade” praticando o que lhes impunham as leis, falando “geringonças”, andando vagabundos, com ranchos de famílias inteiras” comprando e vendendo cavalos, sem que se visse punido ciganos pelas proibições respectivas a esta maligna nação. 4 Dessa forma, um conjunto de medidas foram sendo estipuladas para o controle do problema, desde a separação das famílias ou o envio de jovens casais para Angola sem os filhos pequenos (nova degregação aos já degredados). Aos homens mais maduros, era-lhes obrigado a trabalhar em obras públicas e as mulheres em lugar “certo” e público. Estas eram as estratégias de extinção dos ciganos, transformar as suas práticas em praticas ”civis”, delimitadas pelo Reino de Portugal. Porém, percebe-se que, apesar de todas essas interferências na vida cigana, não conseguiram extingui-los, muito em função da sua cultura que, ao 3 Erivaldo Neves in prefácio. A seda esgarçada: configuração sócio-cultural dos ciganos de Utinga, de Ronaldo Sena. Ver bibliografia. 4 Idem, Ibidem. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 75-85, Novembro, 2006. 84 encontrar os obstáculos, utilizam-nos como forma de reprodução da mesma. Em Portugal e no Brasil, ciganos integravam se a vida civil, miscigenando-se e abandonado a cultura original, tanto em conseqüência de recursos políticos governamentais como em decorrência de fatos inerentes ao convívio social sem promover impactos à integridade étnica e nem pratica de seus usos e costumes multisseculares. 5 Caso exemplar da miscigenação da cultural cigana com outros segmentos éticos e mais particularmente na Bahia com o candomblé, está o terreiro Ogum de Cariri-Kilumbu Kayá, no bairro da Barra em Salvador, dirigido por uma mulher que seria neta de ciganos, a ialorixá Mãe Dadá, já falecida. Outro exemplo de descendentes de ciganos é o poeta Castro Alves, cigano pelo lado paterno dos Alves e mais recentemente o ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, entre outras figuras da história. A problemática cigana crescia em conjunto com a sua população, e os espaços ocupados por eles, como a antiga Rua das Palmas, por isso chamada hoje de Mouraria, não mais lhes interessavam, em função também das perseguições sofridas. Assim, partindo daí para ocupar partes de Santo Antonio Além do Carmo e do Recôncavo, provavelmente iniciaram a sua chegada à cidade de Cachoeira que viria mais tarde ser desmenbrada em vários municípios como Cruz das Almas entre outros. Propiciando a partir daí as primeiras presenças de ciganos neste contexto regional. REFERÊNCIAS ARISTICHT, Jordana.. Ciganos: a verdade sobre nossas tradições, Rio de Janeiro: Irradiação Cultural, pp.97,1995. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico; Tradução (português de Portugal) – 3ªed, Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2000. CAMPOS, Claudia Camargo. Ciganos e suas tradições, São Paulo: Madras, 1999, pp.103. DUNCAN, J. S. O Supra-Orgânico na Geografia Cultural Americana. In Introdução à Geografia Cultural, (Orgs). Z. 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HISTÓRIA E INFORMÁTICA: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA Antonio Wellington Melo Souza* RESUMO: Neste artigo, descreve-se uma experiência no âmbito de ensino e aprendizagem da Educação Básica e analisa as interações realizadas na disciplina de História na perspectiva de Piaget e suas relações com novas práticas educacionais, em especial, com relação às Tecnologias da Informação e Comunicação. A análise dos dados realizou-se em dois níveis: apropriação do computador e do uso da rede Internet (como fonte de pesquisa e troca de informações), e dinâmica de desenvolvimento da disciplina (discussão, reconstrução, problematização, produção, coletividade). PALAVRAS CHAVES: Ensino aprendizagem; história; problematização, tecnologias da informação e comunicação – TIC; internet, colaboração e interação. ABSTRACT: In this paper, is described an experience in the teaching-learning's ambit of the Basic Education and are analyzed the interactions accomplished in the discipline of History, in the Piaget's perspective and its relationships with new educational practices, especially, in relation to the Technologies of Information and Communication. The analysis of the data took place in two levels: appropriation of the computer in the Internet's use (as research source and change of information) and the development's dynamics of the discipline (discussion, reconstruction, the problematic, production, community) KEY-WORDS: Teaching-learning; history, the problematic; technology of the information and communication -TIC/ICT; internet, collaboration and interaction. * Professor do curso de História e Normal Superior da Faculdade Maria Milza-FAMAM Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 88 Existem laboratórios de informática em número significativo de escolas públicas de todo Brasil, por meio do PROINFO/MEC1 e de outras iniciativas, mas as escolas, na sua maioria, não mudaram o jeito de ensinar e aprender. Daí pergunto: quais as novas formas de ensinar e aprender para otimizar a construção do conhecimento que inclua as tecnologias da informação e comunicação - TICs como ferramentas nesse processo? É preciso desaprender para aprender novamente? Como é possível construir um processo de ensino e aprendizagem de História que desperte o interesse do aluno? Com essas questões e diante da falta de uso adequado dos computadores na Educação, surgiu a proposta de experimentar uma metodologia de ensino de História que articulasse as Tecnologias da Comunicação e Informação com base em uma perspectiva construtivista, fundamentada na teoria de Piaget, segundo a qual, os conhecimentos são construídos através da interação entre sujeito e objeto de aprendizagem. Toda construção implica reconstrução. Já que a aprendizagem não é um processo passivo, é preciso buscar meios de despertar o interesse dos alunos e dar -lhes um papel mais ativo. Para que a investigação de fato acontecesse, fazia-se necessário encontrar uma escola com laboratório de informática em atividade e professores de História atuando com seus alunos, fazendo uso das TICs de maneira a atender a seus objetivos pedagógicos. Como de fato sabia que no município desta pesquisa, a cidade de Santo Antonio de Jesus não encontraria uma escola com esse perfil, veio a necessidade de conquistar (atrair) professores parceiros para atuarem como sujeitos desse processo e, assim, poder efetuar o estudo pretendido. A busca pelos professores deu-se na própria escola. Visitei uma escola dotada de dois laboratórios de informática totalizando 27 (vinte e sete) computadores, diversas vezes e em horários alternados, de intervalo e de atividade complementar na busca de professores parceiros para desenvolver o projeto. A proposta foi discutida à priori com a direção da escola, que aceitou o desenvolvimento do trabalho. Também foi discutida com alguns professores da área e, por fim, foi aceita por uma professora de História, que apesar de solitária, atendia às exigências. No bojo da proposta de trabalho, estavam contemplados os encontros semanais com a professora a fim de discutirmos avanços e retrocessos do grupo e as dificuldades encontradas e aprofundarmos melhor na teoria construtivista por meio de grupos de estudos. Os primeiros encontros aconteceram com o propósito de determinar com que turmas atuaríamos. Depois das discussões, combinamos que trabalharíamos apenas com uma turma, em um projeto piloto, cujo perfil era: 2ª série do Ensino 1 ProInfo é um programa educacional criado em 9 de abril de 1997 pelo Ministério da Educação por meio da portaria 522, para promover o uso da Telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público fundamental e médio. Suas estratégias de implementação constam do documento Diretrizes do Programa Nacional de Informática na Educação. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 89 Normal (Magistério), composta por 25 alunos, na sua maioria meninas (22), de idades variadas (de 16 a 45 anos), muitos deles provenientes da zona rural, que, segundo a professora, não tinham muito interesse pela disciplina de História: Quando fui convidada pelo professor Antonio Wellington para realizar o projeto, percebi que a proposta era muito interessante, e começamos a discutir como seria desenvolvido o projeto. A escolha do 2º ano do Ensino Normal consistiu no fato de a turma ser considerada por alguns professores como alunos que não gostavam da disciplina de História e que não se mostravam muito interessados nas aulas. Era meu primeiro ano com a turma. (Professora da turma) Combinamos então que discutiríamos o projeto com os alunos e que contemplaríamos a opinião deles a respeito da proposta de uso das TICs com fins de dinamizar o processo de ensino e aprendizagem de História. A recepção foi calorosa, olhares atentos, rostos expressivos deslumbrados com a possibilidade de manusear um computador. No primeiro momento com a turma, foi apresentado o projeto de trabalho, esclarecidas as dúvidas e estabelecida a parceria com os alunos. O estudo contemplava o acesso ao laboratório de informática do Núcleo de Tecnologia Educacional - NTE nas segundas e sextas-feiras com o propósito de familiarizar os alunos com a informática e proporcionar-lhes livre acesso à Internet, solucionando, assim, naquele momento, o problema da falta de conexão na escola. Como alguns alunos afirmaram não saber “nem como ligar o computador”, entendi que o aprendizado no manuseio da máquina poderia acontecer no processo; os alunos, por sua vez, solicitaram uma ajuda, pois estavam preocupados em não “dar conta daquela nova aprendizagem”. Assim, para atender ao propósito de familiarizar os alunos com a máquina, um multiplicador do NTE, nesse grupo de estudo, que se dispôs a colaborar com os alunos na lógica e dinâmica de uso dos programas básicos de processador de textos, webdesigner (através do FrontPage Express) e navegação e pesquisa na Internet. Também no primeiro contato, foi aplicado à turma um questionário investigativo para compreendermos melhor o perfil da turma e a relação dos alunos com as TICs e o ensino de História. Com o resultado desse questionário, pudemos ter uma visão mais aprofundada do grupo. Um grande número de alunos da turma nunca havia tido contato com um computador e todos sabiam da existência do laboratório da escola, mas nunca o usaram, mesmo para outros fins que não pedagógicos. Um dos motivos que nos impulsionou ainda mais a levar adiante o Projeto com o grupo foi o relato de alguns alunos que diziam não gostar de estudar História. Consideravam a disciplina chata, repetitiva e sem muita utilidade no seu dia-adia. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 90 História é insuportável, os assuntos são muitos repetitivos, tudo de antigamente. A professora chega na sala, passa uma apostila, a gente lê, lê aquilo e decora. História é muito cansativo e repetitivo, a pessoa fica com dificuldade de assimilar porque fica ouvindo coisa do passado. (C.S aluna) A professora tomou isso como um desafio, e, para os alunos, parecia nascer naquele momento uma nova perspectiva de ensino, baseada na discussão, na interação, na negociação, em que todos participavam do mesmo processo. Como podemos perceber em seu depoimento: É esse o grande desafio, por isso mesmo nós queremos repensar a prática pedagógica. É essa idéia que os alunos constroem... que História é algo do passado, morto, que não é divertido, que é chato. E a idéia que nós queremos trazer, de fato, é buscar com que os alunos possam descobrir quais as mudanças e permanências na História, de que forma eles são agentes e como nós, enquanto seres humanos, participamos do processo histórico. (...) Sentia que seria um desafio e uma oportunidade de um fazer pedagógico diferente. Ouvi de alguns alunos que não gostavam de História porque as aulas eram chatas. Por esse motivo, lançamos a proposta para a classe, que a acolheu com motivação e expectativa. Ficamos com a sensação de que as aulas de História seriam diferentes, e essa era a proposta: torná-las mais prazerosas, menos chatas. (Professora da Turma) Partimos dessa constatação em direção a novas formas de ensinoaprendizagem que possibilitassem uma (re) significação da disciplina de História. O projeto foi iniciado quando a professora fez a apresentação do conteúdo programático a ser estudado na unidade. Logo em seguida, discutiu-se com os alunos a seleção dos temas, fazendo-se um levantamento daqueles assuntos de que eles mais gostariam de aprofundar. A professora solicitou que os alunos formassem as duplas e trios de trabalho e, democraticamente, reestruturou junto com o grupo a forma de organização do trabalho. A turma, dividida em dois grupos, pesquisava os temas na Internet, em dias diferentes, e no turno oposto ao de aula no Núcleo de Tecnologia Educacional NTE, onde também adquiriam conhecimentos práticos e básicos de informática. Em frente ao computador e navegando na Internet, os alunos tinham um problema para resolver: pesquisar e encontrar respostas para assuntos históricos abordados e levantados por eles em discussão com a professora. As TICs se constituíam como alternativa de colaborar no processo de ensino e aprendizagem de História, desencadeando a dinâmica do projeto. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 91 Com relação ao uso das TICs, Papert (1994) diz que o computador pode basicamente ser usado para ensinar algo aos alunos, para ensinar informática ou como ferramenta para que os alunos desenvolvam projetos em diferentes áreas do conhecimento. A primeira forma de uso traz consigo uma idéia de educação como transmissão de conhecimentos. A segunda reduz o computador a um recurso profissionalizante e não muda qualquer prática escolar, apenas acrescenta informática ao currículo. Já a terceira pode efetivamente mudar a forma como os professores compreendem ensino e aprendizagem e usar o computador para criar ambientes de aprendizagem ricos. O enfoque da terceira maneira de usar o computador citada por Papert foi a inspiração encontrada para dar início à experiência numa concepção de que o computador pode ser “estruturante de uma nova forma de pensar e agir”. Inicialmente, o computador causou euforia na maioria dos alunos, em especial naqueles que não conheciam as possibilidades que a máquina oferecia ao homem. Foi preciso deixar extravasar essas emoções, principalmente no que diz respeito à navegação na Internet, pois muitos queriam conhecer sites como os do seriado de televisão Malhação, de novelas, do programa de Raul Gil, etc. e entrar em bate-papos, no que foram atendidos, pois compreendíamos que era um momento deles e que o computador e a Internet têm esse poder de fascínio. Mas, passado algum tempo, a intervenção do professor foi importante para que o trabalho fosse retomado. O trabalho no laboratório foi acompanhado de perto pela professora, que conduzia a pesquisa orientando os alunos na busca das respostas aos problemas levantados. Os alunos partiram à procura de conteúdos mais significativos e contaram com o suporte deste investigador na qualidade de colaborador, ou melhor, instrutor de informática, para as noções iniciais e as dúvidas dos alunos com relação ao uso do computador. A opção por desenvolver todo o trabalho de pesquisa em dupla ou trio contemplou dois pontos positivos: favoreceu o atendimento de maior número de alunos da mesma vez no laboratório (que possuía apenas dez máquinas) e promoveu a interação social e a cooperação nos trabalhos escolares. Com relação ao trabalho em grupo, Piaget (1969), diz que a cooperação entre as crianças é tão importante para o progresso como a ação dos adultos e as discussões entre os pares, por permitir um verdadeiro intercâmbio como meio de incentivar a formação do espírito crítico e de um pensamento cada vez mais objetivo . Dentro desse mesmo contexto, escreve: Portanto, se tivéssemos que escolher entre o conjunto de sistemas pedagógicos atuais aqueles que correspondem melhor aos nossos resultados psicológicos, tentaríamos orientar o nosso método àquilo que foi denominado “trabalho em grupos” [...] [Na] escola tradicional [...] a classe escuta em conjunto, porém cada escolar escuta suas lições para si mesmo. Esse procedimento [...] é contrário às exigências mais claras do Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 92 desenvolvimento intelectual e moral. O método de trabalho em grupo reage contra esse estado de coisas: a cooperação elevase à categoria de fator essencial do progresso intelectual (PIAGET, 1974 apud LERNER 2002, p.101). Piaget refere-se ao papel do intercâmbio social como favorecedor do pensamento, na medida em que supõe reciprocidade e coordenação de diferentes pontos de vista. A respeito disso, diz: Na ordem da inteligência, a cooperação significa a discussão dirigida objetivamente (de onde a discussão interiorizada que é a deliberada ou a reflexão), colaboração no trabalho, a troca de idéias, o controle mútuo... (PIAGET, 1967,p.208-209). E os estudantes confirmam que o trabalho em duplas e a interação e cooperação entre os grupos contribuiu na aprendizagem, como mostram as falas a seguir: Com a responsabilidade pela construção do nosso conhecimento para ampliar os nossos termos abordados, o nosso aprendizado tornou-se bem mais fácil, e com a ajuda da Internet a nossa aprendizagem tornou-se muito mais fácil ainda. O nosso trabalho em dupla também ajudou muito, pois nos estimulou a querer buscar mais conhecimento e conhecer mais coisas. A colaboração do grupo foi muito importante também, pois no laboratório de informática todos se ajudaram, com isso fazendo com que o grupo ficasse mais unido. Depois desse projeto, as aulas de História ficaram muito mais interessantes, pois o projeto também ajudou a sala a se motivar mais nas aulas de História. O projeto em dupla facilitou o trabalho, pois a motivação foi em alta. (C.A e C.G alunas) Na fala dos alunos, está intrínseca a idéia da lógica do pensamento que se tornou um princípio nas atitudes e nas relações interpessoais, possibilitando aos estudantes organizarem-se a partir da troca de idéias e defendê-las pela argumentação e contra-argumentação. Paralelamente às pesquisas que eram realizadas no laboratório de informática e às atividades sistematizadas para melhor compreensão e análise crítica dos sites visitados, os alunos continuavam tendo as aulas de História em seus horários normais. A base curricular não foi modificada em função do projeto; em sala de aula, a professora trabalhava diretamente com os grupos, debatendo, discutindo os textos pesquisados e sugerindo novas leituras. Segundo Coll (1998), para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre o objeto da realidade ou conteúdo que se pretende aprender. Essa elaboração implica aproxiTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 93 mar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de aprendê-lo. Não se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir das experiências, interesses e conhecimentos prévios que, possivelmente, possam dar conta da novidade. No decorrer do projeto, os alunos foram orientados pela professora para que, a partir dos textos pesquisados, fossem selecionados os conteúdos mais significativos e relevantes ao tema estudado, alertando sempre para anotar a fonte de onde o material fora retirado. Outro cuidado que a professora demonstrou ter foi o de despertar no aluno a crítica com relação à confiabilidade da fonte pesquisada, no sentido de demonstrar que nem tudo que está na rede mundial dos computadores é de qualidade e confiável e que a Internet também possui muito “lixo virtual.” Sempre observo que na Internet tem muitos sites com dados desatualizados, e outros com informações mais significativas, e sites com informações descontextualizadas, equivocadas. Acho que isso não pode passar despercebido pelos alunos; por isso a Internet não pode ser usada de outra maneira senão crítica. Estou procurando passar sempre isso para meus alunos. (Professora da Turma). Uma outra preocupação da professora foi oferecer aos alunos uma relação de sites que tratassem de assuntos correlacionados aos conteúdos trabalhados para que os estudantes não ficassem perdidos em frente ao computador. Para isso, passou algum tempo frente ao computador navegando e analisando alguns sites e montando uma lista destes para os estudantes. Uma ficha de análise de sites também acompanhou o trabalho de pesquisa no laboratório; era uma ficha simples em que o aluno anotava o endereço do site e fazia uma breve descrição e análise do conteúdo nele apresentado. Um dos objetivos dessa atividade era fazer com que os estudantes explorassem ao máximo um determinado site e construíssem um olhar crítico sobre ele. Os sites de busca constituíram uma poderosa ferramenta de pesquisa, porque muitas vezes os alunos diziam não encontrar na lista de sites disponibilizada pela professora respostas para suas indagações. Quando isso acontecia, para nossa surpresa, eles não ficavam parados esperando pela professora e tratavam logo de acessar um site de busca ou, como eles falavam, no “gol olé”, referindo-se à busca google. (www.google.com.br) Durante o processo no laboratório, os alunos criaram e-mails pessoais gratuitamente no site yahoo (www.yahoo.com.br) e trocaram informações entre si. A princípio, apenas para conhecer melhor a ferramenta, mas, com o tempo, esse serviço se configurou em um espaço de troca de informações dinâmica entre o grupo. Muitas vezes, os alunos encontravam sites contendo assuntos relacionados aos temas pesquisados pelos seus colegas da outra parte da turma que não estava presente no laboratório por não ser o seu dia de pesquisa. Com o clima de cooperação instaurou-se no ambiente, eles pediam ajuda para passar, via e-mail, Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 94 o endereço ou o conteúdo do site encontrado para o interessado. Enviar mensagens para os colegas constituía-se uma novidade e um instrumento útil para os alunos, principalmente quando eles estavam colaborando com o trabalho do outro. Percebemos, então, a importância do e-mail para o ensino, pois encurta distâncias, estabelece a comunicação e ainda favorece a troca de informações. Piaget (1975 apud LERNER, 2002) ressalta que, em qualquer meio social, os indivíduos trocam informações, discutem idéias, chegam (ou não) a acordos, e que esse processo de colaboração intelectual intervém durante todo o desenvolvimento. O autor conclui: Por isso, mesmo se chegássemos a encontrar nossos estágios e nossos resultados em toda sociedade estudada, nem assim ficaria provado que os desenvolvimentos convergentes são de natureza estritamente individual: como é evidente que em toda parte a criança se beneficia com contatos sociais desde tenra idade, isso também demonstraria que existem certos processos que interagem com o processo de equilíbrio examinado anteriormente. (PIAGET, 1975 apud LERNER, 2002, p. 101). A troca de informações entre integrantes de um mesmo grupo, entre os grupos e com o professor incentivou o espírito de cooperação, a representação de idéias e resultados de suas descobertas através da combinação de diferentes sites, links e textos informativos, mensagens recebidas através do correio eletrônico, imagens, sons, gráficos, etc. Como forma de organizar as pesquisas e produções dos estudantes, foi recomendado pela professora que eles fossem montando seus próprios portifólios,2 o que permitiu o registro da trajetória da aprendizagem, através da seleção, ordenação de documentos por eles produzidos ou de documentos externos, como fotos, reportagens, textos, endereços de sites significativos que, de algum modo, contribuíram com o percurso de sua aprendizagem, colocando em evidência seu patamar de desempenho, as hipóteses que levantaram e se os fins alcançados foram realmente os propostos no início do trabalho. O memorial de desempenho possibilitou, ainda, à professora e aos alunos traçarem um retrato dos passos percorridos na construção das aprendizagens. Essa forma de registrar a caminhada dos alunos teve o objetivo de mostrar a importância de cada passo como uma situação de aprendizagem. Somaram-se à pesquisa virtual, outros recursos como livros didáticos, jor2 Portfólio também conhecido como memorial de desempenho e para Hernández, “ um instrumento em que se reúnem amostras, dados, elementos, anotações pessoais sobre atividades de aula, registros finais de tarefas e outros destaques de materiais... que reflitam a trajetória de aprendizagem de cada estudante, de maneira que, além de evidenciar seu percurso e refletir sobre ele, possam contrastá-lo com as finalidades de seu processo e as intenções educativas e formativas dos docentes.” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 99). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 95 nais e revistas, que vieram compor o material necessário para que, de forma gradativa, os alunos fossem realizando suas leituras para as discussões em sala de aula e as produções textuais. É importante frisar que o conteúdo curricular não foi abandonado, deixado de lado. A professora selecionou os conteúdos mais significativos para serem abordados com os alunos, atentando sempre para os programas oficiais previstos e, é claro, para que a estrutura central da disciplina não fosse descaracterizada. A respeito dos conteúdos curriculares, Moll e Barbosa (1999), fazem uma referência a Piaget dizendo que: O interesse de Piaget sobre os conhecimentos científicos é imenso. Toda a sua produção sobre a construção do conhecimento foi formulada a partir da observação clínica da relação entre sujeito e o mundo que o cerca, em trabalhos interdisciplinares com intelectuais de todo o mundo. Para Piaget, não há conhecimento sem conteúdo, pois as estruturas cognitivas se constroem a partir de conteúdos. (1999, p.113). Durante as aulas, a professora interagiu com os diversos grupos de alunos, nos diversos estágios em que se encontravam, orientando-os no sentido de favorecer a busca e o entendimento dos conteúdos abordados. O que redunda na importância da presença do professor nos diversos momentos da aprendizagem. No relato da professora: Pude, portanto, perceber que os diferentes momentos da experiência sinalizavam as várias possibilidades de buscar novas formas de ensinar História. Nesse sentido, as novas tecnologias devem, sim, ser utilizadas no processo de ensinoaprendizagem de História. (Professora da Turma). A professora analisou e refletiu junto com os alunos como se processa o ensino-aprendizagem com pesquisa. Buscou sempre envolver os estudantes para que eles estivessem atentos aos aspectos sociais, históricos, econômicos e outros referentes à problemática pesquisada. Havia uma preocupação da professora no sentido de que os alunos percebessem que os temas pesquisados e as problemáticas levantadas advinham de um contexto maior, apesar de, naquele momento, se apresentarem daquela maneira simples, e que observassem que as repostas encontradas não poderiam ser tomadas como incontestáveis e acabadas. O diálogo, a intervenção e a problematização dos conteúdos históricos abordados com os estudantes durante a organização das pesquisas proporcionaram, dentre outras coisas, o início da quebra de um modelo educacional que ainda hoje, na sua maioria, está fixado em transmissão de informações. Durante as produções textuais e as discussões em sala de aula, a professoTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 96 ra buscava sempre levantar hipóteses e questionamentos com o intuito de desequilibrar os alunos e levá-los a perceber que as suas conclusões não se constituíam uma verdade absoluta e que o conhecimento pode ser ressignificado a todo momento. Para Vasconcelos (1996), a criança é um pesquisador em potencial. Levantando hipóteses sobre o mundo, ela constrói e amplia seu conhecimento. Nesse processo, o professor tem papel fundamental. Basear-se em uma teoria construtivista não é deixar o aluno livre, acreditando que evoluirá sozinho. O professor precisa proporcionar um conflito cognitivo para que novos conhecimentos sejam produzidos. Durante o processo, a professora da turma buscou desequilibrar os estudantes, criando situações desafiadoras, apontando uma dificuldade entre a proposição e a meta, atentando para as diferentes situações e grupos, já que muitas vezes percebemos que uma mesma situação representava um desafio para uma dupla, enquanto, para outra, era facilmente resolvida ou mesmo não existia, uma vez que eles não estavam interessados naquele problema. A todo tempo a professora buscava ativar nos alunos os conhecimentos prévios, como forma de iniciar a questão. A problematização dos conteúdos associados aos conhecimentos prévios dos estudantes mostrou-se, neste estudo, como uma maneira eficaz de motivar os alunos na busca do conhecimento histórico. Para que a compreensão acontecesse, havia a necessidade de assimilação de uma nova informação em esquemas de conhecimentos já disponíveis. Segundo Coll: Para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre o objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. Essa elaboração implica aproximar-se de tal objeto ou conteúdo com a finalidade de aprendê-lo, não se trata de uma aproximação vazia, a partir do nada, mas a partir das experiências, interesses e conhecimentos prévios que, possivelmente, possam dar conta da novidade. (COLL, 1998, p.19). É o que podemos perceber na fala da professora, mesmo que indiretamente: Acho que nesse processo de ensino e aprendizagem, o aluno está sempre em processo de construção de conhecimento e precisa estar sendo orientado para não “copiar e reproduzir” o que está na tela do computador (...), devendo o professor ser um mediador do conhecimento, fazendo com que o aluno perceba que tem que filtrar as informações e construir seu conhecimento a partir da comparação, observação e, acima de tudo, com uma consciência crítica do seu papel enquanto sujeito histórico. (Professora da Turma). A problematização constitui um dos pontos-chave do processo de ensinoTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 97 aprendizagem com a utilização dos recursos tecnológicos. Piaget fala que “o conhecimento surge da ação. Mas não só da ação, como sempre constituirá numa ação. Ação esta que é, de fato, a interação. [...] se o conhecimento se produz na interação [...] a prática pedagógica será basicamente relacional, tornando-se o professor um problematizador da ação conhecedora do aluno” (FRANCO, 1998, p.54). Nesse processo de “pesquisa virtual”, cada grupo, foi orientado por um conjunto de hipóteses levantadas conjuntamente com a professora a respeito da Colonização do Brasil, e cada dupla, com suas hipóteses e com seus temas específicos, optou por um ponto de partida para seus estudos e pelo modo de conduzilos, de acordo com seus interesses, suas dúvidas e motivação. De posse do material pesquisado, os alunos discutiam entre si, com orientação da professora sobre os materiais encontrados se eram de maior relevância e credibilidade para ajudar a compor sua produção textual. Logo após essa triagem, os alunos faziam leitura dos textos e produziam seus próprios textos e discutidos com a professora. Esta, então, problematizava as questões, criando novas hipóteses e fazendo novas perguntas relacionadas ao tema abordado pelos estudantes. Com isso, os estudantes refletiam um pouco mais sobre as suas construções e colaboravam também com as dos colegas. Num segundo momento, os alunos foram levantando espontaneamente suas próprias hipóteses, pesquisando a respeito das suas investigações e melhorando significativamente suas produções a partir da (re)construção de seu conhecimento. Com base na epistemologia genética de Piaget, podemos dizer que esses estudantes, a partir da interação, estavam “tomando algo do meio e transformando-o em algo construtivo do pensamento” (FRANCO, 1998, p. 34), ou seja, estavam assimilando o conteúdo, “modificando o objeto para conhecê-lo”. Ainda de acordo com Franco (1998), esquematicamente, poderíamos representar esse processo de assimilação e acomodação tal como acontece para esses alunos ao discutirem suas produções, criarem e recriarem hipóteses da seguinte maneira: S 0 S’ 0’ S” 0” Fonte: FRANCO, 1998, p.35. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 98 O sujeito (estudante) S interagiu com o objeto 0 (no nosso estudo, os conteúdos ou assuntos de suas pesquisas). Essa interação provocou a assimilação e uma acomodação em S, de forma que, após esse contato, S já está modificado; portanto não é mais exatamente S, mas agora S'. Quando S' for novamente interagir com o mesmo objeto (assunto) não mais procederá de maneira igual à da primeira vez. Portanto, o objeto não será mais 0 e sim 0'. “E assim por diante: S”, 0”, S'”, etc. [...] este processo é interminável, e ainda gerador de desenvolvimento”. (FRANCO, 1998, p.35). Os estudantes interagindo com o conhecimento, construindo-o e revisando-o, conseguem fazer uma interpretação própria e dar maior significado aos fatos históricos estudados, o que pode ser o diferencial para uma postura crítica diante dos conhecimentos históricos, porquanto a compreensão do que é estudado é base para um processo de ensino e aprendizagem bem-sucedido. Freqüentemente, os alunos reclamavam dizendo para a professora que esta nunca estava satisfeita com as suas produções. Era muito comum ouvir falas: Ai, meu Deus! Será que agora meu texto está bom? Essa professora é muito exigente, se escrevo pouco, ela fala; se escrevo muito, diz que eu sou repetitiva. Eu não sei o que ela quer. A professora quer matar com a gente. Sempre ela tem uma pergunta na ponta da língua, e, quando a gente vai ver, aquilo não está lá no nosso texto. Eu gosto que ela seja assim, pelo menos a gente aprende, eu escrevo mais em História que em Português. A. e J. (alunos) Continuando o pensamento de Piaget, o desenvolvimento cognitivo se dá pela assimilação do objeto de conhecimento em estruturas anteriores presentes no sujeito e pela acomodação dessas estruturas em função do que vai ser assimilado. Para esse autor, a criança apodera-se de um conhecimento se agir sobre ele. Logo, aprender é modificar, descobrir, inventar e reinventar. Nesse enfoque, a função do professor é propiciar situações para que os estudantes construam seu sistema de significação, o qual, uma vez organizado na mente, será estruturado e exteriorizado posteriormente. A problematização do ensino-aprendizagem constituiu um passo importante do projeto. Ao serem criadas as hipóteses, os alunos tinham um roteiro de pesquisa e partiam para a busca; encontradas as repostas, novas perguntas surgiam com os questionamentos precisos da professora, que intencionalmente desestruturava os alunos para que questionassem suas conclusões. Assim, os estudantes retomavam a pesquisa à procura de possíveis respostas para as hipóteses levantadas, em um ciclo de construção e reconstrução do conhecimento. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 99 CONCLUSÕES No Projeto, verificamos que, ao trabalhar com as TICs em um processo de problematização dos conteúdos, o grupo assumiu uma postura ativa e passou a exercer o papel de pesquisador. A assimilação processou-se de forma contínua, ativa e questionadora. Os estudantes deixaram de ser meros reprodutores (sujeitos passivos) e passaram a ser construtores do seu conhecimento (sujeitos ativos), agindo diretamente sobre o seu objeto de estudo. Ao pesquisar na Internet, os alunos tiveram maior interesse em buscar os assuntos correlacionados com o seu tema e foram muito além da pesquisa proposta pela professora. Contudo, foi preciso habilidade para que os alunos não se dispersassem e desviassem do objetivo inicial. Foi preciso “esgotar” os anseios da navegação. Foi necessário conscientizar os estudantes a todo momento do objetivo maior do trabalho: a aprendizagem significativa, com aprofundamento dos temas pesquisados. A aprendizagem aconteceu a partir do interesse e da motivação da turma, com colaboração da professora, na interação com o seu objeto de conhecimento, na discussão em sala de aula e na (re)construção do conhecimento. Foi preciso desestruturar os alunos para que eles buscassem construir seus processos cognitivos e conceitos próprios. As TICs deram o impulso necessário para que a interação e a colaboração acontecessem. Entretanto, as TICs e os alunos sozinhos não produzem conhecimento, pelo fato de os alunos ainda não terem maturidade suficiente para isso, fato que justifica a importância da professora. Esta, ao problematizar o processo, tornou-se fundamental colaboradora dos estudantes. A postura da professora da turma sofreu alterações. Agiu muito mais como problematizadora dos conteúdos estudados do que como expositora, apesar de, em alguns momentos, ter sido necessário expor algumas situações e conscientizar o grupo para o seu compromisso com a sua aprendizagem. A auto-estima da turma melhorou, e os alunos passaram a ler mais, a discutir com seu colega e com o grupo, a armazenar as informações e ressignificá-las, transformando-as em conceitos e passando a ter opiniões próprias a respeito de determinados conhecimentos históricos. O estudo mostra claramente que o computador e a pesquisa na Internet ajudam os alunos na aprendizagem dos conhecimentos históricos. O computador, como meio, a Internet, como fonte “inesgotável” de informação que precisa ser “filtrada” e questionada, comparada e avaliada para transformar-se numa possibilidade didática que represente construção de conhecimento para os alunos. De nada adiantaria o aparato tecnológico se não fosse a atuação da professora. Ela foi a responsável por provocar nos alunos situações que favoreceram a aprendizagem. Por sua vez, ela também aprendeu com os alunos a investigar, questionar, estimular, organizar, sistematizar e apresentar resultados. O uso das TICs, associado à postura de um professor que problematiza Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 87-102, Novembro, 2006. 100 suas aulas e deixa de ser o centro do processo, pode proporcionar uma mudança significativa no sentido de evoluir de um modelo pedagógico baseado na memorização para um processo de construção de ensino e aprendizagem que desperte o interesse, o senso crítico e a criatividade dos estudantes. Os resultados deste estudo mostram que um processo de construção baseado na problematização do ensino por parte do professor e na colaboração e interação por parte dos estudantes apontam para um ambiente favorável de aprendizagem baseado na (re)construção do conhecimento, assim como para a criação de práticas pedagógicas inovadoras que facilitam o processo de ensino e aprendizagem. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C.(org.) Capitalismo e Cidadania nas Atuais Propostas Curriculares de História. In BITTENCOURT, C. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998. BRASIL, Decreto n° 2.494, de 10 de fevereiro de 1998. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e dá outras providências. COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. 3o ed. São Paulo: Ática, 1998. FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de História. Campinas: Papirus, 2003. FRANCO, S. R.K. Piaget e a Dialética. In: BECKER, F. &; FRANCO, S. R. K.(org.). Revisitando Piaget. 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Constatou-se que todas as crianças praticam educação física escolar e 89,83% delas praticam atividade física extra-curricular. Apesar disso, encontram-se algumas crianças em estágios anteriores ao correspondente à sua idade cronológica e mais, as atividades físicas extra-classe parecem influenciar sobre o estágio de desenvolvimento motor do salto vertical. Contudo, fazem-se necessárias maiores investigações sobre como essas atividades são desenvolvidas para poder afirmar quais os aspectos que realmente interferem na classificação dos estágios motores. PALAVRAS-CHAVE: Habilidade motor; crianças; exercício físico. ABSTRACT: The objective of this study was to verify the types of physical activities realized and the influence of this on motor development of verticl jump of children, classified by motor period according to Gallahue development model (1989). This study had paticipated of 59 students of the public net of Florianópolis-SC, chosen of simple random way. In this study it was used a video camera, the analitycal source of Gallahue (1989) and mixing questionnaire. The answers of the questionnaires had been categorized and the tabulated using it the simple frequency. One evidenced that all the children practiced pertaining school phisical education and 89,83% of them practiced phisical activity extra-curricular. Despite * Professora do Curso de Educação Física da Faculdade Maria Milza- FAMAM ** Professora de Educação Física *** Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina activity extra-classroom seem to influence on motor development period of vertical jump. However, necessary more investigations on on as these activities are developed to can affirm whicht are the aspects that really influence at classification of the motor period. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 104 this, some children in previous motor periods for their cronological age for vertical jump had been found and more, the phisical. WORD-KEY: Motor ability; Children; Physical exercise. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 105 INTRODUÇÃO O desenvolvimento humano pode ser estudado a partir de diversas abordagens conceituais que apontam tendências distintas para os modelos estudados, os quais têm implicações para o desenvolvimento motor. Os recentes estudos na área de desenvolvimento motor têm sido influenciados pela perspectiva ambiental, principalmente, após as teorias de Vygotsky e Bronfenbrenner que englobam a área da psicologia e do desenvolvimento humano. Essa percepção moderna propõe definir o desenvolvimento motor como “a alteração contínua no comportamento motor ao longo da vida, realizada pela interação entre as exigências da tarefa e a biologia do indivíduo e as condições do ambiente” (GALLAHUE e OZMUN, 2003, p.28). Assim, as condições ambientais específicas do espaço vital da criança respondem por grande parte da variação individual entre as crianças. E, a teoria dos sistemas ecológicos de Urie Bronfenbrenner enfatiza fatores do meio ambiente como fatores-chave para o desenvolvimento (GALLAHUE e OZMUN, 2003). Sua teoria ecológica baseia-se na premissa de que “não é o ambiente comportamental, em si, que prediz o comportamento, mas a interpretação do indivíduo sobre o ambiente, tanto no tempo como no espaço” (GALLAHUE e OZMUN, 2003. p. 41). Dentro desse contexto, Ferreira Neto (1995) afirma que em certos períodos da vida se o indivíduo não for sujeito a estímulos através de variadas formas de atividade ele pode não atingir o aperfeiçoamento de suas capacidades motoras. Portanto, a criança, física e cognitivamente normal, progride de um estágio a outro, influenciada pela maturação e pela experiência. As mudanças observadas nos estágios motores, conforme afirmam Gallahue e Ozmun (2003) serão estabelecidas como um refinamento das habilidades básicas e, melhor eficiência em sua combinação, o que irá marcar a passagem para a fase seguinte. E mais, a seqüência de progressão ao longo dos estágios, seja inicial, elementar ou maduro, é a mesma para a maioria das crianças, porém, o ritmo em que as mudanças ocorrem varia entre as crianças devido à influência ambiental e a oportunização à prática. Em adição, Calomarde, Calomarde e Asensio (2003) afirmam que a evolução do salto vertical ocorre aproximadamente dos 4 aos 11 anos e acrescentam colocando que é preciso explorar todas as possibilidades de movimento dentro do processo de desenvolvimento motor. Sendo assim, a melhor fase para o aprendizado e desenvolvimento motor ocorre na infância. Considerando tais afirmações e tendo o conhecimento de que o salto vertical é considerado uma habilidade de padrão motor complexo, este estudo justifica-se e torna-se pertinente por ter como objetivo identificar os tipos de atividades físicas realizadas pelas crianças e o estágio motor em que se encontram para o salto vertical e, principalmente, verificar se a atividade física influencia o desenvolvimento motor de crianças com idade entre 4 e 12 anos na tarefa motora do salto em estudo. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 106 MATERIAIS E MÉTODOS Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa voltada para Seres Humanos da UDESC, este estudo foi desenvolvido no Laboratório de Biomecânica do Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEFID/UDESC), Florianópolis, SC, Brasil. O estudo foi caracterizado como descritivo com o intuito de identificar as atividades físicas, formais e não-formais, realizadas por crianças com idade entre 4 e 12 anos, identificando-se o estágio motor maturacional das mesmas na realização da tarefa motora salto vertical. Primeiramente, fez-se o contato com as escolas e a partir da autorização da escola para a realização do estudo contactou-se com os responsáveis pelas crianças. A amostra foi composta por 59 crianças pertencentes à rede de ensino público da cidade de Florianópolis-SC, com média de idade de 10,07±0,92 anos de ambos os sexos, selecionadas de forma aleatória simples, a partir de listagem fornecida pela escola. Após a autorização dos pais e o preenchimento do consentimento livre e esclarecido, fez-se o agendamento prévio das coletas. No dia das coletas de dados cinemáticos as crianças foram encaminhadas, pelos pesquisadores responsáveis, ao Laboratório, onde se adotou a seguinte seqüência de procedimentos: a) preenchimento da ficha de identificação pessoal e atribuição de código de identificação; b) período de adaptação com o ambiente, com os equipamentos e com os pesquisadores; c) instruções para a realização do salto vertical, o qual deveria ser executado utilizando a flexão dos joelhos para impulsionarem-se com auxílio dos braços visando atingir a maior altura possível; d) posicionamento da criança ao local adequado para realizar a filmagem do salto vertical; e) aquisição das imagens. Cada criança executou 3 saltos, sendo considerado como válidos os saltos que representassem gestos condizentes a um salto vertical conforme instruções anteriormente dadas. Os instrumentos utilizados foram: uma câmera de vídeo (HSC-180) da Peak Performance System para a aquisição das imagens, a uma freqüência de aquisição de 60 Hz, a matriz analítica para a classificação do salto vertical proposta por Gallahue (1989) e um questionário sobre a realização de atividades extraclasse formal ou não-formal. O questionário foi previamente preenchido pelos pais e entregue no dia da coleta dos dados cinemáticos. Através da observação das imagens adquiridas com a filmagem, as crianças foram classificadas conforme matriz proposta por Gallahue (1989) em estágio inicial, elementar e maduro de desenvolvimento motor para a tarefa motora do salto vertical, conforme pode ser melhor visualizado na Figura 1. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 107 a) c) b) Figura 1: Desenho representativo dos três estágios de maturação para o salto vertical: a) estágio inicial, b) estágio elementar e c) estágio maduro. Os resultados foram apresentados de forma descritiva. As respostas dos questionários, conforme Bardin (1977) foram categorizadas através da técnica de Análise de Conteúdo, em atividades formais – ou orientadas por profissional – e informais – ou não-orientadas por profissionais. Os dados foram tabulados em tabelas de freqüência. RESULTADOS E DISCUSSÃO O objetivo do estudo foi identificar o quanto a atividade física, seja esta praticada de forma orientada ou não orientada, faz parte do cotidiano de crianças de ensino da rede pública de Florianópolis e em que estágio motor se enquadra cada criança. Para identificar o estágio motor das crianças avaliadas, escolheu-se a atividade salto vertical por ser uma atividade presente no cotidiano das crianças, sendo em uma simples brincadeira, em jogos pré-desportivos ou especificamente em atividades esportivas. Desta forma, foram observados os saltos verticais de 59 crianças e, as informações coletadas estão expostas no Quadro 1. Quadro 1: Caracterização da amostra e das atividades. Estágio Motor Inicial Elementar Maduro Total N Faixa Etária Ed. Física Escolar 16 29 14 59 4–9 6 – 13 9 – 12 4 – 13 16 29 14 59 Atividade Física Extra Orientada 0 8 6 14 Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. Atividade Física Extra Não-orientada 15 26 12 53 Nenhuma Atividade Física Extra 1 3 2 6 108 Observou-se no Quadro 1 que dentre as 59 crianças foram classificadas 16 delas no estágio inicial, 29 no estágio elementar e 14 no estágio maduro, constatando que todas as crianças praticam educação física escolar orientada e 53 delas praticam atividade física extra não orientada (não-formal), sendo que 14 delas, além da prática extra não orientada também se submetem à prática de atividade física orientada (formal) e apenas 6 crianças não praticam atividade alguma extra-classe. A Figura 2 ilustra os dados apresentados no Quadro 1, facilitando a identificação do nível de atividade física dessas crianças, lembrando que, conforme o exposto, 100% das crianças praticam a educação física escolar. Percentagem de participação para a pratica de atividade física extra-classe Atividade Física Extra-classe Orientada Atividade Física Extra-classe não Orientada Não faz Atividade Física Extra- classe Figura 2: Representação gráfica do percentual de crianças praticantes de atividade física extra-classe. Com referência às crianças que não praticam atividade extra-curricular, verificou-se que uma está classificada no estágio inicial e tem 6 anos, três no elementar, sendo duas de 7 e uma de 10 anos, e duas no maduro, sendo uma de 9 e outra de 11 anos. Diante dessas observações observa-se, para algumas crianças, atraso motor para a tarefa motora do salto vertical. Percebe-se que são poucas as crianças que não praticam atividade física a não ser aquela oferecida dentro da escola, e, conhecendo-se a importância da prática dessas, pode-se explicar o porquê de existirem crianças de 9 anos, por exemplo, classificadas algumas no estágio inicial e outras no elementar ou mesmo no maduro. Indo ao encontro de Eckert (1993), que ressalta que a aprendizagem das habilidades motoras, especialmente na segunda infância (dos 6 aos 12 anos), guarda uma forte relação com a estimulação e encorajamento por parte dos professores no ambiente escolar, pode-se inferir que este atraso motor para a tarefa motora em questão deve-se ou à pouca experiência motora ou à qualidade da atividade física vivenciada. Ou seja, como afirma Valentini (2002), deve-se criar Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 109 um ambiente propício ao aprendizado e desenvolvimento motor. Nos Quadros 2 e 3 são apresentadas as atividades extra-classes orientada e não orientadas, respectivamente, realizadas por esse grupo de crianças. Quadro 2: Caracterização das atividades físicas orientadas . Estágio Motor Inicial Elementar Maduro Voleibol --x x Basquetebol --x --- Atividade Física Orientada Futebol Atletismo Natação ------x x x x x --- Capoeira --x x Karatê --x --- Quadro 3: Caracterização das atividades físicas não orientadas. Estágio Motor Inicial Elementar Maduro Subir em árvores x x x Atividade Física Não Orientada Roller, skate, Brincadeira de rua Bicicleta Outras patins x x x x x x x x x x x x Optou-se por não quantificar as atividades mencionadas pelo fato de uma mesma criança realizar duas atividades distintas ou mais, mas é possível identificar que as crianças do estágio elementar praticam mais modalidades que as crianças do estágio maduro. Pode-se afirmar que das 29 crianças do estágio elementar apenas 27,59% delas praticam atividade extra-classe com orientação e das 14 do estágio maduro 42,86% delas realizam a prática de atividade física extra-classe orientada. E, dentre as modalidades realizadas pelas crianças do estágio elementar, as mais praticadas são o basquetebol e o karatê, enquanto que para o estágio maduro o futebol teve mais adeptos. De modo geral verificou-se que das 59 crianças do estudo apenas 10,17% não praticam atividade não-formal. A Figura 3 ilustra o percentual relativo de praticantes em cada atividade não-formal para cada estágio motor. Figura 3: Representação do percentual relativo dos praticantes das atividades não orientadas: a) do estágio inicial, b) do estágio elementar e c) estágio maduro. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 110 Pensa-se que essas atividades informais auxiliam no conhecimento das variadas manifestações corporais, portanto, deve-se proporcionar mais desses estímulos às crianças. Observa-se ainda que as crianças de todos os estágios motores praticam atividade física sem orientação profissional, as quais também são muito importantes para o aprendizado e aperfeiçoamento motor. Dentre as atividades informais levantadas constatou-se um fato bastante interessante, o qual revela preferências de atividades informais iguais, independente do estágio motor das crianças. Assim, pela ordem de preferência das crianças as brincadeiras de rua foram as mais cotadas, seguida pelo uso da bicicleta, pelo subir em árvores, pelo uso de roller, skate ou patins e por fim as outras atividades não especificadas. A Figura 4 apresenta a distribuição das crianças de cada estágio motor praticam atividade física formal ou não formal, onde foi constatada uma maior adesão das crianças para a prática de atividades físicas não formais. Número de Crianças Quantidade de crianças praticantes da atividade física por estágio motor 30 25 20 15 10 5 0 AT F Orientada At F não Orientada incial elementar maduro Estágio Motor Figura 4: Representação gráfica da distribuição de crianças que praticam atividade física orientada e não orientada de cada estágio motor. Entre os estágios, são as crianças do estágio inicial que mais praticam atividades sem orientação (93,75%), seguidas pelas dos estágios elementar (89,65%) e maduro (85,71%). Nenhuma criança do inicial e 27,59% do elementar praticavam atividade extra orientada, entretanto, no maduro 42,86% das crianças praticavam alguma atividade formal. Infere-se de acordo com esses dados que, à medida que as crianças passam a praticar atividades físicas extra-classe orientadas atingem estágios motores mais avançados. Tais informações confirmam a teoria ecológica no que se refere à importância de se conhecer os produtos do desenvolvimento em termos de como as pessoas são, tipicamente, em estágios e fases particulares, mas também saber o que Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 103-112, Novembro, 2006. 111 faz com que essas alterações aconteçam (GALLAHUE e OZMUN, 2003; HAYWOOD e GETCHELL, 2003). CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando-se os resultados encontrados nesse estudo e o referencial teórico utilizado, acredita-se que, apesar desse estudo ser apenas descritivo, as crianças analisadas apresentaram um bom nível de atividade física. Em complemento, o fato de se ter analisado a habilidade motora do salto vertical, que constitui um movimento complexo, pode ter influenciado os dados encontrados no estudo, pois muitas crianças foram classificadas em estágios maturacionais anteriores ao correspondente às suas idades cronológicas. Tal situação pode ser explicada pelo baixo nível de participação e interesse nas aulas de educação física e em outras atividades físicas orientadas, já que constituem ambientes propícios à prática. Entretanto, deve-se considerar também os aspectos biológicos e a individualidade das crianças. Quanto às atividades físicas informais, realizadas sem orientação profissional, pode-se dizer que exercem importante papel na complementação e vivência das atividades orientadas, pois oportunizam às crianças novas experiências motoras, bem como o aprimoramento das já aprendidas. No que diz respeito aos estágios motores pode-se verificar que as atividades físicas extra-classe parecem exercer influência sobre o estágio de desenvolvimento motor para a habilidade motora avaliada, visto que a grande maioria das crianças que praticavam atividade extra orientada encontrava-se no estágio maduro para o salto vertical. Nesse contexto, acredita-se que tais informações poderão auxiliar o profissional de educação física a identificar e avaliar as dificuldades motoras de seus alunos para então oportunizar um ambiente que proporcione a experimentação das mais variados movimentos e exercícios, benéficos para o bom desenvolvimento da coordenação motora na prática de diferentes tarefas. Entretanto, fazem-se necessárias maiores investigações sobre como essas atividades são desenvolvidas para que se possa afirmar com certeza quais são os aspectos que realmente interferem na classificação dos estágios motores maturacionais. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 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Com o passar do tempo, as mulheres avançaram podendo constituir sua própria identidade, fugindo do papel de subordinação em que se encontravam. Apesar desse avanço, a situação da mulher na sociedade brasileira continua com sérios problemas a serem resolvidos no que concerne à questão salarial, à informalidade, à precariedade de emprego, à escolaridade, o desemprego feminino, a evasão escolar feminina. Analisando essa diferença baseadas no salário, no nível educacional e no gênero, nota-se a presença da discriminação por gênero e raça, o que atinge com maior rigor as mulheres negras. A perspectiva intelectual é consciente de que nessas relações existem não só diferenças como também dignidade, conflitos, assimetrias e questões de poder. PALAVRAS-CHAVE: Igreja Católica; mulheres; subordinação; identidade cultural; multiculturalismo. ABSTRACT: The Church Catholic Apostolic Roman exercised, along the feudal society, the centralizing paper, with political and economic powers on the whole western society. That paper is demonstrated when establishing patterns of conduct, behaviors and values in agreement with the Christian dogmas for it professed. The disaggregation of the system feudal ally to the commercial activity and the movement of the great sailings brought the Catholic Church for the new world in the centuries XIV and XV. In Brazil, through the Jesuits, the Catholic Church also exercised power especially on the women responsible for the children's creation and for the preservation of the values and moral of the society, * Professor de Licenciatura em Geografia e História e do Curso Normal Superior da Faculdade Maria Milza- FAMAM Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 114 establishing a paper of social subordination. With passing of the time, the women moved forward could constitute their own identity, escaping from the paper of total subordination in that met. In spite of that progress, woman's situation in the Brazilian society continues with serious problems to be resolved in what it concerns to the salary subject, to the informality, to the precariousness of employments, the school income. These differences are analyzed based in the wage, in the educational level and in the gender. It is noticed the presence of the Brazilian society in the discrimination for gender and race, what reaches with larger rigidity the black women. The intellectual perspective is conscious that in those relationships exist not only differences as well as dignity, conflicts, asymmetries and subjects of power. KEY-WORDS: Catholic Church; women; subordination; cultural identity; multiculturalismo. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 115 A HISTÓRIA, A DESIGUALDADE SOCIAL E O CONTEXTO FEMININO É sabido que, ao longo do século V d.C., o Império Romano do Ocidente sofreu ataques constantes dos povos bárbaros. Do confronto desses povos invasores com a civilização romana decadente, desenvolveu-se uma nova estruturação européia de vida social, política e econômica que corresponde ao período medieval. É sabido ainda que em meio ao esfacelamento do Império Romano, decorrente, em grande parte, das invasões germânicas, a Igreja Católica conseguiu manter-se como instituição social mais organizada. Ela consolidou sua estrutura religiosa e difundiu o cristianismo entre os povos bárbaros, preservando muitos elementos da cultura pagã greco-romana. Isso é importante porque, apoiada em sua crescente influência religiosa, a Igreja Católica passou a exercer importante papel político na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a função de órgão supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os problemas da fragmentação política e das rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, também, vasta riqueza material: tornou-se dona de aproximadamente um terço das áreas cultiváveis da Europa Ocidental, numa época em que a terra era a principal base de riqueza. Com isso, pode estender seu manto de poder “universalista” sobre diferentes regiões européias. As mulheres constituem o grupo social mais amplo da sociedade, nele não há qualquer homogeneidade interna: divisões de classe social, de etnia, de origem regional, de “status” dentro de grupos, de divisão sexual do trabalho e de gênero e de confissões religiosas, tanto a Igreja Católica, amplamente majoritária, quanto as confissões protestantes, desde as tradicionais até as fundamentalistas, dão mulher um claro papel subordinado, cujo problema mais exuberante é a interdição de serem administradoras dos cultos: já as religiões de origem africana dão à mulher o mais destacado papel na administração dos cultos. Em vista disso, parece temerário tratar das mulheres como um grupo coeso, não fragmentado, salvo pelo olhar do outro: verbi gratiae pelo olhar da sociedade, e particularmente pelo olhar do homem. Constata-se que é também o grupo que mais avançou na construção de sua própria identidade. Constata-se ainda que nas últimas décadas, os temas relativos aos direitos da mulher tiveram um grande avanço desde a liberação sexual até o reconhecimento, na última conferência de Cairo, dos direitos reprodutivos, ou seja, a liberdade em relação ao próprio corpo, o direito de ser tratado como um ser único e não uma parte do homem, desfazendo o mito da costela de Adão, talvez o referencial da mais antiga forma de opressão. E importante destacar que o movimento feminista tirou as mulheres do papel de subordinação em que eram colocadas, nas diversas identidades assumidas. De acordo com Oliveira (1996), outro dado notável de tal movimento é o de ter dado e estar continuando a dar a própria democratização da sociedade e a tomaTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 116 da de consciência do Estado sobre seus deveres. Uma democratização que se dá ao nível do cotidiano e, que, portanto tem tudo para ser de uma radicalidade numa sociedade tão desigual, que os mais otimistas não são capazes de suspeitar. Não obstante, com todo esse avanço, a situação da mulher na sociedade brasileira continua com sérios problemas a serem resolvidos. Pensar estes problemas como oriundos de uma sociedade machista, embora sejam verdadeiros, é tornar simples as questões relativas a tal questão. No que concerne à questão salarial, mesmo nos empregos ditos domésticos, em que o predomínio é de mulheres, há uma desigualdade de valores por gênero mesmo nos países ditos desenvolvidos. Em poucas palavras, a situação da mulher na sociedade brasileira continua com sérios problemas a serem resolvidos. Isso é importante porque é no mercado de trabalho em que a diferença e o lugar subalterno da mulher na sociedade aparece de forma mais clara. Como se pode ver, a reestruturação do emprego nos Estados Unidos, como no Brasil, combina-se com uma feminização da força de trabalho — o que não implica, obviamente, igualdade no trabalho tal como se verifica através da inserção feminina em áreas onde dominam formas de emprego atípicas, de meio-expediente ou de trabalho temporário. É fato que as mulheres menos escolarizadas foram as que menos cresceram no mercado de trabalho. O número de mulheres chefes de família aumentou significativamente. Houve uma verdadeira revolução no mercado de força de trabalho. Isto demonstra tanto a modificação do mercado de força de trabalho, com a conseqüente mudança na composição da família, quanto àquela subordinação/discriminação praticada contra as mulheres. A partir de 1990, houve um aumento substancial da taxa de desemprego feminino, interpretado por Lavinas (1997), como decorrência das mudanças no emprego industrial, que se reduz levando ao aumento da taxa de desemprego masculino e à migração setorial dos trabalhadores homens para ramos de atividade ocupados por mulheres. De acordo com Aguiar (1997), apesar de o crescimento da atividade econômica ter sido maior para as mulheres que para os homens, os diferenciais de participação entre homens e mulheres são ainda significativas. Também se constatou que,quanto mais alto for o nível educacional das mulheres maior é o incremento de sua parcela. Nos níveis educacionais mais baixos destaca-se o crescimento das mulheres - cônjuge e nos níveis altos das mulheres-chefe. A desocupação observada a partir da década de 90 indica que há mais mulheres (5,1%) que homens (4,3%) e mais brancos (4,9% para homens brancos e 5,5% para mulheres brancas) que negros (3,4% para homens negros e 4,6% para mulheres negras) sem atividade econômica, incluindo-se nesse contingente os que estão procurando trabalho. Diz Flacso (1993), que o desemprego feminino aparece neste cenário com outra configuração do ano de 1983 a 1990: mulheres com 2° grau completo têm taxa de desemprego superior às de 1°grau, quadro que apresenta mudanças a partir de 1993, graças ao aumento de exigências na competição por postos de trabaTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 117 lho — o que fortalece as mulheres com nível superior (que, mesmo assim, apresentam índice de desemprego duas vezes maior que as masculinas). É importante destacar que, no contexto da educação, as análises existentes apontam para a constituição de urna estrutura educacional piramidal no Brasil, com uma imensa base formada pelos 83% que não haviam superado o nível de ensino primário, sobre a qual se agregava um estreito tronco formado pelos 11% que tinham alcançado o nível médio e os 5% com nível de ensino superior. No que se refere à problemática do analfabetismo, estudos regionais para o Rio de Janeiro, realizados por Aguiar (1994), indicam que o encolhimento do analfabetismo ocorre principalmente entre as pessoas mais moças — as mulheres jovens reduziram ainda mais que os homens jovens seu analfabetismo. As mulheres mais velhas, porém, apresentam uma situação mais desfavorável que a dos homens mais velhos em termos de analfabetismo. Para o Rio de Janeiro, diferenciando a população por gênero, raça e anos de estudo observa-se, através da PNAD 1(1988) que entre aqueles em idade escolar, a maioria tem até três anos de escolaridade, seguindo-se o contingente de pessoas que tem de cinco a sete anos de estudo. O desempenho escolar não é usualmente aferido pelas PNADs, mas o suplemento de 1982 aferiu esse item. Examinando as chances de aprovação, verifica-se que estas são sistematicamente superiores para as mulheres que para os homens — exceção feita às séries terminais dos dois ciclos em que os homens parecem ter uma ligeira vantagem. Em síntese, as diferenças na aprovação em favor das mulheres são particularmente acentuadas nas três primeiras séries do primeiro grau. Em vista do exposto, o autor supracitado constata que a evasão escolar de meninas nas quatro primeiras séries do primeiro grau no Rio de Janeiro é superior à dos meninos, justamente nas séries em que suas chances de aprovação são maiores para os meninos. É a partir da 5ª série que se instala um maior nível de evasão, conectada a uma necessidade de exercer um trabalho remunerado. As matrículas das mulheres para o ensino primário correspondem quase a metade do total, e para o ensino médio correspondem para o ano de 1988, 54%. Com relação ao ensino superior, registra-se no começo da década de 90 um número de matrículas femininas superiores às masculinas (representando 52%). Nas escolhas de carreira universitária, verifica-se a reedição da segmentação por sexo encontrada ao nível médio: são elas, em 1988, 85% das matrículas das ciências pedagógicas e 15% dos engenheiros. O magistério avulta como carreira mista, com maior número de professores — a preponderância masculina ocorre no nível superior, e a feminina no primário. Metade dos homens e mulheres que trabalham no setor agrícola aparece, na PNAD 1988, como não tendo instrução. No emprego doméstico, 40% das domésticas possuem primário completo, cifra equivalente a dos vendedores ambulantes e nível educacional atingido pela maioria dos biscateiros e dos trabalhadores manuais por conta própria. 1 Todos os dados são referentes ao PNAD-IBGE(1988) Pesquisa por Amostra de Domicílio. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 118 No setor formal tradicional, há mais mulheres com o segundo grau que homens; no setor formal moderno, a maior parte dos homens tem o primário completo, e a metade das poucas mulheres nesse setor possuem de um a três anos de estudo. Nas categorias de trabalhadores de escritório, administradores e supervisores, técnicos e artistas, bem como dirigentes, os brancos com nível superior de instrução aparecem em maior número. Indubitavelmente, a escolaridade afeta a probabilidade de ingresso na força de trabalho. Mais de metade das mulheres analfabetas e (15% das que possuíam escolaridade universitária) estava fora da força de trabalho. A partir dos 8 anos de estudo, é que a participação exclusiva nos afazeres domésticos começa a decair, sendo notório seu declínio entre a nova geração. Em resumo, analisando as diferenças salariais por nível educacional e gênero, nota-se a presença de discriminação por gênero e raça, não sendo os princípios de remuneração realmente universalistas: na faixa dos que têm até um ano de instrução, as mulheres atingem no máximo até 2 salários mínimos, enquanto parcela bem maior de homens alcança a faixa de 3 a 5 salários. De modo geral, quanto mais alta é a escolaridade maior é a renda, enquanto os homens sempre alcançam faixas salariais mais elevadas. É fato que a maioria dos homens brancos com 12 anos ou mais de educação ganha mais de dez salários mínimos, enquanto 35% dos negros, 23% das mulheres brancas e 14% das negras auferem tal renda. Cotejando-se a razão entre os salários de homens brancos e mulheres brancas observa-se que estas recebem em média 56% dos salários masculinos e que o aumento da escolaridade, embora signifique dentro de cada grupo uma elevação de renda, mantém as diferenças salariais entre homens e mulheres em quase todas as faixas de educação. Com isso, a condição educacional das mulheres, a partir dos anos 70, alcançou a situação em igualdade à dos homens, em todos os níveis de ensino. Ao final dos anos 80, a matrícula das mulheres nos mais distintos níveis do ensino formal era semalhante à dos homens. Por outra parte, estudos sobre as vidas femininas foram-se tornando cada vez mais complexos, passando a exigir mais que descrições minunciosas. O referencial teórico como base para tais estudos era a teoria Marxista, para alguns. Outros fundamentavam-se na psicanálise. Havia também pensamentos que se sustentavam em teorias estritamente femininas. Em cada forma de referendar o conhecimento, buscou-se o caminho para a emancipação da mulher, cujas desigualdades sociais justificavam-se pelas características biológicas. Contrapondo-se, a essa argumentação, fez-se necessário observar que a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas vai constituir, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico (Louro, 1997). Desta forma, o debate se construiu, então, através de uma nova linguagem, na qual gênero foi um conceito fundamental. De outra parte, não nega a biologia, mas enfatiza a construção social e hisTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 119 tórica produzida sobre as características biológicas “No gênero, à pratica social se dirige aos corpos”(Connell apud Louro, 1997). Tal conceito, refere-se ao modo como as características sexuais são representadas, ou como são trazidas para a prática social e tornadas parte do processo histórico. Recolocou-se, assim, o debate no campo social, pois é nele que se reproduzem as relações desiguais entre os sujeitos. Com isso, as desigualdades sociais devem ser analisadas não só nas diferenças biológicas, mas também nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação. Em vista do exposto, afastaram-se as proposições essencialistas sobre os gêneros, o foco ficou centrado para a construção e não para algo já determinado, o pensar é agora de modo plural, assim como os projetos de homens e mulheres são diversos. As questões de gênero passaram a focar e a considerar diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe). Assim sendo, no Brasil nos anos 80, de início com vagar e depois, mais sistematicamente, as feministas começaram a utilizar o termo “gênero”. Neste momento, focar gênero significa focar o constituinte da identidade dos sujeitos. Identidade, como conceito também complexo, que pode ser visto sobre diferentes perspectivas. Os sujeitos como tendo identidades plurais, múltiplas, que se transformam, porque não são fixas e até contraditórias, o que leva o sentido de pertencimento a diferentes grupos. É neste contexto que Joan Scott (1995), historiadora norte-americana, diz que é preciso desconstruir o “caráter permanente da oposição binária” masculino feminino, e o que observa é que na análise das sociedades sempre se concebem Homem e Mulher como pólos apostos que se relacionam dentro de uma ótica de dominação e submissão, negando todos os sujeitos sociais que não se enquadram em uma dessas formas. Isso significa que desconstruir a polarização rígida dos gêneros implica observar que cada pólo contém o outro e cada um é internamente fragmentado e dividido. “a construção do gênero também se faz por meio de sua desconstrução” (Lauretis apud Louro, 1997). Diferenças e desigualdades são instituídas e nomeadas no interior das redes de poder. São marcadores sociais: classe, gênero, sexualidade, etnia (Britzman apud Louro, 1997). Scott lembra que as lutas iniciais eram pela igualdade entre os gêneros, para num segundo momento valorizar positivamente, a diferença entre homens e mulheres, mas a diferença está sempre implicada em relações de poder; a diferença é nomeada a partir de um determinado lugar que se coloca como referência. Considerando-se o exposto, a exclamação “viva a diferença!” é também problemática, pois a partir desta afirmativa deve-se aprofundar a questão nos diversos discursos que a produzem. Numa primeira referência, encontra-se a diferença entre gêneros, mas num segundo momento verifica-se sua amplitude para a discussão sobre a diferença entre mulheres. A maneira como se entrelaçaram as diferentes formas de opressão, não é, pois, uma equação que possa, ser resolvida de forma simples. “Relações de gênero radicalizadas”, “etnicidades generificadas” são apenas algumas das “combinações” que vêm ocupando estudiosos e estudioTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 120 sas e cujos resultados estão longe de ser previsíveis. Estas diferentes “estruturas” — classe, raça, gênero, sexualidade não podem ser tratadas como variáveis independentes, porque a opressão de cada uma está inscrita no interior da outra — é constituída pela outra e constituinte da outra. (BRAH apud Louro, 1997). De outro modo, Azevedo (1994), analisa por que em um país racista e desigual como o Brasil tão pouco se discute a questão racial, seja em trabalhos teóricos ou em práticos, Nesta sociedade, devido à hegemonia branca, masculina, heterossexual e cristã têm sido nomeados e nomeadas diferentes aqueles e aquelas que não compartilham tais atributos. Como compreendem Hasenbalg e Silva (1988), sexismo e racismo têm como conseqüência que mulheres e negros obtenham retornos a seus investimentos educacionais, em termos de remuneração, proporcionalmente menores do que a dos homens brancos. Tudo isto é importante porque as desigualdades raciais não constituem um fato inegável na sociedade brasileira podendo ser observado tanto na vida cotidiana quanto nas estatísticas oficiais. No cotidiano, pode transparecer tanto em manifestações explícitas de racismo bem como na relação inequívoca existente entre a cor do indivíduo e a posição social por ele ocupada. Na IV Conferência Mundial da Mulher (1995), em Pequim, estiveram presentes 46.000 mil mulheres. A multiplicidade de raças, ideologias, religiões e diversidade sexual ficou expressa em inúmeras manifestações político-culturais, demonstrando as imensas possibilidades de inaugurar-se o século XXI com relações mais humanas e afetuosas entre homens e mulheres, em que as diferenças possam servir como inspiração à democracia. Enfatizam Hasenbalg e Silva (1988) que as desigualdades por gênero fizeram com que a estrutura de emprego feminina se caracterizasse por uma maior concentração de mulheres, seja em alguns poucos setores econômicos — atividades sociais e prestação de serviços — seja em ocupações específicas — secretárias, datilógrafas, telefonistas, professoras de primeiro e segundo grau, enfermeiras e empregadas domésticas, Constata-se, portanto, que os estudos que analisaram as conseqüências da conjunção das variáveis de gênero e de raça demonstram a condição particular ocupada pela mulher negra no mercado de trabalho e na sociedade brasileira. A conjugação destas variáveis reserva a este grupo os estratos sociais inferiores, bem como significa menores rendimentos e baixo retorno ao investimento em educação. Na prestação de serviços, por exemplo, há uma maior concentração de mulheres nos empregos domésticos, principalmente de mulheres negras. Em Conteúdos e Metodologia do Ensino de História cabe o seguinte questionamento: Estará assim a educação atenta à urgência de tais questionamentos, ou teima em manter os velhos discursos dicotômicos de um masculino/feminino construídos preconceituosamente? Do ponto de vista de Gonçalves (2000), a escola produz diferenças, distinTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 121 ções, desigualdades. Como instituição incumbiu-se de separar os que a ela tinham acesso e os que a ela não pertenciam. Porém os que nela se inseriam também eram divididos, por múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. A escola que foi construída pela sociedade moderna ocidental começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes e também se fez diferentes para ricos e pobres e separou também meninos de meninas. Segundo Silva (1996), a escola que inicialmente era para alguns foi sendo requisitada pelos outros e esses novos grupos foram trazendo transformações à instituição, ela precisou ser diversa e passou a produzir as diferenças entre os sujeitos. A escola delimita espaços, ela separa e institui. Registra, na prática escolar, os modos e as maneiras que são internalizados para este ou aquele grupo. “gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas, tornam-se parte de seus corpos. Para Louro (1997), todas essas lições são atravessadas pelas diferenças, elas confirmam e também as produzem. O processo de “fabricação” dos sujeitos é continuado e por vezes muito sutil. Antes de se verificar a leitura de leis e decretos, deve-se perceber práticas cotidianas que envolvem os sujeitos. De acordo com DilIon, apud Martinez (1999), esta instituição que separa até o campo do conhecimento, a história é ensinada nas escolas sem se mergulhar na historia das mulheres, na qual não se conta com registros escritos nem com documentos. A mulher é a grande ausente nos textos escolares de história. Sua ausência se faz patente tanto nas descrições das façanhas bélicas quanto nos escassos momentos nos quais se fala da organização social. Como compreende Moreno, apud Martinez (1999), tudo isso indica que foi muito maltratada ao longo da historia e que os livros de texto continuam maltratando-a numa desesperada tentativa de deter o passo do tempo. Scott (1995), propõe a construção de uma nova história, que abra a possibilidade para a reflexão sobre as estratégicas políticas atuais, colocando as mulheres visíveis como participantes ativas e como sujeitos históricos. É de se esperar uma aptidão diferenciada por gênero nas diferentes disciplinas? Sendo assim, teria que se avaliar esses alunos por critérios diferentes? Apesar de nos últimos anos as mulheres terem cursado carreiras consideradas historicamente masculinas - como matemática, engenharia ou química, estas conquistas não ecoam na instituição escolar, onde se continua pensando e agindo que a mulher não é boa para matemática. Como diz Salomé, apud Martinez (1999), o sexismo na sala de aula é uma das funções do currículo oculto. Como é conhecido, o currículo oculto faz referências aos resultados “não programados” no currículo oficial, aos aprendizados que não foram planejados, que não se dão no plano consciente. Faz referência aos conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que se adquirem no dia-a-dia da sala de aula, mas que nunca chegaram a explicitar-se como metas intencionais.Neste sentido, considera-se necessário introduzir a discussão das questões de gênero na formação de professores, na possibilidade de formar profissionais refleTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 122 xivos que possam pensar e repensar sua prática, reconhecendo a importância crescente que se encontra na linguagem, na formação das identidades de gênero e na transmissão —ou não- dos estereótipos sexuais. Compreende-se, portanto, que estas interrogações indicam que curriculos, normas, procedimentos de ensino, são seguramente “Ioci” das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe e assim são constituídos por estes quesitos e, ao mesmo tempo, seus produtores. Dos muitos espaços produtores de distinções, a linguagem é talvez o campo mais forte e persistente de tal prática, por atravessar todo o tempo e parecer sempre “natural”. No entanto, a linguagem não só expressa relações, poderes, lugares, mas os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças. Isto é importante porque discutir como tudo se organiza na instituição escolar, que é um campo político e como se produzem sujeitos, produzem identidades étnicas, de gênero, de classe, e se essas identidades são produzidas através de relações de desigualdade. Por isso, deve-se procurar interferir na continuidade dessas desigualdades. Concomitantemente, para que se possa pensar em qualquer estratégia de intervenção, é necessário reconhecer as formas de instituição das desigualdades sociais. Com isto, as políticas de ação afirmativa, voltadas para as mulheres, para a população indígena, para a população afro-descendente ou para outros grupos excluídos ou objeto de discriminação na sociedade brasileira, são uma estratégia utilizada para a afirmação de políticas de identidade e para favorecer uma verdadeira igualdade de oportunidades em sociedades acentuadamente desiguais como o Brasil. Assim, conclui-se que a educação é fundamental, bem como os meios de comunicação. Trabalhar a questão do imaginário coletivo, das representações das identidades culturais presentes nas diferentes sociedades latino-americanas é muito importante e, nesta perspectiva, estas mediações são muito importantes. O multiculturalismo é um dado da realidade. Portanto, a sociedade é multicultural. Pode haver várias maneiras de se lidar com esta variável, uma delas é a perspectiva intercultural consciente de que nessas relações não existem só diferenças, como também desigualdades, conflitos, assimetrias, questões de poder. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 123 REFERÊNCIAS AZEREDO, S. Teorizando sobre gênero e relações raciais. Estudos Feministas. Numero especial, outubro 1984. CANDAU, Vera Maria. Magistério Construção cotidiana. Petrópolis, R.J.: Vozes,1997 ______. Revista Novamerica (9). Rio de Janeiro, 1 setembro 2001. GONÇALVES, Luís. Negros e Educação no Brasil. In.: HASENBALG, Carlos & SILVA, Nelson Do Valle. Estrutura social, mobilidade e raça. Rio de Janeiro, IUPERJ / Vértice, 1988. ______. Perspectivas sobre raça e classe no Brasil. Trabalho apresentado na conferencia Black Brasil: culture, identity, social mobilization. University of Floridda, Gainsville, 31 de março a 3 de abril de 1993. 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Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 113-123, Novembro, 2006. 125 SEMINÁRIOS: TODA AÇÃO DEMANDA A ADOÇÃO DE UM MÉTODO José Carlos de Cerqueira Moraes* RESUMO: Este estudo pretende mostrar e discutir os equívocos cometidos pelos acadêmicos em relação à técnica para apresentação de seminários, decorrentes do desconhecimento da mesma, bem como dos recursos pedagógicos a ela inerentes. Assim, a discussão e análise dessas dificuldades buscam esclarecer os principais pontos na prática da socialização do conhecimento, no tocante à integração à técnica e ao conteúdo. PALAVRAS-CHAVE – Seminário; apresentação; técnica. ABSTRACT: This study intends to show and disscus the misundersdings made by the academics in relation to technique for presentation of seminars, current of the ignorance of the same, as the pedagogic resources and it inherent. Thus, the discussion and analisys of those difficulties. The main point in the practice of the distribution of the knowledge, concerning the integration to the technique and the content. KEY WORDS: Seminar; presentation; technique * Professor do Curso Normal Superior da Faculdade Maria Milza- FAMAM Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 126 A Comunicação é técnica e apresenta princípios a serem seguidos, então para o comunicador exercê-la na sua plenitude e, assim, ser bem entendido, necessário se faz a observância dos mesmos, inerentes a esta arte. As novas tecnologias, bem como as formas de expressão e distribuição do conhecimento exigem uma reformulação dos antigos paradigmas, devendo-se repensar tais formas no dia-a-dia. Sêneca afirma que “Nenhum vento sopra a favor de quem sabe para onde ir”. Convém lembrar que, na opinião de Newton, não se inventam Hipóteses. O mesmo raciocínio estende-se a todos os setores do cotidiano, onde, mesmo de forma involuntária, adota-se um método para encaminhamento das ações. “A comunicação acadêmica de alta qualidade tem como atributos, dentre outros, a clareza e a precisão, garantias de que a compreensão instantânea ou imediata será facilitada no processo de difusão dos saberes e técnicas”. (ALMEIDA FILHO, N. IN LUBISCO, 2003, P. 1). Claro se torna que os atributos clareza e precisão pressupõem um mínimo de conteúdo e, mais notadamente as formas de exposição desses conteúdos. O aspecto pedagógico ganha, assim, uma vultosa forma, capaz de veicular a mensagem no formato adequado a quem a recebe. Por isto, este trabalho tem a pretensão de auxiliar o acadêmico em uma perspectiva mais geral da técnica aplicada à preparação e condução de seminários, desde a oratória e impostação da voz, aos materiais, disciplina e persuasão do público-alvo. “Como poderei entender o que leio se alguém não me explicar?”, diz o relato bíblico (Atos 8:31), destacando a importância não apenas da comunicação, mas também da pedagogia na socialização do conhecimento, quando registra um diálogo mantido entre um alto oficial etíope e Felipe (seguidor de Jesus). Da mesma maneira, as chamadas para a comunicação no tocante ao testemunho, principalmente no Novo Testamento, se colocam tanto em termos individuais como das massas, Opus citatum, passim. Percebe-se, assim, a importância da comunicação na transmissão da informação, já que a mesma é um poderoso veículo de difusão de idéias e que, segundo o lingüista Hjelmslev apud Chauí (1994), através da linguagem, pode-se influenciar e ser influenciado. De acordo com Aristóteles, somente o homem é dotado de linguagem e, possuindo a palavra, torna-se social e político. (...).“A linguagem tem, assim, um poder encantatório , isto é, uma capacidade para reunir o sagrado e o profano (...) (CHAUÍ, 1994). O poder encantatório citado é usado como forma de persuadir pessoas, grupos e até mesmo grandes massas. Nesta perspectiva, vale a seguinte citação: A deusa da persuasão chamava-se Pitho, era mulher de fisionomia feliz, filha da deusa Vênus, deidade dos prazeres e da beleza era considerada a personificação do amor sexual. Diziase que, sob os seus passos, as flores germinavam.(...) Por que Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 127 uma mulher e não um homem simboliza esta arte? Talvez porque a mulher busca mais o encanto que o arroubo da força bruta e, nessa senda, o persuasor deve imitá-la. Sabemos que a mulher é graciosa, gentil, suave e doce, que utiliza mais o encanto, ardil e a habilidade sem nunca usar da violência. (BARROSO, 2005) Assim, o comunicador deve ser o mais verdadeiro possível, sob pena de levar a pecha de “vendedor de ilusões, podendo fazê-lo perder a credibilidade. A necessidade da adoção um método, relata Nunes (1998) faz as pessoas, conscientemente ou não, fazê-lo no dia-a-dia, como, "para levantar ou deitar na cama, para calçar os sapatos ou por um automóvel em movimento é necessário executarmos um conjunto de operações cuja seqüência não pode ser alterada sob pena de não alcançarmos o resultado final desejado". Claro que qualquer alteração nessa seqüência poderá não se atingir o objetivo pretendido, sob pena de travar o processo, frustrando esta pretensão. Da mesma forma, guardadas as devidas proporções, a arte da comunicação não pode perder os seus encantos por pura imperícia do comunicador: Por método entendo regras certas e fáceis, graças às quais todos os que as observem exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e chegarão, sem se cansar com esforços inúteis e aumentando progressivamente a sua ciência, ao conhecimento verdadeiro de tudo o que lhes é possível esperar. (NUNES, 1998) A adoção de um método exige o planejamento inteligente das ações, de tal maneira que a exposição de um tema tenha poder persuasivo. A assertiva supracitada é corroborada por Behe (1997), que garante que planejamento é tão somente o arranjo intencional de partes, em que se pode desenhar ou formatar uma palestra. Existe uma ordem a ser seguida durante a execução desta tarefa, visando a grande eficiência e eficácia na transmissão da informação. Atualmente, alguns comunicadores têm-se aventurado na prática desta alteração (método), mas de forma discreta, sem prejuízo da apresentação, haja vista não haver alteração na essência do conteúdo, mas sim, melhorando a beleza da forma. Neste trabalho, será dada ênfase maior à comunicação de grupos de pessoas, cujas técnicas exigidas buscam persuadi-las a uma só vez, na perspectiva da eficiência, sem perda da eficácia. A voz é um poderoso recurso da persuasão, devendo ser utilizada para o propósito pretendido e da melhor maneira possível. Portanto, há que se cuidar do recurso vocal, de maneira que a voz fique bem limpa, com boa entonação e harmoniosa. Uma boa impostação vocal consegue manter atenta a platéia. Barroso (2005), afirma que a persuasão procura atrair a platéia utilizando Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 128 como meio a fala. As palavras do orador devem ser bem soletradas sem, contudo, comprometer o bom encaminhamento da palestra. O controle da respiração fa-loá utilizar satisfatoriamente o ar armazenado nos pulmões, já que, a depender de quão longa seja a frase, exigirá mais (ou menos) do aparelho fonador, e a frase não poderá ser interrompida. Uma boa impostação da voz passa segurança e credibilidade para a assistência, o que, sem dúvida, permitirá que se tenha sucesso na apresentação. A organização do evento deverá providenciar água de beber, para que o palestrante possa manter a sua garganta em boas condições de uso, bem como para poder recuperar o fôlego da empreitada. Desta maneira, a voz se constitui num poderoso recurso da persuasão que, sendo bem utilizada, conduzirá o público pelos caminhos desejados pelo persuasor, atingindo os seus objetivos. Todavia, a voz por si mesma e dissociada de outros valores importantes, não poderá trazer bons resultados aos que se permitem ingressar neste tipo de atividade interativa. Há, portanto, que se utilizar o recurso vocal, mas com boa expressão dos gestos e olhar firme para toda a platéia. A não observância de quaisquer desses recursos poderá comprometer a apresentação, já que tais itens funcionam como importantes correias de transmissão, sendo muito oportunos do ponto de vista da difusão da mensagem. As repetições desnecessárias de palavras tendem a entediar a platéia, bem como a pobreza gramatical, criando um clima geral de desconfiança, por melhor que seja o conteúdo. Neste caso, a linguagem bem aplicada também será bem entendida. Não se trata do uso de uma linguagem rebuscada, mas do uso de termos apropriados e de fácil compreensão. Se o apresentador tem dificuldade em fazer as colocações lingüísticas corretas, melhor que faça o bom uso de palavras mais simples e de uso corrente. Do ponto de vista conteudístico, porém, há que se ter bastante cuidado, já que um público mais exigente apresenta certo acúmulo de informações, sendo também um bom formador de opinião. Trata-se de um público mais crítico e que costuma deleitar-se com informações mais novas, entediando-se com a repetição do que já se sabe. Convém lembrar que um conteúdo satisfatório e bem trabalhado, ou seja, bem combinado com os recursos da voz, microfone, materiais áudiovisuais e uma boa seqüência de idéias trará maior tranqüilidade ao apresentador e grande satisfação ao público. O mau uso do microfone costuma desagradar aos ouvintes. Mantendo-se este equipamento a uma boa distância da boca, já que muito distante e muito próximo podem comprometer a audição do que se fala, promoverá um som bem agradável. Existe um consenso entre os que trabalham com locução de que a respiração é algo que precisa ser controlado, com o propósito de se manter o fôlego e de se evitar que a respiração seja amplificada junto com a voz. Da mesma maneira, na importante tarefa de se transmitir mensagens, deve-se evitar pigarrear e tossir ao microfone, já que compromete a fala e provoca um desagradável ruído. A oração feita de forma prolixa o fará embaraçar-se na exposição das idéiTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 129 as, fazendo-o dar voltas e mais voltas, perdendo a objetividade e gastando tempo desnecessariamente. A recomendação que se faz é que o palestrante faça um bom exercício antes do evento, para que não se perca do objeto principal, mas só se comente sobre os pontos-chave do tema em apresentação. Ao se receber um convite para expor um tema, deve-se perguntar a si mesmo sobre o tipo de colaboração que pode ser dada tanto do ponto de vista conteudístico como na forma da veiculação desse conteúdo. Trata-se de uma autocrítica, buscando a preservação de uma imagem e de um bom aproveitamento por parte do público-alvo. O fato de alguém tê-lo convidado deixa-o envaidecido e honrado, o que é muito natural. Entretanto, é prudente fazer-se um exame de consciência antes da aceitação da proposta, haja vista que ninguém pode dominar todo e qualquer tema. É de Schwantes (ca.1975) a afirmação de que "O lamentável é que tantas pessoas talentosas embarcam, por um capricho da vontade, em empresas para as quais não estão absolutamente talhadas", entretanto, compreende-se que não se pode, neste caso, fazer generalizações, já que todos, indistintamente, devem comunicar-se, e da melhor maneira possível. Alexis Carrel, “coloca a audácia ao lado do senso moral e da inteligência como um dos apanágios do homem integral, denotando fé operante no domínio do imprevisível”. (CARREL, A. apud SCHWANTES, ca. 1975, 450 p.) Nunes (1998), aconselha que “o pesquisador deve considerar seriamente suas limitações materiais e, sobretudo, intelectuais antes de se definir por um assunto ou tema”. Além disso, convém se conhecer o tipo de público, o seu nível e cultura, se as instalações são adequadas à sua apresentação, se a organização do evento dispõe de recursos áudio-visuais, telas para projeção, quadro de giz e outros de finalidade pedagógica. De posse dessas informações, concluir-se-á sobre a aceitação ou não do convite para se expor o tema proposto. Mesmo que se decida pela aceitação do convite, o íten materiais didáticos e instalações físicas dar-lhe-ão idéia de como proceder na operacionalização para a efetivação do intento. Satisfeita esta exigência inicial, deve-se tomar as medidas de cunho operacional/organizacional, como a data, o local e o horário estabelecidos. Chegado o momento do evento, pressupõe-se já tomadas as providências de ordem preparatória, como um descanso providencial, checagem do equipamento de projeção, cuidados com a voz, que deve estar limpa e reverberante, o telefone celular desligado, relógio sobre uma mesa ou local estratégico para se evitar a suspensão freqüente do braço para ver as horas... Aliás, olhar com freqüência para o relógio, em meio a uma apresentação de trabalho causa grande má impressão ao público, significando para todos que o apresentador está apressado ou que está louco para sair dali. Ainda que tudo pareça ter sido providenciado, sempre haverá algo de que só se lembrará minutos antes do começo da palestra. As surpresas surgem como desafio aos promotores do evento, já que, “embora haja energia elétrica no local e uma parede ideal para projeção, a tomada mais próxima dista vinte metros deste Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 130 local ideal”, por exemplo. Claro que uma extensão resolveria o problema, mas somente o dia-a-dia será capaz de municiar a todos de uma bagagem suficiente para minimizar tais surpresas. Alguém da organização do evento fará a sua apresentação à platéia, após a qual se inicia as saudações de praxe, cujo tipo dependerá do público e serve de “aquecimento” para a apresentação do conteúdo. Nada como uma calorosa saudação ao público presente, expressando o seu contentamento por estar naquele local e com pessoas tão educadas e acolhedoras. A depender do público presente, pode-se usar um respeitoso “Senhoras e Senhores”, um “boa noite a todos”, um “jovens da minha terra”, ou “Boa noite, meus ilustres concidadãos”. A saudação inicial ajuda-lo-á a iniciar muito bem o tema, diminuindo o nervosismo e quebrando “gelo” inicial, próprio do momento. Modernamente, alguns têm optado por inverter um pouco esta seqüência, apenas saudando o público após contar uma piada, ou mesmo citando o que será visto naquele momento. De qualquer maneira, não se deve perder a oportunidade de se mostrar gentil para com a platéia, demonstrando sentir-se à vontade para tratar daquele assunto, registrando gostar e já estar familiarizado com o mesmo. Convém não esquecer ou errar o nome da localidade ou instituição onde se dá a palestra, já que o registro da satisfação por estar ali valoriza o lugar e as pessoas. O contrário causa uma má impressão, além do que o público sente-se desprestigiado (i.g. como se sente quando alguém esquece o seu nome?). Começa-se, então, a discorrer sobre o assunto de forma firme, olhando para toda a platéia e gesticulando sempre na altura da cintura, mas evitando pôr as mãos nos bolsos, ou para trás, denotando posição defensiva. Convém lembrar que a persuasão objetiva atrair pessoas para a sua exposição, mas nunca deverá repeli-las. O apresentador deve ser capaz de pronunciar bem as palavras, sem gritar, mas com um tom audível e utilizando recursos áudio-visuais. Deve-se lançar mão do uso do quadro de giz, caso se faça necessário. A técnica pedagógica indica, caso o faça, apagá-lo na direção vertical e de cima para baixo, assim a poeira cairá na calha coletora e não incomodará a platéia. O conhecido apontador a laser deve ser desligado após o seu uso, já que se trata de um equipamento que provoca certo pavor à assistência quando ligado. A luz emitida por este equipamento intraqüiliza a platéia, que busca esquivar-se sempre que a mesma é direcionada para ela. Convém evitar-se a repetição desenfreada de palavras e a colocação de transparências envelhecidas e com dados muito antigos. No momento da troca das transparências, convém se falar algo, pois isto manterá a platéia atenta. Tais transparências atualizadas devem ser numeradas, já que em caso de uma eventual alteração da ordem o apresentador não perderá a seqüência das mesmas. Os dados recentes supracitados, por certo, dará credibilidade a apresentação, principalmente em se tratando de público mais exigente e de nível de informação e crítica maiores. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 131 É lógico que se deve posicionar-se na lateral do retroprojetor, desligando-o sempre que já tiver projetado algo, pois a luz projeta um retângulo luminoso na parede, desviando a atenção da assistência. Nada deve impedi-lo de aplicar os recursos da melhor maneira possível, sob pena de comprometer a exposição, por se ter demandado um tempo considerável na preparação de tão importante momento. A sua locomoção à frente da platéia deve ser comedida e sem gestos espalhafatosos, embora alguns advoguem a idéia de que, tratando-se de apresentadora, um discreto toque no cabelo à altura do ombro torna a apresentação mais interessante. Tratando-se do desenvolvimento da apresentação, todo e qualquer exagero deve ser contido, desde as roupas muito coloridas e transparentes à maquiagem muito carregada. È um momento especial, de cunho informacional, social e educativo, em que o mais importante é o tema em explanação. Neste sentido, ressalta-se que o vocabulário utilizado deve ser o mais adequado possível, podendo haver uma flexibilização, dependente do tema, da cultura, nível e idade da platéia. Em geral, o uso de gírias banaliza a apresentação, por isso, o tão falado “tá ligado?” Deve ser substituído por um “entenderam?.” Atitudes exageradas, a exemplo de piadas ousadas, expressões depreciativas e ar arrogante podem, eventualmente, provocar alguma reação negativa da assistência. Uma vez que o público presente, no aguardo da mensagem, alimenta grandes expectativas, o mesmo deve ser valorizado, devendo-se evitar o confronto com o mesmo. Aliás, o contrário deve ser cultivado, de maneira que a interação produza os melhores efeitos e o clima de harmonia prevaleça. Neste aspecto, todas as perguntas feitas pela assistência devem ser respeitadas e estimuladas, mesmo porque os questionamentos e a apresentação de novas idéias enriquecem o debate e promovem a pessoa humana. Um público aparentemente hostil não poderá intimidá-lo, sendo recomendado, neste caso, a presença de espírito. Este procedimento não é simples, já que exige uma boa prática nesta atividade, além de inspiração. Assim, Barroso, narra: O grande advogado Tobias Barreto, professor na Universidade de Recife era, segundo a história, muito exigente. Seus alunos um dia resolveram pregar-lhe uma peça, fazendo um burro adentrar a sua sala de aulas antes do seu início. O professor ao entrar naquele recinto ficou surpreso, pois os alunos não estavam, e sim, o enorme quadrúpede. O Doutor Tobias, então, sentou-se e pôs-se a abrir o seu livro de Códigos, ministrando a aula para o burro que ali estava. Ao final da aula, o ilustre professor fechou o seu livro, dando a aula por encerrada, dizendo ao animal: a classe está encerrada e, por favor, diga aos seus colegas que teremos prova amanhã com o assunto da aula de hoje. BARROSO (2005, 37 p). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 132 A presença de espírito ajuda a arrefecer os ânimos e criar um clima descontraído. Sempre haverá uma pergunta que incomoda ao apresentador, e muitas vezes, fora do contexto da apresentação. As chamadas “saias-justas” são comuns nos debates travados em público, então deve-se recorrer à humildade e ao famoso “jogo de cintura”. Pode-se evitar situações embaraçosas, por exemplo, afirmando que “aquilo que fora perguntado representou uma limitação daquele trabalho, mas que deverá ser contemplado nos trabalhos futuros, ou que o presente trabalho é não-conclusivo, podendo contemplar aquilo que foi perguntado posteriormente.” Ainda que se possa pensar na presença de espírito como "fuga" ou engodo, é preciso que se compreenda o verdadeiro significado deste antigo artifício, já que não se trata de acovardar-se, mas, na visão de Schwantes (ca.1975), de refugiarse em um abrigo que lhe parece mais familiar. Em uma visão mais ética, seria o último recurso a ser utilizado, mesmo porque alguns, exagerada e irresponsavelmente, lançam mão de mentiras, refugiando-se na fraude. Tampouco devem aparecer, ao lado da "fuga", outras formas apelativas, a exemplo de atalhos e desvios que guardam uma impressão ruim, figurando, na visão geral e comum como conduta questionável do apresentador, mesmo porque, além da irresponsabilidade consigo mesmo, frusta o público, maculando uma reputação. Se possível, deve-se esmerar-se ao máximo, fazendo as vezes dos "homens da segunda milha", caminhando um pouco mais. Mas, para se ter sucesso neste campo é preciso que haja segurança, experiência e bom estado emocional do apresentador. Todavia, platéias aparentemente calmas e indiferentes podem reservar surpresas, pelo menos aos menos avisados. Trata-se de um procedimento muito antigo, já que há registros dessas passagens em escritos bem remotos. Jesus, de acordo com o relato Bíblico, ao ser questionado por fariseus e escribas, sobre o por quê dos seus discípulos não lavarem as mãos para comer, conforme a tradição dos anciãos, prontamente respondeu: “por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição?” (MATEUS 15:2 e 3) Com freqüência, têm-se observado registros históricos, de diálogos mantidos por personagens que se utilizaram da não resposta direta, mas de uma outra pergunta como resposta àquela indagação. Note-se que se trata de procedimento que requer habilidade, já que coloca o primeiro questionador em situação embaraçosa. Existem situações em que a resposta direta, pura e simples irá demandar muito tempo, não satisfazendo a quem indaga. A resposta dada por Jesus foi bem simples e didática, daquelas que cala e leva a quem inquire evadir-se. Então, é preciso que a preparação da apresentação seja a melhor possível, independente do tipo de público. Não se recomenda apontar pessoas na platéia ou fazer perguntas dirigidas, pois as pessoas da assistência ficam constrangidas e deixam de interagir. No máximo, a recomendação que se faz é que, em se fazendo perguntas, não dirigi-las, mas deixar que um voluntário responda. Em geral, as pessoas da assistência perTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 133 guntam ou comentam algo em baixo volume, então deve ser solicitado que falem mais alto para que todos possam ouvi-las. Mas, se isto não for possível, convém que o apresentador repita a indagação feita de forma audível. Aconselha-se que, na medida do possível, se socialize a pergunta, pois, assim, a comunicação efetivar-se-á, alcançando a todos. Sendo a técnica utilizada na comunicação tão importante quanto a própria arte da comunicação, todo empenho se faz necessário ao longo da explanação.Como de praxe, ao final, se expõe de forma resumida os tópicos abordados, fazendo-se uma retrospectiva do que fora visto na explanação, passando uma visão melhorada do todo, relacionando as partes vistas. Assim, abre-se, em seguida, o espaço para perguntas e comentários. Para tanto, o apresentador deverá estimular o debate, deixando as pessoas à vontade para fazê-lo. Caso o tempo destinado ao debate tenha ficado restrito, o palestrante pode optar por responder às perguntas em bloco, para evitar que as respostas sejam repetidas. Neste caso, aconselha-se anotar em papel as perguntas, já que serão várias em bloco. Esse instante é especial, já que vários pontos de vista deverão ser manifestados e, muitas vezes, algo importante que deixou de ser dito pelo apresentador vem à tona, clareando as idéias e enriquecendo o debate. Todavia, como a palavra está franqueada, não é incomum haver exaltação da platéia, o que poderá levar ao atrito as pessoas, que desejam impor as suas verdades. Então, o apresentador fará também o papel de mediador (caso não haja) do debate, organizando-o e acalmando os ânimos dos mais inflamados. É um momento em que a serenidade e a firmeza devem imperar, e o medo deve ser afastado. Neste sentido, Schwantes (ca.1975) assegura que “Ou nos dominamos pela aplicação dos controles interiores, ou seremos dominados pelas circunstâncias”. Geisler & Bocchino (2001), garantem que “Devemos procurar responder ao que parece uma pergunta insincera da maneira mais amável e verdadeira, pois mesmo se não satisfizermos o proponente da pergunta, poderemos influenciar os que estão em torno esperando a nossa resposta”. Tais circunstâncias são desfavoráveis para aqueles mais atemorizados, já que o momento deixa de ser um monólogo para transformar-se em debate. Portanto, fazendo valer o slogan “Sê perfeito em tudo que fizeres”, até se deixar o local do evento deverá haver um sentimento de dever cumprido. Neste sentido, convém lembrar que se deve afastar o medo sempre que se apresentar um seminário. Inúmeras pessoas perderam grandes oportunidades de iniciar no processo da oratória por questões de timidez, insegurança, etc. A timidez, aliada ao medo tem impedido ou atrasado muitos no exercício da comunicação. Por isso, o restrito mundo dos bons oradores pertence àqueles que, embora sem auxílio técnico inicial, tiveram coragem de enfrentar desafios. No final da explanação, ao término do debate, para o encerramento da fala, recomenda-se resumir rapidamente os principais pontos abordados, relacionando-os e desenhando um “todo”, compreensível, dando sentido lógico ao que fora Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. 134 discutido nos momentos de exposição. Fecha-se a palestra, então, com um pensamento de alguém consagrado ou versículo bíblico, desde que tenha relação com o assunto tratado na explanação. Os agradecimentos ao público presente são altamente necessários, não se admitindo o contrário. Na conclusão do fechamento, deixa-se clara a grande satisfação por estar interagindo naquele local e com aquelas pessoas. Recomenda-se ao palestrante colocar-se sempre à disposição de todos daquele lugar ou instituição para outras explanações, bem como para dirimir qualquer dúvida em outro local e em outro momento, principalmente para aqueles que se intimidaram em usar a palavra. Portanto, pelo exposto, ao que parecia inexpressivo e desprovido de efeito social, em verdade demanda muita técnica e disciplina aos que se propõem ao exercício da comunicação como meio persuasivo, para atingir a função da linguagem. Neste ponto de vista, é premente a necessidade do conhecimento dessas técnicas, pois, através delas, se potencializará o intento do comunicador, permitindo uma interação entre o sujeito da enunciação e os receptores, ampliando as possibilidades de se alcançar o fim desejado. REFERÊNCIAS 1 ALMEIDA Filho, N. Apresentação. Introdução. IN: Lubisco, N.M. & Vieira, S.C. Manual de Estilo Acadêmico, 2? ed., Salvador: EDUFBA. p. 1, 2003. 2 .BARROSO, P. Curso de Oratória. Salvador. Módulo 1, p. 03-13. 2005. 3. BEHE, M. J. A caixa preta de Darwin: o desafio da bioquímica à teoria da evolução. Ed. 2. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. , 1997, 289 p. 4. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. ED. I, São Paulo, Ed. Ática-S. 1994. 440 p. 5. GEISLER, N. & BOCCHINO, P. Fundamentos Inabaláveis. Ed. I. São Paulo, Ed. Nova Vida. 2001. 437 p. 6. NUNES, R.P. Métodos para a Pesquisa Agronômica. Ed. I. Ceará, Universidade Federal do Ceará. 1998. 564 p. 7. SCHUANTES, J. Colunas do Caráter. Ed. I. São Paulo, Casa Publicadora Brasileira. (ca. 1975). 450 p. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 125-134, Novembro, 2006. AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: UM NOVO OLHAR Dayse Bastos Pereira de Almeida Brandão * Jucinalva Bastos de Almeida Brandão** RESUMO: Discutimos, neste trabalho, o tema Avaliação da Instituição de Ensino Superior (IES), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) cujos procedimentos legais fundamentam-se na Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96 e no art. 1º da Lei 10861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINES). Com o propósito de ampliar a discussão sobre o enfoque proposto, faremos uma análise sobre os elementos constitutivos desse novo sistema. PALAVRA-CHAVE; Avaliação; educação superior; graduação. ABSTRACT: We discussed in this work the theme Evaluation of the Higher Education Institution (IES) and of the National Institute of Studies and Researches (INEP), whose legal procedures are based in LDB (Law of Guidelines and Base) nº. 9394/96 and in the article I of the Law 10861/2004, that instituted the National System of the Superior Education (SINES). With the purpose of enlarging the discussion on the focus, we will make an analysis on the constituent elements of that system. KEY-WORDS: Evaluation; superior education; graduation. * Vice-Diretora do Centro Educacional Maria Milza .E-mail: [email protected] **Diretora do Centro Educacional Maria Milza e da Faculdade Maria Milza. E-mail: [email protected] Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 135-139, Novembro, 2006. 136 AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL Avaliação da Educação Superior tem por finalidade a melhoria da qualidade da educação superior e o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior. Tais determinações estão implícitas na legislação atual do próprio Ministério de Educação, responsável pela implementação dessa política, não só do Ensino Superior como também da Educação Básica, conforme a Lei nº 9.131 de 1995. Nesta, está explícita a responsabilidade do Ministério da Educação que assume a responsabilidade de realizar avaliações periódicas das instituições e dos cursos de nível superior, cuja finalidade é avaliar a qualidade e o desempenho das atividades de ensino, pesquisa e extensão, dentre outros aspectos. Entretanto, é preciso cuidado na prática avaliativa, já que esta implica a emissão de um valor. A própria etimologia do termo, ou seja, avaliação significa atribuir valor a alguma coisa, dar valia e, por isso mesmo, não é uma atitude neutra. Este fato não pode ser ignorado, em virtude disso, o que interessa na avaliação é o compromisso com o questionamento, com a revisão e o repensar das ações, atitudes e valores. É importante dizer que além da avaliação do projeto pedagógico e do seu corpo social, integrado por docentes, discentes, egressos e funcionários técnicoadministrativos, considera-se como parte integrante desse processo, a estrutura física e administrativa. Dessa forma, avaliar não deve ser visto como algo simples, mas complexo. Esta complexidade advém das contradições sociais do próprio contexto histórico-social de produção e superação de tais conflitos. Assim, desenvolver um processo de avaliação institucional é assumir como princípio a democracia institucional, a ética no fazer, estabelecer a relação dialógica entre qualidade e quantidade, e, ainda, a sensibilidade institucional para mudança, tendo como princípios norteadores, os seguintes: 1) Globalidade, ou seja, avaliação de todos os elementos que compõem a instituição de ensino; 2) Comparabilidade, a busca de padronização de conceitos e indicadores; 3) Respeito à identidade dos Institutos de Educação Superior – IES. 4) Legitimidade, isto é, a adoção de metodologias e construção de indicadores capazes de conferir significado às informações, que devem ser fidedignas. 5) Reconhecimento, por todos os agentes, da legitimidade do processo avaliativo, seus princípios norteadores e seus critérios. O processo de avaliação proposto adota um modelo que contempla, de forma equilibrada, as abordagens quantitativa e qualitativa nas diferentes perspectivas avaliativas. Os instrumentos de avaliação foram concebidos de modo a possibilitar, de forma orgânica, a construção de correlações entre meios e fins. Eles contemplam a coleta de dados sobre a gestão, o ensino de graduação, as atiTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 135-139, Novembro, 2006. 137 vidades de pesquisa e iniciação científica, a pós-graduação, os cursos seqüenciais, a extensão, as relações institucionais, em algumas de suas múltiplas facetas, o corpo social e a infra-estrutura física. Proporcionando, assim, a obtenção de informações de caráter quantitativo e qualitativo, que deverão, juntamente com os dados coletados na avaliação in loco, possibilitar uma posterior e necessária análise de mérito. O processo de Avaliação Institucional compreende: a) A Auto-avaliação, coordenada pela Comissão Própria de Avaliação – CPA, cujo modelo deve pautar-se nas orientações gerais elaboradas a partir de diretrizes estabelecidas pela CONAES; b) A Avaliação Externa in loco, realizada por Comissão Externa de Avaliação Institucional designada pelo INEP, examinará as seguintes informações e documentos: 1. Dados gerais e específicos da IES constantes do Censo da Educação Superior e do Cadastro de Instituições de Educação Superior; 2. Dados sobre o desempenho dos estudantes da IES no ENADE, disponíveis no momento da avaliação; 3. Relatórios de avaliação dos cursos de graduação da IES, produzidos pelas Comissões Externas de Avaliação de Cursos, disponíveis no momento da avaliação; 4. Dados do questionário sócio-econômico dos estudantes, coletados na aplicação do ENADE; 5. Relatório da Comissão de Acompanhamento do Protocolo de Compromisso, quando for o caso; 6. Relatórios e conceitos da CAPES para os Cursos de Pós-graduação da IES, quando houver; 7. Documentos sobre o credenciamento da IES e seu último recredenciamento, quando for o caso. Qualquer processo de avaliação pressupõe o uso de fontes de informação apropriadas que fornecem um conjunto de dados e referências descritivas úteis para caracterizar os indicadores de qualidade. Um dos princípios básicos da avaliação estabelece que um indicador de qualidade possa estar associado, simultaneamente, a vários aspectos institucionais. As avaliações das Instituições de Ensino Superior têm sido tema de inúmeros estudos, seminários e debates ocorridos na última década. A Comissão Especial de Avaliação da Educação Superior, apresentada pelo MEC(2005), assim define: se a avaliação é um processo que busca melhorar a qualidade, aumentar a rentabilidade do serviço público educacional e elevar a eficácia institucional, a conscientização dos agentes e a efetividade acadêmica e social, então, implementar a cultura da avaliação é uma exigência ética. O processo de avaliação nas instituições de ensino superior brasileiro Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 135-139, Novembro, 2006. 138 encontra-se em fase de implantação e experimentação, uma vez que não existe um modelo de avaliação único capaz de atender a todos os anseios provenientes daquelas organizações que pretendem auto-conhecer-se e auto-regular-se. No meio acadêmico, no entanto, evidencia-se cada vez mais a necessidade dessa avaliação. Belloni(1998), referindo-se às universidades, considera que “a avaliação sistemática pode ser um instrumento que estimule o aprimoramento da qualidade das atividades e contribua para que se verifique, sistematicamente, o atendimento aos objetivos e finalidades da Instituição. Por isso, o processo de avaliação não deve ser entendido somente como mecanismo para detectar as falhas, mas também como instrumento revelador dos acertos. Nesse sentido, pode-se verificar a qualidade e desempenho das instituições. Indo ao encontro desse entendimento, Dias(1996) evidencia que, no Brasil, a avaliação das universidades vem sendo definida como instrumento necessário para promover a melhoria do ensino, desenvolver a produção científica e aprimorar as atividades administrativas. Como a avaliação institucional é uma prática nova, ainda está em fase de uma criação de cultura, de busca contínua de atualização e de auto-superação pelos atores-sujeitos e de auto-regulação institucional, ao nível das estruturas de poder e do sistema, assegurando, assim, sintonia com as mudanças operadas no entorno, na economia, na ciência e tecnologia. Pressupõe o envolvimento e a disposição de cada ator-sujeito do processo universitário em buscar patamares superiores de qualidade e de relevância de seu fazer. Provavelmente, este é o caminho mais seguro para a construção da autonomia universitária. Trata-se de um processo de mudança e de melhoria lento, gradual, com avanços e retrocessos, de não acomodação, de compromisso com o futuro. É relevante distinguir-se estes dois níveis da avaliação institucional, que devem ser, todavia, necessariamente conjugados. Da mesma forma, é relevante distinguir também em que nível está-se operando, em sentido amplo, uma vez que tudo pode ou não se constituir ema avaliação institucional, dependendo do enfoque e enquadramento teórico, e, em sentido estrito, de avaliação institucional propriamente dita. No plano dos atores-sujeitos, a mudança está na busca de atualização, de aprimoramento profissional, de maior qualificação do fazer. Poderia ser traduzida na reconstrução do projeto profissional, pedagógico e, com repercussões no projeto de vida de cada um. No plano das estruturas de poder e do sistema, a mudança traduz-se no funcionamento eficiente e eficaz, nos planos operacionais, no plano institucional de desenvolvimento, no funcionamento de mecanismos de auto-regulação. Quanto mais os projetos de vida e profissionais e os planos operacionais e estratégicos forem expressões da avaliação institucional, mais a cultura de avaliação terá conseguido enraizar-se e consolidar-se. Para isso acontecer, primeiramente será preciso dar tempo ao amadurecimento do processo. Será preciso que este não remeta nem à premiação e nem à punição no plano de atoressujeitos. Todavia, será necessário que não seja neutro, que não deixe ninguém Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 135-139, Novembro, 2006. 139 indiferente e nem fora do mesmo, incidindo sobre os aspectos e dimensões cruciais da vida e do fazer universitário. A título de curiosidade, após o recebimento dos resultados da avaliação de serviços terceirizados, como cantinas, reprografia e transporte coletivo, empresas desses segmentos visitaram a Comissão, para conhecer a metodologia e justificar os resultados. O propósito da Comissão é que cada professor, cada estudante e cada servidor, no plano dos atores-sujeitos e de cada dirigente, no plano das estruturas de poder, perceba a avaliação e aplique as mudanças em função de seus resultados, não por imposições externas, mas por decisões autônomas, livres e amadurecidas. E quanto mais isso ocorrer, mais se estará, seguramente, numa cultura de avaliação. Enfim, a avaliação Institucional está em fase de iniciação. Há muito ainda a ser melhorado, redefinido e redirecionado. Seu olhar está no futuro, no projeto que pretende construir. É por pensar que há muito o que aprender que se submeteu à avaliação por pares e dela se pretende tirar proveito ao máximo. Será preciso conjugar mais e melhor avaliação e mudança, avaliação e autonomia. Será preciso passar, também, de uma avaliação em sentido amplo, rica em dados que sinalizam para o conjunto para uma avaliação em sentido restrito, focando o institucional, definindo indicadores, valendo-se, todavia, de todas as contribuições, de todas as pesquisas e de todas as fontes de informação. REFERÊNCIAS BELLONI, Isaura. A função social da avaliação institucional. Avaliação, Campinas, v.3, nº34, 1998. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dez. 1996. BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e dá outras providências. Disponível em: http://www.mec.gov.br/legis/default.shtm>. Acesso em: 20 abr. 2006. DIAS SOBRINHO, José. Avaliação institucional: marco teórico e campo político. Avaliação, Campinas, Ano 1, nº 1, 1996. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 135-139, Novembro, 2006. UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS POR ACADÊMICOS DA FAMAM Josiane de Melo Gonçalves Santos* Jucimaria Duarte Araújo da Silva** Robson Rui Cotrim Duete*** RESUMO: O presente estudo objetivou resgatar a cultura popular referente à utilização de plantas medicinais, por parte dos estudantes da Faculdade Maria Milza. Para isso foi utilizada a técnica da observação direta extensiva, realizada através da aplicação de questionário constituído por seis perguntas (quatro fechadas e duas abertas); foram selecionados para tal atividade 190 discentes de Enfermagem (2004.I e II, 2005.I e II) e de Geografia (2004.I e II, 2005.I e II). As informações obtidas foram tabuladas, analisadas estatisticamente (utilizando-se os métodos da Estatística Descritiva) e interpretados, o que permitiu chegar à seguinte conclusão: O consumo de plantas medicinais é alto, para tratar ou prevenir a diversidade de afecções, utilizando-se, mais freqüentemente, as folhas, preferencialmente na forma de chás. PALAVRAS-CHAVE: plantas medicinais; afecções; etnobotânica; medicina popular; espécies utilizadas. ABSTRACT: The present study it has as its objective to redeem the knowledge, by the Maria Milza Faculty students, upon medicinals plants. For that was used the technique da observation direct extensive, using questionary formed for six questions (four subjective and two objective); interviews was conducted in a probability sample of 190 students of Nursing (2004.I and II, 2005.I and II) and Geography (2004.I and II, 2005.I and II). Statistical analysis was descriptiva comprising frequency distributions. The consumption of medicinals plants is high, to treat or prevent the diversity of disease, utility, more frequently, the leaf, priority share in the form of tea. KEY WORDS: medicinals plants; disease; ethnobotany; popular medicine; most used species. *Acadêmica de Bacharelado em Enfermagem (2004.1) – Bolsista do Proinc; Jô[email protected] **Acadêmica de Bacharelado em Enfermagem (2004.1) – Pesquisadora Voluntária; ***Professor do curso Bacharelado em Enfermagem e Licenciatura em Geografia da Faculdade Maria Milza - FAMAM – [email protected] Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 142 INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA Fitoterapia e dietoterapia foram as primeiras práticas médicas. No século VI, antes de Cristo, Hipocrates dizia “que seu alimento seja seu medicamento e que seu medicamento seja seu alimento”. Nessa época, as prescrições médicas eram feitas com a utilização de plantas medicinais. Pinheiro (1999), relatou que as ervas medicinais eram utilizadas pelos chineses desde o ano 3.700 antes de Cristo e, ainda hoje, constitui-se um instrumento de muitas famílias contra doenças, constituindo-se em práticas populares de saúde, e os conhecimentos sobre elas passam geralmente de pais para filhos. Embora tenham propriedades terapêuticas comprovadas, as ervas exigem, porém, cuidados específicos e, muitas produzem efeitos colaterais se não utilizadas da maneira adequada, afirma Panizza citado por Pinheiro (1999). Segundo Soares (1999), inúmeros trabalhos científicos têm relatado efeitos tóxicos, principalmente sobre o fígado, e, em escala menor sobre os rins, o sangue, a pele, o sistema nervoso e cardiovascular, bem como efeitos mutagênicos e carcinogênicos. Grandes dificuldades inerentes à fitoterapia advêm do fato de que cada espécie vegetal (planta) é uma mistura complexa de milhares de substâncias químicas, e, em geral, fica difícil identificar, separar e concentrar os componentes farmacológicos úteis (princípios ativos), complicando muito a padronização da dosagem desses produtos. Além disso, a produção e comercialização dos fitoterápicos não estão sujeitas ao mesmo código de normas rígidas que os medicamentos alopatas. Segundo Soares (1999), o consenso atual da comunidade científica é que cada vegetal é um caso específico a ter suas propriedades farmacológicas e suas seguranças exaustivamente estudadas. É necessário realizar estudos completos e sofisticados com cada produto, pois cada um deles pode ter uma ação no laboratório (“in vitro”) e outra diferente no organismo humano (“in vivo”). Para escolha de espécies a serem estudadas na área de farmacologia, torna-se necessário, previamente, a identificação de plantas medicinais que, segundo David e David (2002), guiam as pesquisas com produtos naturais, e podem contribuir sobremaneira para a descoberta de drogas, porque proporcionam o conhecimento de novas estruturas químicas e/ou mecanismos de ação; por exemplo: o capim-favorito (Rynchelytrum repens) contém, segundo pesquisadores do Instituto de Botânica de São Paulo e da Universidade Federal de Lavras, dois tipos de açúcar (betaglucano e o arabinoxilano) que parecem baixar em até 50% a taxa de glicose no sangue durante 24 horas (LOPES, 2006). Ainda, segundo aqueles autores, fármacos derivados de plantas e fitoterápicos têm valor fármaco-econômico, mostrando-se importantes para o desenvolvimento de novos fármacos sintéticos. Trabalhos que objetivaram resgatar o conhecimento das populações no que diz respeito ao uso de plantas medicinais, foram desenvolvidos por Amorozo e Gély (1988), Amorozo (1993, 1997), Rodrigues (2001), Rodrigues e Carvalho Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 143 (2001), Costa (2002), Geovanini (2004) e Motomiya et al. (2004). As plantas, além de seu uso na medicina popular com finalidades terapêuticas, têm contribuído, ao longo dos anos, para a obtenção de vários fármacos, até hoje amplamente utilizados na clínica. Como exemplo, pode-se citar a morfina, a emetina, a vincristina, a colchichina, a rutina, etc. (CECHINEL FILHO e YUNES, 1998). Entre os diversos exemplos de substâncias oriundas de plantas e de importância atualmente, pode-se mencionar a forscolina, obtida de Coleus barbatus, que apresenta promissores efeitos contra hipertensão, glaucoma, asma e certos tumores (DE SOUZA, 1993), a artemisinina, presente em Artemísia annua, que exerce potente atividade antimalárica (KAMCHONWONGPAISON e MESHNICK, 1996), e o diterpeno anticancerígeno taxol, isolado de plantas do gênero Taxus, que após sua síntese em escala industrial, já se encontra disponível no mercado farmacêutico, constituindo-se numa grande esperança para pessoas portadoras de câncer nos ovários e pulmões (KINGSTON, 1991; HORWITZ, 1994; FITOTERAPIA, 1995; CORRÊA, 1995). Para Vasconcelos (1996), os Serviços de Atenção Primária à Saúde possibilitam a aproximação entre os hospitais e ambulatórios centrais e o cotidiano da vida popular detentora dos saberes e práticas populares de saúde. Por isso, Klein (2003) desenvolveu, no interior da Amazônia, um programa de educação popular em saúde, quando foi construído um novo saber unindo os conhecimentos sistematizados ao saber tradicional ( uso de plantas medicinais, o respeito aos rezadores, às parteiras tradicionais e outras práticas comunitárias). Em razão do crescente reconhecimento social que vem alcançando muitas das chamadas medicinas alternativas que funcionam segundo modelos explicativos fora da lógica científica da nossa medicina, propõe-se o presente estudo para conhecer as plantas medicinais mais conhecidas e utilizadas por acadêmicos (as) da Faculdade Maria Milza, bem como as partes mais utilizadas e o modo de preparo, mais freqüentemente utilizado, para o consumo MATERIAIS E MÉTODOS Selecionaram-se para o estudo 190 discentes de Enfermagem (2004.I e II, 2005.I e II) e de Geografia (2004.I e II, 2005.I e II), da Faculdade Maria Milza, situada em Cruz das Almas, Bahia. A amostra escolhida foi ao acaso. Para a coleta de dados aplicou-se a técnica da observação direta extensiva e utilizou-se como instrumento um questionário, constituído por seis perguntas (quatro fechadas e duas abertas). As variáveis do questionário selecionadas para este estudo foram: utilização de plantas medicinais; origem do hábito de utilização; tipos de doenças; tipos de ervas medicinais mais utilizadas; partes dessas plantas utilizadas para consumo; forma de preparo para o consumo. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 144 Os questionários foram aplicados após autorização da diretoria, na presença do professor, com garantia de confidencialidade. O protocolo não foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, pois ainda não existe na referida Instituição, e considerando a natureza do estudo, que se restringiu à aplicação de um questionário anônimo. Desenho de estudo: estudo de corte transversal de caráter exploratório. Análise estatística: após a coleta dos dados, os mesmos foram tabulados utilizando-se para isso os métodos da Estatística Descritiva, quando as informações foram expressas através de distribuição de freqüências, tendo sido apresentadas nas formas gráficas e tabulares. RESULTADOS E DISCUSSÃO A prática generalizada do uso de plantas medicinais por parte dos estudantes da FAMAM fica evidente ao se constatar que 87,3% dos respondentes optam por este hábito. Este resultado encontra respaldo na estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) segundo a qual 80% da população mundial fazem uso de algum tipo de erva para o alívio e cura de doenças ( DAVID e DAVID, 2002 ). Segundo esses autores, nas últimas três décadas, 25% de todas as prescrições fornecidas pelos farmacêuticos nos Estados Unidos da América foram constituídos de princípios ativos que ainda são extraídos de plantas superiores. Acrescentam ainda que, aproximadamente 119 substâncias químicas extraídas de cerca de 90 espécies de plantas superiores são usadas na medicina no mundo, e 77% destas são derivados de plantas usadas na medicina tradicional. Brandão Neto et al. (2004), observaram que 60% das 240 famílias entrevistadas em seis municípios baianos (quatro situados no Recôncavo Baiano e dois na região Paraguaçu ), preferem utilizar remédios homeopáticos. Quanto à origem das informações sobre as plantas medicinais, pode-se observar no quadro 1, que familiares foram o principal meio de difusão de tais conhecimentos, o que já era presumível, pois, segundo Costa (2002) e Geovanini (2004), tais conhecimentos são transferidos pelos antepassados através de gerações de forma oral, sem registros literários. Motomiya et al. (2004) também observaram que a principal forma de obtenção de informações sobre plantas medicinais foi através dos pais (42,6%) ou avós (27,9%). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 145 Quadro 1 – Origem das informações estimuladoras do hábito de utilização de plantas medicinais, por parte dos acadêmicos da FAMAM, em 2005. ORIGEM DAS INFORMAÇÔES FREQÜÊNCIA (%) FAMILIARES 77,5 AMIGOS 10,5 MEIOS DE COMUNICAÇÃO 6,2 BENZEDEIRAS 2,5 PROFISSIONAIS HOMEOPATAS 3,3 FACULDADE 0,0 Rodrigues (2001), encontrou que 62,7% dos questionados tiveram acesso aos conhecimentos sobre plantas medicinais por meio da transferência de receitas através das gerações e a troca com os vizinhos não deixaram de lado a sabedoria de seus antepassados, predominando a transferência de receitas através das gerações. Ainda, segundo essa autora, “alguns moradores do Povoado Sapucaia (Cruz das Almas – BA.), obtiveram conhecimento através de outros meios, ou seja, há algum tempo atrás, foi dado um curso para leigos, sobre usos de plantas para fins medicinais, por médicos na cidade. Isso demonstra já a preocupação em cuidar melhor da população, pois o uso empírico de plantas já é muito difundido.”. No levantamento etnobotânico de plantas medicinais no Domínio do Cerrado na Região do Alto Rio Grande (MG), Rodrigues e Carvalho (2001), entrevistaram raizeiros, descendentes de avós indígenas, africanos ou ambos, e de faixa etária entre 56-72 anos, cujo papel de hoje, em alguns aspectos, se assemelha aos dos curandeiros antecedentes, ou seja, indivíduos que dentro das suas comunidades detêm a sabedoria passada por seus ancestrais de preservar e utilizar as plantas do meio ambiente onde vivem. Segundo a maioria dos raizeiros, eles eram muito procurados em décadas passadas para a cura de doenças utilizando-se plantas medicinais; ocorreu um declínio na procura entre as décadas de 70 – 80, retomou por volta de 1985 e intensificou-se cada vez mais até os dias de hoje. Observa-se que as plantas mais citadas são aquelas utilizadas no tratamento de doenças do estômago, intestino, cefaléia, doenças das mulheres e doenças respiratórias, como gripe, bronquite e tosse. Motomiya et al. (2004), também fizeram observações semelhantes. Embora muitos trabalhos realizados relatem utilizações de plantas medicinais para o tratamento de diversas doenças, apenas algumas literaturas da medicina tradicional citam determinadas plantas que são utilizadas na preparação de fitoterápicos, à exemplo da obra de David e David (2002), que citam que a atividade antiinflamatória de Atricaria recutita L. (camomila) é devida à presença de terpenóides (camazuleno, á-bisabolol) e flavonas (apigenina). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 146 Cechinel Filho e Yunes (1998), demonstraram que os extratos brutos de diferentes espécies de Phyllanthus, conhecidas como “quebra pedra” exercem potentes efeitos analgésicos com potência muito maior do que algumas drogas utilizadas na clínica, como a aspirina e o acetaminofeno. À partir de P. sellowianus obtiveram dois fitoesteróides muito comuns em plantas, estigmasterol e âsitoesterol, que apresentam uma ação equipotente à aspirina; além desses foram isolados vários compostos ativos como os taninos furosina e geranina com resultados farmacológicos bastante promissores; e, flavonóides quercetina e rutina, que apresentaram relevante ação analgésica. DeBusk (2005), relata que o cardo mariano (Silybum marianum) é conhecido como uma erva do fígado, por suas aparentes características hepatoprotetoras. Os usos adjuvantes da silimarina (constituinte ativo do cardo mariano), aprovados pela Comissão E alemã, incluem o tratamento de dano hepático inflamatório secundário à cirrose, hepatite ou infiltração gordurosa causada por álcool ou outras toxinas. O capim-favorito ( Rynchelytrum repens ) contém, segundo pesquisadores do Instituto de Botânica de São Paulo e da Universidade Federal de Lavras, dois tipos de açúcar (betaglucano e o arabinoxilano) que parecem baixar em até 50% a taxa de glicose no sangue durante 24 horas (LOPES, 2006). As plantas mais citadas e utilizadas pelos Acadêmicos se encontram na Figura 1. Além dessas, Carqueja, Mastruz, Eucalipto, Tapete-de-oxalá, Manjerona, Espinho-cheiroso, Poejo, Goiabeira, Eucalipto, Algodoeiro, Fedegoso, Sabugueiro, Alfazema, Bem-me-quer, Mirra, Maria-milagrosa, Velaminho-verdadeiro, Mentrasto, Pinha, Abacateiro, Folha-da-costa, São Gonçalinho, Manjericão, Mangueira, Arruda, Água-da-levante, Cebola, Confrei, Vassourinha-de-relógio, Cristade-galo e Erva-de-mocó, foram mencionadas apenas uma vez. 20 15 10 5 Novalgina Hortelã Aroeira-branca Agrião Eucalipto Picão Quebra-pedra Sene Novalgina Espinheira-santa Quioiô Mastruz Alumã Aroeira Tapete-de-oxalá Alho Limão Romã Pitanga Camomila Erva-doce Boldo Capim-santo 0 Erva-cidreira Número de vezes em que foram citadas 25 Plantas Figura 1 – Plantas medicinais citadas pelos Acadêmicos da FAMAM. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 147 As substâncias ativas das plantas medicinais são de dois tipos: os produtos do metabolismo primário (essencialmente sacarídeos), substâncias indispensáveis à vida da planta que se formam em todas as partes verdes graças à fotossíntese; o segundo tipo de substâncias é oriundo do metabolismo secundário, aparentemente sem atividade na planta, possui efeitos terapêuticos notáveis. Tais substâncias, denominadas princípios ativos ou compostos secundários, são os óleos essenciais (ou essências naturais), resinas, alcalóides, flavonóides, taninos, princípios amargos, entre outros (DI STASI, 1996). Como a constituição química, na maioria dos casos, difere significativamente em relação às distintas partes da planta (TORTORIELLO et al., 1995; KLINAR et al., 1995; BASHIR et al., 1992; CECHINEL FILHO et al., 1995), parece mais viável estudar inicialmente aquela empregada na medicina popular e posteriormente as outras partes da planta, que também podem conter princípios ativos. No presente estudo, observou-se que 65% dos Acadêmicos utilizam as folhas das plantas para o consumo; raízes, frutos, flores, caules e talos são utilizadas por 11%, 10%, 5% e 9% dos respondentes, respectivamente. o que também foi observado por Motomiya et al. (2004) que também encontraram predominância da utilização das folhas. Considerando o preparo com o objetivo de se obter um melhor resultado terapêutico dessas plantas, constatou-se que 74,6% dos informantes utilizam-nas na forma de chá, 30% deles como infusão, 10% como alimento, 1% na forma de cataplasma, 1% como pomada e 1% in-natura. A preferência pela forma de chá também foi observada por Motomiya et al. (2004) e por Rodrigues e Carvalho (2001). CONCLUSÕES a) b) c) d) e) Com base no estudo realizado pode-se concluir que: A utilização de plantas medicinais para tratar ou prevenir a diversidade de afecções, é feita por 87,3% dos Acadêmicos; A maioria dos estudantes (77,5%) adquiriu os conhecimentos sobre plantas medicinais através dos familiares; Foram levantadas 55 espécies vegetais; A parte da planta preferencialmente utilizada é a folha, conforme respostas de 65% dos Indivíduos; A forma de preparo predominante é o chá, conforme 74,6% dos Acadêmicos. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 141-150, Novembro, 2006. 148 REFERÊNCIAS AMOROZO, M. C. de M.; GÉLY, A. Uso de plantas medicinais por caboclos do Baixo Amazonas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. 4(1): 47-131, 1988. Série Botânica. AMOROZO, M. C. de M. Algumas notícias adicionais sobre o emprego de plantas e outros produtos com fins terapêuticos pela população cabocla do município de Barcarena, PA, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. 9(2): 259-266, 1993. Série Botânica. AMOROZO, M. C. de M. Algumas notícias adicionais sobre o emprego de plantas e outros produtos com fins terapêuticos pela população cabocla do município de Barcarena, PA, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. 13(2): 191-213, 1997. Série Botânica. BASHIR, A. K.; HASSAN, S. S.; AMIRI, M. H.; ABDALLA, A. A.; WASFI, I. A. Fitoterapia, 1992, 63, 371. BRANDÃO NETO, M. de O.; BRITO, M. dos S.; MARTINS, M. O. de A.; FIAIS, S. M.; SILVA, S. S. dos S.; MOREIRA, K. V. S. C.; SOUTO, B. S.; TRIGO, E. M. S.; SOUZA, A. de O.; SILVA, I.; COSTA, M. A. P. de C. Cura por meio das plantas medicinais. In: Seminário Estudantil de Pesquisa. Cruz das Almas, 2004. Anais. Cruz das Almas, Faculdade Maria Milza, 2004. p. 95-97. CECHINEL FILHO, V.; YUNES, R. A. 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Com o objetivo de estudar o efeito da inoculação do fungo micorrízico arbuscular (FMA), Gigaspora margarita, na incidência e efeitos do Fusarium oxysporum f. sp. cubense na cultura da banana, variedade 'Maçã', experimentos foram realizados em condição de casa de vegetação da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, Bahia. O experimento foi realizado em três etapas; na primeira fez-se um teste de ajuste para determinação das doses de inoculo do FMA, na segunda, produziram-se mudas de banana inoculadas com G. margarita e na terceira a inoculação do FOC. Os resultados permitem concluir que o fungo micorrízico apresenta eficiência simbiótica para o desenvolvimento das mudas de bananeira, variedade 'Maçã', cuja inoculação prévia do FMA promove redução no índice de doença causado por Fusarium oxysporum f. sp. cubense até determinado limite da dose de inoculo do fungo, cujo uso de maior concentração do FOC causa redução na colonização micorrízica. PALAVRAS-CHAVE: Banana; murcha de fusarium; biocontrole; micorriza. ABSTRACT- The main fitossanitary problem of 'Maçã' variety of banana is the fusarium wilt, also known as mal-do-Panamá, caused by Fusarium oxysporum f. sp. cubense (FOC). This desease is widespread in all production regions of banana in the world. It is highly destructive and has its control based ou use of tolerants/ resistents cultivars. Biocontrol of the pathogen with mycorrhizal association represents a potential to be explored to meet a cultive system less agressive and more sustainable. We conducted experiments at National Cassava & Fruit Reseach Center, Cruz das Almas, Bahia, Brazil, to study the influence of inoculation of mycorrizal arbuscular fungi Gigaspora margarita on incidence and effects of Fusarium oxysporum f. sp. cubense on 'Maçã' variety of banana. The * Professora do Curso de Licenciatura em Geografia da FAMAM. E-mail: [email protected] ** EMBRAPA*** UFBA Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 152 experiment was done in three stages: first we proceeded a test to adjust levels of inoculum of MAF to be set on the experiment; than plantlets of banana were inoculated with G. margarita and after 60 days, inoculated with FOC. We conclused that G. margarita had mycorrizal eficiency for development of banana plantlets of 'Maçã' variety; previus inoculation of MAF reduced desease index caused by Fusarium oxysporum f. sp. cubense, depending on level of inoculum of MAF; high inoculum of FOC reduced mycorrizal colonization. KEY WORDS: Musa sp., fusarium wilt, biocontrol, mycorrhizae Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 153 INTRODUÇÃO A bananicultura assume uma importância mundial, por ser a banana e o “platano” cultivados em quase toda a faixa intertropical do globo terrestre e nas regiões subtropicais onde há possibilidade de seu cultivo (MOREIRA, 1987). Com abertura de novos mercados, aumento do consumo mundial e maior exigência dos consumidores, surge a necessidade de novos rumos a serem tomados pela bananicultura nacional como a busca de alta qualidade genética e fitossanitária. Dentre os principais problemas fitossanitários da bananeira, está o mal-do-Panamá ou murcha de fusarium, causado pelo fungo de solo Fusarium oxysporum Schlechtend: Fr. f. sp. Cubense pertencente à classe dos Deuteromicetos ou fungos imperfeitos (KIMATI & GALLI, 1980; PEREIRA et al., 1999). O FOC está amplamente distribuído no mundo, infectando grande número de cultivares de bananeira e causando sérios problemas econômicos para os bananicultores, devido ao seu grande potencial destrutivo e à dificuldade de aplicação de medidas de controle. Kimati & Galli (1980) consideram que o melhor método de controle do mal-do-Panamá, consiste na utilização de cultivares tolerantes/resistentes, como as pertencentes ao subgrupo Cavendish resistentes às raças 1 e 2 do patógeno. Mais recentemente, vem-se buscando usar o potencial de equilíbrio biológico do solo. A pesquisa no controle biológico de patógenos de plantas tem recebido muita atenção nos últimos anos como um meio de aumentar a produtividade das culturas, desenvolvendo-se práticas compatíveis com a agricultura sustentável e evitando-se problemas relacionados ao controle químico tais como poluição ambiental, desenvolvimento de resistência dos patógenos aos produtos utilizados, entre outros. Dentre os componentes da microbiota do solo encontram-se os fungos micorrízicos arbusculares (FMAs), que formam associações simbióticas estáveis com as plantas. Entre os benefícios dessa associação para as plantas pode-se citar: incremento da nutrição da planta; melhoria nas relações hídricas e equilíbrio hormonal; além de os FMAs poderem aumentar a capacidade de tolerância/resistência das culturas a fungos fitopatogênicos. Os FMAs podem influenciar na bioproteção de fungos patogênicos como Fusarium e Phytophthora, por meio de mudanças na anatomia ou morfologia no sistema radicular, na população da rizosfera microbiana e nos mecanismos de defesa da planta. A ocorrência dessa associação micorrízica é muito comum na bananeira, assim a interação entre FMA e FOC pode ocorrer representando um grande potencial a ser explorado no biocontrole do mal-do-Panamá, o que proporcionará um cultivo menos agressivo e mais sustentável. A produção de mudas de banana via micropropagação vem aumentando significativamente e representa uma forma mais segura de obtenção de material propagativo livre de doenças, pelo menos nas fases iniciais de desenvolvimento das plantas. Também é um sistema que permite a introdução de organismos benéficos selecionados, como os FMAs. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 154 No presente trabalho objetivou-se avaliar o efeito da inoculação do FMA, Gigaspora margarita, na incidência e efeitos do Fusarium oxysporum f.sp. cubense na cultura da banana, variedade 'Maçã', na fase inicial de desenvolvimento vegetativo. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido em casa de vegetação, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas, BA, no período de novembro 2001 a maio de 2002. Utilizaram-se mudas micropropagadas de bananeira, produzidas pela Empresa CAMPO – CPA /Embrapa. Foram realizados dois experimentos. No primeiro, fez-se um teste de ajuste das doses de inóculo do FMA. No segundo, avaliou-se a interação FMA x FOC, sendo realizado em duas etapas onde na primeira inoculou-se o FMA e na segunda o FOC, nas masmas plantas. Teste de dosagem de FMA Inicialmente, foi feito um teste de ajuste para escolha das doses do FMA que seriam utilizadas na interação com o FOC. Utilizaram-se cinco doses de inóculo do FMA (0, 5, 10, 20 e 30g por planta contendo 4 esporos g-1) com cinco repetições, no delineamento de blocos casualizados. Cada parcela foi constituída por um vaso plástico com capacidade de 1,3 dm3 contendo uma muda de banana, variedade 'Maçã', produzidas por micropropagação e apresentando altura média de 10,7 cm. O substrato foi composto pela mistura turfa/vermiculita média (3:1,v:v) adicionado de 5 % de esterco bovino, previamente fumigado com 394 ml m-3 de brometo de metila para eliminação dos FMAs nativos e incubados nos vasos, irrigando-se por 10 dias com água destilada. O fungo micorrízico utilizado foi o Gigaspora margarita que se mostrou eficiente para a bananeira em testes anteriores (LINS, 1999). A inoculação foi feita no ato da repicagem, dispondo-se o inóculo (solo, raízes, esporos e hifas) em torno das raízes da plântula. No tratamento não inoculado, fez-se aplicação de um filtrado obtido pela passagem do inóculo em peneira com malha de abertura de 0,037 mm (400 “mesh”). Após 45 dias de cultivo, coletou-se a parte aérea para determinação do peso de matéria seca sistema radicular para determinação da taxa de colonização micorrízica. Experimento da interação FMA x FOC Utilizou-se o delineamento experimental em blocos ao acaso em esquema Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 155 -1 fatorial 5 x 4, sendo cinco doses de inóculo do FMA (0, 1, 3, 8 e 15 g planta ) e quatro doses de inóculo de FOC (0, 102, 103, 104 conídios mL-1) com cinco repetições. O experimento constou de duas etapas em que se fez na primeira a inoculação do Gigaspora margarita. Produção de inóculo O inóculo do FMA Gigaspora margarita foi obtido da coleção do Laboratório de Microbiologia do Solo da Embrapa Mandioca e Fruticultura, previamente multiplicado na cultura do sorgo (Sorghum bicolor), contendo 148 esporos em 30 g de inóculo, crescido em mistura de turfa e vermiculita na proporção 3:1, adicionada de 5 % de esterco. O isolado do FOC (TOMBO 095) foi obtido da coleção do Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Para a produção do inóculo o isolado, foi repicado para cultivo em placas de petri de 100 mm x 20 mm, contendo meio batata-dextrose-ágar (BDA), e posteriormente colocadas em câmara de crescimento por 10 dias a 25oC. Utilizou-se o meio Rosa de Bengala para cultivo do patógeno, com vista a reduzir a taxa de contaminação bacteriana. Após a purificação do FOC, os conídios foram coletados, utilizando-se 10mL de água destilada estéril esfregando-se levemente um pincel sobre as colônias e submetendo-se a suspensão a uma agitação para a liberação dos mesmos. Da suspensão conidial obtida, determinou-se sua concentração em Câmara de Newbauer ajustando-se as suspensões de trabalho utilizadas nas inoculações das plântulas. A suspensão do inóculo apresentava 1,3 x 107 conídios mL-1, sendo diluída em água destilada para as dosagens 102, 103, 104 conídios mL-1. Produção de mudas “in vitro” A variedade Maçã foi escolhida em função da alta susceptibilidade ao agente causal do mal-do-Panamá. As mudas foram obtidas através de cultura de meristema a partir de plantas matrizes da Embrapa Mandioca e Fruticultura. As plântulas encontravam-se no segundo sub-cultivo, tendo sido multiplicadas em meio de MS (MURASHIGE & SKOOG, 1962) suplementado com 3 mgL-1 de 6benzilaminopurine, 30 g L-1 de sacarose, 2 gL-1 de fitagel. Para o enraizamento, utilizou-se o meio de MS com 0,25 mg.L-1 de ácido naftaleno acético, 30 gL-1 de sacarose e 6 gL-1 de ágar. Para o início do experimento as plântulas apresentavam em média 10,3 cm de altura (medida do colo até o final da última folha), 5 folhas, 10 raízes e a maior delas com aproximadamente 8,9 cm de comprimento. Instalação do Experimento Cada parcela correspondeu a um vaso com capacidade de 1 dm3 contendo Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 156 uma muda. O substrato foi o mesmo utilizado no teste de ajuste e na produção de inóculo. Inoculação do FMA Durante o transplantio, cada grupo de 25 plântulas foi inoculado com o FMA Gigaspora margarita, nas diferentes doses já citadas anteriormente, no momento do transplantio para os vasos, dispondo-se o inóculo (solo e esporos) em torno das raízes da plântula. No tratamento não inoculado, fez-se aplicação de um filtrado obtido por passagem em peneira com malha de abertura de 0,037 mm (400 “mesh”), visando recompor a microbiota do inóculo sem propágulos de FMAs. A irrigação foi feita com água destilada de acordo com a necessidade da planta, utilizando-se regador manual. A cada 20 dias,após o transplantio, as plantas receberam 10 mL de uma suspensão contendo 10 mg de N planta-1 na forma de sulfato de amônio e 10 mL de uma solução nutritiva contendo: 6g L-1 de MgSO4.7H2O, 3g L-1 MnSO4 .H20, 3 g L-1 de ZnSO4.7H20, 1,5 g L-1 de CuSO4.5H20, 0,24 g L-1 de H3BO3 e 0,09 g L-1 de NaMoO4.2H2O, para complementação do fornecimento de nutrientes. As mudas foram aclimatadas por sessenta dias. Vinte e cinco plantas foram coletadas para avaliações do peso da matéria seca da parte aérea, teores de P e K e percentual de colonização micorrízico. Inoculação do FOC As plantas restantes foram inoculadas com o FOC nas doses 0, 102 , 103 e 10 conídios mL-1. Para isto, retirou-se as plantas do substrato de cultivo e suas raízes foram imersas em suspensão, por 20 minutos, contendo as diferentes concentrações do FOC. Em seguida, foram transplantadas para vasos com capacidade para 5 L, contendo solo (Tabela 2) previamente autoclavado, com pH corrigido pela adição de CaCO3 e MgCO3, ambos P.A., em dosagem equivalente a 1,5 t ha-1 de P e K e incubado por uma semana no telado. As mudas foram levadas para casa de vegetação e a cada 20 dias as plantas receberam solução nutritiva contendo N e micronutrientes, nas mesmas dosagens usadas na etapa anterior, regadas com água destilada de acordo a necessidade da planta. Após 45 dias de cultivo, procedeu-se à coleta para avaliações. 4 Avaliação Na primeira etapa do experimento, após 60 dias do transplantio, foram colhidas vinte e cinco plantas para obtenção do peso de matéria seca da parte aérea e teores de P e K (Malavolta et al., 1989). Do sistema radicular, avaliou-se o percentual de colonização micorrízica (Phillips Hayman, 1970). Na segunda etapa do experimento, avaliou-se a matéria seca da parte Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 157 aérea, altura da planta, análise foliar (teores de P e K) (MALAVOLTA et al., 1989). O sistema radicular foi separado em raízes e radicelas, medindo-se o comprimento das raízes pelo método direto, com auxílio de régua e as radicelas pelo método da placa reticulada (NEWMAN, 1966). As radicelas foram utilizadas, posteriormente, para avaliação do percentual de colonização. Para tal, procedeu-se à despigmentação das mesmas com KOH 10 % em chapa aquecida a 90ºC durante 30 min. Após resfriamento, retirou-se o KOH lavando-se em água corrente. As raízes foram cobertas com HCl 1% por 4 min, e logo após coloridas pela imersão no corante Azul de trypano 0,05%. Após 24h em temperatura ambiente, as amostras foram retiradas do corante e cobertas com Ác. Lático + Glicerina para conservação. A avaliação da colonização micorrízica foi realizada em placa graduada, utilizando-se lupa e contador eletrônico (PHILLIPS HAYMAN, 1970). O índice de infecção por Fusarium foi calculado de acordo com a fórmula abaixo, proposta por Cirulli & Alexander (1966), atribuindo-se notas de 0 a 6 conforme escala proposta por Ordeja (1993), para avaliação de sintomas. (nota x nº de mudas) S ID= nota máxima x nº de repetições x 100 Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, segundo o delineamento em blocos casualizados, analisados pelo programa SISVAR – Sistema de Análise de Variância, desenvolvido por Ferreira (2000). Foram ajustadas equação de regressão para as doses de inóculo de FMA e FOC. RESULTADOS Teste de dosagem de FMA A introdução do FMA Gigaspora margarita promoveu taxas de colonização crescentes até doses em torno de 20 g planta-1 de inoculo. Neste ponto a colonização estimada foi de 90,3 % (Figura 1). A maior dose testada promoveu elevada colonização mas, inferior àquelas obtidas em doses menores. A produção de matéria seca da parte aérea foi influenciada pela inoculação do fungo G. margarita (Figura 2). Observa-se na Figura 5 um aumento crescente até a dosagem de 18 g planta-1 do inóculo do FMA. A partir daí, houve um pequeno decréscimo. Com base neste teste, passou-se a usar, no experimento da interação FMA x FOC, doses diferentes buscando-se atingir o pico de colonização. A resposta foi crescente até a dose de 8 g planta-1, tendendo a estabilização em doses maiores. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 158 Interação FMA x FOC Inoculação com FMA A inoculação do fungo micorrízico em doses ascendentes resultou em percentagem de colonização crescente, atingindo ponto máximo acima de 90% (Fig. 1). A produção de matéria seca da parte aérea das mudas de banana “Maçã” foi influenciada pelo aumento das doses de inóculo do G. margarita. A resposta foi crescente até a dose de 8 g planta-1 tendendo ao declínio em doses maiores(Fig. 2). A inoculação do FMA em doses crescentes de inóculo promoveu aumento significativo nos teores de P na planta. Esse aumento seguiu o padrão observado na colonização onde a dose maior 15 g não correspondeu à maior resposta da planta, (Fig. 6). Para o teor de potássio na parte aérea, elemento de grande exigência pela bananeira, a análise de regressão não revelou significância para o efeito de inóculo do FMA. Inoculação com FOC e efeito da interação com FMA O uso de doses crescentes de inóculo de FMA ainda resultou em aumentos na taxa de colonização ao final do experimento, mas esta foi influenciada pela inoculação do FOC (Fig. 1). O uso da maior concentração de FOC causou redução na colonização micorrízica, principalmente na menor dose de inóculo de FMA, o que pode ser visualizado também, na Fig. 1. A altura das mudas de bananeira foi influenciada pelos efeitos principais de FMA e de FOC, não havendo interação entre eles. Verifica-se que houve pequeno incremento na altura da planta em função das doses crescentes do inóculo de FMA. A inoculação com 8 g foi a que proporcionou melhor resposta ao crescimento da planta (Fig. 4). Com a introdução do FOC, as plantas tiveram redução de crescimento em altura já a partir da menor dose do patógeno (Fig. 5). A inoculação prévia do FMA resultou no maior acúmulo de matéria seca da parte aérea das mudas de banana 'Maçã' em relação à planta-controle (Fig. 2). A presença do FOC em qualquer das doses aplicadas (102, 103 e 104), reduziu o crescimento das plantas (Fig. 5). Verificou-se, um aumento crescente da matéria seca das radicelas das plantas de banana 'Maçã' quando utilizou-se doses de inóculo de FMA até 8 g planta-1 . A partir daí, o efeito não foi positivo. A absorção de fósforo pela planta foi maior quando inoculou-se o fungo G. margarita na dosagem de 3 g planta-1 . Mesmo havendo um decréscimo nas doses de 8 e 15 g planta-1 , estas foram superiores ao tratamento controle (Fig. 6). Com a introdução das concentrações crescente do FOC (Fig. 7) observouTextura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 159 se que os teores de fósforo na planta aumentaram em relação ao tratamento controle. A introdução do FOC pelo método utilizado resultou em índice de doença de até 70%, aumentando com a dose do patógeno e sendo influenciado pela presença do fungo micorrízico (Fig. 8). As plantas inoculadas com concentração do FOC mais baixa (102 cn mL-1) desenvolveram índice de doença também baixo, independente da presença do fungo micorrízico. Nas maiores doses de FOC, a micorrização prévia de plântulas de banana “Maçã” com Gigaspora margarita reduziu a infecção das mesmas, sendo este efeito significativo em concentrações do FOC de 103 cn mL-1, quando a inoculação do FMA reduziu o índice de doença de 43% para até 7%. . Esta redução foi obtida com o uso de 3g planta-1 de inóculo de FMA. Assim, o uso de quantidades de inóculo de FMA acima dessa dose não resultou em maiores benefícios para a planta quanto ao índice de doença. Isso mostra que a dose de inóculo de FMA é importante quando a taxa de colonização é limitante. No caso Gigaspora margarita coloniza bem mesmo com baixas doses (potencial de inóculo). CONCLUSÕES 1. A inoculação prévia do FMA promove redução no índice de doença e nos danos causado por Fusarium oxysporum f.sp. cubense até determinado limite da dose do fungo; 2. O uso de maior concentração de FOC causa redução na colonização micorrízica principalmente na maior dose de inóculo de FMA. 3. O fungo micorrízico arbuscular G. margarita apresenta eficiência simbiótica para o desenvolvimento das mudas de bananeira variedade 'Maçã'. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 160 Taxa de Colonização micorrízica (%) ANEXO 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 cn planta -1 1 cn planta - FOC 0 2 FOC 10 3 FOC 10 4 FOC 10 0 5 10 15 cn planta -1 cn planta -1 20 Inóculo de FMA (g planta -1) Fig. 1. Taxa de colonização micorrízica de raízes de banana 'Maçã', submetidas a diferentes doses de inóculo de G. margarita em diferentes concentrações de FOC. 12 Ma té ria s e c a d a p a rte a é re a (g ) Ma té ria s e c a d a p a rte a é re a (g ) 12 10 8 6 4 2 0 10 8 6 4 2 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 0 1 2 -1 Fig. 2. Matéria seca da parte aérea de plantas de Banana 'Maçã' submetidas a diferentes doses de inóculo de G. margarita. 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Inóculo de FMA (g planta Inóculo de FMA (g planta ) -1 ) Fig. 3. Matéria seca da parte aérea de plantas de banana “Maçã” submetidas a diferentes a concentrações de FOC. Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. Altura de plantas de banana "Maçã" (cm) 161 40 35 30 25 20 15 y = -0,4544Ln(x) + 32,422 R2 = 0,8927 10 5 0 0 2000 4000 6000 8000 10000 -1 conídios mL Fig. 4. Altura de plantas de banana 'Maçã', submetidas a diferentes doses de inóculo de G. margarita). Fig. 5. Altura de plantas de banana 'Maçã', submetidas a diferentes concentrações de FOC. Teores de fósforo (g Kg-1) 2,9 2,8 2,7 2,6 y = 0,0282Ln(x) + 2,5112 R2 = 0,8883 2,5 2,4 2,3 0 2000 4000 6000 8000 10000 conídios mL-1 Fig.6. Teores de P em plantas de banana 'Maçã' submetidas a diferentes doses de inóculo de G. margarita. Fig.7. Teores de P em plantas de banana 'Maçã' submetidas a diferentes concentrações de (FOC). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 162 Fig. 8. Índice de doença em plantas de banana 'Maçã', submetidas a diferentes doses de inóculo de FMA (Gigaspora margarita) em diferentes concentrações de Fusarium oxysporum f.sp. cubense (FOC). Textura, Cruz das Almas-BA, ano 1, n.º 2, p. 151-162, Novembro, 2006. 163 REFERÊNCIAS CIRULLI, M.; ALEXANDER, L. J. A comparison of pathogenic isolates of Fusarium oxysporum v. Licopersici and different sources of resistance in tomato. Phytopathology, St. Paul, v. 56, n. 11, p. 1301 – 1304, 1966. FERREIRA, D. F. Análises estatísticas por meio do Sisvar para Windows versão 4.0. In: REUNIÃO ANUAL DA REGIÃO BRASILEIRA DA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE BIOMETRIA, 45. 2000, São Carlos, Programas e Resumos...São Carlos: UFSCar, 2000, p. 255-258. KIMATI, H.; GALLI, F. Doenças da bananeira. Musa spp: In: GALLI, F. Manual de Fitopatologia: doenças das plantas cultivadas. São Paulo: Agronômica Ceres, 1980. v. 2, p. 87-101. LINS, G. M. L. 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B. da Fonseca, 280 - Telefax: (75) 3621-1031 E-mail: [email protected] CEP: 44.380-000 - Cruz das Almas - Bahia