J:\Livro Particular\2009\QUARTE

Transcrição

J:\Livro Particular\2009\QUARTE
Norma da Silva Lopes
Constância Maria Borges de Souza
Emília Helena Portella Monteiro de Souza
(Organizadoras)
Um estudo da fala popular
de Salvador – PEPP
2009
E D I T O R A
Copyright © Quarteto Editora
Editoração eletrônica
Virginia Oliveira
Revisão de texto
José Carlos Sant’Anna
Capa
Helga Vieira Sant’Anna
Um estudo da fala popular de Salvador: PEPP / Organizado por
Norma da Silva Lopes; Constância Maria Borges de Souza;
Emília Helena Portella Monteiro de Souza. – Salvador :
Quarteto, 2009.
376p.
Inclui referências.
ISBN :
1. Língua portuguesa - Português falado – Salvador(BA). 2. Língua
portuguesa - Variação - Salvador(BA). 3. Sociolingüística. I.
Lopes, Norma da Silva. II. Souza, Constância Maria Borges de.
III. Souza, Emília Helena Portella Monteiro de.
CDD: 469.798142
Todos os direitos desta edição reservados à:
Quarteto Editora
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Telefax: (71) 3452-0210 – Telefone: (71) 3353-5364
Email: [email protected]
DEDICATÓRIA
Dedicamos este livro às professoras
que muito contribuíram para a nossa formação acadêmica.
Profa. Dra. Jacyra Andrade Mota
Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva
Profa. Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva
Profa. Dra. Suzana Alice Marcelino Cardoso
SUMÁRIO
PREFÁCIO ..............................................................................
Myrian Barbosa da Silva
7
APRESENTAÇÃO ...................................................................
Emília Helena Portella Monteiro de Souza .......................
11
PARTE 1
O PEPP: histórico e caracterização .....................................
Norma da Silva Lopes
PARTE 2
Estudos com base no PEPP ................................................
A concordância verbal em Salvador: resultado
de uma transmissão linguística irregular?
Constância Maria Borges de Souza
13
19
A Concordância Nominal nos falantes de Salvador .............
Norma da Silva Lopes
37
Os valores do onde em contextos de língua falada ..............
Emília Helena Portella Monteiro de Souza
57
PARTE 3
Inquéritos/Transcrições
Faixa etária I
Nível fundamental
Inquérito 18 ..............................................................
Inquérito 44 ..............................................................
Nível médio
Inquérito 20 ..............................................................
Inquérito 12 ..............................................................
75
92
110
129
Faixa etária II
Nível fundamental
Inquérito 40 ..............................................................
Inquérito 19 ..............................................................
Nível médio
Inquérito13 ...............................................................
Inquérito 23 ..............................................................
Faixa etária III
Nível fundamental
Inquérito 37 ..............................................................
Inquérito 36 ..............................................................
Nível médio ....................................................................
Inquérito 24 ..............................................................
Inquérito 17 ..............................................................
Faixa etária IV
Nível Fundamental
Inquérito 34 ..............................................................
Inquérito 01 ..............................................................
Nível Médio
Inquérito14 ...............................................................
Inquérito 41 ..............................................................
149
165
185
204
220
238
254
276
300
318
337
354
PARTE 4
Outros trabalhos realizados utilizando dados do PEPP ......
373
REFERÊNCIAS ..................................................................
379
PREFÁCIO
Foi Laing, psiquiatra famoso por criar a “antipsiquiatria”, quem disse
que o conhecimento que temos de nós mesmos depende do olhar do outro.
O outro é o nosso espelho. Não podia ser de outra forma com a língua. Ela
nos expressa e nos reflete na língua do outro. O homem, na comparação da
sua língua com a língua do outro, se revela e se descobre. É natural, pois,
que na história da humanidade o vejamos pesquisando as “formas de dizer a
mesma coisa”, seja para conhecer no presente seu vizinho, seja para conhecer no passado sua origem, seja para libertar, seja para escravizar.
As primeiras observações da língua do outro se perderam no tempo.
Foi a escrita que deu à humanidade a possibilidade de armazená-la e, dentro dela, o mundo, tesouro que se acumulou por séculos nas bibliotecas.
Mas escaparam os traços mais espontâneos da fala, da oralidade, que a tradição dos símbolos gráficos apenas permite vislumbrar. O alfabeto não resistiu ao tempo, perderam-se os sons ou parte deles. Conquista relativamente recente, o alfabeto fonético aproximou mais os estudos linguísticos
da fala e permitiu o registro das características dialetais mais sutis. Até meados do século passado, cadernos em punho e ouvidos atentos é do que
dispunham os dialetólogos para reter os dados obtidos em fichas de cartolina e compor os arquivos de onde procediam seus estudos. A tecnologia do
século XX permitiu que se documentasse a fala viva – com os gravadores - e
com filmadoras, captasse até as suas circunstâncias da elocução, ampliando,
dessa maneira, a quantidade e a qualidade dos dados registrados.
No Brasil, só no início da década de 1960, projetos de estudo da
língua portuguesa utilizaram os gravadores como recurso de fixação de dados. No presente, numerosos arquivos sonoros abrigam amostras cada vez
maiores de fala de variadas partes do país. Daquela época são: o corpus do
Atlas Linguístico de Sergipe (ALS), constituido a partir de 1963; os de projetos particulares, como a amostra do português falado pelos índios Kamayurá,
colhida no Xingu por Rosa Virgínia Mattos e Silva e Pedro Agostinho em
1969, e o corpus constituido por Ada Natal Rodrigues em Piracicaba (SP),
que resultou na sua tese de Doutoramento (O dialeto caipira de Piracicaba),
publicada pela Ática em 1974.
No entanto, foi a partir de 1969 que surgiram os projetos mais arrojados. O primeiro foi o Projeto conjunto e coordenado da norma urbana culta
PEPP
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(NURC), que congregava cinco das mais antigas cidades brasileiras, em que
se incluia Salvador, e se vinculava ao projeto da América espanhola. Seu
objetivo era descrever a norma linguística real entre falantes cultos de cada
país, assim considerados aqueles que tivessem concluído o curso superior.
Dez anos depois, ambicionando estudar o padrão popular da língua, inicialmente também em cinco capitais brasileiras, nasceu o Censo da Variação
Linguística da Cidade do Rio de Janeiro, com orientação sociolinguística de
cunho variacionista, sucedido pelo Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL), ambos realizados principalmente por professores da UFRJ.
Daí em diante, vários grupos de pesquisa se formaram e outros corpora
foram constituidos, como o Projeto Variação Linguística Urbana na Região
Sul do Brasil (VARSUL), implementado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Paraná; o projeto Dialetos Sociais Cearenses; o Projeto de Variação
Linguística no Estado da Paraíba (VALPB) para ficar entre os mais conhecidos.
Na Bahia, outros corpora de menor extensão e finalidades diversas se
formaram desde então. Destaca-se a amostra do projeto desenvolvido na
UEFS, A língua Portuguesa no Semi-árido Baiano – constituida entre 1994 e
2000, que documentou o dialeto rural de sete municípios. Também merece relevo o acervo do português rural e o do português afro-brasileiro, que
fazem parte do projeto Vertentes do Português Rural do Estado da Bahia, do
qual participam pesquisadores de várias instituições (UFBA, UEFS, UNEB,
UNIME, UNIFACS).
Outros corpora menores, representativos de dialetos populares de algumas cidades baianas, vinculados a projetos de dissertação e teses, foram compostos também. Mas faltava a documentação da fala popular de Salvador,
para que se pudesse estudar suas peculiaridades linguísticas e se prosseguisse
a investigação de fenômenos já verificados na fala de sujeitos com escolaridade
superior. Assim, se justificou a criação do PEPP (Programa de Estudos do Português Popular Falado de Salvador), inicialmente vinculado à tese de doutorado de Norma da Silva Lopes, depois às teses de Emília Helena Portella Monteiro
de Souza e de Constância Maria Borges de Souza também, e hoje servindo de
fonte de pesquisa para linguistas, estudantes de Mestrado e pesquisadores
em geral, que queiram utilizá-lo em suas análises.
O trabalho de constituição do corpus foi iniciado em 1998 e concluido
em 2000. O arquivo do PEPP é formado de 48 inquéritos, com duração
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PEPP
média de 40 minutos. Os informantes, homens e mulheres em igual número, de dois níveis de escolaridade, ocupam 4 faixas etárias: de 15 a 24
anos, 25 a 35, 45 a 55, 65 em diante, mantendo-se diferença de dez anos
entre as últimas faixas, o que facilita a comparação entre elas nos diversos
fenômenos estudados em outros corpora.
O PEPP, sob a coordenação da Profa. Norma Lopes, completa agora
dez anos e comemora esse prazo divulgando seus resultados. Este livro não
é destinado apenas à divulgação de parte do seu corpus, contém inicialmente resultados de pesquisas feitas utilizando-se os dados coletados em três
artigos: A concordância verbal em Salvador: resultado de uma transmissão
linguística irregular? de autoria de Constância Maria Borges de Souza; A
Concordância Nominal nos Falantes de Salvador, de Norma da Silva Lopes,
e Os valores do ONDE em contextos de língua falada, de Emília Helena Portella
Monteiro de Souza. Os dois primeiros são estudos variacionistas da concordância verbal e da nominal, o terceiro é um estudo sócio-funcional. Em
seguida, a transcrição integral de dezesseis dos inquéritos do PEPP, representativos cada um das células pesquisadas, conjunto que pode ser utilizado
didaticamente como exemplos de fala espontânea, de metodologia de investigação, de transcrição etc., ou mesmo como material inicial de pesquisa.
A lista de outros trabalhos sobre o corpus do PEPP, apresentada na
Parte 4, mostra que esse programa tem cumprido a principal função a que
se propõe, o de estimular o conhecimento da língua de outros grupos sociais, daqueles que não lograram todas as etapas da educação formal e que por
isso reagem diferentemente às mudanças. Esses trabalhos, em que se incluem dissertações realizadas sob a orientação dos pesquisadores ligados ao
PEPP, certamente serão as referências para futuras especulações sobre o comportamento linguístico dos soteropolitanos na última virada do século.
Que esse esforço conjunto dos linguistas brasileiros de conhecer a fala
do outro resulte no reconhecimento de nós mesmos, enquanto nação plural, na valorização das diversas culturas que ela abriga, na democratização
dos bens, na promoção do bem-estar dos brasileiros.
Salvador, 18 de julho de 2009.
Myrian Barbosa da Silva
PEPP
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APRESENTAÇÃO
Emília Helena Portella Monteiro de Souza
Este livro é o resultado de um trabalho conjunto, em que se aliaram
interesses relativos à pesquisa linguística. Enquanto estudantes do doutorado, as organizadoras deste livro foram desafiadas à constituição de um corpus,
em que pudesse ser estudado o português popular de Salvador. Constituido
o corpus, os estudos desenvolvidos a partir dele foram de base sociolinguística
e sócio-funcional. Procurou-se, com o fenômeno da concordância nominal,
da concordância verbal e com estudos do item onde, os trabalhos a utilizarem o corpus recém-constituido, elucidar sobre realizações da fala popular
de Salvador, no nível morfossintático.
Textos representativos da utilização do corpus fazem parte desta obra,
como “A concordância verbal em Salvador: resultado de uma transmissão
linguística irregular?”, de Constância Maria Borges de Souza, que analisa
uma amostra constituida de inquéritos do PEPP/SSA e inquéritos do NURC/
SSA, estabelecendo um confronto entre eles a partir da observação de variáveis sociais; o texto de Norma da Silva Lopes, “A Concordância Nominal
nos Falantes de Salvador”, que trata da concordância nominal na fala popular (PEPP) e na fala culta (NURC) de Salvador, é um estudo variacionista,
em tempo aparente, estando sob enfoque fatores sociais, e em que são postos em discussão as relações entre etnia, além de outras variáveis, e concordância; o texto de Emília Helena Portella Monteiro de Souza, “Os valores do
onde em contextos de língua falada”, em que são tomados dados do PEPP, do
NURC e do português arcaico, se constituindo em um trabalho de natureza sócio-funcional.
Seguindo-se esses primeiros trabalhos, em que se utilizou o corpus PEPP,
muitos outros foram realizados: teses de Doutorado, dissertações de
Mestrado, monografias de cursos de Especialização e de conclusão de cursos de Graduação, conforme listagem representativa, no final deste livro.
Parte desse corpus está entregue, agora, à comunidade científica, para
que muitas outras pesquisas possam ser desenvolvidas, uma forma de se
mapear o português popular falado nesta sincronia. Quanto dos usos são
específicos da fala popular? Quanto da fala popular já não constitui o português geral do Brasil, neste continuum de imbricação de variantes? Para o
PEPP
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pesquisador, os desafios são constantes, mormente diante de objetos tão
vivos como a língua falada.
Neste livro, encontram-se o histórico do PEPP, inquéritos, trabalhos
elaborados a partir desse corpus. Um convite à leitura.
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PEPP
PARTE 1
O PEPP: histórico e caracterização
Norma da Silva Lopes
A necessidade de amostras atualizadas do português falado em Salvador levou à constituição deste programa, que só foi possível por tomar como
ponto de partida a experiência do grupo envolvido nas preparações e gravação do Projeto Norma Urbana Culta de Salvador (NURC/SSA).
O Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado de Salvador,
PEPP, surgiu da sugestão da professora Rosa Virgínia Mattos e Silva, de que se
implementassem, nesta cidade, estudos sobre a concordância verbal e nominal
com dados novos, o que mais adiante se iniciou. Foi com a professora Myrian
Barbosa da Silva, contudo, que o PEPP ganhou forma, assumindo ela, então, a
orientação de todas as etapas do programa, coordenado, na UNEB, por Norma
da Silva Lopes, em projeto de Dedicação Exclusiva, e tendo Constância Maria
Borges de Souza e Emília Helena Portella Monteiro de Souza, na época como
doutorandas da Universidade Federal da Bahia, que passaram também a constituir o corpus . O trabalho teve o apoio desde o início da Universidade do
Estado da Bahia, através do Departamento de Ciências Humanas e da PróReitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. O trabalho de recolha da fala de Salvador foi até o final assumido pelas três professoras e se tornou objeto de observação e de estudo nas suas teses de Doutorado e de diversos outros estudos
como este texto pretende apresentar.
A fala de Salvador foi estudada desde os anos setenta em diversas dissertações, teses e outros trabalhos, utilizando-se como corpus o material recolhido
pelo projeto NURC, que busca o estudo do português falado por pessoas com
nível universitário. Sentiu-se, desde que esse material passou a ser utilizado,
uma lacuna quanto à possibilidade de estudo de uma amostra com outros
níveis de escolaridade. Com o PEPP, pois, pretende-se, além de fornecer material mais recente, suprir a falta de dados sobre o português falado pelos nãouniversitários. Assim, o PEPP tem como níveis de escolaridade o Fundamental
e o Médio (11 anos de estudo), daí o termo popular, por se saber que a massa
popular representa a maior parte da população que está basicamente compreendida entre esses dois níveis. Ao lado do PEPP, o NURC, hoje, já tem um
PEPP
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acervo também mais atualizado, para cuja preparação também contribuiu o
grupo que é responsável pelo programa tratado neste livro.
O PEPP é formado por quarenta e oito gravações de entrevista de aproximadamente quarenta minutos, com a seguinte caracterização: os informantes estão distribuídos em quatro faixas etárias: de 15 a 24 anos, de 25 a
35 anos, de 45 a 55 anos e de 65 anos em diante. Diante da precariedade
de tempo na constituição da amostra, para não haver prejuizo na observação dos fatos a serem estudados, decidiu-se pela existência de um intervalo
de dez anos entre as três últimas faixas do PEPP, que poderá, com a continuidade do trabalho e a ampliação das gravações, ser reduzido ou desfeito.
A escolaridade dos informantes dessa amostra, como já foi dito, variou entre
mínima, de 1 a 4 anos, e máxima, de 11 anos de permanência na escola.
A seguir, apresenta-se um quadro geral dos informantes, com a sua
distribuição por célula.
3. Demonstrativo Geral dos Inquéritos da Amostra Atual
IDADE
ESCOLARIZAÇÃO
Fundamental
De 15 a 24 anos
Média
Fundamental
De 25 a 35 anos
Média
De 45 a 55 anos
Fundamental
Média
Fundamental
De 65 anos em diante
Média
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HOMEM
MULHER
PEPP/42
PEPP/47
PEPP/18
PEPP/48
PEPP/20
PEPP/04
PEPP/40
PEPP/22
PEPP/09
PEPP/13
PEPP/33
PEPP/28
PEPP/30
PEPP/32
PEPP/37
PEPP/26
PEPP/24
PEPP/15
PEPP/34
PEPP/35
PEPP/06
PEPP/14
PEPP/16
PEPP/11
PEPP/43
PEPP/44
PEPP/05
PEPP/02
PEPP/12
PEPP/03
PEPP/19
PEPP/45
PEPP/29
PEPP/10
PEPP/23
PEPP/21
PEPP/31
PEPP/36
PEPP/46
PEPP/07
PEPP/08
PEPP/17
PEPP/38
PEPP/39
PEPP/01
PEPP/41
PEPP/27
PEPP/25
PEPP
As gravações
A escolha do local das gravações das entrevistas procurou atender sempre cada situação. Algumas gravações ocorreram na residência do entrevistado, ou no seu local de trabalho e outras na casa do inquiridor. Se a casa do
entrevistado fosse a opção de local indicada por ele e permitisse a
tranquilidade da gravação, sem o risco de interferências, esse seria o espaço
escolhido. Cada caso foi estudado, e se buscou o que se considerou que
levava a menos perdas.
Procurou-se criar, para a recolha do material do PEPP, uma situação
o mais próxima possível da coloquial, embora os informantes soubessem
que iriam ser gravados. Utilizou-se como tema a educação do passado e a do
presente, os castigos, a relação pais e filhos. O recurso da gravação, foi dito,
se devia à impossibilidade de anotar e participar da conversa, ao mesmo
tempo. O tema escolhido contribuiu bastante para o clima informal das
conversas, pois falar do tempo de criança, de como os informantes foram
tratados pelos pais, pelos primeiros professores, mostrou-se um assunto com
o poder de quebrar o formalismo da situação e os indivíduos que, no início
da entrevista, se preocuparam com a linguagem, ao falar desse assunto,
deram indícios de terem esquecido a postura inicial e ficaram mais à vontade. Foi assim que até lágrimas surgiram nos olhos de muitos dos entrevistados quando lembraram de fatos de sua infância. Apesar de constrangido,
muitas vezes, por ter provocado a situação, o inquiridor se sentiu vitorioso
por haver conseguido que o informante se “desarmasse” totalmente e assim
se obtivesse uma amostra mais próxima do vernáculo, no sentido laboviano
do termo1.
Na realização dos inquéritos, alguns procedimentos foram adotados
com a finalidade de levar o informante a se comportar o mais naturalmente
possível. Dessa maneira, procurou-se fazer contatos com o informante antes
do dia da entrevista para que, no dia acertado, no mínimo o segundo momento, já se tivesse reduzido o grau de formalidade na relação entre o informante e o documentador responsável pelo trabalho.
1
A língua falada é o vernáculo, no sentido laboviano, quando ela é utilizada sem a preocupação do como da enunciação. Isso pode acontecer nos lares, nos botequins, entre amigos, em
situações de descontração em que o falante não se preocupe com a forma como está falando.
PEPP
15
Na entrevista, para garantir que a conversa seguisse o rumo previsto e
se conseguisse atingir os objetivos propostos, foi elaborado um guia-questionário a ser aplicado. Como as pessoas inquiridas tinham idade e escolaridade diferentes, foram feitas adaptações ao guia-questionário, tentando atender a essas diferenças. Para os mais jovens, por exemplo, não se procurou
inquirir sobre educação dos filhos, sobre a vida de antigamente. Além disso,
não se procurou entrevistar os pouco escolarizados sobre muitas de suas
vivências na prática escolar, senão quanto às suas vontades, impedimentos e
os poucos contatos com a escola. Não houve, também, um compromisso de
ser exaustivo no cumprimento dos questionamentos do guia, que funcionou realmente apenas como um auxílio.
Como as entrevistas tiveram uma duração média de quarenta minutos, seu registro original foi feito em fitas cassettes BASF Ferro Extra, de 90
minutos de duração, visando a evitar que se obtivessem originais com interrupções. Para as gravações, foram utilizados gravadores Lenox Sound AM/
FM Stereo Cassette Recorder, Modelo CT-731, mas as cópias foram feitas em
rádio gravador CCE, com fitas de marcas diversas, de sessenta minutos.
Posteriormente, em 2003 com o Projeto Vertentes do Português Brasileiro:
Acervos Linguísticos Urbanos de Salvador, apresentados à UFBA para concorrer à bolsa PRODOC / FAPESB, foram adquiridos equipamentos e materiais necessários aos inquéritos para passar o PEPP para mídia digital. Para
tanto, contou-se com a colaboração de bolsistas de Iniciação Científica.
Todo material coletado passou pela fase da validação. Após a coleta
do material oral, foram ouvidas todas as fitas para que se procedesse à transcrição. Alguns inquéritos foram invalidados em função da baixa qualidade
da gravação, inibição do informante, além de inquéritos com falas
ininteligíveis. Os textos invalidados foram substituidos, realizando-se novas entrevistas e alguns foram refeitos.
Os textos orais foram transcritos, seguindo-se as normas definidas pelo
Projeto NURC/Salvador. A trancrição é grafemática, bastante próxima das
normas ortográficas vigentes, inclusive quanto à pontuação. Embora não
estejam representadas as características da oralidade, algumas peculiaridades fônicas como as formas contractas transcrevem-se da seguinte forma:
pro(s), pra(s), prum, num, né, tá, dentre outras. Foram adotadas, também,
as seguintes:
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PEPP
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
as hesitações da fala, palavras truncadas são indicadas por reticências [...];
as interrupções da fala de um dos locutores pelo outro são também indicadas por reticências;
as superposições de falas são assinaladas com a abreviatura (superp);
os risos durante ou após a elocução são indicados entre parênteses
(risos);
as citações e as reproduções do discurso direto são indicadas entre
aspas;
as datas e indicações numéricas são transcritas grafematicamente;
as palavras de origem estrangeira figuram em itálico;
os trechos ininteligíveis e inaudíveis são assinalados com a indicação (inint);
as interrupções das gravações são marcadas com (interrup);
os nomes próprios, exceto os de pesssoas públicas, são identificados, apenas, por suas iniciais maiúsculas, visando à preservação de
suas identidades;
a identificação dos informantes em cada inquérito se faz pelo seu
número de catalogação nos arquivos do PEPP.
Adotaram-se, para a seleção de informantes do PEPP, os mesmos critérios do Projeto NURC, a fim de tornar as amostras o mais intercomparáveis
possível. Assim, a primeira exigência foi que eles fossem naturais de Salvador e, além disso, que tivessem permanecido nesta cidade a maior parte de
suas vidas. Para excluir a interferência de outros dialetos, seus pais também
deveriam ser de Salvador, ou que tivessem vindo para esta cidade ainda
muito pequenos.
Além das informações referentes a dados de identificação, como idade,
sexo e escolaridade, outras informações foram catalogadas em ficha para
que, posteriormente, se pudesse estabelecer alguma relação entre esses dados e a fala do informante. Assim, a ficha cadastral registrou do entrevistado
a sua residência, profissão, tipo de diversão, nível de escolaridade dos amigos mais próximos, viagens, contatos com línguas estrangeiras, idade de
filhos, casamentos anteriores etc.
Da amostra PEPP, os informantes com pouca escolarização se situam
mais em regiões periféricas: Tancredo Neves (5 pessoas), Mata Escura,
Pernambués (3 pessoas), São Caetano, Itapagipe, Sussuarana (3 pessoas),
PEPP
17
Periperi e Simões Filho (cidade vizinha) (2 pessoas). Esses locais se situam
em pontos distantes, tiveram crescimento demográfico bastante rápido nos
últimos anos, muitos surgiram há poucos anos e são habitados principalmente por uma população de baixa renda. Apenas um informante mora na
Barra, um no Tororó, outro na Vasco da Gama, bairros próximos ao centro
da cidade.
Parte dos que têm nível Médio residem também em bairros mais distantes do centro, a exemplo de Saboeiro, Plataforma, Paripe, Mussurunga,
Massaranduba e Cabula VI. Mas muitos deles moram em bairros em que
residem também pessoas de classe média; são bairros mais próximos do
centro e, portanto, considerados bons lugares para morar. Entre eles, o Lanat,
Baixa de Quintas, IAPI, e outros que, apesar de distantes, concentram muitas
pessoas de classe média e, também, classe alta: Caminho das Árvores, Monte Serrat, Boca do Rio, Itapagipe.
Os informantes têm ocupações diversas. Entre os homens do primeiro
nível de escolarização, 1 a 5 anos de contato com a escola, há dois alfaiates,
um vendedor-representante (ex-gerente de empresa comercial), um contínuo, um encanador, um inspetor de alunos (de escola de curso médio), um
lavador de carros, um porteiro, um responsável por serviços gerais e um
vendedor de cafezinho. As mulheres com a mesma escolaridade têm as seguintes ocupações: duas desempregadas, uma ajudante de cozinha, quatro
faxineiras de residências e uma de prédios, uma servente de escola, uma
mãe de santo (dona de terreiro de candomblé) e uma escrevente de cartório
aposentada. A maior parte dessas ocupações não são atividades fixas, somente sete dos informantes (quatro homens e três mulheres) têm salário
fixo, são empregados ou aposentados.
Com o Ensino Médio completo há, entre os homens, as profissões:
instrutor de informática, jogador de futebol, inspetor de alunos (que atua
como auxiliar de disciplina), ex-controlador de voo aposentado, motorista,
funcionário de escritório de supermercado, porteiro, estudante e contador
autônomo (que faz serviços esporádicos). Entre as mulheres, há as ocupações: auxiliar de enfermagem, estudante, técnico em fotografia e locução
free-lance, professora primária aposentada, estagiária, dona-de-casa, ou membro de grupo de 3a idade.
Este livro apresenta, na parte 3, a transcrição de 16 dos 48 inquéritos
(1/3) aqui referidos, um de cada célula.
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PEPP
PARTE 2
Estudos com base no PEPP
A CONCORDÂNCIA VERBAL EM SALVADOR: resultado de
uma transmissão linguística irregular?
Constância Maria Borges de Souza
RESUMO: Com base na sociolinguística variacionista, este trabalho busca explicações para a variação na concordância verbal no português falado em Salvador, analisando fatores linguísticos (internos à língua) e fatores sociais (externos
à língua) e, na observação dessa interação de fatores, verifica-se de que modo
eles condicionam a presença ou ausência de marcas flexionais no verbo. Esta
pesquisa toma como embasamento teórico a teoria da variação, segundo Labov
(1972, 1982, 1994), e o conceito de transmissão linguística irregular, postulado por Lucchesi (2000, 2001). Constata-se que o português brasileiro foi formado no cenário de uma realidade linguística bipolarizada, tendo, de um lado,
a norma culta e, de outro, a norma popular ou vernácula (LUCCHESI, 2001,
2002). Neste estudo, analisa-se uma amostra constituída de inquéritos extraídos do Programa de Estudos do Português Popular de Salvador (PEPP/SSA) e
inquéritos extraídos do Projeto Norma Urbana Culta de Salvador (NURC). A
concordância verbal é uma regra variável com grande ausência de marcas na fala
popular, sendo marcada pelos falantes cultos em razão da pressão escolar e
exigência do mercado ocupacional.
PALAVRAS-CHAVE: Português do Brasil, Variação e mudança linguísticas,
Contato entre línguas, Concordância verbal.
0. INTRODUÇÃO
Com base na sociolinguística variacionista, este trabalho busca explicações para a variação na concordância verbal junto à 3a pessoa no português falado em Salvador, analisando fatores linguísticos e fatores sociais,
PEPP
19
observando a interação entre esses fatores e verificando de que modo eles
condicionam a presença ou ausência de marcas flexionais no verbo.
Defende-se, neste trabalho, que a língua portuguesa tem como antecedente histórico, de um lado, variedades do português empregadas pelas
elites coloniais e do Império e, por outro lado, outras variedades do português brasileiro, mais diretamente afetadas pelo contato entre línguas. Essas
variedades foram aprendidas de forma simplificada em decorrência do processo de transmissão linguística irregular. Como resultado desse processo
de transmissão, foi deixado de lado a norma culta portuguesa.
1.
AS ORIGENS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Para traçar a história do português brasileiro, é necessário reconstruir o
processo de convivência que, aqui no Brasil, o português teve com outras
línguas. A caracterização sócio-histórica da realidade linguística brasileira
chama a atenção de estudiosos há mais de cem anos. Coelho (1967) busca
equacionar a questão, através das semelhanças entre o português do Brasil
(PB) e os crioulos de base portuguesa. Já Mendonça (1933) e Raimundo
(1933) atribuem à influência das línguas africanas a causas das características que distinguem o português brasileiro do português europeu.
Para Silva Neto (1988), a presença dos portugueses em várias regiões
brasileiras foi determinando o tipo de influência transmitida para a fala na
região onde eles se instalavam de acordo com suas atividades de colonizadores. Elia (1979) destaca uma língua padrão brasileira dentre os fatos de
cultura do país. Cunha (1972), que não compartilha as idéias de Elia, afirma que datam do século XIII os primeiros documentos redigidos em galego-português. Refere-se à unidade defendida por Silva Neto, porém destaca as variações existentes nessa unidade como característica previsível pela
linguística. Sodré (1960) admite que a língua portuguesa do Brasil tem
suas características embasadas no passado colonial, quando no Brasil a língua dominante era a língua dos índios – a língua geral.
Naro e Scherre (1993) defendem que o português brasileiro (PB)
tenha se formado seguindo naturalmente uma deriva prevista na língua e
que as mudanças que se observam já estariam prefiguradas ao longo dos
séculos no sistema linguístico do português. Melo (1971) refere-se ao português popular do Brasil como um português arcaico e deformado, tendo
20
PEPP
sofrido influência dos índios e dos negros na morfologia e na fonética. Para
Câmara Jr. (1972), as línguas indígenas pouco interferiram no PB, deixando vestígios apenas nos empréstimos lexicais que se adaptaram à fonologia e
morfologia do português.
Segundo Mattos e Silva, (2004) o português do Brasil tem sua formação
na complexidade multilinguística do Brasil colonial e pós-colonial. Para a autora, “a história de uma língua realmente se esclarece pela história social e política
do povo que usa essa língua”. Para Guy (1981), o Português Popular Brasileiro
(PPB) é resultante de um processo prévio de crioulização (século XVII) seguido
de um processo posterior de descrioulização. Lobo (1994) destaca que o português do Brasil, face ao português europeu, tem sido objeto de interpretações
controversas, em virtude da sua condição de língua transplantada. Lobo acredita que a tese da deriva e da transmissão linguística irregular só poderia se legitimar se fosse baseada em uma sistemática verificação empírica dos dados
linguísticos, o que afirma não ter ocorrido.
1.1 – Línguas indígenas
A colonização portuguesa se iniciou gradativamente, no Brasil, em
1532 pelo litoral, com o sistema de capitanias hereditárias.
O contato inicial da língua portuguesa, trazida pelos colonizadores, com
os indígenas que habitavam no Brasil foi dificultado pela existência de vários
grupos indígenas com línguas diferentes. Aprender a língua dos indígenas foi a
primeira solução, a segunda foi a definição de uma língua geral, de caráter
veicular, que possibilitasse esse contato. Os índios deixaram, no português,
contribuições lexicais que se adaptaram à fonologia e à gramática portuguesa.
Segundo Rodrigues (2000), quando o Brasil foi descoberto pelos portugueses, havia mais de 1.000 línguas no país faladas por índios de diversas
etnias. A região de Salvador era habitada pelos índios tupinambás e a costa
de Pernambuco, pelos índios caetés. A população indígena existente, hoje
no Brasil, é de cerca de 190.000 pessoas, mas destas apenas cerca de 160.000
falam as 180 línguas indígenas restantes em solo brasileiro que foram desaparecendo gradativamente.
Os índios foram dizimados aos poucos pelos colonizadores portugueses e muitas tribos foram extintas. Ainda assim, o português brasileiro conserva, no seu léxico, marcas das línguas e culturas indígenas.
PEPP
21
1.2 – Línguas africanas
Outro contato que influenciou a língua portuguesa na América foi o
contato com as línguas dos negros trazidos como escravos para o Brasil. Os
primeiros negros chegaram ao Brasil, oficialmente em 1549, autorizados
por D. João III para o trabalho nos canaviais e nos engenhos. A não
escravização dos índios favoreceu a importação dos negros.
A Bahia se tornou o principal ponto de chegada de escravos que eram
distribuidos para outras regiões do Brasil. Era o chamado tráfico interno
praticado pelos senhores donos de escravos. Os africanos foram chegando
em proporções cada vez maiores e, já no século XVIII, os negros ultrapassavam o restante da população de portugueses e índios. Segundo Pessoa de
Castro (2008), esses cativos que aqui chegavam falavam uma diversidade
muito grande de línguas (estimadas entre 200 a 300) relacionadas ao tráfico, distribuidas em duas grandes áreas de proveniência: a área oeste africana; e a área banto. Os negros, na sua convivência diária e nas suas relações
de trabalho, contribuiram para a formação da língua portuguesa falada no
Brasil, pela atuação da mulher negra inserida na família colonial e pelas
relações sociais dos negros ladinos junto aos demais escravos.
Os negros foram levados para várias partes do Brasil: para as plantações de cana-de-açúcar do nordeste, para a região sul e sudeste e também
para a região norte para explorar a floresta amazônica. Essa mobilidade deu
ao negro um grande papel de difusor da língua portuguesa, deixando sua
influência em várias expressões.
1.3 – A transmissão linguística irregular
A formação sócio-histórica da língua no Brasil é um processo constituido
por duas grandes vertentes linguísticas (uma culta e outra popular). Apesar
de sua relativa independência, as duas normas se influenciam. A influência
do contato com a norma culta teria produzido o apagamento das marcas
mais características do processo de transmissão linguística irregular em algumas variedades populares.
Para Lucchesi (2003), o português brasileiro é não apenas heterogêneo
e variável, mas também plural e polarizado, sendo o resultado de um processo de transmissão irregular desencadeado pelo contato entre línguas. A
ação dos aloglotas adultos foi determinante para alterar a estrutura
morfossintática da língua adquirida.
22
PEPP
2. METODOLOGIA
A variação da concordância verbal é um dos temas que está na agenda do debate sobre o português brasileiro. Pesquisas sociolinguísticas têm demonstrado que a concordância verbal de número no português falado do Brasil
é sistematicamente variável. Esta é uma constatação inicial, motivadora para a
pesquisa empreendida com os corpora PEPP e NURC, visando focalizar a fala
de Salvador.
Portanto, tomam-se dados das entrevistas do PEPP realizadas com 48
informantes estratificados em quatro faixas etárias (15 – 24 anos; 25 - 35 anos;
45 - 55 anos e acima de 65 anos), gênero masculino e feminino, gravados em
inquéritos de cerca de 40 minutos de duração, diálogo entre informante e
documentador (DID), em dois graus de escolarização: fundamental (até a quinta
série do primeiro grau); ensino médio completo. Cada grupo foi constituido
por três informantes que apresentam os mesmos requisitos exigidos no Projeto
NURC, a fim de permitir melhor comparação entre as amostras.
São usados, portanto, dois corpora: Projeto NURC (18 informantes) e
PEPP (48 informantes), perfazendo um total de 66 informantes, ou seja, 66
inquéritos. As ocorrências são analisadas a partir das variáveis sociais estabelecidas:
escolaridade, gênero, faixa etária e mercado linguístico. Para esta última variável, são considerados os níveis pequeno, médio e grande, relativos à exigência da
profissão quanto aos usos da língua padrão. Nesse caso, uma referência à realização da concordância verbal.
3. ANÁLISE DOS DADOS
3.1. Variáveis sociais.
3.1.1. A variável escolaridade.
Verificou-se se a variável escolaridade interfere na concordância do sujeito com o verbo. Os resultados indicaram que quanto maior for o nível de
escolaridade, maior é a probabilidade de se fazer a concordância verbal. Os
anos de escolarização de um informante condicionam o mesmo a fazer mais
concordância que aqueles que têm menor influência da escola. Essa variável foi
a primeira a ser selecionada pelo programa de análise de regras variáveis.
PEPP
23
Escolaridade
Fundamental (1 a 5 anos)
Média (11 anos)
Superior (mínimo de 15 anos)
TOTAL
Frequência
P. R.
518 / 1050
784 / 1200
1036 / 1118
49%
65%
92%
2338 / 3368
69%
.22
.36
.85
Tabela 1 – Concordância Verbal e Escolaridade.
Significância = .016
Os dados apontam, a exemplo de outros estudos, que existe uma relação proporcional entre a aplicação da regra de concordância pelos falantes e
sua permanência na escola ou os efeitos desta em suas falas. À medida que o
falante avança nos estudos, ele reflete em sua fala os efeitos da pressão escolar, fazendo mais concordância que os que não tiveram essa mesma pressão,
embora os não escolarizados também possam fazer concordância.
Gráfico 1 – Concordância Verbal e Escolaridade
24
PEPP
3.1.2 A variável gênero
Tomando como base a hipótese de as mulheres fazerem mais concordância que os homens, analisa-se o efeito dessa variável sobre a concordância verbal, a partir dos seguintes dados observados, na tabela e gráfico correspondentes.
Gênero
Homem
Mulher
TOTAL
Frequência
P. R.
1038 / 1595
1300 / 1773
65%
73%
2338 / 3366
69%
.44
.55
Tabela 2 – Concordância Verbal e Gênero
Significância = .016
Gráfico 2 – Concordância Verbal e Gênero
PEPP
25
Ao se observar a tabela 2, percebe-se uma tendência maior entre as
mulheres de realizarem mais concordância que os homens. Essa diferença se
acentua, se observarmos homens e mulheres distribuidos por escolaridade
(vide tabela 3). Os resultados encontrados evidenciam que as diferenças entre
Homem e Mulher dependem do grau de escolaridade desses informantes. Os
homens só apresentam uma pequena vantagem no nível superior.
Labov atribui às mulheres um importante papel na mudança linguística
em função do seu comportamento junto aos filhos, durante o processo de
educação. Para ele o ritmo do progresso e a direção da mudança linguística
devem muito à sensibilidade das mulheres.
A mulher, antes submissa e reservada ao lar, hoje disputa o mercado de
trabalho juntamente com o homem e é esta nova realidade que vai determinar o papel e a função da mulher no cenário sociocultural.
Gênero
Fundamental
Média
Superior
Frequência
PR
Frequência
PR
Frequência
PR
Masculino
278 / 565
49%
.17
316 / 557
58%
.25
444 / 473
93%
.90
Feminino
240 / 485
49%
.24
468 / 643
72%
.42
592 / 645
91%
.85
TOTAL
2338 / 3368
69%
Tabela 3 – Concordância Verbal no Cruzamento Gênero e Escolaridade
Significância = .017
Gráfico 3 – Concordância Verbal no Cruzamento Gênero e Escolaridade
26
PEPP
3.1.3 A variável faixa etária
Ao se partir da hipótese de que os informantes mais velhos são mais
conservadores, espera-se que esses falantes façam mais concordância que os
mais jovens que se mostram mais inovadores. Observa-se (vide tabela 4)
que os falantes mais jovens (.43) fazem menos concordância que os mais
velhos (.69) o que não só confirma a hipótese, mas leva a acreditar que
pode-se estar diante de um quadro de mudança no português brasileiro,
diante da aparente perda de marcas explícitas no verbo.
Faixa Etária
Frequência
P. R.
15 a 24 anos
315 / 624
50%
.43
25 a 35 anos
640 / 968
66%
.33
45 a 55 anos
650 / 889
73%
.53
733 / 887
2338 / 3368
82%
69%
.69
Acima de 65 anos
TOTAL
Tabela 4 – Concordância Verbal e Faixa Etária
Significância = .016
Gráfico 4 – Concordância Verbal e Faixa Etária
PEPP
27
Os efeitos dessa variável podem ser melhor observados, separando-se
cada grupo de informantes por Gênero e por Escolaridade. A tabela 5 apresenta os resultados a que se chega com os dois gêneros combinados com a
Faixa Etária, sobre a Concordância Verbal. Em seguida, apresenta-se o gráfico correspondente aos dados adquiridos na análise estatística.
Faixa Etária
Homens
Mulheres
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
15 a 24 anos
182 / 390
46%
.38
133 /234
56%
.47
25 a 35 anos
260 /431
60%
.28
380 /537
70%
.37
45 a 55 anos
216 /325
66%
.40
434 /564
76%
.63
Acima de 65
anos
380 /449
84%
.68
353 / 438
80%
.68
TOTAL
2338 / 3368
69%
Tabela 5 – Concordância Verbal no Cruzamento Gênero e Faixa Etária
Significância = .016
Gráfico 5 – Concordância Verbal no Cruzamento Gênero e Faixa Etária
28
PEPP
As mulheres de um modo geral aplicam mais a regra de concordância
que os homens. Atribui-se ao tipo de vida das mulheres seu desempenho
linguístico. Na sociedade atual, homens e mulheres vêm apresentando comportamentos muito semelhantes, sobretudo nas faixas etárias em que concorrem e disputam o mercado de trabalho (faixas 2 e 3). Daí a necessidade
de as mulheres buscarem seu espaço através da linguagem mais valorizada:
elas se aproximam mais do padrão do que os homens.
Essas análises serão aprofundadas, através de observações do efeito da
variável Faixa Etária combinada com a Escolaridade sobre a concordância
verbal. A tabela e o gráfico seguintes apresentam o cruzamento dessas variáveis (Faixa Etária e Escolaridade).
Faixa Etária
Fundamental
Média
Superior
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
15 a 24 anos
95 / 290
32%
.16
220 / 334
65%
.41
–
–
25 a 35 anos
101 / 239
42%
.18
126 / 293
43%
.15
413 / 436
94%
.82
45 a 55 anos
115 / 231
49%
.28
276 / 361
76%
.52
259 / 297
87%
.63
Acima de 65
anos
207 / 290
71%
.47
162 / 212
76%
.58
364 / 385
94%
.86
TOTAL
2338 / 3368
69%
Tabela 6 – Concordância Verbal no Cruzamento Faixa Etária e Escolaridade
Significância = .008
Gráfico 6 – Concordância Verbal no Cruzamento Faixa Etária e Escolaridade
PEPP
29
Nesse cruzamento (Faixa Etária e Escolaridade, tabela 6), ocorreu, no
nível fundamental, uma grande redução de concordância; na escolaridade
média, pode-se verificar uma redução, porém com tendência de recuperação; o nível superior mostra-se sem qualquer abalo, a concordância se faz
em níveis bem altos.
3.1.4. A variável mercado linguístico
O mercado linguístico é uma variável que mede a correlação entre o
tipo de atividade profissional desenvolvida por cada pessoa e a necessidade
que ela tem de usar formas linguísticas de prestígio. Nesta pesquisa, considerando todos os informantes, foram encontrados os dados arrolados na
tabela seguinte, em que se observa maior peso relativo de aplicação da regra
de concordância verbal para o peso médio de mercado com .59.
Mercado linguístico
Pequeno
Médio
Grande
TOTAL
Frequência
P. R.
512 / 1066
870 / 1269
956 / 1033
48%
68%
92%
2338 / 3368
69%
.40
.59
.47
Tabela 7 – Concordância Verbal e Mercado Linguístico
Significância = .016
Gráfico 7 – Concordância Verbal e Mercado Linguístico
30
PEPP
Para Oliveira e Paiva (1998), o mercado linguístico se mostra mais
forte nos homens do que nas mulheres devido ao destaque que se dá ao
homem na nossa sociedade, atribuindo-se a ele o controle e sustento da
família, apesar de esse quadro estar se modificando nos dias atuais.
Faixa Etária
Mercado 1
Mercado 2
Mercado 3
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
15 a 24 anos
152 / 388
39%
.31
163 / 236
69%
.41
–
–
25 a 35 anos
70 / 223
31%
.22
233 / 393
60%
.15
334 / 352
94%
.56
45 a 55 anos
153 / 249
61%
.52
238 / 343
69%
.52
259 / 297
87%
.31
Acima de 65
anos
137 / 206
66%
.54
233 / 297
78%
.58
363 / 384
94%
.63
TOTAL
2338 / 3368
69%
Tabela 8 – Concordância Verbal no Cruzamento Mercado Linguístico e Faixa Etária
Significância = .010
Gráfico 8 – Concordância verbal no Cruzamento Mercado Linguístico e
Faixa Etária
PEPP
31
O mercado linguístico está muito relacionado à escolaridade, uma
vez que os falantes mais escolarizados tendem a ser mais exigidos com relação ao uso de formas linguísticas de maior prestígio, tanto no sexo masculino quanto no feminino.
Escolaridade
Mercado 1
Mercado 2
Mercado 3
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
Frequência
P.R.
Fundamental
283 / 696
40%
.14
235 / 236
66%
.37
–
–
Média
229 / 370
61%
.32
555 / 830
60%
.42
–
–
80 / 85
69%
.90
956 / 1033
92%
.84
Superior
TOTAL
–
61%
2338 / 3368
69%
Tabela 9 – Concordância Verbal no Cruzamento Escolaridade e Mercado Linguístico
Significância = .000
Gráfico 9 – Concordância Verbal no Cruzamento Escolaridade e Mercado
Linguístico
32
PEPP
As mulheres tiveram maior cotação no mercado linguístico que os
homens, só perdendo para eles, no nível universitário. A disputa pelo mercado de trabalho e a preferência das mulheres pelas variáveis de prestígio
social podem ser as explicações para os dados encontrados, na tabela 10 e
visualizados no gráfico 10.
Gênero
Mercado 1
Mercado 2
Mercado 3
Frequência
PR
Frequência
PR
Frequência
PR
Homens
196 / 485
40%
.29
399 / 638
62%
.50
443 / 472
93%
.61
Mulheres
316 / 581
54%
.45
471 / 631
72%
.63
513 / 561
91%
.46
TOTAL
2338 / 3368
69%
Tabela 10 – Concordância Verbal no Cruzamento Gênero e Mercado Linguístico
Significância = .018
Gráfico 10 – Concordância Verbal no Cruzamento Gênero e Mercado
Linguístico
PEPP
33
3.2- Resultados das análises
A análise dos dados levou às seguintes conclusões quanto às variáveis
sociais:
1. A observação da escolaridade comprova que quanto maior for o
tempo de estudo, mais probabilidade existe de se aplicar a regra
de concordância.
2. Nota-se com bastante evidência a separação entre cultos e não cultos, ou seja, os que usam uma norma culta e outros que usam uma
norma popular.
3. O estudo do gênero atesta predominância da concordância nas
mulheres, embora isso não se dê entre os informantes de escolaridade superior.
4. A variável faixa etária apresentou resultados que caracterizam indícios de mudança linguística em progresso. Os jovens estão se distanciando cada vez mais dos mais velhos na fala de Salvador com
relação à aplicação da regra de concordância verbal. Os primeiros
preferindo as formas inovadoras, se distanciado do padrão culto e
os mais velhos se mantendo conservadores, utilizando formas mais
próximas da língua padrão.
5. A variável mercado linguístico comprova a necessidade de se usar formas linguísticas de maior prestígio a depender da atuação profissional do informante na sociedade, embora exista uma certa identificação com a escolaridade. As mulheres têm maior peso relativo no mercado linguístico quando não têm nível superior. Quando o falante
tem nível universitário, o destaque, nesse caso, vai para os homens.
Ao cenário de polarização da realidade linguística brasileira somamse os dados da presente pesquisa, que reforçam as afirmações concernentes à
concordância verbal. Aqui se aponta, portanto, a seguinte conclusão: o
português brasileiro apresenta uma norma culta e uma popular que passa
por um processo de variação estável, ou um ligeiro declínio de concordância.
34
PEPP
3.
REFERÊNCIAS
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GUY, Gregory R. Linguistic variation in Brazilian Portuguese: aspects of the phonology,
syntax, and language history. Philadelphia: University of Pennsylvania, 1981. Dissertation
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LABOV, William. Padrões Sociolingüísticos (tradução: Marcos Bagno, Maria Marta Scherre
e Caroline R. Cardoso). Parábola Editorial: São Paulo, 2008.
LEMLE, M. & NARO, A. J. Competências básicas do Português. Relatório final de pesquisa
apresentado às instituições patrocinadoras MOBRAL e Fundação FORD. Rio de Janeiro.
1977.
LOPES, Norma da Silva. PEPP, O estudo da fala popular de Salvador. Rede de Pesquisadores
em variação lingüística no Nordeste – Salvador, Bahia. Comunicação apresentada em Mesa
Redonda: GELNE, 2000.
LUCCHESI, Dante. O conceito de transmissão lingüística irregular e o processo de formação
do português do Brasil. In: RONCARATI, Cláudia & ABRAÇADO, Jussara. (orgs).
Português brasileiro – contato lingüístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2003.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. O português do Brasil: sua formação na complexidade
multilingüística do Brasil colonial e pós-colonial. In: Cadernos de Letras, v. 1-N.1-2004c.
NARO, Anthony Julius, SCHERRE, Maria Marta Pereira. (org.) Origens do Português
Brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
PESSOA DE CASTRO, Yeda. A participação das línguas africanas na construção do português do Brasil. In: Kilombo, n.. 4, Université Omar Bongo. Libreville, Janvier 2008,, p. 6168.
SILVA NETO, Serafim. História da Língua Portuguesa. 5. ed. Presença: Rio de Janeiro,
1988.
WEINREICH, LABOV, HERZOG. Fundamentos Empíricos para uma teoria da mudança
lingüística. Tradução de Marcos Bagno, São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
PEPP
35
A Concordância Nominal nos Falantes de Salvador
Norma da Silva Lopes
RESUMO: Neste artigo, são apresentados resultados da pesquisa realizada
em Salvador, Bahia, tomando como material de estudo o Programa de Estudo do Português Popular Falado de Salvador (PEPP), para o estudo da
fala das escolaridades Fundamental e Média e o acervo do Projeto Norma
Urbana Culta de Salvador (NURC), para o estudo da norma universitária.
O fenômeno em estudo é a variação da Concordância de Número no
Sintagma Nominal e, como apenas foram apresentados resultados de variáveis sociais, os dados revelam que a escolaridade, como já se previa, é um
forte, mas não único, favorecedor da presença de marcas. Ao lado dele,
outras variáveis também estão associadas à concordância nominal no Sintagma
Nominal: a idade, a etnia (a partir dos sobrenomes), o gênero.
PALAVRAS-CHAVE: Concordância, Variação, Fala urbana, Sobrenomes.
1. Fazer análise de dados numa perspectiva sociolinguística é normalmente entendido como buscar razões, no contexto social, para os diversos
usos linguísticos. É seguindo essa ideia que este capítulo inicia o estudo da
variação da concordância nominal de número no Sintagma Nominal, com
o objetivo de fazer um panorama da relação entre essa variável dependente
e as variáveis sociais Escolaridade, Gênero e Faixa Etária, nas falas popular e
universitária de Salvador, Bahia. Juntamente a essas variáveis sociais, examina-se também uma outra, a origem étnica, com o objetivo de estabelecer
uma possível relação entre a Concordância Nominal no Sintagma na fala de
grupos com histórias diferentes de aquisição do português devido a questões de etnia.
Toma-se como corpus de pesquisa para o português popular 48 inquéritos
do Programa de Estudo do Português Popular Falado de Salvador, PEPP, e, para
o nível universitário, utilizam-se inquéritos do Projeto Norma Urbana Culta.
Faz-se de início a análise do efeito de cada uma das variáveis tomadas isoladamente e, posteriormente, busca-se o efeito cruzado entre elas.
PEPP
37
A escola sempre deu enfoque à concordância. Os compêndios de gramática dedicam muito espaço a regras e cuidados a serem tomados, tanto com a
concordância nominal quanto com a verbal. Os livros didáticos também refletem o interesse da escola em garantir a “boa concordância”, quando se trata de
cultivar a língua padrão. Este texto busca tratar, dentre outros, do efeito dos
anos de exposição à escola no fenômeno em observação. Outro aspecto que é
necessário controlar é a diferença entre os gêneros. Esta é uma variável que tem
muita importância quando se deseja estabelecer uma relação entre a variação e
a mudança linguística. Há mudanças que são encabeçadas por mulheres e há
mudanças encabeçadas por homens. O prestígio ou desprestígio das formas
pode contribuir para que elas (as mulheres) estejam à frente, ou não, no uso das
variantes mais novas (LABOV, 1991, p. 211-215).
É possível estudar a mudança com dados de uma única sincronia quando
se controla o efeito da variável Faixa etária. Os falantes mais novos comumente
são mais inovadores e, através dos seus registros, e em comparação com a
realidade linguística das pessoas mais velhas, pode-se ter a indicação de
possíveis tendências de mudança. Do mesmo jeito, através da observação
das faixas etárias mais avançadas, pode-se ter conhecimento de variantes
mais antigas, inexistentes na fala das pessoas da faixa etária mais nova, indicando tendência ao desaparecimento na língua. Diante disso, o estudo das
faixas etárias é de grande importância para esta pesquisa, pois contribui
para entender o dinamismo da língua e para analisar a possibilidade de
mudança do fenômeno em observação.
O conhecimento da origem étnica de uma comunidade pode auxiliar o
entendimento da existência de fenômenos linguísticos variáveis. Assim, neste
texto, procura-se relacionar essa variável à observação da concordância no sintagma
nominal, com o objetivo de analisar possíveis diferenças linguísticas, no que diz
respeito ao fenômeno estudado, entre pessoas de descendência africana e os não
descendentes desse grupo étnico. A caracterização étnica do informante é observada a partir dos sobrenomes, considerando os sobrenomes religiosos como
mais relacionados à origem africana; e os sobrenomes não religiosos como não
relacionados a essa origem. (LOPES, 2001).
1.1 Escolaridade
O número de anos de estudo constitui um dos grupos de fatores que
realmente mais interfere na concordância no sintagma nominal, sendo a
38
PEPP
primeira variável social selecionada. A tabela e o gráfico 1 apresentam os
resultados encontrados a partir da observação da realização da concordância nos inquéritos estudados: nível de escolaridade Fundamental (1 a 5
anos de escolarização); b) nível Médio completo (11 anos de escolarização);
c) nível Superior (15 anos de escolarização).
Vê-se que existe nos dados, conforme outros estudos atestam, uma
relação proporcional entre o aumento de tempo de exposição à pressão escolar e a maior probabilidade de se fazer a concordância no sintagma nominal. O crescente que se constata na probabilidade de concordância entre os
elementos do sintagma à proporção que aumentam os anos de escolarização
é tão forte que pode levar à suposição de que o fenômeno da concordância
nominal de número ocorre, não por fazer parte do vernáculo dos informantes, mas apenas como resultado de um esforço institucional da escola, refletindo uma exigência extralinguística da pressão social.
Fatores
Frequência
P. R.
Fundamental – 1 a 5 anos
2832/4431
64%
.18
Média – 11 anos
3814/4657
82%
.46
Superior – mínimo de 15 anos
4605/4817
96%
.82
TOTAL
11251/13905
81%
Tabela 1: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Escolaridade – Sign-.000
PEPP
39
É comum entre os linguistas portugueses fazer-se referência à concordância verbal e nominal como categórica em Portugal, mesmo entre os pouco escolarizados e até entre os analfabetos. Apesar de Naro e Scherre (2000)
terem desfeito esse “mito”, o percentual mínimo de variação existente no
português europeu pode ser interpretado como indicando que, nesta variedade da língua, a concordância não seja resultante de uma força exterior,
mas como fazendo parte do vernáculo de quase a totalidade das populações
das diversas regiões, independentemente do tempo de exposição à aprendizagem escolar.
1.2 A variável gênero
O efeito da variável gênero sobre a presença de marcas de plural pode
ser observado, inicialmente, a partir da tabela e gráfico 2.
Gênero
Frequência
Peso Relativo
Masculino
5678/ 7101 80%
.47
Feminino
5573/6804 82%
.53
Total
11251/13905 81%
Tabela 2: Concordância no Sintagma Nominal em função do Gênero – Sign .006
40
PEPP
Na análise geral, essa variável foi selecionada e, como se vê, a diferença
entre os pesos relativos é pequena (da ordem de 0.06), mas existe uma
tendência levemente maior entre as mulheres de realizarem mais formas
com o morfema de plural, característico da concordância, do que os homens. Mas, para entendimento mais aprofundado dessa variável, a tabela e
o gráfico 3 fazem uma amostragem da observação da relação do gênero com
a escolaridade.
Ao analisar os resultados apresentados, nota-se que o efeito mais polarizado da variável Gênero depende da sua relação com a escolaridade, ou
seja, a diferença entre os grupos de gênero, no que diz respeito à concordância, vai depender do grau de escolaridade das pessoas.
Gênero
Fundamental
Frequência
Média
P. R.
Universitária
Frequência
P. R.
Frequência
P. R.
Masculino
1504/2306 65% .20
1771/2281 78%
.38
2403/2514 96% .81
Feminino
1328/2125 62% .17
2043/2376 86%
.58
2202/2303 96%
2832/4431 64%
3814/4657 82%
TOTAIS
.81
4605/4817 96%
Tabela 3: Concordância no Sintagma Nominal em Função do Gênero e da Escolaridade
Entre os informantes de escolaridade Fundamental, o grupo masculino se sobrepõe levemente ao feminino em frequência e pesos relativos de
concordância. No grupo de nível universitário, os dois gêneros têm um
PEPP
41
fator igual de favorecimento (P. R. .81). Entre os informantes de escolaridade Média, no entanto, nota-se que as mulheres têm um peso relativo de
concordância bem maior (.58) do que os homens (.38).
Pelo que se apresenta, se a relação entre gênero e concordância varia, a
depender dos anos de escolarização, é necessário que se busquem, no contexto em que vivem homens e mulheres, razões para isso. Será que a diferença entre a realização linguística entre os gêneros se relaciona às diferenças
entre as cobranças sociais feitas aos homens e mulheres? Então, nesse caso,
o gênero feminino sofre mais pressão social quando apenas tem o nível de
médio, na busca de empregos, por exemplo, e essa pressão se atenua no
nível superior, daí a preocupação das mulheres daquele nível com o seu
padrão linguístico? E as de nível Fundamental e Superior sofrem relativamente a mesma pressão que os elementos do gênero masculino, não demonstrando, por isso, grande diferença?
Quem tem apenas a escolaridade Média, em Salvador, apesar de teoricamente já poder assumir cargos públicos de nível médio, e inserir-se em
vários campos do mercado, não tem facilidade de conseguir emprego. A
concorrência tem sido grande, na prática, pois essas pessoas não têm grande
especialização e lutam por poder contribuir com sua força de trabalho, mas
esbarram na dura competição; muitas vezes são pessoas de nível Superior
que assumem, através de concurso público, cargos previstos para profissionais de nível médio. Como ilustração, pode-se apresentar aqui um fato concreto, vivido pela autora deste trabalho que, recentemente, foi convidada
para dar aulas a pessoas aprovadas em concurso público para o preenchimento de vagas de “agente de polícia técnica”, função conhecida popularmente como “rapa” (fiscal de comércio ambulante), em Salvador, mas acabou trabalhando com um grupo predominantemente de nível superior,
aprovado nas provas. Anteriormente esse cargo era destinado a pessoas de
nível fundamental e, nessa oportunidade, a prefeitura da cidade achou por
bem definir a exigência de escolaridade Média, mas não foi esse o público
que teve acesso ao preenchimento das vagas, pelo menos dessa vez.
O exemplo apresentado tem como objetivo unicamente salientar a dificuldade que têm as pessoas de nível médio de participarem da competição
com os oriundos dos bancos das universidades, diante da falta de emprego em
todos os níveis. O esforço na utilização da linguagem considerada padrão pode
ser um reflexo da constante luta em que essas pessoas vivem. No material ora
analisado, são as mulheres do nível médio que demonstram ter um uso, no que
42
PEPP
diz respeito à concordância, que suplanta, quanto à proximidade do padrão, a
probabilidade de aplicação da regra pelos homens.
As mulheres têm um papel importante, segundo Labov (1991, p. 21148), na implementação das mudanças. É o gênero feminino que encabeça
as mudanças “de cima para baixo”, ou seja, as mudanças que envolvem fenômenos não estigmatizados. Quando a variante é estigmatizada socialmente,
são os homens que encabeçam. No tipo de variação em estudo, a ausência
de marca de concordância no sintagma nominal é traço estigmatizado, principalmente em alguns tipos de sintagmas e em algumas situações. Assim, o
resultado apresentado não se parece coerente quando se trata das escolaridades mínima e máxima, ou seja, nível primário e nível superior. No nível
intermediário, o nível médio, as mulheres são mais conservadoras, elas fazem mais a concordância de número no sintagma nominal que os homens,
conforme a previsão de Labov, mas nos outros níveis, isso não ocorre.
Lucchesi (2000) constata que os homens estão à frente na fixação da
regra de concordância de gênero no dialeto descrioulizante de Helvécia –
Ba. A esse fato ele relaciona a exposição maior do homem aos diversos contextos sociais, viagens, enquanto as mulheres daquela localidade se mantêm
mais dedicadas ao trabalho da educação dos filhos e às tarefas do lar.
O comportamento das mulheres do nível médio, em Salvador, parece
refletir o esforço desse grupo, ao lado dos homens, de encontrarem seu
espaço. Se essa busca ocorre em todos os níveis, ela é muito mais feroz no
nível médio, que é, como se salientou, particularmente mais competitivo.
PEPP
43
1.3 Faixa etária (Tempo aparente)
A tabela e gráfico 4 apresentam o resultado da análise estatística referente aos grupos etários estudados na pesquisa.
Faixa etária
Frequência
Peso Relativo
De 15 a 24 anos
1717/2280 75%
.49
De 25 a 35 anos
3193/3926 81%
.45
De 45 a 55 anos
3100/3896 80%
.46
> 65 anos
3241/3803 85%
.59
TOTAL
11251/13905 81%
Tabela 4: Concordância no Sintagma Nominal em Função da Faixa Etária Sign.=.000
Pelo que se pode notar, a faixa etária mais velha é a mais favorecedora
do uso da concordância, pois é a que mais tende a marcar os elementos do
sintagma nominal com o morfema de plural; a primeira faixa, os mais jovens, têm um peso relativo de concordância bem menor que os mais velhos,
uma diferença de .12. O quadro parece caracterizar indício de mudança
levando à perda de marcas explícitas, pois os mais novos fazem menos concordância que os mais velhos. Isso pode levar à suposição de que se está
caminhando para um futuro, em que, quando não houver essas pessoas que
estão na faixa etária dos mais velhos, faixa 4, também não haverá concordância ou haverá bem menos.
44
PEPP
Ao lado da observação das faixas etárias, Naro (1981, p. 86-7) estudou a orientação cultural, distinguindo informantes como de “orientação
vicária” – os que têm muitas experiências fora do seu meio, através principalmente de novelas televisivas – e orientação experiencial – os que não
assistem a essas novelas e vivem restritos ao seu próprio meio. O autor considerou que essa orientação tem um efeito muito maior que a idade e, ainda, que os mais jovens são mais sensíveis a essa variável que os mais velhos1.
Faixa etária
Homens
Mulheres
Frequência
P. R.
Frequência
P. R.
De 15 a 24 anos
833/1149 72%
.48
884/1131 78%
.51
De 25 a 35 anos
1677/2106 80%
.45
1576/1820 83%
.41
De 45 a 55 anos
1338/1768 76%
.37
1763/2120 83%
.55
De 65 anos em diante
1830/2078 88%
.67
1411/1726 82%
.51
TOTAL
5678/7101 80%
5573/6804 82%
Tabela 5: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa Etária e do
Gênero Sign.=.006
Em Salvador, os resultados da análise parecem indicar que as mulheres
mais jovens tendem a seguir o padrão estabelecido ligeiramente mais que os
homens. Isso talvez possa ser justificado com o período em que há a relação
mais forte com o ingresso no mercado de trabalho, ou durante a sua fase
mais produtiva no mercado de trabalho (Faixa etária 3). Essa pressão parece
não mais atingi-las na última faixa etária. As mulheres mais velhas tiveram,
possivelmente, menos contato com o trabalho e com o mundo exterior, na
época da juventude, o que talvez justifique a menor realização da concordância. Com os homens, parece ocorrer outra coisa. Apenas os mais velhos
mostraram-se com mais probabilidade de concordância.
1
“Note that the orientation variable has a much greater effect than the age variable. (...) The
orientation variable, on the hand, reflects a resurgence in the use of this same rule that comes
from within the speaker, depending upon his or her own cultural orientation. (...) I have the
impression that the vicarious orientation is much more prevalent among the young than
among the old”. (Naro, 1981, p. 87-8).
PEPP
45
Nas faixas anteriores, em Salvador, existe desfavorecimento, e ele é grande entre os homens da faixa 3, quando já existe, talvez, menos preocupação
com os estudos e com o trabalho. É necessário que se observe também o
efeito da variável faixa etária associada à escolaridade, sobre a concordância.
Nos grupos de escolaridade Fundamental e Superior, percebe-se uma
tendência de aumento do peso relativo das faixas etárias mais jovens, em
direção aos mais velhos. Entre esses, a diferença entre algumas faixas é muito pequena, mas o quadro sugere mudança muito lenta, levando à perda de
concordância (os mais velhos com mais concordância e os mais novos com
menos). Apesar disso, no grupo de informantes de escolaridade média, ocorre
outro fato: a faixa mais nova tem tendência a mais marcação, mas, nas outras faixas, existe uma oscilação grande, demonstrando que a proximidade
da relação com a escola e, ainda, a exigência da norma padrão pelo mercado
de trabalho levam a primeira faixa a ter uma probabilidade grande de marcar os elementos do sintagma. A faixa que segue é, dessa forma,
desfavorecedora. Na terceira faixa, apesar de corresponder a um período em
que as pessoas já não têm grandes perspectivas em relação a trabalho, nesse
nível de escolaridade a aplicação da regra de concordância tem um aumento
de probabilidade, mas esse se reduz bastante na última faixa, período correspondente à aposentadoria.
. Faixa etária
Fundamental Sign.=.000
Média
Sign.=.000
Superior
Sign.=.000
Frequência
P. R.
Frequência
P. R.
Frequência
P. R.
15 a 24 anos
602/1037 58%
.09
1115/1243 90%
.59
______
___
25 a 35 anos
665/1022 65%
.18
950/1253 76%
.34
1578/1651 96%
.75
45 a 55 anos
738/1209 61%
.14
1026/1241 83%
.54
1336/1446 92%
.68
> 65 anos
827/1163 71%
.35
723/920 79%
.35
1691/1720 98%
.94
TOTAIS
2832/4431 64%
3814/4657 82%
4605/4817 96%
Tabela 6 : Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa Etária e da
Escolaridade
46
PEPP
Comparando os dois primeiros grupos, os de escolaridade Fundamental e de escolaridade Média, grupos em que estão inseridos os falantes do
português falado pela classe mais popular, nota-se que parece haver convivência de forças contrárias, aquisição e perda da concordância. No primeiro
grupo, de escolaridade fundamental, constata-se uma perda, pois os mais
velhos demonstram fazer mais a concordância do que os mais novos. No
segundo grupo, os de escolaridade Média, ocorre o contrário, os mais novos
fazem mais concordância que os mais velhos, o que pode caracterizar um
quadro de aquisição da regra. Naro & Scherre (1991, p. 15) apresentam
uma situação em que detectam convivência de forças contrárias na variação
da concordância verbal.
Ao se observar a frequência e o peso relativo da concordância no grupo
de escolaridade superior, nota-se que o grupo dos mais velhos é o que tem
maior probabilidade de concordância. Essa última faixa é compreendida
por profissionais de nível superior que estudaram em uma época em que só
os de melhor condição econômica poderiam fazê-lo e, ao observar a influência dessa escolaridade, vê-se que essa situação envolve um aspecto: esse é
um grupo formado por pessoas em que a concordância, diferentemente dos
outros, parece estar no vernáculo. Estão aí, talvez, aqueles descendentes das
antigas famílias mais abastadas da cidade, cujos ancestrais provavelmente
tiveram uma história de aquisição da língua portuguesa através de dados
linguísticos primários mais próximos do português europeu, bem diferente
dos elementos que caracterizam a massa popular. No geral, entre os universitários, a concordância decresce, diante do contexto linguístico atual, ao
invés de aumentar, pois os mais novos tendem a fazer bem menos concorPEPP
47
dância. Esse quadro pode ser interpretado como um indicador de mudança, tendendo à perda de marcas explícitas de concordância.
5 A variável etnia2
O estudo dessa variável é feito através da observação dos sobrenomes.
Uma das observações iniciais era a alta frequência, em Salvador, de alguns
sobrenomes, como Jesus e Conceição, raros em outras populações portuguesas. Uma hipótese levantada era de que esses e outros sobrenomes religiosos3 poderiam ter sido adquiridos por descendentes de negros.
Os informantes são classificados em um dos grupos abaixo:
Quadro 1:
Tipos de sobrenome: fatores
Sobrenome religioso;
Sobrenome não religioso.
2
3
Para esse estudo, utiliza-se metodologia do grupo de Genética Médica da Universidade
Federal da Bahia, cedida pelo Dr. Tavares Neto, a quem agradecemos.
“Sobrenomes religiosos encontrados em homens e mulheres: Aflitos, Ajuda, Amor Divino,
Amparo, Anjos, Anunciação, Arcanjo, Assis, Assunção, Batista, Bispo, Boa Morte, Bonfim,
Cardeal, Carmo, Chagas, Conceição, Cruz, Encarnação, Espírito Santo, Evangelista, Hora,
Jesus, Luz, Mercês, Natividade, Nascimento, Paixão, Palma, Passos, Piedade, Prazeres,
Purificação, Ramos, Reis, Ressurreição, Rosário, Sacramento, Santana, Sant’Anna, Santa
Rita, Santiago, Santos, São Pedro, Socorro, Soledade, Trindade, Virgem, Virgens, Xavier.”
(AZEVEDO: no prelo).
48
PEPP
Essa ideia de relacionar a análise dos dados à origem racial dos informantes tem como pressuposto que, caso tenha havido processos de aquisição diferentes do português por parte dos filhos dos africanos aqui no Brasil, as pessoas,
hoje, que têm como ancestrais essa população devem, de alguma forma, fazer
uso de uma linguagem que contenha traços, em maior proporção que outros
que não o são, que remontem àquela época de aquisição.
Dada a mistura que caracterizou a formação do povo brasileiro e as
múltiplas origens raciais dos baianos, tem-se uma grande dificuldade de
identificar a ancestralidade dos informantes, pois o fenótipo4 não é suficiente para o reconhecimento de descendentes dos negros nem é um traço
revelador de ancestralidade, podendo a aparência branca ocultar a existência de ancestral negro ou índio.
Dessa forma, entrando em contato com o grupo de genética da Universidade Federal da Bahia e após o conhecimento do critério usado em
muitas pesquisas da área de saúde para relacionar a raça a algumas patologias, a seguir detalhado, optou-se por dele fazer uso.
Numa primeira análise, buscou-se observar o efeito da variável sobrenomes envolvendo todos os informantes de todos os três graus de escolaridade.
Tipos de sobrenomes Sign=.000
Frequência
Peso Relativo
Sobrenome não religioso
6256/7422 84%
.53
Sobrenome religioso
4266/5671 75%
.46
Total
10522/13093 80%
Tabela 7: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos Sobrenomes –
amostra geral
Nessa primeira análise, apesar da proximidade dos pesos relativos dos
dois grupos, constatou-se uma menor tendência à realização da concordância no grupo de sobrenome religioso.
Como o nível superior não tem condições de dar muita contribuição
ao estudo da interferência dessa variável, uma vez que a amostra contém
4
Fenótipo é uma palavra de uso freqüente pelos geneticistas e se refere à parte aparente da
composição genética dos organismos. Assim, em se tratando de aparência racial, o fenótipo
é a aparência física da pessoa.
PEPP
49
poucos sobrenomes religiosos, não se pode fazer adequadamente a classificação, esse grupo foi excluído da análise seguinte, cujos resultados são
apresentados na tabela a seguir, apenas com os dados do PEPP.
Tipos de Sobrenome – Sign=.000
Frequência
Peso Relativo
Sobrenome não religioso
3083/4071 76% P. R. .55
.55
Sobrenome religioso
3422/4813 71% P. R. .46
.46
TOTAL
6505/8884 73%
Tabela 8: Concordância Nominal em Função dos Sobrenomes – (apenas o PEPP)
Sem os dados dos falantes do nível superior, diante do pequeno número
de sobrenomes religiosos nesse grupo, foram analisados apenas os informantes
do PEPP, e a diferença entre os dois grupos de sobrenomes se ampliou de .07
para .09. Diante de se imaginar que os mais velhos pudessem dar mais subsídios para a análise que se precisa ter dos dados, por possibilitarem um contato
com uma fala ainda mais antiga, e por isso mais rica em respostas para as
perguntas que se fazem sobre as razões da variação da concordância, optou-se
por observar a última faixa etária do grupo PEPP. Esse grupo, pois, é formado
por falantes de escolaridades Fundamental e Média, faixa etária de 65 anos em
diante. A tabela e gráfico 9 apresentam mais resultados.
Os dados parecem indicar que, no grupo do português popular, aqui
considerado o formado pelos níveis de escolaridade Fundamental e Média,
50
PEPP
existe relação entre a origem étnica, aqui analisada através dos sobrenomes,
e a variação da concordância: as pessoas descendentes dos africanos têm
mais probabilidade de usarem a variante zero de plural.
Tipos de sobrenome Sig.=.000
Frequência
Peso Relativo
Sobrenome não religioso
905/1080 84%
.68
Sobrenome religioso
645//1003 64%
.31
TOTAL
1550/2083 74%
Tabela: 9 Taxas Concordância Nominal em Função dos Sobrenomes – FE 4
Mas a concordância não ocorre da mesma forma em todas as faixas etárias.
É mais forte, com oposição maior entre os fatores na última faixa etária, do que
no grupo PEPP como um todo. Apesar de não se ter previsto inicialmente que
essa variável tivesse tão grande relação com o fenômeno em estudo, ela ficou
bem clara no grupo de falantes de maior idade, de 65 anos em diante.
Explorando separadamente os grupos de sobrenome, em todas as faixas
etárias, e analisando a relação entre a faixa etária e a concordância, chega-se a
um resultado interessante. A tabela 10 mostra os resultados encontrados.
Esses resultados indicam que os dois grupos revelam situações diferentes, em relação ao fenômeno da concordância. Os informantes de sobrenome religioso, aqui considerados como de descendência negra, estão adquiPEPP
51
rindo a regra de concordância, ao invés da perda: os mais jovens estão fazendo mais concordância que os mais velhos, o que parece indicar um processo
de mudança em andamento.
Faixa etária
Não religioso – Sign.=.000
Frequência
P. R.
Religioso – Sign.=.000
Frequência
P. R.
De 15 a 24
1059/1499 71%
.41
658/781 84%
.67
De 25 a 55
1119/1492 75%
.49
2119/3029 70%
.47
905/1080 84%
.64
645/1003 64%
.45
> 65 anos
TOTAL
3083/4071 76%
3422/4813 71%
Tabela 10: Concordância Nominal em Função da Faixa Etária e Sobrenome
Ao contrário dessa aquisição da concordância, ocorre o inverso no grupo não religioso: os mais velhos fazem mais concordância e os mais jovens
tendem a fazer menos, o que pode sugerir que o grupo está em processo de
apagamento da regra, ou perda da concordância. Esse quadro está em consonância com o previsto por Naro (1981, p. 87) e de acordo com Naro &
Scherre (1991, p. 16).
52
PEPP
No grupo de sobrenome não religioso, as faixas mais novas são
desfavorecedoras da concordância e, além disso, há uma redução grande da
segunda para a primeira faixa etária, mas, posteriormente, a faixa mais velha
favorece a presença de marca de plural nos elementos do sintagma; apesar
de ser a faixa em que os falantes estão desvinculados do mercado de trabalho, já aposentados, há favorecimento maior da concordância. Dessa forma,
nesse grupo, a concordância parece tender à redução, com os mais velhos
fazendo mais concordância e os mais novos, menos.
Baxter (2001, p. 3), no estudo da concordância no sintagma nominal
do português dos Tongas, identifica a faixa etária dos mais velhos (ou primeira geração) como a mais desfavorecedora da concordância, diante de
terem sido menos expostos ao português, a não ser a partir de falantes de
L2. A referência ao português dos Tongas, numa possível comparação com o
português do grupo de sobrenome religioso, justifica-se diante de esse grupo ter como ancestral a população escrava e, ainda, da possibilidade da
aquisição do português com muita variação nos dados primários a que os
falantes tiveram acesso. Dessa forma, as primeiras gerações, diante dessa
situação, têm propensão a demonstrarem mais relação estreita com essa
história de aprendizagem. As gerações posteriores, com o contato com as
diversas utilizações da linguagem e, ainda, com o convívio escolar com o
padrão, tendem a incorporar, cada vez mais, traços da língua comum, perdendo vestígios da língua inicial.
Ainda em Baxter (2001), é feito um estudo da interferência da origem
dos pais dos falantes da última geração, os mais novos (entre 20 e 40 anos),
na aplicação da regra de concordância. Foram consideradas duas possibilidades: se os pais são da África (então com um português L2) ou se são de
Monte Café (nesse caso com um português L1). Baxter (2001, p. 3) observou um desfavorecimento na concordância dos que têm pais da África (peso
relativo de concordância de .36) e um favorecimento dos que têm pais nascidos em Monte Café (peso relativo de concordância de .63).
Esse dado pode ser aproveitado para analisar aspectos do contexto de
Salvador, na população escrava e ex-escrava, no século passado. Mesmo entre meados e fins do século XIX, ainda havia muitos escravos africanos,
convivendo com escravos e libertos crioulos. Nessa cidade, eram encontradas crianças que eram filhos ainda desses africanos e filhos de escravos crioulos (ou brasileiros) que aprendiam, a todo o momento, o português dos pais
e dos outros adultos (aprendido como L1 ou L2). Em regiões rurais esse
PEPP
53
quadro certamente ocorria, e havia, com certeza, menos acesso que na cidade ao português europeu. Esses dados podem levar a supor que, em Salvador, a diversidade existente, mesmo no grupo de sobrenome religioso, pode
indicar também relação com esse aspecto: os dados linguísticos da primeira
geração dos africanos aqui chegados e de outras podem ter sido dados provenientes de uma L1 ou de uma L2.
Em seguida, faz-se o cruzamento entre a variável sobrenomes e a escolaridade, confrontando grupo de sobrenome religioso com grupo de sobrenome não religioso.
Tipos de Sobrenome
Fundamental – Sign.=000
Média – Sign.=000
Frequência
P. R.
Frequência
P. R.
não religioso
1281/1981 65%
.34
1802/2090 86%
.75
religioso
1410/2246 63%
.32
2012/2576 78%
.57
Totais
2691/4227 64%
3814/4657 82%
Tabela 11: Concordância no Sintagma Nominal em Função dos Sobrenomes e da Escolaridade
54
PEPP
A tabela e gráficos 11 apresentados mostram que, no nível Fundamental, existe uma grande aproximação, tanto de frequência quanto de peso
relativo, entre o grupo de sobrenome religioso e o grupo de sobrenome não
religioso.
Com o grupo de escolaridade Média, contudo, a diferença entre os
dois grupos é bem forte. Esse resultado demonstra que os grupos de sobrenome, já tendo, com a escola, a experiência e o contato mais acirrado com o
padrão, já revelam diferenças que entre eles: o que tem sobrenome religioso,
ou ancestralidade negra, faz menos concordância, e o grupo com outros
sobrenomes, ou não ancestralidade negra, faz bem mais concordância, demonstrando ser mais sensível ao efeito da escolarização que o grupo de
sobrenome religioso.
As análises feitas com os grupos de sobrenome mostraram uma relação
de sobrenome não religioso e mais concordância e sobrenome religioso menos
concordância. Esse fato pode ser explicado pelo tipo de acesso à língua
portuguesa a que os negros se submeteram na fase de aquisição do português no Brasil, pelo tipo de escola que eles frequentaram no decorrer da
história no Brasil, e a necessidade de reformulação dessa instituição nesse
país para promover a igualdade entre as pessoas. Como, através do estudo
dos sobrenomes, estuda-se a variável etnia, este trabalho vê uma relação
entre ancestralidade negra e menor realização de concordância no sintagma
nominal. Apesar das dificuldades com a educação que o negro enfrenta,
constata-se maior realização de sintagmas com marcas de plural nas faixas
etárias mais novas e menor realização de marcas nas faixas mais velhas, considera-se que esse grupo demonstra aquisição da regra de concordância, não
perda. Fenômeno contrário é percebido no grupo de sobrenome não religioso, ou de etnia não africana, através da observação no tempo aparente, pois
nesse grupo o peso relativo da concordância sobe à proporção que os falantes têm mais idade, revelando que o grupo tende a reduzir a realização da
concordância: quanto mais novo o falante, menos concordância.
A diferença entre os resultados dos grupos de ancestralidade escrava e
não escrava constitui evidência de que o português utilizado por descendentes de etnia negra, no Brasil, na sua fase inicial, foi caracterizado por
pouca concordância, resultado de exposição a dados linguísticos primários
mais variados e divergentes, em que os negros estiveram envolvidos. Enquanto essa população, aos poucos, aproxima-se do padrão, por situação
diversa passam as pessoas que não tiveram essa mesma história: cada vez
PEPP
55
mais reduzem a concordância dentro do sintagma nominal, ampliando o
quadro da variação.
O estudo realizado revela, pois, que há forças diferentes em concorrência no universo linguístico de Salvador, situação que se relaciona com o
processo histórico em que essa cidade se envolveu na fase da constituição do
seu povo e de sua língua.
REFERÊNCIAS
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LABOV, William. The intersection of sex and class in the course of linguistic change. Cambridge
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LOPES, Norma da Silva. Concordância nominal, contexto linguístico e sociedade. Salvador:
UFBA: Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística, janeiro de
2002. Tese de Doutorado.
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Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2000c. mimeo. Tese de Doutorado em Lingüística
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SCHERRE, Maria Marta Pereira. A regra de concordância de número no sintagma nominal
em português. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Pontífica Universidade Católica do
Rio de Janeiro, 1978.
56
PEPP
Os valores do
ONDE
em contextos de língua falada
Emília Helena Portella Monteiro de Souza
RESUMO: Este artigo é o resultado da investigação dos valores do Onde,
nos corpora PEPP e NURC/SSA/90, cuja análise desenvolve-se numa perspectiva funcionalista da mudança, tendo como suporte a metodologia da
sociolinguística variacionista. Para a discussão dos valores desse item, tomam-se, também, exemplos de ocorrências do português arcaico. Os resultados demonstram que o valor do Onde de espaço físico tem uma maior
frequência de uso, e que um novo valor encontra-se em expansão, nesta
sincronia, o Onde nocional.
PALAVRAS-CHAVE: Onde – Valores semânticos – Fatores sociais – Processo de mudança
É da natureza mesma da língua sofrer processos de variação e de mudança. A mudança opera de forma gradual, algumas levam séculos para se
firmarem, mas em cada sincronia novos usos vão ocorrendo, por questões de
ordem comunicativa e também cognitiva. Itens, num determinado período
histórico, podem ser flagrados com usos inovadores, em contextos até então
não utilizados. Essas ocorrências são frequentes, quando se trata de língua
falada, por essa se apresentar em toda a sua dinâmica, na comunicação.
O que será aqui demonstrado é resultado de uma pesquisa sobre os
valores do ONDE, no português atual, em que se focaliza a língua falada.
Serão tomados dados do português arcaico, para servirem de comparação
com algumas das realizações dessa forma gramatical nesta sincronia. O
ONDE é um dos itens mais antigos da língua, apresentando, através dos
séculos, usos estáveis, ao lado de usos variáveis, podendo-se mesmo afirmar,
a partir de estudos do atual momento histórico, que está em processo de
mudança. Na perspectiva da gramaticalização, a mudança, do ponto de
vista diacrônico, implica a investigação da fonte das formas gramaticais e
dos estágios típicos por que passam; numa determinada sincronia, é vista
como um fenômeno semântico, sintático-discursivo do ponto de vista dos
“padrões fluidos” da linguagem.
PEPP
57
Para a discussão dos valores do ONDE, em suas realizações orais, vai-se
primeiramente apresentar, de forma sucinta, como esse item é considerado
pelas gramáticas normativas do ponto de vista categorial; em seguida, verificam-se os seus valores num corpus de língua falada, e como esses se correlacionam
a fatores sociais: faixa etária, escolaridade e gênero. Os resultados obtidos serão
comparados com dados do português arcaico, objetivando-se chegar a conclusões quanto ao uso do ONDE na língua. O fato é que dados empíricos e
também resultados de pesquisas já realizadas (KERSCH, 1996; OLIVEIRA,
1997; MARINHO, 1999; SOUZA, 2003; BRAGA e MANFILI, 2005) têm
demonstrado que esse item está passando por algum processo de mudança.
O ONDE do ponto de vista categorial e semântico
A tradição gramatical apresenta o ONDE com o seu valor semântico
básico: uma referência a espaço físico, significando “lugar em que” - e o único
canonicamente aceito. Em estruturas sintáticas, esse elemento gramatical encabeça orações relativas, podendo se referir a um termo anterior, o antecedente,
ou ocorrer sem antecedente (BECHARA, 2000, p. 171). Nesse último caso, a
tradição gramatical o identifica como um relativo indefinido. Quanto à função
sintática, é consenso nas Gramáticas Normativas considerar que o ONDE desempenha sempre a função de adjunto adverbial, significando “lugar em que,
no qual”, daí ser considerado por muitos gramáticos como um advérbio relativo, a exemplo de Cunha e Cintra (1985, p. 342).
Do ponto de vista categorial, as próprias definições usadas nas gramáticas tradicionais, e mesmo descritivas, já apresentam um problema: o
ONDE é pronome ou advérbio? É só advérbio, e em alguns contextos é
pronome? O ONDE é apresentado com uma natureza híbrida. Na parte
em que trata dos pronomes, Bechara (2000, p. 112) os denomina de unidades categoremáticas, que são “formas sem substância”, apresentam apenas
ou em primeiro lugar um significado categorial, não representando nenhuma matéria extralinguística, por isso os pronomes são substantivos, adjetivos, advérbios e até verbos em algumas línguas. Os pronomes relativos são
definidos como os que se referem a um termo anterior chamado antecedente.1 No item Pronomes relativos sem antecedente, esse Autor diz que o
ONDE pode ser usado sem antecedente, ex: Moro ONDE mais me agrada.
1
58
Bechara op. cit. p. 171. Esta é também uma definição dada por Cunha e Cintra (1985)
PEPP
Quanto aos advérbios, Bechara (2000, p. 290) refere-se a esses itens
como uma classe de palavra muito heterogênea, tornando-se difícil atribuir-lhe uma classificação uniforme e coerente. Os critérios usados para
classificá-los são baseados em valores léxicos (semânticos) das unidades que
os constituem, são os denotadores de lugar, tempo, quantidade etc. e critérios funcionais. Pelos critérios funcionais, estaria o ONDE como relativo e
como interrogativo. Bechara (p.293) diz que o advérbio, pela sua origem e
significação, se prende a nomes ou pronomes, havendo, por isso, advérbios
nominais e pronominais. O ONDE pertence aos de base pronominal.
Bechara (p. 294) se refere aos advérbios relativos, apresentando a mesm a conceituação dada aos relativos, incluindo exem plos sem elhantes. Observem-se as citações abaixo.
Os advérbios relativos, como os pronomes relativos, servem para referir-se a
unidades que estão postas na oração anterior. Nas ideias de lugar empregamos ONDE, em vez de em que, no qual (e flexões):
A casa ONDE mora é excelente.
Precedido de preposição a ou de, grafa-se aonde e donde:
O sítio aonde vais é pequeno/ É bom o colégio donde saímos.
Ainda como os pronomes relativos, os advérbios relativos podem empregar-se de modo absoluto, isto é, sem referência a antecedente:
Moro ONDE mais me agrada.
Verifica-se, pelos exemplos apresentados por Bechara, que não há diferenças entre o ONDE empregado como pronome, ou como advérbio. Então, do ponto de vista da tradição gramatical, estaria esse item a meio termo
entre uma categoria e outra. Do ponto de vista linguístico, sabe-se da fluidez existente entre as categorias, em que certos itens não sendo membros
prototípicos, podem migrar de uma para outra.
Ao se considerar as análises feitas sobre o ONDE, a partir de contextos de uso, tomam-se certas posições, considerando-se as realizações desse
item no português atual: identifica-se o ONDE como um pronome, pelo
seu caráter lacunar a ser preenchido por elementos do contexto imediato ou
referido, evidenciando a sua característica de item fórico, aquele que não
pode ser interpretado por si mesmo, mas remete a outros itens do discurso
necessários à sua interpretação. Do ponto de vista semântico, o ONDE
possui como sentido básico, de origem, a referência a espaço físico. Mas
outros valores mais abstratos têm se apresentado, em contextos de uso, como
PEPP
59
o valor tempo, noção (espaço estendido ou abstrato), posse e outros semanticamente mais abstratos.
Esses valores abstratos podem ser explicados a partir de alguns processos, de natureza semântica, como a metáfora. Alguns estudos indicam um
contínuo nos processos metafóricos, indo dos usos mais concretos para os
mais abstratos. Contrariamente ao que defendem algumas abordagens formais, a linguagem não está numa relação de correspondência direta com o
mundo, na Semântica Cognitiva, o significado emerge de dentro para fora,
e por isso ele é motivado.
Para Lakoff e Johnson (1980, p. 3), a maioria das pessoas percebe a
metáfora como um assunto da imaginação poética, da linguagem extraordinária, mais do que da linguagem comum. Na verdade, a metáfora está no
dia–a-dia da vida não apenas na linguagem, mas no pensamento e na ação.
O sistema conceitual comum, relativo ao pensar e agir, é fundamentalmente metafórico por natureza. Os conceitos estruturam o que se pensa, como
as pessoas se colocam no mundo e como se relacionam com as outras pessoas. O sistema conceitual, assim, desempenha um papel central ao definir as
realidades diárias. As metáforas como expressões linguísticas são possíveis
porque existem metáforas no sistema conceitual humano.
Segundo esses autores, o significado deriva de esquemas sensório-motores. São as ações no mundo que permitem, por exemplo, que as pessoas
aprendam diretamente esquemas imagéticos espaciais e são esses esquemas
que dão significado às expressões linguísticas. Os deslocamentos de um
lugar para outro, quando a criança ainda não fala, estruturam um esquema
imagético. Esse esquema imagético é denominado de CAMINHO que pode
ser assim esquematizado:
A (fonte do movimento) ______________ B (alvo do movimento)
O esquema de estar dentro e fora de algum lugar, chamado RECIPIENTE, estrutura metáforas de recipientes. Lakoff e Johnson (p. 29) partem
do princípio de que as pessoas se situam como um recipiente, separadas do
resto do mundo pela pele, por isso as pessoas veem outros objetos físicos
como recipientes (casa, salas, florestas etc.).
Nos estudos da gramaticalização, a metáfora seria pragmaticamente
motivada e voltada para a função na gramática. Segundo Gonçalves et al.,
(2007, p. 43),
60
PEPP
A partir dela não se formam novas expressões; predicações preexistentes são
introduzidas em novos contextos ou aplicadas a novas situações por meio
da extensão de significados: é a ‘metáfora emergente’, cuja origem que
propicia a gramaticalização, seria de natureza ‘categorial’.
Assim, a metáfora é percebida como um dos mecanismos motivadores
da gramaticalização. A transferência de um sentido mais concreto para um
mais abstrato é “intermediada por uma ambiguidade semântica (HEINE
et al., 1991a) que representaria o ‘elo perdido’ da recategorização”. (GONÇALVES et al., 2007, p. 33).
Quanto ao ONDE, a ocorrência dos valores, além do mais básico de
espaço físico, se justifica pela evolução/mudança semântica, via transferência
metafórica, a que estão sujeitos os itens da língua. Os valores do ONDE constituem a sua polissemia. O sentido espaço, na base do significado do ONDE,
se estende a outros domínios mais abstratos: do espaço físico para o tempo e
para outros domínios, como noção e posse, e para outros mais abstratos. O
valor nocional do ONDE diz respeito ao seu uso numa referência a espaço
abstrato, estendido, incluindo conceitos, situações, sentimentos etc. Também
o valor posse do ONDE se dá por projeção do domínio do espaço para um
domínio mais abstrato. Possuir significa trazer para dentro de seus domínios,
do espaço interior visto como um recipiente. Outros valores mais abstratos
estão presentes em contextos em que esse item seja usado para estabelecer nexos
sem o valor funcional que possui, inclui-se aí o valor discursivo.
O corpus de língua falada
O corpus de língua falada, objeto da pesquisa, consta, em sua totalidade, de 66 inquéritos, considerando-se o PEPP e o Projeto NURC, ambos
da década de 90. Foram investigados usos em quatro faixas etárias (faixa 115 a 24 anos; faixa 2 - 25 a 35 anos; faixa 3 – 45 a 55 anos; faixa 4 - 65 anos
em diante), em três níveis de escolaridade (1 a 5 anos de escolaridade e
curso médio completo – PEPP/SSA); curso superior completo (NURC/
SSA) e gênero (masculino e feminino).2
2
Sobre o levantamento das formas do corpus, não se consideraram, separadamente, algumas
ocorrências do AONDE; como esse item e o ONDE estão em variação desde o português
arcaico, tomaram-se as duas formas, em sua totalidade.
PEPP
61
Os valores do ONDE constituidos são assumidos a partir da categoria
cognitiva a que esse item remete, conforme a sua propriedade de elemento
fórico, havendo usos em que, mais gramaticalizado, ele perde essa propriedade, agindo como um mero conector. Foram considerados, a fim de análise, os seguintes valores: espaço físico, tempo, noção e posse. O ONDE
usado com valor mais abstrato constitui estruturas sintática e discursivamente
diversificadas e vão ser apresentadas separadamente.
Metodologicamente, os valores do ONDE vão ser analisados,
correlacionados a fatores sociais, como faixa etária, escolaridade e gênero.
Seguem exemplos dos valores do ONDE, em contextos de língua falada:
corpora PEPP e NURC.
ONDE com valor de Espaço Físico
(1) [...] era uma amiga mesmo, era no mesmo, estudava na, no mesmo colégio,
na mesma rua ONDE morava, então ela, esse negócio de conversa de colégio
[...][H3C24] 3
ONDE com valor de Tempo
(2) [...]nós podemos ver por esses dias que estamos passando, os dias atuais, na
virada do século vinte e um, não é? vem do século vinte, na virada do século
vinte e um, ONDE qual a nossa infração está um negócio sério [...] (H2F40)
ONDE com valor noção
(3) [...]não estou falando assim das pessoas, por exemplo, os executivos, não é,
eles trabalham lá em cima, que realmente, são super bem arrumados, isso aí é
outra classe. Estou falando aqui do, dos estudantes, mais no meio ONDE fiquei, classe mais de estudantes[...] (M3U11R)
3
Os inquéritos estão codificados da seguinte forma: o primeiro valor é o Gênero H ou M; o
segundo, Faixa etária 1,2,3,4; o terceiro, a Escolaridade F (Fundamental), C (Colegial) e U
(Universitário); o quarto, o número do inquérito. Por exemplo, [M1C02] tem-se: Mulher,
Faixa Etária 1, Escolaridade Colegial (Curso Médio completo), Inquérito 02. Quando os
informantes forem do NURC/90, depois do número do inquérito vai existir, ou a letra N,
significando informantes novos, ou R, significando retornados, que são informantes da década de 70, que foram recontactados. Por exemplo: [M3U12N], [H4U12R].
62
PEPP
ONDE com valor Posse
(4) Pois é, é um assunto complexo, muito grande, que compreende por sempre
aspectos, sobretudo da Bahia, ONDE a história territorial da Bahia ainda não
está escrita.
[H4U12R]
ONDE, com valor mais abstrato, em outras estruturas
(5) Era ótima professora de francês e sabia ONDE tinha o nariz, ela disse a
mim “Olha, ele não é tão ruim assim não, é porque eu sou muito exigente, mas
fique certa, um cinco meu vale oito”(...inint...)
[M4C25]
(6) Aí fez assim ensinar a gente, até ela hoje é falecida, mas eu agradeço muito,
foi ONDE eu aprendi um pouco foi com ela. [M2F29]
O exemplo 5 é uma frase feita, um uso já cristalizado da língua; o
exemplo 6, uma estrutura semi-clivada, de cópia.
Apenas o exemplo 1 apresenta o uso padrão do ONDE. Os demais
usos são não-padrão, na terminologia usada por Tarallo (1996).
Na Tabela 1, considera-se o total geral de 262 ocorrências do ONDE.
Valores do ONDE
Número de ocorrências/Percentuais
Espaço Físico
215
82%
Tempo
8
3%
Noção
37
14%
Posse
2
1%
Tabela 1: Valores do ONDE: Total Geral
Observa-se uma alta frequência do ONDE Espaço Físico, com um
percentual significativo. A esse segue o ONDE com valor Noção (espaço
estendido), depois o ONDE com valor Tempo e, finalmente, o ONDE
com valor Posse. Esses valores são melhor compreendidos correlacionados
aos fatores sociais a seguir.
PEPP
63
Primeiramente, as ocorrências são analisadas em relação ao Grupo de
fatores Faixa Etária, cujos resultados estão expressos na Tabela 2.
Faixas Etárias
Espaço
Tempo
Noção
1
36/37 97%
-
2
53/79 67%
1 1%
3
37/41 90%
-
4
89/105 85%
7/105 7%
1/37
-
Posse
3%
-
-
25/79 32%
-
-
4/41 10%
-
-
7/105
7%
2/105 2%
Tabela 2: Valores Semânticos do ONDE e Faixa Etária
Nessa tabela demonstra-se um resultado surpreendente em relação à
faixa etária 1. Contrariando as expectativas, essa faixa, a dos mais jovens,
tem o percentual mais alto de uso do ONDE Espaço Físico, 97%; em
comparação com as demais, evidencia ser a mais conservadora. A faixa etária
2 se apresenta como a mais inovadora, tem o percentual mais baixo de uso
de ONDE Espaço Físico, 67%, e um percentual mais alto de ONDE Noção, 32%. As faixas 3 e 4, embora apresentem um percentual alto de usos
do ONDE Espaço Físico, o valor Noção é percentualmente significativo. O
valor Tempo é mais saliente na faixa etária 4, sendo a única faixa etária que
tem o uso de ONDE com valor Posse.
A faixa etária 2, do ponto de vista social, está dentro da faixa considerada
mais produtiva (20 aos 50 anos). Nessa fase, as pessoas, por uma questão profissional, visam a ter ascensão na escala social, apresentam, portanto, um perfil,
do ponto de vista linguístico, de autocorreção. Essas têm preferência pelos usos
considerados de maior aceitação, como uma percepção das vantagens sociais
que podem obter. Essas considerações indicam, a partir dos dados, a existência
de um valor do ONDE que tem significativa relevância no percentual geral de
usos por faixa etária, que é o ONDE com valor nocional, embora o ONDE
Espaço Físico tenha um percentual muito elevado, como foi visto na Tabela 1,
num total geral de todas as faixas, 82%; Noção 14%; Tempo 3%; Posse 1%. O
ONDE Noção tem percentuais de usos em todas as faixas etárias como o ONDE
Espaço Físico, o que não ocorre com o ONDE Tempo, que só se apresenta nas
faixas 2 e 4, e Posse, só na faixa 4.
Uma conclusão preliminar é a de que o ONDE nocional pode estar se
apresentando, nesta sincronia, como um valor de aceitação, ou mesmo de
64
PEPP
certo prestígio. O resultado das análises dos outros grupos de fatores pode
vir a confirmar ou não essa hipótese.
O grupo de fatores Escolaridade apresentou os seguintes resultados,
conforme a Tabela 3, abaixo.
Escolaridade
Fundamental
Espaço
94/108 88%
Colegial
66/75 87%
Universitário
55/79 70%
Tempo
1 1%
7/79 9%
Noção
Posse
13/108 12%
-
9/75 12%
-
15/79 19%
2/79 3%
Tabela 3: Valores Semânticos do ONDE e Escolaridade
O nível Fundamental possui um maior percentual de ONDE Espaço
Físico, 88%, seguindo-se a esse o nível Colegial, 87%, e, por último, o nível
Universitário, 70%. O fato de o nível Fundamental apresentar o maior percentual
de ONDE Espaço Físico evidencia um uso do valor mais básico desse item, do
ponto de vista semântico e que, canonicamente, é o aceito. O que poderia se
esperar é que a baixa escolaridade desses informantes pudesse proporcionar
usos não-padrão proporcionalmente maiores do que dos informantes de maior
escolaridade, o que não acontece. A novidade está por conta do nível Universitário, que apresenta um percentual menor de usos do ONDE Espaço Físico,
em contrapartida, o ONDE Noção apresenta um percentual maior se comparado com os dos outros níveis de escolaridade.
Observando-se os resultados apresentados, o ONDE Noção é o que se
apresenta com um percentual maior dentre os outros valores mais abstratos
do ONDE. Percebe-se, portanto, a partir deste grupo sob análise, que a
inovação está vindo de cima para baixo. É a fala das pessoas de nível Universitário, representante da norma culta, que parece estar desencadeando esse
processo. Os percentuais de usos do ONDE Noção do nível Fundamental
e do nível Colegial são significativos. Acompanham em proporção os dos
falantes de nível culto, Universitário. O que é explicado, quando um falar
de prestígio apresenta novos usos linguísticos, esses passam a ser incorporados por outros segmentos, sem haver estigmatização. O ONDE Tempo
tem um percentual muito baixo no nível Fundamental; o nível Colegial
não apresenta nenhum uso; e o Universitário tem um percentual significativo, comparado com o do nível Fundamental. O valor Posse só ocorre no
PEPP
65
Universitário. Uma vez que o Universitário apresenta todos os valores metafóricos previstos para o ONDE, tudo leva a crer que esse nível de escolaridade emerge como o fator desencadeador do processo de mudança linguística
em termos semânticos. De acordo com Svorou (1993), a transferência metafórica do sentido de um item de um domínio mais concreto para outros
domínios mais abstratos, não se dá de forma gradual, sendo uma atividade
cognitiva, o que está envolvido é o reconhecimento de similaridades entre
um domínio e outro e o revigoramento dos significados linguísticos de descrição de um para descrever o outro, o que é novo é a convencionalização.
Seguem exemplos do ONDE segundo o grupo de fatores Escolaridade.
Fundamental – ONDE Espaço Físico
(7) Era assim lá na nova, na escola nova ONDE eu trabalhava, onde eu
estudava, aí eu ia estudar e mainha começou a falar, eu era menor, mainha
começou a falar “ah! o único interessado aqui é você” [...] [H1F47]
Colegial – ONDE Noção
(8) [...] mas aí na, no, no, no curso Básico, tinha o curso Básico né, ONDE a
gente tinha que aprender eletricidade, mecânica, de tudo a pessoa tinha que
saber. [H4C14]
Universitário – ONDE Tempo
(9) [...] bom, essa é uma fase da Bahia, eh, da cidade ONDE a cidade era
calma, mais calma, evidentemente mais tranqüila, ONDE as pessoas se encontravam, ONDE era possível você discutir filosofia num bonde [...] [M4U13R]
Quanto ao fator Gênero, confira a Tabela 4, abaixo.
Sexo
Espaço
Tempo
Noção
Posse
Mulher
82/105 78%
7/105 7%
15/105 14%
1/105 1%
Homem
133/157 85%
1/157 1%
22/157 14%
1/157 1%
Tabela 4: Valores Semânticos do ONDE e o Gênero
66
PEPP
Observa-se que os Homens possuem um percentual maior de usos do
ONDE Espaço Físico, 85%, em relação às Mulheres, que possuem 78%.
Quanto aos valores mais abstratos do ONDE, as Mulheres apresentam um
percentual de usos de Tempo maior do que o dos Homens, 7% para 1%,
respectivamente. No uso do ONDE Noção, os percentuais se igualam, são
14%, tanto das Mulheres quanto dos Homens. Posse tem um uso muito
baixo percentualmente, tanto Homem quanto Mulher apresentam 1%.
Confirma-se o que tem sido apresentado por pesquisas sociolinguísticas: as
mulheres são sempre conservadoras em termos de usos, mas quando a mudança não é estigmatizada, elas facilmente incorporam os novos usos, e
passam a ser mais inovadoras do que os homens. Como tem se verificado, o
ONDE Noção tem se apresentado como o uso mais inovador em termos de
valores, nesse caso, no corpus em estudo, as Mulheres se igualam aos Homens em termos percentuais. O ONDE Espaço Físico se mantém como o
valor mais usado em ambos os gêneros.
Seguem exemplos do ONDE, segundo o grupo de fatores Gênero.
Mulher – ONDE Espaço físico
(10) Ah! As quitandas!... é da minha infância as quitandas ONDE vendia
tudo, um pouquinho de óleo, um pouquinho de, de, de manteiga [....] (M4U13R)
Homem – ONDE Espaço Físico
(11) [...] depois de uns três a quatro meses foi um rapaz lá no Ministério da
Fazenda, ONDE a minha mãe trabalha [...] [H2F09]
O ONDE Espaço Físico, na fala de Salvador, nesta sincronia, a partir
das amostras analisadas e levando-se em consideração os fatores sociais, tem
o percentual mais alto de uso, em relação aos outros sentidos. Desses últimos, o ONDE nocional é o que se apresenta em expansão.
Embora a pesquisa sobre o ONDE se dê nesta sincronia, vão ser tomados alguns dados diacrônicos, especificamente do português arcaico, para
que se possam tecer algumas considerações no que diz respeito aos valores
desse item. Serão apresentados alguns exemplos, retirados de edições críticas de dois manuscritos do século XIV, Os Diálogos de São Gregório, por
Mattos e Silva (1989) e Flos Sanctorum, edição inédita, por Machado Filho
(2001).
PEPP
67
Nos dados do português arcaico do século XIV, nos documentos referidos, estão registrados usos do ONDE, não só com valor de Espaço Físico,
mas também com valor nocional, de tempo, de posse e, também, conclusivo, equivalente a donde e logo, sem antecedente. Nessa fase do português,
existiam duas formas: HU equivalente aos atuais ONDE (lugar em que) e
para ONDE (direção), e ONDE equivalente ao atual de ONDE (procedência). Progressivamente, HU foi sendo substituido pelo atual ONDE,
vindo a desaparecer.
Seguem exemplos do português arcaico, documentados n’Os Diálogos
de São Gregório (DSG) e Flos Sanctorum (FS).
HU como relativo em frases afirmativas (= onde, “lugar em que”; “para onde”)
Espaço Físico – DSG
(12) 1.8.394 [...] e non queiras tomar trabalho em ir a Roma hu el he.
(HU = onde, “lugar em que”)
(13) 1.1.18 [...] semelha-me que me vou per esse mar ao desdado hu me Deus
levar
(HU = para onde)
Valor Temporal – DSG
(14) 1.2.20 Ca, como quer que aqueles que ordiada vida fazen non queiran
seer res hu primeiramente non foran discipulos.
(HU = quando)
Valor Nocional - FS
(15) 9vC25 E pois assi é, guarda-te quanto poderes / de virares nem a torto nem
a dereyto. E a / verdade, levar-te-à aa vida perduravil hu / viveras por sempre.
(HU= em que)
4
5
68
A numeração tem a seguinte seqüência: número do livro; história; períodos (Mattos e Silva,
1989)
A numeração tem a seguinte seqüência: número do fólio; verso; coluna; número da coluna
(Machado Filho, 2001).
PEPP
ONDE relativo em frases afirmativas (= de onde)
Espaço Físico
(16)1.28.4– Tornarde este homen a seu logar onde o tirastes [...] - DSG
(17) 8rC26 – Senhor, rogo-te e peço-ti por / mercee que me nõ leixes tornar a
aquela terra / maa e lixosa onde viim, ca muyto desejo / de folgar aqui contigo –
FS
Valor Nocional – ponto de que algo procede, abstrato - DSG
(18) 1.19.12 [...] começô a rogar que lhi desse onde podesse amansar a sanha
do clerigo. (ONDE = da qual)
(19) Relação de Posse (onde = de que) - DSG
1.5.24 Fiiz...que foi noutro dia preposto naquel moesteiro onde o fora Libertino, contou a mim (= Libertino foi abade do mosteiro)
Valor Temporal – DSG
(20) 3.5.11 E era gram maravilha ca onde huum avia mal, ende os outros
todos avian peior. (onde = a partir do momento em que)
Conclusão – DSG
(21) 2.3.61 Onde, Pedro, podes conhocer ora muit’agiha se o quiseres ouvir de
bõa mente, que...
(22) 6rC2 E el yndo-se assi cuydou muyto em hia / molher que vira ja peça
havia. E por esta molher / foy assi decebudo e enganado pelo enmiigo / que mais
nõ poderia seer. Onde haveo que el yndo per / hiu logar deserto houve de passar
hiu ryo... FS
6
A numeração tem a seguinte seqüência: número do fólio; retro; coluna; número da coluna
(Machado Filho, 2001).
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A partir dos exemplos do português arcaico, em que o ONDE se apresenta com usos metafóricos, observa-se que os valores que eles expressam
estão, também, presentes na sincronia atual. Segundo Mattos e Silva (1989),
esses documentos escritos da fase medieval são anteriores à ação dos
gramáticos, ortógrafos e dicionaristas, também de uma “normativização”, a
partir de que se conclui que esses refletem, de alguma forma, usos orais da
língua codificados nesses textos.
Uma melhor compreensão desse fenômeno, em que usos similares do
ONDE ocorrem em duas sincronias com alguns séculos de separação entre
elas, pode ser vista a partir de uma perspectiva cognitiva e discursivo-pragmática. Cognitiva quando se considera que as representações conceituais
são da natureza mesma do ser humano, a capacidade de fazer transferência
de um domínio mais concreto para um mais abstrato é um processo natural, que é codificado na língua, tornando polissêmicos os itens que estão
sujeitos a esse processo. Por outro lado, pode-se recorrer, também, para
explicar esse fenômeno, ao princípio do Uniformitarismo, retomado por
Labov (1994), que hipotetiza que forças que operaram no passado continuam a operar, mas os fatores sociocognitivos que atuam numa determinada
sincronia, pela força do uso, fazem emergir novos sentidos, cristalizando
formas já existentes. Cada nova recorrência atende a necessidades cognitivas
e comunicativas em cada momento histórico. A frequência de uso faz com
que certas expressões se desgastem, não se ajustando tão plenamente ao
sentido que se quer emitir, e novos usos acontecem. Essa constante
criatividade é a base da mudança linguística.
Observem-se outras construções com o ONDE, nesses contextos de
língua falada, em que esse item apresenta-se mais abstratizado, em construções sintático-discursivas, sem o valor funcional que possui. Além do
esvaecimento do significado, há a perda das restrições de ocorrências. São os
exemplos a seguir.
(23) INF- Com o aparecimento da vassoura de bruxa, eles perderam o cacau e
estão cerrando a madeira, e destruindo a Mata Atlântica, né?
DOC – Que falta de consciência...
INF – Completa, ONDE dizer: “Não, mas se você fosse fazendeiro e precisasse
pagar suas contas, você fazia a mesma coisa”. Em verdade eu não sei se isto não
seria o caso, essa é que é a verdade... (H4U12R)
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((24) DOC – É quase uma perda de valores, não é?
INF – É houve uma perda de valores muito grande. AONDE é que já se viu
uma mãe, ah, vai (inint). (H2C33)
(25) [...] porque eu esperava ter um pai que cuidasse de mim, que me desse o
carinho, qual o pai estava dando aquele filho, ONDE desde quando eu estava
encerando o pátio daquela casa, aí por dentro eu chorava. [H2F40]
O ONDE em frases feitas
(27) INF – Olha, eu comecei em 70. Fui para o, para um colégio chamado
Alberto de Assis.
DOC – Como?
INF – Alberto de Assis.
DOC – Alberto de Assis. Perto de casa?
INF – Foi, pouquinho, era um pouquinho perto de casa, uns dois quilômetros
mais ou menos. O nível não era bom, mas não tinha outro pra onde correr.
[H2C33]
(28) [...] não adianta, só faço o que, (...inint...) meu braço (...inint...) o chapéu ONDE meu braço alcança, mas felizmente [...] [H4C11]
(29) É, o pessoal, meus irmãos costuma dizer que ela me bota no céu né, e eles
não tratam bem, ela não trata bem, quer dizer, mas eu acho que não é nada
disso, eu acho que eles mesmo que não, que não faz por onde, ela olhe pra, pra
eles, que ela olha pra todo mundo. [H2F09]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se observa, no português atual, a partir dos dados da língua
falada analisados, é que o ONDE apresenta, além de seu valor mais básico,
de espaço físico - o único aceito pela tradição gramatical - outros valores,
como os referentes a tempo, noção - que é um espaço virtual – posse. Além
de ocorrer, em alguns contextos, sem o valor funcional que possui, de rela-
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tivo, se apresentando como mero conector, ligando orações, sintagmas, ou
mesmo como um marcador discursivo. Esses valores do ONDE foram também identificados no português arcaico do século XIV, como se verificou a
partir da observação de algumas ocorrências extraídas de dois manuscritos.
No português desta sincronia, o ONDE espaço físico tem o percentual
de uso maior, no total geral da amostra. Mas um desses valores do ONDE,
que já foi expresso no passado e que, provavelmente, nunca deixou de existir, o ONDE Nocional, ocorre, no presente, com seu uso em processo de
expansão, como foi visto a partir dos grupos de fatores analisados: faixa
etária, escolaridade e gênero. E sendo um fenômeno que está ocorrendo de
cima para baixo, isto é, a partir do grupo de falantes de nível superior,
portador de norma culta, pode, em algum momento da língua, vir a se
firmar como um uso de estatuto semelhante ao ONDE Espaço Físico, pelo
menos no sentido de aceitação social, para Svorou (1993), de
convencionalização.
Dignos de observação são os valores mais abstratos do ONDE, em
contexto de uso discursivo, flagrados nesta sincronia, em que esse item ocorre
preenchendo outros espaços, concorrendo com outros elementos da língua.
Numa visão pancrônica, verifica-se a existência de uma regularidade que
caracteriza o conjunto de usos de alguns elementos da língua, em diferentes
sincronias, como é o caso do ONDE. Fatores de ordem cognitiva,
sociocultural e comunicativa proporcionam a emergência de novos usos a
partir dos já existentes. No caso do ONDE, o seu valor fonte, de espaço
físico, tem se mantido, ao lado de outros mais abstratos e, ainda, em contextos sintático-discursivos em que se observa a criatividade linguistica,
impulsionando a mudança.
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SVOROU, Soteria. The grammar of space. Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins,
1993.
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PARTE 3
Inquéritos / Transcrições
INQ 18 – HOMEM – IDADE: 23 ANOS – ESCOLARIDADE FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: EMÍLIA HELENA PORTELLA MONTEIRO DE SOUZA
DATA GRAVAÇAO: 17/11/1999
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Eh, eu gostaria de saber de você como foi a sua infância, se você foi
muito pintão, o que é que você fazia?
Eh, eu fui muito pintão, inclusive perturbava muito as pessoas,
os, os velhos, perturbava mesmo.
É?
E...
Como você perturbava os velhos como?
Dava pedrada, cacetada, já fui preso por causa de queixa na polícia, juizado de menor, meu pai já me soltou já, essas coisas de
criança.
Sim, mas você tinha quantos anos quando você se comportava
desse jeito?
Tinha sete, oito anos, até uns quinze foi isso aí.
E porque logo com os velhos?
É que os velhos são os mais chatos.
Tinha alguém dentro de casa que se comportava assim com você?
Tinha sim.
Que fosse velho?
Só a minha tia L... que morreu.
Sim, aí como é que ela fazia com você?
Ficava pegando no meu pé, de noite roncava, eu botava sal na
boca dela, essas coisas de criança, essas maluquices.
E você, você era sozinho ou tinha outro irmão?
Não, eu sou, de irmão homem só, só tem eu.
São quantas meninas?
Quatro.
São quatro, e aí você... E elas pintavam também como você?
Não, não, ninguém é igual a mim não.
E você começou a melhorar depois de quando?
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Depois eu comecei a apanhar muito da minha mãe aí foi melhorando, quem não, quem não me batia era meu pai, nunca me
bateu.
Sim, mas o que é que ele achava das coisas que você fazia?
Disse que era coisa de criança, coisa de menino.
Passava a mão sempre...
Era.
Na cabeça.
Pela cabeça, minha mãe não, minha mãe é do interior, é porrada
pra dentro.
Hum, sim, mas conte algum, alguma coisa que assim, que você se
lembre que você aprontou quando você era, eh, pequeno.
Quando eu era pequeno?
Sim, nessa fase.
Vou contar sobre a, uma escrivã que tem lá, ainda mora lá em
Nazaré, o sobrinho dela meteu um osso no filho dela, eu estava
sentado no muro ela disse que foi eu, eu disse que não foi, aí ela
veio e me deu uma tapa na perna, aí eu saí dando murro nela, aí
quebrou o dente, furou as vistas dela, que ela estava de óculos, aí
eu fui parar no juizado de menor durante uma semana.
E você tinha quantos anos?
Tinha treze, doze, treze anos.
Doze, treze anos, certo, e o que foi que, como a sua mãe se comportou?
Minha mãe não foi lá não, quem foi foi meu pai.
Sim, e ele deu algum castigo?
Não, a mim não, ele foi lá com o advogado falou com a delegada
lá e me soltaram, mas soltaram depois de uma semana.
E, e lá durante esse período que você passou?
Tomei uns bolinhos.
E ficou arrependido depois?
Eu não, queria pegar ela de novo pra bater.
E você a, ainda hoje se encontra com ela? Já...
Encontro, mas a raiva já passou já, agora a gente é amigo, eu acho.
Vocês são amigos.
Eu acho, né
Sim, e você nessa época, você estudava?
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Estudava.
E como era você na escola?
Pior do que em casa, porque eu me juntava com os amigos aí era,
era pior né.
Sim, mas conte alguma coisa assim de professora sua.
Professor, vou contar do professor que...
Sim.
Que eu bati que eu fui expulso, eh, eu não fiz o dever de casa aí
quando chegou na escola ele começou a me xingar, depois puxou
a minha orelha, ele puxou a minha orelha eu dei um murro nele,
aí me levaram pra diretoria e eu fui expulso.
Isso você estava em que série?
Isso eu estava na, na, na terceira série.
Na terceira série.
Na terceira ou quarta série, mas ou menos isso.
E depois você não foi pra outra escola não?
Não.
Aí você deixou de estudar?
Não, eu fui pra outra escola, agora depois dessa outra escola eu
parei de estudar, que eu continuei, que eu fui expulso no Rui
Barbosa e depois eu fui pro Azevedo Fernandes, lá no Pelourinho,
estudar no Pelourinho.
E você gostava de lá?
Do Rui Barbosa gostava, mas do Azevedo não.
Qual a diferença do, dos colégios?
A diferença?
Hum.
Que no Rui Barbosa tinha menino pintão e no, no Azevedo, que
era no Pelourinho, quando tinha o antigo Maciel era muita briga,
tomava escarrerão, eu mesmo já cansei de descer a ladeira do
Pelourinho escarrerado, os pessoal com faca atrás de mim.
Da, da, da própria escola?
Da própria escola, que a gente brigava lá dentro aí na saída eles,
como eles moravam lá no Centro, eles estavam mais perto de casa,
aí qualquer coisa a arma, aí a gente tinha que sair escarrerado, e no
Rui Barbosa não, o Rui Barbosa era lá em Nazaré, até hoje ainda
existe o Rui Barbosa, aí eu estava mais próximo de casa a vantagem era minha.
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Hum, e você se lembra de, de alguma coisa mais de sua professora, quer dizer de alguma professora que tenha marcado você, teve
esse professor, e...
Teve uma professora também chamada B..., mas ali eu só fui só
suspenso só, foi também ela puxou a minha orelha também e eu
puxei a blusa dela, lascou a blusa, ela ficou com os peitos na rua,
aí eu fui suspenso, não fui expulso mas fui suspenso por uma
semana.
E depois como foi que ela lhe tratou?
Normal, ela tratava normal, eu achava, né? que ela estava tratando
normal não sei ela.
E seus colegas?
Meus colegas?
Hum.
Meus colegas achou que foi exagero meu, que ela puxou a minha
orelha, minha orelha ficou quente, eu tenho sangue quente também, aí quando sobe assim pra cabeça eu fico meio, meio tonto,
sei lá como é que eu fico.
E aí você reagiu desse jeito.
É, sempre, sempre eu reajo desse jeito ainda, né?
Ainda?
Ainda, mas mais assim em briga de rua, esses negócios.
Você é chegado a briga de rua é?
Eu sou.
Ainda?
Ainda, eu não consigo me controlar muito não, se eu ver muita
liberdade eu fico meio que com a cabeça quente, aí eu tenho que
partir logo pra briga.
Mas não é bom não, né?
É bom que as vezes a gente testa força, e as vezes é ruim porque a
gente leva desvantagem quando a gente apanha.
É, mas você hoje tem uma responsabilidade porque você tem um
filho né?
É, isso aí é, aí tem que pensar duas vezes né antes de fazer as coisa.
Com certeza, que ele depende de você não é isso? E me diga uma
coisa, e você gostava de estudar o que? Voltando a sua infância.
O que eu gostava de estudar?
Sim.
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Eu gostava de estudar história, geografia, menos matemática, eu
gostava de português.
Gostava?
Gostava, português eu gosto muito.
Hum, e você lia muito?
Lia, ainda leio também, quando tenho um tempinho eu pego um
jornal aí em baixo, uma revista e fico lendo.
Ótimo, e depois que você saiu dessa escola você foi pra o Azevedo
Fernandes.
Azevedo.
E lá você fez que curso?
Lá?
Hum.
Eu fiz a, a quinta série, já estava quase passado, mas aí, depois, eu
tive que abandonar a escola por causa de trabalho.
E aí fale um pouco sobre o seu trabalho. Você começou a trabalhar desde quando?
Eu comecei a trabalhar com o meu pai na estiva de office boy, office
boy dos amigos dele, né? que eu ia receber contra cheque e depois
eu ia pro banco descontar pra trazer o dinheiro, depois trabalhei
na, no Petipreço, aqui da Boca do Rio, depois trabalhei numa loja
na Baixa de Sapateiros, Lá e Cá Modas, de vendedor, e agora eu
estou aqui no condomínio São Bernardo.
Eu sei, e desses o que foi que você mais gostou de fazer?
Desses, desses que eu já trabalhei?
Hum.
O que eu mais gostei foi trabalhar com o meu pai, porque eu
trabalhava junto com ele aí eu me sentia melhor.
Você se sentia melhor. E hoje o seu pai continua fazendo a mesma
coisa.
Não, não, meu pai se aposentou depois faleceu, tem dois anos de
falecido, fez agora no dia seis de novembro.
Hum, só a sua mãe...
Só a minha mãe.
Sim, aí nessa época que você estava trabalhando você deixou de
estudar.
Deixei.
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Conte alguma coisa eh, que você se lembra desses primeiros empregos, primeiro emprego seu tem alguma coisa que você gostaria
de contar?
Gostaria de contar?
Hum.
Não, não, não tenho não.
Você sempre gostou de trabalhar o ..?
É, sempre gostei, pra eu ter o que é meu, né?
Importante.
Não depender da minha mãe, que eu só tenho ela agora.
E seus amigos como foram, eh, e seus amigos de, de, de infância
são os mesmos de hoje?
Não, meus amigos de infância sumiram, foram pra São Paulo, eu
só tenho dois amigos aqui que é pouco tempo, seis anos pra cá,
sete, eh, A ... e B..., todos os dois trabalha, um trabalha na livraria, e o outro trabalha ne estação da Carmo.
Hum, são boas pessoas?
São boas pessoas, é o que sai com a gente, sai comigo direto, pra
pagode essas coisas.
Hum, e, e esses eh, e na época da, da adolescência você tem alguma coisa pra você contar sobre os amigos e os companheiros com
quem você andava?
Só tem só um que andava pelo caminho errado, e era novo também assim igual a mim, mas mais novo porque a gente naquela
época tinha treze, catorze anos e ele andava por um caminho errado, e eu era errado também porque eu andava brigando, e ele
errado porque andava usando tóxico, aí sempre, sempre a gente
sentava assim pra debater, dar uns conselhos a ele, mesmo a gente
não sabendo muita coisa, mas a gente dava uns conselhos a ele pra
ele sair dessa vida de droga e ele não saiu, Deus levou ele, está até
hoje a gente sentindo muita falta dele.
Hum, eu sei, o, o que é que você acha assim do, do comportamento de hoje dos jovens, o que é que você pensa?
Acho que o comportamento da, dos jovens está muito pesado,
muita briga, muito tóxico, muitas drogas, aí a maioria está tudo
se envolvendo com isso, muita gente, muita menina nova grávida,
aí o ambiente está pesado e muito.
Você tem percebido isso, não é?
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Tenho sim, de vez em quando eu vejo jornal aí, as notícias, é
jovem matando jovem, hoje mesmo eu estava lendo o jornal aí eu
vi jovem no pagode aqui na Boca do Rio que matou o, o colega a
facadas só por causa de uma garota, aí eu estou vendo que o clima
está pesado.
Hum, e, e esse pagode, o, os que você gosta, você diz que gosta de,
de pagode?
Mas o pagode que eu vou é, não é igual a esses que acontece em
rua, em show público, o meu, o que eu vou é tem mais segurança
porque é pago, aí eu me sinto mais seguro, não é muito seguro
mais é melhor do que de graça, nada de graça presta.
Certo, e já aconteceu alguma coisa assim que você tenha presenciado?
De briga? Comigo já, comigo e esses dois que vai sempre comigo.
Um foi na casa de Itália, e o outro foi lá no Pelourinho de Nazaré,
num ensaio do Harmonia do Samba.
Hum, sim o que foi que aconteceu?
Foi que o segurança achou que a gente estava procurando briga, aí
eu, não foi eu que estava procurando, foi meus colegas que eles
dizem que estava procurando, aí eu tive que me meter, aí foi paulada, garrafada, chute, aí botaram a gente pra fora, chegou cá fora
a gente ficou esperando o pessoal sair, aí quando saiu como a
gente mora em Nazaré a gente aí tirou os paus de, da barraca de
capeta e começou dar de ferro nos outros, pauladas, depois chamaram a polícia a gente ainda estava no local ainda, chamaram a
polícia a gente aí teve que partir pra casa, correr.
Hum, sim, mas porque é que vocês resolveram ainda brigar?
É porque a gente levou desvantagem lá dentro por causa do segurança e segundo por que não foi a gente que estava procurando
briga, né? Assim dizem os meus colegas, né? Porque eu não vi.
Mas, mas fica perigoso assim, né?
É, perigoso fica porque a gente fica visado também.
É.
Até por, pelos pessoal que a gente brigou mesmo, a gente pode ir
pra outro lugar eles tá lá e querer pegar a gente.
É verdade, e, e num, num caso como esse, quer dizer num pagode
alguém eh, procura briga ou briga eh de uma forma vamos dizer
acontece? Como é que as coisas acontecem?
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Às vezes as, o pessoal briga porque gosta e, às vezes, é porque
acontece, tem uns mesmo que vão pro pagode ficam bêbado ou
drogado e aí já vai pra, procurar briga com os outros, tem gente
que tem um temperamento muito alto não aguenta aí começa, aí
começando uma briga, aí vem várias.
Hum, verdade, e, e aqui em Salvador como é que você está achando assim essa, a questão da violência?
A violência aqui está muita, mas é escondida, só sai mais a, nos
jornais só sai mais a violência do Rio, de São Paulo e Minas Gerais
esses lugares mas da Bahia é escondida, né? Mas a violência aqui
da brava.
Tá muito grande, né?
Está muito pesada, é está grande.
Venha cá, e voltando ainda pra, pra o seu tempo de criança, que
você falou que você brigava muito né, tinha também os problemas, mas em, em termos das brincadeiras?
Ah, tinha muita brincadeira boa, garrafão, chuta lata...
Sim, me explique, conte, conte como eram elas.
Garrafão era a brincadeira parecendo uns quadrados que a gente
colocava no chão, a gente jogava parecia uma casca de banana e
saia pulando, quem errasse aí passava numa, num cordão, cordão
polonês, o pessoal com uma, com uma camisa, amarrada e cheia
de areia dentro, aí quem errasse passava no corredor polonês de
mais de trinta e saia apanhando na cabeça, aí era divertido. Às
vezes, a gente apanhava e chorava e, outras vezes, não, porque tem
uns que são malvados que bate com, bate forte, tinha outra brincadeira também, chutar lata, jogar gude, mas a melhor brincadeira também mesmo era empinar arraia, que até hoje eu empino,
né?
Você gosta, né?
Gosto sim, gosto muito, empinar arraia eu não perco não.
E vo, e você brincava onde?
Lá eu brincava na escola Rui Barbosa, e a diretora deixava de vez
em quando aí a gente armava tudo lá dentro do colégio, fazia a
bagunça da gente depois a gente limpava e ia embora pra casa,
mas era divertido.
E na rua onde você morava?
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Na rua não porque na rua é pequena, ainda até hoje ainda é pequena ainda, passa muito carro, aí não tinha muito espaço pra
gente brincar, aí o jeito mesmo era o Rui Barbosa.
Quer dizer a, a escola era o espaço.
Era o espaço da gente.
É, tanto da, do estudo quanto das...
É, das brincadeiras.
Das brincadeiras.
Mas agora até que acabou também o Rui Barbosa, acabou a parte
da, do recreio que a gente brincava acabou, agora é, é entrada e
saída dos alunos, fizeram tipo um ginásio...
Ah, tiraram o pátio foi?
É, tiraram, aí fizeram um ginásio, aí a única escola que tem é a
Adventista, mas pra gente fazer alguma atividade lá a gente tem
que pagar.
Hum, e, e você ainda gosta de, de, de, e você, e você ainda gosta
de, de ir pra lá?
Pra onde?
Pra escola, porque você disse que pra Adventista se for tem pagar.
É, tem que pagar, aí a gente de vez em quando a gente arruma um
babinha lá, aí cada um dá dois reais, aí junta quarenta reais, aí a
gente paga uma hora e meia, uma hora, aí a gente joga, depois é
pegar a bola e cair pra casa pra tomar o nosso banho.
Hum, isso você sempre faz é?
É uma vez por mês quando a gente tem um dinheiro sobrando,
né? que nunca a gente tem.
E, e você acha que as brincadeiras de hoje são como, como eram
no seu tempo?
Não é não, brincadeira de agora está mais pesada, brincadeira de
hoje em diante agora é, qualquer coisinha tem que ter uma briga,
as brincadeiras de antes não, a gente agüentava, agora os meninos
estão chegando agora tudo é briga.
É, as crianças?
Eu acho, né? Porque tem uns lá na rua mesmo que qualquer coisinha agora quer bater na gente que é mais velho.
Os, os meninos?
É, os mais novos que tem treze, catorze anos, acha que é homem
demais e já quer bater nos mais velhos.
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Hum...
Aí a brincadeira agora não é igual antigamente, e aquelas brincadeiras de antigamente já acabou, garrafão, chutar lata, essas brincadeiras já acabou.
E de chutar lata que você não explicou como é?
Ah, a gente enche a lata de papel, aí bota um, um arame, fura os
dois lados, bota e sai pela rua chutando, fazendo zoada meia noite, uma hora da manhã.
Hum...
Pra não deixar o pessoal dormir muito cedo, que lá em Nazaré é
um bairro muito calmo, só mora senhor de idade, senhora, aí a
gente aí pra não deixar dormir muito cedo aí a gente ficava abusando.
Hum, e eles não reclamavam não?
E muito, muita queixa da gente, polícia atrás da gente e tudo por
causa dessa brincadeira.
Me diga uma coisa: você tem filho homem, né?
É.
E como é que você pretende educar o seu filho?
Eh, bem melhor do que eu, porque se, se for igual a mim eu estou
perdido.
Em que sentido você quer educar melhor?
Eh, educar melhor é sentir ele respeitar as pessoas de idade que eu
não respeitei, botar ele pra estudar até ele se formar, que eu não
consegui, e ver se ele pratica algum esporte aí pra ele ser alguma
coisa na vida, porque se trabalhar de peão igual a mim ele vai
morrer e não vai ter nada.
E em termos eh, dos conselhos que você vai dar?
Os conselhos?
Hum.
Não se meter com drogas, procurar ajudar a mãe dele, se a minha
mãe tiver viva ainda procurar ajudar ela que vai ser avó, e o resto,
pouca mulher e pouco filho também, fazer igual a mim, fazer
logo um só.
Mas me diga uma coisa, e, e em termos hoje de, de sua, suas diver,
eh, a sua diversão, qual é a sua diversão?
Minha diversão maior é ir pro, pra Fonte Nova quando tem o
Bahia pra jogar, e quando eu tenho dinheiro pra pagar, pra ir ver
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que nada, não dá pra entrar de graça mesmo, a praia quando está
fazendo sol, o pagode, quando nada disso acontece o jeito é ficar
com o meu filho em casa brincando, fazendo ele ri.
DOC: E sua mulher, você não sai com ela não?
18:
De vez em quando eu saio com ela, quando eu tenho dinheiro,
que ela é muito pidona, aí ela vê uma coisa quer, vê uma calça
quer, vê um sapato quer, aí de vez em quando, quando eu tenho
dinheiro aí eu saio com ela, vou no Iguatemi ou no Piedade, época de festa assim a gente tem que comprar mesmo.
DOC: E ela gosta de festa?
18:
Mais, mais do que eu, muito mais.
DOC: E você leva?
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De vez em quando, ela agora mesmo disse que vai pra um show aí
que vai ter no Espanhol, do Raça Negra, Pimenta Nativa e Harmonia e eu vou ter que ficar com o menino em casa.
DOC: Ah, mas é muito injusto.
18:
A senhora acha?
DOC: Acho, sim, muito injusto, você passeia tanto, né?
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Mas eu trabalho a semana toda e ele fica em casa dormindo.
DOC:
(risos) Mas é importante ela se divertir.
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É, um pouquinho.
DOC: Qual é a idade dela?
18:
Ela tem vinte e quatro.
DOC: Bem jovem não é?
18:
É.
DOC: (...inint...) se divertir também, eh, você gostaria de falar alguma
coisa sobre o futebol não é, que é uma coisa que você gosta também...
18:
É.
DOC: O que é que você tem pra contar sobre futebol?
18:
Sobre futebol?
DOC: Hum.
DOC2: O Bahia.
18:
É, sobre o Bahia.
DOC2: Como é que está o Bahia?
18:
O Bahia está bem graças a Deus, está em primeiro lugar e tomara
que ele consiga subir pra primeira divisão, né? Ele subindo pra
primeira divisão é melhor que a gente vai prestigiar mais, ele vai
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ganhar muito mais dinheiro e os baianos que são Bahia muito
felizes, entrar o ano dois mil tocando de fogo pra cima.
DOC: Eh, o que é que você acha assim do, do futebol aqui da Bahia?
18:
O que eu acho do Bahia, porque do Vitória eu detesto, não gosto
nem de falar.
DOC: Hum, sim mas quando eu falo assim do futebol é, é, é o todo, o
campeonato, são os times.
18:
Ah, até agora está bem organizado, esse ano mesmo foi bem, mas
disse que para o ano não vai ter sua nota vale um show, mas esse
ano foi bem porque teve a nota, a gente trocava por, uma nota de
cinqüenta reais por um cupom, cupom a gente pegava uma fila,
trocava pelo ingresso e a gente ia, e para o ano disse que não vai
ter, aí a gente vai ter que desembolsar deis reais ou cinco, seja
quando for, pra ter que pagar, mas o futebol daqui vai bem.
DOC2: E essa nota que você tá, é nota de compra, é?
18:
É uma nota de compra a gente faz uma compra de cinquenta
reais, aí recebe a nota, a gente faz a doação e recebe um cupom,
desse cupom a gente pega uma fila, que a gente enfrenta, vem
cedo, quatro horas da manhã, se não a gente fica sem o ingresso,
eles trocam e a gente vai pro show, pro jogo, pro show, ou pro
boxe, pro teatro.
DOC: E, e, essa promoção é de quem?
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É do governo, do governo.
DOC: E, e a troca é feita onde?
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A troca é feita na Fonte Nova, Balbininho, depende onde seja o
evento.
DOC: Sempre tem?
18:
Sempre tem, toda sexta tem no, no teatro ali na, na, no Campo
Grande, na Concha Acústica.
DOC2: Concha acústica do Castro Alves.
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Sempre tem, na Fonte Nova também sempre teve, e agora está
tendo sobre o boxe, a gente troca a nota e a gente vai assistir.
DOC: Você já foi?
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Já, fui na luta de Popó.
DOC: Me fale um pouquinho, você gostou?
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Ali foi marmelada, né? Gostei porque teve uns colegas meu que
lutou na preliminar, ganhou, mas acho que as lutas de Popó que,
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está botando aí tá muito fraca, os adversário dele estão muito,
estou achando que é marmelada.
É?
Está segurando um pouco o título pra Bahia também né, todo
mundo faz isso porque a Bahia não pode fazer.
E, e como é que você eh, acha que está acontecendo? Os adversários são fracos?
São fracos.
Propositalmente é?
É, acho que sim, eles chega bota um, um amarrado danado, diz
que vai bater, vai acontecer, chega lá não consegue dar um murro
no homem e já cai, eu estou achando que está muito fraco.
E ele?
Quem, Popó?
Hum.
Ele acha que o adversário é duro, né? dizendo ele, né? na TV que
o adversário é bom, é duro, mas que pra ele não importa que ele é
Popó mão de pedra, vai botar a mão, vai derrubar, e derruba mesmo, mas na marmelada até eu, né? Até no sopro me pagando pra
cair eu caio.
(risos) Então você acha que não, não é uma coisa verdadeira?
Não, não, no mundo do boxe não é tudo verdadeiro não.
Ah, e as pessoas também comentam a mesma coisa?
Muita gente, no dia mesmo da luta de Popó comentou, não levou
um minuto o rapaz tomou três quedas.
E ele não era tão fraco assim era?
Não, não, ele tinha mais corpo do que Popó, mas só que ele, Popó
é mais enxuto, tem mais músculos, os músculos de Popó são mais
divididos, ele era mais gordinho, mas mesmo assim pra, pra não
levar um minuto e o rapaz tomar três quedas, aí tem muita marmelada aí, tem muito dinheiro.
Ele deve ser bem ruinzinho então.
(risos) Foi, que ele é o décimo do ranking, e Popó é o terceiro,
mesmo assim ele sendo o décimo, como é que ele vai chegar no
décimo lugar no, no meio de mais de cem, ele chegar em décimo
e tomar três quedas no primeiro round, não pode.
É, mas isso aí também ocorre com Mike Tyson.
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É, isso aí é né, mas Mike Tyson é, ali é, dá pra, dá pra todo mundo
ver né.
DOC: Sim, mas você acha que nunca aconteceu a mesma coisa não?
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Já sim, acontece sempre, com Hollyfield, o americano, com Mike
Tyson, com James Douglas, acontece muito com o pessoal de
fora, os americanos, os africanos, com Júlio César Chaves, De La
Roya, esses daí que são os feras, né? que não bota com o homem
daqui.
DOC: Hum, essa última luta mesmo de Mike Tyson foi uma coisa muito rápida.
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Foi porque soou o gongo, Mike Tyson a, tomou um murro dele,
descontou, o rapaz caiu, não agüentou, caiu e disse que estava
com, tomou um murro no, no queixo e disse que torceu o joelho,
como é que pode um negócio desse toma um murro no queixo e
torce o joelho.
DOC2: (risos) Coincidência...
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Tomou um murro no queixo aí torceu o joelho, aí disse que não
dava mais pra voltar pra lutar, aí acabou, não deu também não
deu nem vitória nem pra um, nem pra outro, que já tinha soado o
gongo.
DOC: É, mas Mike Tyson eu acho que recebeu não foi não?
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Mike Tyson recebeu bem mais de que ele.
DOC: Porque o dinheiro então nesse caso eh, não deveria acontecer desse
jeito.
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É, mas já que aconteceu, né? Mike Tyson ficou com a maior parte
e o rapaz que era o desafiante ficou com a, a parte menor, mas o
rapaz, pro rapaz foi bom porque ele fica conhecido no mundo,
né? como um dos adversários de Mike Tyson.
DOC2: E que não perdeu.
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É, que não perdeu, porque todos que entra perde e esse daí não
perdeu.
DOC: E, e Popó já, eh, já foi pro ringue com algum desses famosos?
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Desses famosos não porque não é a categoria dele, a categoria
desses daí são pesados, e ele, e Popó é peso pena, no peso pena só
tem pra Popó desses bons aí americano e mexicano só tem Júlio
César Chaves que tentou se matar e...
DOC: Nossa!
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De La Roya.
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Ele acompanha não é?
Acompanho que eu já fiz boxe já.
Ah, então conta pra gente a experiência, quando você fez?
Quando eu fiz? Tem pouco tempo que eu larguei.
Hum, conte aí.
Por causa desse trabalho aqui.
Onde é?
Eu comecei com, eu, onde é?
Onde fazia? Como era?
Eh, onde eu fazia ali em frente a, na ladeira do funil no (...inint...),
um prédio grande que tem ali em frente a, a subida de lá da casa
da minha mãe, aí eu comecei ali com mais ou menos dezenove
anos pra vinte, eu comecei ali, aí passei, foi dezenove anos, come,
foi dezenove anos, passei quatro anos no boxe, treinei muito, apanhei, bati, já subi em ringue também, mas minha luta nunca foi
aqui, só foi, só teve uma aqui que foi no Balbininho e o resto foi
tudo em Camaçari, Candeias, e já tentaram até me matar também em Candeias.
Nossa!
Porque o pessoal de Candeias, os atletas de lá disse que o pessoal
da Bahia se for pra lá tinha que perder e minha academia não
admite que a gente perca por boca, tem que perder em cima do
ringue, aí meu professor disse que a gente tinha que ganhar, a
gente ganhou aí como o pessoal de Candeias e Camaçari são unidos uns com os outros aí queria matar a gente de faca, de peixeira,
aí a gente teve que pegar a Topic e vim embora o mais rápido
possível, mas, depois disso aí, tive que largar.
E você gostava?
Adorava, apanhar um pouquinho é bom, bater também.
(risos) Você que sempre gostou de briga...
É...
Eh, fazer boxe né...
Fazer boxe pra mim foi bom, já levei uma porrada na boca que
pegou nove pontos, eu tenho a cicatriz ainda.
Hum, no boxe isso?
No boxe, meu professor treinando comigo aí me deu um murro,
aí pegou nove pontos.
Nossa! Mas ele, como foi isso?
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Que eu dei um murro embaixo nele, aí pegou no lugar indevido,
aí na, na volta, que soou o gongo, aí na volta do, da, do descanso,
a gente foi fazer luva de novo, ele aí me acertou, mas dizendo ele
que não foi por querer, mas eu acho que foi porque eu acertei ele
também, mas isso aí foi, eh, coisa de academia, não me zanguei
não, e nem ele também se zangou, que ele também ficou uns dias
sem ir pra academia, que a porrada que eu dei nele, no lugar
indevido ficou, diz ele que ficou doendo, né?
DOC: (risos) Coitado. E você levou quantos pontos?
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Nove.
DOC: Veja só, aí levou um tempo também...
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Levei um tempo também com a boca inchada, sem comer, só
tomando suco.
DOC: É, porque as, as pancadas do boxe são muito fortes não são?
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São muito fortes, ainda mais quando a luva é de oito onças aí a
pancada sai mais forte, sai mais segura.
DOC: O que é que significa isso?
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Oito onças?
DOC: Hum.
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Quando a luva é menor, aí a, a porrada sai mais forte, mas tem a
de doze onças e a de quinze, a porrada sai mais macia, mas a de, a
de oito onças onde ela pegar ela vai abrir no lugar.
DOC: E, e é com essa que os...
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É sim, é com essas daí que os profissionais lutam de oito onças.
DOC: Mike Tyson...
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Mike Tyson, Hollyfield, Popó, é com essas daí, agora com o pessoal amador é doze onças, quinze, mas como era lá na academia a
gente fez com a de oito pra a gente sentir um pouquinho mais a
porrada forte, aí terminou no que terminou, nós dois no hospital,
ele de um lado e eu de outro.
DOC2: Ele chegou a ir pro hospital, foi?
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Foi, porque ele disse que estava sentindo muita dor.
DOC: (risos) Meu Deus, e o, e o futebol? Aí você falou do, do boxe como
um esporte que você gosta, e do futebol, você joga futebol também?
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Jogo sim, jogo bola aqui no Sesc de Piatã.
DOC: Onde?
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Sesc de Piatã, na colônia de férias de Piatã, todo o sábado quanto
tem, só que esses tempos está parado porque eu levei uns colegas
de Nazaré pra jogar de noite e os colegas depois foram tomar
banho na piscina, aí largaram cueca suja lá, aí a diretora mora lá
em Nazaré, aí suspendeu a gente de ir por uns tempos, mas depois volta, mas só quem vai só o pessoal mais educado.
É, com certeza. E, e esse, vocês já têm um time certo é?
Já temos já, é uns colegas de lá mesmo, dois chilenos, que não são
daqui, são chilenos, mas são gente boa, tem meus dois colegas que
eu citei o nome, A .... e, e U..., tem I ... e tem F...
E qual é a sua posição?
Minha posição é zagueiro, que eu bato mais de que ataco.
Hum, você tem alguma história pra contar pra gente do, do, do
futebol?
Do futebol?
Hum.
Deixa eu ver, não, do futebol eu não tenho muita história pra
contar não.
Você joga há muito tempo?
Jogo, jogo desde, desde quando eu me entendi como gente eu
jogo né, na idade assim de sete, oito anos, aí que eu jogo futebol.
Eh, você... Podemos, eh, podemos encerrar, né? Nós queremos
agradecer a você viu? Por essa oportunidade e depois a gente vai
saber outras coisas mais...
Está certo, obrigado.
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INQ 44 - MULHER - IDADE 16 ANOS - ESCOLARIDADE FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: CONSTÂNCIA MARIA BORGES DE SOUZA
DATA DA GRAVAÇÃO 01/01/1999
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A primeira coisa que eu queria perguntar a você é onde você nasceu?
Como era você pequena?
Bom, eu nasci em Salvador e quando eu era pequena....
Que é que você se lembra?
Há! Eu lembro que, sei lá, minha infância ela não foi muito, assim,
minhas irmãs cuidavam de mim, porque minha mãe ela ficou, teve
que ir para o hospital, hospício, heim? Daí minha irmã cuidava de
mim e... era assim não via muito minha mãe não pude ter muito
tempo com ela quando era pequena.
Quem cuidou mais de você?
Minha irmã mais velha.
Quem era?
Marta.
Ah! M. M. é a que trabalha na escola, não é?
É.
Que trabalha na escola. Você chegava a chamar ela de mãe?
Não.
Não, não, não é? E sua mãe que... o que é que ela tinha?
É... ela tinha problemas, tinha uns tempos ela passou a ter problemas de cabeça.
De cabeça. E isso dava muito trabalho?
Não, porque ela ia se internava e no final do mês ela saía eh... levava
as despesas da gente e não tinha problema.
E levava despesa e ela trabalhava como?
Ela, ela recebia... recebia o dinheiro de onde ela trabalhava.
Ah! Certo. Então me conte um pouquinho, sua família quantos irmãos são?
São sete irmãos.
O que é que fazem, o que é que faziam? O que é que fazem?
Bom, eu tenho a minha irmã Marta ela trabalha no...no colégio,
tenho a minha irmã,minha outra irmã que é zeladora, tenho a outra
que trabalha no restaurante, um outro irmã que é zelador e um outro
que trabalha de encanador, só.
Muita gente, não é? Você é a mais nova?
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Sou a mais nova.
E é mais paparicada agora?
Eh..., nem tanto.
Nem tanto, porque?
Não sei.
E o que é que você faz na vida? Me conte um pouquinho de você?
Bom, agora eu parei um pouco de estudar, não é? Mas vou me matricular de novo e ajudo a minha mãe.
Fazendo o quê?
Ela é zeladora e eu ajudo ela, venho com ela trabalhar.
Quantos prédios? Vocês trabalham em quantos prédios?
Três.
Como é o trabalho? É ruim é difícil?
Não, não é difícil não, e nem é ruim só um pouco cansativo.
O que é que você faz?
No trabalho?
Sim.
Eu varro, não é? Eh... jogo os lixos fora, só.
Lavar também?
Lavar. Eu lavo, eh... nos finais de semana Sexta e Sábado.
E os prédios são muitos, muitos sujos?
Não.
O pessoal dá muito trabalho?
Não. Às vezes que tem muito lixo.
Muito lixo. Quando é que tem mais lixo?
Dia de Segunda e Sexta.
Dia de Segunda e Sexta (risos). Dia de Segunda e Sexta, está bom. É
voltando um pouquinho você um pouco mais nova, como era sua
infância, você disse que era difícil, mas o que você lembra, assim...
Bom.
De você pequena?
Eu fiquei morando com a minha mãe até os cincos anos, depois uma,
uma moça, do... do prédio em que minha mãe trabalhava ela pediu
para minha mãe, para mim criar, então eu... a minha infãn... a
minha infância, quer dizer de cinco até onze anos eu fiquei com ela,
e nesse período acho que foi bom muito bom para mim, não é?
Porque, sei lá, eu tinha...
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Você brincava muito?
Eu brincava muito, sempre viajava com ela.
Viajava para onde?
Brasília, Goiana.
Foi? Você se lembra ainda de alguma coisa?
Eu lembro.
O quê?
Que tinha a ... a mãe dela de criação gostava muito de mim eh... o
nome dela era vovó R. Aí então era muito bom mesmo e ela tinha,
também uma filha chamada G. tinha não, tem. E ela também era
muito legal, legal comigo.
Era sua amiga?
Era.
Vocês brincavam de quê?
A gente brincava de várias coisas, de boneca, sei lá, de pick esconde,
muitas coisas.
Você ainda tem boneca?
Não. Tenho uma que eu ganhei a pouco tempo de minha irmã.
Foi? Como é o nome?
O nome dela eu ainda não coloquei não.
Oh! Nem fez ainda o batizado da filha.
Não.
(risos) Quando é pequena todo mundo gosta de botar nome nas
bonecas, não é?
É.
Você se lembra de alguma que você tinha colocado algum nome?
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Eu lembro de uma que eu ganhei que era Mônica, eu gostava dela.
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Como era a M.?
A Mônica daquela personagem...
Ah! Mônica de Cebolinha, Mônica de Maurício de Souza sim. Do
dentão?
É.
Não é? Você gostava dela porque?
Eu achava porque eu... eu sempre, era minha preferida sempre brincava com ela.
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Mas M. é danada, não é? Você também era danada como a M.?
Eu acho que não, eu acho que não era muito de aprontar não.
Não era muito de aprontar, mas nunca aprontou nada?
Já, não é?
O que assim?
Coisas simples, assim da... eh... quando eu morava, no período que
eu morava mesmo com essa moça, que ela me criava, ai minha irmã
pediu para eu ir passear com ela, eu tinha ido para escola, ai tinha
saltado cedo a escola, não é? Daí minha irmã pediu para eu ficar com
ela até acabar, depois me colocava lá de novo na casa da moça, aí eu
fui, mas eu fui sem pedir a permissão da moça que me criava, que eu
chamava ela de minha madrinha daí...
É a mesma vó R.?
Não.
Não.
A filha dela, dona M..
Filha dela.
Aí então quando chegou em casa eu ouvi uns esculachos porque ela
disse para mim que eu não deveria ter saído sem a permissão dela,
ainda que fosse com a minha irmã. Aí isso.
Bateu em você?
Não, ela não me batia não.
Você já tomou alguma surra?
Ah! Já.
De que? Cipó?
Não, já apanhei muito de cinto.
De cinto?
Que eu também cheguei a morar com a minha irmã depois de eh...
com onze anos levei dois anos na casa dela, com treze anos que eu
vim para casa da minha mãe.
Foi, foi quando sua mãe já estava melhor?
Hã, hã.
Você foi ficar com ela?
É.
E ela lhe batia de cinto, por quê?
Não. Era minha irmã
Ah! Sua irmã.
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E às vezes, sei lá, quando o pessoal ia reclamar de mim, porque ela
morava na casa da sogra e eu morava com ela, aí as meninas as cunhadas eram muito briguentas, assim, tal, tudo, tudo era motivo de
briga.
Mas você devia fazer alguma coisa.
É às vezes.
Não é? Se não ela não ia pegar você para bater de cinto.
Às vezes. Às vezes eu subia para arrancar manga escondido dela.
Ah! Mas isso é uma brincadeirinha boba, não é?
É.
Nada assim sério.
Mas tudo era motivo de briga.
Era motivo para reclamar.
Hã, hã.
Você já caiu de alguma mangueira, assim alguma coisa e dá trabalho?
Não, nunca cair.
Já lembrou de alguma coisa assim que teria levar, que teria de levar
você correndo para o hospital para alguma coisa?
Só uma vez que eu estava na casa da minha mãe, aí tinha uma escada
lá de madeira, aí eu cair dessa escada, aí a ... a madeira pegou no meu
joelho, aí tive que ir para o Insbot, levei três pontos.
Doeu muito?
Doeu.
E aí você lembra de mais alguma travessura, assim?
Não.
Aí você diz quando você era pequena, você começou a estudar, no...
foi pequena?
É eu estudava.
Você lembra da escola, alguma coisa da escola?
Lembro. Eu estudava aí no Adroaldo, a ... era eu estudava mesmo
nunca perdi de ano até a quarta série, aí quando cheguei na quinta e
aí...
Parou?
Parei.
Você parou de estudar desde quando?
Foi... parei de estudar em 97 no meio do ano de 97.
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E não voltou mais?
Não.
Não teve tempo?
Não porque eh... quer dizer eu parei no meio do ano de 97, 98 eu
não procurei me matricular e agora em 99 eu estou pretendendo,
eh... me matricular de novo.
E você acha que estudar é ruim?
Não, não acho ruim é agora eu estou vendo, não é? Porque esse ano
que eu parei eu... eu estou arrependida, eu acho que eu deveria ter
continuado.
Porque você ainda está nova, não é?
É.
E você acha que o estudo ajuda em alguma coisa?
Ajuda.
Em que, por exemplo?
Muitas coisas, porque eh... do jeito que... que está o nosso, nosso
mundo se a pessoa não tiver estudo ela vai ter dificuldade na vida,
dificuldade financeira e outras coisas.
Trabalho?
Hã, hã.
Quando você vai procurar trabalho, alguma coisa, as pessoas exigem
o que de você?
Exigem... certa vez eu fui, ano passado eu fui lá no Bompreço, foi um
trabalho de empacotadora, aí eles exigiram a 8ª série, só que eu tinha
parado na 5ª série aí ele não me aceitou.
Quer dizer já dava aí para, para T., não é? T.?
É.
Então repare que se você não estudar, já fica difícil ter outro tipo de
emprego de... é mais tranqüilo, não é? Do que às vezes fica só limpando prédios. Que aí para limpar prédio o pessoal não vai exigir
nada, mas em compensação também paga pouco, não é?
É, com certeza.
E aí com esse dinheiro que você, na verdade você recebe algum dinheiro por conta de sua mãe?
Não, não recebo.
Ah! Você não recebe?
Eu ajudo ela e ela me sustenta, não é? Dá roupa, dá sapato e meu
alimento e algumas coisas que eu preciso: creme, tal essas coisas.
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Coisa para o cabelo?
É.
Para ficar bonita.
(risos)
Não é? Que é creme para o cabelo, para a pele também?
É perfume.
Perfume. Quais são as suas distrações preferidas?
Bom, eu gosto... eu gosto de jogar, jogar baleô como eu já disse,
gosto de ouvir música e gosto também de passear no shopping com
as minhas colegas.
Quando mais ou menos você faz isso?
Nos finais de semana.
Nos finais de semana. Para que lugar você costuma ir? Que shopping?
Iguatemi.
E o que é que vocês fazem lá?
A gente passeia, a gente vai olhar as coisas.
Olha e faz o quê?
Olha e não compra (risos).
Olha e não compra e quem vai com você?
É minha colega T.
T.
E B.
E B., não é? T. e B. também estuda?
B. estuda.
Que série ela está?
Sexta Série.
Sexta série, não é? No mesmo colégio?
Não.
Mas vocês são amigas já de muito tempo?
É, faz um tempinho já.
O que é que vocês costumam fazer, aprontar juntas as três assim,
além de ir para o shopping?
É, às vezes a gente vai na praia.
Me conte aí alguma aventura da praia, uma coisa que você se lembre.
Certa vez a gente foi na praia, de... a gente combinou ir para a praia
no final de semana só que daí a gente não sabia a praia que a gente
que a gente ia, aí a gente pegou o ônibus para ir para a praia de
Itapuã só que chegou lá não tinha transporte direito para pegar o
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ônibus a gente desceu no ponto errado, aí foi aquela confusão, mas aí
a gente chegou na praia e deu tudo certo (inint.)
Passaram, quando vão para praia passam, assim, o dia todo na praia?
Não.
Ficam quanto tempo? Ficam quanto tempo na praia?
A gente fica das 10:30 até às 3:00 da tarde, 3:30 depois vai embora.
Muito sol?
É.
Gosta de curtir o sol?
A gente gosta.
Banho de mar?
Muito banho de mar, é bom.
Como é que fica a pele?
Da última vez que eu fui na praia eu tomei muito sol daí ficou muito
queimado não consegui nem dormir direito quando encostava doía
muito.
Você sabe dos perigos de tomar muito sol assim na praia?
Já ouvir falar, não é? Que muito sol na pele dá câncer de pele, não é?
E outras coisas.
Pois é, então porque a gente acha que tem uma pele mais forte, não é?
Assim a pele mais morena e não tem problema nenhum, mas tem
problema também, não é só problema para quem é branquinho não
viu? Tem que passar protetor solar. Já ouviu falar em protetor solar?
Já ouvi falar.
E nunca procurou usar nenhum?
Não.
É caro, ou porque nunca lembrou de por... nunca lembrou de procurar adquirir um?
A gente procurou adquirir um protetor solar.
Tem que incluir aí na lista das necessidades como creme de cabelo, o
creme da pele, um protetor solar também para o resto do corpo para
não ficar doendo, manchado.
Hã, hã.
E além de praia vocês vão para outro lugar, assim, festas, vocês vão a
festas?
Não, a gente não frequenta festa assim não porque...
Só da igreja?
Hoje, só da igreja.
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Na igreja então me conte, mas sabe a igreja também tem festa.
É.
As igrejas têm as festas.
é final de ano.
As igrejas têm as festas, têm as coisas todas, eu sei, à igreja é movimentada. Me conte aí uma coisa da igreja.
Bom, bom quan... quando eu era do grupo jovem a gente sempre ia
para passeio no parque da cidade, às vezes tem um sítio, assim o
pessoal que a gente também vai de vez em quando o grupo jovem, e
é legal, muito bom mesmo a gente aluga ônibus.
Para fazer passeio, você já fez algum?
Hã, hã.
Para onde?
Bom, a gente não vai para muito longe, a gente vai assim para o
parque da cidade, o zoológico, é como eu disse, sítio.
Mas sítio perto aqui de Salvador?
É, eh fica perto de, perto de Lauro de Freitas.
Ah! Então já dá para uma esticada, não é?
É.
Perto de praia?
Não.
Não.
Mas tem piscina.
Tem piscina, ah! Eu sei porque conheço algumas pessoas ligadas a
igreja e que viajam para acampamentos. Você já foi para algum?
Não.
Período de carnaval o pessoal fica às vezes nos sítios, não é? Que
enquanto o resto está pulando carnaval o pessoal mais ligado à religião está voltado para orações, não é?
Período de carnaval a gente fica mesmo no... não tem passeio.
Não tem passeio, fica em casa?
É.
Você me contava a respeito de que da... da viagem de carnaval, não é?
É isso, hã, hã.
Então, o que é que você fazia nesse período?
Bom, nesse período a gente costuma ficar na igreja mesmo,
evangelizando outras pessoas e só não tem passeio no período de
carnaval.
Não tem passeio, e no dia-a-dia durante a semana em casa, você
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gosta de fazer o quê? Ler, assistir televisão, o que é que você gosta de
fazer?
É assistir televisão.
Qual o programa que você gosta mais?
Eu gosto da novela, não é? Das duas e sessão da tarde.
Sessão da tarde, filmes, não é?
É.
Tem algum filme que você já tenha assistido que você tenha gostado
muito?
Tem, é Ghost.
É a respeito de quê?
Bom, fala sobre duas pessoas que se amavam e... e no filme, não é? o
... o rapaz ele morre, mas ainda assim ele continua amando ela, então, como posso dizer, a ... a, no filme a alma dele, não é? sempre está
vendo ela, tentando se comunicar com ela, e ele só consegue isso...
E é possível acontecer isso?
Só em filme(risos).
Só em filme. Porque que você acha que só em filme?
Porque eu... assim eu não acredito que a pessoa depois que ela morre
ela possa voltar e se comunicar com uma pessoa.
Mas o filme foi bonito porque ele conseguiu se comunicar com ela
ou por causa de que?
O mais bonito disso foi porque ele conseguiu se comunicar com ela
e ele, no filme, mostrava um sentimento muito grande por ela.
Você sabe que esse filme vai reprisar hoje à noite?
Sei.
Você vai assistir?
Vou assistir.
Já está assim , não é? se deliciando. Você gosta dos artistas?
Eu gosto.
Por quê?
Porque eu gosto dos artistas do filme?
Sim.
Ah! Ai eu não sei explicar porque que eu gosto não.
São bonitos?
É.
Quem é mais bonito a mulher ou o homem?
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Eu acho a moça.
A moça.
Ela é mais bonita.
O que você gosta mais nela?
O que eu gosto mais nela? O jeito, não é? e a aparência dela eu acho
legal.
A aparência dela. Algum outro filme que você já tenha assistido e que
tenha chamado um pouquinho a sua atenção?
Titanic.
Titanic. Foi a grande, foi a grande paixão sua no Titanic?
(risos) Leonardo de Caprio.
Leonardo de Caprio. Você e de mais umas quinhentas mil meninas,
não é?
É.
Me conte um pouquinho o que é que você achou interessante nele?
Bom, no filme, eu achei assim , eu achei que ele a personagem que
ele fez, eh... tinha, tinha um rapaz, não é? mais muito corajoso mesmo, porque ele lutou para conseguir a ... a moça que ele amava, não
é? e ele não tinha a mesma condição financeira e nem se, quer dizer,
se ele não amasse ela mesmo, a gente olhando assim ele não seria
capaz de ele ficar com ela, porque ela era de outra classe completamente diferente.
E eles se conheceram aonde?
No navio, só que, no filme, ela ficava, ela era da primeira classe e ele
ficava lá no navio junto com o pessoal, como eu posso dizer, pessoal
que não tinha...
Que não tinha dinheiro?
É isso.
E como foi que ele encontrou com ela?
Foi na, como é que se diz, ela apareceu assim, que o navio ele tinha
três , três repartições ela apareceu na repartição de cima e ele estava
embaixo conversando com o colega aí quando ele viu ela, daí ele
começou a gostar.
Tam, tam, tam...
É.
E aí o gran... a grande paixão estourou?
Hã, hã.
Mas o filme triste, não é?
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É foi um pouco triste, assim porque ele morreu no fim e morreu
muitas outras pessoas.
Você sabe que eu ainda não assistir Titanic nessa nova versão? Agora
você me disse que ele morreu, não é? eu não vou assistir mais.
Ele morre, ele morre no fim congelado.
Eta. E a mulher também?
Não, ela fica, no final ela fica velhinha, no começo, ela fica velhinha
só para contar a história, quer dizer, tudo já aconteceu daí passa de
novo, ela vai falando e o filme vai passando tudo de novo.
Ela vai contando o que ela lembra?
Hã, hã, é.
Ela foi uma sobrevivente?
É, ela foi uma sobrevivente.
Você chorou?
Eu não.
Nem um pouquinho?
Fiquei nervosa.
Você assistiu quantas vezes?
Eu já assisti só uma vez.
Uma vez?
Hã, hã.
Que o pessoal diz aí que tem assistido já três, quatro, cinco vezes, não
é?
Assisti uma vez.
É, você lembrou bem do filme, não é? mas vamos voltar para outra
coisa. Você falava da escola e disse que a escola era boa no início
gostava mas depois parou, o que você se lembra assim da escola,
alguma professora em especial?
Tem. Eh... eu gostava muito de... tem duas professoras, Marluce e
Maria das Dores.
Eram professoras de que?
Não. Uma era da quarta série, não é? quarta série uma era da terceira
Marluce ela era da ... professora de português, Maria das Dores era
de História.
Você gostava mais delas, assim, o que é que, de que exatamente, o
que é que elas tinham de especial?
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Eu gostava de Marluce porque eu achava ela uma pessoa meiga e
compreensiva e Maria das Dores eu gostava dela porque ela dava
muito conselho para gente.
Se você disse que uma era meiga e compreensiva e porque você chegou a comparar com outras que não eram?
Hã, hã.
Então, o que é que você acha que é bom que o professor tenha q não
ue qualidades que características para ensinar bem?
Eu acho que ele tem que ser compreensivo, procurar entender o
aluno, principalmente se for adolescente, não é? e dá conselhos, como
eu já falei, Maria das Dores fazia muito isso eu acho que o professor
não deve ser aquele professor rígido, fechado, acho que não deve ser
assim não.
E Maria das Dores dava conselhos de que espécie?
Ela falava sempre que a gente estava ficando já adolescente, que era
para tomar cuidado com bebida e tal, essas coisas.
Orientava em relação aos perigos todos, não é?
É.
E você como uma menina de dezesseis anos, não é? dezesseis?
Hã, hã.
Tem namorado?
Não.
Não. Nunca teve?
Nunca tive.
Nem quer ter?
Quero.
Nem paquera?
Não. (risos)
O que é que sua mãe diz assim para você?
Sobre isso?
Sim.
Minha mãe acha esquisito.(risos)
Acha esquisito?
É.
Suas irmãs mais velhas falam o que com você?
Também acham esquisito.(risos)
Esquisito você não ter namorado?
É.
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Mas você diz que não está querendo agora.
É.
Não é? chega o tempo, não é? ela diz o que?
Ela fala assim que... que eu devia ter arrumado um namorado já, não
ei o que, que pareceaté que eu não gosto...
De homem.
É.
Não é? mas você diz que gosta, mas não está querendo agora.
É verdade.
Não é isso?
Hã, hã.
Diz assim se acalme.
É.
E quando essa história do... de a professora falar de bebida, fumo, ela
deve está alertando um pouco para esses problemas de... de bebedeiras e de ... de drogas, não é? você sabe alguma coisa sobre isso?
Não, ela... ela falava sempre com as meninas também da minha sala
para tomar cuidado, é porque a ... a ..., adolescente quando vai crescendo assim já vai pensando em namorado, tal, ela sempre dava sempre para meninas que ela conhecia uma... uma menina também que
já foi aluna dela e com nove anos já namorava.
Nove anos?
Nove anos.
Muito novinha.
Muito novinha.
Nove anos é menina e muito pequena ainda, não é? então é um
problema sério realmente a professora falar, não só a professora, como
as irmãs mais velhas, pais, mães, tias, tios, porque está muito difícil
hoje em dia a meninada já cedo com filho debaixo do braço já complica, não é?
Hã, hã.
Então você, é esse tipo de conselho que ela está falando, conselho em
relação à gravidez, conselho em relação aos vícios do mundo, da bebida, drogas, essas coisas todas tem que estar atenta, tem que ser
forte, porque às vezes as pessoas chegam para falar e para falar o mal,
não é? então se você ainda não tem namorado diga ao seu pessoal que
não fique angustiado não, não é? mas você conhece alguma amiga
sua, alguém, assim da sua idade que já tenha filhos?
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44:Por
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Conheço. Minha cunhada, ela tem a minha idade e já tem uma filha
de uma ano e acho que seis meses.
Também do primeiro namorado?
Não.
Não. Já de outros namorados?
Já teve vários.
Pois é, então tem que ter cuidado, não é? tem que segurar aí para não
estar com filho antes da hora dando mais trabalho. Você pretende
casa L.?
Pretendo.
E pretende assim ter quantos filhos?
É nenhum.
Já que estamos...nenhum? Mas pretende casar e não quer ter a casa
assim com riso de menino?
Hã, hã.
Por quê?
É, que acho que é uma opinião própria minha, eu acho que o mundo
do jeito que está hoje não está assim para colocar filhos no mundo,
tal, porque muitas vezes a pessoa tem condições educa até o filho
muito bem, só que tem conselhos de colegas na escola, daí muitos
seguem esse conselho assim...
Para que os filhos seguem os conselhos dos colegas.
Hã, hã.
E não obedecem aos pais, não é? não obedecem aos pais, aí nesse
caso, mas você acha que se você desse conselho forte é eles não conseguiriam obedecer você não?
Na maioria das vezes isso não acontece não.
Você não quer ter nenhum, nenhum, quer casar, mas não quer ter
nenhum filho?
enquanto não.
Ah! Por enquanto, no início, não é? porque se seu marido quiser?
Por enquanto eu ainda tenho esse pensamento.
Ah! Por enquanto ainda tem esse pensamento, mas não é uma coisa
assim definitiva, para botar uma pedra em cima, não?
Não.
E ai quando você tiver esses filhos, você acha que precisa dar que tipo
de condição a eles?
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Tipo de condições?
Que tipo de orientação? Que é que você acha que deve passar para
um filho?
Eu acho que, não é? os pais, eles devem passar um caráter, eh... honestidade para os filhos, eh... tem que educar bem...
Se o filho não obedecer, pancada?
Conversa primeiro, não é? daí se ele não obedecer aí tem que descer
um pouquinho a madeira também.
Devagarinho? Ou bravo?
Devagarinho, não é espancar.
Eu já perguntei se você tomou alguma surra, não é? você já me contou aí algumas histórias. E tem alguma história, assim, alguma, alguma amiga sua que tenha corrido para desabafar, falar com você
alguma surra que tenha tomado de alguém? Tânia, por exemplo?
Não.
Não. Nunca tomou uma chicotada?
Não. Às vezes ela conversa assim comigo, não porque os pais bateram, mas quer falar, xingar.
Ela chega com raiva?
É.
Desabafando?
Hã, hã.
Você também desabafa com ela?
Desabafo.
É? Uma chora no ombro da outra?
É.
Não é bom?
É bom.
É bom ter amigo, não é?
É.
Que é mais que você gosta assim dos amigos?
Que é que eu gosto dos amigos? Eu acho que a pessoa, não é? eu acho
não, eu sou assim um amigo para mim tem que ser sincero, não pode
ter hipocrisia, falsidade e no momento que eu precisar que ele venha,
não é? estar presente e no momento também que ela precisar que eu
venha estar presente. Acho que é isso, eu acho legal (inint.) é está
junto nos momentos dificeis e nos momentos de diversão.
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Que bom! Isso é bom. Você é uma menina assim com pensamentos
legais. Eh... deixe eu ver o que é que eu ainda quero perguntar a você.
Em relação, por exemplo, a ... a sua família, alguma coisa assim que
você queira ainda, você como mais nova, modificar, ou propiciar a
sua família, mas a sua mãe, não é? você mora com ela agora, não é?
Se eu pudesse, não é? eu sempre falo com minha mãe para ela parar
de beber essas coisas, só que ela não ouve, aí se eu pudesse eu mudaria isso, mas depende dela.
E trabalhar. Muito ela trabalha também, não é?
É, trabalha muito, é cansativo para ela, só que ela também não ouve.
Mas às vezes o trabalhar é mais da necessidade mesmo, não é?
Da necessidade.
A pessoa precisa trabalhar mais... é por isso que você ajuda ela?
É.
Não é? e vendo seus sobrinhos crescerem, você já tem quantos?
Tenho quatro sobrinhos.
Quatro. Tem algum mais danadinho?
Não. Eles, todos eles são meios sapecas.
Tem algum que tenha ficado mais com você algum tempo que você
se dê mais por ter ficado mais tempo com ele?
Eh... eu cheguei a tomar conta de um sobrinho meu, eh... de três
meses até um ano e pouco, foi U, filho da minha irmã que é D.
Filho de D.
Hã,hã.
Como é U., como era U. com você?
Ele, ele, não é? às vezes ele pintava, porque ela saía, quando eu morava com ela, ela saía para vim fazer faxina aqui em Salvador, que a
gente morava lá em Simões Filho, daí eu tomava conta dele, às vezes
ele não, não me obedecia, eu falava quando não me obedecia, quando
eu falava não queria me obedecer, daí eu dava tapinha nele, aí esse ele
sempre foi uma pessoa legal, eu gosto dele.
Quando você dava tapa nele você estava com raiva?
Às vezes, porque não me obedecia, não é? aí mas depois passava.
E o que é que ele dizia para D.?
Ele dizia que eu batia nele.
Inventava alguma coisa, ou você dizia não é mentira?
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Não, ele não inventava não, porque aí quando ele falava que eu batia
nele eu falava porque que eu batia, aí minha irmã ela não achava
errado, porque ela mesmo falava para mim você está criando ele, ele
tem que te obedecer.
Certo, eu acho que já é o suficiente por aí, agradecer a você, obrigado.
De nada.
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INQ 20 – HOMEM – IDADE: 24 ANOS – ESCOLARIDADE: MÉDIA
DOCUMENTADOR: NORMA DA SILVA LOPES
DATA GRAVAÇÃO: 06/10/1998
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Boa tarde, eu sou ..., sou de Salvador e... e meus, meus pais também
são daqui, e podemos começar.
Bem, nós vamos conversar, primeiro eh... primeiro sobre a... sobre ...
quando você era criança, você sempre morou em Salvador, mas como
foi sua infância?
Praticamente minha infância ... em Salvador foi ótima, porque hoje
você vê outras consequências da vida, né? Porque como eu estava
analisando ultimamente, eu saía para brincar de gude, empinava
arraia...
Na rua, né?
Na rua. Brincava com o pessoal, era um bate lata. E hoje em dia você
está vendo, totalmente diferente das coisas, as circunstâncias de hoje.
Hoje você procura um lazer desse, ninguém, a maioria das pessoas,
ninguém quer mais fazer isso, praticar, aquela infância como era antigamente, a educação que meus pais me deram. Hoje você vê muitas
pessoas eh... fumando maconha ...
É, os jovens, né?
Os jovens hoje em dia. As agressões são frequentemente, você vê
pessoas de doze, treze, quatorze anos de idade ... se você brigar um
com outro, antigamente apaziguava, deixava, do outros dias, nos outros
dias vocês eram amigos, hoje em dia não, estão querendo já partir
para a violência, querer matar, fazer outras coisas mais aí eu...tô eu
tô... eu fico analisando assim, aquela educação que eu tive há... quinze anos atrás, eu acho que foi bem melhor do que hoje educações que
os pais não estão passando para os próprios filhos, estão deixando
muito liberal.
Hum. Então seria a liberdade que está sendo dada, né?
É.
Demais.
Dando muita liberdade hoje em dia. Eu acho que, hoje mesmo,
vocês, vocês que têm seus filhos têm que parar para analisar um
pouquinho que a violência está sendo muita.
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Hum. Você tem uma filha, né?
Tenho uma filha.
O que é que você pretende para sua filha?
Educar ... eu acho que vou dar a mesma educação que eu tive na
minha infância, no, no que meus pais passaram para mim.
Hum.
Se não vai chegar um ponto, tudo bem que você vai dar liberdade,
mas também falando o que, o que é o certo e o que é errado. Porque
ela também ela vai aprender no dia –a – dia, pra ela também não se
esbarrar daqui para frente em algumas coisas se, não venha me decepcionar.
Você foi muito preso quando era criança?
Não. Sempre tinha liberdade de brincar, agora era liberdade em quê?
Falar assim ... Como minha avó, ia para o colégio aí ia para a rua, ela
falava assim: “Oh! tal horário você tinha que estar aqui”. Eu respeitava. Aí eu sempre estava no horário que ela mandava. Isso não era ...
Então havia mais ... (superp)
... não era ser preso.
Então havia mais respeito.
Mais respeito, porque hoje não há com respeito. Na minha concepção (inint) que estou vendo ... estou passando até... em termos até de
amigos ou amigas mesmo que olho assim, não respeitam nem os
próprios pais que eu fico até assim, “Pô, por que que naquele tempo
não era nada disso e hoje mudaram?”. Quem sabe até o milênio está
chegando, né? (risos)
E você foi uma criança pintona? Foi, L... ?
Ah, sempre fui uma criança pintona.
O que é que você fazia?
Ah, eu fazia o quê? Quando eu ia jogar bola, aí saía, né? Não avisava,
minha avó sempre pegava, chegava falava assim “pô, minha avó, por
que não pode deixar eu ficar jogando bola, que isso, que aquilo?”,
“Você está muito novo ainda, você está muito novo”, mas sempre
no... mantendo sempre respeito com ela, né? E ela, e no, na escola
mesmo era muito abusado e sempre minha mãe recebia uma cartinha
assim, “J..., eh... L... C... compareça com senhor seus pais, isso e
aquilo.” Mas isso você sabe como era, aquele tempo era uma coisa,
hoje em dia, sabe como é, tudo totalmente diferente.
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Então hoje os meninos são diferentes?
São diferentes. Com certeza.
Eles são mais pintões hoje?
São ... são mais pintões e mais agressivos, eu não sei...
Agressivos.
Agressividade. Tem muito.
É o que você falou da violência.
Da violência.
Então as pessoas já são mais agressivas.
Já são mais agressivas. Não sei porque, o que é que passa pelas cabeças
deles. Você vê ... você vira e mexe, você vê na televisão pessoas de
doze, nem doze, oito ou sete anos de idade com arma na mão, e vai ...
comete um crime. Antigamente, na... naquele tempo não havia isso.
Todo mundo brincava, até brigava com o outro, esticava a orelha tal,
mas não havia e, essa violência que é hoje. Isso é triste até para, para
a própria sociedade, de ver até para os próprios pais. Como já aconteceu, que aconteceu, que passou sobre um mendigo.
Hum ...
Acho que aquelas pessoas têm a cabeça formada para chegar aquele
ponto, chegar a queimar uma pessoa num... num abrigo. Agente
pensa assim “Como é que pode rapaz, até que ponto o ... brasileiro
está chegando em termos de mentalidade.”
Hum.
Muitas vezes pode ser até a droga, que vício influencia muito a capacidade de cada pessoa.
Hum. E ... castigos? Antigamente havia mais castigos, não era?
Havia castigos, mas a gente aceitava, e chegava no outro dia estava
todo mundo de bem.
Então o próprio jovem já aceitava mais o castigo.
Aceitava mais o castigo do que hoje. Hoje em dia se você der um
castigo ao seu filho, ou ele quer responder ou sai de casa e para voltar
... demora muito. Para ... isso cria até um ... termo de revolta, mas
sempre quando a pessoa dá um castigo, é até por, por bem dele
mesmo, porque ele, porque o que está acontecendo hoje em dia, se as
mães não abri.. não abrirem os olhos deles próprios eles podem fazer
coisas piores.
Então é necessário que ... haja um pouco de controle dos pais.
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Com certeza. Tem que ser, ... ter controle e também um respeitando
o outro, quase sempre é bom o diálogo, que eu acho que eu tive na
minha... na minha infância, houve sempre diálogo, sempre que minha avó conversava comigo, meus tios, minha mãe me ... saía para
levar, me a, mostrava o que ... o que era certo o que era errado, então
até hoje como eu estou aqui, nunca me envolvi em termos de drogas,
bri ... brigas, eu acho que brigas bestas, mas chegar ao ponto de ir
para a delegacia, nunca me envolvi. Pois tudo foi um fruto de educação que eu tive. Que muitas pessoas falam assim “Menino criado
com avó é mimado, ou - como dizem que é homossexual ou viado,
né?”, mas digo: não, a criação que eu tive com minha avó e com
minha mãe, eu agradeço a elas, que valeu, está valendo a pena e vai
valer a pena até quando eu morrer.
É isso mesmo, que bom que você reconhece, não é? R... deve saber
disso, você reconhece, pra ela ficar mais contente. E me diga ... me
diga uma coisa, eh... você ... havia mais castigos, você recebeu algum
assim que tenha sido ...
Que eu me revoltasse ... alguma coisa ...?
Eh ... Não. Que você tenha sido assim algo que merecesse você contar, ou foi muito pesado, ou foi engraçado o castigo, ou até, às vezes,
a gente recebe um castigo e não foi merecido.
O que eu lembre assim, deixe eu ... o castigo que eu tive ... foi uma
vez que eu fu... que minha avó me mandou para casa de minha mãe
e eu fugi.
Fugiu para onde?
Não fugi, eu fui para casa de minha mãe. Minha avó: “Você vai ficar
morando lá na casa de sua mãe agora”, aí eu fiquei morando quando
deu de madrugada, eu saí correndo e voltei para casa de minha avó.
Aí minha mãe ficou preocupada, veio de madrugada, aí voltou, aí
minha avó sentiu. “Ah, não, que isso e aquilo, isso... isso é para você
aprender, quando eu falar para você não sair você não sair, se não você
vai morar com sua avó, com sua mãe”.
Com sua mãe.
Aí, eu acho que foi o único castigo que eu tive foi esse. Porque sempre
a gente conversava, e uma vez que eu tomei, foi uma dúzia de bolo de
meu pai, mas só que depois ele se arrependeu, porque não era para
dar em mim ... o, o bolo, porque eu fiz uma coisa, ele ... e quem fez
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uma coisa foi o meu primo, ele pensou que foi eu. Aí entrou em
contradição, ele me pegou e me bateu, mas normal. Não teve, não
teve cas ... outro castigo que eu me lembrasse assim não. Só mais que
eu me lembre foi esse mesmo, que eu estava pintando demais, aí
minha avó “Você daí para casa de sua mãe”, aí eu fui para casa da
minha mãe, mas não aguentei e fugi. Ela: “Está vendo você, da próxima vez já sabe”. Mas você sabe que naquele tempo, isto normal,
não, não teve demais, não teve nada de mais não...
Sim ... e você eh... não gostava muito de ficar na casa de sua mãe?
Não. Porque minha cria... acho que foi até ... tudo é questão de
criação, porque minha mãe trabalhava, certo?
Hum ...
E não tinha quem tomasse conta de mim, aí eu, como recém –
nascido, fiquei morando com a minha avó, aquele xodó todo e tal e
tal e me acostumei, até hoje eu não saio para morar com minha mãe.
(risos)
E, de qualquer forma na casa de sua avó sua mãe também estava lá
direto, né?
É.
Então não havia grande diferença, não tinha separação da mãe, né?
É, eu sei. Mas sempre havia o ciúmes de meu pai, “Ah, porque a avó
vai ficar porque J... não vai ... isso e aquilo”, mas sabe como é o pai,
né? Que querr ficar sempre perto do filho.
É. É isso mesmo. Sim ... Agora quando adolescente, compare a sua
adolescência com a adolescência dos meninos de hoje.
Bom, assim, chegou num ponto bom. É isso ... (inint) adolescência
... como foi a adolescência...
Quer dizer, sua adolescência, você está saindo da adolescência, você
está bem assim recente, não é?
Sim, até no meu tempo de adolescência.
Mais novo.
Mais novo, vou dizer assim, eu estou com vinte e quatro anos, hoje.
Até, eu digo, os quinze aos vinte anos não, não tinha muitas coisas
que você vê hoje, a gente brincava também, ainda tinha aqueles ...
aquelas brincadeiras de você ir pra, pra a escola aí jogava um, uma
bola, brincava de... de fruta ... sal ... esse negócio, é ... tudo o convívio
como você também não vê na adolescência de hoje, que eles ... essas
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pessoas de hoje, da... de quinze como, eh... vou separando, de quinze
até os vinte anos, na minha adolescência eu tinha, eu era, eu brincava
de bola de manhã e de tarde. E hoje você vê as pessoas não... não
praticam nem esporte, já ... já está muito forte em termos sabe de
quê? Ah, eu acho que tudo entra aí a influência em termos de drogas,
eu estou vendo ... eu... fico, eu fico até com medo até de meu irmão,
de meu irmão, eu sempre converso com ele, que ele está chegando
nessa idade agora que... vai chegar aos vinte anos, e essa... e essa é a
idade que perturba muito, a influência, a pior coisa é a influência, a
pessoa tem que ter uma cabeça formada, independente de tudo,
porque hoje a maioria desse pessoal, tudo só quer saber (inint) de
drogas, bebidas, né? Nem ...até estudo ninguém está estudando mais,
e eu tento abrir a cabeça de meu irmão porque ... eu não quero, eu
quero passar para ele o que eu passei, o que eu... o que eu, porque na
minha adolescência, o que eu ... o que eu ... o que eu era não, o que
eu sou ainda. Quero passar para ele porque se ele se juntar com as
pessoas que não for certas ... e ele não tiver uma cabeça equilibrada
ele segue o mesmo caminho, e depois vai ser tarde para ele fugir
disso. Aí eu tento passar isso para ele porque pô ... eu me preocupo
você vê eu estou do lado de lá, da casa de minha avó, mas eu me ...
fico me preocupando muito com ele porque hoje em dia está muito
difícil ... essas pessoas que a mãe não dá apoio que isso e aquilo, e
parte para ser assaltante outro parte para outro, outro meio ... você
sabe como é hoje, né? Hoje em dia, né?
É, está difícil.
Fica difícil mesmo e há muita preocupação. Minha adolescência foi...
foi boa como está sendo até hoje. Eu não vou dizer que eu sou um
homem completamente, que eu ainda tenho que aprender um bocado de coisa, mas ... uma parte boa mesmo eu queria que voltasse, eu
queria estar agora com quinze anos, dezes...
Com menos responsabilidade, não é?
É. (inint)
Mas hoje, você diz então que adolescência, viver adolescência hoje
está mais perigoso.
Está mais perigoso do que naquele tempo, na, vamos dizer assim até
em noventa, de noventa até noventa e três você poderia viver sua
adolescência numa boa, mas hoje está muito arriscado. Você vê pes-
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soas de doze anos já armado, se você ... antigamente era assim ... logo
no começo como eu falei aqui, se você fosse para algum bairro, brigasse com alguém aí ficava todo mundo normal, controlava, mas
hoje em dia não, você briga, você não pode nem andar, você tem que
andar assim olhando para um lado e para o outro, porque aquela
pessoa que você brigou vai querer fazer algo com você. Naquele tempo, na adolescência não. Você brigava aqui e tal, até jogando bola
mesmo colega brigava num outro bairro, no outro dia todo mundo
era amigo. Hoje em dia não. Não sei, como eu falei, está evoluindo
de uma hora para outra. Isso aí que preocupa, até assim ... o cidadão
brasileiro se preocupa muito, até... até suas filhas que vão crescendo
hoje em dia dá aquele medo e você tem que ter aquela ... como é que
se diz assim você tem que falar logo o que está acontecendo hoje no
Brasil. Não generalizando só na Bahia não, no Brasil inteiro.
Pois é, é um perigo mesmo, né? E ... a respeito desse diálogo que você
disse que os pais devem ter com os filhos. Você acha que isso tem
melhorado?
Aí, de alguns, alguns aspectos estão melhorados, não, não está piorando, mas estão melhorando, está, está melhorando, certo? Se ...
agora tem que vir desde cedo porque se deixar o filho levar ... daqui
que você chegue e venha num diálogo vai ser pior. Eu acho que você
tem que começar desde cedo, você já ensinando, ensinando, ensinando o que é, aí ele vai começar a respeitar a si próprio.
Mudando ... mudando ...
Da adolescência?
É falou adolescência, mas vamos voltar agora à infância, mas agora
falando mais a nível de escola mesmo.
Certo.
Você entrou na escola bem criancinha.
Foi, no maternal.
Desde o maternal.
Jardim, né?
É, para você... você lembra de alguma coisa daquela época que você
... quando entrou na escola, que idéia você, você teve da escola naquele momento? Você lembra?
Lembrar?... Idéia é que ... em que sentido, é ...?
Então nesse sentido assim... então pense ...
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Pra frente ...
Já que você não lembrou da nada ... Por exemplo, você lembra daquelas professoras, primeiras? Aquelas...
Lembro. Me lembro de colegas, hoje, principalmente, essa minha
noiva é minha cole... colega de escola.
Dessa época do maternal?
Dessa época do maternal e... e, e tem outras também, outras pro,
professoras que ainda falam comigo, colegas que ainda moram no
mesmo bairro, e a gente sempre pára, assim, pára para conversar “E
naquele tempo da gente, hein? Como está o tempo de hoje...”, o
outro: “Ah é verdade”. Que era tudo ... você vê era uma família, era
ali todo mundo era uma família, um brincava com o outro, um
respeitava o outro.
Na escola?
Na escola é. Era uma família, porque a gente desde o maternal até a
quarta série.
O mesmo grupo?
O mesmo grupo.
A quarta série primária ou?
Primária. O mesmo grupo.
E os professores? Como eram os professores naquela época?
Os professores eram ... eram bons professores. Eles passavam as melhores coisas possíveis para a gente. Você vê que a gente estava falando
assim eh... questionando, você vê ... a educação daquele... daquele
tempo dos professores que passaram para a gente eu acho que é a
mesma idéia que todo mundo que estudou junto, a mesma concepção. Eu acho que tira de dedo as pessoas que ... se debandaram,
foram prum lado e outras foram, como tem a direita e a esquerda,
uns foram pra direita e outros foram pra esquerda. Eu acho que é a
mesma filosofia dessas pessoas que estudou junto acho que tem essa
mesma coisa, acho que foi até uma circunstância dos professores que
passaram para a gente.
Então eles faziam, além de ensinar, eles davam ... uma certa orientação.
É. Uma orientação. Lembro quando a diretora, pró L..., que era...
que eu era muito perturbado, mas ela me dava um puxão de orelha,
sabe para quê? Para me melhorar, para não... para eu não ser daqui no
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futuro ... como outras pessoas mesmo. Que ele, ela fazia questão de
estar todo mundo junto, educar, ensinar o que era isso, o que era
certo, “Não pegue, não... não faça isso, que isso é feio ...” Isso me
incentivou a gente, pô, o que foi... a gente ... como eu te falei ...eu
queria voltar ao tempo que era bem melhor do que... posso até estar
enganado do que hoje, se você, até você saindo pra um lugar você fica
preocupado de acontecer qualquer coisa, que acontece mesmo.
É a insegurança.
Insegurança, é.
Nos dias de hoje.
Com certeza.
Sim, agora, naquela época também as escolas davam ca, castigos,
você já foi castigado, você falou do puxão de orelha.
Foi.
Sim. Mas havia esse ... esse tipo de coisa...
Ah, não, teve uma vez que ... ficar de joelho, sempre...
Já ficou de joelho?
Já fiquei de joelho. Era muito pintão.
Que motivos ... havia?
Ah, por que eu botei, pra você vê ... como são ... naquele tempo
como era. Eu coloquei assim eh... : L... C... gosta de M.. Aí a menina
não gostou, aí falou pra ela, pra professora, né? Aí falou para diretora
“Mas L... C... disse aquilo, ah você vai ficar de castigo hoje ...”
Ah meu Deus ...
Foi (inint) ... ficar de joelhos”. Aí está tudo bem, mas depois normal.
Brincadeira tudo.
Castigo.
Castigo.
Por você gostar da menina...
Por que eu gostar de uma menina. E aí começou a chorar “Olha para
aí professora, olha para aí o que ele fez, que não sei o quê”, “Mas L...
C... você não tem jeito mesmo, não é?”. Mas aí botou, mas tudo
bem, não ... não era nada de mais não.
Sim, eh ... você foi para a escola pequenininho mesmo, foi ... maternal.
Maternal.
Mais ou menos ... três anos, dois anos?
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Três anos, três ou dois anos.
Hum. Fale algo sobre ... roupa, como era, eram diferentes as fardas,
os livros de agora?
Ah, era. A farda, minha farda era uma bermudona, uma camisa, um
quichute e a meia branca, com uma mochilinha de pano do lado,
uma merendeira ... botava tudo, e os livros do lado.
Sim. Eh... eram mais... as roupas eram mais práticas do que agora
ou?
Sim.
Você gostava mais daquelas roupas do que as de, as que estão sendo
usadas hoje?
Não. É tudo uma questão de tempo... o tempo vai, vai mudando,
né? Então tudo vai inovando. Mas ... agora, aquele tempo daquela
roupa era diferente pro tempo da roupa de hoje, dentro da escola.
Agora são mais sofisticadas, mais bonitas, antigamente era um pano,
um bocado de botãozinho e um shortinho com uns dois bolsinhos
do lado, era um quichute mesmo e a meia, e a meia branca.
Eh, eu acho que a camisa era feita em casa, costurada.
Era feita em casa, costurada, dava o pano, dava o modelo do pano na
... num papel ofício eu lembro como se fosse hoje, num papel ofício,
aí dava para você fazer, e você ia para a escola.
Era. Hoje essas fardas já são compradas prontas é.
Já são compradas prontas. Hoje em dia ninguém quer usar um
quichute, nem usar um pano. Aí nego fala “Quero tênis de marca”
mesmo que a mãe não tenha condição ela tem que se virar porque o
filho só vai pra, pra escola se tiver o tênis de marca.
É.
Naquele tempo não.
E as calças de hoje são... jeans.
São jeans, são jeans. Se não tiver ...o jeans não foi bom não vai para a
escola não. Eu tiro como meu irmão, mas ... sabe como é, aí vai
crescendo os meninos, né? Porque as meninas tinha nota, né? Porque
tudo está mal vestido, aí fica... aí fica assim meio, não é? a verdade, a
verdade é essa mesmo.
Já começa na adolescência a preocupação.
Na adolescência, é isso ... a preocupação.
Né? A preocupação em ficar bonito.
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E a discriminação.
É, sim ... Eh... Você tem alguma lembrança ... desta questão de...
das fardas de não querer ir para a escola porque aquela farda era feia?
Você já passou por essa experiência?
Não. Nunca passei por essa experiência.
Não. Você também não rejeitou a ...
(superp) Não rejeitava, não ....
.... a sua, a sua farda.
Não.
O que é que você acha que ...
Era até... era até bom que pra a gente que as meninas era de sainha ou
saião. (risos)
O que você acha que a escola como um todo melhorou de lá para cá?
Melhorou em que aspectos?
A escola ...
Ou não melhorou? Em nada a escola melhorou ... de lá para cá?
Olha, em termos de educação ... algumas escolas de porte melhorou,
mas outras escolas não. Outras estão dei,... deixando a desejar o próprio aluno.
Então, você acha que pode ter havido uma melhora, mas não em
todas as escolas.
Em todas as escolas não.
Em que escolas você acha que melhorou?
Atualmente? Hoje?
Sim.
Tira de dedo, porque, antigamente quando eu estudei tinha umas
três melhores escolas que tinha aqui em Salvador, na Bahia, principalmente né, que temos o João Florêncio Gomes, o Costa e Silva, e
acho que é o maior colégio da Bahia que é o ICEIA, onde eu estudei.
Que ali o ensino era bom mesmo, e hoje em dia as pessoas que estão
estudando lá me falam que não é a mesma coisa, que se ... porque
faltam professores, entendeu? Estão tendo greve direto, então isso aí
já diminui até eles aprenderem alguma coisa, se estão faltando professor, você não vai aprender, você vai pra a escola ... antigamente
eram seis aulas, eram seis aulas que você assistia todos os dias
Por turno, né?
Eh, eram seis aulas, seis aulas e hoje as pessoas que estudaram e falam
“pô eu estudei nesse colégio, no ICEIA, e aí, como está lá, poxa não
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está a mesma coisa” você vai para escola, hoje em dia você só assiste
três aulas e as três aulas não assiste mais porque falta professor. Então
a educação, como você vai aprender? Não aprende. Aí chega no final
do ano, aí para passar. Está faltando a matéria (inint), você vai até
janeiro, fevereiro para fazer as outras matérias que estão faltando.
Então acho que isso aí já vem do professor.
Então, as escolas que você considerava boas naquela época estão com
problemas ...
Estão decaindo.
E aquelas que você já achava mais ...
Você está falando colégio particular ou em geral?
Não, eu estou falando em geral. Você está falando do colégio público
porque é o que você conhece mais.
Eu conheço mais.
Mas pode falar do que você conhece.
Não, porque no colégio... eu acho que nos colégios particulares hoje
estão ganhando cem por cento direto está entendendo? Porque ali as
pessoas se preocupam com os professores, então com a educação,
porque já vem já professores de faculdade.
É, mas você também estudou em escola particular.
Estudei em escola particular, e aprendi um bocado de coisa, ensinei
aí, é isso que eu estou falando, porque, naquele tempo, aí eu estudei
na... eu estudei no ICEIA, do ICEIA eu saí logo para uma escola
particular direto, está entendendo? E aí você vê o que é uma escola do
governo e uma escola particular.
Muito diferente?
Muito diferente, em termos de educação muito diferente.
Em que aspectos?
Tem o aspecto dos professores mesmo que, são alguns, são formados,
já sai do magistério e já vai ser e já vai para lá, né? E o outro, em
colégio particular já tem uma formação em Universidade, então já
passa as coisas melhores para a gente. Não desmerecendo ao professor que está assumindo... que tem professores excelentes em colégios
estaduais que ganham até para professores de universidades, não é?
Mas só que a formação de lado deles é bem melhor do que a formação
do outro.
Será que a cobrança também a nível de direção, coordenação não é
maior entre as escolas particulares?
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Talvez, mas também se ... se eles também cobrassem no colégio estadual, ia se nivelar, porque você vê, passou hoje na televisão que o
professor agora vai ter que fazer curso universitário para ser professor
mesmo, não vai ser mais magistério direto, por causa do ensino, dizem que os alunos não estão aprendendo. Eu acho que isso é, até isso
vai ser até uma falta de desemprego que vai acontecer constantemente, eu penso isso.
Ou as pessoas vão estudar ou vão perder.
É, vão perder. Porque você faz o curso do magistério e você praticamente já estava formado como professor, e agora você vai passar, fazer
um curso universitário para conseguir entrar numa escola do governo. Só, só pode ensinar na escola do governo se você tiver um curso
universitário. E aí, e quando não conseguir passar, vai ficar penando,
penando, penando, por esses lados...
Você falou aí do estudo das escolas, que as escolas ainda estão com
alguns problemas, mas será que as crianças em casa não poderiam
estudar também mais, as pessoas em casa não poderiam cobrar mais
dessas crianças?
Concordo plenamente com a senhora. Isso aí já parte dos... dos, dos
pais. Se cobrarem mais, eles vão aprender mais, se não cobrarem,
também não adianta você cobrar do outro lado de lá do... do professor se você também não for cobrar dentro de casa. Que desde quando
o professor passa um... um exercício para você, um dever de casa, aí,
aí seus pais perguntam ao, ao filho “Trouxe dever?” aí os filhos “Ah,
não tem dever hoje não”. Aí chega lá no colégio “Cadê o dever”?
então tem que ter a cobrança também por parte dos pais, mas também tem o incentivo maior da educação pra ele aprender mais, e aí,
o pai também pode ensinar o filho.
Claro.
Está entendendo? Vai ser até melhor para ele, se partir também dos
pais, eu acho que ele vai aprender muito mais com o professor e com
os pais também.
Com os pais. Você é contra aquela história das crianças terem aquele
horário, horário rígido de estudo em casa? O que é que você acha
disso?
O horário rígido eh... determinado assim que chega, chega da escola.
À tarde só estudo. Não se brinca mais. Você concorda com isso?
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Não, não concordo não, discordo. Eu acho que isso uma pressão e
pode até prejudicar até o menino né. Eu acho que ele tem, primeiramente, ele, o, o filho também tem que ter responsabilidade desde
quando o pai está passando para ele, fazendo assim “olhe, tudo bem
você vai ter que estudar, agora...” não tem que determinar o horário
dele estudar a tarde toda. Eu acho que isso aí já vem, aí vai ser uma
pressão forte, tem muitas pessoas que não gostam, então o filho não
vem também, aí chega “pô, meu pai, o que é isso? como é que pode?
Vá estudar, vá estudar” aquela pressão. Eu acho que não, tem que
saber conversar com o filho. “olhe, vá, vá estudar aí, fazer o seu dever,
tal, aí depois você está liberado, isso e aquilo, ou depois, você vá
brincar, mas depois você tem que fazer o seu dever, senão amanhã
você não... você não vai fazer, então você não vai brincar” se ele não,
não fazer o dever, e amanhã também, também não vai brincar, então
ele vai começar a criar uma responsabilidade dentro de si, em si
próprio ele vai criar uma responsabilidade, vai ser até melhor para
ele.
É uma forma de conquistar de outra maneira né?
É bom, bom senso né? É isso que eu estou falando, ...Inint... falta o
diálogo. Se tiver o diálogo, eu acho que tudo vai dar certo.
É, hoje existem outras coisas que tomam espaço dos filhos né, tomam o tempo dos meninos.
É o namoro...
É, mas mesmo criança ainda, né?
Eh, Como é o quê, a televisão? Eh... tem os brinquedos que você vê
nas ruas, os vídeo games que eles se puder não vai nem para a escola.
Que eles já vê logo assim com o menino aí já fica brincando de
vídeogame. Tem muitas vezes, tem muitos meninos que ainda são
assim, né?
E o que é que você acha da televisão?
A televisão de hoje em dia?
O efeito da televisão, você acha positivo, negativo? Fale alguma coisa
sobre a televisão nas, para as crianças.
Olhe, como é que se diz... o efeito pode ser ... pode ser positivo e
também pode ser negativo, porque o que estão passando hoje na
televisão né, aí cabe cada... cada, cada, cada, cada pais, cada um dos
pais falarem se deve assistir ou não, porque tem muitas coisas indecentes hoje que estão passando na televisão.
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O sexo.
O sexo mesmo, então você não pode, de poder você pode, agora
depois você vai parar para conversar com seus filhos, porque são cenas, muitas cenas pesadas. E isso invoca até na escola que nego fala
“pô, você viu aquilo que aconteceu na televisão? Isso e aquilo” aí fala,
aí fala até a professora “mas menino, numa idade dessa você já está
sabendo disso e mais aquilo”
Os meninos hoje...
É.
Sim, e, fale uma coisa... Eu queria perguntar uma coisa, agora não
me ocorreu, mas você falou que a televisão realmente tem efeito,
pode ser positivo.
Ou negativo.
... ou negativo, não é? Será que não está relacionado também a questão do, do que você falou no início, a violência. Pode ter, a televisão
pode também incentivar, será?
Incentiva também. Se vê, como o menino vê, que é, como... como
dizem, não é, eh... os meninos não aumentam, o que vê eles não
aumentam, então se ele vê ele fica naquilo “pô, você viu minha mãe,
o homem ali com o revólver na mão? “Aí você vê em sua casa, seu
próprio pai tem um revólver e ele vê também. Se já passou na televisão aí ele vê também. “ah, meu pai, olhe o revólver ali” E o pai
também já fica preocupado em não deixar no lugar porque fica aquele negócio, de querer até brincar e isso e quilo para saber como é,
então muitas vezes a televisão prejudica até o ... o menino, em algumas partes, porque em outras partes também tem que ter o lazer
dele, de assistir o desenho dele, assistir um programa ou um show,
isso aí também incentiva o menino para se distrair também, né? Que
ele não vai ficar totalmente preso ou bitolado a só um, um regime.
Então tem algumas coisas que você consideraria positivas?
É, e outras coisas...
Assistir, não é?
É.
Assistir algumas coisas, então a família poderia selecionar, selecionar
talvez?
É, selecionar é, eu acho que deveria. Não, no meu ponto de vista,
deveria.
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Que coisas hoje na televisão você considera positivas?
Hoje coisas na televisão positivas? Questão de idades ou...
Não, no geral, fique a vontade, ou pra adulto ou para criança.
Eh... tem tanta... tem tantas coisas, deixa eu ver uma, coisa positiva?
Globo repórter. Uma coisa positiva que, deixa eu ver, o Fantástico.
É. São coisas que acrescentam, né?
Que acrescenta, até no desenvolvimento da pessoa, quer ver? O programa de infantil pela manhã, que sendo, sendo, agora aí é que vem
o problema, né? Que são várias emissoras, e se, que tem programa
infantil pela manhã em um horário e se ele estudar pela manhã não
pode assistir...
O quê você consideraria, por exemplo, depende, você falou, depende
da emissora.
É.
Não é? Que emissora você vê traria alguma coisa positivo para a criança pela manhã, por exemplo?
Isso aí que varia, porque de repente, pela manhã pode ter um programa infantil no onze e aí pela tarde não tiver, e se tiver um programa
infantil, está entendendo, aí diversifica, porque pode estudar de manhã e pode estudar pela tarde, não é?
E... e negativos assim? Como você rotula os negativos? Dá alguns
exemplos?
Negativos são, você vê começa a partir das novelas, né? Você vê muitas cenas, eu mesmo, eu na minha idade mesmo, eu fico olhando
assim, eu estou assistindo a televisão com minha avó, eu vejo aquelas
cenas assim aí eu fico assim, eu fico enver... eu fico envergonhado.
“Mas rapaz, como é que pode?” Imagine sua filha assistindo, sua
filha ou filho. Tudo bem, tem uns pais que aceitam, né? Bota ali o
filho do lado para assistir, já ensinando, não sei, né? cada pai é um
pai, cada formação é uma formação, tem gente que fica do lado e
bota para assistir. E na minha concepção, eu fico olhando assim, tem
muitas cenas assim, porque pela idade deles ainda não tá para aprender o que é aquilo...
Inadequado, não é?
Não está adequado pra aprender o que é aquilo.
Pois é, seria forçar demais.
Forçar muito a barra, muito cedo.
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É, a .... a .... a televisão é como se fosse uma aprendizagem, uma aula
de, muito aberta, né?
É, muito aberta.
Muitas coisas de vez.
Muitas coisas boas, mas tem coisas também que a gente, mas eles não
podem mudar quem tem que mudar é a gente mesmo.
Você na época de estudo você tinha acesso assim à televisão direto
todos os dias?
Todos os dias só pela parte da noite, pela parte da tarde quando eu
chegava eu ia jogar bola. E minha vó se retava.
Ah, sua diversão era mais...
Era de jogar bola.
Era mais o jogo. Você sempre gostou de?
Eu sempre jogava bola.
É, hoje, os meninos ficam na televisão esquecem até do jogo.
Esquecem até do jogo e fica mais na rua. Você vê, muitas pessoas
mesmo na rua, não, eu acho que televisão pra ele é o mínimo, não
liga mesmo...
O que é que você acha do esporte? Ajuda na educação?
Ajuda e muito.
O que você acha aí?
Eu acho que se a maioria dos meninos hoje, vou dizer assim, 80%
praticasse esporte ia ser bom para a saúde dele e para a mente.
Mente?
É. desenvolve mais, aque... como é que se fala? Eh... ele vai se sentir
mais livre, mais solto, fora de outros meios. Então o esporte ensina a
você até a viver, a desenvolver na sua vida. Os 80% dos jovens que
pensassem nisso, acho que ele ia estar sempre bem, mas hoje em dia
eles não pensam isso, vai pelo outro jeito. Como eu falei, naquele
tempo, a gente brincava todo dia, para mim todo dia era gude, era
empinava arraia, era bate – lata, era garrafão e hoje em dia, não, você
não vê ninguém fazer mais isso. Você vê pessoas de doze, dez, doze
anos, você pessoas de barzinho bebendo, fumando. Você pode parar
e você vê fumando assim em barzinho e... eu olho assim, rapaz! naquele tempo, imagine eu botar um copo de cerveja em minha... na
boca, era porrada na hora. E hoje em dia está liberal mesmo, está
liberal, você vê meninos de doze, doze, dez anos, você para no barzi-
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nho você vê eles namorando, com uma carteira de cigarro do lado,
com uma cervejinha. É.
As coisas estão bem diferentes hoje mesmo.
Estão bem diferentes. Mudou muito.
Sim, você, eh... eu queria fazer o seguinte de você, você acha que tem
ligação entre praticar esporte, né? E será que de alguma maneira
praticar esporte reduz o consumo de drogas?
Reduz, reduz sim.
Por que você acha que isso acontece?
Até o próprio professor ensina, educa, como... no meu tempo era
assim, se você não tiver uma nota no boletim você não jogava no
time. Então há preocupação, eles lá, os professores que, esses de basquete, de futebol, de handebol, de tênis, e outros esportes. Eles vão
lá e ensinam a maneira de você ser, e eles passam que você não use
drogas, não vai, não faz bem para a saúde. Não compre, que não vai
fazer bem para a saúde, se você não praticar, você vai cansar, sua
mente não vai aceitar, não vai... não vai ficar controlada. Então eles
ensinam e como eu falei pra você, se eles praticassem o esporte ia
mudar totalmente o índice até de drogas de alguns, algumas pessoas.
Acho que o esporte ajuda muito o cidadão.
Então.
Não é só crianças não, até pessoas adultas também, se pudesse praticar um esporte, quem já consumiu, quem já consome drogas, eu
acho que ele ia diminuir, ou até parar, porque há um incentivo, eles
sempre tem uma reunião em grupos, assim para... fazer debates que
é que acha da droga, o que é que acha do sexo, que é que acha disso,
que é que acha daquilo. Então isso, acho que o esporte incentiva o
cidadão a não praticar o que... é pratique esporte, não pratique drogas.
Então se houvesse um estímulo...
Um estímulo.
... ao esporte talvez até houvesse uma redução.
Uma redução. Partindo até de escolas mesmo, de professores que...
não tem educação física? É obrigatória, né? Não sei hoje em dia, não
sei.
É. É obrigatória.
É obrigatória. Eles mesmo ensinam. Agora, é tudo é formação de
cabeça, tem umas pessoas que ficam assim, e muitas pessoas são tele127
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guiadas, hoje em dia essas pessoas são muito teleguiadas, são muito
influenciadas. Ah, vambora aqui fazer aquilo, ah, só para experimentar, isso e aquilo. Acaba já num outro mundo, já num outro, quando
vai ver já está viciado. E não deve ser assim.
e me diga uma coisa, como os pais devem se comportar quanto a isso?
Desses, dos amigos, as influências dos amigos, como o pai pode... o
que é que você acha disso? Pode ajudar?
O pai pode ajudar não discriminando, porque eu acho que isso é até
pior que eu vi até uma repo... uma reportagem, pode até ajudar uma
pessoa que é viciado, pode até ajudar, agora você não deve se juntar.
Os pais devem conversar com seu próprio filho, e chegar falar assim,
“se ele te ofereceu alguma coisa, você sabe que é um viciado, não
queira que vai lhe prejudicar, agora se você pegar, você está sabendo
que você vai ser prejudicado e vai ser pior, então você tem que olhar
qual é o melhor para você. Então se alguém chamar um viciado não
faça isso, não pegue qualquer coisa que vai ser pior para você. Então o
pai também tem que ajudar. É, e até incentivar “olhe, meu filho, esse
lado não é bom não, pratique um esporte ou faça outra coisa ou
procure se movimentar porque esse lado é, é negativo como que”.
Pois é J..., nós já podemos parar por aqui, eu acho que a fita já está
perto de acabar. Viu? Então eu vou agradecer pela... já relaxou mais
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INQ 12 – MULHER – IDADE: 20 ANOS – ESCOLARIDADE: MÉDIA
DOCUMENTADOR: CONSTÂNCIA MARIA BORGES DE SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 12/08/1999
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Nós vamos começar e eu queria iniciar conhecendo alguma coisa de
você, e de você principalmente pequena, a partir de criança você me
dá algumas informações de como você era, o que é que você fazia, o
que é que você lembra, o que é que as pessoas diziam de você.
Minha mãe me colocou na escola eu tinha dois anos e meio né, você
quer saber isso?
Por aí.
Aí, nunca, nunca fui de fazer pipi nem pumpum na escola, porque a
minha mãe sempre colo, colocou, por causa de, eu, eu não estou
entendendo, eu não entendi muito bem.
Olhe você, me conte alguma coisa de você pequena, você começou
pela escola, o que é que você fez, como é que você era, disso aí desenvolva mais. Você foi pra escola.
É, dois anos e meio aqui no, no, que hoje é o SESC né, onde foi que
eu estudei o segundo colegial lá, e sempre boa aluna, que hoje eu não
seja, entendeu? Mas sempre eu era assim a primeira da classe, sempre
participava de festinha de dia das mães, dia dos pais, foi, foi uma
infância normal como a de criança, como qualquer criança tenha,
sempre ia pra casa de avós, eu acho que tenha sido até por causa
disso, por isso que o meu pai hoje me cobra tanto assim, porque eu
sempre era a primeira da classe, sempre quando chegava festa de dia
das mães, minha mãe chegava lá, “oh, sua filha é a melhor aluna, que
não sei o que, porque G...., porque G....”, eu acho que é por causa
disso que o meu pai cobra tanto esse negócio, essa questão toda de
vestibular né.
Mas os pais sempre cobram.
Mas sei lá, o meu eu acho cobra mais um pouco, aí minha infância
foi normal, sempre estudando, nunca fui de, minha mãe sempre
levando pra teatro, pra cinema, pra almoçar, sempre aniversário, festinha em casa, mesmo, as vezes pequena, as vezes grande, foi normal,
pelo que eu me lembre de minha infância...
Certo, ainda em relação a sua casa, irmãos, irmãs?
Tenho uma irmã.
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Sim, como é o relacionamento de vocês?
Olhe, hoje não está muito bom não, já foi bem melhor, mas hoje
não, hoje ela arrumou um namorado, eu não gosto muito do namorado dela, ah, daqui a pouco eu vou até chorar de falar de
minha irmã, ah não!
Então não fale, então não fale, é mais nova, é mais velha?
É mais nova, é mais nova.
É mais nova.
Eu tenho uma, aquela super proteção com a minha irmã sabe, ela,
sempre assim quando a minha mãe falava assim, “vá comprar o
pão”, eu que comprava, “vá comprar isso”, eu que comprava, uma
vez ela foi, eu me lembro como hoje, ela foi comprar um, um
tomate pequenininha, aí não sabia ainda pesar, era bem pequenininha, aí chegou em casa chorando, chorando, chorando, aí eu
vim, desci com ela, expliquei com ela, pedi licença pro dono lá da,
do, da casa de verduras e frutas, desci, expli, pedi licença pra ele,
expliquei, subi, eu sempre tive aquela proteção, eu não posso ver
ela, não podia ver ela chorando, não podia ver nada porque eu
sempre a minha irmã, minha irmã, minha irmã, mas hoje ela
arrumou um namorado aí, não está muito boa comigo não, eu
não gosto muito do namorado dela, ela acha que, sabe né, quando
a gente arranja às vezes um namorado eu acho que só tem olhos
pra ele, aí hoje não está muito bem não, eu, eu tenho falta, né?
Ela, ela também achou isso quando você arranjou namorado?
Não, ela se da, eu digo se dava porque hoje também só porque,
por causa disso que está acontecendo com o namorado dela, ela
também se distanciou do meu, aí ela, mas não, ela se dá muito
bem, eu sei que eu sinto até, eu sinto que ela sente falta daquela
proximidade tanto minha principalmente que eu sou irmã, e tanto do meu namorado, porque eles se davam muito bem mesmo,
mas por causa disso, eu acho que pra mostrar assim, “ah, já que
você não se dá bem com o meu, eu também não vou se dar, não
vou dar bem com o seu”, aí pronto, então ela se distanciou, ela
está muito assim a, falando, dizendo coisas que sabe, entrando
assim em turmas que eu não, não gostei, não estou gostando.
Você acha que isso pode prejudicar ela?
Ah, eu acho, não é porque eu, eu gosto, eu amo a minha irmã,
minha irmã, Ave Maria, pra mim é tudo, minha irmã, minha
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mãe, meu pai, mas minha irmã assim, não sei se é por causa daquela proteção que eu dou demais a ela, mas eu acho que vai
prejudicar, eu tenho certeza que um dia ela vai voltar tudo, eu
tenho certeza que, eu não vou dizer assim, ah ela vai acabar com
esse namorado amanhã, mas eu, não sei, eu sinto que não vai dar
certo sabe, e que ela vai um dia chegar pra mim pra vai me pedir
desculpas, vai dizer que eu que estava certa, vai voltar de bem com
o meu namorado, eu tenho certeza disso, está assim coisa de momento, mas as vezes assim eu choro, que não sei o que, porque eu
não era assim com ela, era, parecia, eu andava de mãos dadas com
ela na rua, eu beijava ela, e não sei o que, não sei o que, hoje em
dia a gente faz até cursinho no mesmo lugar, ela senta do meu
lado, (...inint...) uma pessoa, uma colega.
Ah, vocês estudam juntas?
A gente estuda juntas, estuda no, só não estuda em casa né, porque ela estuda uma matéria, eu gosto de estudar mais outra, aí em
casa é separado, mas lá no cursinho ela senta do meu lado e tal,
mas faz de conta que, ela tem até outras amizades lá, eu nem
desço, nem fico com ela assim, que distanciou mesmo, quem ver
assim pensa até que, vê logo assim, “ah aconteceu”, quem já conhecia, “ah aconteceu alguma coisa”.
Está certo, mas vamos voltar pra você pequena na escola que você
não
dava trabalho né, era boa aluna.
Ah, não dava não.
O que é que você lembra assim, a sua primeira escola, professor,
professora, o que chamou mais a sua atenção pra você?
Ah tive vá, tive, meus professores de maternal, maternalzinho,
primário, foi, foram boas, eu gostei delas, sempre repetia, eu me
lembro como hoje, eu sempre repetia meu maternalzinho foram,
duas professoras foram as mesmas, depois entrou, tive uma professora na alfabetização que eu acho, eu acho que todo mundo que
se alfabetizou deve agradecer muito né a professora da alfabetização, porque eu acho que tem uma parte né, você nunca repeti
lição, ela mora até aqui no, aí no Planalto, sempre quando eu
encontro ela me vê, “oh, você está linda, grande, não sei o que”, eu
adoro ela, e também repeti na quatro primários né, que é a primeira, segunda, terceira e quarta e foram também só com duas
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professoras, maravilhosas, sempre me adoraram, depois foi, aí eu
comecei a entrar no ginásio, já não era mais um professor, já era
né, uns cinco a seis professores, nunca tive não, aliás eu nunca tive
o que reclamar desse colégio não, gostei muito dele, só no segundo ano que eu não fui bem, perdi, aí que eu saí daí e fui pra o
Águia, terminei o meu segundo grau no Águia.
Com a grande diferença então do Águia, primeiro me diga, a grande
diferença quando você passou a ter muitos professores, e depois a
grande diferença (...inint...) Águia.
Olhe, eu me lembro como hoje quando eu entrei na quinta série eu,
as aulas começavam na segunda, só que segunda feira eu não fui
porque a minha avó estava com problemas, na segunda eu não fui,
mas na terça eu fui, e aí ainda não tinha horário, eu não tinha nada,
e era aquela coisa né, quinta série eh, você já está começando a ter
vários professores né, era cadernos de matérias né, porque no, na,
ante, antes era um caderno, era uma professora só, e eu aí perguntei
pra minha colega assim, “eh, que aulas é que vai ter?”, e ela veio e me
disse as aulas que já tinha, que ia ter, aí eu parei assim, bem assim, eu
me lembro, eu nunca vou esquecer disso, eu falei assim, “meu Deus,
ela sabe de tudo, eu não sei de nada” (risos), “ela sabe de tudo”, pra
você ver como é.
Ficou assustada.
Eu fiquei assustada, minha cabeça né, como é, hoje até eu dou risada, eu até falando outro dia, eu até comentei com ela, ela mora aí no
chácara, eu comentei até com ela isso, ela também deu risada comigo, mas foi isso, eu falei assim, “meu Deus ela sabe de tudo”, mas
porque ela sabe de tudo?, porque ela tinha ido na segunda feira, ela
tinha pego o horário, tinha pego tudo, eu estava indo na terça, não
estava sabendo de nada, perguntei pra ela que aula teria, ela me
informou as aulas que já tinha, as aulas que ia ter, eu, “meu Deus, eu
não sei de nada, o que é que eu vou fazer?”, estranhei, estranhei, mas
meu, meus professores de, de ginásio foram assim maravilhosos, sempre eu encontro com eles, eu sempre levava merendas, minha mãe
gosta muito de fazer salgados, aí eu sempre levava merendas pra eles,
outro dia eu até encontrei uma professora, “cadê o meu quibe?”, aí eu
vou lá levar o quibe, ela é até aposentada, mas trabalha ainda no, no
(...inint...), adoro, todos que me encontram, sempre lembra de alguma coisa que eu já fiz aí no...
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E a mudança pro Águia?
Ah, a mudança pro Águia foi radical porque depois o Santana foi um
bom colégio daqui, bom mesmo, o melhor colégio eu acho que daqui do Cabula, dessa região eu acho que era o Santana, só que depois
começou a, a decair um pouquinho, eu tenho pra mim, eu que foi a,
a ida dos diretores dos pais para os filhos, quando os filhos tomaram
conta aí decaiu um pouquinho, eles estavam (...inint...) muito dinheiro, e foi até na época, essa época que meu pai já não estava assim
numa situação muito boa na empresa, então sempre estava atrasando
mensalidades e tal, então aí eles estavam cobrando muito, foi, estava
assim, até, chegar até o ponto de uma vez eu mais a minha irmã ir
por colégio e o porteiro chegar pra gente avisar que a gente não ia
entrar devido a isso né, porque a gente não tinha pago a mensalidade, aí, eu mais minha irmã ainda voltamos chorando pra casa, foi
horrível, a minha foi, aí tal, aí eu vim, quando foi no segundo, eu
acho foi até por causa disso também de, problemas de pessoais, porque eu acho isso afeta até a cabeça da pessoa, que eu perdi de ano, e
cheguei pra minha mãe e falei, “minha mãe eu vou repetir de ano só
que eu não quero repetir no Santana, eu quero ir pra outro colégio”,
foi aí a gente procurando preços, localidade e tal, porque nós fomos
pro Águia da Piedade, o colégio recebeu a gente de braços abertos, o
pessoal lá maravilhoso, adoro também, sempre estou indo lá, ver,
visitar e tal, e me dei bem, agora senti porque o segundo grau do
Santana que eu fiz, pelo menos o primeiro com o segundo ano que eu
perdi não foi muito legal, tanto que quando eu cheguei eu senti, sabe
aquela base assim, eu falei assim, “meu Deus eu não dei isso, eu não
dei isso”, mas fui estudando, fui estudando, fui estudando e consegui passar, fui pra algumas finais na, no segundo ano mesmo, esse
segundo ano que eu repeti no Águia, cheguei a ir pra final, mas não
fui pra recuperação nenhuma, no terceiro ano eu passei, terminei,
agora estou tentando o vestibular, mas o pessoal do Águia foi maravilhoso, eu adorei.
Você sentiu a diferença maior mais no ensino mas em que aspecto,
em que disciplinas? O que é que você é mais fraca?
Pra falar a verdade em todas.
Sim, em todas.
Um pouquinho, não digo assim em tudo, um pouquinho, em todas,
português, matemática, todas, eu senti um pouquinho, as vezes quan133
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do o professor chegava do Águia, “ah, eu vou dar tal assunto”, aí eu,
“poxa, esse assunto não deu lá no Santana”, professor de Biologia,
então eu senti diferença em todas as matérias, mas um pouquinho
assim de assunto, não é que era tudo, porque o Santana também não,
não ia decair pá né, mas eu senti diferença sim.
Em relação a método de trabalho?
O Águia também.
Melhor?
É, o Águia também é melhor, eu, eu só, eu só posso falar, abrir minha
boca e falar bem do Águia em tudo, em tudo mesmo, gostei muito,
as pessoas, sempre tratando, estava visando o aluno entendeu, quando a gente chegava lá pra alguma reclamação, eles ouviam, e eles, se
eles cumprissem eles faziam, e no Santana não, última vez, essa última vez mesmo, nesse segundo ano eu lembro que teve a Celiba né,
que todo o ano eles fazem a Celiba pá, a gente participou, a minha
equipe estava precisando de várias coisas, a gente todo o dia a gente ia
pedir e não conseguia nada eles entravam, parecendo assim eles só
queriam o aluno para o dinheiro, mais pra nada, foi, é por isso também que quando eu, eu perdi, eu falei pra minha mãe, “minha mãe
eu vou repetir de ano porque eu perdi, mas eu não quero repetir no
Santana, eu quero ir pra outro lugar, porque se eu continuar no Santana
eu não vou estudar”.
Você falou que perdeu, e antes era assim boa aluna e dessa vez você
perdeu. Muitas reclamações em casa?
Ah, muitas, só, olhe, mais até de minha mãe por incrível que pareça
porque eu lembro que no dia meu pai não tinha ido trabalhar e aí
deu o horário era umas catorze horas mais ou menos saía o resultado,
e aí ele “vai pegar o resultado?”, aí, “eu vou”, aí eu vim, fui, peguei,
voltei, quando ele, eu cheguei em casa que ele me perguntou, “e aí
passou?”, eu, “não, perdi”, pra o meu pai foi o mundo sabe, ele se, ele
estava, estava no quarto, ele sentou na cama, mas chorou feito um
bebê, e naquele dia eu olhei assim pra ele, me deu aquela coisa assim
vendo o meu pai, porque eu parei e pensei, meu Deus foi um ano de
sacrifício, que ele se sacrificou né, deu o suor dele ali, pra eu no final
do ano a própria filha dele chegar pra ele e falar não, perdi de ano,
quer dizer, jogou o dinheiro dele todo fora, aí eu parei e pensei, aí ele
veio disse que não, ia até me colocar, ele até falou que até ia me
colocar em colégios públicos e ainda por aqui porque era pra eu ir a
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pé, que era pra eu encontrar colegas minhas, aquela coisa de pai
mesmo de mãe que, pelo, pelo menos o meu sempre fala isso né, e eu
vim, cheguei pra ele, depois, muito tempo depois ele chegou pra
mim mas minha mãe falou que não ia colocar a gente em colégio
público porque apesar de tudo era filha, e que ele queria ver o bem da
gente, foi aí que eles falaram, deram várias idéias de colégio e tal, foi
aí que eu e minha mãe foi procurando, chegamos até o Águia e eu fui
estudando, fui estudando mas sentindo aquela diferença como eu já
tinha falado, aquela diferença de, de ensino do Santana pro Águia,
mas eu consegui, apesar de eu estar repetindo eu consegui ir pra,
passar né, apesar de ter ido pra duas finais, que eu fui pra final de
matemática e final de geografia, mas eu acho, eu acho que eu não fui
assim porque eu, “ah, não estudou, estava repetindo e não estudou”,
eu acho que foi a diferença mesmo, porque eu estava repetindo de
ano e estava saindo de um colégio e indo pra outro, o outro bem
melhor do que o anteriormente que eu já estava, então acho que foi
por causa disso.
Quais são as disciplinas que você gosta mais, e quais as que você
realmente acha que não, não tem jeito, não gosta?
A que não tem jeito, que eu não gosto é física (risos), física e matemática, essa daí, português e espanhol eu, eu adoro, se eu pudesse o
meu campo de trabalho seria indo pra português e espanhol, mas
física e matemática não tem jeito.
Você diz se pudesse por quê? Não pode?
Não, porque veja bem, eu tenho assim uma coisa assim com a área de
saúde, e se eu passar, se eu passar não, espero que eu passe né, numa
dessas áreas de saúde, em qualquer uma, eu não, eu acho que eu não
vou ter assim muito estudo de espanhol né, de português, eu vou ter
estudo de outras coisas, então eu gosto muito de português e espanhol, se eu tivesse hoje condições eu estaria num curso de espanhol
pra me aprofundar mais, quem sabe até estar falando espanhol depois assim, mas física e matemática não tem jeito não, eu acho que eu
já coloquei na cabeça que eu não gosto da matéria, e olhe que eu
tenho pego até professores bons viu, esse professor meu mesmo agora
aqui de física e de matemática são ótimos professores mas não tem
jeito não, é muito...
Eh, você já, já está se predispondo né, já achando que não, não aprende,
é isso?
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Eu acho que eu já coloquei na minha cabeça que eu não vou aprender, eu acho que realmente eu já coloquei, e agora eu tive uma decepção em física e matemática, nesse último vestibular agora eu fiz menos do que eu deveria ter feito, aí eu, meu Deus, eu acho que não
tem jeito não. E olhe que as outras matérias, as outras disciplinas eu
até que não saí bem, mas física e matemática eu, fui assim horrível.
Pontuação fraca?
Foi.
Então por isso mesmo tem que se dedicar mais.
É, tem que me dedicar mais, já vieram, já vieram me falar, mas é isso
meu Deus...
Pra tirar essa agonia da cabeça...
Só vendo aquele negócio de física, de matemática.
A escola pequena você, ou pequena ou já maior, você se lembra de
alguma coisa que você tenha sido injustiçada na escola, que alguém
fez e disse que foi você ou você se sentiu chateada porque gostaria que
fosse de um jeito e foi de outro? Lembra assim de alguma coisa?
Injustiçada.
Já foi castigada alguma vez na escola?
Não.
E em casa?
Ah, em casa, em casa já, em casa várias vezes.
Lembra assim de algum castigo?
Já, uma vez mesmo, olhe, eu tinha ido pra uma festa, até com a
minha irmã, com minhas amigas, aí voltei, no outro dia minha mãe
recebe um telefonema dizendo que eu tinha ficado lá com um menino lá, que o menino que não era a minha entendeu, um menino que,
da ilha, ele mora até aí no Chácara também, um menino assim,
vamos dizer assim desordeiro, a minha mãe não quis nem saber, não
quis nem perguntar, “você ficou com esse menino?”, ah, já foi logo
assim me acusando, aí eu “minha mãe...”, me explicando, precisou
até de minha irmã falar, das meninas, de chegar, “minha tia, não, não
aconteceu isso não, isso é, é gente, meninas lá com inveja, porque a
gente chega tudo bonitinha, arrumadinha, fica com inveja, os meninos fica lá paquerando a gente, a gente não quer nem saber de nada,
quer mais é curtir a festa, e aí minha mãe, “minha mãe, pelo amor de
Deus”, ela ficou, eu sei que a minha mãe ficou dois dias falando isso
pra mim, “olhe minha mãe, eu não vou nem responder mais porque
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eu não tenho, que nada, eu quero o melhor pra mim, eu vou ficar
com uma coisa daquela minha mãe, pelo amor de Deus”.
Mas assim algum castigo de surra?
De surra?
Sim.
Eu não vou mentir não, minha mãe de vez em quando dá, (risos),
não vou mentir não mas de vez em quando dá.
(risos) E o que é que você acha disso? Está certo, errado?
Eu não, eu acho que está errado, eu sempre falo assim pra ela, “ah,
um dia eu vou ser mãe, um dia eu vou ter meus filhos, e não vou
nunca bater neles”, eu não sei o dia de amanhã, se eu estou falando
isso errado, mas eu acho que surra, bater não leva a nada, eu acho que
quanto mais ela me, aí é que me dá mais vontade de fazer, e eu não
sei, sei lá, eu acho que eu estou grande demais, até que, tem uns seis
meses que ela já não, não vai em cima de mim né, mas eu acho que se
ela chegasse pra mim, “olhe, não faça isso, não diga pra tal lugar, não,
não faça nada disso porque aí eu vou descobrir”.
E o que é que você faz?
É isso, porque as vezes eu falo pra ela assim, “minha mãe, deixe eu ir
pra tal lugar”, ela, “não, você não vai”, aí eu ligo pras meninas, não sei
o que, não sei o que, a gente começa a marcar, e tal, aí elas ligam pra
minha mãe, depois minha mãe vem buscar (...inint...), pá em mim,
mas isso já tem um tempinho né, isso já tem um tempinho.
Você vai escondido?
Isso já tem um tempinho, eh, eu ia, saía muito escondido, muito
mesmo, aí depois a minha mãe, ai meu Deus, (...inint...), mas acho
que é por isso, isso já tem um tempo, não saio mais não, não saio
mais escondido não, acho que eu saía porque....
Quem é que desobedece mais, você ou a sua irmã?
Ah, minha irmã, se for pra questão de desobedecer é minha irmã,
minha irmã deso, meu, meu pai hoje em dia fala assim, “suba dez
horas”, dez horas eu já estou lá, “ligue quando estiver na rua”, toda
hora, eu já ligo até mais do que deveria ter ligado, e ela não, ela sai,
não liga, ela chega dez e meia, onze horas, minha irmã é mais assim
ovelha negra.
Você acha que por ser mais nova é mais rebelde?
Eu acho que não, eu vejo tantas, tantas famílias aí que eu conheço
que as meninas mais novas são mais responsáveis do que as mais
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velhas, eu acho que é porque a minha, minha irmã já tem um signo
sabe, um jeito assim mesmo de, eu acho que ela puxou muito a
madrinha dela, a madrinha que é assim, até hoje é assim.
Como é a madrinha dela?
A madrinha dela trabalha na, na Telemar né, tem a profissão de vida
assim, tem um, uma vida assim hoje legal, tanto que as vezes ela vai
pra lá, mas quando essas duas se juntam é muita festa, a, de vez em
quando ela liga pra lá, aí minha tia que é a mãe dela diz, “ah, R...
ainda está dormindo porque chegou nesse instante, não, não tá”, e
tem um filho viu, e tem um filho, deixa o filho com a mãe e vamos
sair, vamos curtir, não é casada é mãe solteira.
A madrinha?
É, a madrinha dela.
Você acha que a madrinha influencia.
Não, não é que influencia, eu não achei que, que influenciou porque,
é, pode até ser né, porque, sei lá, elas lá, as vezes minha irmã passa
muito tempo com a madrinha dela, assim finais de semana, férias, aí
possa até ser que lá, ela lá enfiada está influenciando, mas eu não,
assim, eu acho assim que ela puxou.
Puxou.
Hereditariamente assim entendeu.
Mas não é parente.
Não, ele é parente sim, ela, a madrinha dela é sobrinha de minha
mãe.
Ah, então tem alguma coisa.
É, tem alguma coisa, é sobrinha de minha mãe, é minha tia, é minha
prima também.
(risos) E você, e você acha que é mais influenciada mais por quem?
Influenciada, eu não acredito que eu sou influenciada não, eu não
acredito não, porque eu mudei sabe, eu mudei mesmo de um tempo
pra cá, eu, como eu estou dizendo, eu, a qualquer pessoa que me
pergunte, “você saía escondido?”, “ah, saía muito”, porque as vezes a
minha mãe não deixava eu tinha que sair, eu acho que é por isso
mesmo que quanto mais o pai mais a mãe diz não, não, não vai, aí
mais que o filho, “porque não está deixando nada? Tenho que descobrir qual é o problema”, eu tenho essa, essa tese assim na minha
cabeça, então hoje em dia que eu chego mais, converso mais com a
minha mãe, “olhe minha mãe, está acontecendo isso, isso”, “ah, tudo
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bem”, aí eu não posso fazer assim, mas até mesmo antes eu nunca fui,
nunca fui influenciada não, sempre quando eu queria fazer é porque
eu quero mesmo, eu ia e fazia, mas até hoje, agora hoje eu converso
mais com a minha mãe, ela, não tem assim problemas não.
Você falando assim conversa mais com a mãe, você acha que as mães
de modo geral conversam o necessário com os filhos? Ou poderia ser
diferente? O que é que você acha?
Olhe, eu acho que tem algumas que conversam e tem outras, eu acho
que é metade e metade de cada, que por exemplo, eu tenho muitas
amigas, e dessa muitas amigas que eu tenho algumas conversam,
abrem o jogo e falam de tudo, outras, eu tenho uma amiga mesmo
que ela tem dois irmãos, ela não pode dizer em casa que ela está
menstruada porque o pai não pode saber, os irmãos não podem ver,
os irmãos, se ele estiver trocando de roupa ela tem que trancar a porta
porque, ai se o irmão abrir a porta e pegar ela, algum lance dela,
parece que é uma pessoa estranha, eu não digo que ela troque de
roupa na frente do irmão porque ela já está uma mulher, os irmãos
também está homem, mas irmão né, não sei, eu acho que de vez em
quando assim pode abrir a porta e pegar um negócio e tal, não, é
assim muito, tudo escondido...
Então você...
Eu lembro quando ela ficou mocinha ela ligou pra mim, “olhe, fiquei
moça e tal”, mas o pai não sabia, a mãe não sabia também, era aquele...
Ficou escondido.
Aquele esconderijo, então eu acho assim que tem algumas amigas
minhas que tem mãe que conversam sobre tudo e têm outras que já
é até pior, mas a minha hoje eu converso com ela, porque eu acho que
até fui eu que mudei a cabeça dela, até mesmo também porque ela
estava assim, ela me dizia não e eu ia, então que acho que ela foi assim
parando e pensando, aí minha mãe melhorou bastante, agora meu
pai ainda continua, meu pai não tem jeito não, meu pai eu acho que
é super proteção demais, um ciúmes demais, eu acho que ele quer ver
as filhas dele só pra ele, que vai morrer ali com ele pra sempre, eu já
falei com ele, “meu pai, meu pai, você, olhe, pai e mãe cria filho mas
não é pra você não, é pro mundo”, ele vem e me fala, “você está
querendo sair de casa, não sei o que”.
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Pega muito no seu pé com namorado?
Meu pai pega, pega, o que? Isso daí é o fator principal, é o que ele
pega mais, ah, ele pega sim, pega, ele não já disse já, que eu estou
estudando que não é pra eu sair pra, pra lugar nenhum, com ninguém, principalmente com o namorado, com ninguém, é pra ficar
em casa, toda hora ele inventa lá um, um filha de amigo que passou
no vestibular mas esqueceu o namorado, esqueceu tudo, esqueceu
aquilo, aquilo, e olhe que eu não sou muito de sair viu C..., eu gosto
muito assim de ir como eu tinha falo, gosto, se eu pudesse todo final
de semana eu estaria no cinema ou no tea, no teatro, eu digo se eu
pudesse eh que dinheiro também né, porque ir pra cinema e teatro
também tem que ter dinheiro né, mas eu não sou muito assim de sair
de noite, noite não é comigo, é mais com (...inint...), mas comigo,
comigo não é, aí meu pai já fica...
Você me disse que teve muito contato com a sua avó, né, pequena,
não é?
Ah, tive.
Passa férias, algum período de férias, ela mora aqui em Salvador?
Morava?
Mora, mora no Bonfim.
Mora, você se lembra assim de algum período de férias com ela? Ou
de alguma viagem você pequena?
Não, viagem com meu, com meus avós (...inint...)....
Ou pra casa dos avós?
Mas já fui pra casa de meus avós, sempre passava férias com, eu,
minha irmã né, sempre passava, ou então de vez em quando a minha
irmã ia, ou então, mas meu avô assim, meu avô me ama, ama, ama,
minha avó também, por sinal além meus avós, são meus padrinhos
também, então comigo é aquela coisa, é neta mais velha, afilhado,
então tudo é aquele chamego, por sinal até meu outro, meu outro
primo né, que também é neto deles, sempre fala, “ah, eu queria ser
G....”, G... é porque me chamam de G..., “porque, Ave Maria, tem
tudo, e não sei o quê”, eu gosto muito de, não como feijão, de jeito
nenhum, eu pareço que eu sou descendente de italiano, porque eu
adoro massa, é lasanha, é pizza, não sei o que, aí eu digo pra meu avô,
“meu avô estou indo pra aí”, quando eu chego lá está lasanha, está
pizza, está tudo pra mim, aí ele sempre tem aquele ataque de ciúmes
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assim mas, eu já disse pra eles que os avós é repartido, eu reparto para
todos, mas eu sempre ia muito, hoje em dia não porque meu avô tem
problema de, de hipertensão, e minha avó está com problema de
coluna então ela não, não está andando mais né, ela anda com muletas, até que tem uns dois meses que ela não está andando de jeito
nenhum, ela está mandando, porque além das muletas, ela infelizmente quebrou o pé, aí foi uma barra assim pra gente, então, mas eu
já fui muito pra cinema, eu saía mais...
Eles moram sozinhos?
Moram, moram sozinhos, minha mãe que agora tem, tem uns seis
meses, que a família de minha mãe é muito pequena né, esses avós
que eu estou falando, porque os outros avós por parte de, de pai, já
são falecidos, minha mãe, minha avó por parte de pai faleceu de
parto, e meu avô faleceu tem dois anos, foi horrível também, foi em
São João, eu não estava nem aqui, estava no Arraiá quando o celular
tocou.
O Arraiá da Capitá?
É, foi horrível.
Está certo, mas me conte uma outra coisa, pequena sobre as brincadeiras, eu falava de você pequena, eu queria saber quais eram as brincadeiras mais comuns da sua época de menina pequena?
Boneca, adorava brincar de boneca, adorava fazer bolinho, não sei o
que de areia, e um monte de coisa que eu inventava aí, pegava, eh,
florzinhas, rosas amarelas, não sei o quê, inventava, fazia o bolo, cantava parabéns, cheguei até uma vez, enchi a cabeça tanto de minha
mãe, que disse que a minha boneca estava fazendo um ano de aniversário, oh meu Deus eu me lembro como hoje, que minha mãe teve
que fazer um bolo de verdade, pra eu chamar minhas colegas com as
outras bonecas, e foi uma bonecaria em cima da mesa cantando parabéns, hoje eu paro assim e penso, meu Deus que tempo bom viu,
naquele tempo a gente não tinha preocupação com nada, só fazia
estudar, não tinha mais nada, era, oh meu Deus que maravilha.
Tinha alguma boneca especial de que você gostasse mais?
Tinha sim, a poeminha que eu botei o nome dela de, de M...., tinha
sim, ela, até hoje ela está lá no meu, que minha cama tem um baú,
até hoje ela está lá no meu baú.
Você guarda ainda seus brinquedos?
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Ah! guardo sim, tenho todas as bonecas lá guardada, todas, tanto eu
como a minha irmã, todas, brinquedo não, mas a gente teve um
negócio aí de um hospital, minha mãe, eu esqueci agora, a gente veio
e doou todos os brinquedos né, brinquedos assim, mas boneca não,
as bonecas eram tudo lá guardadas no armário, tudo de saco, de vez
em quando a gente tira os vestidos, que as vezes fica com...
Cheirando.
É, cheirando né, a gente vem e tira, e lava, depois veste de novo,
penteia o cabelo, eu tenho o maior carinho, e de brincadeira assim de
rua, eu não andava muito na rua, sempre minha mãe né, nunca criou
os filhos dela, as filhas dela sempre dentro de casa, mas de vez em
quando de tardinha, dia de sábado, assim depois de fazer o exercício
descia com as meninas, mas era brincadeira de esconde-esconde, de
baleou, nada pesado, agora a minha irmã quando ia pra casa de minha avó, subia na casa e fica empinando arraia, era ela com os meus
dois outros primos, mas eu nunca fui de empinar de arraia, nada
dessas brincadeiras de masculinas.
E eles, eles faziam mais que outras brincadeiras, que outros tipos de
brincadeiras?
Quem?
Esses seus primos.
Ah! meus primos gostavam de gude, minha irmã estava lá no meio
da gude, gostava de brincar de fute, de bola, minha irmã estava lá
também, minha irmã um dia minha mãe em casa, aí a professora
veio ligou dizendo que era pra minha mãe pegar minha irmã no
colégio Ferreira Santana porque ela jogando bola tinha caído e tinha
ralado o joelho, aí a minha mãe veio, chegou lá, “menina o que é isso
menina?”, aí falou com a professora, “olhe, quando ela inventar, que
ela tem essa coisa masculina assim dela, quando ela inventar de jogar
bola não deixa, gude não deixa não que eu não estou gostando dessa
idéia”, mas sempre minha irmã não teve jeito não, mas eu nunca
gostava muito de brincar.
E comparando as brincadeiras dessa sua época com as de hoje você,
você acha que mudou muita coisa?
Eu acho que mudou, eu acho que mudou porque eu tiro por lá pelo
onde eu moro, as vezes eu chego assim na janela e vejo assim, eu
lembro que o meu primeiro beijo foi com quinze anos de idade, hoje
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eu vejo mães de doze anos, lá no Chácara o que não tem é meninas
tudo pequenininha assim que tem onze, doze anos, quando a gente
desce assim as vezes pega elas falando só de gatinho, um menino da
escola, o menino dali, o menino daqui que deu o beijo, eu fico assim,
meu Deus como o tempo mudou, as vezes eu chego até com as
minhas colegas, as, as minhas amigas as vezes que a gente vai descer...
As conversas são outras.
As conversas são outras, totalmente diferentes, antigamente a gente
tinha medo, por exemplo, se a gente tivesse falando de algum menino pra mim a minha mãe estava atrás de mim, a mãe dela estava atrás
dela, estava todo mundo ali ouvindo, e hoje em dia não, a gente, a
gente ficou, nós brincamos, minha irmã mesmo com esse negócio
todo mas minha irmã chupou chupetinha, biquinho até treze anos
de idade, eu não, eu fui até os cinco porque eu cheguei um dia no
médico, e a médica falou, “ainda está chupando bico? Vai ficar com o
dente dentuça”, quando eu cheguei em casa eu deixei o bico lá, “minha mãe, eu vou ficar dentuça”, deixei e pronto, não quis mais saber
de biquinho, mas minha irmã chupou chupeta até treze anos de
idade, as conversas são totalmente diferentes, mudou, pra mim mudou mesmo.
Televisão você acha que, que influencia?
Que influencia? Influencia.
Que tipo de influência você acha que dá?
Eu acho que influencia, eu acho que influencia, eu acho, eu vejo
assim, por exemplo, tem esse programa mesmo Malhação, que é a
tarde, se você fosse perceber só, teve uma época aí que só estavam
falando de sexo, de, tudo bem que estavam até falando assim, sexo só
com camisinha, mas e as crianças, porque num horário desses muitas, muitas crianças, as crianças estão tudo em casa, vendo, eh, sentada no sofá assistindo televisão, quer dizer já deve estar assim, “o que é
isso, o que é aquilo”, eu acho que influencia muito, as novelas hoje
em dia só vê assim, vira e mexe só vê transa, vira e mexe só vê transa,
eu acho que está falando um programa como o meu tempo que tinha
o Sítio do Pica Pau Amarelo, que eu me lembro como hoje, a minha
mãe dava banho na gente, as outras mães davam banho e aí a gente
ia, esse tempo eu ainda tomava até mamadeira (risos).
(risos)
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Tomava, eu assistia o programa e a gente tomava mamadeira, tinha
os Trapalhões, tinha muito filme né, tinha tanto desenho animado,
mas eu, eu me lembro assim dos Trapalhões e do Sítio do Pica Pau
Amarelo, Amarelo, que eram dois programas, o Sitio mesmo era, era
cultural né, gostava muito de assistir, tanto eu.
Você acha que eram programas mais educativos, e eram mais leves
também né.
Eram educativos e mais pra criança né, eu acho que a criança está
precisando disso, de programas assim.
E esses programas infantis tipo Angélica e Xuxa, o que é que você
acha disso?
Xuxa eu não vou falar não porque eu sou, eu sou, sabe, baixinha dela,
eu não vou falar nada de Xuxa não, ali é minha rainha, mas eu acho
assim, que um programa infantil é o de Eliana da Record, porque eu
vou falar, nem o de Xuxa, nem o de Angélica pra mim é infantil,
infantil não, por exemplo tem eh, eu não ia falar dela não, mas tem
alguns tempos, eu adoro ela, amo, mas...
Não, independente de você gostar...
Mas tem alguns pontos que, por exemplo, no Xuxa Park né que é dia
de sábado tem o intimidade mirim né, que vai as cri, as crianças
famosas pra ela fazer intimidade, perguntar tudo, aí de vez em quando vai umas crianças meu Deus, Xuxa pergunta de namorado? eu
não sei, eu não sei se eu não, se minha cabeça ainda está meia coisa,
naquele tempo como eu estou falando eu brincava de boneca, não
pensava nem, não sabia o que era isso, nem tocava no assunto, ela fica
perguntando de namorado pra, pras crianças ainda, Angélica com
um programa infantil que eu acho até já infantil demais, um negócio
assim meio, não tem nada ali de cultural, nada que ensina nada pra
ninguém, a, não tem um, uma postura de apresentadora eu acho.
E esse, e esses bonequinhos novos que estão na televisão?
Esse Telletubies?
Sim, o que é que você acha.
Até que eu gosto do telletubie. (risos)
(risos)
Até que eu assisto telletubies assim, até que eu gosto dos telletubies,
mas eu acho que aquilo ali é pra bebê né, eu fico pensando assim,
meu Deus eu acho que é pra bebê porque a palavra com que, com
que eles falam eu acho que só bebê que fica só assim, porque eu acho
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que a criança quando está crescendo, por exemplo, eu tenho a minha, minha afilhada mesmo que, eu perguntei agora pra ela se ela
queria a festinha dela de telletubies, ela disse que não, que não queria
não, aí a minha tia veio, eu perguntei, “oh minha tia, não é possível
toda criança está gostando dos telletubies”, “ah não”, I... que é um
primo meu, que é bebezinho, tem uns oito meses assim gosta dos
telletubies, fica por eu acho que a linguagem dos telletubies é pra
bebê, mas já pra F... que já tem três anos, quatro anos, eu acho que
não, está muito assim, não, eu acho que esse telletubies também eu
não gosto não, eu assisto mas é eu acho que é muito pra bebê.
Você acha que é o que, que é besta?
Eu acho que é besta demais, eu acho que é mais pra bebê, não pra
criança assim, eu acho que está faltando mesmo, eu até fiquei feliz
outro dia que eu peguei a revista da tv e vi que em, em dois mil e um
vai voltar o Sítio do Pica Pau Amarelo né, aí eu cheguei pra minha
mãe e falei assim, “ah minha mãe eu vou voltar a assistir em dois mil
e um”, mas olhe...
Dois mil e um.
Ainda vou passar dois mil, dois mil e um pra começar e olhe lá se vai
começar em dois mil e um mesmo, mas eu acho que está faltando
programas assim.
Ainda dentro dessa parte, comparando escola (...inint...), ou ainda
em televisão, acha que explora muito a questão desses grupos de
pagode, de dança, de festa, dessas coisas pra meninada, você acha que
isso é bom?
Se eu disser que é bom, a gente tira por elas né, por exemplo, eu citei
agora mesmo aqui o nome da minha afilhada, eh, eh....
Gostam, elas gostam?
Adora, adora, adora, adora, adora, na festinha dela tinha que ter o
Tchan lá...
O Tchan.
Pra ela dançar, o primeiro aninho dela ela ficou dançando aquela
música do Tchan, a gente ficou besta, a gente filmou, tirou foto, ela
ficou dançando, eu acho que, eu não sei, eu acho que já está na
televisão, elas estão mesmo assistindo não vai ter jeito do pai mais a
mãe desligar, de prender pra não, pra não ver.
E as crianças aprendem rápido aquelas coreografias todas. né?
Rapidinho, rapidinho.
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Tá certo, mas ainda só pra concluir aqui, eu quero perguntar o seguinte, em relação a escola, as escolas antigas com as escolas atuais,
fardamento, você acha que melhorou, piorou, você gostava de que da
escola, ou não gostava de alguma farda, achava que era feia ou queria
alguma coisa mais bonita? Como é...
Eu sempre tive um sonho de ter a farda que a minha teve, né, que
muitas mães de minhas amigas teve, que era aquela saia plissada com
aquela blusinha branca, com a gravatinha, eu achava que aquilo ali
que era fardamento escolar, eu não sei, eu achava, vi muitas fotos de
minha mãe, outro dia eu estava olhando, aquilo ali que era fardamento
escolar, eu acho que hoje em dia com calça jeans...
As fardas antigas, né?
É, aquelas fardas antigas, eu acho que hoje em dia aquelas, essas
calças jeans com uma blusa só com o escudo aqui do colégio eu não
acho não, eu acho que já, já deveriam liberar esse negócio de farde, eu
não sei, eu acho assim que é até uma segurança, que no outro dia eu
fico, eh, na vez que eu estava no Águia aí chegaram pra mim, a
coordenadora e alou que era um tipo de segurança, mas eu acho que
pra ladrão existe, as vezes você vê ladrão vestido de policial, ladrão
vestido de carteiro, eles não podem também arrumar uma farda pra
eles vestir?
Ladrão também vestido de estudante, né.
É, aí eu achava que aquilo ali que era farda, as fardas antigas, eu tive
sempre o sonho, ou então a farda do colégio militar, pra que uma
farda tão linda daquela? eu sou apaixonada por aquela farda do colégio militar, acho arrumadíssima.
E os sapatos de antes e de hoje, em relação a escola e até a mudança
mesmo?
Aquele sapato boneca, é isso, aquela farda antiga com aquele sapatinho
boneca, com aquela meia branca, era lindo demais, hoje em dia você
vai de tênis, noutro dia eu acompanhei uma estudante, eh, ela estava
com o sapato vermelho, quer dizer o sapato vermelho (...inint...), ela
ia pro colégio com o sapato vermelho, eu falei assim, “não, não é
possível que ela vai sair porque ela está com a blusa do colégio, ela
deve estar indo pro colégio, está indo ou está voltando pro colégio
né”, com sapato vermelho, eu falei assim, “meu Deus ela chegando
pra esse colégio o porteiro vai deixar essa menina entrar pelo amor de
Deus?”
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Bem diferente, né?
É, bem diferente.
Mas é porque talvez acompanhando mais a modernidade, né.
A, a modernidade.
Mais liberal, né.
Mas eu acho que sei lá, sapato vermelho está bem assim mais pra sair
né, eu também estou com um sapato vermelho lá né, mas visto com
uma blusinha vermelha pra sair, mas não pra ir pro colégio, sapato
vermelho, eu não sei, eu acho que o colégio pede mais um, um tênis.
Uma coisa mais discreta.
É, uma coisa mais discreta.
Está certo, agora em relação a, a educação no futuro, você pensa que
a, de agora melhorou, piorou, o que é que você acha que você vai
projetar pra seus filhos? É o que está aí ou você quer alguma coisa de
diferente?
Não, não, eu acho que eu vou querer alguma coisa diferente sim,
acho que sei lá, eu acho que a Bahia está faltando mais universidades
assim, vou já vou logo entrar na, no fato de universidade né que eu
estou nesse meio agora né, estou nessa luta aí pra conseguir uma vaga
e estou vendo que está difícil que eu não vou uma pessoa que gosta de
sair, eu estou lá estudando, e as vezes eu, tem gente que não está
estudando e que já está lá dentro, aí eu para assim e penso, meu
Deus o que é que está acontecendo? Então eu não sei, eu acho que
pra os meus filhos eu vou querer assim, que ele, que ele nasça já com
mais universidades, com mais campo de trabalho, que tenha mais
vagas, porque eu acho assim um absurdo as vezes você, ah esse curso
aqui, quando a gente vai olhar trinta vagas pra não sei quantos mil
concorrentes.
Aí fica difícil, né?
Vai ficar difícil, fica difícil, como está difícil pra eu e pra muitas
pessoas aí entrarem, então espero que na época deles tenha mais
universidades, mais cursos, mais vagas como Rio, São Paulo, Rio, São
Paulo tem n universidades, tem n cursos, n vagas, aqui na Bahia não
tem, tem nada, e que tenha mais, e que nasça mais universidades
federais e estaduais né, porque particular está até crescendo, está todo
ano agora a gente está vendo aí mais uma né...
Mais uma, mais uma...
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Mais uma, mais uma, administração, quem for fazer administração
mesmo está beleza, que administração agora, o que não falta é universidade com, que tenha administração, o que não falta, todas que
estão abrindo agora tem que ter administração, tem administração,
então pra adm agora está beleza quem faz, então eu quero que na
época dos meus filhos tenha mais universidades agora federais e estaduais porque, por exemplo, na minha casa mesmo que são duas filhas
pra pagar duas universidades particular não dá, ou, ou não entra ou
as duas vai pra estadual, ou não, vai ser assim um suor mesmo.
É, que existam outras oportunidades, né?
É.
Está bom, obrigada.
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INQ 40 – HOMEM 28 ANOS – ESCOLARIDADE: FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: NORMA DA SILVA LOPES E CONSTÂNCIA MARIA BORGES
DE SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 30/10/1998
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... primeiro diga... que idade você tem?
Vinte oito
Vinte e oito anos, você é de Salvador?
Salvador.
E seus pais, também são de Salvador?
São de Salvador.
Eu queria primeiro que você falasse um pouquinho, como foi você
quando criança, estou achando você com cara de menino, (inint.)
você foi um menino muito abusado?
Eu fui um menino que eu brincava, corria bastante, pulava, cantava,
sempre gostei de cantar, mas no lado da minha vida de menino sempre faltou alguma coisa eu sorria, era bastante alegre, mas no fundo
me faltava alguma coisa, certo, por exemplo, eu fui um menino criado sem meu pai, certo, quem me criou foi a minha mãe doente...
Ah! Sua mãe é doente?
Minha mãe é.
Tão jovem!
Tão jovem, e com tudo isso a minha infância não foi uma infância
sadia, porque eu via a dificuldade que ela passava, por motivo que
nosso pai havia assim deixado e com tudo isso me constrangia por
dentro, eu não... na minha infância eu não tive assim uma boa infância, eu sei que eu não tive, mas no decorrer do tempo eu fui crescendo, me desenvolvendo, e depois eu passei a ver o outro lado da minha
vida. Quando eu comecei a entrar na faixa de jovem, já vi que o
ângulo já era diferente, não era mais o mesmo e aquelas coisas já
haviam passado na minha vida, e agora tudo já estava se tornando
novo.
Acho que está tudo novo agora para você, muito novo mesmo.
Então, a minha infância foi um pouco difícil, porque cedo eu saí...
tinha que trabalhar, para ajudar a minha mãe, meus outros irmãos...
São quantos, ...?
Foram nove.
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Por que foram?
Morreram dois.
Pequenos?
Uma mocinha e um garotinho, devido a falta assim de um apoio de
um pai, que não... não deu ao filho, então com isso eu cresci com
aquela... ressentimento no meu coração, porque eu chegava, quando
eu ia trabalhar, por exemplo, no Stiep, que eu via o carinho daqueles
pais com seus filhos, dentro de mim, me constrangia, eu chorava,
porque eu esperava ter um pai que cuidasse de mim, que me desse o
carinho, qual o pai estava dando aquele filho, onde desde quando eu
estava encerando o pátio daquela casa, ai por dentro eu chorava.
Mas agora você é pai. Você trabalhava lá?
Trabalhava. E eu dentro de mim eu disse... dizia para me, não é?
assim quando o senhor me der uma esposa, vou fazer ela feliz e eu
vou dar ao meu filho o que eu não tive. E graças a Deus...
Está batalhando.
Estou batalhando.
É isso mesmo.
Estou dando a ele o que eu não tive na minha infância, por exemplo,
quando eu queria algo, eu tinha que sair, ou para trabalhar ou para
pedir, e no meio de tudo isso me prejudicou nos meus estudos,
quando eu vim estudar já era tarde, quando eu ia para o colégio não
tinha alimentação, ia para sala de aula sentia dor de cabeça, e com
tudo isso me prejudicou, que eu não aprendi quase nada.
Mas hoje você na escola, está...
Graças a Deus que hoje eu estou na escola, estou estudando, para
que venha melhorar em algumas coisas. Daí por diante eu espero que
melhore, mais e mais.
Você ... quando começou a estudar, foi mais tarde, sua primeira escola você já era grande?
Já era garotinho já grande, já tinha mais uns... uns treze para quatorze
anos.
E que impressão você teve da escola, quando chegou assim o que você
achou da escola?
A escola é algo maravilhoso, no qual nós vamos aprender, certo, para
saber ser educado, ser bem informado, mas quando eu chegava lá eu
não entendia, eu me esforçava da maneira possível e eu não conseguia.
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Agora você consegue entender?
Agora eu já entendo mais um pouquinho. Quando a professora escreve lá no quadro eu já faço como não fazia, já pego uma leitura,
porque houve um esforço, houve também um interesse para assim
aprender, e na base do interesse que nós conseguimos o objetivo.
É isso mesmo, tem que se esforçar, que você tem o ponto de partida,
não é? de...
É verdade.
De ir para frente. Pequeno, você achava difícil?
Eu achava, eu via assim o desempenho dos colegas e eu mesmo me
questionava, meu Deus porque, eu... eu não consigo, mas eu acredito que era devido a minha infância, foi devido a minha criação, certo,
eu não tive uma pessoa que chegasse ali, me colocasse, mamãe não
podia, ela tinha problema muito sério, quando ela estava em casa a
mesma da hora tinha que ir as pressas para o médico, quer dizer, os
irmãos mais velhos também não tinha assim uma... uma noção ,
porque ainda era garoto, quer dizer, o de dez que tomava conta do de
cinco, do de quatro e não é uma responsabilidade como de um adulto, como de uma mãe, ela se esforçou, nos deixou já todo mundo
rapaz, inclusive eu quando ela faleceu, já me deixou casado, só esperou o neto, que ela partiu, depois que foi embora o neto nasceu.
Mas é como se Deus mandasse assim, quando um sai o outro fica no
lugar.
Para assim, substituir aquela... aquele vazio que havia de ficar.
É isso mesmo.
Então com tudo isso, aprendi que um filho ele necessita do carinho
de um pai, ele necessita do amor de um pai, porque mãe é algo
muito precioso, mãe é uma pérola, qual Deus, ele colocou na face da
terra, para se cuidar dos seus filhos. Então os filhos tem que honrar os
seus pais, tem que amar, tem que ser obediente aos seus pais, se eles
quiserem ter anos de vida abençoado na face da terra.
Seus irmãos pensam assim também?
Já estão começando a pensar.
Qual a sua religião?
Eu sigo o senhor Jesus na igreja batista Nova Jerusalém, e foi através
desse conhecimento da palavra, que eu passei a perdoar o meu pai,
eu sei que a cicatriz, a dor passa, mas a cicatriz fica que você lembra,
que você passou, eu me lembro quantas vezes na madrugada, nossa
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casa era de telha, e quando chovia a gente acordava de madrugada de
pingueira, e isso cortava meu coração, eu ficava dizendo: “Meu Deus
porque isso, porque isso, e de acordo com o tempo a gente vai aprendendo, que a vida é essa, a nossa vida é para ser abençoada, não para
ser uma vida de tormento, sofrimento, isso é em conseqüência da
desobediência do homem. O homem desobedeceu e eles passam por
momento difícil da sua vida. Hoje o que eu tenho, o meu pai não
tem, ele além de ele ser um motorista de ônibus, de ter um salário
razoável, porque o meu salário, é um salário pouco, mas ele torna-se
um salário muito, porque o meu salário não serve para beber, nem
para fumar, nem para gastar com as coisa erradas dessa vida, serve
para mim e para minha família e eu, por exemplo, eu invisto no meu
dinheiro, na minha casa, nos meus estudos, no meu filho, então eu
não estou no prejuízo, e ele sendo motorista de ônibus, não tem uma
casa própria, não tem assim, onde dizer assim, essa casa foi eu que fiz,
com o suor do meu rosto, não, agora eu me sinto vitorioso, sobre ele,
e sobre todos os problemas que assim a minha família passou, então
com isso foi uma experiência, falo assim, eu aprendi essa experiência
e eu passo para demais pessoas, eu passo essa experiência, o que eu
passei até onde eu cheguei, até onde eu suportei, e até aqui, graças a
Deus, eu tenho vivido, e eu agradeço a Deus pela vida que ele tem
me dado, pela família que ele me deu, uma família abençoada feliz e
eu passo sempre para as pessoas, eu gosto assim de aconselhar as
pessoas, principalmente o jovem, gosto de ouvir os conselhos dos
mais velhos, algo que eu sempre tive dentro de mim, quando eu...
desde a minha infância, quando um adulto falava comigo, eu abaixava a cabeça para ouvir, porque eu prefiro está no meu dos anciãos, dos
adultos, do que do próprio meio da mocidade, que eu sei que o
jovem de hoje, a mente dos jovens é uma mente assim, diferente de
antigamente, nós podemos observar que alguns tempos passados,
quando a gente passava por uma vizinha dava a benção a dona Maria,
bênção a Seu João, e eu sentia uma coisa assim boa, porque havia um
respeito entre as pessoas, havia uma comunicação no qual os mais
velhos se agradavam e hoje nós não vemos mais isso.
E você disse assim: “Gosto de estar no meio dos mais velhos, do que
dos jovens”, não é?
Porque tem conselhos bons para mim dar, e os mais jovens tudo acha
que pode fazer, porque está novo ai eu posso fazer isso e muita das
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vezes o que ele colocou no coração de fazer é errado. De um mais
velho, experiente naquela área que vai dizer a ele, não, não é assim, é
assim, mas ele não vai querer ouvir, mas já eu, eu penso dessa seguinte maneira, de ouvir mais as pessoas mais idosas do que os mais
jovens, que nós podemos observar que a maioria das pessoas que
estão partindo dessa vida são mais jovens, são mais os jovens, porque
a mente, a mente deles é uma mente completamente diferente da
mente de um adulto. O adulto tem mais assim experiência do que já
passou e ele bem ainda não começou passar pelo processo acha que
está preparado.
Você tenta aconselhar algum amigo seu, algum desses jovens que
você conhece?
Diversas vezes já tentei aconselhar colegas meus, não me ouviram
partiram também dessa vida.
Você fala que aconteceu algo que desagradasse (inint.)
Ah! Sim.
Conte aí alguma coisa?
Caminhos tortuosos, caminhos, por exemplo, o caminho das drogas.
Ligada à vida marginal, não é?
Exatamente, chegar para ele, rapaz saia dessa vida, essa vida vai
lhe destruir, e esse caminho é o caminho que conduz a morte, mas
o caminho que eu te ofereço é o caminho que da a vida, e ele me
dizia, que nada, eu sou jovem, jovem não morre, e muitos já foram, porque não ouviu, tem pessoas que dizem assim, se conselho
fosse bom não se dava vendia, não é? mas eu digo que essas pessoas
estão erradas, porque o conselho se eu vê, que uma pessoa minha
está trilhando o caminho errado e eu vê e deixo não aconselho eu
também sou culpado, porque eu pude aconselhar e disse não,
deixei ele cair no precipício, então eu também compartilhei da
derrota dele, porque eu não fui a ele ai eu estaria livre, se eu fosse
a ele, eu estaria livrando a minha parte.
É tentar de alguma maneira.
É exatamente ele foi aconselhado, mas ele não me ouviu eu não posso
fazer nada, por exemplo, se ele está fazendo algo errado e eu omitir,
eu estou participando também então eu tenho que ir no alto, não
aceitar o erro, e também não aceitar o engano, dizer olhe mesmo
assim, você está errado, se ele não quiser me ouvir ai eu não posso
mais fazer nada, porque assim eu aconselhei a ele, ai fica sobre o
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critério dele, porque o ser humano ele tem o livre arbítrio de escolher
o bem e o mal, ele ai já sabe discernir sua mão esquerda da sua mão
direita, então no momento que eu aconselhei ele, os olhos dele foi
aberto e o ouvido dele foi aberto, e ele cai no erro se quiser.
Isso mesmo.
Não é verdade?
E seus irmãos, você tem quantos?
Agora são sete irmãos.
Você disse que eles estão chegando... São sete filhos agora, seis irmãos, não é? você disse que eram nove, dois...
Morreram dois.
Morreram dois.
Então diga o que eles realmente pensam... assim como é que estão
nesse sentido?
Eles pensam dessa seguinte maneira que mesmo nível qual eu estou
seguindo, pela mesma forma eles também foram abrangidos, começou pelo mais velho, eu já garotinho também já tinha esse lado de vê
o caminho certo e ali eu comecei a me interessar e eu sentia que tinha
algo para mim nesse caminho, pois eu tinha uma chamada para se
compartilhar desse povo. Eu via o caminho o qual eu deveria prosseguir, porque esse caminho ia me livrar de muitas coisas, por exemplo,
alguns jovens da minha... da minha idade, da minha infância trilharam o caminho das drogas e diversas vezes tentavam me conduzir,
também pelo mesmo caminho, mas eu via que eu jogava futebol,
gostava de ir a praia e um dia ia acontecer eu ceder, esse fica para que
isso não acontecesse na minha vida eu teria que ter uma proteção, e
eu procurei essa proteção onde qual eles estavam trilhando e queria
também me levar era o caminho de, e o caminho qual ensina o filho
a ser rebelde com os pais, é o caminho que ensina o filho ser maldoso
com seus pais, não ouvir os conselhos, então eu procurei me afastar,
eu via que minha mãe, ela não... não merecia isso, eu ser desobediente, porque cosia mais triste na face da terra, é a mãe ter um filho
rejeitado pela sociedade, porque aquela mãe teve nove meses aquele
filho no seu ventre e depois aquela própria mãe vê seu filho apanhar
ou até ser morto pelos homens, pelos policiais, ou até os próprios
colegas, eu creio que isso dói profundamente no coração de uma
mãe.
Então, foi por isso que você deixou de ir para praia?
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Deixei.
E jogar futebol, para evitar companhia desses garotos?
Também, para evitar as companhias erradas, porque, por exemplo, se
hoje a gente vai no estádio de futebol assistir uma partida de jogo,
tem todo tipo de gente ali, muitas das vezes você é envolvido numa
coisa que você não tem nada a ver e você acaba pagando o pato. Uma
certa vez eu estava participando de um carnaval, eu era ainda
jovenzinho...
Mais ainda.
Era.
Mais jovem.
Era jovem.
Você é jovem.
Mas eu já me sinto um jovem senhor.
Um jovem senhor, está bom.
Então eu estava brincando o carnaval e de repente vinha os policiais
tudo em fileira um atrás do outro e as pessoas que estavam com um
pano cheirando quando viu os policiais, eles lançaram, e quando ele
lançou, esse pano caiu sobre mim, caiu na minha mão , o que aconteceu?
Acharam que era você?
Se eles me pegam com esse pano na mão, inclusive o pano estava com
um cheiro de chiclete, um cheiro até gostoso.
Já pensou?
Eu ainda cheirei assim, ai eu senti assim como se o doce, alguma
coisa, eu falei meu Deus o que é isso, aí o colega disse, rapaz, isso é
loló (risos) assim mesmo, ai eu disse, meu Deus se esse policial me
pega com esse pano na mão, que é que ia acontecer comigo, eu..
O que é que você fez?
Joguei logo no chão, eu ia apanhar, eu ia ser preso, eu ia até para o
juizado de menor, minha mãe ia tomar um susto muito grande...
E daqui que você explicasse quem é que ia responder esse caso a
critério seu?
Ninguém, então eu pude aprender com os mais velhos, com as pessoas idosas, que é melhor você está na companhia de umas senhoras
umas senhoras duas, do que com jovens.
Umas jovens senhoras.
É, umas jovens senhoras.
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Está bom.
Então me sinto bem, gosto de ouvir conselho, ouço também a mocidade, dou conselho a mocidade, inclusive, sempre lá onde eu lidero
o povo.
Isso que eu ia lhe perguntar. Você tem alguma função na igreja?
Tenho sim senhora.
Qual é?
Eu, pela misericórdia de Deus, eu sou a segunda pessoa do nosso
pastor P... e tem mais outros, tem eu e o outro, são dois, quando o
pastor não está eu estou presente e assim eu passo o recado dentro da
palavra qual é a palavra que tira todo ódio, toda mágoa, todo ressentimento, todo rancor, e no decorrer do tempo nós nos pegamos assim
mais experientes com Deus.
Você quer ser pastor?
Não é bem... eu quero ser, é que se for a vontade de Deus vai ser,
porque muitas pessoas quer ser pastor mais os verdadeiros pastores,
são aqueles que verdadeiramente ele vive, cumpre a palavra de Deus
e nesses últimos dias a muitos enganadores que tem introduzido no
meio do povo, diz que é, mas não é, mas os verdadeiros eles erguem
a palavra e eles obedecem a palavra e eles aconselham as pessoas a não
está no erro, a não andar no erro, por exemplo, se eu sou torto eu não
posso dar conselho a uma pessoa torta eu tenho que primeiro me
endireitar...
Aí as pessoas não iam acreditar em você, não é?
Exatamente. Eu tenho que primeiro me consertar tirar o (inint.) que
está nos meus olhos, para depois eu lançar o erro de alguém.
Quem bom que você tem isso, não é? Mas você já tem uma boa
experiência, você já domina, já conhece assim boa parte da... do que
você tem que pregar, não é?
É porque...
Estou percebendo isso.
É porque esse conhecimento ele não vem do próprio... esse conhecimento vem de Deus, por exemplo, eu como eu aceitei a Jesus como
meu salvador, eu não sabia ler e nem sabia escrever, e quando eu
aceitei a Jesus o senhor falava comigo no meu coração ele se revelava
para mim.
Mesmo sendo você?
Mesmo sendo...
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Mesmo sem estudo?
Exatamente. Mesmo sem estudo, mesmo ainda lá fora, participando
de algumas coisas desse mundo enganador, ele já se revelava para
mim, como se ele tinha uma obra para fazer na minha vida, e o que
foi que aconteceu, eu aceitei Jesus como meu salvador, vai fazer anos
no mês de dezembro.
Quanto tempo tem que você está na igreja?
Eu comecei a seguir a Jesus mais ou menos entre na faixa de dez a
doze anos, mas logo no início eu não tinha total, assim decisão, porque eu ainda era um adolescente praticamente, a minha mente ainda
estava dividida, eu estava na igreja e ao mesmo tempo eu sai, e o
tempo passando e eu não tinha, assim um grau de escolaridade, ai eu
aceitei a Jesus, no dia que eu aceitei Jesus com salvador eu disse
assim, senhor e agora, eu não sei ler como é que eu vou ler a tua
palavra, quando eu ouvia as pessoas falarem em fazer um O com o
copo eu achava que era um O especial, você vê a pessoa que não tem
uma informação.
É porque não conhece a coisa, sabe através dos outros...
Não tem um conhecimento, como é tão difícil para essa pessoa, é... é
terrível a pessoa que não sabe ler, a pessoa que não sabe escrever, eu
ficava... eu me sentia tão constrangido com isso, quando eu via meus
primos ter um bom estudo, uma boa escola, o carinho do seu pai, e
aquilo, eu dizia meu Deus me ajuda, e ai o que foi que aconteceu, eu
disse, senhor eu não sei lê, mas o senhor falou comigo, vai, compra a
Bíblia a minha palavra que você vai ler, ai eu disse, mas eu não sei
senhor, vai, ai eu fiz uma faxina no STIEP, eu fazia esses trabalhos
assim, ai o primeiro dinheiro que eu... eu ganhei, eu fui nos Dois
Leões, nesse dia, foi greve de ônibus, foi uma greve prolongada foi
numa data no mês de dezembro, eu sai de Pernambués até os Dois
Leões, andando, para assim comprar a minha Bíblia, e quando eu
cheguei na igreja universal, na livraria da igreja universal, eu comprei
aquela Bíblia tão bonita assim deste tamanho assim...
Você ainda tem?
Não. Já tenho a minha agora, já é maior, é a que vem assim Senhor,
essa é a tua palavra, fui andando, mas na ida Deus providenciou o
carro para mim, cheguei em casa tão alegre, feliz e disse assim: Senhor, aqui está a tua palavra eu não sei ler, ai o senhor falou comigo
assim: “Abra, porque tu vai ler antes do momento”, e quando eu abri
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a palavra de Deus eu não sabia lê, no momento que eu peguei a
palavra que eu abri, Deus ele falava comigo, assim: Nas suas escrituras, eu sou o senhor teu Deus que te tirei da terra do Egito e da casa
da servidão não terás outro Deus diante de mim e nem farás para te
a imagens e esculturas nenhuma semelhança do que há no céu, e
nem parte da terra e nem nas águas sobre a terra. Ai eu fiquei admirado, porque assim, Deus ele cumpriu o plano dele na minha vida, e
tem cumprido, porque foi dai que olhos ficaram todo aberto, e eu
pude vê que verdadeiramente Deus, ele tem algo na minha vida.
Sua esposa também segue a religião?
A minha esposa também, e através da palavra de Deus, Jesus, ele tem
libertado pessoas, através da minha pessoa, porque não que eu seja
melhor do que os demais irmãos não, é porque cada um, Deus, ele
tem um chamado na vida.
Tem a missão, não é?
É. Deus ele tem uma chamada sobre toda a raça humana, aqueles
que se volta para Deus, Deus assim se volta para eles, mas aqueles que
rejeitam, diz assim, Ah, eu não desejo mal ao meu próximo eu faço o
bem, eu faço caridade, eu sou um bom filho, eu sou um bom pai, e
rejeita os preceitos o cumprimento da palavra, então essas, em si
mesmo se justifica, ai Deus não pode assim justificar, porque eles já
deram o passo que era de Deus, e eles deram na frente, então a
palavra nos ensina que nós temos que ouvir, assim como as duas
jovens estão me ouvindo, não é? temos que ouvir, no momento que
nós estamos...
Sua palavra é muito bonita, estou gostando de ouvir você.
Não vem de mim não, vem de Deus.
Você fala de uma maneira muito... muito boa.
É isso mesmo, porque não vem da minha pessoa, vem do próprio
Deus, então no momento que a pessoa ouve, rios... rios de águas
vivas, fluem no seu bem, essa palavra aqui é uma palavra mais penetrante que uma espada de dois quilos, ela decidi (inint.) é ela que
mostra onde está o erro do homem, o erro da nossa sociedade, que é
um erro muito grave, nós podemos ver por esses dias que estamos
passando, os dias atuais, na virada do século vinte e um, não é? vem
do século vinte, na virada do século vinte e um, onde qual a nossa
infração está um negócio sério, a crise está tomando todo rumo e nós
temos certeza porque é que isso está acontecendo, e eu não vou assim
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me escandalizar e nem vou me lamentar eu sei porque, eu sei porque
isso, é porque isso é cumprimento da palavra de Deus.
Você acha que as pessoas estão desobedientes?
As pessoas têm dado crédito mais a criatura do que o próprio criador,
e os homens tem desprezado o seu criador, os homens tem amado
mais o mundo e sua concupiscência do que as coisas que Deus fez.
Mais as coisas materiais, até, não é?
Exatamente, as coisas materiais.
Você acompanha noticiários?
Acompanho. Que eu vejo que vocês podem ver que o nosso país, o
Brasil é um país abençoado por Deus, é um país muito rico, onde
qual os nossos lideres não sabem explorar a riqueza que tem, por
exemplo, eles exploram a riqueza na vida do... do operário.
Como?
Dessa seguinte maneira, o salário mínimo é um salário qual ele dá na
mesma maneira que ele dá esse salário, não dá para uma família, por
exemplo, o nosso salário mínimo e um dos salários defasado que
existe, então o que acontece, será que uma pessoa que tem, por exemplo, quatro, ou cinco filhos, só o pai de família trabalha vai ter condições de dar educação a esses filhos?
Com esse salário.
Com esse salário?
Nunca.
Não tem condições, então com tudo isso sofre a população, mas
voltando ao outro lado, nós vemos que quando há qualquer festa no
estado, na nossa cidade, tanto faz as pessoas de altas condições financeiras, quanto as pessoas de condições financeiras não elevadas que
faz presente, por exemplo, o estádio de futebol super lotado.
Muito gasto, não é?
Muito gasto, o carnaval é outro gasto, onde qual toda a população,
toda a humanidade se volta para aquilo ali, praticamente a granja
mais a renda do governo, não é? eles tiram para ornamentar a cidade
e ao mesmo tempo ele lucra através daquelas pessoas que vai participar dessa festa, e tudo que assim que nós compramos nós pagamos
impostos.
Essas são essas festas que garantem a eleição.
Exatamente.
E você é muito consciente, analisa bem as coisas.
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Nós podemos ver que na Bíblia nos fala de um certo homem, por
nome Zaqueu. Zaqueu ele era rico, ele era chefe dos publicanos, e ele
cobrava imposto que nem o nosso governo, e ele cobrava...
Fernando Henrique hoje seria o Zaqueu?
Está no lugar do Zaqueu. Está todos eles, está no lugar do Zaqueu,
por exemplo, o Zaqueu ele cobrava além de que era para ser cobrado,
mas aqui eu ainda fui bem mais aventurado do que o nosso presidente Fernando, creio eu que ele ainda vai receber essa dádiva de Deus.
O que foi que Zaqueu fez, Zaqueu ele sabia que Jesus ele ia passar em
determinado lugar, e ele, a Bíblia diz que ele era de pequena estatura,
ele viu o pé de figueira muito grande, ele subiu para ver quem era
Jesus, e quando ele está de cima olhando para ver se via Jesus, porque
vinha a grande multidão, e naquela época um discípulo um parecia
com o outro, a fala era idêntica, porque eles eram hebreus, era povo
de Israel, e ele procurando Jesus de cima, e Jesus debaixo da figueira
olhou para ele e disse bem assim: Zaqueu, desce-me depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa, o que é que nós vamos ver,
quando Zaqueu viu Jesus, Zaqueu imediatamente ele desceu depressa e recebeu Jesus com alegria, naquele momento, que Zaqueu ele
recebeu Jesus ele disse assim: Senhor Jesus tudo quanto eu tenho
tirado dessa povo, eu vou dá quatro vezes mais, Zaqueu quando ele
teve o encontro com Jesus, ele se arrependeu, de tudo quanto ele
tinha feito, dos impostos que ele havia cobrado além da conta e deu
ao povo, mas aquelas pessoas das altas sociedades que conhecia Zaqueu
e sabia que Zaqueu arrochava os pequenos, em cobrar o imposto, ele
quando viu isso, disse bem assim: Olha quem entra para ser hóspede
de um homem ladrão. Ele já estava condenando Jesus.
Avaliando, avaliando Jesus.
É. Porque Jesus estava se aliando com Zaqueu, mas eles não sabia que
Zaqueu havia se arrependido e deixado tudo aquilo quanto ele fazia,
ai o que é que nós vamos ver que quando uma pessoa larga de cometer o erro tem pessoa que comete o erro conjunto, mas aquela pessoa
que se saiu do erro ficou a outra, já não olha aquela pessoa de maneira
adequada, por exemplo, eu ... eu não sou a favor do crente querer está
envolvido em política, eu não sou a favor, porque o erro está lá em
cima as cosias erradas estão lá, eles estão participando, ele está vendo
o erro, mas não fala, eles omitem ele cala, onde desde quando a
palavra de Deus, diz que aquele que cala consente.
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Mas se o ciente calar ver os erros dos políticos e se eles não se envolver
com isso para brigar será que ele também não está consentido?
Se ele ver o erro, que aqueles homens estão cometendo e ele combater
aquele erro, aí ele está fazendo a vontade de Deus.
Mas isso também é fazer política.
Hum!
Mais isso também é fazer política.
Mas ai nós vamos ver a diferença, que ele está lutando pela verdade,
não pela mentira.
Você falou deles se envolverem com a política, mas para o lado negativo, não é?
Exatamente.
Ser político.
Por exemplo, o presidente Collor ele cometeu aquelas infrações, não
cometeu? Os irmãos que são do partido de Collor no impeachment
eles votaram contra ou a favor?
A favor de Collor.
Está certo?
De modo algum.
Por isso que eu vejo, eu vejo por esse lado.
Não lutaram pela verdade.
Não lutou pela verdade, então eu acho que acordo que não. Quem
regia a nação era o povo de Deus, mas eles perderam. Vocês podem...
podem observar que na Bíblia nos fala do rei Davi, do rei Salomão,
outros reis que obedeciam a palavra de Deus, o reinado deles eram
abençoado, por exemplo, Nabucodonosor, ele foi rei, mas ele não fez
como era de acordo a vontade de Deus. Deus fez Nabucodonosor
andar no pasto como animal, ser molhado pelo orvalho, porque a
(inint.) no seu coração e maltratava muito os povos.
(inint.).
É. rei sab..., Nabucodonosor era o rei de Roma, e nós podemos
observar que ainda hoje, nos dias atuais qual nós vivemos, praticamente ocorre a mesma cosia. José foi governador do Egito, obedeceu
a palavra de Deus, quando o Egito passou por sete anos de fartura
Deus já havia revelado a José que sete anos haveria de ter bastante
alimento e sete anos haveria de fome, então José foi adejado pelo
governador, pelo por faraó para se tomar conta daquele governo, então tudo quanto José fez foi reto e certo aos olhos de Deus e ali Deus
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abençoou, chegou ao ponto dos seus irmãos que vendeu José como
escravo ao Egito, sair lá de onde eles moravam para ir comprar comida no Egito, e chegando lá no Egito José viu os seus irmãos e os seus
irmãos não reconheceram José eles (inint.) e dito ao seu pai que uma
besta havia matado José, eles mataram por (inint.) pegaram a túnica
de José mancharam de sangue e levaram para seu pai, quer dizer eles
(inint.) ai quando eles foram buscar comida lá no Egito, José reconheceu seus irmãos, e o que José fez, perdoou os seus irmãos, ele
perdoou os seus irmãos , chorou no ombro de seus irmãos, e seus
irmãos também choraram sobre os seus ombros, porque eles diziam
assim: Meu irmão nós quando vemos descobrir que gostávamos de
você foi tarde e ali ele chorou porque se reencontrou com a sua família, e ali Deus abençoou, então...
Como você perdoou seu pai, com você falou.
Exatamente. Eu perdoei ele...
Você ainda encontra com ele?
Encontro, ele conversa comigo, eu converso com ele, mas é como eu
disse a senhora, a dor passa, mas deixa a cicatriz eu lembro.
A marca, não é?
Eu lembro por causa da minha querida mãe, era assim do formato do
rosto da senhora.
O rosto dele parece com o de minha família.
Assim mesmo. Então eu perdoei, no momento que minha mãe faleceu eu... eu disse que antes fosse meu pai, eu não nego, não vou
esconder, eu disse porque foi quem me amou, foi quem me deu
carinho, foi a minha mãe.
Você vai retribuir tudo isso com seu filho.
Vou, com meu filho eu tenho que dá bastante amor a ele.
Ele vai gostar muito de você.
É eu dou uns tapinha nele.
De amor.
Quem ama corrige.
Exato.
Deus diz assim: Que ele corrige a quem ele ama, então quando nós
vemos nossos filhos cometerem uns erros então nós temos que corrige, e quando bater na criança, dizer a ele porque é que ele está apanhando. Oh, meu filho painho está lhe batendo porque você fez isso,
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isso, e isso e isso, painho lhe avisou você fez, para que a criança venha
saber porque que é que ele está apanhando, pelo erro que ele fez para
que ele não venha esquecer, e tornar a fazer a mesma coisa.
Isso é muito importante, não é. ..., nós já ultrapassamos o horário
estou com medo da fita acabar.
Já?
Já. Então a gente vai agradecer a você.
Eu agradeço por você...
Foi ótimo.
E eu gostaria de simplesmente de fazer uma oração para que assim
Deus abençoe mais e mais o trabalho de vocês e que pessoas estejam
disponíveis a ajudar nesse trabalho que eu sei que é um trabalho
assim espinhoso, um trabalho difícil o qual vocês deixa família para
se fazer esse trabalho e é um trabalho no qual vão ter a recompensa.
Está bom. Obrigada.
Posso orar por vocês?
Pode.
Então vou me colocar de pé, porque é de pé que nós devemos orar.
Nós também?
É. Fechem vosso olhos. Senhor, nosso Deus e nosso pai, pai do nosso,
Senhor do salvador Jesus Cristo, Deus mediante a tua palavra senhor,
me encontro senhor diante de ti ó, Deus, juntamente com essas duas
jovens senhoras, Deus, abençoa as suas vidas, senhor, abençoa as suas
famílias, Deus, onde quer que elas vá, senhor, guia, senhor, sobre o
teu caminho guarda senhor, livra sobre os acidentes de carros, guarda
suas famílias senhor que elas deixaram em casa, Deus, para assim
fazer esse trabalho senhor, Deus, em nome de Jesus Cristo Senhor,
aonde quer que elas vá, senhor, leva, senhor, debaixo de tuas mãos
potente, Deus, abençoa o seu trabalho, senhor, que elas tenham vitória, ó Deus, e que venha ser reconhecida senhor pelo seu trabalho,
meu pai, em nome de Jesus Cristo, senhor, eu te peço que o senhor
abençoe elas a Deus livra de todo mal e assim senhor se revela para
elas através de tua palavra, Oh Deus, mostrando que só tu és o senhor que só o senhor, ó Deus, pode solucionar ao senhor todos os
problemas, deus tu disseste na tua palavra que bendita é a nação cujo
o Deus é o senhor, deus todas essa bênçãos, senhor, nós te pedimos e
te agradecemos, desde agora e para todo sempre no nome de Jesus
Amém. Que Deus os abençoe.
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INQ 19 – MULHER –29 ANOS – ESCOLARIDADE: FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: CONSTÂNCIA SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 06/10/1998
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... de Salvador...
Tem quantos anos?
Tenho vinte e sete anos.
Está bem D..., como eu conversei com você, nossa conversa vai ser
a respeito da, um pouco de sua vida .. onde você morou, sua
família. Então eu gostaria de começar perguntando a você se você,
eh ... se você lembra alguma coisa da sua infância.
Lembro ... lembro quando a gente morava lá em Simões Filho e ...
a gente saiu, saiu mesmo, saia sempre com minha mãe pra me
vender milho ali no Aquidabã, e ... e a infância não foi uma infância tão feliz como certas crianças passou, né, porque meu pai foi
embora então a gente teve que começar a trabalhar de pequeno
pra poder sobreviver. Os mais velho trabalhava e os menor ficava
em casa, e eu trabalhava com minha mãe, minha mãe trabalhava
ali no Pelourinho, eu ia comprar o carvão, ela trabalhava no
Aquidabã, e eu ia comprar carvão lá no Pelourinho, então minha
vida foi sempre ajudando ela, ela botava uma guia de milho de
um lado e me botava de outro pra aprender, botava uma de laranja eu ficava na outra guia... olhando ...
Isso você tinha que idade na época? (superp)
Isso aí na época já tinha na base de uns ... treze, de uns doze pra
treze anos já. Isso foi até eu fazer os ... os dezenove anos pra vinte,
até com dezenove anos eu vendia...
E se distraía ou era muito cansativo?
Não, era, pra mim era tudo uma diversão como é até hoje, pra
mim...
Encarava bem.
Eu encarava, até hoje falou em trabalho ... não acho que é cansativo não. Eu gostava, porque a gente vendendo na rua, a gente via
muita gente passando, gente bonita, gente, via muito pro dia das
crianças passava aquele pessoal no carro dando brinquedo a gente,
quando às vezes era menor. Mas quando a gente era maior a gente
via, a gente via, depois quando era carnaval a gente via tudo porque ela não deixava a gente sair ... a gente via na rua... (superp)
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Você via quando saía pra trabalhar.(superp)
Quando eu ia trabalhar eu via tudo, era bom, eu gostava. Até hoje
eu me vejo num aperto assim eu quero, eu pinto logo uma guia,
botar uma guia de alguma coisa...
Uma guia é a compra de algum material?
Uma guia é assim, eu botar como agora mesmo que teve as eleição
eu queria botar picolé ou água mineral. Isso é uma guia, entendeu? Pra vender...
E você trabalhou nessas eleições?
Não, nessas eleições eu não trabalhei, porque... (inint)... e eu tinha que pagar a todo mundo, que eu queria botar aquele picolé
grosso, Itu, já ouviu falar? Itu um picolé grosso que saiu agora?
Não, não.
Oxe, está tendo uma saída danada, é trinta centavos ele, mas só
que eu pude botar porque o dinheiro que peguei aqui eu paguei
ao povo... (superp)
Aí precisaria de isopor...(superp)
De isopor, entendeu, eu tinha que pegar aqui em Salvador pra lá
pra Simões Filho, que eu moro lá. Aí não deu jeito.
E irmãos, você tem quantos?
Irmãos, eu tenho dois irmão homem e sete mulher.
Dois homens...
E sete mulher.
Muita gente, né?
Muita gente, né?
São próximos da idade sua?
São, uma tem, a mais velha tem vinte e nove, eu tenho vinte e
sete, a outra tem vinte e dois, meu outro irmão tem vinte e quatro
anos, a caçula tem ... tem dezesseis anos, e a encostada caçula tem
vinte anos e outra tem ... acho que é vinte e dois, vinte e três...
Muita gente deu muito trabalho...
Muito trabalho ...
Como era, como era a convivência de vocês em de casa? Brigavam
muito pequenos?
Não, a gente pequeno a gente brigava, né, sabe como que é, um
bocado de irmão junto, a gente brigava, principalmente com a
minha irmã mais velha, ela brigava, a gente brigava muito...
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Você brigava mais com a mais velha?
Brigava mais, porque a mais velha eu era encostada na mais velha
entendeu? Então a mais velha, tudo dela era bater, tudo dela era
bater, minha mãe como tava internada, a gente saía pra vender
milho, pra poder ajudar os outros menores, né, que ficava dentro
de casa, então ela ficou até um certo tempo assim, nós duas vendendo milho mas quando chegava ... ela queria que depois ...
Uma vez mesmo, minha mãe estava internada, então minha mãe
foi com um lenço, né, esse dia mesmo eu não me esqueço, minha
mãe foi com esse lenço ... no dia que ela ficou internada lá no
Santa Mônica, já ouviu falar?
Já, já.
Então, mas só que ela ia vender milho de manhã e ela queria
justamente esse lenço. “Senhorita o lenço (inint) na cabeça”, “O
lenço está aí, mana, procure, que está aí”. Eu procurei tudo, mas
sabendo que não estava lá...
(inint) Pode?
Estava vendo que esse lenço não estava lá entendeu, e ela queria.
Ela disse: “Olhe - me xingou, né - se você não achar esse lenço eu
vou lhe quebrar toda, que o lenço está aí e você quer procurar”. Aí
eu fui procurar e não achei. Ela pegou, me deu um bocado de
porrada ... aí me deu uma dentada...
Forte?
Batia, coisa nenhuma, a gente tirava, batia forte, tem uma dentada aqui que ela me deu... Olhe, oh...
Ainda tem uma marquinha...
Uma marquinha aqui, uma rodinha, foi uma dentada que ela deu,
então quando ela estava em cima de mim me batendo e eu ficava
nervosa...
Precisou de ponto?
Não, ficou, cicatrizou, que mordida não precisa assim não. Mas
só que eu vi que eu estava certa, e eu sempre apanhava dela, mas,
nesse dia, eu me revoltei tanto quando eu vi ela ... quando mordeu aqui e via aquele dente rangindo aqui dentro do nervo, eu aí
fui por cima dela e mordi o rosto dela e fiquei toda nervosa, bati
também e depois desse dia nunca mais ela me bateu. Quando
minha mãe chegou, dia de sábado, minha mãe chegava dopada
né, porque por causa dos remédio que toma lá, minha mãe vinha
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parecendo que até que ... (inint) ..., aí ela viu o lenço na cabeça de
minha mãe. Eu disse: “Você está vendo aí? naquele dia você me
bateu em vão”. E ela “Pôxa, eu não sabia não, pra mim C ..., que
ela chama minha mãe de C ... né, pra mim C ... não tinha ido na
cabeça com o lenço.” “Mas eu lhe avisei, entendeu” E desse dia
pra cá ela nunca mais me bateu não.
E vocês brigaram assim ... pequenos, eram castigados alguma vez?
Não, minha mãe nunca castigou a gente não, nunca castigou a
gente não, porque ... minha mãe ela batia, mas ela, mas ela prendia a gente aqui na, na, na perna, a cabeça da gente e ela batia,
mordia, porque ela tinha um problema e então ela não podia ser
contrariada, entendeu, e a gente pequeno tudo era com ela, a
gente pequeno, a gente não, não queria saber ... entendeu?
Quantos filhos eram mesmo?
Era sete, duas mulheres, é ... dois homens e sete mulheres.
E sete mulheres...
E também minha infância foi uma infância muito, muito ruim,
não com minha mãe, porque com minha mãe ela já pegou a gente
pra criar, eu mesmo já estava na faixa de uns doze anos quando eu
fui morar com minha mãe. Já estava bem entendida...
Você morava com quem antes?
Morava com minha tia, minha tia E... que quando minha mãe ela
foi ... ela começou a trabalhar ali na Fundação do Patrimônio, ali
no Pelourinho, não sei se a senhora conhece... Hoje em dia, acho
que não tem mais não, mas ela trabalhou ali numa firma logo na
subida da ladeira do Pelô, tinha uma firma ali Fundação do
Patrimônio. Ela trabalhou muitos anos ali. Então, trabalhando
ali, pra construir aqueles, aqueles prédios todos, era um negócio
de andaime, era um cabo de aço no assim meio então tinha que
levar lá em cima pra poder entregar, entregar material de construção lá em cima, entregar brita, balde de brita, de concreto pronto
lá em cima aos pedreiros, e as mulheres naquele tempo ajudava,
né? As mulheres tudo trabalhava ... (inint) .... ficava ajudando,
minha mãe era ajudante de servente, então...
Era um trabalho pesado, né?
Era um trabalho pesado, eu me lembro que ela chegava em casa
com as mãos assim cheias de calo de sangue assim ... ela tirava
com a gilete, meu pai já tinha ido embora, porque meu pai co167
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nheceu uma mulher chamada H ... e daí se relacionou com essa
mulher, depois disse que ia ver um trabalho, já estava com as
sacolas prontas, já tinha levado pra casa dessa fulana, de lá ele foi
embora com essa mulher hoje em dia ele mora em Minas com ela,
em Belo Horizonte...
Tem filhos?
Tem, os filhos dele é bonito, porque, eu digo porque teve uma
época que ele veio aí em Pernambués, eu ainda não tinha marido
não, entendeu, eu estava na base de uns dezenove anos já, então
ele pegou não sei se ele... (superp)
Ah, então ele viu vocês já depois de grandes... (superp)
Já viu já depois de grande, viu meu irmão, meu irmão ainda correu, meu irmão já estava na base de uns, meu irmão mais velho já
estava na base de uns quinze anos não quis saber dele, “Meu pai
não é meu pai não”. Meu outro irmão queria, mas o mais velho
não queria saber, que ele...
Revoltado ...(superp)
Revoltado, meu irmão não saiu de dentro de casa pra não ver ele.
Mas nós vimos, nós ficou chorando, eu mesmo, quando ele foi
embora eu fiquei chorando, ele disse que ia voltar, e que ia botar
um dinheirinho na caderneta pra gente, mas eu acho que ele se
revoltou porque ele viu que nós tudo já estava como sem pai,
minha mãe rasgou o registro de todo mundo, botou tudo como
sem pai. E a idade da gente ela botou tudo de cabeça, e meu
nome mudou, mudou o nome de meus irmãos, de minhas irmã,
mudou o nome de todo mundo, e meu nome ...
Seu nome era como?
O meu era R ...
Foi Deus que não era nome feio também.
Por isso que todo mundo me chama de M ..., se não vê M ... pra
lá. Eu era R ... ela botou D ..., o outro era R ... ela tirou e botou
B... o, a mais velha era L ..., ela tirou e botou M ..., G ... que a
gente chama de G ... era R ..., ela tirou e botou R .... Só R ... que
ficou R ... mesmo...
Esse já foi depois que o seu pai saiu...
Não, foi R ... ficou R ... mesmo porque ... não sei foi que deu
nela, porque ela não achou outro nome, ficou R ... mesmo. Agora,
a caçula que tem, hoje em dia, já foi depois do pai, depois de uns
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anos aí, conheceu esse homem, aí tem aquela irmã minha caçula,
uma clarinha que é... (inint) ... até do aniversário...
Ah sim, (superp) É sua irmã por parte de mãe...
Por parte de mãe, é, e a outra é C ..., que tem ... (inint)...na
barriga, que tem um barrigão que minha tia cria, que minha tia
pegou a gente no orfanato, mas só que C ... ela pegou com três
dias de nascida, então C ...
Pequenininha...
Pequenininha, C ... ela cria até hoje, mas nós, a minha mãe depois
que melhorou tomou a gente.
Ficou com vocês, né?
É, ficou com a gente.
Bom, D ..., eu queria perguntar uma outra coisa a você. Você
falou que estudou até ... terminou o primário, tentou iniciar o
outro, né?
Terminei, foi...
Você se lembra assim da escola, alguma coisa?
Onde eu estudei?
Era um período ruim ou bom pra você?
Era um período bom, era uma escola boa ali na Avenida Sete, as
Mercês já ouviu falar?
Sim, as Mercês... Você estudou ali?
Estudava ali, estudei em outra escola em Simões Filho também,
mas as Mercês era uma escola muito boa, porque era de freira
muito tempo, né, mas eu me lembro que quando eu estava muito
bem, perto do ano mesmo, aí minha mãe deu um problema, uma
crise, então quando ela viu que ela ia ficar até, ia, ia piorar, ela pra
não fazer nada na gente, ela ficava olhando, chorava e ria, chorava
e ria dentro de casa. Mas aí a gente ficava tudo com medo, chorando em cima da cama, com medo dela fazer alguma coisa na
gente. Mas mesmo ela estando ruim ela sabia que não era capaz
de fazer alguma coisa com a gente, ela pegava os documentos
dela, se internava, ia sozinha se internar...
Ela se sentia...
Ela se sentia já que ela podia fazer alguma coisa com a gente, né,
ela pegava, “Olhe, eu não estou boa ...”, mesmo, ela chorando e
dando risada conversando com a gente, tinha hora que minha
irmã a mais...
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Ela tinha medo de machucar vocês, alguma coisa assim?
Ela tinha medo, é ela tinha medo. Aí ela pegava os documentos
dela, se tremendo, só a senhora vendo, aí ela ia se internar, pegava
o ônibus, saltava em lugar errado, se perdia, mas eu sei que ela
conseguia chegar lá, e aí ela se internava, quando a gente ia ver,
minha tia ia procurar ela e a gente ia procurar com minha tia,
...(inint) ... minha tia ia ver ela estava internada...
E tinha remédios, coisas assim que ela usava em casa?
Tinha.
Mesmo sem precisar ir pro hospital?
É, tinha remédio, quando ela vinha que ela melhorava ela tomava
Diazepan, aquele Aloperidol, eh uns outros miudinhos assim que
ela usava de, gente que tem problema mental, né, o mais que ela
usava mesmo que eu me lembro é o Diazepan e esse Aloperidol...
um remédio ...
Mas, hoje, eu vejo sua mãe e ela está com uma aparência ótima...
Porque minha mãe, minha mãe, ela, ela, eu não sei se ela foi vítima de macumbaria, eu não sei, porque quando ela morava, esse,
esse problema todo que ela tinha era lá em Simões Filho. Então,
minha tia é da coisa até hoje, e onde a gente morava, onde minha
mãe fez a casinha, minha tia que deu esse terreno a ela pra ela
fazer até ela melhorar, entendeu, melhorar de situação, mas chegou...
Você acha que pode ter tido alguma influência de sua tia?
É, eu, eu não acho diretamente, mas minha mãe acha, mas eu
acho que tinha alguma coisa aí, porque minha tia só vivia brigando...
Alguma coisa que você não sabe explicar...
É, alguma coisa aqui oh, alguma coisa que ela fazia pra minha
mãe, sei lá virar a cabeça pra ela sair de lá, porque ela brigava com
I ..., todo dia ela brigava: “Mulher, mulher, eu quero o que é meu,
você está em meu terreno, você fez a casa aí pra ... e não saiu,
mulher”. Minha mãe dizia: “Negona, eu não posso sair daqui
com os meus filhos porque eu não tenho pra onde ir”. Ela: “Então, se vire, dê seu jeito, entendeu, eu quero o terreno que é pra M
... fazer a casa dela, eu vou querer que derrube o que é seu e saia
daí...” Que a filha dela desceu com um cara lá e se perdeu, então
ela queria o terreno que ela deu a minha mãe...
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Pra menina morar lá...
Pra filha dela morar entendeu, e minha mãe não tinha pra onde
ir, mas ela queria de I ... desse um jeito, que alugasse uma casa,
porque ela viu que minha mãe começou a trabalhar no, no
Aquidabã. Então, pouco ou muito, toda a vida a gente tinha um
dinheirinho, então ela queria que alugasse um quarto, alguma
coisa e que saísse de lá. Aí foi que I ... não saiu, I... começou a
sentir umas dor, começou com esse problema de cabeça, I ... vivia
só internada, entendeu, I ... tinha uma dor tão grande, um negócio de gastrite.
Foi a partir daí que começou isso...
Foi a partir daí, uma dor tão grande, depois que I ... começou
com essa dor também depois que ela mandou uma comida pra
minha mãe. Ela começou com essas dores aqui, começou, começou, nessa época tinha um programa evangélico, mas que, hoje
em dia, tem na televisão esses programas evangélicos, mas antigamente era só no rádio, aí minha mãe pegou, botou aquele copo
com água de junto do rádio e com a dor que ela estava sentindo
que não tinha mais remédio pra ela tomar, ela tomou esse ... essa
água depois da oração...
A água...
Então depois dessa oração ela tomou essa água, mesmo que, mesmo que ela não era cristã nem nada, não era crente, mas ela não
tinha mais pra onde recorrer, que médico nenhum, ela tomou,
depois que ela tomou ela botou pra fora, vomitou aquilo, um
negócio verde parecendo uma folha, um negócio bem verdão, só a
senhora vendo ... Depois disso, acabou, aí...
Melhorou?
Melhorou, depois disso, ela não teve mais nada. Depois disso, ela
cismou que foi alguma coisa que minha tia deu a ela, porque
minha tia é da coisa mesmo...
A gente nunca sabe, né?
A gente nunca sabe, então depois desse dia melhorou depois ela
teve outra crise de loucura, depois ela pegou uma televisão grande
que ela tinha e trocou por um terreno com esse homem aí no
Pernambués.
Onde ela mora hoje...
Onde ela mora hoje e ficou um tempão lá de ... nego às vezes fazia
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de lixo aí , mas chegou um tempo que ela tomou a tenência de
fazer quarto sala e cozinha, hoje em dia ela fez. Depois que ela
saiu de lá, não teve mais internamento, não teve mais nenhum
problema de cabeça, não teve mais problema dessa dor que ela
sentia aqui... acabou tudo...
Então, ela estava certa na...
É, é isso, até hoje ela não abre a natureza pra minha tia, minha tia
operou agora, “Eh, eu operei e não veio ninguém me ver”, entendeu, mas eu digo aí...
E vocês foram? (superp)
Eu fui, porque eu moro lá perto dela, eu falo com ela, dou bênção
a ela, né? A gente foi criado, tem aquele ... aquele respeito, entendeu, porque nós os pequeno foi tudo criado por minha tia, então
foi uma infância de sofrimento, muito sofrimento. A gente acordava de manhã, isso com minha mãe internada, né? no hospital.
A gente acordava de manhã ela estava dormindo mais o esposo
dela, né? meu tio S ..., aí, mas só que lá não tinha água, nesse
tempo lá era de fonte, interior, hoje em dia tem água encanada. Aí
a gente acordava ela “Olhe, amanhã cedo todo mundo acordar
pra encher os tonel”, era cinco seis tonel. Aí a gente ia, a gente
acordava, eu sempre, meu irmão, o mais velho não gostava de
botar, numa ladeira, no sol quente, aquele barro vermelho, a gente tudo botando água. Os dela ficava dormindo, D ..., L ...
Vocês ganhavam alguma coisa pra botar água?
Não, a gente morava com ela.
Ah! Então era quase que uma...
Uma família, né? Era quase que uma família, mas nós é que sabia
o sufoco, o que a gente sofreu lá. Hoje o meu irmão mais velho
não quer conta também com essa tia minha, meu irmão mais
velho ele, ele quando vai na minha casa é muito difícil ele ir em
Simões Filho, em minha casa, mas ele não vai mais porque minha
tia mora lá. Então a gente ia lá ela dormindo, aí: “Tia, a gente já
vai botar água”, porque já tinha avisado de noite, né que era pra
gente de manhã cedo, a gente acordava umas sete e trinta, o sol
estava frio ainda, cada um pegava suas latas, suas rodilhas, a gente, a gente “Tia, a gente já vai, a gente vai tomar café com quê? Ela
estava deitada, né?
Colocava assim, em média, quantas latas? Você lembra?
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Não, em média eu não sei, mas a gente enchia, a gente enchia
cinco, seis tonéis, enchendo, marcando com a folhinha pra ver
onde ficava, né? o tonel, mas a briga da gente era que quando a
gente chegava as filhas dela lavando prato, fazendo comida e...
A água ia gastando...
Ia gastando, a gente ia enchendo e vendo o tonel esvaziando, enchendo e vendo esvaziando. Quando a gente ia falar, oxente a
gente apanhava, a gente tinha que calar a boca, a gente via, marcava quanto é ...que L... sempre pegava. Aí a gente acordava de
manhã e tomar café, né? Pra depois, a gente dizia: “Tia, a gente já
vai, vai tomar café o quê?” “Cada um bota uma pitadinha de sal
na boca e vai, depois que terminar de encher os tonel todo é que
toma café”
Sal?
É, sal, a gente ia lá na, na saleira que ela tinha penduradinho
assim, um negócio amarelinho, cada um botava uma pitada de sal
na boca ... ela dizia que eu acho que o sal levantava, não sei. Eu sei
que a gente ... que esse irmão mais velho meu dava tremedeira na
ladeira, esse irmão mais velho meu, ele não pode pegar num pau
porque ele treme mesmo que vara verde até hoje. Minha mãe...
O pau lembra a ele alguma coisa, ou?
Não, é porque ele tem problema, ele tem essa tremedeira desde
quando a gente, não sei se ele teve alguma coisa na infância dele,
que ele treme como que, ele hoje em dia tem...
Ele é mais velho que você?
Não, eu sou, eu sou mais velha do que ele.
Você fala o mais velho dos homens.
Dos homens, ele é o mais velho dos homens, mas eu sou mais
velha do que ele. Então, hoje em dia, ele é encanador, tem a profissão dele, entendeu, mas ele sofreu, ele eu acho que ele foi o que
mais sofreu, porque o que ela menos gostava era desse irmão, meu
irmão mais velho, que é bem escurinho. É, esse R ..., aí, você não
conhece J ...e não? Ele é marido de J ...
Eu não, não conheço não...
Aí, ele é ex-marido de J ... . J ... separou, casou e não levou nem
um mês, já separou, não deu certo não. Ela é novinha, ela tem
quinze e ele, acho que tá em torno de vinte, vinte e dois, vinte e
três anos, é mais novo do que eu. Aí, fez vinte e cinco agora...
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Então, a gente ia na saleira, cada um botava um bocadinho de sal
na boca, e a gente ia pra fonte. Quando a gente terminava umas
onze, onze e meia terminava é que a gente ia tomar café, aí a fome
já estava ... já tinha morrido no corpo, já era horário de almoçar,
depois que terminava de a gente ajudar a gente ia tomar banho...
E almoçavam direitinho?
Almoçava o quê, minha filha? Minha tia ... minha mãe, mesmo
com problema minha mãe mandava aquele dinheirinho pra ela
todo o mês entendeu? Minha mãe ficou na firma que ela trabalhava, ela ficou recebendo...
Ah, sua mãe praticamente dava um dinheiro ... (superp) pra manter
vocês...
Ela dava porque minha mãe (superp), eh, minha mãe ficou encostada, minha mãe trabalhava, ficou encostada nessa firma, hoje em
dia que ela é aposentada e trabalha em prédio, então ... ela, ele,
ele, ela pegava e dava esse dinheiro todo mês a ela. Mas a gente
não tinha alimentação direito, meio dia ela fazia aquela panelona
de feijão que era muita gente, os meus, os meus irmãos e os filhos
dela, mas quem mais trabalhava era a gente. Então ela fazia aquela
panelona, como ficava ralo ela batia um pouquinho de farinha de
guerra e um pouquinho de água e despejava no feijão pra ficar
grosso, aí ficava aquele feijão grosso. Aí a gente na hora de comer
a gente sentava tudo no chão, comia, ela “Quer mais?” A gente:
“Quer!” Aí ela botava pouco e a gente aí botava farinha... (superp)
e acabava secava ...
Botava farinha...
a gente botava um bocado de farinha pra ficar seco e a gente mandar botar um caldinho...
Botar mais caldo pra aumentar...
Quando botava mais caldo a gente botava mais farinha a comida
rendia... (risos)
Esperta, viu?
A gente, a gente era assim, ... (inint) ...o prato de farinha, ela aí
botava mais, tia, você bota um pouco de caldinho aqui? Aí ela
botava mais uma concha de caldo a gente botava mais farinha que
era pra poder encher a barriga porque era uma fome danada. Então a gente ficou assim. Quando minha mãe chegava nos fins de
semana, assim, que minha mãe tinha ... eles ... como é? Alta, né?
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de fim de semana, a gente, o que a gente passava lá a gente não
podia contar nada a minha mãe, porque se a gente contasse alguma coisa a gente tomava, a gente apanhava com aquela, aquela
escova de passar sapato, escova de sapato que dá...
Escova que dá brilho.
Que dá brilho, a gente apanhava com aquilo, era doze bolos, ou
vinte quatro bolos se a gente abrisse a boca pra dizer o que a gente
passava lá. Meu primo já me buliu, meu primo mais moço, o
filho dela, eu falava com ela, ela dizia que era mentira minha,
minha irmã, minha irmã mais velha, minha irmã mais velha sofreu muito, também, minha mãe mandava dinheiro pra comprar
roupa pra minha irmã mais velha ela pegava aquele dinheiro e
comprava roupa pras filhas dela e as roupas das filha dela que era
melhorzinha era que minha irmã passava assim o Natal, quando
era assim época de festa, e o dinheiro que minha mãe mandava
pra comprar roupa pra gente ... ela comprava pros filho dela, entendeu? Então foi uma vida, (superp) foi uma infância...
Não foi muito boa...(superp)
Não foi muito boa...
Mas agora então vamos tentar lembrar de uma coisa mais alegre,
né? Vamos sair dessa parte mais triste...
Mas o que eu, eu penso assim, tudo o que a gente passou quando
a gente era menor, eu acho que, pra mim foi como fosse uma
experiência, entendeu...
Pra dar mais força agora...
Dar mais força hoje, pra a gente saber o valor de a gente ter um
trabalho, o valor de a gente ter uma mãe que viva com a gente
hoje em dia, entendeu? Porque, apesar, tem mãe que cria o filho
com pai, e filho dentro de casa, e o filho é um maconheiro, é um
ladrão, eu acho que a gente apesar de tudo, a gente, ninguém deu
pra ruim, todo mundo trabalha, todo mundo, ninguém deu pra
ruim apesar de ter... (inint)
Hoje você tem um filho, né, D ...?
Tenho um filho, é...
E você pensa, assim, educar ele como?
Olhe, justamente porque eu não quis muito filho pra eu querer
dar a ele uma coisa que eu não tive, entendeu, porque minha mãe,
apesar de ter muitos filhos, apesar também dela ser, ter o proble175
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ma dela, justamente por isso eu acho que ela não pôde dar uma
criação melhor a gente...
Dar muita assistência a vocês...
Assistência, então de mãe eu não tive muita assistência pequena,
nem de pai, mas, hoje em dia, eu tive um filho, só que eu penso,
e em dar um bom estudo a ele, e dia das crianças aí, quer dizer
que é um brinquedo eu tenho condição de dar, como eu não tinha, eu, eu (inint) queria, as crianças tinham a gente não tinha.
Como agora o dia das crianças vem, eu estou apertada mesmo,
mas o brinquedinho dele já está lá na, na... (inint)
Já comprou?
Já, já comprei, fui lá na Le Bisquit ontem e comprei um
caminhãozão pra ele, está lá guardado, viu., dar um bom estudo,
não ... não ... não fazer como eu, eu sofri apanhando. Eu, hoje em
dia, mesmo, ele está com seis anos mas eu acho melhor assim, se
ele fizer errado conversar que é da criança que se faz o homem, não
é?
Você consegue conversar com calma com ele?
Converso, converso com ele, quando fizer uma coisa errada, “Olhe,
mamãe, isso aqui está errado, não faça mais isso, de outra vez que
você fizer mamãe vai bater, entendeu?” Ontem mesmo eu falei,
ele não queria, ele queria ... eu fui trabalhar na casa de uma mulher, ele não queria ... ir não, ele não queria ficar com L ... não
minha irmã, ele queria ficar era comigo, conversei com ele aqui,
eu digo “Ô, I ... você não prometeu a mamãe lá em Simões Filho
que você ia ficar na casa de vovó?” Ele: “Ah, mas agora eu quero
ficar com a senhora ...”, eu digo, “Não, vá com L ...”, chegar lá,
porque minha mãe tem vídeo né, o vídeo está velho, hoje em dia
graças a Deus depois que minha mãe ficou boa, minha mãe nunca
deixou faltar mais nada, nem comida, nem móvel dentro de casa,
minha mãe deixou tudo direitinho...(inint)... Nego olha assim
pra ela não dá nada, mas ali, aí entendeu, “Você não disse que ia
com L ...? entendeu, ficar na casa de vovó?”
L ... é quem?
L ... é minha irmã, a caçula, a menor, com dezesseis anos... Foi pra
casa ontem. “Você não disse que ia ficar com L ... lá em casa pra
mamãe trabalhar na casa da moça? , ele “Ah mas eu quero ir com
a senhora ...”, eu digo “Vá com L ... que daqui a pouco eu ligo pra
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falar com você.” Que, quando o telefone toca, ele voa em cima do
telefone, porque eu não tenho, né? Aí ...
Já pensando ou então pensando que é você ou ... ?
Não, mesmo que não seja eu, como ontem mesmo o pai dele
ligou, oxe, quando avó dele foi ele já pegou, alô, aí ... E minha
mãe: “Mas menino, que menino, espera chamar duas vezes viu”,
aí, eu sei que ele foi, agora eu sou assim, eu converso com ele
explico, se ele fazer uma coisa, se ele desobedecer eu bato, mas
não é bater como eu já apanhei não, pelas costas, pela cabeça. ...
Bater de qualquer jeito, como tortura não...
Não, como tortura não, é um cipó, ou um cinto, ou uma sandália
pelas pernas ou pelos braços, eu digo logo “Não bata de... ah
minha mãe ... se ele desobedecer ô Z... você bata, mas não bata na
cabeça do meu filho nem nas costas... né?
Então você procura pelo menos assim perna, né...
Perna ou braço, entendeu, que se você bate na cabeça dá um problema, bate nas costas dá um postema aí, amanhã ou depois é que
eu vou sofrer com ele, né ... mas meu menino (inint) apanhando
não...(inint). Então L ... me falou que ele obedeceu, entendeu,
apesar de tudo ele obedeceu ontem, foi, “Como foi, L ...?” “Ficou
quietinho, cheguei aqui dei banho, liguei a televisão, ficou quieto, meio dia dei o almoço dele... ficou quieto ...”
É porque ele fica sem ... criança pra brincar, né?
É porque ele não tem outro irmão pra brincar. Aqui, porque lá ele
tem um bocado de primo tudo pequenininho, tudo pequenininho.
Ah, quando ele fica lá na casa de sua irmã...
Não, quando ele está na casa de minha mãe como ele aí está hoje...
Ah, tem companheiros ...
Ele não tem, porque minha mãe ... a gente tá tudo grande, né?
Todo mundo grande já, o primo dele, que minha irmã tem um
filho também, mora lá no, no Tororó com o marido dela, ela e o
marido e o filho, aqui não tem ninguém, mas, lá em Simões Filho,
onde ele mora comigo tem os primos dele, os filhos da, da, da, das
minhas cunhadas que ele brinca à vontade, de manhã ele está na
banca, de tarde está no colégio...
Ah, ele estuda já?
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Ele estuda, eu botei ele na banca de manhã, e de tarde ele estuda
num colégio lá, um colégio bom mesmo que é colégio...
E precisa de banca?
Está na banca, está na banca que é pra poder melhorar as letrinhas
... Eu disse a professora que não ... da banca que não puxe muito,
né? Porque ele tem seis anos, né, e a professora do colégio dele
também falou que ele já está melhorando as letras, o nome dele já
sabe fazer todo...
Ah que bom você fica contente...
Eu fico alegre, né?
Você estuda com ele alguma coisa?
Eu ensino ele, não ensino muita coisa não porque agora ele está na
banca entendeu, mas antes deu botar na banca quem ensinava ele
era eu o dever que a professora passava.
Então o fato de você ter colocado na banca é mais porque você não
tem tempo de dar assistência...
Não tenho tempo, é, não tenho tempo pra ensinar porque quando eu chego agora que eu estou na casa dessa moça eu chego de
noite, aí, às vezes, eu chego cansada, aí tem casa pra arrumar, tem
prato pra lavar, tem comida também pra fazer, tem que deixar
comida pro outro dia, tem que ajeitar a farda dele pra ele ir pro
colégio no outro dia, tudo isso, aí...
Você vem aqui no prédio...
Eu venho...
Todas as manhãs...
Todo o dia de manhã. Às vezes, eu chego... (superp)
Nessa outra casa... (superp)
Às vezes, eu chego aqui até tarde, mas eu venho, quando eu chego, quando, quando eu não posso vim eu ligo pra I ... aí ela vem,
varre, só não faz lavar, porque ... (inint)... não deixo não...
É mais cansativo...
É mais puxado pra ela, entendeu, não faz isso não, e...
Eu perguntei sobre escola foi pra ver se você lembrava assim de
alguma coisa assim, porque geralmente escola às vezes é um momento de diversão pras crianças, né?
A escola...
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Você não se lembrava assim muita coisa nem, nem, se lembra
assim de sua professora, primeira professora, alguém que lhe marcou?
A primeira professora? A professora que, não sei o nome dela todo...
Não lembra mais o nome?
Não, mas eu sei que a professora era professora E ..., professora E
..., era uma morena, ela gostava muito de mim, entendeu, porque
... sei lá...
E a sala? Com os outros colegas seus era, ela tratava bem as pessoas?
Ela tratava, ela tratava...
Paciência pra ensinar?
Ela tinha paciência com a gente, brincava com a gente ... a professora, agora eu só não, não, não passei de ano com essa professora
também, não passei de ano porque eu ficava mais, eu já ia mais,
eu como eu passava tanta fome com minha tia que eu já ia mais no
intuito da merenda, já ficava mais (inint) pra hora da merenda...
Até hoje a escola ainda é boa nessa parte da merenda...
Da merenda, eu já ficava, menina, na hora do recreio brincava...
Que merenda serviam por lá?
Olhe, nessa época que eu estudava lá era uma merenda boa, era
um mingauzinho rosa, cheirosinho...
Morango?
Hein, de morango, era pão com queijo nessa época, era aquela
bolacha seca com suco, era bom, era sopa, tinha dia que era sopa,
eu sempre...
Sopa em que horário?
Era assim, na hora do recreio que dava a merenda...
De manhã ou de tarde?
Não, de manhã, eu estudava de manhã, eu estudava de manhã,
depois minha tia me botou numa banca com uma parente, uma
colega dela também da banca, só que não era professora, não, não
aprendi nada, nada nessa banca, porque minha tia dizia, olhe, se
errar, porrada, e nessa banca a professora da gente, o nome dela
era L ..., é L ..., ela tinha uma varinha que ela batia na gente com
a varinha, tanto que, se errasse, ela batia. E no meu irmão mais
velho era em quem ela mais batia era no meu irmão mais velho,
meu irmão já tremia. “Faça o nome, R ..., escreva aqui o seu nome
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...”, aí com a varinha na mão, meu irmão escrevendo com um
medo danado, pensava que não, ela dava uma varada nas costas do
menino, eu ficava chorando, esse era menor, eu ficava chorando,
entendeu.?
Você ficava assustada...
A gente já ficava assustada ... quando ... até hoje, eu olho pra cara
dessa mulher, eu não gosto dessa criatura...
Mas você ainda encontra com ela?
Encontro, porque era meu irmão, minha família veio pra Simões
Filho, né, mas lá me Simões Filho da minha família mesmo de
minha mãe aqui, sem ter a minha tia, só ficou eu lá, porque depois que eu vim embora pra, que eu fiquei moça, pra trabalhar, eu
dava um dinheirinho por mês a minha mãe, porque ela tirava
meus sapatos, minhas roupas que eu não queria, ela ia lá e tirava,
mas quando eu saí de lá esse rapaz que eu vivo com ele hoje, ele
me viu pequena, aí, ele não tinha interesse nenhum por mim, ele
ia pra casa de minha mãe nessa época lá assistir, mas depois que eu
vim pra aqui, que eu levei um tempão aqui trabalhando, depois
eu fui pra lá, já estava moçona, ele aí me viu, entendeu, e aí se
interessou por mim e tal, eu disse a ele que na época eu tinha
namorado, que não ia dar certo, depois que eu terminei ele ficou
insistindo ainda, aí eu disse “Se você quiser namorar comigo, você
vai ter que falar com minha mãe porque escondido não vai dar
não”. Aí como I ... já conhece ele há muito tempo... (superp)
Ele é muito mais velho que você? (superp)
Não, ele é novinho, ele não é muito novo não, mas não é muito
velho não, ele é escurinho, você nunca viu ele limpando aqui não,
um escurinho, um rapaz?
Acho que já...
Um escuro?
Já.
Ele está na faixa de trinta, ele está na faixa de trinta anos, trinta e
um anos, que quando eu comecei a namorar com ele, ele tinha
vinte e dois anos, eu tinha, e eu tinha uns dezoito anos. Quando
eu vi...
Não é grande a diferença não...
É, não tem, hoje em dia não tem não, quer dizer não tinha, hoje
em dia eu estou com vinte e sete e ele está com trinta,. trinta e um
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ou trinta e dois ano, está nessa faixa, e não aparenta muito também não porque ele é escuro, pele escura... não aparenta ...
Renova, né?
Gente escura não aparenta muito não...
Quer dizer que quem envelhece mais rápido é o branco...
Gente branca, gente branca aparece mais rápido...
Está certo, venha cá D ..., tem mais alguma coisa assim, alguma
história, tantas histórias interessantes você contou aí, você...
Porque se eu for contar aqui...
É muita coisa, né?
É coisa viu, é coisa, tem a minha irmã mais velha que ... depois
ela, minha mãe quando estava ficando doente, logo quando minha mãe estava ficando doente da cabeça minha mãe ia trabalhar,
pegava o ônibus aqui, pra ir pra Fundação do Patrimônio, se perdia no lugar, chorava, quando a gente pensava que não, as pessoas
levava ela lá, até que uma amiga dela que trabalhava na firma foi
que começou a andar com ela pra poder ela se encostar, aí ela...
Mas pelo menos resolveu o problema da, do emprego né?
Resolveu, do emprego resolveu, aí quando foi um dia em
Pernambués, isso antes, isso antes de, eh, isso depois de eu vim de
Simões Filho, entendeu? Depois que a gente veio de Simões Filho,
saiu de lá e veio morar na casinha dela que fez aí, ela ficou doente,
aí, já estava lá também, mas só que aqui foi que, quando a gente
estava aqui foi que a mulher percebeu, que amiga, era muito amiga dela, então ela ia prum lugar se perdia, entendeu? Então, no,
no papel dela tinha um documento que fala..., o documento da
firma que tinha telefone tudo, pra pessoa ligar, aí deu entrada
com ela no, na, pra encostar ela, e ela se internar. Aí veio o, uma
Kombi do juizado de menor levar a gente. Como a gente morava
em Pernambués que tinha aquela mata do exército ali, minha irmã
mais velha ... eu estava menor, estava sempre encostada na mais
velha né, então a gente saímo tudo correndo, quando veio um
bocado de homem, veio uns três homens numa Kombe assim
juizado de menor, assim com o nome assim do lado, eles com
aquele colete preto, assim juizado de menor pra pegar a gente, a
gente saímos tudo por dentro da mata, correndo, a casa ficou
aberta, os menor ficou chorando dentro de casa, a gente correndo
pelo meio da mata, e os homens atrás pra pegar a gente, porque a
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gente pensava que era polícia, né...
Oh meu Deus...
A gente tudo oh I ..., oh I ..., que a gente chama de I ... até hoje,
minha mãe de I ..., a gente oh I ..., oh I ..., chorando, por dentro
da mata correndo, e os homens atrás da gente, aí pegou M ..., M
... deu uma mordida, né? um, M ... era mais velha, M ... deu uma
mordida, né? um, soltou, se mandou de novo...
Ela gostava de morder, né?
Era, ela menor, a mais velha era uma cachorrinha, oxente, minha
irmã mais velha gostava de morder... Mordeu o braço de um, ele
soltou, ela correu de novo, depois ela, o outro foi atrás, eu sei que
pegou todo mundo. Conseguiu pegar todo mundo. Aí os mais
velhos, os mais velhos ficou, né? um orfanato, primeiro ficamo
tudo junto, né? um orfanato que eu não sei o nome, que vinha,
tinha os menino nuns berços, menino de uns cabeção nos berços
grandão, a gente ficou muito impressionado, eu, eu ainda grande
dormindo em berço...
Você se lembra, né?
É, eu me lembro, eu dormia, né? Um berço, aquele berço grandão
que puxava a grade assim e que descia, não era pulando não, puxava a grade assim e a gente descia, aí, isso ficamos só uma noite, no
outro dia eles providenciaram... (inint/superp) ... E agora?
Tudo bem...
Aí eles, eles separou a gente depois, eu fiquei ne um orfanato que
eu também não me lembro o nome, que tinha um bocado de
sapatona, era um bocado de mulher grande que ficava lá brincando, lá num cantinho assim com uma caixinha de fósforo. Enchia
de areia e jogava fora, enchia de areia e jogava fora, e aquelas sapatona
assim nua viradas pra mim, querendo me pegar, e eu lá chorando
chamando I ...
Êta...
Só chamando I ..., a mais velha foi pra outro lugar que eu não
conheço, outro orfanato, meus dois irmãos, G ... mais, mais N ...
a diferença de idade é pouca, ficaram... (inint/superp)
Mas hoje está todo mundo já...
Mas, hoje em dia, está todo mundo, minha tia...
Com a vida organizada...
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É, foi daí que minha tia foi, deu a entrada, pegou a gente, essa C
... (superp)
Ainda tem alguém morando com sua mãe?
Minha mãe tem a caçula, mas só que a caçula não passou por isso
não que a caçula já veio muito depois ....
Já pegou uma vida mais tranquila...
Oh, a caçula pegou uma vida boa já...
Tá certo, D ... tá certo...
Hoje em dia está todo mundo bem...
Graças a Deus!
Eu falo com a minha tia...
Pelo menos se lembra e não fica com muita mágoa, pelo menos já
passou o problema, né?
É, eu, é, eu encarei assim né, que pra mim isso tudo foi uma lição
de vida...
Eu vou, eu vou lhe agradecer, que nós estamos assim em cima do
horário, e eu já tomei assim bastante seu tempo, agradecer sua
colaboração, certo. Está bom, ... obrigava, viu?
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INQ 13 – HOMEM – IDADE: 30 ANOS – ESCOLARIDADE: MÉDIA
DOCUMENTADOR: NORMA LOPES
DATA GRAVAÇÃO: 11/10/1999
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Bem, podemos conversar, começar e você já sabe que o assunto
nosso é sobre a educação.
Certo.
Não é? Eu queria que você começasse a falar sobre a sua vida não é,
antigamente quando você era criança, como é que você foi como
menino?
Só fazia chorar viu.
É, chorava muito?
Eu quando era menino eu era muito sentimental com, até nos
dias de hoje eu sou sentimental, e sentia muito a ausência de meu
pai, certo? Também, olhava os outros colegas, todos eles tinham
uma pessoa pra conversar, um amigo e também sentia a ausência
de minha mãe porque tinha mãe e o pai mas ao mesmo tempo é
como se não tivesse, porque a minha mãe quando o meu pai se
separou dela ela teve que começar a trabalhar muito cedo, começou a trabalhar com ainda com vinte e poucos anos de idade,
(...inint...), ela teve nós logo, eram seis dentro de casa, seis filhos
mais um de criação, sete e o irmão de criação que ela tinha, oito,
mais outro irmão, nove, mais outra, dez, era um total de mais ou
menos catorze pessoas dentro de uma casa só.
Poxa, muita gente, né?
É, e nossa casa era muito pequena e era uma cama pra dormir seis
filhos e muitas vezes chegou até faltar o pão de cada dia, era um
pão pra dividir pra os seis.
Era muita dificuldade não era?
Era muita dificuldade, eh, e isso eu fui crescendo um menino
assim meio revoltado, meio triste, brigava muito, tentava assim
pra cumprir, pra manter assim como se o meu pai tivesse presente, a ausência dele eu tinha que me defender. Então, todos os
meninos que vinham da minha idade ou maior do que eu brigar
comigo eu brigava, era assim, tipo um menino assim, meio mal
criado, meio desordeiro, sabe? E com aquilo eu fui tendo um
respeito com os outros meninos maiores, também tivemos que
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começar a trabalhar muito cedo, o meu irmão mais velho ele ainda com, quando eu me lembro ele tinha dez anos já estava trabalhando, a minha irmã com nome, e eu comecei a trabalhar aproximadamente com oito anos, pra nove anos de idade. E nisso nós
tínhamos que manter a casa, né? Porque, além de ter essas pessoas
todas dentro de casa, mas não tinha formação colegial, minha
mãe não sabia nem ler, inclusive as irmãs dela, tinha irmã que
sabia, mas não tinha idade pra trabalho, era mulher e como todas
as mulheres, há vinte, trinta anos atrás tinha maior dificuldade
pro mercado de trabalho, normalmente pegava os homens pra
trabalhar, e quando era menino, o homem eles exploravam bastante porque eles não pagavam o salário, pagavam meia sa, pa,
pagavam meio salário....
Meio salário, é?
E, às vezes, nem conseguia pagar meio salário, pagava, às vezes, a
metade de meio salário, por exemplo, eu tive uma infância trabalhando assim, quando não vendia picolé eu trabalhava numa quitanda que tinha no bairro, quitanda de seu J..., e nessa quitanda
eu conseguia os alimentos pra dentro de casa, tanto eu quanto os
meus irmãos pra manter a família, e a minha mãe ganhava meio
salário também, não ganhava salário, minha mãe não tinha cultura, formação, colegial como eu falei, né? No início, ela tive, teve
que trabalhar em casa de empregada doméstica, e, nisso, a maioria dos vizinhos na época pensava até que eu e meus irmãos seria
hoje uma pessoa assim, um vagabundo, uma pessoa, eh, à margem da sociedade, coisa que nenhum de nós hoje somos, todos
nós trabalhamos, todos nós temos casas, entendeu, hoje eu, o que
eu posso dizer do passado também, que apesar de ser um passado
assim triste mas veio me trazer maturidade para o presente, eh,
com isso eu pude buscar também conhecimento depois dos meus
catorze anos de idade eu tive oportunidade de conhecer também
novas pessoas, conheci um grupo religioso batista, que aí eu passei a conviver com esse grupo que me incentivou ao retorno da
escola, que eu não falei mas quando eu tinha nove anos de idade
eu tive que me afastar da escola porque eu era um menino muito
rebelde e, na época, eh, eu não sei se foi um pai de aluno descobriu o meu endereço com um funcionário encaminhou uma carta
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pra minha mãe dizendo que eu estava sendo expulso, e como ela
não tinha tempo, que ela trabalhava e naquela época quando se
trabalhava em casa de família não liberava as pessoas pra trabalhar, eu fiquei de nove anos até meus quinze anos sem estudar,
então esse minha dificuldade hoje em termos de, de fala, em termos de escrita, porque eu passei muito distante da escola, quando
eu fui voltar a estudar já estava quase adulto, inclusive eu lembro
de uma passagem, que aos doze anos tentei retornar a estudar,
mas como a minha mãe não tinha assim eh tempo, também por
causa do trabalho de estar acompanhando, eu vendia picolé e com
o dinheiro do picolé eu pude pagar até um ano de escola, na
escola Rita de Cássia que se encontra também no IAPI, colégio
onde eu, Rita de Cássia de Matos, eu tive a oportunidade de
pagar um ano de escola.
Particular, né?
Particular, mas também só tive condições de pagar esse ano, mas
sempre tive sede, tive fome de estudar, sempre tive fome e sede de
crescer, hoje eu não tenho muita coisa não, mas eu ainda tenho
ainda essa mesma garra do passado, tenho a pretensão de conseguir os meus objetivos, apesar que também no decorrer da, da
minha vida a, apesar que tive apoio religioso que foi da igreja
Batista que me incentivou ao retorno da escola, foi aí que eu pude
tirar o meu curso primário, tive também a oportunidade de concluir o ginásio, inclusive foi no GEMPA, e estudar também numa
escola particular depois de muito tempo no Instituto Social da
Bahia, uma escola muito boa, apesar que foi um curso noturno,
mas também trouxe pra mim muito conhecimento em termos
culturais, e também diante dessa situação antes de estudar no
ISBA eu tive a oportunidade também de estudar na escola Classe
Dois, escola Carneiro Ribeiro.
Ali na Caixa D’água?
Na Caixa D’água, estudei na Caixa D’água, Escola Quatro, e ali
na Quatro foi ali que tudo começou, ali que eu estudava no primário, foi ali que eu tinha recebido, minha mãe tinha recebido
uma carta que eu tinha sido expulso, e minha vida começou ali
naquela escola, tinha uma professora muito boa que até hoje eu
me lembro dela, lá tinha sabatina de matemática, hoje eu sou um
ótimo aluno de matemática...
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Que bom!
Graças àquela sabatina.
Que ótimo.
Tenho muito conhecimento em matemática, e o que eu posso
dizer de mim, eu já trabalhei em muitos e muitos lugares, eu
trabalhei numa empresa chamada Água Mineral Dias D’Ávila,
trabalhava lá como auxiliar de produção, trabalhei na lavanderia
Líder, meu primeiro emprego de carteira assinada foi na Super
Barato Auto Peças, e lá eu trabalhava no serviço de office boy e
serviços gerais, lá eu tive um patrão muito bom que passou muito
conhecimento em termos de vida pra minha vida, o nome dele é
A ....
Foi bom?
Foi muito bom pra mim, eu tive muita experiência, foi lá que eu
aprendi a lidar com comércio diretamente, já tinha assim uma
noção porque eu quando eu trabalhava na quitanda e quando eu
vendia picolé você adquire uma noção mesmo que você não queira
né, é como a própria linguagem fala, né? A linguagem falada a
pessoa aprende com a facilidade, a escrita realmente temos que ir
a escola, eu mesmo aprendi a escrita depois que eu me reencontrei
com a escola.
Depois de anos, né?
Depois de anos, em mil novecentos e no, e oitenta e seis que eu
retornei a escola né, mas eu me lembro que eu tinha minha afastado da escola em mil novecentos setenta e nove, depois de mais
ou menos sete anos que eu tinha retomado ao estudo, o que eu
posso falar de mim hoje, hoje eu sou um idealista, como ontem
eu também era, eu tenho uma pretensão de futuramente fazer
faculdade, também estou tendo muita oportunidade na unidade
de Letras, muitas pessoas boas tem me incentivado a estudar, eu
tinha muita dificuldade na leitura, mas quando eu cheguei lá, vê
as pessoas estudando, lendo, isso aí tem me tornado uma facilidade muito grande pra leitura, eu gosto hoje de ler, antes eu gostava
de ler mas não conseguia ler por falta de conhecimento, por falta
de uma própria formação educacional.
O estímulo também.
Falta de estímulo, e eu sentia muita dor de cabeça quando eu
começava a ler, dava um sono, uma sonolência terrível e não con187
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seguia passar menos de três quatro linhas, hoje eu consigo ler
dois, três, quatro capítulos em um dia.
Que bom.
O que eu posso dizer também, eh, a nível profissional, hoje eu
trabalho de vigilante, mas não é pretensão minha dar continuidade na minha vida como vigilante.
Ficar só nisso, né?
É, eu não tenho a pretensão de, trabalho como vigilante pra suprir as minhas necessidades materiais hoje, mas eu tenho ama
esperança, se um dia eu continuar a trabalhando numa empresa
de vigilância que eu não trabalhe de vigilante né, mas que eu seja
um supervisor, um gerente....
Uma outra função.
É, um gerente, um supervisor, entendeu, que eu tenha uma função além do que eu tenho hoje.
Claro. Sim, agora eu queria saber o seguinte, você falou, você como,
como criança você então teve uma vida assim, uma infância difícil, né?
Eu tive uma infância muito complicada.
Hum, então...
Inclusive, eu lembro de uma passagem da minha infância que
além de as vezes passar assim uma necessidade física, que é a necessidade de fome, também a necessidade as vezes, eu tinha vontade de ter uma roupa, de ter um presente e não tinha na época
entendeu, e eu tinha uma pessoa também que me apoiava muito,
era a minha madrinha que todo, todas as festas assim, assim como
ela era antiga, como Natal, o São João, ela se me dava aquela ro,
sempre me dava uma roupa, roupa nova, então eu me sentia alegre, quando chegava o Natal e o São João eu sabia que eu tinha
uma roupa pra ganhar, né?
Já era certo.
Já era certo, ela era uma pessoa ótima, e também na minha infância como, acho que quase todos os garotos de rua, apesar de que
eu não fui um garoto de rua, que eu tinha um lar.
Claro.
Não é, apesar de todas as dificuldades, e, às vezes, saía com os
meus colegas pra jogar bola, passava o dia inteiro na rua, também
quando eu não estava trabalhando eu estava jogando bola, tinha
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aquela sede de bola, como todas as crianças, né? Me divertia,.
Cheguei a me divertir como criança também, não tive só momentos ruins não, tive muitos momentos bons na minha vida, tenho
muitas recordações boas, como também tenho muitas recordações ruins, por exemplo, numa certa feita no, no hospital de, aqui
do estado eu fui arrancar manga, né? Tomei um escarrerão de
vigilante...
(risos) Foi mesmo?
Por, por ironia do destino eu fui trabalhar de vigilante nesse mesmo lugar depois de adulto, né?
E você escarrerou crianças também?
Não, não tive eh, não, não, (...inint...), não tive a mesma...
O mesmo comportamento.
O comportamento dele não, porque eu tinha a pretensão assim,
se um dia eu fosse trabalhar nessa área de vigilância eu tinha,
tinha que ter uma visão diferente entendeu, de vigilância, hoje eu
me destaco nessa área de vigilância por ter, por ter uma visão
diferente, eu gosto de trabalhar entendeu, possa ser que amanhã
eu esteja talvez até como professor, como gerente de uma empresa, até mesmo como vigilante, mas a minha visão vai ser sempre
diferente.
Que bom. Você acha que as crianças hoje têm uma infância assim
como a sua?
Não, inclusive eu, eu não relatei, mas eu escrevo poesia.
Que bom!
É, eu escrevo poesia, e tem um poema meu que fala sobre a constelação da minha infância, e eu relato nessa poesia que quando eu
era criança eu jogava gude, jogava bola, empinava arraia, brincava
com as cinco pedrinhas de capitão de areia, né?
Aquelas pedras...
Saía com pneu e pé descalço pela rua é lama e tudo, que, naquele
tempo, não tinha muito asfalto como hoje tem.
Nada. Era barro, né?
Era muito barro, né? Salvador se modernizou bastante, né? E as
crianças hoje elas, você não vê os meninos hoje pensar em brincar,
normalmente os meninos hoje cheira cola, fuma maconha, se envolve com drogas, e os meninos daquela época eles brigavam mas
não existia revólver, né? hoje em dia tem uma facilidade muito
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grande, hoje você vê ou a senhora vê assim um menino com nove
anos, oito anos de idade já com a arma na cintura ameaçando a
própria sociedade e sendo ameaçado porque, na verdade, essas,
essas crianças deveriam estar em um local eh, estudando, brincando, tinha que ter assim aquela noção de criança, talvez hoje de eu
não ser o que as pessoas diria que eu seria, assim um vagabundo e
tal, porque eu tive uma infância boa, e os meninos hoje entre
aspas ele não tem essa infância, hoje em dia você passa na rua
malmente tudo bem que o esporte influencia, só o futebol, mas
você não vê um menino hoje correndo, par, participando de atletismo, eu já tive oportunidade também de participar de atletismo, já corri, já tive essa...
Competiu?
Já competi, participei, já ganhei eh, troféu de hon, eh, de mérito,
mas não como, nunca cheguei em primeiro lugar, sempre cheguei
em terceiro pra baixo.
Honra ao mérito não foi?
Honra ao mérito, é cheguei de honra ao mérito (...inint...) a palavra.
Que bom, bem mas você está falando, falou mais das crianças
mais pobres, né?
Mais pobres, porque as crianças...
A sua vida foi difícil mas...
Foi difícil...
Nem toda a criança teve essa vida sua não é?
É, teve, nem todas, né? Como eu tive colegas também que cresceu
junto comigo que tinha uma, uma situação melhor, inclusive tem
um amigo mesmo que hoje é homem também, o pai dele dava a
ele tudo que ele queria, ele tinha a pretensão também de ser um
jogador de futebol, mas só que ele não conseguiu ser jogador de
futebol, ele se, ele se bateu com a ironia do destino.
E aí?
E aí com o decorrer do tempo ele se influenciou com más amizades e se envolveu com drogas, isso já adulto já se envolveu com
drogas, participou de crime...
Foi mesmo?
E hoje, ele teve alguns que hoje já não existe mais, mas a vida é
assim mesmo.
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É isso, a gente nunca sabe o que é que vai acontecer né?
É, a gente cria os filhos mas a gente não sabe o destino, a gente
tenta dar, passar o melhor pra eles, né?
Venha cá me....
Como filho eu falo.
Me fale um pouco sobre a educação.
A educação.
As crianças antigamente eram mais obedientes, você acha que eram?
São diferentes hoje?
Eu acho que os meninos hoje são mais determinados, assim em
termos de querer porque a própria sociedade, a mídia influencia
que os meninos hoje tenha que fazer um curso universitário, hoje
também tem a própria abertura de a pessoa fazer um curso universitário, né? Mas antes tinha a dificuldade financeira, nem todas as crianças tinha a oportunidade que as crianças de hoje tem,
por exemplo, hoje a minha filha, por exemplo, eu tenho uma
filha, ele tem mais oportunidades de fazer um curso universitário
do que eu, eu tive...
Você teve.
Por quê? Eu tenho uma formação hoje mesmo uma formação de
segundo grau, mas é uma formação, já a minha mãe não estudou,
meu pai estudou até a terceira série, apesar que a minha família
tem uma inteligência muito grande, inteligência nata, mas não
teve estudo, entendeu, eu acho que hoje, eh, as crianças têm mais
oportunidade, inclusive hoje tem mais escola, as crianças naquele
tempo estudava mas tinha que lutar muito pra vida, os meninos
que era mais determinados naquele tempo hoje eles são doutores
da vida, mas nem todos porque nem todos tiveram as mesmas
oportunidades que outros tiveram.
Certo.
Hoje as crianças tem mais oportunidades, abertura hoje tem mais
escola.
E, a educação...
A educação...
Era mais liberal do que agora?
Agora eu acho, eu acho não eu tenho certeza que em outrora a
passagem do ensino era melhor porque nas escolas não existia drogas, os professores ele passava os assuntos com mais amores, hoje
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em dia o nosso sistema capitalista influencia o professor em si a
não ter aquele amor pelo aluno, hoje em dia a maioria dos professores ele trabalha muito por dinheiro, então esquece a própria
educação que ele obteve no passado, e isso ele não quer mais passar para os seus alunos, então isso tem atrapalhado até a própria
sociedade.
Mas não é porque a vida de professor também não é muito dura
não?
Não, o próprio, o, o, tem atrapalhado a sociedade porque também o governo influencia, o governo ele paga muito pouco ao
professor, antes o governo pagava pouco mas só que tinha aquela
coisa não tinha muita concorrência, hoje em dia existe muita concorrência no ensino brasileiro, antes era poucos professor pra muitos
alunos, hoje em dia tem muitos professores, tem muitos alunos,
mas com poucos alunos que quer participar em sala de aula, a
influência negativa em termos de drogas tem abalado muito a
estrutura das famílias.
Hum, e em casa a educação era muito assim repressora?
Era muito repressora.
Como era?
A educação era muito rígida, os pais eles exigiam muito que os
alunos, os filhos né, os filhos eles chegassem no horário.
Como é que era em casa?
Por exemplo, se a sua mãe, por exemplo, se um aluno, oh, um
filho visse os pais conversando ele tinha obrigação de na mesma
da hora sair da sala, né, os pais passavam isso pra eles, e os meninos eles não participavam de conversa de adulto, hoje é mais aberto, tem outra coisa também, eh, os pais ele era muito participantes.
Era mais?
Era mais participante, eu acredito que os pais eram mais participantes, apesar que eu tive aquela deficiência em termos de criação, mas os pais eram mais participantes com os filhos, em termos
assim de, “olha, você vai ter que fazer isso”, os pais eram muito
rígidos, né? “você tem que fazer uma forma, você tem que fazer
um curso de direito, você tem que...”, hoje em dia não, hoje os
pais são mais liberais.
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Eles permitem a escolha, é isso?
Hoje, hoje em dia os pais permitem a escolha.
Hum, (risos), e as brincadeiras eram diferentes das brincadeiras
de hoje?
As brincadeiras era menos maldosa.
Ah, me explique como é essa história. (risos)
Na minha infância eu tive oportunidade de brincar né, de esconde, esconde, eh, ti, tinha uma música, chicotinho, eh....
Queimado.
Chicotinho queimado, não era?
É, mais dois cruzados.
Dois cruzados, é, exatamente, tinha cada rima gostosa né, e a
gente podia brincar qualquer hora da noite, tinha menos perigo,
hoje em dia não, hoje em dia um, hoje em dia não tem, apesar de
ter muito polícia mas não tem segurança, até na própria, no próprio lar não existe mais segurança como antes existia, menino podia ficar até duas, três horas da manhã na rua e não acontecia
nada, tinha poucos marginais.
É verdade.
Hoje em dia, existem muitos marginais, existem pessoas com a
cabeça eh, totalmente desesperada, totalmente e faz mal a si e ao
próximo.
Então é a violência que é o problema, né?
A violência é muito grande, por causa da violência talvez as, as
crianças não tenham mais a inocência como as crianças de hoje,
eu me lembro mesmo que até meus treze, catorze anos não tinha
tanta maldade quanto os meninos de hoje, os meninos de hoje a
depender da educação eles tem muita maldade.
Maldade que você fala é em relação a sexo?
A sexo, o sexo hoje é liberal, no meu tempo o sexo não era tão
liberal não.
É desde as crianças.
É desde as crianças, não era liberal não, hoje em dia a criança
com, olha, com oito anos, sete anos já tem namorado, já com dez
anos, doze anos, treze anos já está pedindo camisinha aos pais pra
ter relação, tudo bem que antes da nossa geração, da minha geração já existia família que mãe teve o filho com doze, com quinze,
com dezesseis, com dezessete, mas era casos...
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Poucos.
Pouquíssimos, a, por exemplo, acontecia um caso em mil famílias,
hoje em dia não, acontece mil casos em uma família, posso dizer
até assim uma família, tem família muito grande né?
É, é isso mesmo, está muito comum não é adolescente hoje...
É, hoje em dia a, a própria mídia né, a televisão né, o meio de
comunicação, o rádio, a televisão, ela tem influenciado as crianças
de nove, dez, doze, treze anos a realizar o sexo, inclusive...
É verdade, é verdade, me diz uma coisa eh, que tipo de brinquedos mesmo você tinha, você falou tipo de brincadeiras né,
chicotinho queimado, mas como eram os seus brinquedos?
É, tinha o fura pé que era um pedaço de ferro, a gente amarrava a
ponta e ficava brincando ou na areia ou no barro, fazia tipo uma
casinha, um circo e ali a gente tinha, tinha que cercar o circo
todo, tinha bola de gude, a gente fazia um, um, um triângulo...
Eu me lembro.
E ali botava as bolas de gude ia lá jogar, tinha também os, a gente
também com a própria bola de gude a gente brincava assim, fazia
três buraquinho e quem conseguisse matar a bola era campeão.
(...inint...) uma arraia né?
É arraia, eu empinei muitas arraias, tem arraia, tem a, hoje em dia
o pessoal fala mais pipa mas no meu tempo era arraia, arraia é o
seguinte, a gente pegava a arraia, a, a rabada, a chamada rabada
que é do saco de linhagem, a gente desfiava o saco de linhagem,
emendava as rabadas, pegava um carrinho de linha certo, fazia a
chave de uma arraia ou um periquito, o periquito a gente fazia
com um papel...
Ah! é, a chave era com linha, né?
Era com linha a chave, e a arraia a gente fazia com a palha de
coqueiro ou com a flecha, botava cola de goma ou a cola tenaz
armava a arraia e ia empinar, né? Quando o vento estava bom...
E o vidro? E o vidro? Pra, tinha um negócio de um vidro...
Pra temperar né, a gente tinha que temperar, o chamado temperar, pra empinar arraia, é, a gente temperava a linha, era com o
vidro e a cola, né, podia ser a cola tenaz ou uma cola apropriada
pra própria arra, pra linha, pra fazer o tempero da...
Era uma cola meio a, a, branca não era?
É, é, podia também se temperar com uma goma.
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Hum, feita em casa.
Feita em casa, então era muito, tempo, foi uma infância muito
boa.
E como são os brinquedos, os meninos de hoje?
Ah, hoje em dia são muitos jogos eletrônicos, vídeo cassete, computador, mas naquele tempo não, os meninos, eu me lembro que
na escola Parque quando eu estudava na segunda série lá a gente
fazia carro de mão, fazia os carrinhos de brinquedo, de madeira, lá
a gente aprendia o ofício de costureira, até hoje eu sei costurar, sei
costurar.
(...inint...) A própria escola ensina.
É, a própria escola ensinava naquela época, o setor de trabalho, o
setor de educação física a gente praticava bastante esporte, eh, o
único esporte que nós tínhamos acesso assim é como quase os
esportes de hoje era o boxe, era o atletismo era também a capoeira, que também hoje, como hoje a capoeira também tinha muita
fluência no passado, e bola mesmo, muita bola.
Hum, você não teve vontade de ser um Popó não agora, de ser
campeão em boxe?
Não, eu tinha quando eu era menino eu era assim meio violento
né, eu era muito brigão, inclusive eu participava de luta de boxe,
tive até um nariz quebrado, quebrei o (...inint...) do nariz numa
briga de boxe.
Foi? (risos)
Depois que eu tomei um murro assim com um colega que, por
sinal, hoje ele já morreu, que morreu com a doença de chagas, foi
mordido de barbeiro, quando ele me deu um murro no, na luta
de boxe eu caí de desmaiei, e depois desse dia eu não quis mais
lutar boxe, só brigava assim na rua, mas pra lutar profissionalmente eu não, desisti.
E essa briga na rua, era briga mesmo era?
Era briga, normalmente, naquele, naquele tempo é semelhante ao
tempo, a uns cem anos atrás, mas na verdade não é cem anos
atrás, é vinte anos atrás, os meninos eles assistiam muito filme de
Tarzan, filme de Hobin Hood, filme de Zorro....
Esses filmes de aventura.
Os Três Mosqueteiros, Tom e Jerry, muitos filmes bons, né? Esse
filme, Super Homem, quando surgiu o Super Homem, todos os
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meninos queriam ser um Super Homem, quando surgiu filme de
cowboy os meninos queria, pegava um cavalo, aqueles filmes, pegava um, uma, um cabo de vassoura e saía montando como se
tivesse montando num cavalo, aqueles filmes dos Três Mosqueteiros
também a gente pegava um cabo de vassoura, pegava um pedaço
de pau, pegava um, um frasco de Q Boa, cortava o frasco de Q
Boa, a parte superior do frasco a gente enfiava no cabo de vassoura
e fazia tipo uma espada, e saía brindando.
Ah, sim (risos), pra segurar, né?
Saía brincando, como se fosse uma espada né, então a, a nossa
brincadeira daquele tempo, é porque não existia também a
tecnologia que existe hoje, talvez se existisse a brincadeira de hoje
talvez fosse, a de, de ontem talvez fosse computador, talvez fosse
um vídeo, mas naquele tempo o Brasil em si não tinha uma
tecnologia, quem tinha uma televisão era rico, pobre não tinha,
eu me lembro que meu tio que trabalhava na, na Petrobrás, na rua
só ele tinha uma televisão, mesmo há vinte e cinco anos atrás,
então tudo isso fazia que os meninos não tivessem os brinquedos
de hoje porque o Brasil era realmente atrasado há vinte e cinco
anos atrás.
(...inint...) Era a criatividade de cada criança...
É, e os meninos também era criativo, a bola de gude é uma bolinha redonda que eu, por exemplo, eu era campeão, ganhava saco
de gude pra todos os meninos, era legal inclusive quando ganhava
vendia aquela gude, ficava com dinheiro na mão né, se eu ganhasse eu tinha direito de vender a cinco centavos, é como se fosse hoje
cinco centavos cada bola de gude.
Certo.
Vendia cinquenta bola de gude tinha direito a cinqüenta centavos, e ali comprava merenda, né?
Aí voltava com um dinheirinho.
Voltava com um dinheiro, né? Tive, quer dizer, é uma coisa assim,
é uma delícia né, que hoje em dia eu não vejo mais, dificilmente
eu vejo um menino hoje jogar gude, dificilmente eu vejo um
menino hoje brincar de furar pé.
Também o chão era todo de barro, né?
Era chão de barro era.
Será que a ausência do barro...
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É talvez a ausência tenha influenciado, né?
Tudo é asfalto hoje, né?
É, é hoje em dia tudo é asfalto.
Passeio e asfalto.
Exato.
Venha cá, ao lado desses castigos também, oh, desses, dessas brincadeiras tinha os castigos...
Tinha.
Me fale sobre esses castigos daquela época. Você já foi castigado,
que você era pintão.
(risos) Olha, como eu falei, né? Os meninos ele, a gente brigava
muito né, então os mais fracos chegava lá em casa e dizia, “ah,
dona Z.... seu filho me bateu”, aí eu tinha que tomar porrada, né?
Porque não podia bater no mais fraco, né?
Ela batia em você?
Apanhava, apanhava de, não sei se a senhora se lembra, de bainha
de facão, lá em casa tinha uma bainha de facão, tomava porrada
mesmo de bainha de facão.
Aquilo é duro, né?
É porque na minha casa eu era o mais rebelde, tinha todos, tinha
seis irmãos e um de criação, sete irmãos e eu era o mais rebelde.
Jesus...
Então, e, eu também, aí eu era o terceiro filho, e o quarto incluído
o de, de, o filho de criação da minha mãe.
O de criação.
Mas só que eu defendia eles, quando alguém viesse bater neles eu
tomava as dores, então eu isso eu tinha o respeito dos meninos
mais velhos e mais novo da época.
Mas aí você apanhava mais do que os outros.
Eu apanhava mais do que os outros, minha mãe dizia, “que menino é esse, esse menino era endiabrado, tal”, aquela coisa toda, né?
Porque era realmente terrível.
Então você era bonzinho, olhando por aí você defendia não é os
outros.
Eu defendia, não era tão bonzinho não porque eu pegava os outros mais fracos e batia, né? Mas, mas a questão de quando o mais
forte vinha me bater, eu achava assim, oh, por eu não ser criado
com o pai, eu achava que ele queria tomar o lugar de meu pai, se
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ele me batesse, naquele tempo era assim, era a lei do mais forte, se
você apanhasse de um menino você ia apanhar dele pelo resto de
sua vida.
Ave Maria.
Era a lei do mais forte, então eu tinha sempre aquela garra de não
querer apanhar de nenhum menino, né? E quando eu apanhava
de um menino, onde ele me encontrava ele me batia, eu vivia
escarrerado, como todos os meninos da época.
Hum, você já apanhou injustamente?
Eu já apanhei injustamente.
Conte aí pra gente.
Não.
Não?
Eu não já apanhei injustamente não, normalmente as porradas
que eu já tomei eu mereci.
Foi?
Eu mereci, eu era muito danadinho.
Hum, tomou alguma assim que você não conseguiu esquecer?
É porque, como eu era criado sem a presença de um homem, na
família era uma mulher, a mulher era a cabeça de tudo, na época
tinha três irmã, uma mais velha do que eu e duas mais novas,
então quando, se eu fizesse qualquer coisa dentro de casa juntava
as três pra brigar né, um exemplo era assim né, a gente era desunido e ao mesmo tempo era unido, né? Então as três uma defendia a outra, assim como os homens um defendia o outro, as mulheres uma defendia a outra.
É o clube do bolinha?
É, é exato, semelhante ao clube do bolinha, então a minha mãe
defendia mais as mulheres, se o homem cometesse algum erro
apanhava mesmo, a mulher tinha oportunidade, né? Como sempre sabe né, a mulher é o sexo mais frágil, né?
Hum, então lá isso valia.
Isso valia, valia em casa, tinha aquela lei mesmo, inclusive na minha família, quem mandava era as mulheres, homem não mandava não, homem não tinha direito de mandar não.
E vocês respeitavam isso?
Às vezes, viu, eu era, eu sempre fui um de quebrar a lei, onde
existia uma lei eu queria quebrar, as vezes eu respeitava, as vezes
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não, mas eu hoje eu tenho uma, uma boa relação com as minhas
irmãs né, também com os meus irmãos, muito mais com as minhas irmãs hoje, eu sou assim, hoje eu sou um filho que a minha
mãe diz assim que sente prazer, né?
Que bom! Isso é ótimo!
Ela diz hoje que sente muito prazer, e inclusive quando eu passo
assim um dia, assim afastado de casa, dois dias, minha mãe sente
a ausência, hoje eu sou muito querido.
Que ótimo! Me, você tem alguma coisa pra me contar desses,
dessas suas pintanças, algum castigo assim que as pessoas não fizeram, não deixaram você esquecer.
Eu tenho, eu como falei eu quando era menino era muito trabalhador, eu tinha que ajudar a minha família sempre tive aquela
coisa de ajudar como até hoje, eu, eu me lembro que quando eu
tinha uns doze anos de idade tinha um supermercado chamado
Paes Mendonça, não Unimar, na época, é Unimar, era, era...
Era Paes Mendonça.
Paes Mendonça, lá no bairro do IAPI e lá eu ia pra lá pra carregar
compras pra ganhar algum dinheiro quando tava tempo chuvoso
eu não podia vender picolé, não estava na quitanda trabalhando,
eu ia carregar as compras das pessoas e sempre ganhava um real,
como se fosse, um cruzeiro, dois cruzeiros, dez cruzeiros, hoje
seria um real, dois, três, e eu me lembro que tinha um segurança
lá na época, um policial militar ele não aceitava que nenhum
menino trabalhasse, ficasse ali carregando compra e quando eu
estava carregando as compras de uma cliente do Paes Mendonça
eu me lembro que eu fui surpreendido por ele, né? E ele chegou
até a me espancar, inclusive foi na época pra polícia, na segunda
delegacia que também já existia lá no bairro da Liberdade, registrar uma queixa, e com aquilo eu me senti assim tão triste, se
Deus não fosse por mim, eu não tivesse a cabeça no lugar, né? Não
tivesse também uma, uma fluência positiva por parte da minha
família que, graças a Deus, não tem vagabundo, então, então isso
aí influenciou né, uma fluência positiva, talvez eu fosse essa, criasse, alimentasse esse revolta, porque eu me lembro que até antes de
ir pra igreja, antes de ter um conhecimento religioso, de perdão,
de amor, eu sentia assim muita mágoa por ele ter feito aquilo
porque eu achava que ele não deveria ter feito isso, ele aproveitou
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pelo fato de talvez não ter uma pessoa como homem na minha
família pra representar, e inclusive na época os colegas dele chamou a atenção dele e o Paes Mendonça não puniu ele, simplesmente afastou, tirou ele de um setor e botou em outro, então isso
aí pra mim foi uma tristeza, como nos dias de hoje né, nos dias de
hoje eu vejo a tristeza por parte da, até da, do próprio governo
municipal, e do governo estadual que não incentiva os jovens é, a
educação, que não incentiva o jovem ao trabalho, também isso aí
influencia negativamente, é por isso que temos um número de
pessoas muito grande por parte de crimes, né?
Por falta de oportunidade.
Por falta de oportunidade, hoje o próprio trabalhador, um pai de
família se ele ficar desempregado ele não tem como sobreviver,
por exemplo, se ele for trabalhar vendendo algo como, por exemplo, uma roupa, verdura, fruta, o que for, certo, pra ele manter a
família dele o governo municipal em conjunto com o governo
estadual tira isso das pessoas, enquanto isso eles deveriam apoiar,
preparar o indivíduo pra sociedade, eles tiram o preparo, dessa,
dessa, dessa, da própria sociedade, assim como teve no passado
aquele rapaz que colocou uma fluência negativa na minha vida,
hoje o governo municipal, tipo o rapa, a própria polícia militar,
entendeu, com esse conceito que a pessoa só pode trabalhar se
tiver, se for manter o mercado, nem todas as pessoas hoje tem
dinheiro, hoje um pai de família quando ele sai desempregado ele
pega numa empresa mil reais, quinhentos reais, então ele quer
com aquele mil reais, quinhentos reais alimentar a sua família.
Claro.
Então o que, qual é a primeira coisa que ele imagina pra alimentar
a família, eu vou tentar multiplicar esse dinheiro, ele pega, compra uma, confecções vai vender, talvez até como camelô, ele compra alguma coisa diferente pra multiplicar o seu dinheiro e o governo hoje não permite que essas pessoas façam isso, na minha
opinião, eu acharia que o governo, não, eu acho não, na minha
opinião é que o governo tem que ajudar essas pessoas, tem que dar
cursos a essas pessoas, tem que influenciar essas pessoas...
Pra que...
Multiplicar...
Pra que elas...
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O seu dinheiro pra manter, manter a alimentação.
Pra que vençam, né?
É, pra que vençam, o próprio governo hoje não ajuda né, ele não
ajuda, se o, a pessoa ficar desempregado por mais de um ano, ele
não tem ajuda do governo, esse ano o governo deu aí um salário
de cem reais pra pessoa que tinha mais de um ano desempregado,
mas quais foram as pessoas, pessoas que tivessem de trinta anos
pra cima, mas hoje em dia tem jovem de dezoito, tem jovem de
vinte anos, tem jovem de vinte dois, vinte e cinco, vinte e seis que
já são pais de família, não tiveram a oportunidade que outros
tiveram e construíram família pensando que aquilo ia ajudar ele.
Claro.
Né? Então isso pra mim é uma tristeza por parte do nosso governo.
Pois é, A ..., eu estou...
Eu vou me embora...
É, sentindo...
Quer falar mais alguma coisa?
Não, eu pergunto, você quer falar mais alguma coisa? Eu estou
sentindo é o tempo, que já estamos...
Tarde.
Eu estou com receio da fita acabar.
Sim.
Mas eu acho que você já nos deu uma ajuda assim enorme, viu, eu
vou agradecer, está bom, numa outra oportunidade a gente conversa mais.
Tá. Eu sou chatinho?
Nada, obrigada.
Não pra mim, pra mim foi um prazer, né? participar dessa entrevista, porque nem todas as pessoas têm a oportunidade que eu
estou tendo de poder soltar o que sente, né? Desabafar. Pra mim é
como se fosse um desabafo, que eu gostaria que os senhores, as
senhoras como, eh, pessoas cultas, né? professores, futuros diretores de escola e diretoras de escola, futuros diretores de universidade pudessem ajudar a sociedade da melhor possível, e eu acredito
que hoje a melhor forma é a própria cultura, a cultura educacional, a cultura da fala e a cultura da escrita, pra que as pessoas
possam conhecer o novo horizonte né, que as pessoas possam co201
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nhecer o seu passado, pra que as pessoas estejam preparadas pra o
seu futuro, e pra isso é necessário que nesse presente as pessoas
que têm eh, a fluência como os professores hoje de escola pública,
professores de escola particulares, também não só os meninos pobres hoje, mas como os meninos ricos. Hoje eles sente uma carência muito grande, porque sente uma carência muito grande por
causa da fluência negativa e vocês podem ajudar, vocês têm na
mão como dizia no passado né, a faca e o queijo, essa é a responsabilidade que eu jogo pra vocês, como minha também que futuramente eu espero que daqui a alguns anos eu seja também um
professor.
Pois é, então é isso que eu ia dizer, responsabilidade nossa.
Nossa.
Tá bom?
Nossa, minha também, né? Haste luego.
Ah, está bom.
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INQ 23 – MULHER – IDADE: 34 ANOS – ESCOLARIDADE: MÉDIA
DOCUMENTADOR: NORMA LOPES
DATA GRAVAÇÃO: 08/10/1998
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Eu tenho 34 anos, sou de Salvador e meus pais também são de Salvador.
Pois é, então vamos começar. Oh, R... Eu queria primeiro que você
falasse, fizesse assim um, tipo um relato sobre a sua infância, como
foi que você, como foi essa criança R...?
A criança R...? Eu fui uma menina, como se dizer assim, uma menina alegre, uma menina que aproveitou muito a, a parte, né? de criança em si, brincadeiras, e sempre uma menina muito curiosa, né?
Uma menina muito observadora onde tinha as pessoas conversando
tal, tava ali de junto, eh, uma época muito difícil por causa do relacionamento dos pais, né? Que foi, isso, aquilo afetou muito a minha...
Seus pais se separaram não foi?
Separaram, separaram, né? Então isso aí me deixou um pouco coisa,
ainda mais em relação eh, a escola...
É, como você, você era um, uma menina muito levada?
Não, tranquila, por sinal muito tranquila, e mais de tá ligada, mais
até fora do, do, digamos, de muitas crianças iam brincar, eu ia brincar mas eu ficava assim, qualquer coisa estranha acontecendo eu já
tava aí colada querendo saber tudo, muito curiosa mesmo, muito
observadora mas...Inint...
Não, não se preocupe com...Inint..., eu quero que você fale naturalmente
Mas pra que... a escola, pergunta que eu direciono...
Tá certo, eu vou aos pouquinhos eu vou perguntando, eu quero
saber o seguinte, compare a sua infância com a infância das crianças
de hoje, você acha que as crianças de hoje tem aquela vida como você
tinha antigamente? As crianças são muito parecidas com as crianças
de antigamente? Hoje?
Olha. Eu acho até difícil comparar, né? Mas, eh, hoje tá até mais
fácil, hoje tá mais fácil com toda essa tecnologia, esses brinquedos
virtuais, essa, eu acho muito mais fácil.
As crianças são, brincam mais, né?
Tem muito mais coisas pra brincar, muitas invenções, né? Uma coisa
mais futuristas, e, e eu mesmo brincava muito mas era com, com
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tijolinhos que eu achasse, a minha condição financeira era muito
pouca né, mas eu tinha meus brinquedo, olha lá que meus brinquedo, meus tijolinhos de, de sofá eram ótimos...
As brincadeiras eram mais assim aproveitadas, né? de outras coisas...
Eu brincava tranquila, se a vizinha tinha sua, sua geladeirinha lá de,
feita mesmo, industrial, né? de brinquedo, eu olhava mas não me
fascinava tanto né, eu gostava mais do meu, caixinha de fósforo,
...Inint... de mesa e por aí eu ia, mas hoje não, as crianças tem tudo
na mão mesmo, eu tiro pelas minhas filhas, né? Elas têm todos os
brinquedinhos nas mão, é uma coisa tão mais fácil de se adquirir, né?
E será que pra criança, ela receber assim a coisa pronta, será que é
mais vantagem? O que você acha? Pra criança o que é que é bom?
Não, não. Eu acho que não é não, porque perde muito, eu usava
muito minha imaginação, né? Aquilo ali me enriquecia e hoje a minha filha bombardeada com essas coisas toda, pra ela achar fácil de
mais perde muito, creio, eu creio que não, não é bom, acho que a
criança fica, é como se fosse a, a, como seria, a calculadora, né? Fica
preguiçosa até de, de imaginar as coisas, de sonhar, e isso graças a
Deus eu fiz e muito, ainda sonho...
A criança era mais obediente, antes?
Mais obediente, é mais temerosos...
Temerosos?
É, temerosos, bastante temerosos, porque, eh, eu mesmo, a depender também da criação, né? Mas uma família assim que os pais deu
uma educação a criança, eh, é senhor, é senhora, o tratamento com o
pai e mãe entende? E hoje em dia você mesmo eh, até chama até pelo
nome, ei R..., como é que é e tal, eu digo, a minha de cinco anos
mesmo eu digo, olha me chama, me chama de senhora, mas que você
não é velha, eu digo sim eu não sou, olhe que... Eu fico assim meio,
puxa como a coisa mudou. Então, o respeito e a mídia causa muito
isso aí na cabecinha, ensina muito errado, isso é uma coisa que eu, eu
sou contra, gosto muito da, da televisão mas ensina tudo errado e elas
captam mesmo. Antigamente, sem a televisão, se bem que eu alcancei a televisão, mas sem a televisão a coisa era muito mais respeitosa.
É você falou em temor, as crianças tinham temor, por que, o que
vocês, os pais exigiam delas?
A respeitar...
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O respeito.
A pessoa do pai e da mãe, né? do avô, aquela coisa de, é, é, benção a
minha avó, eu cheguei, eu dei muito isso...
Claro, eu também...
E tinha uns tios aí que eu não suportava, que eu tinha que dá benção
ao meu tio e, sim porque se eu não desse benção ao meu tio já vinha
já história pra cima de mim... E aí, não deu benção ao seu tio, que
coisa chata, né?
É isso mesmo, tinha o negócio da história da benção na hora de
dormir, na hora de acordar...
É chato isso, é até gostoso, né? As minhas filhas não dão benção a
minha avó, nem a minha mãe, como é...
E nem a você, possivelmente...
E nem, o que é isso? Passam por mim e, e aí, acordou? E como é que
tá? Tá, tá bom
E era mesmo, sim, as crianças tinham muita liberdade antes?
Liberdade?
Compare a liberdade das crianças antes e a liberdade das crianças
hoje. A sua, a sua liberdade e a liberdade de seus filhos.
Ah, os meus filhos voam, em comparação a mim eles voam, né? Porque a liberdade é total, porém lá em casa eu sou, eu sou quem, eu fico
como eu falei, né? Se pequena eu era assim imagina agora. Então, eu
fico policiando todo mundo, eu vou dando a liberdade, dando, dando, mas eu sei até onde eu vou dar pra puxar a corda, e na minha
época não, na minha época eu, eh, puxava a corda era direto, eu não
tinha nenhuma liberdade, nenhuma, era aquela coisa meio, somente
papai e mamãe, né? Mamãe nem tanto, mas o papai era terrível.
Então ao, ao pai era um, o temor era maior...
Era, não, ele respirava mais alto aí todo mundo calava...
Ah é, respiração...
Esse era o problema, não no que ele “hum”, ele tava em casa então...
Eu me lembro uma vez uma surra que eu tomei, uma surra que eu
não esqueço porque a gente nunca deu nome lá em casa, nome feio,
né? E, nesse dia, eu tava fazendo um trabalho de escola, muito aplicada na escola, só tava querendo, tipo quinta série, viu? E o velho
dormindo lá no quarto, só que a minha irmã brincou lá e caiu com as
coisas no meu trabalho, eu não gostei. Então, eu dei um nome, um
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nome que não é nem pesado, né? Mas, nessa hora, eu soltei, o velho
me levantou de lá e pegou um travesseiro, né? Pegou um mais acolchoado que tinha tal e aí, segura a cabeça, eu digo hum? Bora, segura
a cabeça, eu segurei, tome-lhe, tome-lhe, não doía nada, mas aquilo
era um negócio tão ridículo né, eu queria rir dele coitado, eu fiquei
assim, e ele não era de bater...
Ele não queria maltratar, mas queria castigar...
É, então, sabe que eu fiquei assim, a casa toda segurando a cabeça e
tudo era sala, quarto, banheiro, “poim, poim, poim”, e eu segurando
assim... Segure direito.
A preocupação dele...
Eu quase chame ele de, digo assim que cara bobo né? Hoje se eu
disser a ele, ele esqueceu...
Sua mãe, os castigos de sua mãe eram mais...
Não, ela era dura, porque é o seguinte: ele não espancava, ele che...
sentou, falou, você chora, mas ela era o contrário, o negócio dela era
a sandalhinha mesmo, o chinelo, tome-lhe, tome-lhe...
Então, ela dava uma surra de vez em quando...
Dava, coisa que eu não faço hoje, não dou não, eu sei, eu acho que
sou muito ele, sou de sentar também, agora eu não boto pra chorar
não, já fiz muito isso, já parei, eu copiei dele isso, é incrível, de outras
pessoas chegar pra mim, R... peraê, calma, que isso funde a cabeça da
criança, não pode fazer isso, se vê, se não foi bom pra mim, como é
que eu posso passar pra minhas filhas isso, aí eu parei de chegar assim
e sentar e conversar, mas conversar mesmo, botar assim a realidade,
tá.
Agora, você falou que enquanto criança tivesse vez em quando uns
castigos... E adolescente também, você passou por isso?
Na adolescência, não, não a adolescência foi mais suave, porque foi a,
a separação justo aí, né? Tipo doze, treze anos houve a separação.
Então, aí fomos morar com a minha mãe, e a mãe mais liberal possível não teve essa, quase que nada, ela deu total liberdade pra gente,
tranquilo, então ela não espancava assim, já não batia, não podia né?
Conversava com a gente, olha, cuidado, a vida é isso e isso né, olhe,
estudem porque senão vocês não vão dá em nada, mas criada mesmo
como mãe, terminada de criar como mãe, então pra mim, aquela
liberdade eu respeitava, eu digo poxa, se a velha, todo o suor ali
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trabalhando pra gente estudar, me poupe, né? Aí eu tenho mais que
respeitar isso aí e não fazer muita besteira, fazia, já fiz muita besteira,
mas, pensando sempre no coraçãozinho dela, eu fazia chorando quando fazia, mas a maior besteira que foi zarpar prum outro país, assim,
minha filha só pensar nisso vai...
E ela deve ter sofrido muito, né? Na época?
Ela chorou quando eu sumi, porque eu sumi, eu não cheguei assim,
minha mãe tal, eu cheguei e disse olha, gostei de um cara aí, tô indo.
Ninguém conheceu o cara não, eu peguei estrada e fui embora.
Não sabiam nem que você estava namorando com ele?
Ninguém conheceu, só R..., que eu apresentei um dia, é o meu
marido atual.
Foi difícil, né?
Foi difícil mesmo. Aí, eu vi, ela fez... Olha que coisa interessante, eh,
porque é mãe né, eu sempre tive uma comida que eu sempre gostei,
hoje, gostava demais, aí ela sabia que eu ia partir a noite, nove horas
da noite, ela fez a comida, assim, com lágrima, era a lágrima dela que
ia, poxa aquilo ali me marcou pra caramba, que ela ia cozinhando ali
né, aquele pirãozinho e a lágrima ali caindo, e ela fazendo, uma palavra ela não deu, quando terminou botou lá pra eu comer, tal, e aí saiu
pra não ver eu partir, incrível aquilo, aquilo dali me marcou, acho
que se ela tivesse gritado, bradado não marcava tanto.
E você fez isso assim, por quê? Você sabia que iam ser contra?
Eu sabia que todo mundo era contra...
Contra ele?
O rapaz, não, essa, essa liberdade toda que ela deu fez com que isso,
talvez com que isso acontecesse, porque eu digo, poxa quando eu
fizer dezoito ano, eu saio do Brasil, saio mesmo, botei isso na cabeça
que eu ia sair fora, então quando eu conheci um, um rapaz que aí, fui
atrás, já mesmo chateada com tudo isso aqui, esse sistema todo, a
separação dos pais, né? Eu queria ver alguma coisa diferente, eu queria conhecer o mundo, então não teve quem me segurasse, nem o
velho lá de Feira de Santana não segurou eu aqui, porque ele não
separou, aí como é isso aí, aquela coisa toda do pai ele não tinha mais
nenhum...
Perdeu totalmente...
Com certeza, ele dizia é pau, eu dizia: olha é pedra. Então, ele não
podia fazer nada, que podia, eu acho que eu não...
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Quebrou, se quebrou alguma coisa
É, muito... Mas, se fosse ele ali, acho se ele fosse um pouco mais
firme, ele podia, se era todo mundo de menor? É ou não e? Mas não,
ele aí a é, então foi cuidar da outra família, a gente aí ficou meio, e
deu no que deu, né?
É, mas deve ter valido...
Ah, tem dez anos a minha filha.
Então, sim você, então na adolescência, fez isso assim que foi um
negócio que chamou a atenção, né? Que fez a família sofrer. Mas
antes os namoricos, quando é que começou mesmo a, a dar preocupação a mãe a respeito dessa questão de namoro?
Olhe, namoro? Olhe, eu comecei a namorar tarde, quinze anos, primeiro namorado quinze anos, eh, por causa do pai que a gente não
podia olhar nos olhos dos homens, não tá? Enquanto fomos criadas
meninas, se chegasse um, um visitante, alguma coisa, sendo do sexo
masculino era olhando do joelho pra baixo, coisa assim que, então
não olhava di, diretamente nos olhos dos homens e aquilo me criou,
eu com quinze anos é que tive coragem de dar o primeiro beijo, não
foi nem na... beijo tá. E aí me encubei de novo, então dezoito, dezenove
anos começou a aparecer um namorico aqui, ali mas sempre me segurei. Era mais de sair e me divertir mas porém namorar era aquela
coisa, eu não dava sorte... Dá uma história...
Não era uma das mais namoradeiras não...
Desencantei depois que virei mulher, aí ninguém me segurou, mas
fora isso...
Aí você fez o que não, que não fazia antes...
Ninguém mais me segurou, mas fora disso não. É dezoito anos,
dezenove, com a igreja, a influência da igreja também, é uma das
coisas que eu tenho assim maior gratidão ao próprio Deus é que com
tudo isso minha mãe, uma mulher batista né, evangélica, então ela
passou toda essa coisa de respeitar Deus. Olha R..., a vida tá aí, tá,
tem isso, isso, isso, mas você tem um Deus aí que você vai ter que
respeitar. Então, eu com doze anos fui uma das primeiras né, a me
batizar nas águas, coisas dos, dos tradicionais, dos batistas, eu levei
aquilo sério mesmo, então eu li a Bíblia, aquela coisa, então aquilo
me influenciou bastante, qualquer passo errado que eu ia dar eu
pensava assim, ih! O que é que ele vai achar, heim? Então eu criei essa
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intimidade com ele desde pequenininha, então tudo, tudo que eu ia
fazer, quando eu fazia mesmo, metia as caras e fazia, atravessava o, o
sinal vermelho depois eu tinha que me ver com ele, era eu e ele, era
uma coisa que ninguém podia, era minha consciência e ele, então
aquilo foi muito bom pra mim, eu agradeço a Deus que foi isso aí
que me firmou, eu não fiz mais besteira por causa disso, imagino que
não fiz mesmo...
Então a influência da religião foi muito importante, né?
Muito, eu passo, passo isso pras minhas filhas.
O que que você acha que a religião pode dar de positivo assim? Diga
assim o seu depoimento.
O que ela, o que ela fez por mim? O que ela pode fazer por alguém?
Como a religião é importante pra educação? Você me disse aí que é
um dado importante, que você sempre lembrou...
Vou levar isso aí até a sepultura. Porque é o seguinte, a religião que foi
ensinada, né, é a sua ligação com Deus, então eu comecei a crer que
existia um Deus, existia um jeito de chegar até ele, e que ele era
muito bom, temível porém muito amável, e um pai, então aí desde
pequenininha, papai do céu, né, aquela coisa de orar, eu orava muito,
e vai dando ao homem uma personalidade, ao homem, a mulher, né?
A criança não sei, ela vai ser tornando assim, ela se sente mais segura,
não é só o pai e a mãe, ela sabe que tem o pai e a mãe mas tem o papai
do céu imenso lá que também tá olhando aí, tá. Então, como criança
eu via assim, e depois ele, papai do céu foi fazendo com que eu
crescesse, eu lembro de uma oração que eu fiz, que era pequenininha
que diz Deus não deixa eu crescer, não deixa eu crescer não, que é o
seguinte, se eu crescer vou virar gente grande, e se eu virar gente
grande, pô, vou pecar, caramba, se eu pecar eu vou perder o senhor,
e se eu morrer agora eu tô indo pro senhor, então eu não quero
crescer não, não quero não, porque aí fora é tudo feio, pequenininha.
Isso ficou pra mim assim na cabeça, só que eu cresci, cresci...
Mudou a idéia.
Não, ele me permitiu que eu cresci, disse não você vai crescer, então
eu cresci, então a religião é assim pra mim, eu passo pra minhas
filhas, a minha de, de com três anos já elas ora, já oram né? Oravam
porque agora já tem cinco, a mais velha ora, respeita, tem aquela
coisa. Se eles desviar como eu fiz, porque eu desviei, saí um pouco,
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com certeza assim como ele foi comigo ele faz com as minhas filhas,
ele traz de volta, eu espero que não desvie. Mas isso é uma coisa assim
de avó, minha avó influenciou muito a mim, ter visto a minha avó
pregar assim comigo, aquele amor a Jesus, a Jesus, ter visto ela passar
pelo que ela passou, de parte de mãe, e ter visto sair o caixão dela
dentro de uma igreja pra mim, não sei se pra alguém marcou, mas
pra mim marcou demais, foi demais eu ter que me despedir dela ali
naquele caixão sabendo que naquela igreja ela foi e terminou ali,
entendeu? Aí eu disse não, isso vai ficar comigo, aí passou por minha
mãe e eu, eu espero, não sei, e um dia eu também eu quero sair dali,
é dali mesmo, de uma igreja dessas aí, pode, pode ser o que for,
adventista, batista, presbiteriana, eu sei que não é igreja que leva
ninguém a nada, mas eu quero sair de uma igreja, não pelo fato de
que estou sendo salva por que estou sair de uma igreja, não, é que,
como foi com minha avó eu estou dizendo isso seja comigo, eu já
disse pras minhas filhas também: “gente, é o seguinte: o caminho é
esse aqui, quer seguir, ele vai dar tudo a você, agora vocês vão ter que
passar, é como o vestibular da terra né?” Então elas tão aí vivendo,
olha, você pode ser, estudar, ser o que você realmente deseja ser, ele
ajuda a você, vai ter filhos, crescer, tal, vão estar nesse sistema todo aí,
mas você sabe que o mais importante disso tudo pra vocês, é a sua
comunhão com ele, e cada uma tem uma comunhão diferente, elas
me passam mensagem, tem hora que eu estou assim numa, numa
depressão, coisa assim, eh, eh, da vida, e a menorzinha chega pra
mim, mãe vamos fazer uma oração, eu não tô nem pra orar, mãe
espera aí, eu oro, e chega e fala, papai do céu abençoa a minha mãe.
É, cinco anos assim na mesa, abençoa ela, meu pai, ajuda ela a fazer
isso, aquilo outro, puxa aquela oração ali levanta, que eu digo, olha
Deus...(Inint...) e a maior, então ela, ela é uma menina especial, que
ela, ela é igual a mim, taí, ela observa tudo, tá ali ligada em tudo, é
exatamente a minha xerox, então ela qualquer coisa, ela vai e ali sonha
coisas assim, eu acredito, ela chega pra mim minha mãe vai dar certo,
olha, sonhei com isso, isso, aí eu analiso o sonho dela, se for eu digo
é Deus abençoe que seja verdade, não ponho nela aquela coisa, nada
de fanatismo, mas tudo bem. Resumo, sua ligação com Deus é o ar
que você respira, isso foi pra mim, e eu tento passar adiante, então a
religião realmente tem, é só pegar uma pessoa que viveu como eu
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vivi, e pegar uma pessoa que não teve essa formação, uma pessoa que
não teve, que não tem essa ligação com Deus, você vai ver que a
diferença é muito grande, e olhe que eu fiz muita besteira, imagina se
eu não tivesse esse Deus, eu tinha feito assim, eu acho que eu não
estaria nem aqui.
É isso mesmo, R... agora mudando de assunto, vamos falar agora da
escola...
Escola
Certo, você estudou desde pequenininha...
Sim, desde quatro anos.
Quatro anos, você lembra das diversas fases suas na escola.
Lembro, fiz o pré...
Lembra das primeiras professoras?
Professora? Lembro, lembro da, da primeira mesmo, uma, uma senhora forte, tal, do pré...
O que você lembra dela?
Amável ela, mas era muito de brincadeira, era mais pra brincadeira,
não teve uma coisa. Agora eu lembro da primeira professora de banca, essa não dá pra esquecer...
Por quê?
Porque ela era muito rígida, Dona..., deve estar lá com os anjos, né?
Porque ela foi terrível, ela...
Ah! Não foi boa professora...
Não, era muito rígida pra época, era uma coisa assim de, a tal da, da
sabatina, não sei se você ouviu falar...
Ah! sim! Oxente! vivi...
Então, ou a gente estudava, era uma coisa que, aquilo me traumatizava,
eu estudava assim na ponta da língua, porque eu sei que se eu errasse
alguma coisa era aquele negócio de palmatória, né?
R... falou sobre isso...
Jesus!!! Ah, lembrou? R... ficou no milho...
Ela me falou.
R... foi terrível também...
Os castigos na escola eram muito severos?
Demais, era coisa que se hoje acontecesse era pra prender, era prender mesmo, imagina, essa mulher, imagina as outras...
Prender a, o professor...
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O professor, isso não existe, eu não concordo, quer dizer, pode até
existir, né? Mas é uma coisa que...
Conte aí um, uma coisa feita na escola que foi motivo pra um castigo
desses...
Primário, né? Olha comigo eu nunca deixei acontecer, porque eu
fazia tudo pra estar ali na ponta da língua, mas com os meus irmãos,
com R.... essa ai, e como o meu irmão J... , meu irmão J... eu e ele
também no mesmo nível de, né, de escolaridade, aconteceu que ele
não estudou, então o castigo dele foi severo, ele ficou sem se alimentar, ele não teve merenda, ele foi amarelando na minha frente, foi
amarelando, foi ficando nervoso, que era um menino nervoso né? E
aquilo começou a chamar, eu falei oh, o J... não tá bem não, e ele foi
ficando meio assim, desmaiou, foi fome mesmo. Aí ela ficou, que
aconteceu isso ela ficou apavorada, ai o que tem o menino, o que tem
o menino, aí mentiu pra minha mãe, mas eu sabia o que aconteceu,
ela proibiu de se alimentar do começo do dia e foi ficando, que a
gente passava assim um período grande na banca. E isso foi uma
coisa, e com...
E ele não disse nada, ele era pequeno?
Não, ele é mais velho do que eu um ano, mas é assim, muito tímido,
demais até, ele é um cara, hoje um homem que não come na frente
de ninguém, então é um cara muito, talvez trauma de infância né?
Então, ele não, não falou, eu que depois contei pra minha mãe,
minha mãe tirou de lá, mas isso marcou pra mim, né? Eu digo:
“puxa, e a R... no milho, né?”
R... ficou no milho ajoelhada...
Ajoelhada no milho horas e horas com Dona..., que era um anjo de
mulher...
Imagine se não fosse...
Faleceu, viu? Então, isso aí marcou...
Isso daí é o que você lembra da escola, os castigos...
É, no primário...
Mas nessa fase você não lembra de coisas positivas?
Positiva, eh, positiva era o que, era as sabatinas também, isso fazia
com que eu estudasse muito, heim! Mas a coisa era a memória, você
tinha que decorar, não era bem estudar e ficar, captar, você decorava
depois você esquecia, né? Então eu sabia muita coisa porque eu decorava bastante assim, depois tchau.
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Isso era no primário ou já também no ginásio?
Primário, não, ginásio aí já era outra coisa né? Ginásio eu absorvi
bem o ginásio, porque eh, o Instituto Complexo Escolar Ministro
Pires Albuquerque foi o ginásio que eu fiz, o GEMPA...
Eu ensinei lá, eu ensinei lá...
Pois é, então o GEMPA pra mim foi demais, uma escola não sei
como lá...
É capaz de eu ter ensinado na época, eu saí de lá em 1982, não
você...
Não eu bem antes...
Em oitenta e, em 1980, entre setenta e oitenta e dois eu ensinei no
GEMPA a noite.
Eu saí do GEMPA, acho que nessa faixa, setenta e pouco, setenta e
cinco...
Eu ensinei à noite...
À noite, é? Eu era de tarde...
Ensinei de dia também
A tarde. O GEMPA era um senhor colégio.
Pois eu ensinei lá por muitos anos.
Educação artística, né, eh, física, não, deixa eu ver, inglês, matemática, história, geografia, EMC...
Será que você foi minha aluna?
Não sei, eu sei que foi, não fui a melhor não, fui uma ótima aluna, eu
gostava de ser a melhor, não pra me exibir, porque sempre fiquei no
final de sala, eu tinha esse negócio meio, até hoje ainda tenho, digamos, está ali o professor tal, a minha carteira era a última da última
do canto. Por quê? Porque eu observava todo mundo, eu queria tá
vendo aí, tal, o movimento, tal, então dali, eu não, eu não gosto de
ser observada, eu gosto de observar... Essa é a história...
Engraçado...
É, então aí eu ficava no, olhando o quadro também pegava tudo, e
tal, e tinha um negócio comigo assim, como até hoje tem, se eu
sentir que tinha alguém na sala com algum problema, alguma dificuldade, então esses eram meus colegas...
Você gostava de ajudar...
Ajudar, tem muita gente, essa minha saída teve gente chorando mesmo, quando eu perdi. Porque eu, por minha causa muitos passaram
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Foi de lá...? Severino...
Esse foi no Severino Vieira. Aí muitos passaram.
Foi no Severino que você deixou. Bom, mas os professores seus no
GEMPA você disse que a escola era boa.
É boa, na minha época era muito boa o GEMPA, até, até a alimentação, né?
A aprovação era automática lá.
Não sei.
Eu me lembro do GEMPA, pelo menos no início, não sei se você
pegou.
Eu sei que foi assim...
Era muito diferente das outras escolas, era diferente das outras escolas...
É, eu dei uma sorte de entrar nessa escola, era uma coisa assim, era
parecida com as escolas de hoje, né? Bem assim, ela era, eh, não era
da época não...
Não eram notas, as crianças não tinham notas não, eram conceitos...
Não, trabalhos, conceitos...
Você lembra?
Isso, isso me ajudou pra caramba também, viu? E entrei também na
área de esporte, lá tinha os jogos, os campeonatos, né? de séries, aí a
gente botava Bahia, Vitória, essa coisa, e eu era jogadora também,
né? A turma lá, entrei pra ajudar, dei uma péssima centro avante,
porque preguiçosa, oh, gordinha assim, baixinha, preguiçosa, e, é
você R..., é você, eu digo: sou eu. Então vai, primeiro tempo já saia
fora, e gol somente assim de sorte, quando batia na perna e entrava e
todo mundo me carregava eu, fui eu que fiz eu nem vi...
Não era muito assim não...
Não, pra esporte não, eu era gordinha assim, baixinha e peituda, né?
Aquela coisa, eh, mas assim, foi aí depois do GEMPA foi que houve
a separação. Eu saí do GEMPA na, não lembro na série assim, já saí
mesmo porque separou meu pai e minha mãe, e, graças a Deus, foi
no final do ano, passei o ano, separou e acabou tudo...
É, você deve ter sido aluna de Nazaré, de Emília, você não deve
lembrar...
É, é, não, o nome assim é meio familiar, eu não lembro, eu lembro de
um só...
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Quem era?
Eh, aí R..., não, não, não é esse não, esse já foi primeiro ano se segundo grau, não é ele não, esse é outro aí. E no segundo grau já com
minha mãe, morando com minha mãe. Então, eu levava a sério pra,
por causa da velha mais, nem por causa de mim mesmo.
Vamos comparar a educação na es, a escola nesses anos todos que
você viveu, o que você considerou escola boa, escola ruim? Por quê?
As escolas em relação a, a minha época pra agora, não?
É, em todo o período, em todo período seu de estudo. Houve pontos
positivos, pontos negativos. Quais foram os pontos positivos quais
foram os negativos? Você já falou aí da dureza de algumas profe,
alguns professores
Professores...
Do primário.
Banca, né? É do primário, banca em si, mas as escolas, eh, as escolas,
eh, Instituto ...Inint... Barreto, na Caixa D’Água, era meio assim
ligada a religião né, atrás de uma igreja, então não tinha aquela coisa,
apesar de ser também do, da prefeitura, mas era mais branda. E o
GEMPA como você falou né, era uma ótima escola, era só criança se
interessar que passava né, e a, a escola de segundo grau sim, a escola
técnica Nilson Sucupira, passei por ela, uma escola técnica, acho que
foi uma das segundas eu acho, e o final, a, Severino Vieira, que é uma
grande escola, heim, uma grande escola, só senti dela ter tirado certas
né, a escola, eh,...inint...ela só manteve o turismo né, arte plástica, as
opções, turismo, pra você terminar o segundo grau nisso aí, e esse
que, poucas pessoas, eu acho que nem levou três anos nisso aí, nem
quatro ano, não...
O que, vamos comparar essa educação toda que você teve com o, o
hoje. O que você tem sabido das escolas hoje?
Olha, hoje está melhor, com a evolução toda, com toda tecnologia, o
ensino hoje está muito bom, e muito fácil também, se o camarada
disser ah eu não estou sabendo, um adolescente assim, ou até o jovem, não dá, tal, é porque ele não está a fim de nada, porque está fácil
mesmo, você vê que eu parei onze anos de estudar, oitenta e três pra
cá, eu retornei a estudar esse ano gente, então estou achando fácil, ah
eu não sou tão, era pra eu estar mais difícil, eu estou achando fácil
pra mim, imagina pra essa galera que está estudando o tempo todo
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com tanta facilidade, então o ensino hoje em dia né, não vou comparar com outro país, porque aí não tem comparação, mas...
Mas você já viu em outro país a educação
Já, e o primário então...
O que que você acha que poderia mudar aqui pra melhorar?
O governo se interessar mais, verbas, mais verbas, mais incentivo,
aqui tem uma coisa que criança pra entrar na escola, na escola pública ela tem que ter seis anos, sete, isso é uma coisa que não deveria
existir, as escola pública elas deveriam incentivar, trazer mesmo de,
do prezinho, pra ir formando a criança, e a mãe que não tem condições de botar numa escola particular o que faz? A minha mesmo de
cinco anos está numa escola particular, mas o que é que faz essa mãe?
Vai ficar com, segurando essa criança até seis anos pra depois com
sete anos tentar colocar numa escola, e aí? Eu acho que não é por aí,
é a falha atual pelo menos aqui na Bahia, em Salvador, é essa. Eu já
briguei até com professores, nas escolas lá de Monte Serrat, eu digo
gente isso aí não pode acontecer, e o pessoal, ah, mas foi o governo,
eu digo, toda a criança na escola e começa a cortar, e cortou mesmo,
tinha, existia, mas tirou as crianças do prezinho, de, só com sete anos
em diante, e olhe lá..
Sim, vamos agora analisar a parte física da escola, você acha que precisa mudar alguma coisa? Que, que sugestões você dá pra parte física
das escolas, das escolas?
Eh, eu acho que deveria eh, mais, eh, tipo as escolas técnicas, colocar
mais coisas né? Tipo assim, técnicas agrícolas não em escolas, né? Não
existe, mas colocar mais, né? eh, os laboratório, né, eh...
Equipar...
Criar assim, é, equipamentos, coisas mais que o pessoal tivesse mais,
mais, como se diz assim, pudesse...
Oportunidade.
É, oportunidades e tal, essas escolas não, escola pública é o que, a
diretoria, a secretaria, salas de aula, e, a, muita teoria e pronto, e...
Parece que a escola está preparada somente pra aquela aula antiga né?
Aquelas aulas antigas...
Tem uma, uma escola em Feira de Santana que eu fiz a sétima série
lá, que eu viajava muito, eu fui pra tudo que é canto, eu já falei umas
três aqui...
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Ah, porque foi no período que separou?
Foi, aí eu fui pra lá com o meu pai...
Ficou um tempo lá, ela me falou que vocês ficaram um ano só lá...
Foi, um ano lá, e na escola Polivalente de Feira, aquela escola é demais...
É boa, né?
Escola, é, uma senhora... uma escola que tinha técnicas agrícolas,
aqueles tratores, tudo a nossa disposição, foi ali que eu aprendi até a
terra mesmo, a cultivar o alface, né? a mexer com os bichos, e o
laboratório é assim, tudo, até fetos, não é, se você... é uma coisa assim
genial essa escola, a biblioteca assim muito, e era uma escola de, de
interior...
E pública né?
Pública, não, ali eu aplaudo, eu não sei se tem uma aqui em Salvador,
Polivalente, mas a de Feira é de se aplaudir...
Me fale, você tem dois, duas filhas, as filhas já estão em idade escolar,
uma no pré- escolar, e uma que é com dez anos.
Quarta série...
Quarta série, ela deve, ela deve ter, tarefas, trazer tarefas pra casa.
Com é que você vê essa história do, do estudo em casa, tem horário
específico.
Olha eu acho que eu não tenho condições de, né? E a mãe que também trabalha, que coisa, ela também não tem condições. Eu coloco
numa banca, e a professora da banca, eu puxo dela, e eu vejo que ela,
ela ensina aquilo que eu não tenho tempo de ensinar, os trabalhos eu
começo até a dar uma olhadinha assim, quarta séria a gente não vê
muita dificuldade, né? Traz os trabalhos e tal, tem coisa assim que eu
acho até difícil pra ela, mas taí no nível de quarta série, o que eu não
sei eu aí peço a professora um auxílio...
Mas você acha que você não sabe o assunto?
Tem, tem assunto que eu já esqueci porque eu parei tanto tempo né?
Tem coisas que eu não sei, então eu não vou ensinar uma coisa que eu
não sei, peço pra professora, eu tenho essa, né?
Você acha que deve ter um horário específico pras crianças estudarem? Ou deve deixar a vontade pra que eles...
Não.
Façam seus horários?
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Eu acho que mãe tem que orientar, a mãe orienta, se não tem a mãe,
o pai, se não tem o pai, a tia, alguém que zele pela educação da
criança, porque ali tá, mas até do que a, a alimentação é prioridade,
mas a educação também, se você prepara seu filho, né? Não assim,
exigindo demais dele, mas você prepara ele, você está ajudando ele a
ser alguém, né? Aí você começa, oh, vem cá, mostra interesse, a mãe
tem que mostrar, eu no início não fazia isso, faz eu mesmo sentir,
puxa, depende de mim também, aquela coisa de trazer o boletim,
né? Mãe, olha aí, mãe, vem cá, eu passei e tal, e eu olhava assim, ah,
tá bom, aí depois eu digo, vem cá, o que é que eu estou fazendo? Ah,
tá bom, eu digo, ah, ah... nem olhava direito...
Tem que ter estímulo, né?
Tem que ter, então agora eu digo pô, você está mal nisso aqui, e aí,
você diminuiu de, de, né, de produção, você tem que melhorar e tal,
nisso, vombora ver com a sua professora, então isso aí...
Mostrar interesse...
Poxa, minha mãe, tá...
R... nós podemos pelo tempo encerrar, você também tem horário,
então eu vou agradecer a você...
Nada, precisando de mim, estou aí...
Tá bom.
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INQ 37–HOMEM–IDADE: 51 ANOS – ESCOLARIDADE: FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: EMÍLIA HELENA PORTELLA. MONTEIRO DE SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 17/06/2000
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Seu I., nós vamos conversar um pouco a respeito, primeiro o senhor,
gostaria que o senhor falasse sobre a sua infância. Como foi sua infância?
Minha infância foi razoável, não é? Porque pessoa pobre, não é? (inint.)
eu precisei trabalhar para poder me manter, não é? Então não tive
tanto tempo assim para estudar, nem ficar dentro de casa, eu sempre
ia a uma praia, um negócio, mas (inint.)
O senhor tem irmãos?
Tenho uma irmã, tinha duas irmãs, uma morreu e a outra casou.
E como era seu relacionamento com suas irmãs na infância?
Não foi lá muito bem não. Porque eu vivia mais fora, não é? ela vivia
mais com minha mãe e eu praticamente eu vivi mais fora de minha
mãe do que com própria minha mãe, que minha mãe era lavadeira,
não é? Aposentada, era lavadeira. Então tive que partir para o outro
lado, não é? Já trabalhei em balcão, fui criado com espanhol, não é?
espanhóis que me criaram e então, naquele trabalho, naquele trabalho eu fui, não é? toda convivência, não é? Minha infância foi essa,
não é? Até hoje, até os quinze. Quando eu cheguei aos 18 anos, tirei
os meus documentos, comecei a trabalhar, comecei a trabalhar para
os outros. Fui trabalhar na (Inint.), depois fui trabalhar no cinema,
depois fui trabalhar vendendo cafezinho, empregado, aí foi através
(Inint.), passei a vender para mim mesmo, não é? Fui para São Paulo
também, trabalhei em São Paulo numa fábrica de... de lata, não é?
(Inint.) Trabalhei lá onze meses, depois retornei e fiquei aqui até
hoje. Aqui trabalhei de... de cabo de turma, não é? Porque o rapaz
que eu trabalhei, vendendo cafezinho para ele aqui era uma turma,
não é? Então ele passou, tem uma firma com negócio de emprego.
Como eu já trabalhava com ele, ele me botou como cabo de turma e
trabalhamos três meses (Inint.)
E o senhor tinha amigos na infância? A gente vai falar da infância
primeiro para depois...
Tive vários (Inint.) outros mais, tive D. que é morto.
E qual é a brincadeira predileta de vocês?
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Eh... nossa brincadeira, na época, era negócio de casar, (Inint.), bola,
gude, fura-pé.
E pintavam muito. Você foi uma criança... criança levada?
Não sei, não sei explicar se eu fui uma criança levada, não é? Eu era
esperto; levado acho que não (Inint.) A maioria dos adultos gostavam
de mim, não posso dizer que fui levado, não é?
E sua mãe reclamava muito?
Ah, minha mãe, minha mãe, ela... minha mãe era do interior, quando ela saía, quando eu saía, eu chegava tarde, não é? Ela aí prendia,
botava eu nu para eu não sair, ela pegava me batia, botava para eu
ficar esperando em casa.
Porque ela agia assim?
Não sei.
Porque o senhor fazia alguma coisa que ela não gostava?
Não. É porque ela não queria que eu saísse, não é? para rua (Inint.)
quando eu saía que chegava tarde ela...
Ela reclamava.
É isso aí, não sei explicar.
Teve alguma coisa assim que tenha marcado na sua infância? Alguma
coisa boa ou algum tipo de acontecimento?
(Inint.) Teve tantas coisas boas, teve tantas coisas mal, mais mal do
que bem, não é? Então, a gente pode lembrar de certas coisas assim
que a gente às vezes fala assim, os tempos que passou. Eu me lembro
de algumas coisas ruins e também de algumas coisas boas, não é?
Não está gravado agora no momento para te responder.
E a escola? Quando foi que o senhor foi para escola?
Ah! Eu fui cedo para escola, fui cedo, (Inint.) eu estudei no Liceu de
Artes e Ofícios, estudei... Primeiramente, eu fui estudar na Conceição do Fraga, (Inint.) na Conceição do Fraga, mas já quando eu
entrei para estudar eu já sabia tudo, eu estudei em casa aprendendo
o ABC, cada nome eu aprendi naquele ABC, quando eu fui para
entrar para o primeiro ano, não é? Naquela época, o primeiro ano era
primeiro ano cartilha, não é?
É.
A cartilha, aí eu já sabia ler a cartilha toda, porque eu cheguei (inint.)...
Então a cartilha chamava Gato de Botas, eu me lembro até hoje, não
é? Gato de Botas. Então, quando eu cheguei lá, ela dizia assim, isso
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aqui uma página para você ler, e eu já tinha lido o livro todo, não é?
Então, ela chegou e disse assim: “olha, antes de chegar o meio do
ano, se você (inint.) não precisa mais estudar aqui, você já está passado para o segundo ano,” me transferiram lá para (inint.) aí minha
mãe não gostou, porque eu passei de ano e ela tinha que comprar o
livro, ela não gostou não, porque gastou mais, não é? Porque era... era
uma cartilha aí no segundo ano era guarda de livros aritmética, matemática, geografia...
História.
História do Brasil (inint.), não é? E, fora os cadernos, não é? (Inint.)
mas quando eu cheguei não fiquei até o fim, final, não é? Antes do
final eu sair, aí perdi o ano, não é? Perdi, aí tornou, tornei a me
interessar de novo, não é? mas não fui até o fim também de novo, não
é? Aí saí do Liceu, do Liceu eu estudei aqui em cima, não é? (Inint.)
não sei se a senhora conhece aqui Instituto Carecista da Bahia, estudei...
Carecista?
Instituto (Inint.) estudei na escola João Limo, não é? Tudo que eu
sair daquele colégio naquele ano e entrava no mesmo ano, não é?
Que é que fez de você eh... não ir até o fim?
Não sei, algum, não ei o que tinha, não é? eu acho, eu achava que não
ia passar, não é? Então não tinha, como se diz, aquele medo de não
passar, (Inint.) estudava e tal a professora, eu só tirava nota boa, mas
quando chegava no final eu tinha aquele receio que eu não ia passar,
aí eu abandonava.
Oh! Que pena! Me diz como foi que o senhor aprendeu as letras, a
ler, antes de... de entrar na escola?
Aprendi, meu tio que me ensinou, a mulher do meu tio, ela comprava, comprou o ABC, que na época era ABC, aí comecei a aprender as
letras todas, a tabuada, eu sou um pouco ruim é nas contas (Inint.)
conta, assim de multiplicar não, mas negócio de fração essas coisas
(Inint.) Então eu aprendi assim, ela... ela botava o ABC (Inint.)
aprendi o ABC todo, depois passei a soletrar, não é? Comecei a soletrar, comecei a aprender, eu sei que entrei no colégio já sabendo,
entrei no colégio sabendo, (Inint.) quando chegou lá, eu não fui nem
no meio do ano, no meio do ano (Inint.) adiantado, como hoje eu
tenho um filho que hoje ele está na segunda série e não sabe quase
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nada, ele já repetiu, não é? Da primeira série para segunda, ele não
repetiu, não é? Mas, da segunda para terceira, ele repetiu.
E me diga e me fale sobre sua professora, o senhor se lembra da... da
primeira professora e depois?
Não, não, da primeira... da primeira não me lembro porque foi...
como é o nome da Conceição da Praia, então esse (Inint.) e eu me
lembro de uma professora lá no Liceu ela já era uma senhora, não é?
Uns quarenta anos, ela era meio durinha, não é? Mas a professora
mais que eu mais gostei foi Noemia, Noemia a que eu mais gostei,
porque Noemia era do Instituto Carecista e as outras também não
me lembro muito não. Eu estudei aqui (Inint.) de noite, mas estudei
pouco, só levei assim, uns dois meses, sabe.
Mas o que fazia a ... além dessa, desse receio que o senhor tinha de
não passar? Algum outro motivo levou o senhor a abandonar depois
os estudos? (superp.) O que podia ser?
Ah, foi trabalho, foi trabalho, tive que me alimentar, não é? passei a
trabalhar para o espanhol.
Sim, me fale um pouquinho sobre esse trabalho com os espanhóis?
Eh...eh... é um só ele, não é? porque ele era moderno, devia ter seus
dezoito anos, ele era solteiro, a gente morava dentro do bar (Inint.)
dormir lá mesmo no... Então ele passou, ele aí me botou lá para
trabalhar com ele. Comecei a trabalhar. Então começava a abrir o bar
seis horas da manhã e a fechar meia noite, duas horas.
Aonde era esse bar?
É aqui mesmo, ali no... ali no dentro do Maciel, aí não era ali não era
“boca quente”, não é? (Inint.)
É.
Então a gente trabalhava direto ali, eu trabalhava, às vezes..., eu descansava assim quando ele che... quando ele acordava, aí ele ficava no
lugar, aí eu saía para folgar, mas depois tornava a voltar, não é? Como
ele então...
Quantos anos você tinha?
Ah, estava com uma faixa de ...
Dezoito?
Oito.
Ah! Oito anos de idade! Menino!
Eu ainda com ele, eu ainda estudei também um pouco, não é? eu
estudava de manhã e de tarde, eu ia trabalhar, não é? mas meu negóPEPP
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cio não era muito estudo não, meu negócio era trabalho, não é?
Apesar de até ter uma cabeça, tinha uma cabeça boa, mas...
Não aproveitou.
Não aproveitei, quer dizer, não sei também, não tinha quando a
gente não tem uma família assim, formada, que empurrava para o
estudo, minha mãe era uma pessoa que cuidava da vida dela e os
parentes, eu tenho um bocado de parentes, mas cada um em seu
local, não é?
Com a sua vida.
Com a sua vida, aí então, quer dizer aí não tinha aquele incentivo,
não é? tinha vontade muito de aprender, por exemplo, tinha vontade
de aprender o meu... meu maior... o meu maior sonho é ser desenhista, tanto que eu tirei um curso de desenho por correspondência,
não é? Tirei e tudo, tomei nota boa, mas, daí para lá, também nunca
mais, nunca, fiz negócio para desenhar.
Oh! Que pena! Agora é de quanto tempo o senhor trabalhou com...
Espanhol?
Espanhol.
Ah, trabalhei dos oito até os dezessete anos, dezessete anos. Com
dezessete anos eu tirei meus documentos de menor, aí fui para o Rio
(Inint.) aí, lá no Rio...
Com dezessete anos?
É, com dezessete anos fui para o Rio aí fiquei lá no Rio esses tempos
lá, aí quando estava para me alistar, para poder me apresentar ao
exército, eu tive que vim, não é? aí eu voltei, que eu ia me apresentar
lá mesmo que tinha um... um... um amigo, conheci lá. Ele era até
cabo da Marinha aí (Inint.) ah! Rapaz, você transfere aqui tal, mas
também na casa que eu estava também não ia nada bem, não é? Eu
digo “oi! Sabe o que é o seguinte, eu vou é voltar para... para Salvador
é melhor,” aí fui para casa de parente, não é? Fui para casa de minhas
tias, aí ei cheguei voltei, aí cheguei aqui se..., me apresentei ao exército, também não servi, não é? Fui dispensado e aí passei a trabalhar,
não é? Meu primeiro emprego foi numa fábrica de papel da Bahia, lá
no Rio Vermelho, meu segundo emprego, isso com carteira assinada.
Você fazia o que lá?
Lá eu era pri... eu entrei como ajudante, aí depois, lá dentro, com
dois meses, três meses, eu passei a ser prensista.
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Prensista?
Prensista, é um... aquele papel não sai assim como está aqui, ele vem,
tipo água, assim mas na prensa, na... na esteira, aí quando chega na
prensa é que ele imprensa e fica aqui esse papelzinho aqui, assim.
Então, eu trabalhava na parte da prensa, não é? Aí eu é que controlava (Inint.) agora tem eh... o ... o ... o condutor, o condutor é que
controlava mais (Inint.) e tem o outro que o segundo assistente,
primeiro assistente. Então eu entrei segun... como primeiro assistente, aí como se fosse servente, mas (Inint.) eu trabalhava na frente da
máquina, depois eu comecei a trabalhar como prensista, eu trabalhei, mas mesmo assim eles não me classificavam na carteira como
prensista, não, eu continuei como se fosse servente, não é? Eu trabalhei dois anos, dois anos e pouco.
E ganharia mais?
Não. Ganhava mais, eu ganhava, ganhei, passei a ganhar mais, mas
na carteira era menos.
Era menos. Isso foi ruim não foi?
Eu... eu não demorei muito tempo lá, como... como segundo assistente, não é? Segundo assistente, quer dizer, eu trabalhava na frente
da máquina, não é? Então era, como se diz era servente, não é? Mas
não era servente para ficar fazendo (Inint.) catando papel, levando
papel, depois como dois meses eu passei para o fundo da máquina
para ser prensista, quer dizer, prensista já era uma profissão, não é?
Isso.
Aí continuei, ele chamava... o gerente como é para classificar minha
carteira que... (Inint.) aí comecei a abusar, a abusar, também, aí me
botaram para fora recebi meu dinheiro, não é? Depois trabalhei no
cinema aí também quando eu comecei a fazer (Inint.) trabalhei também como, de dia assim de manhã fazia limpeza, não é? Agora, de
tarde, eu ia ou para bilheteria ou para portaria, não é? Eu ia lá para
portaria, trabalhei no cine Nazaré.
Aonde é que foi o cinema?
Cine Nazaré.
E gostava de lá?
Gostava, mas o ordenado é que era...
Pouco.
Pouco, é o negócio era tal. Então era pouco. Até hoje, hoje (Inint.)
trabalha ali e, às vezes, ganha pouco.
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E depois das, do cinema?
Aí, depois do cinema, aí é que eu fui vender café empregado. Diz que
era uma firma que chegou lá de São Paulo, coisa e tal e que ganhava
mais, e ganhava mesmo, não é? Aí eu fui vender café, aí eu passei a
vender café.
Aí era empregado?
Era empregado, empregado, era Quente Café.
Quente Café?
É, Quente Café, todo fardado parecendo até que era um... macacão,
guarda – pó, boné, avental, aí trabalhei de lá uma faixa de um ano e
pouco mais ou menos, aí depois eu conheci, através, que eu vendia
aqui pelo comércio, aí eu conheci o dono da Dias D’ávila, aí ele me
botou para trabalhar na D’ávila, eu entregava...
Água Mineral?
Água mineral, eu trabalhei na Indaiá, Dias D’ávila.
Lá mesmo em Dias D’ávila?
Não, aqui mesmo na cidade, eu fazia entrega, não é? Na cidade.
(Inint.)
(Inint.) entreguei (Inint.) entreguei na cidade toda, entreguei, esses
garrafões não eram assim, eram de vidro...
É pesado, não é?
Trabalhei três anos mais ou menos, depois sai, depois pedi a conta, aí
foi quando eu fui para São Paulo, não é?
E porque o senhor decidiu ir para São Paulo?
Ah! Como é, é que eu tinha um negócio de uma mulher, não é?
Já estava casado, não é?
Não. É meio, não é?
É.
Aí, aí eu conheci uma mulher chamada Antônia, a gente se gostava aí
a gente pegou, não é? se mudou para São Paulo.
Ela se mudou também?
Ela foi para lá. Eu nem esperava ela, quando foi, um dia, ela apareceu
(Inint.) aí eu pedi a conta e fui para lá. Cheguei lá, não era nada
aquilo, aí tornei a voltar, tanto que eu só levei lá onze meses.
Não... não conseguiu um emprego?
Não, emprego eu consegui rápido.
Foi, não é?
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É. Emprego eu não levei nem três dias para arranjar.
E o que é que foi ruim?
É o dinheiro que lá eu ganhava menos do que aqui.
E a vida mais difícil lá, não é não?
Até que não foi muito difícil para mim não, era até que eu não posso
me queixar disso não, porque eu trabalhei numa firma que tinha
restaurante, não é? Eu solteiro, quando eu cheguei logo lá, aí não
fiquei com ela, a gente brigou logo lá. Aí eu deixei ela lá, não é? Ela
ficou lá, eu nem ia na casa dela, aí fiquei sozinho, fui morar na pensão, então eu morava perto da... da firma que eu trabalhava, não é? na
(Inint.) Metalúrgica que era internacional, não é? e, atende todo...
todo mundo até na China. Aí, então, eu trabalhei nessa firma, mas o
dinheiro que eu ganhava era menos do que eu ganhava aqui, então eu
ganhava mais reais aqui e ganhava muito mais, porque eu fazia entrega, ganhava por comissão e lá era o ordenado fixo. Aí tornei...
E ela?
Hum? Ela ficou lá, nem sei, sei lá, ela tinha parente lá. Eu é que não
tinha, não é?
Mas não ficou com ela não?
Não, não.
Aí perdeu a vontade de ficar em São Paulo?
É perdi a vontade e vim embora.
E aqui como foi que...
Bem... bem aqui cheguei aí fui logo trabalhar nessa firma, não é?
Nessa firma que, nessa firma da Dias D’Ávila, eu voltei para Dias
D’Ávila de novo, mas o ... roteiro que eles me deram (Inint.) não era
bom, aí eu cheguei, encontrei com essa pessoa que trabalhava para
mim no café que tinha essa firma de... de limpeza. Aí chegou disse,
você não quer trabalhar comigo não? Você vai ser cabo de turma,
coisa e tal, aí eu vou, não é? Aí não tinha nem quinze dias na Dias
D’Ávila, saí, não tinha nem assinado minha carteira ainda, aí saí.
Entrei na outra firma, aí chegou lá, eu fortão, eu morava aqui, ia
trabalhar em Camaçari, não é? Lá em Camaçari, onde tem o Pólo, é
Camaçari, não é?
É Camaçari.
É Camaçari. Eu morava aqui na rua do Sodré, sabe onde é a rua do
Sodré?
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Sei.
Ali na, perto da Carlos Gomes, eu morava ali na rua do Sodré. Então,
eu saía daí de madrugada, tudo escuro para ir pegar lá oito horas do
dia lá. Aí o dinheiro também pouco, eu almoçava também, tinha
quentinha que a turma dava.
E ia como para lá? Tinha carro?
Ah, A Kombi ia me pegar. Aí, pegava o pessoal que trabalhava, morava na cidade que trabalhava lá. Então a Kombi vinha e pegava todo
mundo, mas se acordava cedo, eu era o primeiro a me pegar, eu tinha
que estar quatro horas. Às vezes, não tinha relógio eu acordava pelos
passarinhos, que ali no Sodré tem um Museu de Artes Sacras ali, não
é?
Tem. É.
Aí tem um bocado de passarinho ali naquela... naquelas árvores, então de manhã aqueles passarinhos assim cedo, eles piu, piu, piu, era
meu relógio.
E que, se os passarinhos mudassem, perdia o horário?
É. Era certo ele tudo... aí eu dizia: está na hora. Aí eu escovava os
dentes, subia, assim aquela ladeira, ali, a ladeira do coisa, chegava
na... na Carlos Gomes, que ele me pegava na Carlos Gomes, aqui no
Cine Bahia, aquilo a gente ia correndo a cidade toda.
Pegando.
Pegando um aqui, pegando outro ali, pegava uma faixa de cinco a seis
pessoas que moravam aqui, chegava lá umas sete horas, sete e meia,
chegava no meu trabalho. De noite era a mesma coisa (Inint.)
Você era o último de noite?
De noite, eu era o primeiro para ir...
E o último para voltar.
E o último para voltar.
E lá no... no não gostou de lá não?
Não. O problema, o problema era o trocado, não é?
Que era pouco.
Aí depois, aí eu estava empregado nessa firma, aí eu comprei uma
máquina de café, (inint.) comprei uma máquina de cafezinho, aí eu
comprei uma máquina, passei a, e eu empregado lá, e eu empregado
lá, abandonei lá, sabe que até hoje minha carteira, a minha carteira
que está lá na firma não vem daqui da Bahia, é que eu tirei ela lá em
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São Paulo, não é? Numa firma que registrava lá, em São Paulo. Aí,
então, eu vim para aqui, aí comecei aqui, aí eles abaixaram logo meu
ordenado. Ele disse que meu ordenado de São Paulo não era ordenado combinado com o daqui. Lá eu era ajudante de serviços gerais, lá
que eu trabalhava de... na... na... na produção, como é? Esqueci,
aquele negócio que trabalha na frente...
Atendimento?
Expedição.
Expedição.
Eu trabalhava na expedição, eu trabalhava negócio dos... daquelas
coisas que os carros vinham, (Inint.) aí cada um caía uma lata, aí ia lá
apanhavam, não é? aí, ah, precisa ir buscar um negócio, assim, assim,
vai buscar uma tampa, tal e coisa, e começou a (inint.) e também
fazer uma limpezinha ali, aí eu era lá, como se diz, ajudante de serviços gerais, vim para aqui, para ser, como é, cabo de turma de limpeza
e meu ordenado de lá era mesmo que o ordenado daqui e não estava
faltando (Inint.), me rebaixaram ainda na carteira, quer dizer, não sei
nem se rebaixaram porque...
Você não foi buscar não?
Eu não fui buscar não, depois que eu passei a trabalhar para mim, aí
abandonei, até hoje está lá. A firma já até terminou de hoje e eu não
fui buscar minha carteira lá.
Mas INPS seu deve contar, não é?
Pode ser.
Para aposentadoria?
É. Depois aí eu vou ver, não é? Já estou com cinquenta e um anos. Aí,
então, tenho que procurar.
Tem que ver essa parte, é importante, porque mesmo que continue a
trabalhar, mas tem a aposentadoria para ajudar, não é? E... e com o
cafezinho como é a vida do senhor vendendo cafezinho?
Ah! Com o cafezinho, eu vou dizer a senhora, eu ganhei muito dinheiro, muito dinheiro não, razoável.
Mas dá para viver.
Daí eu fiquei aí, estou vinte anos, tenho vinte anos, não é? Mas há
vinte anos atrás eu ganhava muito mas do que o que eu ganho hoje.
Que há vinte anos atrás eu vendia quatrocentos cafezinhos.
É o senhor mesmo quem faz?
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É. Eu quem faço, eu sempre fiz.
Que tem a máquina, não é?
É. Então eu vendia quatrocentos cafezinhos, e não dava, não é? Hoje
eu vendo cem, cento e pouco a pulso,... e fiado.
Que é que o senhor acha que, o que é que mudou? O que é que
aconteceu para... para isso ter mudado?
É a falta de dinheiro que o pessoal não tem.
O senhor acha que hoje as pessoas bebem menos café...
Por falta de dinheiro.
Por falta e dinheiro?
É.
Quanto é que o senhor vende o cafezinho?
Olha, já tenho oito anos vendendo há vinte... não passei a vender a
vinte centavos, hoje eu vendo a vinte e cinco, mas vendo uma faixa de
uns... Eu, quando começou o plano Collor, não é? Plano Collor não.
Fernando Henrique, não é?
Sim, o real.
Do real já passou para vinte centavos, aí eu levei o ano todo de
Fernando Henrique, quando foi reeleito passei mais ou menos um
tempo, depois eu aumentei.
E mesmo assim as pessoas...
Deixaram.
Deixaram de tomar café, não é? mas o senhor acha que é pelo dinheiro e não... não pela falta do hábito de tomar café.
Não que seria, não é? Pela, não é? cada um que depois (Inint.) que
café é ruim, que café é isso, que tem cafeína e tal, esse negócio todo,
talvez seja por isso, talvez seja por falta de dinheiro, mas eu acho mais
mesmo que é a falta de dinheiro que o pessoal fica com pena de dar
vinte e cinco centavos.
E o senhor tem freguesia certa?
Tenho (Inint.)
É essa área é a mesma área que o senhor...
É. Eu começo aqui, aí vou descendo, aí passo ali pelo plano inclinado
aí vou ali na Baiana, aí vou pelo, como é o nome, comercial de milho
verde, a Disbate, esse pessoal, não é? Mas que eu entrego na rua, eu
vendo assim, quando a pessoa chega assim, “oh, venha cá, me dá um
café”. Eu vendo, mas o meu serviço mesmo é a pessoa mesmo já
certa, não é?
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Ah! Isso aí que eu ia perguntar de freguesia, dos fregueses certos. Me
diga uma coisa, o café precisa ser feito várias vezes no dia, ou você já
sai com tudo pronto?
Não. Eu faço de manhã, aí eu volto para casa almoço...
Ah! Sei.
Tomo banho, eu troco de roupa, que suou tem que trocar. Eu faço
duas vezes.
Ah! Certo, e quantas garrafas?
Não é garrafa não, o meu é, quer dizer...
É uma máquina.
É uma maquinazinha, entendeu? (Inint.) certo pega cinco litros.
Mas é, hoje em dia, eu enchi (Inint.) que naquela época uma máquina cheia daquela daria cem, certo? Se eu vendesse uma de manhã,
uma de tarde seria duzentos, não é? aí eu boto no meio porque, para
não sobrar, para quando chegar lá, não voltar, não é? Requentar. Aí eu
faço menos.
Mas, venha cá. Você disse (Inint.) Então você bota (superp.)
Não é mais máquina não é térmica.
É garrafa térmica mesmo?
É garrafa térmica.
Mas o senhor faz o café no... no...
É separado....
Separado.
É. Coo, boto açúcar...
Já vem todo pronto?
É aí boto (Inint.) dá uma quentura, não é? para poder ficar bem
quente, (inint.)
Quem é que toma mais café?
Muitas pessoas, não é?
Eh... é homem, é mais mulher?
É mais homens, mais homens, os são mais...
Assíduos, não é?
Mulheres, também (Inint.) apesar que os homens é mais... É tanto
que minha freguesia é mais homem do que mulher, não é? (Inint.)
mulheres, a maioria é homem (Inint.) aquela irmã de Santa, qual o
nome? Norma (Inint.) Sandra (Inint.), não é?
É.
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Norma é (Inint.) Cara é viciada, ela, ela fuma também.
E me diga uma coisa, o senhor se sente satisfeito?
Não. Satisfeito não me sinto...
Com... com essa atividade?
É. Não me sinto satisfeito porque, às vezes, a gente, principalmente
agora, não é? Que quando a gente começa a ganhar mais e começa a
diminuir, aí a gente já fica, se sente insatisfeito. Quando a pessoa
começa a trabalhar que começa a ganhar igual, igual, igual, tudo
bem, aí ele mantém, não e’? Se passar a ganhar mais melhor ainda,
mas (inint.) mas se começar a decrescer, aí já fica, não é? Já fica, mas,
se eu for me empregar, vou ganhar muito menos, porque eu não vou
pegar um emprego bom, não tem mais estudo também para pegar
esse emprego bom, (Inint.), não é?
E agora também está muito difícil emprego está muito difícil.
Tanta gente me pede emprego aí para poder, arranje lá para mim
coisa e tal e até para doméstica está... está sem arranjar, está difícil.
E o relacionamento que o senhor tem com as pessoas? Aqui nessa
área, como é?
É bem. Graças de Deus.
Quando o senhor vai vender o cafezinho, conversa também?
Não, não dá tempo de conversar muito porque a maioria já são empregados, não é?
(Inint.)
Aí deixo lá e vou embora, não é? Que eu não recebo dinheiro na hora,
não é? recebo, assim semanal, por semana, tem uns que pagam quinze dias, tem outros que pagam por mês, entendeu? Aí (Inint.) a
freguesia, é isso a freguesia, se a gente vender na hora, não tiver freguês a gente recebe na hora, não é? Mas, se o cara é freguês, todo dia,
todo dia (Inint.) a gente não precisa chegar para receber, não é? Então tome aqui, deixa lá, aí se for de noite ele me dá, se for no final
(Inint.)
Me diga, me fale agora sobre o seu filho? Como é o relacionamento
de vocês?
Bem, com minhas outras filhas eu não tive muito relacionamento
que eu me separei logo da mãe, elas eram pequenas, eu me separei
pelo seguinte, porque eu acharia que se eu ficasse dentro de casa seria
pior para eles, que eles iam ver a nossa briga ia crescer com aquele
problema, não é? Com eles, eu senti logo isso, ela aí...
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Vocês discutiam muito? Não se davam bem, por quê?
A gente se dava bem, antes de ter filho, depois que passou a ter filho
foi que o negócio pirou, aí, não sei, ela faz (Inint.) a cabeça dela
pirou, também a gente não tinha aquela paciência, hoje não, se for
hoje com mais idade a experiência, não é?
(Inint.) por aqui, conta aí para gente, o problema não era esse.
Não, não era esse, mas também não era tudo não, não é? Eu acho, ela
também, não é por isso também não, é por outras coisas mesmo que
eu acho que também pode até ser, não é? Não sei, ela não me dizia,
não é?
É.
Sei que ela tinha um negócio, eu também naquela época gostava de
tomar uma.
É.
E, às vezes... às vezes, chegava tarde também (Inint.) chegava tarde.
Ela não gostava.
Não gostava também, ela não me dizia nada, mas, no outro dia.
Mas você não fazia nada na rua, estava direitnho?
É estava direito, só gostava mesmo é de minha farrinha mesmo, não
é?
Conversar com os amigos?
É. Eh... eh... é que a maioria tomava biritinha com os amigos, que,
hoje em dia, esse nenhum, não é? Esses que a gente faz a (Inint.)
Ninguém mais?
Ninguém mais, cada um foi para o seu canto, praticamente hoje em
dia eu sou mais sozinho, não é? Assim, assim uma amizade, assim
porque eu gosto, ah! Sim, o negócio que eu gosto mais, gosto é dominó.
Ah!
Agora que eu me lembrei.
E aí joga seu dominó, quando?
Todo dia, todo dia, eu jogo ali no mercado modelo, todo dia.
Já tem os amigos certos.
Já tenho os amigos certos.
Distrai, não é?
Agora que eu me lembrei.
Pois é.
Nessa conversa, (Inint.)
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Sim e o menino, me fale aí sobre seu filho.
Não, o menino ele é bom, ele é bonzinho, (Inint.) ele tem um
problemazinho (Inint.) que no lugar onde eu moro é Mata Escura, lá
é perigoso.
É.
Ele tomou logo um tiro aos sete anos.
Oh, meu Deus!
(Inint.) Então ele tem esse problema com ele, a mãe dele também
(Inint.) e aí tem esse problema, mas ele é um menino que me atende,
entendeu? Ele é assim meio rebelde, então com os amigos deles,
tanto que eu já levei no Psicólogo, tem outro negócio lá, (Inint.) já
levei uma vez (Inint.) mas aí na minha frente ele é bonzinho, não é?
Na hora que eu falo com ele, me atende (Inint.)
Agora ele tem dez anos, não é?
Dez anos.
E tem que começar a preparar ele para adolescência que é uma fase
difícil, não é?
É que é tanto que na (Inint.) tem assim a orientação familiar, não é?
que ele com esses problemas que aconteceu, então ele ficou, e tal,
indeciso na vida dele, tanto que eu digo a ele: “Olha, você estude,
entendeu? Porque, eu estou aqui hoje, vivão, mas posso não estar,
você não tem sua mãe e aí, então você estude eu quero que você
estude, você pode ter carro, mas eu quero que você estude”.
E ele fica sozinho em casa? Quando o senhor não está?
Quando eu não estou, ele fica mais com os amigos dele, não é? casa
de um, casa de outro, com os amigos dele, não quero ninguém dentro de casa não, não é? (inint.) Quando eu não estou, eu estou aqui
ele está lá brincando e tal, quando eu chego de noite, de noite (Inint.)
aí, de manhã, vai para o colégio, porque ele pega o colégio oito horas
da manhã sai quatro e meia da tarde.
Ah! Sim.
E ele... ele só não faz tomar café lá, porque ele não quer, não é? Porque
lá dá café, dá merenda, dá almoço.
Ótimo.
Dá merenda três horas.
Para ele não ficar sozinho na rua.
É. É, aí quatro e meia da tarde ele sai, quatro e meia aí...
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Já está perto do senhor voltar.
É perto de eu voltar. No, às vezes, eu saio e quando eu saio, de... de
eu saio, não é? Aí eu deixo um dinherinho lá para ele fazer uma
merenda, quando eu chego, umas oito horas, ele está me esperando,
ele entra, não é? Bota a pastinha dele lá, depois sai para brincar com
os amigos dele..
Já é final de tarde, não é?
É já é final de tarde.
E é o senhor que leva ele para escola, ou ele vai sozinho?
Não. Antes eu ia levar, agora está indo sozinho e volta sozinho, tanto...
É perto?
É perto, é questão de... é como se fosse daqui na igreja, a igreja da...
da Catedral da Sé.
Ele vai andando?
É que é uma pista larga, não é? Só faz atravessar, ele estuda (Inint.).
Tem um colégio ali dentro, não é? E o governo quem mantém, não é?
Esse colégio dele lá...
E ele gosta?
Eu não sei se ele gosta muito não, tem horas que ele diz assim: “Ah!
Meu pai, eu vou sair para o ano eu vou estudar aí não”. Eu acho que
ele não gosta muito não. Porque lá tem o seguinte também, passou
para terceira série outro colégio...
Ah! É, outro colégio?
só estuda a primeira, a segunda, a terceira, se passar para terceira,
outro colégio.
A escola só... só até o segundo ano?
Só segundo ano.
Mas porque assim?
Eu não sei, é bem pequena tem poucas salas.
Ah! Então é por isso. Mas ele precisa... o senhor estimula bem ele
estudar porque é uma coisa importante na vida dele.
Ah! Eu faço isso porque hoje em dia eu não passo necessidade porque
eu sou um cara que, não é? desde pequeno que eu luto, então... então
eu tenho esse ritmo comigo, hoje eu me sinto meio cansado coisa e
tal, mas continuo ainda, não sei, vai ficando um pouco mais velho a
gente vai, não é? Cansa um pouco então, com essa, com essa minha
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vivência aí eu digo: “olha, você tem que ir por isso, isso, olha, como
eu vivo, a gente não vive mal, mas também a gente não vive, não é? de
acordo com a gente quer viver.
O que é que você acha dos meninos de hoje?
Brigão demais que qualquer coisa, bem que antigamente também
era assim, não é? Mas eu acho que hoje em dia é pior.
Por quê?
Não sei, deve ser pela, eu sou do local, não é? Sou de um local de
classe pobre, pobre, tenho uma casinha um negocinho coisa e tal,
mas não tem aquele, não é? como quer o melhor do todo até se sente
mais superior do que aquele, não é? Então, aqueles meninos já se
criam assim, não é? Com aquela, aquela ignorância, não é? Apesar de
estar no colégio estudando, mas não tem aquela, as professoras mesmo também hoje em dia são meias paradas também.
Como é?
Meia parada também.
As professoras?
Não tem aquela energia como a professora (Inint.) e naquela época
era, quando eu estudava se... se fosse na... na, vamos dizer assim, fazia
conta, aí tantos mais tantos, aí eu não respondesse, outro respondesse, aí eu tomava bolo, hoje não. Hoje, passa conta de qualquer jeito,
nada corrige, quer dizer, ela vai corrige o que ele fez de errado que ele
fez de certo, entendeu? Lá mesmo é assim.
Diferente, não é?
Diferente é.
E os jovens, o senhor tem alguma ideia assim o senhor que vivi aqui
também nessa área?
Ah! A maioria dos jovens não querem nada, só querem saber de bola,
só querem saber de namorar e as meninas, também, só querem namorar com quem não faz nada (Inint.) se pegar um trabalhador para
trabalhar para ficar com (Inint.) delas, elas não querem não, elas
querem que se vissem todo dia ali com ele, (Inint.)
É e o senhor, me diga uma coisa, ainda... ainda quer casar?
Sei lá, sei lá.
Quem sabe.
Estou aí com uma pessoa aí, que ainda eu estou me arranjando para
mim, e eu estou numa dificuldade. É mesmo.
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Está com receio?
É. Pessoa até direita, uma boa pessoa.
Quem sabe.
Só falta a gente se conhecer, a gente não se conhece ainda não, só
através de ...
É uma coisa que está sendo...
É.
Arranjada.
Trabalhado aí.
Arranjado, trabalhado.
Por sinal a pessoa eh... (Inint.) é cunhado dela, ela é, como se diz,
(Inint.) testemunha de Jeová, não é? a amiga também é. Acho que ela
também é (Inint.) essa religião, não sei o que. Eu perguntei a ele se
ela... ela está (Inint.) tem... tem um filho dele que trabalha aí, não é?
(Inint.) fosse por ele você já estava lá, já estava lá, não é? Às vezes, eu
figo: “não rapaz e que eu não... não tenho tempo; às vezes, falo que
não tenho tempo mesmo, eu fico aqui, eu vou para casa tenho que
lavar roupa, tenho que fazer isso, fazer aquilo, não é? e se for pagar
também (Inint.)
É, vai o dinheiro.
É, vai o dinheiro, aí dia de Domingo arrumo a casa, (Inint.) geladeira, coisa e tal, vou levando passando o dia todo assim, não é? Não saio
nem para ...
Não dá tempo.
É não dá tempo, aí quando eu terminei logo umas três horas, aí é que
eu vou almoçar, depois é que eu vou descansar.
O senhor cozinha bem?
Às vezes, eh... às vezes, eu cozinho, não é? Mas, às vezes não (Inint.)
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(Inint.) Nosso tempo já acabou, mas queremos agradecer, viu?
É.
Essa conversa tão agradável.
Obrigado.
Que nós tivemos aqui, viu?
Obrigado.
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INQ 36 –MULHER– IDADE: 45 ANOS – ESCOLARIDADE FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: EMÍLIA HELENA PORTELLA MONTEIRO DE SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 21/02/2000
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Podemos começar, não é? I. I., eh... eu gostaria que você me falasse
sobre sua infância.
Ah! Minha infância eh... não sei.
Pode falar mais alto?
Eh... minha mãe teve o primeiro marido, aí foi se separou, ele faleceu, aí naquele tempo não tinha (inint.) aí ela arranjou outro marido, aí foi meu pai, aí me teve, aí quando minha mãe estava grávida de
mim, ele abandonou minha mãe, aí minha mãe ficou me criando,
trabalhando, (inint.) lavando (inint.), aí depois separou de mim,
não me dava nada, aí sempre me lembro, assim, até hoje mexe comigo. Ele tinha a outra filha com outra mulher, aí, um dia, ele foi lá em
casa, aí pediu para morar com ele. Acho que eu tinha uns sete anos,
aí eu disse a ele que eu não poderia ir, que eu não ia largar minha mãe
para ficar com ele, e ele nunca tinha me dado nada. Aí, ele falou
assim: “olha eu trouxe um presente para você”. Aí, eu disse: “é o que
meu pai”, aí ele disse assim: “uma boneca”, aí a boneca era maior que
eu, que, naquele tempo, tinha cada boneca grande, não é? Cabelão.
Parecia uma criança, aí (inint.) “oh! Meu pai, eu não quero não. Não
quero ir não, prefiro morar com minha mãe”, aí ele disse: “então, não
vou lhe dar a boneca, eu vou dar a boneca a outra, a Margarete”, a
filha dele, eu disse: “Oh! Meu pai, me dê que eu nunca tive uma
boneca de cabelo. Meu sonho era ter uma boneca de cabelo”. Ele fez:
“eu não vou dar”, aí pegou a boneca, levou. E, naquele tempo, aquelas bonecas de plástico, de barro não tinha... essas bonecas, não tinha
cabelo, e quando tinha cabelo era cara, não podia comprar, não é?
(inint.) Aí ele levou a boneca, aí eu comecei a chorar, aí quando eu
me lembro, eu choro.
Mais você não foi ficar com ele não, não é? É, sempre tem alguma
coisa que marca mesmo, não é? Mas tudo bem.
Aí minha mãe me botou no colégio para eu ir estudando, ela fazia
tudo para eu estudar, quando chegou no quarto ano, aí eu parei, não
tinha condições de ir mais para a escola estudar.
I., então não lembre mais sobre essas coisas não. A gente só deve
lembrar do que...
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É.
Do que provoca alegria, está certo? E depois você não viu mais ele?
Não. Eu continuei vendo ele, ia visitar ele, aí com quinze anos (inint.)
aí eu disse: “é, meu pai, o senhor nunca me deu atenção, mas não
deixe de ser meu pai, não é?” (inint.) Saí procurando ele até que
encontrei, encontrei minha irmã por parte de pai, aí me levou lá para
encontrar ele, fiquei indo direto lá ver ele, sempre eu ia tive filho, aí
eu levei para ele ver. Essa menina mais velha, aí tive o segundo, ele
viu, tive a terceira, só... só a caçula que ele não conheceu, que ele
faleceu, mas eu ia visitar ele direto de vez enquanto eu ia lá ver.
Me fale assim das brincadeiras, quando você...
Ah! Eu gostava de brincar de cozinhado, primeiro a gente brincava
de folha de folhinha, não é? pegava um bocado de folha, as plantas
que tinha semente dizia que era arroz, Maria preta tinha aquelas
frutinhas, dizia que era feijão, arroz era as frutinhas brancas, florzinha
branca de botãozinho, depois a gente foi crescendo mais um pouco,
aí cada um dava uma coisa, fazia um cozinhadozinho de panela de
barro. Pegava aquelas panelinhas de barro, prato de barro, tudo de
barro, aí a gente fazia um cozinhadozinho, botava os temperos tomate, cebola, folha, hortelã, aí fazia um cozinhado, ficava até gostoso,
não é? Aí brincava de macaco, (inint.) brincava de melancia, de... de
fita, de se esconder (inint.),...
Baleado?
Não.
Falava assim “quem chegar primeiro”.
Eu sei (inint.)
Você era sozinha?
Não, eu tinha um irmão, ele... ele... era, já faleceu, era mais velho do
que eu três anos, mas ele não gostava muito de brincar não. Meus
irmãos, são três mulheres, uma foi criada com avó por parte de pai, aí
só tinha eu, minha irmã e dois irmãos, meus irmãos trabalhavam.
E aí ficavam vocês duas?
Eu e minha irmã.
Em casa?
Era, mas só que ela não gostava muito de brincar não, era mais acomodada, eu brincava com amiga de infância (inint.)
Então era você e uma amiga?
É.
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Que brincava?
É.
E você começou a estudar a partir de quando?
Sete anos, sete anos, (inint.) depois parei porque eu tive que parar.
Eu saí, depois fui para o colégio do Estado, (inint.)
E você... e você gostava de estudar na época?
Gostava, eu gostava de estudar, que... que na aula de corte e costura,
também, mas minha mãe não tinha com... mas minha mãe não
trabalhava, não tinha condição de comprar material, aí eu parei também, aí eu ficava aqui, aí eu tinha que ajudar ela em casa, não é?
(inint.) na casa de família, (inint.) ajudava ela, ajudava ela na... a
vender mingau, tudo isso para a gente se alimentar (risos). Naquele
tempo era difícil.
Sim. Me fale um pouco sobre a escola. Você disse que primeiro estudou numa escola que era particular?
É.
E você tem lembranças desse... dessa época, da professora?
Tem a professora ainda, já uma coroa (risos) ela é gente fina ela e a
mãe dela era crente, aí botava, colocava aquelas músicas de crente eu
gostava, cantava aquelas músicas.
E você gostava, do que você gostava, de que você gostava mais de
estudar?
Eu?
Hã.
Eu gostava a cartilha.
(risos)
Não via as músicas. Tinha um poeta, chamava Pessoa, não é? Aí quando
chegava na sala de aula, a professora chegava na sala (inint.) a ... a
música do recreio “vamos largar o caderno lugar, está na hora, está na
hora do recreio o sino já vai tocar”, aí tam, tam, aí saía tudo correndo
para... para merendar.
Acho que você gostava, porque logo depois vinha a merenda.
É, vinha a merenda, aí tinha também da “Boa tarde, boa tarde vamos
se sentar” a gente rezava primeiro antes de começar a aula. Era muito
melhor do que (inint.) naquele tem o ensino era melhor eu acho que
naquele tempo era bem melhor. A gente aprendia letra por letra,
número por número, aprendia os números todinho, cabeçalho, sabe?
Hoje em dia não tem mais isso.
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Você teve facilidade para aprender a ler?
Tive. Eu tive, mas só que eu não tive condição para estudar. Meu
irmão, sim. Meu irmão se formou, porque ele foi criado com minha
vó, minha vó investiu que era solteiro (inint.), minha outra irmã
também, foi criada com... com a outra vó por parte de pai e essa... e
meu irmão foi criado por avó por parte de mãe e um irmão que eu
tenho que é e analfabeto, minha outra irmã também estudava, mas
ela tem problema mental aí parou de estudar, aí perdeu a (inint.)
ficou eu mesma.
Você...
Mas só que eu sou, eu não sou formada não tirei 20 grau, mas eu sou
um pouco inteligente (risos).
Mas... mas você lembra como era a escola naquela época? Vocês iam
de farda?
Ia. Era saia, saia prinçada, toda prinçada, gravata, aquela gravatinha,
blusa branca, era conga, naquele tempo era conga. Depois de conga,
passou para quichute, passou para quichute e meia branca, aquelas
meias eram bonitas e aquelas pastas...
De couro, não era?
Era, era toda grossa (inint.) bonita como o quê.
E... e no colégio do Estado, porque você falou que estudou primeiro
na escola particular depois foi, você foi para o colégio do Estado, você
acha eh... alguma diferença entre uma escola e outra?
Hã. A do Estado já diferente, não é? Do que a farda já era diferente
dessa (inint.) a do Estado, a vantagem é que a do Estado dava merenda, sempre deu merenda e particular não, particular tinha que levar
merenda, exigia... como até hoje (inint.), porque é o modo, não é?
Dá agora, pede isso, pede aquilo, (inint.) mudado.
Agora, e você tem alguma lembrança de alguma coisa interessante
que tenha acontecido nessa época em que você estudou? Na escola
tinha castigo?
Ah! Tinha muito. Mas só que eu nunca... nunca tive castigo, porque
era comportada e ensinava meus colegas comportadas, porque a ... a
pessoa vai chegando para idade o tamanho acho que diminui, não é?
a gente vai diminuindo. É porque eu era bem alta aí eu estou achando que eu estou descendo, tem idade que a pessoa fica mais baixa e
eu já consegui isso (inint.) é, aí me chamavam de aluna grande na
sala porque a maior que tinha na sala era eu, igual a minha menina
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de dezesseis anos que é também alta, aí todo mundo dizia: “Iolanda
grande, Iolanda grande, sai da frente...”
Como é?
Iolanda grande.
Iolanda grande.
Sai da frente Iolanda grande, aí eu sentava no fundo, não é? porque
eu ficava na frente deles eram menores e a maior que tinha era eu.
Tinha doze anos.
A gente estava perguntando sobre os castigos, não é?
Ah! Sim. Era botar, segurar pegador, ficava com o pegador aberto não
sei quantas horas.
Segurar o pregador?
Abrir o pegador e ficar assim o tempo todo.
Para doer no dedo, não é?
É para cansar, ficar com o pegador aberto.
Que bom. É um castigozinho bom.
Não é não.
Só segurar isso, melhor do que ficar de braço aberto, não é?
Botar a vassoura assim para cima, ficar com a vassoura assim deitada
o tempo todo, não sei quantas horas. Ou escrever no quadro não sei
quantas palavras direto ali, escrevia de 1 a 100, de 1 a 200 é o que era
mais, ficar de joelho, ficar de joelho era... a gente ficava no milho, era
milho, no caroço de feijão...
(risos).
Para doer, para nunca mais fazer aquilo, que ficava fazendo. Castigo
era isso. Palmatória, dava bolo, puxava orelha e agora hoje em dia não
pode nem... o professor não pode nem falar alguma coisa com o
aluno, que o aluno pode pegar até o professor e bater.
Agora...
Não respeita mais o professor, naquele tempo a gente respeitava os
professores, respeitava os mais velhos, como até hoje mesmo eu respeito o mais velho, pode ser da minha idade, mas eu respeito: “Bom
dia, como vai a senhora”. Precisar de uma ajuda a gente dá (inint.),
dá a mão a uma senhora de idade. Puder ajudar eu ajudo, mas, hoje
em dia, não (inint.). No meu tempo era assim, respeitava os mais
velhos, não xingava, não dava nem um braço para os mais velhos.
Como até hoje eu sou assim, eu respeito os mais velhos. Mas, hoje
em dia, as crianças, os meninos pequenos chega para mãe de família:
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“a senhora é feia”, aí começa a xingar, “é sua mãe”, aí eu digo: “que
coisa feia é essa?” eu digo: “não faça isso porque a mãe dele não está
mandando fazer nada em vocês, como é que você xinga a mãe isso é
feio, isso é pecado”. Aí, ensino a minha menina de 7 anos, ela sabe o
que é certo sabe o que é errado, abe o que é perigo (inint.), ela sabe o
que é segredo. Que tem pais que não ensinam os filhos o que é
educação. “Ah, não xingou, xingue também, que não tem respeito,
tem que dar, xingue, xingue. Não é sua mãe, pode xingar”, não é à
toa, tinha uma menina, ficava brigando com outro lá, aí a tia chamou ela foi eh... a mãe dela trabalha e a tia olha ela. Ela: “Já vou”, aí
o outro disse assim : “mande sua tia assim, assim, assim, assim, entendeu?” (inint.) “venha cá, menino, que coisa feia é essa? Há, se fosse
comigo eu não ia, está tirando onda”, tem onze anos o menino. “Não
faço não” sabe por quê? Porque ela respeita a tia dela, ela... ela teve
boa criação, então chamou a obrigação é ela ir, agora você que é um
menino que fica criado á toa que seus pais não ligam que só vive
brigando (inint.) aí você acha que ela também vai fazer isso, ela não
faz isso não. Ah! Não sei o quê. Não quero conversa com você não,
não gosto de discutir com criança não. Já naquele tempo a gente não
discutia com ninguém não. Dava a benção, dá a benção. Mas a gente
dava a benção (inint.) beijava na mão, dá a benção, apertar, abraçar...
Tinha aquele respeito.
É. Aí eu passava, às vezes, escondido porque estava naquela pressa
mesmo não podia parar, mas não passava toda a vida assim sem pedir
a benção é falta de respeito, é falta de respeito. Aí tinha roupa composta, tinha aqueles vestidos com aquelas fofocas embaixo, aqueles
shortinhos de elástico.
Mas ainda era pequenininha?
Não já era mocinha assim com quatorze anos, quatorze anos, quinze,
(inint.) que eu tenho 45, 30 anos atrás, não é?
É.
eu tinha... não tomava cerveja, só vim tomar cerveja depois de casada,
porque minha mãe não deixava, eu respeitava. Não tomava na frente
dela, não beijava na frente o namorado, até hoje eu respeito minha
mãe. Meu marido, ela chegava, eu nunca encostei (inint. Hoje em
dia não, elas namoram na frente da mãe, faz bagunça, (inint.) vai
para o quarto. No meu tempo não tinha isso. As meninas “mainha,
com era no seu tempo?” aí usava vestido, usava assim, usava cabelo
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assim, a gente se perfumava, vestia as calcinhas nossa mãe que fazia,
madrasto, (inint.) a gente vestia. Hoje em dia, na loja elas ficam tudo
assim no balaio, na cesta, não é?
É.
Antigamente é, era muito tudo balaio, quando estava na vitrine eh...
eh... tinha condições, hoje em dia na vitrine (inint.) qualquer um
compra e agora não. Agora é na vitrine para todo mundo no balaio
assim, promoção para todo mundo. Naquele tempo, tinha essas coisas. Aniversário, naquele tempo a ... os pais podiam era assim:
costureiro, era coronel, era tesoureiro, era médico que podia fazer o
aniversário dos filhos. E como é a gente agora, não poderia fazer.
Fazia o quê? O aniversário era arroz doce, mingau, nescau, um bolo
de... bolo de farinha que minha mãe fazia um bolo de farinha, ficava
gostoso agora ela não se lembra mais do bolo de farinha...
Sua mãe é viva?
É.
Graças a Deus.
Ela tem setenta e, setenta e seis anos, aí fazia aqueles...
O bolo de farinha que você falou.
É, o bolo de farinha, o nescau, o arroz doce, o mungunzá, era só isso
que fazia naquele tempo o aniversário.
E todo mundo ficava feliz, não é?
Todo mundo ficava feliz, e ... e na hora (inint.) era refrigerante, não
era cerveja não, era refrigerante, comprava K-suco, fazia panela de Ksuco, (risos) aí dava com bolo. Quando era dia de São João, fazia
aquele licorzinho, criança não tomava, só adulto era um licorzinho
para ... para moças de maior, de menor não tomava não. Licor de
Jenipapo (inint.) era bolo, era cocada, essas coisas assim, mingau,
mungunzá, arroz doce. Hoje é a noite de... de não sei quem, diz o
nome da pessoa, aí a pessoa mandava uma panela de mungunzá
(inint.). Hoje em dia não, é o quê, é cerveja, whisky, é batida aniversário que tem, só tem isso.
É isso mesmo. Então você acha uma diferença muito grande...
É.
Da educação de antigamente para a de hoje, não é?
É. A educação, a .... é... (inint.) chamava para cantar música antiga.
Ah, é essa música é bonita. Bonita o quê, Deus é mais uma música
(inint.). Daqui uns anos quando vocês estiverem 40, não sei quantos
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anos, 50, essa música que vocês.... que toca agora para vocês ouvirem
os seus filhos vão dizer que essa música também é velha (risos) exatamente. Você está achando que esses... que chegar agora a ... as músicas agora, naquele tempo, era o quê? Era música de (inint.) seresta
para os coroas naquele tempo, para os novos era (inint.) seresta, agora
era para os novos.
Era... era...
Era samba, gostava muito de sambar, era... esse negócio de pagode
não. Era tuíste, era tuiste, merengue, que agora é lambada, merengue agora é lambada. Aí eu achei aquele tempo bem melhor, aquele
tempo carnaval, aí tinha... saía um bocado de menina, mocinha, saía
aquele bloco (inint.) papel crepom, aí fazia vestido de rainha, depois
fazia bandeira, aí saía, todo mundo botava o dinheiro na bandeira...
De porta em porta...
É, de porta em porta. Entrava. Tempo de rei também (inint.) saía,
carnaval, a gente fazia carnaval da gente era ali mesmo era um bocado
de lata, saía tocando por aí (inint.)
Era animado.
Era, naquele tempo era ótimo. Hoje em dia, não tem mais isso não.
Sábado de Aleluia mesmo a gente festejava, não é? Passava 10:00h, aí
o povo pegava a lata (inint.), pegava a lata, panela aí saía para rua
“Aleluia, aleluia farinha, comida no prato, farinha na cuia, aleluia,
aleluia” aí saía (inint.) bairro todo que a gente morava. (superp.)
Hoje em dia, tem Sábado de aleluia eh... Sábado de Aleluia, Semana
Santa (inint.) acendia vela, (inint.) banho, reza, acendia vela, bota
um pano, (inint.) acabar de almoçar não xinga, mas agora todo mundo fica xingando bate no menino, xinga pai, (inint.) sabe porque isso
está acontecendo? Porque ninguém respeita mais as coisas de antigamente, aí não lava roupa, não faz nada nesse dia, não é?
É. Não é dia de trabalho.
Não é dia de trabalho, só ficar ali comendo (inint.) dia de alegria, e
quando é o Sábado de aleluia pede para vestir camiseta e a gente vai
festejar. Hoje em dia, está fazendo isso mas é pouco, mas não é como
antigamente que lhes faziam o jogo.
Também o dia hoje sexta-feira também é diferente, não é? Sexta-feira
Santa.
É.
Você já reparou como é que está?
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É. Que o dia de Sexta, toda Sexta eu não comia carne, quarta-feira
também não comia carne.
Agora (inint.)
É.
É festa, está festa.
Agora tem até festa.
Venha cá, você cria seus filhos da mesma forma que você foi criada?
É... é... eu... eu peço assim, que eles continuem assim, não é? (inint.)
do meu jeito, (inint.) falar coisa errada eu reclamo. Minha menina
tem 21 anos vai fazer 22, ela não bebe, não fuma, não anda com
amizade, a vida dela é... é no colégio (inint.) também não bebe, vão
lá para casa aí na hora que elas estão conversando, aí vão estudar
(inint.), aí procura logo assim para estudar, aí vai ficar conversando aí
me chama para... para falar como era meu tempo, me chamava para
perguntar. Aí, “poxa, sua mãe parece irmã, ela...” eu disse: “é porque
eu conto meus segredos a ela, ela conta os dela, aí somos amigas. Ela
não esconde nada, sabia?. Se tiver que sair hoje eu digo “Solange você
vai sair? “ela, “não, mainha” aí eu digo: “então, você fica com Sheila”
a pequena.
Quantos anos tem?
Tem sete. Aí ela fica, se disser que vai sair eu não saio, senão a outra
irmã fala assim “eu fico, mainha”, mas já que a de sete não se dá
muito bem com a ... a de dezesseis, que a dezesseis é... é meio
destrambelhada, não é? aquela burra. Aí eu faço: “S. você tem que
ficar com... com K., porque o apelido dela é K., que é nome é
Alessandra, tem que ficar com ela porque mamãe vai sair e Solange
vai sair e quem vai te olhar? Então você não fique brigando com ela
não, porque ela é sua irmã, ela gosta de você.” “Está certo, mainha,
eu vou obedecer, olhe K. você vai ser minha babá hoje viu? (risos)”
“Você vai me obedecer?” Ela: “vou”, aí eu saio ela ouve direitinho,
mas quando eu estou dentro de casa as meninas ciumam.
(inint.)
É. Tem uma com ciume da outra, viu? Aí que a pequenininha faz
assim se ela estiver... ela não sobe em laje, (inint.) “se você cair da laje,
você morre não vê mais papai, você não vê mais mamãe, você não vê
mais ninguém, você não acorda mais.” Ela não sobe na laje ela... ela
estava assim, dois anos, uns três anos, assim, quatro e três sete, não é?
quatro anos no... na laje, meu primo tem um cachorro pastor ale245
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mão, esse cachorrão, aí o menino subiu com o cachorro e eu não vi,
na minha laje, não é? Aí na hora que eu fui subindo na laje para
estender roupa aí essa pequena minha (inint.) foi atrás de mim e eu
não vi, aí o menino veio descendo com o cachorro e... e, na escada,
não tem proteção, corrimão, não tem nada, aí eu fiz “vixe, o cachorro”, aí (inint.) desceu correndo, tombou nela, aí ela saiu rolando
assim uns três degraus. Aí, quando eu vi, eu comecei a chorar, comecei a tremer, tremer, tremer, tremi, minhas pernas não tiravam do
lugar, eu chorando não conseguir sair do lugar a perna não movimentava não, ficou parada ela “Ande I.” eu disse: “eu assim forçando,
não estava aguentando, aí quando passou no outro dia...
E a menina teve alguma coisa?
Não. Deram banho frio nela, deram água gelada, não teve nada não.
Aí, ela fez assim “Soange, você Soange, você não ouviu”, que ela falava
assim, desde oito meses que ela fala, não é? fala completo tudo rápido, ela: “S., S,, você não ouviu?, (inint.) aí eu saí assim embolando,
mamãe chorou, ficou se tremendo assim ó, tremendo assim, tremendo assim”. Aí, desse dia para cá, ela nunca mais ficou na laje sozinha.
Quando as colegas sobem (inint.) “desça que você vai cair, você vai
morrer, viu? Mainha disse que não é para subir em laje que é perigo,
o HGE está cheio de gente que... que... de queda de laje”, aí se eu
conversar com ela, ela não mexe no fogão, não toca nada do fogão.
Eu, S., ela era pequena, ainda. Eu “S. não mexa nada no fogão”, mas
tem menina da... da idade dela que frita ovo.
Ah, meu Deus!
É. Facilita, por isso que acontece acidente “S., mamãe não quer que
você pegue ali porque toma choque. S., mamãe não quer que você
ficar descalça, calce o pé.”
Ela é obediente, não é?
É, ela é obediente.
Graças a Deus.
É tudo que eu falo com ela. Eles todos... eles todos são assim, quando
eu falo, converso, invento até história para acreditar, entendeu? Ela
acredita, aí eu fiz assim: “Olha, Sheila”, ela foi brincar com uma
menina lá, aí eu peguei uma planta botei no pé de Sheila de (inint.),
aí a menina pegou botou na mesa, uma mesa que tem lá na porta
para brincar. Aí fiz: “venha cá quem pegou esse pé de (inint.) e botou
em cima da mesa para brincar?” minha menina fez: “foi A. P.”, eu
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disse: “oh, A. P. quer brincar pegue as outras coisas para brincar, mas
não se pega planta para brincar não, pega o brinquedo de vocês,
pegue um bocado de folha de galho e bote dentro de um copo
descartável, ou da garrafa descartável e faça de jarro, mas minha planta não pegue não”. Aí, ela foi, “daqui a pouco eu vou tirar”, aí eu
entrei ela, foi tirou da mesa botou no chão, aí passou, passou ela foi
apanhou de novo, ah... essa menina. Aí Sheila falou assim: “Oh, Ana
Paula, mainha disse que não é para você pegar você está teimosa, viu,
eu vou dizer a mainha que você foi pegar esse pé de (inint.) de novo.”
Aí ela fez assim, A. P. fez assim: “É um pouquinho só, S. é um
pouquinho”, aí foi pegou o caco, na hora que pegou o caco escapuliu
da mão dela, aí caiu no chão, ela aí caiu por cima atropeçou caiu, aí
tomou um corte na perna, ganhou sete pontos, aí... eu fiz assim:
“Sheila está vendo o que mamãe falou, quando mamãe fala tem que
ouvir, porque mamãe sabe o que vai acontecer”. Ela “porque você
sabe mainha tudo que acontece?”, eu disse: “Sabe porque? Porque
no... no um negocinho no ouvido, não deixe não vai acontecer é isso,
não deixe não é isso”, ela falou assim “Essa A. P. é teimosa, eu falei
com ela, não é? eu disse “você pega Sheila?” ela, “eu não” (inint.). Aí
ela pegou, botou tudo no copo descartável, as folhas, aí botou na
mesa. Aí eu disse “é assim quando mamãe fala você tem que ouvir”.
Aí, um dia, ela caiu da bicicleta, Qual a outra menina levou a de dez
anos, aí se bateram em dois meninos que estavam de bicicleta, aí
caiu, ela se ralou toda, aí ela falou: “mamãe”, ficou chorando, “estou
com a cabeça doendo”, aí eu dei um banho nela, botei água gelada na
cabeça, dei a ela para beber, eu dei um AS para parar de doer a
cabeça, aí fez: “mamãe eu vou para o HGE?” Eu disse: “não”, “eu vou
morrer? Se eu morrer eu não vou mais te ver, não deixe eu morrer
não” eu disse: “você não vai morrer não, Sheila, agora não quero mais
que você pegue bicicleta quando você estiver moça, viu?”, ela: “Tá,
mamãe, me desculpe, viu, eu não vou mais não”, aí ela até hoje...
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É a de 10 anos?
A de 7. E até hoje ela tem medo de bicicleta, ela não pega uma
bicicleta, as meninas chamam: “borá, S.” Ela diz: “eu não que eu vou
cair. Mainha disse que eu vou morrer” aí ela não vai, se ela vê um
menino correndo ela se encosta assim no canto e fica assim, aí minha
prima dá risada, assustada para não se bater nela, não é? para não cair,
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ela fica com medo. Aí ela fala assim: “eu não vou pegar mais bicicleta,
ó quando eu estiver grande”, aí a de dezesseis, desprevenida, pegou a
bicicleta, aí se bateu no muro, está aprendendo agora, aí caiu, arrancou o tampão aqui do ombro, ficou em carne viva, aí disse: “estava
vendo (inint.), eu falei para você para você não brincar de bicicleta
que você tinha almoçado agora.” Ela fez: “ah, mainha, mas para aprender tem que cair”, eu disse “mas não é assim, mas quando a mãe fala
vocês tem ouvir, que eu tenho experiência,” aí Sheila fez assim: “Está
vendo, é por isso que eu não pego mais, mainha disse que não é para
eu pegar eu não pegar eu não pego.” Tem uma que chama Milena lá
a mãe dela não dá carinho a ela não, só faz pegar ela e bater, “Milena,
oh, Milena”.
E quantos anos ela tem?
É da idade da minha, sete.
Ave Maria.
Vai fazer 7 em maio, a minha faz em Janeiro. “oh, Tonha, não bata na
menina não”, porque eu gosto de tratar a menina assim com carinho,
conversando, entendeu? É difícil eu dar um tapa, quando eu dou na
minha ela ch... ela vai para cama chorar. Chora, chora, chora, pega as
bonecas “Mainha, me desculpa, mainha?” Eu disse “desculpo, Sheila”,
ela disse “então me dê um beijo”, eu dou, aí quando chega a hora de
dormir ela faz “benção mainha”. “Deus lhe abençoe, boa noite”, aí
ela faz “e minha benção?” Aí faço “A benção Sheila”, “Deus lhe abençoe e boa noite” a disse: “reze” aí ela: “em nome do pai, do filho,
espírito Santo, amém, não é?” eu disse: “é”. A outra de dezesseis anos
também até hoje quando ela ia dormir “a benção, mainha”, “Deus te
dê uma boa noite” aí eu dei boa sorte e boa noite, até amanhã, ou
quando a outra irmã falava alguma coisa com ela aí fazia assim “mainha,
deixe eu dar a benção de novo, porque a benção saiu da minha boca”
aí vou ter que dá de novo, aí quis dizer que ela ia repetir, não é? aí eu
dava a benção. Aí essa menina, a mãe dela bate nela eu fico morrendo
de pena, pega cipó, tudo dela “oh, Tonha deixa a menina, ela está
aqui brincando- não, não quero ela na rua não, eu quero ela dentro
de casa”, aí minha menina faz assim “é, mainha, Tonha não dá carinho a Milena não, não é?” eu disse: “não” ela “você me dá carinho,
você brinca comigo, você me chama de bebê, não é? você canta música para mim”, aí eu digo: “é” ela fez assim “ao, não queria que Tonha
fosse minha mãe não, Milena disse que queria ser sua filha, que você
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me faz carinho”, aí quando M. chega lá faz assim : “Tia I., você me dá
um beijo?” eu digo: “venha Mila” aí carrego ela, beijo, abraço, daí a
mãe dela faz: “Oh, Oh, que abestalhamento, oh, oh”, eu digo “não,
Tonha, se você foi criada assim, você não pode criar seus filhos... tem
que ensinar seu filho e criar do jeito que você foi criada, do modo
bom, não ruim, não é? não é porque eu fui criada espancada eu vou
espancar meu filho, não, aí tem que ensinar diferente agora na educação tem que ensinar igual, do jeito que foi criada”, aí a menina fica
chorando, pede para brincar, ela não deixa aí...
É filha única?
Ela?
Sim.
não. A primeira filha dela morreu na piscina. Ela trabalhava numa
casa, a menina saiu, ninguém viu, aí a menina afogou na piscina.
Depois ela teve um menino, (inint.) o menino tem nove anos e ela
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E ela trata assim o de nove também?
Não, o de 9 ela não bate muito não só a menina porque a menina é
mais, fica pulando, brincando, é...
É ativa?
É. Ela aí não quer, ela quer que a menina fique quieta, quando a
menina está doente ela dana a chorar, ela pensa que a menina vai
morrer. Ela pensa na outra. Aí eu disse “então é aí, está vendo, deixe
a menina brincar, menino que brinca é menino sadio.
Pois é.
Deixa ela brincar, no meu tempo no... eh... eu apanhava agora assim
se eu fizesse uma coisa errada que minha mãe não gostava ela vinha e
me batia, mas também só dava uma surra só, não era todo dia pá, pá,
pá, pá, aí ela... a pancada para ela já relaxou, ela bate a menina na
mesma hora está fazendo. A minha não bato, só faço (inint.) com ela
assim, ou a irmã dela vai (inint.) “não quero você na padaria, quando
lhe chamar não vai, porque na padaria tem tarado, homem que pega
menina leva para o mato e mata”. É, aí um dia ela foi na venda com
essa Milena aí ela fez assim: “mainha, tinha um homem só olhando
para M., eu disse M. vamos para casa que o tarado”(risos) o quê?
Fiquei com medo, mainha”, aí foi um dia a prima.
Vá.
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A foi um dia a menina (inint.) esqueceu não sei o que foi, aí a mãe
disse assim “M., entrega ali a sua tia”, mas, lá na frente, era para
atravessar a pista, mas só que a menina, a moça já tinha atravessado a
pista, aí ela chamou a minha “umbora, Sheila, lá na frente da pista
(inint.)”, aí Sheila falou assim: “Não, Milena, o carro pega, mainha
disse para eu não atravessar a rua sozinha não, você é maluca”, aí ela
disse “não”, aí pediu o rapaz, o rapaz pegou atravessou elas duas
(inint.) aí depois quando foi na volta (inint.) é mamãe, o homem da
funerária eh... atravessou a gente, mas se ele me puxasse para outro
lugar eu ia gritar, porque ele ia ser tarado”, (risos) aí eu disse: “oh,
Sheila, não vá mais com ninguém mesmo a pessoa atravessando você,
você não vá, porque o carro mata, e você não vai ver mais mamãe já
disse a você”, ela “não, mamãe, eu não vou mais não, só saio com você
ou com adulto”, aí eu digo: “é porque eu não quero, eu não quero. Aí
eu converso com ela digo: “olhe, isso é feio não faça isso, isso é feio,
(inint.) não faz isso, não e xinga a mãe porque é pecado, papai do céu
briga, fica triste”, ela ouve tudo que eu falo.
É bom assim. Você só tem... tem filha mulher, não é?
não. Tenho um rapaz de 18 anos eh... eh... (inint.) ele... ele é não
bebe, não fuma só... só tem um amigo de infância, que é mesmo
assim coisa dele, não bebe, não fuma. Tem dia que ele não gosta nem
de colega procurando ele em casa, ele é assim mesmo (inint.) se não
tiver aula, ele vem diretamente... que eu levei ele para o colégio, eles
tudo até 12 anos, 13, dando a mão para atravessar a rua, porque eu
tenho medo de carro. Aí eu... eu tenho medo eu acho que eles também tem medo, entendeu? Aí quando... de vez em quando vem um
colega dele, “oxe, mainha, diga que eu não estou... eu não gosto de
colega atrás de mim não, eu gosto de andar só” ele puxou a mim,
gosto mais de andar só. Aí : “oh, Flavinho, seu colega”, ele vai para o
colégio se tiver uma aula ele assiste, na mesma hora ele já está em
casa, ele troca de roupa, aí fica assistindo televisão, não vai para lugar
nenhum. Os colegas chama para ir a aniversário, chama para pagode,
é difícil ele ir no lugar assim, quando ele vai ele volta porque tem
medo de ladrão, ele disse que tem muito medo de ladrão. Aí vem ele
no pique. Ele “oh, mainha, deixe a chave pendurada na grade, porque quando eu entro aqui eu entro a mil para abrir logo a porta para
não dá tempo de ficar chamando”(risos) desde pequenininho tem
medo de ladrão uma vez um... um rapaz, assassinou... tinha o cabelo
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no ombro, tirou o chapéu, e esse rapaz era... era ladrão, um ladrão no
ônibus sentado de chapéu e esse que era ladrão tirou o chapéu do
ladrão (risos) um ladrão roubando... (risos) aí saiu correndo, aí o
outro veio com um revólver, o ladrão que está dentro do ônibus saiu
correndo atrás dele, era dois. Aí ele invadiu na casa de meu tio, invadiu na casa de meu tio, invadiu e meu menino estava lá, a família... a
família toda reunida, aí ele entrou quando aí o ladrão pá, pá, pá
atirando, aí ele atirou assim na... na parede da casa de minha tia, no
vasculhante, na sala...
Nossa Senhora!
Aí pegou... aí ele se escondeu lá, não é? aí ele pegou minha... a esposa
de meu primo (inint.) “você vai ter que dá conta dele aqui e agora se
não der você eu vou pipocar a cabeça dela aqui”. Aí meu menino
quando viu aquilo, ele estava (inint.), ele se escondeu atrás, na varanda (inint.) até quando aclamou o juízo, não é? E meu tio era tenente,
ele era tenente (inint.) aí meu menino ficou... desse dia para cá ele
ficou com medo de ladrão que quando ele vê polícia, quando ele via
polícia, ele fazia “tudo legal?, tudo legal, mainha, Oh, os polícias,
tudo joia?, tudo legal aí polícia, (inint.) Caco, quando você vê a polícia, você fica falando que é legal, você não já viu... não para ele não
pensar que eu sou ladrão (risos), para ele não pensar que eu sou
ladrão, mainha”, aí eu “oxente”, aí ele ficou ele tem medo, ele não sai
a noite (inint.) vai se saindo.
Olhe, nós vamos agradecer a você essa conversa assim tão gostosa,
que você teve conosco, viu? Porque o tempo já está encerrado (inint.),
viu?
251
INQ 24 – HOMEM – IDADE: 51 ANOS – ESCOLARIDADE: MÉDIA
DOCUMENTADOR: CONSTÂNCIA MARIA BORGES DE SOUZA
DATA GRAVAÇAO: 10/10/1998
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Sou de Salvador, Bahia...
Tá bom, como eu conversei com você antes nós vamos falar um pouco sobre a sua vida, e eu queria começar pela infância. Queria que
você, por exemplo, me dissesse se foi um menino traquino, é que tipo
de criança você foi?
Bom, na minha infância eu, não foi de traquinagem alta, né, mas
aquelas coisas de criança mesmo.
Abusou um pouco.
Abusei um pouco, brin, eh, brincadeiras certo, e de tudo normal de
criança, não fui criança presa, sempre tive liberdade.
Você morou mais em que bairro?
Morei na, na Liberdade.
Na Liberdade.
Praticamente a infância toda foi na Liberdade, depois...
Quantos, quantos irmãos você tem?
Eu tenho cin, quatro.
Quatro. Todos...
Cinco né, cinco, um, um faleceu...
Cinco.
O, o caçula é falecido. E a infância foi essa mesmo?
Foi boa.
Foi boa, né?
Que tipo...
Dentro das condições da minha família, eu não tenho o que me
queixar.
Que tipo de brincadeiras você fazia mais?
Bola, sempre gostei de bola, empinar arraia, aquelas brincadeiras de
criança mesmo, né?
Morava, morava em casa ou apartamento?
Praia... Morava em casa
Em casa, tinha quintal?
Quintal, criação de galinha, essas coisas.
Que beleza!
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Pombo, tudo, né? Então a, a infância não foi mal, né, dentro das
condições da minha família eu não tenho o que me queixar, né.
Comparando, por exemplo, essa sua infância com a dos seus filhos
hoje, né? Hoje, nem tanto, porque já são maiores, né? Mas com a
infância que os seus filhos tiveram, o que é que você vê assim de
diferença?
Em casa, melhor, né? Eu acho que a infância deles foi melhor do que
a minha...
A infância deles...
Naquele tempo, meu pai, na casa do meu pai não tinha, naquele
tempo não tinhas as, as, como é? As...
Condições?
Condições não. As, as, condições não, eh, as facilidades né, que tem
hoje, naquele tempo não tinha a televisão, não tinha nada, você, você
dormia mais cedo, né? Não tinha como é hoje, tem televisão, tem
mais, mais, mais diversões né, e é mais liberal, né?
Você fala de...
Acorda, tinha que acordar, dormir cedo.
Você fala diversões hoje, de mais, do mundo moderno
Mundo moderno...
Mais em relação ao tipo de infância que você teve, jogar bola, eles por
exemplo não tiveram isso.
Ah, meus filhos...
O que é que você acha desse lado?
Eles não tiveram isso?
Quer dizer, esse lado de correr em quintal.
Ah, não tiveram porque ele muda, há mudança, né? Que tem, porque, hoje em dia, o pessoal está mais em apartamento, essas coisas,
não tem mais aquele...
Como é tipo de vida de apartamento
Vida presa, né? Praticamente presa, pra mim é presa, em relação a, a
minha infância o pessoa era criada à vontade, de pé descalço, sem
camisa, certo, tem mais ar, eh, ...inint... de segurança, hoje você não
pode, naquele tempo não tinha, ladrão roubava de noite casa, né?
Ladrão só roubava à noite.
Roubava, de noite, eh, pular, pular a cerca pra roubar galinhas. Hoje
em dia, você, você vai deixar uma criança aí em baixo com uma
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bicicleta, ou qualquer coisa é, é arriscado tomar a bicicleta, tomar
qualquer coisa dele. Tomar roupa, relógio...
Tênis, né?
Tênis, né? E no meu tempo não existia isso, você brincava na rua
tranquilo, casa aberta, entrava, entrava e saía na casa do vizinho, o
quintal, praia, eu já cansei de sair da Liberdade pra tomar banho na
praia do, da Ribeira, na Boa Viagem. Hoje, eu não posso fazer isso,
hoje ninguém, ninguém, aí. Oh, hoje mesmo, olhe aí, oh, né?
Agonia aí.
Agonia aí né, é, é a, é o medo que a pessoa tem de...
De deixar os meninos sairem sozinhos.
Sairem é, é a violência hoje atual, né, a,...(Inint...) a vida em si hoje.
Você hoje tem três filhos, né?
É.
Três filhos. Qual é o que dá mais trabalho?
Trabalho em si mesmo não tem, né? Tem essas coisas né, mas tudo,
todos estão iguais, não tem um assim, distinção de um pra outro
não.
E quando pequenininhos? Quem requisitou mais cuidados?
Mais cuidados...
As meninas ou o menino?
Não, N... é tranqüila né. R..., R... tem mais cuidado né, sempre teve
mais né, pra crescer homem né, então umas brincadeiras diferentes e
tal né? As meninas é mais, mais tranquilas...
Menina mais tranqüila, né?
Comigo, no meu, no meu caso. Possa ser que...
Deixe, deixe eu te perguntar uma coisa, ainda voltando lá, a questão
de sua infância, com pai e mãe você chegou a ser, você falou que foi
um menino tranquilo, não deu muito trabalho...
É, tranqüilo...
Mas chegou a alguma vez a tomar algum castigo?
Bom, naquele tempo existia, tinha castigo mesmo...
Você lembra de algum?
Tinha castigo que dava, é castigo tinha vários, né?
Surra.
É apanhava, qualquer coisa naquele tempo o cara apanhava, não fazia, no colégio, não está bem no colégio apanhava, chegava em casa
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tomava surra, uma vez mesmo, uma vez mesmo, uma vez mesmo eu
pongado no ônibus, caí do ônibus, aí quando eu cheguei em casa, a
minha mãe olhou aquele estado todo sujo, né? Que eu caí, né?
Ralado.
Ralado, sujo, aí minha mãe olhou, foi aquele negócio, sentiu mal,
começou, aí ela me falou, ela me disse “olhe, você vai tomar uma
surra viu?”
E tomou?
Depois disso, depois de muito tempo, não estava nem mais me lembrando a surra aconteceu. Hoje vocês não tem isso, não é, você não é,
hoje é difícil você tocar a mão num filho, que a, não existe mais esse
negócio...
Mudou...
Você dá castigo e não, e não libera isso, não libera aquilo.
E o que você acha melhor, como era antes ou como é agora?
Pra mim... Como era, apertou. Eu acho que antes também não aquilo ali não resolvia
Não resolvia.
E hoje também, às vezes você abre demais, dá a liberdade também
não resolve, se você aperta...
Não resolve.
Então, pra mim a depender da, da pessoa né? Que tem muitos pais
aí que na, ainda têm aquele, aquele mesmo procedimento de antigamente, hoje, você, você falou o quê, quê?
Eu queria saber o seguinte, você disse que tomava surra, tinha castigos, né? E que agora você não bate mais nos filhos. Então, eu perguntei: o que é que é melhor, era como era antes ou como é agora? Aí você
diz que antes não resolvia...
Muitos, em muitos casos não resolvia, que tinha os filhos que era,
uns, eles, eles como é, atendiam os pais, muitos atendiam, muitos
não atendiam também, tava tomando, apanhando e tudo e estavam
fazendo a mesma coisa. Tinha, tinha, naquele tempo também tinha,
tinha marginal, que, às vezes o, o filho era viciado...
E em que momento você acha que os filhos respeitaram, respeitavam
mais os pais? Antes ou agora?
Agora acho que respeitam também, respeitam, em que momento
você fala o quê?
Antes ou depois? Era como era, como era antes... Superp/Inint...
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Ah, antes o pessoal respeitava, respeit, respeitava ou tinha medo.
Ou tinha medo.
Respeitava, eu tenho pra mim que respeitava, eu mesmo sempre
respeitei meus pais. Minha mãe falava, ...Inint..., eu também ficava
na minha, ficava chateado, mas respeitava e não ia, e se fosse já sabia,
então eu acho que antigamente tinha um respeito, então os filhos
respeitavam mais...
Tinha mais como você falou o temor também.
O temor, o temor né, muitos filhos não... Superp/Inint
Deixe eu chegar numa parte assim... com irmãos, como era o seu
relacionamento com irmãos?
Bem.
Tinha algum, tinha algum assim que, algum mais velho que não
dá...
O mais velho sou eu.
Ah, você é o mais velho.
Sou o mais velho.
O mais novo que era assim considerado o mais chato, abusado, tinha
alguma coisa assim?
Não, todo mundo normal, não tinha esse negócio não, tomo mundo
normal, todo mundo normal.
Lembra assim de algum, de alguma façanha, de alguma aventura que
vocês fizeram pequenos? Heim?
Não, não tem, não tem a façanha assim que venha a marcar não,
normal. Não me lembro...
Não se lembra assim de nada? E escola, por exemplo?
Sim.
Você se lembra assim de alguma escola que tenha lhe marcado, professora?
Ah, tinha uma escola que, que é na, na Liberdade, inclusive ela era da
mãe desse cara, do deputado Antônio Teixeira.
A mãe de França Teixeira.
Era, era professora, aquelas professoras de, de, de casa, aí ela ensinava
bem, certo?
Como era essa escola?
Era num, tinha casa, era no fundo da casa dela, então ela preparou
aquele, aquele local e ali tinha, no aquele que você, tinha a sabatina
dia de sábado, né?
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(Superp) Quantos alunos?
Aluno? Muitos alunos.
Não lembra assim? Eram misturadas as séries?
Era, tudo junto.
Tudo junto...
Tudo junto. Tinha o livro e tal, tinha a hora do dever, tinha a hora do
recreio, tinha as festas de fim de ano, né? E dia de sábado tinha a
sabatina né? Sabatina que...
Você gostava?
Eu gostava agora na hora que, tinha determinado local que esquentava que você não podia demorar, demorou passava pra outro, o outro
acertou, bolo, não era? Quando começava era bom né? Dois vezes
dois, quatro, quatro mais quatro, vezes dois, menos cinco, aí, não
era... Quem fazia...
No início estava fácil
No início era fácil, quem fazia era, era, era o marido, era o esposo
dela, e ele nem professor era...
Sim.
Ele trabalhava na Petrobrás e, dia de sábado, ele fazia a sabatina, na
aula dia de sábado até meio dia, então nesse dia ele fazia a sabatina. E
era régua mesmo, palmatória que cantava, perdeu...
O que é que você gostava mais da escola? Do que é que você gostava
mais na escola?
A sabatina era boa, eu gostava.
Só gostava da sabatina. Então, você gosta de número?
De número, apesar de não ser muito bom de fazer conta, mas a
sabatina era boa, que eu também dava minhas porradas, eu tomava...
Ah, você também dava bolo nos outros?
É, quem errava, né? Vou perguntar, você vai fazer uma pergunta, eu
acertei passava pra outro.
Ah, eu pensei que bolo era dado pela professora.
Não, cada um dava.
Então, era uma maneira até de uma vingança pessoal.
É, e o cara, aí quando, quando você pegava o cara, “vou lhe pegar
hoje”, e ele, e ficava torcendo pra ele errar, aí você, muitas vezes você
fazia a pergunta a ele, tinha sabatina, matemática, sabatina é matemática, né? E também tinha aquela de botar numa fila pra perguntar
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coisa de história do Brasil, essas coisas, quem acertasse e o outro
errasse, um fazia pergunta ao outro
Você já preparava uma coisa específica pra pegar algum colega?
Não que eles faziam, eles faziam, sabia que tinha, né? Mas não tinha
assunto certo não, era tudo argüição, né?
Sim, mas você fazia alguma pergunta bem difícil já determinada pra
algum colega?
Ah, ah era, ...inint..., pega essa pergunta aí e tal, ficava pesquisando.
Marcava o cara, né?
É marcava
Tá certo.
Hoje não tem esse negócio mais.
Por que hoje a gente pergunta assim as crianças qual o horário, o que
é que gosta mais na escola, geralmente dizem que é o horário da
brincadeira, né?
É o recreio, né? Naquele tempo era o recreio.
O recreio era bom?
O recreio era bom, tinha brincadeiras, corria e jogava bola e tal, uma
área pequena né, do colégio, que hoje se preocupa muito em fazer
área de lazer no colégio, aqui, naquele tempo não tinha isso.
Não tinha, também por que...
Muitas vezes o recreio era dentro da sala mesmo, dentro da sala.
No dia que chovia.
No dia que chovia.
E aí, brincava de quê?
Ficava ali conversando, batendo papo, jogando tampinha, jogando
gude, tinha aquelas bolas de meia, né? Fazia bola, meia de sapato.
Meia de sapato...
Botava pano ali e fazia aquelas bolas.
E ficava ali brincando num espaço pequeno.
Brincando, num espaço pequeno.
E com as meninas?
E, e o colégio era o dia todo.
O dia todo?
O dia todo, de manhã e de tarde, era o dia todo.
E almoçava, almoçava na escola, não?
Não, em casa.
Em casa.
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Mas era perto de casa, né? Na mesma rua.
Almoçava e voltava.
Voltava, tinha farda, depois.
Mesmo sendo na, na casa da professora...
É, é, era tudo organizado, era organizado.
Sim, e a relação, o relacionamento com as meninas, havia, assim,
rivalidade, brigas, como é que era?
É, tinha essa rivalidade, né? Tinha rivalidade, bri, brigas, às vezes,
sempre o menino queria ser mais do que a menina, aquele negócio,
aquele, (...Inint) né? Então, tinha problema, brigava, xingamento, aí
daqui a pouco chegava ao conhecimento do professor, o professor
botava os dois de castigo.
Mas chegava a alguma coisa assim de briga?
Discussão, né? Discussão, tinha briga também.
Com, com menina também?
É, briga, de chamar, depois, tem até, até o, o ponto de chamar os
pais, pra conversar.
Você se envolveu em algum?
Não, eu não...
Você era bonzinho.
Não, não era bonzinho, mas nunca me envolvi nesse negócio, vou
dizer que me envolvi, a pessoa pode querer dizer que me envolvi, não.
Só teve uma vez que a menina xingou a minha mãe eu aí dei, mas isso
foi fora do colégio.
Sim. Mas aí...
E a também até, ela xingou minha mãe aí eu dei...
Deu um soco.
Dei um soco nela, né? Aí hoje essa menina até hoje, a gente sempre
encontra ela na rua, V... conhece, sempre, ela é invocada comigo, e
ela era amiga da minha irmã, né? Era uma amiga mesmo, era no
mesmo, estudava na, no mesmo colégio, na mesma rua onde morava,
então ela, esse negócio de conversa de colégio, ela xingou a minha
mãe, quando ela xingou a minha mãe, dentro do colégio eu não fiz
nada porque...
Dentro do colégio você respeitou o espaço.
Respeitou e tal, mas depois na saída peguei ela, peguei ela, negócio
de menino mesmo, aí essa menina até hoje, sempre encontro ela na
rua ali pelo Iguatemi, tal e ela toda fechada.
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Vai ver que olha e lembra...
Lembra ainda. A mãe dela foi lá em casa, eu me lembro, fazer queixa
a minha mãe, a minha mãe me bateu. Coisa, mas...
Aí você apanhou, em casa depois da...
É, é, deu pra tomar umas porradinhas de leve. Tinha aquela...
Mas nada assim muito grave.
Tinha sola ficava atrás da porta, aquela correia, né...Inint...? Tinha
tudo. Hoje não acontece, tem mais isso.
É, tem, hoje você por exemplo não tem mais isso, o tempo mudou,
se conversa mais com os filhos. Você sente eles mais próximos de
você?
É, próximos, diálogo, dialoga tudo, conversa, e, já nos tempos antigos você não, era mais aquela distância, né? Aqui eu converso com
R..., bato papo, brinco com ele, ele na brincadeira ele me bate, eu
bato nele, é, né...
R... tem que idade?
Tem vinte, vinte anos... Então, eu acho que é mais liberal, né?
Do que antes. Você com vinte anos...
O pai você respeitava tinha medo mesmo.
Você com vinte anos não imaginava brincar com o seu pai como o seu
filho brinca.
Brincar brincava, meu pai sempre foi um cara brincalhão, mas não
era como hoje. Aqui ele bota até apelido, né? Bota apelido em mim,
eu boto nele, não sei o que, eu acho que é até bom.
É engraçado, né?
Eu acho porreta, agora tem essas coisas né, que acontecem de última
hora e que não vai...
Querer sair, articulam umas coisas do jeito que querem, né?
É, e ficam naquela, ficam segurando a peteca e largam em cima da
hora. Segura a peteca...
Isso é pra não dar tempo da pessoa refletir muito, né?
É, Isso é o que R... falou, a gente já sabe isso, né? Porque não falou
antes, “olhe, meu pai, vai pintar um, um esquema aí no feriadão e
tal”, pra já ir se preparando, não está certo, entendeu, não tá certo.
Mas vai até se acostumando com a idéia, né?
É, vai logo, que aí a pessoa já está...Inint... até que o colégio dele
ligou, “R... não vai viajar não? Viajar? Não sei de nada. Está dormindo aí? Está” Quer dizer, estou sabendo agora, quer dizer, não adianta
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ele falar, fazer as coisas escon, naquela de querer em cima da hora, aí
fica difícil. Eu já falei até com ele “rapaz, joga aberto rapaz, joga
aberto que é melhor, mesmo, mesmo errado joga aberto, você errou,
meu pai eu errei tal, agora fica nessa de ficar segurando...
É por que tem a questão de você ter confiança, né?
É, é a confiança, é o que eu digo a ele, “rapaz tem que ter confiança,
se eu confio em você, você tem que confiar em mim, entendeu, aí
você fica aí enrolado...”. Por isso que eu chamo ele de R... enrolado. É
R... enrolado, porque ele faz as coisas em cima da hora, não pode,
não pode ser assim, que aí fica, o negócio fica avacalhado.
Com certeza. E com escola eles dão trabalho?
Um pouquinho. R... mesmo era pra estar, pra ter tirado, pra estar na
faculdade, pelo tempo, vinte anos, que N... assim assado, ela entrou
na faculdade cedo.
N... está terminando ou já terminou?
Já está terminando, vinte e três anos, já está terminando. Quer dizer,
ela nunca perdeu de ano, deu aquelas bombeadas e tal, mas, a primeira vez no vestibular não passou, mas depois que ela na segunda
vez que passou, podendo, está, não está atrasada, R... não, R... era
pra estar na faculdade mesmo, vai fazer vinte anos agora em março.
Ele está em que série?
Está no terceiro ano do segundo grau.
É, mas está na faixa também.
É mas já, já era pra estar no mínimo com o segundo grau dele ele
estava aí já. Se não entrasse no vestibu, na faculdade, mas estava
tentando. Re... também nunca perdeu de ano, mas agente em cima,
em cima, é fraca, o colégio sempre dá problema, pra segunda, é
recuperação, mas até agora nunca perdeu de ano, mas se eu não ficar
em cima não é uma menina que estuda, né?
Estuda sozinha?
Estuda, sim, mas tem que ficar em cima, se não ficar em cima não
pega no livro, aí, eu estou dizendo a ela que aqui, então tem que ficar
em cima mesmo porque senão...
E tem aquela história de na hora que vai dormir, na hora que vai
estudar dá sono?
Ora se dá.
É porque geralmente é o que a gente vê com os meninos, começa a
estudar e eles dizem que o livro dá sono
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Tem horas que eu digo vá estudar Re, quando eu chego lá no quarto,
ela está dormindo.
Dormindo.
Ela aí pronto, começa a estudar novamente, rapaz, “vá estudar, já
estudou? Já, já estudei”. Eu acho que ela estuda até pouco tempo, ela
leva mais tempo mais brincando, assistindo televisão.
Deveres, tem muito?
Tem muito, dever dela do colégio?
Como é? Sim, deveres da escola, tem muita coisa pra fazer?
Tem, tem, ela trabalha direto aí, ela estuda direto a tarde aí.
Como é o relacionamento dos pais hoje com a escola? Porque antigamente você disse que era perto, qualquer coisa a mãe ia, e hoje os pais
vão muito a escola, tem contato?
Eu mesmo não, não vou...
Não vai.
Quem vai mais é V..., V... até esses, o mês passado foi lá a respeito de
Re, que ele, o Salesiano no caso, quando o aluno, eles se preocupam
muito, quando o aluno não está, fraco eles chamam, mas só que V...
foi, se antecipou e foi.
Foi procurar informações antes.
Foi procurar saber, aí a pessoa, a, a coordenadora disse, “rapaz eu já ia
chamar até vocês pra ver porque Re está numa situação e tal”. Então
o relacionamento com o colégio é assim, é, é esse, e eles sempre
mandam, eles chamam, mandam um comunicado, R... também, ele
vai lá, liga, procurando saber. R..., R..., R... conhece o pessoal lá
sempre está ligando pra lá, porque R... o, o boletim dele até hoje não
veio, e ele dizendo, “ah, não saiu, não saiu, não saiu”, está entendendo. Naquela de tapeação...
E saiu ou não?
Já saiu, só que R... ligou pra lá e perguntou e ela “não, eu já dei, o da
primeira e da segunda unidade já saiu” e dizendo que não saiu. Como,
foi aí que ele mostrou a gente.
E como é que estavam as notas?
Não, não estava bem, as notas não estão boas, entendeu.
Então foi por isso que...
É por isso, e R... se antecipa, vai lá e liga pra lá, sempre a gente fica no
pé né.
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Deixe eu perguntar outra coisa, você falou que já viajou pra Brasília,
interior da Bahia, Sergipe, que tipo de viagens foram essas?
Foi a serviço da em, de, a trabalho, uma vez eu levei um ano lá
trabalhando, depois eu vim pra aqui, e aqui também a trabalho, que
eu sempre viajei no interior da Bahia, sabe, é, ali em Ipiranga, Cícero
Dantas, esses lugares assim, e Aracaju foi a passeio. Um, um passeio
que eu fui conhecer lá Aracaju.
Quanto tempo?
Já tem tempo.
Sim, mas quanto tempo você passou lá?
Ah, eu passei, você fala, o passeio foi de fim de semana, feriadão, essas
excursões que fazem aí né, pra Aracaju, Porto Seguro, né?
E como foi?
Foi bem, foi bem. Eu gostei.
Ônibus?
Foi de ônibus, foi um dia de sábado voltou num domingo, domingo
de, segunda feira de manhã.
Mas é pertinho, né?
É perto.
Quantas horas de viagem?
Umas seis horas, seis horas daqui pra lá. Não é seis horas?
Não sei.
É nessa faixa, porque o ônibus foi parando, né. Paramos em Esplanada,
Entre Rios, Estância.
É porque é uma viagem de passeio você vai parando, né? Praia?
Foi pra praia de manhã jogamos baba, um, um baba da praia, depois, depois foi pra aquelas barracas ali que tem de caranguejo, aquilo
lá só da caranguejo...
Quente, é o quente de Sergipe.
Só dá caranguejo, aí pronto. Ficamos lá de tarde, teve um problema
lá também que o, a pessoa sumiu, né? A pessoa que foi o...
Foi pra onde?
Quem foi no, no passeio, na hora de sair, que o cara veio olhar o
pessoal estava faltando um, aí nada de encontrar o cara e tal, foram
pra delegacia, foram pro hospital pra ver se.
E aí?
Aí resolveu ir embora, né? Quando chegou aqui o cara já estava aqui.
O que foi que houve?
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Ele pegou uma carona e veio embora, e chegou mais cedo do que o
pessoal do passeio.
E não avisou ninguém
Não avisou ninguém. O cara, o, o, o dono do passeio, o responsável
ficou preocupado, né?
Ah claro.
O, o ônibus era pra sair domingo de tarde, depois do almoço, saiu
cinco horas da tarde, que foi pro hospital, aqueles hospitais lá de
Sergipe, pro Nina né, o Instituto médico legal, foi pra polícia, pra
delegacia...
(Superp) Já achava que o rapaz tivesse morrido, né?
Delegacia lá o cara mostrou os presos lá. “Olha os presos aqui são
esses, ele, ele está aí no meio? Não. Eh, no instituto médico legal?
Não está. Não afogou não? Não, não houve problema de afogamento, não houve nada. Olha vamos se embora”. Quando chegou aqui o
cara já estava aqui, chegou aqui cedão, e nós chegamos aqio quase
uma hora da manhã.
E aí, o que é que vocês disseram a ele?
Ai, nem liguei mais, porque eu já estava a fim de ir embora né? Então
ficou na casa do, do, na certa o responsável chamou ele, né? Chamou
ele e falou, né? Tem que ter um. Ah, peguei a carona de um amigo e
vim embora.
Ah, devia ter avisado.
Devia ter avisado né, foi isso que o cara falou, o responsável, “mas
rapaz, que lá atrasou a viagem em quatro horas, era pra sair meio dia
saímos de lá quatro horas da tarde, procurando você e você já estava
em Salvador.
Oh meu pai do céu. V... foi também?
Foi, e, e isso foi em setenta e....
O homem fugiu, né? O homem fugiu...
Setenta e sete, setenta e sete. Não tinha naquele momento, hoje tem
o celular, né? Tem tudo, tem telefone, então é mais fácil.
É mais fácil. Deixe eu ainda te perguntar outra coisa, você falou desse
passeio, falou de viagens, falou dos filhos, do comportamento de um
de outro, e ainda queria saber assim, da sua época de escola você falou
que tinha farda e tudo.
Era farda...
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As fardas de antigamente com as fardas de hoje, o que é que você
acha?
Ah, naquele tempo era tipo farda militar, do, pare, parecendo um
militar né, aquela roupa caqui.
Caqui?
É que se chama brim caqui, né?
Sim.
Era tipo aquele blusão, né? Manga comprida, eu mesmo usei...
Manga comprida?
Era, e calça.
E aí?
Gravatinha, tinha gravatinha, depois foi que, eu já estudei, já quando
eu passei pro ginásio, que eu estudei ali no Duque de Caxias, no
ICEIA, já foi, já, já foi liberando, já era mais à vontade, mas as primeiras...
Essas fardas eram boas de usar?
Era, era quente, né? Devido, principalmente no verão aquelas roupas
de brim, né? Hoje é mais...
É como você falou, um modelo militar mesmo, né?
É, tipo é, tipo colégio militar, a farda era tipo colégio militar, que
hoje não tem aquele colégio militar?
Tem
Era aquela farda ali mesmo, que o colégio militar já melhorou mais
um pouco, que a camisa, né? Mas antes o colégio militar era aquelas
túnicas, né? Manga comprida, tinha uma gravata, tinha umas que
tinha o bonezinho, aquele gorro, que chamava gorro.
Você usava esse?
Usava, mas...
Agora era engraçada...
Até quando eu, eu estudei em colégio a noite, que quando eu, eu,
quer dizer, esses meninos aqui, esses, os meus filhos hoje em dia, já
tem um com vinte anos, está com vinte anos e nunca trabalhou, eu
com dezessete anos já estava, com quinze, dezesseis anos já estava
trabalhando, eu tirei o meu curso de, curso do ginásio todo à noite.
Trabalhava de dia.
Trabalhava de dia.
Trabalhava com o quê?
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Sempre trabalhei em, em escritório, né? Em construtora, o meu, o
meu pai trabalhava em construtora, então...
Ah, você já foi acompanhando.
É, acompanhando, então eu trabalhava de dia e estudava de noite, e
quando eu passei pra estudar no ICEIA a farda lá era camisa manga
comprida branca e gravata, todo mundo engravatado.
De dia?
De noite, eu estudava de dia, oh, eu trabalhava de dia e estudava de
noite, já saía direto do trabalho pra ir pro colégio.
Ah, você já ia fardado.
Não, era uma camisa, né? Camisa de manga comprida branca, camisa social branca.
Então, só colocava a gravata na hora.
A gravata é, na hora, a gravata já estava na pasta.
Já dado o nó?
Dado o nó, já preparada.
Por que é que todo mundo já deixa esse nó pronto? É difícil dar nó
em gravata?
É difícil, eu sei dar, mas é difícil, tem horas que você dá não sai bom
e mudo, e quanto mais você está, nessa hora que você está com pressa
é que não sai bom. Então, é melhor deixar logo ele, eu mesmo deixava o meu já pronto, na hora é só e pronto... Já estava na, no...
Mas como eu lhe perguntei das fardas é porque eu queria chegar por
exemplo nas fardas de hoje. Os meninos, por exemplo, que tipo de
farda eles usam hoje?
Hoje?
Sim.
Você fala de?
Dos filhos, seus filhos, as fardas que, são diferentes da sua...
Totalmente.
Como é que são hoje? O que é que você acha? É melhor, é pior?
Acho melhor.
Melhor? Por quê?
É mais a vontade, né?
Que tipo de farda é que eles usam?
Hoje?
Sim.
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Eh, as camisas, as camisas, as camisas mesmo que, que eles fazem, do
próprio colégio que vende.
E de que tecido é essa camisa?
De malha, né? A malha.
Malha diferente da sua que era brim, né?
Era, é brim, aquele bem, brim mais quente, né?
Então pelo menos facilita pra mães, né?
Facilita, mães e até...
Pra lavar.
Compra duas, duas camisas, aqui compra duas camisas, aí lava uma.
No outro dia, ela vai com a outra, certo?
E lavar aquela roupa de brim.
É, e a semana toda.
Não dá pra lavar
A semana toda...
Não dava pra lavar um dia que não secava pro outro
Não secava.
No inverno então...
E ainda tinha que usar a semana toda, ficava até com aquele, sábado
é que lavava, né?
Era o dia de lavar...
Mas depois foi com o tempo foi melhorando, já passou pra camisa,
muitas...
Manga comprida, mas, pelo menos, camisa.
Muitos, muitos, muitos, muitos colegas não tinha farda porque o pai
não tinha grandes condições de comprar né, uns ia até o meio, chegava no meio do ano ele já não tinha, o sapato já furava...
Oh, meu Deus!
O sapato furava.
E como eram os sapatos das fardas de antigamente?
O sapato colegial era preto, so, so, eu usei muito aquele sapato preto
com solado de pneu.
Solado de pneu.
Tinha alpercata, né?
Pesados ou leves?
Pesado, pesadão, quando ele, era tudo de prego, né? Que hoje é
colado o sapato, quando o prego, às vezes até furava o, o pé, tinhas
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aquelas brocas, não chama broca? Tacha, tachazinha, naquele sapateiro, o solado dele era tudo de...
Esses, esses sapatos ainda permitiam a existência de sapateiros, né?
Era.
Porque hoje em dia...
Não tem mais sapateiro. Não tem, eh, os solados, os sapatos era tudo
de, no prego, depois foi que foi melhorando, eles fizeram já de pontos, né? De cadarço, eh, em vez de ser pregado era...
Colado...
Amarrado.
Ah, amarrado, amarrado.
Tinha um barbantezinho, depois vinha com, botava a sola e colava.
Já melhorou porque não furava os pés.
Não furava o dedo, né?
O dedo né? Era...
E hoje, como é que são esses sapatos?
O sapato hoje é colado, né?
E que tipo?
Têm os tênis, né?
Ah, os tênis, né?
Tênis, tênis, tênis é, que é o mais usado nesses colégios.
São mais, são mais bonitos.
Bonito e o pessoal gosta, os meninos gostam mais. Não existe colégio
mais de, de sapato.
De sapato colegial...
Não tem, é tudo é tênis, até tênis, eles fazem o padrão, é tênis preto,
né? Preto.
E alguns colégios também liberam pra...
Liberam, qualquer tipo de tênis.
Pra colorir, né?
É, qualquer tipo de tênis, até na aeronáutica agora, eu servi na aeronáutica. No meu tempo, tinha um sapato, tinha a maratona que
você fazia a, física, né? Eu estiva lá essa, a semana, mês passado, pra
pegar um documento lá meu, todo mundo de tênis normal, tênis,
tênis que se compra na loja fazendo física, cada um com um tipo de
tênis, e isso até hoje não estou nem, nem...
Com cores até diferentes?
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Cores diferentes, branco, outros com faixa no lado, sabe, esses tênis
que se usa na rua.
Eu sei.
Eles lá estão fazendo física assim.
Já modernizados né?
Modernizados, porque lá eles, eles davam a maratona, chamava maratona um sapatinho tipo um...
Ah, a maratona era um tipo de sapato?
Era, chamava maratona.
Pensei que era a prova.
Maratona era, era um sapatinho, parece um tênis, mas era o solado
de borracha em baixo, levinho, né? Com cadarço, chamava maratona, pra você correr, pra não correr descalço.
Você serviu foi a aeronáutica?
Servi dois anos lá.
Foi bom?
Pra mim foi, eu gostei, eu sinceramente se eu não tivesse saído hoje
eu ainda estava lá, hoje é que eu, hoje em dia, se eu soubesse que ia
acontecer essa vida que a gente está agora, eu estava lá, um colega
meu que ficou lá, hoje em dia está reformado, reformado não, está na
reserva.
Tem uma vida tranquila...
Pelo menos está na reserva, está ganhando o seu salário, salário, bom
salário.
Mas na época você não achou que devia se limitar...
Eu não me enquadrei né, não gostei da, peguei logo um xadrez de
oito dias.
O que foi que você fez?
Eu estava, abandonei o posto de serviço.
Abandonou pra quê?
Não foi abandono de serviço. O cara diz que foi abandono, que eu
não estava no local, né? Mas estava na área, só que...
Eu pensei que você tivesse abandonado pra sair pra outro lugar.
Não, muitos iam abandonar, saía ia embora, saía ia pra festa e tudo,
largava o posto abandonado e eu não, e era um tal de um, um cara de
noite vinha a ronda, né?
Você devia ficar fixo num banco e não estava
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Ali eu não estava, não estava ali, diz ele, eu tentei justificar, mas ele
disse que não, que eu tinha abandonado o posto, não sei o que, aí,
como diz lá, canetou, né? Canetou, no outro dia saiu no boletim,
oito dias de xadrez trabalhando, quer dizer, xadrez lá é trabalhando.
Trabalhando...
Você, você leva durante o dia trabalhando normal e...
Trabalhando em quê?
Lá dentro.
Cozinha, limpeza...
Não, nada
Não fazia isso não.
Especialidades, né? Trabalhava na área de, da aviação. Durante a
semana...(superp)
Eu pensei que tinha um castigo assim mais firme.
Não, depende da pessoa.
Sim.
A depender da, da condição, como no meu caso não foi uma condição grave, então eu fiquei trabalhando, quando é condição grave a
pessoa não trabalha, fica direto no xadrez mesmo, você precisa ver,
feito em delegacia.
Isolado (superp)
Fica lá, não sai pra lugar nenhum, mas como o meu foi leve, então
eu, eu aí estou... O que eu estava falando?
Você falou que pegou um xadrez leve.
Certo.
Mas que se fosse uma coisa mais grave...
Grave, era um xadrez, xadrez mesmo...
Você ficava isolado.
Isolado, mas eu ficava trabalhando no meu setor mesmo, eu trabalhava na sessão, no setor de pára quedas.
Você já contou essas coisas pros meninos? Não é?
Eu também não toco nesse negócio de...
De aeronáutica, pra saber o que eles acham...
Aí eu, eu trabalhava, na área, eu trabalhava na área de, trabalhava no
setor de manutenção de pára quedas, então durante o serviço, durante o dia eu ficava trabalhando e quando terminava o expediente eu
me, eu me apresentava ao sargento da guarda, aí pronto, eu ia dor-
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mir, também não era na grade, era na, numa sala assim que tinha, eu
dormia ali, agora também não vinha pra casa, durante oito dias.
Mas tinha contato com outras pessoas de lá do, do serviço?
Os presos, né?
Os presos.
Ficava conversando ali, muitas vezes o sargento era um cara bom, saía
de dia, mandava você ir pro cinema, de noite ia pro cinema lá, entendeu?
Ah, dentro da aeronáutica tem cinema.
Tem, tem um cinema, um cine teatro lá, tem um bocado de coisa lá.
Ah, então era uma prisão meio mole, né?
É isso aí, agora eh, dependo do caso, da, da indisciplina né, quando
é o caso mesmo de abandonou o serviço, tem muitos lá que abandonou o serviço, queimava o serviço, querer queimar e querer não ir lá,
não ir lá, né?
Então aí já é considerado uma punição mais grave (superp).
Aí o posto ficou abandonado mesmo, aí que, isso aí era pra ficar
incomunicável mesmo. Trinta dias né, trinta dias, na outra hora expulsão, eu também eu me, eu me impressionei com uma, com uma
expulsão que teve lá, toque de caixa.
Engraçado...
Então eu, eu vou cair fora, eu já tomei oito, daqui a pouco eu arrumo
mais oito, e lá é ...Inint... na ficha, eu me impressionei com aquilo e
caí fora, que toque, toque de caixa é quando o cara, teve um problema lá que roubaram, um cara roubou não sei o que, um fuzil, então
botaram o cara no meio de todo o mundo, forma, forma eh, todos,
todos os militares dá as costas, dá as costas pra ele e o cara fica naquela
caixa tocando e o, vinha outro soldado tirando tudo, toda a farda
dele. Tira a farda toda, ele ali por dentro ele já está com a roupa de
civil, aí pegam ele e entregam na polícia. Era por isso.
Pensei que tiravam a roupa pra ele ficar nu.
Não, pega, ele já estava com outra roupa por dentro ali, roupa de
civil, tira a roupa toda, vai tirando...
É, é uma cerimônia, né?
É uma cerimônia, o pessoal todo de costas, todo mundo de costas
pra ele, depois pega ele e entrega o carro da polícia já esta lá, rádio
patrulha, bota ele lá dentro e vai embora.
Humilhação, né?
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Aquilo é uma humilhação, eu olhei aquilo ali e disso olhe, vou cair
fora desse negócio. E no meu tempo era um comandante muito
rígido, qualquer coisa que ele. Estava até quando fui lá perguntei, ah,
tá na reserva, não sei o que, o pessoal falou lá, o pessoal se lembra até
dele, aí, eu caí fora por isso. Mas eu tive lá, eu fiquei até, deu até
saudade assim...
Quer dizer, apesar das coisas mas duras...
Pra quem se enquadra no, no regulamento dele é bom né, mas naquele tempo eu tinha vinte, entrei com dezoito anos lá, ah desmiolado, assim....Inint...
Tava mais ou menos com a cabeça de R... né?
Desmiolado, desmiolado assim como R...
Tá certo, pra finalizar eu queria ainda só ver a questão da educação, a
gente está conversando bem amplo, mas em relação a escola. Você
acha que a escola hoje ela atua mais como educadora, ela consegue
dar uma formação melhor as crianças do que a de antigamente?
Hoje, hoje a, a educação é melhor, mas só que a pessoa investe muito
num, num filho, numa criança e ele não tem campo, porque antigamente tinha, tinha campo, como a escola técnica mesmo, aluno da
escola técnica saía da escola técnica já estava trabalhando na
Petrobrás...
Então o problema hoje é mais a dificuldade de trabalho.
É claro, a pessoa investe muito e, e depois fica ocioso, o filho fica
ocioso entendeu, fica ocioso, fica em casa, você investe tanto, paga
uma faculdade, como a gente estava pagando aqui de N... faculdade,
hoje em dia, e a..
É difícil né? Mas vamos esperar que...
Mas escolas são boas, né? Tem muitas escolas boas, colégios, colégios
que... Tinha aquele esquema, o colégio do governo era bom, porque
a escola técnica mesmo, eu mesmo tentei entrar na escola técnica
mas não entrei, porque tinha aquele teste pra fazer, eu, eu tomei, eu
tomei pau no exame de admissão três vezes. Hoje, não tem mais esse
negócio.
Não tem não.
Você tirava, você tomava curso, você tirava curso mas você fazia exame
de admissão, no Duque de Caxias eu fiz duas vezes, perdi, fazia português, perdia, caía fora. Pra fazer matemática você tinha que passar
em português, eu consegui passar no Icéia na terceira vez, passei
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direto, me preparei, comprei aquele livro, O Exame de Admissão,
Programa de Admissão ao Ginásio, era um livro com as duas matérias.
Estudou por ali.
Aí me preparei, passei. Hoje não tem, eu acho melhor os estudos
tudo bem, mas hoje não tem, você vai direto. O estudo também era,
era valorizado antes, porque quando você saía vamos dizer da escola
técnica você ia ter um emprego na Petrobrás, em qualquer empresa
aí, hoje você sai, escola de eletro-mecânica que é hoje cara, aquela
escola aí, o menino sai, o aluno sai, fica em casa, eu conheço até um
daqui que está trabalhando em, de vendedor, agora diga o que é que
adiantou, o que adiantou gastar tanto num, R... mesmo, terceiro ano
aí, vai entrar no terceiro ano, eu não sei como é que vai ser pra R...,
onde é que eu vou botar R... vai trabalhar? Não tem campo. Ele fez
esse curso de, de computação aí pra, pra ver se melhora, ele vai sair do
colégio agora, aonde é que ele vai arranjar emprego? Vai ficar batendo
vestibular aí, vestibular, se passar tudo bem, se não passar é dois
anos, três anos, quatro anos...
Esperando.
Não tem, não tem, não tem emprego, emprego que é bom não tem.
Nosso tempo está assim chegando no limite. Agradecer a sua colaboração, né, agente pode até continuar depois, complementar o papo
mas a gente vai encerrar por aqui. Eu lhe agradeço.
Obrigado.
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INQ 17 – MULHER – IDADE: 53 ANOS – ESCOLARIDADE: 20 GRAU
DOCUMENTADOR: EMÍLIA HELENA PORTELLA MONTEIRO DE SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 23/11/1999
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Bem, nós eh, pra começar nos queríamos saber como foi a sua infância, você se lembra de fatos de sua infância?
Lembro, lembro, lembro, com certeza, eu lembro, ela vai atender, a
menina vai atender e dizer que eu não estou, lembro, “atenda L...”,
lembro de minha infância, minha infância foi uma infância muito
tumultuada, né? Porque os meus pais não se entendiam muito bem,
ciume, muito ciume, muito ciume, meu pai era simpático, enciumava
um dos outros e brigavam por isso, e eu não me conformava, achava
errado, desde pequenininha já achava errado, então eu coloquei na
minha cabeça, não vou me casar primeiro, homem nenhum presta,
todos são iguais, pimba! Mas comecei a namorar com dezesseis anos
e com ele me casei, acho que era o medo de pegar outro (risos) e estou
até hoje né, trinta anos aí, mas, mas eu lembro minha infância foi
assim tumultuada, aí fiquei em busca de religiões, fui pra igreja Batista, fui pra igreja Testemunhas de Jeová, fui pra igreja Católica, fui
ser irmã de Coração, eh, Coração de Maria, ficava na igreja cantarolando com essa voz horrorosa mas eu ficava lá, “tererê, tererê”, tentando, tentando me encontrar na realidade, né? E cedinho fui logo
trabalhar, fui trabalhar procurando também uma válvula de escape,
procurando uma saída, procurando uma busca, meu pai não deixava
sair com ninguém, não chegava ninguém na nossa casa que ele era
morto de ciúmes por essas filhas, essas filhas então.
Você é filha única?
Não, somos três, eu sou a mais velha, mas eu sempre fui muito
danada.
Dois homens?
Não, são quatro homens e três mulheres.
São sete...
Mas eu sempre fui muito danada, muito pintona, muito curiosa e
tudo eu queria saber, tudo eu queria ler, tudo eu queria, gostava de
futebol, gostava de Eder Jofre, fazia coleção de tudo de Eder Jofre, aí
ficava pensando, essa menina vai ser homem, aí meu pai tirava, começa a me prender, né? Revistinha de ousadia, revistinha pornô, eu
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gostava de tudo, de tudo, de tudo, de tudo, então era aquela pressão
terrível de meu pai em cima de mim, muito...
E a escola você começou desde cedo?
Estudava, comecei cedo, comecei a estudar cedo, mas tinha que tomar conta dos irmãos porque todas as empregadas que botavam em
casa eu brigava achava que não fazia as coisas certo, aquela, aquela
menina mandona, autoritária porque era mais velha, aquele, aquela
responsabilidade de meu pai dizer, “você é a mais velha, tome conta
de seus irmãos”, eu me achava totalmente dona da casa, minha mãe
saía seis horas da manhã chegava onze da noite...
Poxa!
Eu me achava dona da casa, colocava aquelas velhas do abrigo noturno lá em casa porque se botasse moderna disse que meu pai papava...
(risos)
Aí as velhas chegava, “nas minhas esmolas eu ganho mais do que ficar
tomando conta dessas pestinhas”, quando eu ouvia eu dava-lhe chute
e mandava embora, minha mãe chegava já não tinha mais ninguém,
aquele, você pode ver eu fazer o inferno, meu pai, “já que você mandou embora, você vai tomar conta da casa”, e eu ali, olhe, tomando
conta da casa, estudando, as professoras morriam de pena de mim na
hora do recreio tinha que vim correndo em casa ver a panela, era
uma, uma loucura, mas dava pra levar, deu pra atravessar.
E você, você se lembra de algum fato interessante na época que você
estava na escola?
Lembro muitos fatos interessantes, um era aquelas paqueras né, a
paquera, começou a paquera, por sinal outro dia encontrei até com
ele, encontrei não, encontrei com ele, aí ele me ligou pra me chamar
pra sair (risos)
(risos)
Mas quem atendeu foi V..., que bronca, aí aconteceu assim, ele tinha, a, a situação da família dele era menas possibilidade do que a
minha, até a merenda dele era menas, menas coisa do que a minha, a
minha era aquela merenda bem sofisticada, né? Aí ele ficava de lá só
me paquerando, e as meninas dizia que não, que ele não me queria,
que ele só me queria por causa da merenda, olha só, mas olha só, mas
ele me ensinava mate, ele me ensinava matemática que eu não sabia,
naquele tempo tinha geometria, que eu não sabia, ele fazia os dese-
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nhos pra mim legal, e lá eu assinava o meu nomão lá, e tirava meu
oito, meu nove, meu dez...
DOC: (risos)
17:
Tudo feito por ele, e nessa troca tinha merenda, que não era nem
uma paquera de beijo e abraço, era só de olho mesmo, de ficar, pegar
na mão pra me ensinar a desenhar, aquelas besteiras de criança, mas
foi ótimo a época, o período foi maravilhoso.
DOC: E professora você se lembra de, de alguma da época?
17:
Me lembro, M..., professora M... que era assim uma mãezona pra
mim, e ela só tinha um filho, morava na cidade nova que era perto de
mim na época, então ela dizia que quando a minha mãe estivesse de
folga eu fosse pra lá pra poder estudar com o filho dela porque tinha
coisas que eu sabia mais do que ele, tinha coisas que eu não sabia
nada e ele me ensinava, lógico, ele como filho da professora ela que
nos ajudava aos dois né, e ele era assim uma mãezona professora
M...., eu não sei, nunca mais eu soube, não sei, não sei mais, passo
assim por onde ele mora mas, era maravilhoso.
DOC: E você estudou em escola pública ou particular, como foi?
17:
Eu estudei em colégio público e estudei em colégio particular, eu
terminei meu primeiro grau, que não era primeiro grau, né? Era o
primeiro, como é que era meu Deus?
DOC2: Primário...
DOC: O primário.
17:
Era o primário, ginásio até a oitava, né? Que não era a oitava era
quarta série, eu fiz no Colégio Antônio Calmon, ali de junto da, da
São Judas Tadeu né, o colégio São Judas Tadeu, eu fiz ali, aí tinha
Dona V... que era esposa de...
DOC2: Doutor E...
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De doutro E..., tinha E... que era outro descaradinho....
DOC
G..., G...
17:
Era, descaradissíssissississimo, meninote assim já, está na minha faixa
de né...
DOC2: Eu sei.
17:
Que ele também estudava lá, mas eu era muito danada, os meninos
ficavam tudo doido querendo tirar uma lasquinha né...
DOC
(risos)
17:
Todo mundo, e burra, porque eu era burra que só eu mesmo...
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DOC2: Oh Jesus!
17:
Mas eles ficavam querendo tirar uma lasquinha pra me ensinar, porque eu era toda curtinha, as perninhas grossas, toda né, cuzinho
assim pra cima, coisa e tal...
DOC: (risos) Bonita, né? Ela é toda bonitinha...
17:
Todo mundo queria tirar uma lasquinha menina, e eu aproveitava
porque eu não queria estudar, eu não gostava de estudar, (risos), mas
oh fase boazinha foi essa, foi massa, foi massa, muito bom, muito
bom, muito bom, aí dali eu fui pra, dali eu fui pra Ladeira da Soledade,
né? No Carneiro Ribeiro...
DOC2: Carneiro Ribeiro.
DOC
Ah o Carneiro Ribeiro...
17:
E do Carneiro Ribeiro eu fui pra o Anísio Teixeira, fiz técnica em
laboratório no Anísio Teixeira, fiz auxiliar de enfermagem no, na
Pupileira que era na Pupileira na com doutor, doutor A ... e doutora
H..., que eram os pediatras naquele tempo, que eu comecei assim,
fazendo auxiliar de pediatria porque eu era muito menina, depois eu
fiz auxiliar de puericultura, depois eu fiz atendente de enfermagem,
depois eu fiz auxiliar de enfermagem, depois eu fiz auxiliar de obstetrícia.
DOC2: Eram cursinhos?
17:
Eram os cursos de dois anos minha filha, com as férias né, que no
caso, na realidade era, era um ano e oito meses, mas cada série a gente
fazia dois anos, estou danada viu, eu sou mesmo, já sou mesmo, “oh,
L...”.
CIRC: Senhora?
17:
“Por favor querida, chegue aqui amor”
DOC
Não se preocupe não que aí eu faço assim pra você oh (risos)
17:
Vou pedir a ela pra trazer o circulador, aí tem um circulador aí,
“pegue aquele circulador no quarto de C... filha, faça o favor”.
DOC
Agora me diga uma coisa, você, comparando a educação de antigamente com a de hoje, o que é que você tem a dizer, das crianças,
comece com as crianças.
17:
Mas em relação aos pais ou em relação ao colégio?
DOC: Sim.
DOC2: As duas coisas.
DOC
Aos pais e aos, e ao colégio.
PEPP
277
17:
Olhe queridas eu vou dizer uma coisa a vocês, eu, por exemplo,
“agora você vai pegar uma extensão na última gaveta, coloque ele aí
faça o favor”, eu vou dizer uma coisa a vocês...
CIRC: Na gaveta da onde, da cozinha?
17:
“Na última gaveta da cozinha, não na, na, na panela do bujão tem
um, tem uma extensão”. Olhe eu vou dizer uma coisa a vocês, meu,
minha quinta série eu não trocava, agora mais não, né? Porque eu
não, não posso nem mais comparar porque as minhas filhas já estão
na faculdade, mas a minha quinta série eu vou dizer uma coisa a
vocês, eu não trocava pelo, a oitava de minhas filhas, você acredita?
DOC: Acredito.
17:
Porque nós tínhamos a quinta série e ainda tinham a pré-admissão.
DOC: Isso.
DOC2: Ah era...
17:
O admissão era como um cursinho pré vestibular só, só que era um
ano não era?
DOC
Era, era.
17:
O curso de admissão era um ano e depois tinha um, tinha uma prova
de seleção, tinha o admissão, tinha uma prova de seleção né, e, e ali
era mesmo que ser um vestibular, que eu não troco por hoje de jeito
nenhum.
DOC: É verdade.
17:
Não troco, agora as minhas filhas já passaram, claro que elas agora já
estão na faculdade né, não, não vai nunca comparar, só...
DOC: E, e, e em termos assim de, de educação de pai, de mãe, de família o
que é que você...
17:
Totalmente diferente hoje, hoje está de assustar, a educação hoje, dos
pais hoje está de assustar, graças a Deus eu não tenho neto ainda pra
não entrar em choque com filho, com nora ou com genro, porque eu
vejo hoje uma coisa assim tão barbaridade, barbaridade mesmo, eu
fico assustada, eu fico assim calada quando eu vejo as besteiras, muito
difícil de você, muito difícil de você controlar.
DOC: É, realmente, e, e, você escolheu esse curso que você fez, esse curso
técnico eh, porque? Você sempre gostou da área de saúde? Como é
que foi?
17:
Oh, minha mãe enfermeira, minha mãe enfermeira, eu procurando
uma válvula de escape pra sair de dentro de casa com, eu com catorze
278
PEPP
DOC:
17:
DOC:
17:
PEPP
anos me formei em corte e costura e morte como dizia o meu irmão,
porque era um curso que tinha perto de casa, aí o meu pai me botou
pra fazer corte e costura e comprou uma máquina pra mim, eu com
catorze anos já costurava, e ele queria que eu fosse uma costureira
doméstica.
Eu sei.
Mas eu do jeito que eu era rueira, gostava da rua, eu podia ser costureira doméstica? Jamais, fugia, ia pro hospital, chegava lá as freiras
gostavam muito de mim, aí eu começava no berçário...
Que hospital?
Santa Isabel, comecei no Santa Isabel, Santa Isabel foi minha escola,
foi minha escola mesmo, aí o que é que aconteceu, comecei no Santa
Isabel indo pra lá, ia encontrar com a minha mãe, aí ficava lá no
berçário, e brincando com os nenéns, ia pros quartos com as pacientes, conversava com uma, aí a irmã gostava muito, tinha quinze pra
dezesseis anos, aí as freiras diziam assim, “mais V... porque você não
deixa essa menina fazer um estágio aqui?”, e as colegas de minha
mãe, que naquele tempo tinham dois, três empregos começavam a
tirar licença e pedia pra freira me deixar no lugar, foi assim que eu
comecei, no tempo de doutor A .... com doutora A ... que gostavam
de mim demais de tanto me ver lá no hospital, eles gostavam de
mim, eles gostavam de mim como o que, aí as freiras pedia, “V...
deixe ela, deixe ela aqui”, aí eu fui ficando, aí as colegas de minha
mãe aquele, aquela ponte né, a doida atrás de uma pessoa pra tirar as
folgas, pra tirar as férias, pra tirar uma licença que tiravam pra viajar
uma semana, qualquer coisa assim, aí, “V... deixe ela ficar”, aí eu fui
ficando, começava assim pelo berçário, comecei no berçário, tomando conta dos nenéns, dando banho nos nenéns, tererê, tererê, tererê,
vai eu, vai eu ,vai eu, vai eu, e aí a irmã C... resolveu dizer a mim que
eu tinha que fazer um curso de auxiliar de pediatria, aí me colocou
pra fazer um curso de auxiliar de pediatria, fiz o curso de auxiliar de
pediatria, depois eu fiz o curso de auxiliar de policultura, aí fui chegando também pra idade né, aí doutor A ... resolveu me contratar eu
já tinha dezesseis anos e meio, mais ou menos, por isso que eu me
aposentei cedo, que eu comecei com dezesseis anos, sessenta e dois
foi o meu primeiro emprego, né, sessenta e dois, aí eu fui fazendo os
cursos, me empolgando, me empolgando, como auxiliar, né? Me
279
empolgando, fazendo, fazendo, trabalhando e me empolgando, e lá
um dia eu dei um plantão com uma colega do laboratório que também, trabalhava no laboratório, eu trabalhava de auxiliar, começamos a conversar, ela me dizer que o laboratório trabalhava menas
horas, que ganhava mais, que nós tínhamos chances de, de ter três
empregos porque a carga horária era quatro horas e de auxiliar era
oito, entendeu?
DOC: Eu sei.
17:
Aposentadoria era mais rápido naquela época era vinte e cinco anos,
apesar de que quando eu me aposentei não ter sido mas na época era,
aí eu comecei a me interessar, eu era ambiciosa na realidade, foi ambição, não tenho vergonha de dizer, ambição por ganhar dinheiro....
DOC: Positivo.
17:
É, porque ela disse pra mim você tem condição de ter três empregos
ou quatro, eu disse, “opa! Vou partir pra lá”
DOC
(risos)
17:
Menina, mas me deu um olho grosso, graças a Deus e fui fazer laboratório.
DOC2: Mas é normal também, né?
17:
É, ambição de profissional e ambição de ganhar dinheiro, minha
família pobre...
DOC: Muito positivo.
17:
Aí eu me aticei, me aticei, traba, estudava de manhã, trabalhava de
noite, cochilava, fazia curativo na rua, dava banho em menino, que
eu fazia tudo que você pode imaginar.
DOC: Sim, e o que é que você mais gostava?
17:
Na época...
DOC
De fazer?
17:
O que eu mais gostava de fazer de auxiliar era tomar conta dos meninos, recém nascidos, era, eu era...
DOC: Das criancinhas.
17:
Era, eu era apaixonada pelo berçário, e depois quando eu fiquei adulta, eu digo assim adulta porque eu já estava com dezenove, vinte
anos, que eu fui fazer, que eu fiz o auxiliar de obstetrícia, eu fiquei
trabalhando só na sala, o que eu mais achava bonito era um parto
cesariana, detestava o fórceps, tinha pavor a curetagem, quando via as
pacientes fazer a curetagem eu morria de medo, fórceps eu achava
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DOC2:
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assim um estupidez fazer um parto fórceps, pra mim quando puxasse aquela criança já ia puxar com o, o, o, os miolos dentro daquelas
tesouras, tinha trauma, você sabia? No meu plantão, eu fazia de tudo
pra não ter um fórceps, eu cantava com as pacientes, eu rezava, eu
fazia tudo pra não fazer fórceps, que era uma moda naquela época de
fazer fórceps, fórceps, e eu morria de medo, tinha muito medo, agora
uma cesárea eu assim me encantava, quando surgiu máquina filmadora,
quando surgiu máquina fotográfica, tudo o que eu podia fotografar e
filmar eu, que tinha oportunidade que era o plantão com duas ou
três, eu aí fazia tudo pra depois passar nas aulas.
Já houve assim um caso interessante desses trabalhos seus?
De, de maternidade?
É.
Já, sempre há, se eu disser que não é, é mentira né, coisas assim
assustadora, e coisas também de você ficar como aconteceu? Porque
aconteceu? Assim, coisas admirável, coisas assim linda que aconteceu. Doutor A ... chegou uma paciente já em choque, grávida de
gêmeos. Aí um menino nasceu num dia de segunda-feira que era o
nosso plantão e o outro só veio nascer na quarta-feira quando nós
voltamos no plantão. Por coincidência o plantão de quarta-feira eu e
ele, tínhamos trocado, quer dizer nasceu um menino no plantão
dele, nosso...
Na segunda.
Não, primei, uma gravidez só, deixamos a paciente na sala, em trabalho de parto.
Mas ela só foi ter filho quando...
Na quarta feira quando nós chegamos de manhã.
Interessante....
Isso foi interessante.
O primeiro nasceu na segunda...
Nasceu na segunda, gêmeos de dias diferentes...
Mas porque foi...
Porque eu nunca ouvi falar isso depois...
E por que houve essa demora entre um e outro?
Olhe, eu não tenho cer..., eu não lembro mais assim precisamente
dizer a você o que é que houve, porque naquela época não se tinha
assim muitas explicações técnicas, né? Então doutor B... supõe assim
que fosse uma coisa espiritual, porque doutor B... é espírita, como
281
ainda é até hoje, e ele tinha dito na sala estou tirando esse mas o
outro só vai nascer daqui pra o fim de semana, aí como nós naquela
época, hoje em dia tem, se tem mais liberdade um, um auxiliar com
um médico, já chama de você, mas naquela época qualquer estudante no primeiro ano de medicina a gente já chamava de doutor, e já
tinha aquela distância, aquele respeito, por mais que eles gostassem
da gente, por mais que eles no dessem intimidade mas nós sempre
mantínhamos a distância, então não tínhamos aquela liberdade de
querer saber tudo assim detalhadamente, o que nós conseguíamos
descobrir olhando, lendo, as, as, as fichas, quando não eram aqueles
termos muito técnicos que nós não entendíamos na nossa área de
auxiliar né, aí tudo bem, mas quando não era de entendimento ficava
por ali mesmo, e doutor B... disse, tirou o primeiro menino, era vinte
para as sete da manhã, nós estávamos saindo do plantão de segunda
pra terça, e ele dizendo assim, “estou fazendo esse parto agora mas
tem outro”, antes de ele tirar o primeiro, ele disse, “estou fazendo
esse parto, agora vai ser o último de hoje mas tem outro, e outro só
vai nascer daqui pra o fim da semana”, eu dizia a ele, “porque que só
vai nascer no final de semana?”, ele disse, “porque só vai nascer no fim
da semana porque ele está preguiçoso quer dormir mais”, mais ele
falou assim....
DOC: Hum, estranho...
17:
É, falou assim mas eu ficava assim preocupada porque a paciente
tinha chegado em choque, depois que foi medicada que se acalmou
que não sei o que, tererê, tererê, tererê ficou tudo normal, foi aquele
corre, corre logo no começo aí ela teve o primeiro natural, natural, foi
pra o quarto, ficou numa boa com o outro neném lá dentro, certo.
DOC2: Imagine!
17:
Sem sangrar, sem hemorragia, sem nada.
DOC: Sem nada.
17:
Sem nada, sem nada, quarta feira quando nós chegamos plantão sete
da manhã, quando deu umas três horas da tarde nós levamos a paciente pra sala de cirurgia, fez uma cesárea e tirou o outro.
DOC: Ah, (...inint....)
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Dois meninos, E... e R...
DOC: E ela estava bem?
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Bem, bem, bem, bem, bem, e achando muita graça, como é que
tinha gêmeos de dias diferentes, que ninguém ia acreditar com dois
dias de diferença de nascimento.
É, interessante.
Dois dias, setenta e duas horas depois, isso foi muito interessante,
muito interessante, eu nunca esqueci, sem contar com os, os, os meninos deficientes, né? Muitas coisas assim horríveis que a gente vê.
Percebe logo que é deficiente?
Quando nasce logo.
2:Você vê?
Muito, muito, com um olho só, com uma capa assim, aqui de, que é
tão difícil, uma capa assim parecendo uma, uma calda, uma, que não
coloca uma capa aqui? E não saí assim aquela calda? Nascia aquela
parte aqui até o bumbum, até as cadeiras assim de couro, aquele
couro assim enorme, cabeludão assim.
viva?
Viva, dura, dura duas, três horas, dura até vinte e quatro horas, e a
gente ter que lidar com aquela criança pra amamentar, pra dar mingau, dar leite, mingau não leite, chá, soro, e (...inint....), comia assim
parecendo bicho...
Meu Deus!
Sem olho, já nasceu sem olho, sem nada, só com o buraco aqui.
Mas a mãe, a mãe via?
Não via, nunca via, nunca deixamos ver, um buraco aqui.
Só o buraco?
Só um buraco, isso aqui tudo, liso parecendo aquelas queimaduras
que ficam lisas assim, agora aquele buracão assim, um buracão, um
buracão sem nada mais, um buracão oco, quando eu olho assim o, o
Louro José que vejo aquele negócio rosa assim, eu me lembro, eu me
lembro...
Isso, e me conte o sofrimento pra vocês que lidam com essa situação
como é que era?
Acostumava.
É?
Acostumava, sabe como era que nós sofríamos mais? Quando era um
neném com deficiência cardíaca, que tinha que operar o coração,
quando era assim com os pezinhos tortos, que tinha que operar logo
recém nascido, quando era assim cheio de, de, de dedinho de duas a,
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DOC:
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duas pitolinha por aqui que nascia já com as argolinhas, então alguma coisa assim a gente ficava com pena, “oh meu Deus, vai tirar viu,
meu filho! Não sei o que”, mas esses monstrinhos a gente (...inint....)....
Esses monstrinhos a, a, a, nunca duram muito não, né?
Nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca....
E é comum?
Não, naquela época diziam que era sífilis, né? Dizia que era sífilis,
dizia que era...
Mas hoje existe também.
Mas é muito difícil, eu não sei se é porque o pré natal...
Eu sei por causa da, da, da (...inint....), eu tenho uma amiga que
trabalha lá.
Ainda tem né? Tem, deve ter mesmo.
Uns casos desses.
Mas é muito menos, agora é muito menos né, mas antigamente era
muito, muito, muito, muito, e você vê que antigamente as mulheres
tinha medo de parir com mais de quarenta anos, hoje é recomendado parir com mais de quarenta anos, a gravidez de risco não, gravidez
de risco agora é as meninas que estão, tão morrendo mais, estão tendo mais meninos, crianças defeituosas, porque elas não fazem resguardo, elas não tomam medicação, elas não se cuidam, elas são
promíscuas demais, fazem sexo com tudo quanto é tipo de gente,
não se preservam, não se tratam, não fazem o preventivo direitinho,
você vê que eu me aposentei no décimo quarto centro, quando aquela
chuva como a dessa semana na época que eu trabalhava tinha gente
que saía com a criança de dois meses, três meses pra ir tomar uma
vacina de BCG em uma chuva daquela sem um agasalho, sem uma
sombrinha, essas meninas de, de dezessete, de dezoito anos, “minha
filha você veio fazer o que aqui?”, “vim vacinar”, “oh, filha, com essa
chuva pra a sua filha, a sua criança pegar uma bronquite?”, quer dizer
falta de inteligência, né? Muita, muita, muita, então hoje em dia
pode estar acontecendo ainda por isso, pode estar acontecendo ainda
por isso, que as crianças são muito rebeldes hoje, eu acho, os jovens
muito rebeldes, e quando a gente fala, “menina não faça isso, está
com as pernas inchadas, não coma sal”, “ah! Sou vocês que tem pressão alta, sou jovem”...
Meu Deus!
PEPP
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DOC:
Assim que elas dizem, né? “Sou jovem, não sou vocês não, tem
dezessete anos”, e come sal, como isso, come pimenta, tererê, tererê e
lá vai a, as consequências só aumentando.
Aí paciência, né?
Você, você falou C... em as crianças, as meninas são rebeldes, e você
disse que você não era fácil quando era criança.
Não era fácil.
2:Mas me fale sobre a repressão dos pais, você foi controlada?
Controlada.
E na época do namoro?
Foi horrível.
Conte aí pra gente. (risos)
Foi horrível, eu só namorei com V..., aí V... jogava muita bola só vivia
com os pezinhos dele tudo furado, aí quando a minha mãe me via
assim pertinho de casa, uma comparação como daqui no Bompreço,
não na esquina aqui do táxi, de cada porta ela me via, aí meu irmão
que tinha na época acho que era cinco ou seis anos se juntava com os
molecotes pra me jogar cocô de cachorro, cocô de cavalo e eu não
podia dizer nada porque era o meu pai que autorizava, meu irmão
mais velho não morava dentro de casa, não morava dentro de casa,
mas tinha o trabalho de ir pra porta do hospital me esperar e dizer
que a mim, “agora aquele moleque está ali te esperando, mande ele se
aproximar pra você ver se eu não vou quebrar ele todo”.
(risos) Meu Deus.
Aí eu, ele me trazia até perto de casa eu soltava da lotação perto de
casa, ele voltava na mesma condução e V... pegava outra, me olhando, eu vendo V..., V... me vendo e a gente sem poder se falar.
Imagine!
Não era terrível, eu já, eu já crescida, trabalhando e ajudando a comprar as coisas pra dentro de casa, roupa, roupa, fiz um vestidinho,
que eu costurava, fiz um vestidinho pra mim, um bolerinho, que
teve a moda agora, e já teve também. Bolerinho que eu tive, a, o
campo branco e as bolinhas verdes, linda, aí eu fiz o bolerinho, meu
tio ia chegar do Rio e ia me levar pra festa da Conceição que eu nunca
tinha ido, quando o meu tio escreveu dizendo que vinha dizendo que
vinha pra festa da Conceição e que ia me levar, eu pam sentei na
máquina numa tarde fiz um vestido.
(risos).
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dia!
Bom dia não, isso é porque acordou agora.
Oh, acordei agora, boa tarde, tudo bom?
Boa, como vai? Tudo bem?
Boa, prazer.
Aí eu fiz o meu vestidinho de alça, bonitinho, fiz meu bolerozinho, e
meu tio chegou mesmo de viagem e o meu pai mais a minha mãe
deixaram por muitos pedidos dos vizinhos, dos amigos, e meu tio,
minha avó, todo mundo, deixaram eu ir, quando nós voltamos da
festa da Conceição as doze e meia pra uma hora da manhã, eu vim
assim, parecendo aquelas menininha eh, como é que, mauricinhas,
com o meu bolerinho aqui, mas o meu pai estava na porta me esperando, ele não esperou eu chegar não, ele rasgou a minha roupa da
onde ele me viu, ele saiu daqui foi lá me encontrar e rasgou na rua,
ainda bem que foi de madrugada, aí chorava, me descabelava, mas eu
fazia outro.
(risos)
Tentava vestir escondido, quando ele descobria rasgava, rasgava mesmo, rasgava mesmo, rasgava mesmo, namorando com V..., mas tá, ai,
ai...
E, e quanto tempo vocês namoraram pra depois resolver o casamento?
Namoramos sete anos e oito meses, e aí quem, quem realmente fez o
nosso casamento foram os pais dele, e os irmãos, porque a pressão era
tão grande, tão grande em casa, não, V... não tinha, V... não tinha
direito de ir no banheiro de minha casa não, da varanda, do muro,
primeiro era no muro, namorava no muro, depois a minha irmã
resolveu namorar aí eu passei pra varanda, e a outra ficou no muro,
quando a outra resolveu namorar, ficava as duas menores no muro e
eu na varanda, meu pai entrava e saía dizendo que lá não era jardim,
“aqui não é jardim, porque aqui não é jardim, porque aqui não é
jardim”, (...inint...) que inferno, uma colega minha disse, “C..., vamos fazer o seguinte, você quer ir morar comigo?”, ela morava ali no
Alto da Santa Rita (...inint...), naquele tempo se usava muito as
mocinhas morarem só não era, ela morava ali no Alto do Santa Rita,
trabalhava no Santa Isabel, aí eu disse, “eu topo”, ela disse, “menina,
porque esse inferno, não tem quem aguente viver nesse inferno não”,
PEPP
eu disse, “está certo”, eu já tinha um bocado de coisa do enxoval, que
naquele tempo a gente se arrumava mesmo, né?
DOC: Com certeza.
17:
Já tinha aparelho de jantar, aparelho de cristal, comprava tudo junto
nós dois, né? Fogão, já tínhamos fogão, já tinha o, pano tinha que
não tinha mais lugar de colocar as caixas de tecido, de lençol, de
paninho de prateleira, toalha de prato, não tinha mais lugar de colocar, até pra eu bordar as minhas coisinhas que eu gostava tinha que
fazer quando o meu pai mais a minha mãe não estavam em casa.
DOC
2:Veja! (risos)
DOC: Ah meu Deus.
17:
Porque quando eles estavam em casa, de noite então se V... estivesse
trabalhando desligava as luzes.
DOC2: Agora porque eles não queriam (...inint...)?
17:
Não é que não queriam o namoro, eu não sei o que era, você acredita
que até hoje eu não sei o que era? V... diz que é porque a minha era de
ouro e a das minhas irmãs era de bata.
DOC: (risos)
17:
V... diz, “parece que a sua era de ouro”, falava aquele nomezinho, né?
“Parece que é de ouro e a de suas irmãs são de prata”, que a minhas
irmãs ninguém teve isso, namoraram, engravidaram, tudo minha
mãe sabendo, concordando, apoiando, escondendo de meu pai, pedindo o meu apoio, e comigo era aquele inferno.
DOC: A mais, a, a mais velha sempre é, era assim.
17:
Um inferno, era um inferno, quando eu pensei em morar com essa
minha colega tudo eu combinava com a mãe dele, a mãe dele era
uma mãe pra mim, combinava tudo.
DOC2: E os seus pais como é que viram a sua saída?
17:
Não saí, eu casei.
DOC2: Ah sim.
17:
Eu não saí, foi isso que a mãe dele, eu combinei com a mãe dele que
eu ia sair, que eu ir morar fora, que eu não estava mais aguentando,
não sei o que, ela disse, “não, se é de você sair pra morar fora, você aí
se casa”, “ah, mas nós não podemos casar”, porque na época nós
ganhávamos cento e cinquenta contos, era cento e cinquenta mil, eu
ganhava cento e cinqüenta dos dois empregos, do estado como técnica em laboratório, e de enfermagem, e ele ganhava cento e cinqüenta
PEPP
287
de um emprego só, “o dinheiro não dá, a gente não tem casa pra
morar”, ela, “não, mas vocês casam, a gente ajuda, todo mundo dá
uma coisa, e vocês casam que é melhor do que você ir morar só”,
então ela marcou, tudo o que ela fez eu concordei, marcou a data do
casamento, só a única coisa que eu concordei que ela queria fazer festa
no domingo do casamento e eu quis ir prum hotel.
DOC: É, claro, né?
17:
Que chique, né?
DOC2: É (risos)
DOC: Muito justo.
17:
Fui pra um hotel, fui lá pra uma colônia de férias. Deraldo Mota, né?
No Piatã, uma colega me ofereceu, me dava, pagava as diárias, né? de
presente, eu ia perder pra ficar em casa fazendo festa?
DOC: Com certeza.
17:
Aí pronto, a única vez que eu discordei da minha sogra foi essa.
DOC: Mas foi ótimo.
17:
Passamos lá cinco dias, que era uma, era assim, eu fui no, no, no
sábado, no dia do casamento, antes de meia noite, e quando foi na
quinta feira, foi, foi isso, domingo, segunda, terça, quarta, eh, quinta
feira cinco horas da tarde a gente saiu, mas foi ótimo.
DOC: E foi, foi, o amor deles não é, uma coisa importante...
17:
Será?
DOC: Porque resistiu a esse...
17:
Mas resistência viu?
DOC: A, a, a essa tempestade toda (risos).
17:
Muita tempestade, e meu irmão, esse que mora no Rio era forte, era
assim um, um maguila da vida, mas era o único que dizia ao meu
pai, “vou pro cinema com ela”, aí virava pra V... e dizia, “não pro
cinema nada com ela, quem vai é você mais ela”.
DOC: (risos)
17:
Aí nós íamos no ônibus junto, chegava lá ele me deixava com V... e
ele tomava outro rumo e nós marcávamos o lugar de encontrar pra
volta, e chegava junto nós dois, sem V...
DOC: Oh que bom!
17:
Já namorando na porta, você acredita?
DOC2: Como é que pode?
17:
Já namorando na porta, não tinha direito de ir pro cinema, uma
matinê de tarde, não tinha direito.
288
PEPP
DOC2: E mesmo próximo ao casamento?
17:
Na véspera do casamento, você, você pode mais ou menos lembrar,
eu não sei se você é de minha época, mas as pessoas que não tinham
muita, não tinha, infelizmente não tinha nada, era os tonéis pra
colocar gelo...
DOC2: Gelo.
DOC: Isso.
17:
Minha sogra e meu sogro, meu cunhado foram lá umas onze horas,
“heim, meu filho?”, umas onze horas foram lá levar, levar os tonéis
pra, pra o gelo pra o dia do casamento, aí o meu irmão estava dando
risada de minha mãe, querendo colocar a cortina com o avesso pra,
pra dentro de casa como uma coisa assim ao contrário, ela queria
botar o direito pra rua e o avesso pra dentro de casa, ele começou a
dar risada, ele já morava no Rio, já estava bem evoluído, começou a
dar risada, que ele só veio pro meu casamento, eu também fui dar
risada, V..., minha sogra, meu sogro, meu cunhado e eu e meu irmão, começamos a dar risada, ela saiu de lá, disse, “olhe, você casais
ou não casarás vocês ainda, ainda não casou pra estar dando risada
das minhas coisas que eu estou fazendo”.
DOC: Meu Jesus!
17:
Pá.
DOC: Meu Deus (risos).
17:
Pá, mas foi assim, pá mesmo, e bateu na cara, eu passei a mão assim
chorei que só faltei morrer, mas levei.
DOC: Sim, e hoje como é o relacionamento de vocês?
17:
Ave Maria, hoje minha filha ela diz assim que meu pai e meus irmãos
que são os, era qua, era três agora, era quatro agora são três, ela diz
assim, os gêmeos, meu pai e meus três irmãos, os quatro quando era
vivo, um em cima do outro não chegava ao chulé de V...
DOC2: Veja!
17:
Se eu chegar e disser assim, “minha mãe, eu estou chateada com V...,
V... me fez uma coisa, aconteceu”, se fosse o caso de eu chegar com a
minha cara quebrada e dizer, “V... quebrou a minha cara”, ela sempre
achava que foi eu que provoquei pra ele fazer aquilo.
DOC: Hoje tem o maior carinho, o maior...
17:
Demais, demais, demais, demais, demais, demais, um amor, um
amor, um amor, um amor, um amor, e comigo não dão um passo
sem me dizer, tudo o que querem comprar sou eu que tenho que ir
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na frente, como C... viu já duas vezes que ela marcou eu não pude
coitada porque quando eles entendem que tem que comprar uma
coisa eu tenho que ir, eu não gosto de aborrecer, eu vou mesmo.
DOC: Eu sei.
17:
Com todos esses irmãos que tem, menos um que mora no Rio e um
que faleceu, mas os que estão aqui, mas só é comigo, “minha filha eu
liguei pra você agora”, cinco horas da manhã, “minha filha estava
dormindo?”, “não”, “eu liguei pra você porque hoje eu vi uma oração,
não sei o que, não sei o que, não sei o que, me lembrei tanto de você,
orei muito por você, (...inint...)”, “está certo meu pai, está”, minha
mãe não faz, não é tão prudente, meu pai é mais, minha mãe é assim,
dez horas, “oi, filhota, oi minha flor do dia, olhe eu liguei pra você
menina porque eu me lembrei agora, mas naquele dia eu comi não
sei o que, não sei o que em sua casa, como é que faz?, tê, tê, tê, tê, tê,
tê”, só pra ter um motivo.
DOC: Oh, que bom!
17:
E eu tenho que dizer, “tá minha mãe, minha mãe oh pelo amor de
Deus, minha mãe. Olhe, minha mãe, depois eu ligo pra senhora,
ta?” Porque, às vezes, eu estou assim sabe?, aí ela, tá, “oh, minha
filha”, amanhã, aí quando for amanhã, “ontem eu liguei pra você mas
você é muito ocupada, não podia me dar assistência, mas eu só queria
hoje ouvir a sua vozinha, uma saudade de sua vozinha rouca”
DOC2: Oh! Tadinha...
DOC: Oh meu Deus...
17:
Eu digo, “ta, mainha, pode falar”, chego a me sentar, as vezes eu me
deito, fico as mãos dormentes, mudo o telefone de lugar, e fico, mas
não tem nada pra falar, nada, fala todas as besteiras que você pode
imaginar.
DOC2: C... e você com os seus filhos, suas filhas?
17:
O relacionamento? Eu acho bom.
DOC: Você, você reprime? Faz um pouquinho como a sua mãe fez?
17:
Não, não, não, eu não reprimo eu me preocupo, eu me preocupo, eu
digo todo dia, eu digo todo dia a elas, “eu não me preocupo com
virgindade de vocês”, eu me casei virgem, me casei virgem, mas eu
não me preocupo com a virgindade da minhas filhas, “a única coisa
que eu me preocupo com vocês é uma gravidez indesejada, tenham
cuidado pra não engravidar, tenham cuidado pra não ficar tomando
anticoncepcional de qualquer jeito, não se prejudicar, olhe as varizes,
290
PEPP
DOC:
olhe o hormônio vocês novas”, M... mais não, porque já tem vinte e
oito, mas K... que tem vinte e três, “então o melhor preservativo é a
camisinha, então você quer...”
Você orienta, não é?
“Quer fazer sexo, faça, agora faça com cuidado”, “ah, minha mãe,
mas eu confio em fulano”, que é o namorado, eu digo, “minha filha,
não é que você confie nem não confie nele, você tem que confiar em
você, você tem que confiar em você, homem bom só foi Jesus Cristo,
o único, certo, os outros todos têm suas qualidades com seus defeitos
que dá pra pesar tudo e dar pra levar como eu estou levando o seu pai
há trinta anos, mas tem que ter cuidado porque, mainha, não quer
ver você sofrer, eu não quero nunca que você passe o que eu já passei
com o seu pai”, V... foi muito namorador, muito das mulheres vim
buscar na porta esse homem que você está vendo aí.
(risos)
De me deixar pronta assim descendo a escada, de sair correndo na
minha frente a mulher já está lá de junto do carro esperando, entrar,
e quando eu acabar de chegar no prédio, na, no térreo do prédio o
carro está saindo ele com ela, e ele só chegar cinco da manhã, e dizer,
“o que é que está fazendo aí?”, “lhe esperando pra ir pro cinema como
você me prometeu ontem”, eu vou querer que minhas filhas passem
isso?
Não.
Eu vou tirar (...inint...) de um, não vou, vou tirar, sim, vou, porque
ela está aqui dentro olhe, comendo, bebendo, vestindo, calçando,
sem eu me queixar, sem o pai se queixar, tem queijinho, tem
presuntinho, pode não ter trinta e um dias do mês, mas quinze dias
tem, né filha?
Graças a Deus.
Graças a Deus, se “hoje eu vou almoçar na rua”, eu fico, “minha filha
você tem dinheiro?”, o pai fica, “você tem dinheiro?”, o irmão fica,
“você tem dinheiro?”, quer dizer não tem necessidade de se grudar
com o homem pra dizer, se for e sofrer ele vai tomar porrada, porque
eles que ficam, não é que ela seja inocente, mas é eles que ficam mais
olhe, porque elas são muito grudadas com o pai, gostam muito, pra
você ter uma idéia está C... com vinte nove anos aqui dentro de casa,
e não tem pressa de casar, se fosse ruim...
É verdade, porque gosta da companhia do pai, da mãe...
PEPP
291
DOC:
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DOC:
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17:
Ah minha filha, aí beleza, tudo gostoso, eu brigo pelo telefone, boto
chave no telefone, saiu levo, deixo o outro sem fio trancado, “êta, ela
hoje está atacada”, “estou mesmo, estou atacada porque ninguém me
ajuda a pagar, tererê, tererê, tererê”, “está certo, minha filha, se acalme, quando você voltar você está calminha”, aí quando eu volto,
“minha mãe, não sei quem ligou pra mim, não sei o que, não sei o
que, eu vou descer, meu, meu cartão de meu celular já acabou, eu
vou descer”. “Menina, pegue a chave do telefone aí, vá ligar lá na sala,
não ligue daqui do meu quarto não que eu não quero ouvir conversa
ninguém, nem quero que tire o meu telefone aqui da base, mas vai
falar lá na sala, não fale muito, heim?”
DOC: (risos)
17:
Mas não é safadeza minha? Dou um show por causa do telefone, só a
única coisa que eu brigo aqui é por causa do telefone.
DOC: É, mas é assim mesmo, com três né?
17:
Menina é porque, às vezes, K..., por exemplo, estuda junto com o
namorado, engana a faculdade a manhã toda, vem junto no carro,
quando chega aqui, meia hora que ela está em casa quer levar uma
hora no telefone, ah não, e tem celular ele, tem celular ele, digo não,
aí eu dou cada grito...
DOC2: (risos) É, não é fácil não...
17:
Não é fácil não, depois que eu me aposentei o meu dinheiro foi assim
(...inint...), e agora está assim e daqui ele não vai mais fazer assim
nunca e eu tenho tudo meu pra fazer.
DOC: (...inint...)
17:
Eu gosto de sair, gosto de beber, gosto de dançar, como é que fica o
meu dinheiro?
DOC2: É claro.
DOC: Com certeza.
17:
Se eu disser, “me arranje vinte reais aí que eu vou dançar”, ninguém
vai querer me dar.
DOC2: É, mas aos pouquinhos eles vão começar a ter a liberdade financeira,
né?
17:
É, eu espero, estão lutando pra isso né, agora a profissão de K... é
uma luta, né? A profissão de K... é uma luta, M... também escolheu
uma coisa que até pra estágio está havendo uma dificuldade terrível,
apesar dela ser professora, C... é assim uma profissão indefinida porque ele queria mesmo era o militar mas não teve sorte, não ficou, aí
292
PEPP
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17:
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está aí, mas eu espero em Deus que, antes de eu morrer, eu veja meus
filhos...
Ah com certeza... Agora me diga uma coisa, me fale aí do seu interesse pela, pela, pelo clube né, pelo...
Da terceira idade.
Da terceira idade.
Universidade.
É uni, ah universidade da terceira idade.
Da terceira idade, UATI.
Ah você está fazendo a universidade...
Universidade aberta terceira idade.
Ah, fale um pouco sobre, sobre essa universidade.
É uma mãe para todos nós, né? Eh K... que é a, a coordenadora
maravilhosa, tem dia que ela está mais nervosa a gente dá cada
(...inint...) nela, “o que ela tem não sei o quê”, tem dia que ela está
mais maravilhosa ainda do que antes, amorosa, tudo mais, as professoras, pelo menos as minhas, todas são maravilhosas, não tenho reclamação, não tenho queixa, e queria ter mais tempo, eu queria que o
tempo me desse mais tempo pra eu fazer mais coisa.
Onde funciona?
Aqui na UNEB.
Ah, na UNEB, não é?
Temos nosso prédio minha filha.
E, e como é? Quais são as disciplinas? O que, como é que funciona?
Menina, eh, eh, chama assim, chama, não, não é disciplina não,
chama, chama oficinas.
Sim.
Tudo o que você puder imaginar, agora olhe bem, você tem direito a
quatro oficinas, uma de corpo e três em atividade, uma, uma é cultural como eles chamam né, que é a palestra dia de quarta feira, que é
sobre tudo, até Elsimar Coutinho, secretário de saúde já veio dar
palestra, vem fitoterapeuta, vem fisioterapeuta, vem doutora L... que
é uma geriatra ali do hospital das Clínicas, né? Da universidade, ela
sempre vem também, dia de quarta-feira, eh, tem enfermagem para
o lar, tem enfermagem do idoso e tem essas palestras, aí um movimento de corpo, quer dizer você faz condicionamento físico, você faz
ioga, ou você faz dança de salão, você faz dança criativa, ou você faz
eh, tem, eh, musicoterapia, que é música com, com terapia né, que é
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sentada, que é deitada, que é deitando, eu não faço essa, ainda não
fiz, ainda não consegui uma vaga, porque eu não posso deixar a minha ioga, a ioga me dá muito controle, muito equilíbrio, eu faço ioga
há dois anos, e a ioga me equilibra muito, eu era uma pessoa muito
assim muito avexada, graças a Deus, em dois anos atrás eu não tinha
condições de estar aqui sentada com vocês conversando, mesmo suando, que não é o suor porque eu estou conversando, é porque eu
mesma suo, né? Eu suo mesmo qualquer horário, qualquer coisa que
eu faça na cozinha é com uma toalhinha aqui porque eu suo muito.
Mas está quente mesmo.
É, e está quente, e, e a, a ioga me dá muito equilíbrio, muito exercício de respiração então porque eu faça a ioga, e eu fazia também a
dança criativa, atualmente eu faço a ioga e faço teatro, são dois movimentos de corpo.
Que bom!
Então, é difícil eu conseguir uma vaga pra fazer outro movimento de
corpo, (...inint...), “você quer tudo C..., você quer tudo, e os outros?”, e não vou as aulas dia de quarta feira né, porque quarta feira eu
não quero perder a minha ioga, e quando tem as aulas, palestras dia
de quarta-feira chegar e, pra ir pra, pra, da palestra pra ioga fica,
demora o tempo, eu não quero perder tempo, o relaxamento da ioga
eu não quero perder.
Eu sei.
E se eu for pra palestra eu vou me distrair, eu vou perder o relaxamento da ioga, aí eu nunca vou pras palestras, e elas sabem que eu
não vou, que eu não frequento.
Você fala perder o relaxamento?
É, porque antes de você fazer ioga você tem que fazer um relaxamento...
Um relaxamento.
Sim.
Pra depois você começar com os exercícios de equilíbrio.
Aí você perde esse tempo que...
Aí eu perco assim quinze a trinta minutos eu perco, eu não gosto de
perder, entendeu? Eu não gosto de perder.
Claro.
E venha cá, e pra você a pessoa entrar ne, nessa universidade da
terceira idade...
PEPP
17:
DOC:
17:
Da terceira idade.
Qual é, quais são os pré-requisitos?
Os pré requisitos, ter cinquenta anos, dois retratos três por quatro,
nós temos carteira pra pagar meia meu bem em shows, não é chique?
DOC: (risos)
17:
Aí tem, são dois retratos três por quatro, cinco reais de matrícula, né?
E, e chegar cedo pra pegar as fichas pra pegas as coisas que querem.
DOC: Eu sei.
DOC2: E a procura é grande?
17:
Ave Maria, tem, tem, eu, eu agora suponho que deve ter mais ou
menos umas quatrocentos alunos na UATI, certo?
DOC: E funciona quais os dias da, da semana?
17:
De segunda a sexta, com horário...
DOC: De manhã, de tarde...
17:
De manhã, de tarde, tudo, tudo, tudo, tudo, minha filha tem bordado, tem quiri, quirigame, origame, que é um desenho no papel
com, com estilete, que faz ver a sombra, tem, porque tem uns nomes
assim que eu não sei, aquela, aquela coisa de (...inint...), que chamam arte em tecido, não, arte em tecido eu fiz que é, é pintura...
DOC: Sim.
17:
Tem pintura que é arte em tecido, tem pintura de porcelana, tem
trabalhos manuais, eh, embalagens que eu já fiz também, e até hoje
eu ainda faço, quando eu, agora, época agora eu estou fazendo um
bocado de embalagem pra presentinho, essas coisas, eu faço pra mim,
pra meu uso, né? Tem cama, mesa e banho que é fazer, ensinar a fazer
bordados, ensina a fazer, botar babadinhos, tem, é tanta coisa menina, olhe é tanta, culinária, inglês, inglês não, espanhol e japonês, que
há quem gosta, né? Porque eu não quero nem saber...
DOC: É, japonês?
17:
É, tem um professor japonês, fica lá, ka, ku, ku, ka, ka, e eu disse,
“ka, ku, ku eu já sei”.
DOC: (risos)
17:
Eu não quero de ficar sentadinha assim aprendendo mais nada dessas
coisas eu não quero, ponto de cruz, bargonite, eh, olhe menina, tanta coisa, tanta coisa que tem que você, e, e atualmente nós já pagamos
cinco reais por mês, mas cinco reais por mês não é nada, porque todo
o material eles dão né, e quando eu entrei logo, há três anos atrás
nem pagava nada, você não pagava nada.
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17:
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E, e qual é a duração?
A duração é um semestre, (...inint...)...
Termina o semestre...
Você muda de... a não ser a ioga, dança de salão, né? A não ser que a
pessoa queira sair, que eu não sei como uma pessoa entra numa ioga,
entra numa dança de salão e sai.
É, realmente.
Eu não fiz dança criativa esse ano por causa do teatro, aí não deu
tempo, porque antes de eu me matricular pra dança criativa eu me
matriculei pra o teatro e me interessei pelo teatro, e estamos com
uma peça assim em cima pra nos apresentar no dia dezesseis, eu
estou adorando, vai ser um bar, eu sou a dona do bar e vai ter homem, vai ter tudo, e eu estou assim amando sabe? Aí, não pude fazer
dança criativa porque choca os horários, mas já dancei no shopping
Piedade, já dancei, já dancei no shopping Piedade, já dancei...
Foi mesmo?
Mas tá, quatro horas da tarde eu estava lá botando...
A dança de salão?
Não, a dança de salão também.
Criativa.
Criativa e a dança de salão.
Que ótimo.
Qual é a diferença da dança criativa pra dança de salão? (...inint...)
A dança, a dança criativa você dança maculelê, você dança samba,
você dança funk, você dança rock, tuistie, como nós apresentamos foi
um tuistie e foi um funk, e a dança de salão é valsa, né? É fox, é samba
canção.
É de ficar mais perto.
É, aí meu Deus.
(risos)
Mas eu vou entrar.
E arranja parceiro pra dançar?
É, aí é que está, aí é que está, agora é que está ficando difícil porque
todo mundo que fala, (...inint...), mas esse ano vai entrar mais homem com fé em Deus, eu estou fazendo a maior propaganda pra
entrar...
Aparecem homens, homens mais velhos pra...
PEPP
17:
DOC:
17:
Aparecem minha filha, (...inint...)....
(risos) Ah, C...
É o bicho da cara preta, é bom, é gostoso demais, e a dança criativa
também tem homem, as vezes tem uns velhinhos (...inint...)
DOC2: É isso que eu queria saber como é o relacionamento com as pessoas
mais velhas, porque tem muita gente de muita idade.
17:
Tem, mas é ótimo, mas é ótimo, ótimo, ótimo, por exemplo, uma
coisa tão engraçada que acontece na ioga, tem umas pessoas mais
velhas na ioga e tem uns determinados exercícios que elas não podem
ainda fazer, não, não aguenta né, não tem a mobilidade de fazer, aí
quando tentam fazer que forçam muito aí (...inint...), aí a gente se
acaba de dar risada (risos), a gente dá risada, aí depois elas ficam
assim toda acanhada, “não venho mais não sei o quê”, “não, , sim,
que é pra peidar mais, venha que é pra peidar mais, venha que é bom
pra tirar essas gases pra quando foi de noite que for deitar com o
velho...”
PEPP
297
INQ 34 –HOMEM – 66 ANOS – ESCOLARIDADE FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: NORMA LOPES
DATA GRAVAÇÃO: 24/10/1998
34:
DOC:
Na rua (...inint...) número vinte e seis-E, Beiru, Tancredo Neves.
Então eu vou fazer umas perguntinhas, tá bom? Bem H..., eu queria
que você primeiro falasse sobre a sua infância, você, como foi você
quando criança? Um menino levado?
34:
Olhe, eu quando criança, não, nunca fui um menino levado, eu
quando criança já batalhei muito, já vivi muito a vida, já andei muito
pra estudar e pra aprender uma profissão, andava seis quilômetros
por dia, nesses seis quilômetros quando eu saía do colégio eu ia direto
pra oficina, e daí fui viver a vida, já vendi lenha, (...inint...) pacote de
lenha naquela época quando eu morava no Beiru pra ajudar meu pai
mas minha mãe, e hoje estou aqui, já aprendi a minha profissão,
estou trabalhando aqui com J... e vou vivendo a vida assim, só que a
minha infância foi muito dura.
DOC2: Você disse que ia pra oficina, oficina de que H...?
34:
Alfaiate.
DOC2: Alfaiate.
34:
Alfaiate.
DOC: Sim, você acha que as crianças de hoje tem uma infância mais ou
menos parecida com a sua?
34:
Não, que, por exemplo, eu luto com meus filhos, com (...inint...),
hoje eu luto com os meus filhos porque sempre quando eu vejo eles
com a, com certas amizades eu procuro tirar, porque eu sei que hoje,
amizade, oh, a vida hoje é pesada, é influência de tóxico, desses negócios, e eu nunca usei isso, e eu hoje luto pra não ver (...inint...), nessa
luta também. O momento é esse, levo essa vida assim, sou muito
tranqüilo, converso com eles, a gente saí, a gente brinca, sai pra fazer
um pagode, vombora, carrego três, quatro, vombora...
DOC: Você falou que foi muito dura a sua vida.
34:
Foi.
DOC: E em casa tinha muita repressão, eles, eles, seus pais eram muito
duros com você?
34:
Não, não, meu pai sim, eu, que eu praticamente não convivia muito,
quase todo o dia com o meu pai, por exemplo, quando eu morava em
São Gonçalo onde em nasci, eu vivia com o meu padrinho, por exem298
PEPP
plo, eu saía de, de casa e ia pra casa do meu padrinho tirar leite, esse
leite eu ia levar no dezenove BC, voltava a gente vinha cá prum lugar
que se chama Baixa de Santo Antônio que tinha uma horta e a gente
cui, cuidava da horta até meio dia, meio dia eu saía pro colégio, lá
quando eu voltava já era quatro, cinco horas da tarde...
DOC: Não brincava?
34:
E tinha tempo de brincar? Naquela época, não tinha tempo de brincar, não tinha não, que minha vida era trabalhando, e era mato, era
roça, eu sempre vivi assim.
DOC: E tinha muita liberdade? (...inint...)
34:
Li, liberdade eu tinha, sempre tive, não só eu como todos os meus
irmãos sempre teve muita liberdade, os meus pais eram muito severos também. Eles tinham mania de dizer que o saco encheu, ele
botava sentado todo mundo pra conversar assim, eh, “a vida é essa,
eu quero que vocês sigam por essa forma, é essa”, sempre foi assim,
minha mãe sempre foi mais levada...
DOC2: Se preocupava...
34:
Não, meu pai não, meu pai sempre...
DOC
2: Mas se preocupava em orientar vocês.
34:
Tra, trazia a gente direto, todo mundo na ordem, ele sempre botou
todo mundo na ordem...
DOC:
E hoje, como é que estão as crianças hoje?
34:
Hoje, as crianças hoje se não tiver um certo regime, eles hoje estão
tudo perdido, porque lá todo mundo onde eu moro, eu vejo um
bocado de menino de doze anos com um trinta e oito na mão, você
vê, a polícia chega lá está todo mundo correndo, hoje está até melhor,
porque hoje compa, meteram a companhia da polícia lá, a vigésima
terceira tem duzentos homens numa área, a, Beiru, eh, Sussuarana,
(...inint...) São Gonçalo, Pernanbués, então já melhorou um
pouquinho, as, mas assim mesmo você ainda encontra...
DOC: Então, o problema é a violência mesmo.
34:
É a violência, violência, o tráfico de fumo esses negócios.
DOC: E as conversas em casa, será que não está havendo hoje?
34:
Rapaz, acho muito difícil certos pais conter os filhos com, com, a
vida hoje, acho muito mesmo, o negócio hoje tá muita, dificílimo
mesmo, muito, muita violência, muitos, muitos meninos perdidos.
DOC: Mas porque é que você acha que estão assim perdidos? O que é que
está acontecendo?
PEPP
299
34:
Mas, mas é má companhia, porque eu digo, eu tenho não é meu
sobrinho, é meu, é filho de minha cunhada, mas ele me chama de
aquele avô porque é o menino que eu criei com idade de seis anos,
hoje, ainda ontem mesmo eu fui chamar a mãe dele porque estava
em certa companhia, eu falei com ele “rapaz, olhe”, tive que chamar
a mãe dele porque eu vejo que aquilo não presta, o pessoal que está
não presta, ninguém presta, não presta porque eu sei, eu conheço,
inclusive ele veio com o pai dele trabalhar na Telebahia botou ele pra
fora, e ele vem nessa companhia, quer dizer, a gente chama, mas ele
vai, o que é que eu vou fazer, tive que sair dez horas da noite pra
chamar a mãe dele, pra mãe dele vir buscar, ele já estava num bar
tomando cerveja com uma turma.
DOC2: Que idade ele tem?
34:
Ele, acho que tem doze ou treze anos.
DOC: (...inint...) Já até tomando cerveja.
34:
Ah, oxente, se (...inint...), o pai morreu, um morava com o irmão,
mas o avô achou que não devia mais morar, foi buscar, hoje esse
menino está perdido porque o menino que, que tem, tem onze anos,
hoje tem doze, até (...inint...) já pegou , ele lá dentro da, saiu, não sei
onde arrumou dinheiro, daqui a pouco estava lá no fundo da casa
fumando, então, um menino desse assim, como é, ele vai fazer o que
agora, daí pro pior, quando for amanhã, quando tiver com dezoito
anos vai, já praticamente um marginal feito.
DOC: Hum, idade de brincadeira, né? A idade da brincadeira.
34:
É, existe, o avô levou, depois voltou pra avó não quis, a mão não quis,
a mãe também não quer, que o, a mãe, o padrasto diz que não quer,
que a mãe também dele é perdida mais o padrasto, e a gente está
vivendo, a gente está vivendo essa vida aqui, vivendo com ele lá, eu
fui até o juizado de menor pra ver se pega e leva ele.
DOC: Hum, eh, a pessoa não sabe o que é que faz, né?
34:
É, não sabe porque se bater, se escorraçar, tem a polícia pra prender
porque é de menor, então tem que procurar os meios cabíveis pra ver
o que é que faz.
DOC: Sim, você falou se bater, antigamente qualquer coisa a gente apanhava...
34:
Apanhava, apanhava, sim, oxente.
DOC: E aí?
300
PEPP
34:
DOC:
34:
DOC2:
DOC:
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DOC2:
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DOC2:
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DOC2:
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DOC:
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DOC:
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DOC2:
34:
DOC2:
34:
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Eu cansei de, eu, esse aí cansou de tomar surra de cipó de, de galho
de ricuri.
Como é?
Não sabe como é galho de ouricuri não? Que tem uns (superp/inint)
Um galho da... (superp)
Ah, um galho é. (superp)
Aquele galho (superp)
Um galho seco, né? (superp)
É, porque esse daí era, esse daí, eu tenho uma irmã, a minha irmã
mais velha, ele, eles dois, dentro de casa era um inferno, na rua não,
mas dentro de casa, oxente, pintava...
Quem apanhava mais, era ele ou você?
Eu, eu não, que apanhava, minha, minha mãe era o seguinte, minha
mãe, se ela me desse um tapa e eu desse um beijo nela ela chorava.
Você era protegido.
Não, eu não era protegido, é porque eu não...
Era mais bonzinho.
Não, eu, é porque eu não fazia nada mesmo, não, eu sempre dentro
de casa fui, tanto dentro de casa como na rua, mas esse daí não, esse
daí não era de levar desaforo pra dentro de casa de jeito e qualidade,
nem ele nem a minha irmã. Que eu tenho uma irmã, a mais velha de
todas, eu vou dizer a vocês, ela estudava naquela escola Antônio Calmon
no, no Largo do Tanque, ela vinha do Largo do Tanque pra São Gonçalo andando, chegava no meio do caminho tinha aqueles postes que
antigamente puxava aquele negócio pra acender o, o negócio do bonde, ela subia num poste daquele, puxava, ligava, quando chegava cá
no Retiro tinha aquela fileira de bonde parada...
(risos).
Ela chegava, “ah rapaz, fui eu que fiz!”. Umas duas vezes o cobrador
saiu correndo atrás dela assim, ela se arrumava.
Menina.
É, é menina.
Subia por ali, pela ladeira.
Subia, subia pela ladeira do retiro ali, e ia pra São Gonçalo.
E até hoje ainda tem vários, vários...
É.
301
DOC:
34:
Vários meios, né, de descida.
É, ali pronto, quer dizer eu, eu sempre, eu e mais os outros sempre
era mais acomodados, mas esses dois aí não levavam desaforo pra casa
de jeito e qualidade.
DOC2: Ela gostava de ver a rua parada por causa dela, né?
34:
Hum, ela é, aquela era fogo ela, ela, se, ali se o, digamos, se você
estudava junto com ela, vocês são maiorzinha, uma bater em uma de
vocês duas, ela é, você é amiga dela, “cala boca, quando eu sair eu vou
pegar ela”, quando ela saía, “porque você bateu em minha camarada?”, aí o couro comia. Ela tomava...
DOC2: Ela tomava a defesa.
34:
Era, era, sempre tinha um bloco aqui na garganta aqui.
DOC: Ela é mais velha que você?
34:
É, mais velha que a gente, é a mais velha de todas.
DOC: E hoje está calminha?
34:
Hoje, hoje, Misericórdia, hoje eu não sei porque que ela, até com os,
com as filhas quando bate nos netos ela briga. Mudou, mudou depois que casou, mudou.
DOC: Eh, a pessoa muda, é da fase mesmo, né? Sim, agora você tem, tem
netos, né, H...?
34:
Eu tenho, tenho oito netos e um bisneto.
DOC: E você com os netos como é? O seu relacionamento?
34:
Não, os meus netos a gente brinca, a gente briga, quando eles fazem
alguma coisa errada eu enfezo a cara, eu falo com a cara enfezada,
“venha cá, e o que”...
DOC: Ficam, ficam com medo da cara feia.
34:
É, ficam, porque eu digo, “vou bater, venha, e não corra porque eu
não posso correr heim! Venha cá pra gente conversar”, e todos me
respeitam.
DOC: E ainda existem surras?
34:
Aí não pode deixar de existir, olhe eu sou, eu sou diferente, eu tenho
esse, esse mesmo agora que tem vinte e cinco anos ele tem uma filha
já, mas eu acho que a vida hoje está ruim, e há mais ou menos um
mês e pouco eu dei um bocado de bofete nele, “aí meu rapaz”, porque a mulher dele chegou lá “tudo bem seu H..., a minha menina
não tem leite” coisa e tal, está muito bem. Eu não vou admitir que
ele vá trabalhar pra ganhar um dinheiro pra fazer programa se tem
302
PEPP
uma mulher com a filha dentro de casa, então vá cuidar do que é seu,
agora sai com outra pra deixar dentro de casa passando fome, não,
não faz, aí chamei ele pra conversar, “rapaz, como é que você faz isso,
não faça isso, a menina não tem leite, olhe pra aqui, farinha não tem”,
mas ele achou que eu estava falando, “ah porque, ah, você xingou
minha mãe”, aí respondeu mal que não, não pode logo, “você xingou
a mim ou a minha mãe, tenha calma, vamos conversar”, aí B... “não,
vamos conversar”...
DOC: O seu filho chama H...?
34:
É, é chama B... Aí quando chegou, que o nome, o nome dele é o
mesmo do meu, aí eu fui rumando a mão, não porque você xingou
ou me xingou, “não, eh”, eu digo “xingou, você bateu a boca”, ele fez
“ah”... “Mas minha mãe eu não sou assim, o que é isso, eu não sou
assim”. Ah, porque está com cangote duro, levou, comigo não. Meu
pai que tem ... deixa eu ver..., vai fazer três meses que faleceu agora.
DOC: É?
34:
É, estava com noventa e três anos, mas ele mesmo assim com essa
idade nunca a gente, nunca foi de dizer venha cá, sente aqui pra
nenhum dos erros de nós, nenhum de nós.
DOC: E ele conversava muito com vocês?
34:
Conversava, conversava, conversava.
DOC: Você acha que a gente conversa mais ou menos com os filhos?
34:
Hoje, a gente se, a gente tem que conversar mais pra ver se ele, ele
aprende um pouquinho, deste tamanhozinho assim, eh porque tem
que procurar abrir mesmo a cabeça dele pra ver se bota qualquer
coisinha ali dentro de juízo nele porque ele não, não tem juízo, não
tem nada, não pensa em nada da vida, só pensa em boêmia.
DOC: Eh, a época, a época é diferente.
34:
Totalmente diferente, totalmente diferente, eu gosto de viver aí eu
vivo a vida.
DOC2: Só esse filho seu, esse H... é que lhe deu mais trabalho, lhe dá mais
trabalho ou os outros, e os outros?
34:
Não, não, não, todos, todos eles foram, todos eles, é não, esse é que
está me dando trabalho agora, porque eu, eu sou, eu sou assim, eu
não gosto de ver errado, se, digamos, se ele não tivesse trabalhando,
não tivesse o dinheiro pra comprar aquele objeto, eu nada faria, se ela
fosse lá e dissesse, “olha, H..., a menina está precisando, a gente não
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tem comida em casa e, B..., não é B..., B... não está trabalhando, está
procurando trabalho...”, aí menos mal, mas depois de ter esbanjado
com outra na rua e deixar a de dentro de casa com fome...
Aí não dá certo.
Aí, comigo, comigo não dá certo eu, eu sei, aqui J... sabe, aí, então eu
sou assim, eu tenho um x que eu ganho com ele aqui, as vezes ele
esquece, (...inint...) “você leva esse aí que depois eu dou”, eu chego lá,
digo assim, a minha esposa eu chamo de negona, eu digo “negona, o
negócio pegou aqui, segure com esse aí que segunda feira ou terça
feira a gente vem com o resto do negócio”, mas eu fico sempre com
um dinheiro pra tomar um guaraná, pra tomar que, pra tomar digamos um, um aperitivo que é trinta centavos, primeiro eu fui né pra
minha família, e depois...
Eh, primeiro vem a obrigação, né?
É, primeiro é, eu faço isso.
E outros castigos, na sua época de criança você já chegou a receber
outros castigos?
Já, já recebi castigos, já fiquei no, hoje, hoje se uma professora fizer
isso vai presa, eh, vai, pode perder, eu já fiquei de joelhos no milho, já
fiquei com, com limão aqui de baixo do pescoço, e a, o rosto colado
na parede.
(risos) Essa eu não conhecia não.
Não conhecia não? Pois um limão aqui, bota um limão aqui, agora
que encosta a cabeça na parede e fica assim oh, com a, o braço aberto
assim eh...
Isso aí é novidade.
É.
E o limão no pescoço é pra quê?
É se cair...
Não mova, pra você...
Pra, pra, se cair você toma meia dúzia de bolo.
Pra você ficar parado, imobilizado, com dor.
Ela aqui, ela aqui, com o braço, com o braço assim, encosta a cabeça
aqui na parede e pronto.
Era uma tortura.
Quer dizer hoje, hoje se uma professora for fazer isso aí, está arriscada
a perder a, a carta de professora, o emprego, que aparece logo eh,
como é...
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Defesa do menor.
Defesa do menor, que fez não sei o que, pronto, isso tudo já aconteceu comigo.
E o limão é capaz até de irritar né, até o limão porque é ácido.
Mas é, mas é, eh, já aconteceu.
Você lembra?
Dia de Sábado, dia de sábado no colégio...
Você lembra que escola foi essa?
Era a escola Luiz Gama.
E você fez o que pra isso?
Heim? Porque eu, eu não sei o que foi o que eu fiz na sala, porque
antigamente a carteira era, era duas assim, né, e aqui em baixo tinha
um vão que a gente botava o (...inint...)
Botava os livros...
Eu não sei, porque ele pegou o meu, eu aí, eu acho que eu bati nele
e a professora me botou de castigo.
E você que é o bonzinho é?
É, mas foi a única vez também no colégio só foi essa vez.
Sim, então você já começou a falar então da escola, eu perguntei os
castigos em casa, mas me fale da escola então.
Na escola, minha escola era boa, dia de, dia de sábado, por exemplo,
dia de hoje, hoje não tem mais não, mas dia de hoje era o dia inteiro
pra cantar hino do Brasil, o hino da Bandeira, esses negócios, a gente
fazia isso no colégio isso aí, depois quando acabasse tinha sabatina,
que hoje no colégio não tem mais sabatina, você chegou a fazer sabatina no colégio?
Não sei se tem mais não.
Não tem mais não? Porque...
Nós não fizemos mais não.
Botava aquele negócio, aqueles meninos todos, aí, aí ficava perguntando aí, “seu menino, dez dividido por cinco dá quanto?”
(superp/inint).
Mas não era nos moldes... antigos (superp)
Eu sei que um dia, “você”, aí, aí você já ia dar um bolo nele que não
sabe...
Não, a gente não batia não.
Mas lá a professora batia, a professora V..., morou até em Cidade
Nova, no largo de Cidade Nova ali, naquele, uma casasinha que
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tinha logo no largo, que entra pra, pro fundo da Cidade Nova ficava
no lado direito, era uma escurinha, a professora V..., ela morou ali.
E o que é que você achava da escola? Achava que era boa?
Não, achava boa a escola, a escola era boa, era boa, é, principalmente
a professora V..., ela fazia gosto que o aluno aprendesse, era...
Ela se interessava.
Se interessava que o aluno aprendesse. Ela e a professora A.., eram
duas professoras que tinham na sala e todas duas tinham gosto que o
aluno aprendesse.
Você que acompanhou menino estudando, você achou que a escola
mudou?
Hoje mudou, porque antigamente você fazia o quinto ano, depois
que fazia o quinto ano tinha que fazer eh...
Admissão.
Admissão, hoje não, hoje ele, ele, como é, do quarto ano pro quinto
ele já é, é ginásio, primeira série do ginásio. Então aí mudou tudo,
mudou muito, então não vou abrir o (...inint...) mais um pouquinho.
Você acha que os meninos aprendem mais hoje?
Bom, hoje deve ter muita força de vontade pra aprender, tem que ter
muita força de vontade pra aprender porque, eu mesmo estudei naquela Princesa Isabel...
Lembro.
Ali na Cidade Nova, (...inint...) a noite, porque de dia eu comecei a
trabalhar, aí eu só tinha o tempo a noite pra estudar.
Você começou a trabalhar muito cedo?
É, eu comecei a trabalhar cedo, com quinze anos eu já estava trabalhando, já estava trabalhando.
E, à noite, você achava que era pior pra estudar?
Não, a noite eu não achava que era pior não porque a noite só eram
três horas de aula, o dia era mais, o dia era quatro, era, era, tinha dias
que pegava das sete, das oito até as doze, e a noite era das sete as nove,
e das, e as nove e meia, não era nem três horas.
(...inint...) E ia embora.
Tinha dia que a gente (...inint...), não ia nem no colégio
E você lembra como era, o que é que se ensinava na escola?
Olhe, na escola se ensinava muita coisa, muita coisa boa na época
ensinava, a professora.
E hoje?
PEPP
34:
Bom, hoje eu não sei, porque eu...
DOC2: Acompanha?
34:
Não acompanho, acompanho lá os, os netos tudo, que está estudando os netos, mas não estou, o dia a dia do colégio assim eu não sei, eu
mesmo não procuro saber quando (...inint...) no colégio, porque
tem uma lá mesmo, essa, essa que teve menino agora, minha neta, eu
acho que ela vai pro colégio no dia que ela quer, que a mãe também
não força.
DOC: A neta?
34:
É, acho que ela vai, (...inint...), ela está estudando ainda, está fazendo acho, acho que é a, a oitava série, um negócio disso aí, vai pro
colégio no dia que ela quer, e eu disse a ela, “esse ano você não vai
passar”, que ela perdeu, com o negócio da barriga, depois que teve o
menino perdeu dois, acho que um mês e pouco de licença no colégio, e agora ela vai no dia que ela quer.
DOC: É bem relaxada.
34:
É rapaz.
DOC: Que idade tem?
34:
Fez, (...inint...) dezesseis anos.
DOC: Não, não está tão atrasada não.
34:
Que nada rapaz, dezesseis anos, uma menina hoje com dezesseis
anos deve procurar...
DOC2: Mas é uma idade difícil né?
34:
Difícil de se controlar, mas elas devem se resguardar mais. Quando
eu me casei minha esposa tinha vinte e um anos de idade.
DOC: Quando você se casou então você já tinha, não casou com menina
assim não, né?
34:
Ah, eu estava com vinte e cinco anos.
DOC: Pensei que você tivesse esperando mais do que eu. Estou vendo você
tão novo.
34:
Estava com vinte e cinco anos.
DOC: É, você está, conseguiu ficar no formol esse período.
34:
Não, acho, acho que é, quando eu tive doente que o médico disse
assim “você não pode se preocupar muito, você pode morrer a qualquer hora”, eu tenho, eu sou cardíaco, tenho problema no coração,
eu digo “é mesmo doutor?”, ele disse “é, é”, “mas o que eu vou fazer,
eu vou aliviar mais a minha vida”
DOC: É isso mesmo...
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34:
Eu bebia, gostava de beber, fumava demais, fumava dois maços de
cigarro por dia, deixei de fumar em 68.
DOC2: Inimigo pro coração, né, o fumo?
34:
É, nunca mais, em sessenta e oito eu fumei um cigarro por volta de
sete horas parecia que eu tinha tomado uma garrafa de cachaça na
terceira baforada, fiquei bêbado, bêbado, bêbado, bêbado, encostei
assim na máquina dormi, (...inint...) o que foi que aconteceu. Aí
estava passando a roupa, um cara ia se casar, aí passei a roupa, já era
casado, aí disse “J..., olha, esse cara vem buscar essa roupa aqui, só
entregue se ele pagar”, naquele tempo era quinze mil réis a roupa,
então, aí tornei a fumar outro cigarro, da segunda baforada pra terceira eu não vi mais nada, aí isso era nove e meia pras três horas, eu
acordei duas horas da tarde, eu tinha tirado naquele tempo que o
cigarro (...inint...), eu tinha tirado dois cigarros, aí eu (...inint...),
fumo esses dois, a partir de hoje eu não fumo mais, até hoje, sessenta
e oito, foi, foi no mês de maio, foi, foi abril, foi em maio, abril, maio,
no dia três a, de maio, de abril a minha mãe faleceu, eu já tinha
deixado, tinha deixado de fumar aí pronto, quando foi no dia quatro
foi o enterro, (...inint...) da sentinela foi o maior, minha tia me forçou a fumar, eu fui tomar café, era viciado, né, no, a minha tia “H...”,
minha irmã, “Minha tia, H... não comeu hoje nada, andando com
negócio de funeral ele aí não comeu nada” aí disse, “nem café ele quer
tomar, é melhor, (...inint...) se eu fosse você eu fazia ele tomar esse
café”, aí eu fiquei assim pensando e tomei o café, mas acabei de tomar
o café caí de fumar maluco, “meu Deus, não vou fumar”, deu nove
horas da noite, “não vou fumar, não vou, não vou”, e eu levei até hoje.
DOC: Que bom, a força de vontade valeu, né?
34:
Bebia, bebo uma vez ou outra assim eu tomo uma cerveja no dia de
sábado ou domingo, não vou almoçar.
DOC: Mas de leve, né?
34:
É. Eu aí vou vivendo a vida.
DOC: Você disse que a televisão você assiste sempre, né? Diga.
34:
Assisto, quase, quase todos os dias, quase todos os dias eu vou dormir
depois, depois do jornal da Globo, às vezes, aí eu vou assistir o
Intercine, tem vezes que eu ainda vejo um pedaço do Corujão.
DOC: Do que é que você gosta da televisão?
34:
Eu, o, o que eu mais gosto da televisão, eu durmo tarde por causa do
308
PEPP
jornal da Glo, jornal da, da Globo, eu gosto de ver as notícias, quase
todos os dias eu vejo aquele jornal.
DOC2: Filme? Você gosta?
34:
Eu gosto, sempre que eu acabo de ver o jornal eu vejo filme, aí se o
sono pegar eu vou dormir, se não pegar eu vejo, passo o Intercine
todo.
DOC: Que tipos, que tipos de filme você gosta?
34:
Ah, eu, eu gosto de ver os que passam, é filme de ação, filme de
cowboy então eu gosto, gosto de apreciar.
DOC2: Mas hoje passa muito pouco...
34:
Pois é, hoje passa muito pouco, passa mais no sete agora está passando um bocado de filme de cowboy. Canal sete....
DOC: Você se lembra, lembra de (...inint...) Rogers
34:
Lembro, me lembro...
DOC: Lembra né?
DOC2: Gosta de filme policial?
34:
Gosto, gosto sim. Deixa eu ver, eu acho que foi quinta-feira que eu vi
na Globo um policial, quinta feira, foi.
DOC: Você gosta das novelas?
34:
Novelas? Não, novela eu que eu não tenho tempo de ver novela,
sempre quando eu chego lá, saio daqui, quando eu saio daqui seis
horas, seis e meia, pego um transporte aí, nesses engarrafamentos
daí, quando eu chego em casa já é sete horas, sete e meia já está no
jornal.
DOC: Nacional...
34:
Das sete, jornal das, das sete, aí vejo, quando termina o jornal das
sete fico batendo papo por ali, aí vejo como é que está a minha irmã,
vou lá na outra, bater um papo na casa de uma criatura lá, na caçula,
a gente fica batendo aquele papo, sempre quando eu volto já passou
dois, três partes daquele, como é, da Torre da Babel, eu vejo um
pedacinho daquilo, quando dá dez horas fico por ali, vou, vou, sento
na cama assim, fica a minha cama, a televisão está ali, eu fico olhando
só pra esperar a Globo, esperar o jornal, quando acaba o jornal se o
filme for bom eu vejo se não for, quando eu começo o dormir eu já
desligo logo e já vou e pronto.
DOC: E, e jogo de televisão?
34:
Ah, no futebol eu sou fanático, futebol eu já, já joguei bola e gosto.
DOC: Você chegou a jogar em algum time?
PEPP
309
34:
Não, jogava em time de subúrbio, joguei no Periperi, quando fui
morar em Periperi, quando morei lá, jogava aqui no Dois de Julho
quando morava no Sertanejo.
DOC: Gostava?
34:
Eh, gostava, deixei de jogar bola porque, por causa do joelho, hoje
mesmo, agora ele está me incomodando, agora quando eu fui no
médico, o médico chegou e artrose.
DOC: E os seus meninos sempre também gostaram de jogo?
34:
Não, nenhum deles, só tem um que é o soldado que, que joga bola.
DOC: Soldado?
34:
É.
DOC: Você tem um filho soldado é?
34:
Tenho. Você sabe, eh, chamava B..., ele sempre ia na casa de J...
DOC: Ia pequeno, ia pequeno.
34:
É, de I..., era, apelido de I..., B...
DOC: Eu me lembro desse nome, I..., mas eu nunca chamei de B... não.
34:
Não, porque só quem sabia esse apelido B... era J... aqui, que ele era,
era desse tamanhozinho assim, era...
DOC: Gordinho?
34:
Roliço, era, aí os meninos falaram, a mesma turma que botaram,
“você parece uma bomba rapaz”, aí como tinha aqui, bomba, bomba, bomba que até hoje ficou bomba mesmo. Até no quartel o nome
dele é I..., mas tem um bocado de soldado colega dele que conhece
ele por Bomba que só chama ele lá de Bomba.
DOC2: Soldado Bomba!
34:
É (risos).
DOC: E de televisão eles, eles gostam, sempre gostam? Assistem?
34:
Não, segunda por exemplo eu, se eu disser uma coisa a você, eu vi
ontem, ontem ele dormiu em casa, mas que ele passa a semana que
eu não sei por onde anda, ele gosta de uma dona no Imbuí.
DOC2: Ele é casado?
34:
Pra que é que ele quer casar?
DOC: Ele é complicado...
34:
É complicado, gosta de uma dona no Imbuí, tem uma ali do ACM
e não sei, sempre fica na casa de um, vai pra casa de outro, ninguém
sabe (...inint...), e ele trabalha lá no, me esqueci o nome, lá no largo
do, daquela, da Paralela, lá, no, ali, na pista da paralela.
DOC: Que ele trabalha...
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PEPP
34:
É, que ele trabalha. Eu nunca encontro ele, ontem que eu cheguei
que eu estou vendo ele lá, “oh, velho!”, que eu vi o carro na porta,
“oh, se lembrou da casa?”, eu vi lá, “a casa não H...”, que não sei o que
(...inint...)...
DOC: Todos eles te chamam de H..., H...
34:
Não, não, tem S..., S..., G..., todo mundo me chama, chama de
painho, painho.
DOC: Os mais velhos.
34:
É, os mais velhos, não, a mais velha e a caçula e a, e a outra junto da
caçula e J... também me chama de painho. E em falar nisso esqueci
de botar a, o nome de J... aí, botei?
DOC: Esqueceu do nome de J...?
34:
Foi, vê se não tem aí J...? Vê se tem J... aí? Não tem não.
DOC: Não tem não, deixe eu botar antes que ele chegue.
34:
É, é, viu, foi até bom.
DOC2: Quais são as idades deles H...?
34:
Rapaz, aí agora que você vai me apertar...
DOC: Mas diga o mais velho mais ou menos quanto a idade.
34:
A mais velha é, é...
DOC: Sinara?
34:
Não, é, é Simone, é de, é de sessenta.
DOC: Então trinta e...
34:
Trinta e oito anos. Aí é, são de dois em dois anos, dois em dois anos.
DOC: Ah, tudo bem, mas já dá pra saber mais ou menos. E o mais novo
tem quantos anos?
34:
O mais, o mais novo tem vinte e cinco anos, que é o B...
DOC2: O soldado tem que idade?
34:
Bom, aí, aí vai ter que dividir de dois em dois anos pra ver, pra ver
quantos anos tem ele aí, porque...
DOC: Sim, agora me diga H... você achou que a televisão atrapalhou os
estudos desses meninos? Atrapalha?
34:
Não acho que atrapalhe não, a televisão só atrapalha aqueles que não
gostam de estudar mesmo, porque acha que tem até, até um bocado
de programas que é instrutivo, instrui muito os meninos em muita
coisa, antigamente esses meninos não sabiam e através da televisão
sabem, acho que não, agora aquele menino, aquele menino que não
quer de estudar mesmo então com televisão ou sem televisão ele não,
ele não, ele é preguiçosos, ele não estuda mesmo.
PEPP
311
DOC2: Você vê isso hoje com os seus netos?
34:
É porque eu, um bocado são, estão na idade de quatro a cinco anos,
tem uns três ou quatro entre cinco, todos eles, dois, os dois mesmo
da mais velha, todos dois estudam né, todos dois estudam, um está
na sétima, a, a menina está na oitava, que o menino foi mais relaxado
e perdeu o ano, estudam, todos eles.
DOC: E a televisão então não chega a atrapalhar.
34:
Não, não atrapalha não, não atrapalha não, não atrapalha eles não,
porque com os meninos é o seguinte, eles, eles estudam pela manhã,
muitas das vezes eles acordam mais cedo do que a mãe deles, que a
mãe deles trabalha em hospital, ela trabalha no, naquele hospital, no
Evangélico, às vezes ela está pegando nove horas eles, eles saem ainda
deixa ela ficar, ficar dormindo, pra ir pro colégio, porque eles se aprontam, ainda fazem café pra deixar pra mãe dormir. Então, não atrapalha, só atrapalha aquele que não quer, que quer viver atrapalhado.
DOC2: Todos moram perto de você?
34:
Heim?
DOC2: Todos moram perto?
34:
Quase todos moram perto, porque é, moram, quatro moram tudo
no Beiru, só tem uma que hoje está morando no Castelo Branco e
outra que mora em São Paulo. O resto tudo mora aqui, é, em São
Paulo, a C... em São Paulo.
DOC2: Você falou, você falou que construíram casas (superp/inint)...
34:
É, porque nós temos um sítio...
DOC2: Ah, os irmãos seus.
34:
Meus irmãos é, nós temos um sítio que foi deixado por minha mãe,
é um, mil e quinhentos metros de terra pública, em vez de você ter
que pagar uma casa de aluguel cada um foi construindo sua casinha
lá, né? Esse mesmo aí está construindo a dele, que ele tava, mas a dele
era de taipa e caiu, ele está morando noutra assim de junto que era de
minha sobrinha e está construindo a dele agora, vai acabar de construir a dele agora.
DOC: Então os irmãos né? Então é capaz de você ter até mais contato com
os sobrinhos...
34:
Hum, é, já tem, já tem, deixa eu ver, duas sobrinhas que já mora lá
também, (...inint...), faça o terreno está aí.
DOC2: Vai ser uma grande população de uma mesma família.
34:
É, e é tudo fechado, ao redor, o terreno é fechado, todo murado...
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DOC:
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DOC:
Que era o sítio, que era o sítio antes, isso é bom, né?
Todo murado, todo murado.
Que fica todo mundo próximo.
É.
Sim, H..., você assim, agora nível maior de cidade, você acha que a
cidade mudou muito?
34:
A Bahia mudou demais.
DOC: Nesses trinta anos pra cá.
34:
Mudou.
DOC: O que é que você acha de diferente?
34:
Hum, eu acho que a Bahia se evoluiu um bocado de uns tempos pra
cá, antigamente era umas vielas...
DOC: Então você acha que..
34:
Por onde você entrava você tinha que sair, você entrava pela, pela BR
trezentos e vinte e quatro, voltava pra, pra ir pra, pela BR trezentos e
vinte e quatro, hoje não, você aí, qualquer lugar você vai, está aqui
agora, eu vou pra, pra não sei aonde, entro num beco desses aí e vai
pro Rio Vermelho, vai pra Pituba, vai pra onde você quiser, então a
Bahia progrediu muito.
DOC2: A cidade está muito modificada, ampliada...
34:
Está muito modificada, muito ampliada, está.
DOC2: Muitas avenidas.
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Muitas avenidas, muitos viadutos, muitos bairros chiques, muitos,
muitos, como é o nome, shoppings.
DOC: E a nível de trabalho assim pra a população o que é que você está
achando?
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Bom, a nível de trabalho isso não é só, não é só a Bahia não mas o
mundo inteiro hoje é o nível de trabalho, hoje mesmo eu estava,
estava lendo no jornal aí, uma fábrica de São Paulo, só uma fábrica
hoje demitiu oitocentos e cinquenta pessoas, uma fábrica de, do sul,
(...inint...) no Paraná, está nos jornais, nos jornais daí, só uma demitiu oitocentos e cinqüenta pessoas, uma fábrica de cigarros.
DOC: Imagine quantas famílias, né?
34:
Já pensou? É isso que tem o número de marginais aí, esse negócio das
empresas.
DOC: É isso mesmo.
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Eu tenho uma filha, minha filha, eu tenho uma filha que está aqui,
essa que está em São Paulo ele trabalhava na Olivetti de São Paulo, a
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Olivetti botou pra rua, saiu duzentos e cinqüenta pessoas pra rua,
passou aqui uns três anos pagando, depois ela recebeu uma carta que
a Olivetti mandou chamar, estava mandando chamar ela, ela foi,
morar em São Paulo, a Olivetti chamou pra, porque ela tinha um
dinheiro pra receber ainda lá, mas não era pra empregar, mas apenas
pra receber um dinheiro, e aícom isso ela ficou em São Paulo, ela está
lá batendo a cabeça de novo, mas eu digo: “menina, você volta de
novo”, ela comprou, essa, até essa casa que ela tem em Castelo Branco
que a minha filha está morando é dela, que quando ela veio com o
dinheiro da indenização, ela comprou essa casa, ela agora voltou pensando que a Olivetti estava chamando ela pra trabalhar, né, mas era
pra receber um dinheiro, agora ela está lá por São Paulo de novo, eu
disse a ela “volta rapaz”, se lá está pior do que aqui na Bahia ainda, lá
ela está pior do que na Bahia.
É, pelo menos aqui tem a família.
É, aqui tem todo mundo, e ela estava, estava trabalhando num salão
de beleza aí, né isso, outra carteira de ministério o, o salário vai abaixar, que na época que ela tra, trabalhava na Olivetti estava ganhando
oitocentos e cinquenta reais por mês.
É, é bom.
Aqui ela veio, estava trabalhando, ganhando cento, acho que era cento e oitenta no salão de beleza aí, teve que tirar outra carteira, a
mulher disse “não vou, com essa carteira aí você não trabalha, você
tira outra, pra eu poder assinar porque eu não vou baixar o seu salário
nessa carteira que está aí”, então ela teve que fazer isso.
É, eu acho que nós podemos encerrar a conversa que nosso tempo já
foi suficiente viu H... obrigada.
Tá bom.
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INQ 01 – MULHER – 69 ANOS – ESCOLARIDADE FUNDAMENTAL
DOCUMENTADOR: NORMA DA SILVA LOPES
DATA GRAVAÇÃO: 26/04/1998
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Podemos começar. Você se identifica.
Meu nome é ...
Nascimento ...
Nascida em primeiro do oito de vinte e nove. Aqui em Salvador, na
Maternidade Climério de Oliveira. Moro na rua Visconde de Caravelas
cem, Itapagipe, junto à escola.
Sua profissão ...
Minha profissão, eu sou escrevente de cartório aposentada.
Pois é, A., então podemos começar. Eu queria falar, assim, que você
falasse primeiro sobre a sua infância...
Eu tive uma infância muito dura, dura mesmo.
Hum ... Por quê?
Porque meu pai me deixou. Meu pai deixou minha mãe, eu tinha
dois anos de idade. Minha mãe precisou ir trabalhar, pra depois com
essa família que ela trabalhou, que me criou, a família F... Certo? Fui
pra lá com dois anos de idade. E aí morei, a mãe de minha madrinha
é que me criou, e hoje eu tenho minha madrinha no lugar de minha
mãe. Certo, é essa L R.
Ah, sim, você falou aqui que era sua mãe de cr...
É, pois é minha mãe de criação, porque foi a mãe dela que me criou;
quando a mãe dela morreu, eu tinha treze anos, aí ela ficou comigo
até os vinte e três anos, quando eu me casei.
Sim.
Aí eu fui morar em Cachoeira, morei lá seis anos, também não fui
muito feliz.
Não? No primeiro casamento ...
Sofri muito, pedi muito, por isso que eu digo a você que eu tenho
muita ... a igreja pra mim é onde eu acho o conforto, porque quando
estou muito triste, muito aborrecida, com muita preocupação, eu
vou pra igreja, é onde eu acho que eu me desabafo.
Hum ...
Tá entendendo? é onde eu me desabafo é na igreja. Então quan ... aí
eu pedi a S. Judas Tadeu que ele fizesse com que o meu marido fosse
pra um lugar de fora pra a gente poder casar. Aí eu alcancei a graça,
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ele foi chamado pra ir pra Cachoeira, eu me casei e fui pra Cachoeira.
Mas lá, minha filha, eu sofri horrores.
Mas por que que ele precisava ir para você casar?
Porque aqui ele não podia, o ... o ... só indo ... indo pra um lugar do
interior pra poder a gente casar, porque aqui ele não tinha condições
financeiras.
Ah, sim, seria mais fácil.
É, lá ... eh ... seria mais fácil, por causa do ordenado, casa, você sabe,
interior a vida é um pouco mais barata do que assim na capital, né. Aí
nós fomos, eu passei lá seis anos.
Hum...
De lá, eu vim me embora. Ele veio. Aí, foi aí, no meu sofrimento lá,
que eu disse: “Assim, meu S. Judas, como eu pedi a vós pra vim pra
aqui, vós vai me levar de volta.” E ele foi chamado pra voltar pra
trabalhar aqui na Coelba.
Interessante, ele trabalhava em quê, nesse período, quando ele foi?
No almoxarifado.
Da Coelba também.
Da Coelba. E aqui também ele trabalhou, ele veio porque um ... um
almoxarife ia se aposentar, aí ele veio pro lugar.
Hum ...
Tá entendendo? Aí eu vim, morei aqui no quatrocentos, trezentos e
oitenta e sete, trezentos e oitenta e cinco, parece que eu morei; aqui
na avenida Beiramar.
Número trezentos e oitenta e cinco.
É. Eu vim e morei na Avenida Beiramar com uma pessoa que já me
conhecia de pequena, quando eu morei também aqui, porque depois
que minha mãe morreu, nós viemos morar aqui no trezentos e oitenta e sete.
Você se lembra dos números, não é?
É. Tá entendendo? Aí eu vim e o pessoal me conhecia porque eu era
mocinha, né, nós saíamos, íamos pra cinema, eu, por isso que eu
digo, cinema eu fui muito, não estou indo mais assim, agora, por
causa da situação de A ..., mas eu ia muito em cinema; todo domingo podia me ver que eu estava no cinema.
Hum ...
No tempo de mocinha ...
E hoje, você não vai por quê, ele está doente?
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É por causa da doença dele, tá entendendo?
Qual foi a doença dele? O que ele ...
Ele teve derrame.
Hum ...
Certo?
E ele prende muito?
Hein?
E ele prende muito?
Prende. Atualmente é, porque tudo pra ele tem que ser dado na mão
dele. Ele não faz nada; nada, nada, mesmo. Ele está com o lado
esquerdo todo paralisado.
Hum ...
Tá entendendo? Aí por isso eu pedi a minha aposentadoria, pra poder dar mais assistência a ele.
Aí, então, fica muito na dependência, não?
Está, ele está muito dependente, não tem, assim, outra pessoa, tudo
sou eu ou é a minha secretária que eu tenho.
Hum...
É quem quando eu saio, eu saio porque ela também trabalha, R. (a
filha), e aí, os meninos vão também pra escola, ele ficar aí, sozinho,
eu não podia, não é, aí eu, a empregada vem e fica aí com ele, pronto,
eu boto, deixo ele na cadeira de rodas e saio, digo a ela: qualquer coisa
você, eu estou no fórum ou digo onde estar ou qualquer coisa eu ligo
pra aqui pra saber.
Hum ...
Sempre na rua eu estou me comunicando... E lá no cartório eu mesma ... eu ligava pra saber, qualquer coisa eu estou no cartório, trabalhando, era assim.
Hum ... Me diga uma coisa, mas com tanta dificuldade, como você
era? a nível de criança ... Conseguia brincar muito?
Ah... brincava muito ... Gostava muito de brincar, muito de passear,
de sair, sempre gostei, tomava muito banho de mar, ia pra festa ...
Hum ...
Muita festa, no Fantoches, no Itapagipe, no Santa Cruz, com meu
tio ...
Isso quando adolescente.
Adolescente.
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E hoje, os adolescentes, os jovens são mais ou menos parecidos com o
que você foi naquela época?
Não, eu estou achando muito diferente.
Em quê?
Eles só vivem assim pra negócio de ... pra barzinho. Na minha adolescência eu não ia pra bar, nós íamos passear no porto dos Tainheiros,
passear, ali naquela, naquele porto dos Tainheiros todo, íamos lá e
voltava, assim, ficávamos assim passeando pra lá e pra cá, nós sentava
na balaustrada, ficávamos conversando, dando risada, era assim.
É, os jovens são diferentes.
Hoje estão diferentes, gosta de barzinho, de bebida, já é fumando,
tomando droga, essas coisas, eu acho muito diferente.
Os jovens são diferentes.
Os jovens estão diferentes. Da minha época.
E a educação, naquela época?
A educação naquela época, quer dizer, era um pouco mais ... nem
todo mundo podia estudar, não é, ... se não tivesse uma situação
financeira boa, porque escola pública não era ...
Mas a educação em casa era diferente da educação que hoje..?
Ah, hoje é, eu acho. Porque hoje diz que não se pode fazer como
antigamente, porque antigamente a gente batia, botava de castigo,
não é, prendia, não vai, hoje não. Não se pode fazer isso com criança,
porque ele vai ficar traumatizado.
E o que é que você acha disso?
Eu acho que ... que ... que é um erro. Eu, pra mim, acho, a meu ver,
que é um erro. A gente tem que bater, a gente tem que castigar, tem
que proibir alguma coisa.
De alguma forma orienta.
É, dar uma orientação.
Então o jovem, hoje...
São diferentes de antigamente.
É diferente?
São. É, eu acho a educação muito ... e lhe digo mais ... eu acho pra
mim que a televisão influenciou muito a educação da criança.
A televisão como elemento negativo?
É, eu acho, porque passa muitos filmes, muita coisa do ... assim ...
muito ... muita agressividade. Eu lhe digo: eu não assisto filme de
televisão, eu não assisto.
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Hum ...
Porque acho que é muita agressividade, muita ... meio de morte,
muita coisa, eu não gosto.
Então você acha que a própria televisão ... contribui pra ...
Eu acho, contribuiu muito pra modificação da ... da ... da educação
da criança, muito mesmo.
Na época, eh ... vocês brincavam muito ...
A gente brincava muitos, brincava muito. A minha mãe mesmo,
quando ela era adolescente, ela empinava arraia.
É?
Era, a minha mãe (inint.)
É, crianças faziam praticamente tudo, mesmo muitas coisas, né?
Muita bola, né, a gente jogava, e tal e coisa e corre na praia e vai pra
lá e ... b ... brinquedo de esconder, a gente brincava de se esconder,
iam procurar, o outro: achei ... eh!... essas brincadeiras.
E você?
Hoje você não vê isso..
Você ...
Hoje não vê, é muito raro. A gente tinha boneca, fazia batizado.
Me diz uma coisa ... você chegava ao ponto de ser castigada?
Fui, fui castigada.
Já foi castigada? Me conte aí alguns castigos.
Eu era assim muito, muito altiva ... eh ... muito assim, eu dizia vou
fazer, queria fazer mesmo, aí eu queria fazer. Se eu dizia vou fazer, eu
queria fazer mesmo e aí minha mãe me castigava.
Hum ... Me conte alguma coisa.
Me ... me... botou ... eu levei oito dias sem chegar numa janela da
casa, na minha adolescência.
Por quê?
Namorado. (risos)
E você namorava muito?
Namorava.
Era danada.
Era danada. Ele foi, (inint.) disse: você não vai pra janela.
Ficou sem poder ir à janela.
Fiquei oito dias sem chegar à janela.
Então você era chegada ao castigo. Mas, já houve algum caso de uma
injustiça, você ser castigada e você não merecia o castigo?
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Minha mãe, essa minha madrinha, ela uma vez me bateu que eu não
merecia apanhar.
O que foi que houve?
Eu estava doente, eu estava ... tinha sido mordida do cachorro, viu, aí
ela achou que eu não devia ir, eu achei que devia ir, ela aí me bateu,
porque eu não devia ir.
E você foi.
Não, eu não fui porque ela me bateu ...
Ah, sim, ela foi pra você ... , ela bateu pra você não ir.
Ela bateu pra eu não ir, aí eu não fui, mas que eu ia, ia; eu ia, mesmo
com a perna doente eu ia. Eu achei ao meu ver que aquilo era uma
injustiça.
Hum ...
Porque eu estava doente, estava com a perna inchada da mordida do
cachorro ...
E apanhou.
Apanhei, eu apanhei pra não sair, porque, se eu dissesse eu vou, eu ia
mesmo, eu sempre fui imperiosa.
Então nesse caso as pessoas batiam pra prevenir, para não acontecer.
Para prevenir, para não acontecer, e eu era imperiosa, eu era muito
atrevida. Eu ... fui muito rebelde. Por isso que eu digo, minha rebeldia ficou no meu cabelo.
Cabelo? Cortou?
Não, eu ... eu ... meu cabelo é rebelde.
Ah, sim, o cabelo conservou a rebeldia.
É, conservou a rebeldia.
Mas você no todo mudou.
Mudei, no todo meu eu mudei. Meu todo eu mudei.
A sua rebeldia começou com os namorados.
É, co ... não, começou desde pequena, porque eu queria fazer uma
coisa se dissesse que eu não fazia e eu queria fazer aí eu insistia em
querer fazer; aí elas ou me batiam ou me castigavam. Por isso que eu
(inint.) castigo, por isso.
Hum ...
Agora, eu quando pequena, eu tinha mais de dois anos ... dois anos,
foi quando eu fui morar com elas, não é? E tinha uma tia dela que
também me ajudou a me criar. Ela ... ela era moça-velha, era da
irmandade de ... da Medalha Milagrosa.
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Hum ...
I...
Hum ...
Chamava B... B....
Sim, o que que teve com ela ...
B... ia muito, pegava manga e trazia pra casa e escolhia assim umas
mangas pra dar aos outros, eu ficava dormindo, viu? Nisso ... nisso
que eu ...
Hum ...
Nisso que eu ... que eu acordei ela vinha, ela sempre era que ia me
olhar, não é, se eu já tinha me levant ... acordado ou não. Numa
dessa, que eu lev ... acordei, vi as mangas tão bonitas, aí levantei,
peguei as mangas, aí, ... éi, mordi uma, mordi a outra. Não chupei
uma só, não, mordi uma e mordi a outra.
As duas ... (risos)
E as manga ela tinha dado para oferecer, ela disse que ficou, coitada,
mas L..., minha filha, que ... que foi isso que você fez?
L...?
L..., porque meu nome é A ..., mas meu apelido é L...
Tá entendendo? Mas L...., você fez uma coisa dessa? Eu não me
esqueço disso. (risos)
Isso hoje, falando, né?
A minha tia falando. B. Mas L., isso é coisa que você faça? a manga
que eu ia levar pra não sei quem? Pra dar de presente?
(risos) (inint.)
E caía na risada.
Você lembra sempre dos mais velhos, não é? E também ...
Elas me criaram ... e me criava assim muito, eu fui muito bem criada
por elas, viu? Mas a minha mãe, que era mãe de minha madrinha,
queria que eu me formasse, mas por divergência de minha mãe que
tinha (inint.), a minha mãe mesmo... disse que eu não ia. Minha
mãe queria me botar no colégio de Elisa Pereira.
Hum ... Por quê?
Pra eu ser criada em ... em ... escola interna.
Hum ...
Tá entendendo? Aí minha mãe ... minha mãe Senhora disse assim a
ela: “Dona G..., não bote, L... é uma menina que não é tão forte, pra
que você vai botar ela lá? Você bota ela lá, ela pode ... cair doente, e o
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trabalho não é pior? Não bote não, não bote não. Ela vai pra escola
normal estudar.” Ela disse: “não, ela não vai, ela não vai pra Elisa
Pereira, ela não vai pra escola normal estudar.” Você veja o que é ...
A mentalidade daquela época, não é?
Daquela época. Minha mãe foi assim. Aí pronto. Eu ... confiada
naquilo. (inint.) Eu tive da convivência semi-interna, entrava de
manhã, só saía de noi ... , de tardinha.
Me ...
Mas muita coisa eu não ...
Me diz uma coisa, A.., você considera, hoje, a relação entre pais e
filhos melhor? O que ... A relação entre os pais, hoje, e os filhos você
acha que conversam mais?
Não, eu não acho, não há mais aquele diálogo de pai com filho, essas
coisas, não. Os filhos, hoje em dia, di ... “Eu faço”, grita pro pai “Eu
faço, eu vou fazer”. Se o pai ou a mãe não tiver um pulso forte, ele faz
mesmo.
Então, ao contrário do que se diz ... (superp.)
Ao contrário.
Em relação a
Antigamente eu acho que havia mais respeito a criança com os pais.
Hoje em dia não acho que há.
E os seus meninos, como é que ficaram nesse ... nessa situação?
Nessa situação de separação?
Não. Como você vê a criação de seus filhos em relação à sua criação?
Ah, eu já criei um pouco diferente da minha.
Hum ...
Eu criei um pouco diferente. Eu dei um pouco mais de liberdade a
eles do que a que eu tive.
Hum ...
Porque eu não era solta, eu quando adolescente eu não era solta. Pra
eu sair, pra ir pro cinema, as meninas vinham pedir a essa minha ...
mãe ... (superp)
Mãe de criação ...
de criação e elas vinham me buscar. E quando ti ... terminava o
cinema eu tinha que vir com elas, eu vinha com elas.
Hum ...
Era assim. Tá entendendo?
Tinha que ser tudo controlado, tudo assim segurando.
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É, muito segura. Elas me seguravam muito.
Mas com seus filhos?
Mas com meus filhos já não fui assim.
Não? Como foi? Me conte.
Meus filhos, não, eles saíam, iam pra festa, tá entendendo? Queriam
romper o ano fora, iam, dava meia noite em casa, depois eles saíam,
voltavam de manhã. Sempre foram em festa, eu nunca prendi.
Hum ... Mas (super)
Tá entendendo?
Você acha ... que hoje as pessoas dão ... dão mais liberdade do que
antes ...
É, dão mais do que antigamente.
Não ... hoje ...
Hoje, os filhos hoje da rua mesmo eles vão, e os meus, não, só iam de
dentro de casa, eu ia espiar, ó (usando gestos), na hora que iam sair
com as amigas, eu ia pra porta pra ver sair, com quem ia.
Então tinha o controle, não é?
É ...
Apesar de dar liberdade
É ...
Você controlava ...
Eu controlava, eu não deixava eles assim muito à vontade, não. “Ah,
eu vou com ... com ... com R ... pra pra um sacode”
Sacode é o quê?
Antigamente era sacode, hoje é pagode, não é?
Hum ...
Hoje é pagode, mas antigamente era sacode, era uma festa, chamavam sacode, cada um levava um prato, faziam um prato e tudo pra
levar, mas eu ia ver na hora que iam sair.
Certo.
E, se iam pra um lugar, eu podia, eu ia verificar pra ver se estava lá.
Eu fui assim. Eu fui muito pr ... fui criada muito presa, mas não criei
meus filhos dentro de uma prisão, eu dei mais um pouco de liberdade a eles.
Certo. A ... , vamos mudando um bocadinho de assunto, você falou
aí que você estudou pouco, não é? Você queria estudar mais, não é?
É.
A situação não permitiu, não é?
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É, a situação não permitiu.
Me diga uma coisa, você lembra, quando você começou, sua primeira professora? Me fale alguma coisa quando você entrou na escola ...
Não, não me lembro
Não lembra, não?
Não.
Hum ...
A (inint) (superp.)
Ah, você lembra ... (inint.) (superp)
Eu estudei ... eu estudei com a professora E... no colégio Liceu de
Artes, que tinha ... tinha o Liceu Artes e Ofícios, não é, e adiante,
mais pra cá tinha o Liceu. Eu estudei ali. Minha professora, me
lembro bem que era professora E..., eu ia com ela, que eu morei na
minha ... numa parte da minha adolescência com minha mãe, que
ela tinha meu padrasto, não é, ela vivia com um senhor, um italiano,
então convivi com ela e saía com a professora E... pra ir pra escola.
Hum ...
Eu me lembro bem dessa fase, depois eu passei pra o Azevedo
Fernandes, porque eu saí na ... (superp.)
E essa Estefânia que era a primeira professora que você lembra, de
quem você lembra agora Eh, me diga alguma coisa, porque que ela
ficou na sua lembrança? alguma coisa marcou?
Sobre a escola?
A professora, a escola ...
Não, porque ela era muito boa, professora E..., muito boa mesmo.
Eu, quando chegava da escola, que almoçava, eu ia depois pra casa
dela, pra ficar estudando lá, tá entendendo? E tinha o irmão dela,
que era o professor Paulo, também, que dava aula, assim, em casa, e
eu não gostava, eu gostava de ir pra lá.
E você não lembra , assim, particularmente da escola no início, não
é? Mas me diga, assim mais ou menos alguma coisa em relação a ...
que coisas você lembra da escola, como era a farda, como era ...?
Ah ... Era sainha azul e a blusinha branca
Havia muitos livros?
Tinha, mas não tinha tanto livro, assim, pra a gente ficar carregada
não.
Hum ...
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Como hoje não
Hum ...
A gente estudava, tinha os dias de levar aqueles livros, dia certo pra
levar os livros.
Você acha que as fardas mudaram muito de lá pra cá?
Ah ... a diferença é pouca.
É?
É, a diferença é pouca. Porque antigamente era somente a saia azul
marinho de prega com a blusinha branca e o bolsinho, pronto.
Pelo que você acompanhou de seus filhos, na escola, você acha que a
escola mudou muito, de lá, daquela época, pra cá?
Acho que sim.
Em quê?
Em ... em ... eu não sei se ... eh ... se negócio de deveres, tá entendendo, as professoras não são assim como as que eram de antigamente,
que antigamente a gente ia pro quadro, não era, a professora fazia a
gente responder, “Venha, agora é você, venha responder aqui”
Hum ...
Hoje, acho que não existe isso.
Hum ... Então você acha que naquela época era melhor ...
Era melhor o estudo naquela época. Hoje não, o estudo está muito
mudado, muito diferente.
O que que marca, que características tem o estudo de hoje? Como é
que são os meninos que estudam hoje?
Eu acho, pelo meu neto, que é assim: faz o dever, vem, em lugar da
escola, que é boa, não diz que é ruim, que seja, diz que é boa, mas
vem assim aquele folheto, pra ... dizendo assim as coisas, mas como o
ensino mudou, diz que houve, essa mudança também, de ensino,
não é?
É. Houve ...
de antigamente pra hoje, não é?
Houve, sim.
Hoje, mesmo, a matemática de hoje eu não sei patavina.
A matemática moderna, não é?
É. A matemática moderna não me pergunte nada que eu não sei
nada. Eu só sei a passada, a da minha época.
Mas você sabe que não mudou muito não ...
Não mudou muito?
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Mudou o método, mas a essência da matemática é a mesma.
Ah, pois eu não ... eu ... eu ... eu acho dificuldade na matemática de
hoje, eu acho ...
É, é diferente, não é?
É.
Mas você tem alguma lembrança daquela época, na escola, assim, a
nível de eh alguma coisa que tenha marcado, alguma coisa interessante? Sua?
Não, eu sempre fui ...
Conte alguma coisa da escola ... uma...
Sempre ... sempre andava assim com minhas colegas, na hora do
intervalo, todo mundo ficava ali conversando ... brincando, nunca
tive ...
Voltava andando pra casa?
Voltava, sempre voltava andando.
Hum ... E pintava muito na escola?
Não, a gente ... pintava. Na escola a gente pintava, agora no meio da
rua, não, a gente vinha muito ...
séria
muito séria, muito ... não queria muita coi ...coisa na rua, não. Era
compenetrada. Na rua eu tinha muita compenetração.
Normalmente as mulheres tinham que ser muito sérias na rua.
(superp.)
É, muito sérias.
Muito sérias. E você ... hein?
Nessa hora ... enquanto eu estava dentro da escola, não, bagunçava,
brincava, corre pra ali, picula, e tudo isso, mas saiu da escola, pronto,
e não vinha com aquela turma, aquela coisa, não, sempre eu e meu
irmão, eu e meu irmão ...
Você tinha um irmão?
Eu tinha.
Mais velho?
Não, mais moço.
Hum ... O que aconteceu em relação com seu irmão?
Meu irmão eu tinha pouco ... pouca assim ... pouco, pouca convivência com ele.
Hum ...
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Porque eu fui ... fui ser criada por esse pessoal, não é, e aí, eu não
fiquei assim muito com ele. Depois que minha mãe morou com esse
senhor ficou ele, minha mãe e esse senhor. Eu pouco fiquei com ele.
E ele já faleceu?
Já. Já. (superpos.) Meu irmão já faleceu, esse senhor que ... também
já faleceu, minha mãe também, minha quando morreu eu tinha 13
anos.
Sua mãe.
Minha mãe mesmo.
E, A ... , eh, me fale o seguinte, você me falou aí sobre pouca coisa a
nível de lembrança da escola, mas você sempre foi boa aluna, não foi?
Sempre, sempre gostei de estudar.
Sempre quis estudar.
Tinha boas notas.
Sim. E você lembra que estudou português em todos os anos, não é?
Lembro. É.
Você lembra como era o ensino do português naquela época?
Aquele tempo o português a gente tinha que ver as palavras, não era?
separar as sílabas, dava muito, muita acentuação, oxítona, paroxítona,
proparoxítona ...
Hum ...
Tudo isso, tá entendendo?
E você achava que o que o professor fazia, o trabalho, surtia efeito?
Surtia, surtia, eu achava que a gente sabia, os acentos, tudo, com ...
as sílabas, tudo direitinho a gente sabia.
Você acha que as pessoas, hoje, estudam português direito, hoje?
Acho que não.
Por que você acha que não?
Por minha neta, eu tiro, por minha neta eu tiro, que ela ... eu não
vejo ela pegar assim no livro pra estudar.
Não?
Não. Ela está tomando cursinho e vou dizer a você. Se ela estuda, é
lá. Mas em casa não vou dizer que ela está estudando, não.
Como seria, eh ... como deveria ser o comportamento dos meninos
em casa, a nível de acompanhamento?
Eu ... eu acho assim, a mãe sempre ali, né ?
Ah ...
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Pra mandar, fazer o dever, ensinar ... qualquer dúvida que tenha,
porque na escola ... ele está na escola está aprendendo, ou pouco ou
muito, está aprendendo, mas a gente tem que verificar, na hora, algum erro, algumas palavras, alguma coisa.
Em casa, então os pais devem olhar ...
Devem orientar o acompanhamento da criança na escola, eu acho.
O que que, hoje, atrapalha esse acompanhamento?
Eles gostam muito da televisão. Eles preferem ver o ... brincadeiras
na televisão do que sentar pra estudar. Pelo meu neto ... eu tiro. Eu
tenho aqui ... assim, ele gosta muito de desenho, ouviu um filme, ele
estava assistindo um filme.
Então a televisão é um empecilho, acaba atrapalhando.
Eu acho que a televisão atrapalha. Tanto que, de tarde, quando ela ...
depois do almoço, ela almoça lá embaixo, ele também, depois ela
sobe, fica aqui, sem televisão, sem nada, pra ele poder estudar.
Hum ...
Porque lá, eu às vezes deixo a televisão pra meu marido ficar vendo,
distraindo a mente, não é?
Hum ...
Porque ele está em casa, e não sai pra lugar nenhum, então tem uma
coisa pra ele ver, se distrair, então eu deixo a televisão. (superpos.)
Venha cá, e o que seria, você acha que seria bom que essas crianças
fizessem durante a tarde, você falou em estudar, não é? estudar as
coisas da escola; além disso, antigamente nós fazíamos mais, nós líamos em casa, não é?
É, nós estudávamos muito em casa, porque não tinha televisão, não
tinha ... a gente sabia que tinha que ... pegar, fazer o dever, tudo que
tinha que levar pra escola, pra depois então brincar. Mas, hoje, atualmente, não é assim.
E, além dos deveres, A ..., eles leem alguma outra coisa? algum outro
material? o que que eles leem de ... (superpos.)
Que eles leem?
A leitura eles fazem?
Eu não acho que eles fiquem lendo assim ...
Não?
Não, fazem o dever ... que vem, e pronto.
(superpos.) Não acha que a leitura é importante?
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A leitura é importante. A pessoa q ... Quanto a pessoa mais lê, mais
se desenvolve. Ao meu ver, certo?
Hum...
Porque tem pessoas que acham que não, mas eu acho que sim. Acho
que a leitura é muito bom, muito bom, mesmo. Eu queria que minha neta ... (inint.) minha filha não, ainda vive, assim, pega livro, pra
ler, tudo, mas minha neta ... Não pega, não, é preciso que minha
filha fique: “Você leia esse livro, que é bom, tem isso, tem aquilo”, pra
poder ela pegar pra ler, porque, por ela mesmo, por espontânea vontade, não ...
É, mas os jovens de hoje ...
É.
Têm outros interesses, não é ...
É ...
A televisão, como você mesmo disse, hoje, (inint)
Eu achei e digo, que, depois da televisão, o mundo mudou muito,
em questão de aprendizagem ... só aprende o que não presta, ao meu
ver só aprende o que não presta, porque é filme, coisa, acho que
polícia, essas violências, tudo isso eu acho que a televisão contribuiu
muito.
O que você acha que os pais podem fazer ... pra ajudar?
É não deixar, não é? Não deixar. “Enquanto você tem que estudar,
você não vai ver nada. Não pode fazer nada, é pra estudar, agora,
depois que fizer tudo, você pode ver.”
Então você definiria horário de estudo?
É. Eu acho que o estudo está em primeiro lugar.
Quanto tempo você acha que os meninos deveriam, no mínimo,
estudar, por exemplo, à tarde?
Quer dizer, de tarde, estudar a tarde toda pra poder se desenvolver
melhor. Porque levar uma hora, duas ... pra mim não é o suficiente.
Não acho que numa hora, duas, nego vá aprender rápido. Não, às
vezes fica alguma dúvida. Então estudar a tarde toda, pra, então, de
noite ver alguma coisa, na televisão.
É, você falou que os meninos hoje não ... não leem muito ...
É, não ...
Nós também lemos menos, não é?
É,
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Ao menos lemos.
É, mas eu mesmo pego muito em jornal pra ler, gosto de saber como
é que está a sociedade, certo? eu tenho interesse em ler, ali, olho
alguma coisa, assim, que dê sobre o IAPSEB, e a situação financeira
do país, tudo isso eu procuro ler, minha neta não lê um jornal, ela
não pega num jornal pra ler. Nada.
E revistas, você lê?
Só quando interessa a ela. Ela não é de “Ah, eu quero pegar isso que
eu quero ler isso, que eu tenho interesse nisso”, não, eu não vejo, eu
acho que eu, mais velha, tenho mais interesse ... Na hora que eu
tenho uma folga, nem que saiba na hora já perto de dormir, mas eu
quero passar os olhos no jornal.
(inint.) E a nível de outros livros ... como romances ... (inint)
Eu gosto ... gosto muito. Olhe, já li muito Bianca, Sabrina, esses
livros assim, eu gostava de ler.
Hum ... na sua juventude também?
É, na minha juventude. Desde a minha juventude que eu gostava de
ler. Romance, eu gostava. Essas histórias, eu ... sempre gostei de ler.
Sempre.
Pois é, os meninos, hoje ...
Hoje, não.
(risos)
Hoje você não vê.
São outras leituras, não é?
É. Hoje ... A televisão é o que mais eles interessam. Não sei se você já
viu ... , pelo meu neto, eu tiro. Minha neta, ela acorda cedo, pra ir
pra ... pro curso, né? Tem que estar lá sete horas.
É cursinho?
É. Cursinho, (superpos.) Colégio Integral. Quando chega, ela toma
banho, almoça, se deita pra dormir. Dorme até quatro horas, cinco.
Hum ...
Eu acordo antes dela pra poder fazer as coisas, e não tenho tempo de
me deitar.
Eh ... as coisas estão bem diferentes.
Estão bem diferentes.
Muito diferentes.
Você não vê hoje uma menina assim disposta a, dentro de casa, ajudar a mãe, a cooperar. Olhe, eu criei meus filhos, meus filhos sabem
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fazer tudo. Sabem cozinhar, sabem lavar, sabem passar, mas hoje você
vê muita moça que não sabe fazer um café.
Nada. É isso mesmo.
Não sabe tomar conta de casa. Minha neta sabe fazer tudo, ela sabe
fazer, mas não, ela é muito encostada. Ela não é de dizer assim: “Ah,
minha avó está aí, com meu avô, tudo, deixe eu fazer, lavar esses
pratos pra ela, deixe eu varrer essa casa.” Só se a gente ficar pedindo,
ou quando, às vezes acontece eu me sentir mal, depende do que faça
eu me sinto mal de noite, “Olhe, eu vou aqui me deitar um
pouquinho”, me deito, pego no sono que às vezes eu não vejo minha
sair pra escola. Mas é o cansaço devido a minha idade, já ...
(superpos.)
Eu não tenho essa vida assim parada, eu tenho minha vida muito
agitada, eu sou pra resolver tudo, tudo, tudo, tudo dentro de casa.
Inclusive o sofrimento do marido. Se precisar de médico, de remédio, tudo eu tenho que ir fazer, eu tenho de ir providenciar. Então eu
não tenho a vida, assim, parada, descansada, não.
Mas sabe que até isso é bom. Não ficar muito parada (inint)
É. Uma vida parada ... E eu não sei ficar assim parada. Agora, eu digo
a você, meu maior desejo que, na minha velhice, mais velha que eu
fique, se Deus me consentir eu viver mais anos, eu quero ir pra um
asilo.
Por quê?
Porque é a minha vontade. Porque eu estou me sentindo assim já,
como velha, não posso pegar em vassoura, não posso estar pegando
peso,
Hum ...
Não posso estar lavando roupa (inint). Quer dizer, vou me sentindo
(inint.). Eu, no asilo, não vou fazer nada disso, não é? Vou ter meu
quarto, me levantar, àquela hora, aí vou pras minhas igrejas, e viver
na igreja, que é a coisa que eu mais ... quero.
Ah ... sem o compromisso com coisas de casa, não é?
É.
Sim, então em que igrejas você costuma ir?
Eu vou muito, eu vou todo o vinte e oito eu vou a S. Judas Tadeu ...
vinte e oito de ...
Todo vinte e oito do mês.
Ah ... todos os oito e oito.
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Todos os vinte e oito.
Hum ...
Vou a S. Judas Tadeu. Assisto a missa de sete horas. Quando eu estava
empregada, trabalhando, eu não assistia, porque não dava tempo, eu
ia chegar muito tarde. Então eu ia, rezava, rezava minhas orações,
falava com ele, e ... e ia pra meu trabalho.
Hum ...
Mas a primeira quinta-feira do mês eu vou assistir a missa em S.
Raimundo, do meio-dia,
S. Raimundo? Onde é?
Perto do ... Depois do ... Depois da Piedade ...
Ah ... certo. Já sei.
Sabe onde é, né? A primeira quinta-feira do mês, a missa de meiodia, gosto de ir meio-dia na missa de ali na igreja de S. Pedro. Eu
estando na cidade eu vou.
Sim ... tem ... um bocado ... muitas missas, né?
É, eu me sinto bem, mesmo, é um lugar que eu me sinto bem é na
igreja.
Hum ... (superpos.) Agora, a sua paróquia, é qual?
A igreja, pra mim ... Ah, eu vou em todas
Hum ...
Eu vou em todas. Vou muito no Bonfim ... O Bonfim eu ia na
primeira sexta-feira e a última ... todo mês.
Hum ...
Fora os domingos que eu ia a missa. Hoje eu vou, assim, um ou outro
... por causa do velho, que às vezes o dia que ele não passa muito
bem, eu não durmo direito, aí no outro dia não quero acordar cedo
porque também não gosto de missa tarde, eu só gosto de missa cedo,
seis horas da manhã, missa pra mim ... isso não é d’agora, não. Desde
mocinha. Quando eu morava aqui, eu ia muito na Penha, missa de
cinco horas da manhã.
Cedo ...
E sempre gostei.(superpos.)
E as pessoas vão? A igreja está cheia?
Vão ... vão ... Se você vê, a missa de seis horas, no Bonfim, se você
chegar seis e quinze, não acha lugar pra sentar.
É mesmo?
É.
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E como é que pode?
Pra você ver. Eu ... eu acho ainda que muita coisa ... é porque existe
ainda muito cristão, muita gente que vai à igreja, porque eu ... eu ...
a minha concepção de igreja é essa: se eu sou uma pessoa que gosto
que venham me visitar, eu também tenho que ir visitar meu Deus. E
o lugar da casa de meu Deus é aonde? a igreja. Então eu acho que eu
ir ali, eu vou visitar ele, eu vou falar com ele, vou conversar, porque eu
converso, eu chego, sento, e fico, tem horas que chego parecer que
estou dormindo. Eu fico conversando, conversando, conversando ...
Olhe, eu saio daqui até eu voltar, eu estou com o terço na mão.
E nisso você vai se refazendo, não é?
É.
Viu, A., :nós podemos continuar a conversar, mas o nosso compromisso, aqui, nós podemos encerrar. Nesse momento, já completamos o tempo. Tá bom?
Tá.
Vou agradecer.
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INQ 14 – HOMEM –73 ANOS – ESCOLARIDADE MÉDIA
DOCUMENTADOR: EMÍLIA HELENA PORTELLA MONTEIRO DE SOUZA
DATA GRAVAÇÃO 26/10/1999
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Então, eh, nós gostaríamos que você falasse um pouco a respeito de
sua infância, como é que foi, se você foi uma criança muito levada,
se...
Olhe, eu acho que não porque, eu não tive lá essas grandes chances
assim de, de uma infância assim com recursos né, porque já era órfão
de, de mãe já aos seis anos, depois fui criado pelo meu pai que era um
free lancer, não tinha um emprego certo, mas dava um conforto assim
de, de, de pobre né, de forma que a minha salvação foi, depois de
certo tempo que, foi ter entrado como soldado da base aérea, mas
isso eu já tinha dezoito anos, mas anteriormente eu ficava assim na
casa dos tios né.
Sim, e como, como é que eles tratavam você?
Ah, tratavam muito bem né, mas não eram, mas não eram pessoas de
recurso, esse lado dos G..., apesar de ter um outro lado que era assim
digamos metido a rico né, mas o meu lado de cá era bem pobre, de
forma que a gente foi eh, passando né desse jeito, quando o meu pai
morreu, eu estava acho que com doze anos aí eu fui morar com a
minha tia lá no Rio Vermelho, foi aí que eu me realizei da, como
assim o prazer de menino de, de conhecer o mar, aí que eu fui aprender a pescar desde o anzolzinho pequenininho que eu, como até hoje
uma pescaria divertidíssima que é pescar chicharro, que só dá no
verão, verão, ali na Mariquita, foi na Mariquita que eu fui morar, em
mil novecentos e quarenta.
E, e tinha outras crianças, você convivia com outras crianças na época?
Ah, na época com bastante crianças ali da, do bairro né, que todo
mundo gostava de pescar ou então jogar futebol ali na areia, e a gente
sempre estava ali em contato.
E como foi o seu, seu contato nessa parte da pescaria aos doze anos?
É, porque todo mundo, eu sempre gostei de, de, teve uma atração do
mar pra mim fora de sé, assim do, do comum e eu fui pescar chicharro
que era feito com, naquela época não tinha linha de náilon, era, a
gente usava linha de novelo, novelo número vinte e o anzol número
dezoito, eu me lembro, esse pormenor é, é importante, porque se a
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gente usasse um anzol bem pequeno não pegava um peixe, tinha que
ser um anzol de acordo com chi, o peixe, o chicharro não, não, não
requer anzol muito pequeno, tem que ser um anzol um pouquinho
maior, começa com um anzol vinte, dezoito, entre dezoito, dezessete,
dezesseis, isso, os anzóis ideais pra pegar o chicharro.
E seus tios deixavam você...
Ah deixavam, não, geralmente isso era mais nas férias, né? Eu estudava na Escola Normal...
É isso que eu queria que você falasse.
E saía do Rio Vermelho pelo, a linha de bonde até a Sete Portas, né?
Ou um pouquinho mais e subia a ladeira do Funil, que ia lá pra, mas
antes eu tinha estudado, antes desse período, em mil e nove, a partir
de mil novecentos e trinta e nove que eu entrei no ginásio eu morava
no, no Santo Antônio além do Carmo, eu só fui morar em, lá no Rio
Vermelho a partir de mil novecentos e quarenta, depois que meu pai
morreu.
Sim, e antes disso como é, você frequentou a escola?
Ah, aí, aí está um negócio meio confuso porque a gente ficava de um
lado e de outro, entendeu, inclusive eu estudei até na escola italiana,
na Casa de Itália, bem, bem jovem ainda né, quando o meu pai era
vivo, e então nós morava no Garcia, lá na rua do Bauru, uma rua
velha assim bem esburacada, e a gente fazia uma, um jogo, ou estava
na casa de, de meu pai, ou estava na casa de minha tia lá no, no
Carmo e aos domingos a gente ia ao Rio Vermelho onde morava a
minha outra tia, eh, e, eram três pontos de, de, (...inint...), de estar
né, onde ficava, ficava uma temporada em cada casa, então eu tenho
experiência do Carmo com as minhas tias por parte de, de irmã de
mãe, e meu pai que morava no Garcia até, até mil novecentos e
quarenta, e minha tia E... que, que era casada com o meu tio que
morava lá no Rio Ver, lá na Mariquita.
Você tem alguma coisa assim interessante pra nos contar dessa, dessa
época de você criança, eh, com, com...
A coisa mais importante....
Coisas marcantes....
Mais interessante foi um tubarão que pegaram nessa época da guerra, e a empregada entrou lá em casa, no, no Rio Vermelho, mostrando algumas costelas e uma tíbia de um, que foi encontrado na barriga do tubarão, que era do navio sueco que foi bombardeado aqui
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perto da, da Amaralina, que eu não vi mas meu irmão mais velho do
que eu, T .., foi até Amaralina e viu o, a baleeira metralhada com
manchas de sangue essa coisa toda, não sei se isso é verdade, ele que
me contou, mas o cação foi um fato interessante porque era uma
tíbia e algumas costelas, estava no, na barriga do cação e foi, pegaram
essa cação numa cachoeira de um, de um armador que tinha ali no,
na Mariquita, F... e F... foi preso, porque vendeu a carne do, do cação
para o, para o público, isso foi interessante como se o cação tivesse
alguma coisa com, ter trucidado um sobrevivente do, do, essa aí foi
uma coisa interessante.
DOC: E você falou que tinha, eh, se referiu a um irmão, quantos irmãos
vocês eram?
14:
Ah, são três, era J..., T..., eu e J... que era o menor.
DOC: Três homens.
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Três homens, é, três homens.
DOC: E como era o relacionamento de vocês?
14:
Era um, normal, não tinha nada.
DOC2: Vocês todos ficaram juntos depois que os seus pais morreram? Que a
sua mãe...
14:
Não, o mais velho ficou na casa de minha tia né, eu, todos eles ficaram na casa dela, de nossa tia lá do, do Carmo, aí veio guerra, meu
irmão mais velho entrou pra aeronáutica foi ser aviador, aí foi fazer
um curso nos Estados Unidos, o outro foi pro Rio de Janeiro, né o
T...., eu entrei pra Base Aérea também, e o menor um ano depois
também entrou pra ser soldado da Base Aérea, o J...
DOC: Agora e...
14:
Aí foi transferido pra, a história de J... é interessante, porque ele é
pintor né, inclusive pintou lá um (...inint...), ganhou até prêmio de
(...inint...).
DOC: É o mais moço?
14:
É o mais moço.
DOC2: Pintou, pintou o quê?
DOC: (...inint...)
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Aquele quadro do meu, meu aí que eu gosto muito foi ele quem fez,
aquele lá de cima ninguém gosta porque (...inint...).
DOC: Por quê?
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Porque ele, todo mundo acha que é horrível, mas eu acho que não.
DOC: (risos)
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Aí ele foi lá pro Rio de Janeiro, eh, o T..., e J... foi servir lá no Galeão,
ele veio, ele foi soldado aqui na Base Aérea, e depois já, a Base Aérea
daqui virou destacamento o pessoal, o excedente foi pra Base Aérea
do Galeão e lá ele foi passar umas férias no sítio do meu irmão mais
velho que já tinha voltado, já tinha terminado a guerra, já estava lá
na, radicado lá num, na cidade do interior, a cidade Conservatória.
Aí ele estava, fez um garrancho lá e teve uma hóspede lá da, do, do
sítio do meu irmão, achou aquilo interessante, por causa disso ele foi
pra escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e se formou, aí, aí foi o
destino dele como pintor.
Que bom, e me, me fale um pouco da, do seu tempo de escola,
alguma coisa marcou, você foi, já uma fase antes da guerra, né? Como
foi essa fase?
Ah, foi interessante durante a guerra, até me lembro de uma, de uma
manifestação que a escola fez, não sei se foi sete de setembro, ou foi
dois de julho que era um negócio assim muito concorrido e a escola
desfilada, né? Na avenida Sete, eu me lembro que eu saí de enfermeiro, eu era muito, eu era magrelo que...
Sim, mas você lembra assim quando você entrou na escola, a impressão que teve da professora.
Tem alguma coisa assim que tenha marcado?
A primeira, meu primeiro ano de, de ginásio foi na, onde hoje é a
escola, a escola pegou fogo, onde foi, era ali que era a escola Normal,
eu saía do Carmo a pé, descia a ladeira do Carmo, vinha pela Baixa de
Sapateiro, subia aquela ladeira, como é o nome daquela ladeira?
Poeira?
Da poeira, todo dia eu fazia esse trajeto, depois que foi transferido lá
pra, pro Barbalho, eu saía do Carmo e ia lá pelo, a pé, que era uma
maravilha andar a pé ali.
Mas como era a professora naquela época?
Ah era, era tudo, eu não acredito que tenha sido nada assim de anormal, mas era outro estilo, né?
Como era esse estilo?
Tinha por exemplo umas, as censoras que ficavam na, nos corredores
gritando: “ está na hora”. E o pessoal saía correndo, entendeu, isso
era interessante, e a outra coisa interessante é que a escola acho que
tinha quarenta e tantas mulheres e eu acho que dois, tinha quatro,
no máximo quatro homens, então a gente ficava assim no meio das
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mulheres, no meio das, bem servido, né? (risos) Mas o relacionamento era muito bom.
DOC: E você, você tem alguma coisa observando assim nessa parte de sua
infância da escola, tem algo assim que você gostaria de comparar
com, com a educação atual, você viu uma diferença muito grande?
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Ah, começou, eu mesmo senti isso na pele, porque em trinta e nove
eu estudava uma coisa já bem avançada que depois houve uma reforma famosa, Capanema, então aquilo que eu aprendi no primeiro ano
eu fui aprender no terceiro, entendeu, isso já era, já foi uma coisa...
DOC: E em termos de, de educação das crianças na época?
14:
Bom, nessa época ainda a, após, antes, antes da guerra, basta lembrar
a semana Santa né, que a gente não dizia nem diabo, a palavra diabo
nem isso se pen, falava, então eu posso dizer que eu vivi acho que
quatro gerações bem diferentes, a anterior a guerra, a da guerra, a essa
geração hippie, e essa agora doidona que esta aí, né?
DOC: E de, e depois dessa, dessa fase do, do ginásio, fale aí um pouco a
respeito, sim, nessa época você teve amigos, pessoas que tenham
marcado em termo de relacionamento, de convivência, algum fato
interessante que você gostaria de, de falar dessa época, do ginásio?
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Eu tinha assim os amigos normais, né? A gente se reunia lá no, num
canto, ficava fazendo um samba né, o samba daqui era, eu soltei o
meu primeiro pombo correio aquela coisa toda, aí era, eu não praticava nenhum esporte porque eu não tinha condições físicas mas o
pessoal lá jogava basquetebol, eu ficava só de, de olho, (...inint...),
natação eu, eu, eu concorri lá, eu, inclusive, estava até cotado pra, pra
ganhar uma daquelas competições que foram feitas lá na escola Normal já, já no Barbalho, mas num belo dia eu acho que eu peguei uma
gripe danada e perdi.
DOC2: (risos) Ficou fraco.
DOC: E, e, e fale agora da sua fase quando você fez, foi pra, pra o Rio né, foi
no Rio, entrou na aeronáutica.
DOC2: O curso técnico.
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Ah o curso técnico foi interessante logo na viagem, porque eu não
sabia, eu não tinha noção do que seria o clima, porque a Bahia tinha
um clima fora de série né, que basta dizer que naquela época cabia
por habitante, era, era quarenta e cinco metros de área verde, quarenta e cinco metros de área verde por habitante e hoje está menos de
quatro, né?
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DOC2: Imagine a diferença.
14:
Então eu não sabia nem o que seria digamos aquela, eu não, não
sabia que a temperatura caía um grau para cada seis metros, quando
eu entrei no avião eu dei logo minha roupa pro pessoal que estava lá,
os meus colegas, eu digo, “bom, vou com essa farda só né, de soldado, vou logo pra escola lá vou receber roupas novas, não vou precisar
de nada disso”, aí o avião decolou né, eu me lembro que era um DC
três, era aliás (...inint...) na aeronáutica era um C quarenta e sete, que
era o avião da, da época era esse, só pegava vinte e oito pessoas, mas
esse avião estava ca, levando um motor imenso dentro dele, o avião,
um motor de avião, ia um oficial do exército, e iam mais dois colegas
que tam, que iam comigo pra escola técnica, eu acho que meia dúzia
de passageiros só, decolamos num vôo direto Salvador – Rio, a razão
de subida eram, era, isso eu vim saber depois, né? Era cento e cinquenta
metros por, por minuto, a cima de seiscentos metros a temperatura
já caiu uns três a quatro graus, né? Aí eu já abri minha mala fui
botando umas camisetas que tive (...inint...) aí vesti, vesti o, a camisa
por cima e lá se vai daqui até o Rio de Janeiro batendo o queixo,
porque nós fomos numa altitude eh, acima de dois mil metros, né?
Aí chegamos lá foi aquele horror, um frio horrível, eu fui no mês de
junho...
DOC2: Ah, sim, mas foi só o frio o problema?
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Ah, aí passei um, uma temporada lá no Rio né, aí até que peguei
depois, liberaram pra ir pra escola, e lá na escola, aí foi um período
interessante lá na escola, porque o regime era muito duro porque
tinha que estudar pra valer, tinha dois mil e quinhentos alunos e a
pessoa, os alunos tinham que ter nota a cima de setenta, se tivesse
abaixo ia pra rua e ba, eram três vezes, três chances, e quem tirasse
nota abaixo de setenta naquelas, naqueles diferentes estudos não saía
sábado e domingo, ficava preso, só saía sábado e domingo.
DOC2: (risos) Que idade você tinha nessa época?
14:
Tinha, acho que vinte anos.
DOC: E, e o que foi que motivou você a, a fazer esse curso?
14:
Bom até então no, no início eu não fui ser controlador de vôo, eu
queria ser meteorologista, que eu queria ir conhecer a Ilha de Fernando
de Noronha, que eu tinha paixão pelo mar, e eu digo, “eu tenho que
ir pra lá pra pescar lá”.
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DOC2:
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DOC2:
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DOC2:
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Chegou a ir?
Não, não porque controlador de vôo não cabe em...
Não cabe é...
Em Noronha, porque não tem o que controlar né.
É, mas em outro momento você chegou a ir lá?
Não, eu só fui esse ano com C...
(risos) Mas fale da sua experiência nessa época lá.
É lá, sim. O que foi que, que motivou?
Na escola técnica foi, eu tive um encontro interessante com uma das
professoras, que era uma jovem bem americana, a minha grande, o,
o, a grande vantagem da escola nessa época é que todos os professores
eram americanos, os caras que tinham umas experiências incríveis,
principalmente em tráfego aéreo, os caras eram, os caras fora de série,
mas aí na, no, no, no curso básico, tinha o curso básico né, onde a
pessoa tinha que aprender eletricidade, mecânica, de, tudo, a pessoa
tinha que saber.
DOC2: Uma noção geral.
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É, geral, no fim até fazer uma ferramenta, como é que faz um martelo? Como é que faz uma peça aqui? A pessoa tinha que ir em torno,
tudo isso eu aprendi, tanto é que hoje eu não tenho problema de
eletricidade aqui, porque quem faz tudo sou eu, (...inint...) o negócio mesmo pra valer né, aqueles, naquele método americano de ensinar por semanas, semana tal é tal assunto entendeu, e aí tinha uma
professora que ensinava física e teoria de vôo ligado a aviação né, física
aplicada a aviação e teoria de vôo, era bem jovem aí então a gente
perguntava pra ela o que é que ela fazia nos Estados Unidos, ela dizia,
“ah, garçonete”, eu aí botei a mão, “não é possível que garçonete
ensinando aqui numa escola dessas e essa matéria”, aí mais adiante a
gente veio a descobrir que ela era aviadora, piloto de caça, a função
dela durante a guerra era levar avião através do Alasca pra Rússia, era
o P cinqüenta e um, que só pega uma pessoa só, quando terminou a
guerra ela foi desativada né, e foi morar em Miami, e lá em Miami
não tinha emprego ela foi...
DOC: Pra ser instrutora.
14:
Não ela, ela foi pra Miami porque lá tinha um parente que tinha
uma lanchonete, ela ficou trabalhando na lanchonete, ao mesmo
tempo ela voava numa escola que tinha lá em Miami, a escola
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(...inint...) de fim de semana, entendeu, e a escola (...inint...) foi
contratada pelo governo brasileiro pra, pra vir pra São Paulo e nessa,
ela veio nessa leva, aí veio, aí fiquei imaginando qual a, no caso, a
mulher baiana que ia cair na asneira de entrar numa lanchonete pra
se empregar. Isso é interessante.
DOC: (risos) Agora e, e essa, nessa época que você estava lá...
14:
Isso foi em quarenta e seis, né?
DOC: É isso, ah sim, foi, foi.
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Em mil novecentos e quarenta e seis.
DOC2: Há cinquenta anos.
DOC: Já foi depois da guerra.
14:
Já foi na, depois da guerra é, a guerra já tinha terminado, eu aí fui, fiz
o curso fundamental, né? O curso básico, ao mesmo tempo a gente
tinha que fazer um curso, esse é o curso técnico, mas ao mesmo
tempo a gente fazia um curso de infantaria, era obrigado a fazer o
curso de, de infantaria, de militar mesmo.
DOC: Militar mesmo.
14:
Para dar direito a pessoa ser promovido na reserva a oficial, coisa que
não aconteceu que a, a redentora cortou esse direito.
DOC: Sim, e, e...
14:
Aí eu fui, eu tive uma boa nota no curso fundamental, aí escolheram
um, um grupo assim, “tem vaga aqui pra, meteorologia não tem
mais, e, e tem pra controlador de vôo, aí, mas você vão ser submetidos a um teste”, aí eles, o teste veio bravo lá, aí a gente aí passou, eu
passei mais uma turma, vim, aí fiquei, aí gostei, né?
DOC2: Então, eh, apesar de querer...
14:
Mas é muito complicado.
DOC2: É, né?
14:
Não é nada fácil não.
DOC: E você começou a atuar lá mesmo?
14:
Em São Paulo a gente faz um curso, faz um estágio em São Paulo,
depois faz outro estágio no Rio de Janeiro, depois veio, eu vim pra
aqui pra Salvador, daqui a gente tem que ficar num período de adaptação, porque fica, ele pode ser o maior controlador de, de vôo do
mundo ele vai pra um lugar, ele vai ter que se adaptar com, com o
sistema dali né, e o grande problema do controlador de vôo ele esquecer o que passou na cabeça dele no, no período anterior, pra ele
aprender uma nova coisa.
PEPP
341
DOC2: Pra que é preciso esquecer?
14:
Porque tem um sistema novo ou então você trabalhava numa torre,
numa, numa, num local onde a pouso decolagem você tem que fazer
(...inint...) pela direita mas o padrão é pela esquerda então você vai
ter que esquecer isso pra não fazer um erro, entendeu, lá adiante.
DOC: E como pessoa...
14:
Esse é o grande problema.
DOC: Fale um pouco aí sobre a sua experiência aqui como controlador de
vôo, teve alguma coisa interessante? Foi, fez algum outro curso? Ou...
14:
Olhe, eu felizmente posso er, erguer as mãos para o céu, nunca me
aconteceu nada de extraordinário, assim de, de problema maior, mas
sempre teve problemas assim sérios pra ser resolvidos, como por exemplo o que aconteceu comigo umas duas vezes, que a gente, o problema do, da torre quando o tempo está fechado para condições visuais,
que a visibilidade cai a baixo dos mínimos que no caso é cinco quilômetros e o teto fica a baixo de trezentos metros, aí fica o vôo, fechado
para vôo visual, aberto para vôo ifr como é chamado, ifr é vôo por
instrumento, é o vôo cego...
DOC: Retornando aqui...
14:
É que a gente fica, é uma, dizem que é a fábrica número um dos
neuróticos, começa por aí. Realmente, quando a gente sai de um, de
um stress daquele o negócio é, é, é da pesada.
DOC: Quantas horas de trabalho são por dia?
14:
No meu tempo eram oito horas, agora eu estava lendo uma revista
americana aqui, que o cara estava falando o seguinte, que lá, lá em
Nova York o tráfego visual é tão intenso que o sujeito trabalha uma
hora, uma e folga três dias, e esse ano eu conheci um controlador de
vôo lá de Paris, lá de Orly, e se ele trabalha um mês e folga três, agora
com ainda, com ainda o, o fator que o salário mínimo no, de modo
geral no mundo inteiro é cinco mil dólares, e o nosso aqui não chega
a mil né, começa por aí, e nós fazemos a mesma coisa que eles fazem.
DOC2: Então o desgaste é muito grande.
DOC: Muito grande não é não.
14:
É, é grande, em todos, agora recentemente eu fui aí na torre daqui, e
o pessoal está todo mundo desgostoso porque não vale a pena você
ganhar esse dinheiro, nós ganhamos como sargento, nós não ganhamos como controlador de vôo, tem uma gratificação pequena, mas
ganhamos como sargento e não controlador de vôo.
342
PEPP
DOC:
14:
DOC:
E é uma, uma atividade extremamente de responsabilidade né?
Total, e...
E durante a época que você trabalhou, você tem alguma coisa assim
pra contar?
14:
Bom, tem assim os, os fatores que a gente treina na escola, assim
como, como eh, executar um, um procedimento no caso em que
uma aeronave que a, a última que está no bloqueio e prateleira que a
gente bota uma a seiscentos metros, outra novecentos, mil de duzentos, mil e quinhentos, mil, mil e oitocentos, dois mil e cem, dois e
quatro né, altitudes de trezentos e trezentos metros, então digamos
que a do de, a que está do, no topo na camada das nuvens, que aqui
está tudo fechado, entre em pane, o motor direito embandeirou,
quer dizer, no tempo dos aviões convencionais...
DOC2: Embandeirou?
14:
Várias vezes.
DOC2: E o que quer dizer isso?
14:
Embandeirou ele para o motor, o motor pára e a hélice não pode ficar
com o passo virado pra o seu, vai fazer uma resistência e o avião vai
cair, então aí automaticamente o piloto aciona um dispositivo que a
hélice fica de frente, vai cortando digamos o, o ar. Isso os aviões faziam muito isso, aqueles aviões, hoje, agora não existe mais isso porque
avião é a jato...
DOC: Os mais antigos.
14:
Não tem hélice.
DOC: É, são os mais antigos né?
14:
Os mais antigos, nos tubos aéreos também têm que fazer isso, no
caso deu um defeito no motor eles tem que botar o motor, desliga o
motor e bota a hélice...
DOC2: Na posição.
14:
E chama-se passo bandeira, é embandeirou.
DOC: Embandeirou.
14:
Quer dizer, aí o piloto grita de lá, “estou em emergência, embandeirou
o motor”, (...inint...), aí ele tem prioridade né, então a gente tem
que emitir uma mensagem geral para todas as aeronaves que estão a
baixo de, digamos, de dois mil e quatrocentos metros, a gente aí dá
um mantenha as suas respectivas altitudes, e tome o rumo x, e mantenha um ponto afastado cinco minutos do bloqueio, aí o cara sai...
DOC: Tudo é cronometrado né, tudo tem que estar certo.
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DOC2:
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Tudo é cronometrado, tanto que eu não uso relógio, eu usei relógio
assim realmente, mas não, saí da torre nunca levei não sei quanto
tempo aí sem usar relógio.
Tomou ojeriza ao relógio?
É, porque a gente tem que ficar sempre olhando os segundos né,
quando o avião por exemplo entra na, no procedimento de, é que eu
perdi a carta que estava neste instante na minha mão, eu não sei onde
que eu botei, estava ali, e quando ele está, se esquivou, vocês vão
sentir isso, ele chega num ponto, num nível tal que ele não vai descer
mais, ele fica naquele ponto aí a torre autoriza ele fazer o programa de
descida, então ele faz um afastamento, descendo a razão, não sei
quanto, numa razão tal, que ele está aqui a seiscentos metros, digamos, no caso aqui de Salvador, que depois de dois minutos ele está a
trezentos metros, ele desce no rumo da pista, porque a pista está
numa declinação magnética, e a bússola dele é magnética, a bússola
do piloto, então quanto ele diz assim, pista dez, significa que a bússola do, do avião está no rumo cem, então ele vem descendo, se ele
encontrar as condições visuais ele pousa, se não encontrar ele vai
remeter, e tem um ponto crítico né, aqui no caso de Sal, de Salvador
tem, quando ele está na reta final, aproximação final o ponto crítico
é cento e cinqüenta e seis metros, se ele não encontrar condições
visuais nessa altitude ele arremete ou vai pra alternativa, ou vai fazer
outro progresso.
Outro lugar.
Não, o outro, pode tentar outra... problema, outra vez, a alternativa
é que ele vá pra outro lugar, mas comigo aconteceu várias vezes isso
assim de mandar todas as aeronaves se afastarem pra a outra descer,
nessas alturas a gente já, já liga...
E dá tudo certo.
Já, deu tudo certo, já liga a sirene, já chama os bombeiros diz avião
tal, pam, pam, pam, essa coisa toda, e, e mexe com o mundo de...
Já, já aconteceu em algum momento de algum piloto não obedecer?
Já, várias vezes.
E o que acontece?
A gente escreve ele na hora, independente de posto...
Faz o quê?
Escreve ele.
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14:
DOC2:
Registra.
Faz um registro, né?
Registra, registro, e manda logo direto e é imperdoável.
E o que é que pode acontecer como ele?
Ele pega multa, se for militar pega cadeia.
Porque é um risco, né? Não pode comprometer todo um, um sistema.
14:
Mas aqui no Brasil infelizmente no meu tempo nunca tinha havido
um, um, um fato de um erro de controlador de vôo e eu posso relatar
pelo menos dois, né? Um foi de um avião da Luftansa que bateu no
morro por erro do controlador de vôo; lá no Rio de Janeiro, me
contaram uma história que eu não sei se isso é verdadeira. Essa, rapaz, não tinha, vocês estão gravando isso, mas isso aí não pode ser
difundido não.
DOC: Não tem problema não.
DOC2: Mas se o senhor quiser também não contar não tem problema.
14:
Então eu não vou contar.
DOC: Mas não teria problema. (risos)
14:
Não é que era um controlador, o problema é o seguinte, isso é bom
dizer, é um controlador que dizem que ele não era de escola, ele foi
fruto da, da redentora, era amido de um, um coronel lá (...inint...) e
botou ele pra trabalhar na torre porque falava várias línguas, não quer
dizer nada, aí o cara não tinha competência aí deu o rumo de subida
pra um avião lá no G. e ele tinha que fazer uma ratificação de torre
logo após dois minutos passados e ele se esqueceu porque foi conversar com um piloto que estava chegando e ele reconheceu a voz e se
esqueceu do cara, poxa, aí não dá.
DOC2: Irresponsável né.
DOC: Muita, muita irresponsabilidade.
14:
E o piloto, e, e o controlador de vôo lá de São Paulo, eu não sei se era
militar ou civil, não sei de onde, esse que teve a polêmica dos M. A.
DOC: Sim.
14:
A noite pra mim o vôo é ifr.
DOC2: É o que?
14:
Ifr, é instrument flight round, quer dizer é o vôo cego, então não pode
fazer uma aproximação visual de noite, não sei porque aquele avião
teve que fazer uma aproximação visual de noite, pra fazer aquela as-
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neira que o piloto fez, quem autorizou? O controlador de vôo, então
o erro não devia...
Quer dizer dois erros assim...
Erro dele, tanto do piloto como dele.
Com certeza, agora me diga uma coisa, eu queria saber um pouco
agora de, do outro lado...
Do outro, vamos encerrar que...
Da pescaria não é porque é uma parte importante também na sua
vida.
Mudou de, né? Mudou de vida a partir de setenta e dois, vamos
contar esse, essa outra parte.
Ah, isso aí eu tirei todos os meus complexos de mar eu tirei dentro
desse período que eu fui, pescava a pescaria grossa mesmo, né?
O que é pescaria grossa?
É essa que qualquer um pescador enfrenta no mar, com, com tempo
bom, com tempo ruim, com peixe grande, pequeno.
Mas você ia, ia pra, pra, pra longe?
Não longe, passava, teve ocasião que eu passei acho que uns quatro
dias direto dentro d’água.
Com barquinho é, barco pequeno?
Barco, barco do, barco com remo né, mas era normal a gente sair
hoje e voltar amanhã entendeu, isso era normal, a gente fazia pescaria
noturna, aqui tem uma, uma pescaria famosíssima que dava aqui em
Itapuã que hoje não existe mais porque a Tibrás acabou com esse,
com esse ponto né, que não existe, é um, havia uma incidência de
um peixe de grande porte nos meses de fevereiro, no mês de março,
fevereiro e março, durante a influência da lua nova de fevereiro e a lua
nova de março, então era uma pescaria assim noturna, e pra ali, pra
aquele ponto acolhia gente de tudo quando era lugar, inclusive até de
Itaparica vinha os pescadores, naquela época não tinha motor, vinha
de, de borra de pano, bordejando que lavava do dia inteiro bordejando, vinha pessoal da Barra, vinha pessoal da Preguiça, pessoal do Rio
Vermelho, pessoal daqui de, de, até de Arembepe vinha, e se reunia
nesse ponto.
Era, eram uns cardumes eram?
Era cardume que dava nessa época, mas era, só pescava de noite.
E onde, em que lugar?
Fica a seis milhas aqui de Itapuã no setor leste.
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CIRC:
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CIRC:
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Os peixes então ficavam concentrados.
Ficavam ali.
Concentrados ali, e eram peixes grandes.
Peixes, eu posso até, deixa eu ver se eu acho aqui um, eu não, devia ter
pego...
Vai ficar difícil agora.
Depois eu mostro. E teve uma ocasião que em uma noite eu contei
quarenta e cinco barcos, um junto do outro.
E tinha peixe pra tanta gente?
Tinha, tinha barco de pegar vinte caranhas numa, era caranha o
peixe, assim, o peso era dez quilos, quinze quilos, vinte quilos.
E era um peixe gostoso?
Trinta quilos.
Era gostoso o peixe? Era comerciável?
Olha, a caranha gigante, era comerciável, que geralmente dava numa
época boa de vendagem né, agora é um peixe bom, agora ele tinha
uma certa “inhaca” assim que, que a pessoa não gostava, mas é um
peixe da família do vermelho.
E por que o interesse tanto em se pescar esse peixe?
Porque a captura era uma captura boa né de você se pescar quinhentos quilos numa...
Com licença, vocês aceitam assim um (...inint...) ou uma aguinha de
coco?
Não, água de coco aí, pegue aí que eu separei, mandei o menino
tirar, deve estar muito gelada.
(...inint...)
Depois toma o café, mas primeiro água de coco.
(risos) Sim, e, você disse que esses peixes, está falando sobre o interesse da pescaria né.
É, pra pescaria, é o interesse era comercial, porque o pescador não
quer saber se o peixe era de bom paladar ou não, ele quer fazer uma
captura boa.
Mas você disse que acabou...
Acabou porque agora as pessoas que vão lá nesse ponto pega uma,
outra, entendeu, não é como aquela que a pessoa pegava numa noite
vinte peixes, cada peixe de vinte quilos, trinta quilos, eu mesmo pe-
347
guei caranha de, de quarenta e cinco quilos, foi um fenômeno, mas
era normal eu pegar de vinte quilos.
DOC: E, e, e acabou mais porque, pelo, ficou escasso foi? Eh...
14:
Porque o, foi, como é que se diz, foi a mudança ecológica total do, do
ponto, porque a Tibrás lançou toneladas e toneladas de sulfato
ferroso....
DOC2: Ah, foi a Tibrás...
14:
A Tibrás aqui em Arembepe, era um pó amarelo né, sulfato ferroso
que jogava que isso aqui ficava amarelo, um belo, um belo dia eu
estava voando de, de Valença pra cá e a gente estava conversando
com, com o piloto, num avião pequeno, e ele estava dizendo, “está
vendo, isso aí é a Tibrás, até lá no Morro de São Paulo”, então acabou,
essa pescaria acabou.
DOC: É, me diga uma coisa, aqui no, no litoral tem aqueles peixes grandes
tipo tubarão como tem na, na costa do Recife.
14:
Tem, tem, em qualquer lugar do mundo tem, agora a coisa, isso aí é
um mito né, porque é que o tubarão não pega os surfistas, heim?
DOC2: Água de coco?
14:
Não, pode beber, me arranje um copo aí pra tomar, (...inint...) está
muito gelado, eu estou meio gripado, eu vou deixar esquentando.
DOC: Eu também.
14:
Um copo aí (...inint...).
DOC2: Sim.
14:
Isso aí é, é mais um, um mito né, “ah, não vá pra ali que o tubarão
pega, o tubarão está em alto mar”, eu acho que o tubarão não dá em
alto mar, ele dá é mais de, de cinqüenta metros pra cá, se a gente for
considerar a parte biológica dele, é um ani, é um fóssil vivo que está
sobrevivendo aí há um tempo né, e tem até um, chama-se mal do
cação, é um, é um, ele não poder receber grandes pressões de, de
profundidade que ele dá, dá problema nele, então ele tem que ficar
num, num lugar que tem cinqüenta metros pra ele deitar e dormir.
DOC: É por isso que ele procura bem a costa, né?
14:
É, mas acontece que ele tem alimento ali a vontade, ele não vai se
preocupar em pegar o, gente aí, está havendo isso em Recife porque
houve um desequilíbrio ecológico lá terrível lá na, nas águas de lá e, e
deve ter afugentado o alimento deles normal, então ele...
DOC: O que não acontece aqui.
348
PEPP
14:
Aqui, que não acontece aqui, aqui só houve, a única incidência de,
de, de um cação pegar uma pessoa foi no tempo que eu estava na
escola normal lá do, do, do Barbalho, que a irmã de uma nossa colega
de lá foi atacada na praia do Canta Galo, sabe onde é o Canta Galo?
DOC: Sei.
14:
Lá em, na Calçada ali, um lugar daquele.
DOC2: Não é ali no, na feira? Naquele lugar da feira de, de São Joaquim, por
ali?
14:
É um pouquinho mais pra lá, ali naquele lugar, pra aí ver, o que diz
aí os livros é que todas as incidências de mordida de cação nas pessoas
que foram atacadas tem um, um ponto em comum é que a água
estava escura, esse é o ponto básico, nunca ocorreu um ataque de
cação na pessoa com água limpa, com exceção lá da Austrália com
aquele cação, chamado cação branco que aquilo ali é um caso a parte.
DOC: Agora me diga uma coisa, o que mudou, porque você falou que essa
atividade pescaria sua, foi desde infância, você falou que com doze
anos...
14:
É, eu fui adquirindo, eu...
DOC: E, e agora depois na fase adulta...
14:
Eu aí fui, eu aí fui aprender a como é que fazia as marcas, onde é os
pontos de pesca, que é uma marcação visual, por exemplo, eu, tem
uns pontos que os pescadores já sabem né, que, que eles dão uns
nomes específicos, eu fiz até um trabalho aí sobre, eu apresentei lá
no, em setenta e seis sobre lingüística e, e cultura popular, se lembra,
que houve lá em, em Santa Teresa? Sobre topônimos do mar...
DOC: Apresentou, então...
14:
Eu apresentei esse trabalho lá, topônimos do mar, que eu fiz uma
pesquisa, então cada local de, de pescaria tem um nome, aí um pescador diz assim, “ah, vou pescar hoje na parede de, um nome até
estranho, sovaco pemba, digamos ou então a parede de piaçá”.
DOC2: Isso é o quê?
14:
É um ponto, na cabeça do pescador se eu disser pra ele assim, “você
hoje foi lá na, no barril da estrelinha?”, ele fala, “ah não, a estrelinha
não está bom não”, eu aí, eu mentalmente já sei onde fica a estrelinha
porque o farol de Itapuã fica em cima, dando em cima de um ponto
qualquer, então eu ligo esses dois pontos imaginários e vou seguindo
nessa, mantendo essa linha, e espero que um, uma outra ponta apareça do lado sul, então eu tenho a marca do norte e a marca do sul,
PEPP
349
então essas duas, são duas linhas imaginárias que vão se encontrar,
nesse ponto de encontro aí é o lugar de pesca.
DOC2: Certo, olhe eh...
DOC: Nós agradecemos, viu, essa conversa nossa.
14:
Terminou, foi só isso?
DOC: E nós já estamos terminando.
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PEPP
INQ 41 – MULHER 68 ANOS – ESCOLARIDADE MÉDIA
DOCUMENTADOR: NORMA LOPES E CONSTÂNCIA SOUZA
DATA GRAVAÇÃO: 14/11/98
41:
DOC:
41:
DOC:
DOC:
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Sou de Salvador...sempre residi aqui
Hum!!
Na capital!!!
O nosso assunto é educação, nós conversamos antes, né??. Primeiro
vamos, eu queria que a senhora falasse um pouquinho sobre como foi
a senhora como criança....
Ah, eu fui uma menina muito assim, caseira, né? Que a educação de
antes não tinha negócio de ir para casa de vizinhos, só saia com minha mãe, minha madrinha, que era uma moça velha , ajudou a me
criar, ou então com a vizinha que era a madrinha do meu irmão ,era
noiva ia pra praia e me levava...
Hum!
festa de Santo Antônio, rezava as trezenas sempre com companhia da
família, né?É assim!!
Então a senhora era muito presa!
Era presa, é!!
E...compare assim com os de hoje, os meninos de hoje são(...inint...)
Ah, hoje a pessoa tem que ser, eu mesmo fui assim...pra não fazer
escondido, eu sempre fui aquela mãe amiga, compreensiva
...com seus meninos!
sempre deixava, é melhor deixar de que ir escondido, né?? Sempre
procurei ser amiga, pra mais tarde, colher mais tarde ... pois o caso é
esse ... Hoje o negócio é diferente!
Agora...é ,mas os meninos são quietos como a senhora era, a senhora
era muito quieta??
Eu era, não era assim de responder, era muito sentida, qualquer coisinha eu chorava, muito sensível, hoje não, se minha neta não (..inint...)
respeitava os mais velhos, se eu tivesse fazendo qualquer coisa, via
assim um vizinho, uma pessoa receava, né? Hoje em dia, não se respeita nem a avó, nem ... nem ninguém, quando nada aqui (...inint...)
eu não estou falando mal, estou sendo franca!
Não, mas as crianças de hoje são diferentes, né?
São. E os pais de hoje também são diferentes.
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DOC2: O que é que deve ter facilitado, provocado essa diferença?
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E eu sei minha filha? Hoje, os pais de hoje, ninguém quer envelhecer! Os pais de hoje não querem envelhecer... Eu mesmo, porque
fiquei viuva nova, eu tenho retrato, não sei onde está, com 27 anos,
está parecendo, está pior de que hoje eu com 68 ,está entendendo,
aquela saia lá embaixo, tá entendendo? Era simples, hoje não, não
usava manga de ca..inint...,não usava saia justa, e hoje não, hoje eu
faço tudo que naquele tempo , ai, acho que com receio, mas só porque vejo gente mais velha de que eu fazendo, tá entendendo! Hoje
me sinto melhor usar bermuda e saia do que vestido, porque pra
quem anda de coletivo, né, cada estribo alto, é melhor a pessoa estar
de calça ou short!!
DOC: Então a senhora já aderiu a essa nova moda!
41:
É vestindo pouco, eu até agora estou até querendo e, por sinal, fiquei
muito barriguda, tô aperreada que estou com essas anca, né?
DOC: Largas!
41:
Essas, esses troço, esses, me esqueci até o nome, esses culote. É horrível. Angela fica dizendo pra eu operar, pra que eu vou operar? Eu
tenho pavor a operação
DOC: Sim! Então, a senhora acha bem diferente as crianças de antigamente
e as de hoje. A senhora era quieta, e quando foi ficando mocinha
continuou quieta?
41:
Não, comecei...era presa! Namorei com meu marido com 13 anos
escondida, né?
DOC: Hum!
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Depois voltei com 19! Namorei escondida! Hoje em dia as menina
de 12 ano já estão sendo mãe, Né isso? Hoje as menina de 11, 12 ,13
anos já estão ai!!
DOC2: Pequena a senhora tinha alguma companhia pra ficar?
41:
Não porque quando eu tinha 6 anos eu morava lá na, no Pilar, na
parte em cima, né? Naquela área do Pilar que quem passa ali no
terminal da França vê que ainda está a mesma de quarenta e tantos
anos, cinqüenta e tantos anos, eu tive seis anos, pra sete. Morava uma
senhora que era pianista, era moça velha. Morava outra senhora finada Bela que ela já deve...era bem idosa, era paralítica, andava se arrastando. Morava outra senhora que era mãe da madrinha de meu irmão. Quer dizer que só morava, morava outra família que tinha muita
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gente, mas o pai(...inint...)muito criada sozinha, minha mãe era
(...inint...) e minha madrinha, não sei se a minha madrinha, acho
que minha mãe tinha ido ter meu irmão, ai minha madrinha me
deixou lavando roupa de boneca e trancou a casa, era uma loja, ela
voltou e eu tava com a mão toda engiada ...
E continuou fazendo isso?
Continuei fazendo isso , sozinha! Tava pequena sem qui...!!!tá entendendo?
Hoje em dia receio a pessoa deixar a criança sozinha.(..inint...)
Não tem jeito não!
E lá era assim sem movimento, aquela ladeira do Pilar sempre foi
uma coisa deserta!!!
Ali é um bocadinho isolado!
É isolado, quem passa cá embaixo a casa onde morei, ainda existe
mas tá toda assim aquele lugar que é a janela fechada de bloco de
tijolos. Quando passo no terminal eu olho, a ladeira cheia de capim,
de longe dá pra se perceber que tá a mesma coisa, que tem lugar que,
não é?? Modifica, melhora, mas lá a mesma coisa, podiam ter
construído casas, mesma coisa se vê no telhado da igreja de Nossa
Senhora Santa Luzia, continua a mesma coisa!!
Naquela região ali se podia ainda andar com facilidade, né!! Porque
acho que hoje, aquela época ali como era aquela região pra as crianças
morarem?
Quase não morava criança, porque só morava o pessoal que ia
(...inint...), a casa tinha assim uma escada, descia , era ... cabeleleiro
(...inint...) a mulher nem me lembro mais o nome, tinha um bocado
de filho, pronto, ficavam lá
Não circulavam assim pelas ruas? As crianças só brincavam...!
Era um lugar pequeno que “evinha” logo a ladeira, né? Quem entra
ali na Cruz do Pasqual, sabe onde é?
Sei
Onde tem uma, uma santazinha, né?
É um larguinho, uma pracinha!
Um gradeado, né?
Tem!
Tem um gradeado, sempre teve!! Aí entrava, aí tinha uma casa, duas,
essa assim, pronto, um poste de luz!!! O resto era ...(...inint...). Ainda
353
tinha esse negocio de ladrão de galinha, essas coisas, sabe, era um
lugar de pouco movimento que era até ruim pra pessoa ir à feira
descer ali. Era contramão, o povo transitava muito pelo Plano do
Pilar.
DOC2: Sim, mas fazia medo em relação ao fato de ser isolado ou por causa de
...(...inint...)
41:
Não, que hoje em dia não é como hoje. É como aqui, aqui de noite,
pra quem não, aqui é horrível de noite, eu acho principalmente porque a pessoa ... cada um faz seu muros alto. Dia de sábado à tarde e
domingo é movimento na hora que o pessoal de lá da invasão de lá do
Uruguai de não sei de onde, passa pra ir a praia da Boa viagem de
kombi, mas vai ver sete hora e oito hora parece que já é meia doze
hora, não faz tão receio porque nós pagamos vigilante, né? Tem vigilante já vai fazer dois ano, ai (..inint...) condição de chegar meia
noite, uma hora, solto lá fora, entro sem receio, porque ficam ali na
esquina daqui a pouco se chegar de carro eles se aproxima, se a pessoa
sair de madrugada também eles ficam alerta, tá me entendendo? Eles
estão ali fazendo ... assim.
DOC: Que bom
41:
Hoje em dia a pessoa se vê que o homem aranha, né, como passa na
televisão!
DOC2: É, ele sobe em qualquer lugar, em qualquer parede
41:
foi na casa do que foi presidente foi? vi pela televisão, foi, foi na casa
de um político, o homem aranha!!
DOC: imagine!!!
41:
Mostrando como é que ele penetrou!
DOC: Sim, mas me conte essa história, você começou a namorar com treze
anos
41:
Foi, mas não é namoro de hoje. Com dezessete tomei uma surra! No
entanto eu estava assim num poste, minha irmã baixada, que a diferença de mim pra ela é dez ano, minha mãe perguntou cadê Lou...,
ela disse:” tá ali embaixo, aí minha mãe, era baixinha ela foi que era
(inint), quando eu voltei me deram uma surra danada!”
DOC2: Não sabia nem porque que estava apanhando!
41:
Não, sabia, que minha mãe me viu com um rapaz mas não é dizer
que estava como hoje, você vê até em condução. Qualquer lugar, até
na apresentação mesmo, hoje em dia ficar no colo do outro, hoje em
dia não existe respeito, né isso não ... Pouca pessoa é que ainda
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tem...por exemplo o pessoal lá do meu marido, a menina, a moça
tem vinte e quatro anos, já é dentista, se formou no início do ano, ela
é noiva, mas não se vê, nós fomos pra Paulo Afonso, ele dormiu no
quarto com o tio dela, se saiu, fomos pra praça, mas não, se viu, tá
entendendo?? Ainda continua o respeito, que a avó, da família, do
pai..!
Ainda continua o respeito na frente dos parentes (superp)
Um trata o outro bem, porque esse negócio de ficar aqueles beijos
Chegam a agredir até as pessoas
Chegam a fazer mal, acho que amizade (...inint...), porque quando
termina, quando não casa, a pessoa gosta de outro, tá entendendo?
Ai eu fiquei com raiva, eu apanhei injusto,
Não tava fazendo muita coisa...?
Não estava fazendo nada! Um separado do outro, um poste assim,
minha irmã onde compra, disse que ia comprar acarajé, abará, sei lá,
tá entendendo?? Não tava em cerca, encostada como se vê ai! Passa
uma pessoa de idade ou parente, nego nem, a pessoa que se escabreia,
né, eu mesmo não gosto, essas menina às vezes que estão ai no térreo
namorando eu pouco chego de noite, pra não pensar que a pessoa tá,
que gosto, que proveito vou tirar de ver alguém se pegando, né? Se
apertando, não acha não, acho que tem mais proveito oculto, não é
fazer coisas demasiada, mas um carinho, um beijo mais, né? Acho
que não tem, que não é sempre que casal assim que é amizade, as
vezes uma pessoa simples que gosta mesmo, e as vezes assim só tão
tirando é, né?
Às vezes acaba num instante (superp)
Só tão se aproveitando
E ....?
Depois quando eu vim namorar com ele já foi com dezenove ano, ele
sempre queria, sempre queria, pronto, levou uns cinco ano!
Namorou com outro antes??
Namorei assim, coisa passageira! Pra não dizer que fui presa, é!
As surras sempre atrapalhavam?
Eu fui liberal, pra que eu não fui rebelde, apanhei, e apanhei mais de
minha madrinha, de que de minha mãe!
Sua madrinha morava perto?
Morava com minha mãe, era moça velha, conheceu minha mãe não
sei como e aí ficaram, minha mãe ia naquele tempo minha mãe bo355
tou uma pessoa pra tomar conta de mim, ai na Macaubas, né, e
minha madrinha ficava em casa lavava prato...cuidava da roupa, da
comida, minha mãe bordava na Estela, não sei se você chegou a ouvir
falar, Casa Estela, tinha lá na Av. Sete, bem perto dali a igreja de São
Pedro, de frente pra Av. Sete, que a igreja de São Pedro não fica assim?
De frente pra o jardim? Aqui não tem aquela parede lateral?
DOC: Perto da Florensilva antigamente, não é?
41
Ali na Piedade! Nào em a
DOC: Caminhando pras Mercês...
41:
Logo que com...a parede era pego com a Igreja de São Pedro era ,
como é?? Casa Estela bordados!
DOC: (superp)Já caminhando na (...inint...) Eu me lembro deste nome!
41:
Aí minha mãe bordava, naquele tempo minha mãe andava até o
Barbalho nera pra pegar um bonde, acho que era bonde, não, pra
descer o arco, olha, agora que me lembro, não tinha ônibus, descia o
arco, né? O arco antes era... (inint)?Não sei se você alcançou! Pra
tomar o ônibus ali na Couto Maia .
DOC: (superp) Alcancei!!! Ali em baixo não é?
41
Não, ali em cima, onde tem o Santa Isabel, não é Couto Maia ali,
aquela praça?
DOC: É ali!
41:
Pra saltar lá num desvio que tinha que ele ia até (superp), ele ia até o
Terreiro de Jesus, saltava ali pra andar, atravessar a Piedade, pra ir pra
Estela
DOC: Era uma dificuldade pra se andar na cidade...!
41:
E de noite, e ainda... hoje o povo anda de ônibus pra tudo quanto é
canto e ainda sente cansado , né? E hoje melhorou, antigamente pra
pessoa ir pra ... pra vim aqui embaixo pegava-se dois ônibus, ainda
elevador!
DOC: Isso mesmo, dois ônibus!
41:
Dois ônibus ainda tinha elevador
DOC2: (superp) E tinha ,e tinha...!
41:
Ainda descia a balança do Tabuão, né? Alcançou?
DOC: Não
DOC2: Ainda o sistema de ônibus elétrico
41:
(...inint...)Era ali na Praça Cairu
DOC2: ainda me lembro!
41:
Mas só teve elétrico lá pra baixo, não foi? Aqui embaixo
356
PEPP
DOC2: Até Calçada!
41:
Lá em cima nunca, aqui não pegou muito não
41:
E tinha aqueles outro fechado chamavam gaiola, mas não era elétrico
não os bondes, fechados
DOC: Os bondes? Eu me lembro dos bondes! Eu cheguei a tomar bonde!
41
Tinha os aberto, né? Que ainda passa ai! Eu vejo na televisão de,
como é? Tem um filme, mas várias vezes não conheço o...Santa Luzia!
DOC: Não sei!
41:
Com é? Santa Teresa, As menina conhecem, eu não conheço.
DOC2: O bonde de Santa Teresa!
41:
Passa, só que eu acho que eles são menores, eu vejo, passou na semana
passada, vejo na televisão, as menina eu acho que conhecem Santa
Teresa, eu não conheço, já fui várias vezes, não conheço, eu acho que
ainda conserva, né? Eu acho que ainda conserva os bondes.
DOC: Eu acho que sim!
41:
É do mesmo tipo daqui, só que os daqui eu não me lembro quantos
bancos eram, a depender do terminal, quanto não tinha pra fazer o
retorno, ai virava, os bancos viravam
DOC: Não sabia disso não!
41:
É, os banco viravam, aqui mesmo no, eu tinha vontade de ver um
lugar que tivesse assim um museu..., ver a Bahia antiga, de tal época...
DOC2: Mas deve ter alguma coisa no museu da cidade (superp)
41:
Viu, aí no Largo do Tanque, tinha um dique, não sei você alcançou,você
deve ser bem mais nova, teve dique mas acho que eles aterraram,
quando chegava ônibus de Calçada, Calçada passava ali pela Baixa
dos Sapateiros, não tinha Barroquinha, não existia Barroquinha, nem
me lembro como era...
DOC: Acho que não...(superp)
41:
Não existia a Barroquinha, existia a Barroquinha, mas não era terminal assim não, porque a Barroquinha era coisa dos bondes
DOC2: Era aquela rua comprida
41:
A Barroquinha era.... lá pra dentro onde hoje tem aquelas coberturas, terminais de ônibus, ali era trilha cheia de trilhos que era garagem dos bondes.
DOC: Era garagem
41:
Era oficina...Ali também onde tem o Shopping Baixa dos Sapateiros,
também era coisa de bonde, oficina...tá entendendo?
PEPP
357
DOC:
41:
Terminal (superp)
Depois não sei que governo foi que botou negócio de terminal de ,
naquele tempo era marinete, né? Era mais caro e a pessoa andava
mais de bonde acho que era vinte réis, nem me lembro mais!
DOC: Quando fizeram o terminal da Barroquinha já era, já eram os ônibus
41:
E o terminal da Barroquinha, antes mesmo de ter o terminal, não
existe mais, tinha uma funerária ali, uma casa de mortuário, mão
direita de quem ia, quase em frente a escola Urânia, uma escola que
tinha datilografia com professor Osvaldo, um baixinho
DOC2: Escola Urânia da Bahia, perto de uma confeitaria (superp)
41:
Da Bahia, que era datilografia, tinha até quinta série, tinha uma
escadaria, essa semana desci ali, tá toda acabada! Aí os ônibus começou a ficar a Cidade Nova, sabe como é? Antes de vir (superp.) esse
terminal ficou ótimo, tinha sanitário, tinha isso e aquilo, depois
mudou, fizeram aquele terminal na Lapa, não foi?
DOC: Mas o da Barroquinha foi bem mais ant... bem anterior!!!
41:
Foi, fizeram aquele terminal na Santo Antônio na Mouraria, Edvaldo
Brito, ali só foi pra gastar dinheiro, ali não tinha condições, né? Muito apertado!
DOC: Sei que o da Barro...!
41:
O da Barroquinha foi boa mas já foi melhor
DOC: Não conservaram ...
41:
Porque fazia gosto, tinha lanchonetes boas, limpas. O asseio era outro. Hoje em dia vive mais desprezado. Eu pouco ando de
Barroquinha.!
DOC: ....(...inint...) tem aumentado muito não foi?
41:
O povo só liga pra...Até que enfim eles melhoraram ali que fazia
vergonha, aquele Iguatemi ,aquela praça, que era ambulante, mas era
uma... tinha de tudo ali, né? Marginal. Ali era pra que era um ponto
(...inint...) pra quem entra no Iguatemi é uma coisa, mas ali fora era
uma sujeira, era aquele barro, não tinha jardim, hoje tá tudo diferente, né?
DOC: Isso nesses últimos dias!
41:
Esses últimos dias!
DOC2: Pelo menos agora com a inauguração da decoração Natalina muito
bonita
41:
Ainda não estive lá não, lá essa semana!
DOC: A senhora falou das surras, compare com os castigos de hoje!
358
PEPP
41:
DOC:
DOC2:
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DOC:
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PEPP
Hoje ninguém é castigado, ainda tem quem castigue mas é pouco!
Será que é isso que faz as crianças não serem como antigamente?
E na escola castigavam também?
Não ,a minha escola não ,a minha escola minha professora era até
minha vizinha, acho que ela já deve ser falecida!! A diretora do colégio
era irmã do professor Menezes, uma pessoa religiosa, era... Teresa
Menezes, um diretor que era do Central muitos ano, Conceição
Menezes, que a irmã dela era muito religiosa, era moça velha, criava,
tinha criado várias moças e Alzira Luz era colega dela, era professora,
era minha vizinha e depois vendeu, venderam a casa e ela veio morar
ali com o irmão e nunca mais tive...,já deve ser falecida que minha
mãe era mais nova e é falecida!
E o ensino daquela época a senhora achava bom?
É, não tenho o que dizer não!
Como eram as coisas na escola?
Ela se interessava e a pessoa também se interessava, né? Hoje com
esse negócio de televisão, meu neto mesmo só quer fazer dever com a
televisão ligada, não fica concentrado! Meu neto também não fica,
são vadios, quer ver ... pessoas, como é que se diz, pessoas às vezes do
interior vinham, não é de agora não, muitos ano, pessoas do interior
vinham, lutavam, batalhavam e formavam, né? Hoje em dia se tem
de tudo, filho tem televisão, tem isso, tem aquilo, tem dinheiro pra
lanche, meu tempo eu nem me lembro se dava, as vezes, vontade de
merendar. Hoje em dia as pessoa tem as coisa em casa e sempre acha
que não tem as coisa. Nunca quer o que tem em casa. Não é isso? E
eu pegava em dinheiro? Onde é que eu ia achar dinheiro, só tinha
uma pessoa que já deve ser falecido que as vez o marido trabalhava no
shopping aí no comércio, era garçom, uma senhora de Salinas, ela ia
lá em casa que gostava de mim e dava quando tinha vinte e cinco mil
réis, quando tava lá em casa. Aquele dinheiro eu guardava, porque de
vez em quando, como minha mãe vivia do que tecia, precisava pra
um tempero, ou pra enterar um enfeite pra mim mesmo(...inint...),
tava ali o dinheiro, precisava de uma cebola, uma coisa, não se ia
pedir a vizinho, não é? Aqui não, ainda tem lugares que, vá ali na casa
de dona Fulana.
Hoje também tem cartão pra tudo, né?
É hoje tem cartão, quero me livrar dos cartões! Ainda hoje tava pedindo me bote como dependente, eu digo não, porque tiraram o
359
meu cartão da minha bolsa! Até meu cartão da Cassi levaram!! De
atendimento. Ai eu liguei, levei uns tempo sem querer falar no telefone porque fiquei com cera, né? Nunca tinha surgido isso, ai eu pedi
a menina que trabalha aqui, dia de hoje ela não vem não, quando no
final de semana eu estou com minha dor, deixe eu mesmo ligar,
porque graças a Deus, eu sei falar, sempre resolvi meus problema ,pra
botar menino pra estudar, pra isso e pra aquilo sempre que pessoal
do pai dela, sempre me dei bem, sei ler sei escrever, pronto, ai eu
liguei, hoje já chegou o cartão, na hora que chegou eu estava com a
roupa, a camiseta da do short da como é ... do baby doll, comecei
limpar as coisas e “quando terminar, vou tomar banho”, estava já
suando, é cetim mas de alça mas estava já suando, aí meu neto veio
atender, “(...inint...) é pra você”. Era o cartão rede shop.
DOC: Então a senhora...!
41:
Que eu pedi que eu tinha perdido, não sabe, ai eu mesmo pedi,
liguei e já chegou
DOC2: Ai a senhora pediu pra cancelar o outro!
41:
Eu tinha avisado que havia perdido e eu demorei dois dias com a
esperança de não sabia que tinha feito a beldade de carregar, tinha até
carregado o cartão de atendimento
DOC: Foi roubo?
41
Foi roubo. Foi maldade.
DOC: Mas compraram no cartão?
41:
Acho que não porque não me disseram nada! O cartão que eu sou
dependente do Hiper Bompreço de Z... também, eu pensei que o
cartão da Cassi que só interessa a mim mesmo, que a pessoa vai... ser
... como é, atendimento, uma consulta, eu mesmo, a semana passada
fiz uns, como é, uns análises, tive até com A... , no dia que fui pra
médica pra pedir uns exame, eu estava sem a carteira eu tive que dar
o número da matrícula de meu marido né que sou dependente dele,
pra elas entraram em contato pra confirmar, que tudo agora é computador pra confirmar, tanto que essa semana eu ontem anteontem
eu liguei pra saber como é que eu adquiria outro, mandaram eu
trinta a quarenta dias e me deram o número de um telefone, que eu
posso ser atendida se caso implicar e ai eu for tem um número que
eles aí entram em contato. Mas é maldade, né?
DOC: É cartão médico, né?
360
PEPP
41:
É, Cassi.
DOC2: Mas eles pegam sem olhar o que é né pra depois ver o que eles podem...
41:
Não, mas quem pegou, pegou sabendo, e o celular, e a conta?
DOC: Usaram, é?
41:
Oxente, oitocentos e lá vai...maldade, né? Meu neto, tinha comprado..., formado com um colega, há poucos dias com um colega, a mãe
dele deu um, mais moderno, é “tokia” é o nome??
DOC: Nokia
41:
Ali, como ele não pode comprar aí falou com A... , ai A... quis, que
falou que era menor do que o dela, mais leve eu acho
DOC: Foi esse mais velho o que levaram??
41:
Foi, não tinha um mês, e o pior é o compromisso, né, a despesa
oitucentos e lavai, que onde foi ela tinha esperança de recompor, né?
Eu só não penso em ter um, imaginava encontrar.
DOC: É isso mesmo, sim, agora, me fale, a senhora, então a escola, a senhora achava que era bom
41:
A escola era bom, tinha passeio, eu estudei ali no centro, como é,
histórico, como é? Azevedo Fernandes, aquela casa azulona
DOC: Como era a escola naquela época?
41:
Eu gostava!! Eu fiz o primário ali!!! Só tinha até o primeiro naquele
tempo, não tinha jardim ali.
DOC: A escola pública antigamente, achava boa?
41:
Era boa, estudei até no público, minha filha que eu botei em particular, mas eu estudei no público, tinha passeio ali na escola que eu
esqueci o nome, ainda existe, ali em Amaralina, aquele passeio.
DOC: Cupertino de Lacerda?
41:
Acho que é, em frente ao mar, na praia
DOC: É!
41:
Elas levaram lanche, né (...inint...), limonada , tinha desfile de...!
DOC2: Desfile da primavera!
41:
Tinha desfile, saía, tinha comédia no colégio, fiz primeira comunhão
na Igreja São Francisco, Frei Galdino, que naquele tempo já era de
idade, é quem ia dar ... catecismo eu ia à escola de catecismo, e eu
também almoçava lá! Meu neto não fez primeira comunhão não, no
entanto ele estudou no 2 de Julho, mais o 2 de Julho disse que falou
que se quisesse fazer que encaminhava.
DOC: É, 2 de julho encaminha até hoje.
PEPP
361
41:
DOC:
41:
Encaminha!
Que os meninos fizeram!
Não se interessou, eu ia me interessar? (superp.) Então, por isso que
eu digo que hoje a coisa é diferente, eu estudei com sacrifício, mesmo...., tinha o campo da Graça
DOC: É
41:
Acho que era tempo de Primavera que tinha aqueles coisa, aqueles
short, aqueles calção de....!
DOC: Educação Física
41:
Folgadão!
DOC: Fofoca
41:
Não era? Aquele negócio diferente. A pessoa se sentia feliz de fazer
parte, ali no terreiro de Jesus era terminal de ônibus, acho que Graça,
Nazaré, ainda tinha uma rua do colégio, a praça da Sé não era aquilo
assim não, tinha uma ruazinha assim estreita, onde tem a Coelba.
DOC: Hoje!
41:
Não sei se ainda tem a loja A Boneca, sei que ali tinha uma ruazinha
assim estreita, era totalmente diferente.
DOC: É, mas acho que mudou pouco! O centro Histórico não mudou
tanto assim!
DOC: O centro Histórico vai sofrer uma grande reforma agora
41:
Aonde?
DOC2: Na Praça da Sé
41:
É?
DOC: É, tá anunciando na televisão
41:
A Praça da Sé mudou, que era uma rua estreita, né? Eu nem me
lembro como é que o ônibus...!
DOC: Até porque ali ficava um pouco isolado, né?
41:
Não, mas tinha umas lojas, livrarias, tinha muitas livraria, ali assim!
DOC2: Eu falo agora porque o centro da cidade é ...
41:
Ali agora ficou olhe, que acho que ali de noite pra se andar, pra pegar
é perigoso
DOC2: Perigoso!
41:
De dia, às vezes, ainda fica acho que homens vendendo bolsas, né?
Roupas de, como é? Artesanato, de dia
DOC: Será que com essa mudança do centro histórico, será que não melhorou por ali?
41:
Não sei, que ali tem a Cantina da Lua
362
PEPP
DOC2: Terreiro de Jesus
41:
Mas eu acho que de noite...É esse menino foi, ali foi até do padrinho
do meu marido. Que ali era um bazar, né? Eduardo, coisa velha,
tinha ali e tinha naquele ali, no Pelourinho, primeiro prédio de quem
sobe na mão direita do Pelourinho também era bazar Americano, era
do padrinho do finado. Já é falecido, seu Eduardo, e agora de noite
ali dizem que acabou a zona, mas de noite ainda deve ter travestis !
DOC: Não acabou não!
41:
Deve ser oculto, mas não sei, eu sei que eu ainda não fui numa noite,
deve ser que eu nunca não tinha ninguém pra ir, uma vez que minha
prima veio que canta..
DOC: É artista ela??
41:
É, Helen de Lima!
DOC: Helen de Lima?
41:
Não é Lima não, é Helen de Lima!
DOC: Helen de Lima é baiana!
41:
É baiana, é.
DOC: É sua parenta?
41:
É, a mãe dela é irmã da minha mãe!
DOC: Eu conheço
41:
Ai era até um lata de leite, no ano que ela veio, no outro ano foi no
SESC, ali na ... perto do Iguatemi, né? Ali já é Pituba, aquilo ali já é
Pituba!!
DOC: Por ali é!!
41:
É mas eu não fui porque eu tinha ido para uma excursão ,mas A... foi!
E, no ano passado, foi uma lata de leite, eu ia mas como o dia amanheceu fechado terminei não indo.
DOC: Porque não quiseram ir?
41:
Hein?
DOC: Eles não quiseram ir?
41:
Não, porque eles saem na hora da confusão! Esse homem maluco, é
uma maluquice!
DOC: Agora, voltando a esse ponto!! Tinha muito dever, a senhora estudava
muito em casa quando chegava?
41:
Não, era natural, minha mãe começou a me ensinar a fazer bainha
aberta, né, sem tirar, sem puxar o fio, pronto, comecei a fazer
paninhos, na escola também tinha prendas .
DOC: Ensinava artesanato na escola.
PEPP
363
DOC:
41:
Praticamente costura para as meninas.
Tinha catecismo, tinha tudo, né, hoje em dia não tem, se rezava de
manhã, antes de começar as aula, hoje em dia nem sei se existe isso.
DOC2: Rezava e cantava Hino.
41:
Cantava o Hino, era! Pra altear bandeira. Hoje em dia acho que não
existe mais nada disso.
DOC: Algumas escolas ainda têm isso!
41:
Hoje em dia nem os alunos querem nada nem os professores, viu de
um tal, que naquele tempo o povo ganhava pouco mas tinham satisfação de trabalhar, e hoje em dia os alunos são rebeldes, você vê que
que tem lugar aí que passa na televisão, nego se mete a estudar pra
vender tóxico no próprio colégio, tem gente que paga, bota menino
em colégio só a fim de ter acesso, não sei não. Olhe, esse mundo está
difícil.
DOC2: A senhora falou que sua mãe não ensinava a fazer os bordados, mas
essa questão de casa ela reclamava muito! Você se lembra como ela se
referia à senhora? (superp)
41:
Minha mãe era calma (superp.)!Eu também não era travessa , eu não
era travessa, eu não saia muito sozinha, eu fazia banca no, no 58 na
rua direita de Santo Antônio, bem junto a igreja do Boqueirão.
DOC: Em relação as tarefas de casa arrumar casa, lavar prato, ela te pedia
assim alguma coisa pra fazer?
41:
Não, eu nunca, não fui criada fazendo essas coisa, porque tinha minha madrinha que era moça velha, minha mãe bordava, ficava na
máquina, e cozinhava, minha madrinha limpava casa e lavava nossa
roupa, aí minha mania era brincar sozinha, tocar piano, brincar de
professora, às vezes sozinha falava assim!
DOC: E com sua irmã e o irmão?
41:
Mas minha irmã é dez anos de diferença.
DOC: Ah, sim! Muito tempo!
41:
Meu irmão é sete anos e tanto!
DOC: A senhora manda seus netos estudarem? O que mora aqui , a senhora
manda?
41:
E adianta?
DOC: Mas a senhora não diz nada a ele?
41:
E adianta?
DOC2: Não diz “Menino, vai estudar”
364
PEPP
41:
Ontem mesmo, na terça, que a menina não tinha chegado, desça pra
fazer o dever. Ela estudava de manhã, aí a menina falou pra ele ir de
tarde, né? Que ela acorda cedo, não é dizer que acordam tarde, acorda cedo, mas tem uma natureza, sabe que hora ela ia pra escola? Já era
de tarde, uma e meia sai daqui, uma e vinte uma e meia, estuda ali
no Adventista, vai tomar banho uma hora.
DOC: Não adianta então ficar dando muita pressão, muita ordem não?
41:
E liga muito não, só liga assim, “minha avó, estou com fome!”, “minha avó, não tenho o que levar pro colégio”, ainda, só tem biscoito
hoje Cream Cracker, é mesmo saí domingo passado fui correndo ali
comprar um coentro, aí comprei leite pra fazer purê , comprei guaraná,
esses negócio, pronto, não tenho saído dia de semana, estou me sentindo assim adoentada. É ruim a gente está sentindo assim sozinha ,
ainda fica mais amolastrada, né? E quando tem com quem, um vizinho, um parente, distrai, televisão tem horas que enjoa, tem horas
que assisto Ana Maria, mas tem horas quando acabou Ana Maria, aí
já desligo pra assisti a novela das oito...
DOC: Ana Maria é o quê? (superp.)
41:
Ana Maria Braga, culinária, tem aquele o seu Zé!
DOC2: O louro José
41:
O louro José, calcule no tempo que não tinha televisão, minha casa
que não tinha rádio naquele tempo, diga aí? Hoje ainda tem televisão, mas tem hora que a televisão é uma droga!
DOC: Aí o jeito é ficar lendo, né?
41:
Eu agora nem gosto de ler por causa de ,da vista
DOC: A senhora gosta de ler?
41:
Pouquinho, agora não gosto mais de nada, eu gosto mais é de sair
quando eu posso, mas sair sozinha é chato!!! Aí você não entende
quem faz tudo sozinha, solidão é horrível.
DOC: É, isso é verdade.
41:
A menina, às vezes eu adulo pra sair, não que sair, muito chata.
DOC2: Quem, sua neta?
DOC: Tem meninos que são mais quietinhos, e ela, parece que não é muito
rebelde não, né?
41:
Não é pouco! Tudo responde, minha filha, que parece...
DOC: E a senhora não diz nada a ela não?
41:
Eu digo até coisa que não sonhava dizer. É mesmo. Não existe respeito...
PEPP
365
DOC:
41
A senhora diz assim o que a ela?
(...inint...) Porque a pessoa se sente tão coisa, tenho que ter um desabafo!
DOC: É ...
41:
Deus sabe que não é de coração! Mas a pessoa insiste em...se ela não
tirar, naquele tempo eu escolhia roupa? Eu tinha que vestir o que
minha madrinha ordenava.
DOC: E ela ordenava, ela dizia o que deveria usar, como?
41:
É, eu nunca replicava não, o povo dizia a antiga, não, fazia aquilo
DOC: Como eram as ordens antigamente? O que é que se dizia para as
crianças.
41:
Tem que fazer, faz mesmo. Vai lugar, vou cuspir, isso e aquilo, já
acabou!!!
DOC: Ainda tem também a história de ir pro armazém.
41:
Eu já enfrentei,( inint.) já ficando ... tinha onze ou doze ano fila de
pão, direta,...que pão era difícil, fila de carvão, que antes o que se
usava era carvão, fila de açougue, que ali no Taboão teve um açougue,
não sei se foi na fila do pão, não sei qual foi, rasgou meu vestido, não
era novo, novo, de seda, mas rasgou na fila, de empurrões.
DOC: Na fila?
41:
Era, eu já (... inint) satisfeita. Domingo mesmo faltou coentro eu ia
fazer peixe de Escabeche, não tinha o coentro, eu tive que me vestir,
botar um soutien, ai peguei o cartão do idoso e fui por aqui por
dentro, com a esperança de achar encontrar a cesta do povo aberta,
que vende verdura, não encontrei, andei mais um pedaço e passei na
linha do ônibus, aí fui ao Monteiro, Supermercado, aí encontrei o
que não queria, aí levei dinheiro e aí comprei no Bompreço, mas , se
eu pedisse a meu neto, ele não queria ir, nem que eu desse os dois
vale, que eu tinha vale, era pra ele comer, porque ele estava aqui
comigo, a mãe não estava aí, não vai às vezes digo pra comprar o pão,
ele não vai, ele não quis.
DOC: A senhora também não pede!
41:
Não, eu peço, mas as vezes ele quer chantagem: “me dê tanto”. Eu
não tenho condições de...
DOC2: Atender!
DOC: Sustentar, às vezes fica muito caro!
DOC: Agora a senhora falou aí a relação a televisão, a televisão é a companhia, né? O que a senhora acha da televisão?
366
PEPP
41:
A televisão, me instrui e destrui ao mesmo tempo. Tem coisas que a
pessoa não sabia fica sabendo, aprende. Mas tem coisa que incentiva
as criança de hoje em dia, certas novelas, certos filmes de assombração, de luta ,de perversidade, essas coisa, amarga, tá entendendo?
DOC2: Muita violência! (superp.)
41:
Roubo, negócio de furto, tem coisas que de acordo com a idade da
criança desperta a atenção, tem coisa que instrui, mas tem coisa que
antecipa, não acha não, que tem certas coisa de novela, certas passagem não era pra ser em horário de criança acordada.
DOC: Sexo!
41:
Certo, nego deitado, aqueles movimento, aquelas coisa, aí a criança já
se interessa,...
DOC2: Já fica ali atenta!
41:
Fica atenta, perde o sono, já fica curiosa!
DOC: E a senhora proíbe?
41:
Eu proibir?
DOC: Não diz nem nada pra ela dormir, que já tá tarde?
41:
Mas ela as vezes dorme cedo.
DOC: Mas a senhora nunca diz!
41:
Ela fica mais lá em cima, fica com a menina! Mas de dia mesmo tem
coisas tem passagens mesmo, muitos beijo e muitas coisas exagerada
que não eram pra ser em horário de criança estar em casa. As crianças
se interessam, né? As criança se interessam!
DOC: As crianças mais gostam!
41:M
eu sobrinho quando veio, em 72, quando meu irmão veio de Jequié,
meu sobrinho, o mais velho tinha dez anos, ia completar dez anos,
ele é de novembro, de dezembro, ele é de 62, ai estava no (...inint...)
não me lembro mais como era a novela, sei que era um senhor que já
até faleceu, o artista aí tinha, trouxeram a empregada, ai nos primeiros meses ficou lá em casa, e meu irmão, nos apertamos, ele se interessava em ficar ajudando a empregada Maria a secar os pratos e
conversando pra puder o horário da novela que era dez hora. Meu
irmão mais minha cunhada, que não queriam que ele assistisse, e
você sabe como é criança, engana, eles iam dormir e ele, ficava na
dele, eu ia infrenar? O daqui que tem 18 ano, estava estudando, está
com televisão ligada, ou mesmo que não esteja, menino você não vai
ter prova? Não adianta que “Eu já estudei” não sei o que. Duas vezes
você leu já estudou? Não tem jeito não.
PEPP
367
DOC:
E as suas meninas já são (inint.) hoje. A senhora também não controlava televisão? Não proibia nada não?
41:
Não, quando eu vim comprar televisão elas já eram crescidas! A televisão veio, deixe me ver, eu comprei em 72! Minha mãe adoeceu aí eu
peguei comprei, depois que meu irmão se separou, não estou bem
lembrada, depois logo comprou a casa dele, meu irmão veio de Jequié,
vendeu a casa dele (inint) pro não encher de móveis, não trouxe
quase nada, só panela e algumas camas dos meninos, aí ele comprou
e a minha mãe estava doente e já estava né, e ...
DOC: Na fase difícil!
41:
naquela distração, né? Distraia, tava doente, a pessoa doente fica desanimada, mas vendo uma coisinha mas não se ouvia, mas alivia a
mente, né? A mente já fica trabalhando, de jeito melhor, né, do que
ficar encucada, porque, aliás, minha mãe nem era criatura sofria,
sofria calada, aí comprei!
DOC: E as meninas?
41:
As meninas, naquele tempo, A... tinha dezessete e Z... dezesseis, elas
iam mais para casa das vizinhas, minha mãe ficava ali no portico,
aquelas porta que tem gradeado de ferro. Aí minha mãe ficava lá.
“L..., sua filha, Z... ficava sempre à parte, Z... sempre se destacava,
Oh, Sinha Z..., vá pro meio das outra (inint.)” botava as duas pra
jantar e quando ia lá dentro, cadê A...?
DOC2: A... sempre a mais danada!
41:
(inint) outro dia deu uma surra em A... porque disseram A... lá em
cima estava na Miosótis, eu morava na Freitas Henrique de Baixo, em
cima era a Miosótis, era uma vizinha que estava querendo (inint)
estava (...inint...), mas Z... nunca foi de encrenca.
DOC: E a filha de A... vai ser fofoqueira? Por que ela inventou isso?
41:
Porque ela achou que deve ser e é mesmo!
DOC: E A... não fica preocupada e não diz nada a ela não? Não orienta?
41:
E , ela tem esse problema de pressão alta, de hipertensa. Que nossa
família nem tem problema de coração mas foi de tanta raiva comprada das menina. E A... tinha pressão baixa, e agora é hipertensa.
DOC: Oh D. M... de L..., a gente poderia conversar assim, continuar, mas
estamos precisando encerrar, tá bom?
41:
Tá.
DOC: Obrigada a senhora.
368
PEPP
PARTE 4:
OUTROS TRABALHOS REALIZADOS
UTILIZANDO DADOS DO PEPP
Desde que se fizeram os primeiros inquéritos, o material recolhido
começou a ser observado com fins de análise. De início, o próprio grupo
deu andamento aos estudos dos temas diversos tratados em suas teses de
doutorado; cujos temas são a concordância nominal, a concordância verbal
e o estudo sobre o uso do ONDE, de Norma Lopes, Constância Souza e
Emília Helena Portella M. de Souza, respectivamente.
Trabalhos publicados
• LOPES, Norma da Silva. A presença de marca de plural no SN na
fala popular de Salvador. In MOURA, Denilda (org.). Os múltiplos
usos da língua. Maceió: EDUFAL, 1999, p. 536-540.
• SOUZA, Constância Maria Borges de. Posição do sujeito e fatores
sociais na concordância verbal em Salvador. In MOURA, Denilda
(org.). Os múltiplos usos da língua. Maceió: EDUFAL, 1999, p. 506510.
• SOUZA, Emília Helena P. M. de. Ocorrências do ONDE em seis
inquéritos do Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado de Salvador. In MOURA, Denilda (org.). Os múltiplos usos da
língua. Maceió: EDUFAL, 1999, p. 511-513.
• SOUZA, Constância Maria Borges de. Presença e ausência de flexão
de 3a. pessoa no português popular falado em Salvador. Congresso
Internacional 500 Anos da Língua Portuguesa no Brasil. Livro de
resumos. Évora, Portugal: Universidade de Évora, 2000, p. 103.
• SOUZA, Emília Helena P. M. de. O ONDE na fala de Salvador:
uma mudança em curso? Congresso Internacional 500 Anos da Língua Portuguesa no Brasil. Livro de Resumos. Évora, Portugal: Universidade de Évora, 2000, p. 103-104.
• LOPES, N. S. Diversidade linguística e etnia em Salvador. In: Márcia Rios da Silva; Rosa Helena Blanco. (Org.). Estampa de letra: literatura, linguística e outras linguagens - ensaios. Salvador: Quarteto,
2004, v. único, p. 29-47
PEPP
369
• SOUZA, Emília Helena P. M. de. Os valores do Onde na língua
falada. In Revista da FACED. Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. N.07. Salvador: Faced, 2003. p. 213-226.
• SOUZA, Emília Helena P. M. de. A referenciação do Onde em textos
do português arcaico e em dados de língua falada contemporânea. In
COSTA, Sônia B. B. e MACHADO FILHO, Américo L. (org.). Do
português arcaico ao português brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2004. p.
239-254
• SOUZA, Emília Helena P. M. de. O onde em estruturas relativas no
português atual: evidências de variação e mudança. In MUNIZ, Dinéa
Maria S.; SOUZA, Emília Helena P. M.; BELTRÃO, Lícia Maria F.
(org.). Entre textos, língua e ensino. Salvador: EDUFBA, 2007. p.7599
• LOPES, N. S. . Uma Imersão na Relação entre Língua e Sociedade
no Português Brasileiro. In: FONSECA-SILVA, Maria da Conceição,
Vera Pacheco, Adriana Stella Cardoso Lessa-de-Oliveira. (Org.). Em
Torno da Língua(gem): questões e análises. 1 ed. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2007, v. único, p. 161-186
Monografias de Especialização
• DIAS, Valter de Carvalho. A alternância NÓS / A GENTE em Salvador: um estudo sociolinguístico. 2006. Monografia. (Especialização
em Letras e Linguística) - Instituto de Letras da UFBA. Orientador:
Norma da Silva Lopes
Trabalhos de Iniciação Científica
• ALMEIDA, R. S.; LOPES, N. S. Trabalhando com acervos linguisticos
urbanos: melhoria de arquivos. In: IX Jornada de Iniciação Científica,
2005, Salvador. IX Jornada de Iniciação Científica: resumos. Salvador: Universidade do Estado da Bahia, 2005
• ALMEIDA, Rafael Soares. Trabalhando com acervos urbanos: melhoria
dos arquivos. 2005. Iniciação Científica. (Graduando em Letras) Universidade do Estado da Bahia, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Orientador: Norma da Silva Lopes.
• ALMEIDA, Rafael Soares. Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador: PEPP: ampliação do acervo e descrição lingüística.
2006. Iniciação Científica. (Graduando em Letras) - Universidade
370
PEPP
do Estado da Bahia, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia. Orientador: Norma da Silva Lopes
Monografias de Conclusão de Graduação
• OLIVEIRA, Tânia dos Santos de. A variação linguistica do português.
2003. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdades Jorge Amado.
Orientador: Norma da Silva Lopes.
• QUEIROZ, Deisilu Guimarães. Língua, sociedade e ensino. 2003.
Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdades Jorge Amado.
Orientador: Norma da Silva Lopes
• DA HORA, Josemilde Melo Barbosa; Leliany Robérica R. Bonfim.
Relação Língua e Sociedade. 2003. Trabalho de Conclusão de Curso.
(Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• BARBOSA, Noélia Pereira Tu, você e o senhor: seus usos e particularidades. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras)
- Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes.
• TEODORO, Aliane Pereira Alves. A Gente / Nós no Português de Salvador. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras)
- Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• DIAS, Valter de Carvalho. Você, Pronome Indeterminado. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades
Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• SANTOS, Magda; SOUZA, Cleide; NEVES, Elcicleide. Ter de e Ter que
na fala de Salvador. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação
em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• JESUS, Emília Tatiane O. de; ASSIS, Silvane Gracielle C. de. O uso
do futuro simples e do perifrástico na língua falada. 2005. Trabalho de
Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes.
• SILVA, Helenice M.; PESTANA, Gilvandro. Ter/Haver nas falas popular e universitária em Salvador. 2005. Trabalho de Conclusão de
Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador:
Norma da Silva Lopes.
• LEAL, Janúzia Silva do Espírito Santo. A regência do verbo IR de movimento na fala de Salvador. 2005. Trabalho de Conclusão de Curso.
(Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes.
PEPP
371
• LUZ, Cláudia Norete Novais. Realização estratégica do objeto direto
anafórico na fala dos soteropolitanos. 2006. Trabalho de Conclusão de
Curso - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• SILVA, Cristiane Lima da e SIRQUEIRA, Aline Naegel. A variação
na posição do adjetivo na língua falada em Salvador. 2006. Trabalho
de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge
Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes.
• CARNEIRO, Kátia Paloma F. e PORTELA, Manuela Lima. O uso do
diminutivo em Salvador. 2006. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma
da Silva Lopes.
• CERQUEIRA, Ivana Conceição de Freitas. Ter e Haver na fala de
Salvador. 2006. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em
Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes.
• CONCEIÇÃO, Caroline da Silva e SILVA, Gilselma Cedraz da. Pronomes clíticos na língua falada do povo soteropolitano. 2006. Trabalho
de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge
Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• OLIVEIRA, Ana Márcia Santos de, e JESUS, Hilária Souza de. A
concordância verbal em estruturas com o pronome SE apassivador. 2006.
Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes.
• ARAÚJO, Michelle Cristine G. de e NASCIMENTO, Naiara S do.
O uso dos pronomes SEU e DELE: ambigüidades provocadas pelo pronome SEU. 2006. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em
Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• SILVA, Neuza Alves. O uso do diminutivo na fala de Salvador. 2005.
Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Norma da Silva Lopes
• CONCEIÇÃO, Danielle Patrícia S. da e MENEZES, Maria das
Graças. A posição do adjetivo no sintagma nominal na língua falada.
2006. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras
Vernáculas com Inglês) - Faculdades Jorge Amado. Orientador: Eva
Maria Nery Rocha
• SANTOS, Bárbara Sampaio e ARAÚJO, Edna Suzart de. Marcadores
conversacionais na língua falada. 2006. Trabalho de Conclusão de
Curso. (Graduação em Letras Vernáculas com Inglês) - Faculdades
Jorge Amado. Orientador: Eva Maria Nery Rocha.
372
PEPP
• ALVES, Aiala e ALVES, Jeferson. A expressão do imperativo singular
na língua falada em Salvador. 2005. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras Vernáculas com Espanhol) - Faculdades
Jorge Amado. Orientador: Eva Maria Nery Rocha.
• SANTA RITA, Geovane e VILAS BOAS, Potira Paim. SE, A GENTE, VOCÊ como formas de indeterminação do sujeito na língua
falada em Salvador. 2004. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Letras Vernáculas com Inglês) - Faculdades Jorge Amado.
Orientador: Eva Maria Nery Rocha.
Dissertações de Mestrado
• ALCÂNTARA, Rebeca. Estudo do verbo pegar: uma abordagem sóciofuncional. Dissertação (Mestrado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal da Bahia
Orientador: Emília Helena Portella Monteiro de Souza,2009
• LUZ, Cláudia Norete Novais. Velejando sobre as águas da retomada
anafórica do objeto direto: um cruzeiro na fala em Salvador. Dissertação
(Mestrado em Estudo de Linguagens) - Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Linguagens - UNEB. Orientador: Norma da Silva
Lopes.
• DIAS, Valter de Carvalho. Variação nas formas de indeterminação do
sujeito. Início: 2008. Dissertação (Mestrado em Estudo de Linguagens) - Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens
(UNEB). Orientador: Norma da Silva Lopes. Trabalho em andamento.
Teses de Doutorado
• LOPES, Norma da Silva. Concordância nominal, contexto lingüístico e
sociedade. Salvador: UFBa, 2002. Tese (Doutorado em Letras) Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia. Orientadora: Myrian
Barbosa da Silva.
• SOUZA, Emília Helena P. Monteiro de. A multifuncionalidade do
ONDE na fala de Salvador. Salvador: UFBA, 2003. Tese (Doutorado
em Letras) Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia.
Orientadora: Rosa Virgínia Mattos e Silva.
• SAMPAIO, Dilcélia Almeida. A expressão do imperativo no português do
século XVI ao século XX. 2004. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal da Bahia.. Orientadora: Terezinha Maria de Melo Barreto.
• SOUZA, Constância Maria Borges de. Variação da concordância verPEPP
373
bal em Salvador. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Instituto
de Letras, 2009. Orientador: Dante Lucchesi; Co-orientadora: Norma da Silva Lopes.
• ROCHA, Eva Maria Nery. Variação no uso da preposição em cláusulas
relativas e completivas. Salvador: UFBA, 2003. Tese (Doutorado em
Letras) Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia.
Orientadora: Therezinha Maria de Mello Barreto, Co-orientadora Norma da Silva Lopes (em fase de defesa).
Livros aceitos para publicação
• LOPES, Norma da Silva. A fala baiana em destaque. Berlim: Peniope,
2009. v. único. 137 p. (no prelo)
374
PEPP
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Suzana Alice M. Diversidade de normas e transcrição de textos orais. In: O
foco: norma e variação do português. n. 12, dezembro, 1994.
CINTRA, Geraldo. A transcrição do discurso oral. In MOURA, Denilda (org.). Os múltiplos usos da língua. Maceió: EDUFAL, 1999. p. 389-401
FURTADO da CUNHA, Maria Angélica (org.). Corpus discurso e gramática. A língua
falada e escrita na cidade do Natal. Natal: EDUFRN, 1998.
MOTA, Jacyra; ROLLEMBERG, Vera (org.). A linguagem falada culta na cidade de Salvador: materiais para seu estudo. v.1. Diálogos entre informante e documentador. Salvador
Salvador: UFBA, IL. 1994.
MOTA, Jacyra; ROLLEMBERG, Vera (org.). A linguagem falada culta na cidade de Salvador: materiais para seu estudo. v.2. Elocuções formais. Salvador: UFBA, IL. 1998.
SILVA, Giselle Machiline de O. & SHERRE, Maria Marta P. Padrões sociolingüísticos:
análise de fenômenos variáveis do português falado na cidade do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Tempo brasileiro, UFRJ, 1996.
PEPP
375
Um estudo da fala popular de Salvador – PEPP
Essa é uma produção do grupo de pesquisa
FALA E CONTEXTO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
e uma edição da Quarteto Editora.
Av. Antonio Carlos Magalhães, 3213 – Ed. Golden Plaza, s/702
Parque Bela Vista – Brotas – Salvador-Bahia
CEP 41.275-000 – Tel.: (0xx)71- 3452-0210 – Telefax: (0xx)71-3353-5364
E-mail: [email protected]
Salvador – 2009
Impressão e acabamento:
Rua Mello Moraes Filho, nº 189 – Fazenda Grande do Retiro
CEP 40.352-000 – Tels.: (71) 3116-2850/2806
Fax: (71) 3116-2902
Salvador-Bahia
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