PEMSA – De orquestra a projeto de educação

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PEMSA – De orquestra a projeto de educação
PEMSA – DE ORQUESTRA A PROJETO DE EDUCAÇÃO MUSICAL
MÚSICA AUMENTA A INTELIGÊNCIA?
Music Lessons Enhanced I.Q. (Lições de Música melhoram Q.I). Sob este sugestivo título, o compositor
e pesquisador E. Glenn Schellenberg publicou, em 2003, um breve artigo na Psychological Science, revista
mensal da Association for Psychologial Science, no qual apresenta os resultados obtidos em pesquisa
realizada com crianças de seis anos de idade para avaliar o impacto de estudos extracurriculares na
melhoria do desempenho em testes de inteligência.
O escopo principal da experiência era averiguar se realmente havia uma correlação positiva entre o
ensino de artes e aumento do quociente intelectual, e, em caso afirmativo, dimensionar a mudança.
Para tanto, três grupos de 36 alunos foram compostos aleatoriamente e encaminhados para o
aprendizado de artes cênicas, canto e teclado. Uma quarta turma, com a mesma quantidade de alunos,
permaneceu como grupo-controle.
Após um ano de curso, comparados os testes finais aos iniciais, constatou-se um pequeno aumento no
desempenho das crianças em testes de inteligência, na seguinte conformidade: canto, teclado, artes
cênicas e nenhum. Ou seja, as crianças encaminhadas para o aprendizado musical apresentaram melhores
respostas em testes de inteligência que as demais.
Tais conclusões, entretanto, são insuficientes para a teorização. Basta que se considere que algumas
premissas, uma vez discutidas, ampliariam a complexidade do experimento podendo levá-lo a resultados
distintos. Variáveis como competência didática dos professores, tempos ampliados de aprendizagem, outra
faixa etária para início do processo, entre outros, são elementos a ser considerados.
Mesmo Schellenberg é reticente em suas ponderações. Para ele, é antes o processo formal de
educação o principal responsável pelas performances, pois mesmo o grupo que não foi submetido a
qualquer atividade extracurricular, embora de forma menos acentuada, incrementou seu score, ao final de
um ano.
Duas décadas antes e seguindo outra linha de investigação, o psicólogo e educador Howard Gardner, da
Universidade de Harvard (EUA), contrariando a tendência de se “medir” a inteligência apenas sob os
aspectos lingüístico e lógico-matemático, apontava para a consideração de outras funções mentais ligadas
a diferentes partes do cérebro. Em seu Estruturas da Mente, ao revisar a literatura acerca do conceito de
inteligência e dos progressos das neurociências, Gardner propõe o conceito de inteligências múltiplas como
alternativa teórica para uma compreensão mais abrangente do conceito de inteligência. Para ele:
“...há evidências persuasivas para a existência de diversas competências intelectuais humanas
relativamente autônomas [...] Estas são as ‘estruturas da mente’ [...] A exata natureza e extensão de
cada ‘estrutura’ individual não foi até o momento satisfatoriamente determinada, nem o número preciso
de inteligências foi estabelecido. Parece-me, porém, estar cada vez mais difícil negar a convicção de que
há pelo menos algumas inteligências, que estas são relativamente independentes umas das outras e que
podem ser modeladas e combinadas numa multiplicidade de maneiras adaptativas por indivíduos e
culturas.” (Gardner, Howard. As estruturas da mente. A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994, p. 7)
Das múltiplas inteligências propostas, Gardner considera o talento musical aquele que “surge mais cedo”
no indivíduo. A razão disso permanece inexplicada, mas o psicólogo-educador mostra-se seguro ao dizer
que “a extensão na qual o talento é expresso publica-mente dependerá do meio no qual se vive” (Gardner,
1983, p. 79).
É neste contexto que ganha seu maior sentido um projeto de educação musical desenvolvido em
Aparecida desde 2003.
EUREKA
Já há algum tempo, Ismael Floriano era regente do Coral do Santuário de Aparecida, tarefa da qual se
incumbia de modo exemplar. Invariavelmente, aos domingos e em algumas datas especiais, lá estavam
coro e maestro postos para complementar a sacralidade das missas com suas vozes afinadas.
Todavia, a combinação de sons vocais e instrumentais daria o toque de refinamento que transformaria a
música em ponto alto da celebração litúrgica.
Tal ideia era incentivada, com constância, pelo maestro Lobato, então regente da Banda de Música da
Escola de Especialistas de Aeronáutica, em Guaratinguetá-SP, e amigo do regente Ismael, até que ambos
resolveram expor um projeto de constituição de uma orquestra para se apresentar nos eventos promovidos
pelo Santuário Nacional.
A originalidade da ideia impressionou o administrador do Santuário, Pe. Darci Nicioli, que rapidamente
cuidou da viabilização do projeto. Entre a conversa preliminar, em novembro de 2002, e o início das aulas
de música, em 10 de março de 2003, foram menos de cinco meses.
OS BASTIDORES
Fazendo uso de recursos financeiros da Campanha dos Devotos, a administração do Santuário de
Aparecida rapidamente cuidou da compra dos instrumentos e da preparação das instalações em um prédio
da congregação redentorista. Trezentos mil reais foram investidos na aquisição de 264 instrumentos.
Ao maestro Lobato, auxiliado por Ismael Floriano e Júlio Ricarte, coube a responsabilidade de coordenar
o projeto que se iniciava. Pe. Ronoaldo Pelaquim juntou-se ao grupo como Diretor Espiritual e Artístico. Era
hora de organizar a estrutura e o funcionamento dos cursos bem como decidir o nome a ser dado ao
conjunto da obra.
COSA - Coral e Orquestra do Santuário de Aparecida, foi logo substituído por PEMSA - Pequenos
Músicos do Santuário de Aparecida, abreviatura que permaneceu mesmo após a mudança de significado
das letras iniciais.
PRIMEIRAS NOTAS
Mais de seiscentos alunos inscreveram-se nos diferentes cursos (instrumentos e canto) para receber as
primeiras noções teóricas e práticas de música.
As turmas iniciais foram divididas em dois turnos (manhã e tarde) e frequentavam três tempos de aula,
às segundas e sextas-feiras.
Dezessete professores envolvidos e oito meses depois, no plenário da Câmara Municipal de Aparecida,
jovens músicos da região faziam ecoar os alvissareiros acordes da 5a Sinfonia do compositor tcheco Antonin
Dvorák. Era a primeira apresentação.
A ORQUESTRA
A base da orquestra, desde o início, é composta por cerca de 70 integrantes que executam todos os
instrumentos tradicionais de orquestra, acrescentados de saxofones. São tradicionais: clarinete,
contrabaixo, fagote, flauta, oboé, trombone, trompa, trompete, tuba, viola, violino, violoncelo, além dos
instrumentos de percussão e coral.
CONCERTO PARA BENTO XVI
Durante a realização da V Conferência Episcopal Latino Americana, em maio de 2007, coral e orquestra
apresentaram-se diante da multidão que acompanhou a missa campal celebrada pelo Papa Bento XVI. Um
coral de 1000 vozes foi especialmente formado para a ocasião. Depois, em sessão mais reservada, a
orquestra apresentou-se para o Sumo Pontífice e convidados.
Sem dúvida, uma das principais, senão a mais importante apresentação da orquestra.
UM CURSO LIVRE
A partir de 2007, com o assentimento de Dom Raimundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida, a
ênfase do projeto passou a ser educacional e a sigla passou a significar Projeto de Educação Musical do
Santuário de Aparecida.
Reestruturado, PEMSA transformou -se em um Curso Livre de Teoria Musical e Técnica Instrumental
não descurando de uma boa dose de História da Música.
Hoje, são 27 professores e três monitores, além dos maestros, respondendo pelo atendimento de 480
crianças e jovens oriundos, geralmente, de famílias de baixa renda de várias cidades valeparaibanas.
Após oito anos de projeto, metade do corpo docente é constituída por ex-alunos.
A duração dos cursos varia entre 4 e 5 anos e a carga horária permanece em seis horas semanais. Para
instrumentos de sopro são quatro anos de formação e para canto coral e instrumentos de cordas são cinco.
Os cursistas, além de receberem material didático e lanche, vêem descortinar-se um mundo de
oportunidades na área da música.
Deste modo, um duplo propósito é atingido: além da formação artística, a preocupação com a função
social do projeto também é alcançada.
AD ASTRA ET ULTRA
Aprender música, é sabido, exige muito mais que talento. É preciso uma dose extra de perseverança e
extrema dedicação em busca da perfeição sonora obtida pela correta execução do instrumento, o que só a
técnica pode conceder.
Uma das maneiras encontradas para manter elevada a motivação dos alunos pelo aprimoramento
constante é a concessão de prêmios ao final de cada ano letivo, o que varia de bolsas de estudo e cessão
de uso de instrumentos em comodato à participação no Festival de Poços de Caldas de grupos inteiros de
formandos, recurso utilizado nos dois últimos anos.
Tanto estímulo fez brilharem alguns talentos.
DESTAQUES
O viço do PEMSA não impediu que o mesmo se transformasse, em tão pouco tempo, em um centro de
dispersão de talentos musicais, o que traz contentamento ao maestro Lobato, visto ser isso o
reconhecimento externo da excelência de um trabalho.
É o próprio maestro quem fala, com incontido orgulho, de alunos que conquistaram espaços e deram
passos importantes em suas carreiras musicais como profissionais.
Diz o maestro que mais de dez alunos foram aprovados em concursos públicos para a carreira de militarmúsico nas Forças Armadas e dois ex-alunos foram contratados para compor o quadro da Orquestra
Sinfônica de Barra Mansa-RJ.
Um dos destaques nominados por Lobato é o jovem Marcos Ramos Lemes. Iniciado no PEMSA, o
contrabaixista nascido em Roseira-SP ganhou uma bolsa de estudos para aperfeiçoar-se, durante três
anos, na Academia da Orquestra Filarmônica de Israel.
Outro virtuose é o clarinetista Danilo Soares de Olliveira, hoje matriculado no curso de música do
Instituto de Artes da Unesp-SP.
O violoncelista Fábio Gomes também merece menção. Após conquistar uma bolsa de estudos nos
Estados Unidos, optou por permanecer como professor do projeto.
Entre os professores, um destaque para o percussionista Luís Carlos “Chuim” de Siqueira.
Valeparaibano de Jacareí-SP, Chuim correu mundo participando de projetos de música nos Estados Unidos
e na Europa e tocando com músicos de vários cantos do plane-ta. Com Guilherme Vergueiro gravou, ao
vivo, no International Jazz Montmartre, em Copenhague, Dinamarca.
De volta ao Brasil, trabalhou como professor na UNICAMP e em algumas escolas inglesas de São Paulo.
Atualmente, continua dividindo o seu tempo entre o ensinar e o tocar, participando de projetos
educacionais e apresentando-se em conjuntos de diversas formações.
APRESENTAÇÕES
Com mais de cem apresentações no currículo, a Orquestra PEMSA tem conquistado admiradores onde
passa, ou melhor, toca.
Em Itaici, por exemplo, na Assembléia da CNBB, no ano de 2009, a orquestra fez empolgar os 320
bispos presentes ao tocar uma versão da música Thriller (Terror) de Michael Jackson.
No Festival de Serra Negra, outro exemplo, o sucesso da apresentação foi coroado por entusiasmados
aplausos
Se igrejas, escolas, teatros, auditórios de TV, praças públicas etc, não importa. Não há impedimentos
para a orquestra PEMSA. Todo ambiente é espaço para um concerto desde que as condições técnicas
estejam asseguradas.
A GRAVAÇÃO DO PRIMEIRO DVD
O nível de excelência obtido pelo projeto, em tão pouco tempo, permite que mantenedores,
coordenadores, professores e pupilos alcem vôos maiores.
Ano passado, coral e orquestra lançaram o primeiro DVD: Os Grandes Hinos a Nossa Senhora
Aparecida.
Constam deste trabalho os tradicionais hinos marianos entoados pelos devotos católicos, há décadas,
nas missas, procissões e outros eventos religiosos
Outros três projetos, voltados para a expressão da música como arte e visando alcançar outros públicos,
estão em andamento.
O primeiro deles será a gravação, em CD e DVD, ainda em 2011, de uma série de músicas natalinas.
Um segundo CD/DVD, em preparação, apresentará a fina flor da Bossa Nova. O repertório já está
selecionado, ensaiado e aguarda a liberação dos direitos autorais para ser gravado.
Fechando a série, e não poderia faltar, um terceiro CD/DVD tem gravação prevista para 2012 e nele
estarão reunidas algumas das mais belas músicas clássicas de todos os tempos.
ENTREVISTA
“Uma orquestra não se faz só de virtuoses”. Assim se referiu o Maestro Altair de Oliveira Lobato, com
singular lucidez pedagógica, à importância do reconhecimento de que esforço individual e conjunto tem
elevado valor formativo quando se trata de um trabalho coletivo. E a orquestra conduz a isso.
Durante a entrevista concedida ao Jornal O Lince, seguro e desenvolto, Maestro Lobato falou de sonhos,
realizações e percalços que marcaram a trajetória do Projeto de Educação Musical do Santuário de
Aparecida.
Mais que isso. Adentrou os meandros das relações entre arte e sociedade para fazer evidentes algumas
mazelas que negam ao ser humano o contato com a arte autêntica.
Para o capitão-músico, a meu ver antes músico que capitão, “a música, enquanto arte, é eterna”, mas
esta música-arte de que fala, não é a música midiática, feita para vender, voltada para nichos de mercado e
sem qualquer preocupação com o belo.
“Música deve ter harmonia, melodia, ritmo e letra. Tiraram a harmonia, tiraram a melodia, tiraram o ritmo
e tiraram a letra. O silêncio é o que me resta esperar”, diz ele jocosamente sem retirar o tom de indignação
diante dos atropelos sofridos pela música de qualidade nos últimos anos.
“O comércio tornou a música decadente criando uma identificação musical por nicho”, critica o maestro
quando analisa o modo de produção musical imperante nos dias de hoje. E continua: “Quem faz trabalho
sério, morre de fome”.
Para Lobato, o analfabetismo musical que graça o país impede que a grande maioria da população
tenha condições de avaliar a qualidade musical daquilo que se veicula no Brasil.
Seu rechaço a certos tipos de música nasce da distinção simples entre a boa e a má música, porém sua
crítica remete a necessidade de estudo para saber estabelecer a diferença. “É preciso estudar para saber
avaliar o que é qualidade em uma música”, adverte.
Com ênfase, Maestro Lobato enaltece a importância de projetos como o PEMSA:
“Este projeto permite o encontro do aprendiz com a matéria que gosta. Cheguei a ouvir de pais de alunos
que a iniciativa é o que de melhor o Santuário já fez em Aparecida.
É fundamental reconhecer que a Igreja sempre teve forte ligação com a música. Bach era MestreCapela. No Brasil, a música chegou através da Coroa ou por intermédio da Igreja”.
Sutilmente e nas entrelinhas, Maestro Lobato sugere que o Projeto de Educação Musical do Santuário
de Aparecida é mais que um reencontro com a história. É, sim, o resgate para a Igreja de um papel que lhe
é fundamental e está na própria origem que a define: o resgate das pessoas que, desencontradas em suas
biografias, descobrem que a condição humana tingida de beleza, torna-se Arte em seu mais pleno sentido.
Os maestros
Maestro Lobato é 1o maestro e tem formação em regência, instrumentação, orquestração, harmonia
escolástica e contemporânea.
Músico-militar de origem, é Capitão da Aeronáutica e Bacharel em Direito.
Seus 25 anos de experiência em regência somados à formação pedagógica obtida em cursos
militares fazem dele a âncora de sustentação do projeto.
Ismael Floriano é Maestro Auxiliar da Orquestra PEMSA.
Reformado como músico sub-oficial da Aeronáutica, é um dos grandes responsáveis pelo início do
projeto e um de seus mestres.
Quando regente do Coral do Santuário de Aparecida, foi grande incentivador para que a ideia de
criação de uma orquestra ganhasse materialidade, o que aconteceu por iniciativa do Pe. Darci Niccioli.
Maestro Assistente, Júlio Ricarte é graduado em Música pela Faculdade de Música Santa Cecília e pósgraduado em Música pela UNICAMP.
É idealizador e diretor do Conservatório Musical Antonio Carlos Jobim, em Guaratinguetá-SP.
Compositor com vários CDs e DVDs gravados, teve música escolhida para a Campanha da
Fraternidade 2012.