Matéria - Lina de Albuquerque

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Matéria - Lina de Albuquerque
A era do respeito
1IflULI(105 ( (0t11 mais (ILILIII(IL .l( (1(' \ I(ILI. aS (1]LIIIÇLLS c
Cada cZ tIlUIS
adolescentes orn SÍII( 1 tome (le 1)owt i podem (titrar para o s(' ii lo 21 como
ci(Iadãos (le verdade. A ca.la (IiLL novas fiiniílias lutam !ara socializar seus
fi11ios derrtll)afl(lo as 1)arreiras cio preconceito. A l)atalha se junta a uni
termo adolado pela O N IJ ki quase dez anos, mas que só ho,e (-omeça
a ser ouv 1(10 no Brasil: i iiclusio. A SOcie(Iade 1 ticlusiva no pede ajuola
aos botizi ulios, mas delen(le O) respeito ( O COUVÍVO cotn as (li ferenças.
Por Lina de AlI)uquerqllt' c (ristina Uitnalli. i'l)t: E'vrtnii li11ard i
ÁO
O
Admitam: vocês já tiveram
vontade de atirar o seu fIho
tq,A
pela janela. E assim que o
ia
empresáno e jomahsta Ci
'
berto Lu:z Di P;erro. o Gibn
Um, inicia uma palestra sobre síndrome de
Down, anomalia genética que atinge um beL
a cada 550. Mais do que causar imparto, ele
quer mostrar que a rejeiçito é comum, e
compreensível, por parte de familias que enfrentaram essa situação. A síndrome de Down
no
está na cara. E tambérr rc
dia, nas brincadeiras. Receber a notícia de que o-
INclusÃo: a j(
bebê é portador dessa
lariaiia
síndrome pode ser o
20 aiin.
mesmo que ganhar um
carimbo: problemas para
roiitratailzi
14)
n- 1 ai ira iii '
o resto da vida. Ciba Um,
pai de Bruno. um Down
de li anos, reconhece ter si :-------A doença é resultado ce urna espec.e de
trombada de genes. que pode acontecer a
qualquer casal. Mas se a vontade de enfrenta'
o problema for maior do que a ce jogar o filho
pela janela, há cada vez rnas o que fazer. Se
bem estimulada, com amor e aceitação, a cnari
ça pode ter uma vida muito boa. Deve mostra'
a cara --- sem ser escondida, como há pouco
tempo faziam muitas famiias.
Um cos objetivos do Projeto Do\Centro de lnfon'nação e Pesquisa da Sincli
de Down, fundado por Ciba Um em 1
-
d ..
985 e
hoie mantido por 30 empresas, é ustamer!e
mostrar que a síndrome mudou de cara, até
literalmente. Aualrnen:e .aé exis:e a possib 1-
87
dade cc suome:er a crança a urna controvei'tida cirurgia plástica para atenuar os traços
característicos —olhos distantes e puxaco
lábios caídos, pouca expressividade e orelh:i.
pequenas. A aparência é o que menos impc'ou
o que mudou é a abordagem do problema.
As linhas de pesquisa mais progresss:as
adotaram um termo que sintetiza essa icé'a:
inclusão", conceito ofic1al!zado pela ONU em
1990. O Down deve ser incluído" no mundo
de verdade. O que significa ser estimulado
junto aos outros irmãos em casa. Conviver com
crianças normais na escola. Praticar esportes e
não ser excluído das atividades sociais. Trabalhar no comércio e em empresas. A maior parte
das novas iniciativas, é verdade, tem saído da
cabeça de Das que tiveram filhos Down.
Foi assim com a jornalista Liana John. Aos 36
anos, já mãe de três filhos, ela deu à luz um
quarto bebê que transformou sua vida. Daniel,
agora com 4 anos, nasceu Down. E com ele
nasceu também uma série de Droetos criados
0
........
Novo exarr efacilita i iagnóstico
O
exame mais usado para
saber se um feto tem ou
não síndrome de Down é
a amniocentese. procedimento invasivo, desconfortável e
que pode causar danos à saúde da mãe e do bebê. Mas
uma nova técnica, que combina análise de sangue e vItra-som. promete 909'o de su-
cesso no diagnóstico.
Desenvolvida por pesqui-
sadores da Jefferson Medical
College, na Filadélfia (EUA),
a nova técnica pode ser feita a
partir da décima semana de
gravidez —os exames que in-
dicam se a mulher deve ou
não se submetera uma amniocenlese só podem ser feitos
entre a 16' e a 18' semana,
Mas enquanto a amniocentese é a única técnica disponível, um grupo da Universidade de Birmingham (Inglaterra) tratou pelo menos de encurtar otempo de espera até o
resultado: transformou em 24
horas o que levava 15 dias,
Por Cássio Leite Vieira
sala onde fez a cesárea ouviu: 'Vamos aproveitar
e fazer a aqueadura? Porque esse aqui já tem
Down". Pela Internet, ela descobriu muitas páginas internacionais com todos os detalhes atualizados de tratamentos. Liana traduziu textos, pesquisou e criou urna home page, a Espaço 21.
Ela resolveu também editar folhetos de
i:cias-vindas aos bebês Down, que são distri:j(coS nas maternidades da região de Camir as, once vive. E o grupo Bem Me Quer,
je conta aos pais dos recém-nascidos que
is bebês são diferentes. Com notícias ciencas positivas e um álbum de fotos de
irianças Down sorridentes e brncalhonas, o
çi'uoo leva otimismo aos pais. Quando o
tem outras crianças, os irmãos ganham
oo"ecos que representam a familia —assim
pais conseguem perceber como seus oufilhos estão encarando a história.
Quando a sua terceira filha nasceu, em 1979,
pedagoga Maria Mirtes Moura Dias. 61, conta
ter se sentido um monstro
na maternidade São PauEDUC AçÃo: :driiia
lo. "Na hora de o médico
oii(II-t's. lo,
dizerque Analy era Down,
ia dxi eMeola
trouxe os estudantes para
r' L)ieni e
verem quem teria gerado
aI)liea(la iia
'acuiio' ali. Eu me senti no
riilztiii
corredor da morte". Feii , ria' cio, o vendedor Edmunco
Nc».os D as, mulo ná três anos, teve mais
ocnsbilidaoe. "Ele disse: 'essa vai ser nossa para
ida inteira'. Nós nos abraçamos, abraçamos o
'- osso eebê e moramos untos", conta Mirtes
por Liana e seu marido, o pesquisador Evansto
Eduarco de Miranda. O pnmeiro passo do casal
foi se informar a respeito da doença. "Havia
pouquíssima informação. Os próprios médicos
desconhecem o que fazer e nem têm sensibilidade para dar a notícia aos pais". dz Liana. "Conheci uma mãe em Araras (interior de SP) cue na
:
APRENDER SEM DECORAR
1H"
P
cr .e acortecar" onero"'
desse tipo, o grupo Bem Me Quer
também orienta mécicos e estudantes
de medicina. "Alguns pediatras receitam para os Dowr medicamentos de
crianças comuns, desconhecendo que
cc'lí' - os oara dilatar a pupila e certos artbióticii podem afetar seu desenvolvimento ceremi' 'diu Lia-a, Eld e seu manco foram, - o ano
88
passado. a um Congresso Mundial de Down na
Espanha, onde conheceram o projeto Roma,
desenvolvido nela Universidade de Málaga e o
hospftal de Roma. É uma pesqusa em tomo da
capacidade de aprendizagem das cnanças DO'N
"Parte do pnncípio que o Down pode também
aprender como se adaptar às circunstâncias.
Hoje já se ensina um Down a pegar um ônib.
Mas ele aprende a fazer isso como se estivesse
decorando uma lição. Por meio do projeto
Roma. os médicos querem ensinar o Down a
tomar uma iniciativa e niprovisar o cue fazer.
por exemplo, se o ônhus
quebrar". explica Lana.
EXPRESSÃO:
Um núcleo do projeto.
montado no Brasil pela
1)il
faz Ii ru de
joe
e
trabalha. Qii
escola Ativa, em Campi-
apreinl*'r tu (1
com apenas cinco crianças (Daniel entre elas) foi
26 aiio
nas, que há muitos anos
já trabalha com o conceito de inclusão
Em sintonia com a idéia está a escola Carpe
Diem, criada há três anos em São Paulo e
orientada ao ajustamento social de 25 adolescentes, a maior parte recém-saidos de escolas
especiais. Uma de suas funções é encaminhálos a estágios profissionalizantes em empresas
conven:adas, como por exemplo a cadeia de
restaurantes TGI Fnday's, onde os jovens exer
cem funções de garçons, aludam na cozinha c
participam da limpeza. O Fnday's do bairro dc
Itaim, por exemplo, contratou Manana, 2C
anos, um dos três filhos do empresário Rogér o
e de Glória Amato, presidente do Carpe Dem.
Outra aluna da Carpe Diem é Adriana En.
dres, de 16 anos. "Eu tive dificuldades sérias
Demorei para falar, andar e sentar na mesa
como os outros. Só que aprendi a nadar, e se
nadar 'crowri' e borboleta", ela explica. Aos
co )o','', Cc fo educaca pa'a aos :cuic.
cor
poucos, várias escolas ií estão incluindo crian-
os três irmãos mais velnos fazem. Estudou em
uma em-
ças Down no seu quadro. Mas o preconceito
uma escola convencional, mesmo tendo que
pregada. em uma motorista que a leva a
cursos de arte, médicos para emagrecer (ela
continua estampaco no olhar da maioria. Sônia
fazer duas vezes cada série e receber acompa-
tem dificuldade para manter o peso, como
Cáfaro, diretora da Bem Me Quer, escola
nhamento escolar em casa. Em 1994, concluiu
muitos outros Down), visitas aos irmãos e
infantil para crianças normais e que aceita tam-
o curso ginasial e, na hora de recebero diploma,
bém as especiais. diz que muitos pais resistem
foi aplaudida de pé pelos colegas. Estava com
sobrinhos, "Esquecemos que ela é Down, essa
paiavra r.ão ex-ste para más", asseur-a a mãe.
à idéia. "Mas as crianças aceitam o coleguinha
20 anos. Gu se casou. Trabalha hoje na confec-
Down e aprendem com as diferenças. As crian-
ção ca tia. Conseguiu destaque como pintora e
ças normais só têm a ganhar com isso", diz
seus auadros alcançam até R$ 1.5 mil no
Sônia. Na Bem Me Quer, em São Paulo, estão
mercado de arte. Também é autora de um livro
matriculadas quatro crianças portadoras da
síndrome entre os 320 alunos. Manana Amato
anos. Gu saiu de casa para viver com o marido
foi a primeira que fez "integração" na escola,
Paulo, 40 anos. Ele não é Down, mas tem
dos 2 aos 6 anos. Aos 19, retornou como
algumas deficiências motoras. Paulo trabalha
auxiliar dos professores. Mariana adora crianças e trabalhou na escola por oito meses.
em uma papelana. Como Gu, é de familia juca.
A palavra "inclusão" nunca foi usada pela
de poesias ilustrado com suas pinturas. Há dois
O casal faz junto aulas de fisoterapa e participa
de atividades no clube Hebraica.
UMA VIDA MUITO BOA
O
taCO:.
suceciccs, cão ea de .- de que o Doo,'
pode ter uma vida boa. Melhor do que
uma criança normal e pobr-e. Este foi o
mote explorado pelo publicitário
Nizan Guanaes numa campanha insti-
tucional para melhorar a imagem dos Down.
premiada no ano passado nos festivais ce
Cannes e de Nova York. Na TV, apareciam
famila do empresário Elas, 62, e de Becky
"Se me perguntam sobre síndrome de Down,
duas crianças bnncando num carr'ossel. Um
Mansur, 54. Mas a sua prática está há muito
tempo incorporada no cotidiano com a filha
eu conto a minha vida", resume Gu. Que tipo
deles vai à escola todos os dias, tem aulas de
de vida? "A vida de uma artista. Eu sou uma
Olga, a Gu, de 26 anos. Portadora da síndrome
artista, sou curiosa e tenho vontade de apren-
piano e faz natação. O outro não pode fazer
nada disso. O primeiro menino é portador de
89
Down. E o seu ango e urna cnança norma
mas que vive na rua. O vídeo finaliza com o
seguinte apelo: Milhões de cranças brasiei
ras precisam de sua ajuda. Crianças com sd'orne de Down apenas precisam do seu
respeito. O preconceito é a pior sr'ndrome". A
campanha alrrejava diminuir a discriminação
—sem pedir doações em dnherc ou rnercionor nome de entdades vinculadas à causa.
Fazendo o seu próprio papel na televisão, a
carioca Paula Wemeck, de 11 anos, trouxe
orgulho a toda farnfia. No ano passado. ela
inte'pretou uma garota Down no episódio
"Escolhas", do seniaco 'Mu1ner", da r -ede Globo. "Paulinha achou o máximo particioar das
gravações. Hoe, ela põe a fita no vi'deo, adianta,
gosta de ver a parte em cue aparece". conta
Helena, 39, mãe de Paua. O irmão Renan, de
9 anos, também se sentiu muito valorzado com
a notoóedade da menina. Paula lê, escreve: faz
equtação, balé e judô. "Eia foi a nossa pnrreir'a
filha e oassamos por um pe"íodo de luto. Mas.
-
....
..
....
..............
Onde buscar mais informação
• Apae lAssociacao de Pais e Amigos dos
Excepcionais): teL 01 1 5080-7000. SE
• Associação Carpe Diem: teL (011) 530-187[
OX 0111 535-4335. SP
• Escola Bem Me Guer: leIs (011) 829-941
320-fi33 SP
• Espaço 21: tl '919h 971-3581 Carnpiaa.
SP, na Interne: rtto anos' oco
njetosldowrr
"1
• Prolet000wn:
siridrome de Dovn. em que empresas
colaborar doando um salário minimo por
el (011 ) 3120-6511. SP
• Projeto Up Down: fel. (013) 234-9167, San• SOS Down: seniiço de atendimento e aconselhamento genético e psicológico, tel. (011) 2830857 SP
ao mesmo tempo. eu tinha de trocar frolca,
amamentar, fazer o bebê dormir. O luta foi se
transfor'rnando em luta", compara Helena.
No Ivro "Posso A1udar Você?" (editora Ed.con), a psicóloga Iva Folino Proença, mãe de
cinco filhos, relata os mecanismos desta luta que
de fato, para muitos pais, ocorre depois de um
pen'odo ce luto. "Nada acontece num passe de
r/1
.
:4'•
w..
magica". diz ela, mãe de José Manoel, um Down
de 43 anos. "Eu já tive vergonha de sarr com ele',
acm te. E a explicação que dá para esse sentimento, no livro, é simples e também comovente: 'Toda mãe tem o direito de querer realizarse naquele pedaço de si mesma. E se a gente se
ama é porque gosta da orópna imagem. então
a gente quer ver essa magem refletida em cada
tlho. De repente, um filho frustra todas as
nossas aspirações. Não é fácil acertar. Posso
cizer que ho1e aceito e amo profundamente o
.j filho, Digo mais, minha vioa sob vários
orados é melhor porque ele existe".
Em um tempo em que ainda não se falava na
ol:tica da inclusão. José Manoel quis estudar
com cnanças que fossem como os seus imiãos.
Não fi possivel. "Por que tenho que ficar só no
meio dos loucos?", pergntava oara a mãe. Iva
conciuiu o cur'so de psicologia com 54 anos, fez
especialização para trabalhar com fam7ias de
excepconais e até hoje tem perguntas em
suoce";c José Manoel foi alfabetizado com 16
anos, lê diaóamente a seVALOruzAçÃo: 1 1 aiila.
ção de esportes do jornal
II • i'orii IriiIo
e é fã incondicional de Ro1)
1 1*' Iti. allimirido
bento Carlos Quando Iva
rir tidio do
lançou o seu livro, em
1iillor' nu
1981, ano internacional da
I'\ Globo
pessoa excepcional, o filho ligou as coisas. Viu a
nr.e dando entrevistas na TV —e não gostou
do que viu. "Excepcionais paro ele são todas as
oessoas cefeituosas com as quars ele não quer
se identificar. Todos são preconceituosos e o
José M.inoo - frr pm'no'eo 1 1 ir ria como '.00ICS'
PRECONCEITO CONTAGIA
r
peo dc'scobnmeto cc •ç do geneticista Zan Mustacchr. quando ainda
era um estudante residente. Ele fazia
plantão e atendeu uma cnança com
problemas cardi'acos graves, pneumonia
e infecção. Para tentar salvá-la, só internando na
JTI. "Fale oara o médico-chefe que tinha
dOeacc.r'n caro , ra-,'e. ir cc'rcc'.'Jo:, oro a
90
i ntemac ãoeantes quis vera criança", conta. Ao luto, as surpresas e os encontr-os com pessoas
vê-la, o chefe lhe deu uma bronca. Com tantos solidárias ou gente que se superou e criou
novas possibidades para a compreensão da
normais doentes, vou internar justo uma com
doença "Eu era muito preconceituoso, uma
Down?" A cnança morreu. "Desde esse episóvez
até estranhei quando, num plantão, vi uma
aio, há 22 anos, decidi me dedicar ao estudo da
familra chorando sem parar porque perdeu um
síndrome". Hoje. aos 49 anos, ele é um dos
filho com Down. Achava quer se sabiam que ele
maiores especialistas em Down no Brasil e
era mongol ace:taiam sua mc"e", admte Ruy.
reconhecido mundialmente.
Mustacchi foi para a França nos anos 50, só
para estudar com Jerôme Lejeune, cientista
francês que descobriu que a síndrome de
Down, identificada em 1 865 pelo inglês John
Langdon Down, era provocada por um excesso de material genético do cromossorno
21. Devido ao aspecto mongólico dos olhos
dos portadores. John Down havia criado o
termo "mongolian idiots", ou idiotas mongóis. derivado para mongolóide, termo hoje
inaceitável. "As informações sobre a síndrome são mais divulgadas, mas muitos médicos
são desinformados e preconceituosos e a
população está impregnada de conceitos errados sobre a doença. O preconceito é o
maior perigo: é contagioso e mata", diz o
geneticista, que dirige o Cepec (Centro de
Pesquisas Científicas), onde faz diagnóstco e
acompanhamento dos pacientes.
Graças ao trabalho de gente como Zan
Mustachi, a vida dos portadores da síndrome
de Down está mais longa: se antes eles não
passavam da adolescência, hoje vivem mais de
50 anos. Quem nasceu a partir do final
década de 70 terá uma vida ainda maior. A
medicina, especialmente a preventiva, tem papel importante nessa mudança. Metade doportadores da síndrome têm chance de te'
cardiopatia congênita (má-formação cardíaca
No passado. isso não era tratado e estes
momam devido a problemas cardíacos —hoje,
a operação de correção é feita antes do terceiro mês de vida. A outra metade não recebia
assistência básica de saúde, a maior parte mor ria de doenças respiratórias e digestivas.
A desinfomiação também causou espanto d
um colega de profissão de Mustacchi. Ruy do
Amaral Pupo Filho, 47 anos, pediatra e neonatologsta, só se deu conta que nada sabia sobre
Down ao passar para o outro lado da históna.
há nove anos. Foi quando nasceu sua terceira
filha, Marina. "Não sabia o que fazer, onde
obter informações. Como a imensa maioria
dos médicos do Brasil e do mundo, ao me
tornar, em 1979, eu não havia tido nem uma
aula sequer sobre Síndrome de Down", conta
Ru no livro que se tomou referência de pais e
orof'ssionais de saúde: "E Agora, Doutor?".
l. r ' ç ado em 1996 pela editora 'VA'A.
O l.-'iro é uma espécie de roteiro do que se
DCt
em quase todas as familias com filhos
eoro.dores: Dnmeiro vem o choque, depois o
MEU AMOR EXCEPCIONAL
A
rara
e e ar.':
- a a:' c-'ítuuia' de
Nlair'-a, a queri' charr'a dc 'meu amor
excepcional". Ruy fundou a associação
Jp Down, em Santos, que atende pais,
dá a notícia em hospitais. edita um
jornal para quatro mil assinantes e
ajuda os Down a se profissionalizar e entrar no
mercado. Foi um dos criadores da Federação
Brasileira de Associações de Síndrome de Down
e participa. ao lado de Zan Mustacchi, do Down
Syndr'ome Medical lnterest Group (grupo de
interesse médico na síndrome de Down). equipe de 43 médicos do mundo todo.
A quantidade de pacientes deveria exigir
muito mais pesquisas. Não existem no Brasil
dados precisos da população Down. Nascem,
por ano, oito mil crianças com a síndrome. em
uma média que aumenta de acor-co com a
............
idade da màe. Nas mães mais jovens, a proporção é de um Down para cada 2.500 partos. As
que estão acima de 40 anos correm riscos
maiores: uma a cada cem crianças nasce com a
síndrome, enquanto mulheres na faixa dos 48
enfrentam a proporção de um para cada 40.
Pais mais velhos também influem na síndrome,
porque depois dos 60 anos de idade os espermatozóides não são mais renovados. O erro
genético tanto pode ocorrer nas células reprodutoras masculinas quanto nas femininas, assim
como depois que a célula inicial já está formada.
Ruy Pupo, Zan Mustacchi e uma série de
profissionais e entidades se esforçam para divulgar esses números e a maior quantidade de
informações possível. Um ótimo guia é o livro
"Muito Prazer, Eu Existo", da jornalista carioca
Claudia Wemeck (editora WVA), que descreve desde os testes pré-natais, os exames feitos
quando nasce o bebê. a educação, a estimulação e o que os pais podem e devem fazer. Ela
não tem filhos com Down. Escreveu ainda um
livro sobre a inclusão e uma coleção infantil,
"Meu amigo Down", na qual o personagem
pnncipal conta como é seu amiguinho diferente. Os livros são usados em várias escolas, onde
Oáuaia vai falar com as crianças e exp'ic.a c'o•
aue é tão importante aceitar as diferenças.
..........
.....
Ap ae: um, modelo de trabalho
U
nia menina com síndrome de Down, na Apae (Associação de Amigos e
Pais de Excepcionais) de São
Paulo, brincava com as bonecas simulando atos sexuais
completos. Simone Arrais,
chefe da brinquedoteca, chamou a atenção do setor que
cuidava da criança. Descobriram que em casa a garotinha
ficava sob os cuidados do irmão adolescente, que fazia
sexo com a namorada na frente da irmã. A brinquedoteca é
um dos setores da Apae de SP
que atende as crianças e procura incentivá-las. "A brincadeira é livre, mas quando ocorre algo incomum, comunicamas de imediato ao setor responsável". diz Simone.
Com essa abordagem, a
Apae de São Paulo virou modelo para outras Apaes e entidades do pais. Sem fins lucra-
tivos, sem verbas governamentais e sustentada por doa-
çôes e eventos, a Apae atende
só na cidade de São Paulo
1.500 crianças com deficiência mental, sendo que 43°í
delas com síndrome de Down.
"Temos desde recém-nascidos até idosos", explica Marcia Marcucci, coordenadora da
área de saúde da Apae. O trabalho é multidisciplinare cada
família paga o que pode. A
entidade conta com 500 funcio-
nários e 200 voluntârios. O
grupo de pais faz o programa
Pais Apoio, que visita maternidades para dar a noticia do
nascimento dos bebês Down.
Um outro grupo, experimental. foi montado este ano com
90 crianças de 6 a 9 anos. Eles
vão à escola normal e a cada
semana são estimulados na
Apae, onde também recebem
reforço pedagógico. "Nossa
equipe acompanha o desenvolvimento e a socialização da
criança na escola convencional", diz Márcia. Se a criança
que tiver entre 5 e 16 anos
revelar alguma sensibilidade
artística, poderá desenvolver
seu potencial. Todos, incluindo os idosos, freqüentam a
brinquedoteca e também podem levar um brinquedo emprestado para casa. Os maiores e mais hábeis constróem
brinquedos de sucata.
Há também Lima oficina pedagógica para os mais desenvolvidos, a partir dos 16 anos.
E cursos de profissionalização,
com estágios em empresas e
no comércio. Os mais velhos
vão para o Centro Ocupacional
Zequinha. onde a maior parte
dos 150 integrantes tem síndrome de Down. "Os Down envelhecem muito cedo, às vezes já desde os 25 anos", explica Márcia. Tanto que várias
projetos científicos em convênio com a entidade estudam o
envelhecimento em Down e
as relações entre a síndrome
e o mal de Afzheimer.
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