Regata AVELISC – Março de 2012
Transcrição
Regata AVELISC – Março de 2012
Regata AVELISC – Março de 2012 Eu estava quieto no meu canto, curtindo uma gripe mal curada, nariz constipado, voz cavernosa, astral nadir a meio caminho, isto é, no fogo de Volcano (quero ver quem mata essa, tem que ter feito prova de navegação astronômica), quando entrou aquele email do Comandante Mario Julio, ginecologista de bordo do Carino: Vamos curtir uma AVELIXC no sábado? Alguma luz se acendeu nas trevas de minha alma. To gripado, mas topo. Logo veio a tréplica do nosso ginecologista de bordo: Toma uma cachacim cum limão. Jaque e Kriz no trapiche da marina, levando apoio aos famosos marinheiros da Lagoa da Conceição. Isso é que é médico, além de trabalhar com a melhor matéria-prima do planeta, ainda dá aos que desfrutam do resultado de seu labor receitas gostosas e de efeito milagroso. Curado não estava, mas ainda meio 1 bodiado, com alguma coisa rodando dentro do meu labirinto, apertei o código de segurança da portaria do condomínio dele às nove e meia da madrugada de sábado. Pouco depois estávamos na marina para preparar a máquina. Como sempre acontece, alguma manutenção tem que ser feita de última hora, posto que o armador não vive de renda e rala a semana inteira para dar de comer a filhos e sustentar seus hobbies baratos; dizem que ele investiu numa viagem de três semanas a Portugal e foi compelido a adquirir uma câmera fotográfica de última geração, qualidade O grande vencedor da RGS B, Rhai. profissional. Gastou uma pechincha de quinze mil euros no artefato, e eu concordo, não podia perder a oportunidade. Voltando para a manutenção, num descuido, meu amigo galeno havia deixado que o cabo da esteira fosse engolido pela retranca e havia que passar uma guia para puxar a linha. Depois de inúmeras tentativas infrutíferas, fizemos o certo removendo a peça para contar com o auxilio luxuoso da gravidade. Enquanto isso, no trapiche, passava por nós um cretino que fazia o comentário maldoso: - “Manutenção se faz em dia de semana.” Esse cara, ou não tem mãe, ou não tem emprego. A família Back chegou de lancha para desembarcar a tripulação do Mano’s. Pouco depois Jaque e Kriz voltaram para a área da raia para acompanhar a regata e documentar nossos erros fatais. Quando eu as 2 fotografei, a famosa velejadora protestou por estar sendo flagrada a bordo de uma voadeira. - “Tenho vergonha de ser vista num barco que não tem vela.” Saímos a motor e nosso orgulhoso comandante estava feliz com o desempenho de seu potente Mercury de 15 quadrúpedes de potência. Ele me pediu para localizar a extensão da cana e mergulhei na cabine, o que me levou a angustiante enjoo. Aquela sensação estranha que eu tinha ao sair de casa se transformava em pavoroso ataque ao meu labirinto. Mario Julio percebeu, me entregou o leme e desapareceu na gaiuta. Pouco depois apareceu ostentando expressão de vitória, com a vara de alumínio na mão. Chegou a hora da regata. Na largada estávamos mal posicionados, porque o vento era nenhum, não conseguíamos sair da sombra dos panos dos que estavam a barlavento. Boiamos sem rumo até quando Luis e seu barco com nome que parece fusão de outros nomes. Schaeffert e..? começou a soprar um bafo de sueste, fizemos uma leitura acurada da raia e nos posicionamos corretamente nas rondadas ganhando espaço. Montamos a primeira marca sobrando em relação aos demais RGS B e seguimos num bordo único apertado para uma boia situada perto do 3 final da Av. das Rendeiras acompanhados pelo Moura que parecia cachorro de mendigo, não ganha nada do dono, mas não larga dele. Depois era voltar pelo mesmo percurso, com balão. Ah, o balão... Tão belo e tão brejeiro. Preparei tudo, mas não consegui subir a porra do pano, sempre tinha um cabo no caminho. Trancou na escota da buja, depois estava enrolado no guarda-mancebo (não me pergunte como, que não sei), a adriça enroscou no burro do pau, deu Mario Julio sentado a sotavento na merreca, tentando encontrar um rumo, um sopro, alguma coisa que fizesse o Liberté se mover. de tudo, quando eu julguei que estaria pronto, já estávamos terminando a perna. Hora de cambar. Tenho que reconhecer que meu comandante foi de extremada paciência comigo, pois na preparação da largada, por duas vezes em seguida, eu puxei a retranca sem avisar diretamente em sua testa. E ele não reclamou. Que testa forte! Que estoico! Apesar disso ele me deixou ralando com o spinnaker, naquela luta de gato com novelo de lã, sem se importar com meu desempenho nem com o cansaço advindo dessa 4 escaramuça inglória. O bacana é que, mesmo brigando com o balão, estávamos navegando rápido e na frente de barcos que pagavam para nós. Para os não iatistas, explico que os barcos são diferentes e têm coeficientes para corrigir o tempo, aos mais velozes são acrescentados tempos, ou pagam, para que haja uma competição justa. Que nunca é justa. Montamos mais uma marca e arribamos. Lá fui eu para a proa discutir com o balão. Quem nos comboiava era novamente o Moura com seu veloz Paxos (sei não, mas insisto que esse barco tem nome de comida mexicana). Acho que tentei subir o pano umas cinco vezes e só consegui a cem metros da boia. E levei uma ducha fria no entusiasmo. - “Moacir, eu acho que era bom recolher o balão pra não dar rolo na montagem da boia.” Comandante Mario Julio bebe água gelada no intervalo entre as duas regatas. Feliz. O que foi difícil subir, também foi difícil baixar. Baixar em si, não é complicado, mas deixar a buja livre para navegar, sim. Ainda bem que 5 as linhas estão todas com engates rápidos. Subíamos a raia rapidamente, seguindo os que estavam à frente. Eu estava cansado de tanto fazer força e de me deslocar naquele convés apertado. Muito cansado, ainda com aquela sensação de enjoo. Estávamos contentes, o caneco seria nosso, facilmente, contudo na próxima marca havia uma má notícia: a regata estava anulada porque os ponteiros erraram o percurso e o resto da frota estava brincando de siga o mestre. Os únicos certos eram Mano’s e Trinta Réis. Os percursos da AVELISC são os mais estranhos do planeta e costumam ser difíceis de entender. Em nenhum outro lugar da terra conseguem inventar coisas tão complicadas. No caso, a regata deveria percorrer alguma coisa parecida com um T, mas nem de perto tinha essa forma. Parecia um lambda, eu acho. Momento que o sueste entrou na segunda regata. Para ser justo, era uma brisa gostosa para um passeio, porém pouca para um desempenho adequado do Liberté. Quando vi que haveria nova largada tive ímpetos de desistir, de tão cansado. Nova largada, depois da CR consertar a cagada do percurso e da localização da área de partida, inicialmente sobre um baixio. 6 Largamos e o vento fraco não nos ajudava. Tudo se repetia, até a briga com o balão na segunda perna, mas com uma diferença, perdemos o vento no meio da perna e nossos adversários mais velozes nos deixaram para trás de langa. E que langa... Bom cabrito não berra, bom marinheiro não desiste, e continuei minha vendeta com o balão, cuja alma inanimada debochava de mim. Somente nas duas últimas pernas chegamos a um armistício e pudemos sorrir um para o outro, eu e o mal amado spinnaker. Contudo eu e meu comandante trocávamos farpas sobre como marear a vela. Mario Julio praticando marinharia. Quando o urubu está de azar, o de cima é cagado pelo de baixo. No início do último trecho de popa o balão subiu de primeira, aparentemente nenhum empecilho, mas o cretino não armava. Fui para a proa e descobri que estava mordido entre o ovén e o mastro. A probabilidade daquilo acontecer é mínima, mas é a Lady Murphy, se alguma cagada tem probabilidade mínima de ocorrer, ocorre. E no pior momento possível. Contrariando o comandante, que ordenou que baixasse a vela, eu trepei no mastro até alcançar a cruzeta e com 7 cuidado soltei o pano. Se tivesse recolhido, como queria o patrão, eu acho que rasgaria. Só na penúltima perna de contravento Mario Julio percebeu que o carrinho da buja estava muito à ré e corrigimos o defeito de trimagem, melhorando muito o desempenho do Liberté. Aliás, foi esse refinamento no ajuste que nos livrou de perdermos para o Mutley, passamos em cima da meta, que nos deixara implacavelmente para trás. Como diria o Boris: uma vergonha. Gugu, o intrépido, distribuindo ordens, mijadas, e tratando mal sua equipe, como se fosse um senhor de engenho. Esse barco não tem nome? Pinta na bochecha, cara. Enquanto arrumávamos a tralha no trapiche, chegava a nau do intrépido Gugu Coragem, o marujo mais fabuloso que já velejou nas ondas da Lagoa, com dois tripulantes: seu filho e Petr. Realmente uma equipe de causar espanto. Gugu evoluiu de palpiteiro assustado a skipper, treinou seu filho para as lides do mar e convocou o tcheco Petr, criado nas plácidas águas do rio Elba, para timoneiro. Foi interessante ver sua atitude altiva distribuindo ordens e mijando implacavelmente a tripulação. Parecia um feitor de plantação de café do Brasil colonial. Quando terminávamos a arrumação de equipamentos compactando tudo na mala do carro, o apressado Gugu metia a mão na buzina para que Beltrão lhe desse “água” no estacionamento. Mario Julio fez um 8 comentário pertinente a essa atitude intempestiva: - “Gugu, se tu diriges como velejas, estamos todos fudidos. Não vês que ele está com a direção a bombordo?” O trapiche da AVELISC estava colorido e o povo feliz. Flutuava no ar o aroma da gordura pingando na brasa, havia aquela enorme caixa de isopor lotada de latinhas geladas (para ser o paraíso só faltavam umas trinta louras gostosas, cheias de sensualidade e vazias de vergonha), o céu estava com nuvens na medida certa para dar um toque de pintura renascentista, a temperatura agradável com aquela bafagem fraca para velejar, porém ótima para conversar. Fui saudado pelo Dalton, presidente da AVELISC, que tem aquele apelido alemão complicado e acho que significa, ao pé da letra, matos em baixo, mas que em sentido figurado pode ser interpretado como pentelhos. E devem ser pentelhos de moçoila atiçada, Ensaiando a dança do troféu. 9 apaixonada, bem aparados e cuidados para o amado, como ele está fazendo com o trapiche e a documentação da sociedade para nós. - “Carqueja, estou apaixonado pela Luana. Até minha mulher está gostando dela.” - “Obrigado, mas não te conto o desfecho antes da hora.” Moura nos abordou amistoso e foi inicialmente cavalheiro, cortês. - “Vocês andaram um bocado na primeira regata.” De fato, seria nossa, mas foi anulada. Até aconteceu do mestre de cerimônias, todo polido, explicar que juiz é assim, nem sempre acerta, mas deve ser respeitada sua decisão porque fez sua escolha baseado na sua convicção, que mesmo discordando de sua avaliação, devemos acatar. No caso era regata de compadres, nunca fazemos mesmo protestos, fica como ficou, mas devo dizer que se mantém a velha tradição, a qual venho evocar neste momento: todo juiz tem mãe e nós nos lembramos muito dela ontem de tarde. Fim de tarde na AVELISC. 10 Pouco depois todo aquele cavalheirismo do colega folgado com nome de mulher árabe foi pelo ralo: - “Aquele balão não queria subir, tava cheio de cabos no caminho, né, Carqueja?” Também me lembrei de sua geratriz. Um grupo estava ensaiando uma dança para comemorar a tarde. O leitor se lembra da dança da garrafa, onde ela, ou ele (hummm), se rebola ao som de pagode sobre o gargalo fálico de uma botija? Como só se bebe de latinhas no trapiche, não tinha garrafa, improvisaram fazendo a dança do troféu. Não acredita? Eu fotografei, posso aumentar, mas não é mentira. Vista do trapiche da AVELISC e do valoroso Ati, ausente na regata. Quem não viu, que veja, mas quem não foi, perdeu. Não é, Bóris? Gugu veio me cumprimentar sorridente e formal, ciente de que deve respeitar seu primeiro comandante de águas oceânicas, principalmente sabedor que foi minha pena envenenada quem lhe deu fama de cagão. - “Moacir, senti que vou sofrer com tua crônica.” Dei-lhe um abraço afetuoso. - Gugu, não te preocupes... (pausa de cinco segundos) estás fudido.” 11 E também não pude deixar de notar sua amada esposa eufórica quando o intrépido, e agora diretor técnico da AVELISC, recebia sua premiação. - “Uuuhuu! Esse é o meu maridão!” Recebemos nossas “medalhas de participação” e nos mandamos tão logo terminou a solenidade. Do lado de lá tomei uma última foto para ficar materializada a imagem que me impressionava a retina, para que os meus amigos leitores pudessem curtir a paisagem. Ao comandante Mario Julio meus cumprimentos e minha gratidão por me dar esse privilégio de tripular sua renomada nave. Vou permanecer uma ave, “condor” por uma semana... Mas “medalha de participação” é dose. Parece gincana de jardim de infância. Liberté voando na merreca, conforme definiu meu comandante que insiste que eu grafe Liberté! Tomo la liberté de me mostrar elegante e cansado graças à graça da Kriz que fez a foto, ainda com o cuidado de ocultar o timoneiro para não estragar a imagem. www.esportesdomar.com.br 12 Segue a súmula. 1 ª ETAPA DA COPA AVELISC/FEISC 2012 Largada: 13 47 00 Dia: 17/03/12 BARCO RGS A GARROTILHO TRINTA RÉIS ARGONAUTA MARAGATO RGS B RHAI PAXOS LIBERTÈ O'DAY 23 SHARKMAN JAH SUNSHINE APEIRONZITO CAPITÃO CHEGADA T.REAL RATING PTs AJSTs Paulinho Fabiano Tiago Izaltino 15:08:58 15:18:07 15:13:14 DNF 01:21:58 0,9291 01:16:09 1 01:31:07 0,848 01:17:16 2 01:26:14 0,9018 01:17:46 3 0,834 5 0 0 0 0 Juliano Moura Júlio 15:07:59 15:13:47 15:20:40 01:20:59 0,8046 01:05:10 1 01:26:47 0,82 01:11:10 2 01:33:40 0,8031 01:15:13 3 0 0 0 Nando Marquito Pratts Mário Nelson 15:15:14 15:17:17 15:34:27 DNF DNF 01:28:14 1 01:30:17 1 01:47:27 1 1 1 01:28:14 1 01:30:17 2 01:47:27 3 6 6 0 0 0 0 0 15:03:20 15:12:38 01:16:20 1 01:25:38 1 01:16:20 1 01:25:38 2 0 0 15:20:56 15:28:23 01:33:56 0,8098 01:16:04 1 01:41:23 0,7962 01:20:43 2 0 0 15:07:35 15:37:36 01:20:35 1 01:50:36 1 0 0 GARGAMEL MICROTONNER MANO'S Alexandre SOPRAVENTO Sérgio BRUMA 19 MUTLEY Beltrão IMAGINE Gustavo 16 e 17 SCHAEMOON Luiz CALLADO T.COR Callado 01:20:35 1 01:50:36 2 13
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