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GRUPO DE TRABALHO IV POLÍTICA EXTERIOR E RELAÇÕES INTERNACIONAIS Coord.: Profª Meire Mathias A “ameaça terrorista” e a redefinição da segurança doméstica dos EUA no início do século XXI Felipe Mellini................................................................................................................................................................................375 A paradiplomacia: conceito e inserção do profissional de relações internacionais Ana Carolina Rosso de Oliveira...............................................................................................................................................391 ALBA e MERCOSUL: uma relação paradoxal Pedro Antonio Martins..............................................................................................................................................................398 Brasil e Chile: particularismos em evidência Rodolfo Sanches.........................................................................................................................................................................416 Dimensões da crise ambiental e a condução do tema no MERCOSUL Talita Martinelli...........................................................................................................................................................................430 O imperialismo estadunidense e sua conduta diante da crise de Kosovo, massacre de Columbine e o 11 de Setembro de 2001 Inês Cristina dos Santos............................................................................................................................................................440 O Plano Colômbia e o impacto nas relações entre Brasil e Colômbia João Vicente Nascimento Lins.................................................................................................................................................461 Raízes da crise financeira internacional: considerações sobre Estado e mercado Rafael Adilio Silveira dos Santos.............................................................................................................................................475 Sob os governos Lula e Kirchner: os desafios da política bilateral entre Brasil e Argentina Eloísa Ferreira de Souza............................................................................................................................................................487 Uma agenda política de esquerda e práticas políticas de direita: as contradições do Partido dos Trabalhadores nas Relações Exteriores Bruno C. Pires de Freitas............................................................................................................................................................502 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI Felipe Mellini Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá E-mail: [email protected] Resumo: Neste trabalho, serão analisados alguns eixos da política doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas à questão da segurança interna e das denominadas ameaças externas ao país, no período da chamada “Doutrina Bush”. De maneira particularizada será estudado como os EUA são afetados internamente por suas políticas intervencionistas em diferentes áreas do planeta e como as resistências a essas políticas conformadas sob o rótulo genérico de “terrorismo” estão inseridas na elaboração das suas políticas domésticas de segurança. Isso será efetuado, considerando-se os estudos focados nas transformações do imperialismo estadunidense, nas novas configurações dos conflitos contemporâneos, e nos debates ocorridos nos EUA sobre a questão das estratégias relacionadas à segurança doméstica ao assim denominado terrorismo. Palavras-chave: Terrorismo; Conflitos assimétricos; 11 de Setembro; Guerra ao Terror; EUA; Ataques Preemptivos. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 375 FELIPE MELLINI INTRODUÇÃO Os atentados de 11 de setembro de 2001 podem ser compreendidos como um momento de ruptura na política doméstica e também na política externa dos EUA. Diante da gravidade da situação o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush viu-se na necessidade de dar uma resposta aos ataques supostamente orquestrados por Osama Bin Laden. Segundo Noam Chomsky, essa reposta poderia haver sido realizada em consonância com as leis e o direito internacional. Contudo, o que ocorreu foi a adoção, por parte dos Estados Unidos, de uma enérgica resposta aos atentados, por meio de uma postura internacional ainda mais agressiva e unilateral, que resultou na invasão territorial ao Afeganistão e, pouco depois, ao Iraque e na derrubada dos regimes até então vigentes nestes países (CHOMSKY, 2002). Para David Harvey, foi esta a forma encontrada por Bush para consolidar algum tipo de solidariedade interna, já que no início do século XXI os EUA se encontravam em situação delicada, em decorrência de uma recessão iniciada no começo de 2001 e agravada pelos atentados. Às vésperas do 11 de setembro a licitude de Bush no comando da maior potência mundial era questionada, ao menos, por metade da população estadunidense. A formação de uma legitimidade forjada internamente possibilitou a Bush conferir vigor às bases republicanas no governo e articular uma ruptura com os hábitos dos anos 1990, conferindo apoio de grande parte sociedade civil estadunidense às enérgicas respostas dadas pelos EUA aos ataques. Em decorrência, os EUA intensificaram outras ações militares, com base na Doutrina Bush, que prega a guerra preemptiva para se defenderem de qualquer suposta ameaça à sua segurança nacional. Ancorado em uma linguagem de cunho bíblico, o governo de George W. Bush prometeu uma luta sem tréguas contra o assim denominado eixo do mal (HARVEY, 2003). Segundo Chalmers Johnson, os atentados de 11 de setembro serviram como justificativa para manter e expandir todo o aparato militar estadunidense ao redor do mundo. Ademais, também conferiu aos EUA a retórica necessária para impor seus interesses imperais sob outras nações de forma unilateral, seja por meio do emprego da força ou da expansão de suas ilhas de interesse. Entretanto, vale ressaltar aqui a necessidade dos EUA em edificarem uma solidariedade nacional como forma de impor a ordem e a estabilidade à sociedade civil. Do nosso ponto de vista, a partir disso foi possível aos EUA articularem e conferirem legitimidade tanto à sua política de intervenções ao redor do planeta quanto à “guerra contra o terrorismo”. Consideramos mais relevante apontar quais foram, de fato, as reações à ação sofrida pelos EUA do que traçar possíveis conjecturas sobre ocorrido. Uma análise histórica dos fatos se mostra pertinente e necessária, como forma de servir de aporte à compreensão dos desdobramentos da política doméstica estadunidense no início do século XXI (JONHSON, 2004). Partindo deste pressuposto, esta pesquisa visa relacionar as chamadas ações terroristas à resistência ao intervencionismo dos EUA em diferentes regiões do planeta. Em paralelo, Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 376 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI pretende-se com base no estudo da bibliografia especializada buscar uma compreensão de como as políticas conservadoras desenvolvidas nos EUA durante os dois governos sucessivos de George W. Bush planejaram uma nova configuração do seu sistema de segurança doméstica e quais foram as principais críticas de especialistas a essas políticas. OBJETIVOS Neste trabalho, foram analisados alguns eixos da política doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas à questão da segurança interna e das denominadas ameaças externas ao país no período da chamada “doutrina Bush”. De maneira particularizada foi estudado como os EUA são afetados internamente por suas políticas intervencionistas em diferentes áreas do planeta e como inserem as resistências a essas políticas conformadas sob o rótulo genérico de “terrorismo” na elaboração das suas políticas domésticas de segurança. MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho tem como base a pesquisa relativa à literatura sobre os eventos de 11 de setembro de 2001 e as fontes disponíveis na Internet. Para a realização dos objetivos propostos, foi efetuada a leitura, a problematização e a sistematização das informações provenientes das obras relacionadas ao tema e das fontes publicadas na WEB. Com base nesse procedimento, posteriormente, foi efetuada a revisão crítica da literatura estudada. Em seguida foram estudadas as fontes. Por fim, a partir das informações sistematizadas foi escrito o texto do presente relatório. RESULTADOS E DISCUSSÃO Esta pesquisa teve como intento realizar o estudo e a análise acerca das principais questões relacionadas á política externa e doméstica dos Estados Unidos da América relacionadas aos eventos de 11 de setembro de 2001 e questões adjacentes do início do século XXI. Para tal, analisamos a literatura pertinente à temática e as fontes disponíveis. Utilizamos como referencial teórico para pontuar essas questões as ideias de Chalmers Johnson, historiador e ex-consultor da CIA presentes na obra Blowback: The Costs and Consequences of American Empire. Segundo o autor, após o final da Guerra Fria – que teve como marco a queda do muro de Berlim –, a Política Externa dos Estados Unidos passou por transformações. Em decorrência do fim da URSS e da suposta emergência de um mundo unipolar – tendo os EUA como baluarte –, surgiu a possiblidade de uma nova expansão da influência estadunidense em diferentes áreas do planeta, em especial, nas regiões anteriormente vinculadas à esfera de influência soviética. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 377 FELIPE MELLINI Por conseguinte, Johnson procura pontuar que está a ocorrer o adensamento das intervenções dos EUA em outras áreas do planeta, por meio da manutenção e expansão das mais de 800 bases militares daquela nação distribuídas por todo o planeta. Segundo o autor, essa estrutura – parte do complexo militar-industrial dos EUA – representa mais de 53% do aparato militar mundial. Em seu estudo, publicado um ano antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, Johnson ressaltava que a crescente presença dos Estados Unidos ao redor do globo poderia vir a alargar o nível de hostilidade dos países que sofriam da influência – tanto militar quanto simbólica – contra a própria nação. Segundo o autor, os rumos da política estadunidense após a queda do muro de Berlim expressavam um viés imperialista e unilateral, de forma a aumentar e a solidificar a influência daquela nação nas grandes questões mundiais. Em reedição posterior da sua obra1, Jonhson procura demonstrar que, em decorrência do exposto, os atentados de 11 de setembro de 2001 eram, ao menos em parte, a consequência das ações dos Estados Unidos no exterior e, em especial, na região do Oriente Médio. Outro ponto a ser destacado tange às prerrogativas adotadas pelos EUA para justificar suas ações ao redor do planeta. Segundo o autor, muitas das operações implementadas pelos Estados Unidos tinham como premissa subjugar e reprimir os valores culturais dos países alvo, de forma a disseminar os valores pretensamente universais do modo de vida americano, como a democracia e o livre-mercado. No que tange aos valores citados acima, entendemos que os princípios norteadores dos valores liberais dos EUA, desde os pais fundadores, contemplam a liberdade individual, o republicanismo, a não intervenção do Estado na economia. Nesse tópico observa-se um problema, pois por meio de uma análise histórica dos EUA podemos observar que o expansionismo e o desenvolvimento econômico do país, no século XIX, estiveram intrinsecamente ligados à intervenção estatal na economia. Em adição, observa-se a influência das ideias presentes no destino manifesto, consubstanciadas na noção de que os “americanos” eram o povo escolhido e que por isso tinham a missão divina de levar a palavra de Deus e a “civilização americana” a outras partes do mundo. Dito isso, é necessário ressaltar que, no tempo presente, existe, por trás desta retórica de expansão desses valores, interesses não declarados, como no caso da exploração de recursos naturais (principalmente o petróleo) e a ampliação das áreas de influência, tanto geopolíticas como comerciais. Entretanto, a não aceitação da democracia nesses moldes, por parte dos países que sofrem diretamente das ações dos EUA, não resulta considerarmos que estes são contrários a uma forma de governo mais democrático e pluralista; mas que estão à procura de um modelo 1 Devemos ressaltar que, no momento em que o Blowback foi publicado, Jonhson sofreu inúmeras críticas aos conteúdos presentes na obra em questão. Somente após o 11 de setembro o autor recebeu seu devido valor e a obra, reconhecimento. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 378 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI democrático que faça frente às suas realidades, sem a intervenção externa de algum outro Estado. No caso específico dos EUA, como ressalta Benjamim Barber (2003), o que acabou ocorrendo foi a imposição dos valores ocidentais por meio da força militar. Sobre esse assunto, Eric Hobsbawm (2007) adverte que a história recente das intervenções armadas em assuntos de outros países, mesmo por parte das superpotências, não é uma história de êxito. Para o autor, isso se deve à errônea premissa subjacente às questões do império estadunidense de que os regimes bárbaros e tiranos são imunes a mudanças internas, de modo que somente através da força haveria a possibilidade de extinguir os regimes tirânicos e difundir os valores ocidentais e as suas instituições políticas e legais. Nesse ponto, estamos nos referindo especificamente aos EUA, embora sem desconsiderar a influência direta e indireta de outras nações, pois suas elites creem que somente por meio da força externa há a possibilidade de extinguir os regimes tirânicos e, como consequência, difundir os valores ocidentais e suas instituições políticas e legais. Ademais, acreditam que os meios de coerção oriundos do uso da força possam produzir de modo instantâneo grandes transformações culturais. Segundo Hobsbawm, essa se trata de uma ideia equivocada, pois: a difusão de valores e de instituições através de súbita imposição por uma força estranha é tarefa quase impossível, a menos que já estejam presentes no local condições que os tornem adaptáveis e sua introdução, aceitável. A democracia, os valores ocidentais e os direitos humanos não são como produtos tecnológicos de importação, cujos benefícios são óbvios desde o início e que são adotados de uma mesma maneira por todos os que têm condições de usá-los (...). Se fossem, haveria maior similaridade política entre os numerosos Estados da Europa, da Ásia e da África, todos vivendo (teoricamente) sob égide de constituições democráticas similares. (Idem; 18-19) Elucidar essas questões faz-se necessário, pois demonstra que não há, de fato, o maniqueísmo presente na retórica estadunidense que caracteriza uma “batalha monumental entre o bem e o mal”2. Ademais, auxilia na desnaturalização do discurso estadunidense de que: “os EUA foram alvo de ataques porque nós somos a mais resplandecente chama da liberdade e das oportunidades no mundo. Ninguém impedirá essa luz de continuar brilhando”3. Contudo, esse discurso não só é disseminado por parte da elite conservadora dos EUA - neste caso pelo expresidente George W. Bush - como também por parte da esquerda do próprio país. Para Ronald Steel, um intelectual liberal de esquerda, “Eles nos odeiam porque nós (os EUA) representamos uma nova ordem mundial de capitalismo, individualismo, secularismo e democracia que deveria ser a norma 2 Bush diz que atentado foi ação de guerra contra os EUA, Folha de S.Paulo, 12 de setembro de 2001. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u28712.shtml. Acesso em 10.8.2011. 3 “Responderemos com o que temos de melhor”, Folha de S.Paulo, 12 de setembro de 2001. Disponível em http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200108.htm. Acesso em 10.8.2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 379 FELIPE MELLINI em toda a parte. É por isso que eles nos odeiam”4. Ademais, creem que “os responsáveis agiram pelo ódio que nutrem contra os valores prezados no Ocidente, tais como liberdade, tolerância, prosperidade, pluralismo religioso e voto universal”5. Sobre esta questão, Noam Chomsky (2002) contribui de forma significativa ao debate demostrando que essas justificativas são convenientes aos interesses tanto dos EUA como de boa parte do mundo ocidental. Segundo ele, a Al-Qaeda não tem preocupações quanto à globalização e a hegemonia cultural imposta pelos Estados Unidos. As causas para a organização ter se voltado contra este país tem a ver com as intervenções por parte dos EUA em alguns lugares considerados sagrados por estes grupos. É a partir presença estadunidense na Arábia Saudita, em 1990, no contexto da I Guerra do Golfo, que grupos extremistas se voltam contra os Estados Unidos, pois não admitem a presença dos denominados infiéis nas áreas sagradas do Islã. Sobre essa questão, Moniz Bandeira (2009) entende que a retórica utilizada pelos Estados Unidos esconde os reais interesses em jogo. Segundo o autor, os atentados foram convenientes. O que estava em questão era a necessidade dos Estados Unidos de encontrar um novo inimigo, como forma de justificar suas ações militares de caráter ultra-imperial na região. A questão, para o autor, não é a disseminação da democracia e do livre-mercado ao redor do mundo, presente na retórica estadunidense, mas: implementar a full spectrum dominance do capital financeiro, a ditadura ultraimperial, foi que levou o governo dos Estados unidos a criar as condições e permitir que os atentados de 11 de setembro se consumassem. Era necessário criar um estado de guerra global, uma guerra infinita e indefinida, contra um inimigo abstrato. Aos atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center e o Pentágono seguiu-se dispersão, através de correspondências e outros meios, do Bacillus anthracis, usado como arma bacteriológica, cuja origem nunca se desvendou. Tornava-se necessário fomentar o pânico, chocar a opinião pública mundial, lançá-la contra os árabes, com o objetivo de apresentar o islamismo como o novo inimigo, no sentido do Clash of Civilizations, tal como Samuel P. Huntington conceituara, ao apontar a “bellicosity and violence” dos muçulmanos, anotando que eles sempre mantiveram relações antagônicas com povos de outras civilizações, em todas as partes do mundo. (Idem; 637-638) A nosso ver, a análise de Bandeira possui um erro temporal. Acreditar que os EUA foram complacentes quanto à iminência de um ataque terrorista em seu território é uma afirmação deveras problemática, embora em certa medida possamos interpretar esse fato como algo plausível. Em todo caso, soa conspiratória a ideia de que os EUA “permitiram” que os atentados se consumassem, pois por mais que houvessem de fato alguns apontamentos alertando 4 Ronald Steel, The Weak at War With the Strong, The New York Times, 14 de setembro de 2001. Disponível em http://www.nytimes.com/2001/09/14/opinion/the-weak-at-war-with-the-strong.html. Acesso em 10.8.2011. 5 Serge Schmemann, War Zone; What Would ‘Victory’ Mean?, The New York Times, 16 de setembro de 2001. Disponível em http://www.nytimes.com/2001/09/16/weekinreview/war-zone-what-would-victory-mean.html. Acesso em 10.08.2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 380 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI à possibilidade de vir a ocorrer um ataque terrorista em seu território, é improvável que alguma nação faria vista grossa a essa probabilidade, quanto mais a maior potência mundial. Ademais, o número de estadunidenses mortos em consequência dos atentados (2.977)6, somados com o prejuízo financeiro (na casa dos 100 bilhões de dólares)7 e de valor simbólico (pois incidiram contra os maiores símbolos do poder econômico e político dos EUA, além de quebrar o mito da inviolabilidade do país, que não era atacado em seu território desde 1812) refutam essa afirmação. O que procuramos defender é que, a partir (e não por meio) dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 os EUA reelaboraram sua política externa, intensificando as intervenções e a presença cada vez maior desse país no cenário geopolítico mundial, além da adoção de meios coercitivos (a resposta por meio das armas) para lidar com a questão. Em decorrência, houve o adensamento de políticas unilaterais por parte dos EUA em detrimento de um maior diálogo com a comunidade internacional, abdicando das leis e jurisdições internacionais. O motivo disso, e aqui retomamos a ideia de Noam Chomsky (2002), reside em um princípio incrustado à longa data na Política Eterna dos EUA; o direito de agir unilateralmente, acima das leis e dos tratados internacionais. Outro ponto a ser ressaltado perpassa a estratégia de preemptive attacks adotada pelos EUA como forma de sacramentar e legitimar a guerra permanente do “bem contra o mal”. Esta, declarada contra um inimigo difuso e disperso, organizado de forma autônoma, dividido em células, estruturado de forma hierárquica e atuando com certa autonomia e independência. O fato de lutarem contra um inimigo difuso – ao invés de um Estado Nacional – emerge como um problema, mas ao mesmo tempo como forma de reforçar a estratégia de preemptive attacks adotada a partir de então. Segundo Bandeira (2009), a luta assimétrica na forma como se constitui a Guerra ao Terror surgiu como um novo tipo de combate, pois não foram os mais fortes que apontaram as armas, mas o contrário. A utilização de táticas de guerra não convencionais forçaram os Estados Unidos a repensarem toda sua estratégia de defesa, pois até então os manuais de guerra não traziam referências quanto a este novo tipo de combate que surgia. Segundo o autor, este fato auxiliou na fomentação da “razão propagandística” para Bush se legitimar no poder e declarar a guerra permanente, sendo possível, a partir de então, adotarem os objetivos do Project for the New American Century: to increase defense spending significantly(...); to challenge regimes hostile to our interests and values; (…) to promote the cause of political and economic freedom abroad; (…) to accept responsibility for America’s unique role in preserving an extending and international order friendly to our security, our prosperity, and our 6 “Lost lives remembered during 9/11 ceremony”, The Online Rocket, 12 de Setembro de 2008. Disponível em http://media.www.theonlinerocket.com/media/storage/paper601/news/2008/09/12/News/Lost-Lives. Remembered.During.911.Ceremony-3427598.shtml. Acesso em: 02.08.2011. 7 “EUA gastaram cerca de US$ 1,4 trilhão na guerra contra o terror”, G1, 07 de agosto de 2011. Disponível em http://g1.globo.com/morte-de-bin-laden/noticia/2011/05/eua-gastou-cerca-de-us-14-trilhao-na-guerra-contra-oterror.html. Acesso em 26.09.2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 381 FELIPE MELLINI principles.8 Segundo David Harvey, foi esta a forma encontrada por Bush para consolidar algum tipo de solidariedade interna, já que no início do século XXI os EUA se encontravam em situação delicada em decorrência de uma recessão iniciada no começo de 2001 e agravada pelos atentados. Às vésperas do 11 de setembro a licitude de Bush no comando da maior potência mundial era questionada, ao menos, por metade da população estadunidense. A formação de uma legitimidade forjada internamente possibilitou a Bush conferir vigor às bases republicanas no governo e articular uma ruptura com os hábitos dos anos 1990, conferindo apoio de grande parte sociedade civil estadunidense às enérgicas respostas dadas pelos EUA aos ataques. Em decorrência, os EUA intensificaram outras ações militares, com base na Doutrina Bush, que pregava a guerra preemptiva para se defenderem de qualquer suposta ameaça à sua segurança nacional. Ancorado em uma linguagem de cunho bíblico, o governo de George W. Bush prometeu uma luta sem tréguas contra o assim denominado eixo do mal (HARVEY, 2003). Diante disso, é possível entender melhor os rumos da política externa estadunidense após os atentados terroristas de 11 de setembro. A adoção desta, de cunho intervencionista, armamentista e imperial se constitui na principal medida encontrada pelos EUA como resposta aos ataques. Entretanto, ao analisarmos a retórica de Bush no período, é possível verificar uma série de equívocos quanto à leitura do ocorrido. O primeiro, segundo Eliot Weinberger (2003), foi o de converter “um pequeno grupo de criminosos em um inimigo de grande envergadura” (Idem; 51), buscando com isso legitimar a intervenção militar deste país em qualquer lugar onde possa haver células terroristas. Apesar da gravidade dos ataques, a Al-Qaeda conta com um aparato militar extremamente limitado que, em hipótese alguma, faz frente ao poderio bélico estadunidense. Outro ponto, conforme Francisco Carlos Teixeira da Silva (2009), foi a construção de uma ampla frente diplomática de combate ao terror por meio de uma retórica de alinhamento automático na qual, pelas palavras de Bush: “Cada nação, em cada religião, tem de tomar uma decisão agora. Ou estão conosco ou estão com os terroristas. Nesse dia em diante, qualquer nação que continue a proteger ou sustentar terrorismo vai ser considerada pelos Estados Unidos como um regime hostil.”9 Com isso, segundo Silva, buscou-se restringir o espaço de negociação por uma aceitação incondicional perante os interesses estadunidenses, sob a ameaça de que os países que não concordassem com as medidas adotadas pelos EUA estariam do lado dos terroristas. Para Bush, a guerra não seria vencida na defensiva, mas por meio da intervenção armada. Foi através da adoção de uma política de preemptive attacks que surgiu a possibilidade de um maior controle por parte dos EUA na região do Oriente Médio, como forma de proliferar tanto seus interesses quanto os de seus aliados. Apesar da importância da matéria, os objetivos dos EUA nessa região não estavam voltados apenas às grandes reservas de petróleo. 8 Project for the NewAmerican Century. Disponível em http://www.newamericancentury.org/statementofprinciples. htm. Acesso em 10.08.2011. 9 Discurso de George W. Bush ao Congresso dos EUA no dia 20 de setembro de 2001. Disponível em http:// www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29639.shtml. Acesso em: 10.8. 2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 382 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI REFLEXOS DA REAÇÃO ESTADUNIDENSE Conforme anteriormente exposto, foi do intuito deste trabalho realizar uma melhor compreensão da forma como se deu, por parte dos EUA, da adoção da estratégia de preemptive attacks como forma a combater a suposta ameaça terrorista em território estadunidense. Todavia, essa reação teve consequências na política doméstica deste país. Nas linhas a seguir, tentaremos destacar alguns pontos dessa questão. A priori, devemos ressaltar a forma na qual, segundo Naomi Klein, as autoridades dos Estados Unidos, seja no âmbito local quanto no nacional, se utilizaram da indignação e do medo causados pelos ataques aos principais símbolos da hegemonia estadunidense como forma de tentar assumir um maior controle do Estado na vida cotidiana da população e até mesmo na política daquele país. Este fato se deu, dentre outros, por meio de um maior cerceamento na vida privada da população, em especial estrangeiros e supostos colaboradores de organizações ditas terroristas, e, de modo mais amplo, dos direitos desses suspeitos. A partir disso, houve o aumento da discriminação contra estrangeiros de origem árabe e muçulmana no país, por serem comumente rotulados como simpatizantes daqueles que praticam e se utilizam do terror como forma de defrontar a maior força militar do planeta (KLEIN, 2008). De fato, a xenofobia contra membros das etnias supracitadas extrapolaram as fronteiras dos Estados Unidos, e o que pudemos observar a partir do 11 de setembro foi a exacerbação do preconceito contra imigrantes ao redor do mundo. O caso Jean Charles de Menezes, assassinado por engano pela SO19, unidade armada da Scotland Yard, dentro do metrô de Londres, após ser supostamente confundido com Hamdi Adus Isaac, um dos suspeitos de tentar realizar um atentado a bomba no metrô londrino um dia antes de sua morte, demonstra o quanto a repressão policial aumentou após os atentados em Nova Iorque e como os estrangeiros, principalmente árabes e muçulmanos, passaram a ser vistos fora de seu país após o ocorrido10. Em partes, os Estados Unidos procurou fomentar o estigma11 dessas populações a partir dos atentados, rotulando-os como povos atrasados e solidários ao terrorismo, contrários ao modo de vida americano e ao progresso – este, sob a égide dos valores estadunidenses. Também devemos ressaltar que muitas das ferramentas e métodos de repressão adotados como forma de cercear a liberdade individual na maior potência do planeta já houvera sido 10 Entenda o caso Jean Charles de Menezes. Disponível Mundo/0,,MUL169468-5602,00.html. Acesso em 08.06.2012. em http://g1.globo.com/Noticias/ 11 Quando falamos de estigma, temos como aporte teórico a ideia de Goffman (1998). Segundo o autor, estigma é uma relação entre atributo e estereótipo, e tem sua origem ligada à construção social dos significados através da interação. A sociedade institui como as pessoas devem ser, e torna esse dever como algo natural e normal. Um estranho em meio a essa naturalidade não passa despercebido, pois lhe são conferidos atributos que o tornam diferente. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 383 FELIPE MELLINI criados desde antes do 11 de setembro e da administração Bush assumir o poder. Algumas dessas ferramentas foram forjadas a partir das leis contra o terror promulgadas durante a administração de Bill Clinton, e também pela antiga legislação de imigração, que em seu bojo já se mostrara potencialmente repressiva, além das leis relativas ao serviço de informações sobre estrangeiros. Em partes, o governo americano procurou aperfeiçoar o potencial repressivo da legislação já existente. Entretanto, a intromissão do governo em assuntos do cotidiano da população não é fruto desta época, vem desde o final da década de 1960. A invasão de privacidade neste período gerou uma grande onda de protestos por parte da população. Naquela época, quando o governo estadunidense tencionava reivindicar o poder de realizar escutas telefônicas de grupos radicais do país, ocorreu uma forte oposição da Suprema Corte, sustentando que, para a realização de tais medidas, a autoridade pública estava constitucionalmente obrigada a obter uma autorização judicial fundamentada na demonstração da possibilidade de um crime poderia vir a ocorrer12. Curiosamente, a retórica utilizada pela Suprema Corte estadunidense neste caso é bastante semelhante à premissa que embasa a estratégia de Preemptive Attacks adotada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001. De fato, a tática de guerra que vimos ser empregada pelo governo Bush no tempo presente destoa daquela supracitada no exemplo no que tange a veemência e poderio bélico a ser empregado em sua ação; todavia, o discurso e o ideário que embasa ambas é o mesmo: a ação irrestrita por parte do governo estadunidense quando exista a possibilidade de que um crime – ou um atentado – possa vir a ocorrer contra a maior potência econômica do planeta. A partir da década de 1970, foram então criadas algumas restrições à espionagem efetuada pela polícia contra grupos políticos nos EUA. Um caso marcante do período foi um relatório do Senado descrevendo os abusos cometidos por agentes federais que incitavam ao crime, promoviam a dissensão em grupos políticos e disseminavam informações danosas fora desses grupos13. Práticas semelhantes a essa foram encontradas em vários departamentos de polícia, seja no âmbito estadual ou federal, inclusive em Nova York. Entretanto, após vários processos judiciais e muita polêmica, foi firmada uma espécie de trégua negociada, onde ficava reconhecido que, como regra geral, não seria permitida à polícia praticar espionagem somente por razões políticas, mas unicamente com base em informações que apontassem, de fato, para a possibilidade de práticas criminosas virem a ser realizadas em solo americano. Em nosso tempo presente, podemos perceber que o governo estadunidense se aproveitou do temor público após os atentados de 11 de setembro para permitir um grau maior de invasão na 12 US vs US Disctrict Court, 407 US 297 (1972). Disponível em http://supreme.justia.com/cases/federal/ us/407/297/case.html. Acesso em 10.07.2012 13 Final Reporto f the Seleect Committe to Study Governamental Operations with Respect to Intelligence Activies (1976). Disponível em http://www.archive.org/stream/finalreportofsel06unit/finalreportofsel06unit_djvu. txt. Acesso em 12.06.2012. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 384 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI privacidade da população, seja por meio eletrônicos, ou recorrendo a informações e infiltração, não apenas na esfera da inteligência internacional, mas, igualmente, em casos criminais e contra vários ativistas políticos nacionais. Ademais, admite-se que o governo estadunidense utilize de ordens judiciais do United States Foreign Intelligence Court em crimes domésticos. A esse respeito, podemos observar em um dos artigos do USA Patriot Act, sancionado logo após o 11 de setembro, estipulando que esse tribunal tem a autonomia de autorizar escutas telefônicas, seja no âmbito de investigações domésticas quanto fora do território americano14. Ainda sobre esse assunto, o Foreign Intelligence Court também pode ser utilizado para fins mais gerais de espionagem política. O USA Patriot Act – talvez a principal reação doméstica do governo estadunidense após o 11 de setembro – permitiu ao tribunal americano conceder ordens judiciais para a elaboração de documentos relacionados a uma determinada investigação. A título de exemplo, essa medida conferiu legitimidade ao governo americano para solicitar a uma biblioteca todos os registros de retirada de livros de um determinado leitor, sem poder informa-lo de que esse esteja sob investigação15. Em suma, todas essas mudanças na proteção da privacidade da população são significativas. Entretanto, o ponto mais importante a ser ressaltado nisso tudo é que as alterações na legislação americana não foram voltadas somente ao terrorismo estrangeiro. Ao contrário, os mandados do Foreign Intelligence Court podem e são empregados em assuntos domésticos. Este fato reforça a tese defendida por Naomi Klein de que o governo estadunidense se utilizou dos atentados terrorista de 11 de setembro e o impacto que este teve no ideário da população para submetê-los a novos choques políticos e econômicos, por meio de desregulamentações, privatizações e cortes nos programas sociais. RELAÇÕES DE FORÇA QUE DEFINEM O TERROR Mediante ao exposto durante todo este trabalho, podemos entender melhor como a política estadunidense de combate ao terror estava assentada em pressupostos incongruentes. Dentre esses, é também passível de crítica o próprio conceito de terror e de como essa terminologia é utilizada no tempo presente. De acordo com a definição oficial, tendo como base os manuais do exército e da legislação estadunidense, o “terror é o uso premeditado da violência ou da ameaça da violência para atingir metas ideológicas, políticas ou religiosas mediante intimidação, 14 USA Patriot Act, seção 218. Nancy Chang, “How Democracy Dies: The War on Our Civil Liberties”. In: Cynthia Brown (ed.), Lost Liberties. Nova York: New Press, 2003, p. 43. 15 Eric Lichtblau, US Says It Has Not Used New Library Records Law, The New York Times, 19 de setembro de 2003. Disponível em http://www.nytimes.com/2003/09/19/us/us-says-it-has-not-used-new-library-records-law. html. Acesso em 03.08.2012. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 385 FELIPE MELLINI coerção ou instilação do medo”16. Chomsky ressalta a imprecisão da utilização deste conceito, pois, segundo o linguista e filósofo estadunidense, a aceitação e utilização desses termos podem abrir precedentes para uma série de equívocos. O autor alerta que, se ponderarmos sobre a política oficial dos Estados Unidos de “guerra de baixa intensidade”, veremos que essa política não destoa em grandes proporções do considerado como terrorismo e combatido pela mesma nação. Em suma, Chomsky alerta para o fato de que não podemos utilizar as definições em si, mas que é necessário repensar essa terminologia e todo o arcabouço ideológico por trás da mesma. O que ocorre, portanto, é a utilização indevida por parte dos Estados Unidos deste termo como forma de legitimar o que é ou não considerado terrorismo. Ainda sobre esse assunto, Robert Fisk (2007) ressalta que a utilização da palavra terrorismo serve hoje para que se deixe de lado qualquer tipo de contextualização histórica sobre os acontecimentos, emergindo como uma espécie de entorpecente da realidade factual, tendo dois objetivos: “o primeiro é eliminar toda a discussão sobre o assunto, e o segundo é assustar as pessoas comuns” (Idem; 1). Desta forma, podemos inferir que é por meio da sensação de medo causada pela ameaça do terror que a maioria da população aceitava que o governo adotasse medidas autoritárias sobre o assunto, passando por cima dos direitos humanos e das leis internacionais. Assim sendo, a utilização deste conceito emergiu como forma de criar um estado de terror permanente em grande parte da população, por meio de um inimigo abstrato, o terror. Assim sendo, é possível compreender como a incongruência e ineficácia do que convencionamos chamar de terrorismo abre precedentes para generalizações e para a utilização errônea desta terminologia, vide-se, por exemplo, definir o MST e outros movimentos populares como organizações terroristas. Quanto mais confuso e abrangente é um conceito, mais fácil de haver uma apropriação errônea deste. Neste caso, a imprecisão do termo e a fomentação, a partir disso, de um inimigo abstrato que legitima uma política de cunho intervencionista e unilateral é uma das peças chaves para se entender a criação, por parte dos Estados Unidos, de um estado de terror permanente e da “Guerra ao Terror” como eixo da política externa estadunidense no período do pós 11 de setembro. A citação de Marta Fernández y Garcia Moreno (2009) nos ajuda a elucidar a questão: Foi no contexto da modernidade que o Estado adquiriu o status de único ator com legitimidade para empregar a força com justiça e proteger seus cidadãos. O corolário desse monopólio do uso legítimo da força que passou a ser exercido pelos Estados soberanos foi, por um lado, colocar na ilegalidade e criminalizar o uso da força por parte de atores não-estatais e, por outro lado, a impossibilidade conceitual de atribuir atos terroristas aos Estados visto que o interesse do soberano passou a servir como condição suficiente para garantir a justiça do conflito (Idem; 104). 16 U.S. Army Field Manual No. FM 3-0, Chapter 9, 37, 14 de agosto de 2001. Disponível em http://www. globalsecurity.org/military/library/policy/army/fm/3-0/ch9.htm. Acesso em 10.08.2011 Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 386 A “AMEAÇA TERRORISTA” E A REDEFINIÇÃO DA SEGURANÇA DOMÉSTICA DOS EUA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI Mediante ao exposto, visamos demonstrar que o terror não é somente a arma dos fracos, utilizada apenas por quem agride o Estado, mas que há também o terror – ou a expectativa de – criado pelo próprio Estado. Por meio de uma análise histórica é possível verificar que na esmagadora maioria das vezes o terror é utilizado não pelos fracos, mas pelo poder dominante. A diferença, e aqui nos apropriamos do conceito sociológico de Max Weber (1989), é a de que o Estado reivindica para si o monopólio do uso da força; sendo o uso deste pelo Estado, portanto, legítimo. Desta forma, podemos compreender que existem dois tipos de terror: o que agride o Estado e o que agride a partir do Estado. Embora não chegue ao ponto de evidenciar de forma clara essa diferença, Chomsky contribui nesta discussão ao demonstrar que o terrorismo “é considerado a arma dos fracos porque os fortes também controlam os sistemas doutrinários, nos quais seu terror não conta como terror” (CHOMSKY, 2002; 13). CONSIDERAÇÕES FINAIS Em compêndio, a compreensão acerca dos pontos aqui levantados auxilia na percepção sobre alguns dos principais elementos na política externa dos Estados Unidos que tangem à chamada “Guerra ao Terror”. É, portanto, por intermédio da estratégia de preemptive attacks que os Estados Unidos legitimam a intervenção no local que for necessário, sob a retórica de combate ao terrorismo e da disseminação da democracia e do livre-mercado. O fato de a Al-Qaeda se constituir em um inimigo difuso, organizado em redes e que utiliza técnicas de guerra não convencionais contribuiu para semear esse estado de terror permanente, em parte fomentado pelos próprios EUA. Em decorrência, se desobrigavam a seguir os tratados e as leis internacionais, agindo de forma agressiva e unilateral. Do exposto é ainda possível concluir que os EUA se utilizaram do 11 de setembro e da suposta ameaça externa representada pela figura da Al-Qaeda e do terrorismo internacional para intensificar o cerceamento das liberdades individuais em sua política doméstica, limitando ainda mais a liberdade da população e os submetendo a novos choques políticos e econômicos, por meio de desregulamentações, privatizações e cortes nos programas sociais. Desta forma, e aqui retomamos a ideia de Chalmers Johnson (2000) presente no início do texto, podemos observar na retórica que embasava a política externa estadunidense a necessidade de uma provocação para que suas ações fossem justificadas. Havia, portanto, a tentativa de uma construção ideológica do terrorismo como sendo o novo inimigo a ser combatido, em sucessão ao comunismo que perdurou durante todo o período da Guerra Fria. 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Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 390 A PARADIPLOMACIA: CONCEITO E INSERÇÃO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Ana Carolina Rosso de Oliveira Bacharel em Relações Internacionais pela Faculdades Anglo-Americano, Foz do Iguaçu/PR Resumo: As relações internacionais sempre foram compostas por Estados soberanos os quais possuem a capacidade, de acordo com o Direito, de celebrar tratados, atuar em assuntos diplomáticos, estabelecer relações com demais, entre outras funções; além disso, possuem território, população, fronteiras definidas, tendo como obrigação a defesa dos direitos fundamentais, políticos, sociais, e econômicos dos seus cidadãos. Contudo, um tema bastante importante vem ganhando foco no cenário internacional, dando a atores subnacionais como governos locais e regionais, empresas, organizações internacionais a possibilidade de praticar atos e acordos internacionais pra resolver problemas em áreas específicas sem a intervenção do governo central, chamado paradiplomacia. Sendo assim, o objetivo deste artigo é conceituar a paradiplomacia analisando a repercussão do tema no Brasil, e a inserção do profissional de relações internacionais nesse contexto utilizando para isso revisão bibliográfica com base em artigos, teses e dissertações. Palavras-chave: Relações internacionais; Estado soberano; Paradiplomacia; Brasil. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 391 ANA CAROLINA ROSSO DE OLIVEIRA INTRODUÇÃO Nas últimas décadas o mundo assiste um processo de intensificação das relações internacionais que muda de acordo com a situação do cenário internacional o qual é atualmente baseado na interdependência e nas tendências de integração. É neste cenário que está surgindo novos atores subnacionais com o objetivo de atuar em áreas com difícil respaldo governamental, principalmente no que se refere aos temas sociais. Tendo isso em vista, o presente artigo visa analisar o conceito e o papel da paradiplomacia no âmbito das Relações Internacionais, observando a existência e o surgimento de novos atores subnacionais (estados federados, municípios, departamentos, etc.) que estão assumindo uma maior participação na política externa dos Estados, analisando assim a paradiplomacia no contexto brasileiro. Ademais, as políticas externas dos Estados atuadas através do corpo diplomático ou mesmo por entes subnacionais necessitam de analistas em relações internacionais que tenham a capacidade de analisar o cenário internacional ajudando a complementar uma a outra, além de formular objetivos de política internacional e os caminhos pelos quais esses objetivos serão alcançados. PARADIPLOMACIA: CONCEITO Desde o final da Primeira Guerra Mundial as relações internacionais passaram a sofrer mudanças, pois outros atores começaram a surgir com capacidade de realizar acordos e fazer negociações em âmbito internacional, o que antes só era feito por Estados soberanos, caracterizando assim os processos transnacionais realizados, por exemplo, pelas empresas multinacionais e organizações internacionais, como paradiplomáticos. Com o final da Guerra Fria e do sistema bipolar, a participação de novos atores, relações econômicas internacionais multipolares, unipolaridade militar, enfim, com a reestruturação do sistema internacional e conseqüentemente das relações internacionais, novos agentes ganham ênfase neste cenário, deixando que este não seja mais somente uma área de influência e troca de interesses entre Estados Nacionais, mas também de agentes subnacionais. Com o desenvolvimento da globalização, surgem novas dificuldades, novos conflitos, e cada vez mais o Estado nacional atribui responsabilidades às instâncias subnacionais e flexibiliza papéis e atribuições, o que faz com que o poder seja direcionado aos agentes subnacionais para que haja uma melhor eficácia em resolver todas essas novas questões. (MOREIRA, SENHORAS E VITTE, 2009, p. 3) Esse processo de atuação de agentes subnacionais nas relações internacionais é chamado Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 392 A PARADIPLOMACIA: CONCEITO E INSERÇÃO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS de paradiplomacia. A expressão foi trazida no meio acadêmico por Panayotis Soldatos para designar atividades diplomáticas realizadas por atores não-centrais no âmbito das relações internacionais (ROMERO, 2009). A paradiplomacia é caracterizada por um processo de extroversão de atores subnacionais como governos locais e regionais, organizações internacionais, empresas multilaterais que negociam e praticam acordos visando obter recursos e atuando em áreas específicas onde não exista intervenção do governo estatal. (MOREIRA,SENHORAS e VITTAR, 2009) Isso foi produto da globalização onde a evolução, os meios de comunicação geraram um questionamento no que se refere ao fim do território como espaço limítrofe entre um país e outro, além do mais a relação entre o interno e o externo e o surgimento de novos atores. A partir de então relações transgovernamentais são marcadas por novos atores que são unidades subnacionais (estados e municípios), sociedade civil organizada e corporações multinacionais, além de estados-federados, províncias, prefeituras, departamentos, regiões, etc., sendo caracterizados como atores livres de soberania que possuem liberdade para buscar objetivos concretos e por vezes mais limitados. Segundo Santana (2009), uma das principais características da paradiplomacia é a cooperação. As cidades, por exemplo, são meios eficazes de promover a cooperação internacional e o desenvolvimento local/regional sustentável. Isto porque elas podem trocar experiências em áreas como urbanismo, infra-estrutura, habitação e políticas públicas que tem por objetivo combater a pobreza e a violência. Em conseqüência disso, ou seja, dos meios cooperativos, ocorre uma maior proximidade entre o poder público e a população para que haja a formulação de políticas de interesse comum atendendo, principalmente, a demanda da população. De forma mais simples, [...] os entes subnacionais, com seus tentáculos e ramificações, vão onde os governos centrais não conseguem alcançar, quebrando o distanciamento entre a política externa e os reais anseios da população. (SANTANA, 2009, p.42). Essa cooperação internacional descentralizada contribui para que as desigualdades regionais diminuam trazendo benefícios ao Estado Nacional. Contudo, cabe ressaltar que a high politics (alta política), ligada a temas de segurança, paz e guerra, integridade territorial ainda ficam sob responsabilidade dos governos centrais; já a low politics (baixa política) que se refere a questões de interesse local como economia, turismo, intercambio cultural, meio ambiente, recursos, entre outros, podem ser conduzidas por entes subestatais, no caso brasileiro, os estados e municípios. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 393 ANA CAROLINA ROSSO DE OLIVEIRA Tendo isso em vista, a cooperação, segundo Santana (2009), ajuda na construção de uma imagem internacional dos estados e municípios. A participação destes em organismos internacionais, como em Mercocidades, pode ajudar na promoção dos mesmos, ademais os contatos informais ou formais com entidades estrangeiras públicas e privadas, visando resultados socioeconômicos e políticos ou qualquer outra dimensão externa, podem ser benéficos. Entretanto, o surgimento de new voices (novos atores) leva a questionamento como esses novos atores se encaixam no ordenamento jurídico internacional. A maioria dos doutrinadores advoga, em consonância com a escola realista, que apenas o Estado-nação é sujeito de DIP, e, portanto, apto a celebrar tratados, assumindo responsabilidades e gozando de direitos. Nesta afirmação está implícita a recusa em reconhecer as unidades subnacionais enquanto sujeitos de DIP, devido a suas especificidades. (SANTANA, 2009, p.44). No Brasil a Constituição da República de 1988 não institucionalizou a paradiplomacia no ordenamento jurídico nacional. Dessa forma, a competência internacional de celebrar tratados, por exemplo, fica sob competência da União. Os contatos internacionais estabelecidos pelos atores não-centrais acontecem sob a informalidade. Mesmo assim, o desenvolvimento das atividades paradiplomáticas no país possui tendência de proliferação. As áreas e acordos abordados são o comércio, indústria, serviços, agroindústria, turismo, meio ambiente, educação, cooperação técnica, investimento, etc. Nesse caso brasileiro o responsável por acordos e articulações realizados com outros países é o Ministério das Relações Exteriores, coordenando os governos subnacionais que surgem, para manter uma relação sem tensões entre o Estado- Nação e os subnacionais. Mesmo com essa limitação constitucional brasileira, os municípios e estados tem participado com maior ativismo no que se refere à inserção internacional provocando, com isso, a criação de órgãos na administração pública, como é o caso de Santa Catarina onde criou-se a Secretaria Especial de Articulação Internacional. Em âmbito municipal, na cidade de Campinas em 1994, foi criado Secretaria Internacional de Campinas, que tem como finalidade a promoção comercial. (DIAS, 2010) No país, as cidades de fronteira estabelecem relações fortes com outros buscando maior respaldo para seus objetivos e necessidades, revelando vantagens econômicas, sociais, culturais e políticas, como é o caso das cidades fronteiriças, por exemplo Foz do Iguaçu, dos países do MERCOSUL, estabelecendo acordos e negociações. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 394 A PARADIPLOMACIA: CONCEITO E INSERÇÃO DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS PARADIPLOMACIA E O PROFISSIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Dentro dessa lógica de estabelecimento de relações entre entes subnacionais e sua atuação internacional se insere o profissional de Relações Internacionais. Tendo em vista a capacidade de um analista de RI participar tanto na formulação de política externa do governo nacional, quanto na análise de mercado ou de negócios em âmbito internacional de interesse dos governos não-centrais, existe uma correlação entre paradiplomacia e esse profissional. O analista em Relações Internacionais tem como um dos papéis formular e conduzir as relações entre as nações na esfera política, cultural, econômica, social, militar, judicial ou comercial. O profissional, portanto, tem como foco analisar o sistema internacional, as possibilidades de negócio, investigar os mercados mais promissores e aconselhar os investimentos no exterior. Assim como pode trabalhar em ministérios, embaixadas, consulados, ONGs, empresas, instituições financeiras, e para atores subestatais ou subnacionais. A paradiplomacia, como já mencionado, nada mais é do que a busca por aquilo que o analista em RI faz, ou seja, se complementam, pois o profissional irá analisar e propor tentativas para que os atores subnacionais atuem nas áreas pretendidas. Nesse sentido, [...] os agentes encarregados dessas negociações não são somente diplomatas, no sentido tradicional do termo, mas outros tipos de funcionários que, muitas vezes, atuam de maneira idêntica aos diplomatas. Entre estes podem ser incluídos: funcionários internacionais, especialistas e delegados a conferencias específicas, além de grande número de pessoas que são também responsáveis por algum aspecto de relações internacionais, e que não exercem a diplomacia como profissão, como os enviados especiais (que comparecem em eventos representando uma autoridade nacional); especialistas em áreas específicas (representantes de governos municipais que comparecem em Conferências internacionais como de habitação, meio ambiente, saúde, alimentação entre outras), aqueles encarregados de escritórios permanentes ou temporários em país estrangeiro (por exemplo, representações de municípios brasileiros no exterior para atrair turistas) e as missões especiais, que se deslocam para outros países por tempo determinado, para negociar um convênio ou para tratar de assunto interesse comum. São formas de relações internacionais que se convenciona denominar paradiplomacia, e que não são objeto de nenhum convênio ou tratado internacional até o momento. (DIAS, 2010, p. 2) O estudo da paradiplomacia mostrou, portanto, que a construção de campos de poder internacional não se resume ao ministério das relações exteriores, pois novos atores acabam repercutindo sobre a questão a fim de estabelecer políticas regionais e internacionais. A coordenação de interesses e específicos dentro dessa lógica irá conciliar a ação internacional Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 395 ANA CAROLINA ROSSO DE OLIVEIRA paralela de atores e governos subnacionais. Logo, a paradiplomacia não deve ser vista como um risco a soberania estatal, mas sim como uma diplomacia descentralizada que “incorpora ações paralelas e mais democráticas na formulação da política exterior”. (MOREIRA, SENHORAS, VITTE, 2009) CONSIDERAÇÕES FINAIS As transformações técnicas e econômicas que surgiram com a globalização e a democratização do poder estatal propiciaram o aparecimento dos atores subnacionais ou as new voices, no contexto da paradiplomacia, tendo como objetivo a maior participação internacional visto que vive-se num cenário mundial globalizado. Nesse sentido, a concepção clássica de um Estado soberano acaba perdendo força, pois novos atores surgem com capacidade de estabelecerem ações e acordos e de conduzir uma política internacional informal antes só de obrigação estatal. Neste século, as fronteiras foram quebradas fortalecendo a integração regional e dando maior visibilidade principalmente para atores subnacionais como municípios, estados, províncias, entre outros. Ademais, são sujeitos sem personalidade jurídica internacional. No Brasil a paradiplomacia encontra-se em evolução, estando em seu estágio inicial, mas os entes subnacionais estão se esforçando para conseguirem maior visibilidade no sistema externo e obterem maior m,legitimidade em suas ações. É neste contexto que atualmente os analistas em relações internacionais se inserem na paradiplomacia como formuladores e condutores dos objetivos e necessidades dos entes subnacionais, procurando as diferentes formas e melhores maneiras pra atingir aquilo que se quer alcançar nas áreas econômica, social, cultural, ambiental, entre outras de atuação paradiplomática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIAS, Reinaldo. Um tema emergente nas Relações Internacionais: A paradiplomacia nas cidades e municípios. 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Disponível em: <http://www.red.unb.br/index.php/MED/article/viewFile/713/431> Acesso em: 16 agosto de 2011. SANTANA, João L. O papel da paradiplomacia nas Relações Internacionais: a ascensão das unidades subnacionais num contexto mundial globalizado. Dissertação. Programa de Graduação em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais. Bahia, Universidade Estadual de Santa Cruz, 2009. Disponível em <http://www.uesc.br/cursos/ graduacao/bacharelado/lea/papel_paradiplomacia.pdf> Acesso em: 16 de agosto de 2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 397 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL Pedro Antonio Martins Graduando em Ciências sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Resumo: Este artigo discute as Relações Internacionais na regional América Latina a partir da análise entre o MERCOSUL - Mercado Comum do Sul e a ALBA - Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América para identificar os pontos em comum e as divergências entre os projetos. Com a entrada da Venezuela no MERCOSUL e a suspensão do Paraguai pela UNASUL após o Golpe de Estado em Julho de 2012 as tensões tem se acirrado , por conta das negociações entre a Venezuela, principal articuladora da ALBA , com os demais presidentes dos países-membros do MERCOSUL. Essa disputa se dá por causa da característica econômica, de Zona de Livre Comércio, uma integração monetária, capitaneada pelo MERCOSUL enquanto a ALBA é um projeto de desenvolvimento e integração hemisférica ampla, que abarca os campos da cultura, das sociedades e nações, da tecnologia, de um sentido latino-americano e caribenho dado pela reelaboração do Bolivarismo por Chávez e Fidel, uma via de solidariedade regional que tem no Estado o elemento central de soberania nacional, e a crise de legitimidade sofrida pelo Paraguai surge como um risco à democracia para o MERCOSUL e ao devir da ALBA. A pesquisa terá cunho bibliográfico, tendo como referências Jair Pinheiro, Javier A. Vadell, Raymond Aron, além da consulta eletrônica. Conclui-se que um dos problemas enfrentados pela Venezuela na sua inserção no MERCOSUL é que nem o Brasil tampouco a Argentina partilham desse novo Bolivarismo. Palavras-chave: ALBA; MERCOSUL; UNASUL; Política internacional. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 398 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL INTRODUÇÃO Este artigo objetiva traçar paralelos entre o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul e a ALBA – Aliança Bolivariana para a Nossa América, para estabelecer os pontos em comum e as divergências entre as duas propostas de blocos econômicos instalados na América Latina (MERCOSUL) e na América Latina e Caribe (ALBA). A metodologia será de base bibliográfica e eletrônica, tendo especialmente como referências Raymond Aron, Max Weber, Jair Pinheiro, Pedro Martins, Samuel Pinheiro Guimarães, bem como recortes de notícias veiculadas principalmente por meio eletrônico, como blogs ou edições on-line de periódicos ou de grandes redes internacionais de notícias, como a BBC Brasil, para que junto do levantamento bibliográfico seja possível o acompanhamento sincrônico com estas mídias. A primeira contribuição será de Aron, que entende as relações internacionais dentro de sistemas internacionais, ou o conjunto de unidades políticas que mantém relações regulares entre si e que podem entrar em uma guerra, de acordo com a Escola de Relações Internacionais Realista, na qual o autor foi filiado/vinculado. Por sua vez, Max Weber terá papel decisivo para a compreensão do conflito/desconforto atual que se instaurou no continente latino-americano, por conta do Golpe branco, o golpe de Estado, ocorrido no Paraguai em Julho deste ano e que depôs o Presidente Fernando Lugo, assumindo em seu lugar o então Vice, Federico Franco e criando um impasse diplomático no Cone Sul que, por fim, resultou na suspensão, no plano decisório, do país pela UNASUL. Entretanto, se o Paraguai continua efetivo no campo econômico no MERCOSUL, em Mendoza, Argentina, logo após a notícia do golpe paraguaio, foi anunciada a entrada da Venezuela no bloco, que provocou a discordância paraguaia, que anteriormente já impedia a admissão da República Bolivariana no bloco econômico. Esses últimos acontecimentos dinamizaram o contexto regional, visto que a Venezuela, que junto com Cuba foi formuladora da ALBA como grande projeto latino-americano de cooperação internacional, social, cultural, política, geoestratégica, agora está no MERCOSUL o que por si só gera, além dos problemas com o Paraguai deslegitimado perante os outros países-membro, um duplo desafio, principalmente para Hugo Chávez reeleito, de conciliar as distintas ideias-força (PINHEIRO, 2011), o Bolivarismo da ALBA e o neoliberalismo do MERCOSUL, pelas características de integração comercial deste bloco econômico mais antigo e relativamente consolidado, em comparação com a ALBA, ainda em processo. Outro desafio para a ALBA, e para a Venezuela, diz respeito ao não compartilhamento, por parte do Brasil, Argentina e Uruguai, da ideia-força do Bolivarismo, ainda que, em diferentes modos, Brasil e Argentina se configurem como países governados por uma esquerda específica e não tão radical quanto a venezuelana. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 399 PEDRO ANTONIO MARTINS ALBA E MERCOSUL: PONTOS COMUNS E DIVERGENTES No dia 29 de Junho de 2012, em Mendoza, capital da província homônima na Argentina, foi anunciado na Cúpula do MERCOSUL que a República Bolivariana da Venezuela se tornará membro pleno do bloco econômico do MERCOSUL a partir do dia 31 de Julho do mesmo ano. Segundo o jornal eletrônico Correio Democrático On Line: “A Venezuela, um membro associado do bloco, tentava conseguir o status pleno há anos, mas a iniciativa vinha sendo bloqueada pelos congressistas paraguaios” (Correio On Line, 2012, s.p.). Concomitante, o Paraguai foi suspenso temporariamente do MERCOSUL até que o processo democrático, no caso, as eleições diretas para Presidente, efetive a volta da soberania popular no país, debilitada após o impeachment do Presidente Fernando Lugo. Cabe lembrar, que foi instaurado contra o então Presidente paraguaio Fernando Lugo um golpe branco que, conforme foi noticiado no Jornal B: “Sem apoio parlamentar, Lugo foi derrubado por elites descontentes com a democracia e pelo atraso histórico do processo de politização de um povo que o elegeu presidente sem eleger seu ideário como proposta de país. Lugo foi à presidência sem base no Legislativo, e acabou corrido de seu cargo sem direito à defesa, em um golpe com aparência de instrumento democrático, sim, mas que poderia ser evitado se a emancipação de fato do povo paraguaio estivesse em um ponto mais adiantado, que desse condições de governabilidade ao seu presidente.”(Jornal B, 06.07.2012) O golpe foi perpetrado pela Câmara dos Deputados paraguaia, ao aprovar “a toque de caixa”, na quinta-feira dia 28 de Junho a abertura do processo de impeachment contra Lugo sob o frágil argumento de ser o reflexo de um conflito agrário que deixou 18 mortos - entre policiais e sem-terra - durante a reintegração de posse da fazenda de um empresário ocorrida uma semana antes. Horas depois da aprovação, deputados apresentaram no Senado cinco principais acusações contra o então presidente. A maioria delas se relacionava a ligações de Lugo com movimentos “carperos” (Sem-Terra), ao suposto emprego irregular de militares em ações políticas ou relacionadas à questão da terra, e ao resultado desastroso da reintegração de posse da semana anterior. Lugo e sua equipe tiveram então, apenas e tão somente, 18 horas para preparar uma defesa e duas horas para apresentá-la aos senadores na tarde de sexta-feira no dia 29 de Junho de 2012. No início da noite, um Senado dominado por ampla maioria oposicionista considerou Lugo culpado das acusações por 39 votos a quatro. O conceito de “golpe branco’ é aplicado quando os golpes de Estado se dão de forma legal, isto é, sem uma guerra civil ou revolução a intervir bélica ou militarmente em uma tomada de poder imposta à força”. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 400 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL Minutos depois, seu ex-vice, Federico Franco, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) recebeu a faixa presidencial prometendo respeito às instituições democráticas do país e garantindo que entregará o cargo ao próximo presidente, a ser eleito em 2013. Tensionados por ambos os lados, por causa da crise político-institucional no país, entre os governistas e os movimentos campesinos, os brasiguaios, brasileiros ou filhos de brasileiros nascidos no Paraguai, que ocuparam irregularmente as terras naquele país foram solidários com os golpistas paraguaios, e, simultaneamente, buscaram apoio político ao Senador Álvaro Dias, do PSDB paranaense, para representá-los no Congresso Nacional brasileiro, para que “o governo brasileiro se lembrasse deles”. Sabe-se que, além dos brasiguaios, também participaram, ou foram solidários ao golpe, frações da classe ruralista/latifundiária paraguaia, que fazia vistas grossas à filiação políticoideológica de Lugo, que fazia parte do grupo de estadistas vinculados à esquerda ou á centroesquerda que chegaram ao poder, pela via eleitoral, no início da década de 2000, na América Latina. No dia 23 de Junho de 2012, o novo presidente paraguaio, Federico Franco, disse que aqui não há golpe, tentando demonstrar confiança para conseguir o reconhecimento dos países vizinhos, depois que prometeu a essas nações que restabeleceria o contato com as mesmas no devido momento. Esse anúncio foi realizado em sua primeira entrevista coletiva à imprensa internacional, quando reconheceu a existência de “inconvenientes com a comunidade internacional frente ao julgamento político que decretou o impeachment de Lugo”. Enquanto isso, o ex-presidente Fernando Lugo pronunciou-se a respeito do golpe sofrido, mencionando que os presidentes do Brasil, Argentina e Uruguai “são amigos do Paraguai”, alertando a respeito do risco da volta de um governo ditatorial. Lugo e Franco haviam chegado ao poder em 2008 formando uma aliança que quebrou uma hegemonia de seis décadas do Partido Colorado na Presidência. Mas, a aliança acabou sendo desfeita ao longo do mandato. O apoio do PLRA, que tem a segunda maior bancada no Senado, teve grande influência na aprovação do impeachment. Fatos recentes reforçam as características já divergentes entre os modelos de integração e desenvolvimento existentes na América do Sul, no caso, entre o MERCOSUL e a ALBA, visto que o impeachment de Lugo acirrou a tessitura da geopolítica regional, ao gerar uma crise de legitimidade no Paraguai, um movimento que a Venezuela, principal expoente da ALBA, soube muito bem articular com os demais presidentes do MERCOSUL. Além disso, no que diz respeito à relação entre o MERCOSUL e a ALBA é que a suspensão, sem embargo econômico, do Paraguai pelo Mercado Comum do Sul serviu de oportunidade para a Venezuela compor este bloco econômico. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 401 PEDRO ANTONIO MARTINS Conforme os pressupostos da teoria weberiana (WEBER, 1997), na diferenciação que este sociólogo alemão faz entre legalidade e legitimidade, pode-se dizer que a Venezuela ainda não havia ingressado no MERCOSUL por uma questão do impedimento da legalidade desta incursão, que até então era impedida pelo Paraguai, a contraparte do Cone Sul totalmente refratário à presença bolivariana no Mercado Comum do Sul. Em outras palavras, antes que o fato se consumasse , havia um consenso entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai sobre a aceitação tácita da República Bolivariana da Venezuela no bloco. Esperava-se o momento que se pusesse o dissenso paraguaio em xeque e foi o que aconteceu , quando a situação se inverteu contra este país, que, depois do golpe branco, foi deslegitimado perante as suas partes, seus vizinhos do Cone Sul. O que até então era legítimo, mas não legal, a incursão da Venezuela no MERCOSUL, passaria a partir do golpe de estado paraguaio a ser legal, enquanto que, ainda que deslegitimado, o golpe paraguaio tornava-se, a força, legal. De um ponto de vista pragmático, a incursão da Venezuela no MERCOSUL é bastante interessante para o MERCOSUL, principalmente por conta dos petrodólares, além do potencial energético do Cone Sul ser otimizado, pela associação entre os recursos naturais do subsolo venezuelano e o brasileiro, o que poderá aumentar o poder do bloco econômico do ponto de vista geoestratégico, visto que os petrodólares ainda são uma forte moeda de troca tanto no plano político quanto no econômico. Historicamente, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) - Tratado de Comércio para os Povos, também anteriormente chamada como Alternativa Bolivariana para as Américas consiste em uma plataforma de cooperação internacional embasada em uma proposta de integração social, política e econômica entre os países da América Latina e do Caribe. Ressalta-se que o nome anterior, Alternativa Bolivariana para as Américas, nunca foi casual: ao contrário, pressupõe uma opção em relação do MERCOSUL ou Mercado Comum do Sul que, mais restrito, se limita a uma Zona de Livre Comércio entre as suas partes ou paísesmembros: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, até antes da admissão da Venezuela. A propósito, por causa da licença, por motivo de doença, do Presidente Hugo Chávez do governo, este foi representado por seu Vice, na cerimônia presidida pela Presidente argentina Cristina Kirchner. Kirchner anunciou que a posse da Venezuela será oficializada na cidade do Rio de Janeiro. Prestigiada pela sua aceitação no Bloco, a Venezuela, de forma indireta, teve sua legitimidade reforçada quando foi ao conhecimento público que a UNASUL decidiu suspender o Paraguai. A UNASUL, outro bloco econômico da América do Sul, transferiu a presidência, em caráter temporário, ao Peru. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 402 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL Explicando, a União das Nações da América do Sul (UNASUL), segundo o site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil , é formada por 10 dos 12 países da América do Sul. O tratado constitutivo da organização foi aprovado durante Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de governo, realizada em Brasília, em 23 de Maio de 2008. Ainda, dez países já depositaram seus instrumentos de ratificação, entre eles a Argentina, o Brasil, a Bolívia, o Chile, o Equador, a Guiana, o Peru, o Suriname, o Uruguai e a Venezuela. Os países membros do MERCOSUL e da UNASUL consideraram que o “rito sumário” – conforme a Presidente do Brasil Dilma Rousseff (2012), em menção indireta ao impeachment paraguaio, rompeu com a ordem democrática instituída na região. De outra parte, em Caracas, o presidente venezuelano Hugo Chávez afirmou que: “o ingresso do país no MERCOSUL, após sete anos de espera, representa uma derrota para o imperialismo americano e as burguesias lacaias da região”. Hugo Chávez, afirmou que não reconhece o novo governo do Paraguai, disse que a destituição de Lugo foi um golpe contra a população paraguaia, a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) e que o atual governo é ilegítimo. (BBC Brasil, 29 de Junho de 2012). Os governos da Argentina, do Equador, da República Dominicana e da Bolívia também classificaram a destituição de Lugo como um 'golpe de Estado'. O secretário-geral da UNASUL, Ali Rodrigues Araque afirmou à imprensa brasileira que a comunidade sul-americana está diante de 'uma situação de fato, de um golpe de Estado'. Mais radical, o presidente Chávez indicou ainda que poderá haver sanções contra o novo governo paraguaio por parte dos países da UNASUL. 'Isso não termina aí', afirmou. (BBC Brasil, 23 de Junho 2012). Entretanto, o Itamaraty considerou que não poderia intervir na conjuntura paraguaia, mesmo que fossem solidárias às sanções deliberadas pela UNASUL e pelo próprio MERCOSUL. Esse entendimento se deu a partir da constatação, por parte da diplomacia brasileira, que seria um contrassenso uma guerra contra o Paraguai, porque neste país foi instalada uma base militar, como contraponto á recusa do Brasil em sediar uma base deste tipo. Além desse fator já por si considerável, o golpe branco, patrocinado e financiado pela MONSANTO, uma empresa estadunidense com forte capital francês, levantaria uma contrarreação por parte dos Estados Unidos da América, que veria neste conflito a oportunidade já aguardada de invadir os países do Cone Sul, como o Brasil, a Argentina e o Uruguai – e, a pretexto da defesa do Paraguai (que, por vias indiretas, é a defesa de um território tutelado já pelos EUA, por causa da base militar no Chaco), teria condições de agredir os países que integram o MERCOSUL e, por esta via, expropriar os cofres públicos, o patrimônio público e, sem dúvida, expropriá-los das imensas riquezas naturais do Cone Sul, entre eles, o Aquífero Guarani (que, por sinal, já foi um dos motivos da presença dos Estados Unidos no Paraguai e justificou o golpe branco neste ano). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 403 PEDRO ANTONIO MARTINS O corpo diplomático brasileiro levou em conta a tese realista em Relações Internacionais, no caso, a do autor francês Raymond Aron (ARON, 2002), “de que a paz decorre geralmente da impossibilidade de recursos”. No caso, um conflito entre as forças armadas do Cone Sul contra as do Paraguai (leia-se, dos Estados Unidos da América) trariam consequências desastrosas e, por isso, optou-se por uma “política da boa vizinhança” ou de uma relativa tolerância com o país vizinho. Enfim, por causa do bom senso do ITAMARATY, a UNASUL considerou que é melhor ter o Paraguai como associado do que tê-lo como inimigo. Na possibilidade de ocupação, pelos EUA, dos territórios do Cone Sul, estaria em jogo, além do patrimônio natural, os recursos energéticos, sendo o caso mais imediato o da Usina de Itaipu, a hidrelétrica binacional que abastece boa parte do Brasil e o Paraguai. Para complicar ainda mais o quadro, no que diz respeito ao potencial energético do MERCOSUL, este foi potencializado/maximizado/otimizado com a entrada da Venezuela, que por sua vez conta com as reservas de seus campos de petróleo. Conforme a tese de Humberto Tròmpiz Valles: “Sin embargo, el imperialismo por necesidad estructural requiere energía fósil barata del mundo subdesarrollado, y por lo tanto, en el presente se ha propuesto liquidar las soberanías nacionales periféricas , por lo que las luchas por la liberación nacional siguen estando en la agenda histórica de los pueblos tercermundistas; y sobre todo, cuando la renta del suelo que el capital imperialista había eliminado en las economias metropolitanas, le resucitó en las economía periféricas con tanta energía que amenaza con ser uma de las fuerzas enterradoras del capital como relación social. (MOMMER.2003.P.273). Valles apresenta um resumo histórico do processo da soberania petrolífera venezuelana visto a partir da origem e destino da renda da terra, gerada por esse recurso natural. O autor também acrescenta que o petróleo era a matéria-prima que iria mover o aparato militar dos países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que impulsionaria as economias capitalistas avançadas. (VALLES, p.01-02). O autor supracitado tem a tese, corroborada pelo campo, de que: “el petróleo como arma política en las relaciones internacionales” (VALLES, p. 07). E, principalmente, uma arma contra o imperialismo. O autor identifica que entre 1976 a 2001 a Venezuela, ao contrário desta política antiimperialista, se rendeu aos petrodólares: Entre 1976 y 2001, la historia petrolera venezolana entró en su segunda etapa, a la que denominaremos periodo de la Industria Nacionalizada/Desnacionalizadora. Fueron estos los años aciagos para la soberanía petrolera nacional, pues, el nacionalismo petrolero que comenzó a cimentarse desde los tiempos de Pedro Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 404 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL Manuel Arcaya y Gumersindo Torres, Manuel Egaña, Rafael Pizani, pasando por Juan Pablo Pérez Alfonzo, Valentín Hernández y Hugo Pérez La Salvia, fue borrado del mapa por una camarilla de gerentes enquistada en PDVSA, ideológicamente trannacionalizada y que se propuso como objetivo magno, separar a la empresa estatal criolla de su estado propietario para ponerla al servicio del gran capital foráneo y de la oligarquía venezolana. Los grandes logros obtenidos por la soberanía petrolera en sus primeros sesenta y cinco años de existencia fueron cercenados con las tijeras del llamado neoliberalismo, santificado por el Consenso de Washington y de la Apertura Petrolera. (VALLES, ano, p. 11). Ainda para entender os acontecimentos durante o período em que estamos abordando, é necessário citarmos a situação do capitalismo mundial que, permeado por uma crise estrutural, resultou numa grande queda na taxa de lucro dos países mais desenvolvidos, influenciando também a situação financeira da OPEP. Para enfrentar esse quadro caótico, a Comissão Trilateral ditou uma série de diretrizes político-econômicas a serem seguidas, e dentre elas se destacaram: 1.-Iniciar una guerra contra el trabajo asalariado a nivel mundial para acabar con el Estado de Bienestar y elevar la tasa de ganancia. 2.-Sustituir el credo keynesiano por la libertad extrema para los mercados y el capital, o sea el neoliberalismo y globalización. 3.-Acceder a las fuentes petroleras del Tercer Mundo a través de los siguientes expedientes: a) Crear la Agencia Internacional de Energía para acabar con la OPEP; b) Recolonizar los países petroleros a través de la invasión militar o capturando sus empresas petroleras nacionalizadas; c) Sembrar la consigna ideológica que los recursos naturales de la Periferia son Patrimonio Común de la Humanidad, por lo tanto, ningún Estado-nación puede cobrar renta del suelo sobre lós mismos y d)Ataque directo a las soberanía estatal, imponiendo mecanismo jurídicos y políticos supranacionales. (VALLES, ano, p. 13). O quadro começaria a se inverter em fins dos anos 90, o que coincide, segundo Valles, com: Lo paradójico de la privatización petrolera, fue que su puesta en acción ocasionó un resultado paradójico para sus protagonistas: por una parte en la conciencia popular se fue anidando la llamada antipolìtica, o sea un sentimiento de rechazo a la partidocracia puntofijista, y de la otra, del seno del ejército surgió una propuesta petrolera anti-neoliberal, estatizadora y nacionalista que el pueblo abrazó y comenzó a tomar cuerpo en 1998 con la llegada del Comandante Hugo Chávez al poder, utilizando las armas electorales de la Cuarta República. A revolução Bolivariana, segundo Valles, não poderá ser entendida sem uma interpretação do pano de fundo que a envolveu. Segundo o autor, faziam parte desse pano de fundo, rupturas históricas - a queda do chamado socialismo real, a crise da civilização capitalista e o colapso do Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 405 PEDRO ANTONIO MARTINS capitalismo na Venezuela. Já em relação à Venezuela, na década de 70, a situação econômica chegou ao ponto em que os produtos provenientes de atividades econômicas nacionais eram extremamente caros, principalmente para a camada dos trabalhadores. O mercado externo não era a solução, pois o nível competitivo de suas mercadorias esbarrava em sua baixa produtividade do sistema de produção. Esto unido a la quiebra fiscal del Estado –decretada por PDVSA- reventó en El Caracazo de 1989 con miles de muertos de por medio. La consecuencia política de todo esto fue la captura de un líder por um pueblo que deseaba restablecer lo mejorcito del Estado de Bienestar que adecos y copeyanos habían mandado al pote de la basura de la historia. El Comandante Chávez permeado por la ideología del MVR-200 llegó al poder con la idea de una Venezuela rica en recursos naturales, pero saqueada por políticos corruptos que le negaban el pueblo lo que legítimamente le correspondía. A fin de solventar la deuda social de este sufrido pueblo, la solución econômica pasaba por rescatar a PDVSA del laberinto privacioncita en la que la habían metido lós meritòcratas. A tal efecto, desde el 2001 se comenzó a impulsar una política petrolera de signo totalmente contrario a la de la Apertura anterior, recogiendo los grandes logros que en materia de soberanía petrolera nos había legado nuestra historia desde los tiempos del gomecismo. Por consiguiente, la política petrolera bolivariana, entendida como el tercer gran periodo de nuestra historia hidrocarburera -conocida también como la Plena Soberanía Petrolera- , va a tener lãs siguientes variables estratégicas: 1.-Eliminar el Estado-PDVSA y someterla de nuevo al control de la nación. Soberanía política; 2.-Defensa a ultranza del valor del recurso natural por encima de la tasa de ganancias del capital. La consigna será preciso sí, volúmenes no; 3.-Elevar la renta petrolera a su máxima expresión a través de la regalía y los impuestos. Soberanía impositiva; 4.-Una nueva legislación petrolera que imprima el carácter rentista del nuevo régimen petrolero en lo contractual y lo fiscal; 5.-Defensa de la OPEP y con la intención de crear una Super-OPEP; 6.-Rescate de la soberanía jurídica. Las controversias en la cuestión petrolera se dirimirán en tribunales nacionales; 7.-Utilizar el petróleo como arma geopolítica tendiente a obtener apoyo político para la Revolución: PETROCARIBE, Alba, UNASUR, la Carta china, etc; 8.-En cuanto a la distribución de los proventos petroelros: PDVSA y la renta petrolera deben estar al servicio de las clases humildes del país. Consigna: sembrar el petróleo en el pueblo trabajador a través de las misiones sociales. (SUTHERLAND.2011). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 406 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL O autor também explicita que a distribuição das receitas do petróleo tem por objetivo pagar a imensa dívida social que o Estado tem para com as massas trabalhadoras do país. E que todas essas importantes conquistas político-sociais da revolução bolivariana, foram alcançadas com o apoio do “civis” – que acompanharam Chávez desde sua passagem pela Academia Militar – e da corrente socialdemocrata dos militares (VALLE, p. 13-14). Este pequeno intercurso foi necessário para situar a Venezuela na atualidade, dentro do plano tanto doméstico quanto estratégico regional diante do quadro regional de disputas ideológicas, visto que, para (ARON 2002), o debate passa também pelas questões ideológicas , que, por sua vez , passa pelo plano discursivo e pelo das representações simbólicas , como esclarece (Jair Pinheiro 2011). Além do risco da invasão estadunidense e da desestabilização estrutural dos EstadosNação que compõem o Cone Sul, no jogo geopolítico hemisférico, os Estados Unidos da América poderiam muito bem “oferecer” a ALCA – Área de Livre Comércio das Américas - como alternativa à provável reconstrução e reabilitação das áreas sitiadas. E, pior, em certo sentido, a ALCA poderia ser apresentada como a “alternativa à alternativa” (no caso, tanto à ALBA quanto ao MERCOSUL ). A Venezuela, muito mais do que os países do MERCOSUL, representa, na América do Sul, a ascensão ao poder de novos governos de esquerda e, como referem autores como (Javier A. Vadell et al 2009): “questionamento das políticas e reformas pró-mercado ocorridas no início do século XXI”. Nesta conjuntura apontada pela literatura latino americanista, a transição do governo de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira -, para o de Luís Inácio Lula, do PT- Partido dos Trabalhadores , quando “a esperança venceu o medo” , parafraseando o slogan da campanha petista, pode ser inserida dentro da referência de Javier A. Vadell e seus coautores. Da mesma forma, sob esse raciocínio, a eleição de Néstor Kirchner na Argentina em 2003, após a quebra do país em 2001 e depois do governo de transição de Eduardo Alberto Duhalde, pode significar a efervescência político-partidária que possibilitou a chegada ao poder, pela via eleitoral e democrática, de vários presidentes vinculados à esquerda e à centroesquerda. O Brasil, defendendo, também, os seus interesses como liderança regional na América do Sul, liderou uma missão de chanceleres sul-americanos enviada ao Paraguai. A viagem se baseou em um protocolo da UNASUL que dá aos seus membros a possibilidade de impor sanções a um país em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática. (Folha de São Paulo on line, 07 de Outubro de 2012). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 407 PEDRO ANTONIO MARTINS Um dos artigos do “Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL Sobre Compromisso com a Democracia” prevê como sanção o fechamento das fronteiras com o Paraguai, o que não se efetivou no plano concreto, pelas considerações que o Itamaraty teve em relação à possível represália, por parte dos Estados Unidos da América, caso o MERCOSUL, a UNASUL tomassem posições mais radicais em relação ao Paraguai golpista.1 A ALBA, em um grau maior do que o MERCOSUL pode ser o veículo em que esses governos de esquerda e de centro-esquerda retomem como Estado, a responsabilidade enquanto instituição social, recuperando a soberania perdida para a lógica de mercado que foi hegemônica na década de 1990. O MERCOSUL tem uma orientação básica limitada à integração econômica, e, diferente de outros blocos econômicos, como a Zona do Euro, ainda não conta com uma união econômica e monetária. A integração econômica do bloco sul-americano contempla a liberalização dos mercados regionais (MERCOSUL, 2011): 1) A livre circulação de bens, serviços e bens de produção entre os países, através , entre outros, da eliminação dos direitos aduaneiros e restrições alfandegárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida equivalente. Segundo Samuel Pinheiro Guimarães (2012), diplomata brasileiro, o MERCOSUL nasceu em 1991 sobre a base de governos neoliberais. Os que assinaram o Tratado de Asunción foram Carlos Menem, Fernando Collor de Mello, Andrés Rodríguez e Luis Lacalle, presidentes de governos tipicamente neoliberais, que pensavam na integração regional como um instrumento prévio à integração aberta com o mundo, ou seja, para a globalização. Ainda de acordo com Pinheiro Guimarães: “o regionalismo aberto é como um casamento aberto. É um contrassenso, porque os acordos de livre comércio com terceiros obviamente destruiriam o MERCOSUL em razão das tarifas zero. O casamento aberto implica que não há preferência. Isso dissolveria o MERCOSUL. Por isso ele tem que ser transformado em um instrumento de desenvolvimento industrial dos quatro países.” (Carta Maior, 30/01/2012). Ao comparar o MERCOSUL com outros blocos regionais, Samuel Pinheiro Guimarães refere que em qualquer sistema de integração os países maiores se beneficiam mais, mas deve haver mecanismos de compensação através da infraestrutura. A visão atual do MERCOSUL ainda é de livre comércio. E essa visão choca com alguns exemplos da própria realidade. No comércio entre Brasil e a Argentina, 40% é automotivo, e não se trata de um 1 Acessar link: http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/comunicado-da-uniao-denacoes-sul-americanas-unasul-sobre-a-situacao-no-paraguai/?searchterm=Protocolo%20Adicional%20ao%20 Tratado%20Constitutivo%20da%20Unasul%20Sobre%20Compromisso%20com%20a%20Democracia Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 408 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL intercâmbio surgido do comércio livre. É feito por multinacionais, não por empresinhas nacionais. Assim a produção é organizada. Para ele, terminar com essa visão é urgente, mais ainda por causa da ofensiva chinesa. Enfático, Pinheiro Guimarães diz: “o livre comércio não leva ao desenvolvimento. Leva à desintegração.” (Carta Maior, 30/01/2012). Até recentemente, o alinhamento básico no MERCOSUL era entre o Brasil e a Argentina, em uma relativa disputa por hegemonia regional, enquanto que na ALBA o protagonismo, no sentido claro, seria da Venezuela e de Cuba, pelos projetos em comum com um novo Bolivarismo em processo e substanciado pela eleição de vários governos de esquerda ou de centro-esquerda na América do Sul e Latina e que abriu possibilidades de uma convergência político e ideológica ímpar. Entretanto, mesmo antes da adesão da Venezuela ao MERCOSUL, tanto o Brasil quanto a Argentina não partilhavam desse novo Bolivarismo, possivelmente como fruto das duas décadas de criação do MERCOSUL. Essencialmente, ambos, MERCOSUL e ALBA, tiveram basicamente o mesmo modelo de fortalecimento regional, entretanto, enquanto o MERCOSUL teve uma orientação de fortalecimento econômico frente aos países centrais como os Estados Unidos, o Bloco Europeu, os Tigres Asiáticos (capitaneados pelo Japão ou pela China), no novo paradigma produtivo, a ALBA diverge essencialmente do Mercado Comum do Sul, por ter um projeto mais radical para além da economia, associando o campo econômico, comercial, das trocas, ao intercâmbio cultural, social e político, em uma integração inter-regional, em um “Panamericanismo” feito pelos sul e latino-americanos e não por estadunidenses que impõem uma “integração” via NAFTA - Tratado Norte-Americano de Livre Comércio e a ALCA – Área de Livre Comércio entre as Américas, como reelaborações da Doutrina de Monroe. A ALBA, bolivarista, tem um projeto de solidariedade entre as nações latino-americanas e caribenhas, enquanto que o MERCOSUL está circunscrito à ideia de bloco econômico. Não há um consenso a respeito de quem foi o “pai” da Aliança Bolivariana, se foi o ex-presidente cubano, Fidel Castro (que foi substituído pelo irmão Raúl) ou se foi pelo presidente venezuelano licenciado, Hugo Rafael Chávez Frias. Enquanto a ALBA se vincula à cooperação e a solidariedade entre os países sul e latino-americanos e caribenhos como via de enfrentamento do imperialismo norte-americano, principalmente, o MERCOSUL, como bloco econômico, busca na cooperação entre os países-partes, ainda que sob a defesa frente a mercados (e não a imperialismos), entre eles, o estadunidense, o europeu e o chinês e japonês, não tem como projeto uma vanguarda de rompimento com a macroestrutura; ao contrário, o projeto do Mercado Comum do Sul é francamente de integração à grande economia capitalista mundial, em uma estratégia de sobrevivência como mercado regional. Em suma, enquanto a ALBA tem como um de seus Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 409 PEDRO ANTONIO MARTINS pressupostos a integração e a cooperação, o MERCOSUL tem em suas bases mais a associação, ainda que justificada por uma cooperação, que,no caso, se restringe ao campo econômico. Como foi referido pelo diplomata (Samuel Pinheiro Guimarães 2012), ainda que sob outros termos, o MERCOSUL é claramente (neo)liberal e a ALCA se coloca como uma alternativa à uma instituição que teria sido uma alternativa histórica à América do Sul . Entretanto, paradoxalmente, a reinterpretação dada por Chávez e por Castro a Simon Bolívar é curiosa, visto que o “Libertador” foi um representante, na América Latina, das Revoluções Liberais que grassavam na Europa do século XIX, por sua vez, modeladas pela Revolução Americana de 1776. Antes de desmerecer a ALBA pelo fato, é possível compreender a dinâmica que envolve nomes como o de Simon Bolívar e que o catapultaram ao plano do mito, de herói nacional. Obviamente, nem Hugo Chávez tampouco Fidel Castro apoiariam suas causas – e a de seus países – em bases liberais, mesmo que sob um modelo republicano. Em termos gerais, o propósito da ALBA se explica no fortalecimento das naçõesmembros, já que a maioria delas, isoladas, não tem o peso sociopolítico e econômico suficiente para garantir uma mínima soberania ou autonomia reais (e não nominais) diante das potências europeias e a estadunidense. Se a Argentina e o Brasil fizessem parte da ALBA, ambos os países seriam, relativamente, exceções à regra, em uma posição um pouco melhor do que os outros, quando comparados aos países-membros da Aliança Bolivariana, por conta do lugar dos mesmos, enquanto estados periféricos de uma região periférica, no caso, a América Latina e o Caribe. No portal/site da ALBA, ela é referida como: “projeto histórico de Simon Bolívar na unidade Pátria Grande para garantir ao povo a maior estabilidade possível, a maior quantidade de segurança social e a maior quantidade de estabilidade política”. Na “geografia periférica” regional, o Brasil, por seu tamanho e seu parque industrial – internacionalizado e dependente – “faria a diferença”, no campo das relações internacionais e a Argentina também, mesmo essa nação não tendo os recursos produtivos, o prestígio no campo da diplomacia (abalado ainda mais este ano pelo ressurgimento do conflito com a Inglaterra por causa das Ilhas Malvinas), enfim, diferencial que o Brasil atualmente possui. Ainda assim, se comparada com as inúmeras repúblicas latino-americanas, a Argentina tem um peso político e econômico que as outras não têm. Portanto, a ALBA, como articulação entre Estados interna e externamente vulneráveis e fragilizados diante dos Estados desenvolvidos, agiria como agente de solidariedade e coesão regional e estrutural, em uma concentração de forças e de poder, o que possibilitaria uma maior mobilização e autonomia dessas nações latino-americanas e caribenhas. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 410 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL Além da cooperação e da solidariedade, poderia haver a agregação, em graus diferenciados, mas complementares e interdependentes, as potencialidades de cada nação latino-americana, de recursos naturais aos fatores produtivos como ciência e tecnologia, o que poderia formar uma rede tecnológica, fundamental para a maioria dessas nações que ainda têm como economia bases agropecuárias ou mesmo extrativistas. Tomando como ponto de partida a integração tecnológica, outro caminho, enquanto possibilidade estratégia seria o compartilhamento de uma rede de segurança militar, como a defesa da Amazônia, por exemplo, visto que muitos desses países carecem de recursos para formar um bom Exército. Na disputa por hegemonia que se daria, entre a ALBA e os países desenvolvidos, credores, os latino-americanos poderiam criar e sancionar regras organizadoras em comum, inclusive para a vida civil, diferente do que existe no MERCOSUL e se encontra em processo, ou se encontrava até antes da crise financeira atual, na Zona do Euro (ainda que a tese de “fim das fronteiras” europeias seja, em uma última instância, exclusiva aos europeus, visto que os imigrantes africanos, entre outros, tem sido vítimas da nova xenofobia europeia, fomentada pelo ressurgimento de partidos de extrema-direita no continente). Da análise da atuação governamental brasileira nessas quase duas décadas de existência do MERCOSUL, entende-se que este serve como um bloco estritamente econômico e produtivo, de livre trânsito de mercadorias e produtos e não um processo que implique em uma cooperação latino-americana pode-se explicar as razões do ingresso e permanência do país no Mercado Comum do Sul e não à ALBA, que tem uma perspectiva maior de “identidade” latino-americana, sob a retomada da discussão da importância da incorporação da política industrial atrelada à nacionalização de indústrias e de recursos estratégicos junto ao protecionismo. Antes da Venezuela, Cuba, em 2005, deu um passo em direção à integração do MERCOSUL, ainda no governo Luís Inácio Lula da Silva. O processo despertou uma quixotesca queixa da mídia nacional, em especial a revista Veja, do Grupo Civita, que não poupou, sob um discurso de racionalidade econômica, de que a “ilha” seria insignificante, em termos econômicos e comerciais para o bloco, o que acabou impedindo a vinculação da Cuba de Fidel ao Mercado Comum do Sul. A Venezuela, por sua vez, dispõe de um know-how industrial, tecnológico muito superior ao país caribenho, devido à sua base petrolífera de sua economia o que, consideravelmente, terá muita importância ao parque industrial e produtivo do Mercosul, bem como possibilitará à Venezuela outras zonas de escoamento de seu petróleo , além dos “imperialistas” norteamericanos. Cuba preferiu o ingresso à ALBA e integrar-se com os outros oito países-membros, entre eles a Venezuela, a Bolívia, a Nicarágua, a Comunidade da Dominica, Honduras, São Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 411 PEDRO ANTONIO MARTINS Vicente e Granadinas, Equador e Antígua e Barbuda, enquanto que o MERCOSUL atualmente conta com a composição do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela, e tendo como países associados Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. O MERCOSUL pode ser compreendido nessa lógica maior de busca melhores índices de competitividade em tempos de globalização e de reformas neoliberais em curso desde o início dos anos 90. No entanto, o Brasil perde a oportunidade de efetivar em termos regionais a sua liderança na América Latina, se aceitasse partilhá-la com a Venezuela e com Cuba, por exemplo. Não obstante, a não adesão do Brasil à Aliança Bolivariana pode também ser explicada pela falta, no país, da cultura ou tradição do Bolivarismo como “mito fundante” nacional. A ALBA tem mostrado o protagonismo de Cuba e da Venezuela em sua articulação e adensamento, porém, na atual conjuntura, com a doença de Fidel Castro e o seu afastamento do poder, ficando em seu lugar o irmão Raul, bem como a doença de Hugo Chávez e a proximidade das novas eleições na Venezuela, pode por em risco as conquistas alcançadas por suas lideranças locais e regionais. De quebra, a possível falta de herdeiros políticos à altura de seus respectivos carismas pode pôr em risco a construção da ALBA como uma instituição alternativa aos acordos unilaterais como a ALCA ou aos paradigmas liberais representados pelo MERCOSUL. Além disso, o recente golpe de Estado perpetrado no Paraguai, ao tempo em que propiciou a entrada da Venezuela no MERCOSUL, pode impedir, no médio e longo prazo, o reforço da ALBA, pela posição conservadora e já flagrantemente reacionária do presidente Federico Franco. E, se até então um dos desafios de Hugo Chavéz, além do golpe branco paraguaio, foi o enfrentamento da doença e o tratamento da mesma, o presidente venezuelano, ao menos até a conclusão deste artigo, tem em seu horizonte o desafio eleitoral, pelas eleições venezuelanas no dia 07.10.2012, um processo que irá confirmar a legitimidade, o carisma, o prestígio e a força da liderança chavista no seu próprio país. Paradoxalmente, o mesmo processo político-democrático, a via eleitoral, que o levou ao poder no início do século XXI, pode não reeleger, podendo dar lugar ao retorno às forças conservadoras, neoliberais, representantes dos lobbies transnacionais, principalmente do lobby petroleiro, sequioso da liberação do mercado venezuelano, alvo da ALCA e de outras posições “cosmopolitas”, contrárias à soberania do Estado-Nação. Por conta de todo este panorama, não é apenas o Bolivarismo venezuelano (e cubano), aliás, que está em risco: a própria constituição e fortalecimento da ALBA no plano hemisférico pode sofrer um retrocesso, duplamente tensionada pela derrocada da democracia no Paraguai e pelo retorno de uma “democracia” de cunho liberal e burguês na Venezuela, que pode questionar, junto com o Paraguai, a presença da Venezuela no MERCOSUL. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 412 ALBA E MERCOSUL: UMA RELAÇÃO PARADOXAL Em outras palavras, a “ideia-força” de democracia (conforme os termos de PINHEIRO 2011), é ambígua e contraditória, visto que, a um só tempo, a supressão da democracia paraguaia põe em risco o MERCOSUL, e o retorno de uma democracia, ou ao menos de um ideal neoliberal de democracia, na Venezuela, põe em xeque, a um só tempo, a ALBA, o Bolivarismo, o MERCOSUL, em síntese, a capacidade da América do Sul em se integrar e trabalhar sob um plano de cooperação e compartilhamento de sentidos, de práxis, para além da associação por interesses. CONSIDERAÇÕES FINAIS Da análise entre o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul e a ALBA- Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América é possível identificar muito mais ponto de assimetria e mesmo de conflito entre ambos os projetos, do que pontos em comum. Isto porque, enquanto o MERCOSUL é um bloco econômico que visou, desde o seu início, à integração econômica do Cone Sul – originalmente constituído pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai -, a ALBA se constitui em um devir histórico que busca a cooperação entre os países latino-americanos e caribenhos. Enquanto o MERCOSUL é uma resposta neoliberal à globalização, que liberou o mercado sul-americano a partir dos anos 90, a ALBA busca a somatória de forças, de poder político, estrutural, enfim, o adensamento de sua representação, enquanto bloco, diante do sistema internacional, conforme o quadro analítico de Raymond Aron. Entretanto, o dissenso no plano regional latino-americano é intenso, pois desde 2006, quando foi anunciado que a Venezuela seria integrada ao MERCOSUL, o Paraguai, ou melhor, as elites paraguaias representadas no MERCOSUL logo demonstraram oposição. E, além da resistência paraguaia, o Brasil, a Argentina e o Uruguai não partilham necessariamente da ideiaforça do Bolivarismo, defendido por Fidel Castro e Hugo Chávez. Mas eis que no dinamismo político e social da América Latina, no Paraguai um golpe branco depôs o Presidente Fernando Lugo, colocando no governo seu vice, Federico Franco. Mas o golpe não foi visto com bons olhos pelos países do MERCOSUL, que, apoiados pela UNASUL, suspenderam o Paraguai das instâncias decisórias do bloco econômico. Na cidade de Mendoza, Argentina, em Julho passado, em uma reunião do MERCOSUL foi anunciada a entrada da Venezuela no bloco econômico, uma entrada que finalmente aconteceu por causa do afastamento do Paraguai do bloco. Nos termos de Max Weber, se antes a possibilidade da entrada da Venezuela no MERCOSUL era legítima, mas não legal (por conta da resistência paraguaia), o quadro foi invertido, sendo a Venezuela legitimada em sua admissão no bloco econômico e o Paraguai, Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 413 PEDRO ANTONIO MARTINS ainda que com sua situação legalizada, esta estava deslegitimada diante dos outros países-sócios. A reeleição de Hugo Chávez em Outubro de 2012 tirou do campo das incógnitas as questões a respeito de um sucessor político, da permanência e continuidade da ALBA como uma iniciativa de que os vários Estados-Nação latino-americanos retomem a via do desenvolvimento, tomando para si a centralidade, o protagonismo destas investidas. Daí decorre uma das resistências à ALBA vindas do MERCOSUL, pois este bloco econômico não tem como pauta a soberania dos Estados-Nação que o compõem; ao contrário, a agenda econômica (e economicista) considera apenas os mercados e os consensos (mínimos) entre taxas alfandegárias comuns entre os países, aliás, os mercados componentes do Mercado Comum do Sul. Para o Brasil, que já é membro dos BRICS, a entrada da Venezuela no MERCOSUL agrega valor no campo energético, por conta dos petrodólares. Entretanto, até antes de sua entrada no Mercado Comum do Sul, a Venezuela, aliás, Hugo Chávez tinha/teria na ALBA um ideal de integração e cooperação social, cultural, geopolítico e geoestratégico, pois, no xadrez das relações regionais, a Argentina e o Brasil também representariam fortes aliados à Venezuela e a Cuba, por causa da dimensão territorial brasileira e argentina, bem como o parque industrial/ produtivo dos dois países do Cone Sul. Outro dado problemático é que no próprio MERCOSUL há assimetrias, dissensos entre a Argentina e o Brasil e que precisam ser resolvidos, principalmente diante da conjuntura que se apresenta contemporaneamente: a suspensão do Paraguai anti-democrático, a entrada da Venezuela no bloco econômico e a presença da Venezuela – e de seus petrodólares – tanto no MERCOSUL quanto na ALBA (e , de quebra, com a ALBA, a solidariedade com Cuba e o regime dos irmãos Castro), que, por sua vez, dadas as características anti-imperialistas , principalmente refratárias aos Estados Unidos da América, podem desestabilizar as relações internacionais entre o MERCOSUL e os EUA , tanto em sua totalidade enquanto bloco, quanto nas relações bilaterais de cada um destes países, Argentina e Paraguai, com os Estados Unidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBA - Aliança Bolivariana para as Américas. Disponível em <http://www.alianzabolivariana. org> Acessado em 25 de Junho de 2012, às 10:00 hrs. ARON, Raymond. 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Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 415 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA Rodolfo Sanches Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Resumo: O presente texto buscar discorrer sobre períodos característicos das realidades nacionais, cuja especificidade se dá em sua importância para a transição às relações sociais de produção capitalistas. Demonstrados os casos brasileiro e chileno, evidencia-se a correlação existente entre as formas com que o processo ocorreu. Tais realidades nacionais expõem elementos para captar a sua expressão “não clássica” no trato dado à inserção capitalista. Palavras-chave: Brasil; Chile; Vias “não clássicas”. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 416 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA INTRODUÇÃO O tema que será estudado no presente artigo é muito caro à esquerda brasileira e também à esquerda de maneira generalizada. Quando tratamos de fazer análises de conjuntura, ou uma "imagem do Brasil" nas palavras de Carlos Nelson Coutinho, temos que nos deter em inúmeros aspectos para delimitar os pressupostos teórico-metodológicos da referente análise e as possibilidades históricas decorrentes da mesma. Assim como o próprio Carlos Nelson expõe, também será levado em conta que esta construção deve levar em conta todas as dimensões do tempo histórico: passado, presente e futuro. Um olhar crítico para o passado possibilita uma análise contundente e coerente do presente, que, por sua vez, condiciona projetar (mais ou menos coladas com a realidade) hipóteses para um futuro de curto, médio ou longo prazo. De maneira geral, podemos concluir que as leituras da realidade podem estar vinculadas à projetos distintos. Teses como as Oliveira Vianna e Gilberto Freyre possuem um caráter conservador pelo interesse em manter os predicados do status quo da sociedade brasileira da época. Agora, teses como as de Caio Prado Jr. e também de Florestan Fernandes assumem um tom crítico à sociabilidade capitalista e, portanto, buscam evidenciar contradições para incitarem a necessidade de mudanças estruturais. Ademais das contribuições de Caio Prado e Florestan Fernandes serem revolucionárias por questionarem o presente via análises do passado, ambos possuem divergências em suas formulações. O fator convergente era a intensa crítica à leitura feita pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) decorrente das teses do VI Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1928, que acaba gerando posições equivocadas por transferir ao movimento comunista internacional uma leitura generalizada dos condicionantes históricos e as táticas e estratégias de supressão dos resquícios feudais ou coloniais. Tanto Florestan quanto Caio Prado, eriçam suas formulações abalizadas na idéia de que o Brasil já havia feito sua revolução democrático-burguesa - diferentemente da leitura da grande maioria do PCB -, ao seu modo, mas feito. Ambas as indicações feitas tem proximidade teórica com as leituras feitas por Lênin sobre a situação agrária na Rússia em 1907 e do filósofo sardenho Antonio Gramsci detendo-se sobre o Il Risorgimento. Ficou conhecida a primeira tese como "via prussiana" e a segunda como "Revolução Passiva". Ambas sugerem que o processo de entificação do capitalismo não é, e nem pretendeu ser, um modelo abstrato e, portanto, único e genérico. Em contrapartida, asseguram que as diferentes formas de inserção do capitalismo e ao capitalismo podem ocorrer de variadas maneiras. Partem, por suposto, do materialismo histórico e dialético, buscando compreender as relações sociais específicas em cada particularidade (país), contrapondo-se a leituras mecanicistas e etapistas (fruto de uma grande influência do positivismo) que excluem possibilidades concretas de leituras particularizadas. Ainda que deste modo, ambas as leituras não perdem a dimensão do todo, por isso é que conseguem sistematizar sinteticamente diferentes formas de constituição do capitalismo. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 417 RODOLFO SANCHES Assim como será exposta a análise feita por Florestan sobre a Revolução Burguesa no Brasil, analisaremos o caso chileno, em especial a segunda metade do século XX, tendo sempre como norte a noção de Revolução Passiva. Na conclusão apontaremos algumas aproximações teóricas, fruto da particularidade em que ambos os países estão inseridos no que tange à solidificação das relações sociais capitalistas de produção. REVOLUÇÃO BURGUESA NO BRASIL: CAPITALISMO DEPENDENTE E DOMINAÇÃO BURGUESA AUTOCRÁTICA Florestan Fernandes foi, sem dúvida, um dos mais coerentes e contundentes críticos da sociabilidade capitalista no Brasil. Suas análises caminham no mesmo sentido proposto por Lênin e por Gramsci, isto é, na direção de uma via "não clássica" de transição ao capitalismo1. Lênin se distancia das concepções evolucionistas e unilineares da Segunda Internacional ao promulgar suas idéias de transição não clássicas. No entanto, suas indicações inferem em uma diferenciação dada pela forma como o capitalismo (no país em questão) resolve os problemas agrários, pois "o próprio capitalismo cria para si as formas correspondentes de relações agrárias, partindo das velhas formas de posse da terra [...]."2 (LENIN, 1980, p. 63) Já o filósofo sardenho, cunhou o termo "Revolução Passiva" para delinear um tipo não clássico de transição ao capitalismo. Em suas análises sobre a unificação do Estado nacional italiano, Gramsci, pondera sobre a predominância dos acordos "pelo alto". O fato conhecido como Risorgimento é exposto por Carlos Nelson como um momento em que "as massas, desorganizadas e reprimidas, fazem sentir sua presença, mas sobretudo através de movimentos sem incidência efetiva, algo que Gramsci chamou de 'subsersivismo esporádico e elementar'. E um dos modos pelos quais as classes dominantes quebram a resistência à sua dominação, além naturalmente da repressão aberta, é a cooptação das lideranças dos grupos opositores - um processo que o pensador italiano chama de 'transformismo'" (COUTINHO, 2011, p. 210) Desta maneira, ambos os pensadores, acabam por cunhar a característica das vias não clássicas como a adaptação ao capitalismo (progresso) e a manutenção do poder político (conservação). Estes dois momentos do mesmo processo histórico são parte inerente. O pensador brasileiro, quando desenvolve suas idéias no livro Revolução Burguesa no Brasil (RBB), traz à tona uma série de informações e leituras inovadoras que nos dá elementos para pensar a simetria entre a teoria e realidade. Inicia suas ponderações afirmando que o período 1 Enfatiza dizendo: "Não é intrínseco ao capitalismo um único padrão de desenvolvimento, de caráter universal e invariável." (FERNANDES, 2005, p. 261) 2 Continua dizendo: "Na Alemanha, a transformação das formas medievais de propriedade agrária se processou, por assim dizer, seguindo a via reformista, adaptando-se à rotina, à tradição, às propriedades feudais, que se foram transformando lentamente em fazendas de Junkers (...). Nos Estados Unidos, a transformação foi violenta (...). As terras foram fracionadas; a grande propriedade agrária feudal se converteu em pequena propriedade burguesa." (LENIN, 1980, p. 63) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 418 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA de transição do Império para a República é importante, pois ali se encontra os germes do poder burguês e de sua dominação. Portanto, partir da concepção de Revolução Burguesa para Florestan é nosso ponto primeiro. Ele assim a define como "um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticos que só se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial." (FERNANDES, 2005, p. 239) Segundo Fernandes, a burguesia no Brasil não promoveu transformações estruturais, seja em extensão ou profundidade, pois as mais variadas frações da classe dominante mantiveramse contrapostas, facilitando para que a transição capitalista fosse mediada pela oligarquia "tradicional"3 e "é dessa debilidade que iria nascer o poder da burguesia porque ela impôs, desde o início, que fosse no terreno político que se estabelecesse o pacto tático (por vezes formalizado e explícito) de dominação de classe." (FERNANDES, 2005, p. 240) Neste sentido, a burguesia não assume seu papel histórico de ser a condutora da modernidade - comprometendo-se só com o que lhe parecia vantajoso - e aproveita da desigualdade e heterogeneidade para pautar suas vantagens seja pelo atraso ou pelo avanço. A oligarquia, portanto, pode se utilizar das condições legais para enfrentar o momento histórico que estava por vir, modernizando onde fosse inevitável e expandindo para onde fosse possível. "Por isso, não era apenas a hegemonia oligárquica que diluía o impacto inovador da dominação burguesa. A própria burguesia como um todo (incluindo-se nela as oligarquias) se ajustara à situação uma linha de múltiplos interesses e de adaptações ambíguas, preferindo a mudança gradual e a composição de uma modernização impetuosa, intransigente e avassaladora." (FERNANDES, 2005, p. 241) Ademais, tem o aspecto sociodinâmico da burguesia - já demarcado por Florestan (p. 241) - que é oriunda de um estreito mundo provinciano, rural, e tinha forte socialização e atração pela oligarquia4. Ou seja, o mandonismo tornou-se uma característica intrínseca ao tipo de dominação exercida pela burguesia. Estes fatores dão conta, em certa medida, de caracterizar a composição do capitalismo internamente. Esquecer-se dos eixos externos, condicionantes, seria um erro e uma irracionalidade. O Brasil estava sob o jugo do desenvolvimento capitalista mundial e, como um país dependente, manteve-se fiel ao seu papel de uma economia neocolonial (primárioexportadora) com interesses exclusivos no comércio internacional. Aliado à esta demanda 3 Florestan faz a distinção entre oligarquia "tradicional" e "moderna" em vários momentos do texto. O faz para dar maior clareza aos atores que conduziram o processo em análise. Fica evidente quando o autor analisa o impacto da Abolição nas práticas hegemônicas da oligarquia e quais as consequências políticas que isto gerou: "Essa 'crise' - como um processo normal de diferenciação e de reintegração do poder - tornou os interesses especificamente oligárquicos menos visíveis, favorecendo um rápido deslocamento do poder decisivo da oligarquia 'tradicional' para a 'moderna' (algo que se iniciava no último quartel do século XIX, quando do envolvimento da aristocracia agrária pelo 'mundo urbano dos negócios' se tornou mais intenso e apresentou seus principais frutos políticos)." (FERNANDES, 2005, p. 245) 4 "Podia discordar da oligarquia ou mesmo opor-se a ela. Mas fazia-o dentro de um horizonte cultural que era essencialmente o mesmo, polarizado em torno de preocupações particularistas e de um estranho conservantismo sociocultural e político." (FERNANDES, 2005, 241) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 419 RODOLFO SANCHES estrutural, soma-se a convergência5 dos interesses das burguesias em jogo, a nacional e a internacional, pois ambas estavam receosas com uma irrupção oriunda das classes subalternas. A burguesia nacional tinha preocupações com a condução política do país, por isso o aceite à subjugações de outrem (oligarquia e burguesia internacional), já a outra parte estava preocupada com a possibilidade de que ocorresse uma revolução nacional, consequência da modernização. Houveram dois elementos, na leitura de Florestan, que contribuíram para a consolidação da dominação burguesa: 1) a sua dimensão autocrática de dominação, isto é, o acordo tácito entre as elites para manter o caráter autocrático, mesmo que fosse ao encontro dos livres preceitos para o mercado (filosofia da ordem social competitiva, nas palavras do autor); 2) criação de um espaço político para efetivar a "oposição dentro da ordem", isto é, condicionar que as oposições políticas ocorram intra muros e mantenha-se, por suposto, as delimitações estruturais convenientes com o capitalismo6. Atribui maior peso ao segundo elemento, pois: "esse poder só poderia ser invocado, nas condições existentes, ou 'a partir de cima e de dentro' (na forma de conflitos de facção, no seio das classes dominantes, considerando-se os setores intermediários como parte delas, o que de fato eram, em termos de relações de parentesco ou de lealdade e pelo consenso social), ou pela via de 'oposição consentida' (que só poderia envolver conflitos ou discussões controláveis 'a partir de cima' e de interesse direto ou indireto para as 'forças da ordem'). Essas duas linhas mesclavam-se, em várias direções, e tornavam, ao mesmo tempo, débeis e corruptas (ou corruptíveis) as forças de oposição democrática, que assim eclodiam dentro da ordem e sob seu controle." (FERNANDES, 2005, p. 249) A oligarquia não sofria com as desigualdades e heterogeneidades advindas da formação nacional brasileira. Sua estrutura de poder não é afetada por isto e, portanto, seu controle não é sublevado, ao contrário, estimula a universalização. Se a dominação burguesa não se revela capaz de controlar e mobilizar tamanha reserva de poder, o efeito disto pode ser uma guinada política interessante às "forças democráticas". Isto é, faz-se necessário que a mesma seja intolerante em sua raiz política. Se engana quem pensa que a burguesia não reduziria seu campo de atuação política em favor de sua manutenção como elite brasileira. Assim como o 5 Este elemento possibilitou a criação de um ambiente de estabilidade econômica e mandonismo autocrático: "(...) a dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos, herdados do passado ou improvisados no presente, e era quase neutra a formação e a difusão de procedimentos democráticos alternativos, que deveriam ser instituídos (na verdade, eles tinham existência legal ou formal, mas eram socialmente inoperantes)." (FERNANDES, 2005, 243) 6 "A eclosão do regime de classes quebrou essa possibilidade, pulverizando os interesses das classes dominantes (não só entre categorias da grande burguesia, mas ainda convertendo os setores médios numa fonte de crescente pressão divergente). Ao mesmo tempo, ele ampliou o cenário dos conflitos potenciais, dando visibilidade à emergência de uma 'oposição de baixo para cima', difícil de controlar e fácil de converter-se em 'oposição contra a ordem'". Portanto, para impedir a ascenção das classes subalternas nestes espaços, a burguesia concretizou uma "reação [que] não foi imediata; ela teve longa duração, indo do mandonismo, do paternalismo e do ritualismo eleitoral à manipulação dos movimentos políticos populares, pelos demagogos conservadores ou oportunistas e pelo condicionamento estatal do sindicalismo." (FERNANDES, 2005, p. 244-245) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 420 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA autor escreve (p. 250), não existe uma 'burguesia débil', são as outras classes (ou frações de) que tornam a dominação da burguesia mais ou menos instável. Esta junção do "velho" e do "novo" transformam a burguesia em uma força naturalmente ultraconservadora e reacionária7. Agora, não há como fugir da idéia de que o capitalismo não seja, por sua natureza, um capitalismo difícil. Este fenômeno restringe as alternativas da burguesia, pois "desse ângulo, a redução do campo de atuação histórica da burguesia exprime uma realidade específica, a partir da qual a dominação burguesa aparece como conexão histórica não da 'revolução nacional e democrática', mas do capitalismo dependente e do tipo de transformação capitalista que ele supõe." (FERNANDES, 2005,p. 251) Assim, pareciam engendrar-se no futuro próximo brasileiro, a continuidade de um processo de formação do capitalismo nacional que conferiria força política e econômica à burguesia. Partindo deste ideal de continuidade linear, assim como acontecera nos países de via "clássica", Florestan pontua três pressões que o governo brasileiro sofria no início do século XX: 1)pressão internacional exigindo estabilidade e rentabilidade aos capitais estrangeiros; 2)pressão das massas incorporando a necessidade de que a classe dominante aceitasse um no "pacto social"; 3)setores desejavam a intervenção maciça do Estado na esfera econômica. Todas estas pressões acabaram por eriçar novas reformulações do espaço institucional - fato conhecido como "Revolução" de 30 - e, no intento oposto, fundamentaram a tese de um golpe de Estado (Estado Novo varguista). Este último encerrou um momento histórico, abrindo novos parâmetros de desenvolvimento (modernização tecnológica) e reafirmando "antigos" traços do "fazer política". Este elemento condiciona a burguesia à uma nova posição de força para o trato econômico e político. Florestan foi enfático quanto à leitura do momento: "O que determinou a transição não foi a 'vontade revolucionária' da burguesia brasileira, nem os reflexos do desenvolvimento do mercado interno sobre uma possível revolução urbano-industrial dinamizável a partir de dentro. Mas o grau de avanço relativo e de potencialidades da economia capitalista no Brasil, de absorção de práticas financeiras, de produção industrial e de consumo inerentes ao capitalismo monopolista. Esse grau de avanço relativo e de potencialidades abriu uma oportunidade decisiva, que a burguesia brasileira percebeu e aproveitou avidamente, edificando seus laços de associação com o imperialismo." (FERNANDES, 2005, p. 253) REVOLUÇÃO PASSIVA NO CHILE 7 Esta junção do "velho" e do "novo" começa, anteriormente, já no itinerário de descolonização dos alicerces da economia e sociedade brasileira, quando a aristocracia agrária é envolvida nos fundamentos do comércio em decorrência do desenvolvimento das relações sociais capitalistas de produção. Graças à este "giro que velhas estruturas de poder se viram restauradas: o problema central tornou-se, desde logo, como preservar as condições extremamente favoráveis de acumulação originária, herdadas da Colônia e do período neocolonial, e como engendrar, ao lado delas, condições propriamente modernas de acumulação de capital (ligados à expansão interna do capitalismo comercial e, em seguida, do capitalismo industrial)." (FERNANDES, 2005, p. 246-247) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 421 RODOLFO SANCHES Em 1958 elegeu-se presidente o candidato conservador do Partido Radical, Jorge Alessandri Rodríguez, cujo principal patrocínio e mediação com a Casa Branca se dará pelas empresas do setor mineiro8. O Chile vivia uma forte inconsistência política e, mais forte ainda, econômica, e estas se mostraram decisivas na implementação de uma política forte de estabilização monetária recomendada pelo órgão multilateral, Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja conseqüência podemos ver nas demasiadas greves consentidas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) chilena e também na insatisfação do empresariado em geral no Chile9. Nestes temerosos momentos de crise financeira, Alessandri ao consultar as altas patentes dos EUA e também os mandatários do FMI obteve como resposta e solução a procura por respaldo financeiro no capital privado e que também ocorresse um corte brusco nos gastos primariamente destinados à área social, sem, portanto, ceder às manifestações que poderiam emergir desta posição mais dura10. No entanto dois anos após sua eleição, Fidel Castro e Ernesto (Che) Guevara derrubaram o governo cubano e instauraram um regime socialista - junto deles expande-se a tática guerrilheira, foquista. Estando o mundo ‘polarizado’ pela Guerra Fria, será notória a atuação do bloco capitalista, liderado pela potência mundial Estados Unidos da América, nos países do ocidente e especificamente – aqui no nosso texto – no território chileno. Evitando que se constituisse uma nova Cuba anos mais tarde. Anos antes da eleição presidencial no Chile, inicia-se as articulações políticas para o instante decisivo que se aproxima. Em 1961, a Frente de Ação Popular (FRAP) demonstra sua crescente força através da eleição de um número expressivo de deputados e senadores. Kennedy, então presidente dos EUA, dá total respaldo ao embaixador americano em Santiago, Charles Cole, para que apoiasse, em um primeiro momento, a candidatura de Julio Durán (coalizão Partido Radical e Partido Nacional). Todavia, o candidato escolhido pelo representante norte americano foi Frei Montalva do Partido Democrata-Cristão cujo programa de governo 8 A saber, estas são empresas oligopolistas norte-americanas: Kennetcott Copper e Anaconda. Durante todo desenrolar dos movimentos sócio-políticos chilenos poderemos observar uma constante presença destas empresas como mediadoras dos consensos obtidos na Casa Branca e sua ação prática e patrocinadora na realidade chilena. 9 Não há como fazer uma análise sensata da instabilidade política chilena sem retomar as décadas anteriores, fortemente marcadas por golpes e contra-golpes: em 1924 ocorreu um golpe que destituiu Jorge Alessandri Palma através de uma ruptura da verticalidade nas Forças Armadas; em 1925 ocorreu um outro golpe para restabelecer Jorge Alessandri como presidente e depois firmou-se a Constituição Presidencialista de 1925 cuja obediência fora imposta por meios drásticos; em 1927 o general Ibáñez Del Campo é eleito presidente sem nenhum outro concorrente e, seu governo assemelhou-se muito mais à uma ditadura porém não resistiu às pressões sociais devido ao crash da bolsa de valores em Nova Iorque no ano de 1929; já em 1931 ocorrera uma sucessão de golpes e contra – golpes, cujo primeiro fora um levante da marinha que elegeu Juan Esteban Monteiro como presidente, contudo não durou mais que quatro meses sendo sucedido por um levante da Aviação Militar comandada pelo Comodoro Marmaduke Grove (cunhado de Salvador Allende) cujos ideais eram estabelecer uma República Socialista fora das influências do imperialismo norte americano e do esquerdismo soviético, porém durou doze dias apenas esta aventura sendo interrompida por Carlos Dávila através de uma sublevação militar; e por fim, no ano de 1932, Jorge Alessandri vence as eleições frente à Marmaduke Grove. 10 Fica evidente, neste momento, as imposições de um plano estritamente ortodoxo e fiel ao jugo das teorias liberais de mercado. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 422 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA intitulava-se “Revolução em liberdade” no qual defendia um estreitamento da relação ChileEUA ponderando aceitar as regras e o programa Aliança para o Progresso, e também um projeto de “chilenización” das reservas de cobre e Reforma Agrária. Segundo Moniz Bandeira: “[Frei] considerava que a sua nacionalização prejudicaria a assistência tecnológica necessária, porque o Chile não dispunha de recursos para indenizar os proprietários, estorvaria o aumento da produção e abalaria as relações com os Estados Unidos. Seu propósito era promover a ‘chilenización’ da indústria de cobre, por meio da aquisição pelo governo de 51% das ações da Kennecott e a participação minoritária em duas outras grandes corporações. Frei estava mais interessado em expandir a produção de cobre, para acelerar o crescimento econômico do país e aumentar a receita, do que em um reforma profunda na propriedade da indústria” (BANDEIRA, 2008, p. 105) Em 1964 o candidato Eduardo Frei vence as eleições e nos anos entre 1962-70 o Chile fora o país que mais recebeu ajuda per capita do governo dos EUA11. Com suas políticas programáticas de reinserção do Chile no mercado mundial e também de estatização de algumas empresas estratégicas, o que se observou foi um drástico aumento da influência do capital estrangeiro no Chile, pois “subordinaram a política pública, a fim de atrair investimentos estrangeiros, às condições impostas pelos Estados Unidos, como a liberalização das remessas de lucros para o exterior e dos regulamentos de importação, bem como vantagens cambiais” (BANDEIRA, 2008, pág. 119). Tais atrativos, como era de se esperar, atraiu inúmeros investimentos para a produção automatizada (altas tecnologias), gerando assim técnicas de produção em larga escala que não foram capazes de absorver a grande população advinda do campo12. Aproveitando o momento de intensa sindicalização e de mobilização política, os partidos e organizações de esquerda no Chile, decidiram criar a UP que abrigava o PC, PS, dissidentes do PDC e PR, o MAPU (Movimiento de Acción Popular Independiente) e a Acción Popular Independiente. Internamente ocorreu a disputa entre os setores que desejavam construir alianças com a pequena burguesia e as camadas médias da população, enquanto os demais desejavam uma frente de atuação política composta só pelos partidos e organizações à esquerda. Os intentos do PCCh de frente ampla, liderado por Salvador Allende, saíram vitoriosos em detrimento dos consolidados pelo PS. Adiantando-se aos temores de um governo marxista, vários setores, oficiais ou não, iniciaram os planos para brecar as intenções revolucionárias da UP tecendo críticas ao governo 11 Ver em Bandeira (2008, p. 106-109). 12 A crescente sindicalização dos trabalhadores, em especial nos anos 60, foram decisivos na mobilização política dos mesmos para as lutas reivindicativas que iriam travar com o governo na crise inflacionária e temporal (muita seca) do ano de 1968. Neste exato momento inicia-se um longo e complexo processo de rompimento dos trabalhadores com o Estado, então representado pelo PDC. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 423 RODOLFO SANCHES Frei por sua complacência com os abusos à propriedade privada e aos valores tradicionais da família chilena. Nixon e a CIA, embora tenham lido as intenções “pacíficas” do programa da UP na construção do socialismo chileno, faziam um parecer contrário a este pacifismo: “Sua vitória impulsionaria as tendências de esquerda na América Latina e afetaria profundamente o equilíbrio estratégico mundial, naquela conjuntura de Guerra Fria, na medida em que fortaleceria a posição da União Soviética no hemisfério Ocidental, inclusive porque Allende se dispunha a reorientar o fluxo das relações econômicas do Chile para os países do Leste europeu, em detrimento dos interesses dos Estados Unidos” (BANDEIRA, 2008, p. 127). Internamente às Forças Armadas, a objetivação e planejamento de um Golpe de Estado para evitar a posse de um governo marxista, se acelerou. Porém neste momento, também, ganha força uma nova corrente intra-oficialidade, conhecida como Doutrina René Schneider13. Barrados, temporariamente, para o uso das Forças Armadas, os ideólogos do golpe de Estado, aliando os investimentos das classes dominantes e da Casa Branca, decidiram pautar novas ações: 1) em uma incessante batalha psicológica cujas proporções extrapolaram as fronteiras chilenas, isto é, financiaram-se periódicos direitistas chilenos e também se financiou escritores, do Vaticano e outros, para escreverem artigos levantando a opinião mundial contra a UP e a figura de Allende (black propaganda); 2) covert actions (ações encobertas); e 3) spoiling actions. Contudo, no dia 4 de setembro de 1970 Allende ganha as eleições presidenciais (parciais percentuais de 36,22% Allende, 34,9% Alessandri e 27,8% Tomic) e o quadro político e social desenhado não tinham muitas referências positivas. Em um primeiro momento, a direita chilena podia arquitetar votos para que Allende não assumisse o Poder Executivo, pois não obteve maioria absoluta. O cenário poderia se encaminhar para um acordo entre o PDC e a UP e criar uma distância relativamente grande entre os poderes do Estado – em especial o Legislativo e o Executivo. Poderia, no entanto, caminhar, sob o jugo pacífico, para uma implantação do sistema socialista cujo fim seria a ditadura: ou do proletariado ou militar. E por fim, desenhava-se a possibilidade de um Golpe de Estado antes do dia da decisão dos deputados na escolha do nome para assumir a presidência14. 13 “A chamada Doutrina René Schneider consolidava o preceito, segundo o qual o Exército, de acordo com a constituição, era uma instituição apolítica e não deliberante, obediente ao Poder Civil e respeitosa da Constituição e das leis da República e que, portanto, não lhe corresponderia intervir nem se pronunciar sobre atos eleitorais” (BANDEIRA, 2008, p. 136). 14 Pensou em duas vias de ação, muito embora elas caminhassem paripasso: Track I referia-se ao caminho político, via institucionalizada de “terrorismo” e Track II referia-se à “via militar” de ação. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 424 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA Enfim, para assegurar a posse de Allende15, “necesidad táctica”, a UP assinou com o PDC o Estatuto de Garantias Democráticas que dentre outras pautas asseguradas estava a consolidação do Estado de Direito, livre imprensa e exposição, respeito à pluralidade sindical e a obrigação de indenização das expropriações previstas no programa de governo. Não sem demora, o governo da UP começa a colocar em prática suas políticas econômicas de distribuição de renda e de amplo acesso da população aos bens produzidos, às riquezas provenientes do seu país. Todas as medidas buscavam a estatização de amplos setores fundamentais da economia chilena, aceleração da reforma agrária, congelamento de preços e aumento dos salários dos trabalhadores (BANDEIRA, 2008, p. 340).16 Esta política agregada a diversos fatores como o a estabilização dos preços ocasionou um aumento na produção geral chilena (em 1970, contava, a indústria, com 20% da capacidade produtiva ociosa) cujos dados refletem isso: expansão na indústria de 12,1%, setor agropecuário de 2,7% e a mineração obteve 5,7%. Houve um aumento qualitativo e quantitativo de 13,5% no consumo das classes sociais. Allende era um marxista vinculado ao Partido Comunista cuja linha de raciocínio moldava-se, naquela conjuntura, em uma escolha “pacífica” na intentona socialista. Posição esta duramente contrariada (e explorada pela classe burguesa) pelos setores mais radicais do PS, MAPU, MIR, MCR, IR. A Unidad Popular, por ser uma frente de esquerda, geria internamente contradições inerentes à posturas diversas que em determinados momentos favoreceu muito depreciativamente para sua consolidação enquanto “partido da ordem” chileno. Essas posturas, assim que percebidas pelos membros opositores, foram exploradas sob diversos aspectos e graus (lembre-se Patria y Libertad17). Já em novembro de 1971 o MIR rompe com a UP, causando assim uma perda de força política combativa. O presidente, por crer em sua visão gradualista não pressupunha uma leitura muito radicalizada da realidade, ou seja, buscava transformar os padrões capitalistas de sociabilidade via Estado e sob viés democrático-legal. Todavia, esta leitura não era consenso nem dentro da UP, quiçá fosse compartilhada pelos demais políticos constituintes dos poderes chilenos. Este atrito gerou tensões que se mostraram insuperáveis em seu momento, pois as frações de classe no poder (Estado) precisavam corroborar com uma condição sine qua non da coesão. 15 Criam-se, no Chile, dois perfis de mudança política e econômica: há, de um lado, os partidos que compõem a legenda da UP e, de outro lado, há uma união entre corporações empresariais, setores estratégicos do alto escalão das Forças Armadas, serviço de inteligência da CIA, Partido Nacional (de Onofre Jarpa) e uma ampla maioria do Partido da Democracia Cristã (principal articulador depois de Frei tornou-se Fuentealba) que estavam política e economicamente direcionados ao conservadorismo do livre mercado e a autocracia da política representativa. 16 Vuskovic, pautando em Keynes, “defendeu o princípio de que os consumidores dividiam e partilhavam as proporções de seus gastos em bens e poupança, em função da renda, e que quanto mais aumentasse a renda agregada, em função do incremento do emprego, a taxa de poupança simultaneamente aumentava.” (BANDEIRA, 2008, p. 340) 17 Este grupo se apóia em ideais nazi-fascistas: Democracia Corporativa com súbita extinção de partidos, supondo a necessidade de um Estado Absoluto. Lançam um Manifesto Nacionalista em 1972. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 425 RODOLFO SANCHES O processo de estatização prosseguia em passos largos, e esta política de integração de múltiplos fatores produtivos sob custeio estatal, ocasionou uma queda na produtividade cujos reflexos políticos mais imediatos podemos delinear na insatisfação da classe média pela escassez de produtos, o lockout produzido por empresários18 e no invisible blockade patrocinado pela Casa Branca de Nixon cujos objetivos alcançados foram a quebra de acordos bilaterais e multilaterais. Devido, portanto, ao aumento vertiginoso da demanda e uma não correspondente alta da oferta, o Chile, depois de passado os períodos calmos, necessitou incrementar numericamente as importações. Todavia as ajudas internacionais foram bloqueadas e Allende, não tendo reservas de dólares, acabou por imputar uma maior escassez e inflação19, e também uma queda nos investimentos produtivos que por sua vez influenciam diretamente na expansão das medidas de pleno emprego. Durante o desenrolar das medidas políticas e a efetivação de suas consequências, foise criando um longo distanciamento entre o Executivo e o Legislativo - uma prova do entrave que o Legislativo será para Allende, está na lei de 1972 que obriga ao Executivo de consultar os deputados e senadores sobre quaisquer medidas de estatização, seja parcial ou total. Este distanciamento ocorreu em concomitância com a criação das JAPs e dos Cordões industriais. Ambas as práticas corroboraram para intensificar pressões políticas sobre o governo da UP. De um lado, Allende esta envolto em uma trama política dos senadores e deputados de oposição, que resignificou politicamente a escala de hierarquia nos poderes do Estado: sobrevalorizouse o Legislativo acima do Executivo. Este último perdeu sua eficácia política. De outro, as organizações criadas fora do espectro estatal, JAPs e Cordões, contemporizou os problemas sociais por, necessariamente, fugirem do parâmetro legalista da política. Entretanto, Allende, astuto observador, conclui que os Cordões não podem se fomentar enquanto uma “alternativa” de poder: a existência é necessária, porém deve estar em consonância com o poder estatal. Esta posição do PC gerou uma fratura interna em que os ferimentos não serão curados. Utilizando-se das rupturas e rachas que ocorreram internamento à UP, os militares e demais incitadores golpistas, desenvolvem o Plano Setembro que deixa de ser um plano e começa a se efetivar na excitação sublevadora dos catetes mediante o comando do General Candes para derrubar o governo Allende. Assim como outrora René Schneider fora um empecilho, neste novo contexto, o comandante-em-chefe das Forças Armadas, General Carlos Prats, também se colocou no processo e enfatizou que, caso fosse levado adiante, seria obrigado a colocar seus homens nas ruas para defender à Constituição, que garante direito de governar de Salvador 18 Pensar também, neste momento, como fator de instabilidade a visita de Fidel e a posterior associação das figuras e, principalmente, das condições históricas do desenvolvimento do socialismo. 19 É importante lembrar-se do papel primordial desempenhado pelo “mercado negro” no aumento da espiral inflacionária. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 426 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA Allende por ocupar o cargo da presidência20. Este procedimento do General Prats resultou em uma nova jogada política que colocou os militares em cargos de confiança do governo Allende. Assume o posto de comandante-emchefe, o General Augusto Pinochet. Tendo todos estes motivos políticos e econômicos, no dia 11 de setembro de 1973 é sacramentado o golpe militar. Assim sendo, os elementos que compõem o caso chileno, não nos deixa pensar outra coisa senão que devemos nos pautar de uma forma particularizada de construção da "imagem do Chile". Todo o processo histórico foi mediado pelos setores mais retrógrados da elite chilena, confluindo, guardadas as respectivas dimensões pontuais, com o caso brasileiro. Portanto, se partirmos da idéia já demonstrada por Carlos Nelson de que um processo de Revolução Passiva21 consiste na interrupção da organização dos subalternos prostrandose, assim, de forma à caracterizar uma reestruturação social partindo de "cima para baixo", a elucidação do movimento acaba por contrapor o tipo "clássico", cunhado de jacobinismo, isto é, uma mudança estrutural de "baixo para cima". Torna-se inevitável salientar, ainda, que a revolução passiva nos atenta para duas causas-efeitos, já indicadas em Gramsci, isto é, “por um lado, o fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil, ou, mais concretamente, o predomínio das formas ditatoriais de supremacia em detrimento das formas hegemônicas; e, por outro, a prática do transformismo como modalidade de desenvolvimento histórico que implica a exclusão das massas populares.” (GRAMSCI apud COUTINHO, 1993, p. 112) Del Roio, ampliando o conceito de Revolução Passiva traz, de forma mais sucinta e direta, uma nova designação que é a de via passiva no qual, sob o seu viés podemos constatar, concretamente, o Estado chileno como uma forma hiper-tardia de desenvolvimento capitalista e na sua consequente sociabilidade específica, portanto, temos neste conceito o pressuposto para afirmar que o Estado-Nação colocar-se-á de modo negociado dentro de um sistema capitalista global definido. (DEL ROIO, 1999, p. 144)22 20 Esta medida paliativa, com o acordo de Allende, objetivou uma derrota virtual do governo Allende por dois motivos: o primeiro deles foi a total ruptura interna da UP; o segundo diz respeito à insustentabilidade do governo mediante um enfraquecimento considerável das forças políticas nos cargos estratégicos e representativos na Câmara e Congresso, e também uma pífia influência no poder militar das três esferas de defesa: Marinha, Força Aérea e Exército. 21 “Deve-se sublinhar, antes de mais nada, que um processo de revolução passiva, ao contrário de uma revolução popular, realizada a partir ‘de baixo’, jacobina, implica sempre a presença de dois momentos: o da ‘restauração’ (na medida em que é uma reação à possibilidade de uma efetiva e radical transformação ‘de baixo para cima’) e o da ‘renovação’ (na medida em que muitas demandas populares são assimiladas e postas em prática pelas velhas camadas dominantes)” (COUTINHO, 1993, p. 108) 22 Muito provavelmente Del Roio se valha da mesma leitura que Gramsci faz e que Morton se utiliza: “o capitalismo é um fenômeno histórico mundial e seu desenvolvimento desigual significa que as diferentes nações não podem ocupar concomitantemente, o mesmo nível de desenvolvimento econômico.” (GRAMSCI apud MORTON, 2007, p. 47) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 427 RODOLFO SANCHES CONCLUSÃO É interessante pensarmos que as formulações teóricas elaboradas por Gramsci nos auxilia, e muito, para compreender o momento histórico chileno. Desde a queda de Balmaceda em 1891 até o golpe militar de 1973, podemos ver uma disputa incessante das classes para controlar os aparelhos de Estado. Não obstante esteja em voga estes elementos mais pragmáticos, ficou em disputa o modelo de sociabilidade e também os efeitos possíveis que o capitalismo poderia fornecer ao povo chileno. Durante todo este processo histórico frações da classe dominante reiteradamente se articularam para que suas pautas político-econômicas fossem "oficiais", isto é, consenso entre "os de cima" e hegemonizada pelos "de baixo". Fica evidente o papel desempenhado pelos condicionantes geopolíticos que, em suma, advém do caráter cosmopolita da burguesia nacional chilena. Esta, assim como se observa em todo a formação do Estado Nacional, sempre foi predominada pelos desejos comerciais, em alguma maneira, manter-se forte perante os demais países da América Latina mas, ao mesmo tempo, subservientes aos ditames externos mantendo uma estrutura neocolonial em que pese a condição de exportadora de bens primários e importadora de bens manufaturados, como apontado por Florestan para o Brasil. Assim como na "imagem do Brasil" podemos notar que há uma articulação nítida entre os eixos "interno" (composição da burguesia nacional) e o "externo" (práticas de política econômica internacionais, porém que não impulsionem uma "revolução nacional"), também no Chile. As classes dominantes não mediram esforços para que a modernização conservadora ocorresse, no entanto, para onde fosse expansível e no momento desejável. Faziam isto, tendo claro a mesma dimensão da oligarquia brasileira, para impedir o surgimento de movimentos políticos subalternos consistentes que os colocassem em perigo. Ademais, a conjuntura vivida no Chile, coloca a burguesia entre acomodar-se com as imposições aristocráticas ou não dar conta de conduzir a transição e, por consequência, perder a luta - material e ideológica - para as demais "imagens" existentes: nacionalistas; socialistas; comunistas e etc. Neste sentido, se observarmos o desenrolar da história, verifica-se que a entificação do capitalismo no Chile, tal qual no Brasil, se deu de forma particularizada. É inegável a constante negociação feita por frações da classe dominante a fim de evitar que a classe subalterna ocupasse os espaços políticos oferecidos pela democracia representativa. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 428 BRASIL E CHILE: PARTICULARISMOS EM EVIDÊNCIA BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, Luiz A. M. Fórmula para o caos: ascensão e queda de Salvador Allende (1970-1973). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. COUTINHO, Carlos N. As categorias de Gramsci e a realidade brasileira. In: COUTINHO, Carlos N; NOGUEIRA, Marco Aurélio (Orgs.). Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. P. 103-12 _____. Cultura e sociedade: ensaios sobre idéias e formas. 4. ed. -- São Paulo: Expressão Poupalr, 2011. DEL ROIO, Marcos. O Estado da Globalização. In Revista Estudos de Sociologia, Vol. 4, no. 6, dezembro de 1999. Araraquara: Unesp. FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Prefácio José de Souza Martins. 5. ed. -- São Paulo: Globo, 2005. MORTON, Adam David. A geopolítica do sistema de Estados e o capitalismo global em questão. In Revista Sociologia Política. Curitiba, 29, p. 45-62, Nov. 2007. LENIN, V. I. O programa da social-democracia. São Paulo: Ciências Humanas, 1980. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 429 DIMENSÕES DA CRISE AMBIENTAL E A CONDUÇÃO DO TEMA NO MERCOSUL Talita Martinelli Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Resumo: A crise ambiental que há algum tempo atinge o globo consiste em fato grave, avaliada não apenas como um problema nacional, mas, também um problema internacional. Assim sendo, cresce na maioria dos países a discussão sobre as questões ambientais, suas implicações, alcance e desdobramentos em nível interno e externo. Discutem-se quais são as medidas a serem tomadas e, principalmente, se é possível conceber um modelo de desenvolvimento que consiga associar sustentabilidade com preservação ambiental. A partir deste contexto, o presente trabalho procura examinar o tratamento dado à questão ambiental no âmbito do Mercosul, desde o “Tratado de Assunção” (1991) até o “Acordo-Quadro sobre o Meio Ambiente do Mercosul” (2001), que configura uma preocupação do bloco em relação a questão ambiental. Contudo, embora se confirme que houve mais de uma tentativa de institucionalização de uma política ambiental conjunta, o que torna possível delinear o cenário de soluções a serem implementadas no Mercosul, cabe analisar quais as decisões encaminhadas pelo Subgrupo Nº.6 do Meio Ambiente, tendo em vista compreender que tipo de desenvolvimento já fôra pensado para a região integrada. Palavras-chave: Mercosul; Crise ambiental; Relações internacionais; Desenvolvimento; Sustentabilidade. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 430 DIMENSÕES DA CRISE AMBIENTAL E A CONDUÇÃO DO TEMA NO MERCOSUL INTRODUÇÃO O agravamento dos problemas ambientais, a preocupação com a preservação do meio ambiente, a minimização da degradação, entre outros, são fatores críticos que influenciaram os Estados nação a reconhecer a necessidade de realizar o debate a cerca da questão ambiental. Considerando esta realidade, se faz necessária a colaboração de cada um dos países para a criação de uma política ambiental conjunta a partir de acordos, tratados e, sobretudo, alterações em sua legislação. No âmbito do Mercosul, desde o início os países-membros sendo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai1, instituíram-se a necessidade dos países considerarem a preservação e o melhoramento do meio ambiente, já que o seu território abrange 56% do espaço ambiental sulamericano, apresentando uma grande biodiversidade. No preâmbulo do “Tratado de Assunção” é demonstrado o caráter socioambiental do documento ao afirmarem que os objetivos da Integração devem ser alcançados “mediante o mais eficaz aproveitamento dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, a melhoria das interconexões físicas, coordenação das políticas macroeconômicas e complementação dos diferentes setores da economia com base nos princípios de gradualismo, flexibilidade e equilíbrio.” 2 Pelo fato dos países do Mercosul possuírem grande territorialidade, este abrange uma extensa área de ecossistemas distintos o que torna necessário o tratamento das questões ambientais de forma séria e com urgência, não somente pelos representantes dos governos dos Estados, mas, também, por toda a sociedade civil. Por estas razões, o presente trabalho busca analisar como a questão ambiental foi inserida e de que forma é tratada no âmbito da Integração, que além de seus objetivos comerciais, tem demonstrado de forma mais explícita certa preocupação com o meio ambiente, a partir do “Acordo Quadro sobre o Meio Ambiente do Mercosul”. Com o intuito de dar continuidade à harmonização das legislações ambientais dos Estados-partes, foi criado o Subgrupo nº 6 do Meio Ambiente, sendo assim possível analisarmos as decisões encaminhadas por tal, a fim de esquematizarmos o quadro de soluções implementadas pelo Mercosul. Apesar de todo este cenário em torno da questão ambiental, é necessário observar que a construção e o encaminhamento de uma política ambiental nunca ocuparam lugar de destaque na política geral do Bloco. No contexto a qual nos encontramos e diante aos problemas ambientais vistos frequentemente é exigido que a sociedade esteja mais determinada e mobilizada para se 1 No âmbito da integração vale destacar dois aspectos recentes, a saber: a partir de 12/08/2012 a Venezuela passa a ser Membro efetivo do Mercosul. Em virtude da crise político-institucional no Paraguai, que resultou destituição do presidente Fernando Lugo e caracteriza o chamado “golpe branco”, decidiu-se que pela suspensão temporária do Paraguai no Mercosul, a partir de 29/06/2012. 2 Tratado de Assunção. assuncao-1.> Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/tratado-de- Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 431 TALITA MARTINELLI posicionar de forma propositiva, de tal modo para poder questionar de forma concreta a falta de iniciativa dos governos para institucionalizar políticas pautadas através do binômio sustentabilidade e desenvolvimento. É de nosso interesse também abordar a discussão relacionada à adoção de medidas reativas versus medidas reducionistas e preservacionistas favoráveis a um desenvolvimento sustentável. Constata-se que a maioria dos países, possui uma postura reativa em relação à degradação ambiental, eles emergem apenas em resposta à destruição da natureza e à falta de condições mínimas de vida. A fim de encontrar soluções para a crise ambiental, diferentes escolas econômicas apresentam suas propostas de políticas e suas preferências por qual tipo de instrumentos de controle ambiental. Este ensaio decorre de um projeto PIC, cujo recorte histórico encontra-se de 2001 a 2011, porém, para a realização do projeto e melhor compreensão do tema é necessário realizar um resgate histórico, desta forma, abordando neste ensaio o período de 1991 a 2001. A EVOLUÇÃO DO TRATAMENTO DA QUESTÃO AMBIENTAL NO MERCOSUL Em março de 1991 com a assinatura do “Tratado de Assunção” cria-se o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que integra a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai possuindo como principais objetivos a convergência coordenada de políticas macroeconômicas dos Estadospartes; a livre circulação de bens, serviços e fatores de produção entre os países do bloco; o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e a adoção de uma política comercial conjunta em relação a terceiros Estados, entre outros. A criação do Bloco se deu de forma estratégica a fim de acelerar o desenvolvimento econômico da região com justiça social e melhorar sua inserção no mercado internacional. Para alcançar os objetivos propostos e uma maior abrangência de proteção ambiental, já que os países do Mercosul apresentam uma extensa biodiversidade, é citada no preâmbulo do “Tratado de Assunção” a intenção de aproveitar eficientemente os recursos disponíveis, preservar o meio ambiente, melhorar as interconexões físicas entre os países, coordenar políticas macroeconômicas e garantir a complementação dos diferentes setores da economia, tendo base os princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio. Em vários parágrafos deste Tratado é mencionada a necessidade de acordos setoriais considerarem a preservação e o melhoramento do meio ambiente. A “Declaração de Canela” consta como o primeiro documento considerando a questão ambiental após o “Tratado de Assunção”, firmada em fevereiro de 1992. Os representantes dos quatro Estados-partes e o representante do Chile negociaram em Canela (RS) uma posição comum dos países do Cone Sul a ser apresentada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 432 DIMENSÕES DA CRISE AMBIENTAL E A CONDUÇÃO DO TEMA NO MERCOSUL Ainda em 1992, devido à preocupação com o meio ambiente, o Grupo Mercado Comum (GMC), órgão executivo do Mercosul, determinou a criação das Reuniões Especializada do Meio Ambiente (REMA), que tinham como principais objetivos analisar a legislação vigente nos Estados-partes e propor recomendações de medidas de proteção ambiental ao GMC. Com esta decisão, surgiu a expectativa de que o tema ambiental assumiria lugar de destaque no cenário de negociações da integração regional. Porém, como a REMA exercia suas funções de forma paralela aos mecanismos de tomada de decisão institucionais e já que não constituía um subgrupo de trabalho, sua atuação, alcance e aplicabilidade eram limitadas. Durante os encontros realizados pela REMA entre os anos de 1992 e 1993 analisou-se as legislações nacionais em matéria ambiental e coordenou-se a ação da REMA com a dos Subgrupos de Trabalhos Técnicos (SGTs). Uma de suas principais recomendações elaboradas consiste nas “Diretrizes Básicas em Matéria de Política Ambiental”, aprovadas pela Resolução nº. 10/94 do GMC. “As diretrizes tinham como objetivo assegurar condições equitativas de competitividade no Mercosul, com a adoção de práticas de manejo sustentável no aproveitamento de recursos naturais, uso de tecnologias adequadas de produção, reciclagem e tratamento de resíduos, harmonização dos procedimentos legais de habilitação e acompanhamento de atividades passíveis de gerar impactos ambientais em ecossistemas compartilhados. Outros objetivos eram a criação de critérios ambientais comuns para negociação e implementação de atos internacionais com repercussões sobre o processo de integração e estímulo ao desenvolvimento de turismo regional sem prejuízo ao meio ambiente. As diretrizes constituiriam o ponto de partida para a criação de uma legislação ambiental do Mercosul.”3 O marco no crescimento da questão ambiental nas negociações do Bloco se deu em meados de 1995 com a realização da Primeira Reunião de Ministros do Meio Ambiente do Mercosul, em Montevidéu. Nesta reunião, discutiram-se os avanços da REMA; a adoção das normas de qualidade ambiental da série ISO 14000; a necessidade de legislações e normas conjuntas ambientais para os países-membros; custos ambientais de processos produtivos; entre outros. O documento final do encontro, conhecido como “Declaração de Taranco”, assinalou o compromisso de coordenação de posições conjuntas em foros mundiais de meio ambiente. O mais importante avanço nesta ocasião consistiu em transformar a REMA em um Subgrupo de Trabalho do GMC, o que fez surgir o Subgrupo de Trabalho de Meio Ambiente (SGT-6), que passou a funcionar a partir de 1995. Com o intuito de dar continuidade à harmonização das legislações ambientais dos Estados-partes, criou-se o Subgrupo nº 6 do Meio Ambiente, suas metas e prazos encontram-se 3 IRACHANDE, Aninho Mucundramo; ALMEIDA, Lucimar Batista de; VIEIRA, Marilena Maria Augusto. O Mercosul e a construção de uma política ambiental para os países do Cone Sul. Disponível em: <http://www. periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2010v9n16p205>. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 433 TALITA MARTINELLI na Resolução nº. 38/95. Tais metas são: 1. Análise das restrições não tarifárias relacionadas a meio ambiente. 2. Competitividade e meio ambiente. 3. Adoção das Normas Institucionais – ISO 14.000. 4. Temas setoriais, abrangendo outros subgrupos. 5. Projeto de Instrumento Jurídico de Meio Ambiente no MERCOSUL. 6. Criação de um sistema de informação ambiental. 7. Estabelecimento de Selo Verde no Mercosul. Desde sua criação, o SGT-6 realiza a cada trimestre uma reunião ordinária e sempre que acordado entre os parceiros reuniões extraordinárias. A partir de uma análise parcial de algumas Atas resultantes de reuniões do Subgrupo 6, é possível perceber frequentemente resultados repetidos e pouco avanço nestas questões se comparados aos avanços registrados em outras áreas de integração, como a área econômica e comercial. O que torna possível observar que as questões de competividade comercial estão sempre em destaque, consequentemente deixando pra segundo plano a necessidade de políticas para outros segmentos. É de conhecimento geral que o objetivo dos Estados-partes do Mercosul no âmbito das questões ambientais implica na implementação de um documento capaz de acordar as normas relacionadas ao meio ambiente com a intenção de harmonização das leis ambientais, assim torna-se necessário esclarecer que harmonizar não significa criar uma legislação única, mas sim eliminar assimetrias e diminuir possíveis conflitos, a saber que serão respeitadas as particularidades das legislações de cada país membro. Com a intenção de alcançar o objetivo citado anteriormente, o SGT-6 tinha, como uma de suas principais tarefas, criar um “Instrumento Jurídico de Meio Ambiente no Mercosul”, este instrumento baseia-se nas diretrizes básicas em matéria de política ambiental presentes na Resolução nº 10/94 do GMC. Em junho de 1997, o SGT-6 elaborou o “Projeto de Decisão relativo ao Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre Meio Ambiente”, documento este apresentado ao GMC através da Recomendação nº 4/97. Porém, devido a sua má formulação, acabou por não ser votado, mesmo sendo discutido em várias reuniões; críticos apontam carência e desordem na estruturação de temas importantes e imprecisão na terminologia como os principais problemas do projeto. Apesar da implementação do Protocolo ser barrada, este serviu de incentivo para continuar a discussão entre os signatários do Mercosul. Em março de 2001 em uma Reunião Extraordinária o SGT Nº 6 assinou em Florianópolis o “Acordo Quadro sobre Meio Ambiente”, Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 434 DIMENSÕES DA CRISE AMBIENTAL E A CONDUÇÃO DO TEMA NO MERCOSUL que reafirma as principais propostas da “Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, de 1992 (ECO 92), sendo este Acordo celebrado em 22 de junho de 2001, em Reunião do Conselho Mercado Comum (CMC) na cidade de Assunção. “No Preâmbulo do presente Acordo, as Repúblicas argentina, brasileira, paraguaia e uruguaia, reafirmam a necessidade de proteger o meio ambiente e a utilização sustentável dos recursos naturais, procurando melhorar a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável e a importância da cooperação entre os países membros do bloco.”4 O documento é composto por 4 capítulos, 11 artigos e um anexo, sendo menor e mais prático que o Protocolo. A partir de uma reflexão do tratamento da questão ambiental no Mercosul, torna-se questionável como se pretende alcançar um desenvolvimento sustentável na área da Integração, considerando que a maioria dos países, inclusive o Brasil, possui uma postura reativa em relação à degradação ambiental, eles emergem apenas em resposta à destruição da natureza e à falta de condições mínimas de vida. Faz-se necessário verificar em que medida os Estados-partes preferem a adoção de medidas reativas inversas às posturas reducionistas e preservacionistas, de natureza propositiva. Há diversas apropriações do conceito de desenvolvimento sustentável, segundo diferentes autores que se dedicam ao tema e diferentes linhas de pesquisa. O conceito mais usado, cuja definição foi feita pela ONU (Organização das Nações Unidas) acredita o desenvolvimento sustentável ser “aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades”. 5 Considero ser longo o caminho a ser percorrido pelos países da América do Sul ao encontro de um desenvolvimento sustentável, já que há muito tempo posicionam-se de forma reativa aos problemas ambientais, procuram tomar iniciativas, soluções e alternativas quando os problemas atingem grandes proporções, principalmente no que se relaciona com a área ambiental, pois se posicionar desta forma pode trazer prejuízos em outras áreas, como para a economia. Ao contrário, os países podem adotar medidas de caráter proativas, adquirindo posturas reducionistas e preservacionistas a fim de evitar problemas futuros. Desde o início, o Mercosul mostrou que a sua principal preocupação seria encontrar meios de melhorar as condições de vida da nação sul-americana, proporcionando um máximo envolvimento dos Estados-partes no processo da Integração, desta forma, respeitando os ritmos 4 MERENDI, Tatiana Peghim. O MERCOSUL E O MEIO AMBIENTE: BREVES CONSIDERAÇÕES. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Tatiana%20Peghim%20Merendi.pdf>. 5 CHOW, Cláudia. Conceitos. Disponível em: <http://scienceblogs.com.br/ecodesenvolvimento/2008/02/ conceitos/>. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 435 TALITA MARTINELLI e as sensibilidades de cada país. Com a intenção de melhoria para todos, é necessário um direcionamento geral para um ponto comum, tanto no âmbito interno quanto no externo, a fim de criar instituições que venham a estruturar “espaços regionais comuns”, neste sentido, se justifica a necessidade da criação de um documento capaz de harmonizar as leis ambientais e diminuir as simetrias existentes nesta área, consequentemente, evoluindo no processo de atingir um desenvolvimento associado à sustentabilidade nesta região. Ao considerar que o desenvolvimento sustentável passou a ser uma preocupação geral em nível internacional, se faz necessário o debate a cerca da escolha de instrumentos de política ambiental adequado aos propósitos da sustentabilidade. Três diferentes abordagens de teoria econômica apresentam distintas propostas de políticas voltadas para este fim, sendo elas: neoclássicos; institucionalistas e evolucionistas. A visão neoclássica, conhecida como mainstream por ser preponderante no debate, acredita ser necessária uma intervenção governamental quando se trata de problemas ambientais, segundo eles, a degradação ambiental é traduzida como discrepância entre os custos privados e sociais. É explícita a preferência por instrumentos econômicos, como: taxas; tarifas; certificados; subsídios; sistema de devolução de depósitos; licenciamento de atividades poluidoras; zoneamento e educação ambiental. Admite também ser possível uma combinação de políticas de “comando e controle” e instrumentos econômicos usados concomitantemente para enfrentar o problema. A política de “comando e controle” também denominada de instrumentos de regulação direta consiste em: padrões de poluição para fontes específicas; controle de equipamentos; controle de processos; controle de produtos e controle do uso de cotas de extração. Os institucionalistas apresentam um caráter holístico, procuram levar em conta o comportamento do indivíduo e o contexto sociocultural o qual é inserido. Esta visão questiona os instrumentos propostos pelos neoclássicos, porém, não aponta instrumentos de sua preferência, sendo a favor de especificações de padrões sustentáveis do ponto de vista ecológico, e alegam que o fator decisivo de instrumentos para os neoclássicos é a viabilidade econômica. Por fim, os evolucionários procuram criar elos entre economia - tecnologia- meio ambiente. O principal objetivo desta escola está em entrelaçar trajetórias de crescimento e desenvolvimento tecnológico que sejam sustentáveis ecologicamente, o debate realizado por eles em torno de políticas é muito limitado, possuindo como ponto de partida a ideia de promover uma transição de tecnologia ambiental de caráter corretiva para uma que de princípio previna o surgimento de problemas ambientais. “Um ‘ambiente seletivo’ favorável é o elemento crucial para induzir à emergência e à difusão de uma trajetória tecnológica ambientalmente ‘correta’. Esta tende a se tornar mais palpável à medida que se eleve a preocupação social com os problemas ambientais, alterando o comportamento dos agentes envolvidos. No que se refere Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 436 DIMENSÕES DA CRISE AMBIENTAL E A CONDUÇÃO DO TEMA NO MERCOSUL à iniciativa das empresas, uma consideração importante é que a introdução de ‘tecnologias ambientais’ tende a caracterizar uma inovação atípica, pois sua difusão difere do processo tradicional de mudanças tecnológica ‘normal’.” 6 Levando em conta os instrumentos de controle ambiental, é evidente a preferência das regulações diretas em âmbito internacional, notadamente por sua eficácia ecológica. É de extrema importância criar a consciência de que nenhum avanço social e ecológico é possível sem que ocorram, ao mesmo tempo, as necessárias transformações produtivas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos nos vimos obrigados a enfrentar uma crise ambiental, que tem tomado proporções cada vez maiores e está ligada, inclusive, às questões de segurança, diretamente relacionada à nossa sobrevivência, à das futuras gerações e à do planeta que nos abriga. Levando em conta que a preservação ambiental é de interesse global, e reverter à degradação do meio ambiente é um problema mundial, verifica-se que não por acaso a questão ambiental é tema na Agenda internacional. Devido o contexto a qual nos encontramos, os Estados-partes do Mercosul consideraram a necessidade de incluir as questões ambientais em suas pautas, principalmente porque o seu território abrange 56% do espaço ambiental sul-americano, possuindo uma rica biodiversidade. Como já apresentado, é possível perceber esta intenção desde o início, no “Tratado de Assunção”, e no decorrer do processo da Integração diversas tentativas de harmonização das leis ambientais, algumas obtiveram resultados, outras não. A fim de alcançar este objetivo implantaram-se as Reuniões Especializada do Meio Ambiente (REMA), e, posteriormente, o Subgrupo nº 6 do Meio Ambiente que gerou o “Protocolo Adicional do Meio Ambiente”, porém, este documento não foi aprovado devido suas má formulação. As discussões após o Protocolo em torno das questões ambientais continuaram, o que resultou em 2001 no atual “Acordo Quadro Sobre Meio Ambiental”, documento que celebra uma nova fase no tratamento do meio ambiente no âmbito do Mercosul. Ao realizar uma breve análise de documentos resultantes das reuniões ordinárias e extraordinárias do SGT-6, percebe-se pouco avanço no tema, principalmente comparado as outras esferas. É importante ressaltar que as considerações feitas neste ensaio são inconclusivas, pois a pesquisa está em curso. O desenvolvimento econômico com justiça social consta como um dos principais objetivos do Bloco, todavia, observa-se que os países do Cone Sul dificilmente alcançarão um desenvolvimento sustentável se não adotarem medidas de caráter propositivas. 6 ALMEIDA, Luciana Togeiro de. Política Ambiental: Uma Análise Econômica. 1998. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 437 TALITA MARTINELLI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Luciana Togeiro de. Política Ambiental: Uma Análise Econômica. Campinas, Sp: Papirus; São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1998. ANDRADE, Sueli Amália de. Considerações gerais sobre a problemática ambiental. In: LEITE, Ana Lúcia Tostes de Aquino; MININNI-MEDINA, Naná. 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Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Tatiana%20Peghim%20 Merendi.pdf>. Acesso em: 15 out. 2012. SIMÕES, Antônio José Ferreira. Entrevista concedida à Carta Maior em 05\08\2012. Disponível em <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_ id=20666&fb_source=message>. Acesso em: 17 out. 2012. Objetivos do Mercosul. Disponível em: <http://www.federacaomc.org.br/estatuto_fmc.html>. Acesso em: 10 out. 2012. Tratado de Assunção. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/tratados-e-protocolos/ tratado-de-assuncao-1.> Acesso em: 04 out. 2012. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 439 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 Inês Cristina dos Santos Mestranda em Ciências Sociais pela UNESP-Marília. Membro do Grupo de Pesquisa Cultura e Política do Mundo do Trabalho e do Grupo de Estudos do Pensamento Político Brasileiro e Latino-Americano Resumo: O presente artigo analisa o papel dos Estados Unidos da América (EUA) como representante da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no ataque ao Kosovo, intervenção esta que foi denominada por Hobsbawm como o divisor entre os séculos XX e XXI, ou seja: a intervenção inaugurou o século XXI. Além desta intervenção analisaremos a política do medo instalada nos cidadãos estadunidenses, questão abordada por Michel Moore em seu documentário: Tiros em Columbine e a posição do país da América do Norte quando do ataque ao World Trade Center – símbolo do Imperialismo. Palavras-chave: EUA; OTAN; Kosovo; Segurança internacional; Imperialismo. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 440 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 INTRODUÇÃO ‘Esta é uma nação conduzida por um líder com dois alfabetos, três línguas, quatro religiões, cinco nacionalidades, que vivem em seis repúblicas, com sete vizinhos, num país com oito minorias nacionais. (Marechal Tito). (AGUILAR, 2003, p.70) No que se refere à guerra da Iugoslávia nosso foco é o que diz respeito à posição dos EUA no conflito. Para esta análise contaremos com os elementos apresentados no livro “A guerra da Iugoslávia: Uma década de crise nos Bálcãs” de Sérgio Aguilar1 em especial no capítulo A crise do Kosovo: Intervenção da OTAN e a UNMIK, embora também possamos utilizar outros apontamentos da obra quando se fizer necessário. O nosso interesse em fazer esta análise começou quando já do prefácio do livro nos são colocadas às questões que reforçam nosso esforço em analisar o papel da OTAN e os interesses estadunidenses no conflito. “Patrocinado pelos EUA2 e endossado pela Europa, o Acordo de Dayton, serviu para colocar na mesa de negociações as partes em conflito para discutir e resolver (...)” (BRIGADÃO, 2003, p. 13). Já nesta citação fica clara a questão do envolvimento direto do país da América do Norte. O acordo de Dayton foi proposto em 1995, ou seja, quatro anos após o início do conflito. Segundo a BBC “O acordo foi assinado em 21 de novembro de 1995, depois de três semanas de negociações entre os líderes da Bósnia, da Croácia e da Sérvia, com intermediação do governo americano3, na época sob o presidente Bill Clinton” (BBC, 22 de Novembro de 2005). Na verdade, esta data não está correta, os acordos foram estabelecidos em 21 de Novembro de 1995, constituindo um documento de 150 páginas, 11 anexos e 102 mapas, mas, a data de assinatura do acordo é 14 de Dezembro de 1995, em Paris. Em decorrência deste acordo a ONU passa a ter “duas responsabilidades principais” são elas: “a coordenação da assistência humanitária e a liderança nas ações relativas a refugiados e desalojados; e o auxílio às partes envolvidas no cumprimento da lei” (AGUILAR, 2003, p. 177). 1 Doutor em Historia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP - Assis/SP), mestre em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialista em História das Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Estratégias de Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), e graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Atualmente é Professor Assistente Doutor do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNESP - Campus de Marília/SP. Foi observador da ONU na United Nations Peace Force (UNPF), na Bósnia Herzegovina, e na United Nations Transitional Administration for Eastern Slavonia (UNTAES), na Croácia, durante a guerra civil na antiga Iugoslávia. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Contemporânea e História das Relações Internacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: segurança internacional, conflitos e resolução de conflitos, direito internacional dos conflitos armados e operações de paz. 2 Grifo nosso 3 Grifo nosso Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 441 INÊS CRISTINA DOS SANTOS Mais uma vez, temos outro ponto relevante no livro ora referenciado. Clóvis Brigadão4 nos instiga: “Aguilar, interpreta o acordo como a ‘dependência da ONU em relação aos EUA. A Guerra só terminou {...} quando os norte-americanos resolveram5, motivado por interesses políticos internos, tomar posição mais enérgica no conflito’”. (BRIGADÃO, 2003, p. 13-14) Importante ressaltar que os fatos descritos neste livro partem da análise de quem esteve “envolvido” diretamente na guerra. Aguilar foi integrante da missão de paz pela ONU, na exIugoslávia, entre os anos 1995 e 1996, ou seja, justamente quando da assinatura do acordo supracitado e quando se tentou efetiva-lo. Para chegar às causas da guerra da ex-Iugoslávia o autor faz uma retrospectiva histórica, e traz os elementos que levaram “a terra dos eslavos do sul” ao conflito de 1991. Com o objetivo de nos atermos ao recorte que colocamos neste artigo não vamos discorrer sobre estes fatos históricos. A ordem cronológica com o qual o autor trabalha nos traz os elementos que embasam nossa “tese” de que apesar da assinatura do acordo em 1995, a guerra (de fato) não terminou. Os conflitos continuaram, e os EUA pela primeira vez na história, e após um período de “pretensa paz” – 1989-1999 – que compreende o período pós-guerra fria e o ataque a Kosovo, usa a OTAN de maneira adversa a da sua criação que era de um órgão que tinha como objetivo a defesa dos países aliados de possíveis ataques do bloco socialista à época: a URSS. No que diz respeito ao papel da OTAN e a legitimidade da ação no Kosovo, além do livro de Aguilar, nos pautaremos no artigo “A intervenção militar da Otan na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das relações internacionais pós-guerra fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao direito internacional e o soterramento de uma segurança europeia independente6” de Carlos Henrique Luiz Ferreira7. Para reforçar nosso argumento de que medidas distintas são tomadas quando o conflito é “na casa do vizinho ou dentro da própria casa”, nos pautaremos na análise feita por Michael Moore nos documentários: Tiros em Columbine e Fahrenheit: 11 de Setembro. No primeiro, Moore faz a relação entre a política do medo instituída pelos governantes dos EUA aos seus 4 Cientista Político e especialista em Paz e Segurança Internacional é Diretor Adjunto do Centro de Estudos das Américas (Universidade Cândido Mendes) e membro do Programa de Estudos Políticos da universidade do Estado do Rio de Janeiro. 5 Grifo nosso 6 Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Estudos Estratégicos, Universidade Federal Fluminense, vol. 1 - n°2/ 2009. 7 Mestre e Doutor pelo Departamento de Ciência Política da USP. Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista PRODOC/CAPES/MEC [email protected]. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 442 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 cidadãos bem como o incentivo ao porte de arma. No documentário existe um trecho em que é relacionado o evento de Columbine em 20 de Abril de 1999 ao ataque da OTAN a comando do presidente Bill Clinton no Kosovo e termina com cenas do atentado ao World Trade Center, o que nos permite avançar e apontar as políticas de Segurança Internacional tomadas pelo país norte-americano após o 11 de Setembro de 2001. Usaremos também outros artigos produzidos sobre os temas elencados. O CONFLITO DO KOSOVO E A OTAN. O Conflito no Kosovo é um dos tantos outros que fizeram parte da “guerra da Iugoslávia”. Na verdade, como vemos no livro de Aguilar, todos os conflitos se deram por motivos distintos e causas históricas. A causa destes eventos pode ser compreendida, inclusive pela análise do Marechal Tito, transcrita no início deste trabalho. Analisando essencialmente o conflito do Kosovo, conforme Aguilar, “Em 1995, os albaneses tentaram colocar o problema do Kosovo na pauta do Acordo de Dayton, o que foi bloqueado por Milosevic”. Esse bloqueio não foi impensado, a comunidade internacional também não fez questão de resolver o problema naquele momento, pois “Se a questão da autonomia do Kosovo fosse colocada em discussão, poderia não se chegar a um acordo, o que inviabilizaria a paz, a exemplo das tentativas anteriores que haviam falhado”. Este contexto é importante para notarmos que não era simples resolver os problemas do território. O Acordo de Dayton teve como prioridade “naquele momento o fim da guerra na Croácia e na Bósnia” (AGUILAR, 2003, p. 215). Durante o conflito iniciado em 1991, surgiu o Exército de Libertação de Kosovo – ELK, este grupo tinha como meta lutar pela independência da “província”. Tratava-se de um grupo radical, que passou a agir de forma regular e com extrema violência a partir de 1996. Conforme dados informados em 1999 estima-se que o exército kosovar já tinha em torno de três mil militantes. Não obstante todo o conflito faz-se necessário lembrar que durante o período de 1991 a 1995 houve uma limpeza étnica na região, e este fato foi um dos mais falados pela mídia. Lembremos que apesar desta “limpeza” não houve intervenção direta das Organizações Internacionais. Foram quatro anos de intenso genocídio até os EUA entrarem no conflito para “tentarem” um acordo, que de toda forma não atendia e não pretendia resolver todas as questões relacionadas ao conflito. Uma série de eventos, desde o embargo de armamento à Iugoslávia em 1998 pela ONU, bem como a determinação de que o país devia retirar a polícia especial do Kosovo cessando a hostilidade que afetavam os civis, não impediu a morte de mais de 2 mil albaneses e a fuga de outros 200 mil até o início de 1999. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 443 INÊS CRISTINA DOS SANTOS Percebe-se então, que a Resolução da ONU de nº 1160 não teve eficácia, e em setembro de 1998, ou seja, seis meses após esta resolução outra é divulgada pelo CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas, que determinava que a Iugoslávia “adotasse medidas concretas para resolver o problema político e autorizasse o monitoramento da OSCE8” (AGUILAR, 2003, p. 217). Neste período entre 1998 e 1999 foram tentados vários acordos de paz, entretanto dada a complexidade do conflito, os planos de paz não abarcavam as reivindicações de todos os elementos envolvidos. Estima-se que as forças armadas da Iugoslávia tinham em seu efetivo cerca de 135 mil homens, sendo que deste quadro, 40 mil homens aproximadamente estiveram participando do conflito no Kosovo. Além do efetivo das forças armadas participaram do conflito os grupos paramilitares Tigres de Arkan e Águias Brancas – os responsáveis pela limpeza étnica realizada nas regiões da Bósnia e da Croácia, conforme dissemos anteriormente. Sobre a intervenção da OTAN, Aguilar informa: Com o impasse nas negociações e o prosseguimento da ação do exército iugoslavo contra os guerreiros do EKL e a população da província, os dirigentes da OTAN decidiram, no final de março, iniciar o bombardeio aéreo na Iugoslávia, ativando a chamada Operação Força Aliada – Operation Allied Force (AGUILAR, 2003, p. 219).·. A Rússia se colocou contra a intervenção da OTAN e exigiu o fim dos ataques bem como a retomada das negociações para o Kosovo, mas, este “pedido” foi rejeitado por doze votos a três, sendo favoráveis tão somente a própria Rússia, a China e a Namíbia, o Brasil e a Argentina, lamentavelmente, votaram contra. Durante a operação, foram realizadas mais de 35 mil missões aéreas. Os bombardeios destruíram não apenas pontos militares atingiram escolas, rodovias e emissoras de rádio e TV. “Assim, travou-se uma batalha paralela, na mídia e na Internet, onde ambos os lados procuraram obter vantagens: a OTAN, mostrando o problema dos refugiados para justificar os bombardeios” – se é que este elemento justifica algo, e, “os iugoslavos, apresentando erros dos mesmos e seus efeitos na população civil para tentar mobilizar a opinião pública” (AGUILAR, 2003, p. 221). Entretanto a ação da OTAN tinham motivos muito mais consistentes que a questão do Kosovo como explica Ferreira: (...) para os EUA a intervenção da OTAN, para além das justificativas oficiais, era fundamental, por dois motivos ligados à questão da segurança: 8 Organização para Segurança e cooperação na Europa. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 444 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 1) A OTAN precisava agir, visto que era uma organização nascida no período da Guerra Fria e, desde o seu surgimento, nunca havia efetuado uma ação armada; e 2) Essa intervenção era um alento para os EUA pois dificultaria a efetivação da Política Externa de Segurança Comum (PESC) da União Europeia, que previa a possibilidade do estabelecimento de forças armadas conjuntas europeias (independentes da OTAN).”(Cf. FERREIRA, 2009) Aqui começa a nossa análise conjunta do conflito com a questão da legitimidade da ação da OTAN por intermédio da imposição do país estadunidense. Conforme Aguilar, “A opinião pública, principalmente a americana9, ficou mais sensível aos ataques quando os erros nos bombardeios tornaram-se mais frequentes e cenas de civis mortos foram divulgadas com mais intensidade na TV sérvia” (AGUILAR, 2003, p. 222). Apesar da questão do apoio ou não dos demais países e da opinião pública da população estadunidense, os EUA estavam mais interessados em mudar o papel da OTAN no cenário internacional. O conflito no Kosovo possibilitaria um novo momento na história da OTAN. De alguma forma, dentro das Relações Internacionais e do Direito Internacional, percebeu-se que o papel da ONU foi posto de lado para ser substituído pela intervenção da OTAN. Não obstante, o protagonismo das Nações Unidas foi interrompido em 1999 com o “episódio” Kosovo. O caso Kosovo foi o primeiro conflito internacional no qual uma série de Estados (nucleados na OTAN) abandonaram o Direito Internacional e a ordem há pouco estabelecida. Abria-se assim um perigoso precedente no período. Esse precedente deu margens para outras ações que seguiram a mesma lógica, se não jurídica, prática: fazer guerra “cuando se dá la gana” (numa feliz expressão castelhana). (Cf. FERREIRA, 2009) Como vimos pelas considerações de Aguilar, os EUA justificavam a ação da OTAN devido ao genocídio que estava ocorrendo na região, bem como a questão dos refugiados. Entretanto, se os genocídios, ou seja, a limpeza étnica se deu entre 1991 a 1995, porque somente em 1999 se resolveu apelar para os ataques da OTAN? No que se refere à análise do Direito Internacional se apreende um grande problema “Dessa maneira temos um problema jurídico. Conforme a Convenção do Genocídio e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, podemos interpretar que a ação da OTAN possa ter sido legal”. Entretanto há de se observar que “ao mesmo tempo, temos a Carta da ONU que dispõe que: toda ação armada empreendida contra um outro país (salvo legítima defesa) deve ter autorização do CSONU, o que não ocorreu nesse caso. Chegamos a um impasse” (Cf. FERREIRA, 2009) Esse impasse é em seguida analisado e Ferreira conclui que “Dessa maneira, o argumento 9 Grifo nosso Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 445 INÊS CRISTINA DOS SANTOS do genocídio (Convenção e Pacto) invocado para justificar a intervenção da OTAN não pode ser considerado válido, legal, tendo em vista os artigos 5310º e 10311º da Carta da ONU. Existe a prevalência da Carta sob a Convenção e o Pacto”. (Cf. FERREIRA, 2009) De qualquer modo, como aqui estamos analisando o que concerne à questão do Direito, sabemos que muitas vezes existem dúvidas ou interpretações distintas sobre o assunto, isso também é levado em consideração na análise de Ferreira: “Mesmo assim, de acordo com o Direito Internacional, uma eventual dúvida no que concerne à interpretação dos textos internacionais deve ser levada ao órgão competente; nesse caso, a Corte Internacional de Justiça”. (Cf. FERREIRA, 2009) Entretanto, avaliando a questão do Direito Internacional, Ferreira nos coloca que antes da ação da OTAN, se houvesse dúvida na legitimidade ou não da ação, a Corte Internacional de Justiça deveria ter sido acionado, e, após uma decisão desta, proceder-se-ia ou não com o “ataque”. Ferreira esclarece: Encerrado esse ponto, cumpre ainda ressaltar que a invalidade legal da ação empreendida pela OTAN na Iugoslávia em 1999 tem também outras nuances no que tange propriamente ao Direito Internacional. Para citar apenas uma, que se impõe por sua claridade, trazida à literatura especializada por Luigi Ferrajoli: a ilegalidade da ação frente à própria Carta constitutiva da Aliança. O autor afirma que a Carta é clara em seus princípios de natureza: a OTAN é uma aliança militar defensiva, de contra-ataque, por assim dizer, e que, portanto, não poderia ter realizado um ataque. Ou seja, o próprio estatuto jurídico da OTAN não permitiria o empreendimento de uma ação militar que não fosse defensiva. (Cf. FERREIRA, 2009) Assim, é imperativo firmar que a ação da OTAN foi ilegítima, inclusive no que diz respeito ao Direito Internacional, e, as ações do país imperialista sempre se pautaram naquilo que “eles” acreditam. Como dizer que os EUA são democráticos, que é legítimo o “direito” deste país levar a “democracia” ao restante do mundo, e, querer mudar inclusive a cultura oriental com base no que eles acreditam ser a cultura do ocidente, ou seja, a cultura estadunidense? A imposição de seu modo de ser, pensar, agir não é exatamente o que eles (EUA) denominam como ditadura? Afinal, quando os EUA impõem para os demais países o que eles acreditam ser o “modelo ideal” de vida, estão sendo democráticos? 10 Artigo 53 – 1- O conselho de Segurança utilizará, quando for o caso, tais acordos e entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no entanto, levada a efeito de conformidade com acordos ou entidades regionais sem autorização do Conselho de Segurança (...). 11 Artigo 103- No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta. (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 446 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 Ainda sobre a questão do Direito Ferreira discorre: na efetivação de um ato (como foi a intervenção) contrário ao Direito Internacional no cenário internacional, automaticamente abre-se a possibilidade de que isso se repita como algo “normal”, como um exemplo de possibilidade de ação. Cabe lembrar mais uma vez que no período pós-Guerra Fria, que tem seu início em 1989/1991, a intervenção da OTAN na Iugoslávia foi o primeiro ato desrespeitando a Carta das Nações Unidas. Isso vale dizer que esse ato abriu as portas para a continuidade de marcar atos ilegais como “atos normais” e “atos necessários”, desacreditando, portanto, o ordenamento jurídico internacional. (Cf. FERREIRA, 2009) Nossa intenção ao elencar a ilegalidade do ataque das forças da OTAN no Kosovo, além da análise do conflito é o de mostrar que os EUA têm suas próprias leis, e, que eles a alteram quando necessário para continuar na posição de país hegemônico, pois, “Um dos pontos fundamentais da política externa estadunidense a partir da Segunda Guerra Mundial foi uma inserção ativa na ordem internacional e na construção de sua hegemonia”. É óbvio que o país da América do Norte não abrirá mão desta posição facilmente. Ainda “Vale recordar que boa parte dos estadunidenses prefere uma postura de política externa mais isolacionista, olhando “mais para dentro do que para fora”. Entretanto de alguma forma, pela política do medo ou outro elemento isto mudou e, Foi principalmente após as duas grandes guerras que os EUA solidificaram sua vocação “para fora” (que de certo modo já estava exposta em 1823 na Doutrina Monroe). (Cf. FERREIRA, 2009) Com efeito, os argumentos de Ferreira embasam nossa “tese” de que o país imperialista usará todas as “armas” que forem necessárias para manter-se forte hegemonicamente. A questão do poder está fundamentalmente ligada ao pensamento dos governantes e de boa parte da população dos EUA. Do nosso ponto de vista, não há dúvida de que uma das motivações da OTAN para atacar a Iugoslávia, além das justificativas oficiais e outras não-oficiais, foi manter a segurança europeia no seio da OTAN, fazendo com que o aparelho militar dos EUA tenha acesso facilitado a informações militares europeias e que tropas estadunidenses marquem presença e utilizem as bases da OTAN em solo europeu.(Cf. FERREIRA, 2009) Justificada a ilegalidade do ataque da OTAN, voltamos e encerraremos a análise das consequências desta ação. Aguilar aponta que antes do referido ataque, “Milosevic acenou diversas vezes para um Acordo de Paz” (AGUILAR, 2003, p. 222), no entanto face ao número de exigências da OTAN este acordo não foi possível. Face todos os acontecimentos, mais um fato inédito historicamente – Milosevic foi o primeiro chefe de estado em exercício a sofrer uma ação penal internacional Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 447 INÊS CRISTINA DOS SANTOS com a imputação da culpabilidade pela campanha de limpeza étnica. Com toda a pressão sofrida, em Junho de 1999 foi assinado um acordo que permitia a presença militar da OTAN no território do Kosovo, este acordo também estabelecia que a força de segurança no país fosse de responsabilidade da OTAN, e que qualquer outra forma militar deveria deixar a província e que o ELK deveria ser “desmilitarizado”. Após este acordo, a ONU12 volta a fazer o seu papel no Kosovo em uma missão que se chamou United Nations Interin Administration Mission in Kosovo – UNMIK. O custo para reconstruir o Kosovo foi de aproximadamente “740 milhões de dólares ao ano, por um prazo de 3 anos. Já com relação a Iugoslávia, estudos apontaram que serão necessários pelo menos 45 anos para que ela retorne aos níveis econômicos de 1989” (AGUILAR, 2003, p. 231) TIROS EM COLUMBINE13 E FAHRENHEIT – 11 DE SETEMBRO14. Analisamos o papel dos EUA e da OTAN no Kosovo, entretanto, é relevante saber o que ocorria no país da América do Norte enquanto estavam engajados na luta para fazer justiça aos responsáveis pelo genocídio na Iugoslávia. Para tanto recorremos ao documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine, haja vista que muitas vezes as imagens são mais profundas do que qualquer palavra. É assim que Moore começa seu documentário: “20.04.1999 – O presidente bombardeou mais um país cujo nome não sabíamos pronunciar”, e parte para outra cena em que ele informa que “Havia visto um anúncio no jornal local de Michigan que dizia que abrindo uma conta no Banco North Country você ganhava uma arma”. Moore entra no banco diz que pretende abrir qualquer modalidade de conta que lhe possibilite ganhar a arma, e, após perguntas irrelevantes da atendente sai da “agência bancária” com um rifle nas mãos. Após estas duas cenas, enfim começa o documentário que pretende mostrar o modo como os estadunidenses tratam a questão das armas, ele – Moore – vai a barbearia cortar o cabelo com o rifle que ganhou e compra munição para a arma. Na sequência passa a entrevistar estadunidenses, inclusive membros de uma milícia de Michigan que foram responsáveis por um atentado em Oklahoma tendo como resultado a morte de 168 pessoas, mostra ainda que a cidade de Virgin, Utah sancionou uma lei que obriga todos os residentes a terem armas. Até os cegos podem ter armas. 12 Sobre outros problemas enfrentados pela ONU na guerra da Iugoslávia assistir ao filme: A Informante que trata de um dos maiores escândalos da história envolvendo a ONU, Kathy Bolkovac (Rachel Weisz) é uma policial esforçada que aceita trabalhar para as Nações Unidas como pacificadora na Bósnia, que passa por uma reconstrução pós-guerra. Seus desejos de ajudar na reconstrução de um país devastado são destruídos quando ela fica face a face com a dura realidade: uma vasta rede de corrupção e tráfico sexual que é encoberta pela ONU. 13 Oscar de melhor documentário de longa-metragem em 2003. 14 O filme foi premiado no Festival de Cannes de 2004, obtendo a Palma de Ouro. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 448 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 O objetivo de Moore é tentar fazer um paralelo com o incentivo do uso de armas nos EUA a política do medo divulgada pelas TV’s do país e a relação dos EUA com o mundo. Para isso, ele elenca historicamente: - 1953: EUA derrubam Massadeq – primeiro ministro do Irã... EUA colocam Shah como ditador; - 1954: EUA derruba Arbenz, presidente da Guatemala, 200 mil civis são mortos; - 1963: EUA apoiam assassinato do presidente sul vietnamita Dieim; - 1963-1975: Exército americano mata 4 milhões na Ásia; - 11 de Setembro de 1973: EUA armam um golpe de estado no Chile, o presidente democraticamente eleito Salvador Allende é assassinado, o ditador Augusto Pinochet assume, 5 mil chilenos são assassinados; - 1977: EUA apoiam o governo militar de El Salvador, 70 mil salvadorenhos e 04 freiras americanas são mortos; - 1980: EUA treinam Bin Laden e terroristas para matar soviéticos, a Cia dá à eles US$ 3 bilhões; - 1981: Governo de Reagan treinam e financiam contras. 300.000 nicaraguenses são mortos; - 1982: EUA dão a Saddan Husseim armas para matar iranianos; - 1983: Casa Branca, secretamente, dá armas ao Irã para matar iraquianos; - 1989: O agente da Cia, Manuel Noriega, presidente do Panamá desobedece as ordens de Washington, EUA invadem o Panamá e derrubam Noriega, 3 mil civis panamenhos são mortos; - 1990: Iraque invade o Kuwait com armas americanas; - 1991: EUA entram no Iraque, Bush reempossa o ditador do Kuwait; - 1991 até hoje (quando do documentário): aviões americanos bombardeiam o Iraque, a ONU estima que 500 mil crianças iraquianas morrem devido aos bombardeios e as sanções; Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 449 INÊS CRISTINA DOS SANTOS - 2000-01: EUA dão ao Afeganistão dos talibãs US$ 245 milhões; - 11 de Setembro de 2001: Osama Bin Laden mata 3 mil pessoas com técnicas da Cia15. - O documentário continua mostrando o orgulho do país em ter participado dos conflitos históricos, em uma das cenas é focalizado um avião com uma placa em que se lê que este foi usado no natal de 1972 para matar vietnamitas. - Na sequência Moore vai direto ao ponto: - 20.04.1999 – O maior bombardeio americano – 22 mísseis da OTAN caem no vilarejo de Bogutovac. Bombas são lançadas nas áreas residenciais do vilarejo. - É mostrada a cena do presidente Bill Clinton informando aos estadunidenses da ação no Kosovo, volta a cena 01 hora depois dele na rede de televisão falando do evento em Columbine. Todo o restante do documentário, Moore passa entrevistando pessoas para tentar entender o que houve em Columbine, mostra a questão do porte de arma. Nos Estados Unidos da América os cidadãos acreditam que eles próprios têm que se defender sem esperar “justiça” do estado. Moore pergunta às pessoas o porquê o país é tão violento, e, as respostas são as mais distintas. Muitos acreditam que a história sangrenta do país é o motivo real da violência. Entretanto Moore coloca as questões históricas da Alemanha, China, Japão e mostra em números que estes países têm um número ínfimo de assassinatos por arma de fogo, e, que o país com maior número de mortes é os EUA. Seria então o excesso de armas com civis? Moore vai ao Canadá e compara os dois países. No Canadá as pessoas também tem acesso fácil às armas, mas, o número de assassinatos é insignificante, quase nenhum. A resposta dos canadenses a violência dos vizinhos é que os estadunidenses querem resolver tudo em duelos, com a arma, não pensam e deixam para lá, a questão é a da honra. Os filmes hollywoodianos mostram um pouco desta questão, se pararmos aqui para pensarmos na quantidade de filmes que legitimam o assassinato este artigo viraria um livro, mas, os filmes produzidos nos EUA são vistos mundialmente, e, nem por isso os japoneses – maiores consumidores de filmes – saem matando as pessoas. Moore encontra na política do medo perpetrada pelas redes de TV a explicação para 15 Moore não cita no documentário algo relevante para a História do Brasil que é o apoio direto dos EUA no Golpe militar de 1964, existem vários artigos e livros publicados sobre o assunto, e, recentemente temos o documentário O dia que durou 21 anos escrito e dirigido por Camilo Tavares e narrado pelo jornalista Flávio Marques, que também assina o roteiro. O documentário é uma co-produção da TV Brasil com a Pequi Filmes e resgata a história do golpe militar de 1964, desnuda os bastidores e a participação dos Estados Unidos na empreitada. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 450 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 a angústia que sofrem os estadunidenses. Lá (como aqui no Brasil) os programas de maior audiência são aqueles que mostram os crimes. E, apesar de o índice de assassinatos terem diminuídos em dado momento, a mídia continuou sua busca incessante pelos eventos sangrentos. Ora, além dos “fatos” ocorridos no país, as séries produzidas remetem as pessoas a pensar nos assassinos em série. Algumas delas: Criminal Minds, CSI – Nova York, CSI – Miami, CSI, Law and Order (de todos os tipos)... No livro A enciclopédia de Serial Killers, Michael Newton já no prefácio indica “Entender o problema e desenvolver soluções possíveis de serem aplicadas é importante nos Estados Unidos (que, com menos de 5% da população mundial, produziu 84% de todos os serial killers conhecidos desde 1980)”. (NEWTON, 2008, p.11) Se a análise de Moore tem consistência, podemos fazer um paralelo com a questão da política do medo discutida por Aguilar, também ele usa um capítulo de sua obra para falar sobre o assunto, e, enumera algumas pessoas que imputam à política do medo o resultado dos acontecimentos na guerra da Iugoslávia. Aguilar diz que durante o governo de Tito, “Essa política do medo teria mantido os iugoslavos unidos” (AGUILAR, 2003, p. 270). Entretanto, “a morte de Tito com seu carisma e o fim da União Soviética, alteraram a concepção do Estado para os iugoslavos. Acabaram, também com alguns dos medos que os mantinham unidos” (AGUILAR, 2003, p. 271) A análise de Aguilar mostra alguns equívocos estratégicos durante o governo de Tito que culminaram nas crises analisadas no livro. Para Aguilar “O quadro piorou quando a sociedade percebeu que também não tinha um líder – papel desempenhado por Tito – para criar um novo projeto”. Desta forma, se a política do medo vivida na Iugoslávia serviu, por algum tempo, para uni-los, a política do medo vivida pelos estadunidenses estão levando-os a crises muito sérias. Não obstante o medo perpetrado pela mídia, a crise financeira de 200816 desperta atenção. Mas, parece que o país não está disposto a voltar seu olhar “para dentro”, continuam a olhar “para fora”, com as últimas notícias do incentivo dos EUA para Israel atacar o Irã antes das eleições para presidência em 2012. Para fechar esta questão usamos a observação de Aguilar Ficou patente, também a dependência da ONU em relação aos EUA. A guerra só terminou a partir de um acordo, quando os norte-americanos resolveram, motivados também por interesses políticos internos, tomar posição mais enérgica no conflito. Ao final das negociações o presidente Clinton, candidato a reeleição, surgiu como o grande líder que conseguiu o fim da guerra. (AGUILAR, 2003, p. 285) 16 Sobre a crise estadunidense de 2008, existem vários livros que falam sobre a questão da bolha e analisam os aspectos que levaram ao “boom”. Indicamos aqui o documentário “Inside Job” dirigido por Charles Ferguson, ganhador do Oscar de 2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 451 INÊS CRISTINA DOS SANTOS Nosso intuito em falar sobre o documentário de Michael Moore, Fahrenheit: 11 de Setembro é também o de questionar a “democracia estadunidense” como já citamos anteriormente. O filme começa mostrando o escândalo da eleição presidencial nos EUA em 2000. A fraude levou ao poder o presidente George W. Bush quando os números apontaram que a vitória foi, de fato, de Al Gore, mas, o senado norte-americano vergonhosamente compactuou com a fraude. Nos primeiros meses de sua “administração”, Bush presidente empossado “ilegalmente” e sem o apoio popular, passou meses em férias, até o ataque às Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001. “Presidente da Guerra” como foi intitulado ele sai da sua toca para aproveitar-se do evento e se autopromover. Entretanto, como mostra Moore tudo é um grande engodo, imagens são sobrepostas de matérias divulgadas antes e depois do atentado e mostram claramente a série de mentiras em que se baseou Bush na sua corrida para o petróleo. Uma das questões mais relevantes é o fato de antes das eleições sua assessoria ter informado que o Iraque não teria condições de construir e ter armas de destruição em massa, e, depois, usar este argumento – o Iraque estava escondendo armas – para iniciar seus ataques. Outra questão relevante no documentário é a questão do nacionalismo. Moore entrevista uma mãe que informa com orgulho que toda sua família em algum momento da História dos EUA se alistaram e serviram às forças armadas estadunidense. Entretanto é chocante ao final do documentário o sofrimento desta mulher patriota ao receber a notícia da morte do filho que estava no Iraque por uma Guerra que pretendia somente atender aos interesses particulares do Presidente e daqueles que de fato ele representava. Isto ficou extremante claro em seu discurso: “É impressionante a turma que está aqui hoje. Os ricos e os mais ricos ainda! Algumas pessoas chamam vocês de elite. Eu os chamo de ‘minha base’”. (MOORE, 2004, p. 113) O documentário tem uma linguagem clara e objetiva. Moore quer mostrar o discurso falastrão de Bush, seus interesses pessoais e sua carreira política sempre pautada em fraudes e acordos com os donos do petróleo no Oriente Médio. Já no documentário: Tiros em Columbine é citada a quantia em dinheiro doada aos talibãs em 2000-01, mesmo ano do atentado. Aproveitando-se do atentado, o imperialismo estadunidense mais uma vez se impõe ao mundo como os donos do poder. Vale lembrar aqui de um pequeno documentário divulgado na Internet com as cenas do atentado e sob o título: Nós não esqueceremos, e, a reposta do mundo à eles com outro breve curta com as cenas dos ataques comandados pelos EUA em que se mostram incontáveis números de mortos com o título: Nós também não esqueceremos. De alguma forma, dado o nacionalismo dos estadunidenses no início da Guerra, até os Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 452 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 soldados em sua “ingenuidade” acreditavam que estavam levando a democracia ao mundo. Em entrevista com um soldado no Iraque este afirma: “Nós precisamos... Como diz o velho ditado, conquistar os corações e as mentes das pessoas. Este é o nosso trabalho. Nós temos de... Trazer os ideais de democracia e liberdade ao país e mostrar a eles que os americanos estão aqui para... governar o Iraque” (MOORE, 2008, p. 107). Trata-se mesmo de levar a democracia ao mundo? Segundo Barry Reingold em entrevista no documentário ele afirma que quando em conversa com alguns amigos sobre o atentado e sobre a crueldade de Bin Laden sua resposta foi: “É, mas ele nunca vai ser tão cretino quanto Bush, que bombardeia o mundo inteiro para lucrar com o petróleo”. (MOORE, 2008, p. 73). CONSIDERAÇÕES FINAIS Nosso objetivo neste artigo foi o de mostrar o papel dos EUA em eventos que mudaram a história mundial, tanto no que concerne ao seu papel como membro da ONU pelas análises de Aguilar, como do desrespeito ao Direito Internacional com a mudança de estratégia no que se referia ao papel da OTAN antes do ataque ao Kosovo explicitado por Ferreira. Também foi central nesta discussão mostrar que o interesse Imperialista é particular, ditatorial e se podemos afirmar “fascista”, conclusões que chegamos ao ver os documentários de Moore. As regras após o 11 de Setembro de 2001 foram claras, desrespeitou-se mais uma vez qualquer tratado assinado anteriormente, o objetivo agora era o de propor uma “nova ordem” que atendesse apenas e exclusivamente os interesses do país centro do capitalismo mundial. Terminamos este artigo com o discurso, na íntegra, de Bush em 20 de Setembro de 2001, no Congresso dos EUA. Nosso objetivo com isso é reafirmar nossa posição de que os interesses estadunidenses estão e sempre estarão acima dos interesses do mundo, seja no que diz respeito às Relações Internacionais, ao Direito Internacional ou qualquer “elemento” que se tenha como obstáculo ao país norte-americano levar a cabo seus interesses. Senhor presidente da Câmara, senhor presidente interino do Senado, membros do Congresso e caros americanos: Em situações normais, presidentes vêm a essa Câmara para falar do estado da União. Hoje à noite, isso não é necessário. O estado do país já foi mostrado pelo povo americano. Vimos a coragem dos passageiros, que enfrentaram terroristas para salvar outras pessoas no solo, passageiros como um homem excepcional chamado Todd Beamer. Por favor, ajudem-me a dar as boas-vindas à sua mulher, Lisa Beamer. Vimos o estado de nossa União na persistência das equipes de resgate, trabalhando além da exaustão. Vimos o desfraldar de bandeiras, o acendimento de velas, a doação de sangue, as preces em inglês, em hebraico e em árabe. Vimos a decência de pessoas amáveis e generosas, que fizeram da dor de estranhos a sua própria. Caros concidadãos, nos últimos nove dias, o mundo todo viu o estado de nossa União e ela é forte. Hoje à noite, somos um país que acordou para o perigo e foi Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 453 INÊS CRISTINA DOS SANTOS chamado para defender a liberdade. Nossa dor transformou-se em raiva, e a raiva em determinação. Se conseguiremos trazer nossos inimigos à Justiça ou levaremos a justiça a nossos inimigos, a justiça será feita. Agradeço o Congresso por sua liderança num momento tão importante. Toda a América ficou emocionada na noite da tragédia ao ver republicanos e democratas, em conjunto nos degraus do Capitólio, cantando “God Bless America”. E vocês fizeram mais do que cantar, vocês agiram ao liberar US$ 40 bilhões para reconstruir nossas comunidades e pagar as necessidades de nossos militares. Presidente Hastert e líder da minoria Gephardt líder da maioria Daschle e senador Lott agradeço por sua amizade, por sua liderança e pelo serviço que prestaram a nosso país. E, em nome do povo americano, agradeço o mundo pelo forte apoio. A América jamais esquecerá o som de nosso hino nacional sendo tocado no Palácio de Buckingham, nas ruas de Paris e no Portão de Brandemburgo em Berlim. Não esqueceremos as crianças sul-coreanas rezando em frente à nossa embaixada em Seul nem as orações feitas numa mesquita do Cairo. Não esqueceremos momentos de silêncio e dias de luto na Austrália, na África e na América Latina. Também não esqueceremos os cidadãos de 80 nações que morreram ao lado de nossos cidadãos. Dúzias de paquistaneses. Mais de 130 israelenses. Mais de 250 cidadãos da Índia. Homens e mulheres de El Salvador, do Irã, do México e do Japão. E centenas de cidadãos britânicos. A América não tem nenhum amigo tão verdadeiro como o Reino Unido. Mais uma vez, estamos lado a lado numa grande causa. O premiê britânico atravessou o Atlântico para mostrar sua unidade de propósito com a América. E, hoje à noite, damos as boas-vindas a Tony Blair. Em 11 de setembro, inimigos da liberdade cometeram um ato de guerra contra nosso país. Os americanos já conheceram guerras, mas, nos últimos 136 anos, foram guerras em solo estrangeiro, exceto num domingo em 1941. Os americanos sofreram perdas em guerras, mas não no centro de uma grande cidade numa manhã tranqüila. Os americanos conheceram ataques surpreendentes, mas nunca anteriormente contra milhares de civis. Tudo isso caiu sobre nós num único dia e a noite caiu num mundo diferente, um mundo no qual a liberdade está sendo atacada. Os americanos têm muitas perguntas hoje à noite. Os americanos estão perguntando: quem atacou nosso país? As pistas que amealhamos nos dirigem a uma coleção de organizações terroristas difusas chamada Al Qaeda. Eles são os mesmos assassinos indiciados pelos ataques às embaixadas americanas na Tanzânia e no Quênia. Também são responsáveis pelo atentado a bomba ao U.S.S. Cole. Al Qaeda é para o terror o que a máfia é para o crime. Mas seu objetivo não é ganhar dinheiro. Seu objetivo é refazer o mundo e impor suas crenças radicais a pessoas do mundo todo. Os terroristas praticam uma forma marginal de extremismo islâmico, que foi rejeitada por acadêmicos muçulmanos e pela maioria dos clérigos muçulmanos um movimento marginal que perverte os ensinamentos pacíficos do islã. A diretiva dos terroristas os leva a matar cristãos Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 454 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 e judeus, a matar americanos e a não separar os militares dos civis, incluindo mulheres e crianças. Esse grupo e seu líder uma pessoa chamada Osama Bin Laden estão ligados a várias outras organizações em diferentes países, incluindo o Jihad Islâmico egípcio e o Movimento Islâmico do Uzbequistão. Há milhares desses terroristas em mais de 60 países. Eles são recrutados em suas próprias nações e em suas vizinhanças. São levados a campos em locais como o Afeganistão, onde aprendem as táticas do terror. Eles são mandados de volta a seus países ou enviados a outros países do mundo para planejar o mal e a destruição. A liderança da Al Qaeda tem grande influência no Afeganistão e apóia o regime do Taleban, que controla a maioria do país. No Afeganistão, vemos a visão de mundo da Al Qaeda. O povo do Afeganistão tem sido brutalizado muitos estão morrendo de fome, e muitos outros fugiram. As mulheres não podem freqüentar escolas. Você pode ser preso por possuir um aparelho de TV. A religião só pode ser praticada conforme ditada por seus líderes. Um homem pode se preso, no Afeganistão, se sua barba não for longa o suficiente. Os EUA respeitam o povo do Afeganistão, somos atualmente sua maior fonte de ajuda humanitária, mas condenamos o regime do Taleban. Ele não apenas reprime seu próprio povo, mas também ameaça pessoas em todos os lugares ao patrocinar, abrigar e fornecer terroristas. Ajudando assassinos, o regime do Taleban comete assassinatos. E, hoje à noite, os EUA fazem as seguintes exigências ao Taleban: Entregar às autoridades americanas todos os líderes da Al Qaeda que se escondem em seu território. Libertar estrangeiros incluindo cidadãos americanos que vocês prenderam injustamente e proteger jornalistas estrangeiros, diplomatas e pessoas que trabalham com ajuda humanitária. Fechar imediatamente e permanentemente todos os campos de treinamento de terroristas existentes no Afeganistão e entregar todos os terroristas e todas as pessoas que os apoiam a autoridades competentes. Dêem aos Estados Unidos acesso total aos campos de treinamento terrorista para que possamos verificar se eles não estão mais em operação. Essas demandas não estão abertas a negociação ou discussão. O Taleban deve agir e agir imediatamente. Eles vão entregar os terroristas ou eles vão compartilhar sua sina. Hoje eu também quero falar diretamente aos muçulmanos de todo o mundo: nós respeitamos a sua fé. Ela é praticada livremente por milhões de americanos e por milhões mais em países que a América considera amigos. Seus ensinamentos são bons e pacíficos, e aqueles que cometem males em nome de Allah blasfemam o nome de Allah. Os terroristas são traidores de sua própria fé, tentando, de fato, sabotar o próprio islã. O inimigo da América não são os nossos muitos amigos muçulmanos; não são os nossos numerosos amigos árabes. Nosso inimigo é uma rede radical de terroristas e cada governo que a apóia. Nossa guerra contra o terror começa com a Al Qaeda, mas não é lá que ela termina. Ela não vai acabar até que cada grupo terrorista de alcance global tenha sido encontrado, parado e derrotado. Americanos estão perguntando: por que eles nos odeiam? Eles odeiam o que Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 455 INÊS CRISTINA DOS SANTOS nós vemos aqui mesmo nessa câmara um governo eleito democraticamente. Os líderes deles são auto-indicados. Eles odeiam as nossas liberdades, nossa liberdade de religião, nossa liberdade de expressão, nossa liberdade de voto e de associação e de discordar um do outro. Eles querem derrubar governos existentes em muitos países como Egito, Arábia Saudita e Jordânia. Eles querem expulsar Israel do Oriente Médio. Eles querem expulsar cristãos e judeus de enormes áreas da Ásia e da África. Esses terroristas não matam apenas para acabar com vidas, mas para tumultuar e acabar com um estilo de vida. Com cada atrocidade eles esperam que a América se torne temerosa, retraindo-se do mundo e abrindo mão de nossos amigos. Eles se colocam contra nós porque nós estamos em seu caminho. Não nos enganamos com as suas pretensões à piedade. Já vimos o seu tipo antes. Eles são os herdeiros de todas as ideologias assassinas do século 20. Ao sacrificar vidas humanas a serviço de sua visão radical a de abandonar todos os valores exceto a busca pelo poder, eles trilham o caminho do fascismo, nazismo e do totalitarismo. E eles trilharão esse caminho até o fim, até onde ele termina: na cova não identificada das mentiras descartadas. Americanos estão se perguntando: Como vamos lutar e vencer essa guerra? Nós vamos direcionar todos os recursos sob nosso controle todos os meios de diplomacia, todas as ferramentas de inteligência, todos os instrumentos de aplicação da lei, toda influência financeira e toda arma de guerra necessária para a desorganização e derrota da rede global de terror. Essa guerra não vai ser como a guerra contra o Iraque há uma década, com sua decisiva libertação de território e rápida conclusão. Não vai se assemelhar à guerra aérea em Kosovo há dois anos, onde tropas terrestres não foram usadas e nem um único americano foi perdido em combate. Nossa reação envolve muito mais do que retaliação instantânea e ataques isolados. Americanos não devem esperar uma batalha, mas sim uma campanha extensa, diferente de qualquer outra que nós já vimos. Ela pode incluir ataques dramáticos, visíveis na televisão, e operações secretas, sigilosa até mesmo no sucesso. Nós vamos cortar o financiamento dos terroristas, jogar um contra o outro, fazê-los correr de um lugar para o outro até que não haja mais refúgio ou descanso. E nós vamos perseguir nações que ofereçam ajuda ou abrigo seguro para o terrorismo. Cada nação, em cada religião, tem de tomar uma decisão agora. Ou estão conosco ou estão com os terroristas. Desse dia em diante, qualquer nação que continue a proteger ou sustentar terrorismo vai ser considerada pelos Estados Unidos como um regime hostil. Nossa nação foi colocada em alerta: não estamos imunes de um ataque. Nós vamos tomar medidas defensivas contra terrorismo para proteger os americanos. Hoje, dezenas de departamentos e agências federais, assim como governos estaduais e locais, têm responsabilidades que afetam a segurança interna. Esses esforços devem ser coordenados no nível mais alto. Portanto hoje à noite eu anuncio a criação de um cargo de nível ministerial que responderá diretamente a mim o Escritório de Segurança Interna. Essas medidas são essenciais. Mas a única forma de derrotar o terrorismo, uma ameaça ao nosso modo de vida, é detê-lo, eliminá-lo e destruí-lo Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 456 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 onde ele venha a crescer. Muitos serão envolvidos nesse esforço, desde agentes do FBI a operadores de inteligência e os reservistas que chamamos para serviço ativo. Todos merecem o nosso obrigado e todos recebem as nossas preces. E hoje, a algumas milhas do edifício danificado do Pentágono, eu tenho uma mensagem para os nossos militares: estejam prontos. Eu coloquei as Forças Armadas em alerta, e há um motivo. A hora quando a América agirá está chegando, e vocês nos deixarão orgulhosos. Entretanto, isso não é apenas a luta da América. E o que está em jogo não é apenas a liberdade da América. Essa luta é mundial. Essa luta é da civilização. Essa é a luta de todos que acreditam em progresso e pluralismo, tolerância e liberdade. Nós pedimos a todas as nações que se juntem a nós. Nós pediremos, nós precisaremos da ajuda de forças policiais, serviços de inteligência e sistemas bancários em todo o mundo. Os Estados Unidos estão agradecidos que muitas nações e muitas organizações internacionais já responderam com simpatia e com apoio. Nações da América Latina à Ásia, à África, à Europa, ao mundo islâmico. Talvez a Carta da Otan reflita melhor a atitude do mundo: o ataque a um é o ataque a todos. O mundo civilizado está se alinhando com a América. Eles entendem que, se esse terror seguir impune, suas próprias cidades, seus próprios cidadãos possam ser os próximos. Terror não respondido pode não só trazer prédios abaixo, também pode ameaçar a estabilidade de governos legítimos. E nós não o permitiremos. Americanos estão perguntando: o que está sendo esperado de nós? Eu peço que vocês vivam suas vidas e abracem seus filhos. Eu sei que muitos cidadãos têm medos hoje à noite e eu os peço para ficarem calmos e resolutos, mesmo em face de uma ameaça contínua. Eu peço que vocês sustenham os valores da América e lembrem por que tantos vieram para cá. Nós estamos em uma luta pelos nossos princípios e a nossa primeira responsabilidade é de viver de acordo com eles. Ninguém deve ser apontado para receber tratamento injusto ou palavras desagradáveis por causa de sua ascendência étnica ou por seu credo religioso. Eu peço que vocês continuem a apoiar as vítimas dessa tragédia com as suas contribuições. Aqueles que desejarem doar podem ir a uma fonte central de informação, http://libertyunites.org, para encontrar os nomes dos grupos oferecendo ajuda direta em Nova York, Pensilvânia e Virgínia. Os milhares de agentes do FBI que agora estão trabalhando nessa investigação podem precisar de sua cooperação, e eu peço que vocês a dêem. Eu peço a sua paciência, com os atrasos e inconveniências que podem acompanhar uma segurança mais rígida, e com a sua paciência no que será uma longa luta. Eu peço a sua participação contínua e confiança na economia americana. Terroristas atacaram um símbolo da prosperidade americana. Eles não tocaram a sua fonte. A América é bem-sucedida por causa do trabalho duro, da criatividade e do empreendimento do seu povo. Essas foram as verdadeiras forças de nossa economia antes do dia 11 de setembro, e elas são as nossas forças hoje. Finalmente, por favor sigam rezando pelas vítimas do terror e suas famílias, por Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 457 INÊS CRISTINA DOS SANTOS aqueles em uniforme e por nosso grande país. As orações nos consolam na tristeza e ajudarão a nos fortalecer para a jornada à nossa frente. Nesta noite eu agradeço aos americanos pelo que vocês já fizeram e pelo que farão. E, senhoras e senhores do Congresso, eu agradeço a vocês, seus representantes, pelo que já fizeram e farão juntos. Nesta noite enfrentamos novos e inesperados desafios nacionais. Nos uniremos para melhorar a segurança aérea, expandir dramaticamente o número de seguranças nos vôos domésticos e tomar novas medidas para impedir seqüestros. Nos uniremos para promover a estabilidade e manter nossas companhias aéreas voando com assistência direta durante essa emergência. Nos uniremos para dar aos órgãos de segurança as ferramentas adicionais necessárias para perseguir o terror aqui em nosso país. Nos uniremos para fortalecer nossa inteligência para conhecermos os planos dos terroristas antes de eles agirem e os encontrarmos antes de atacarem. Nos uniremos para tomar as medidas para fortalecer a economia americana e mandar nosso povo de volta ao trabalho. Nesta noite nós recebemos aqui dois líderes que personificam o extraordinário espírito de Nova York: o governador George Pataki e o prefeito Rudolph Giuliani. Como um símbolo da fibra americana, minha administração trabalhará com o Congresso e esses dois líderes para mostrar ao mundo que reconstruiremos Nova York. Após tudo o que aconteceu, todas as vidas tiradas e todas as possibilidades e esperanças que morreram com eles, é natural indagar se o futuro da América é um futuro de medo. Alguns falam de uma era do terror. Sei que há lutas pela frente e perigos a enfrentar. Mas este país irá definir nossa época, não ser definido por ela. Enquanto os EUA forem determinados e fortes, essa não será uma era de terror; essa será uma era de liberdade, aqui e em todo o mundo. Sofremos muitos danos e grandes perdas. E em nossa dor e raiva encontramos nossa missão e nosso momento. A liberdade e o medo estão em guerra. O avanço da liberdade humana a grande conquista de nosso tempo e a grande esperança de sempre agora depende de nós. Nossa nação, a geração atual, eliminará uma ameaça de violência de nosso povo e de nosso futuro. Uniremos o mundo por essa causa, com nosso esforço e nossa coragem. Não cansaremos e não falharemos. Minha esperança é que nos próximos meses e anos a vida retornará quase ao normal. Voltaremos a nossas vidas e rotinas, e isso é bom. Até a dor desaparece com o tempo. Mas nossa determinação não deve passar. Cada um de nós lembrará o que aconteceu naquele dia, e com quem aconteceu. Lembraremos do momento em que a notícia chegou, onde estávamos e o que fazíamos. Alguns lembrarão de uma imagem de fogo ou uma história de resgate. Alguns de memórias de um rosto ou uma voz desaparecida para sempre. E eu carregarei isso. É o crachá de um homem chamado George Howard, que morreu no World Trade Center tentando salvar outras vidas. Foi dado a mim por sua mãe, Arlene, como um memorial orgulhoso para o seu filho, isso me lembra das vidas que terminaram e de um objetivo que não termina. Eu não esquecerei essa ferida em nosso país ou aqueles que a infligiram. Não desistirei, não descansarei nessa luta pela liberdade e segurança do povo Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 458 O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE E SUA CONDUTA DIANTE DA CRISE DE KOSOVO, MASSACRE DE COLUMBINE E O 11 DE SETEMBRO DE 2001 americano17. O curso desse conflito é desconhecido, mas seu final é certo. Liberdade e medo, justiça e crueldade, sempre estiveram em guerra, e sabemos que Deus não é neutro entre eles. Caros cidadãos, enfrentaremos violência com justiça paciente, seguros de que a nossa causa é justa e confiantes na vitória futura. Em tudo que está a nossa frente, que Deus nos dê sabedoria, e que Ele zele pelos Estados Unidos da América. Obrigado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. Acordo que acabou com Guerra da Bósnia faz 10 anos. 22 nov. 2005. Disponível em <http:// www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2005/11/051122_bosniadaytoncg.shtml>. Acesso em 10 ago. 2012. AGUILAR, Sérgio. A guerra da Iugoslávia: uma década de crise nos Bálcãs. São Paulo: Usina do Livro, 2003. BRIGADÃO, Clóvis. Introdução de A guerra da Iugoslávia: uma década de crise nos Bálcãs. Rio de Janeiro, p. 9-19. Dez 2002. In: AGUILAR, Sérgio. A guerra da Iugoslávia: uma década de crise nos Bálcãs. São Paulo: Usina do Livro, 2003. FERREIRA, Carlos Henrique Ruiz. A intervenção militar da OTAN na Iugoslávia como um ponto de inflexão no quadro das relações internacionais pós-guerra fria – dois coelhos numa cajadada só: o desrespeito ao direito internacional e o soterramento de uma segurança europeia independente. Disponível em <http://www.cedep.ifch.ufrgs.br/otan. pdf.> Acesso em 10 ago. 2012. MOORE, Michael. O livro oficial do filme Fahrenheit 11 de Setembro. São Paulo: W11, 2004. NEWTON, Michael. A enciclopédia de Serial Killers: Um estudo de um deprimente fenômeno criminoso, de “Anjos da Morte” ao Matador do “Zodíaco”. 2.ed. São Paulo: Madras, 2008. Discurso de Bush no congresso dos EUA no dia 20 de setembro. Folha de São Paulo, 21 de Setembro de 2001. Disponível em <http://bresserpereira.org.br/Terceiros/TerrorWTC/BushSet21-Discurso.pdf>. Acesso em 18 ago. 2012. 17 Todos os grifos do discurso são nossos Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 459 INÊS CRISTINA DOS SANTOS OTAN ordena ataque à Iugoslávia. 24 março 1999. Disponível em <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/mundo/ft24039912.htm>. Acesso em 19 ago. 2012. FILMOGRAFIA CITADA A informante. Larysa Kondracki (Alemanha/Canadá, 2010). Fahrenheit: 11 de Setembro. Michael Moore (EUA, 2004) Inside Job. Charles Ferguson (EUA, 2010) O dia que durou 21 anos. Camilo Tavares (Brasil, 2011) Tiros em Columbine. Michael Moore (EUA, 2002) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 460 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA João Vicente Nascimento Lins Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá Resumo: O retorno do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos em 2001 trouxe uma nova doutrina de política externa, que gerou impactos não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. Tal doutrina previa uma diplomacia focada nas armas e na reconfiguração do mundo, para melhor atender às transnacionais com sede nos Estados Unidos. A aplicação dessa estratégia culminou na invasão do Iraque e do Afeganistão no Oriente Médio. Na América do Sul ela se materializou no aumento das tensões com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e na promoção de políticas de segurança interna para os países da região, principalmente no assim chamado Plano Colômbia, um plano de reconfiguração humana e material das forças armadas colombianas, visando solucionar o conflito civil entre forças internas, pela via militar. O objetivo desse trabalho é delinear o discurso oficial criado para justificar essas políticas, ou seja, estabelecer as raízes da “Guerra contra as drogas” promovida pelos Estados Unidos, sua relação com o chamado “Plano Colômbia” e o “Plano Patriota” e o impacto que essa ingerência na região causa aos militares e às relações entre o Brasil e a Colômbia. Palavras-chave: Plano Colômbia; Militares; Relações Internacionais; Imperialismo. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 461 JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS INTRODUÇÃO A América Latina viveu inúmeras transformações durante a primeira década do século XXI No campo político pode-se destacar a eleição em países como a Venezuela, Bolívia, Equador, de governos com cunho progressistas, que em alguma medida romperam com seus antecessores no campo das políticas sociais. Na economia após uma década sofrendo com as turbulências externas advindas da aplicação das reformas estruturais de cunho liberal, tal qual a abertura da economia ao capital externo, retomou-se o crescimento, muito embora focado no elevado preço das commodites no mercado internacional. Na área social, incentivadas por uma parca transferência de renda que os governos progressistas promoveram houve uma elevação da renda, oriunda também do crescimento econômico, principalmente na área de serviços. Essas transformações, no entanto, não romperam com a sua situação histórica de desenvolvimento subordinado aos ditames do capital internacional. Esses países constituíramse enquanto colônias no século XVI época em que o capitalismo se consolidava como modo de produção ainda em sua etapa comercial, e conquistaram sua independência em um momento chave da consolidação do capitalismo concorrencial, na primeira metade do século XIX quando o modo de exploração extensiva de riquezas coloniais já não era tão rentável, precisando-se criar novos mercados para os produtos do nascente parque industrial das metrópoles. No fim do século XIX, como uma das consequências do período de crise cíclica do capital conhecido como Grande Depressão (1873-1896) observou-se um acelerado processo de concentração de capitais nas mãos de poucas empresas, tal processo que conta com apoio fundamental dos bancos, receberá o nome de imperialismo1, ou capitalismo monopolista, configurando uma nova etapa de desenvolvimento do modo de produção capitalista, etapa essa caracterizada em linhas gerais por Lenin como: “(...)1. a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2. a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação baseada nesse capital financeiro da oligarquia financeira; 3. a exportação de capitais diferentemente da exportação de mercadorias adquire uma importância particularmente grande; 4. a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5. o termo de partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância 1 Esse conceito de imperialismo como uma nova etapa ou fase do capitalismo possui uma vasta bibliografia, em sua obra “O Imperialismo: a fase superior do capitalismo” Lenin irá retirar de autores burgueses e outros de esquerda as características dessa nova etapa, além de Lenin autores como Rosa Luxemburg, Bukharin, Kautsky, Hobson Hilferding, os três últimos inclusive utilizados como fontes pelo próprio Lenin. Atualmente autores como David Harvey, Virgínia Fontes, e o resgate das obras e da teoria de Ruy Mauro Marini trazem novas questões ao debate sobre o tema. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 462 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.” (LENIN, 2008, p.90). Sob o manto do imperialismo os países mais poderosos partilharam o mundo buscando maximizar os lucros das suas empresas2. Em 1823 o presidente dos Estados Unidos James Monroe aproveitando-se da independência dos países da América Latina, declara naquela que veio a ser conhecida como a Doutrina Monroe, que o continente americano era prioridade para o governo estadunidense e que ela deveria ser deixada sobre sua zona de influência e não dos países europeus. Desde então os EUA tem buscado defender seus interesses por todo o continente, intervindo em assuntos internos dos países sempre que os ativos de suas empresas são ameaçados por mudanças dentro da política interna, pressões populares ou problemas econômicos. Essas intervenções se dão por meio de ajuda econômica, ameaças diretas, agencias internacionais, apoio à golpes militares para por no poder grupos internos que defendam seus interesses, e em casos mais extremos intervenção militar direta. Esse trabalho irá analisar uma dessas intervenções que ocorrerá na Colômbia no inicio deste século, essa intervenção que recebe o nome de Plano Colômbia, altera profundamente a correlação de forças na América do Sul, impactando nas relações entre os países, no caso deste trabalho nas relações política e econômicas entre Brasil e Colômbia. A RETÓRICA DAS INTERVENÇÕES Para justificar perante aos olhos da opinião pública interna e externa, essas intervenções, os Estados Unidos utilizam-se dos mais diversos discursos tal como combate às drogas, luta contra o terrorismo internacional, defesa da democracia e da liberdade, contra o comunismo totalitário, defesa dos direitos humanos. O inimigo modifica-se conforme a conjuntura econômica e a política internacional, mas não a condição de sempre precisar promover uma guerra contra algo, segundo Domenico Losurdo: “Como toda guerra, a que está agora em andamento é acompanhada e estimulada por uma ideologia peculiar. Trata-se não só de motivar e acusar aqueles que são chamados a infligir a morte em larga escala e, às vezes, até mesmo enfrenta-la, mas também de mobilizar a frente interna em redor dos soldados envolvidos em 2 Ainda segundo Lenin: “A particularidade fundamental do capitalismo moderno consiste na dominação exercida pelas associações monopolistas dos grandes patrões. Estes monopólios adquirem a máxima solidez quando reúnem nas suas mãos todas as fontes de matérias-primas, e já vimos com que ardor as associações internacionais de capitalistas se esforçam por retirar do adversário toda a possibilidade de concorrência, por adquirir, por exemplo, as terras que contém minério de ferro, os jazigos de petróleo etc. A posse de colônias é a única coisa que garante de maneira completa o êxito do monopólio contra todas as contingências da luta com o adversário, mesmo quando este procura defender-se mediante uma lei que implante o monopólio de Estado. Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias.” (LENIN, 2008, p.83) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 463 JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS primeira linha. Por outro lado, é preciso combater o inimigo sim, mas também neutralizar aqueles que sabotam ou atravancam o esforço bélico – de modo mais simples, aqueles que exprimem reservas e dúvidas sobre guerras já desencadeadas ou que se levantam no horizonte.” (LOSURDO, 2010, p. 13). Para América Latina, a justificativa utilizada pelos EUA para promover sua política externa3 na primeira década do século XXI, será a do combate ao tráfico internacional de drogas. A folha de coca, matéria prima da pasta base da cocaína é uma planta originária da região da Cordilheira dos Andes, e fonte de sustento para a população mais desfavorecida de Peru, Bolívia e Colômbia. Dentro dessa estratégia de combate ao tráfico de drogas a principal ação de política externa dos Estados Unidos será o Plano Colômbia. O Plano Colômbia em linhas gerais vem a ser um plano de reestruturação material e humana das forças armadas colombianas, financiado pelos Estados Unidos da América para na prática ajudar o país a combater as quadrilhas de narcotraficantes. É em sua concepção um plano de repressão às substâncias psicoativas, como vários outros que existiram durante o século XX, e faz parte da atual política externa de combate ao tráfico de drogas dos EUA, política essa que recebe o nome de “Guerra contra as drogas”. A repressão às drogas sempre foi utilizada como arma na política externa dos EUA, desde que o país convocou a Conferência de Xangai em 1909, com o objetivo de melhorar as relações comerciais com a China, combatendo o tráfico de ópio, ajudando na retórica tanto interna quanto externa, mostrando também uma postura de enfrentamento à política econômica de Inglaterra, Alemanha e França grandes financiadoras do tráfico internacional via colonialismo. Desde então a pressão dos EUA para impor sua política antidrogas para o resto do mundo só aumentou, por exemplo, após a Primeira Guerra Mundial junto do Tratado de Versalhes, obrigou-se Alemanha e Turquia, a assinarem o Tratado de Haia que previa o controle sobre a venda e produção de ópio no mundo. Tal tratado prejudicava diretamente os dois países. A indústria farmacêutica alemã precisava se reerguer após a guerra, e a produção de papoulas era a esperança da Turquia para reerguer sua economia após a derrota no conflito. Exemplos como o da Alemanha e Turquia não faltam, nos anos 30 os EUA tentou exportar seu modelo de repressão e combate às drogas através de um artigo na Convenção de Genebra em 1933. As convenções contrárias às drogas sempre foram dominadas pelos EUA embora seu poder de influenciar os outros países só ganhou força durante a Guerra Fria, quando 3 Ainda segundo Losurdo: “Com a vitória triunfal alcançada pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria, verificouse uma mudança radical no quadro internacional. Não estamos mais diante de uma disputa pela hegemonia entre Estados ou alianças militares com uma força mais ou menos equivalente; ao contrário, uma superpotência solitária declara de modo explícito que não tolera mais rivais, que quer agora reforçar sua primazia militar ao ponto de torna-la insuperável. A essa mudança nas relações de força do plano militar corresponde uma mudança tão ou talvez mais radical nas relações de força no plano ideológico. Washington arvora-se agora, não sem sucesso, em preceptor do gênero humano.” (LOSURDO, 2010, p.278). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 464 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA seu modelo foi adotado por inúmeros países, principalmente nesse caso os da América Latina4. O modelo estadunidense é baseado no Estado possuir o monopólio do que será ou não considerado impróprio para o consumo humano, ao mesmo tempo em que precisa criar um aparato repressor para auxiliar seu saber científico médico, nas palavras de Thiago Rodrigues o modelo assume o seguinte: “O interesse na problematização das drogas estava no fato de que a proibição potencializa o poder estatal, pois cria o Estado terapêutico (paternalista e controlador do cotidiano dos indivíduos) e aprofunda o Estado punitivo (punição à transgressão das novas leis e combate ao mercado negro que surge com essas normas). [...] Assim, os norte-americanos se atiraram num infantilismo voluntário, acreditando piamente na sua incapacidade de cuidar de si e na onipotência do Estado em olhar por todos.” (RODRIGUES, 2004, p.88). Baseando-se, portanto em seu monopólio do saber científico, o Estado passa então a decidir sobre a potencialidade das substancias e seu impacto na sociedade. Aliado a um poderoso aparato repressivo, está construído um modelo sólido de controle da população. O aparato de repressão interna que surge da onda proibicionista inaugura o clima de guerra total que passa a imperar na sociedade. O modelo de guerra infinita contra o terrorismo e contra as drogas, dois pilares fundamentais da atual política externa dos EUA surge exatamente do modelo interno, eles ajudam na imagem interna do governo ao agradar seu eleitorado, e também ao poderoso complexo industrial militar, um dos maiores financiadores das campanhas políticas estadunidenses. Segundo Luiz Alberto Moniz Bandeira: “O militarlismo, sob o aspecto meramente econômico, constituiu uma forma especial para a realização da mais-valia (Mehrwert), i.e., um campo de acumulação, e, conforme Rosa Luxemburg salientou, desempenhara importante função na expansão do capitalismo, ao permitir-lhe assimilar, através da política colonial e mundial, os meios de produção e a força de trabalho nos países não capitalistas. Os Estados Unidos, da mesma forma que a Alemanha nazista durante os anos 30, encontraram no militarismo, sobretudo com a Segunda Guerra Mundial, um meio de permitir ao Estado sustentar a prosperidade das empresas privadas e reduzir o número de desempregados, consignando-lhes a encomenda de armamentos e outros grandes projetos militares. O military buildup, que Ronald Reagan acelerou nos anos 80, criou milhares de novos postos de trabalho. Em meados da década, cerca de 7 milhões de trabalhadores estavam empregados, direta ou indiretamente, na indústria de defesa, dedicada à construção de mísseis, aviões de guerra e outros armamentos. A rivalidade com a União Soviética servira como pano de fundo 4 O modelo básico é de reprimir toda a cadeia, do traficante ao usuário, haverá exceções como a da Argentina que durante um tempo tratava o usuário enquanto doente, e ao invés de penas de reclusão, propondo tratamentos médicos, mas essa condição modificou-se muito durante o século XX, devido também às sucessivas mudanças de regime interna que o país viveu. (RODRIGUES, 2004). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 465 JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS da política americana do Oriente Médio e de justificativa para a exportação de enormes quantidades de armamentos, sob o pretexto de manter o mundo “safe for democracy”, mas na verdade para defender um sistema de Estados-clientes contra qualquer resistência popular aos interesses das grandes corporações americanas.” (BANDEIRA, 2006, p.483). O militarismo citado por Moniz Bandeira é uma das principais características do imperialismo. A indústria bélica possui características únicas, como os Estados são os principais compradores de armas, e eles necessitam de não apenas aumentar seu poder, mas dissuadir seus concorrentes de um confronto, há uma encomenda praticamente incessante de armas, o que gera grandes lucros constantes para as empresas, a indústria bélica se torna fundamental para os grandes conglomerados, pois a constância de lucros pode ajudar a debelar alguns efeitos da contradição do capitalismo tais como o subconsumo e a superacumulação, segundo José Paulo Netto: “É evidente que a indústria bélica envolve interesses econômicos e políticos de enorme magnitude, mormente porque sua clientela básica, os Estados, de cujos orçamentos os monopólios vinculados à produção de armas passam a depender. Por isso mesmo, é constante a pressão que os monopólios realizam sobre os Estados, no sentido de estimular um clima de belicismo e militarismo – interessa a tais monopólios a existência de ‘inimigos externos’, capazes de justificar uma permanente corrida armamentista.” (BRAZ, NETTO, 2009, p.184, 185). Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos construíam um modelo proibicionista às substâncias psicoativas interno, o país expandia suas ações imperialistas por todo o mundo, visando conquistar novos mercados para suas empresas, até se tornar a principal potência bélica e econômica do mundo. O PLANO COLÔMBIA Na esteira do fim da Guerra do Vietnã, o então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon (1969 – 1974) não teve pressa em anunciar qual seria o novo inimigo dos EUA, com a Guerra Fria em um momento de distensão o foco da retórica estadunidense voltou-se para a questão do narcotráfico e do terrorismo. A vantagem de se optar por um inimigo sem face fixa se mostra nas enormes somas que podem ser destinadas nos orçamentos militares, deixando feliz o chamado complexo industrial militar, que aumenta a soma de dinheiro doado em campanhas eleitorais a cada ano, agradando também o eleitorado interno do país com a ideia de que o governo combate as ameaças à segurança interna, dentro e fora do país. A Guerra contra as drogas de fato ganhou cada vez mais importância para a diplomacia estadunidense, na década de 1980 em plena Guerra Fria o combate ao tráfico de drogas foi utilizado como retórica para defender incursões militares em vários países da América Central, como Honduras, El Salvador, Nicarágua, o objetivo principal era combater grupos de esquerda com inspirações marxistas que ganhavam Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 466 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA influencia entre a população carente, devido aos graves problemas econômicos que a região atravessou durante aquela década. No inicio década de 1990 com o fim da Guerra Fria, e a ascensão de Japão e Alemanha como grandes potencias industriais os produtos estadunidenses começaram a sofrer uma forte concorrência, some-se a isso o inicio das consequências das medidas de reestruturação produtiva aplicadas internamente no governo Reagan, tais como desemprego estrutural, desindustrialização, e o aumento dos investimentos no setor financeiro, ocasionou um déficit na balança comercial dos EUA. A solução encontrada passava por reestruturar as dívidas externas dos países da América Latina, obrigando-os a adotar reformas estruturais neoliberais, abrindo seus mercados para os produtos das empresas estadunidenses. A adoção das reformas neoliberais agradou ao mercado financeiro, mas não garantia que somente as empresas estadunidenses desfrutassem das imensas oportunidades de delapidação dos países latino americanos, era preciso criar uma zona de livre comércio na América que garantisse aos Estados Unidos condições especiais para transformar toda a América em seu quintal de negócios5. No ano de 2000 ocorre a troca de presidentes estadunidenses saí o democrata Bill Clinton com uma doutrina de política externa voltada para uma diplomacia comercial, com a CIA fazendo espionagem para beneficiar as transnacionais estadunidenses. E entra em seu lugar o republicano George W. Bush disposto a retomar uma doutrina de política externa militarista defendida pelos grupos de pressão conservadores ligados ao seu partido. O principal desses grupos é o Project for New American Century6, e com ele veio uma nova estratégia de combate ao tráfico internacional de drogas, e uma do combate ao terrorismo justificada pelos ataques de 11/09. No caso do narcotráfico a estratégia era de criar um plano de reestruturação e treinamento do exercito colombiano por tropas estadunidenses além da construção de bases militares compra de equipamentos7, e ajuda militar e econômica, prevendo uma vitória contra as guerrilhas utilizando apenas a força militar. 5 A famigerada Área de Livre Comércio das Américas a chamada ALCA, foi uma iniciativa que ganhou força durante o governo de Bill Clinton (1993-2001), com uma doutrina focada na diplomacia comercial, sua implantação e até discussão deu-se após a implementação do North America Free Trade Agreement o NAFTA entre Canadá, México e EUA. (BANDEIRA, 2004). 6 Grupo composto por lideranças políticas como Jeb Bush, Donald Rumsfeld, Dick Cheney, Francis Fukuyama, e que lançou um documento em 1997, que viria a ser a base do projeto político do governo de George W. Bush (20012009). O projeto defendia um aumento nos gasto de defesa, e forçar regimes contrários aos valores estadunidenses de democracia e liberdade. Não por sinal alguns dos nomes ligados vieram a ocupar cargos de alto escalão do governo Bush. (BANDEIRA, 2006). 7 Ocorreu uma reconfiguração nos modelos de negócio do complexo industrial militar, outrora focados na venda de armamentos, com a reestruturação produtiva, e aumento da importância do setor de serviços na economia, as empresas do complexo passaram a vender serviços, ligados à gerencia de equipamentos de alta tecnologia como radares, espionagem privada e também de segurança privada, sobre esse assunto recomenda-se a leitura do livro Blackwater: a Ascenção do exercito primado mais poderoso do mundo do jornalista Jeremy Scahill. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 467 JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS Essa nova estratégia recebeu o nome de Plano Colômbia, enquanto as atenções do departamento de Estado e de defesa dos EUA estavam no Oriente Médio, desde 2002 América do Sul sofre essa pressão direta. Segundo Forrest Hylton: “Em meio aos protestos populares, a mobilização e os triunfos eleitorais da centro-esquerda na América do Sul a partir de 1998, a Colômbia se converteu em um aliado ‘geoestratégico’ cada vez maior para o governo dos Estados Unidos. Durante os governos de Clinton e Bush, Colômbia e Estados Unidos implementaram o Plano Colômbia, um pacote de ‘ajuda’ de quatro bilhões de dólares em cinco anos, cuja grande maioria dos recursos estava destinada ao exercito e à polícia. O Plano Colômbia foi aparentemente projetado para combater a nova prosperidade na produção de narcóticos que explodiu no fim da década de 1990, apesar do desaparecimento do Cartel de Cali em 1996, na medida em que novos grupos de traficantes particularmente do norte do Valle, conseguiam deixar o negócio mais bem organizado do que nunca.” (HYLTON, 2010, p.143). Em última instância o Plano Colômbia visa modernizar e capacitar as forças armadas da Colômbia para combater o tráfico de drogas, e as guerrilhas de esquerda, mas também permite ao governo restabelecer o controle sobre terras controladas por esses atores onde se encontram jazidas minerais e de petróleo, segundo Aijaz Ahmad: “Depois da Venezuela e do México, a Colômbia é a terceira maior fonte de petróleo latino americano para os Estados Unidos – responsável por cerca de 3% do consumo norte-americano – embora a maioria dos recursos petroleiros do país permaneça até agora inexplorada [...] Poderíamos acrescentar que, ao contrário as percepções populares, os Estados Unidos importam para seu consumo interno mais petróleo da América Latina do que do Oriente Médio, e que a Colômbia compartilha com a Venezuela e com o Equador a Faixa Petrolífera do Orinoco venezuelana, que se suspeita possuir a maior jazida de hidrocarbonetos do mundo. O futuro das relações entre a Venezuela e os Estados Unidos e, consequentemente, do petróleo venezuelano para o consumo norte-americano é incerto. A importância da provisão da Colômbia, presente e futura, aumenta proporcionalmente.” (Aijaz Ahmad, 2006 apud HYLTON, 2010, p.147, 148). Longe de resolver o problema da violência no país, o período de aplicação do Plano que coincidiu com a ascensão ao poder do grupo político de Álvaro Uribe, representou um no número de forças paramilitares no país. Esses grupos que sempre existiram à margem do Estado, fazendo a segurança das oligarquias do país, fossem ligados ou não ao tráfico de drogas, passaram a eleger parlamentares e prefeitos apoiados por eles. Se as conversações com as Farc para cessar fogo ou em busca da paz quase não existiram durante o governo Uribe, aos paramilitares foram concedidas diminuições de pena e até extinção de sentenças, sendo incorporados à vida normal do país, enquanto que a perseguição aos guerrilheiros e militantes de esquerda aumentou. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 468 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA Os anos do governo Álvaro Uribe (2002 – 2010) foram os nos quais a violência aumentou em muito na Colômbia8, no que pese indicadores de crescimento econômico, eles foram marcados por expulsão de terra de pequenos produtores, chacinas provocadas por paramilitares9, que resultaram em inúmeras covas coletivas, a Colômbia se tornou o país onde ocorre o maior número de assassinatos de sindicalistas no mundo10. As terras tiradas dos pequenos agricultores criaram um enorme contingente de refugiados, e foram entregues para mineradoras, ou voltadas para o monocultivo exportador. Na esteira das mudanças militares o plano serviu para promover políticas neoliberais no país andino incentivando a privatização e terceirização de serviços de saúde e educação. Após a efetivação do Plano Colômbia a partir de 2003, o governo colombiano em conjunto com o governo dos Estados Unidos elaborou um novo plano dessa vez com o objetivo específico de enfrentar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – as Farc – e o Exercito de libertação Nacional – ELN – e vencê-los pela força, esse novo plano recebeu o nome de Plano Patriota, e contava com a implantação de bases do exercito estadunidense em território colombiano, fato por si só controverso e capaz de gerar um grande impacto nas relações entre a Colômbia e os demais países da região, principalmente com a Venezuela e o Brasil. AS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA Desde meados do século XIX, os Estados Unidos demonstram interesse na Floresta Amazônica, em 1849, os estadunidenses começaram uma campanha para o Brasil liberar a navegação no rio Amazonas, depois James Gadsen chegou a sugerir a criação de uma republica na Amazônia onde seriam transferidos os escravos estadunidenses, o que sempre foi do âmbito das relações internacionais se tornou uma preocupação crescente do exercito brasileiro durante todo o século XX. Conforme as relações com a Argentina tumultuadas no fim do século XIX, e que fizeram com que se instalassem inúmeras bases na região sul do país, se estabilizaram, essas bases 8 É difícil falar em números oficiais sobre a violência na Colômbia, o governo esconde muitos dados sobre execuções extraoficiais feitas pelo exercito, somente do partido de esquerda União Patriótica, mais de cinco mil militantes foram assassinados fonte: CEPEDA, Iván. Genocidio Político: el caso de la Unión Patriótica en Colombia. In: <http://www.desaparecidos.org/colombia/fmcepeda/genocidio-up/exterminio.html>, Acessado em 29 de março de 2012. 9 O principal grupo paramilitar que age na Colômbia, as Autodefesas Unidas da Colômbia, é um grupo criado pela união de vários paramilitares de direita em 1997, elas fizeram um acordo com o governo para um cessar fogo em 2006, mas, de acordo com o ministério público da Colômbia “O Ministério Público revelou, em 13 em janeiro de 2011, que tem documentados 173 183 casos de homicídios, 1 597 massacres, 34 467 desaparecimentos cometidos por paramilitares das autodenominadas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), supostamente dissolvidas. Fonte: ALERTA nuevo informe: 173.183 homicidios, 1.597 masacres, 34.467 desapariciones confiesa la Herramienta Paramilitar< http://www.kaosenlared.net/noticia/alerta-nuevo-informe-173.183-homicidios-1.597masacres-34.467-desapari> Acessado em 29 de março de 2012 10 No mundo, 60% dos sindicalistas assassinados são da Colômbia. Foram assassinados mais de 2.778 e foram cometidos mais de 11 mil atos de violência fonte: En Colombia son asesinados el 60% de los sindicalistas asesinados en el mundo, por una violencia sistemática del Estado colombiano. In: < http://www.rebelion.org/ noticia.php?id=120921>, Acessado em 29 de março de 2012. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 469 JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS começaram ainda que em um processo demorado a ser transferidas para a região norte. A conturbada situação interna da Colômbia com as ondas de violência extrema que chegaram à guerra civil com centenas de milhares de mortos, e que contribuíram historicamente para o surgimento das guerrilhas de esquerda, também foram elementos que tornaram as relações entre os Brasil e Colômbia tumultuadas, houve sempre o temor de transferir o confronto para o Brasil. Fato que será agravado com o desenvolvimento da indústria do narcotráfico na Colômbia em meados na década de 1970. Na mesma época os Estados Unidos declararam a Guerra contra as drogas, sob o pretexto de proteger sua população desse mal, aumentando as preocupações do Brasil de que pudesse ocorrer uma intervenção na região para combater o narcotráfico, e a partir desse pretexto os EUA ocuparem também a Amazônia. Ameaça que ganha novos contornos nas décadas de 1980 e 199011, quando o Brasil passa a sofrer pressão da comunidade internacional para preservar a floresta amazônica, e proteger as comunidades indígenas da região, há até uma proposta de se criar um território na Amazônia brasileira, uma reserva indígena para os Yanomami. As relações entre Colômbia e Brasil passam necessariamente pela relação dos dois países com os Estados Unidos. Durante a década de 90, haverá um tensionamento entre Brasil e EUA, referente à criação da Área de Livre Comércio das Américas, conhecida como ALCA, o Brasil como diretriz de sua política externa independente, concentrará seus esforços nos governo Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso em aumentar a cooperação entre os países da América do Sul, principalmente na criação e fortalecimento do Mercosul, em contraposição os Estados Unidos concentram esforços para minar o fortalecimento do Mercosul e criação de acordos de livre comércio país a país culminando na ALCA. A Colômbia desde meados do século XIX possui relações mais amigáveis com os Estados Unidos, há ponto de emergir no século XXI como o principal parceiro do país na região, principalmente por conta de dois pontos, o primeiro é o combate ao narcotráfico, que será expandido ao combate à guerrilha na figura das Farc, o segundo é produção de petróleo do país sul americano, com mais ênfase na produção de petróleo devido à tensão com o governo da Venezuela após a eleição de Hugo Chavéz em 1998. Com a necessidade de combater o narcotráfico, a administração Clinton desenvolverá um plano de envio de tropas para a Colômbia no ano 2000, que em conjunto com o governo do Peru 11 “O interesse dos Estados Unidos na Amazônia recrescera desde 1987, quando o governo americano criou o U.S Special Operations Command (USSOCOM), com a responsabilidade de preparar e manter as Special Operations Forces, cujas missões consistiam, basicamente, em combater a organização de protestos antigovernamentais, rebeliões, guerrilhas e outros movimentos para desestabilizar governos, treinar a formação de guerrilheiros e unidades rebeldes, coletar inteligência, promover sabotagens e guerra psicológica, difundir informações falsas etc. E, desde o início dos anos 90, o Pentágono, intensificou os exercícios militares intra-regionais e operações multilaterais na América do Sul, com ênfase nas guerras de baixa intensidade ou média intensidade, dentro da perspectiva de futuros cenários de guerra na selva.” (BANDEIRA, 2004, p.166-167). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 470 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA criaria um pretexto utilizando uma falsa venda e compra de armas das Farc. Haverá um papel fundamental do Brasil para evitar esse conflito. Durante todo o governo de Fernando Henrique, houve esforços para que os atritos com os Estados Unidos fossem menor, principalmente após Celso Lafer assumir o cargo de ministro das relações exteriores, mas ainda que em alguns momentos essa postura tenha chegado quase à subserviência12, o Brasil não abriu mão de sua política externa independente, de defender em última instância os interesses brasileiros, e de não intervir em conflitos internos de outros países. Se internamente o governo Fernando Henrique, aplicava as reformas estruturais neoliberais, privatizando as empresas estatais, configurando um governo próximo ao espectro da direita, o Itamarati não teve receio de rechaçar as tentativas da comunidade internacional de vincular a contrainsurgência de grupos guerrilheiros de esquerda como as Farc e o ELN com o tráfico de drogas, ou mesmo com o terrorismo a partir de 2001. E foi justamente a ação do Brasil em conjunto com os vizinhos da região Equador e Venezuela, de rechaçar qualquer ação militar dos Estados Unidos na região, proibindo a utilização do espaço aéreo e recusando o envio de tropas, que fará com que tal plano seja engavetado, mas, não totalmente abandonado, já que será substituído pelos planos: Colômbia (2002) e Patriota (2003). E serão as novas bases militares e envio de assessores previstos no Plano Patriota uma nova fonte de tensão na região amazônica, já que a exemplo de outras ações militares, havia o temor de que os guerrilheiros em fuga atravessassem a fronteira com o Equador, Venezuela e Brasil, nas palavras de Hylton: “O Plano Patriota teve início no final de 2003, com o objetivo de expulsar as Farc de uma zona de aproximadamente 187 quilômetros de extensão entre os departamentos de Caquetá, Meta, Guaviare e Vaupés, e conseguir a captura e extradição de seus líderes para os Estados Unidos. Com o componente da extradição, o Plano Patriota foi aplicado como uma espécie de Operação Marquetalia aumentada e robustecida em homens, recursos e tecnologia, ameaçando expandir a guerra até a Venezuela e Equador. Cerca de 20 mil tropas equatorianas se agruparam ao longo da fronteira colombiana em abril de 2006, enquanto na Venezuela mais de 100 colombianos foram presos por conspirar para assassinar Hugo Chávez em coordenação com os paramilitares e o DAS da Colômbia, serviço de inteligência que só responde à presidência.” (HYLTON, 2010, p.165). 12 Destaca-se aqui o acordo quase fechado entre Brasil e EUA para ceder a base de lançamento de foguetes em Alcântara no Maranhão aos estadunidenses abrindo mão de toda a soberania sobre aquele território. Outro fato é o episódio que ocorreu mais de duas vezes no qual Celso Lafer então chanceler do Brasil, aceitou passar pelas novas e humilhantes revistas em aeroportos nos Estados Unidos, após os atentados de onze de setembro de 2001. Um episódio não menos emblemático, foi que o Brasil não defendeu a permanência do brasileiro José Maurício Bustamni, no cargo de diretor geral da organização para a proibição de armas químicas, órgão independente mais ligado à ONU. Os Estados Unidos pressionavam a saída de Bustani já que sua postura de defender as inspeções às instalações iraquianas, representava uma dificuldade na criação do pretexto para a invasão do Iraque em 2003. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 471 JOÃO VICENTE NASCIMENTO LINS Ainda durante o governo de Fernando Henrique o Brasil liderava as negociações para estreitar as relações econômicas entre o Mercosul e o Pacto Andino – o qual a Colômbia faz parte – visando integrar economicamente politicamente a região. Alianças que nos anos 2000 com a eleição de governos de cunho progressista como o governo Lula no Brasil, de Nestor Kirchner na Argentina, de Fernando Lugo no Paraguai, de Evo Morales na Bolívia, de José Mujica no Uruguai, Rafael Correa no Equador, e a consolidação do projeto de socialismo de Hugo Chavéz na Venezuela, vieram resultar na construção de um instrumento de defesa integrada e desenvolvimento econômico da região, a UNASUL. Essa busca por integração resultou na criação da CELAC, Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos, um instrumento que busca a união dos países da América Latina e do Caribe buscando construir um desenvolvimento econômico integral e combinado na região. CONCLUSÃO Apesar de algumas transformações a realidade que a América Latina, o Brasil, a Colômbia e o mundo se encontram, ainda é a do modo de produção capitalista, em sua fase imperialista ou monopolista, portanto vivemos ainda suas contradições fundantes, principalmente a relação contraditória entre o capital e trabalho, contradições essas que tendem a acentuar a exploração da classe trabalhadora, e a concentração de capitais nas mãos de bem poucos capitalistas. A classe trabalhadora buscou se organizar e combater essa exploração, na tentativa de construir uma nova sociedade baseada em um novo modo de produção de riquezas não mais pautado na propriedade privada dos meios de reprodução social, e na exploração do homem pelo homem. São exemplos históricos dessa luta a Comuna de Paris em 1871, a Revolução Russa em 1917, e a Revolução Cubana em 1959. Essas tentativas revolucionárias embora vitoriosas, foram rechaçadas por movimentos contrarrevolucionários, que terminaram por derrotar ou conseguir fechar esses processos revolucionários em um apenas um país, nas famosas palavras de Marx “Os homens fazem a sua própria história, mas não fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado.” (MARX, 2008, p.207). Esses movimentos por mais que derrotados, ainda que vitoriosos, inspiraram e ainda inspiram os povos do mundo inteiro a resistir e buscar a construção de um mundo mais justo e igualitário. No caso da América Latina, inúmeros foram os movimentos que ousaram resistir ao imperialismo das grandes potências, visando a superação das condições históricas de atraso do continente, os movimentos de guerrilha para resistir às sangrentas ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos nos anos 60 e 70, a tentativa chilena de construção de um socialismo pela via eleitoral com Salvador Alende, a tentativa recente de Hugo Chavéz e Evo Morales de construir uma sociedade no qual as classes subalternas sejam protagonistas da vida política. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 472 O PLANO COLÔMBIA E O IMPACTO NAS RELAÇÕES ENTRE BRASIL E COLÔMBIA Essas tentativas, ainda que com limites, ainda que derrotadas constroem dia a dia a história de luta dos povos latino americanos, contra uma situação de opressão histórica por parte do capital. A crise financeira que eclodiu em 2008 no centro do capitalismo – EUA e União Europeia – age para aguçar as contradições do capital, e expor a luta de classes. Suas consequências se disseminam por todo o mundo, e o consórcio imperialista recorre à violência bélica para tentar manter a ordem, e desunir a classe trabalhadora, apelando para o aumento de tensões históricas, visando a manutenção do lucro da indústria bélica para debelar os efeitos da crise. Nesse cenário de caminho da barbárie, e que ameaça a América do Sul, para ficar no caso mais aberto da Colômbia, é necessário à todo o continente caminhar na consolidação dos instrumentos de cooperação mútua que vá além do desenvolvimento econômico, para superar de vez as condições históricas de dependência e de exploração, caminhando em solidariedade com os povos de todo o mundo na construção de uma sociedade mais justa, igualitária, em que o homem não explore o próprio homem, atingindo a essência do gênero humano sem alienar-se pela aparência. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDEIRA, Luis Alberto Moniz. Formação do império americano: da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. _____. As relações perigosas: Brasil - Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990 - 2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. BRAZ, Marcelo. NETTO, José Paulo. Economia Política: uma introdução crítica. 5ª edição. São Paulo: Cortez, 2009. CEPEDA, Iván. 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Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 474 RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO Rafael Adilio Silveira dos Santos Graduando em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá Bolsista PIBIC-Fundação Araucário - UEM Resumo: Em meados de 2007, teve início o processo de crise financeira nos Estados Unidos, momento em que as manifestações da crise ocorreram no setor imobiliário, influenciou fortemente a inadimplência no pagamento das hipotecas do segmento subprime (mercado de crédito), gerou ampla desvalorização de imóveis e dos ativos financeiros ligados ao setor. O estouro da crise financeira que ganhou proporções internacionais deriva da política monetária americana, de inspiração neoliberal, que advoga a não intervenção do Estado no funcionamento do mercado, gerando desregulamentação. Mas é em 2008, com a falência do Banco Lehman Brothers e de outras instituições financeiras que a crise confirma sua gravidade, causa medo no mercado mundial e deixa de ser um problema estadunidense apenas. Nestes momentos de crise do sistema capitalista, novamente altera-se o papel do Estado em relação ao Mercado, sendo que, lhe é atribuída à responsabilidade de socorrer financeiramente empresas e bancos privados, com o argumento de que é preciso garantir a recuperação da economia. Dado o contexto, o presente ensaio, busca explicitar os fatores que levaram à crise financeira deflagrada em 2007, bem como analisar parte das medidas adotadas pelo Governo americano antes e depois do início da crise, que alteraram os rumos da economia política internacional. Palavras-chave: Crise financeira nos Estados Unidos; Estado; Mercado; Economia política. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 475 RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS INTRODUÇÃO O Estado, mais do que uma instância meramente política de uma nação, também interfere nos rumos econômicos de um país, mesmo num sistema de inspiração liberal que advogue participação governamental mínima, ou seja, economia e política se relacionam. Portanto, analisamos a relação entre estas duas estruturas no atual sistema capitalista onde as instituições liberais predominam, procurando estabelecer de que maneira uma estrutura da realidade influencia a outra, onde há pontos de toque entre economia e política na vida social. Neste contexto, pretendemos estudar as causas da crise econômica iniciada em 2007, conforme sugerem Belluzzo (2011a) e Silva (2009), a qual reverbera até os dias atuais. Inseridos nos marcos da Economia Política e da Teoria Crítica, recusamos as teorias que separam economia e política, pois as compreendemos de forma articulada na análise científica da realidade, as duas perspectivas da vida humana andam juntas e não de maneira separada. Também não tratamos economia política em seus aspectos interno e externo de forma estanque e separada, o que ocorre dentro de um país não está imune ao que ocorre internacionalmente. Estamos no campo da macroeconomia, pois o que nos interessa é uma visão geral dos motivos da crise e de como o governo estadunidense tem lidado com tal circunstância. Apesar da contemporaneidade da crise, percebendo que hoje ela assola não só os Estados Unidos, mas também a Europa, isso não significa que ela seja um problema ao qual nos deparamos de maneira inédita ou surpreendente, falar da história ou do desenvolvimento da sociedade capitalista é ter que relatar a ocorrência das crises. Elas são inerentes, inevitáveis ao atual modo de produção em que vivemos e não apenas um acidente no percurso que foge a qualquer previsão, elas não têm caráter excêntrico na realidade, a crise econômica é constitutiva do capitalismo e expressão de suas contradições. Nesse sentido, cabe enfatizar que, “não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise”. (NETTO; BRAZ, 2011, p. 167). Num rápido levantamento histórico das crises econômicas no capitalismo, de 1825 até a Segunda Guerra Mundial ocorreu quatorze delas. As crises deixaram de ser localizadas e passaram a ter dimensão internacional, a mais grave do século XIX foi em 1873, a crise de 29 certamente é uma das mais marcantes da história e tocante no que se refere ao século XX. Assim nos é apresentado o desenvolvimento conturbado da sociedade capitalista na sua história recente: Em pouco mais de um século, como se constata, a dinâmica capitalista revelou-se profundamente instável, com períodos de expansão e crescimento da produção sendo bruscamente cortados por depressões, caracterizadas por falências, quebradeiras e, no que toca aos trabalhadores, desemprego e miséria. (NETTO; BRAZ, 2011, p. 166) A frequência das crises, juntamente de seu caráter sistêmico, as tornam por si só objeto Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 476 RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO de importantíssima análise para compreendermos melhor e de forma mais clara a conjuntura internacional, os processos envolvidos nas relações internacionais e a compreensão da dinâmica envolvida no âmbito da Economia Política Internacional. Pretendemos, assim, contribuir com nosso estudo para o entendimento das crises e o papel desempenhado pelo Estado em meio aos interesses envolvidos da sociedade civil, bem como instituições ou empresas que representam o capital. Precisamos pensar a crise para além de um fenômeno econômico, mas também nas suas implicações para as decisões políticas da vida social, onde certas prioridades ficam mais evidentes. A crise manifesta as contradições e lutas que ocorrem no âmbito da sociedade de classes na defesa por interesses, ajudando a pensar a relação capital/Estado que não se separa do mundo do trabalho. A ATUAL CRISE FINANCEIRA NOS ESTADOS UNIDOS Parte-se do pressuposto de que nenhuma crise explica-se apenas pelo momento em que é deflagrada e se torna evidente, por isso, com a crise de 2007/2008 não foi diferente. No entanto, precisamos voltar um pouco no tempo para explicar as origens das perturbações da economia política que nos atingem até os dias atuais. Devido às políticas monetárias dos anos 1980, os Estados Unidos mantiveram a inflação sob controle nos anos de 1990, a taxa de juros foi mantida baixa, o que proporcionava baixo rendimento aos bancos e demais instituições financeiras fazendo com que corressem atrás de novas alternativas na competição por lucros; mas estimulava o consumo e o investimento pelo país (SILVA,2009). O ambiente de tranquilidade na economia estadunidense foi quebrado no início dos anos 2000, com a crise das empresas pontocom (empresas ligadas à internet que tiveram suas ações supervalorizadas, quando os lucros não foram os esperados, seus papéis ficaram ilíquidos) e o desaquecimento econômico que acometeu o país. O crescimento médio do PIB caiu de 4,34% para 0,31% entre 2000 e 2001, resultado da contração do consumo das famílias. Neste cenário, a taxa de juros foi reduzida sucessivamente, estimulando as famílias a contraírem empréstimos e consequentemente gastando mais para alavancar a retomada de crescimento da economia, mas não parou por aí, o governo americano também reduziu impostos para elevar o crescimento. Depois do abalo na confiança do mercado de ações com a crise das empresas pontocom e a redução do retorno deste tipo de aplicação (devido à redução da taxa de juros), todos procuravam alternativas para investirem seu dinheiro, uma das alternativas estava na construção de novas casas, ou seja, no investimento imobiliário (SILVA, 2009). O mercado já tinha bancos e financeiras que dominavam o crédito para o setor imobiliário, principalmente no segmento prime, onde as regras para os tomadores de empréstimos eram Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 477 RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS mais rígidas, exigia-se um bom histórico de crédito e renda suficiente para pagar as parcelas. As novas empresas (bancos e financeiras que outrora atuavam em outros mercados, mas encontraram espaços num cenário de desregulamentação para explorar novas possibilidades e acirrar a competição) que investiam na área imobiliária procuravam lucros e crescimento rápido. O setor que apresentou as maiores possibilidades de ganhos foi o segmento subprime, onde o oferecimento de garantias exigido por parte de quem concede o financiamento é menor, como frisou Belluzzo (2011b), empréstimos saíram até para desempregados, dando uma ideia dos riscos do setor, que por isso cobrava mais juros. A casa era a garantia do financiamento e com a valorização dos imóveis as possibilidades de lucros eram maiores, enquanto houvesse alta procura e consequente valorização das moradias as empresas que investiam no crédito subprime estariam confiantes (SILVA, 2009). A alta procura por imóveis por parte das famílias e especuladores os valorizou, isso afetou o consumo também, muitas pessoas refinanciaram suas residências baseadas nos novos valores, ou seja, valorizados; a segunda hipoteca permitia a quitação da primeira e ainda sobrava dinheiro para a realização de outros desejos de consumo, o que aquece a economia, embora possa afetar a inflação do país (SILVA, 2009). Os créditos subprime foram concedidos a pessoas sem renda, sem emprego e sem poupança. Isto é, as pessoas foram incentivadas a contraírem hipotecas, pois a valorização dos imóveis poderia ser usada para quitar parte da dívida e o resto seria refinanciado. Os bancos acabaram ficando cheios de contratos subprime, uma transação financeira frágil e especulativa, visto que baseava suas ações na valorização dos imóveis e no retorno maior de juros cobrados pelo risco (SILVA, 2009). Conforme nos aponta Silva (2009), bancos e instituições financeiras utilizaram um processo chamado securitização1 para desenvolver o setor de crédito subprime, transferindo, assim, os riscos para os investidores. Este processo é utilizado pelos bancos para a alavancagem2 do mercado subprime americano. Os ativos ligados ao segmento suprime, por se tratarem de ativos de alto risco, possibilitavam altas taxas de retorno, sendo mais atrativos para investidores, além do mais, os papéis securitizados do subprime tiveram boas notas pelas agências de classificação, o que diminui a desconfiança do mercado. A securitização do subprime torna o sistema financeiro frágil, pois é altamente especulativo, onde as garantias de pagamento por parte dos tomadores é incerta, trata-se de um setor com alto risco de calote, sem contar que não havia garantias do governo para este tipo de financiamento (SILVA, 2009). 1 De acordo com Sandroni (2003), securitização é um “termo oriundo da palavra inglesa security e que significa o processo de transformação de uma dívida com determinado credor em dívida com compradores de títulos originados no montante dessa dívida. Na realidade, trata-se da conversão de empréstimos bancários e outros ativos em títulos (securities) para a venda a investidores que passam a ser os novos credores dessa dívida (SANDRONI, 2003, p. 548). 2 Termo usado no mercado financeiro para designar a obtenção de recursos para realizar determinadas operações (SANDRONI, 2003, p. 19). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 478 RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO Os créditos securitizados foram transferidos pelas instituições financeiras a terceiros no mercado. Todo o processo se inicia com a transferência dos contratos de empréstimos hipotecários para um fundo de investimento, que emite cotas de classes diferentes, variando a taxa de retorno proporcionalmente ao risco, lembrando que esta classificação era autenticada pelas empresas classificadoras de risco. O fundo garantia as perdas relacionadas à inadimplência no segmento subprime, os papeis desse fundo eram garantidos por outros títulos, empréstimos ou outro tipo de ativos. Cotas de médio risco eram enviadas ao fundo e anexadas a outros títulos de dívida (cartão de crédito e outros financiamentos, como o de automóveis), os papéis obtinham outra classificação, que era melhor em relação a anterior. Tal desenvolvimento permitiu que 75% dos papéis lastreados em hipotecas subprime levados ao fundo recebessem notas de baixo risco, isso fez com que os riscos do crédito fossem espalhados das instituições financeiras e bancárias para os mais diversos investidores do mercado, além do que, permitiu que as empresas ligadas ao subprime conseguissem recursos a baixo custo para financiá-lo (SILVA, 2009). Surgiram também empresas SIV (Structured Investment Vehicle) que financiavam o setor subprime, elas adquiriam títulos a longo prazo e de maior remuneração (trazendo maiores ganhos aos acionistas) e emitiam títulos de curto prazo de baixos juros. Em nossos estudos, apuramos que dois problemas decorrem deste tipo de financiamento: O primeiro era o risco de solvência, relacionado a possibilidade dos preços dos títulos de longo prazo se reduzirem a patamares inferiores aos preços dos títulos de curto prazo emitidos pelo fundo, levando a sua insolvência. O segundo risco era o de liquidez, devido a discrepância dos prazos da concessão e obtenção dos empréstimos. Se tomava recursos emprestados a curto prazo e concedia empréstimos de longo prazo, pelo fato dos empréstimos demorarem mais tempo para retornar poderia haver o risco de liquidez. (SILVA, 2009, p. 50-51). Os chamados fundos CDOs (Colletaralised Debt Obligations) associados as SIVs, permitiram a captação de recursos a um baixo custo, mediante a venda de ativos de alto risco, e ao mesmo tempo contribuíram com a proliferação das operações Off-balance, possibilitando ampliar o nível de alavancagem dos bancos transferindo os riscos a terceiros e ao mesmo tempo fugir das regras impostas pelo Acordo da Basiléia. Essas operações levaram a uma melhora nas avaliações de risco das carteiras das instituições financeiras, mostrando grandes probabilidades de retornos e riscos menores aos arcados na ausência dos derivativos. (Idem, p. 51). Curioso é perceber que as instituições financeiras operavam altamente alavancadas, porém, frouxamente reguladas, não possuíam reservas de capital, sem acesso aos seguros de depósitos, sem operações de redesconto e linhas de crédito de última instância dos Bancos Centrais, assim, ficando vulneráveis a saques de desconfiança e desequilíbrios patrimoniais. (CINTRA; PRATES, 2011). A melhor classificação dos papéis vinculados ao segmento subprime possibilitou a compra deles por grandes fundos, principalmente da Europa, bancos também investiram neste tipo de título esperando maior retorno e havia confiança na economia Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 479 RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS que tinha desempenho favorável desde 2001. Contudo, a partir de 2004 inicia-se um efeito inflacionário, estimulado pelo preço dos imóveis valorizados, o governo passa a rever sua política monetária e adota medidas restritivas de elevação da taxa de juros. Na medida em que a taxa de juros baixava, a oferta de imóveis aumentava, quando ocorre elevação da taxa de juros, a quantidade de imóveis se reduziu, quando a taxa de juros de curto prazo chegou a 3,25%, a venda de imóveis tem uma baixa mais acentuada. O problema relacionado ao aumento da taxa básica de juros de curto prazo e a queda da venda dos imóveis estava na existência de grande quantidade dos empréstimos hipotecários estarem vinculados a taxas de juros flutuantes que variavam de acordo com a determinada pelo Federal Reserve, ou seja, muitas pessoas viram suas parcelas subirem muito acima do que poderiam pagar. Consequentemente, a inadimplência do subprime aumentou, em 2006 subiu 15%, aumentando o número de execuções hipotecárias, 320 mil execuções hipotecárias foram feitas nos primeiros seis meses de 2007 e com o declínio do valor dos imóveis, as famílias não podiam mais tomar novos empréstimos. (SILVA, 2009). Os documentos securitizados tinham seus recebimentos atrelados ao pagamento das hipotecas subprime, com a inadimplência no setor imobiliário os títulos ligados a ele sofreriam impacto também. O valor dos pacotes securitizados começaram a cair, afugentando investidores, a perda ficou para os bancos que emitiam os papéis hipotecários, ninguém queria arriscar mais e bancos passaram a não conceder empréstimos para outros bancos que necessitavam, bloqueando os fluxos de recursos interbancários. As pequenas e médias instituições financeiras foram ameaçadas por saques e cortes nas linhas de crédito; corporações tiveram dificuldades para obter empréstimos também. (CINTRA; PRATES, 2011). Com a desvalorização dos títulos subprime, as empresas SIVs que financiavam o setor se tornaram insolventes, quem detinha seus papéis começa a encarar perdas, ao mesmo tempo há retração do crédito hipotecário, levando a uma retração no mercado imobiliário com desvalorização ainda maior dos imóveis e aumento da inadimplência. A inadimplência afetou toda a economia norte americana, criou dificuldades para o crédito imobiliário, reduzindo demanda por imóveis, gerando diminuição nos gastos com materiais de construção, o que reduz a exigência por insumos. (SILVA, 2009). Na ausência de regulação do mercado financeiro, onde se segue um modelo liberal de autorregulação, o capital fictício pôde ser reproduzido de forma livre, o que agravou a crise, os bancos puderam fazer a alavancagem financeira, o que possibilitava a concessão de empréstimos num valor superior ao que existia em caixa, contrariando acordos, como o da Basiléia3. Ainda há a utilização das hipotecas para mascarar o que era um incentivo ao consumo e a permissão 3 “O Acordo de Basiléia recomendava que os bancos não emprestassem mais do que nove vezes o que possuía em caixa, mantendo uma coerência entre os prazos de empréstimos e restituições para não ter escassez de caixa no curto prazo.” (SILVA, 2009, p. 58). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 480 RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO de refinanciamento das casas para tirar proveito da valorização dos imóveis. Outro sintoma da desregulamentação no sistema financeiro e da prática especulativa, foi a ação dos chamados shadow banks4, que, ao não estarem circunscritos às restrições regulatórias dos bancos comerciais, representavam uma alternativa, inclusive para os próprios bancos, de executar empréstimos com maior grau de alavancagem e engendrar instrumentos financeiros criativos, como os subprimes, títulos de pagamentos somente dos juros, opções com amortização negativa, entre outros. Assim, a expansão do shadow banking system foi seguida pela euforia com a valorização das residências nos Estados Unidos, pela criação de sofisticadas transações hipotecárias e, consequentemente, pela progressiva exposição do mercado financeiro ao risco. (GOMES, 2011, p. 55). Mediante a crise, a atuação do FED salvou bancos da falência. Em 2007, o Banco Central estadunidense começou a cortar juros da taxa básica, com o objetivo de atenuar os efeitos da redução dos empréstimos interbancários; no mesmo ano, foi emprestado dinheiro a taxas mais baixas aos bancos, trazendo liquidez5 ao mercado, apenas estas medidas nos apontam para a rapidez da ação do governo quando se tratou de salvar os causadores da crise e os interesses do capital financeiro. Em outubro de 2008, o congresso americano aprovou um pacote de US$700 bilhões para a compra de ações das instituições financeiras, recapitalizando os bancos pecadores. Para estimular a economia através do consumo e consequente retomada da produção, o FED veio baixando a taxa básica de juros até chegar a 0,15% em setembro de 2009. (SILVA, 2009). Uma crise que afeta uma potência mundial como os Estados Unidos também exige medidas internacionais, neste sentido, mais uma vez o FED interviu, aumentando para US$900 bilhões os acordos de troca de moedas com catorze bancos centrais para ampliar a liquidez em dólares no mercado mundial. (CINTRA; PRATES, 2011). Já durante o governo Obama, algumas medidas foram tomadas para a regulação do sistema financeiro dos Estados Unidos: Acordou-se a criação de uma agência de proteção ao consumidor para a regular os produtos financeiros (cartões de crédito, hipotecas, empréstimos etc.), bem como a criação de um conselho de supervisão para acompanhar o risco sistêmico, ampliando a autoridade de Fed sobre os grandes conglomerados. Criaram-se ainda regras para a liquidação de instituições falidas, sem ônus para os contribuintes. Parte dos derivativos de balcão – trocas de taxas de juros, de câmbio e derivativos de crédito – passará a ser negociada em bolsas de liquidação e compensação. 4 “O termo ‘shadow banking system’ foi cunhado por Paul McCulley para designar as estruturas financeiras que, embora operassem de forma legal no mercado americano, estavam completamente fora da esfera de regulação aplicadas aos bancos pelo banco central estadunidense – Federal Reserve (Fed)”. (GOMES, 2011, p. 55). 5 “Disponibilidade em moeda corrente, meios de pagamento, ou posse de títulos, ou valores conversíveis rapidamente em dinheiro”. (SANDRONI, 2003, p. 350). Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 481 RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS Além disso, a chamada “regra Volcker”- proposta pelo ex-presidente do Fed, Paul Volcker- limitará as operações de tesouraria em fundos de hedge e em fundos de private equity em 3% do capital dos bancos. As instituições geradoras de ativos financeiros complexos (securitização de hipotecas, por exemplo) deverão reter uma parte dos riscos em seus balanços. (CINTRA; PRATES, 2011, p. 17). Não foi a primeira vez que o governo estadunidense teve de salvar os bancos do país, na crise de 1929, foi necessária a intervenção governamental no âmbito monetário e fiscal durante o mandato do presidente Roosevelt, ele procurou regular o sistema de crédito, mas a recuperação do país depois da crise se deu somente com o início da Segunda Guerra Mundial. Tampouco a desregulamentação das finanças domésticas é recente, junto da inserção na divisão internacional do trabalho, o protecionismo comercial e os privilégios concedidos pelo Estado aos empresários, faz parte das quatro vertentes de expansão da economia dos Estados Unidos no século XIX. (BELLUZZO, 2009). O Estado americano é liberal para garantir as normas de concorrência no mercado, porém, protege seus negócios e interesses nacionais, na medida em que é plutocrático, os grupos econômicos mais poderosos se desenvolveram com a sua ajuda, ligando os interesses políticos aos privados e se aproveitando das liberdades por falta de legislação adequada. (BELLUZZO, 2009). Nos marcos de hoje, onde impera a democracia representativa com financiamento privado de campanha, o Estado se torna um centro de disputa de interesses para quem pode financiar os seus candidatos dispostos a realizar as demandas dos grandes grupos privados. (BELLUZZO, 2011c). Junto ao avanço da indústria, aparece uma classe financeira nos Estados Unidos, que rege a grande empresa, que se distingue por seu caráter permanente dos processos especulativos e criação contábil de capital fictício, uma gestão empresarial especulativa, em suma. A concorrência internacional no mercado só acelerou o processo de financeirização e concentração de riqueza, acionistas exigem cada vez mais lucros, o que exige novas maneiras de administração, flexibilização das leis de trabalho e redução de custos. O Estado é chamado a limitar as perdas em circunstâncias de desvalorização das riquezas, fica submetido ao poder de quem acumula riqueza. (BELLUZZO, 2009). Há concentração das riquezas nas mãos daqueles que detém as carteiras de títulos, com consequência de concentração de poder público e privado, o restante da população fica com o risco de desemprego, exclusão social e incertezas de um sistema financeirizado e especulativo. (BELLUZZO, 2009). A deflagração da crise fez com que o governo estadunidense socorresse aqueles que têm o poder econômico e concentram riqueza, algo observável nas ações do FED já citadas, porém, não há garantias da manutenção dos empregos e nem das moradias de quem as perdeu quando não pôde mais pagar as parcelas da hipoteca. Na realidade, pode haver um ataque aos direitos Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 482 RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO sociais para beneficiar os “direitos econômicos” de acumular riqueza, como ocorreu no estado de Wisconsin: Depois de favorecer as empresas com uma redução de impostos de 117 milhões de dólares, Walker propôs, para cobrir o prejuízo, dobrar o valor da contribuição dos funcionários aos planos de saúde e um aumento substancial no pagamento dos planos de aposentadoria. Isso, naturalmente, além da supressão do direito à negociação coletiva. Os cálculos do Budget Office de Wisconsin asseguram que essas medidas vão proporcionar uma receita de 300 milhões de dólares em dois anos. (BELLUZO, 2011b) O exemplo de Wisconsin, bem como o que foi delineado nas políticas do FED para salvar as instituições financeiras, nos remetem a pensar o papel do Estado no processo de crise financeira nos Estados Unidos. Nas medidas adotadas pelo governo estadunidense para recuperar a economia de seu país abalada pela crise, não podemos entendê-las como livres de interesses ou em uma leitura simplista de que visam o interesse geral da nação, existem forças, agentes que pressionam para seguir determinados caminhos. A política econômica do governo se concentra no processo de acumulação de capital, fato evidenciado na urgência de salvar o sistema financeiro prestando socorro às empresas afetadas, nunca é demais lembrar que vivemos numa organização social que vislumbra o lucro, o capitalismo. Capitalismo este, de orientação neoliberal, que reivindica liberdades para as empresas atuarem, ou seja, livres para acumular riquezas nas disputas pelo mercado. Nos momentos de crise e de desequilíbrios na estrutura do sistema econômico-financeiro, a iniciativa privada insolvente não consegue e talvez, não queira, resolver autonomamente os problemas, que escapam a esfera restrita do caixa da empresa e desembocam em desemprego, quebradeiras, não pagamentos aos fornecedores, de impostos e indenizações, entre outras. Por não ser um evento isolado, restrito a um grupo empresarial, mas de caráter amplo e diversificado, o Estado é acionado para agir, como vimos, por meio das ações de regulamentação ou do FED para salvar as instituições financeiras em apuros, intervindo para que o processo de acumulação não se rompa, para que não haja distorções e agravos piores. Como as insuficiências e desequilíbrios do capitalismo não podem ser resolvidos pelo livre mercado, visto que ele mesmo gera descontroles, cabe ao governo adotar medidas para garantir e revigorar a empresa privada. Desta forma, em períodos sem crise, o Estado é “ausente”, mas na crise assume a direção das atividades. O poder estatal é chamado para restabelecer o equilíbrio do sistema econômico, sanar os problemas e estabelecer a ordem onde há anarquia, procurando preservar o status quo. (IANNI, 2004). As decisões governamentais não se organizam tendo apenas como base os critérios puramente econômicos e objetivos, tratam de interesses de grupos financeiros que envolvem interesses políticos e, em certa medida, anseios sociais. As soluções encontradas para a crise Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 483 RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS revelam o conteúdo político e social que envolve o Estado, mais do que um ato econômico, optar por salvar as instituições financeiras também é uma manifestação política de como se pretende sanar os problemas gerados pela crise. Nesse sentido, temos no Estado o principal centro de decisões, discute-se a partir daí como se realizará sua intervenção, ele representa a sociedade enquanto sistema econômico, social e político estruturado em classes sociais e o equilíbrio de forças se dá por intermédio dele, mediando também a relação entre as classes, assim, não há como guardar independência em relação aos fatos. (IANNI, 2004). Ao mesmo tempo em que media a relação entre classes, o Estado interfere na economia visando a reprodução do capital, desta maneira, os interesses econômicos se conectam aos sociais e políticos. Cria-se uma conexão entre as tendências econômicas e as atuações do governo como centro de decisões, durante as crises esta vinculação parece se aprofundar para ditar os caminhos tomados, fato exemplificado no lobby das empresas e o balcão de negócios que pode se tornar um parlamento. Mas não se pode reduzir a atuação estatal apenas à reprodução do capital, é necessário que ele atenda a um mínimo as classes sociais menos favorecidas e nem elas podem ser tratadas como inertes ou passivas. Embora os interesses de quem possui poder econômico pressione o governo para o seu favorecimento, as classes subalternas também podem se organizar quando seus direitos são atacados, a história da luta de classes nos mostra isso, apresentando a capacidade de pressão das massas sobre o Estado. Assim, ao mesmo tempo em que precisa garantir a reprodução do capital, o Estado tem de dar atenção àqueles que perdem com a crise de forma mais intensa, pois já se encontram em situação desfavorável enquanto trabalhadores assalariados, mas que em conjunto têm grande poder reivindicatório. Desta forma, não só problemas econômicos, a crise enseja como nunca a necessidade de se pensar de maneira articulada o econômico, o social e o político na realidade, embora pensemos que isso deva se aplicar como regra, e não como exceção da análise, mas em momentos difíceis as contradições saltam aos olhos e as conexões se descobrem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estado e mercado têm uma relação de amor e ódio no atual sistema capitalista de orientação neoliberal com grande concentração e ampliação de capital, principalmente o fictício na área financeira. Ao mesmo tempo em que as empresas reclamam da interferência estatal na economia quando esta entra em choque com os seus interesses, pedem socorro aos governos quando há uma tormenta econômica que é tão característica do capitalismo. A intervenção estatal se torna indispensável para a reprodução do capital, visto que “livre”, ele se torna desregulado, especulativo e sem capacidade de se planejar em limites Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 484 RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO E MERCADO lógicos. A livre concorrência traz o progresso e o avanço em certas tecnologias ou inovações financeiras, porém, sem controle devido estas manobras levam às crises, a necessidade de produzir cada vez mais riqueza esbarra nos limites do consumo e da segurança nos negócios. No meio da briga entre Estado e mercado ficam as classes subalternas e trabalhadoras com seus anseios e necessidades. O Estado precisa compatibilizar as expectativas do proletariado com o desenvolvimento econômico que exige garantias à reprodução do capital, que por sua vez, pede medidas que atacam os direitos conquistados pelos trabalhadores. Assim, o poder econômico das corporações tem grande capacidade de pressão sobre os governos para pedir certas regalias e ajudas para consecução de seus lucros, ao mesmo tempo, a população tem sua capacidade de pressão pelo voto, mas mais do que isso, pela possibilidade de manifestação nas ruas. Cabe ao Estado mediar os diversos interesses das classes, sem perder de vista o desenvolvimento capitalista e sua visão limitada de reproduzir e ampliar o capital, embora possam falar em responsabilidade social. Uma saída encontrada para as crises é reaquecer o consumo, isto por sua vez, implica em crédito, em dívidas para os governos e famílias, sem contar os limites do próprio consumo e da produção material da vida, e nem entramos na discussão sustentável do ponto de vista ambiental. Falar em consumo sustentável numa sociedade de consumo parece a maior falácia dos últimos tempos, está aí mais um desafio ao Estado, ao mercado e aos rumos que a sociedade quer tomar. Por ora, se não chegamos a pensar em uma ruptura com o atual modelo econômico, político e social, precisa-se encontrar um equilíbrio nas relações entre Estado e mercado ancorados nos interesses de classes. Se a empresas não gostam de regulação também precisam perceber seus limites e o Estado precisa garantir não só os lucros, mas também que não haja desamparo aos trabalhadores. Eis aí os desafios que o capitalismo se coloca a cada crise quando suas fragilidades são expostas e as decisões políticas que afetam a economia e a vida social precisam ser tomadas, como se fosse possível conciliar capital, Estado e trabalho. REFERÊNCIAS BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Os antecedentes da tormenta: origens da crise global. 1. ed. São Paulo: UNESP; Campinas: FACAMP, 2009. _____. Alertas ignorados. Carta Capital. Fev 2011a. Disponível em <http://www.cartacapital. com.br/economia/alertas-ignorados>. Acesso em: 18 set 2011. _____. Manual prático do Tea Party. Carta Capital, Mar 2011b. Disponível em <http://www. cartacapital.com.br/internacional/manual-pratico-do-tea-party>. Acesso em: 18 set 2011. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 485 RAFAEL ADILIO SILVEIRA DOS SANTOS _____. O poder dos donos. Carta Capital, Jun 2011c. Disponível em <http://www.cartacapital. com.br/economia/o-poder-dos-donos>. Acesso em: 18 set 2011. CINTRA, Marcos Antonio Macedo; PRATES, Daniela Magalhães. Os países em desenvolvimento diante da crise financeira global. In: ACIOLY, Luciana (Org.); LEÃO, Rodrigo Pimentel Ferreira (Org.). Crise Financeira Global: mudanças estruturais e impactos sobre os emergentes e o Brasil. Brasília: Ipea, 2011. p. 11-46. GOMES, Keiti da Rocha. A crise financeira e o comportamento do mercado brasileiro: entre euforia e incerteza. In: ACIOLY, Luciana (Org.); LEÃO, Rodrigo Pimentel Ferreira (Org.). Crise Financeira Global: mudanças estruturais e impactos sobre os emergentes e o Brasil. Brasília: Ipea, 2011. p. 47-76. IANNI, Octavio. Estado e capitalismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2011. SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. 12. ed. São Paulo: Best Seller, 2003. SILVA, Claudeci da. Crise Mundial e Efeito Local: transmissão da crise financeira americana para a economia brasileira. 2009. 106 f. Monografia - Departamento de Economia, UEM, Maringá, 2009. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 486 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER: OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL ENTRE BRASIL E ARGENTINA Eloísa Ferreira de Souza Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Resumo: O presente artigo contextualiza as relações bilaterais entre o Brasil e a Argentina, no terreno da disputa e cooperação a partir da criação do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) em 1991. Além disso, busca compreender as relações que cada um destes países sulamericanos tiveram com os Estados Unidos da América, tanto na perspectiva de integração regional, quanto na de hegemonia hemisférica, observado o projeto ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Sob a perspectiva da política internacional, o estudo contempla os posicionamentos do governo de Néstor Kirchner, na Argentina, e de Luís Inácio Lula da Silva, no Brasil, enquanto Presidentes e representantes de uma determinada esquerda latino-americana que chegava enfim ao poder, pela via democrática e eleitoral, no início dos anos 2000. Serão consideradas as trajetórias pessoais, ideológicas, partidárias e políticas de Lula e de Kirchner, tendo em vista os diferentes caminhos que cada um tomou, enquanto Chefe do Executivo Nacional, mediante a agenda de política externa que contempla temas como o MERCOSUL e o projeto ALCA (Acordo de Livre Comércio entre as Américas) que remetem às questões de interesse bilateral, bem como interferir ou não na soberania nacional. Palavras-chave: Brasil; Argentina; Relações bilaterais; Política internacional. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 487 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA INTRODUÇÃO Este artigo toma como premissa a existência, nas relações bilaterais entre a Argentina e Brasil, expressiva influência estadunidense nos processos de negociação e conflito regionais protagonizados por ambos os Estados-Nação latino-americanos. O artigo almeja traçar análises entre dois ex-presidentes sul-americanos que, ao menos até as respectivas eleições, puderam significar uma “virada” em relação á lógica neoliberal que tomou corpo na América do Sul e na América Latina, a partir dos anos 90 e ideologicamente justificada pela longa crise e recessão dos anos 1980. Esses dois ex-presidentes, o argentino Néstor Kirchner, vinculado ao Partido Judicialista (Juventude Peronista ou PJ) e o brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), representaram a possibilidade da esquerda ou de uma centro-esquerda chegarem ao governo e promoverem reformas, como a centralidade do papel do Estado como ator econômico em um cenário de receituário neoliberal. A partir de uma breve contextualização histórica, política e econômica do Brasil e da Argentina, torna-se necessário compreender as ações dos Estados Unidos da América junto à Argentina e ao Brasil, uma vez que contribui ao alargamento das análises das relações, das tensões e das disputas atuais e as passadas entre ambos. Assim, influímos que tais relações não são, necessariamente, polares. Observamos que, direta ou indiretamente, os EUA intervêm e negociam abertamente com cada um destes, países sul-americanos, muitas vezes em separado e jogando com interesses contrários entre brasileiros e argentinos. Os Estados Unidos da América também assumem em diversos momentos o papel de mediador entre os dois Estado-Nação, quando lhes é de seu interesse. O pressuposto inicial é que Luis Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner tiveram atuações diferenciadas em relação à presença e à interlocução – ou clara determinação – dos Estados Unidos da América. Isso se reflete tanto no plano nacional brasileiro e argentino, quanto no plano hemisférico e regional, como a implantação da ALCA- Área de Livre Comércio entre as Américas, que por mais que não tenha ido adiante, não impediu e não impedem os EUA de influenciaram econômica, política e socialmente os assuntos regionais sul e latino-americanos, em uma reedição do Panamericanismo. Compreende-se que, estrategicamente, enquanto a Argentina buscou, desde Kirchner, a sua recuperação no plano econômico, social, político e do status, o Brasil buscou, cada vez mais, afirmar a sua posição de liderança tanto no plano regional e continental latino-americano, quanto no âmbito de sua inserção como país emergente, potência econômica e política – como a participação no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) parece levar – nas relações Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 488 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA internacionais. No plano da cultura, ou da ideologia, a maior adesão e fidelidade às suas “raízes” peronistas, auxiliam no entendimento de como Néstor Kirchner orientou-se estrategicamente no duplo movimento de dar respostas ao quadro nacional argentino e de manter ainda um programa de governo coerente com a sua plataforma de campanha, enquanto que o mesmo não pode ser dito em relação a Luís Inácio Lula da Silva. COOPERAÇÃO E DISPUTA REGIONAL A presente pesquisa considera os argumentos do autor brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira no livro de sua autoria Brasil, Argentina e Estados Unidos – Conflito e Integração na América do Sul - Da Tríplice Aliança ao MERCOSUL- (2010) de que entre as relações Brasil-Argentina não devem ser estudadas de forma bilateral, como se os processos políticos, sociais e econômicos regionais fossem alheios às questões mais globais, no caso, as relações mundiais de poder, principalmente com os Estados Unidos da América. Em outras palavras, as relações de poder, diplomáticas, econômicas, que são as interlocuções existentes entre Brasil e Argentina, necessitam ser contextualizadas em um processo amplo e sistêmico, pois são intensamente mediadas, tendo como fiel da balança os Estados Unidos da América (EUA). É importante então que compreendamos intrinsecamente os processos históricos de cada país e como eles funcionam internacionalmente, pois, além do plano externo, é necessário compreender o plano doméstico de cada um deles e as relações com seu vizinho. Tanto no nível regional (latino-americano) quanto no nível global, é importante para se entender as relações hemisféricas ter o conhecimento das relações entre EUA, Argentina e Brasil do que relações lineares entre os Estados Unidos e a Argentina ou entre os Estados Unidos e o Brasil. Essa preocupação é partilhada por autores como Roberto Russell (2004) e Juan Gabriel Tokatlian (2004), com a curiosa constatação de que o Brasil, da mesma forma que disputa posição, influência e liderança na América do Sul, também disputaria com os Estados Unidos da América, sua influência política, econômica sobre a Argentina. Concomitantemente, os Estados Unidos aliaram-se à Argentina para inserir este último no contexto das relações mundiais na história do século XX, porém a Argentina entraria em decadência, ao tempo em que os Estados Unidos estabeleceram sua hegemonia no nível internacional e o Brasil no nível regional. Estas relações de dominância dos Estados Unidos da América e a situação de alinhamento Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 489 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA da Argentina com este país estavam circunscritas ao que Raymond Aron (2002) denominou de sistemas internacionais: “Sistema internacional é o conjunto constituído pelas unidades políticas que mantém relações regulares entre si e que são suscetíveis de entrar numa guerra geral” (ARON, 2002, p. 153). Em outras palavras, são membros plenos de um sistema internacional as unidades políticas – os Estados-Nação - que os governantes dos principais Estados consideram em seus cálculos de forças, no caso, de guerra ou de paz. Como efeito dessas relações multilaterais, o modo de vinculação da Argentina com o Brasil e os Estados Unidos da América teve um impacto crescente e significativamente negativo nas relações com o outro. Não por acaso que até hoje a Argentina não conseguiu equilibrar a relação simultânea com o Brasil e os EUA o que poderia ser razoável para os seus interesses como Estado-Nação. Da mesma forma, para as análises das relações entre o Brasil e a Argentina remetemos ao que o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães (2010) chama de “comercialismo”, em uma alusão aos estudos acerca do MERCOSUL. Este eminente diplomata brasileiro considera que a política, no caso, a internacional ou externa, tem importância decisiva para o país. Entretanto, não é um campo que é muito abordado, ou seja, não é tratado como um tema ou um problema no chamado plano doméstico. Isso alude o quanto o MERCOSUL se restringe apenas a área comercial e ao mesmo tempo, possibilita o entendimento de que os latino- americanos desconhecem a própria história regional, reiterando a ideia de que o horizonte que guia o MERCOSUL tem fortemente como horizonte este comercialismo. No plano doméstico, segundo considerações de Pinheiro Guimarães (2010), essa “marginalidade” da política internacional é historicamente construída e está relacionada à consolidação da hegemonia estadunidense ainda na relação bipolar entre os EUA e a URSSUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Ainda, o desenvolvimento urbano, demográfico, entre outros fatores contribuíram para que o Brasil chamasse a atenção internacional, principalmente dos Estados Unidos, a potência do chamado mundo livre e ocidental. Pinheiro Guimarães (2010) aponta a necessidade dos brasileiros terem conhecimento das estratégias intrínsecas às Relações Internacionais, reconhecendo profundamente as causas e os envolvimentos políticos e econômicos que permeiam todo o processo. Aproveitando deste mesmo autor, vale a pena acrescentar o quanto o pensamento realista-pragmático de Raymond Aron (2002) é pertinente nas análises e reflexões das relações Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 490 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA estabelecidas entre os países da América Latina e os Estados Unidos da América, em especial as relações entre Brasil, Argentina e Estados Unidos da América. Dito de outro modo torna-se necessário a compreensão do Brasil como participante dos sistemas internacionais, no campo regional-hemisférico e no campo global, pois o Brasil tem um peso relativo no sistema internacional, em termos político estratégicos, autores como Meire Mathias consideram que: “o Brasil ocupa uma posição significativa no eixo principal de países que constituem o MERCOSUL”. (MATHIAS, 2002, p.27). Além disso, é preciso considerar a participação do Brasil em outras organizações multilaterais como a OMC (Organização Mundial de Comércio) bem como em foros internacionais entre eles a própria ONU (Organização das Nações Unidas), o BRICS, além de instâncias regionais, como o Grupo do Rio e a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), comprovando assim sua intensa participação política no cenário nacional e mundial. Por essa e outras considerações há de se compreender que o Brasil, ao contrário do que parece, tem determinado “peso” nos planos hemisférico e internacional. Como também demonstra Paulo-Edgar Almeida Resende (2002), a partir dos anos 1990, passou a ser dirigida para a recuperação e fortalecimento nacional, evidente desde a criação do MERCOSUL. Este bloco foi inicialmente definido, enquanto objetivo no Tratado de Assunção, em 26/03/1991 e foi reafirmado em 17/12/1994, pelo Protocolo de Ouro Preto. Segundo Mathias (2002), a criação do MERCOSUL faz parte das estratégias de inserção internacional, e, na sua Agenda externa, uma das pautas é justamente a orientação a respeito da política externa brasileira para o MERCOSUL. Em linhas gerais, nos últimos 20 anos o MERCOSUL é a prioridade na Agenda do Itamaraty e esta mesma Agenda da Chancelaria nacional busca sintetizar, e trabalhar simultaneamente com o bilateralismo e o multilateralismo. Vemos tais procedimentos diplomáticos no campo comercial regional 1estrito com o MERCOSUL, bem como, mais recentemente, com o já citado BRICS, recentemente mediado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Essa reorientação da Agenda da Chancelaria nacional se dá previamente aos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e de Luís Inácio Lula da Silva, do PT (Partido dos Trabalhadores). Como afirma Luiz A. P. Souto Maior (2006), no início do século XXI, um novo governo, o do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, assumiu o poder com uma visão internacional distinta, própria, além de uma plataforma política externa “mais assertiva” que do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Se antes até o fim da Guerra Fria, o Brasil era determinado por 1 Visto que a referida adesão negociada á ALCA-Área de Livre Comércio entre as Américas – não se consolidou nos anos 2000. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 491 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA uma relação de alinhamento ideológico e político com os Estados Unidos, um dos pólos do conflito, depois o país aderiria à agenda neoliberal do Consenso de Washington, sendo este criado pelo Congresso Norte Americano em 1989 para impor as negociações das dívidas externas dos países latino-americanos. Entretanto, a partir de 2003, novos horizontes passariam a ser vislumbrados no campo diplomático, pelo entendimento de “fazer da ação diplomática, antes de tudo, um instrumento de desenvolvimento nacional” (SOUTO MAIOR, 2006, p. 43). De acordo com Tullo Vigevani (1999), as assimetrias passam pelo crivo das negociações entre os Estados. Tomando por base o seu pensamento e contextualizando as relações entre Argentina e Brasil, quanto maior consenso houver entre os dois países, maior peso de negociação teriam - pela via do fortalecimento do MERCOSUL - juntos, em relação aos Estados Unidos da América, aos países centrais da Europa, como a França, a Alemanha e a Inglaterra, bem como em relação à China, ao Japão e à Rússia. Ao contrário, tomando de empréstimo as concepções de Vigevani, constata-se que o Brasil e a Argentina não chegam a um relativo consenso porque, fundamentalmente, “cada um funciona como uma unidade dentro do sistema, uma comunidade voltada aos seus próprios interesses” (VIGEVANI, 1999, grifo nosso). Ainda, o autor dá subsídios para entender os processos assimétricos entre a Argentina e o Brasil, que podem ser explicados conforme a maioria das relações no sistema internacional, que leva em conta uma pragmática da Geopolítica e da Geoestratégia, em associação nos próprios interesses e não em uma cooperação, que, em última instância, levariam em questão os objetivos em comum. Segundo a análise de Souto Maior (2006), o fortalecimento institucional firmaria a liderança do Brasil no MERCOSUL e paradoxalmente cercearia o seu campo de atuação, por conjugar características de um mercado livre, com regulação interestatal. Para este autor, o Brasil busca, via regionalismo, sua afirmação nacional, associando desenvolvimento interno e projeção externa, por isso o duplo recurso à cooperação internacional e/ou regional para a consolidação de seu peso específico no continente. No plano prático, apesar das potencialidades que o MERCOSUL tem em habilitar o Brasil a aumentar a sua zona de influência, ao menos até o governo Lula, não existiram coesão e consenso suficientes a respeito de formar realmente um mercado comum do Cone Sul, tampouco um bloco solidário entre as partes para uma atuação mais vigorosa no plano internacional, diplomático e político. Não por acaso, a Argentina é um das partes do MERCOSUL que demonstra maior Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 492 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA dissenso em relação ao Brasil, divergências que, sem a resolução por mecanismos institucionais ausentes no tratado, emperram as alianças políticas e econômicas do bloco. Para o Brasil, a questão é problemática, pois esbarra no objetivo do país em consolidarse como uma potência emergente, que encontra no protecionismo argentino um dos entraves ao processo de legitimação de seu poder, uma entre outras querelas e controvérsias com países latino-americanos, entre eles, a Bolívia. Essas divergências entre Brasil e Argentina são chamadas por Souto Maior (2006) como assimetrias, referidos como os dois sócios maiores, que são prejudicados pelos embates entre si e também pelos conflitos entre os dois sócios menores ou periféricos, o Uruguai e o Paraguai. Outro aspecto apontado por Souto Maior (2006) refere-se ao projeto maior que não se efetivou como Integração das Américas – Central e do Sul – sob o protagonismo dos Estados Unidos da América. Entretanto, o impasse não impediu os EUA de reorganizaram-se e negociarem com cada um dos países que foram convidados para participarem da ALCA, podendo desestabilizar o MERCOSUL, visto a fragmentação ou pela minimização originada pela intervenção e/ou influência dos Estados Unidos nas relações regionais latino-americanas. No que diz respeito aos impactos que esta estratégia estadunidense provoca no nível regional latino-americano, Souto Maior (2006) é cético em relação à capacidade do Brasil congregar os quatro principais parceiros do MERCOSUL – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – em torno de valores em comum, principalmente pondo em questão a sua liderança na região. Como condições para o fomento a uma integração mais sólida do MERCOSUL, Souto Maior explica que: “a primeira (condição) é um entendimento muito mais profundo com a Argentina- no plano político e no econômico – do que tudo quanto, até agora, tem sido possível estabelecer de forma estável” (SOUTO MAIOR, 2006, p. 57). Assim, sem este entendimento, o MERCOSUL tenderá a perder muito de sua relevância, o que de fato acontece. Outra condição para este entendimento: (...) seria, no quadro de tal entendimento, a disposição comum dos dois sócios maiores de criar condições mais favoráveis às áreas menos favorecidas, de modo a atenuar as atuais assimetrias, algo no espírito do que há tempos vem fazendo os países que criaram a Comunidade Econômica Europeia (SOUTO MAIOR, 2006, p. 57). No plano estratégico, falta ao Brasil aproveitar as relações bilaterais, não somente com a Argentina, mas com cada um dos países sul-americanos, visto a disposição de considerável poder de atração, principalmente no plano econômico- o que poderia aumentar o poder do Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 493 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA mercado nacional a esses vizinhos regionais. Além da reciprocidade comercial – em que inexistiria em alguns casos – o Brasil precisaria criar regras de origem para limitar a pirataria, com uma relativa seletividade nas concessões de alguns produtos, bem como com o estabelecimento de uma rede de infraestrutura de transporte terrestre e fluvial, podendo estabelecer uma rede infraestrutural energética, viabilizando a expansão comercial e o fortalecimento de laços econômicos e humanos, sociais, culturais e políticos com os países vizinhos. Como forma de sintetizar e conceituar essa proposta, Souto Maior (2006) fala de um “sulamericanismo” que seria a base de um regionalismo continental, isto é, a base brasileira de cooperação com os vizinhos, da forma mais diplomática possível, respeitando as singularidades de cada nação. O dissenso que ainda existe nas relações diplomáticas e comerciais entre a Argentina e o Brasil foi acirrado pelo posicionamento argentino, do fim dos anos 80 até o começo do século XXI – 1989-2001- de adesão irrestrita aos Estados Unidos, movimento ímpar na América Latina e por ter reservado ao Brasil um papel fundamentalmente comercial, o que pode ter repercutido, como processo, na constituição, manutenção, enfim, institucionalização e negociação concretizadas no MERCOSUL. Com a crise dessa adesão a partir de 2001 e sem levar em conta o curto período do governo de Eduardo Duhalde (2001-2003), este artigo finalmente irá considerar o período do governo Néstor Kirchner e as específicas relações da Argentina com o Brasil no governo de Luís Inácio Lula da Silva. O governo Kirchner, desde o seu início, simultaneamente buscava a relativa autonomia em relação a Washington, porque não tinha um horizonte de ruptura com os Estados Unidos da América em sua agenda política externa. Lembra-se que no primeiro contato entre Kirchner e ex-presidente americano George Bush, estavam em pauta a dívida externa argentina e a questão diplomática, visto que a América Latina estava vivendo um período de efervescência política e democrática, com a eleição de vários presidentes alinhados à esquerda ou á centro-esquerda, entre eles, o brasileiro Luís Inácio Lula da Silva. Segundo Russell e Tokatlian, “uma lógica pragmática mútua, mais do que uma visão de princípios ou ideológica, de um lado e de outro, marcou o primeiro diálogo entre Kirchner e Bush” (2006, p. 132). Porém, após esse diálogo inicial, observamos que tais discussões centraram-se, principalmente, nos aspectos financeiros. No que diz respeito às relações entre Argentina e Brasil, para Russell e Tokatlian (2006), houve avanços significativos que lhes imprimiram uma nova força, com constantes referências por parte de Kirchner a respeito da importância brasileira para a política externa argentina. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 494 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA Entretanto, o diferencial entre um e outro país foi a opção de cada um deles em relação aos vizinhos. Segundo analistas argentinos, enquanto o Brasil claramente se aproximava dos sul-americanos, a Argentina passava a buscar o contato para estabelecer sua zona de influência com os latino-americanos: Por seu lado, as relações entre a Argentina e o Brasil transitaram de um conjunto de desencontros iniciais que as imobilizaram até uma série de avanços importantes que lhes imprimiram uma nova força . Os primeiros meses do mandato Kirchner caracterizaram-se por contastes referencias a importância do Brasil para a política externa argentina. No entanto, muito rapidamente, os principais funcionários encarregados da política externa assinalaram que enquanto o país vizinho desenhava e executava a sua política internacional em “chave sul-americana” – seu espaço primeiro e natural de projeção – a Argentina desejava e pretendia um olhar mais “latino-americano”. A diferente valorização de uma e outra unidade geopolítica e econômica – América do Sul para o Brasil e América Latina para a Argentina – voltava a expressar os temores argentinos de uma eventual hegemonia brasileira na América do Sul. Por outro lado, as referencias ao Brasil ocorriam no âmbito de um franco estancamento do MERCOSUL: as promessas repetidas de seu relançamento “político” não podiam deixar transparecer que, em termos de seu significado econômico, o mecanismo mostrava sinais manifestos de esgotamento, devido a falta de aprofundamento e de institucionalização. Portanto, durante o primeiro trimestre do governo Kirchner, o Brasil foi mais um aliado retórico do que uma contrapartida transcendental de um projeto a ser realizado em comum. (RUSSELL, TOKATLIAN, p. 132-133). Mesmo assim, ambos os países firmaram o Consenso de Buenos Aires em 2003, considerado para muitos autores como um retorno a centralidade dos Estados na vida econômica. Este Consenso, de acordo com Hirst, consistiu na tentativa de “(...) darem uma resposta frente à crise que passava o MERCOSUL e que representou, entre os vários aspectos importantes, a intensificação da unidade e a integração no âmbito regional, a recusa ao exercício unilateral no campo internacional e a implementação de políticas nacionais ativas em favor do emprego e da produção.” (HIRST apud MORALES SOLÁ e COLONIA, 2003) Em retrospecto, Néstor Kirchner é descrito como participante da experiência frustrada de retorno ao Peronismo nos anos 70 – de 1973 a 1976 -, bem como da experiência também peronista , nos anos 90, sob o comando do presidente Carlos Saúl Menem, (RUSSELL; TOKATLIAN, 2006, p.129). Porém esta última experiência foi considerada perniciosa por Kirchner, certamente pelas práticas neoliberais postas em curso na década de 90, paralelamente ao país vizinho, o Brasil, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Por esses vínculos históricos, políticos e sociais peronistas, Kirchner foi considerado Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 495 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA como portador de um diferencial, um capital, enquanto novidade para a nação, para a região e para a época, com uma visão de mundo e um estilo de gestão peculiar. Grosso modo, pode-se dizer que a experiência de Kirchner nos anos da Ditadura Militar argentina pode ser reelaborada nos seguintes termos: A busca de Kirchner por uma estrita subordinação dos militares ao poder civil, seu forte compromisso em favor dos direitos humanos, a expectativa de regenerar, a partir de um Estado mais autônomo, uma nova “burguesia nacional” e a vontade de dar novo curso as relações com os Estados Unidos inserem-se na lógica daquela experiência dos 70 e da leitura que dela faria três décadas depois. (RUSSELL; TOKALTIAN, 2006, p. 130). Em seu governo Kirchner combateu a corrupção, criticou os protocolos neoliberais determinados pelo FMI com sua “negociação dura” com empresas argentinas privatizadas e com outras, estrangeiras. Essa aspiração de aproximar a Argentina da América Latina e de Cuba pode ser compreendida como uma forma de negar e diferenciar-se da experiência política de Carlos Menem, ainda muito recente. E todos esses movimentos desencadeados por Néstor Kirchner, além de o terem levado à Presidência da Argentina, o elegeram posteriormente para a Secretaria Geral da UNASUL. De forma similar, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o “Presidente Operário”, pareceu nos anos 2000 como um antípoda do “Presidente Sociólogo” que foi Fernando Henrique Cardoso, o qual é filho das elites brasileiras e membro da elite intelectual. Lula, nascido no Nordeste brasileiro, operário no ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema) Paulista, líder sindical grevista em plenos anos 70-o que lhe valeu a prisão- fez parte dos chamados novos movimentos sociais e foi fundador e presidente do PT- Partido dos Trabalhadores e disputou a Presidência da República em 1989, em uma discussão polarizada com Fernando Collor de Mello. (SADER, 1988) Depois Lula disputaria a Presidência da República novamente em 1994, sendo derrotado por Fernando Henrique Cardoso, que foi reeleito em 1998 para o exercício em 1999-2002. Além desse histórico sindical e político-partidário, Luís Inácio também ajudou a fundar a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e solidarizou-se, enquanto militante de uma esquerda radical, com o recém-formado MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e outros movimentos sociais. Como foi visto em Sader (1988), a Igreja Católica brasileira, principalmente através das CEBs (Comissões Eclesiais de Base), foi fundamental para a redemocratização brasileira, como um dos atores que reconheceram e legitimaram o novo sindicalismo do ABCD paulista. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 496 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA Por isso, a força simbólica e carismática de Néstor Kirchner e de Luís Inácio Lula da Silva sintonizavam-se com o contexto latino-americano efervescente de eleição de vários governos populares, de esquerda e de centro-esquerda, como os da Venezuela, Bolívia, somados com a presença de movimentos contestatórios e revolucionários em países como a Colômbia, com as FARC- Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Contemporaneamente, a conjuntura regional diante dos sistemas internacionais contribuiu para a relativa aproximação dos governos Kirchner e Lula, em termos políticos, econômicos e estratégicos no campo das Relações Internacionais de ambos os presidentes tanto em relação á América Latina e, também, Cuba. Para além da disputa e voltando ao campo doméstico, é preciso levar em consideração características imputadas a Lula e a Kirchner, na tentativa de deslegitimar a postura e a forma de governo, relacionando os mesmos ao que uma linha teórica considera como “neopopulismo”. Nestor Carlos Kirchner, do Partido Judicialista, herdou uma Argentina em crise, com altos níveis de pobreza, desemprego, marginalização, a altíssima dívida externa com o FMI (Fundo Monetário Internacional) provocada pelos governos anteriores, e a resolução desses problemas foram apontados por ele como prioridade em seu governo. Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), representou no cenário brasileiro o que havia se adensado na América do Sul, no caso, a ascensão ao poder, via eleições democráticas, de novos governos de esquerda e de centro-esquerda essencialmente questionadores das políticas e reformas pró-mercado ocorridas nos anos 90 e a revalorização do Estado economicamente interventor, investidor e estimulador do desenvolvimento nacional. A leitura quase que imediata que foi feita a respeito dos dois chefes de Estado relacionouos ao populismo. O populismo, de acordo com a análise de Weffort, tem como maior característica a relação do Estado com a grande massa popular, principalmente dos trabalhadores urbanos: O “populismo” é um fenômeno político de massas, típico das ‘regiões atingidas pela intensificação do processo de urbanização, pautado por uma relação específica entre os indivíduos e o poder político; esse poder é exercido através de um líder carismático tutelador, em contato direto com os indivíduos reunidos em massa (WEFFORT, 1978, p. 28). Tanto Lula quanto Kirchner souberam, enquanto estratégia política, recorrer a uma imagem política alternativa a “direita” ou aos governos anteriores, – Menem , na Argentina e Fernando Henrique, no Brasil - maximizando o apelo que as suas respectivas filiações ideológicas legaram a cada um deles: o “Peronismo” de Kirchner e seu partido e o “trabalhismo” e “novo sindicalismo” que o Partido dos Trabalhadores representaram a Luís Inácio . Tanto Lula quanto Néstor Kirchner podem representar o que o sociólogo alemão Max Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 497 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA Weber (1979) considerou como “poder carismático”, pois ambos souberam usar sua imagem, seu histórico pessoal, político, sindical (no caso de Lula) e partidário, de uma forma a conquistar apoio de setores populares brasileiros ou argentinos (Kirchner), tendo em cada um deles, a figura do líder. Lula, por exemplo, teve a seu favor a imagem do “homem simples”, operário aposentado, nordestino, preso político entre outros diferenciais em franco contraste aos seus opositores, principalmente aos do PSDB. Enquanto isso, representantes de interpretações conservadoras a respeito de Kirchner e Lula, que utilizam do conceito de “neopopulismo”, atribuíram a ambos esta acepção. Entretanto, é necessário evitar uma leitura anacrônica da conjuntura sociopolítica da América Latina, tanto que os autores que tratam o fenômeno contemporâneo, como Wilhelm Hofmeister referem que: “Este ‘neopopulismo’ aparece como herdeiro do ‘neoliberalismo’ e, obviamente, ataca este como uma das principais razões de todas as mazelas dos países da região” (HOFMESTEIR, 2004, p. 10). Entretanto, o autor encontra, diríamos uma “leitura fácil”, ou melhor, facilitadora do fenômeno do populismo na contemporaneidade. Pra ele e o grupo de intelectuais a que está vinculado, o neopopulismo é interpretado como a pura incapacidade dos “partidos tradicionais” de resolver os problemas de cada país que foi palco político desta reinterpretação ideológica. Para autores como Hofmeister (2004), estes “partidos tradicionais” parecem ser naturalmente portadores de um discurso de democracia, visto que o autor acima referido torna evidente que o populismo é os fracassos desses partidos democráticos leiam-se, liberais. O termo neopopulismo que tem sido utilizado para descrever o estilo de fazer política de figuras como Alberto Fujimori (Peru) ou Hugo Chávez (Venezuela) indica uma relação com a tradição do que havia sido denominado como populismo latino-americano, entre eles Vargas e Perón. (HOFMESTEIR, 2004) Em vez de ser um fenômeno inédito no panorama social e político latino-americano, Hofmeister compreende que se trata da evolução peculiar de um fenômeno preexistente, como os pontos que se relacionam os políticos carismáticos com a sua forma de fazer política sobre a base de uma liderança carismática: “uma política social caridosa-distributiva, uma retórica anti-oligárquica e messiânica, a privação da importância de instituições intermediárias e sua substituição por vínculos bem mais clientelistas (HOFMEISTER, 2004, p. 11 ). Entretanto, o autor reconhece as singularidades entre um tipo de “neopopulismo” e outro, como se diferem e aproximam-se, relativamente, Luis Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. É importante esclarecer que Hofmeister e sua linha de intelectuais, analistas políticos e pesquisadores são vinculados ao pensamento conservador presente na Europa e nos Estados Unidos da América que visa deslegitimar os movimentos democráticos eleitorais que permitiram Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 498 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA que várias das lideranças atuais latino-americanas chegassem ao governo. A linha teórica que produziu o conceito de “neopopulismo”, da mesma forma, desprestigia e deslegitima os movimentos democráticos fundados na participação direta, civis ou militarizados, enfim, mais em particular na América do Sul. Logo, é contraproducente ler a realidade latino-americana com olhos anacrônicos, sob o risco da incapacidade de se compreender o presente e se apreender as possibilidades, e os limites, do atual quadro político sul americano e latino-americano. Enquanto Luis Inácio Lula da Silva deu prosseguimento com o Plano Real, o plano de estabilização elaborado pelo então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso em 1994, que serviu para conter a hiperinflação brasileira – Kirchner, por outro lado, pôs em xeque as determinações dos organismos multilaterais, entre eles o FMI. De acordo com Martins (2010), Kirchner teve como iniciativa a consolidação da moratória instituída em 2001, contrária aos interesses dos banqueiros internacionais, e o presidente argentino conseguiu renegociar a dívida, priorizando a recuperação do desenvolvimento interno, via poupança e investimentos internos, que tiveram indicadores econômicos positivos, com o recuo do desemprego e com uma melhora no quadro sócio-econômico da população argentina. Como feedback de sua relativa recuperação interna, a Argentina reconquistou a soberania perdida , distanciando-se dos Estados Unidos da América e aproximando-se da América do Sul , via MERCOSUL e suas práticas político-econômicas também desagradaram muitas das oligarquias locais argentinas , que ganhavam, ao seu modo, com a dependência aos EUA. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo considerou que, com apelos semelhantes, mas com estilos diferentes de governo, tanto Néstor Kirchner quanto Luís Inácio Lula da Silva esforçaram-se para a relativa soberania nacional frente ao mundo multipolarizado. Entretanto, se Kirchner, ao contrário de Lula, buscou romper com os estatutos do FMI e dos Estados Unidos da América, Luís Inácio Lula da Silva buscou conciliar interesses divergentes: de seu eleitorado, de seu partido, das expectativas populacionais e dos interesses do capital nacional e internacional, visto que o Brasil tem uma das economias mais internacionalizadas do mundo. Enquanto aproximação, no plano prático do MERCOSUL como bloco econômico e como possibilidade de integração e cooperação do Cone Sul, Brasil e Argentina são os protagonistas, enquanto que o Uruguai e o Paraguai são “sócios menores”. Para o autor Edward Carr, “qualquer ordem moral internacional deve repousar por Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 499 ELOÍSA FERREIRA DE SOUZA alguma hegemonia de poder. Mas esta hegemonia, como a supremacia de uma classe dominante num estado, é por si própria um desafio aos que dela não compartilham e, para sobreviver, há de conter um elemento de reciprocidade, de auto-sacrifício da parte dos que possuem, o que o tornará tolerável aos outros membros da comunidade mundial” (1941 p.258). Conclui-se, entretanto, que o Brasil e a Argentina dependem de menos disputa e mais cooperação para equilibrarem-se como parceiros-membros e como candidatos à hegemonia no MERCOSUL. REFERÊNCIAS ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Col. Clássicos IPRI - SP, São Paulo: Ed. UNB, 2002. CAAR, Edward H. 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Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 500 SOB OS GOVERNOS LULA E KIRCHNER, OS DESAFIOS DA POLÍTICA BILATERAL BRASIL E ARGENTINA RUSSELL, R. et TOKATLIAN, J.G.- A Crise na Argentina e as Relações com o Brasil e os Estados Unidos: Continuidade e Mudança nas Relações Triangulares – Rio de Janeiro: Contexto Internacional – Vol. 26, janeiro/junho 2004, PP. 107 -148 . Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292004000100003&lng=en&nrm =iso>. Acessado em 02.08.2012, às 16:00. SADER, Éder. Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo: ( 1970-1988 ). 4. ed. São Paulo: Paz e Terra SOUTO MAIOR, Luiz A. P. O Brasil e o regionalismo continental frente a uma ordem mundial em transição. Ver. Bras. Polit. Int. 49(2) : 42-59 ( 2006). VIGEVANI, T. 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Pires de Freitas Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá E-mail: [email protected] Resumo: Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise da agenda política do Partido dos Trabalhadores (PT), referente à política externa, no período que compreende oito anos de mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os dois primeiros anos de governo da presidenta Dilma Rousseff. A pesquisa tem por objetivo observar as possíveis contradições, entre o programa de política externa previsto pelo partido e a sua concreta efetivação, a partir da condução dos governantes petistas. O estudo busca identificar, por meio de pesquisas em documentos e nas resoluções dos Congressos do PT, como o partido concebe a política externa brasileira; de que maneira são encaminhadas as diretrizes dessa pauta, que ocupa grande importância entre os ministérios; e, por fim, se as políticas governamentais elaboradas para o Ministério de Relações Exteriores (MRE) se efetivam na prática. Ao término da pesquisa, pretende-se compreender em que medida a política externa conduzida por Presidentes petistas vai ao encontro das deliberações daquilo que o partido postula em sua Secretaria de Política Externa. Por ora, apresentamos parte dos dados apurados, especificamente aqueles que remetem às diferentes formulações PT para a política exterior do Brasil no período em tela. Palavras-chave: Política externa brasileira; Partido dos Trabalhadores; Relações internacionais. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 502 UMA AGENDA POLÍTICA DE ESQUERDA E PRÁTICAS POLÍTICAS DE DIREITA: AS CONTRADIÇÕES DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NAS RELAÇÕES EXTERIORES INTRODUÇÃO A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da república, em 2002, foi recebida com grande expectativa por grande parte da esquerda nacional e internacional. Pela primeira vez, o Partido dos Trabalhadores (PT), em uma coligação que incluía ainda o PC do B e o PCB, chegava ao poder com a promessa de um governo popular. A expectativa positiva se justificava pelas bandeiras esquerdistas historicamente defendidas pelo partido ao longo das duas décadas predecessoras à vitória. No âmbito das Relações Internacionais, as expectativas pautadas nas teses programáticas do PT previam um governo combativo ao neoliberalismo, focado nas relações Sul-SuL e crítico à globalização e ao livre mercado. No entanto, as expectativas de grande parte de setores da esquerda foram se demonstrando frustradas. O governo de Lula não demonstrou, na prática, seguir o que previa os programas defendidos historicamente pelo seu partido. Sua política econômica pouco rompeu com a lógica direcionada pelo seu sucessor, que implementou medidas neoliberais. O presente estudo visa executar uma investigação comparativa entre os governos do PT (2003 a 2012) com as diretrizes programáticas do Partido dos Trabalhadores no que concerne às relações internacionais. E, desta forma, observar se há uma relação entre o que prevê as resoluções históricas do partido e a prática dos governos do PT. O PARTIDO DOS TRABALHADORES E A POLÍTICA EXTERIOR DO BRASIL O Estado é o ator preponderante das relações internacionais e através dele que se constituem as relações econômicas e políticas interestatais. Esses Estados encontram-se dispostos no sistema político internacional e há uma ideia que norteia o sistema político vigente de que os Estados nacionais encontram-se em igualdade que é legitimada pela concepção de Estado Soberano. No entanto, os países possuem projetos, valores, interesses distintos uns dos outros. Segundo a teoria realista, a desigualdade de recursos e a grande heterogeneidade entre os Estados nacionais induzem a disputa por mais poder, pois cada Estado busca atender as suas necessidades internas e responder aos interesses nacionais. Com base nessa desigualdade interestatal, se compreende como está organizado o sistema político internacional e a realidade Latino Americana, em especial a do Brasil. No sistema internacional está prevista a igualdade formal entre os Estados, entendimento garantido pela ideia do estado soberano, todavia, sob uma perspectiva crítica, considerando as contradições da realidade, os estados também podem ser apreendidos a partir das suas heterogeneidades e, subsequentemente, a partir de seus interesses específicos. Essa perspectiva nos permite considerar a existência de interesses políticos divergentes entre Estados, que fomentam pressões sobre a ordem estabelecida. (MATHIAS, 2010) Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 503 BRUNO C. PIRES DE FREITAS Apesar da concepção de soberania dos Estados – a qual prevê o direito de autodeterminação dos povos, a organização política, social e jurídica – que compreende as nações soberanas e modernas, não se pode desconsiderar os atores hegemônicos na dinâmica política das relações internacionais. Como formula Martin Wight (1983, apud MATHIAS, 2010), muitos Estados não podem desvencilhar-se do poder que as grandes potências exercem, pois são dependentes delas no âmbito econômico e militar. Tendo sua capacidade de movimentação, dentro do sistema político internacional, limitada, sofrendo pressões políticas das grandes potencias. A concepção de igualdade entre Estados, que é exposta no sistema político vigente, é dúbio e criticamente questionável. Como pode haver igualdade entre nações como os Estados Unidos – que dispõem de grande poder econômico, político e militar – e Brasil, por exemplo? Ambas são nações soberanas, com suas organizações políticas, sociais e jurídicas. Não obstante, dentro do sistema internacional, o peso político da nação estadunidense se sobrepuja em detrimento da nação brasileira. Para compreender o encaminhamento da política externa brasileira realizada pelo Partido dos Trabalhadores e, consequentemente, entender os interesses internos do país é que se faz necessário o desenvolvimento desta pesquisa. Para tal análise, será investigado o período que compreende oito anos do mandato do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e os dois primeiros anos de governo da presidenta Dilma Rousseff. A escolha deste período se justifica pelo rearranjo que a política externa brasileira sofreu nos governos petistas. Observase, nesse espaço de tempo, uma ampliação das relações com países fora do eixo central da política internacional, a diversificação das relações bilaterais com países africanos e asiáticos e maior aproximação com a América Latina. O Brasil volta os olhos para o Sul e não se restringe a sua relação com diminuta quantidade de países do Norte, acima da linha do equador. A ampliação das relações políticas com outros países se comprova pelos novos postos diplomáticos que o governo brasileiro criou em inúmeros países espalhados pelo mundo. Segundo reportagem da Rádio Câmara, foram 66 novas representações diplomáticas, no período entre 2003 a 2010, sendo 16 novas embaixadas no continente africano e 16 no continente europeu. O intercurso de representações diplomáticas entre as nações se estendeu até a Capital Federal, pois nesse mesmo período, foram abertas 27 embaixadas de outros países em Brasília. Verificase a reciprocidade das relações diplomáticas nessa perspectiva “Sul- Sul” Essa movimentação política e a nova direção diplomática Sul-Sul, causou sérias críticas por parte dos opositores ao governo do PT. O embaixador Rubens Barbosa deixa claro sua posição em relação à criação de novas embaixadas: Eu acho que foi correta a idéia de que o Brasil precisava aumentar o numero das representações no exterior, agora eu acho que foi um pouco apressada a criação de embaixadas em postos que não tem nenhuma significação nem política, nem econômica e nem comercial para o Brasil, como alguns postos na África e alguns Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 504 UMA AGENDA POLÍTICA DE ESQUERDA E PRÁTICAS POLÍTICAS DE DIREITA: AS CONTRADIÇÕES DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NAS RELAÇÕES EXTERIORES postos na região do Caribe. Nem os Estados Unidos e nenhum outro país têm embaixada em alguns desses países.1 Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante do MERCOSUL, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, rebate as críticas afirmando a importância das representações diplomáticas nesses países, o que proporciona um contato direto com as sociedades locais. Para o ex-ministro, as novas embaixadas aumentam a troca comercial e constitui novos mercados. No caso de países africanos, como nós podemos ver nos últimos anos, houve um aumento muito significativo do comércio com esses países. Esse aumento de comércio naturalmente é devido às ações das empresas, mas é muito facilitado pela presença das embaixadas brasileiras, tanto no caso dos países africanos como no caso dos países asiáticos.2 Para o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o encaminhamento dessa nova política externa, de aberturas de representações diplomáticas seria útil ao Brasil devido o anseio do país à vaga no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Contudo, a explicação dada pelo assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Antonio Jorge Ramalho da Rocha, se distingue: Eu diria que isso obedece a uma visão nova do Brasil, um país que tem uma voz a ser ouvida no mundo, que precisa participar de certos processos que não se restringem a regiões específicas, e que portanto precisa se fazer presente em várias partes do mundo. Por exemplo, Afeganistão eu lembro que foi muito criticado e a meu ver de uma forma equivocada. Quer dizer, o Afeganistão está no centro de interesses da política externa de vários países europeus, aliás, dos Estados Unidos, e em certo sentido um dos hubs de informação do mundo. Então você estar presente nisso significa ter informação sobre uma série de processos que às vezes vão ter desdobramentos globais, nas nossas regiões de interesse mais próximos. E ao mesmo tempo o fato de estar ali significa a possibilidade de abertura de novos mercados.3 Um ano após as eleições presidenciais de 1998, em que o até então candidato a presidência Luiz Inácio Lula da Silva não se elege como estadista, fora realizado o II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, no período entre 24 a 28 de novembro de 1999, em Belo Horizonte. As resoluções desse Congresso, voltadas para agenda política externa, propõem a convivência com a economia mundial, dentro da dinâmica da globalização. O Partido dos Trabalhadores explicita claramente sua posição contrária à política hegemônica e militarista, ou seja, à política estadunidense. O texto demonstra que a opressão capitalista na América Latina submeteu o 1 Entrevista concedida pelo embaixador Rubens Barbosa a Rádio Câmara. 2 Entrevista concedida pelo Alto Representante do MERCOSUL, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos Samuel Pinheiro Guimarães a Rádio Câmara. 3 Entrevista concedida pelo assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Antonio Jorge Ramalho Rocha a Rádio Câmara. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 505 BRUNO C. PIRES DE FREITAS continente a novos mecanismos de escravidão, o discurso e posicionamento anticapitalista são latentes na resolução do Congresso. A proposta desse documento é alterar a relação desigual entre o hemisfério norte e o hemisfério sul que é resultado da composição injusta como está organizada a política no campo internacional. A contrapartida dessa política seria a diversificação das relações da política externa brasileira, abrindo o campo das negociações e parcerias político-econômicas com outros países, em especial a América Latina. Nesse contexto, o bloco econômico do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) adquire grande proeminência, sendo que a proposta abrange uma agenda social, com pautas para educação, indústria, questões agrícolas, comércio exterior e ciência e tecnologia. A consolidação do MERCOSUL seria uma forma de criar uma barreira políticoeconômica as políticas predatórias dos Estados Unidos, principalmente uma manobra efetiva contra a imposição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) na América Latina. Na resolução do Congresso de 1999, o Partido dos Trabalhadores demonstra o interesse em diversificar as relações com países diversos, aprofundando as relações internacionais com países africanos, principalmente os lusófonos e uma aproximação maior de países como Rússia, Índia, China e África. Celso Amorim (2012), ao discursar em 2, de janeiro de 2003, na cerimônia de posse do Ministério das Relações Exteriores (MRE), lembra que as relações diplomáticas entre Brasil – Argentina são a base do bloco econômico do MERCOSUL. Outros aspectos, que o então ministro evidencia em seu discurso é que a política externa brasileira estaria a serviço do povo, para trazer melhorias para a vida das pessoas. Deixando claro que a política externa não se restringe somente ao Itamaraty, mas envolve todos na sociedade. Para ampliar a participação da sociedade civil, deveria se empenhar para que a Comissão Parlamentar Conjunta reforce a participação da sociedade no encaminhamento da integração regional do MERCOSUL. Amorim afirma ainda que a integração regional é de suma importância para o Brasil e, para aprofundar esse espaço de integração com os países sul-americanos em diversos planos, é preciso a construção de espaços de livre comércio, aliados a projetos de infraestrutura, associados a um espaço econômico unificado. Na mesma direção, destaca que as relações com Estados Unidos e União Européia não seriam descuidadas. Segundo o ministro, o Brasil e os Estados Unidos partilham valores e interesses e irão explorar esse fator para construir uma “parceria madura”. As negociações com a União Européia, segundo a visão do ministro Celso Amorim, favorecem elementos da multipolaridade do sistema internacional. Após o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, no III Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, ocorrido entre 30 de agosto a 2 de setembro de 2007, em São Paulo, as questões ligadas a integração regional aparecerem como essencial para sobrepujar Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 506 UMA AGENDA POLÍTICA DE ESQUERDA E PRÁTICAS POLÍTICAS DE DIREITA: AS CONTRADIÇÕES DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NAS RELAÇÕES EXTERIORES o neoliberalismo e constituindo a cooperação dos povos latinos para o desenvolvimento regional. A resolução do III Congresso aponta a América Latina como uma região populosa e um grande mercado em potencial; apontando a força motriz energética como a riqueza em petróleo, gás natural, energia elétrica hidráulica. O Documento manifesta que para a integração física das nações sul-americanas, primasse pelo investimento na infraestrutura, construção de pontes, rodovias, ferrovias. Sob esses fatores que se constituirá e tornará dinâmica a integração regional. A agenda de política externa do PT aponta que as relações, parcerias e trocas entre os povos latinos não devem se restringir ao campo econômico, mas privilegiar o intercurso cultural entre as nações parceiras como o ensino de idioma e cultura. Garantindo aos cidadãos a circulação livre entre os países, permitindo também a participação de sindicatos, parlamentos, empresas e autoridades para que a sociedade civil como um todo participe efetivamente do projeto de integração. Todavia, concretamente, em relação ao Brasil, é evidente a fragilidade da aplicação desse discurso: As relações entre o Brasil e os demais membros do MERCOSUL, quase que na totalidade, se limitam apenas a aspectos econômicos. Exemplo dessa fragilidade é observado na questão de intercurso cultural, para ser mais exato no ensino de idiomas: A lei brasileira nº 11.161, de 5 de agosto de 2005, torna o ensino de língua espanhola obrigatório nas escolas de todo o país, tendo um prazo de cinco anos para implementar efetivamente a lei em questão. Entretanto, apesar da lei ser sancionada pelo expresidente Lula em seu primeiro mandato presidencial, atualmente, sete anos após a lei ter sido sancionada, não se observa a implementação do ensino de língua espanhola nas escolas públicas. O governo federal defende-se alegando que não há professores de língua espanhola suficientes para suprir a demanda. Devido a essa situação, o Ministério da Educação (MEC) realizou um acordo com o Instituto Cervantes para formar e capacitar professores. A discrepância que ocorre nesse fato é que dentro do MERCOSUL há outros países falantes de língua espanhola, o Brasil está envolto por vários países hispânicos e, mesmo assim, desconsidera e desrespeita esses países, optando por um acordo com um país europeu, a Espanha. Este exemplo evidencia de forma muito clara, a prática incongruente da política externa petista em relação ao que preconiza os documentos de seus congressos. Existem, também, discrepâncias em outros âmbitos: a proposta central da resolução do III Congresso Petista era mudar a política neoliberal, que norteava as relações do bloco. Tal resolução também deixava clara a crítica em relação à condução antidemocrática do MERCOSUL, pois salientava a necessidade da participação efetiva da sociedade civil na condução do bloco. No entanto, esse discurso ficou só no plano das ideias. Não se percebe a participação da sociedade civil na tomada de decisões importantes no que tange a política externa brasileira, os sindicatos não se articulam nem em território nacional, o governo dificilmente dialoga e atende as reivindicações desse seguimento da sociedade. Os sindicatos Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 507 BRUNO C. PIRES DE FREITAS foram excluídos da participação da integração regional, sequer se debate um salário mínimo comum entre os países do Cone Sul. O próprio texto do III Congresso do PT aponta contradições: o documento mostra o potencial econômico que a América Latina tem, e expõe o continente como um mercado a ser explorado e, concomitantemente, elabora uma crítica ao modelo de política neoliberal que vigora atualmente nas relações entre as nações sul-americanas, em especial no MERCOSUL. A incoerência do discurso do Partido dos Trabalhadores é imensurável, como a resolução de um documento elabora uma diretriz política contrária a lógica capitalista realizando sérias críticas ao modelo neoliberal que prejudica as relações com os países do Cone Sul, inseridos no MERCOSUL, ao mesmo tempo se deixa influenciar pelo discurso capitalista e trata os demais latinos como simples consumidores dentro da lógica do mercado? As contradições entre a agenda política externa e a prática política efetiva também se evidenciam em parcerias feitas pelo Governo Federal, durante o governo Lula, com empresas privadas como a Organização Odebrecht. O programa federal Minha Casa Minha Vida, por exemplo, beneficia fortemente a empresa Odebrecht Realizações Imobiliárias. De acordo com Luz e Cançado (2010), essa empresa executa, além de projetos empresariais, a construção de residências para famílias de todos as classes sociais. Somente com o programa do governo federal, a referida empresa garante 40% do seu faturamento. Nas obras de infraestrutura, a Odebrecht tem forte participação em países vizinhos como México, Panamá, Republica Dominicana, Equador, Argentina, Colômbia e Venezuela. O Grupo Odebrecht, na Venezuela, direciona sua atuação na construção de moradias, pontes e linhas de metrô. Está presente em vários setores naquele país, dentre os quais o petroquímico, óleo e gás e segurança alimentar se destacam. Na Colômbia, a empresa atua, principalmente, na construção e manutenção de estradas. Há ainda atuação por toda a América Andina, como na construção de portos e gerenciamento de várias usinas hidrelétricas no Peru. Nos referidos documentos, O PT apresentou o desejo de aproximação com os países do hemisfério sul, como a ampliação do comércio com os demais países na América Latina, África, Ásia e Oriente Médio. Para, desta forma, constituir uma política de diminuição da dependência de países centrais. No entanto, sem descuidar das relações com a Europa. No discurso de posse do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em janeiro de 2003, fica evidente o posicionamento de aproximação entre MERCOSUL e União Européia. Apesar de o partido propor um rearranjo nas suas relações no campo da política externa, não se pode desconsiderar certos fatores determinantes, como o fato de, dentro do sistema internacional, o Brasil ser um país periférico em relação às potencias hegemônicas. Inseridos na lógica desse sistema desigual, os países periféricos dependem, em grande parte, das relações comerciais com as potências detentoras de grande capital. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 508 UMA AGENDA POLÍTICA DE ESQUERDA E PRÁTICAS POLÍTICAS DE DIREITA: AS CONTRADIÇÕES DO PARTIDO DOS TRABALHADORES NAS RELAÇÕES EXTERIORES Na resolução do IV Congresso do PT, que é direcionada ao mandato da Presidente Dilma Rousseff, o que se verifica é a intenção em se empenhar na conclusão da rodada de Doha, trabalhar para a consolidação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), efetivar o avanço na integração do MERCOSUL, fortalecer as intervenções no BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), além de manter as relações com os países desenvolvidos como os Estados Unidos, Japão e União e Européia. No entanto, apesar de o documento evidenciar muitas semelhanças com o direcionamento da política externa do governo Lula, percebe-se que, no governo Dilma Rousseff, a conduta é diferenciada. A própria escolha de Antônio Patriota para Ministro das Relações Exteriores demonstra o desejo de alterar a conduta que o Itamaraty possuía no governo Lula, sob a direção de Celso Amorim4. Pois Antonio Patriota, ao contrário de Celso Amorim, construiu uma carreira diplomática pautada na proximidade com os EUA: Serviu ao Brasil na embaixada de Washington e, de acordo com Peixoto (2010), durante esse período frente à representação brasileira na capital estadunidense, desenvolveu ótimas relações com o governo local, inclusive com o subsecretário de Estado norte-americano para assuntos políticos, Willian Burns. Para a reforma estatutária, foi realizado um novo encontro do IV Congresso do PT, que ocorreu nos dias 2, 3 e 4 de setembro de 2011, O documento produzido no encontro evidencia o posicionamento contrário às privatizações, à política neoliberal e defende um sistema financeiro estatal e público. No âmbito das relações internacionais, fica evidente a intenção de fortalecer as parcerias com os países emergentes para uma articulação contra a guerra cambial imposta pelas nações desenvolvidas, especialmente Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. O texto aborda, ainda, o crescente fortalecimento da esquerda na América Latina. De acordo com o referido texto, tal crescimento cria uma resistência ao neoliberalismo e sedimenta a possibilidade de construir uma alternativa ao modelo capitalista. Evidencia-se a intenção de acelerar o processo de integração, sob a ideia de defesa das riquezas naturais e humanas que existem na América do Sul. Assim, se constitui um mecanismo de barreira contra a cobiça das grandes potências. O modelo de desenvolvimento preconizado pelo texto propõe a inclusão social e a integração regional efetiva. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que a partir do neoliberalismo, altera-se o papel do Estado e sua função não é prioritariamente social, voltada para políticas que possibilitem suprir as necessidades básicas dos indivíduos, como educação, moradia, transporte, entre outras. O Estado nação, inserido dentro da lógica neoliberal, é um cartão de visitas de grandes empresas e corporações que usam dessa instituição para suprir suas necessidades particulares. O povo apenas legitima esse 4 Como Exemplo dessa diferença, Celso Amorim não possui vínculos com os Estados Unidos. Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais 22 a 26 de Outubro de 2012 509 BRUNO C. PIRES DE FREITAS sistema elegendo um representante como chefe de Estado. Após esse rito simbólico, as ações pautadas por esses governos desconsideram o interesse e anseios de grande parte da população, para se submeter a mediador de empresários detentores de grande capital inseridos no sistema político internacional. REFERÊNCIAS AMORIM, Celso. Discursos, palestras e artigos do Chanceler Celso Amorim 2003-2010. Volume I. Disponível em <http://www.itamaraty.gov.br/.../discursos-palestras-artigos>. Acesso em: 26 set. 2012. II Congresso Nacional do PT. Disponível em <http://www2.fpa.org.br/portal/uploads/ resolucoes.pdf>. Acesso em: 26 set. 2012. III Congresso Nacional do PT. Disponível em < http://pt.scribd.com/doc/47775629/ Resolucoes-do-III-Congresso-Nacional-do-Partido-dos-Trabalhadores>. Acesso em: 27 set. 2012 IV Congresso Nacional do PT. Disponível em <http://pagina13.org.br/biblioteca/documentos/ iv-congresso-do-pt/>. Acesso em: 25 set. 2012. LUZ, Cátia; CANÇADO, Patrícia. 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