a demanda por petróleo na américa latina: uma análise empírica e
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a demanda por petróleo na américa latina: uma análise empírica e
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO A DEMANDA POR PETRÓLEO NA AMÉRICA LATINA: UMA ANÁLISE EMPÍRICA E HISTORICISTA FRANCISCO EBELING BARROS matrícula nº: 104037026 ORIENTADOR: Helder Queiroz Pinto Jr. OUTUBRO 2008 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO A DEMANDA POR PETRÓLEO NA AMÉRICA LATINA: UMA ANÁLISE EMPÍRICA E HISTORICISTA ____________________________________________ FRANCISCO EBELING BARROS matrícula nº: 104037026 ORIENTADOR: Helder Queiroz Pinto Jr. OUTUBRO 2008 2 As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor 3 "...POR QUE NOS RIOS PROFUNDOS, NESSE ABISMO DE ROCHAS, DE CLAUSTOS E SOL, O TOM DAS CANÇÕES ERA DOCE, SENDO BRAVIA A CORRENTEZA PODEROSA DAS ÁGUAS, TENDO OS PRECIPÍCIOS ESSE SEMBLANTE ATERRADOR? TALVEZ POR QUE NESSAS ROCHAS, FLORES PEQUENAS, MUITO TENRAS, BRINCAM COM O AR, E POR QUE A CORRENTEZA ESTRONDOSA DO GRANDE RIO SEGUE ENTRE FLORES E TREPADEIRAS ONDE OS PÁSSAROS SÃO ALEGRES E FELIZES, MAIS DO QUE EM QUALQUER OUTRA PARTE DO MUNDO...” JOSÉ MARIA ARGUEDAS “...COMO VÊ, DOUTOR, ÀS VEZES OS SONHOS SÃO MELHORES QUE A REALIDADE, E VICE-VERSA TAMBÉM. O SENHOR SE LEMBRA DO QUE KANT DISSE? ‘O SONHO É UMA ARTE POÉTICA INVOLUNTÁRIA’...” MARIO BENEDETTI 4 AGRADECIMENTOS Esta monografia foi escrita no âmbito do Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que visa incentivar a formação de mão-deobra especializada, em resposta à expansão da indústria do petróleo e do gás natural. Os meus primeiros agradecimentos são à ANP, pela oportunidade que me foi oferecida, bem como a todos envolvidos no programa PRH 21. Agradeço especialmente à Prof.ª Mariana Iootty de Paiva Dias pela orientação de excelente qualidade e pela grande ajuda na abertura de novas janelas temáticas, assim como profissionais. Agradeço ao Prof. Helder Queiroz Pinto Jr. pela valiosa ajuda na escolha do tema e pelos excelentes conselhos na área da Economia da Energia. Agradeço a muitos outros professores do Instituto de Economia por me oferecerem uma visão de mundo bastante ampla e um curso muito bom. Finalmente, devo um especial agradecimento a outras pessoas que me apoiaram direta ou indiretamente na conclusão desse trabalho, em especial aos amigos e familiares. Em especial ao meu pai, que fez a revisão gramatical e ortográfica deste trabalho, lúdica à sua maneira; e à minha mãe, pela indispensável motivação. 5 RESUMO A economia dos países latino-americanos historicamente teve um papel secundário no conjunto da economia mundial, principalmente especializando-se na exportação de matérias primas para o mundo mais desenvolvido. A despeito da sofisticação econômica vivenciada por aqueles países nas últimas décadas, elevados graus de desigualdade interna e em relação ao mundo continuaram sendo um fardo. O petróleo, um dos principais produtos de exportação desses países, merece especial atenção. A economia petrolífera dos países latino-americanos a principio esteve também inserida no contexto do subdesenvolvimento que proliferou naqueles países. Nas últimas décadas, entretanto, assistiu-se a um desenvolvimento histórico inovador no que diz respeito à economia do petróleo daqueles países. A ruptura com o modelo neoliberal reformador, que assolou o continente, e a guinada política observada nos últimos anos tem induzido uma revisão do papel da economia petrolífera em alguns países latino-americanos, em especial no Brasil e na Venezuela. Espera-se que possa existir a possibilidade de que as rendas especiais petrolíferas sejam indutoras de um processo de desenvolvimento econômico que substitua o ciclo anterior de subdesenvolvimento, mesmo que num ritmo de transformação lenta. Este trabalho teve como especial motivação analisar a estrutura da demanda por petróleo na América Latina por que essa demanda, principalmente por parte dos países desenvolvidos, parcialmente estimula a conhecida dependência da periferia em relação ao centro e, ao mesmo tempo, também é o fator que, paradoxalmente, poderia induzir a inflexão desse modelo de dependência. A inflexão se daria se as rendas petrolíferas especiais, aumentadas em sua magnitude se a demanda petrolífera externa estiver aquecida, forem direcionadas à resolução dos problemas econômicos e sociais que assolam o continente. A análise foi feita sob dois pontos de vista. Um foi o empírico econométrico, no qual foi estimada, para o período compreendido entre 1986 e 2006, a função de demanda por petróleo internamente produzida em cinco países latino-americanos: Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela. E o outro ponto de vista foi o econômico-historicista, que considera que a análise econômica ortodoxa tradicional desconsidera ou simplesmente não enxerga quais os vetores que realmente induzem o sucesso ou o fracasso de políticas econômicas. À luz desse instrumental teórico, foram vistas as principais conseqüências econômicas, políticas e sociais às quais esses cinco países foram submetidos ao inserirem-se na economia mundial do petróleo na condição de exportadoras de petróleo. Ao fim, os resultados obtidos na análise econométrica foram cruzados com aqueles da análise econômico-historicista. Em geral, o primeiro tipo de análise teve como papel corroborar os resultados do segundo. Os países latino-americanos aqui analisados tiveram como elemento comum o fato de serem exportadores de petróleo ou de terem o potencial de sê-lo futuramente. Esse traço comum pode ser visto também como um indutor de maior integração desses países, sobretudo energética, no futuro. 6 SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES AEB = Associação de Comércio Exterior do Brasil ANH = Agencia Nacional de Hidrocarburos (Colômbia) ANP = Agência Nacional do Petróleo BP = British Petroleum BCB = Banco Central do Brasil BCC = Banco Central de Colombia BCRA = Banco Central de la Republica Argentina BCV = Banco Central de Venezuela BIRD = Banco Interamericano de Desenvolvimento Const = Constante Coef = coeficiente DW = relativo à estatística Durbin Watson E = Taxa de câmbio Ecopetrol = Empresa Colombiana de Petroleo EIA = Energy Information Administration ELN = Ejercito de Liberacion Nacional ENARSA = Energia Argentina S.A. E&P = Exploração & Produção F = referente à distribuição F de Snedecor FARC = Fuerzas Armadas Revolucionarias Colombianas FMI = Fundo Monetário Internacional FTC = Federal Trade Comission GLP = Gás liquefeito de petróleo GMM = Gaussian Mixture Model IAPG = Instituto Argentino de Petróleo e Gas IDH = Índice de Desenvolvimento Humano IHH = Índice Herfindahl Hirschman LIBOR = London Inter-Bank Interest Rate Ln = Logaritmo Natural LP = Longo Prazo LR = Likelihood ratio MEP = Ministerio Del Poder Popular para la Energía y Petróleo (Venezuela) OECD = Organization for Economic Co-Operation and Development OPEP = Organização dos Países Produtores de Petróleo P = Preço PAC = Plano de Aceleração do Crescimento PDVSA = Petroleo de Venezuela PEMEX = Petróleos Mexicanos PIB = Produto Interno Bruto PND = Plano Nacional de Desestatização R = Taxa de juros R² = Coeficiente de Determinação Rex = Renda externa Rin = Renda Interna RP = reservas/produção T = referente à estatística T UN = United Nations USD = United States Dollar VAR = Vetores auto-regressivos YPF = Yacimientos Petrolíferos Fiscales 7 ÍNDICE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I - O PETRÓLEO NA AMÉRICA LATINA: OS CASOS DA ARGENTINA, BRASIL, COLÔMBIA, MEXICO E VENEZUELA ........................................................................................................ 14 I.1 – Introdução................................................................................................................................................. 14 I.2 - A Indústria do Petróleo na Argentina........................................................................................................ 14 I.2.1 - Introdução ......................................................................................................................................... 14 I.2.2 - História do Petróleo na Argentina ..................................................................................................... 15 I.2.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo na Argentina ........................................................................................ 18 I.3 - A Indústria do Petróleo no Brasil.............................................................................................................. 23 I.3.1 - Introdução ......................................................................................................................................... 23 I.3.2 - História do Petróleo no Brasil ........................................................................................................... 24 I.3.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo no Brasil .............................................................................................. 26 I.4 - A indústria do Petróleo na Colômbia ........................................................................................................ 32 I.3.1 - Introdução ......................................................................................................................................... 32 I.4.2 - História do Petróleo na Colômbia ..................................................................................................... 33 I.4.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo na Colômbia ........................................................................................ 34 I.5 - A indústria do Petróleo no México ........................................................................................................... 38 I.5.1 - Introdução ......................................................................................................................................... 38 I.5.2 - História do Petróleo no México......................................................................................................... 39 I.5.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo no México............................................................................................ 41 I.6 - A indústria do Petróleo na Venezuela ....................................................................................................... 45 I.6.1 - Introdução ......................................................................................................................................... 45 I.6.2 - História do Petróleo na Venezuela .................................................................................................... 45 I.6.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo na Venezuela ....................................................................................... 47 I.7 – Considerações Finais ................................................................................................................................ 52 CAPÍTULO II – UMA ANÁLISE EMPÍRICA: O MODELO DE COINTEGRAÇÃO APLICADO À ESTIMAÇÃO DA FUNÇÃO DE DEMANDA POR PETRÓLEO NA ARGENTINA, BRASIL, COLÔMBIA, MEXICO E VENEZUELA................................................................................................................................. 54 II.1 – Introdução ............................................................................................................................................... 54 II.2 – Resenha da Literatura.............................................................................................................................. 54 II.3 – O Modelo Teórico................................................................................................................................... 57 II.4 – Metodologia ............................................................................................................................................ 60 II.5 – Dados ...................................................................................................................................................... 63 II.6 – Resultados ............................................................................................................................................... 68 II.7 – Observações Finais ................................................................................................................................. 72 CAPÍTULO III – UMA ANÁLISE HISTORICISTA: CONSEQÜÊNCIAS POLÍTICAS, ECONÔMICAS E SOCIAIS DO MODELO DE EXPLORAÇÂO PETROLÍFERA NA ARGENTINA, BRASIL, COLÔMBIA, MEXICO E VENEZUELA................................................................................................................................. 73 III.1 – Introdução .............................................................................................................................................. 73 III.2 – Argentina ............................................................................................................................................... 75 III.2.1 – O Desmantelamento do Estado Argentino ..................................................................................... 75 III.2.2 – Crise e Novos Rumos na Economia Argentina .............................................................................. 76 III.2.3 – Balanço do Processo de Reforma................................................................................................... 77 III.2.4 – Um Novo Modelo Energético na Argentina .................................................................................. 78 III.3 – Brasil...................................................................................................................................................... 79 III.3.1 – Desenvolvimentismo, Crise e Novo Desenvolvimentismo ............................................................ 79 III.3.2 – O Novo Cenário Energético Mundial e o Brasil ............................................................................ 81 III.3.4 – O Novo Petróleo Brasileiro e o Novo Desenvolvimentismo Brasileiro......................................... 84 III.4 – Colômbia ............................................................................................................................................... 87 III.4.1 – A Violência na Colômbia............................................................................................................... 87 III.4.2 – A Economia Colombiana ............................................................................................................... 90 III.4.3 – Recursos Naturais, Petróleo e a Colômbia ..................................................................................... 91 III.4.4 – O Petróleo Colombiano e os Estados Unidos................................................................................. 92 8 III.5 – México ................................................................................................................................................... 93 III.5.1 – O Petróleo, Estado e “Doença holandesa” no México ................................................................... 93 III.5.2 – A PEMEX: Diagnóstico e Tendências ........................................................................................... 95 III.6 –Venezuela ............................................................................................................................................... 96 III.6.1 – O Petróleo e a Doença Holandesa na Venezuela ........................................................................... 96 III.6.2 – A Transição Chavista: um Novo Modelo? ..................................................................................... 98 III.6.3 – O Petróleo e o Novo Desenvolvimentismo Venezuelano?............................................................. 99 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................. 108 ANEXO I – DADOS ESTATÍSTICOS USADOS NA ESTIMAÇÃO........................................................... 118 9 ÍNDICE DE GRÁFICOS E TABELAS Gráfico 1.1 – Matriz Energética Argentina ........................................................................................................... 15 Gráfico 1.2 – Reservas e Produção Petrolífera na Argentina (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia). 18 Gráfico 1.3 – Produção e Consumo de Petróleo na Argentina (em milhares de barris/dia) .................................. 19 Gráfico 1.4 – Matriz Energética Brasileira............................................................................................................ 24 Gráfico 1.5 – Reservas e Produção Petrolífera no Brasil (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia)....... 27 Gráfico 1.6 – Produção e Consumo de Petróleo no Brasil (em milhares de barris/dia)......................................... 29 Gráfico 1.7 – Matriz Energética Colombiana........................................................................................................ 33 Gráfico 1.8 – Reservas e Produção Petrolífera na Colômbia (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia). 35 Gráfico 1.9 – Produção e Consumo de Petróleo na Colômbia (em milhares de barris/dia)................................... 36 Gráfico 1.10 – Matriz Energética Mexicana.......................................................................................................... 39 Gráfico 1.11 – Reservas e Produção Petrolífera no México (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia) .. 41 Gráfico 1.12 – Produção e Consumo de Petróleo no México (em milhares de barris/dia) .................................... 42 Gráfico 1.13 – Matriz Energética Venezuelana..................................................................................................... 45 Gráfico 1.14 – Reservas e Produção Petrolífera na Venezuela (em bilhões de barris e em milhões de barris/dia)48 Gráfico 1.15 – Produção e Consumo de Petróleo na Venezuela (em milhares de barris/dia)................................ 49 Gráfico 2.1 – Produção de Petróleo dos Países (em milhares de barris/dia).......................................................... 63 Gráfico 2.2 – Evolução do Preço do Petróleo Brent (em US$) ............................................................................. 64 Gráfico 2.3 – Renda dos Cinco Países Analisados (em milhões de US$) ............................................................. 65 Gráfico 2.4 – Renda do Mundo vs. Renda Acumulada dos Cinco Países da Amostra(em milhões de US$) ........ 66 Gráfico 2.5 – Evolução da Taxa de Juros LIBOR ................................................................................................. 67 Tabela 1.1 – Concentração Industrial do Setor Petrolífero Argentino (Upstream)................................................ 21 Tabela 1.2 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino na Argentina ....................... 22 Tabela 1.3 – Concentração Industrial do Setor Petrolífero Brasileiro (Upstream) ................................................ 30 Tabela 1.4 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino no Brasil ............................. 30 Tabela 1.5 – Concentração Industrial no Setor Petrolífero Colombiano (Upstream) ............................................ 37 Tabela 1.6 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino na Colômbia ....................... 37 Tabela 1.7 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino no México .......................... 44 Tabela 1.8 – Concentração Industrial do Setor Petrolífero Venezuelano (Upstream) ........................................... 50 Tabela 1.9 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino na Venezuela ...................... 51 Tabela 1.10 – Síntese das Principais Características das Cinco Indústrias Petrolíferas Analisadas ...................... 52 Tabela 2.1 – Principais Resultados do Estudo de 1979 de Pindyck ...................................................................... 55 Tabela 2.2 – Principais Resultados Obtidos por Krichene (2007)......................................................................... 57 Tabela 2.3 – Síntese das Fontes dos Dados Utilizados.......................................................................................... 67 Tabela 2.4 – Resultados do Teste de Traço de Johansen....................................................................................... 68 Tabela 2.5 – Resultados da Estimação .................................................................................................................. 69 10 INTRODUÇÃO O espaço latino-americano sempre teve historicamente um papel secundário no sistemamundo. Enquanto um conseqüente, decisivo e acelerado processo de desenvolvimento econômico ocorria na Europa, na Ásia e nos EUA, principalmente a partir do século XIX, a região sempre teve padrões de desenvolvimento econômico e social muito abaixo da média. A função primordial dos países deste espaço era, sobretudo, fornecer as matérias primas e os alimentos que as metrópoles necessitavam para manter sustentado o seu próprio processo de acumulação capitalista. Eduardo Galeano (1970), em seu essencial “As veias abertas da América Latina”, sintetiza essa tendência histórica: “La división internacional del trabajo consiste em que unos países se especializan em ganar y otros en perder. Nuestra comarca del mundo, que hoy llamamos América Latina, fue precoz: se especializó em perder desde los remotos tiempos em que los europeeos del renacimiento se abalanzaron a través del mar y le hundieron los dientes en la garganta. Pasaron los siglos y América Latina perfeccionó sus funciones. Este ya no es el reino de las maravillas donde la realidad derrotaba a la fábula y la imaginación era humillada por trofeos de la conquista, los yacimientos de oro y montañas de plata. Pero la región sigue trabajando de sirvienta. Contínua existiendo al servicio de las necesidades ajenas, como fuente y reserva del petróleo y el hierro, el cobre y la carne, las frutas y el café, las matérias primas y los alimentos con destino a los países ricos que ganan, consumiéndolos, mucho más de que América Latina gana produciéndolos....” (Galeano, E., 1970) A exportação exploratória de minerais da América Latina para a Europa com termos de troca muito pouco favoráveis para as nações latino-americanas é talvez o exemplo mais clássico dessa tendência histórica descrita por Galeano. O caso do petróleo, área de interesse dessa monografia constitui, entretanto, um caso à parte com tendências históricas muito peculiares e que talvez fujam daquilo que Galeano descreveu. Na América Latina, diversos ciclos de exploração mineral se sucederam desde que os espanhóis aportaram nos impérios inca e asteca e de lá extraíram ouro, passando pela prata na Bolívia e o ouro em Minas Gerais, ou o cobre no Chile. O petróleo, enquanto produto de exportação, nesse sentido, representa um dos últimos ciclos de extração e exportação mineral da América Latina. O que diferencia essencialmente o petróleo, enquanto produto exportável, daqueles outros referidos acima, é que este não necessariamente sempre será um marco de exploração centroperiferia, já que, em alguns casos, os países latino-americanos têm logrado reverter essa 11 tendência e começaram a converter as contrapartidas das exportações numa fonte de desenvolvimento econômico. Vale ressaltar que esse processo é preliminar e restrito a um conjunto muito pequeno de países. Na grande maioria dos casos, o petróleo sempre ajudou e ainda ajuda a acentuar a dependência externa dos países latino-americanos, e adicionalmente ainda foi motivo para a quebra de soberania internacional e intervenções externas. Entretanto, trata-se do embrião de uma possível inflexão, o início de uma nova tendência histórica alentadora. A proposição mais importante que se coloca aqui é que, diante de um cenário de mudanças políticas e de maior soberania dos países latino-americanos - que se iniciou nos últimos dez anos, após o fracasso do consenso de Washington - o petróleo latino-americano enquanto bem mineral exportável poderá assumir em alguns países o papel de motor do desenvolvimento econômico que a região tanto almeja. É evidente, como foi citado acima, que os descompassos são muito claros, de tal sorte que alguns países ainda tropeçam sobre as próprias pernas à mercê dos interesses das transnacionais do petróleo ou não conseguem fazer das divisas um efetivo motor do desenvolvimento1. Mas ressalta-se que passou a existir alguma esperança nos últimos anos, o que já é algo muito positivo. Esta monografia subdivide-se em três capítulos. No Capítulo I serão descritas as respectivas indústrias petrolíferas de cinco países representativos selecionados para este trabalho: Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela. Já no Capítulo II é feito um estudo econométrico que reproduz um modelo do autor Krichene (2007), que estimou a função de demanda por petróleo do mundo. O objetivo desta estimação é determinar o que explica a demanda por petróleo produzido internamente nestes países, se estes são exportadores ou não, ou como reagem a outras variáveis usadas no modelo. É interessante notar que uma estimação econométrica como essa poderá indicar trajetórias de exportação como aquela descrita por Galeano, ou se há algum tipo de variação em relação a esse padrão. 1 A famosa e muito estudada doença holandesa. 12 No Capítulo III é feita uma análise do que representa para esses países latino-americanos ter alguma ligação com a indústria mundial do petróleo, quais as conseqüências econômicas e sociais do tipo de inserção que tem nesta indústria e da recepção das divisas petrolíferas em suas macroeconomias. A análise é feita sob o ponto de vista historicista, que pode ser também denominado econômico-historicista. A razão disso é que a análise econômica tradicional, em particular aquela que aborda o desenvolvimento econômico, em muitos casos não consegue visualizar em sua integridade quais foram os vetores principais que induziram o desenvolvimento ou o subdesenvolvimento econômico. Um olhar histórico que abarque também a teoria econômica suplanta esse lapso. A Conclusão, por fim, confronta os resultados obtidos no Capítulo II com aqueles do Capítulo III, identificando possíveis pontos de interseção entre as conclusões obtidas nos dois capítulos. O raciocínio predominante é que a análise econométrica pode servir de instrumento de corroboração dos argumentos lançados pela análise econômico-historicista. 13 CAPÍTULO I - O PETRÓLEO NA AMÉRICA LATINA: OS CASOS DA ARGENTINA, BRASIL, COLÔMBIA, MEXICO E VENEZUELA I.1 – Introdução Este capítulo tem como objetivo fazer um breve resumo das características estruturais das indústrias petrolíferas dos cinco países (Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela) que são analisados nesta monografia. Dessa forma, serão objetos de uma breve revisão: a participação do petróleo na matriz energética de cada país; a trajetória do petróleo em cada país, as reservas de petróleo e os indicadores RP; a produção, consumo, exportação e importação (quando ocorre) de petróleo dos países em análise; a concentração industrial (upstream); e, por fim, a estrutura do refino. As informações estatísticas aqui usadas têm como base os EIA Country Reports e também o anuário estatístico da BP de 2008 (BP Statistical Review 2008), com o objetivo de preservar uma padronização estatística. No entanto, algumas exceções ocorrem, quando necessárias. I.2 - A Indústria do Petróleo na Argentina I.2.1 - Introdução A Argentina tem vivido, nos últimos anos, uma época de recuperação econômica, após ter experimentado, no biênio 2001/2002, o ápice de uma crise programada pelos programas de reestruturação econômica ultra-neoliberais dos anos 90. Nesse sentido, seu PIB cresceu a taxas bem elevadas, da ordem de 8,4% em 2006 e 7,9% em 2007. Esse crescimento econômico veio também acompanhado de um crescimento da demanda por energia no país. Nos últimos anos, no entanto, o ritmo de crescimento da extração de petróleo tem diminuído, com 725 mil barris/dia em 2005, 716 mil barris/dia em 2006 e 698 mil barris/dia em 2007 (BP), o que pode impactar negativamente nas exportações de petróleo argentinas. A demanda energética argentina é atendida em sua maior parte pelo gás natural, que, em 2007, foi responsável por 53% de um total de 73,7 milhões de toneladas de óleo equivalente. O petróleo veio logo atrás com 32% e as outras três fontes somaram 15%, aproximadamente 14 (hidroeletricidade, nuclear e carvão na ordem decrescente de importância). Nos últimos anos, como citado anteriormente no caso do petróleo, a preocupação argentina foi balancear sua oferta e sua demanda por energia. Com o aumento do consumo por causa do aumento da renda doméstica, alguns cortes de eletricidade ocasionais foram inevitáveis. O sobrecongestionamento das redes de transmissão resultou em problemas similares (no caso da eletricidade). Por causa desses problemas de abastecimento no mercado interno, pode haver a tendência de que a Argentina perca importância enquanto país exportador de petróleo se for considerado um aumento do consumo de petróleo internamente produzido. Gráfico 1.1 – Matriz Energética Argentina Carvão 1% Petróleo 32% Gás Natural 53% Energia Nuclear 2% Hidroeletricidade 12% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 I.2.2 - História do Petróleo na Argentina O petróleo na Argentina remonta ao início do século XX, quando começou a ser explorado em Comodoro Rivadavia, na Patagônia. No entanto, um aproveitamento mais intenso do petróleo argentino só começou após a primeira guerra mundial, evento que sinalizou às autoridades argentinas o quão o país era dependente das importações petrolíferas. Para reduzir gradualmente a dependência externa, foi fundada em 1922 a YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales), empresa estatal do petróleo argentino. Desde 1922 até 1993, quando a YPF foi efetivamente privatizada, a história do petróleo argentino e da YPF estiveram intimamente relacionados aos acontecimentos políticos e à política econômica de cada época. Foi uma trajetória de constantes reviravoltas quanto ao papel a ser 15 exercido pela estatal e pelas condições de concorrência que deveriam vigir em cada período do tempo. De 1922 até 1935, a YPF atuou em condições de concorrência com as empresas estrangeiras que, pela sua vantagem tecnológica, dominavam o mercado argentino com mais de 60% da produção (Kozulj e Bravo, 1993). Em 1935 uma lei2 permitiu que a YPF entrasse em uma trajetória de crescimento. Embora fosse estipulada por essa lei a concorrência via concessões no upstream argentino, alguns decretos presidenciais estenderam a declaração de reserva da YPF para quase todo o território argentino, virtualmente deslocando as concorrentes privadas do setor upstream para o downstream. A constituição peronista de 1949 consolidava o domínio da YPF sobre os recursos petrolíferos, ao estabelecer que o petróleo argentino era imprescindível à nação argentina (Fiorotti, 2005). Num rápido interlúdio golpista3, a constituição de Perón foi derrubada junto com a declaração de monopólio das reservas petrolíferas. Frondizi, o primeiro presidente democraticamente eleito após o golpe, reestatizou o petróleo argentino através de uma nova lei do petróleo4, mas, ao mesmo tempo, assinou contratos de consórcios com empresas estrangeiras, que investiriam vultosas somas na indústria petrolífera argentina. O golpe militar de 1963 modificou novamente a atividade petroleira e, em seguida, o governo constitucional de Arturo Illia, que se seguiu ao golpe, anulou os contratos de consórcios firmados pelo presidente Frondizi. Em 1966, com novo golpe militar, ocorreu nova reorientação dos rumos da indústria petroleira argentina. As empresas5 que tinham firmado os contratos de consórcio tiveram restituídas as suas condições de operação vigentes antes da anulação dos mesmos. Foi firmada uma nova lei de hidrocarbonetos6, que, dessa vez, tendeu a favorecer as empresas privadas, que assistiram a um grande crescimento dos seus lucros. Essa lei permitiu que fossem feitas permissões de exploração em troca do pagamento de royalties. No período de 1967 a 1972 foram concedidas 21 permissões desse tipo. O retorno de Perón em 1973 faz retomar as condições vigentes antes de 1967, quando a política petrolífera argentina era de cunho nacionalista. No entanto, o golpe militar de 1976 2 Lei 12.161 de 1935 1955 a 1958 4 Lei 14.773 de 1958 5 Pan American e Banca Lloeb 6 Lei 17.319 de de 1967 3 16 deslegitimou a volta ao modelo industrial nacionalista de Perón para a indústria do petróleo, voltando às permissões do modelo anterior ao de Perón. O governo militar de 1976 a 1983 inseriu a economia do país num violento processo de endividamento. Nesse ínterim, a YPF foi a empresa mais prejudicada, vivenciando um aumento do seu endividamento de 2000% (Fiorotti, 2005), no mesmo período. Esse crescente endividamento iniciou um processo de esvaziamento da empresa, que culminou, em 1993, na sua privatização. Esse processo consistia na adoção de uma série de condições e limitações impostas às atividades da YPF. Paralelamente a isso, a indústria petroleira argentina foi transformada aos poucos com a adoção de planos que incentivavam a entrada de concorrência estrangeira e privatizavam parcialmente alguns campos da YPF. O governo Menem, iniciado em 1989, diagnosticou a necessidade de privatizar a YPF totalmente. A justificativa apresentada era que a empresa era ineficiente e que mantê-la sob controle estatal não incentivaria a atividade econômica argentina e representaria constantes déficits para o governo. A reestruturação da empresa sob controle estatal não foi considerada uma alternativa viável. A privatização foi decretada em 19927 e foi executada em duas fases: na primeira, a empresa foi reestruturada, para manter a integração vertical e alta participação da YPF no mercado; na segunda, as ações da empresa foram efetivamente vendidas, com a manutenção de uma parcela das ações da empresa por parte do Estado. Em 1999, a privatizada YPF foi comprada pela espanhola Repsol e o Estado argentino adicionalmente vendia a sua reminiscente participação na empresa à empresa espanhola, com exceção da ação de ouro, que foi mantida pelo estado. Observou-se após a privatização da YPF que a concentração industrial na indústria petrolífera manteve-se elevada, ao contrário do que dizia o ideário neoliberal pregado por Menem, que alardeava os benefícios da livre concorrência. Além disso, ficou patente o problema do abastecimento energético na Argentina, que culminou em cortes energéticos. Em resposta a isso, o estado argentino criou em 2004 a estatal com capital misto ENARSA (Energia Argentina 7 A Lei 24.145/92 federalizou os hidrocarbonetos e decretou a privatização da YPF. 17 Sociedad Anônima), com o objetivo de aumentar a prospecção e a produção de petróleo no país e, conseqüentemente, debelar a crise energética que se instaurou. I.2.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo na Argentina Reservas e RP As reservas petrolíferas argentinas são modestas, da ordem de 2,6 bilhões de barris em 2007. Na América Latina, esta magnitude representa 2,3% do total. Aliado a isso, as reservas argentinas não sofreram grandes alterações nos últimos 11 anos. Dessa forma, esses 2,6 bilhões de barris são os mesmos de 1997, com um raro pico de 3,1 bilhões de barris em 1999. As regiões petrolíferas mais importantes da Argentina são as províncias de Chubut e de Neuquén que, em 2004, de um total de 2,5 bilhões das reservas do país, detinham respectivamente 29,8% e 24% do total (Anuario de Reservas – Secretaria de Energia, 2004). Ambas estão localizadas na Patagônia. No entanto, a grande maioria das reservas argentinas, muitas delas localizadas nessas duas regiões, não ultrapassam a marca de 150 milhões de barris provados, muito menos do que 1% do campo venezuelano de Bolívar, que detém mais do que 30 bilhões de barris de reserva. Já no tocante à produção argentina de petróleo, observa-se que seu declínio tem conotação alarmante. Se em 2005 a produção era da ordem de 725 mil barris/dia, em 2007 ela não ultrapassou 698 mil barris/dia; uma queda de 3,7% em apenas dois anos. O Gráfico 1.2 a seguir exibe a evolução da produção e das reservas argentinas de 1980 até 2007. Gráfico 1.2 – Reservas e Produção Petrolífera na Argentina (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia) 18 3,5 1000 900 3,0 800 2,5 Reservas 700 600 2,0 500 1,5 Produção 400 300 1,0 200 0,5 100 0 19 8 19 0 8 19 1 82 19 83 19 8 19 4 8 19 5 86 19 8 19 7 8 19 8 89 19 9 19 0 9 19 1 9 19 2 93 19 9 19 4 9 19 5 96 19 9 19 7 9 19 8 99 20 0 20 0 0 20 1 0 20 2 03 20 0 20 4 0 20 5 06 20 07 0,0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 A relação entre as reservas e a produção argentina (R/P) foi 10,2 em 2007. Conclui-se que, claramente, as reservas argentinas de petróleo estão sendo exauridas e o ritmo das descobertas é inferior ao desejado, o que terá algumas conseqüências para o futuro da indústria argentina do petróleo, como o retrocesso das suas exportações petrolíferas. Produção, Exportações e Consumo A Argentina é um exportador líquido de petróleo. Um dos principais mercados para as exportações argentinas de petróleo, que em 2007 foram da ordem de 300 mil barris por dia, é o Brasil, que importa derivados de petróleo como a nafta ou outros produtos petroquímicos da Argentina (AEB, 2007). Por outro lado, o consumo argentino de petróleo aumentou nos últimos anos, principalmente em virtude da recuperação da economia a partir de 2001. Entre 2001 e 2007 ele cresceu de 405 mil barris/dia para 492 mil barris/dia, um significativo aumento de 21,5%. O Gráfico 1.3 a seguir relaciona as variáveis produção, exportação e consumo de petróleo na Argentina. Gráfico 1.3 – Produção e Consumo de Petróleo na Argentina (em milhares de barris/dia) 19 1000 900 800 Produção 700 Exportações líquidas 600 500 400 300 Consumo 200 100 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 8 19 6 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 9 19 3 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 0 20 0 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 O crescente aumento do consumo de petróleo por parte dos argentinos, que se recuperam de uma recessão econômica, pode mudar o perfil da indústria petrolífera no país. O modelo adotado pelo governo, que previa a quase totalidade da iniciativa privada no setor, pode estar se esgotando, já que a Argentina passa cada vez mais a perder importância enquanto exportadora de petróleo. O mineral abastece, a taxas crescentes, mais o mercado interno do que o externo8. Assim, num futuro próximo, o país poderia hipoteticamente precisar importar petróleo de países como o Brasil ou Venezuela. Esse possível fato poderia acelerar o debate em torno da integração energética latino-americana. Concentração Industrial Ao voltar ao poder em 1973, Perón nacionalizou por completo a indústria argentina de petróleo. No entanto, o golpe militar de 1976 desfez essa decisão e retomou os contratos de permissão estabelecidos antes do governo de Perón. Desde o golpe militar, a YPF passou a sofrer um processo de esvaziamento e gradual privatização, até que essa se desse por inteiro em 1993. A estrutura industrial da indústria nacional de petróleo permite então, desde 1976 ininterruptamente, que atuem múltiplas empresas privadas no upstream argentino. Dessa forma, o grau de concentração industrial nessa indústria é inferior ao de outros exemplos, como o México ou o Brasil. 8 Em 2001, 48% da produção argentina de petróleo era destinada ao mercado interno. Em 2007 esta porcentagem foi de 70%. A trajetória se deve a dois vetores: o aumento do consumo interno e o declínio da produção e das descobertas. 20 Na estimação de um índice de concentração industrial na indústria petroleira argentina, foram usadas as informações fornecidas pelo IAPG (Instituto Argentino de Petróleo e Gas). Aqui é estimado o CR5 do upstream argentino, através dos dados de produção de petróleo no país e também o IHH, segundo o mesmo critério. A Tabela 1.1 a seguir apresenta a evolução da estimação dessa concentração industrial na Argentina no período compreendido entre 2005 e 2007. Tabela 1.1 – Concentração Industrial do Setor Petrolífero Argentino (Upstream) Ano Índice CR5 IHH 2007 2006 75% 77,3% 18,3% 19,38% 2005 80,9% 21,26% Produção 7 maiores barris/dia Produção total em barris/dia 522.412 549.604 575.164 692.969 710.846 710.846 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IAPG Em 2007, 41 empresas atuaram na exploração de petróleo no país e efetivamente extraíram o produto. Dessas, as cinco maiores foram a YPF (259.396 barris/dia), a Pan American (114.990 barris/dia), a Chevron San Jorge (57.796 barris/dia), a Petrobrás (54.318 barris/dia) e a Occidental (35.910 barris/dia). Tanto o índice CR5 e IHH podem ser considerados elevados9 no período em questão. Mas, ao mesmo tempo, há um grande número de empresas atuantes, o que pode dificultar o entendimento do grau de concentração industrial. Existe, sem dúvida, um elevado grau de concentração na indústria petrolífera argentina, mas, no entanto, as condições de acesso a ela não são difíceis. Esse grau, nos últimos três anos, tem caído substancialmente. A entrada da ENARSA que, provavelmente, nos primeiros anos de atividade não produzirá muito, pode diminuir ainda mais esses índices num futuro próximo. Estrutura do Refino O grau de utilização da capacidade de refino, na Argentina, que em 2007 foi de 78,8%, situou-se abaixo dos 45% verificados na Venezuela, porém acima dos valores do Brasil e dos EUA (113% e 117%). Desde 2002, esse índice vem crescendo, com o aumento do consumo devido à recuperação econômica. Já a capacidade instalada de refino, que desde 1998 vinha numa trajetória descendente, tem sido aumentada desde 2002 também. No entanto, a capacidade 9 Segundo Rocha (2005), índices IHH superiores a 0,18 são encaminhados à FTC (Federal Trade Comissions) nos EUA para investigação sobre graus de concentração abusivos. 21 instalada diária de refino ainda é inferior à observada em 1998 (624 contra 648 milhares de barris/dia). A Tabela 1.2 seguinte compara essas magnitudes. Tabela 1.2 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino na Argentina Ano Consumo em milhares de barris/dia Capacidade de refino em milhares de barris/dia Grau de utilização da capacidade de refino 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 467 445 431 405 364 372 394 421 440 492 648 643 624 612 609 609 610 612 614 624 72,1% 69,2% 69,1% 66,2% 59,7% 61,02% 64,7% 68,9% 71,7% 78,8% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Com a crescente expansão da demanda por petróleo na Argentina, em um futuro a médio prazo a Argentina talvez tenha a necessidade de incrementar a sua capacidade de refino. No atual momento, no entanto, a situação ainda é confortável. A Argentina ainda exporta produtos do refino como a nafta para o Brasil. 22 I.3 - A Indústria do Petróleo no Brasil I.3.1 - Introdução O Brasil é, neste início de século XXI, uma das regiões mais atraentes em termos energéticos do planeta. O país está na liderança na produção de biocombustíveis e, ao mesmo tempo, foi palco de uma das maiores descobertas petrolíferas das últimas décadas: as reservas petrolíferas do pré-sal, uma camada muito profunda que contém um petróleo de boa qualidade e, aparentemente, em quantidades avassaladoras, estimadas entre 38 e 41 bilhões de barris de reservas10, que alavancariam o país à condição de um dos dez maiores detentores de reservas petrolíferas do mundo11. Espera-se, nesse sentido, que tais descobertas logrem inaugurar uma nova fase na economia brasileira, considerando a correta aplicação das receitas obtidas com as vendas desse petróleo em áreas onde investimentos sejam prioritários. O energético preponderante na matriz energética brasileira é o petróleo, com 45% de um total de 216,8 milhões de toneladas de óleo equivalente em 2007. Outra fonte relevante é a hidroeletricidade, que responde por 39% desse total, seguida pelo gás natural, pelo carvão e pela energia nuclear com, respectivamente, 9%, 6% e 1% de participação na matriz energética brasileira. De uma forma geral, o Brasil é reconhecido pelo alto grau de renovabilidade de seus recursos energéticos, pois conta com amplo parque de geração hidroelétrica e também por que possui um potencial muito grande de gerar biocombustíveis como o biodiesel ou o álcool. No entanto, como a maior parte do sistema de transportes brasileiro é baseada no modal rodoviário, o consumo de derivados de petróleo é muito grande. Dessa forma, a matriz energética brasileira perde a oportunidade de ser ainda mais limpa do que já é. Embora haja abundância de recursos energéticos no Brasil, as instâncias decisórias não conseguiram evitar a falta de energia num passado não muito distante. Em 2001, devido à falta de chuvas e à inoperância do governo, o racionamento de energia teve que ser praticado. Como lição ficou a necessidade de implementar sistemas que prevejam melhor as necessidades energéticas e que configurem a oferta de energia de uma maneira equilibrada e variada. O petróleo, que agora aparentemente passará a existir em 10 Estimativas preliminares da Petrobrás e da ANP, que estimam que o campo Tupi conteria entre 5 e 8 bilhões de barris e o pré-sal cerca de 33 bilhões. Essas estimativas, no entanto, podem aumentar ou diminuir de acordo os erros e os acertos e com o ritmo de exploração dos campos do pré-sal 11 Considerando o ranqueamanto feito pela PennWell Corporation para o Oil & Gas Journal, vol. 104.47 (Dez. 2006). 23 abundância no Brasil, apesar de seus malefícios ambientais claros, surge como uma das oportunidades de resolver esses problemas. Gráfico 1.4 – Matriz Energética Brasileira Gás Natural 9% Carvão 6% Petróleo 45% Hidroeletricidade 39% Energia Nuclear 1% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 I.3.2 - História do Petróleo no Brasil A exploração petrolífera no Brasil remonta ao séc. XIX, com a concessão de exploração no estado da Bahia obtida por investidores privados britânicos. Dos seus primórdios até a nacionalização estabelecida por Vargas, a Indústria Brasileira do Petróleo percorreu uma fase em que não estava claro qual modelo institucional seria adotado. Se, por um lado, empresas independentes privadas tentavam prospectar petróleo em áreas em que sua existência não estava comprovada não obtendo muito sucesso; por outro iniciava-se uma discussão de cunho nacionalista sobre a necessidade de tornar o petróleo um recurso sob proteção do monopólio nacional. Com o processo de substituição das importações, política econômica de cunho desenvolvimentista iniciada nos anos 30 por Vargas, ficou patente a necessidade de abastecer apropriadamente com energia a indústria nascente. No período que precedeu a efetiva criação de uma indústria de petróleo no Brasil, o país importava petróleo, o que era um entrave ao crescimento. Nesse contexto de embates políticos e de necessidade de busca por soluções econômicas, surgiu a campanha “O petróleo é nosso”, que visava a nacionalização do petróleo. Ela culminou, 24 em 1953, já no segundo governo Vargas, na criação da Petrobrás12 e na conseqüente nacionalização do petróleo e vinculação deste a um monopólio estatal sob controle da recém criada estatal. A Petrobrás beneficiou-se, nos anos 50, 60 e 70 do crescimento econômico vivido pela economia brasileira. Naquele período, a estatal logrou crescer significativamente, passando a ser em 1975, segundo a Fortune, a maior empresa do país. Em 1982, era a vigésima empresa do mundo, segundo a mesma revista (Pinto Jr., 2007). Nesse período de intenso crescimento, a estatal conseguiu expandir suas atividades na importação de petróleo junto ao cartel do petróleo através de suas subsidiárias Braspetro e Interbras, expandiu seu parque de refino, desenvolveu uma indústria petroquímica (através da filial Petroquisa) – tornando-se, ao cabo, uma empresa integrada. Nos anos 70, com os dois choques do petróleo, o Brasil privilegiou a substituição de importação de derivados de petróleo, e, para tal, buscou fortalecer a exploração de petróleo e também passou a encorajar o uso de combustíveis não petrolíferos (Fiorotti, 2005). Assim, nos anos 70 e 80, a Petrobrás reorientou a sua estratégia passando a prospectar maciçamente petróleo na plataforma continental, com o objetivo de aumentar significativamente as reservas petrolíferas brasileiras, e, com isso, diminuir a dependência externa do petróleo importado. Essa reorientação estratégica significou a necessidade de realizar grandes investimentos em bens de capital, resultando num endividamento externo da empresa. Ao descobrir campos como o de Marlim e o de Barracuda na bacia de Campos, a Petrobrás mais do que triplicou sua produção em 1989 (616.000 barris/dia) em relação aos níveis de produção de 1980 (Fiorotti, 2005). A despeito do estrondoso esforço exploratório da empresa, o fim da década de 80 e o início da década de 90 foram anos de política econômica voltada para a estabilização econômica em virtude de problemas como a inflação e as baixas taxas de crescimento do produto obtidas no período. Por essa razão, cresceu o debate em torno da privatização e da abertura da Indústria Brasileira de Petróleo. Já em 1991, o Plano Nacional de Desestatização (PND) do Governo Collor privatizou os braços petroquímico e de produção de fertilizantes da Petrobrás (Petroquisa e Petrofértil). 12 Instituída pela Lei 2004 de 1953 25 O processo de reformas na indústria do petróleo no Brasil consolidou-se em 1997, com a aprovação de uma nova lei do petróleo em 199713. A nova lei do petróleo brasileira desmantelou o monopólio estatal da Petrobrás, passando a permitir a entrada de novas empresas na etapa do upstream. Instituiu, dessa forma, um sistema de leilão de novos campos de petróleo, que passariam a ser licitados e leiloados segundo alguns critérios mínimos que foram estabelecidos. Entre estes constavam o pagamento de bônus de assinatura e o investimento mínimo em conteúdo local (máquinas e equipamentos a serem adquiridos junto à indústria nacional). As empresas passariam a atuar como concessionárias na exploração de petróleo após a aquisição de um bloco exploratório, pagando royalties sobre a quantidade de petróleo produzida. Além disso, a lei do petróleo de 1997 instituiu um novo regulador para a atividade petrolífera no Brasil, a Agência Nacional do Petróleo, responsável por controlar a atividade e organizar os leilões de licitação dos campos de petróleo. Desde a abertura industrial é notável o crescimento da atividade petrolífera no Brasil. Aumentou a quantidade de petróleo produzida no Brasil e também a entrada de novos agentes no upstream. Além disso, fortaleceu-se uma nova indústria para-petroleira, de apoio às atividades de exploração, desenvolvimento e de produção. No entanto, a concentração da indústria de petróleo ainda é muito elevada, com grande poder de mercado da Petrobrás, que ainda detém informações privilegiadas sob o perfil geológico da costa brasileira e que, por isso, consegue obter maior sucesso nos leilões dos campos. As recentes descobertas em campos na camada do pré-sal na costa brasileira passaram a abrir novas perspectivas para a Indústria Brasileira do Petróleo. Em primeiro lugar, poderiam tornar o Brasil um dos maiores produtores mundiais de petróleo e conseqüentemente um país exportador. Em segundo lugar, poderiam aumentar significativamente a importância e o tamanho da Petrobrás no mundo, tornando-a detentora de tecnologia de ponta. E, por fim, abririam novas possibilidades para o desenvolvimento brasileiro, se os fluxos financeiros da atividade puderem ser revertidos para fins sociais e econômicos estratégicos. I.3.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo no Brasil Reservas, Produção e RP 13 Lei 9.478, de 1997 26 O Brasil não foi historicamente um grande detentor de reservas petrolíferas, apesar do gigantesco tamanho de sua empresa nacional de petróleo. O crescimento da Petrobrás baseou-se historicamente no crescimento da demanda interna brasileira por combustíveis. Essa trajetória, no entanto, pode estar perto de uma inflexão. As reservas brasileiras de petróleo, que em 2007 eram de 12,6 bilhões de barris de petróleo e representavam apenas 10% do total latino-americano, em pouco tempo se multiplicarão. Nos últimos 10 anos, a taxa de crescimento das reservas brasileiras de petróleo sempre foi inferior a 10% ao ano, com exceção do biênio 1998-1999, quando foi de 10,8%. As reservas do pré-sal, entre as quais se destaca o campo de Tupi, podem exceder facilmente os 10 bilhões de barris. O campo de Tupi tem um tamanho estimado entre 5 e 8 bilhões de barris. No entanto, as áreas do entorno do campo de Tupi, algumas já exploradas, como o campo Carioca, têm um perfil geológico similar, o que poderia significar reservas ainda maiores. Comparativamente, o maior campo brasileiro até então, o de Roncador, contém reservas da ordem dos 3 bilhões de barris. Essas descobertas poderiam aumentar significativamente as taxas de descobertas anuais nas próximas décadas, muito acima dos 10%, que atualmente representam um grande esforço de prospecção. Depois da abertura da indústria brasileira de petróleo, a produção petrolífera do Brasil também cresceu a taxas elevadas. Em 1996, último ano antes da reforma, o Brasil produzia 807 mil barris/dia. Em 2007 a produção foi de 1,833 milhões de barris/dia, um substancial aumento de 127%. Esse substancial aumento, na fase que antecede a efetiva produção no pré-sal, se deve ao aumento do esforço exploratório resultante da maior atratividade do upstream brasileiro. A Petrobrás, além disso, aumentou sua eficiência exploratória e tem sido ator preponderante nesse sentido. O Gráfico 1.5 a seguir relaciona o crescimento das reservas brasileiras e o aumento da produção de petróleo no país. Gráfico 1.5 – Reservas e Produção Petrolífera no Brasil (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia) 27 14,0 2000 1800 12,0 1600 10,0 8,0 1400 1200 Reservas 1000 6,0 Produção 4,0 2,0 600 400 200 0 19 8 19 0 81 19 8 19 2 8 19 3 84 19 8 19 5 8 19 6 8 19 7 88 19 8 19 9 90 19 9 19 1 9 19 2 93 19 9 19 4 95 19 9 19 6 97 19 9 19 8 99 20 0 20 0 01 20 0 20 2 03 20 0 20 4 0 20 5 06 20 07 0,0 800 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Em 2007, a relação reservas / produção brasileira foi de 18,9 anos. As recentes descobertas aumentarão em muito essa relação. Dessa maneira, é de se esperar que a extração petrolífera continue sendo uma atividade econômica sustentável no Brasil. Produção, Exportações, Importações e Consumo O Brasil alcançou um relativo grau de auto-suficiência no abastecimento de petróleo em 2006. O Brasil ainda precisa importar alguns tipos de petróleo por causa do tipo de produto que as atuais reservas petrolíferas produzem. No entanto, o problema da dependência como entrave ao crescimento econômico brasileiro saiu da pauta há algum tempo. Nos anos 70 e 80, o problema do abastecimento do petróleo debelou sérios problemas econômicos no país. Num futuro não distante, quando as novas reservas brasileiras gerarem um fluxo contínuo, o Brasil se tornará um exportador líquido significativo e conseguirá incrementar ainda mais as suas exportações atuais, que foram da ordem de 437.352 barris/dia em 2007 (ANP). O Brasil tem logrado diversificar sua matriz energética. Dessa forma, nos últimos anos o petróleo não tem tido um aumento substancial de seu consumo no país. Outros energéticos têm sido introduzidos, como os biocombustíveis ou o gás natural. Assim, nos últimos dez anos, o consumo brasileiro saltou de 2,038 milhões de barris/dia em 1998 para 2,192 em 2007, o que contraria a normal tendência de expansão da demanda que tende a acompanhar o crescimento 28 econômico. A seguir estão relacionadas, no Gráfico 1.6, as variáveis produção, consumo, exportações e importações. Gráfico 1.6 – Produção e Consumo de Petróleo no Brasil (em milhares de barris/dia) 2500 2000 Consumo 1500 1000 Importações Líquidas 500 Produção 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 8 19 6 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 9 19 3 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 0 20 0 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 A tendência natural, mais uma vez reitera-se, é que o Brasil se torne um exportador líquido de petróleo. Dessa forma, algumas alterações deveriam ser feitas na indústria brasileira de petróleo e na sua estrutura de tributação para que esse novo perfil de país exportador reverbere nas demais atividades econômicas brasileiras, bem como no nível de desenvolvimento econômico e social do país. Concentração Industrial A Lei 9.478/97, que desmantelou o monopólio legal da Petrobrás e decretou a abertura do upstream no Brasil, iniciou uma nova tendência de desconcentração industrial na indústria petrolífera brasileira. Porém, a Petrobrás pôde acumular um vasto conhecimento sobre o perfil geológico das regiões petrolíferas ao longo das décadas em que atuou como monopolista. Dessa forma, quando ocorrem os leilões de licitação dos campos, a empresa consegue adquirir com maior facilidade os melhores campos, evitando adversidades como a maldição do vencedor (Thaler, 1992) - em que uma empresa paga um bônus desmedido por um campo pouco promissor. Isso permitiu que a concentração industrial da indústria brasileira de petróleo permanecesse relativamente alta, apesar da abertura. As recentes gigantescas descobertas podem suscitar um debate sobre a necessidade de manter sob controle estatal o que seria um patrimônio 29 para as futuras gerações14 e, dessa forma, existe a tendência de que a concentração industrial permaneça elevada. Para estimar um índice de concentração industrial na indústria brasileira do petróleo, usam-se, de forma combinada, os dados fornecidos pela Petrobrás e aqueles fornecidos pela EIA. Assim, a razão entre o que a Petrobras produziu e o que foi produzido no total no país fornece uma proxy do quão concentrada é a indústria petrolífera nacional. A Tabela 1.3 fornece os resultados. Tabela 1.3 – Concentração Industrial do Setor Petrolífero Brasileiro (Upstream) Ano Índice CR1 2007 2006 84,2% 88,6% 2005 90,6% 2004 90,3% ... ... 1996 100¨% Produção Petrobrás em milhões barris/dia Produção total em milhões barris/dia 1,918 1,920 1,847 1,661 ... - 2,277 2,166 2,038 1,839 ... - Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Petrobras e da EIA As estatísticas comprovam que a concentração industrial, em termos de barris produzidos por dia, continua elevada. No entanto, ela tem sofrido um declínio ao longo dos últimos anos. Estrutura do Refino O indicador grau de utilização da capacidade de refino, que é dado pela relação consumo sobre capacidade de refino, mostra que o Brasil teve um déficit de capacidade de refino em relação ao seu consumo total de petróleo de 13,7% em 2007. Esse número, no entanto, pode ser interpretado de forma enganosa. Como o Brasil importa boa parte dos derivados que consome, principalmente em termos de matéria prima, o país praticamente incorpora ao seu parque de refino capacidade instalada externa, principalmente da Argentina, da qual importa, entre outros produtos, derivados destinados à indústria petroquímica. A Tabela 1.4 mostra como evoluíram essas magnitudes. Tabela 1.4 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino no Brasil 14 Justiça inter-geracional 30 Ano Consumo em milhares de barris/dia Capacidade de refino em milhares de baris/dia Grau de utilização da capacidade de refino 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2034 2114 2056 2082 2063 1985 1999 2048 2064 2192 1768 1796 1849 1849 1854 1915 1915 1916 1916 1928 115% 117% 111,1% 112,5% 111,3% 103,6% 104,3% 106,8% 107,7% 113,7% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Vale a pena ressaltar que, com a demanda crescente por derivados no país, surge a necessidade de maiores investimentos em refino no futuro. Essa demanda parece estar sendo, ao menos, parcialmente atendida, com a construção de novas refinarias como a de Itaboraí, no Estado do Rio de Janeiro. 31 I.4 - A indústria do Petróleo na Colômbia I.3.1 - Introdução A Colômbia é um país que convive há muitas décadas com um intenso conflito militar e social. Mesmo assim, é a quinta mais importante economia da América Latina. Além disso, possui importantes reservas de recursos minerais (carvão e petróleo principalmente), dentre as quais 1,45 bilhões de barris de petróleo. Como o país consome menos do que produz, logra ser exportador líquido na maioria desses recursos. No caso do petróleo, não deixa de ser um importante produtor e exportador no continente latino-americano, exportando aproximadamente 275.000 barris/dia em 2006, dos quais 156.000 para os Estados Unidos, no mesmo ano (EIA). No entanto, sua produção atingiu seu pico em 1999 (830.000 barris/dia), e, por isso então, é incerto se o país continuará exportando no futuro. Para tal, e também para atingir objetivos macroeconômicos e políticos, o governo colombiano lançou um vigoroso plano de incentivo à expansão da indústria petroleira no país, focado na participação de empresas estrangeiras no upstream. A matriz energética colombiana baseia-se, sobretudo, no aproveitamento de seus hidrocarbonetos, que, em 2007, foram responsáveis por 77% do consumo primário de energia no país, de um total de 30 milhões de toneladas de óleo equivalente. Nota-se um grande declínio do petróleo enquanto fonte de energia primária no país em relação a 2004 (EIA), quando esse energético representava 45% da matriz energética local. Houve um crescimento substancial do gás natural na matriz energética, de 17% em 2004 (EIA) para 23% em 2007. A quantidade de hidroeletricidade consumida no país permaneceu praticamente inalterada em termos relativos, com um aumento de 3% no período (EIA). Essa guinada para baixo no consumo doméstico de petróleo indica uma clara política de substituição do consumo local de hidrocarbonetos derivados do petróleo para consumo dos mesmos derivados do gás natural, que são menos facilmente exportáveis enquanto commodities. O petróleo, neste sentido, é claramente tratado como produto de exportação. 32 Gráfico 1.7 – Matriz Energética Colombiana Hidroeletricidade 34% Carvão 9% Petróleo 34% Gás Natural 23% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 I.4.2 - História do Petróleo na Colômbia A primeira concessão de exploração de petróleo na Colômbia foi outorgada em 1918, e em 1921 iniciou-se a produção e o conseqüente transporte do petróleo de Barrancabermeja até o Mar do Caribe. Entre os anos de 1920 e 1940, as majors obtiveram concessões e produziram na Colômbia. Em 1948 decidiu-se pela criação de uma empresa estatal colombiana com capital estrangeiro: a Ecopetrol. No entanto, à criação da Ecopetrol antecedeu um conflito acerca do caráter estratégico da permanência da Standard Oil na Colômbia, que foi resolvido com a decisão de permitir que os contratos anteriores à Ecopetrol fossem produzidos em parceria com a Standard Oil (Fiorotti, 2005). Entre 1950 e 1970, como os territórios marítimos colombianos tinham sido concedidos às empresas estrangeiras, iniciou-se um processo de exploração das bacias sedimentares dos rios colombianos. Como as concessões dos campos de petróleo não previam a obrigatoriedade de exploração e de produção, em 1969 nacionalizam-se as reservas colombianas, que resultou no sistema contratual de associação entre a Ecopetrol e as empresas privadas. Mais tarde, com a alta dos preços no primeiro choque de petróleo de 1973, o governo colombiano, vendo-se obrigado a assistir à mudança de status da Colômbia para país importador, decretou um novo sistema em que a Ecopetrol ou produziria diretamente ou em contratos de associação com as empresas estrangeiras. 33 Nos anos 80, a principal preocupação do governo colombiano foi garantir a autosuficiência colombiana em petróleo, através da descoberta de novos campos e do incremento da produção nos já existentes (Fiorotti, 2005). No âmbito das reformas econômicas liberalizantes ortodoxas dos anos 90, o governo passou a incentivar que o capital estrangeiro entrasse na atividade petrolífera colombiana, principalmente a partir de 1999. Perseguindo esse objetivo, o governo permitiu que empresas estrangeiras entrassem com 100% das ações em projetos novos; introduziu um novo sistema de royalties progressivo, com campos maiores pagando mais royalties e obrigou a Ecopetrol a suportar a concorrência estrangeira. Prosseguindo as reformas no seu setor energético e petroleiro, iniciadas através de leis e decretos dos anos 90, em 2003 é criada, também por um decreto15, a ANH (Agencia Nacional de Hidrocarburos). Ela é criada, grosso modo, nos mesmos moldes da ANP, com o objetivo de administrar os hidrocarbonetos e gerenciar as informações geológicas e os contratos de concessão no país. Nesse movimento reformador, o papel da Ecopetrol também é redefinido, com o objetivo de torná-la não mais uma empresa ditadora de políticas setoriais para o petróleo, mas sim uma empresa capitalista eficiente. Por fim, a modalidade dos contratos de associação anteriormente estabelecida nos anos 70 é trocada por uma nova, que prevê novos contratos de exploração e produção (Fiorotti, 2005). De uma forma geral, essa reforma aproximou-se bastante da brasileira. As reformas setoriais do petróleo lograram atrair novos investidores para o upstream colombiano. Novos contratos foram celebrados e significativos capitais estrangeiros foram atraídos – da ordem de U$2 bilhões em 2006, segundo a EIA. Como será visto a seguir, a Colômbia conseguiu aumentar ligeiramente, num primeiro momento, seu ritmo de produção. No entanto, devido à baixa taxa de renovação de campos e à diminuição do ritmo de extração dos campos, é esperado que o ritmo de produção seja descendente nos próximos anos. I.4.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo na Colômbia Reservas, Produção e RP 15 Decreto nº 1760 de 2003, que modifica a estrutura orgânica da Ecopetrol e institui a ANH (Agencia Nacional de Hidrocarburos). 34 A Colômbia, a exemplo da Argentina, nunca teve grandes reservas petrolíferas. Entre os países da América Latina, seus 1,5 bilhão de barris de reservas provadas totalizam insignificantes 1,21% da soma das reservas. As reservas venezuelanas de petróleo são 58 vezes maiores que as colombianas. Nos últimos anos, as reservas colombianas têm declinado fortemente. De 1998 até 2007 ocorreu uma queda de 66,6%, o que representa um bilhão a menos de barris de reservas para os colombianos. Atualmente, campos importantes como o de Cusiana, Cupiagua, entre outros, totalizam aproximadamente 1 milhão de reservas. No entanto, o país tem grande potencial geológico. Segundo a ANH, existe um potencial de reservas ainda a ser explorado da ordem de 47 bilhões de barris em áreas ermas. A produção petrolífera colombiana, a exemplo de suas reservas, tem também declinado. Em 1998 eram produzidos 775 mil barris diários em território colombiano, cifra que caiu para 561 mil por dia em 2007 (queda de 38%). A seguir são relacionadas, no Gráfico 1.8, as magnitudes referentes a reservas e produção de petróleo na Colômbia. Gráfico 1.8 – Reservas e Produção Petrolífera na Colômbia (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia) 3,5 900 800 3,0 700 2,5 Reservas Produção 600 2,0 500 1,5 400 300 1,0 200 0,5 100 0 19 80 19 8 19 1 82 19 83 19 8 19 4 85 19 86 19 8 19 7 88 19 89 19 9 19 0 9 19 1 92 19 9 19 3 94 19 9 19 5 96 19 97 19 9 19 8 99 20 00 20 01 20 0 20 2 03 20 04 20 0 20 5 06 20 07 0,0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 A relação RP colombiana, seguindo a trajetória de declínio da atividade petroleira no país, é relativamente baixa: 7,4 anos. Se os esforços exploratórios colombianos não forem suficientes, a auto-suficiência colombiana talvez acabe e o país pode também deixar de ser 35 exportador. A integração regional dentro do território colombiano é fundamental para que o esforço exploratório tenha sucesso, já que alguns territórios com potencial petrolífero encontramse sob domínio das FARC. Produção, Exportações e Consumo A Colômbia ainda é exportadora líquida de petróleo, sendo importante fornecedora do hidrocarboneto para o mercado americano. Como em 2007, seus 228 mil barris diários que consumiu ficaram bem aquém dos 561 que produziu, ainda há uma grande margem de exportação de petróleo na Colômbia.16 O Gráfico 1.9 relaciona as variáveis exportações, produção e consumo. Gráfico 1.9 – Produção e Consumo de Petróleo na Colômbia (em milhares de barris/dia) 900 800 700 600 500 Produção Exportações Líquidas 400 300 200 Consumo 100 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 O país dispõe de uma matriz energética equilibrada e é abundante em outros recursos energéticos além do petróleo. Por essa razão, a diminuição crescente do excedente exportável de petróleo colombiano não constitui preocupação ainda maior. Algumas políticas setoriais são necessárias para que a Colômbia consiga aumentar seu ritmo de descobertas e, por conseguinte, sua produção petrolífera. Elas são indispensáveis para que a Colômbia consiga tornar sustentável sua trajetória enquanto país exportador de petróleo. 16 59% do petróleo produzido pela Colômbia em 2007 foi exportado. 36 Concentração Industrial Desde os anos 70, atuam ininterruptamente empresas estrangeiras na indústria petrolífera colombiana. As reformas dos anos 90 aumentaram ainda mais essa possibilidade ao gerar benefícios focados na atração de capital estrangeiro para a atividade exploratória. Para estimar um índice de concentração industrial na indústria colombiana são usados dados fornecidos pela Ecopetrol, empresa estatal de capital aberto. A empresa atua em associação com empresas estrangeiras ou em empreendimentos 100% próprios. A proxy que estima o índice de concentração industrial é a razão entre a produção da empresa e a produção total da indústria. Os dados fornecidos pela Ecopetrol incluem dados sobre a produção da empresa com suas associadas. Nesse estudo é estipulado que a produção é rateada meio a meio. A Tabela 1.5 a seguir apresenta os resultados, que sugerem uma concentração industrial média e a manutenção desse patamar ao longo dos quatro anos da amostra. Tabela 1.5 – Concentração Industrial no Setor Petrolífero Colombiano (Upstream) Ano Índice CR1 2007 2006 61,4% 60,5% 2005 57% 2004 60,3% Produção Ecopetrol e associadas em milhões barris/dia Produção total em milhões barris/dia 326.751 320.435 300.192 318.988 531.367 529.374 526.111 528.260 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Ecopetrol Estrutura do Refino A Colômbia apresentou, até 1999, uma capacidade de refino inferior à sua demanda interna, o que obrigava o país a importar petróleo até então. Em 2000, com a adição de capacidade adicional de refino, esta situação foi invertida. Passou a existir alguma sobra entre a sua demanda e a sua capacidade de refino, atingindo um grau de utilização de sua capacidade de refino de 93,3% em 2007. Tabela 1.6 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino na Colômbia 37 Ano Consumo em milhares de barris/dia Capacidade de refino em milhares de baris/dia Grau de utilização da capacidade de refino 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 289 277 277 271 261 265 268 264 265 267 249 249 286 286 286 286 286 286 286 286 116% 111,2% 96,8% 94,7% 91,2% 92,6% 93,7% 92,3% 92,6% 93,3% Fonte: Elaboração própria a partir de dados da EIA Como sua demanda por petróleo tem seguido uma trajetória descendente e estável após a construção de capacidade instalada em 2000, por hora a situação colombiana no que tange ao seu abastecimento do mercado interno é confortável. I.5 - A indústria do Petróleo no México I.5.1 - Introdução Em 2006, o México era o sexto maior produtor mundial do petróleo e terceiro maior exportador do petróleo ao seu vizinho do norte, os EUA. A sua estatal do petróleo, a PEMEX (fundada em 1938), detém o monopólio legal do petróleo no país e é uma das maiores empresas de petróleo. A tradição da indústria do petróleo no país, nesse sentido, segue uma linha centralizadora e nacionalista, que procura tornar o petróleo um mecanismo de financiamento das políticas estatais mexicanas. No entanto, a produção de petróleo no país tem declinado nos últimos anos, principalmente em virtude do declínio das reservas do gigantesco campo de Cantarell, considerado o terceiro maior do mundo em reservas provadas. Esse declínio tem conseqüências drásticas para a economia mexicana, já que 10% das exportações mexicanas são representadas pelas vendas do petróleo e sua contrapartida monetária é, em boa parte, direcionada ao orçamento do governo. A matriz energética mexicana baseia-se principalmente no consumo do petróleo. Em 2007, esse energético foi responsável por aproximadamente 57% de um total de 155,5 milhões (BP) de toneladas de óleo equivalente consumidas no país. Outro hidrocarboneto, o gás natural, 38 representa 31% do consumo de energia na matriz energética mexicana. Por fim, carvão, hidroeletricidade e energia nuclear respondem por, respectivamente, 6%, 4% e 2% desse total. Observa-se ainda que o gás natural consumido no país é importado em grande parte dos Estados Unidos. Como a redução da capacidade de produção de petróleo no México pode impactar negativamente o balanço de pagamentos do país, existe a possibilidade de que a oferta de energia no país seja reduzida, já que as divisas das exportações de petróleo podem ser usadas para a importação do gás natural. Assim, urge que o estado mexicano consiga aumentar sua produção de petróleo através da descoberta de novos campos ou através da melhor exploração dos já existentes. A inclusão de novas alternativas energéticas pode também ser importante para a solução do problema energético mexicano. Gráfico 1.10 – Matriz Energética Mexicana Carvão 6% Gás Natural 33% Petróleo 59% Energia Nuclear 2% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 I.5.2 - História do Petróleo no México A trajetória do petróleo no México inicia-se em 1901, com a descoberta do campo petrolífero de El Ébano, em San Luis Potosí. No mesmo ano, o presidente Porfírio Diaz expede a Lei do Petróleo Mexicana, com o objetivo de impulsionar a atividade petrolífera no país, através do incentivo à entrada de capitais estrangeiros na indústria do petróleo. Com a queda de Porfírio Diaz e a conseqüente tomada do poder pelo governo revolucionário mexicano, o Presidente Francisco Madero decretou um imposto especial sobre a produção petroleira e também fez um censo das empresas de petróleo estrangeiras que atuavam no país e que detinham, na época, 95% do mercado. Em 1917 a nova constituição mexicana 39 determinou que o estado mexicano detivesse controle direto sobre as riquezas do subsolo mexicano. A década de 20 foi uma época de intensa atividade petroleira no México, com uma produção de 193 milhões de barris produzidos em 1921 (PEMEX), tornando o país o segundo maior produtor mundial de petróleo. Em 1934 foi fundada a Petróleo de Mexico, que se encarregaria de fazer investimentos na indústria petroleira mexicana. Três anos depois, ocorre uma grande greve em resposta a problemas envolvendo trabalhadores e empresários que paralisou o estado mexicano. A Junta de Conciliación y Arbitraje se posicionou ao lado dos trabalhadores, mas as grandes companhias petrolíferas tiveram o apoio da Suprema Corte de Justiça mexicana. Tal apoio, no entanto, foi retirado no ano seguinte, e as empresas foram obrigadas a ceder nas causas trabalhistas. Como elas se recusassem a cumprir a determinação da justiça, no dia 18/03/2008, o então presidente Lázaro Cárdenas decretou a expropriação dos ativos e dos campos das empresas petrolíferas internacionais, comprometendo-se a pagar por esse procedimento. No mesmo ano é criada a Petróleos Mexicanos (PEMEX), como empresa encarregada de explorar e administrar as reservas petrolíferas mexicanas. Desde então, a história da indústria de petróleo local passaria a ser a história da PEMEX, tamanha a influência da empresa no país. Em 1971, foi aprovada a lei orgânica do petróleo mexicano. Os anos 70 ainda representaram uma época de grandes investimentos em refino e de grandes descobertas de reservas petrolíferas no México. Ainda no ano de 1971 foram descobertos indícios de petróleo no Golfo do México e, oito anos mais tarde, o que seria então o maior campo de petróleo mexicano passaria a ser explorado: o campo de Cantarell. Em 1992, uma nova lei orgânica do petróleo substituiu a que fora aprovada em 1971. Ela estabeleceu as novas normas que regeriam o funcionamento e as atribuições da PEMEX enquanto órgão descentralizado da administração pública federal mexicana. A lei reorganizou a estrutura empresarial da PEMEX, subdividindo-a em quatro sub-empresas submetidas a uma holding: E&P, Refino, Gas e Petroquímica Básica e Petroquímica. Nos últimos anos, a PEMEX tornou-se uma das maiores empresas do mundo e continuou seu esforço exploratório. No entanto, a produção petrolífera mexicana tem declinado. Ainda, as relações entre o estado mexicano e a PEMEX são muito próximas, de tal forma que o orçamento 40 anual da empresa é anualmente aprovado pelo congresso. Adicionalmente, grande parte dos lucros da empresa deve ser enviada ao tesouro mexicano. Por essas razões, é muito difícil para a empresa realizar seus investimentos em E&P de forma independente, visto que é muito dependente do Estado e pouco pode dispor de recursos para investir. Nesse sentido, através de seu congresso, o estado mexicano aprovou algumas reformas em 2007, com o objetivo de reduzir os impostos pagos pela empresa e assim permitir que ela aumente seu orçamento e consiga, dessa maneira, investir mais na E&P. I.5.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo no México Reservas e RP A indústria petroleira mexicana, no que diz respeito às suas reservas, tem algumas tendências contraditórias. Se, por um lado, o campo de Cantarell, no golfo do México, foi um dos maiores já descobertos no mundo17, por outro as reservas provadas mexicanas estão em franco declínio. Dessa maneira, o México em 2007 detinha apenas 9,8% das reservas provadas do espaço latino-americano, num total de 12,2 bilhões de reservas provadas. Os números do declínio das reservas provadas mexicanas nos últimos 11 anos são bem impressionantes. Em 1997, elas totalizavam 47,8 bilhões de barris, caindo para 12,2 em 2007 (290% de queda). Existem alguns campos com bom potencial adjacentes ao campo de Cantarell. O campo de Ku-Maloob-Zaap, segundo projeções da PEMEX, poderá gerar 800.000 barris diários em 2008, muito aquém, no entanto, do que o campo de Cantarell já produziu. O que facilitará a extração no novo campo é a possibilidade utilizar as instalações (oleoduto) do campo de Cantarell. Os dois campos estão localizados na mesma região do golfo do Mexico. A produção petrolífera mexicana, ao contrário das reservas provadas, não tem declinado tão drasticamente. A produção de 2007, que foi de 3,477 milhões diários, esteve bem próxima da produção realizada há 10 anos (3,499 em 1998). O Gráfico 1.11 expõe a trajetória das reservas, bem como da produção de petróleo realizada naquele país. Gráfico 1.11 – Reservas e Produção Petrolífera no México (em bilhões de barris e em milhares de barris/dia) 17 No campo de Cantarell, segundo a PEMEX, já foram produzidos 11,492 bilhões de barris. O pico de produção foi atingido em 2004, com 2,1 milhões de barris diários. Em 2007 o campo produz 1,1 milhões de barris/dia. 41 60,0 4500 Reservas 50,0 4000 3500 40,0 3000 Produção 30,0 2500 2000 20,0 1500 1000 10,0 500 0 19 8 19 0 81 19 8 19 2 8 19 3 84 19 8 19 5 8 19 6 8 19 7 88 19 8 19 9 90 19 9 19 1 9 19 2 93 19 9 19 4 95 19 9 19 6 97 19 9 19 8 99 20 0 20 0 01 20 0 20 2 03 20 0 20 4 0 20 5 06 20 07 0,0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 A relação RP mexicana, a exemplo das reservas petrolíferas do país, é relativamente pequena: 9,6 anos. Como este não é um número sustentável, existe a necessidade do estado mexicano repensar sua atividade exploratória. A reestruturação da PEMEX pode ser uma solução. Produção, Exportações e Consumo As exportações mexicanas de petróleo ainda são muito representativas. As exportações mexicanas, neste sentido, são amplamente favorecidas pela proximidade ao principal centro consumidor de petróleo, os EUA. Assim, o México é o terceiro maior exportador de petróleo para os EUA. As exportações mexicanas diárias de petróleo são de 1,828 milhões de barris, a grande maioria para o vizinho do norte. O México ainda é um importante mercado consumidor de petróleo, tendo aumentado nos últimos anos. Em 1998, eram consumidos no país 1,842 milhões de barris diários, cifra que se elevou a 2,024 em 2007 – um aumento não muito substancial de 9,8%. Como boa parte da matriz energética mexicana (57%) baseia-se no petróleo, o declínio da sua produção pode ser um tema delicado. O Gráfico 1.12 mostra como se relacionam as variáveis produção, exportação e consumo de petróleo. Gráfico 1.12 – Produção e Consumo de Petróleo no México (em milhares de barris/dia) 42 4500 4000 3500 Produção 3000 Exportações líquidas 2500 2000 1500 Consumo 1000 500 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 9 19 3 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 0 20 0 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Como o país consome e exporta mais do que produz18, precisa importar uma pequena parcela de petróleo. Essa parcela que o país importa é introduzida no mercado mexicano sob a forma de derivados19. Devido ao excessivo peso da PEMEX e da indústria petrolífera na indústria mexicana, é muito importante que o país feche sua equação energética petrolífera de outra forma. Para manter-se exportador, maiores investimentos em E&D são urgentes. Concentração Industrial A indústria petrolífera mexicana, devido às intervenções estatais dos anos 30, está 100% sob controle da PEMEX no upstream. A empresa, nesse sentido, exerce monopólio legal na exploração. Estrutura do Refino O México há uma década confronta-se com a desconfortável situação de ter uma capacidade de refino inferior à sua demanda interna. Dessa forma, precisa importar derivados de petróleo para suprir adequadamente seu mercado interno. Sua capacidade instalada de refino, que desde 2002 permaneceu inalterada (1,463 milhões de barris diários), não consegue fazer frente 18 Em 2007, a soma de exportações e consumo totalizou 3,852 milhões de barris/dia, superiores aos 3,477 milhões de barris diários. 19 441 mil barris/dia em 2007. 43 ao crescimento da demanda interna, que em 2007 atingiu 2,024 milhões de barris diários. Dessa forma, a adição de capacidade instalada ao parque já existente parece ser a melhor solução para diminuir a dependência externa. A outra seria diversificar a matriz energética. Tabela 1.7 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino no México Ano Consumo em milhares de barris/dia Capacidade de refino em milhares de baris/dia Grau de utilização da capacidade de refino 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 1844 1842 1910 1899 1837 1885 1918 1974 1970 2024 1449 1449 1481 1481 1463 1463 1463 1463 1463 1463 127,3% 127,1% 128,9% 128,2% 125,5% 128,8% 131,1% 134,9% 134,7% 138,3% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 44 I.6 - A indústria do Petróleo na Venezuela I.6.1 - Introdução A Venezuela é atualmente um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, sendo o sexto maior em 2006 e um dos mais importantes integrantes da OPEP. O setor petrolífero venezuelano tem importância decisiva para a macroeconomia do país. A economia do petróleo é responsável por ¾ do total da pauta de exportações venezuelana, por aproximadamente metade das receitas governamentais e em torno de um quarto do PIB (EIA, 2008). Apesar desse decisivo peso do petróleo na economia venezuelana, sua participação na matriz energética do país é menos significativa do que se poderia esperar. O energético, com 37%, concorre em igualdade de condições com as duas outras fontes de energia, a eletricidade (27%) e o gás natural (36%). A explicação dessa participação abaixo do esperado (pela abundância de reservas petrolíferas), é que o petróleo é a principal commodity de exportação venezuelana, e que, portanto, sua exportação vinculada aos preços internacionais é mais interessante do que seu consumo local. De uma forma geral, a Venezuela está e esteve inserida no sistema produtivo internacional como primário-exportadora, o que quase sempre teve, historicamente, conseqüências não muito favoráveis. Gráfico 1.13 – Matriz Energética Venezuelana Hidroeletricidade 27% Petróleo 37% Carvão 0% Gás Natural 36% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 I.6.2 - História do Petróleo na Venezuela 45 Em seus primórdios, a atividade de exploração petrolífera na Venezuela ficou a cargo das grandes empresas internacionais. Em 1929, a Venezuela já era a segunda maior produtora mundial, atrás somente dos Estados Unidos. Sua atratividade geológica (abundância de reservas no Lago Maracaibo) e sua proximidade ao principal centro de consumo de petróleo (os EUA) atraíram rapidamente os grandes trustes petrolíferos (Fiorotti, 2005). Até 1975, quando as reservas petrolíferas do país foram nacionalizadas por decreto, o regime de concessão dos direitos de exploração baseava-se no princípio do fifty-fifty, em que as rendas petrolíferas eram repartidas entre as grandes majors e o estado venezuelano. No entanto, havia uma tendência a rejeitar esse sistema e criar um outro que beneficiasse a política nacionaldesenvolvimentista local. Assim, após a nacionalização de 1975, criou-se também, no ano seguinte, a PDVSA, empresa que controlaria e planejaria logística e financeiramente as relações entre o estado venezuelano e as concessionárias no setor de exploração de petróleo no país. Nos anos 80, assim como muitos outros países latino-americanos, a Venezuela enfrentou uma severa crise econômica. Além disso, a queda do preço do petróleo, nos anos 80, diminuiu as receitas advindas do petróleo. No fim dos anos 80, no governo Andrés Pérez, iniciou-se um processo de reforma e de abertura econômica no país, que se estendeu para a indústria petroleira local, realizada em 1994. A privatização da PDVSA ficou fora da pauta pela sua excessiva importância estratégica na economia. Três modalidades de entrada de capitais na indústria petrolífera foram adotadas: contratos de serviço de exploração; associações estratégicas para melhor extração do petróleo já produzido; e contratos com divisão de riscos e lucros na exploração. Nesse mesmo processo de abertura, a PDVSA passou a internacionalizar-se, fortalecendo sua posição principalmente no refino e na distribuição em países como os Estados Unidos. Em 2001, o país, já no governo Chavez, aprovou uma nova lei dos hidrocarbonetos, em substituição à lei dos hidrocarbonetos de 1943 e à de nacionalização de 1975. A nova lei aumentou o percentual dos royalties a ser pago pelas empresas estrangeiras; estabeleceu que as atividades relativas à cadeia do petróleo (exceto downstream) passariam a ser realizadas diretamente pelo estado ou por empresas de exclusiva propriedade do estado; e determinou que os novos projetos deveriam ser no mínimo 51% propriedade da PDVSA (desta maneira, os 46 investimentos estrangeiros em petróleo no país seriam necessariamente sob a forma de joint ventures diretamente com a PDVSA). No período compreendido entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003 funcionários do alto escalão da PDVSA tentaram sabotar o funcionamento, por motivos políticos, da indústria petroleira, de tal maneira que a produção e o refino quase cessasse. Houve então um processo de renovação dos quadros da PDVSA, com a demissão de vários funcionários do alto escalão, entre eles técnicos e administradores bem remunerados. A partir de 2004, as receitas da PDVSA passaram a financiar cada vez mais o setor público venezuelano, beneficiando principalmente políticas sociais, voltadas para as camadas mais pobres. Esse processo de nacionalização proposto pela nova lei foi gradual e em 2007 pôde ser considerado consolidado: os contratos anteriores à lei foram se adequando ao regime até que se enquadrassem às novas diretrizes do setor petroleiro, que passou a ser regido por dois órgãos: MEP e PDVSA. O MEP (Ministerio Del Poder Popular para la Energía y Petroleo, que negocia contratos com investidores estrangeiros e licencia as operações no upstream; e a PDVSA, 100% propriedade da República Bolivariana de Venezuela, que coordena todas as atividades do setor petroleiro. I.6.3 - Alguns Fatos sobre Petróleo na Venezuela Reservas e RP O país possui reservas extremamente grandes de petróleo, principalmente de sua variante pesada, e que se tornaram maiores ao longo dos últimos anos. Dentro do espaço latinoamericano, a Venezuela possuía, em 2007, aproximadamente 70% das reservas provadas. Desde 1990 as reservas cresceram aproximadamente 346%, saltando de 19,5 bilhões de barris em 1990 para 87 bilhões em 2007. Os campos mais importantes na Venezuela são os de Bolívar e de Boscán (ambos no Lago de Maracaibo), com, respectivamente 30 e 1.6 bilhões de barris. Além disso, estima-se que as areias betuminosas do Orinoco contenham aproximadamente 1,2 trilhões de barris de reservas. Já no que diz respeito à produção de petróleo na Venezuela, observa-se que ela, no mesmo período compreendido entre 1980 e 2007, cresceu apenas 17%, tendo sido observados até 47 alguns períodos de retrocesso. Em 2007, produziram-se, na Venezuela, 2,6 milhões de barris diários. O Gráfico 1.14 a seguir expõe o comportamento da produção e das reservas no pais entre 1980 e 2007. Gráfico 1.14 – Reservas e Produção Petrolífera na Venezuela (em bilhões de barris e em milhões de barris/dia) 3,5 89,0 3,3 79,0 3,1 69,0 59,0 2,9 Reservas 2,7 2,5 49,0 39,0 Produção 2,3 2,1 29,0 1,9 1,7 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 19,0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Dividindo-se a magnitude das reservas venezuelanas em 2007 pelo seu ritmo diário de produção no mesmo ano, obtém-se um índice de RP da ordem de 90,3, o que, comparado aos principais concorrentes globais, representa sustentabilidade do atual ritmo de produção e garantias de que enquanto o petróleo for o principal energético do mundo, a Venezuela poderá ancorar suas políticas de desenvolvimento econômico e social nas divisas que obtém da sua venda. Produção, Exportações e Consumo O país é o sexto maior exportador de petróleo do mundo. Como o seu nível de consumo interno é baixo, a maior parte do que produz é exportada. Assim, da sua produção diária de 2,6 milhões de barris, 596 mil são consumidos internamente e todo o restante, ou seja, aproximadamente 77% foram exportados. 48 Gráfico 1.15 – Produção e Consumo de Petróleo na Venezuela (em milhares de barris/dia) 4000 3500 3000 2500 2000 Produção 1500 Exportações Líquidas 1000 500 Consumo 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Numa conta simples, é possível perceber o que representa, para a Venezuela, tamanho excedente exportável. Considerando um valor aleatório conservador de 60 dólares para um barril em 2007 (admitindo que o petróleo venezuelano é pesado, e, portanto mais barato) e os 2,04 milhões barris que a Venezuela exporta diariamente (que totalizam 731 milhões de barris anuais), tem-se uma receita anual aproximada de 43,9 bilhões, não considerando os custos de extração20. Se nessa conta for também considerado o valor agregado das etapas intermediárias da cadeia do petróleo, percebe-se que o petróleo é ainda mais importante para o país, já que os investimentos realizados nas etapas intermediárias criam um efeito multiplicador na economia do país. Uma parte considerável do que a Venezuela exporta é direcionada a países da América Central e do Caribe, a preços inferiores aos praticados no mercado internacional. São beneficiados, nesse sentido, 12 países21 que talvez não conseguiriam prover adequadamente com petróleo seus mercados internos. Cuba, por exemplo, recebeu 92.000 barris/dia em 2007 (EIA) sob condições favoráveis. A contrapartida cubana foi, entre outras coisas, o envio de médicos cubanos altamente qualificados para os grotões de pobreza venezuelana. Essa iniciativa de exportação discriminada aponta uma tendência de integração energética regional em que um país 20 Em um cenário não conservador, esta receita anual sobe para 73,1 bilhões de dólares, considerando um preço de 100 dólares por barril. 21 Cuba, Barbados, Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, Nicarágua, Panamá e República Dominicana 49 abundante em recursos minerais (a Venezuela) procura redistribuir renda internacionalmente e, assim, favorecer um processo de fortalecimento econômico regional. Concentração Industrial O governo Venezuelano iniciou, a partir da aprovação de sua nova lei de hidrocarbonetos de 2001, um profundo processo de reestruturação industrial de sua indústria petrolífera. Desde então, os contratos anteriormente firmados foram se enquadrando a um novo regime legal, numa nova ordem industrial em que a estatal PDVSA é o ator preponderante. As empresas estrangeiras estavam presentes na indústria do petróleo venezuelana através das associações estratégicas que o governo do país tinha firmado antes das reformas, através de joint ventures com a PDVSA e em contratos de divisão de riscos e lucros. Mas a nova lei dos hidrocarbonetos estabeleceu que, por exemplo, essas associações estratégicas deveriam ter participação ainda maior da PDVSA. Assim, na média22 (EIA), a PDVSA passou a deter, em 2007, 78% dessas participações, contra 40% que detinha antes de 2001. Os contratos que regulamentaram as joint ventures, segundo a nova lei, passaram a ter uma participação mínima de 60% da PDVSA. A nova lei, ao estipular uma participação maior da PDVSA nos contratos anteriormente firmados, fez com que a concentração industrial na indústria petroleira venezuelana sofresse um considerável aumento. Para estimar um índice de concentração industrial na indústria petroleira do país, são usadas as informações referentes à produção fornecidas pela PDVSA, que divergem daquelas fornecidas pelo BP Statistical Report de 2008. O índice de concentração industrial tem como proxy a razão entre a quantidade de petróleo produzida pela PDVSA e a quantidade total produzida (que engloba também o petróleo produzido em todas as modalidades de cooperação e de associação com empresas estrangeiras). Assim, o índice expressa, sobretudo, o percentual de capacidade instalada de extração de cada empresa atuante no upstream venezuelano. A Tabela 1.8 a seguir apresenta a evolução da estimação dessa concentração industrial na Venezuela no período, para o período compreendido entre 2004 e 2007. Observa-se, segundo os dados, um nítido processo de aumento da concentração industrial. Tabela 1.8 – Concentração Industrial do Setor Petrolífero Venezuelano (Upstream) 22 Nas quatro associações estratégicas havia seis empresas associadas à PDVSA. Dessas seis, duas tiveram que diminuir suas participações (Total e Statoil), duas mantiveram suas participações (Chevron e BP) e duas saíram da indústria (ConocoPhillips and ExxonMobil) (EIA). 50 Ano Índice CR1 Produção PDVSA em barris/dia Produção total em barris/dia 2007 2006 73% 68% 2,321 milhões 2,33 milhões 3,15 milhões 3,427 milhões 2005 64% 2,109 milhões 3,274 milhões 2004 65% 2,066 milhões 3,148 milhões Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PDVSA Estrutura do Refino Comparando a estrutura de refino da Venezuela com relação à de outros países, observase que o país está numa situação confortável. No Brasil, por exemplo, 100% da capacidade instalada de refino era utilizada em 2007 para abastecer o mercado interno. Já na Argentina, a porcentagem era da ordem de 79%. Os Estados Unidos, por sua vez, têm uma capacidade instalada de refino 17% inferior ao seu consumo, tendo a necessidade de importar combustíveis já refinados. Dessa forma, o grau venezuelano de utilização da capacidade instalada de refino de 45,5%, em 2007, fica bem abaixo da média, não sendo tema de grande preocupação para os formuladores de política energética locais. O que se observa, no entanto, é que esse grau tem caído ao longo dos anos, em virtude do aumento do consumo venezuelano de petróleo, que é estimulado pelo baixíssimo preço dos combustíveis no país. A Tabela 1.9 a seguir mostra a evolução do grau de utilização de capacidade de refino na Venezuela nos últimos 10 anos. Tabela 1.9 – Capacidade de Refino e Grau de Utilização da Capacidade de Refino na Venezuela Ano Consumo em milhares de barris/dia Capacidade de refino em milhares de baris/dia Grau de utilização da capacidade de refino 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 475 474 496 545 594 479 523 574 582 596 1215 1248 1291 1291 1291 1291 1306 1311 1311 1311 39,1% 37,9% 38,4% 42,2% 46,0% 37,1% 40,0% 43,8% 44,4% 45,5% Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 51 A Venezuela possui, sem dúvida, uma capacidade ociosa de refino bastante elevada. Ela pode ser utilizada para que sejam refinados e exportados combustíveis com maior valor agregado, principalmente para o mercado americano. Embora essa capacidade ociosa esteja declinando, não parece ser muito sensato realizar grandes investimentos em construção de novas unidades de refino, devido ao alto valor inicial desses investimentos, muito embora exista o desejo de exportar mais combustíveis. Com as prováveis grandes descobertas de petróleo ultrapesado nas areias betuminosas do Orinoco, pode-se pensar, no futuro, na expansão dos parques de refino já existentes, para torná-los adequados ao perfil de refino do petróleo que passará a ser processado após a sua efetiva extração. I.7 – Considerações Finais Os cinco países analisados neste capítulo têm perfis energéticos divergentes no que tange à produção e utilização do petróleo. O que une todos os cinco países é que todos eles exportam ou pretendem exportar mais petróleo no futuro. A Tabela 1.10 sintetiza as principais características das indústrias petrolíferas dos cinco países. Tabela 1.10 – Síntese das Principais Características das Cinco Indústrias Petrolíferas Analisadas Argentina Brasil Colômbia México Venezuela média elevada média elevada média Estrutura industrial grande abertura no upstream abertura no upstream abertura no upstream fechada, monopólio estatal semi-aberta, controle estatal Reservas pequenas, declinantes médias, aumento à vista pequenas, declinantes médias, declinantes altas, aumento à vista Produção moderada, em declínio média, aumento à vista pequena, em declínio média, em declínio grande, aumento À vista moderado médio pequeno moderado grande Exportações sim, em declínio sim, aumentando sim, em declínio sim, em declínio sim, aumentando Importações não sim, derivados e alguns tipos de petróleo não sim, de derivados não médio elevado pequeno elevado médio Elevado, porém indústria com Elevado Médio 100% Elevado Participação do petróleo na matriz energética RP Consumo Grau de concentração 52 industrial Estrutura de refino muitos agentes Existência de capacidade adicional moderada Sem capacidade adicional Margem de capacidade adicional tolerável Sem capacidade adicional Grande capacidade adicional Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 53 CAPÍTULO II – UMA ANÁLISE EMPÍRICA: O MODELO DE COINTEGRAÇÃO APLICADO À ESTIMAÇÃO DA FUNÇÃO DE DEMANDA POR PETRÓLEO NA ARGENTINA, BRASIL, COLÔMBIA, MEXICO E VENEZUELA II.1 – Introdução Neste capítulo é feita uma análise empírica da demanda por petróleo nos cinco países da amostra. Uma função de demanda por petróleo é estimada, reproduzindo um modelo exposto no artigo de Krichene (2007), que estimou a função de demanda por petróleo mundial. Aqui usa-se, para tal, o método de co-integração de Johansen. II.2 – Resenha da Literatura Existem dois tipos de estudos que modelam a demanda por petróleo e de outros energéticos: aqueles que contemplam a demanda por petróleo a nível nacional ou ao nível de grupos de nações e aqueles que procuraram modelar a demanda mundial por petróleo. Embora o foco deste trabalho esteja na estimação ao nível da nação, é importante ressaltar que os trabalhos que abordaram o tema sob a ótica mundial também trouxeram importantes contribuições para o seu avanço e conseqüente sofisticação dos instrumentais econométricos envolvidos. Entre os principais trabalhos que abordaram o tema ao nível das nações, estão os de Balestra e Nerlove (1966), Pindyck (1979), Pesaran et al. (1998) e o de Gately e Huntington (2002). Os autores Balestra e Nerlove (1966) foram alguns dos pioneiros na aplicação de um modelo dinâmico com o uso de uma série de tempo em cross sections para a estimação de uma função de demanda por energéticos em diferentes grupos de uso (residencial e comercial). Em seu estudo clássico, Pindyck (1979) analisou procedimentos econométricos para a modelagem da demanda por petróleo, aplicando esse referencial para a estimação da demanda por alguns derivados do petróleo para os mercados somados do Brasil e do México, que foram depois comparados com os dados anteriormente obtidos para um conjunto de países OECD. 54 Nesse sentido, o autor usou um modelo log-linear com um lag de Koyck para explicar os ajustes dinâmicos da demanda ao preço e à renda, aplicado aos mercados de óleos combustíveis, gasolina, querosene e GLP. O autor, ressalta-se, usou também um modelo dinâmico. A variável dependente do seu modelo era o consumo per capita de um determinado combustível, sendo as variáveis independentes o PIB per capita no país e o preço do combustível no mesmo. A partir dessas variáveis, obteve duas elasticidades: as elasticidades renda e preço da demanda de longo prazo. Admitiu, adicionalmente, a possibilidade de incluir outras variáveis para enriquecer o modelo, como preço de combustíveis substitutos e também preços agregados significativos de energia nos países. Os dados utilizados foram fornecidos pelo UN World Energy Supply, com a série 1954 a 1974, no Brasil, e 1960 a 1974 no México. Para estimar o modelo, Pindyck (1979) utilizou o modelo de mínimos quadrados. A Tabela 2.1 mostra os resultados obtidos pelo autor (1979). Tabela 2.1 – Principais Resultados do Estudo de 1979 de Pindyck Variável Preço dependente Óleos combustíveis Gasolina Querosene GLP -0,84 (-1,87) -0,118 (-1,72) -0,129 (-2,14) -(0,762) (-3,45) PIB 0,126 (1,53) 0,26 (2,41) 0,1 (1,44) 1,72 (6,21) Lag dependente Constantes BR / Mex 0,777 (5,2) 0,787 (6,21) 0,349 (5,09) - 1,69 (3,83) / 0,22 (3,21) 1,48 (2,35) / 0,603 (1,13) 3,53 (5,09) / 4,47 (2,29) 4,97 (2,87 / -0,81 (2,41) Elasticidades Lag LP mediano Preço / Renda R² F -0,38 / 0,57 2,75 0,97 232 -0,55 / 1,22 2,89 0,986 482 -0,2 / 0,15 0,66 0992, 912 -0,76 / 1,72 - 0,931 103 Fonte: Pindyck (1979) Pyndick (1979) concluiu, através de sua estimação que as elasticidades preço e renda de longo prazo da demanda pelos energéticos são, respectivamente, sempre negativas e positivas. Dessa forma, aumentos em preço tendem a repercutir negativamente na demanda, enquanto aumentos da renda tendem a impactar positivamente sobre esta. Gately e Huntington (2002) estimaram os efeitos assimétricos das mudanças de preço e renda sobre a demanda por petróleo numa visão comparativa entre os 96 maiores países do mundo em termos de renda per capita. O artigo concluiu que aumentos dos preços têm efeitos diferentes do que diminuições dos mesmos sobre a demanda por petróleo em países OECD, enquanto que esta assimetria se mostrou em termos de renda nos países que não fazem parte do OECD. Ainda, a elasticidade-renda de longo prazo da demanda por petróleo no segundo grupo de países, unitária, é praticamente o dobro daquela observada no primeiro grupo. 55 O outro grupo de trabalhos que modelou a demanda por petróleo o fez a nível mundial. Dentre eles, destacam-se os dos autores Adams e Miovic (1968), Darmstadter (1971), Kennedy (1976) e Krichene (2007). Para os três primeiros trabalhos pode ser traçada uma tendência comum, que é o tratamento dado à elasticidade-preço da demanda por energia. Já o último artigo resume a orientação metodológica desta monografia. Kennedy, em seu artigo publicado no livro “Econometric Studies of U.S. Energy Policy” (1976), procurou explicitar a importância do comportamento de preços sobre a demanda mundial por petróleo. O artigo foi escrito num contexto de preocupações com o abastecimento de petróleo, então afetado pelo primeiro choque de petróleo de 1973. Essa preocupação suscitaria então a realização de estudos econométricos que modelassem a demanda por energia, ajudando a determinar qual comportamento os agentes deveriam adotar diante de um cenário adverso. O autor argumentou que seus antecessores Adams e Miovic (1968) e Darmstadter (1971) não tinham dado importância ao papel dos preços. A elasticidade-renda que ambos autores tinham achado, da ordem de 1, estaria superestimada, já que o papel dos preços sobre a demanda por petróleo não teria sido considerada. O autor, nesse sentido, montou um modelo log linear considerando tanto as elasticidades preço e renda de longo prazo da demanda por petróleo como também as de curto prazo. As elasticidades de longo prazo estimadas foram de 1,3 para a renda e -0,82 para o preço. Tais resultados fizeram o autor concluir que o preço é sim um fator impactante sobre a demanda por petróleo mundial. Krichene (2007) estimou um modelo mundial da demanda e oferta de petróleo e gás natural. No caso da demanda por petróleo, as variáveis consideradas no modelo foram a quantidade de óleo extraída no mundo, o preço do petróleo, a renda do mundo, a taxa LIBOR (London Inter-Bank Interest Rate) e a taxa nominal de câmbio do dólar, assim como um termo de erro. O autor utilizou dados anuais (1970 e 2006) e quadrimestrais (1984 a 2006). A Tabela 2.2 sintetiza os resultados da estimação da demanda mundial por petróleo (curto prazo). 56 Tabela 2.2 – Principais Resultados Obtidos por Krichene (2007) 1970 a 2006 1970 a 2006 1984 a 2006 1984 a 2006 Coeficiente Estatística T Coeficiente Estatística T Variável Lag Preço do petróleo Renda do Mundo Taxa de Juros Câmbio R² DW 0,54 -0,01 0,12 -0,006 -0,023 0,96 1,93 5,08 -1,28 3,12 -2,55 -0,19 0,04 -0,02 0,44 0,003 -0,17 0,99 1,78 0,32 -2,17 6,48 1,7 -3,12 Fonte: Elaboração própria a partir de Krichene O autor, baseando-se nos resultados, demonstrou que a demanda por petróleo é relativamente inelástica com relação ao preço no curto prazo. Já em relação à renda, ela é ligeiramente positivamente elástica. Em relação à taxa de juros, que no primeiro momento tinha impacto negativo no curto prazo em relação à demanda petróleo, ela passou a ter um impacto positivo a partir de 1984. Isso reflete, segundo o autor, a possibilidade de manipular o consumo de petróleo através da política monetária. Por fim, a taxa de câmbio, como era esperado pelo autor, teve uma elasticidade negativa em relação à demanda por petróleo. Uma depreciação do dólar, por essa razão, estimularia o aquecimento do mercado mundial do petróleo, fenômeno que se observa atualmente com a baixa do dólar e o aumento espetacular do preço do petróleo. II.3 – O Modelo Teórico O modelo teórico deste trabalho inspira-se naquele aplicado no artigo de Krichene (2007). A modelagem da demanda por petróleo feita pelo autor teve como antecedentes metodológicos as obras clássicas de Working (1927) e de Pindyck (1979). O primeiro autor estabeleceu os antecedentes teóricos para que dados estatísticos refletissem efetivamente uma relação de demanda e de oferta. Já o segundo consolidou a prática de modelar a demanda por petróleo em função de seu preço e de sua renda. Neste trabalho, similarmente ao artigo de Krichene (2007), a demanda de petróleo de um país, ou a sua produção, que é entendida como a soma do que é consumido internamente e o que é exportado, pode ser modelada pela seguinte função: Demanda de petróleo do país i = f(PIB nacional real em USD; PIB mundial real em USD; taxa de câmbio USD nominal efetiva; preço do petróleo em USD; taxa de câmbio LIBOR) 57 A diferença central em relação ao de Krichene (2007) é que neste trabalho é considerada também a variável PIB nacional real em USD, uma vez que a estimação será feita a nível nacional. Além disso, uma outra diferença é que o foco analítico deste trabalho é de longo prazo. Através dessa equação, espera-se captar a sensibilidade da demanda de petróleo produzida por um dos cinco países da amostra (Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela) ao nível de atividade econômica do próprio país e do mundo, ao preço e à variação cambial. A taxa de juros aparece como variável de controle, não tendo sua elasticidade estimada. Observa-se que, a despeito da teoria econométrica tradicional, a renda não é exógena ao modelo, já que o PIB mundial ou nacional é sempre influenciado pelos preços do petróleo. Da mesma maneira, a taxa de juros também não é exógena, por que é um instrumento de política monetária necessário para controle da inflação, que é, em grande parte, influenciada pelos preços do petróleo, fenômeno que se observa com força nos últimos dois anos. Apesar da endogeneidade das duas variáveis, é importante incluí-las no modelo para efeito de simplificação. No que diz respeito à taxa de câmbio, é válido que ela entre no modelo, por que mudanças no seu patamar afetam os preços domésticos tanto do petróleo quanto de ativos financeiros, e portanto a demanda relativa entre estes bens. Ela serve, ainda, para captar uma parte do efeito que experienciamos hoje: a corrida para o mercado do petróleo como fonte alternativa de investimento em virtude da queda do dólar, o que tem efeito importante sobre o nível da produção de petróleo. As variáveis devem ser tomadas em seu logaritmo, com exceção da taxa de juros, que entra no modelo como variável de controle. Dessa forma, tem se o seguinte modelo: LnCt = αLnPt + βLnYit + ζLnYmt + δLnEt + Rt + Lnk, em que Ct representa a demanda por petróleo do país i em t; Pt indica o preço do petróleo de um país no tempo t; Yit é o PIB do país i no período t; 58 Yet é o PIB do mundo no período t; Et representa o preço do câmbio do país i em relação ao dólar no período t; e Rt o preço da taxa de juros LIBOR (London Inter-Bank Interest Rate) no período t. Por sua vez, os coeficientes α, β, ζ e δ representam, respectivamente, a elasticidade-preço (variação da demanda por petróleo em função da variação do seu preço), a elasticidade-renda (variação da demanda por petróleo em função da variação do PIB do país i), a elasticidade-renda (variação da demanda por petróleo em função da variação do PIB do mundo) e elasticidade da taxa de câmbio em relação ao petróleo (variação da demanda por petróleo em função da variação do câmbio nominal ao dólar). Por fim, k é uma constante. O comportamento dessas variáveis obedece a um padrão que é definido como premissa para que a função escolhida seja tomada como logarítmica. Os antecedentes teóricos deste trabalho, a teoria econômica e a experiência estatística apontam o sinal que as variáveis provavelmente terão. Segundo Kmenta (1994): “A teoria econômica diz-nos que relações compõem o modelo, que variáveis devem ser incluídas em cada uma das relações e qual o sinal de algumas derivadas parciais.” Em razão disso, é possível fazer hipóteses acerca do comportamento das elasticidades, sendo que α deveria ser menor do que zero, β maior do que zero, ζ maior do que zero e δ menor do que zero. O α é pressuposto como sendo menor do que zero por que se entende que quando o preço do petróleo aumenta, sua quantidade demandada deve diminuir, principalmente no longo prazo. O β, que representa a elasticidade-renda em relação ao PIB do país, deve ser maior do que zero por que supõe-se que aumentos da renda de um país induzem positivamente a sua demanda por petróleo. Já o ζ (elasticidade-renda da demanda por petróleo em relação ao PIB do mundo) deve também ser maior do que zero, pela mesma razão da elasticidade-renda em relação ao PIB do país. 59 E por fim o δ, que indica a elasticidade da demanda por petróleo em relação às variações do câmbio, é suposto como sendo inferior a zero por que quando este muda, a demanda relativa entre o petróleo e outros ativos financeiros muda, induzindo, além disso, mudanças também no nível de produção de petróleo. O foco analítico deste trabalho é o longo prazo, pois nesse horizonte de tempo é possível desconsiderar o fator aleatório dos movimentos realizados pelos agentes no curto prazo diante dos choques que podem ocorrer em pequenos horizontes de tempo. Como são aleatórios, podem não ter significância estatística e podem não oferecer material sólido para interpretação econômica posterior. Os efeitos mais relevantes são, claramente, os de longo prazo. A escolha de uma função de demanda a ser estimada traz consigo a missão de estimar elasticidades, renda e preço e também para o câmbio, de longo prazo, bem como a possibilidade de formular hipóteses de como os coeficientes deverão comportar-se se o modelo estimado estiver correto. Tem-se, desta forma, um modelo econométrico pronto para ser estimado. Segundo Kmenta (1994): “O resultado final é um modelo econométrico pronto para a estimação ou para o teste. Esse modelo representa um resumo do conhecimento apriorístico do pesquisador, referente ao fenômeno em questão.” Em relação ao fenômeno em questão (delimitado e especificado em modelo), a demanda por petróleo do país, formula-se a seguinte hipótese: Hipótese: α menor do que zero, β maior do que zero, ζ maior do que zero e δ menor do que zero. II.4 – Metodologia Existem três possibilidades para estimar a função de demanda escolhida: a) Equações simultâneas - método através do qual, a partir de um número delimitado de equações, procura-se uma solução única através de, por exemplo, mínimos quadrados; 60 b) Método de painel - que pode ser estimado, entre outros pelo método GMM (Gaussian Mixture Model), e usa o princípio teórico do método de momentos; c) e o Método de cointegração. O método de cointegração, desenvolvido por Johansen (1988, 1995) e Johansen e Juselius (1990), revela-se como a escolha superior para resolver o problema que foi formulado, já que o foco analítico do trabalho é o longo prazo. A metodologia do método de cointegração propõe a utilização de uma modelagem de vetores auto-regressivos (VAR) para estimar os vetores de cointegração, cujos parâmetros já indicam as elasticidades de longo prazo, sem a necessidade de procedimentos adicionais. O método, que analisa a existência e a forma da relação de longo prazo entre algumas variáveis, pode ser organizado em três etapas: a) Análise de estacionaridade das séries individuais; b) Verificação da existência de cointegração entre as séries; c) Identificação dos coeficientes da relação de cointegração. A primeira etapa diz respeito à análise de estacionaridade das séries individuais, isto é, é um procedimento preliminar do modelo, já que se pretende verificar quantas observações poderão ser efetivamente usadas. A estacionaridade reflete se a distribuição de probabilidade de uma série não muda ao longo do tempo. Em Gujarati (2006): “(...) se uma série temporal é estacionária, sua média, variância e autocovariância (em diferentes defasagens) permanecem as mesmas, não importa qual seja o ponto em que as medimos: isto é, elas não variam com o tempo.” (p. 639) As séries que têm essa característica têm a tendência a retornar a uma média, e as flutuações em torno dessa média serão suaves. Dessa maneira, existe a possibilidade de prever o futuro usando como base o passado. 61 Séries em nível são séries temporais como PIB ou consumo de energia elétrica ao longo do tempo. Para elas é ideal encontrar não-estacionaridade Séries em primeira diferença são aquelas em que se subtrai da segunda observação a primeira, de tal maneira que exista a possibilidade de que uma esteja relacionada à outra, possibilitando a previsão do futuro através do passado. Assim, é ideal para séries em diferença encontrar estacionaridade. Na etapa da verificação da existência de cointegração entre as séries reside a parte central do método da cointegração. Depois de verificadas quantas observações podem ser usadas para serem usadas no método, analisa-se se há cointegração entre as séries. Isto é, se é possível, através dos dados da amostra, estabelecer uma relação funcional, um vetor de cointegração comum aos dados coletados. Quando duas ou mais séries são cointegradas, elas apresentam uma tendência estocástica comum. Um processo estocástico ocorre quando um conjunto de variáveis aleatórias ordena-se no tempo (Gujarati, 2006). Se isso ocorre, a análise de sua regressão pode revelar se há uma relação de longo prazo entre elas, o que seria um vetor de cointegração comum entre as variáveis independentes do modelo. Nessa etapa, verifica-se quantas relações de cointegração existem, partindo-se do pressuposto que, se há n séries, podem haver m<n relações de cointegração. É ideal, contudo, que haja somente um vetor de cointegração. A terceira e última etapa do método que aqui será usado, representa a efetiva identificação dos parâmetros (elasticidades) que o modelo se propõe a achar. Se há um vetor de cointegração, os coeficientes normalizados deste vetor são as elasticidades de longo prazo. Reescritos sob a forma funcional correta, estes fornecem os parâmetros da função de demanda por petróleo que o modelo quer estimar. 62 II.5 – Dados Os dados usados neste trabalho foram coletados em diferentes fontes. Como havia uma grande discrepância entre as periodicidades das fontes, o período da análise limitou-se de 1986 a 2006. Devido ao foco analítico de longo prazo, optou-se pela utilização de dados anuais. Produção de Petróleo ou Demanda pelo Petróleo Internamente Produzido A produção de petróleo de cada país no país da amostra representa a demanda pelo petróleo internamente produzido naquele país, seja por parte do mundo ou parte do mercado interno. Estes dados são do BP Statistical Review de 2008. O Gráfico 2.1 compara como se comportaram as produções internas de petróleo dos cinco países da amostra. Gráfico 2.1 – Produção de Petróleo dos Países (em milhares de barris/dia) 4500 4000 3500 3000 Mexico Venezuela 2500 2000 1500 Brasil 1000 500 Argentina Colômbia 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 O México ainda é o maior produtor diário de petróleo dos cinco países da amostra, com 4,5 milhões de barris diários em 2006. A Venezuela, no entanto, possui reservas significativamente maiores, o que pode induzir uma mudança no situação em um futuro próximo. O México, por sua vez, vivencia um dramático declínio de suas reservas, o que provavelmente induzirá um declínio de sua produção diária. Já o Brasil, principalmente a partir de 1997, tem produzido cada vez mais petróleo, com uma produção diária da ordem de 1,833 milhões de barris em 2006. Finalmente, Colômbia e Argentina são países que teoricamente ultrapassaram seu pico 63 de produção, ambos no fim dos anos 90. Desde então, os países assistiram a um declínio de suas produções diárias de petróleo. Preços do Petróleo Os preços de petróleo são os do Brent Spot. No período de 1986 a 2006, o preço do petróleo (Brent) comportou-se de maneiras muito distintas. Nos primeiros anos, o preço teve uma tendência de baixa, em reação ao contra-choque do petróleo, quando os preços baixaram em virtude das dificuldades de coordenação do cartel da OPEP (Pinto Jr., 2007). Até 2003 funcionou então o sistema de bandas de flutuação do preço. O preço mundial do petróleo, nesse sentido, não subia além ou baixava de uma média de 20-30 dólares. Após a guerra do Iraque, o preço do petróleo passou a disparar. Ao contrário do que se esperava, os preços não baixaram após o término do conflito, como ocorrera na primeira guerra do Golfo. Desde então, o preço do petróleo tem batido todos os recordes, atingindo inclusive valores acima de 100 dólares o barril em 2007 e 2008. Até 2006, no entanto, tal valor não tinha ainda sido atingido. A taxa média de crescimento do preço do petróleo, no período em questão, situou-se em torno de 11%. No entanto, enquanto no período 1986-2002 a taxa média de crescimento foi de 6,6%, de 2003 a 2006, ela foi de 27,4%. Gráfico 2.2 – Evolução do Preço do Petróleo Brent (em US$) 70 60 Guerra do Iraque Resquícios do contrachoque 50 Banda de flutuação 2030 dólares 40 30 20 Preço mundial do petróleo 10 20 06 20 05 20 04 20 03 20 02 20 01 20 00 19 99 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 19 90 19 89 19 88 19 87 19 86 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BP Statistical Review 2008 Renda dos Países 64 Os dados relativos ao PIB dos cinco países da amostra (Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela) foram obtidos no banco de dados do FMI. O gráfico 2.3 sintetiza o comportamento dessa variável. Gráfico 2.3 – Renda dos Cinco Países Analisados (em milhões de US$) 1.200.000 1.000.000 Brasil 800.000 600.000 Mexico 400.000 Argentina 200.000 Venezuela 20 06 20 05 20 04 20 03 20 02 20 01 20 00 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 19 90 19 89 19 88 19 87 19 86 19 99 Colômbia 0 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FMI Numa visão comparativa, o Brasil possuiu historicamente um PIB superior ao mexicano. O país da América do Norte, cujo PIB superou o brasileiro entre 2001 e 2004, foi ultrapassado pelo rival sul-americano em 2005. A Argentina vem logo a seguir. No entanto, os argentinos viveram uma dramática queda da renda interna em 2001, após uma severa crise política; a recuperação tem ocorrido nos últimos anos. Colômbia e Venezuela possuem PIBs similares, sendo que a Venezuela apresenta, desde 1998, um produto interno produto ligeiramente maior. No período da análise, a taxa de crescimento dos cinco países em conjunto média foi de 8,4%. Em ordem decrescente estão ordenadas as taxas de crescimento médias dos países: México, com 10,9%; Brasil, com 8,4%; Argentina, com 8%; Venezuela, com 7,6% e Colômbia, com 7,1%. PIB do Mundo Os dados referentes às magnitudes do PIB mundial no período entre 1986 foram obtidos na página do FMI. O Gráfico 2.4 a seguir compara essas magnitudes àquelas observadas para o somatório dos cinco países incluídos na amostra de países deste trabalho. 65 Gráfico 2.4 – Renda do Mundo vs. Renda Acumulada dos Cinco Países da Amostra(em milhões de US$) 45.600.000 40.600.000 35.600.000 PIB Mundial 30.600.000 25.600.000 20.600.000 15.600.000 10.600.000 5.600.000 PIB dos cinco países da amostra 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 600.000 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FMI A discrepância entre o PIB mundial e o PIB da Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela somados é gritante. Enquanto, em 2006, o PIB do mundo foi de 48 trilhões de dólares, o PIB desses cinco países não ultrapassou a barreira de US$ 3 trilhões. A participação relativa deles no PIB mundial total, contudo, tem crescido. Enquanto, em 1986, ela era da ordem de 4,17%, em 2006 foi de 5,05%. Câmbio Os dados aqui obtidos para o câmbio das moedas dos cinco países em relação ao dólar são originários de diferentes fontes. Os da Argentina são fornecidos pelo BCRA (Banco Central de la Republica Argentina). No caso brasileiro, trata-se da Taxa de câmbio real / dólar comercial para venda média, fornecida pelo Banco Central do Brasil. Já os dados sobre o câmbio colombiano em relação ao dólar têm como fonte o banco central colombiano. Para México e Venezuela, finalmente, os dados advém igualmente dos seus respectivos bancos centrais (Banco de Mexico e Banco Central de Venezuela). Taxa de Juros 66 A taxa de juros usada neste trabalho foi a LIBOR (London Inter-Bank Interesta Rate)23. No gráfico a seguir pode-se observar que a taxa de juros LIBOR, de certa forma, comporta-se de forma cíclica. O comportamento cíclico está mais visível nos períodos 1986-1994 e 2000-2006. Nesse sentido, há a incidência de picos e vales muito fortemente definidos. A ocorrência desses ciclos está ligada, principalmente, ao comportamento da economia americana. De acordo com seus interesses de política monetária, o governo daquele país fixa uma taxa de juros que acaba influenciando o restante da macro-economia mundial. São exemplos disso os níveis de alta de taxa de juros em meados dos anos 80, quando do contrachoque do petróleo. Naquela época, a alta taxa de juros teve impactos, sobretudo na Ásia. Nos últimos anos, assistiu-se primeiro a uma baixa generalizada da taxa de juros para depois ver-se um acentuado crescimento, principalmente em virtude do endividamento externo norte-americano. Gráfico 2.5 – Evolução da Taxa de Juros LIBOR 10% 9% 8% 7% 6% 5% 4% 3% 2% 1% 20 06 20 05 20 04 20 03 20 02 20 01 20 00 19 99 19 98 19 97 19 96 19 95 19 94 19 93 19 92 19 91 19 90 19 89 19 88 19 87 19 86 0% Fonte: Elaboração própria a partir de dados da British Banker’s Association A Tabela 2.3 organiza as fontes dos dados utilizados no modelo econométrico deste trabalho. Tabela 2.3 – Síntese das Fontes dos Dados Utilizados Dados Produção de petróleo ou demanda Preço do petróleo Brent Spot Renda dos países Fonte BP Statistical Review BP Statistical Review FMI 23 A taxa LIBOR pode ser encontrada em http://www.bba.org.uk/public/libor/, que é a página da British Banker’s Association. 67 Renda do mundo Câmbio argentino em relação ao dólar Câmbio brasileiro em relação ao dólar Câmbio colombiano em relação ao dólar Câmbio mexicano em relação ao dólar Câmbio venezuelano em relação ao dólar Taxa de câmbio LIBOR FMI BCRA BCB BCC Banco de México BCV British Banker’s Association Fonte: Elaboração própria II.6 – Resultados A Tabela 2.4 apresenta os resultados do teste de traço de Johansen, que determina se há um ou mais vetores de cointegração para as variáveis utilizadas no modelo, isto é, se elas têm ou não uma tendência estocástica comum. Tabela 2.4 – Resultados do Teste de Traço de Johansen LR 90% 95% 99% Argentina Brasil Colômbia México Venezuela 74,05 72,74 76,81 84,84 90,06 84,27 88,55 96,97 112,59 72,74 76,81 84,84 71,38 72,74 76,81 84,84 85,57 72,74 76,81 84,84 Fonte: Elaboração própria A forma de ler a tabela acima é que há um vetor de cointegração quando há um nível de significância de 90%, de 95% ou de 99%. Os valores indicados em amarelo são superiores aos valores de LR, indicados em vermelho. Os resultados são muito robustos para Argentina, Brasil e México. Vale ressaltar que este trabalho reproduz a metodologia proposta por Krichene (2007) e que em muitas situações os dados não são muito confiáveis e também que a série é curta. Para a Argentina, Brasil e México há um único vetor de cointegração. Já para a Colômbia e para a Venezuela há mais de um (três e dois, respectivamente). Em todos os casos, todavia, assumiu-se apenas um vetor de cointegração para efeito de estimação dos coeficientes normalizados, sendo os resultados apresentados abaixo. 68 Tabela 2.5 – Resultados da Estimação Argentina e r Rex Rin P const trend coef -0,07 -0,05 3,04 0,69 1,14 27,57 0,003 Brasil p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 coef -0,02 -0,05 0,91 0,45 0,29 2,55 0,09 Colômbia p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 coef -3,69 -0,14 0,80 2,37 2,72 49,40 0,92 México p-valor 0,00 0,00 0,34 0,00 0,00 0,00 0,00 coef -0,13 -0,01 0,14 0,03 0,05 15,81 - Venezuela p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 - coef -0,20 -0,00 2,01 0,49 0,70 22,96 - p-valor 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 - Fonte: Elaboração própria Legenda: coef = coeficiente, e = taxa de câmbio, r = taxa de juros, Rex = renda externa, Rin = renda interna, P = preço, const = constante e trend = tendêcncia Sensibilidade à Taxa de Câmbio Nota-se que, em todos os casos, a demanda por petróleo reage negativamente à taxa de câmbio de cada país em relação ao dólar. Isto é, toda vez que ocorre uma depreciação do dólar, os agentes econômicos tendem a correr para o mercado de petróleo. No entanto, quando o dólar se aprecia, ocorre um movimento contrário. Os agentes preferem deter dólares do que comprar petróleo. Esse tipo de raciocínio é mais condizente com a realidade de países exportadores, mais integrados com a dinâmica do mercado mundial de petróleo, nos quais a demanda pelo produto é muito sensível às variações do mercado mundial. No caso, os países que exportaram mais petróleo, notadamente para os Estados Unidos, foram os países no qual esse coeficiente foi mais negativo. É o caso de Colômbia, Venezuela e México, cujos coeficientes foram, respectivamente, -3,694, -0,202 e -0,13. Já Brasil e Argentina, que exportam menos para o mercado americano, tiveram coeficientes mais baixos, da ordem de -0,026 e -0,0704, respectivamente. Nestes dois últimos casos, as variações do mercado de câmbio tiveram efeitos menos significativos sobre o mercado do petróleo. No caso argentino, vale ainda ressaltar que de 1994 a 2001 o câmbio era fixado em um para um, de forma que a possibilidade da transmissão de choques do mercado de câmbio para o mercado de petróleo parece uma hipótese pouco provável. Sensibilidade à Taxa de Juros A sensibilidade negativa da demanda por petróleo às variações da taxa de juros obedece a uma dinâmica similar àquela observada para a sensibilidade negativa da demanda por petróleo ao câmbio. Quando a taxa de juros sobe muito, há uma tendência de saída dos agentes do mercado de petróleo para o mercado de ações ou de títulos governamentais. Por essa razão, a apreciação da taxa de juros tende a impactar negativamente sobre a demanda por petróleo. No caso, todos os 69 países da amostra apresentaram coeficientes negativos: -0,056, -0,053, -0,149, -0,018 e -0,005 respectivamente para Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela. Sensibilidade às Variações da Renda Tanto a renda do mundo como a renda de cada um dos países tendem a impactar negativamente sobre a demanda pelo petróleo internamente produzido em cada um desses países. Numa visão comparativa, no entanto, é uma tarefa complexa analisar como se comporta cada uma dessas elasticidades para cada caso e o por que das magnitudes. No caso argentino, a sensibilidade da demanda por petróleo às variações de renda foi maior para o caso da renda do mundo, com um coeficiente de 3,043. Já a renda do país teve como coeficiente 0,694. Segundo a teoria econômica, isso representa que aumentos da renda do mundo estimulam mais a demanda pelo petróleo argentino do que aumentos da renda daquele país. Uma interpretação que pode ser feita é que, como a Argentina tende a basear sua matriz energética no gás natural, o país procura exportar mais petróleo. As políticas neoliberais dos anos 90 contaram com as divisas petrolíferas para o funcionamento da política econômica implementada na época, de sorte que a demanda por petróleo no país esteve bastante atrelada ao consumo externo. No Brasil, observou-se uma tendência similar dos coeficientes. O coeficiente relativo à renda externa foi de 0,916, enquanto aquele relacionado à renda interna foi de 0,451. Uma possível explicação para esses valores que, em tese, não estão de acordo com a tendência brasileira de ter sua demanda por petróleo “puxada” pelo mercado interno é a existência de outliers, valores muito altos ou muito baixos em alguns anos, que poluem o resultado final. Já no caso colombiano, o coeficiente relativo à renda externa foi inferior ao coeficiente renda interna. Isto é, aumentos da renda colombiana tendem a impactar mais sobre o consumo do petróleo do país do que aumentos da renda externa. Os coeficientes estimados foram 0,801 para a renda externa e 2,37 para a renda interna. A Colômbia é exportadora líquida de petróleo, principalmente para os Estados Unidos. Por isso, como era de se esperar, aumentos da renda mundial, principalmente a americana, induzem aumentos da demanda pelo petróleo colombiano. Pode-se interpretar que, no entanto, o que a Colômbia exporta para os Estados Unidos não tende a ultrapassar certos limites, como se houvesse uma cota fixa de exportação que não deixasse que 70 aumentos da renda influenciassem demais a demanda pelo petróleo colombiano. Por outro lado, pode-se pensar que na Colômbia o petróleo é visto como um energético capaz de induzir fortemente o desenvolvimento econômico do país, de tal forma que quando a renda aumenta o consumo deste é fortemente induzido. Finalmente, interpreta-se que a Colômbia poderia ainda situar-se numa fase de desenvolvimento econômico em que os energéticos tenham uma importância ainda maior do que em outros países. No México, o coeficiente relativo à renda externa foi de 0,148 e o relativo à renda interna, 0,031. Tais resultados estiveram plenamente de acordo com o papel do México na indústria mundial de petróleo enquanto país exportador do produto. A renda do mundo tende a “puxar” mais a demanda pelo petróleo mexicano do que a renda daquele país, o que configura um caso clássico. Por fim, o mesmo observou-se na Venezuela. Um coeficiente de 2,01 para a renda do mundo e um de 0,498 para a renda venezuelana. Como no México, os resultados estiveram alinhados ao que era esperado para um caso clássico de país exportador. Na Venezuela, entretanto, a renda do mundo teria maior importância ainda sobre a demanda por petróleo venezuelano do que no México com relação ao mexicano. Sensibilidade aos Preços Segundo a teoria econômica, espera-se que a produção petrolífera seja estimulada nas épocas em que o preço do petróleo esteja em alta. Como o mercado petrolífero mundial tem preços de referências globais, é interessante para países exportadores produzir mais quando esses são mais elevados, já que poderão realizar uma renda petrolífera especial também mais elevada. No caso dos cinco países da amostra, percebe-se que em todos eles os preços tendem a estimular a produção petrolífera local. Dá-se especial ênfase ao caso colombiano, no qual a elasticidade-preço da demanda pelo petróleo interno é de 2,722. Na Argentina, ela é da ordem de 1,14, enquanto na Venezuela é de 0,7. Por fim, Brasil e México têm, respectivamente, elasticidades-preço da demanda pelo petróleo interno de 0,298 e 0,055. O que se observa aqui é que, obedecendo à lógica do modelo, os resultados foram na direção correta. 71 II.7 – Observações Finais Os resultados do modelo foram bastante robustos de uma forma geral. Em alguns casos, como na Colômbia e na Venezuela, não foi possível encontrar um só vetor de cointegração. No entanto, em todos os casos os resultados estiveram de acordo com a teoria econômica. Isto é, corroboraram as hipóteses estabelecidas a partir do modelo de Krichene (2007), que foi reproduzido neste capítulo. É necessário ressaltar que, em muitas situações, os dados estatísticos utilizados nem sempre foram muito robustos. A necessidade de periodização anual pode ter contribuído também para isso. Um passo a ser recomendado para um futuro estudo é aumentar o número de anos da amostra ou, por exemplo, incluir outras variáveis que captem as especificidades regionais bem como as tendências sazonais. 72 CAPÍTULO III – UMA ANÁLISE HISTORICISTA: CONSEQÜÊNCIAS POLÍTICAS, ECONÔMICAS E SOCIAIS DO MODELO DE EXPLORAÇÂO PETROLÍFERA NA ARGENTINA, BRASIL, COLÔMBIA, MEXICO E VENEZUELA III.1 – Introdução Este capítulo tem como objetivo fazer uma análise econômica do que representa para um país ter uma determinada configuração de sua indústria de petróleo. No caso dos cinco países escolhidos neste trabalho observa-se que todos estes, em algum momento, foram, passaram a ser ou deixarão possivelmente de ser exportadores de petróleo. A economia política mundial do petróleo escancara de forma tremenda as portas dessas economias nacionais ao confrontá-las com estruturas políticas e econômicas com as quais nem sempre estão aptas a lidar. Muitas vezes, os interesses das transnacionais e dos grandes países importadores de petróleo corrompem o curso natural daquelas economias, pois lhes fornece rendas petrolíferas grandiosas, ao mesmo tempo em que as destitui de boa parte de sua soberania enquanto nações independentes. Esses países, muitas vezes ainda inseridos em tradições políticas e econômicas defasadas, não conseguem lidar com a pressão do dinheiro ou do poder global. Por isso, nem sempre acaba sendo uma benção possuir petróleo, o que é bem colocado por Furtado (1974) em “Nada é mais perigoso para um país pobre do que uma chuva de dinheiro.” A análise que aqui é feita escolhe a via heterodoxa historicista, pois se considera que muitas vezes as camisas de força impostas pelas tradicionais teorias econômicas nem sempre contemplam o porquê de algumas trajetórias econômicas, em que fatores como vantagens comparativas levariam automaticamente ao pleno emprego num processo econômico. A realidade sul-americana, em especial a desses cinco países, mostra que a escolha de uma via econômica de uma maneira muito rígida acaba não sendo per se a fonte da resolução dos problemas econômicos com os quais os países se confrontam. A análise historicista, em especial seguindo a linha de Chang (2003), mostra que o desenvolvimento econômico, em especial dos países mais ricos, em quase nada teve a ver com seguir as receitas de bolo recomendadas pelos teóricos ortodoxos mais atuais, principalmente nas recomendações que pregam para os países em desenvolvimento. A melhor análise econômica, nessa visão, é aquela que contempla os desenvolvimentos históricos e analisa, sob o prisma 73 historicista, quais foram as melhores escolhas em política econômica e social que levaram ao caminho do desenvolvimento econômico. Essa análise historicista, aplicada ao caso em questão, mostra que um país, ao tornar-se exportador de petróleo, confronta-se com uma série de questões nos âmbitos político, econômico e social de difícil resolução. A mesma análise aponta também que recentemente tem havido uma inflexão positiva nesses países. O petróleo poderia passar a ser fonte de desenvolvimento econômico sustentado para alguns daqueles países se algumas condições fossem atendidas. O que marca essa transição é, principalmente, a consolidação das instituições democráticas regionais, o abandono do consenso de Washington e o advento da consolidação de alguns governos que rompam com uma tradição política secular complexa. A seguir tipifica-se os cinco casos a serem analisados neste capítulo: 1) O Caso Argentino: país exportador de petróleo, viu-se mergulhado numa crise sem igual, ao sujeitar por completo sua economia às recomendações do consenso de Washington, o que desmantelou de forma sem precedentes sua indústria petroleira. Recentemente busca recuperar os rumos perdidos com a criação de uma nova estatal, a ENARSA; 2) O Caso Brasileiro: país que recentemente passou a exportar petróleo e que descobriu importantes reservas petrolíferas no pré-sal e de certa maneira situa-se no foco das discussões energéticas mundiais. Poderia tornar o petróleo uma fonte de desenvolvimento sustentável para o futuro; 3) O Caso Colombiano: exportador de petróleo para os EUA e país vitimado pelos conflitos políticos e sociais internos de grandes proporções em termos de violência. Sua condição de exportador de petróleo reverbera nos seus conflitos sociais; 4) O Caso Mexicano: país que nacionalizou suas reservas, mas sofreu da “doença holandesa”, o que torna necessária a busca por um novo modelo; 74 5) E o Caso da Venezuela: país que nacionalizou de forma híbrida as suas reservas e busca reconfigurar suas estruturas econômicas e sociais para debelar a chamada “doença holandesa”. III.2 – Argentina III.2.1 – O Desmantelamento do Estado Argentino A Argentina historicamente sempre esteve inserido no sistema-mundo como primário exportador. O que diferenciava, no entanto, a economia argentina da dos outros estados latinoamericanos, era que naquele país os padrões de renda eram compatíveis com o das grandes nações daquela época. Analogamente ao Brasil, na Argentina houve um período em que a industrialização foi patrocinada pelo Estado. Esta ocorreu na “etapa populista” (Amico, 2007), época em que o presidente Perón esteve no poder (1946-1959). A derrocada da Argentina enquanto nação considerada rica, cujo início se deu com o fim da “etapa populista”, foi o resultado do efeito combinado das ações de um emaranhado de forças políticas e turbulências estatais. Como foi explicitado no Capítulo I na parte sobre a indústria petrolífera Argentina, os golpes militares ou de outros tipos sucederam-se a governos democráticos um após o outro. As forças conservadoras, majoritariamente em torno dos grandes produtores rurais, alinharam-se de forma a bloquear a industrialização argentina que estava em curso. Com tantas incertezas políticas e econômicas, era difícil que um modelo econômico industrializante se consolidasse plenamente. O que marcou efetivamente o início da grande derrocada da economia argentina foi o golpe militar de 1976. Além de destituir o povo argentino de forma abusiva e cruel dos seus direitos civis, o governo passou a adotar medidas liberalizantes ultra-ortodoxas que abriram caminho para a ruptura com o antigo modelo que era aplicado na década de 1990, sob o comando de Menem. Naquela época, as exportações de manufaturas industrializadas estavam em patamares estrondosos. Parecia que o processo de industrialização havia se consolidado. Com a instalação de um governo de cunho liberal, os subsídios industriais foram cortados. O governo atribuía os 75 problemas econômicos argentinos à suposta distorção dos preços relativos domésticos e ao tamanho exagerado do Estado. O “liberalismo autoritário” (Amico, 2007), em nome da doutrina do livre funcionamento dos mercados, salientou a necessidade de adotar eficiência econômica e racionalidade técnica. Segundo aquele governo, havia a necessidade de beneficiar o setor primário-exportador, o qual estaria dotado das vantagens comparativas naturais. Essa política veio em detrimento do setor industrial, e teve como objetivo desfazer o que tinha sido feito desde a época da industrialização forçada do país. O resultado desse processo foi o desmantelamento da indústria argentina nos anos 80, com uma indústria em ruínas e demandas sociais sendo parcamente atendidas e um endividamento externo de grandes dimensões. O objetivo de atingir estabilidade econômica (inflação) e a dívida externa esmagavam o Estado e tinham como principais vítimas os assalariados, que tiveram seus níveis de renda drasticamente reduzidos. O advento da hiper-inflação, resultado de um plano heterodoxo mal formulado, teve como principal conseqüência a instalação do ideário neoliberal sob a liderança de Carlos Menem. Seu governo desmantelou decisivamente o Estado argentino com privatizações em massa, inclusive no setor petroleiro. Menem adotou a âncora cambial ao atrelar o peso ao dólar. Essa política cambial, aliada à desarticulação das normas e instituições políticas e sociais características do mercado de trabalho das décadas anteriores, levaram a níveis de desemprego inéditos e acentuaram a desindustrialização e a pobreza naquele país. III.2.2 – Crise e Novos Rumos na Economia Argentina O ano de 2001 foi o de maior crise no país. Na época, os presidentes argentinos não resistiam muito tempo em seus mandatos. A pobreza, o desemprego e a informalidade imperavam, e até as classes médias foram às ruas, em eventos que ficaram conhecidos como “panelazos”. O modelo econômico que tirou a Argentina da crise foi aquele no qual a combinação de um câmbio real elevado e uma situação internacional positiva de certa maneira “casaram-se”. A Argentina liberou-se, nessa época pós-2001, do estrangulamento externo e das normas rígidas do FMI com uma moratória. O comércio exterior em alta estimulava o emprego e com isso foram atingidos patamares mais altos de realização do produto potencial. O aumento do emprego que 76 daí se sucedeu passou a sustentar a economia argentina, ao aumentar justamente a demanda agregada do país, precisamente em virtude do cenário externo, que era favorável também às exportações industriais daquele país. III.2.3 – Balanço do Processo de Reforma O processo reformador da indústria de petróleo na Argentina não teve resultados muito bons. Alguns autores como Bernal (2005), vão além e consideram que ele foi um verdadeiro saque ao patrimônio da nação argentina, ao destituir sua população de forma incompreensível e sem sentido de algo que poderia gerar boas divisas para o Estado. Estas reformas poderiam ter ocorrido da mesma forma como no Brasil, no qual a indústria petrolífera não foi privatizada, mas em que o mercado foi aberto. O modelo brasileiro proporcionou bons resultados para o país, o que poderia ter se replicado na Argentina. Kozulj (2002) analisou profundamente esse processo reformador e concluiu que as vantagens de se abrir a indústria petroleira não compensaram suas desvantagens. Em primeiro lugar, em vez de a abertura ter efetivamente trazido consigo seus típicos benefícios, como pesados investimentos externos ou uma concorrência saudável e propícia ao aumento da exploração petrolífera, ela beneficiou o aumento da concentração industrial, bem como o poder de mercado de grupos estrangeiros; em última análise, vulnerabilidade externa diante dos ditames do capital externo e seus humores (Kozulj, 2002). Mais além, desde o ponto de vista da distribuição das rendas petrolíferas, o estado perdeu em detrimento das empresas privadas. Isto por que os custos de exploração (de capital) eram muito baixos, num cenário nos quais os campos onde já se produzia anteriormente à reforma foram repassados ao setor privado por um valor muito inferior ao de mercado, como por exemplo, é feito em outros países em que o Estado se beneficia pesadamente ao conceder um campo a uma empresa estrangeira. Por fim, num cenário em que havia conversão plena entre o dólar e a moeda argentina e em que o crédito era barato, não se investiu muito na indústria local, no entorno das cadeias de negócio do petróleo e do gás. A preferência era pela importação de bens de capitais estrangeiros, 77 o que teve conseqüências desindustrializantes. Como também pouco se investiu em E&P, já que os campos tinham um custo baixo, o horizonte R/P argentino diminui de 14 para 9 anos de 1989 a 2002. III.2.4 – Um Novo Modelo Energético na Argentina Um novo modelo energético na Argentina é um fato que dificilmente se concretizará. Embora a forma como a abertura e a privatização na Argentina tenha ocorrido de forma desastrosa, uma grande ruptura com o modelo adotado pelo ideário neoliberal dificilmente se concretizará. A atual conjuntura econômica de estabilidade patrimonial e política que se alastra no continente sul-americano dificilmente permite, em casos maiores24, uma nacionalização de recursos. Em primeiro lugar, os ativos petrolíferos em posse das diversas empresas instaladas no país estão extremamente pulverizados, o que dificulta um mapeamento patrimonial. Em segundo lugar, a nacionalização é extremamente custosa. A reavaliação dos ativos em posse das empresas privadas situaria o preço daqueles ativos muito acima do patamar pré-privatizações, inviabilizando a nacionalização. E por fim, o atual modelo pode ser reformulado de tal forma que beneficie mais a nação argentina, sem que haja grandes rupturas. Os principais malefícios gerados pela privatização e abertura argentina nos anos 90 foram a exagerada ingerência e concentração industrial do capital privado no país e a deficitária exploração e falta de investimentos no upstream do setor petrolífero do país. Em sintonia com a política econômica lançada pelo governo pós 2001, que de certa forma trouxe a Argentina de volta à trajetória de crescimento e recriou um mercado interno, em 2004 o governo fundou a ENARSA, que seria uma nova estatal de petróleo. Espera-se que essa empresa logre aumentar o horizonte R/P do país e que fomente adequadamente a economia local. Um passo importante seria a associação com outras empresas sul-americanas, que lhe emprestariam know-how tecnológico em troca de participações. Em sintonia com essa política de cooperação regional, a ENARSA logrou acrescentar ao seu portfólio petrolífero - em associação com a PDVSA na Venezuela na faixa do Orinoco - 1,63 vezes todas as reservas petrolíferas argentinas, o que representa algo em torno de 4 bilhões de barris (El Cronista, 2008). Evidentemente, trata-se de um acordo desigual feito pelo governo 24 Exceções como a boliviana são quiçá de menor porte no que tange a importância política. 78 venezuelano para beneficiar sobreproporcionalmente um bom parceiro comercial. Mas constitui um passo importante para que o petróleo volte a ter uma trajetória que beneficie a população argentina. III.3 – Brasil III.3.1 – Desenvolvimentismo, Crise e Novo Desenvolvimentismo Os anos 90 foram uma época de inflexão dos objetivos de política econômica no Brasil. Até então (a partir dos anos 30), o governo brasileiro tinha em mente uma clara estratégia de desenvolvimento baseada na redução da dependência externa através da criação de uma indústria nacional e de um mercado interno consistente. Sem dúvida, o modelo desenvolvimentista brasileiro logrou alcançar bons resultados no que diz respeito ao crescimento do produto e do IDH, sem, contudo, reduzir as gritantes diferenças de renda. No entanto, este modelo baseava-se, grosso modo, no endividamento externo. O modelo teve então a sua crise nos anos 80, no que ficou conhecido como a crise da dívida, fenômeno que assolou de forma similar a maioria das economias latino-americanas. Após a fracassada tentativa de estabilização dos anos 80, baseada em diferentes tipos de políticas econômicas de diferentes correntes rearranjadas sob uma lógica duvidosa, entrou em cena o ideário neoliberal alardeado pelo consenso de Washington. Ele pregava a revisão da função do estado. O estado deixaria de lado o papel de provedor do desenvolvimento econômico e passaria a fornecer as condições para que a iniciativa privada, através do mecanismo do mercado, tornasse possível o esperado desenvolvimento. Ainda sob a égide do consenso de Washington o estado diminuiria, venderia suas participações em estatais, racionalizaria seus serviços públicos, abriria as comportas para o capital externo e manteria as principais variáveis macroeconômicas a níveis estáveis para padrões ortodoxas. Assim, segundo Dias Leite (2004), a transição entre o estado provedor do desenvolvimento e o estado que ofereceria as condições para que esse seja realizado pela iniciativa privada também é, ao mesmo tempo, um abandono de uma estratégia desenvolvimentista nacional de longo prazo. A época da hiperinflação, ocorrida no Brasil dos meados dos 80 ao inicío dos 90, e que foi brecada em 1994 pelo do Plano Real, foi também uma época que pouco permitiu que se 79 pensasse o desenvolvimento econômico brasileiro a longo prazo, já que o desajuste a curto prazo de importantes variáveis macroeconômicas impedia que se pensasse nesse sentido. A volta da estabilidade com o plano Real, que poderia marcar uma retomada de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, apontou, no entanto, numa outra direção. O Estado passaria então a fornecer as condições macroeconômicas para que o setor privado funcionasse e desenvolvesse um aumento do bolo econômico, isto sob o ideário do consenso de Washington, que foi seguido à risca pela mesma corrente teórica que constituíra a equipe econômica que debelou a inflação. O fracasso do modelo neoliberal, indicado por indicadores sociais sofríveis, desemprego, baixas taxas de crescimento do produto, entre outras desastrosas conseqüências de política econômica, suscita a necessidade de que se pense numa outra direção. Essa outra direção é a retomada de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo sob planejamento estatal, ainda que em outros moldes. A citada estratégia deve ter como objetivo central a promoção do desenvolvimento sustentável e eqüitativo do país, sob o auspício do próprio crescimento econômico interno com o objetivo de melhorar a distribuição da renda, a redução da pobreza e das desigualdades regionais (Dias Leite, 2004). Configurar uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil, considerando as limitações existentes no país, não é tarefa trivial. Uma análise histórica dos casos de sucesso de desenvolvimento econômico indica que investimentos significativos em educação, em tecnologia e a proteção de uma indústria nascente são os principais vetores que levaram ao crescimento nos países que apresentaram sucesso, como os europeus, os EUA ou alguns asiáticos. Os planejadores brasileiros precisam identificar as principais limitações brasileiras e para o saneamento delas canalizar maciços recursos. A principal dificuldade de fazer engrenar essa nova estratégia desenvolvimentista de longo prazo, que inseriria o Brasil num patamar superior de renda e desenvolvimento econômico social, é conciliar adequadamente os recursos administrativos governamentais e econômicos e rearranjá-los numa configuração que seja adequada ao caso brasileiro. Alguns fatores dificultam este processo, como o relativo atraso da infra-estrutura brasileira, as baixas taxas de desenvolvimento educacional, o atraso das nossas instituições (como por exemplo a justiça, práticas patrimonialistas, corrupção, entre outros) e as conseqüências negativas das políticas 80 econômicas até agora adotadas (necessidade de realizar um superávit primário para pagamento de dívidas e juros altos). É consensual, no entanto, que o Brasil possui os recursos necessários para, ao menos, iniciar uma nova trajetória de crescimento sinalizada por uma consciente estratégia nacional de desenvolvimento a longo prazo. Algumas atividades, como a energética, em especial a petrolífera, merecem especial atenção enquanto possíveis setores de crescimento econômico mais intenso e que consigam funcionar como âncora do desenvolvimento econômico a longo prazo sob uma ótica global no Brasil. III.3.2 – O Novo Cenário Energético Mundial e o Brasil A questão energética é uma das principais facetas do desenvolvimento econômico, já que a posse dos recursos energéticos permite que as atividades econômicas consigam ser realizadas. Um mundo que consome bens de cada vez maior valor agregado e de crescente grau de sofisticação tecnológica passa a exigir cada vez maiores quantidades de energia. Assegurar o seu adequado suprimento é tarefa sine qua non para uma nação que quer se desenvolver. Muitos casos de países desenvolvidos assinalam que nem sempre é necessário possuir recursos energéticos para que as atividades econômicas desses países sejam realizadas num alto grau de sofisticação tecnológica. No entanto, observa-se que possuir poucos recursos pode significar um estrangulamento posterior, como a dependência com relação às importações energéticas. É o que experienciam nações como o Japão ou a Alemanha, hiper-dependentes das importações petrolíferas, e que assistem nos últimos anos, com a crise da alta do petróleo, a um processo inflacionário que pode refrear suas trajetórias econômicas. Neste sentido, o Brasil tem sido, recentemente, um dos maiores focos do interesse mundial no que diz respeito à questão energética. Por um lado, o país possui recursos naturais que garantem a auto-suficiência e, conseqüentemente, pode considerar-se de certa forma imune às conseqüências da dependência externa de energia. Pelo outro, num cenário de deterioração ambiental e busca por alternativas energéticas limpas, o país dispõe de recursos hídricos e de terras suficientes para garantir que sua matriz energética possa ser limpa. Assim, os principais chamarizes energéticos brasileiros no exterior são o petróleo que virá do pré-sal - que configura por si só uma nova gigantesca província energética – e os 81 biocombustíveis, em que, em termos de know-how tecnológico, o Brasil situa-se na ponta. Por essas razões, o Brasil tem importância estratégica neste novo cenário energético mundial que se configura neste início de séc. XXI. III.3.3 – O Papel Do Petróleo No Desenvolvimento Econômico Brasileiro O Brasil iniciou sua participação na indústria mundial do petróleo de forma tímida. As primeiras jazidas petrolíferas brasileiras eram insignificantes perto das que foram descobertas nos principais países latino-americanos, por exemplo. O principal marco do nascimento da indústria petrolífera brasileira, que foi a criação da Petrobrás em 1953, teve como motivação principal a tentativa de criar uma indústria nacional e a conseqüente necessidade de canalizar os recursos energéticos para que este processo de desenvolvimento recém engrenado fosse sustentável. Como as reservas petrolíferas eram escassas, o papel da Petrobrás, num primeiro momento, era garantir o abastecimento local de petróleo e realizar seu refino e organizar a sua distribuição no Brasil. Nos anos 70, ainda sob a égide do desenvolvimentismo brasileiro, iniciou-se um processo de intensificação da extração mineral brasileira. Entendia-se que o petróleo reduziria a dependência externa após os choques do petróleo dos anos 70. Sua exploração passou a ser principalmente no off-shore, já que o território continental não revelava jazidas importantes de petróleo. No entanto, as descobertas realizadas no mar eram inferiores à demanda brasileira, o que trazia à tona a necessidade de continuar importando petróleo. O saldo positivo dessa busca marítima por petróleo foi o grande crescimento da Petrobrás, principalmente nos anos 80, quando a estatal realizou pesados investimentos, aumentou seu porte econômico e, acima de tudo, adquiriu grandes aprendizados na exploração petrolífera em águas profundas. Esse aprendizado, num cenário energético em que partes cada vez maiores do óleo consumido no mundo provém de fontes não-convencionais, é de importância estratégica. Os anos 90 e as reformas neoliberais impactaram fortemente sobre a indústria petrolífera brasileira. A agenda do consenso de Washington pregava a necessidade de privatizações e de reestruturações setoriais. Ela ainda levava, em muitos casos, à leitura de que empresas estatais seriam ineficientes e passíveis de reestruturações ou de processos de privatização (Cano, 1999). Diante desse cenário, a indústria petrolífera brasileira foi reestruturada em 1997, com a quebra do monopólio legal da exploração petrolífera, detido até então de forma exclusiva pela Petrobrás. 82 Foi instituída a concorrência na exploração petrolífera, que se faria visível através do leiloamento dos campos petrolíferos em rodadas de licitação das potenciais áreas de exploração petrolífera. Desde a queda do monopólio petrolífero da Petrobrás até 2008, muitas transformações na indústria petrolífera brasileiras foram possíveis, desencadeadas estas pelo mecanismo reformador. Em primeiro lugar, houve uma significativa entrada de agentes na indústria, tanto da parte de majors estrangeiras como de pequenas empresas independentes. Em segundo lugar, instalou-se no entorno dessas empresas de exploração uma grande quantidade de empresas prestadoras de serviços para-petrolíferas, incrementando ainda mais o número de agentes envolvidos direta ou indiretamente na indústria brasileira. Em terceiro lugar, a quantidade de petróleo extraída, principalmente pela Petrobrás, aumentou consideravelmente. Esse aumento substancial da quantidade de petróleo extraída aumentou enormemente a arrecadação estatal através dos royalties e das participações espaciais. Por esta razão, o orçamento estatal proveniente do petróleo aumentou grandemente, incrementando a possibilidade de algumas regiões brasileiras, notadamente no estado do Rio de Janeiro, de realizar algum desenvolvimento econômico a partir dessas vultosas somas. No entanto, o aumento da produtividade nos campos maduros até então descobertos não poderia constituir, por si só, uma possível nova fonte de desenvolvimento sustentado no Brasil. A razão disso é que a arrecadação petrolífera estatal e o efeito multiplicador econômico que essa atividade desencadeia, neste atual estágio da indústria brasileira do petróleo (sem o pré-sal), não representam tão grandes magnitudes no agregado da atividade econômica brasileira, comparativamente a países em que a extração petrolífera é a principal atividade. Ainda assim, admite-se que a Petrobrás é uma empresa de porte gigantesco e que consegue, de forma independente, fomentar pesadamente a demanda agregada brasileira em áreas econômicas como a construção de dutos ou a de navios em estaleiros fluminense. Além disso, o aumento da produtividade na indústria brasileira do petróleo representou a oportunidade de reduzir a dependência externa em relação às importações, que no passado foi uma das principais razões pelas quais em parte fracassaram os programas desenvolvimentistas então implementados. A descoberta das reservas no pré-sal brasileiro, divulgadas em 2007, podem marcar uma inflexão. Espera-se que as receitas estatais advindas do petróleo, bem como o efeito 83 multiplicador que a atividade consegue desencadear privadamente, sejam suficientes para fazer uma diferença no restante da atividade econômica do país, tendo impactos positivos também sobre indicadores sociais. III.3.4 – O Novo Petróleo Brasileiro e o Novo Desenvolvimentismo Brasileiro A partir das novas descobertas petrolíferas brasileiras, existe a necessidade de que ocorra uma integração estratégica entre o setor petróleo e as receitas que ele repassa ao Estado e entre o novo projeto de desenvolvimento brasileiro que se configura. Reside aí uma importante contradição. Ao passo que a atividade petrolífera consegue ditar quase que exogenamente os seus próximos procedimentos - já que todos campos em que foram encontradas as reservas já tem a sua situação patrimonial esclarecida – o novo desenvolvimentismo brasileiro que se espera que emirja de forma alguma está configurado. A atual política econômica brasileira é uma peculiar configuração de elementos ortodoxos e de políticas fiscais mascaradas sob a forma de políticas sociais de redistribuição de renda. Assim, não se percebe uma clara linha de como se dará esse novo desenvolvimentismo. Não há um projeto desenvolvimentista que programa claros passos à maneira de List (1854), que pregava que o estado e as elites estatais patrocinariam o desenvolvimento através de iniciativas claras e que se sucedessem de forma lógica. O PAC de Lula, que é a primeira iniciativa estatal desenvolvimentista deliberada em 30 anos, embora seja um ótimo passo, é uma iniciativa ad hoc, de certa forma desconectada de um planejamento maior. Nesta linha, as novas descobertas brasileiras de petróleo ainda aparentam ser também um fator ad hoc de incremento da atividade econômica no Brasil, já que não há até agora uma claro projeto de como essas especiais receitas petrolíferas, que com grande probabilidade virão, se coordenarão ao restante da atividade econômica e de planejamento econômico e social. Evidentemente, há um crescente e produtivo diálogo de como melhor aproveitar as receitas petrolíferas e torná-las uma ferramenta de patrocínio de um crescimento econômico independente da atividade petrolífera. Esse diálogo aponta algumas diretrizes para que o petróleo que será extraído na costa brasileira não inicie um novo ciclo de extrativismo que não beneficie o conjunto da nação. Alguns pontos importantes se destacam: a reconfiguração da estrutura dos royalties; a criação de 84 um fundo soberano a partir dos excedentes petrolíferos recolhidos pelo estado; como garantir que outras atividades econômicas além do petróleo sejam fortalecidas com a renda extraordinária do petróleo; e a discussão de como será o modelo regulatório que se aplicará às novas reservas extraordinárias. Esses pontos, espera-se, poderão contribuir para que se molde, ao menos parcialmente, uma estratégia desenvolvimentista a longo prazo que tenha como um dos seus pilares a indústria do petróleo. A estrutura dos royalties que atualmente vige é alvo de discussões. O ponto central da crítica a ela é que os recursos deveriam ser federalmente administrados, uma vez que a administração central tem melhor capacidade de direcionar os recursos para as regiões que deles precisam, bem como de determinar quais setores econômicos e sociais precisam de mais investimentos. Atualmente, boa parte dos recursos dos royalties ainda é direcionada aos municípios ou estados relacionados à extração petrolífera. Essas entidades administrativas, em muitas situações, não aplicam, por diversas razões, os royalties em investimentos que tornariam outras atividades econômicas além do petróleo sustentáveis. Enviar proporcionalmente mais royalties para a esfera federal, assim sugerem os críticos, poderia ser uma solução para esse problema. Outro tópico que tem sido discutido recentemente é a criação de um fundo soberano que seria alimentado pelas rendas extraordinárias do petróleo que o Estado recolherá. Esse fundo tem como inspiração a experiência de outros países como a Noruega ou o Canadá, que conseguiram criar fundos que servem como auxílio ao desenvolvimento local ou fonte de recursos para o sistema de pensões. Uma das grandes vantagens dos fundos soberanos é que as receitas que eles captam são reinvestidas em vários tipos de aplicações e rendem mais do que o orçamento público convencional, que em tese não é remunerado. O ato de fazer esse tipo de aplicação gera justiçaintergeracional, à medida que as gerações futuras são recompensadas, de alguma maneira, da extração mineral que ocorreu no passado. Essa justiça-intergeracional é gerada pelo fundo quando ele investe, a partir da receita do petróleo, em benefícios para a população como na área da saúde. No caso brasileiro, a intenção é investir em saúde, infra-estrutura e em educação (Pinto Jr., 2008). O rationale por trás disso é que um país como o Brasil, cuja dotação de recursos é imensa, não poderia apresentar problemas nessas áreas, e que agora poder-se-ia reparar os erros do nosso passado extrativista, cuja riqueza não foi aplicada em bem-estar social e em desenvolvimento econômico . 85 Outro ponto importante é como garantir que estas receitas do petróleo extra-ordinárias sejam o motor do desenvolvimento de outras atividades econômicas. Como foi dito anteriormente, não se quer repetir os erros do passado, quando grandes riquezas que foram extraídas do país não geraram um nível elevado suficiente de desenvolvimento econômico no país. Mas a racionalidade de como isso funcionaria não é trivial. Por trás dessa dificuldade reside o fato de que a transmissão de desenvolvimento entre diferentes áreas de atuação econômica não é automática. Uma visão mais ortodoxa consideraria que a criação de um ambiente de mercado por si só já seria condição suficiente para que se transmitisse desenvolvimento de uma área como o petróleo para as demais. Isso por que os investimentos realizados pelas empresas e o aumento da demanda agregada global ou local derivada desses investimentos desencadeariam, automaticamente, um processo multiplicador. No entanto, essa equação é mais complexa. Existe também a necessidade de realizar investimentos em infra-estrutura e em qualidade de vida (educação e saúde) para reduzir as desigualdades regionais e assim uniformizar as possibilidades econômicas e criar um mercado interno mais consistente e mais capaz de realizar outras atividades econômicas além do petróleo. Mas para que esse mercado interno mais consistente e mais capaz consiga efetivamente existir e funcionar, é necessário criar um ambiente de mercado a nível micro, isto é, tornar possível que pequenas entidades econômicas consigam empreender e gerar renda suficiente para que o desenvolvimento econômico alcance inclusive o nível capilar. Nesse nível de complexidade, o desenvolvimento econômico a partir do petróleo como carrochefe poderia ser sustentável. E por fim, o último ponto dessa discussão que tem sido feita ultimamente no Brasil é em torno de qual modelo regulatório adotar nas novas descobertas petrolíferas realizadas no país. A grande dúvida é se os campos localizados no pré-sal devem ou não ser retirados dos possíveis leilões de licitação nas próximas rodadas. O argumento a favor da retirada é que a Petrobrás, se for dotada desses campos enquanto sua área de exploração, saberá regê-los melhor em prol do bem-estar da população brasileira do que as outras empresas que poderiam ganhar os leilões. Isto por que a empresa tem um projeto mais identificado com o desenvolvimento brasileiro, enquanto as outras empresas têm um projeto mais voltado para a única e exclusiva realização do lucro, esquivando-se das questões sociais e econômicas nacionais. O argumento contrário à retirada é que esta feriria um novo padrão legal estabelecido em 1997 e deslegitimaria a atividade petrolífera enquanto atividade liberalizada e aberta ao capital privado – desestabilizando, assim, o ambiente de mercado propício à competição. A conclusão em meio a esses dois pólos é que o 86 modelo regulatório deve favorecer o desenvolvimento econômico sustentável brasileiro, encontrando um pouco de sustentação nas duas vertentes de pensamento. III.4 – Colômbia III.4.1 – A Violência na Colômbia A Colômbia é um país com uma longa cronologia de um conflito armado e social complexo. A história do país foi marcada por lutas coloniais, libertação popular, lutas de classe e guerras civis que, concatenados, configuram um labirinto quase que interminável de forças militares, interesses políticos e lutas populares (Simons, 2004). O uso da violência como instrumento político e econômico tem uma antiga raiz histórica, remontando à conquista, e a conseqüente colonização espanhola a partir do séc. XVI. No séc. XIX, a Colômbia era considerada pelo historiador Gonzalo Sanchez () um país de guerra permanente em que à guerra de independência, que durou quatorze anos, sucederam-se oito outras guerras civis, muitas revoltas, duas guerras com o Equador e três golpes de Estado. O princípio do conflito armado que é hoje em dia conhecido na Colômbia remonta à década de 40, quando, em reação à política coronelista e paternalista de cunho violento praticada pelas elites, os trabalhadores, em 1946 e em 1947 organizaram-se com o intuito de rebelar-se nas grandes cidades. Tais revoltas foram silenciadas com brutais massacres praticados por forças governamentais. Entre 1948 e 1965, foram assassinadas 200.000 pessoas na Colômbia, numa época que o país passou por um caos institucional profundo (Simons, 2004). O movimento comunista colombiano, que iniciou-se nos anos 40, teve seu ápice nos anos 60, quando foram fundadas as FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias Colombianas), em 1966. A criação das FARC foi uma resposta popular à violência como recurso de, repressão que era praticada pelo Estado desde a época dos conflitos entre os trabalhadores e o governo nos anos 40. Outros grupos revolucionários de menor expressão, como o ELN (Ejercito de Liberación Nacional), datam da mesma época. Nos anos 70, apesar da intensa resposta militar, as FARC experienciaram um crescimento significativo, aumentando as suas áreas de influência no território colombiano. 87 Os anos 80 assistiram à emergência de mais atores importante no jogo da guerra colombiano. Com o crescimento do consumo da cocaína e conseqüentemente de sua produção, cresceu a influência também de grupos de traficantes de droga. Eles criaram uma estrutura produtiva muito grande e fizeram-se presentes na política e no judiciário colombiano através de corrupção em diversos níveis estatais. Foram criados os cartéis de tráfico nas grandes cidades colombianas, entre os quais o de Cali, conhecido pela figura do traficante Pablo Escobar, assassinado em 1993. Por outro lado, surgiram os grupos de paramilitares, organizações armadas a serviço das elites colombianas com o intuito de combater os grupos revolucionários de esquerda, principalmente em reação à onda de seqüestros. Esse grupo atuou firmemente atrelado ao aparelho militar colombiano, o que revelou um elevado grau de comprometimento da estrutura estatal e social colombiana. Os anos 80 e 90, nesse sentido, foram uma época de violência multilateral praticada por todos os atores envolvidos no conflito, com a recorrente ocorrência de seqüestros, crimes políticos, massacres em vilarejos, deslocamentos humanos forçados, entre outros atos de brutalidade. A partir da metade dos anos 90, o cenário da violência na Colômbia sofreu profundas transformações. Os cartéis das drogas foram desmantelados e as FARC passaram a investir pesadamente no narcotráfico enquanto forma de autofinanciamento. No entanto, a violência praticada pelos paramilitares prosseguiu, com a ocorrência de assassinatos de cunho predominantemente político contra grupos políticos pacíficos de esquerda. Na Colômbia, principalmente a partir do final dos anos 90 e começo dos 00, a questão internacional também constitui uma fonte de violência. Os americanos, representando seus interesses imperialistas, em grande parte a partir do início da guerra fria, sempre engajaram-se, no apoio direto ou indireto a grupos militares e políticos que combatessem os grupos de esquerda que buscavam chegar ao poder na América Latina. O marco inicial da intervenção americana na Colômbia remonta à época da construção do canal no Panamá. Para atingir esse fim, os interesses imperialistas americanos, ingleses e franceses apoiaram a criação do Panamá, que até então era uma província colombiana. A criação das FARC nos anos 60 foi outro marco importante da intervenção americana na Colômbia, uma vez que os EUA apoiavam os grupos 88 contra-revolucionários paramilitares e o exército colombiano. Com a mudança estrutural da estrutura da violência dos anos 90, quando os cartéis do narcotráfico perderam importância e as FARC passaram a atuar como produtores e exportadores de droga, entrou na pauta do governo americano uma intervenção militar e logística ainda maior na Colômbia. Foi lançado então, em dezembro de 1999, o Plan Colômbia, com o aparente objetivo de debelar as estruturas das FARC e de outros traficantes de droga colombianos. Dentre algumas medidas do Plan Colombia, que, grosso modo, foi um empréstimo da ordem de 5 bilhões de dólares do governo americano à Colômbia, constam: equipamento do exército colombiano com aparatos militares sofisticados; treinamento de estrategistas militares colombianos por especialistas americanos; e o envio de aviões equipados com borrifadores de veneno para as plantações de coca. Desde 1999, o Plan Colombia, de alguma maneira, teve alguns importantes resultados, mas, por outro lado, é alvo de pesadas críticas. Por um lado, as FARC se enfraqueceram, com a perda de algumas de suas zonas de influência e a libertação de importantes reféns, como Ingrid Betancourt. Por outro, a destruição de áreas de cultivo foi compensada com a criação de novas em lugares mais afastados e com a exportação de áreas de cultivo para países vizinhos como o Equador ou o Peru, aumentando ainda mais as tensões internacionais na região. Além disso, o Plan Colombia não criou estratégias que viabilizassem a inclusão econômica das populações que se ocupavam com o plantio da coca. Por fim, o Plan Colombia, como se verá adiante, é claramente parte de uma estratégia americana maior e, em certo grau oculta, para a área de países onde se situa a Colômbia. O entrelaçamento de diversos atores no jogo da violência - como as FARC, os paramilitares, os sindicatos, os traficantes, o exército, e os americanos – objetivando, através de uma complicada rede de interesses, diferentes interesses políticos, econômicos e militares, constitui, segundo Richani (2002), a economia política da violência na Colômbia. Ela pode ser interpretada como a equação em que o balanço nem sempre é possível e em que a adição à equação de diferentes insumos como armas, dinheiro ou petróleo pode ter efeitos de diferentes tipos, quase sempre vezes negativos. A economia colombiana, rica em recursos e com uma trajetória consideravelmente menos sofrida do que a de alguns vizinhos, constitui também um dos termos dessa equação da economia política do país. O foco, nesse sentido, como se verá nas 89 próximas seções, está nos recursos minerais, que passaram a ter uma importância nessa equação da economia política da violência na Colômbia nos últimos anos. III.4.2 – A Economia Colombiana A Colômbia era um dos países que, no século XIX, tinha o típico perfil de país primárioexportador. Dessa forma, sua inserção no sistema-mundo era de país subserviente à ordem imposta pelo centro. Seus principais produtos de exportação eram o café e o algodão. A crise de 1929 teve um grande impacto na Colômbia, já que o café era o principal produto de exportação do país. A Colômbia, a exemplo do Brasil, realizou um processo de substituição de importações, nos anos 30 e 40. O Estado colombiano, tal qual seu par brasileiro, teve papel preponderante na industrialização e desenvolvimento econômico do país até meados dos anos 70 (Cano, 1999). Analogamente aos outros países latino-americanos, a Colômbia enfrentou, a partir dos anos 70, algo como uma crise da dívida. No entanto, o elevado preço do café entre 1976 e 1979 e o aumento das exportações não-tradicionais agiram no sentido contrário do processo de endividamento que ocorria no período, de tal forma que as conseqüências do endividamento, na Colômbia, tenham sido menos graves do que em outros países como o Brasil. Outra atividade que contribui para conter a instalação de uma possível crise (ao longo dos anos 70, 80 e 90) foi a remessa de dólares para o país pelas vendas de cocaína25. Diante do endividamento induzido por projetos de investimentos em infra-estrutura nos anos 80, do aumento do gasto público e do déficit fiscal, e da alta dos juros internacionais (que quebraram diversos bancos colombianos nos anos 80), o governo colombiano de Betancur, em 1984, implementou uma série de reformas, dentre as quais a tributária, o aumento de preços e de tarifas de importação, entre outras. No ano seguinte, o programa reformista ortodoxo teve parcial continuidade, com a implementação de outras reformas. Nos anos seguintes, foram tomados empréstimos junto ao FMI e ao BIRD da ordem 1,1 e 1,6 bilhão de dólares em 1986 e 1989, respectivamente. 25 Em estimativa feita por colombianos em entrevista a Cano (1999), o valor das divisas obtidas pela exportação ilegal de drogas era da ordem de 5 bilhões de dólares anuais no final dos anos 90, o que representava por volta de 6% do PIB colombiano na época. No entanto, como a atividade da plantação de cocaína envolvia muita mão-de-obra e transpassava grandes setores da sociedade, observa-se o quão perverso é para essa sociedade ter extinta a atividade cocaineira sem o adequado fornecimento de uma alternativa econômica. 90 Nos anos 90, com a crise da violência colombiana, a falência do estado colombiano e sob pressão do BIRD, novos ajustes neoliberais entraram na pauta. A administração pública foi reformada, com a diminuição do estado colombiano. Mais além, ocorreram diversas privatizações, exceto em setores estratégicos como o do petróleo. Realizou-se também a abertura comercial, com a redução de tarifas cobradas sobre produtos importados e a assinatura de acordos bilaterais com países como o Chile. O capital estrangeiro teve a sua atuação facilitada na Colômbia, ainda no âmbito das reformas. Por fim, o mercado de trabalho e a seguridade social colombiana tiveram as suas regras alteradas. Embora os resultados econômicos da Colômbia não tenham sido ruins nos últimos anos, com acentuadas taxas de crescimentos de seu produto interno em 2004, 2005 e em 2006, o país continua a ser primário-exportador, de tal forma que seus indicadores sócio-econômicos ainda dependem fortemente do comportamento internacional dos preços das commodities. Mais além, o processo reformador colombiano teve conseqüências perversas sobre a sua população, já que trouxe desemprego, destruição de empresas nacionais e endividamento (Cano, 1999), sendo, grosso modo, um meio de facilitar e acomodar os interesses dos capitais estrangeiros. Além disso, é um grande paradoxo considerar que um país cuja economia poderia constituir uma fonte de atenuação em seu complexo jogo da economia política da violência, continue sendo justamente uma fonte de pressões sobre esse jogo. À medida que a economia é aberta por causa da opção em sustentar os rumos da economia colombiana com a entrada de capitais estrangeiros, tolera-se automaticamente interferências grandes dos interesses externos nesse referido jogo. III.4.3 – Recursos Naturais, Petróleo e a Colômbia A Colômbia é um país com grande dotação de recursos naturais. Tem reservas de petróleo, gás natural, carvão e extensas áreas agricultáveis. Além disso, possui grande potencial hídrico. Dessa maneira, o abastecimento de energia não deverá ser um problema para o país. No entanto, no que tange às relações existentes entre a administração desses recursos e os acontecimentos políticos do país, surge uma série de problemas. Um dos episódios marcantes dessa trajetória foi a tentativa de privatização da Ecopetrol. Em 1999, ela se daria abaixo do real preço do mercado Caycedo (2003), com o intuito de facilitar a entrada de atores estrangeiros nas estruturas produtivas da indústria petrolífera e da 91 indústria do gás colombiano e assim acelerar a exploração desses energéticos no país. No entanto, havia outros interesses por trás da negociata. Alguns funcionários corruptos do governo colombiano queriam obter vantagens junto a empresas transnacionais, no que constituía claramente tráfico de influências. Porém, a atuação do então presidente da Ecopetrol, Carlos Rodado Noriega, foi decisiva para desfazer a negociata que seria desfavorável para o país. A abertura da indústria petrolífera colombiana, realizada a partir de 1999, quando o governo passou a criar um ambiente de negócios muito favorável para a exploração estrangeira, constitui outro episódio em que interesses nacionais e interesses privados entraram em choque. Essa abertura tinha com um dos seus objetivos alegados garantir concessões petrolíferas às multinacionais para desencorajar a corrupção regional (Simons,2004). Embora a virtual entrada de mais capitais estrangeiros na exploração petrolífera possam de alguma forma beneficiar a segurança energética colombiana, a população pouco se beneficia disso, já que a maior parte do que é explorado é exportado e tem pouco impacto sobre o seu bem estar. Ademais, essa abertura não logrou reduzir o ritmo de extração petrolífera, o que revela um verdadeiro paradoxo que torna pouco justificável a iniciativa de abrir a indústria no país. Nota-se que, a partir das últimas considerações, a energia na Colômbia teria o potencial de ser um elemento atenuante na equação da economia política da violência naquele país. No entanto, a forma como os assuntos energéticos internos são conduzidos pelo governo colombiano induzem que ela seja mais um fator de agravamento deste complexo jogo da violência. Ao permitir que o capital externo tenha papel preponderante no seu setor energético, o governo colombiano dá margem à atuação de agentes externos, notadamente os americanos, que interferem decisivamente na economia política da violência colombiana. III.4.4 – O Petróleo Colombiano e os Estados Unidos A estratégia americana para a Colômbia foi de assegurar, através da intervenção direta ou indireta, um dado arranjo de interesses econômicos e políticos (Stokes, 2005). Essa intervenção teve formas diferentes de ocorrência de acordo com o tipo de interesse e de acordo com a época em que ocorreu. O marco mais recente foi o Plan Colombia, firmado a pretexto de combater o narcotráfico no país. Os Estados Unidos são o maior consumidor mundial de petróleo e realizam intervenções em diferentes regiões do mundo para assegurar o acesso a essa fonte de energia ao diversificar as 92 suas fontes de suprimento. A estratégia americana na Colômbia, nesse contexto, persegue o objetivo de assegurar o acesso ao petróleo sul-americano (Stokes, 2005). O petróleo sul-americano tem importância estratégica para os americanos, pois é uma fonte de abastecimento geograficamente favorável. Para assegurar o acesso a esse petróleo, existe a necessidade de pacificar o conflito colombiano, ainda que parcialmente, para que ele não se expanda para os demais países da região e atrapalhe os interesses comerciais americanos com relação ao suprimento do petróleo sul-americano. Ademais, existem os interesses comerciais das empresas americanas que exploram petróleo na Colômbia. A intervenção americana tem como objetivo também assegurar que essas empresas consigam operar no país, ao evitar que alguns grupos como as FARC danifiquem as instalações dessas empresas. Um caso específico desse procedimento foi o treinamento de uma brigada colombiana especialmente destacada para a proteção do oleoduto de Caño Limón, de 500 quilômetros, de propriedade da empresa Occidental Petroleum, que conecta os campos petrolíferos da empresa ao mar do Caribe, e que estava sob ameaça das FARC. Em 1998, a mesma empresa ajudou a planejar junto com o exército colombiano, em suas próprias instalações, um atentado a uma coluna das FARC. Esse ataque, no entanto, resultou na morte de integrantes de grupos não envolvidos com o conflito (Stokes, 2005). A conclusão a que se chega no caso colombiano é que o petróleo, em especial pela intensa necessidade dos americanos terem acesso às mais diversas fontes de suprimento, tem uma importante participação na chamada economia política da violência. Os americanos, visando a garantir seus interesses petrolíferos no norte da América do Sul através das suas intervenções na Colômbia, contribuem para o alastramento e aprofundamento do conflito colombiano. III.5 – México III.5.1 – O Petróleo, Estado e “Doença holandesa” no México Desde cedo, a indústria petrolífera e o estado mexicano se confundem. Já na década de 1930, os excedentes petrolíferos financiavam o Estado, já que ele nacionalizou o setor naquela 93 época e passou a tornar as rendas petrolíferas uma parte importante de seu orçamento. Essa tendência de financiamento estatal via renda petrolífera se perpetuou até os atuais dias. Nos anos 80, grandes reservas foram encontradas no Golfo do México numa região conhecida como Campo de Cantarell, campo que ainda figura entre os dez maiores do mundo. As descobertas naquela área fortaleceram ainda mais essa tendência de financiamento estatal via petróleo. No entanto, nos atuais dias as reservas mexicanas são declinantes, o que representa um verdadeiro problema para o modelo escolhido no México. Em 1982, o México viveu uma de suas maiores crises econômicas, quando o déficit em conta corrente era exageradamente financiado por empréstimos estrangeiros. Com uma iminente fuga de capitais, o governo procurou financiar os déficits com mais empréstimos de curto prazo. Na época os preços petrolíferos estavam em baixa, reduzindo as possibilidades de pagamento do governo mexicano, de tal sorte que se desencadeou o que ficou conhecido como a crise da dívida mexicana, que teve reverberações em outras partes do continente. Essa crise demonstrou o quão dependente era o tesouro mexicano daquilo que lhe era repassado pela PEMEX. Após a crise, a economia mexicana passou por uma severa recessão. Na mesma época o governo mexicano pôs em prática uma série de reajustes para adaptar-se às normas do FMI, ao qual recorreria. Em 1985, mais uma crise de balanço de pagamentos atingiu o México. Relativamente aos anos 80 no México, falava-se em “doença holandesa” quando o setor petrolífero estava em alta ao mesmo tempo em que havia uma ausência de grandes investimentos em setores não-petrolíferos. Estes outros setores iam ficando para trás em relação à concorrência externa ao perder em dinamismo. Na época da crise de 1982 a 1986, o crescimento anual do produto mexicano foi negativo em -0,44, ao passo que anteriormente a ela, esse crescimento foi positivo em 6,57 (Banco Mundial). Nos anos anteriores e vindouros a essa época, os termos de troca mexicanos estiveram quase sempre acoplados às tendências do mercado mundial do petróleo, o que enaltece ainda mais uma tendência estrutural de dependência da economia mexicana com relação ao petróleo (Banco Mundial). Nos anos 90, a mesma tendência de dependência em relação ao petróleo por parte do governo continuou se manifestando. Em 1995, o peso sofreu nova crise e houve a necessidade de proteger a economia local em crise com as rendas petrolíferas. 94 De uma forma geral, essa tendência mexicana de usar o petróleo como um colchão de proteção em épocas de crise revelou-se uma política inconseqüente. Geralmente quando o petróleo estava em alta, a PEMEX tendeu a acelerar a sua produção, e assim passar a gerar mais recursos para o orçamento público do país. Mas como o preço do petróleo sempre foi fortemente passível de sofrer oscilações, a renda petrolífera poderia rapidamente diminuir e sabotar os planos estatais de guarnecer a economia com esse tipo de renda. Na mesma linha, no fim dos anos 90, o México se associou a países da OPEP para diminuir o ritmo de produção e assim alavancar os preços petrolíferos, na tentativa desesperada de dar sobrevida ao petróleo enquanto fonte de financiamento estatal. Nos anos 00, a mesma tendência de baixo crescimento em setores não-petróleo continuou em curso, com um componente adicional – a grande dependência e vulnerabilidade mexicana com relação à economia americana devido aos acordos desiguais de cooperação econômica. III.5.2 – A PEMEX: Diagnóstico e Tendências A PEMEX é atualmente uma das maiores petrolíferas do mundo e conta com uma base de produção e de refino que a situa como uma das cinco maiores do mundo. Ao contrário da Petrobrás, não tem participação de capital privado. O grande problema da PEMEX é que ela é excessivamente dependente do estado mexicano, que rege sua política empresarial e determina a magnitude de seu orçamento. Dessa forma, a empresa vê-se incapaz de realizar suficientes investimentos em novos campos de tal forma a aumentar o horizonte R/P mexicano. Por essa razão, chegou-se a um ponto em que algum tipo de inflexão torna-se necessário. Existem três possíveis vias. Em primeiro lugar, a discussão que está atualmente em voga no México, promovida pelo recém-eleito Calderón, gira em torno da privatização da empresa. Em segundo lugar, existe a possibilidade de associações estratégicas com empresas privadas sem a desnacionalização da empresa, que forneceriam mais avançadas tecnologias de para a extração em alto mar. Uma terceira via que se oferece assemelha-se ao modelo brasileiro, com a abertura do upstream sem a privatização da PEMEX. Além dessas três vias, pode-se pensar em uma maior desvinculação da empresa com relação ao orçamento e ao governo mexicanos. Essa alternativa esbarra, no entanto, na dificuldade da economia local de diversificar-se apropriadamente em setores não-petróleo, isto é, a dificuldade que tem em sanar a sua “doença holandesa”. 95 Conclui-se que uma combinação de políticas que parece interessante para o país é aquela que contemple a integração regional e a cooperação com empresas petrolíferas do cone sul em termos de tecnologia e expertise em águas profundas (que é o horizonte mais favorável de exploração mexicano) e também crie mecanismos de ajustes macroeconômicos como fundos cambiais ou de hedge, bem como fundos de inversão em setores não-petróleo ou em educação e em saúde. A discussão que está em curso no México é bastante saudável e conta com uma vantagem competitiva enorme a alguns pares sul-americanos: ainda não se destitui o povo mexicano de forma intolerável e precipitada daquilo que é seu maior tesouro atualmente: os recursos petrolíferos. III.6 –Venezuela III.6.1 – O Petróleo e a Doença Holandesa na Venezuela A Venezuela, embora receba anualmente grandes divisas como contrapartida às suas exportações petrolíferas, é ainda um típico exemplo de país subdesenvolvido. A análise feita aqui baseia-se num texto de Medeiros (2007) que, por sua vez, usou como antecedente teórico um artigo de Celso Furtado de 195726. A análise de Furtado é usada por Medeiros para identificar um padrão para aquilo que se conhece como “doença holandesa” para o caso venezuelano. A partir desse marco, Medeiros identifica como esse padrão histórico continuou se perpetuando naquele país. A análise de Furtado da “doença holandesa”, estruturalista, pode ser resumida da seguinte forma. A descoberta de muitos recursos naturais leva a um excedente em transações correntes e a uma taxa de câmbio real incompatível com a preservação da estrutura existente anteriormente, criando a “doença holandesa” (Medeiros, 2007). Ainda segundo Medeiros (2007), a análise estruturalista de Furtado constitui uma radicalização das análises de “desarrollo hacia afuera” típicas do padrão latino americano vigente no principio do século passado, no qual há uma grande desarticulação entre o setor exportador e os demais setores, com a conseqüente e esperada incapacidade de transformar os ganhos de produtividade do setor primário-exportador em fonte de ganhos para o conjunto da economia. O que tornava o caso mais crasso em relação aos 26 “El desarollo reciente de la economia venezolana” 96 demais, nesse sentido, era o exagerado influxo de divisas resultantes da exploração petrolífera, já que o petróleo era em muito mais rentável do que os demais conhecidos produtos de exportação em outros países do continente. Na análise de Furtado, para o qual havia uma valorização da taxa real de câmbio e proteção de bens comercializáveis, a indústria e o setor agrícola venezuelano tornavam-se excessivamente dependentes do setor petróleo e incapazes de competir com os rivais estrangeiros. Não havia incentivos a investir no aumento da produtividade desses setores já que as rendas petrolíferas conferiam ao país uma capacidade de importação enorme, principalmente para as camadas mais altas da população. Mais além, ocorria um processo de concentração de renda devido à baixa produtividade da indústria e da agricultura, que tornava o preço dos alimentos e bens comercializáveis internos caros, diminuindo o poder de compra dos salários. A população fora do setor petróleo empobrecia e o subdesenvolvimento acentuava-se com o fraco mercado interno. As rendas petrolíferas eram, em boa parte, exportadas para a compra de diferentes tipos de investimentos em mercado financeiro por parte dos mais ricos. Nos anos 60 e 70, quando os preços do petróleo eram estáveis e depois elevados (com os choques do petróleo), acentuou-se a “doença holandesa” venezuelana mesmo com taxas de crescimento do produto elevadas, devido ao grande influxo de divisas aos cofres venezuelanos sem a correta redistribuição de renda e investimentos em setores não-petróleo. A camada rica beneficiava-se. Segundo Furtado (1974), sobre a Caracas do fim dos anos 70: “Caracas constitui hoje, um espetáculo tão cabal de irracionalidade, que em si mesmo é algo entre fascinante e alucinante. O espetáculo da “dança dos milhões” de Havana do boom dos anos 20 e de Manaus do festival da borracha, de começo do século, reproduziu-se aqui em escala inconcebível.” Os anos 80 marcam uma inflexão dessa tendência. Neles os preços petrolíferos voltaram a patamares inferiores àqueles praticados após os choques e as divisas que os venezuelanos recebiam do petróleo diminuíram. Ocorreu nessa época uma forte contração dos gastos públicos e o recrudescimento do investimento na indústria não-petroleira. Essa época foi também aquela em que os países latino-americanos endividaram-se num efeito dominó e resultou no que representaria, nos anos 90, a adesão ao Consenso de Washington e ao ideário neoliberal. O país viveu alta inflação no período resultante das desvalorizações cambiais recorrentes no país. A 97 PDVSA passou por um processo de descolamento da agenda governamental e o setor petroleiro ficou ainda mais aberto ao capital privado. Os problemas econômicos venezuelanos reverteram, no final dos anos 90, para um quadro de instabilidade política, que será tema de análise da próxima seção. No entanto, nota-se que até este ponto não houve solução para o que ficou conhecido como a “doença holandesa” na Venezuela. O país permaneceu pouco desenvolvido, a elite rica e a grande maioria da população abaixo da linha da pobreza. A economia venezuelana continuou exageradamente dependente do setor petróleo. III.6.2 – A Transição Chavista: um Novo Modelo? Na Venezuela, as conseqüências de gestões políticas governamentais fraudulentas, patrimonialistas e voltadas para a elite, tiveram claras conseqüências econômicas. As rendas petroleiras não foram reinvestidas apropriadamente numa indústria local nem na tentativa de modernizar a agricultura. Em vez disso, as rendas eram repassadas às elites ligadas ao petróleo e ao governo, que investiam no exterior e viviam de renda, o que configurou um grupo de pessoas que ficou conhecido como “rentistas”. O resultado dessa história política voltada para as elites foi, em última análise, um dos grandes pilares de sustentação da própria desgraça venezuelana, a chamada “doença holandesa”. Tentando romper com esse pacto de governos corruptos e elitistas, Hugo Chávez tentou um golpe militar em 1992. Embora o golpe tenha fracassado e Chávez tenha sido aprisionado, ele sinalizou um desejo de mudança na sociedade venezuelana. Nos meados dos anos 90, a insatisfação popular com as medidas liberalizantes adotadas pelo então governo Rafael Caldera enfraquecia o regime político local. Os números relativos à pobreza eram alarmantes, da ordem de 66% em 1995. Esse cenário péssimo de incompetência governamental e da pobreza decorrente de gestões anteriores favoreceu o aparecimento em maior escala de Hugo Chávez, e tornou possível sua eleição em 1998. O governo Chávez, que se propõe socialista, buscou uma via diferente do socialismo então praticado no passado. A idéia da chamada “revolução bolivariana” seria reestatizar alguns setores econômicos com a criação de empresas estatais setoriais sem a concreta adoção de planos centrais, com a manutenção do sistema capitalista. Os resultados sociais e econômicos não foram ruins, embora uma elite opositora conteste e busque depor o presidente. No plano externo, Chávez firmou alianças 98 estratégicas com países como a China para tornar mais heterogêneo seu portfólio de parceiros comerciais no mercado de petróleo. A dependência em relação às importações petrolíferas americanas, contudo, ainda é muito grande. Este fato gera distúrbios geopolíticos importantes, assim como grandes preocupações futuras quanto ao equilíbrio geopolítico e diplomático da região. Nota-se, entretanto, é que a alternativa chavista, embora nem sempre evoque paixões, marcou uma transição na história econômica e social venezuelana. Como foi dito, os indicadores sociais venezuelanos melhoraram (Ali, 2008). A principal novidade desse novo paradigma governamental venezuelano é que se procura desmantelar o mecanismo da bomba que representa a “doença venezuelana”. Em outras palavras, investiu-se em setores não-petróleo, ainda que timidamente. Na próxima seção será visto como são feitos esses investimentos, principalmente a partir da estratégia de adotar e fortalecer com as rendas adicionais petrolíferas, fundos soberanos estratégicos e vinculados. III.6.3 – O Petróleo e o Novo Desenvolvimentismo Venezuelano? As gigantescas rendas petrolíferas venezuelanas nunca conseguiram tirar o país de sua trajetória de pobreza. A principal razão disso é que os governos venezuelanos foram incapazes de gerir a imensa riqueza que o petróleo proporcionou ao país, pois não tiveram competência para evitar os constantes déficits fiscais e para diversificar a economia local. Para tentar mudar esse cenário, na última década o governo venezuelano tem buscado soluções alternativas para transformar efetivamente o petróleo numa fonte de desenvolvimento econômico para o país. A principal forma de fazê-lo que vendo sendo adotada em tempos recentes é através da criação dos chamados fundos vinculados. Em alguns países exportadores de petróleo, a criação de fundos soberanos tem ajudado a mitigar os efeitos da “doença holandesa” bem como transferir renda entre gerações. Na Venezuela, foram diferentes os tipos de fundo criados Embora a experiência internacional aponte que criar fundos bem definidos e com regras claras tenha sido fonte de melhores resultados historicamente, nota-se que a experiência venezuelana é, ao menos, uma tentativa de romper com uma longa tendência histórica perversa. Nesse contexto, foi criado em 1998 na Venezuela o Fondo de Estabilización Macroeconomica, com o objetivo de estabilização de curto prazo. O fundo, criado num momento em que o preço do petróleo atingira seu menor valor desde 1979, acumularia reservas em épocas 99 de alta do preço do petróleo para cobrir os déficits orçamentários em momentos de alta de preços. A regra de poupança era que, a partir de uma média móvel de cinco anos, fosse poupado cada dólar a mais ao preço da média dos cincos anos. Eles poderiam ser sacados então se os preços do petróleo ficassem abaixo do valor de referência ou se o valor do fundo excedesse em 80% o valor de referência na média dos cinco anos, situação na qual o governo deveria pagar dívidas e repassar para que os governos regionais investissem em capital. A partir de 1999, saques por decreto presidencial passaram a ser permitidos para o gasto social e para o pagamento da dívida. Ademais, o nível de referência foi fixado abaixo do patamar de 1999-2004 e somente metade de cada dólar passou a ser revertido para o fundo. Estas mudanças o enfraqueceram e afastaram-no da realização de seus objetivos de estabilização macroeconômica. Um outro fundo (Fundo para o Desenvolvimento Econômico e Social do País) foi criado em 2004, com a meta de melhorar a infra-estrutura, investir na atividade agrícola, na saúde e na educação, com recursos oriundos da PDVSA. No primeiro ano, sua dotação de recursos foi de 2 bilhões de dólares. Outro fundo foi estabelecido em 2005 (Fundo para o desenvolvimento nacional), este com o objetivo de impulsionar o crescimento econômico e ampliar os gastos sociais. Os recursos desse fundo serão direcionados para o desenvolvimento para áreas específicas como indústrias básicas, petróleo, gás, transporte e habitação. Algumas novas empresas e fábricas foram criadas desde então, principalmente no campo das indústrias básicas. O fundo é alimentado pelo Banco Central do país e pela PDVSA, e, segundo dados governamentais, já investiu U$35,4 desde sua criação. Uma nova regra de distribuição da renda do petróleo foi instituída em 2005. Quando o preço do petróleo é de até 26 dólares o barril, este é de posse da PDVSA, que paga seus tributos e gastos; acima disso, os recursos são repassados ao executivo, que investe por meio dos últimos dois fundos criados. Espera-se que as novas regras de utilização e distribuição das rendas petrolíferas debelem o que ficou caracterizado na economia venezuelana como “doença holandesa”. Para tal, é necessário fortalecer outros setores econômicos que não o petrolífero e assim desgarrar a economia venezuelana da excessiva dependência que ela tem em relação ao petróleo. 100 CONCLUSÃO Este trabalho teve como objetivo central fazer uma análise das indústrias petrolíferas de cinco países latino-americanos sob o ponto de vista da demanda. Nesse sentido, escolheu-se uma abordagem que contemplasse tanto um ponto de vista empírico por meios econométricos quanto o ponto de vista econômico-historicista. Essa forma dual de visualizar as estruturas da demanda por petróleo na América Latina teve como objetivo tornar a discussão mais rica. A escolha de cinco países bastante significativos no contexto petrolífero latino-americano, mas ao mesmo tempo diversos entre si no que diz respeito ao tamanho e à configuração das respectivas indústrias petrolíferas, teve também como objetivo tornar a discussão mais rica. Os países escolhidos foram Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela. Considerando que boa parte da demanda por petróleo dos países latino-americanos é induzida pelas importações petrolíferas dos países mais ricos e que o petróleo é um produto primário, a discussão que aqui se estabeleceu não pôde deixar de lado as idéias que associam economias primário-exportadoras a economias subdesenvolvidas. Nesse contexto, observa-se que as estruturas econômicas latino-americanas sempre estiveram inseridas de forma precária no sistema mundo, sendo, grosso modo, sustentáculo dos objetivos econômicos dos países econômicos no que tange ao abastecimento das matérias primas. Essa configuração de relações econômicas entre as regiões quase sempre impediu que os países da América Latina se desenvolvessem com todo o seu potencial. Não se nega, entretanto, que alguns setores econômicos desses países com menor índice de desenvolvimento destacaram-se dos demais no tocante da sua importância econômica e do seu grau de dinamismo em relação à concorrência externa. Nesse contexto, mesmo sendo um produto de exportação primária, a economia do petróleo em alguns desses países configura um caso especial, especialmente na última década. A forma como a política econômica do petróleo tem sido conduzida em alguns casos indica que, futuramente, o petróleo talvez possa ser para alguns países uma válvula de escape que quiçá permita romper com esse paradigma de relações econômicas desiguais. A razão disso é que alguns países latino-americanos tentam direcionar suas políticas econômicas de tal forma que o petróleo e as suas rendas extraordinárias de exportação possam financiar algum tipo de processo de desenvolvimento sustentado equilibrado. 101 A referida importância sobrecomum do petróleo nos temas políticos e econômicos latinoamericanos recentes justificou a realização de uma análise detalhada e multifacetada do tema, tendo como ênfase a estrutura da demanda. Para contextualizar o tema escolhido, no primeiro Capítulo I foi feita uma revisão das principais características industriais dos setores petrolíferos dos países selecionados, como participação do petróleo na matriz energética, trajetória da indústria petrolífera local, reservas de petróleo, indicador RP, produção e consumo de petróleo, exportação e importação petrolíferas, concentração industrial do segmento upstream e estrutura do refino. Essa revisão forneceu um bom arcabouço histórico e teórico para entender a partir de quais bases institucionais, regulatórias e físicas cada país logrou configurar a sua estrutura de oferta de petróleo para atender a uma demanda externa ou interna pelo produto. No Capítulo II, foi feita uma estimação que reproduziu um modelo econométrico para a indústria de petróleo desenvolvido por Krichene (2007). O modelo baseou-se no Método de Cointegração de Johansen, escolhido por ter como foco analítico o longo prazo. Uma outra vantagem do método é que este fornece as elasticidades das variáveis escolhidas em relação à variável dependente, isto é, demanda por petróleo internamente produzida. A demanda por petróleo no país i, neste sentido, seria função da renda do mundo, da sua renda interna, da produção interna de petróleo, do seu câmbio em relação ao dólar, de um preço mundial de referência (Brent) e de uma taxa de juros de referência mundial (LIBOR). Foi possível observar como estas referidas variáveis influem separadamente sobre a demanda de petróleo internamente produzido numa análise das supracitadas elasticidades. Observou-se que a maioria dos países tem sua demanda pelo petróleo internamente produzida demandada pelo setor externo. Isto é, há uma dependência em relação a essa demanda, que em muitos casos sustenta os processos econômicos locais. Ao mesmo tempo, essa superexposição à demanda forânea torna as economias nacionais muito vulneráveis às variáveischave da economia mundial do petróleo como o preço. Suas oscilações tiveram, historicamente, conseqüências drásticas para essas economias locais. Em grandes traços, a estimação foi exitosa e esteve de acordo com os resultados esperados tanto em alinhamento com a teoria econômica quanto com o artigo reproduzido. 102 No terceiro capítulo usou-se uma abordagem historicista para interpretar quais as conseqüências para um país ter uma determinada configuração de sua demanda por petróleo internamente produzida. A abordagem historicista foi usada para transpassar as dificuldades que a teoria econômica tradicional traz consigo. Em outras palavras, o tão almejado desenvolvimento econômico nem sempre ocorreu seguindo uma linha tradicional de raciocínio econômico. Uma análise que contemple a história econômica de um país pode ser mais proveitosa para identificar, numa análise com foco local, quais os principais acertos e as principais falhas na condução da política econômica ao longo das décadas. As conseqüências aos quais os países estão sujeitos ao terem participação na indústria mundial de petróleo não necessariamente são somente de natureza econômica. Em muitos casos elas passam ao plano social e ao da política. A partir dessa análise sob diferentes ângulos da estrutura da demanda por petróleo nesses cinco países latino-americanos, é possível fazer algumas comparações para o caso de cada país que relacionam os resultados obtidos na estimação econométrica com a análise econômicohistoricista. No caso argentino, observou-se que as decisões políticas de abertura econômica tiveram devastadores efeitos sobre a macroeconomia local. Essas decisões impactaram também na indústria petrolífera local, com a privatização pouco transparente da YPF e a grande entrada de agentes estrangeiros no upstream local. Esse processo de privatização não trouxe benefícios para a exploração petrolífera no país, com a redução de descobertas petrolíferas e piora do índice RP local. Com o objetivo de mudar o bastante negativo cenário petrolífero argentino, o governo do país criou em 2004 uma nova estatal, a ENARSA. Em termos econométricos, quatro indicadores obtidos na estimação estão de acordo com o que foi observado na análise do Capítulo III. Em primeiro lugar, o coeficiente de -0,07 para a elasticidade da taxa de câmbio em relação à demanda por petróleo reflete, em algum grau, o longo período dos anos 90 em que a economia argentina adotou o câmbio fixo em relação ao dólar numa relação um para um. Sendo este indicador baixo, observou-se que, principalmente naquela época, o câmbio não era uma variável relevante para a determinação da demanda por petróleo localmente produzida. O câmbio fixo teve reflexos na economia argentina ao induzir fortemente o setor importador e desestimular o exportador. Esse teve ainda como conseqüências o desmantelamento da indústria local e a redução da demanda agregada argentina. Interpreta-se aqui que uma baixa elasticidade-renda relativa à demanda local por petróleo da ordem de 0,69 103 pode ter sido induzida pela desaceleração da demanda agregada argentina. Por fim, os coeficientes observados para a elasticidade-renda relativa à demanda externa por petróleo e a elasticidade-preço relativamente elevados da ordem de 3,04 e 1,14 , respectivamente, revelam um elevado grau de abertura ao capital externo ao comércio exterior, à medida que a demanda petrolífera argentina esteve bastante suscetível, no período em questão, às variáveis externas. Evidentemente não se descartam aqui outros fatores que influenciem ou justifiquem os coeficientes aqui obtidos, dentre os quais o caráter exportador da indústria petrolífera argentina. Destaca-se que os coeficientes podem ser decompostos em diferentes efeitos gerados por diferentes fatores, o que exigiria uma estimação ainda mais complexa. O Brasil é o caso emblemático daquilo que foi apresentado nesse trabalho: a idéia de que o petróleo poderia ser uma fonte de desenvolvimento sustentável e conseqüentemente quebrar o ciclo de subdesenvolvimento ao qual a economia do país esteve submetida historicamente. A abertura do setor petrolífero em 1997 estimulou o esforço exploratório brasileiro, principalmente o da Petrobras, que se viu forçada a fortalecer-se para concorrer com as entrantes no upstream brasileiro. Esse maior esforço exploratório culminou, em grandes traços, nas grandes descobertas petrolíferas recentes. A partir disso passou a existir a perspectiva de arrecadar suficiente dinheiro do petróleo para erradicar gargalos como o da infra-estrutura, da saúde, da educação, entre outros. Do ponto de vista econométrico, observou-se coeficientes relativamente baixos para todas as elasticidades estimadas. Sendo o coeficiente relativo à elasticidade-renda (mundo) maior do que o relativo à elasticidade-renda (país) – 0,91 e 0,45, respectivamente - argumentou-se que a possível existência de outliers (valores muito elevados, muito acima de uma tendência histórica) teria induzido esses valores inesperados. Esses seriam inesperados por que o Brasil praticamente sempre consumiu tudo o que se produziu, o que significaria que a elasticidade-renda relativa ao produto brasileiro deveria induzir mais o consumo pelo petróleo internamente produzido do que a elasticidade-renda relativa ao produto mundial. Ora, a possibilidade de que podem existir outliers significa justamente que pode haver uma sinalização de uma possível inflexão no padrão da demanda pelo petróleo brasileiro a favor do consumo externo em detrimento do consumo externo. Essa inflexão mudaria o status do Brasil de importador para exportador e, conseqüentemente, tornaria sustentável a idéia de que o Brasil, no futuro, extrairia do petróleo rendas suficientes para debelar seus gritantes problemas econômicos e sociais. 104 A complexa equação que engloba a indústria petrolífera colombiana, a economia do país, suas relações internacionais e sua crise de violência endêmica foi o tema que norteou a seção colombiana do Capítulo III. A Colômbia ainda é um exportador líquido de petróleo e a maior parte do seu petróleo internamente produzido é consumido pelos EUA. Nos últimos anos, visando a diminuir a decadência de sua indústria petrolífera, o governo colombiano instituiu um modelo exploratório similar ao brasileiro, com a criação de uma agência setorial, ANH e sem a ocorrência da privatização de sua estatal, a ECOPETROL. Atualmente tem estado em curso uma agressiva campanha de atração de investimentos estrangeiros no upstream colombiano, que destaca a estabilidade econômica e política do país. Na contramão da alardeada estabilidade existe um conflito violento no país que perdura há décadas e tem como plano de fundo muito mais do que é revelado na mídia internacional. Trata-se de uma complexa equação que envolve atores políticos, interesses econômicos e grande desigualdade social e a ingerência externa, um conflito de difícil resolução. Os EUA, visando garantir seus interesses petrolíferos na região, principalmente na Venezuela, tem como estratégia o apaziguamento do conflito colombiano, ainda que empregando meios pouco justificáveis e escusos. Os resultados da estimação econométrica para a Colômbia apontaram que a raiz explicativa destes, sob a perspectiva econômico-historicista, tem dois vieses principais. Destacase que a magnitude das elasticidades encontradas na Colômbia foram quase sempre bastante elevadas. No que diz respeito a câmbio, renda externa e preço, para os quais as elasticidades estimadas foram de -3,69, 0,8 e 2,72, respectivamente, ressalta-se que os resultados podem estar relacionados fortemente ao contexto petrolífero internacional no qual a Colômbia está inserida enquanto nação dependente econômica e politicamente dos EUA. Variações cambiais impactam forte e negativamente sobre a demanda pelo petróleo produzido na Colômbia, o que mostra que a Colômbia exporta proporcionalmente muito petróleo. O mesmo ocorre com o preço, só que positivamente. No caso da renda do mundo, o coeficiente foi baixo, o que talvez possa ser explicado por um abastecimento relativamente contínuo de petróleo para os EUA em termos absolutos, que é relativamente independente de aumentos da renda daquele país. A magnitude das três variáveis não tem uma explicação trivial, o que revela a existência de um contexto muito peculiar de relações comerciais entre os EUA e a Colômbia em que o comércio bilateral de petróleo é mais sensível a determinadas variáveis por razões tênues. Por outro lado, a grande magnitude da elasticidade-renda da demanda pelo petróleo internamente produzido na Colômbia mostra uma economia colombiana em grande expansão nos últimos anos, com generosas taxas 105 de crescimento do produto. Em grandes traços, os resultados econométricos para o país corroboram a idéia de que o componente externo, em especial a relação com os EUA, tem especial impacto sobre a sua indústria petrolífera, principalmente no lado da demanda. O México, por sua vez, depara-se com um grande dilema. Por um lado, sofre da chamada “doença holandesa”, em decorrência da excessiva dependência do estado das rendas petroleiras, e também com a queda da produtividade empresarial da PEMEX, empresa verticalmente integrada e monopolista. Por outro lado, ainda não conduziu um processo de reformas muito ortodoxo. Por essa razão, pode ser considerado uma janela de oportunidades no qual o futuro ainda é uma tabula rasa, isto se as reformas forem bem conduzidas e apontarem um rumo que privilegie tanto os interesses sociais como a importantíssima produtividade empresarial e técnica. Em termos econométricos, observaram-se magnitudes bastante discretas para todas as elasticidades estimadas. As elasticidades relativas ao câmbio, à renda externa, à renda doméstica e ao preço comportaram-se de acordo com a teoria econômica e foram, respectivamente, de 0,13, 0,14, 0,03 e 0,05. As baixas elasticidades confirmam o México como um mercado maduro e consolidado de petróleo, com compradores bem definidos e contratos estáveis. Poucos fatores além do declínio de suas reservas e da sua produtividade empresarial foram capazes de interferir na quantia relativamente estável de petróleo que o México exportou. A chamada “doença holandesa” pode ser entendida como um fator que inclusive desestimulou o consumo interno por petróleo, o que justificaria a também baixa elasticidade-renda para a renda doméstica. Por fim, o caso venezuelano é também bastante emblemático. Na Venezuela também houve e ainda existe a “doença holandesa”. Nos últimos anos, entretanto, deu-se um desenvolvimento histórico impressionante, com a quase que integral nacionalização das reservas e com o gradual direcionamento das rendas petrolíferas para a cura dos sintomas “doença holandesa” através da criação de fundos soberanos direcionados. Esse processo tem um custo político elevado, à medida que a Venezuela costura alianças políticas com parceiros problemáticos como Irã e se distancia muito dos EUA, que consome a maior parcela do petróleo produzido na Venezuela. É interessante ressaltar que se trata ao menos de uma alternativa criativa e corajosa diante de tudo que ocorreu na história latino-americana. Como o Brasil, a relação entre petróleo e a economia venezuelana pode ter uma trajetória de sucesso se a demanda mundial continuar absorvendo o petróleo venezuelano. Existe a não remota possibilidade de 106 desenvolvimento econômico na Venezuela a partir do petróleo, ainda que em um horizonte de médio para longo prazo. A estimação da função de demanda por petróleo internamente produzido na Venezuela foi aquela na qual os resultados estiveram mais de acordo com a teoria econômica e com a análise econômico-historicista. As elasticidades relativas ao câmbio, à renda externa, à renda interna e ao preço foram: -0,2, 2,01, 0,49 e 0,70. Ressalta-se aqui a elevada elasticidade-renda relativa ao consumo externo de petróleo, que foi bastante elevada. Essa grande magnitude está em grande parte de acordo com o que a teoria econômica relata sobre a “doença holandesa”, na qual a economia local é altamente dependente do setor petróleo, principalmente do ponto de vista das exportações. Quando a demanda externa não absorve bem a produção do país exportador entra em cena a “doença holandesa” ao demonstrar a baixa competitividade dos demais setores econômicos adjacentes ao setor petrolífero e ao dar início a ciclos econômicos recessivos. Tendo em vista os resultados dos países supra analisados, podem ser destacados elementos comuns entre eles. Todos se inserem na indústria mundial do petróleo como fornecedores de petróleo para outros mercados. São, na visão de Galeano (1970), potenciais perdedores do ponto de vista das relações econômicas e políticas internacionais. O que pode mudar esse cenário é o uso que se faz dos recursos minerais nos quais esses países se especializaram em exportar. A possibilidade de exportar, arrecadar rendas extraordinárias e investi-las pode gerar bons frutos que desmantelem o processo que continua gerando subdesenvolvimento. Esse processo será potencializado se for acompanhado de uma maior integração energética regional que compreenda as complementaridades existentes entre os países da América Latina, sobretudo as energéticas. 107 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, F.G.; MIOVIC, P. On relative fuel efficiency and the output elasticity of energy consumption in western Europe, Journal of Industrial Economics, 1968. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. Disponível em: <www.anp.gov.br> Acesso: 19 set 2008. ALI, T. Piratas do Caribe: O Eixo da Esperança. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. ALTINAY, G. 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Dados em Logaritmo Natural para o Brasil 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Produção Y Câmbio Y do mundo Preço petróleo Taxa de juros 12,393773 12,382535 12,364338 12,433428 12,461409 12,449172 12,459986 12,481404 12,519177 12,555899 12,681607 12,750019 12,897413 13,019282 13,136131 13,179308 13,297604 13,345240 13,335848 12,589905 12,674653 12,785427 13,102265 13,137811 13,006373 12,963412 13,078666 13,299275 13,553809 13,641219 13,677999 13,646057 13,282647 13,375893 13,225660 13,133723 13,221736 13,405363 19,120871 18,065179 16,165057 13,785452 10,603190 8,819261 6,412483 3,436932 0,447362 0,085994 -0,005062 -0,075100 -0,148865 -0,595934 -0,604430 -0,854600 -1,071977 -1,124372 -1,073608 16,538994 16,675469 16,788987 16,838039 16,942849 16,993717 17,001120 17,023669 17,095658 17,200171 17,223398 17,219321 17,210558 17,247069 17,274176 17,267357 17,306970 17,423227 17,540036 2,669309 2,914253 2,702960 2,902855 3,166564 2,995902 2,961184 2,831543 2,761105 2,834194 3,028610 2,949300 2,542834 2,888708 3,349744 3,196380 3,219806 3,361441 3,644536 6,630352308 7,307567901 8,127170577 9,268890975 8,316345892 6,077346487 4,70797704 3,425774072 5,070772226 6,098253824 5,591411061 5,820965601 5,113378352 5,530463424 6,649271616 3,698123784 1,881999794 1,127178726 1,566151827 118 13,432897 13,486632 2005 2006 13,689996 13,881023 -0,890025 -0,777546 17,616482 17,691807 3,998588 4,176601 3,764801242 5,27359825 Fonte: Elaboração Própria Tabela C - Dados em Logaritmo Natural para a Colômbia 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Produção Y Câmbio Y do mundo Preço petróleo Taxa de juros 11,626745 11,860903 11,840069 11,908711 12,000216 11,963683 11,991207 12,026767 12,031124 12,281713 12,353522 12,402687 12,552760 12,630915 12,466570 12,340844 12,298492 12,234952 12,212158 12,217355 12,224742 10,613738 10,654054 10,729241 10,737570 10,755944 10,810112 10,957329 11,082466 11,310895 11,434921 11,483981 11,577401 11,497243 11,364263 11,336021 11,314353 11,303709 11,282996 11,493325 11,719126 11,819550 -5,269197 -5,491455 -5,701012 -5,946912 -6,219118 -6,450549 -6,522240 -6,667808 -6,717273 -6,816499 -6,943654 -7,039734 -7,263359 -7,472260 -7,643686 -7,740564 -7,827225 -7,964778 -7,873301 -7,749654 -7,765562 16,538994 16,675469 16,788987 16,838039 16,942849 16,993717 17,001120 17,023669 17,095658 17,200171 17,223398 17,219321 17,210558 17,247069 17,274176 17,267357 17,306970 17,423227 17,540036 17,616482 17,691807 2,669309 2,914253 2,702960 2,902855 3,166564 2,995902 2,961184 2,831543 2,761105 2,834194 3,028610 2,949300 2,542834 2,888708 3,349744 3,196380 3,219806 3,361441 3,644536 3,998588 4,176601 6,630352308 7,307567901 8,127170577 9,268890975 8,316345892 6,077346487 4,70797704 3,425774072 5,070772226 6,098253824 5,591411061 5,820965601 5,113378352 5,530463424 6,649271616 3,698123784 1,881999794 1,127178726 1,566151827 3,764801242 5,27359825 Fonte: Elaboração Própria Tabela D - Dados em Logaritmo Natural para o México 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Produção Y Câmbio Y do mundo Preço petróleo Taxa de juros 13,822158 13,865096 13,864401 13,871328 13,898569 13,947407 13,945486 13,949324 13,952512 13,927700 13,994581 14,034365 14,060130 14,014521 14,046027 14,077413 14,084411 14,139755 14,149054 11,816033 11,908280 12,118285 12,314730 12,478806 12,658762 12,803977 12,907295 12,949849 12,564390 12,713905 12,901392 12,950450 13,082776 13,272146 13,340469 13,382616 13,367261 13,434961 0,497690 -0,254765 -0,820888 -0,900866 -1,034109 -1,104558 -1,129613 -1,136304 -1,216430 -1,859264 -2,028075 -2,069197 -2,212185 -2,257644 -2,246604 -2,234569 -2,267575 -2,378529 -2,423560 16,538994 16,675469 16,788987 16,838039 16,942849 16,993717 17,001120 17,023669 17,095658 17,200171 17,223398 17,219321 17,210558 17,247069 17,274176 17,267357 17,306970 17,423227 17,540036 2,669309 2,914253 2,702960 2,902855 3,166564 2,995902 2,961184 2,831543 2,761105 2,834194 3,028610 2,949300 2,542834 2,888708 3,349744 3,196380 3,219806 3,361441 3,644536 6,630352308 7,307567901 8,127170577 9,268890975 8,316345892 6,077346487 4,70797704 3,425774072 5,070772226 6,098253824 5,591411061 5,820965601 5,113378352 5,530463424 6,649271616 3,698123784 1,881999794 1,127178726 1,566151827 119 2005 2006 14,131981 14,111374 13,551141 13,641171 -2,388569 -2,388693 17,616482 17,691807 3,998588 4,176601 3,764801242 5,27359825 Fonte: Elaboração Própria Tabela F - Dados em Logaritmo Natural para a Venezuela 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Produção Y Câmbio Y do mundo Preço petróleo Taxa de juros 13,442111 13,454756 13,499799 13,506782 13,615913 13,724343 13,723543 13,760082 13,819981 13,892504 13,950920 14,007919 14,054685 13,947407 13,982917 13,952512 13,870638 13,745313 13,874774 13,885041 13,845807 11,010663 10,779560 11,005859 10,707102 10,787110 10,885416 11,008893 10,999897 10,974369 11,257130 11,163907 11,360299 11,422333 11,492498 11,671236 11,719208 11,439161 11,331907 11,633372 11,873693 12,109606 -2,621478 -2,989299 -3,327910 -3,515671 -3,853750 -4,041745 -4,225449 -4,512565 -5,002533 -5,175257 -6,033884 -6,191524 -6,305454 -6,406385 -6,521990 -6,584335 -7,056994 -7,383138 -7,541943 -7,654367 -7,673223 16,538994 16,675469 16,788987 16,838039 16,942849 16,993717 17,001120 17,023669 17,095658 17,200171 17,223398 17,219321 17,210558 17,247069 17,274176 17,267357 17,306970 17,423227 17,540036 17,616482 17,691807 2,669309 2,914253 2,702960 2,902855 3,166564 2,995902 2,961184 2,831543 2,761105 2,834194 3,028610 2,949300 2,542834 2,888708 3,349744 3,196380 3,219806 3,361441 3,644536 3,998588 4,176601 6,630352308 7,307567901 8,127170577 9,268890975 8,316345892 6,077346487 4,70797704 3,425774072 5,070772226 6,098253824 5,591411061 5,820965601 5,113378352 5,530463424 6,649271616 3,698123784 1,881999794 1,127178726 1,566151827 3,764801242 5,27359825 Fonte: Elaboração Própria 120