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EXCLUSIVO P/
TELCOMP
ARTIGO
NEUTRALIDADE DE REDES E ACORDOS DE
PEERING: O CASO FRANCÊS
POR FRÉDÉRIC FORSTER E EDOUARD LEMOALLE
30 de novembro de 2012
ALAIN BENSOUSSAN SELAS DEPT/CONS INFO & TELE
30 11 2012
1. UMA DECISÃO INOVADORA
1. A Autorité de la Concurrence (equivalente francês do CADE) foi o primeiro órgão
antitruste do mundo a decidir um caso específico envolvendo questões relativas ao
polêmico tema da neutralidade de redes (net neutrality):
-
As políticas de peering1 de operadoras de redes podem pressupor cobrança
por demanda adicional de capacidade?
-
Ou, ao contrário, o peering pressupõe a não cobrança na troca de tráfego, o
que implica que a recusa de um pedido de capacidade adicional equivale a
negar, de forma discriminatória, o acesso a uma facilidade essencial (i.e. a
interconexão gratuita aos clientes da operadora de redes locais)?
2. Na decisão 12-D-18 de 20 de setembro de 2012, a autoridade antitruste francesa
resolveu
um
litígio
entre
a
operadora
norte-americana
Cogent
(operadora
especializada de trânsito internacional) e a operadora francesa France Télécom
(provedor local de serviços de Internet) com relação aos acordos recíprocos de
interconexão de dados (ou serviços de conectividade à internet)2.
Fornecedores de conteúdos
Cogent
(operadora de trânsito internacional)
2,5
1
France Télécom
(provedor local de serviços de Internet)
1
Peering é o acordo entre provedores de serviços de Internet (ISPs) para a troca de tráfego
entre eles. Na sua definição pura, o peering pressupõe que nenhuma das partes paga à outra
pelo tráfego trocado (senders keeps all).
2
http://www.autoritedelaconcurrence.fr/pdf/avis/12d18.pdf
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3. No caso, a Cogent impugnava a conduta da France Télécom por ter modificado sua
política padrão nos acordos de peering (vale dizer, uma livre e gratuita troca de fluxos
entre duas redes) com operadoras de trânsito, passando a cobrar a capacidade
adicional demandada por estas para acessar os clientes da France Télécom:
“In this case, the US telecommunications operator Cogent claimed, among
other things, that France Télécom was compromising the peering system
(enabling exchange of traffic flows between networks, free of charge) used
by transit operators, by requesting payment for opening up additional
technical capacity for access to Orange subscribers.”3
4. As redes da Cogent e as da France Télécom estão interligadas através de sete
pontos de interconexão (4 localizados na Europa e 3 nos Estados Unidos). A Cogent
considerava insuficiente a capacidade de tráfego acordada, que atingiu 66,5 Gbits/s
em abril de 2011, e solicitou um aumento para 130 Gbits/s - ou seja, 63,5 Gbits/s
adicionais.
5. A política de peering da France Télécom previa a cobrança da capacidade que
excedesse a relação de 2,5 por 1 entre o tráfego total entrante na rede da France
Télécom e o tráfego total sainte dessa rede em direção à rede da Cogent.
6. Nessa disputa sobre a possibilidade ou não de cobrança do tráfego adicional pela
France Télécom, a Cogent argumentava que a negativa da France Télécom de
atendimento sem compensação financeira do seu pedido por capacidade adicional
constituía conduta anticompetitiva – posteriormente negada pela autoridade antitruste.
7. No âmbito de sua reclamação perante o órgão antitruste francês a Cogent alegou,
entre outros:
-
recusa do seu pedido de interconexão gratuita aos clientes domésticos da
France Télécom, o que supostamente configuraria prática discriminatória de
competidor;
-
venda casada, caracterizada pelo fato de que a France Télécom condicionou
a contratação da capacidade adicional da interconexão local à contratação do
trânsito da Open Transit, operadora especializada em trânsito recentemente
criada pelo grupo France Télécom;
3
http://www.autoritedelaconcurrence.fr/user/standard.php?id_rub=418&id_article=1971
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-
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práticas de compressão de margens (margin squeeze), na medida em que a
France Télécom cobrava parcialmente a interconexão local da Cogent e de
outros operadores de trânsito, mas não da Open Transit, punindo a
competitividade daqueles na abordagem aos fornecedores de conteúdos
(localizados em geral nos Estados Unidos), já que teriam custos superiores e
margens achatadas em relação ao competidor Open Transit. Segundo a
Cogent, não havia separação de contas entre a France Télécom e a Open
Transit, o que facilitava a prática de margin squeeze.
8. Em sua decisão o órgão antitruste considerou que, em razão da natureza bastante
assimétrica de fluxos de tráfego entre a France Télécom e a Cogent (desequilíbrio que
chegou, em dezembro de 2009, a uma relação de 13 por 1), a cobrança de um preço
pela France Télécom para disponibilizar capacidade adicional não era uma prática
anticoncorrencial, na medida em que tal compensação financeira não era excepcional,
havendo um desequilíbrio constante de fluxos entrando e saindo entre as duas redes.
Ademais, segundo a autoridade antitruste, a Cogent sabia que a France Télécom já
praticava essa política de peering nos casos de pedidos por capacidade adicional.
9. No entanto, a autoridade antitruste francesa criticou a falta de separação formal de
contas entre a Open Transit e a France Télécom (empresas integradas verticalmente).
Em sua ótica isto poderia facilitar práticas de compressão de margens (margin
squeeze) ou discriminações contra a Cogent.
10. Em função, disso a autoridade antitruste impôs um termo de compromisso para
que a empresa não favorecesse a Open Transit (cobrasse valor menor ou não
cobrasse nada dela) no acesso a sua rede doméstica. A France Télécom se
comprometeu então a prevenir tais práticas e, se necessário, aceitar controles do
regulador:
“The Autorité de la concurrence deemed the aforementioned commitments
to be appropriate, credible and verifiable, and made them binding. They will
enable the Autorité, in the event that a complaint is submitted to it, to verify
that France Télécom has not engaged in margin squeezing or
discriminatory practices detrimental to competing operators. The internal
protocol is to be submitted to the Autorité de la concurrence within three
months. The Autorité will monitor implementation of the protocol for a
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period of two years. This decision was challenged before the Paris court of
appeal.”4
11 A Cogent recorreu da decisão antitruste no Tribunal de Justiça de Paris, alegando
que isto poderia alterar os padrões de funcionamento da Internet.
2. ANÁLISE CRÍTICA DA DECISÃO
12. O caso “Cogent/France Télécom” ilustra duas novas tendências do setor de
telecomunicações:
-
A evolução de um modelo gratuito para um modelo pago no peering dificulta as
negociações entre empresas com interesses diversos e pode prejudicar a
concorrência em diferentes mercados que dependam dessa interconexão.
Impasses nas negociações para a interconexão entre duas empresas impedem
que os usuários de uma rede possam acessar os usuários da outra, reduzindo
os efeitos positivos de rede, tão importantes no setor das telecomunicações, e
para a competição entre os operadores.
-
Grupos econômicos com grandes provedores locais de serviços de Internet
estão estendendo suas redes além das fronteiras nacionais, incorporando em
sua estrutura a prestação de serviços de trânsito que antes eram contratados
de terceiros. Dessa forma eles começam a concorrer com operadores
tradicionais de trânsito nesse segmento, mas com a vantagem competitiva de
estarem integrados verticalmente e de possuírem redes locais para
atendimento direto ao cliente final.
13. Na Europa, vários autores sustentam que a mera aplicação do direito da
concorrência (regulação ex post) é uma boa solução para disciplinar a gestão de
tráfego de acesso à Internet e reprimir eventuais condutas discriminatórias.
14. No entanto, a nosso ver esse argumento não parece convincente. Em primeiro
lugar, porque os processos perante as autoridades antitruste são longos e complexos
e, em segundo lugar, porque as proibições de acordos e abusos de posições
dominantes em processos pontuais não são instrumentos adequados para resolver
problemas de gestão de tráfego na Internet5.
4
http://www.autoritedelaconcurrence.fr/user/standard.php?id_rub=418&id_article=1971
De acordo com os artigos 101 (proibindo acordos entre empresas) e 102 (proibindo abusos de
posições dominantes) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
5
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15. As referidas tendências estão causando novas tensões entre operadoras de
telecomunicações, o que denota a necessidade de regulação específica capaz de
prevenir e disciplinar esses conflitos e práticas anticompetitivas. Parece haver,
portanto, necessidade de regulação ex ante para tratar da remuneração de
interconexão de dados e dos incentivos a discriminar que surgem nesse tipo de
contratação (peering), especialmente quando existe a tendência de empresas já
integradas verticalmente aumentarem seu grau de verticalização a partir da expansão
de suas redes para fora das fronteiras nacionais.
16. Na União Europeia, o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações
Eletrônicas (ORECE) já tem recomendado que as agências reguladoras nacionais
fiquem alerta quanto aos mercados de interconexão de dados, haja vista a sua
característica de rápida evolução, com surgimento constante de novos agentes
interessados, novos tipos de negócios e conflitos envolvendo a contratação de
conectividade à Internet.
17. Para tanto, a ARCEP (equivalente francês da ANATEL) decidiu:
-
recolher regularmente informações sobre as condições técnicas e financeiras
das interconexões de dados6;
-
instituir um Observatório de Qualidade da Internet7;
-
abrir interlocução com as operadoras e organizar palestras e conferências para
tratar o assunto;
-
contratar consultores externos.
18. Sem sombra de dúvidas, este é um importante passo no caminho da regulação da
neutralidade de redes.
19. A depender das circunstâncias nacionais, legisladores e agências reguladoras de
outros países, como o Brasil, poderiam também adotar metodologia similar, com o
objetivo de identificar e analisar as novas tendências do mercado de interconexão de
dados, e de avaliar a necessidade de futuras intervenções regulatórias preventivas (ex
ante) e corretivas (ex post).
6
Decisão 2012-0366 de 29.03.2012 sobre interconexão de dados.
Relatório dos Deputados Corinne Erhel e Laure de La Raudière sobre neutralidade de redes,
Assemblée Nationale, 13.01.2011.
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3. AUTORES
[email protected]
5. Advogado sócio do escritório Alain Bensoussan Avocats em Paris, onde é
responsável pela área concorrencial e de telecomunicações, Frédéric Forster
responde pelos assuntos institucionais da rede internacional de advogados
especializados em novas tecnologias chamada “Lexing”. Foi diretor jurídico da
operadora SFR do grupo Vivendi-Vodafone.
[email protected]
6.Advogado associado do mesmo escritório, Edouard Lemoalle trabalhou na Agência
reguladora de telecomunicações francesa (ARCEP) como especialista em regulação,e
no escritório Wald e Associados Advogados em São Paulo.
Site: www.alain-bensoussan.com
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