Décio Coelho Pullin - Centro Histórico Embraer

Transcrição

Décio Coelho Pullin - Centro Histórico Embraer
CENTRO HISTÓRICO EMBRAER
Entrevista: Décio Coelho Pullin
São José dos Campos – SP
Junho de 2011
Apresentação e Formação Acadêmica
Meu nome é Décio Coelho Pullin, eu acabei de fazer 60 anos, eu sou natural
de São Paulo, eu nasci em São Paulo, mas naquela época, os meus pais
estavam morando no norte do Paraná e minha mãe veio para São Paulo
para eu nascer, então eu nasci em São Paulo, mas rapidamente fui para o
norte do Paraná. Aliás, foi meu primeiro voo de avião, ele foi quando eu
tinha dez dias de idade, eu voei num DC3 da Real Aerovias Brasil, de São
Paulo para Londrina, então minha mãe me levou para o norte do Paraná. Eu
fiquei no norte do Paraná até uns três, quatro anos de idade e eu tenho um
irmão que é mais velho do que eu, meu irmão é nove anos mais velho do
que eu, e eu acho que meu gosto pela aviação ele começou, na verdade...,
talvez um pouco pelo meu pai – meu pai gostava da aviação, embora ele
nunca se envolveu com aviação –, mas esse meu irmão mais velho sempre
gostou de aviação e ele foi piloto a vida inteira, atualmente ele está
aposentado e eu acho que ele teve uma influência bastante grande na
minha, digamos assim, vocação profissional de ser engenheiro aeronáutico
e gostar de aviação.
Depois que nós estávamos no norte do Paraná, nós mudamos para Curitiba
e em Curitiba eu e meu irmão nós começávamos já a fazer aeromodelos,
nós mexíamos, tínhamos revista de aviação, livros de aviação e, naquela
época, tinham algumas revistas que a gente gostava de ver e de ler, uma
delas era a Aero Magazine, uma revista que era publicada aqui no Brasil. E
a AeroMagazine trazia muitas reportagens sobre o CTA (Centro Técnico
Aeroespacial) – naquela época CTA, não existia a Embraer, isso aí era nos
meados de 60, 62, 64 – e lá trazia muitas reportagens sobre o ITA
(Instituto Tecnológico Aeroespacial) e sobre o CTA e nessas reportagens eu
lia, eu adorava, eu gostava daquilo e eu devia ter uns sete, oito anos de
idade quando eu disse: “Eu quero ser engenheiro aeronáutico, eu quero
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participar dessas coisas que estão acontecendo lá em São José dos Campos,
lá no CTA”. Bom, isso era por volta..., meados da década de 60. Nessa
época também, o meu irmão era instrutor de voo e nessa época nós
morávamos em Santos, na verdade nós tínhamos mudado de Curitiba para
São Vicente, e meu irmão era instrutor lá no aeroclube de Santos que ficava
na Praia Grande e, quando eu tinha, talvez, meus treze, quatorze, quinze
anos, a coisa que eu mais fazia, muitas vezes, no fim de semana, era
acompanhar meu irmão indo para o Aeroclube. Então eu passava o fim de
semana no Aeroclube, eu soltava meus aeromodelos, eu ficava lá mexendo
nas oficinas, fuçando os aviões... então, eu já gostava disso e já sabia que
eu queria trabalhar com engenharia aeronáutica desde uma idade bem
pequena.
Ingresso na Embraer
Como eu falei, em 69 eu prestei vestibular e vim para São José dos
Campos, em 1970 – São José dos Campos era bem diferente em 1970 do
que é hoje em dia –, mas eu passei a maior parte do meu tempo dentro do
ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), porque a gente morava dentro
do ITA e eu, sendo de São Vicente, todo o fim de semana eu escapava para
São Vicente, não ia ficar em São José quando eu podia ir para a praia.
Então, eu estou em São José desde 1970, eu me formei em 74 e, por
incrível que pareça, assim que eu me formei, eu vim para a Embraer, então
em começo de 75 eu vim trabalhar na Embraer. Mas dentro da aeronáutica,
a coisa que eu sempre gostei foi de aerodinâmica, então a parte realmente
do escoamento do ar em torno do avião, da forma do avião e eu vim para a
Embraer porque havia teoricamente uma vaga na parte de aerodinâmica,
porém quando eu cheguei aqui na Embraer a área de estruturas estava
precisando muito mais do que a parte de aerodinâmica e me colocaram
realmente na parte de estruturas e eu, obviamente não fiquei tão contente,
eu gostava de aerodinâmica e gostaria de trabalhar com aerodinâmica. No
momento, aqui na Embraer, depois de ter começado a trabalhar que eu
percebi que ia começar a demorar para eu passar para a parte de
aerodinâmica e, como naquela época, apareceu uma oportunidade no CTA
(Centro Técnico Aeroespacial) para eu trabalhar no túnel de vento que era,
fundamentalmente aerodinâmica experimental, a aerodinâmica que eu acho
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interessante, eu acabei não resistindo e acabei então indo para o CTA.
Mesmo em 75 eu fui trabalhar no CTA, lá no CTA eu fiquei nove anos no
CTA, trabalhando no túnel de vento, naquela época era o PLA e lá eu tive
bastante chance de aprender na parte de aerodinâmica experimental,
bastante chance de trabalhar com coisas concretas, ou seja, você não está
calculando o escoamento do ar, você está realmente vendo o escoamento
do ar, você está sentindo o que está se passando com o ar em torno do
avião, então para mim essa experiência foi bastante interessante. A partir
de uma certa época no CTA eu comecei, não só a mexer com os ensaios em
túnel, mas eu passei a mexer com a parte de cálculo de aviões.
Lá no CTA nós desenvolvemos o planador Urubu que, se não me engano,
atualmente acho que ele não está mais no MAB (Memorial Aeroespacial
Brasileiro)..., mas ele teve um certo tempo em exposição no MAB. Então,
eu participei do Projeto Aerodinâmico do Urubu, para mim também foi
bastante interessante e mais para o final da época em que eu estava no
CTA eu trabalhei no desenvolvimento de um simulador de voo para o
Tucano (EMB 312 Tucano). Naquela época, a parte de eletrônica do CTA
estava disposta a desenvolver simuladores de voo e esse desenvolvimento
do simulador de voo, depois ele seria passado para a indústria, isso fazia
parte, faz parte da missão do CTA de desenvolver protótipos que,
eventualmente, depois, eles são produzidos por indústrias. E nessa parte do
desenvolvimento do simulador, obviamente, existe a parte de aerodinâmica
do avião, então quando você vai voar um simulador, está simulando um voo
do avião e, para isso, você precisa ter os dados aerodinâmicos desse avião.
Então, minha contribuição nesse simulador do Tucano, naquela época, foi
de fazer toda parte de programação de software da parte que nós
chamamos de voo do simulador.
Programa CBA 123
Em 87 eu voltei para a Embraer, naquela época a Embraer ainda era estatal
e estava com uma dificuldade bastante grande de contratar pessoas, como
estatal a Embraer não estava conseguindo contratar direto as pessoas, eu
particularmente, fui contratado pela Usimom em 87 e fiquei na Usimom até
janeiro de 89, só em janeiro de 89 é que a Embraer conseguiu me contratar
e eu então passei – tanto que o meu tempo de Embraer é contado a partir
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de janeiro de 89. Bom, essa época de 87, quando eu entrei aqui na
Embraer, nós estávamos no início, meio do projeto do CBA 123 (Vector), a
Embraer tinha acabado – não digo acabado – de certificar o Brasilia (EMB
120 Brasilia) que foi em 85,86. O Brasilia estava entrando em operação e
na
parte
de
desenvolvimento
nós
estávamos...,
estava
pesado
o
desenvolvimento do CBA, eu então tive a chance naquela época - como eu
falei, eu tinha acabado de chegar da parte de simulação, de simuladores –
eu e mais um colega que viemos da ABC (Sistemas) nós acabamos
implementando aqui dentro da Embraer essa filosofia maior de simulação.
Inclusive, naquela época, o simulador do Brasilia que tinha sido feito pela
ABC tinha entrado em operação lá em Fort Lauderdale na EAC (Embraer
Aircraft Company) e nós aproveitamos então para usar o simulador do
Brasilia – não foi pela primeira vez, o Eliano que fez pela primeira vez: usar
o simulador do Bandeirante para voar o Xingu (EMB 121 Xingu) -, mas eu
diria que na nova geração, digamos assim, foi a primeira vez que nós
usamos um simulador para um piloto voar um avião que ainda estava na
fase de desenvolvimento. Fizemos uma campanha lá em Fort Lauderdale
com o Schittini (Gilberto Pedrosa Schittini) que era o piloto na época, ele foi
lá, nós fomos lá, modificamos o simulador do Brasilia para que ele
representasse o CBA e efetivamente o Schittini teve a chance, digamos
assim, de pilotar o CBA bem antes do CBA estar pronto e voando. E isso
passou a ser rotina para a Embraer, a partir daí o ERJ 145, o (EMBRAER)
170, todos os aviões... essa parte de você colocar o piloto voando o avião
num simulador, simulando as características do avião que está sendo
projetado, isso passou a ser rotina para a Embraer.
Aviação Comercial
Depois dessa fase toda do projeto do (ERJ) 145, essa fase toda que eu
passei da investigação dos acidentes, e isso foi entre 95 e até 2000 nós
chegamos nos ERJs, nós chegamos no EMBRAER 170 e no EMBRAER 190. O
170/190 eu tive chance de trabalhar no anteprojeto, na definição do avião,
toda a campanha de Ensaio em Túnel e toda essa definição da aerodinâmica
a gente fez, foi o pessoal todo de aerodinâmica, eu participei praticamente
de todos os Ensaios em túnel que foram feitos. O primeiro Ensaio em Túnel,
se eu não me engano, foi em 99, 98, o primeiro Ensaio foi feito aqui no CTA
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(Centro Técnico Aeroespacial) e depois os outros Ensaios, pelo fato de que o
túnel aqui do CTA não ter condições de fazer o Ensaio que a gente queria,
nós fizemos fora do Brasil. E eu acho que o 170/190 para a parte da
engenharia da Embraer ele foi, talvez, um dos maiores degraus que a gente
subiu, ele, em vários aspectos, em várias áreas, particularmente na
aerodinâmica, ele foi o primeiro avião em que a gente começou a fazer o
projeto do avião de uma maneira mais completa.
Então, nós tivemos o desenvolvimento do 170, no 190 a DAP, que é o
anteprojeto atualmente, a Diretoria de Anteprojeto da Embraer – eu nem
lembro direito, eu acho que ela foi criada por volta de 2003 – e um dos
primeiros trabalhos que a gente fez foi terminar e fechar o anteprojeto do
190 que é um avião um pouco diferente do 170.
Aviação Executiva
Depois do 170/190 (EMBRAER 170/190) a Embraer entrou por uma área
que ela havia meio que esquecido: a de fazer aviões pequenos, então nós
entramos no projeto do Phenom 100 e do 300. E no Phenom 100 foi até
interessante porque o último avião desse porte que a Embraer tinha feito
era o Xingu (EMB 121 Xingu) e o Xingu foi feito na década de 70, então
muitas pessoas que tinham trabalhado no desenvolvimento do Xingu seriam
as pessoas que sabem quais são os detalhes de se fazer um avião pequeno
e é interessante, e é isso que torna a aviação e a engenharia aeronáutica
mais interessante ainda, é de que você fazer um avião grande não significa
que você sabe fazer um avião pequeno, da mesma maneira que fazer um
avião pequeno não significa que você sabe fazer um avião grande.
E o que aconteceu na Embraer é que a Embraer começou de um avião
pequeno, começou lá com o Bandeirante (EMB 110 Bandeirante), foi para o
Xingu, foi para o Brasilia (EMB 120 Brasilia), então a Embraer sempre foi
crescendo o avião, fazendo aviões cada vez mais complexos e esses aviões
são aviões em que eles têm sistemas mais automatizados, sistemas mais
complexos e no momento em que você volta - está certo que hoje em dia
você não vai fazer um avião pequeno com a mesma tecnologia ou com os
mesmos recursos que você tinha antigamente, é claro que você vai usar o
que tem de mais recente em metodologia e tudo -, mas o Phenom 100
tinha algumas características que são de avião pequeno, então foi
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interessante a gente ver uma certa dificuldade que a Embraer teve em
voltar a fazer um avião, em alguns aspectos, um pouco mais simples do que
os aviões que vinham sendo feitos e foi interessante esse aprendizado.
Programa KC-390
Depois do Phenom 300 mais uma vez – mais uma vez eu digo, fazer avião é
diferente cada um do outro – a Embraer entrou no KC-390. E o 390, além
de ser o maior avião que a Embraer está desenvolvendo ou já desenvolveu,
ele é um avião que, pelo fato de ser um avião militar, um avião de
transporte e que para ele realmente valer a pena para o operador, ele tem
que ser um avião em que ele tenha certas vantagens com relação aos
concorrentes, ele não pode ser um avião que seja pior que o principal
concorrente dele que é o Hércules, então o desafio foi bastante grande, as
pessoas não estavam acostumadas para fazer avião desse tipo, os
requisitos do avião são muito mais demandantes como, por exemplo, o 390
tem que operar numa pista não pavimentada, essa pista é uma pista que
tem muita irregularidade, então toda a estrutura do avião, particularmente
o trem de pouso do avião, ele tem que ser projetado para agüentar essa
operação e isso era uma coisa que a Embraer não tinha muita experiência e
então foi difícil. O anteprojeto dele foi um anteprojeto que acabou sendo um
pouco mais demorado, demorou um pouco mais principalmente porque os
requisitos do avião foram mudando ao longo do tempo, e quando você
muda um requisito do avião você tem que mudar o avião e essa mudança
no 390 aconteceu várias vezes.
Embraer e Futuro
Com relação ao futuro, digamos assim, da indústria aeronáutica, eu acho
que tem alguns aspectos que a gente não pode negar. Primeiro aspecto: é
só você dar uma olhada nas notícias de hoje em dia que estão dizendo que
os aeroportos no Brasil não vão ficar prontos para a Copa, você veja a
importância que está se dando em cima disso e se você for ver, a
importância que o transporte aéreo tem no mundo de hoje. Então, o
transporte aéreo no mundo de hoje passou a ser uma necessidade, quer
dizer, não se pode nem imaginar, imagine hoje em dia se as pessoas que
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tivessem que viajar, elas tivessem que pegar um navio? Não tem nem
cabimento. Hoje em dia você está aqui hoje e amanhã você está na Europa,
amanhã você está na América do Norte e isso é graças à aviação.
Então, a necessidade de aeronaves acho que só vai aumentar, a perspectiva
da indústria aeronáutica é de que sim, sempre vai se precisar dos aviões,
sempre você vai precisar do transporte aéreo.
Uma coisa que tem acontecido no mundo é de que não dá mais para
existirem muitas empresas fazendo a mesma coisa, se essa coisa é de alta
tecnologia e é de um custo elevado. Realmente, se você for ver, na década
de 50, na década de 60 a quantidade de indústrias aeronáuticas era
enorme, você tinha pelo menos umas seis ou oito companhias fabricando
aviões comerciais, mais uma dúzia fazendo aviões de aviação geral, isso
tudo acontecendo ao mesmo tempo. O que aconteceu e era mais ou menos
previsto que isso acontecesse, é de que essas empresas ou foram fechando
ou foram se juntando, formando grandes aglomerados, tanto que hoje em
dia, basicamente em aviação comercial, somos nós quatro talvez mais um
ou outro pequeno: Airbus, Boeing, Embraer e Bombardier, talvez a British
Air Space que continua fazendo um avião ou outro, a SAAB (Svenska
Aeroplan AB) que também fechou, a Focker que fechou e que continua só
mantendo os aviões. Então eu acho que a indústria aeronáutica vai acabar
ficando, talvez, ou nesses quatro ou em até em menos, mas ela obviamente
vai continuar. E eu acho que o que nós conseguimos aqui no Brasil, o que a
Embraer conseguiu é um feito para lá de extraordinário, se você for ver, a
Índia vem tentando fazer aviões, a China está começando a tentar, vários
países europeus que faziam aviões acabaram parando de fazer e nós
estamos aqui, e nós estamos aqui sobrevivendo e não só sobrevivendo
como crescendo. Então, eu acho que isso vai continuar e eu acho que a
Embraer, digamos, não deve tirar o foco do que ela sabe fazer. A Embraer
eu acho que ela tem que crescer como uma empresa – a Bombardier hoje
em dia faz aviões, faz trens, uma empresa que diversifica, ela já nasceu
diversificada,
na
verdade,
a
aeronáutica
entrou
nela
depois
–
e
eventualmente a Embraer vai ter que se espalhar em algumas outras áreas,
mas eu acho que o foco “aeronáutica” tem que continuar.
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