ARMAS DE FOGO: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO RESTRITIVA
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ARMAS DE FOGO: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO RESTRITIVA
ARMAS DE FOGO: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO RESTRITIVA Rodrigo Simonato Sella Jordana Boldori Dakari Fernandes Tessmann RESUMO O Brasil passou por significativas alterações legislativas quanto à restrição do uso de armas de fogo, visando sempre à redução no índice de violência e de homicídios no país. Desde a hipótese da criação da Lei 9.437/97 Lei das armas de fogo, até hoje a população anseia dias de paz. O índice de homicídios aumentou relativamente nos anos seguintes da promulgação do Estatuto do Desarmamento. É bem verdade que houve uma pequena diminuição nas mortes com o uso de armas de fogo, porém pode-se concluir que para cometer esse tipo de crime também foram empregados outros meios, como o uso armas brancas, por exemplo. O que se deve entender é que existem diversas outras formas para diminuir ou reduzir a violência, como uma fiscalização mais rígida nas fronteiras, lugar por onde entram a maioria das armas de fogo no país, e que são adquiridas facilmente no mercado negro. Ademais, também deve ser levado em consideração uma reforma no Código Penal vigente. Portanto, os cidadãos de bem estão cada dia mais oprimidos, indefesos e impossibilitados de reagir perante a violência e o abuso de bandidos fortemente armados, diante da ineficácia do Estatuto do Desarmamento para o fim a que foi criado. Palavras-chave: Desarmamento. Ineficácia. Legislação. Homicídios. ABSTRACT The Brazil has undergone major changes in your legislation about the restriction of the use of firearms, in intention to reduce the level of violence and murder in the country. Since the chances of creation of the law until today, the population expected days of Peace. The homicide rate increased relatively in the years after the enactment of the Statute of Disarmament. It is true that there was small reduction in homicides with firearms, but we can conclude that for practice this crime other means was used, like cold steel. What we must understand is that there are several ways for combat the violence, with better border control that are where most firearms in the country coming from, and are easily acquired on the clandestine trade. Should also being considered a reform in our penal code. In other words, the good people are increasingly oppressed and defenseless to react before the violence and abuse of heavily armed bandits, against the ineffectiveness of the Disarmament Statute. Keywords: Violence. Estatute. Disarmament. Homicides. INTRODUÇÃO O legislador, por forte pressão da mídia e de grupos a favor do desarmamento e, impulsionado em dar alguma resposta ao apelo da população em frenar o alto índice de Bacharel em Direito, formado em Direito pela Faculdade de Alta Floresta Advogada, Especialista em Direito, professora na FADAF Advogado, Especialista em Direito, professor na FADAF violência no país, publicou em 2003 o Estatuto do Desarmamento. Ele tinha com a finalidade de censurar o comércio de armas de fogo e munição à população comum, restringindo esse direito a um selecionado rol enumerado na respectiva lei, sob a parca justificativa de que a medida era importante e necessária para redução da criminalidade, sobretudo para a diminuição do número de homicídios praticados no País. Adiante se demonstrará que o discurso do desarmamento é excessivamente preconceituoso e falacioso em relação à posse e ao porte de armas de fogo e carregado de enormes prejuízos à sociedade, pois vai de encontro aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, negando os direitos à legítima defesa e graves problemas que daí decorrem. Ademais, o governo dos estados em conjunto com o federal tem o poder dever de dar segurança para toda a população, sendo que é tutelado pela Constituição Federal, em seu artigo 144, que a segurança pública, é um dever do Estado, sendo direito e responsabilidade de todos. As armas de fogo, espécie de material bélico, estão intimamente relacionadas com a segurança pública, competindo a União, por esse motivo autorizar e fiscalizar a sua produção e comércio, também criar diplomas legais que possam regular e banir atos ilegais relacionados a esse assunto. Ressalta-se a importância e relevância do assunto, que nos dias de hoje é lembrado, e constantemente debatido, pois mesmo com o governo tomando medidas e criando diplomas legais para o controle de armas, ainda assim tem-se um grande arsenal no poder de bandidos. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo analisar os prejuízos provenientes do desarmamento da população e reveladas falácias que envolvem o tema. Ficando em evidência que o projeto de desarmamento estudado e executado pelo Governo Federal desde 2003 demonstra ser no âmago do seu curso uma ação derrotada e inócua que age infrutuosamente na tentativa de reduzir a criminalidade no país e deixa cada vez mais a população órfã de proteção. 1 O ESTATUTO DO DESARMAMENTO Durante o ano de 1990 tramitaram na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, vários projetos de lei de controle de armas, mas o mais expressivo foi o projeto defendido pelo senador Renan Calheiros (Projeto de Lei n.º 292), primeiramente apresentado em 1997, e que evoluiu para a atual lei de controle de armas confirmada no final de 2003, o chamado Estatuto do Desarmamento. O Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826) foi aprovado definitivamente em 09 de dezembro de 2003, após meses de debate público sobre a importância da formação de um sistema mais severo e concentrado de controle de armas de fogo. A alegação mais robusta contra o projeto, defendida com totalidade pelas federações e grupos de caçadores, atiradores, colecionadores e apreciadores das armas de fogo, dizia que afunilar o controle das armas que são compradas legalmente por civis não iria reduzir a violência armada que assola o país (FRANCO, 2012, p. 354). Ainda assim, em inúmeras diligências de opinião, a população brasileira mostrouse a favor de um controle mais severo do porte e da posse de arma de fogo, bem como do comércio dos produtos controlados. 1.1 OS EFEITOS DA LEI N.º 10.826/2003 No final da década de 80, surgiu no Brasil um problema de longa duração, que agravou muito a segurança pública em todo o território nacional, sendo até hoje em dia debatido. A epidemia de armas de fogo nas mãos de bandidos, e de todos os calibres, fez com que os criminosos percebessem que se encontravam com poder acima do Estado, cometendo a cada dia crimes mais ousados. Como na época o registro e controle de armas eram feitos pelas organizações policiais de cada Estado, de maneira rudimentar, sem nenhuma infraestrutura tecnológica que pudesse dar a integração entre esses sistemas, fez com que ocorresse essa grande dificuldade no controle de armas, chamando a atenção do governo que criou dispositivos, a fim de regular e integrar o controle de armas no país. Nasce assim, depois das mais variadas espécies normativas que disciplinavam sobre armas de fogo, o Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro de 2003). O diploma legal restringiu ainda mais a aquisição e o registro de armas de fogo, preservou a definição como crimes de diversas condutas típicas e exasperou consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar. Verifica-se, portanto, que essencialmente a mesma preocupação que moveu o atual legislador ao elaborar e aprovar o Estatuto do Desarmamento induziu o legislador de mais de meio século atrás. Buscava-se diminuir a violência não só a punindo, mas punindo com igualdade, como forma de prevenção, as condutas que pudessem possibilitar sua ocorrência. É nesse sentido que o Estatuto do Desarmamento tem provocado em todos os setores da sociedade, as mais diversas opiniões. A maneira como tem sido recepcionado, independentemente do nível, classe social ou orientação política, difere plenamente. Notoriamente que os grupos genuinamente afetados pelo Estatuto, tais como, a polícia, o judiciário, as empresas de segurança particulares, divergem em suas opiniões. Mas o que não se pode é distanciar da realidade fática em que o Brasil se encontra. Reservou-se, portanto, para tratar da ineficácia do Estatuto do Desarmamento correlacionado diretamente com os fundamentos que o tornaram vigente (redução da criminalidade). 2.1 A Ineficácia na Redução da Criminalidade Diante de uma situação assídua de conflito entre divergentes grupos políticos surge uma lei cuja perspectiva de ineficácia emerge do seu próprio conteúdo. O Estatuto anseia reduzir os índices de criminalidade no país a partir da imposição de obstáculos na aquisição de armas de fogo por parte da sociedade civil. Ao mesmo tempo em que o Estatuto trouxe expectativa para uma população aprisionada pelo pânico da violência, em especial nas grandes metrópoles, veio acompanhado de dúvidas sobre a real eficácia do desarmamento civil na criação de um país mais seguro e com baixos índices de criminalidade, especial ponto em que as opiniões a respeito do novo diploma legal divergem. Pelo fato da alegação da Lei n.° 9.437/97, a chamada “Lei das Armas de Fogo” conter inúmeros erros, o legislador achou por bem criar a Lei n.° 10.826/02 (Estatuto do Desarmamento) em vigor, dispondo sobre o registro, porte e comercialização de armas de fogo, caracterizando delitos e regularizando mais uma vez o SINARM, ab-rogando a Lei n.° 9.437/97. O Estatuto, como se nota pela rapidez com que foi promulgado, teve sua elaboração fundada em um anseio de mostrar à população nacional e ao mundo a preocupação dos governantes e legisladores a respeito da violência que imperava no território nacional. Vale aqui ressaltar, que se está diante de um exemplo de lei simbólica (NEVES, 2011, p. 50). De acordo com o este autor, a legislação simbólica se caracteriza pelo predomínio da função simbólica da lei em prejuízo de sua efetividade. Em uma primeira interpretação, legislação simbólica busca confirmar os valores sociais de determinada classe em detrimento da outra, sendo que essa confirmação se torna verdadeira “vitória legislativa” de um grupo sobre o outro. Num segundo momento, a lei objetiva demonstrar a capacidade de reação do Estado a determinadas crises sociais, a fim de assegurar a confiança da população nos sistemas jurídico e político. Daí se falar em “leis de luta” ou “leis de combate”, como é comumente conhecida a lei simbólica. Há de se notar que o Estatuto do Desarmamento nasce para tentar regulamentar determinada situação de caos social. Diante de certa insatisfação da sociedade, a legislação álibi aparece como uma resposta pronta e rápida do governo e do Estado (NEVES, 2011, p.52). Pode-se citar como exemplo a Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), que apesar de sua rispidez não conseguiu diminuir a prática de crimes assim definidos. Ainda, a legislação simbólica também pode servir para adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Desse modo, ambas as partes tranquilizam seu espírito: primeiro pela edição da lei, que assegura resolver a situação; segundo pela sua ineficácia prospectiva, jamais produzindo os efeitos desejados, transferindo para um futuro incerto a resolução do debate. De outro modo, a edição da lei atendeu aqueles contrários ao porte de, por outro, devido à insuficiente e ineficiente fiscalização, continua a permitir o porte clandestino de armas, transferindo para um momento futuro e incerto novo debate acerca da matéria. Note-se que, em primeiro momento, o objetivo da lei era desarmar a população para assim, diminuir a violência. O que se questiona ao longo do presente trabalho, é se de fato a finalidade foi atingida. A busca pela pacificação social foi o ponto de partida para a formulação da lei. Havia um anseio da sociedade e dos meios de comunicação por um desarmamento geral da população, o que deveria incluir, sobretudo, criminosos e homicidas. Governantes se aproveitaram deste momento de apelo social e de dramáticas pressões de vítimas da violência para apontar o desarmamento como solução para o combate à violência, ou pelo menos na sua redução. As palavras do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva nos reportam à diretriz norteadora do projeto do estatuto: “A paz é o ponto de partida e de chegada. É a linha demarcatória de qualquer sociedade. É preciso dar à paz o seu verdadeiro nome: justiça social” (Jornal O Povo, de 23 de dezembro de 2003.). Segundo o então Presidente, reafirmar a paz como prerrogativa social é o sentido profundo do Estatuto do Desarmamento. O Brasil vive, há muito, do anúncio de que a partir da edição de uma nova lei, os problemas viriam a desaparecer, ou pelo menos reduzir consideravelmente, o que fez com que vivenciássemos, ao longo de anos, mudanças constantes em nosso ordenamento. Porém, verifica-se também que os sequestros não diminuíram e os assassinatos brutais continuam a ocorrer. Enfim, o Brasil não se tornou um país melhor para se viver. Ou seja, essas políticas não contribuem para que um passeio pelas ruas seja mais seguro. O ambiente que se constitui no Brasil é o seguinte: [...] O desapontamento popular, acompanhado de um aumento seletivo na divulgação da criminalidade, com uma pitada de demagogia eleitoreira, são o combustível para o surgimento de novas leis, apresentadas como nova versão da penicilina, que são elaboradas, a toque de imprensa, sem a mínima racionalidade, em descompasso com o sistema (GARCIA, 2008, p. 151). O fato é que, quanto menor for a eficiência da norma e quanto maior se mostrar a frustração dos cidadãos em consequência dessa ineficiência, maior será a suplica por novas e mais rígidas leis penais. E o legislador brasileiro parece conhecer bem desta matemática. O hodierno diploma legal estreitou ainda mais a aquisição e o registro de armas de fogo, preservou a definição como crimes de várias condutas típicas e exasperou consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar, como amplamente discutido no item anterior. A distinção mais significativa entre a Lei n.° 9.437/97 e o Estatuto do Desarmamento talvez seja a pretensão deste último de promover o efetivo desarmamento da sociedade, suprimindo as chances do cidadão de portar ou possuir arma de fogo. O Estatuto pune o porte ilegal de arma de fogo, dificultando-se a comercialização desses instrumentos, com o objetivo de impossibilitar condutas violentas, confiando que, atuando preventivamente, o Estado será mais eficaz no combate à violência e à criminalidade. Como se nota, este era o mesmo objetivo perseguido pela Lei n.° 9.437/97. Com a nova lei, vem à pretensão de desarmar a população e retirar de circulação as armas de fogo que propiciam atos de violência, seja proibindo-se o porte, seja limitando-se drasticamente a fabricação, o comércio e o uso de armas de fogo, seja aumentando-se as penas cominadas aos crimes nela definidos. Enquanto da tramitação do projeto, o professor Luís Flávio Gomes já se mostrava insatisfeito com a possível nova lei, dizendo não haver necessidade de uma nova lei que proibisse a venda de arma e restringisse o registro e o porte: É tudo inútil. A lei que vem sendo aplicada (Lei n.° 9.437/97) em nosso País é rigorosa e provocou a diminuição da compra de armas em 92% (Jornal O Estado de S. Paulo, de 18 de julho de 2003). Para o jurista, é preciso combater a entrada e a venda de armas ilegais que estão em mãos dos criminosos: Deveriam criar leis para controlar a entrada e a venda de armas ilegais no País. As fronteiras deveriam ser fechadas (Jornal O Estado de S. Paulo, de 18 de julho de 2003). O Estado deve sim controlar a posse e a comercialização de armas de fogo, determinando regras e limites para tanto, não se omitindo, porém, que a violência e a destrutividade humana não serão reduzidas apenas com os intervenções pacíficas e clamores sociais. Desarmar a população é algo extremamente polêmico e divergente. Existem aqueles para os quais a arma não deveria sequer ser fabricada. Outros propugnam o armamento de todos os cidadãos, que têm direito legítimo de defender sua vida e de seu semelhante. Contrários e favoráveis ao Estatuto têm forte e oposta ideologia: um grupo defende que a segurança comum depende do desarmamento individual, e outro, que a liberdade para o armamento individual provê a melhor forma de segurança coletiva. Para os críticos do Estatuto, o Estado e seu aparato policial não conseguem garantir a segurança do cidadão. Argumentam, então, que privar o indivíduo do direito de se armar para sua autodefesa é o mesmo que abandoná-lo à mercê dos bandidos. Para esta turma, revólveres são como instrumentos de defesa, indispensáveis para a sociedade. Já os que defendem o Estatuto afirmam que o número de homicídios no país comprova que cidadãos armados contribuem para o aumento da violência, e assim, o Estatuto terá o poder de diminuir a criminalidade, reduzindo a circulação de armas. Para o pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, “o Estatuto aponta para o caminho correto, mas é tímido”. A intenção proposta pelo legislador foi ótima, mas, sozinha, não produzirá os verdadeiros efeitos desejados pela população nacional, que é a diminuição considerável da criminalidade. Este trabalho não tem como pretensão ir contrariamente à proposta do desarmamento. Só não se acredita que a nova lei possa, sozinha, diminuir visivelmente o nível de violência que existe e preocupa cada vez mais a sociedade, pouco adiantando a criação de novas regras que atuem no âmbito das armas legalizadas, quando a raiz do problema, assim acredita-se, está na enorme quantidade de armas ilegais circulando nas ruas brasileiras. Desarmar a população é o mesmo que facilitar, e isso pode expressar certo estímulo para ingressar na profissão do crime, ou mesmo intensificar a quantidade de atos delituosos (DAOUN, 2004, p. 29). Estima-se que de cerca de 20 milhões de armas que estão espalhadas pelo país, apenas 7 milhões teriam registro (Revista Super Interessante, 2004, p. 74), o que faz a tarefa do Estatuto ser ainda mais difícil ao proibir o clandestino. No tempo em que a sociedade se desarma, os bandidos avançam em seu armamento através das mesmas fontes que sempre se utilizaram: roubo, contrabando, fábricas clandestinas etc. Este é o risco trazido pelo Estatuto, deixar o bom cidadão desprotegido, enquanto os delinquentes continuarão usuários de armas para fins de destruição. Isto porque os cidadãos que vivem nos ditames da legalidade tenderão ao cumprimento da lei proibitiva da posse ou porte de arma. No entanto, aqueles que estão imantados por objetivos criminosos não relutarão em descumprir a regra proibitiva. As organizações criminosas preferem se utilizar do contrabando, que não restará afetado pela opção do legislador em proibir a posse de armas, combatendo a quadrilhas de grande gabarito e outras providências que ainda se espera que sejam tomadas (GARCIA, 2008, p. 54). Com isso, pode-se afirmar que a nova lei tem impacto muito pequeno sobre o chamado “crime organizado”, um mundo criminoso que não se abastece no mercado legal de armas, e sim do tráfico internacional, roubos e furtos contra detentores legais. Manifesta-se um dos fabricantes de armas (marca Taurus): Fiscalizar só uma das fontes, os cidadãos civis, jamais enfrentará o problema em seu foco principal, dada a absoluta inépcia do governo em acabar com o contrabando. Leis que eliminam o porte e a posse para pessoas comuns têm apenas o efeito de mudar o equilíbrio relativo de forças entre criminosos e o resto da população. A favor dos primeiros, claro (Revista Super Interessante, 2004, p. 79). Na opinião do sociólogo Túlio Kahn, ao tirar armas de circulação do país, a lei deve diminuir os crimes cometidos em situações como brigas de bar e discussões no trânsito (Jornal Folha de S. Paulo, 2004, s.p). A observação acima citada pode ser contemplada nos casos em que, pela vivência em um cenário de violência, pessoas não sujeitas às práticas criminosas, podem se tornar vítimas de suas próprias ações quando possuidoras de arma de fogo. Indivíduos sem caráter violento, mas que no impulso de uma discussão mais acalorada no trânsito, em casa, no bar, acabam por vitimar terceiros pela utilização da arma de fogo. O bloco que sustenta o movimento antiarmas defende a posição de que boa parte dos crimes seja “interpessoal”, ou seja, briga de família, pendenga de vizinhos, bebedeira de fim de semana ou amores frustrados. Sendo bem aplicado, o Estatuto poderá combater este tipo específico de crime, chamado homicídios por causas fúteis. Se o Estatuto do Desarmamento só tirasse os revólveres das mãos dos cidadãos de bem, como alegam os contrários a ele, já estariam reduzindo muito a taxa de homicídios (Revista Super Interessante, 2004, p. 78). Sendo exclusivamente em razão desses casos que se vislumbra a ideia de desarmar a população civil, o faz muito bem. Porém, não são tais tipos de situação que afligem toda uma população. Tais movimentos da sociedade civil, a favor do desarmamento, demonstram a consciência e preocupação de seus membros em conter a escalada da violência e justificam-se pelo elevado índice de “vitimados da fatalidade” e “vitimados pela fatalidade”, inocentes que morrem com o disparo da arma de fogo num piscar de olhos por motivos que sempre serão considerados banais, se comparados à vida humana (DAOUN, 2004, s. p). Porém, não convence a ideia de que pessoas são mortas por conhecidos, pelo simples fato de que, por “conhecidos”, entende-se uma categoria bastante ampla. Por um lado o Estatuto almeja evitar homicídios que não ocorreriam não fosse o acesso à arma, de outro deixa a sensação de desamparo naqueles que buscam se armar como forma de adquirir a segurança que o Estado não lhe transmite (DAOUN, 2004, s. p). O grande equívoco do Estatuto do Desarmamento é estabelecer uma relação direta entre o comércio e o porte de armas e o aumento da violência. Se isso fosse verdade, claro, a solução seria bem simples. Bastaria proibir a venda de armas, porque assim elas deixariam de ser utilizadas e os crimes violentos não poderiam mais ser cometidos. Estudos preliminares afirmam que circulam no Brasil vinte milhões de armas ilegais e apenas dois milhões de armas registradas. Ou seja, a proibição ao comércio afetaria menos de 10% do total. E o que é pior: justamente a parte que corresponde aos cidadãos comuns, que as utilizam apenas como meio de defesa contra os bandidos (FLEURY, 2003, s. p). Seguindo este raciocínio, esta simples relação que se firmou entre comércio e porte de arma com o acréscimo da violência deve ser abolido. As causas da violência são inúmeras, entre elas, o problema das armas clandestinas e o tráfico internacional de armas, já apresentadas no decorrer do presente trabalho. Entretanto, se estes problemas não forem investigados e solucionados, não há possibilidade de se falar em diminuição da criminalidade. Só se pode lamentar a visão estreita e o oportunismo, carregado com certo populismo, daqueles que assumem publicamente, vangloriando-se, a responsabilidade pela autoria e aprovação desse inoportuno Estatuto, que não só não favorece a sociedade, como gera novos obstáculos e ciladas legais para o cidadão que, exercendo direitos constitucionais, tenha a propriedade com o registro regular de alguma arma de fogo. Esquece-se de que não se acabará com a violência e a insegurança por decreto, punindo, erroneamente a vítima dessa situação (TAVARES, 2004, p. 4). Fernando Castelo Branco traz uma solução para os cidadãos que necessitam de proteção, quando o que se vê a cada dia é a insegurança pública. Apesar da Lei n°. 10.826/03 apregoar o desarmamento da população e, paradoxalmente, não trazer forma eficaz para desarmar o criminoso, mantém o direito do cidadão abastado de se valer das empresas de segurança privada (artigo 6º, VI Lei n° 10.826/03) para preservar sua tranquilidade (DAOUN, 2004, p. 138). Finalmente, o Estatuto do Desarmamento ocasionou a possibilidade da sociedade se manifestar, decidindo, em Referendo Popular previsto no parágrafo 1º do seu artigo 35, sobre a proibição da venda de armas à população. Ele previu uma consulta popular sobre os rumos da legislação que regulamenta o comércio de armas no país. Este é um dos pontos mais polêmicos do Estatuto. Tendo em vista que o mesmo já fora aprovado, a eficácia da medida dependerá não apenas de se estancar o fluxo de novas vendas, mas, sobretudo, das formas de estancar o fluxo clandestino e diminuir o estoque ilegal. O que de fato não ocorreu. Portanto, o sucesso da nova legislação está estritamente condicionado ao controle dos proprietários legais remanescentes e às políticas de contenção e de diminuição progressiva do estoque ilegal de armas. “Isso é inconstitucional. Fere o direito de propriedade”, argumenta o advogado Antônio Carlos Garcia, da diretoria da Associação Paulista de Defesa dos Direitos e Liberdades Individuais (APADDI). No tocante a devolução indenizada, prevista nos artigos 31 e 32 do Estatuto, esta tem se mostrado como um dos mecanismos mais eficazes para a diminuição das armas em poder das pessoas de bem, é claro. Verifica-se, de fato, que muitas das armas entregues têm seu valor de mercado reduzido, mas a ideia tem sido bem vista e aceita pelas pessoas que têm agora um incentivo para a entrega de armas de fogo. Pela lógica trazida pelo Estatuto, quanto menos armas nas mãos da população, mais chances da taxa de homicídios ser reduzida. Esta é a esperança que o Estatuto (e, por que não dizer, todas as demais legislações a respeito) quis trazer à sociedade, cabendo a todo um país, aguardar por uma queda de números que dificilmente ocorrerá simplesmente por força desta lei, como de fato está ocorrendo. Por amor à verdade, é preciso que se diga, para que não se crie uma esperança exagerada quanto aos efeitos possíveis da nova lei, que dentre os benefícios, não se encontrará qualquer prejuízo ao crime organizado, nem apresentando uma maneira eficaz de desarmar os criminosos, tornando-se, mais uma vez, ineficaz na tão esperada diminuição da criminalidade no Brasil. Não se desconsidera que a questão da violência não diminuirá unicamente pela edição de uma lei restringindo o uso de armas de fogo. A violência tem causas complexas e desarmar a população, por si só, não acabará com ela. Combate à corrupção epidêmica nas polícias, com rigorosa fiscalização externa do Ministério Público, melhor remuneração dos policiais, investigação de alguns crimes pelo Ministério Público, construção de penitenciárias federais de segurança máxima, terceirização da administração prisional, uso da polícia federal nos crimes mais graves, estes são alguns exemplos de mudança que podem ajudar neste combate à criminalidade. Ações primárias de prevenção (que vão à raiz do problema: prevenção em algumas áreas geográficas, arquitetônica, comunitária, vitimária etc.), complementadas pelas secundárias (criação de dificuldades para o delito: mais policiais, mais eficiência da Justiça etc.) e terciárias (diminuição drástica da reincidência, ressocialização do preso etc.), abrem, finalmente, uma nova e promissora perspectiva de busca de solução para o gravíssimo problema da insegurança pública. O Estatuto trouxe inovações e mudanças legislativas, mas não trará, por si só, mudanças no rumo da violência. Assim, a população vive na perseguida, desarmada e presa por grades, cercas elétricas, alarmes, tudo isso em suas próprias casas, quem dirá nas ruas. Enquanto os criminosos (diversos) andam soltos nas ruas a procura de suas próximas vítimas, aumentando assim, de forma geométrica, o número de latrocínios, roubos, sequestros, etc, em todos os lugares. O cidadão nas ruas ou em sua própria casa virou, literalmente falando, um alvo. Alvo este que tem que ser um atleta, para não dizer mágico, a fim de se esquivar das balas perdidas. Um alvo que tem que optar por dar apoio aos criminosos sob pena de sofrer consequências, como a própria morte. Um alvo no seu veículo ultrapassando sinais de trânsito e sendo penalizado por tal ato, a fim de não ser sequestrado ou assaltado. Um alvo desarmado sem direito a própria defesa em desfavor do infrator fortemente armado. Um alvo que tem que contratar segurança privada para assim prolongar os seus anos de vida. Um alvo que tem que ao final, agradecer o delinquente por apenas subtrair bens materiais. Um alvo esperando, a todo tempo, a atuação da polícia a fim de lhe salvar. Enquanto isso não acontece, registram-se as sábias palavras do Ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, hoje advogado e escritor: Desarmar as vítimas é dar segurança aos facínoras [...]. O cidadão de bem tem o direito de possuir uma arma para se defender dos criminosos [...]. Os bandidos já se sentem muito mais seguros para atacar os pobres, os trabalhadores e os homens de bem, porque sabem que provavelmente irão enfrentar pessoas desarmadas [...]. Uma sociedade em que apenas a polícia e os facínoras podem estar armados não é e nem será uma sociedade democrática [...] (BIERRENBACH, 2003, s.p). Para finalizar, em visão crítica aos políticos demagogos de nosso País, o Deputado Romeu Tuma afirma que “enquanto políticos e governantes não entenderem que devemos ter uma política de segurança e não uma segurança política, o crime vai vencer 99 das 100 batalhas”. Nesta busca por dias melhores, dias de paz, a palavra de ordem deve ser mudança. Mudança de pensamento, de ações, de consciência. Mudanças que realmente poderão fazer a diferença, e fazer deste, um País melhor para se viver. Para que esta mudança efetivamente ocorra, espera-se, da mesma forma, um envolvimento efetivo da sociedade, como a Carta Constitucional expressamente prevê em seu artigo 144, “a segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo de todo o trabalho foi observado que a retirada do direito da população de possuir e portar armas, incluindo até mesmo a política de forte restrição ao comércio de armas, não indica a propriedade de assim reduzir a criminalidade, ou mais especificamente em reduzir o número de homicídios. As argumentações utilizadas em favor do desarmamento revelaram-se equivocadas, inverídicas ou pouco confiáveis. As políticas de desarmamento não demonstraram significativos benefícios. Ao contrário, não foram poucos os prejuízos que essas políticas apresentam aos direitos fundamentais à liberdade, vida, segurança, vez que compromete seriamente o exercício da legítima defesa. Tampouco houve verificação de ser o desarmamento da população estritamente necessário para o fim que objetiva, haja vista a observação de uma grande quantidade de medidas possíveis e relevantes que poderiam ser empregadas. Novas leis sempre foram editadas com a promessa e a esperança de que o quadro caótico fosse equacionado e controlado. Porém, a violência não para de se agravar e a solução nunca aparece. Onde estaria o erro neste processo? O erro reside no simbolismo. A questão da criminalidade sempre foi tratada com leis simbólicas - as chamadas “leis de combate” – cuja função seria acalmar a população por um determinado período de tempo, não se constituindo como um instrumento eficaz no combate e punição do crime. Por fim, diante de todos os problemas e verificado que o desarmamento da população, como lei, não atendeu a qualquer um dos três subprincípios da proporcionalidade, ou seja, é uma lei em que não se mostrou ser adequada, necessária e nem proporcional em sentido estrito, cabe concluir pela sua ineficácia. REFERÊNCIAS AGÊNCIA FOLHA. Após 3 meses, ainda há controvérsia. Folha de S. Paulo, São Paulo, mar 2004. Disponível em: <http://www1.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u91686.shtml>. Acesso em: 25 abr 2014; BIERRENBACH, Flávio Flores da Cunha. Armas de Fogo e Cidadania. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 02 mai 2014; BRASIL, Lei n.º 8.072/90. Disponível em: <http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm.htm>. Acesso em: 10 mai 2014; BRASIL, Lei n.º 9.437 de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm>. Acesso em: 17 abr 2014; BRASIL, Lei n.º 10.826/02. 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