ARMAS DE FOGO: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO RESTRITIVA

Transcrição

ARMAS DE FOGO: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO RESTRITIVA
ARMAS DE FOGO: A INEFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO RESTRITIVA
Rodrigo Simonato Sella
Jordana Boldori
Dakari Fernandes Tessmann
RESUMO
O Brasil passou por significativas alterações legislativas quanto à restrição do uso de
armas de fogo, visando sempre à redução no índice de violência e de homicídios no
país. Desde a hipótese da criação da Lei 9.437/97 Lei das armas de fogo, até hoje a
população anseia dias de paz. O índice de homicídios aumentou relativamente nos anos
seguintes da promulgação do Estatuto do Desarmamento. É bem verdade que houve
uma pequena diminuição nas mortes com o uso de armas de fogo, porém pode-se
concluir que para cometer esse tipo de crime também foram empregados outros meios,
como o uso armas brancas, por exemplo. O que se deve entender é que existem diversas
outras formas para diminuir ou reduzir a violência, como uma fiscalização mais rígida
nas fronteiras, lugar por onde entram a maioria das armas de fogo no país, e que são
adquiridas facilmente no mercado negro. Ademais, também deve ser levado em
consideração uma reforma no Código Penal vigente. Portanto, os cidadãos de bem estão
cada dia mais oprimidos, indefesos e impossibilitados de reagir perante a violência e o
abuso de bandidos fortemente armados, diante da ineficácia do Estatuto do
Desarmamento para o fim a que foi criado.
Palavras-chave: Desarmamento. Ineficácia. Legislação. Homicídios.
ABSTRACT
The Brazil has undergone major changes in your legislation about the restriction of the
use of firearms, in intention to reduce the level of violence and murder in the country.
Since the chances of creation of the law until today, the population expected days of
Peace. The homicide rate increased relatively in the years after the enactment of the
Statute of Disarmament. It is true that there was small reduction in homicides with
firearms, but we can conclude that for practice this crime other means was used, like
cold steel. What we must understand is that there are several ways for combat the
violence, with better border control that are where most firearms in the country coming
from, and are easily acquired on the clandestine trade. Should also being considered a
reform in our penal code. In other words, the good people are increasingly oppressed
and defenseless to react before the violence and abuse of heavily armed bandits, against
the ineffectiveness of the Disarmament Statute.
Keywords: Violence. Estatute. Disarmament. Homicides.
INTRODUÇÃO
O legislador, por forte pressão da mídia e de grupos a favor do desarmamento e,
impulsionado em dar alguma resposta ao apelo da população em frenar o alto índice de

Bacharel em Direito, formado em Direito pela Faculdade de Alta Floresta
Advogada, Especialista em Direito, professora na FADAF

Advogado, Especialista em Direito, professor na FADAF

violência no país, publicou em 2003 o Estatuto do Desarmamento. Ele tinha com a
finalidade de censurar o comércio de armas de fogo e munição à população comum,
restringindo esse direito a um selecionado rol enumerado na respectiva lei, sob a parca
justificativa de que a medida era importante e necessária para redução da criminalidade,
sobretudo para a diminuição do número de homicídios praticados no País.
Adiante se demonstrará que o discurso do desarmamento é excessivamente
preconceituoso e falacioso em relação à posse e ao porte de armas de fogo e carregado
de enormes prejuízos à sociedade, pois vai de encontro aos direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal, negando os direitos à legítima defesa e graves
problemas que daí decorrem.
Ademais, o governo dos estados em conjunto com o federal tem o poder dever de
dar segurança para toda a população, sendo que é tutelado pela Constituição Federal, em
seu artigo 144, que a segurança pública, é um dever do Estado, sendo direito e
responsabilidade de todos.
As armas de fogo, espécie de material bélico, estão intimamente relacionadas com
a segurança pública, competindo a União, por esse motivo autorizar e fiscalizar a sua
produção e comércio, também criar diplomas legais que possam regular e banir atos
ilegais relacionados a esse assunto.
Ressalta-se a importância e relevância do assunto, que nos dias de hoje é
lembrado, e constantemente debatido, pois mesmo com o governo tomando medidas e
criando diplomas legais para o controle de armas, ainda assim tem-se um grande arsenal
no poder de bandidos.
Portanto, o presente trabalho tem como objetivo analisar os prejuízos provenientes
do desarmamento da população e reveladas falácias que envolvem o tema. Ficando em
evidência que o projeto de desarmamento estudado e executado pelo Governo Federal
desde 2003 demonstra ser no âmago do seu curso uma ação derrotada e inócua que age
infrutuosamente na tentativa de reduzir a criminalidade no país e deixa cada vez mais a
população órfã de proteção.
1 O ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Durante o ano de 1990 tramitaram na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, vários projetos de lei de controle de armas, mas o mais expressivo foi o projeto
defendido pelo senador Renan Calheiros (Projeto de Lei n.º 292), primeiramente
apresentado em 1997, e que evoluiu para a atual lei de controle de armas confirmada no
final de 2003, o chamado Estatuto do Desarmamento.
O Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826) foi aprovado definitivamente em 09
de dezembro de 2003, após meses de debate público sobre a importância da formação
de um sistema mais severo e concentrado de controle de armas de fogo.
A alegação mais robusta contra o projeto, defendida com totalidade pelas
federações e grupos de caçadores, atiradores, colecionadores e apreciadores das armas
de fogo, dizia que afunilar o controle das armas que são compradas legalmente por civis
não iria reduzir a violência armada que assola o país (FRANCO, 2012, p. 354).
Ainda assim, em inúmeras diligências de opinião, a população brasileira mostrouse a favor de um controle mais severo do porte e da posse de arma de fogo, bem como
do comércio dos produtos controlados.
1.1 OS EFEITOS DA LEI N.º 10.826/2003
No final da década de 80, surgiu no Brasil um problema de longa duração, que
agravou muito a segurança pública em todo o território nacional, sendo até hoje em dia
debatido. A epidemia de armas de fogo nas mãos de bandidos, e de todos os calibres,
fez com que os criminosos percebessem que se encontravam com poder acima do
Estado, cometendo a cada dia crimes mais ousados.
Como na época o registro e controle de armas eram feitos pelas organizações
policiais de cada Estado, de maneira rudimentar, sem nenhuma infraestrutura
tecnológica que pudesse dar a integração entre esses sistemas, fez com que ocorresse
essa grande dificuldade no controle de armas, chamando a atenção do governo que criou
dispositivos, a fim de regular e integrar o controle de armas no país.
Nasce assim, depois das mais variadas espécies normativas que disciplinavam
sobre armas de fogo, o Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826, de 22 de dezembro
de 2003). O diploma legal restringiu ainda mais a aquisição e o registro de armas de
fogo, preservou a definição como crimes de diversas condutas típicas e exasperou
consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar.
Verifica-se, portanto, que essencialmente a mesma preocupação que moveu o
atual legislador ao elaborar e aprovar o Estatuto do Desarmamento induziu o legislador
de mais de meio século atrás. Buscava-se diminuir a violência não só a punindo, mas
punindo com igualdade, como forma de prevenção, as condutas que pudessem
possibilitar sua ocorrência.
É nesse sentido que o Estatuto do Desarmamento tem provocado em todos os
setores da sociedade, as mais diversas opiniões. A maneira como tem sido
recepcionado, independentemente do nível, classe social ou orientação política, difere
plenamente.
Notoriamente que os grupos genuinamente afetados pelo Estatuto, tais como, a
polícia, o judiciário, as empresas de segurança particulares, divergem em suas opiniões.
Mas o que não se pode é distanciar da realidade fática em que o Brasil se encontra.
Reservou-se, portanto, para tratar da ineficácia do Estatuto do Desarmamento
correlacionado diretamente com os fundamentos que o tornaram vigente (redução da
criminalidade).
2.1 A Ineficácia na Redução da Criminalidade
Diante de uma situação assídua de conflito entre divergentes grupos políticos
surge uma lei cuja perspectiva de ineficácia emerge do seu próprio conteúdo.
O Estatuto anseia reduzir os índices de criminalidade no país a partir da imposição
de obstáculos na aquisição de armas de fogo por parte da sociedade civil.
Ao mesmo tempo em que o Estatuto trouxe expectativa para uma população
aprisionada pelo pânico da violência, em especial nas grandes metrópoles, veio
acompanhado de dúvidas sobre a real eficácia do desarmamento civil na criação de um
país mais seguro e com baixos índices de criminalidade, especial ponto em que as
opiniões a respeito do novo diploma legal divergem.
Pelo fato da alegação da Lei n.° 9.437/97, a chamada “Lei das Armas de Fogo”
conter inúmeros erros, o legislador achou por bem criar a Lei n.° 10.826/02 (Estatuto do
Desarmamento) em vigor, dispondo sobre o registro, porte e comercialização de armas
de fogo, caracterizando delitos e regularizando mais uma vez o SINARM, ab-rogando a
Lei n.° 9.437/97.
O Estatuto, como se nota pela rapidez com que foi promulgado, teve sua
elaboração fundada em um anseio de mostrar à população nacional e ao mundo a
preocupação dos governantes e legisladores a respeito da violência que imperava no
território nacional.
Vale aqui ressaltar, que se está diante de um exemplo de lei simbólica (NEVES,
2011, p. 50). De acordo com o este autor, a legislação simbólica se caracteriza pelo
predomínio da função simbólica da lei em prejuízo de sua efetividade.
Em uma primeira interpretação, legislação simbólica busca confirmar os valores
sociais de determinada classe em detrimento da outra, sendo que essa confirmação se
torna verdadeira “vitória legislativa” de um grupo sobre o outro. Num segundo
momento, a lei objetiva demonstrar a capacidade de reação do Estado a determinadas
crises sociais, a fim de assegurar a confiança da população nos sistemas jurídico e
político. Daí se falar em “leis de luta” ou “leis de combate”, como é comumente
conhecida a lei simbólica.
Há de se notar que o Estatuto do Desarmamento nasce para tentar regulamentar
determinada situação de caos social. Diante de certa insatisfação da sociedade, a
legislação álibi aparece como uma resposta pronta e rápida do governo e do Estado
(NEVES, 2011, p.52).
Pode-se citar como exemplo a Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), que
apesar de sua rispidez não conseguiu diminuir a prática de crimes assim definidos.
Ainda, a legislação simbólica também pode servir para adiar a solução de
conflitos sociais através de compromissos dilatórios. Desse modo, ambas as partes
tranquilizam seu espírito: primeiro pela edição da lei, que assegura resolver a situação;
segundo pela sua ineficácia prospectiva, jamais produzindo os efeitos desejados,
transferindo para um futuro incerto a resolução do debate.
De outro modo, a edição da lei atendeu aqueles contrários ao porte de, por outro,
devido à insuficiente e ineficiente fiscalização, continua a permitir o porte clandestino
de armas, transferindo para um momento futuro e incerto novo debate acerca da
matéria.
Note-se que, em primeiro momento, o objetivo da lei era desarmar a população
para assim, diminuir a violência. O que se questiona ao longo do presente trabalho, é se
de fato a finalidade foi atingida.
A busca pela pacificação social foi o ponto de partida para a formulação da lei.
Havia um anseio da sociedade e dos meios de comunicação por um desarmamento geral
da população, o que deveria incluir, sobretudo, criminosos e homicidas. Governantes se
aproveitaram deste momento de apelo social e de dramáticas pressões de vítimas da
violência para apontar o desarmamento como solução para o combate à violência, ou
pelo menos na sua redução.
As palavras do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva nos
reportam à diretriz norteadora do projeto do estatuto: “A paz é o ponto de partida e de
chegada. É a linha demarcatória de qualquer sociedade. É preciso dar à paz o seu
verdadeiro nome: justiça social” (Jornal O Povo, de 23 de dezembro de 2003.). Segundo
o então Presidente, reafirmar a paz como prerrogativa social é o sentido profundo do
Estatuto do Desarmamento.
O Brasil vive, há muito, do anúncio de que a partir da edição de uma nova lei, os
problemas viriam a desaparecer, ou pelo menos reduzir consideravelmente, o que fez
com que vivenciássemos, ao longo de anos, mudanças constantes em nosso
ordenamento. Porém, verifica-se também que os sequestros não diminuíram e os
assassinatos brutais continuam a ocorrer. Enfim, o Brasil não se tornou um país melhor
para se viver. Ou seja, essas políticas não contribuem para que um passeio pelas ruas
seja mais seguro.
O ambiente que se constitui no Brasil é o seguinte:
[...] O desapontamento popular, acompanhado de um aumento seletivo na
divulgação da criminalidade, com uma pitada de demagogia eleitoreira, são o
combustível para o surgimento de novas leis, apresentadas como nova versão
da penicilina, que são elaboradas, a toque de imprensa, sem a mínima
racionalidade, em descompasso com o sistema (GARCIA, 2008, p. 151).
O fato é que, quanto menor for a eficiência da norma e quanto maior se mostrar a
frustração dos cidadãos em consequência dessa ineficiência, maior será a suplica por
novas e mais rígidas leis penais. E o legislador brasileiro parece conhecer bem desta
matemática.
O hodierno diploma legal estreitou ainda mais a aquisição e o registro de armas de
fogo, preservou a definição como crimes de várias condutas típicas e exasperou
consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar, como
amplamente discutido no item anterior.
A distinção mais significativa entre a Lei n.° 9.437/97 e o Estatuto do
Desarmamento talvez seja a pretensão deste último de promover o efetivo
desarmamento da sociedade, suprimindo as chances do cidadão de portar ou possuir
arma de fogo.
O Estatuto pune o porte ilegal de arma de fogo, dificultando-se a comercialização
desses instrumentos, com o objetivo de impossibilitar condutas violentas, confiando
que, atuando preventivamente, o Estado será mais eficaz no combate à violência e à
criminalidade. Como se nota, este era o mesmo objetivo perseguido pela Lei n.°
9.437/97.
Com a nova lei, vem à pretensão de desarmar a população e retirar de circulação
as armas de fogo que propiciam atos de violência, seja proibindo-se o porte, seja
limitando-se drasticamente a fabricação, o comércio e o uso de armas de fogo, seja
aumentando-se as penas cominadas aos crimes nela definidos.
Enquanto da tramitação do projeto, o professor Luís Flávio Gomes já se mostrava
insatisfeito com a possível nova lei, dizendo não haver necessidade de uma nova lei que
proibisse a venda de arma e restringisse o registro e o porte: É tudo inútil. A lei que vem
sendo aplicada (Lei n.° 9.437/97) em nosso País é rigorosa e provocou a diminuição da
compra de armas em 92% (Jornal O Estado de S. Paulo, de 18 de julho de 2003).
Para o jurista, é preciso combater a entrada e a venda de armas ilegais que estão
em mãos dos criminosos: Deveriam criar leis para controlar a entrada e a venda de
armas ilegais no País. As fronteiras deveriam ser fechadas (Jornal O Estado de S. Paulo,
de 18 de julho de 2003).
O Estado deve sim controlar a posse e a comercialização de armas de fogo,
determinando regras e limites para tanto, não se omitindo, porém, que a violência e a
destrutividade humana não serão reduzidas apenas com os intervenções pacíficas e
clamores sociais.
Desarmar a população é algo extremamente polêmico e divergente. Existem
aqueles para os quais a arma não deveria sequer ser fabricada. Outros propugnam o
armamento de todos os cidadãos, que têm direito legítimo de defender sua vida e de seu
semelhante.
Contrários e favoráveis ao Estatuto têm forte e oposta ideologia: um grupo
defende que a segurança comum depende do desarmamento individual, e outro, que a
liberdade para o armamento individual provê a melhor forma de segurança coletiva.
Para os críticos do Estatuto, o Estado e seu aparato policial não conseguem
garantir a segurança do cidadão. Argumentam, então, que privar o indivíduo do direito
de se armar para sua autodefesa é o mesmo que abandoná-lo à mercê dos bandidos. Para
esta turma, revólveres são como instrumentos de defesa, indispensáveis para a
sociedade.
Já os que defendem o Estatuto afirmam que o número de homicídios no país
comprova que cidadãos armados contribuem para o aumento da violência, e assim, o
Estatuto terá o poder de diminuir a criminalidade, reduzindo a circulação de armas.
Para o pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro, do Núcleo de Estudos da Violência da
USP, “o Estatuto aponta para o caminho correto, mas é tímido”. A intenção proposta
pelo legislador foi ótima, mas, sozinha, não produzirá os verdadeiros efeitos desejados
pela população nacional, que é a diminuição considerável da criminalidade.
Este trabalho não tem como pretensão ir contrariamente à proposta do
desarmamento. Só não se acredita que a nova lei possa, sozinha, diminuir visivelmente
o nível de violência que existe e preocupa cada vez mais a sociedade, pouco adiantando
a criação de novas regras que atuem no âmbito das armas legalizadas, quando a raiz do
problema, assim acredita-se, está na enorme quantidade de armas ilegais circulando nas
ruas brasileiras.
Desarmar a população é o mesmo que facilitar, e isso pode expressar certo
estímulo para ingressar na profissão do crime, ou mesmo intensificar a quantidade de
atos delituosos (DAOUN, 2004, p. 29).
Estima-se que de cerca de 20 milhões de armas que estão espalhadas pelo país,
apenas 7 milhões teriam registro (Revista Super Interessante, 2004, p. 74), o que faz a
tarefa do Estatuto ser ainda mais difícil ao proibir o clandestino.
No tempo em que a sociedade se desarma, os bandidos avançam em seu
armamento através das mesmas fontes que sempre se utilizaram: roubo, contrabando,
fábricas clandestinas etc.
Este é o risco trazido pelo Estatuto, deixar o bom cidadão desprotegido, enquanto
os delinquentes continuarão usuários de armas para fins de destruição.
Isto porque os cidadãos que vivem nos ditames da legalidade tenderão ao
cumprimento da lei proibitiva da posse ou porte de arma. No entanto, aqueles que estão
imantados por objetivos criminosos não relutarão em descumprir a regra proibitiva.
As organizações criminosas preferem se utilizar do contrabando, que não restará
afetado pela opção do legislador em proibir a posse de armas, combatendo a quadrilhas
de grande gabarito e outras providências que ainda se espera que sejam tomadas
(GARCIA, 2008, p. 54).
Com isso, pode-se afirmar que a nova lei tem impacto muito pequeno sobre o
chamado “crime organizado”, um mundo criminoso que não se abastece no mercado
legal de armas, e sim do tráfico internacional, roubos e furtos contra detentores legais.
Manifesta-se um dos fabricantes de armas (marca Taurus): Fiscalizar só uma das
fontes, os cidadãos civis, jamais enfrentará o problema em seu foco principal, dada a
absoluta inépcia do governo em acabar com o contrabando. Leis que eliminam o porte e
a posse para pessoas comuns têm apenas o efeito de mudar o equilíbrio relativo de
forças entre criminosos e o resto da população. A favor dos primeiros, claro (Revista
Super Interessante, 2004, p. 79).
Na opinião do sociólogo Túlio Kahn, ao tirar armas de circulação do país, a lei
deve diminuir os crimes cometidos em situações como brigas de bar e discussões no
trânsito (Jornal Folha de S. Paulo, 2004, s.p).
A observação acima citada pode ser contemplada nos casos em que, pela vivência
em um cenário de violência, pessoas não sujeitas às práticas criminosas, podem se
tornar vítimas de suas próprias ações quando possuidoras de arma de fogo.
Indivíduos sem caráter violento, mas que no impulso de uma discussão mais
acalorada no trânsito, em casa, no bar, acabam por vitimar terceiros pela utilização da
arma de fogo.
O bloco que sustenta o movimento antiarmas defende a posição de que boa parte
dos crimes seja “interpessoal”, ou seja, briga de família, pendenga de vizinhos,
bebedeira de fim de semana ou amores frustrados. Sendo bem aplicado, o Estatuto
poderá combater este tipo específico de crime, chamado homicídios por causas fúteis.
Se o Estatuto do Desarmamento só tirasse os revólveres das mãos dos cidadãos de
bem, como alegam os contrários a ele, já estariam reduzindo muito a taxa de homicídios
(Revista Super Interessante, 2004, p. 78).
Sendo exclusivamente em razão desses casos que se vislumbra a ideia de
desarmar a população civil, o faz muito bem. Porém, não são tais tipos de situação que
afligem toda uma população.
Tais movimentos da sociedade civil, a favor do desarmamento, demonstram a
consciência e preocupação de seus membros em conter a escalada da violência e
justificam-se pelo elevado índice de “vitimados da fatalidade” e “vitimados pela
fatalidade”, inocentes que morrem com o disparo da arma de fogo num piscar de olhos
por motivos que sempre serão considerados banais, se comparados à vida humana
(DAOUN, 2004, s. p).
Porém, não convence a ideia de que pessoas são mortas por conhecidos, pelo
simples fato de que, por “conhecidos”, entende-se uma categoria bastante ampla.
Por um lado o Estatuto almeja evitar homicídios que não ocorreriam não fosse o
acesso à arma, de outro deixa a sensação de desamparo naqueles que buscam se armar
como forma de adquirir a segurança que o Estado não lhe transmite (DAOUN, 2004, s.
p).
O grande equívoco do Estatuto do Desarmamento é estabelecer uma relação direta
entre o comércio e o porte de armas e o aumento da violência. Se isso fosse verdade,
claro, a solução seria bem simples. Bastaria proibir a venda de armas, porque assim elas
deixariam de ser utilizadas e os crimes violentos não poderiam mais ser cometidos.
Estudos preliminares afirmam que circulam no Brasil vinte milhões de armas ilegais e
apenas dois milhões de armas registradas. Ou seja, a proibição ao comércio afetaria
menos de 10% do total. E o que é pior: justamente a parte que corresponde aos cidadãos
comuns, que as utilizam apenas como meio de defesa contra os bandidos (FLEURY,
2003, s. p).
Seguindo este raciocínio, esta simples relação que se firmou entre comércio e
porte de arma com o acréscimo da violência deve ser abolido. As causas da violência
são inúmeras, entre elas, o problema das armas clandestinas e o tráfico internacional de
armas, já apresentadas no decorrer do presente trabalho.
Entretanto, se estes problemas não forem investigados e solucionados, não há
possibilidade de se falar em diminuição da criminalidade.
Só se pode lamentar a visão estreita e o oportunismo, carregado com certo
populismo, daqueles que assumem publicamente, vangloriando-se, a responsabilidade
pela autoria e aprovação desse inoportuno Estatuto, que não só não favorece a
sociedade, como gera novos obstáculos e ciladas legais para o cidadão que, exercendo
direitos constitucionais, tenha a propriedade com o registro regular de alguma arma de
fogo. Esquece-se de que não se acabará com a violência e a insegurança por decreto,
punindo, erroneamente a vítima dessa situação (TAVARES, 2004, p. 4).
Fernando Castelo Branco traz uma solução para os cidadãos que necessitam de
proteção, quando o que se vê a cada dia é a insegurança pública.
Apesar da Lei n°. 10.826/03 apregoar o desarmamento da população e,
paradoxalmente, não trazer forma eficaz para desarmar o criminoso, mantém o direito
do cidadão abastado de se valer das empresas de segurança privada (artigo 6º, VI Lei n°
10.826/03) para preservar sua tranquilidade (DAOUN, 2004, p. 138).
Finalmente, o Estatuto do Desarmamento ocasionou a possibilidade da sociedade
se manifestar, decidindo, em Referendo Popular previsto no parágrafo 1º do seu artigo
35, sobre a proibição da venda de armas à população. Ele previu uma consulta popular
sobre os rumos da legislação que regulamenta o comércio de armas no país.
Este é um dos pontos mais polêmicos do Estatuto. Tendo em vista que o mesmo já
fora aprovado, a eficácia da medida dependerá não apenas de se estancar o fluxo de
novas vendas, mas, sobretudo, das formas de estancar o fluxo clandestino e diminuir o
estoque ilegal. O que de fato não ocorreu.
Portanto, o sucesso da nova legislação está estritamente condicionado ao controle
dos proprietários legais remanescentes e às políticas de contenção e de diminuição
progressiva do estoque ilegal de armas.
“Isso é inconstitucional. Fere o direito de propriedade”, argumenta o advogado
Antônio Carlos Garcia, da diretoria da Associação Paulista de Defesa dos Direitos e
Liberdades Individuais (APADDI).
No tocante a devolução indenizada, prevista nos artigos 31 e 32 do Estatuto, esta
tem se mostrado como um dos mecanismos mais eficazes para a diminuição das armas
em poder das pessoas de bem, é claro. Verifica-se, de fato, que muitas das armas
entregues têm seu valor de mercado reduzido, mas a ideia tem sido bem vista e aceita
pelas pessoas que têm agora um incentivo para a entrega de armas de fogo.
Pela lógica trazida pelo Estatuto, quanto menos armas nas mãos da população,
mais chances da taxa de homicídios ser reduzida. Esta é a esperança que o Estatuto (e,
por que não dizer, todas as demais legislações a respeito) quis trazer à sociedade,
cabendo a todo um país, aguardar por uma queda de números que dificilmente ocorrerá
simplesmente por força desta lei, como de fato está ocorrendo.
Por amor à verdade, é preciso que se diga, para que não se crie uma esperança
exagerada quanto aos efeitos possíveis da nova lei, que dentre os benefícios, não se
encontrará qualquer prejuízo ao crime organizado, nem apresentando uma maneira
eficaz de desarmar os criminosos, tornando-se, mais uma vez, ineficaz na tão esperada
diminuição da criminalidade no Brasil.
Não se desconsidera que a questão da violência não diminuirá unicamente pela
edição de uma lei restringindo o uso de armas de fogo. A violência tem causas
complexas e desarmar a população, por si só, não acabará com ela. Combate à
corrupção epidêmica nas polícias, com rigorosa fiscalização externa do Ministério
Público, melhor remuneração dos policiais, investigação de alguns crimes pelo
Ministério Público, construção de penitenciárias federais de segurança máxima,
terceirização da administração prisional, uso da polícia federal nos crimes mais graves,
estes são alguns exemplos de mudança que podem ajudar neste combate à
criminalidade.
Ações primárias de prevenção (que vão à raiz do problema: prevenção em
algumas áreas geográficas, arquitetônica, comunitária, vitimária etc.), complementadas
pelas secundárias (criação de dificuldades para o delito: mais policiais, mais eficiência
da Justiça etc.) e terciárias (diminuição drástica da reincidência, ressocialização do
preso etc.), abrem, finalmente, uma nova e promissora perspectiva de busca de solução
para o gravíssimo problema da insegurança pública.
O Estatuto trouxe inovações e mudanças legislativas, mas não trará, por si só,
mudanças no rumo da violência.
Assim, a população vive na perseguida, desarmada e presa por grades, cercas
elétricas, alarmes, tudo isso em suas próprias casas, quem dirá nas ruas. Enquanto os
criminosos (diversos) andam soltos nas ruas a procura de suas próximas vítimas,
aumentando assim, de forma geométrica, o número de latrocínios, roubos, sequestros,
etc, em todos os lugares.
O cidadão nas ruas ou em sua própria casa virou, literalmente falando, um alvo.
Alvo este que tem que ser um atleta, para não dizer mágico, a fim de se esquivar das
balas perdidas. Um alvo que tem que optar por dar apoio aos criminosos sob pena de
sofrer consequências, como a própria morte. Um alvo no seu veículo ultrapassando
sinais de trânsito e sendo penalizado por tal ato, a fim de não ser sequestrado ou
assaltado. Um alvo desarmado sem direito a própria defesa em desfavor do infrator
fortemente armado. Um alvo que tem que contratar segurança privada para assim
prolongar os seus anos de vida. Um alvo que tem que ao final, agradecer o delinquente
por apenas subtrair bens materiais. Um alvo esperando, a todo tempo, a atuação da
polícia a fim de lhe salvar.
Enquanto isso não acontece, registram-se as sábias palavras do Ministro
aposentado do Superior Tribunal Militar, hoje advogado e escritor:
Desarmar as vítimas é dar segurança aos facínoras [...]. O cidadão de bem
tem o direito de possuir uma arma para se defender dos criminosos [...]. Os
bandidos já se sentem muito mais seguros para atacar os pobres, os
trabalhadores e os homens de bem, porque sabem que provavelmente irão
enfrentar pessoas desarmadas [...]. Uma sociedade em que apenas a polícia e
os facínoras podem estar armados não é e nem será uma sociedade
democrática [...] (BIERRENBACH, 2003, s.p).
Para finalizar, em visão crítica aos políticos demagogos de nosso País, o Deputado
Romeu Tuma afirma que “enquanto políticos e governantes não entenderem que
devemos ter uma política de segurança e não uma segurança política, o crime vai vencer
99 das 100 batalhas”.
Nesta busca por dias melhores, dias de paz, a palavra de ordem deve ser mudança.
Mudança de pensamento, de ações, de consciência. Mudanças que realmente poderão
fazer a diferença, e fazer deste, um País melhor para se viver. Para que esta mudança
efetivamente ocorra, espera-se, da mesma forma, um envolvimento efetivo da
sociedade, como a Carta Constitucional expressamente prevê em seu artigo 144, “a
segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de todo o trabalho foi observado que a retirada do direito da população
de possuir e portar armas, incluindo até mesmo a política de forte restrição ao comércio
de armas, não indica a propriedade de assim reduzir a criminalidade, ou mais
especificamente em reduzir o número de homicídios.
As argumentações utilizadas em favor do desarmamento revelaram-se
equivocadas, inverídicas ou pouco confiáveis.
As políticas de desarmamento não demonstraram significativos benefícios. Ao
contrário, não foram poucos os prejuízos que essas políticas apresentam aos direitos
fundamentais à liberdade, vida, segurança, vez que compromete seriamente o exercício
da legítima defesa.
Tampouco houve verificação de ser o desarmamento da população estritamente
necessário para o fim que objetiva, haja vista a observação de uma grande quantidade de
medidas possíveis e relevantes que poderiam ser empregadas.
Novas leis sempre foram editadas com a promessa e a esperança de que o quadro
caótico fosse equacionado e controlado. Porém, a violência não para de se agravar e a
solução nunca aparece. Onde estaria o erro neste processo?
O erro reside no simbolismo. A questão da criminalidade sempre foi tratada com
leis simbólicas - as chamadas “leis de combate” – cuja função seria acalmar a população
por um determinado período de tempo, não se constituindo como um instrumento eficaz
no combate e punição do crime.
Por fim, diante de todos os problemas e verificado que o desarmamento da
população, como lei, não atendeu a qualquer um dos três subprincípios da
proporcionalidade, ou seja, é uma lei em que não se mostrou ser adequada, necessária e
nem proporcional em sentido estrito, cabe concluir pela sua ineficácia.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA FOLHA. Após 3 meses, ainda há controvérsia. Folha de S. Paulo, São
Paulo, mar 2004. Disponível em:
<http://www1.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u91686.shtml>. Acesso em: 25 abr 2014;
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em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 02 mai 2014;
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm.htm>. Acesso em: 10 mai 2014;
BRASIL, Lei n.º 9.437 de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9437.htm>. Acesso em: 17 abr 2014;
BRASIL, Lei n.º 10.826/02. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826compilado.htm>. Acesso em:
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Disponível em: <http://www.fleuryfilho.com.br/texto7.htm >. Acesso em: 01 mar 2014;
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