Exmo. Sr. Juiz Federal da Vara - Seção Judiciária do Maranhão Ref

Transcrição

Exmo. Sr. Juiz Federal da Vara - Seção Judiciária do Maranhão Ref
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Exmo. Sr. Juiz Federal da
Vara - Seção Judiciária do Maranhão
Ref.: Proc. nº 1.19.000.00572/2005-84
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República infra-assinado, vem até Vossa Excelência, nos termos do art. 5º, V, b, c/c
o art. 6º, XIV, da Lei Complementar nº 75/93, dos arts. 1º, IV, e 4º da Lei nº
7.347/85, e art. 670 do Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1.939, c/c. art.
129, III, da vigente Carta Magna propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de antecipação de tutela
em face do
CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E OPTOMETRIA DO
ESTADO DO MARANHÃO – CROOMA, associação civil com
personalidade jurídica de direito privado, com sede na Rua da
Mangueira, 169, Centro, nesta Capital, representada por seu
presidente, Sr. Leandro Fernandes Ribeiro Neto, brasileiro,
casado, técnico em óptica, residente na Av. Antares, nº 151,
Ed. Toulon, ap. 302, Portal dos Vinhais, nesta cidade;
pelos motivos de fato e de direito adiante expostos
1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS (O objeto da ação)
O Ministério Público Federal pretende com a presente ação
civil pública obter provimento jurisdicional que determine o cancelamento do registro
civil do CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E OPTOMETRIA – CROOMA ou,
alternativamente, que suspenda suas atividades até que se realizem modificações
em seu estatuto, para adequá-lo ao ordenamento jurídico.
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Busca-se tutela jurisdicional para a defesa do patrimônio
público e da ordem jurídica, no que se refere à competência privativa da União para
dispor sobre condições para o exercício de profissões e a criação de conselhos
profissionais, bem como o interesse em cessar atividade ilícita e lesiva à ordem
pública e ao serviço de regulamentação profissional exercido pela União e
autarquias federais.
Consoante será demonstrado, o registro civil do réu malfere a
ordem jurídica e invade competência privativa da União, posto que seu estatuto
confere-lhe, indevidamente, status de conselho profissional e competência para
fiscalizar e habilitar o exercício da profissão de técnico em óptica. Ocorre que
somente lei federal pode criar conselhos profissionais, cuja natureza é de pessoa
jurídica de direito público (autarquia especial).
É o que se passa a demonstrar.
2 - DOS FATOS
O CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E OPTOMETRIA –
CROOMA foi criado no dia 14 de março de 2000, por deliberação tomada em
assembléia geral de constituição e fundação, oportunidade em que foi aprovado seu
estatudo e eleita sua primeira diretoria (ver Ata de Constituição, fl. 64).
O procedimento de criação seguiu os trâmites aplicáveis à
constituição de simples associação civil, de modo que, em março de 2001, os atos
constitutivos do réu foram levados a registro no Cartório de Registro Civil de
Pessoas Jurídicas, conforme preconiza a Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros
Públicos).
Ocorre que, embora registrada como associação civil, o réu
atribuiu-se indevidamente a qualidade de autarquia profissional ou órgão de
fiscalização profissional, a exemplo do Conselho Federal de Medicina e da Ordem
dos Advogados do Brasil. Com esse artifício, que implica também o uso indevido do
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nome “Conselho”, o requerido busca revestir-se de oficialidade no trato com o
público e com seus associados, investindo-se ilegitimamente no exercício de poder
de polícia, mediante atos de constrangimento impostos a técnicos em óptica, com o
fim de instá-los à associação, a pretexto de regularizarem sua atuação profissional.
Realizado nesses moldes, o registro do requerido no Cartório
de Registro Civil é nulo, pois implica usurpação de competência privativa da União
para regulamentar atividades profissionais. Trata-se, portanto, de objeto estatutário
ilícito.
Na verdade, a profissão de técnico em óptica está sujeita a
simples registro e fiscalização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
-
ANVISA, não havendo qualquer autorização legislativa ou administrativa para que o
demandado, ou qualquer outra entidade, exerça sua fiscalização.
O exame dos termos em que redigido o estatuto do CROOMA
(ver fls. 69/76) revela, per si, a ilicitude de seu objeto e sua contrariedade à ordem
pública e ao ordenamento jurídico.
A primeira ilicitude reside na utilização do termo Conselho em
sua denominação social. O objetivo é fazer crer à população, especialmente aos
técnicos em óptica, que se trata efetivamente de um conselho profissional (órgão
oficial), e não de simples associação civil. Sabe-se que o vínculo jurídico entre
cidadão e conselho profissional, e entre cidadão e assocação civil, recebe
tratamento diferenciado da legislação. Enquanto o exercício do direito fundamental
de associação é facultativo (CF, art. 5º, XX), em se tratando de conselhos
profissionais a inscrição é, em muitos casos, obrigatória, constituindo-se, por força
de lei, requisito para o exercício da profissão (CF, art. 5º, XIII, e art. 22, XVI). Daí a
ilicitude do uso indevido do termo “conselho”.
Outra ilicitude, ligada diretamente ao próprio objeto da
associação, está no teor art. 1º do estatuto do CROOMA. Ao fazer expressa
referência a Resoluções do Conselho Brasileiro de Óptica e Optometria, aos
Decretos 20.931/32 e 24.492/34, bem como ao Decreto-Lei 8.345/45, essa parte do
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estatuto passa para o leigo a falsa idéia, maliciosamente construída, de que se está
diante de um verdadeiro sistema de conselhos profissionais, organizados à feição de
uma Ordem dos Advogados ou de um Conselho de Medicina, com sua estruturação
orgânica nacional e local, bem como competências previstas em lei.
Os arts. 2º e 3º do mesmo estatuto vão mais além e tratam
expressamente
regulamentados.
de
assuntos
Com
efeito,
que
somente
esses
por
dispositivos
lei
federal
fixam
poderiam
competência
ser
para
“supervisionar o cumprimento das normas da ética profissional”; “julgar o exercício
profissional do óptico e optometrista”; “disciplinar essa atividade de acordo com as
normas vigentes”; “fiscalizar e habilitar o exercício do profissional óptico,
optometrista e contatólogo e exercer os atos de jurisdição conferidos por lei”;
“manter o registro dos ópticos, optometristas e contatólogos legalmente habilitados
com exercício no Maranhão”; “fornecer o Certificado de Habilitação Legal” e até criar
“delegacias”, cujas atribuições são obscuras.
Inserida na estruturação orgânica do CROOMA está um órgão
de fiscalização, com competência para fiscalizar “as condições para o desempenho
técnico e ético do exercício da profissão” e até mesmo “o cumprimento das punições
aplicadas pelas Câmaras de Julgamento”.
Em resumo, todos esses dispositivos estatutários revelam que
o réu foi constituído à feição de um conselho profissional. Um ato de vontade comum
entre particulares (criação de uma associação civil) está a usurpar competência
privativa da União e a invadir atribuições que somente autarquias criadas por lei
podem exercer.
Os ilícitos aqui descritos não se resumem ao plano da
elaboração
estatutária.
Encontram-se
também
materializados
em
condutas
específicas dos dirigentes do CROOMA.
O Informativo nº 2, da referida entidade, revela que o
demandado tem efetivamente promovido ações que constrangem técnicos em óptica
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à associação, dando a entender que os não instritos estão em situação irregular e
sujeitos a sua ação fiscalizadora, que é destacada no panfleto informativo (fls. 38).
O réu utiliza expressões do tipo “óptico seja responsável,
regularize-se”, “no combate aos ilegais junte-se a nós”, tudo com o nítido objetivo de
instar técnicos em ótica a seguirem procedimentos de suposta habilitação por ele
realizada, os quais são maliciosamente divulgados no mesmo panfleto (v.g., curso
promovido em parceria com a entidade Filadélfia-Santos, aberto somente a filiados
ao CROOMA).
A atividade do réu é igualmente ilícita pois implica o fomento do
exercício, por leigos, da atividade de verificação de ametropias (exclusiva dos
médicos oftalmologistas), consoante será adiante detalhado.
Todos os fatos acima descritos demonstram que o objeto
estatutário do réu é ilícito, pois representa usurpação de competência da União e
uso de poderes administrativos, inclusive de polícia, que somente a autarquias
federais podem ser conferidos.
3 – DO DIREITO
3.1 – Da legitimidade do MPF e da competência da Justiça Federal
A presente ação civil pública tem por fundamento o art. 129, III,
da Constituição da República, o art. 1º, IV, da Lei nº 7.347/85, e os arts. 5º, V, ‘b’, e
6º, VII, ‘b’, da Lei Complementar nº 75/93, bem como o art. 670 do Decreto-Lei nº
1.608, de 18 de setembro de 1.939.
A dissolução do CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E
OPTOMETRIA – CROOMA, ou a reformulação de seu estatuto, atende ao interesse
público indisponível de defesa da ordem jurídica e do patrimônio público,
consubstanciado na proibição implícita de que asociações civis exerçam
competências administrativas próprias de autarquias especiais de fiscalização
profissional.
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Fere interesses da coletividade, -- especialmente do conjunto
indeterminado de técnicos em óptica de todo Brasil --, a conduta do requerido de se
fazer passar por órgão com delegação do poder público federal, numa atividade que
pode acarretar abusos contra a intimidade e a liberdade individual do cidadão, além
de danos à saúde pública. Firma-se, assim, a legitimidade do MP para a defesa de
interesses coletivos e difusos, prevista no art. 129, III, da Constituição Federal.
A legitimidade do Ministério Público decorre, também do que
estabelece o art. 670 do Código de Processo Civil de 1939, em vigor por força do
disposto no art. 1.218, VII, do atual CPC:
“A sociedade civil com personalidade jurídica, que promover
atividade ilícita ou imoral, será dissolvida por ação direta,
mediante denúncia de qualquer do povo ou do órgão do
Ministério Público.”
O interesse da União aparece claro, uma vez que o requerido
se atribui, de forma pública e indevida, o exercício de um serviço público federal, por
analogia às atividades desenvolvidas pelos órgãos de fiscalização profissional. É
sabido que os órgãos de fiscalização profissional têm, segundo sedimentada
jurisprudência, a natureza jurídica de autarquias, as chamadas autarquias
profissionais, tendo, igualmente, em razão de sua organização em âmbito nacional,
foro privativo na Justiça Federal.
Apesar de o CROOMA não ser, efetivamente, uma dessas
autarquias profissionais, a sua conduta atenta contra a fé pública e a dignidade do
serviço público federal, uma vez que assim a entidade se apresenta para a
sociedade.
Por essa razão, firma-se a competência da Justiça Federal (CF,
art. 109, I).
3.2 – Da competência da União para a regulamentar atividade profissional
A Constituição Federal estabelece que é livre o exercício de
qualquer profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer (art. 5º, XII). Na mesma linha, dispõe que compete à União legislar
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sobre as condições para o exercício das profissões (art. 22, XVI) e organizar, manter
e executar a inspeção de trabalho (art. 21, XXIV).
É pacífico que a regulamentação profissional é atividade de
Estado, exercida por autarquias especiais criadas por lei federal, com estuturação
orgânica e competência legalmente estabelecidas. Por se tratar de competência
constitucionalmente
estabelecida,
que
implica
o
exercício
de
poderes
administrativos, inclusive de polícia e fiscais (CF, art. 149), não pode ser delegada
ao particular (STF, ADI 1.717, Rel Min. Sidney Sanches).
Portanto, é ilícito o ato do particular, no presente caso uma
associação civil, que se autoproclama investido de poderes típicos dos conselhos
profissionais, atribuindo-se o exercício de competências que somente autarquia
federal pode exercer. Ilícito também o registro e funcionamento de entidade cujo
estatuto de constituição fixa competências manifestamente contrárias à lei.
3.3 – Do regime jurídico da atividade de técnico em óptica e óptico prático
A atividade de técnico em óptica, na qual muitos identificam a
atividade de verificação de ametropias (miopia, hipermetropia, astigmatismo e
presbiopia), -- que na verdade é um ato médico, consoante será visto --, recebeu a
primeira previsão normativa por ocasião da edição do Decreto 20.931/32, que tratou
do exercício da medicina, da odontologia e da medicina veterinária.
Sobre
o
optometrista
(técnico
em
óptica),
o
Decreto
estabeleceu:
Art. 38. É terminantemente proibido aos enfermeiros,
massagistas, optometristas e ortopedistas, a instalação de
consultórios para atender clientes, devendo o material aí
encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público,
onde será vendido judicialmente a requerimento da
Procuradoria dos Feitos da Saúde Pública a quem, a
autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do
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leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo
que as multas sanitárias
Não havia, como de fato ainda não há, a previsão de um órgão
público específico de regulamentação da atividade profissional do técnico em óptica.
Criou-se unicamente a obrigatoriedade de registro junto à autoridade sanitária, a
quem compete verificar a habilitação e fiscalizar o desempenho do profissional
(Decreto 20.931/32, art. 3º). Esse sistema encontra-se em vigor até hoje, sendo que
a autoridade sanitária é atualmente representada por agentes da Vigilância
Sanitária.
Posteriormente, o Decreto 24.492/34
veio a detalhar a
atividade do técnico em óptica (óptico prático), ao tratar da atividade de venda de
lentes de grau. Estabelece o Decreto:
Art. 4º. Será permitido, a quem o requerer, juntando provas de
competição e de idoneidade, habilitar-se a ser registrado como
ótico prático na Diretoria Nacional de Saúde e Assistencia
Médico-Social ou nas repartições de Higiene Estaduais, depois
de prestar exames perante peritos designados para êsse fim,
pelo diretor da Diretoria Nacional de Saúde e Assistência
Médico-Social, no Distrito Federal, ou pela autoridade sanitária
competente, nos Estados.
§ 1º O registro feito na Diretoria Nacional de Assistência
Médico-Social dá direito ao exercício da profissão de ótico
prático em todo o território da República e o feito nas
repartições estaduais competentes é válido sómente dentro do
Estado em que o profissional se habilitou.
§ 2º Todo aquêle que, na data da publicação do presente
decreto fizer prova de que tem mais de 10 anos de exercício
como otico prático no país, e comprovar sua idoneidade
profissional, poderá requerer para, independente de exame, ser
registrado na Diretoria Nacional de Saúde e Assistência
Médico-Social ou nos Serviços Sanitários Estaduais, a juizo da
autoridade sanitária competente.
Art. 9º. Ao ótico prático do estabelecimento compete:
a) a manipulação ou fabrico das lentes de gráu;
b) o aviamento perfeito das fórmulas óticas fornecidas por
médico oculista;
c) substituir por lentes de gráu idêntico aquelas que lhe forem
apresentadas danificadas:
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d) datar e assinar diariamente o livro de registro do receituário
de ótica.
Finalmente, sobre a habilitação para o registro profissional do
óptico prático, veja-se o que estabelece o Decreto-Lei 8.345/45:
Art. 1º Só é permitido o exercício das profissões de protéticos,
massagistas, óticos práticos, práticos de farmácia, práticas de
enfermagem, parteiras práticas e profissões similares, em todo
o território nacional, a quem estiver devidamente habilitado e
inscrito no Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e nos
respectivos serviços sanitários, nos Estados.
Os dispositivos normativos acima transcritos evidenciam que o
técnico em óptica ou óptico prático somente está obrigado a registrar-se perante a
Vigilância Sanitária.
3.4 – Da optometria
Outro ponto em que o estatuto do réu vai de encontro à ordem
jurídica está ligado ao fomento da verificação de ametropias por técnicos em óptica,
quando tal atividade é essencialmente um ato médico, privativo, portanto, do
profissional de medicina (médico oftalmologista). O demandado tem como uma de
suas finalidades declaradas desenvolver o exercício da optometria por seus filiados,
inclusive com a realização de cursos de reciclagem e seminários (ver estatuto social
e informativo de fls 38).
Ao agir assim o réu está, na verdade, a incentivar uma
atividade que, na essência, caracteriza exercício ilegal da medicina.
A optometria (medida da visão) é uma parte indissociável da
oftalmologia que deve ser exercida exclusivamente por médicos. Não por outra
razão o Decreto 24.492/34 veda expressamente ao óptico prático (técnico em óptica)
a prescrição de lentes, ao dispor:
Art. 13. É expressamente proibido ao proprietário, sócio
gerente, ótico prático e
demais
empregados
do
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estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou
aconselhar o uso de lentes de gráu, sob pena de processo por
exercício ilegal da medicina, além das outras penalidades
previstas em lei.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária chegou a examinar
essa questão, consoante se vê do parecer abaixo transcrito:
Ministério da Saúde
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Procuradoria
Parecer 1110/2000 Proc/ANVS/MS
“A par dessas considerações, tem-se que os vestutos Decretos
nº 20.937/32 e 24.492/34 ainda imperam, obrigando o seu
cumprimento pela administração e, com fulcro em suas
prescrições é possível asseverar que a profissão de nível
médio de técnico de óptica para montar e preparar lentes de
óculos, bem assim ajustar, trocar, consertar e reproduzir óculos
previamente prescritos pelo oftalmologista encontra-se
devidamente
regulamentada.
E mais: nos termos taxativos da legislação citada dessume-se
que a receita de óculos e de lentes de contato é ato médico,
constituindo exercício ilegal da medicina a sua prática por
outros profissionais que não o médico oftalmologista.
De outra parte, no Brasil, a optometria não existe como
profissão independente, constituindo parte integrante e uma
das especialidades mais importantes da Oftalmologia, com
extensa carga horária destinada ao aprendizado teórico e
prático nas residências oftalmológica”.
Esse fato constitui mais uma demonstração da ilicitude das
atividades da ré.
3.5 – Da invalidade do registro e funcionamento de entidade com fins ilícitos
A Constituição Federal garante o direito fundamental à livre
asociação, ao estabelecer que é plena a liberdade de associação, desde que para
fins lícitos (art. 5º, XVII). Daí que a Carta Magna igualmente estabelece que as
associações poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades
suspensas por decisão judicial (art. 5º, XIX).
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No presente caso, está suficientemente demonstrado que são
ilícitos o estatuto e as atividades do CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E
OPTOMETRIA – CROOMA, que não tem amparo legal para atuar à maneira de
órgão de fiscalização profissional, como se fosse uma autarquia de regime especial.
A Constituição Federal autoriza, em casos que tais, a
suspensão das atividades e até mesmo a dissolução da sociedade.
Não se trata de nenhuma novidade no ordenamento jurídico.
Comentando o Código Civil de 1916, Clóvis Bevilacqua há
muito esclarecia:
“Se a sociedade, qualquer que seja, promover fim ilícito ou se
servir de meios ilícitos, será dissolvida por sentença do poder
judiciário, mediante denúncia do Ministério Público”. (Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 234, n. 7, ed. Rio).
Carvalho Santos, seguindo a mesma exegese, lecionava:
“É de intuitiva evidência que tais pessoas não têm liberdade
ilimitada, a ponto de promover fim ilícito ou usar de meios
ilícitos. Pois, como diz FERREIRA COELHO, todas as pessoas
existentes no território nacional estão sujeitas à polícia local e à
ação do Ministério Público. A corporação, portanto, que
transformar sua finalidade, promovendo fins ilícitos ou
contrários aos bons costumes, será dissolvida por sentença do
Poder Judiciário. A omissão do Código, a esse respeito, foi
suprida pela Lei n. 4.269, de 17 de janeiro de 1921, que no art.
12 dispõe que, quando as associações, sindicatos e
sociedades civis incorrerem em atos nocivos ao bem público,
pode o Ministério Público promover, mediante ação sumária, a
respectiva dissolução, podendo também o Governo ordenar o
respectivo fechamento por tempo determinado.
A expressão - atos nocivos ao bem público - abrange todas as
hipóteses
necessárias”.
(Código
Civil
Brasileiro
Interpretado", pp. 396/398, ns. 5 e 7, vol. I, Livraria Freitas
Bastos, 14ª ed.)
O vigente Código de Processo Civil estabelece ação
constitutivo-negativa para a dissolução de sociedades com fins ilícitos (art. 1.218,
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inciso VII, que mantém em vigor o art. 670 do Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de
setembro de 1.939).
A Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) chega a
determinar ao Oficial de Registro que negue a anotação dos atos constitutivos de
pessoas jurídicas cujas atividades são contrárias à lei e à ordem pública:
Art. 115. Não poderão ser registrados os atos constitutivos de
pessoas jurídicas, quando o seu objeto ou circunstâncias relevantes
indiquem destino ou atividade ilícitos, ou contrários, nocivos ou
perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade,
à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes.
Os fins sociais do CROOMA são ilícitos, consoante já
demonstrado. Portanto, são patentes os fundamentos jurídicos para requerer tutela
jurisdicional que determine a suspensão de suas atividades e, se for o caso, a
nulidade de seu registro, sua extinção e liquidação.
4 – DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
O Ministério Público requer, nos termos do art. 273 do CPC c/c
art. 12 da Lei nº 7.347/85, a antecipação da tutela pretendida no pedido principal
para que sejam determinadas, liminarmente, as seguintes providências:
a) a suspensão imediata das atividades do CROOMA, com a
cominação das seguintes obrigações de não-fazer:
–
não realizar qualquer tipo de publicidade (impressos e
meios de radiodifusão), conclamando técnicos em óptica à
filiação;
–
não celebrar convênio ou cursos de formação em
optometria, bem como não incentivar a realização, por
técnicos em optometria, de verificação de ametropias no
público;
b) fixação de prazo de 60 (sessenta) dias para que o réu
delibere pela regularização de seus estatutos, com a retirada
do termo “conselho regional” de sua denominação social, bem
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como a supressão das competências que impliquem invasão
de atribuições próprias de conselho profissional (arts. 1º, 2º e
3º do estatuto) e a reformulação de sua estrutura orgância,
com a extinção de órgãos de fiscalização e exercício de poder
de polícia (delegacias); tudo sob pena de continuarem
suspensas suas atividades.
Requer, outrossim, seja fixada multa diária de, no mínimo, R$
1.000,00 (mil reais) pelo descumprimento do item “a” do pedido, a ser revertida ao
Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos, previsto no artigo 13 da Lei nº
7.347/85, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
5.1 – Da prova inequívoca da plausibilidade do direito
O fumus boni iuris assenta-se na verossimilhança da alegação,
a qual decorre das próprias razões expendidas na inicial, notadamente, na tese de
que, sedo ilícito o objeto da ré, o ordenamento jurídico permite a suspensão de suas
atividades e até sua liquidação (CF, art. 5º, XIX, e Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de
setembro de 1.939, art. 670).
5.2 – Do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
Há receio de que a demora na prestação jurisdicional, do que
resultará a continuidade do funcionamento do CROOMA, perpetue uma situação
manifestamente ilegal, com danos não só ao serviço da União (regulamentação
profissional), mas de dimensão coletiva e difusa.
Primeiro, há nítido interesse em fazer cessar imediatamente
atividade lesiva à ordem pública e a serviço da União. Não é admissível que o réu
continue a se apresentar perante o público como sendo um conselho profissional,
instando técnicos em óptica à associação, limitando sua atividade ou condicionandoa a prévia habilitação perante seus órgãos.
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Sem qualquer base legal, o réu investiu-se, inclusive, no poder
de fiscalizar profissionais ópticos provenientes de outros Estados da Federação (art.
25 do Estatuto). Há nisso evidente lesão ao livre exercício da profissão que, no caso
dos ópticos, está sujeita unicamente ao controle da Vigilância Sanitária (dano a
interesse coletivo).
A continuidade das atividades do réu representa, igualmente,
dano irreparável à saúde pública, na medida em que ele fomenta o exercício ilegal
pelos ópticos da atividade médica de optometria e exame de acuidade visual (dano a
interesse difuso).
Há consenso médico de que a realização de consultas pelo
técnico óptico, ainda que restrita a exames simples de verificação de ametropias
(miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia), pode acarretar situações de
danos irreparáveis à saúde do paciente.
O estudo publicado pelo presidente do Conselho Brasileiro de
Oftalmologia, Marcos Ávila, e por seu coordenador de Assuntos Profissionais,
Elisabeto Ribeiro Gonçalves, no Jornal Oftalmológico Jota Zero, nº69, marçoabril/1999, é esclarecedor sobre os riscos que corre a população com o eventual
incremento do exercício de atividades médicas pelo óptico.
Desse estudo, pede-se vênia para destacar o seguinte trecho:
A Optometria nasceu, então, no fim do século passado, quando
os conhecimentos oftalmológicos estavam ainda em estágio
rudimentar e os problemas refracionais eram, na prática, quase
que os únicos para os quais podia-se oferecer alguma solução.
Basta lembrar que o oftalmoscópio, que permitiu o exame das
estruturas intra-oculares e, com isso, acelerou o conhecimento
e o desenvolvimento da Oftalmologia, só foi inventado por
Hermann von Helmholtz em 1851, praticamente ao mesmo
tempo da introdução da Optometria nos Estados Unidos.
Dentro desse cenário (e qualquer discussão envolvendo a
Optometria tem de levar em conta esse cenário) entendemos
porque a Optometria foi valorizada em seu país de origem e
porque, durante algum tempo, ela foi exercida por ópticos. O
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desconhecimento era tanto que dava para entender-se a
dissociação feita entre problemas refracionais (ametropias:
miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia) e doenças
oculares. Mesmo porque, insistamos, muito pouco se sabia da
patologia ocular. A Optometria nasce de um equívoco fundado
na ignorância médico-oftalmológica da época: o de que os
problemas oftalmológicos se resumiam à necessidade de
óculos e se resolviam com a prescrição deles.
Hoje sabemos que a verdade não é essa. A oftalmologia
evoluiu extraordinariamente, incorporando diversificados
conhecimentos e técnicas semiológicas cada vez mais
acuradas.
Não podemos, jamais, encarar separadamente ametropias
e doenças. Pois as ametropias são problemas também e
principalmente médicos e não ergonômicos, como
defendem os optometristas. E, como tais, são da
competência exclusiva do médico-oftalmologista. No
alvorecer do 3º milênio, insistir na artificialidade dessa
dicotomia (ametropias de um lado, doenças oculares do
outro) equivale a passar atestado de ignorância ou má-fé.
Ou de ambas.
Ametropias e doenças oculares estão estreitamente
relacionadas. Há ametropia que são doenças (miopia
maligna, por exemplo), como há doenças, oculares e
sistêmicas, que causam ou agravam ametropias. À guisa
de exemplo, podemos citar algumas causas da miopia
adquirida: diabetes mellitus, catarata nuclear, espasmo
ciliar (funcional, medicamentoso, traumático, tóxico),
toxemia gravídica, intoxição medicamentosa (sulfas,
inibidores da anidrasa carbônica, fenotiazidas, arsenicais),
síndrome de Horner, fibroplasia retrolental, homocistinúria,
síndrome de Marfan, de Marshall, de Kenny, de Schwartz,
de Stickler, de Weill-Marchesani, de Cornelia De Lange, de
Ehlers-Danlos, do cromossoma XXXXY, de Noonan, de
Alport e miastenia grave. Entre as doenças que causam
hipermetropia
temos:
intoxicação
medicamentosa
(cloroquina, fenotiazidas, meprobamato, anti-histamínicos,
parassimpaticolíticos sistêmicos e tópicos, maconha,
imipramina e bloqueadores ganglionares sistêmicos),
botulismo, traumas contusos do bulbo ocular, tumor
orbitário, síndrome de Adie, córnea plana, afacia,
microftalmo, microglobo, infecções várias, aumento da
pressão intracraniana, porfiria aguda, aneurisma da artéria
comunicante posterior, Síndrome de Vogt-KoianagiHarada, edemas maculares de múltiplas etiologias,
tumores metastáticos de coróide, carcinoma do
nasofaringe.
As ametropias podem atuar como fator de risco para a
instalação de doenças oculares graves e com significativo
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potencial cegante, como a obstrução venosa de retina, a
degeneração macular relacionada à idade (relacionadas, em
geral, à hipermetropia) e o glaucoma (relacionado tanto à
miopia quanto à hipermetropia). E também as ametropias são
causas ou se associam a alterações e doenças oculares muitas
vezes graves, a exigir cuidados médicos especiais clínicos ou
cirúrgicos, como, por exemplo: exoftalmia, nistagmo,
hipotensão ocular, estafiloma escleral,roturas da membrana de
Descemet, hemorragias, roturas, pregas e descolamento de
coróide, cegueira na infância, triplopia, miiodopsias, membrana
neovascular
sub-retiniana,
hemorragias
maculares,
degenerações periféricas de retina, buracos e roturas
retinianas, drusas de retina, descolamentos de retina,
aniseicônia, estrabismos, ambliopias, pseudopapiledema.
Também é verdade que nem sempre a existência de uma
ametropia requer, necessariamente, o uso de lentes
corretoras (óculos ou lentes de contato). Ao contrário, há
situações em que a prescrição de óculos, mesmo quando
se diagnosticou uma ametropia, agrava a sintomatologia
que motivou o paciente a procurar recursos. É também
sabido que, frequentemente, a queixa do paciente nada
tem a ver com seu quadro refratométrico, mas se
fundamente na existência de doenças oculares outras, em
geral graves, que só o oftalmologista pode e sabe
diagnosticar e tratar.
Diante dessa realidade médica atual e da complexidade
fisiopatológica do olho, fica claro que falta ao optometrista o
conhecimento indispensável para orientar o paciente com
segurança, sem comprometer ou agravar ou seus problemas
visuais. E, o que é pior, o exame ocular do optometrista,
rudimentar e incompleto por insuficiência de conhecimentos e
de meios semiológicos, vai, com certeza, passar ao largo de
muitas doenças oculares e sistêmicas que o oftalmologista fácil
e prontamente diagnostica.”
6 – DO PEDIDO
De todo o exposto o Ministério Público Federal requer:
6.1 – a citação do réu, para apresentarem contestação;
6.2 – que seja ao final julgado procedente o pedido, confirmando no provimento
definitivo o pedido de tutela antecipada, bem como:
6.2.1 - determinar a suspensão de todas as atividades do réu, fixando-lhe prazo
para regularizar seu estatuto;
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6.2.2 - caso a providência não seja atendida, que seja decretada a extinção do
réu e procedida sua liquidação.
6.3 – a notificação da União, pessoa jurídica de direito público, representada neste
Estado pelo Sr. Procurador-Chefe, com endereço no edifício sede dos Órgãos
Fazendários, 8º andar, Setor “D”, Rua Oswaldo Cruz, 1618, nesta cidade, para dizer
se tem interesse em ingressar no feito.
Protesta provar o alegado por todos os meios admitidos em
Direito, inclusive a oitiva de testemunhas e o depoimento pessoal do representante
do réu.
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00.
Termos em que,
pede deferimento.
São Luís, 02 de março de 2006.
SERGEI MEDEIROS ARAÚJO
Procurador da República
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