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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São
Pedro - CEP 30330-080
Belo Horizonte - MG - Brasil
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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio
Carlos de Barros Martins, Antônio Lima Bandeira,
Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, José
Luiz Resende Pereira, Marcelo Henrique dos Santos,
Marilena Chaves, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo
Vinhas Corrêa da Silva,
Uma conversa informal na redação da MINAS FAZ CIÊNCIA se transformou na
interessante discussão que deu origem à reportagem de capa deste número. Pensando sobre o impacto da internet na escrita e no aprendizado, alguns membros da
equipe defenderam: o código usado por jovens para se comunicar nesse ambiente
prejudica seu desempenho em outras áreas, especialmente em atividades que envolvam a redação de textos. Outros ponderaram: ao contrário do que se poderia
dizer há alguns anos, hoje, os jovens têm mais acesso a informações e escrevem
mais, mesmo que em salas de bate papo, e-mails ou postagens nas redes sociais.
Afinal, todas essas transformações proporcionadas pela comunicação via internet
carregariam mais pontos positivos ou negativos?
Decidimos ir a campo e conversar com especialistas sobre essa questão,
que é motivo de discussão entre educadores e estudiosos do tema em todo o
Brasil. O resultado, que você confere a partir da página 6, é uma reportagem instigante produzida pelos jornalistas Maurício Guilherme Silva Jr. (que a partir dessa
edição assume o posto de editor-chefe) e Virgínia Fonseca. Sem pré-julgamentos
ou “pré-conceitos”, eles buscaram mostrar como a internet mudou a dinâmica
em sala de aula e a atuação dos professores, que precisam refletir sobre o uso
acadêmico das novas tecnologias e os processos de adequação da linguagem às
diferentes situações.
Outro destaque é uma pesquisa que avaliou a propensão ao desenvolvimento
de doenças cardíacas por trabalhadores noturnos. Conduzida por pesquisadores da
Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho
se baseou em questionários e entrevistas com mais de 200 profissionais da área da
saúde para dar o diagnóstico: exercer atividades à noite é um fator sempre associado
ao risco cardiovascular. O alerta é importante e chama atenção para a necessidade
de um acompanhamento mais rigoroso da saúde e de outras condições adversas,
como estresse e fadiga.
Cupins dentro de casa são uma dor de cabeça – estragam móveis, livros e
qualquer peça que contenha celulose, seu alimento preferido. Se combatê-los já
é difícil em um espaço reduzido, imagine em uma das igrejas históricas de Minas Gerais, cujo mobiliário, talhas, painéis e esculturas normalmente são feitos de
madeira. Estudo conduzido por equipe da Universidade Federal de Viçosa (UFV)
mostrou que, apesar de quase invisíveis, os estragos causados por esses insetos
não passam despercebidos.
Um levantamento realizado pelos pesquisadores identificou diversas construções históricas, em cidades como Ouro Preto, Diamantina, Serro e Tiradentes,
infestadas por insetos xilófagos, aqueles que se alimentam de madeira – os representantes mais conhecidos desse grupo são os cupins e carunchos. A proposta dos
pesquisadores é conhecer mais sobre esses insetos na região do caminho velho da
Estrada Real. Dessa forma, será possível propor intervenções com a finalidade de
conservar e proteger o patrimônio histórico do Estado.
A MINAS FAZ CIÊNCIA traz muitas outras matérias, que apresentam um pouco do que está sendo produzido nos laboratórios e centros de pesquisa de Minas
Gerais. Alguns dos temas das reportagens serviram de inspiração também para os
podcasts da série Ondas da Ciência e para os programas de televisão da série Ciência no Ar. Ambos estão disponíveis no nosso blog: http://fapemig.wordpress.com.
Alguns dos destaques estão na sessão Hiperlink, que estreia nesta edição da revista.
Leia e mande seu comentário ou sugestão!
Vanessa Fagundes
Diretora de redação
ao lEI To r
Ex p ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Diretora de redação: Vanessa Fagundes
Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.
Redação: Diogo Brito, Juliana Saragá, Marcus
Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr.,
Virgínia Fonseca e William Ferraz
Diagramação: Beto Paixão
Revisão: Sílvia Brina
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: CGB
Tiragem: 20.000 exemplares
Capa: Hely Costa Jr
Í N D I CE
12
Gravidez precoce
16
Novos materiais
20
Entrevista
Investigação sobre o modo como
professores, diretores e alunasmães lidam com a questão desfaz
mitos acerca da jovem maternidade
37
Agrotóxicos
40
Inovação
Vilões do
patrimônio
42
Mercado
31
Agricultura
45
LEMBRA DESSA?
34
Primórdios de BH
46
5 PERGUNTAS PARA...
48
Hiperlink
24
Experimentos revelam que uso
de quartzito no concreto amplia
possibilidades técnicas e diminui
problemas ambientais
Vice-presidente de
propriedade intelectual da
Universidade Hebraica, Renne
Ben-Israel fala da relação entre
ciência e mercado
Estudo de pós-doutorado
busca identificar ação
de insetos xilófagos em
construções históricas
Pesquisadores testam uso
sustentável de fitossanitários
para melhorar cultivo de
batatas e outras espécies
Projeto organiza acervo
histórico e constrói banco
de dados digital com
documentos da Comissão
Construtora da Nova Capital
Contaminação de alimentos
produzidos na Bacia do São
Francisco é tema de mestrado
defendido na UFMG
Conheça os desafios
enfrentados por empresa
mineira que desenvolve
softwares para gestão em saúde
Sistema que aperfeiçoa
transporte na indústria gera
primeira patente da Universidade
Federal de Uberlândia
Testes em seres humanos
revelam eficiência de
antígeno contra a famosa
“doença do amarelão”
Doutora em Educação,
Maria Teresa de Assunção Freitas
comenta papel do computador
no processo de ensinoaprendizagem
Confira os mistérios a
envolver as “mariposas de
pelúcia” e o acre odor do
espaço sideral
6
ESPECIAL
Reportagem recorre
a especialistas para
discutir a complexa
relação entre a qualidade
da escrita e o uso de
novas mídias
28
Trabalho
Estudo da Escola
de Enfermagem
da UFMG mostra
que trabalhadores
noturnos sofrem
mais com problemas
cardiovasculares
Quero parabenizar à equipe responsável pela
revista Minas Faz Ciência. Eu a recebo em
minha residência e utilizo muitas matérias em
minhas aulas de matemática. Sou professor do
colégio Objetivo e escrevo o blog Matemática Crítica (www.matematicacritica.blogspot.
com), onde também tenho escrito matérias
com subsídios da revista Minas Faz Ciência, obtendo ótimos resultados em minhas
aulas, ao aproximar a ciência que se faz de
verdade, nas universidades, com a matemática
escolar (dentro de minhas limitações, claro).
Isso só é possível devido à distribuição gratuita da revista, já que não seria justo, embora muitas vezes o façamos, pagar do próprio
bolso para lecionar. Mais uma vez, parabéns e
muito obrigado pela colaboração.
Maurício P.M. Fernandes
São Paulo (SP)
Sou aluna do colégio Carmo, de Viçosa (MG),
e soube da revista por meio do meu professor
de Química, que nos forneceu exemplares para
que, com suas reportagens – as quais achei
muito interessantes – ampliássemos nosso conhecimento.
Bruna Santiago
Viçosa (MG)
Olá! Visitei o estande da FAPEMIG na SBPC 2012,
no Maranhão, e soube que poderia me inscrever
para assinar, gratuitamente, a revista MINAS FAZ
CIÊNCIA. Sou estudante de curso superior e bolsista do CNPq e me interessei bastante. Obrigada
e, uma mais vez, parabéns pela iniciativa!
Thaís Sena
Instituto Federal de Ciência e Tecnologia
Brasília (DF)
Sobre a reportagem “Turritopsis nutricula: a
Fênix dos mares”, publicada no blog Minas
faz Ciência
Nossa! Sensacional a matéria! Espertinho esse
bichinho, hein?! (Rs!) Espero muito que essa
descoberta seja um avanço para o desenvolvimento de medicamentos contra o câncer.
Nara Soares
Sobre a reportagem “Comunidades usam metodologia socioambiental para monitorar gestão
das águas”, publicada no blog Minas faz Ciência
Muito bom esse trabalho que está sendo desenvolvido pelo Manuelzão Comunidade!
Parabéns!
Carla Wstane
Muito bacana esse projeto! Trabalhos assim
têm mesmo de ser divulgados, para que sejam
multiplicados. Parabéns a todos os envolvidos!
Rafaela Amaral
Sobre a reportagem “Amarelão de Jeca Tatu
pode ter vacina e com sua ajuda”, publicada
no blog Minas faz Ciência
Muito boa essa pesquisa!
Gabriela Mendes
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/
empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte
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MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e
tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é
permitida, desde que citada a fonte.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
5
C ARTAS
Além de ser professora, meus filhos leem e
levam a revista MINAS FAZ CIÊNCIA para as
aulas de ciências do colégio onde estudam, o
Pio XII, aqui no Rio de Janeiro. Muitas vezes, o
professor usa artigos da publicação no laboratório. Gostaria de parabenizá-los pelas excelentes matérias e conhecimentos que adquirimos
ao ler determinados artigos.
Andreia Pinheiro
Rio de Janeiro (RJ)
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
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Qd tc na net, eh +- axim q vc escreve? Entaum, blz! Ateh aki, td bakna... O simples corretor ortográfico do Word recomendaria, pelo menos,
dez retificações nas frases acima. Um professor de língua portuguesa, no
contexto da sala de aula, poderia ter ainda mais a dizer. Justiça seja feita,
porém: em outro suporte – que não o papel desta revista –, talvez a linguagem usada sequer causasse estranhamento. Trata-se, afinal, de modo
de expressão cada vez mais frequente, facilmente encontrado em situações
comunicativas engendradas por jovens interlocutores com o auxílio de objetos hoje cotidianos (e essenciais), como celulares e computadores, desde
que conectados à internet.
O advento dos comunicadores instantâneos, das mídias sociais e
do sistema de SMS (Short Message Service) – tecnologia presente nos
celulares – levou à adoção, em determinados ambientes virtuais, de linguagens radicalmente distintas do chamado “padrão culto” do idioma. Em
nome da agilidade na troca de informações, os usuários lançam mão de
artimanhas como abreviaturas, gírias e símbolos, além de uma série de
onomatopeias – a reprodução de sons por meio de palavras. Até que ponto, porém, essa dinâmica seria capaz de influenciar a qualidade da escrita
dos estudantes? Eis o importante aspecto sobre o qual pais, educadores
e ferrenhos defensores das regras gramaticais têm se debruçado constantemente. A maior preocupação recai sobre crianças e adolescentes,
que, ainda em processo de aprendizado do padrão normativo da língua,
parecem estar mais vulneráveis à memorização dos “modelos alternativos” – o que, temem certos indivíduos, possa prejudicar a absorção dos
conteúdos oficiais disseminados pela escola.
Aos mais cautelosos e pessimistas, a boa notícia – fruto de consenso
entre pesquisadores do tema – é que as pessoas (especialmente, os jovens)
estão lendo e escrevendo como há muito não se via. A redação diária de e-mails, as mensagens via celular e a postagem em redes sociais trouxeram
o texto de volta ao cenário comunicativo. As possibilidades, portanto, pendem a desdobramento positivo: “Isso pode, sim, influenciar o aprendizado
da língua culta, mas acredito que para o bem. Quanto mais se escreve, mais
se aprende a escrever. Quanto mais recursos linguísticos são explorados,
mais ricos ficam os textos”, destaca a professora da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais (Fale/UFMG) Carla Viana Coscarelli.
A leitura, inclusive em ambientes digitais, é um dos focos das investigações
científicas e dos livros produzidos pela docente, que considera a exposição
a situações interlocutivas diversas como incentivo ao desenvolvimento de
habilidades. “Em função de haver inúmeras circunstâncias comunicativas
na internet, é provável que os usuários aprimorem sua capacidade de leitura
e de escrita”, pondera.
O desafio, por sua vez, reside na necessidade de refletir sobre o uso
acadêmico das tecnologias e as contribuições da escola no trato educacional com os alunos, em relação aos necessários processos de adequação
da linguagem às situações comunicativas. Para a diretora de Divulgação
Científica da Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, Silvania Sousa do Nascimento, formada em Ciências Experimentais (Física) e estudiosa do tema
“técnica e tecnologia”, a identificação do código pertinente a cada ocasião é
um dos grandes desafios. “Hoje, a questão é que o professor, por vezes não
nativo nessas tecnologias, deve conseguir ajudar o aluno a transitar entre o
lugar em que ele está e a posição de reconhecimento da norma culta, dos
diversos contextos, das linguagens – que sempre serão múltiplas”.
“Em função de haver
inúmeras circunstâncias
comunicativas na internet,
é provável que os usuários
aprimorem sua capacidade
de leitura e de escrita”
Carla Viana Coscarelli
professora da Faculdade de letras da
Universidade Federal de Minas Gerais (Fale/UFMG)
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
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Quem conta um conto
diminui um ponto?
Coscarelli adverte que não há escrita
restrita à internet. Identificam-se, na verdade, diversas linguagens, da mais formal
e padrão à mais informal, com registros
alternativos. No caso das plataformas comunicativas – a exemplo de chats (salas de
bate-papo virtual) e MSN –, muito dos termos e expressões hoje usados pelos jovens
eram comuns, por exemplo, nos saudosos
telegramas. Atualmente, porém, tudo ocorre
de modo mais intenso, em razão das facilidades propiciadas pelos ambientes digitais.
Os usuários das novas mídias acabaram por
desenvolver formas particulares de expressão, construídas e articuladas em situações
interlocutivas específicas.
Neste cenário, pode-se afirmar que
a linguagem empregada depende da situação de comunicação instaurada – ou, em
outros termos, dos objetivos dos interlocutores, assim como do grau de familiaridade entre eles. A escrita em ambientes
digitais nem sempre representa a oralidade, embora ela possa revelar a motivação
para o uso de certas formas usadas nas
interações. Muitas vezes, busca-se economia de caracteres em torpedos (SMS) e
mensagens via Twitter – espaços de ine-
rente brevidade – ou em bate-papos, que
primam pela rapidez.
Na acepção de Maria Teresa de Assunção Freitas, professora da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autora do
livro Leitura e escrita de adolescentes na
internet e na escola, o uso das abreviações
na rede mundial teve início, justamente,
com os chats. Nos e-mails, por exemplo,
esse formato ganha menos espaço, pois
não se trata de comunicação em tempo
real. Além disso, a troca de informação
ocorre em intervalos irregulares. No celular, há grande aceitação pela linguagem
simplificada, devido a fatores como a
necessidade de redução do tamanho das
mensagens, cujo envio, quase sempre, é
pago, e a dificuldade de digitar no minúsculo teclado do aparelho (leia mais sobre o
trabalho de Maria Teresa Freitas na página
46). “Os usuários mudam – ou deveriam
fazê-lo – sua maneira de se expressar em
várias situações. Nos bate-papos, escreve-se de um jeito; já no e-mail de trabalho, o
formato costuma ser bem diferente”, complementa Coscarelli.
No que diz respeito às abreviaturas,
embora se trate de alterações em termos da
língua portuguesa, a matemática é que não
deixa dúvidas: em busca do dinamismo no
processo comunicativo, economizam-se
dezenas, centenas ou milhares de caracteres. Como exemplo, tomem-se as frases
de abertura dessa reportagem. Como resultado do uso excessivo de consoantes,
economizou-se nada menos do que 30
letrinhas! Percebe-se, portanto, que, para
ganhar velocidade, basta reduzir a quantidade de códigos digitados, a partir da supressão de vogais, da troca de dígrafos por
consoantes que apresentem som similar
ou do emprego do “h” ao final das oxítonas, em substituição ao acento agudo.
Outra estratégia dos usuários refere-se à
imitação dos vícios da fala, de modo a aproximar a mensagem do contexto da oralidade – já que as conversas se processam
em tempo real. Neste cenário, expressões
e símbolos que demonstrem emoções entram em cena com o intuito de reproduzir o
comportamento do interlocutor. Entre tais
recursos, estão aqueles conhecidos como
emoticons, caracteres empregados para
ilustrar expressões faciais e signos relacionados a sentimentos.
proJETo NaCIoNal ESTIMUla USo DE CoMpUTaDor Na Sala DE aUla
Com formação em convergência de mídias pelo projeto IFra
Newsplex, da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, a professora Lorena Tárcia, atualmente, capacita docentes
para uso de tecnologias em sala de aula. Trata-se do programa
Um Computador por Aluno (UCA), por meio do qual os professores passam por etapas presenciais e online de aprendizado.
“Os cursistas discutem propostas para uma nova escola, a partir
de ferramentas da web 2.0 voltadas à educação e do emprego,
interdisciplinar, de novas tecnologias na escola”, explica. Neste
momento, inicia-se a formação a distância das turmas 7, 8 e 9,
com docentes das cidades de Timóteo e Monte Sião. “Trabalhamos com professores de ensino fundamental, principalmente de
escolas do interior de Minas”, explica a pesquisadora.
Projeto educacional para utilização de tecnologia e inclusão
digital, o UCA foi criado pelo governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, a partir de propostas apresentadas durante o Fórum Econômico Mundial realizado em Davos, na Suíça, no ano de
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
2005. No Brasil, a iniciativa começou, oficialmente, em 2007. Três
anos depois, 150 mil computadores já haviam sido distribuídos
a 300 escolas de todo o país. As instituições de ensino recebem
laptops – a serem manuseados por alunos e professores –, além
de infraestrutura para acesso à internet e aulas de capacitação de
gestores e professores para o uso das ferramentas tecnológicas.
“Minha experiência com o UCA revela o papel importante
das tecnologias na vida dos alunos. Tão logo recebem os laptops,
já estão íntimos da máquina. Passam a tirar fotos, a fazer vídeos e
a explorar seus recursos. Este uso instintivo, porém, está voltado,
geralmente, ao entretenimento e à geração de conhecimento”, explica Lorena Tárcia, ao ressaltar que daí surge sua convicção em
torno da ideia de que o melhor caminho a seguir é a parceria entre
alunos e professores. “Neste caminho, há obstáculos importantes, como a própria dificuldade do professor, que, muitas vezes,
trabalha em mais de uma escola e não encontra espaço, tempo ou
motivação para aprimoramento”, explica.
Cada contexto, um texto
Professor do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal
de Educação Tecnológica (Cefet-MG), Jerônimo Coura Sobrinho recorre ao teórico
francês Dominique Mangenot para destacar
a impossibilidade de se desprezar a relação
entre características do texto e natureza da
mídia usada pelos interlocutores. Embora
particularidades na produção mediada pela
tecnologia aproximem a escrita da oralidade, isso não significa que as pessoas estejam escrevendo errado. Muito buscam, tão
somente, adaptar o uso da linguagem ao
suporte utilizado: “O contexto é que define o
registro de língua. Se existe um limite de espaço, naturalmente, o sujeito irá usar mais
abreviaturas, como faria no papel”, afirma.
Da mesma forma, é preciso considerar a
capacidade de o destinatário interpretar corretamente a mensagem emitida.
No entendimento do pesquisador,
a escola, às vezes, insiste em ensinar um
registro utilizado apenas em contextos
específicos, o que acaba por desestimular
o aluno, que não vê sentido em empregar
tal modelo em outras situações. Independentemente dos aparatos tecnológicos da
atualidade, o emprego social da língua
revela-se muito mais significativo do que
seu uso escolar, conforme ressalta Silvania
Nascimento: “A dinâmica da língua oral é
sempre presente. Não falamos ou escrevemos da mesma forma que nossos avós. Até
a norma culta tornou-se diferente”. Some-se a isso o fato de os jovens se revelarem
os principais usuários das novas tecnologias, por meio das quais conseguem se
comunicar com facilidade.
A professora ressalta, porém, que
as pessoas precisam ter discernimento
quanto às distintas situações, de modo a
dominar outros códigos. Para muitos usuários, o trânsito entre a linguagem rápida
das redes sociais e o português formal
(das lições escolares) é intuitivo. Que o
diga Daniel Keesen de Souza, 14 anos,
estudante do 9º ano do Ensino Fundamental em instituição da rede particular de
Belo Horizonte. Desde os 9 anos, ele usa
o MSN – hoje substituído pelo bate-papo
do Facebook – para a troca de mensagens
com os colegas. O adolescente fica cerca
de três horas por dia conectado à internet.
Mas prefere não exagerar nas abreviaturas
e toma o cuidado de reler os trabalhos acadêmicos para evitar pequenos descuidos
na grafia. “Tenho colegas que, por força do
hábito, trocam palavras de vez em quando.
No começo do ano, estava acontecendo
muito e a professora precisou ser rígida
com o pessoal”, relata.
O papel da escola seria, justamente,
mediar tal contextualização – à maneira da
educadora de Daniel. Segundo os pesquisadores, isso pode ser feito por meio do
uso, no ambiente escolar, das próprias
tecnologias comunicativas. Desse modo,
estimula-se a reaproximação com o aluno,
o que pode facilitar o ensino de conteúdos
diversos. “É necessário discutir como a escola utilizará essas interfaces com o intuito
de produzir conhecimento e para o sujeito
aprender a ter critérios de validação”, opina Silvania Nascimento.
Exposto nas redes
Para a docente dos cursos de Comunicação Social da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e do
Centro Universitário de Belo Horizonte
(Uni-BH), Lorena Peret Teixeira Tárcia, que
trabalha com projetos relacionados ao uso
da tecnologia pelos jovens, o atual contexto trouxe à tona uma realidade anterior aos
computadores: o analfabetismo funcional
Segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD), do
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), entre 2009 e 2011,
a faixa etária com maior percentual
de uso da web foi de jovens dos
15 aos 17 anos. A análise também
aponta adolescentes entre 10 e 17
anos como responsáveis pelo maior
percentual de posse de celulares.
Quase 42% dos entrevistados com
idade entre 10 e 14 anos tinham celular próprio em 2011, crescimento
de 12,6 pontos percentuais em relação a 2009. Tal porcentagem chegou
a 67,5% em 2011, na faixa dos 15
aos 17 – aumento de 15,7 pontos
percentuais em relação a 2009.
e a dificuldade de expressão de crianças,
adolescentes e adultos formados ou em
processo de formação. “As redes e outros
recursos disponíveis, a meu ver, não contribuem para piorar isso, mas revelam lacunas
importantes”, destaca. Em sua experiência
com crianças e adolescentes, a pesquisadora percebe que aqueles que possuem
base educacional consistente sabem se
posicionar nas mais diversas circunstâncias
comunicacionais: tais jovens escrevem bem
quando o momento é formal, assim como
absorvem conteúdos e se integram de forma
criativa nas situações de informalidade.
Professora de Língua Portuguesa para
alunos do Ensino Médio da rede pública no
município de Carmo do Cajuru, no Centro-Oeste de Minas Gerais, Vanúzia Rabelo
Teixeira endossa as palavras de Tárcia: “Os
jovens estão habituados ao uso de linguagem rápida e alguns têm dificuldade de se
expressar de forma mais consistente. Não
acredito, porém, que seja influência direta do uso dessas ferramentas”, avalia, ao
comentar que os estudantes conseguem
diferenciar o contexto de uso da língua formal – apesar de identificar necessidade de
melhoria das habilidades de escrita e leitura. Em casa, Vanúzia monitora o acesso
dos filhos, de 8 e 11 anos, ao Facebook e
ao MSN, mas também não vê prejuízos ao
aprendizado das crianças, que, desde cedo,
manejam com destreza o computador e as
muitas possibilidades da internet.
A necessidade de adaptação aos
ambientes e às circunstâncias enriquece
as possibilidades de uso de linguagens,
cada vez mais múltiplas. Entretanto,
quando a formação educacional do jovem
não é sólida, as fragilidades se revelam
nas redes. “Outro dia, com um colega de
trabalho, fizemos breve pesquisa empírica
nas redes sociais sobre erros comuns de
grafia percebidos entre alunos universitários. As falhas se multiplicam nesses
ambientes”, exemplifica Tárcia. Este,
segundo ela, é o lado negativo. Existe,
contudo, uma série de pontos positivos,
já que críticas e correções em tempo real
também se espalham rapidamente. “Nunca se leu e se escreveu tanto. Agora, cabe
o esforço de zelar pela qualidade dessa
leitura e dessa escrita”, pondera.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
9
Sala de aula 2.0
Os estudiosos do tema são unânimes
em tratar as novas tecnologias como ferramentas a serem usadas a favor do processo de aprendizagem. “É claro que, assim como os outros recursos, até mesmo
caneta e quadro podem ser utilizados de
forma positiva ou negativa”, aponta Lorena
Tárcia. Tal dualidade de resultados também
é abordada por Silvania Nascimento: “Trata-se do mito de Prometeu. Como todo
presente de um deus, há a benção e a maldição. Aspectos positivos e negativos são
inerentes a qualquer transformação provocada pelo homem ou pela sua presença na
natureza”, reforça.
Prometeu foi o semideus que ensinou
a “técnica” do fogo ao homem.
Tárcia cita o exemplo do uso dos
computadores nas escolas. Se não houver propósito coerente com o projeto
pedagógico, a tecnologia, de maneira
abrangente, não representará um diferencial significativo. A instituição precisa se
envolver nesta cultura, assim como deve
incentivar a comunidade acadêmica. A
pesquisadora afirma que, como fruto do
engajamento, torna-se evidente o potencial dos recursos tecnológicos ao longo do processo de aprendizagem. “Os
estudantes se entusiasmam, tornam-se
parceiros dos professores, que nem sempre dominam aspectos técnicos, mas dominam a construção do conhecimento e
trabalham juntos neste propósito”. É fato,
concordam os cientistas, que os alunos
estão envoltos neste universo e a escola
não pode estar alheia às mudanças.
Um dos desafios a ser superados,
neste sentido, diz respeito à distância entre
a geração digital e a de “migrantes digitais”. Pesquisa sobre o uso da informática
na escola pública das capitais brasileiras,
realizada, em 2009, pela Fundação Victor
Civita – em parceria com o Ibope Inteligência e a empresa Laboratório de Sistemas
Integráveis Tecnológico (LSI-TEC) –, mostra que o principal gargalo está no professor e não mais no acesso a equipamentos.
O resultado vai ao encontro das
constatações obtidas por meio do projeto
10
“Podcasts em situações de aprendizagem
presencial e não-presencial: possibilidades, limitações, efeitos da midiatização
de conteúdos e desenvolvimento de habilidades pelos usuários”, coordenado
pelo professor Jerônimo Coura, no Cefet.
A investigação procurou identificar se os
professores se interessariam em utilizar
a ferramenta, por meio da gravação de
arquivos de áudio nas aulas de idiomas,
como mecanismo auxiliar de ensino. Embora a ideia fosse focada nos docentes,
acabou despertando interesse por parte
dos alunos – que, segundo análise do
pesquisador, lidam com a tecnologia de
maneira natural. “Eles já usam essas novidades no cotidiano. Por isso, quando
inserimos os dispositivos no ambiente
escolar, aderem à proposta pedagógica
com muita facilidade, mais até do que os
próprios docentes”, infere.
Apesar dos ganhos quanto ao processo de aprendizado, muitos profissionais apresentaram resistência ao uso de
ferramentas como vídeos e podcasts,
preferindo as tradicionais aulas expositivas. “Enquanto isso, abríamos espaço
para os estudantes fazerem as próprias
produções. Foram eles, portanto, que
começaram a demandar”, conta Jerônimo Coura. O trabalho, porém, não foi em
vão. Também houve professores que, por
iniciativa própria, depois de participar das
oficinas ministradas durante o projeto,
tornaram-se mais atentos aos usos das
tecnologias em sala de aula. “Ou seja: é
possível vencer a resistência”, comemora
o pesquisador, ao ressaltar que negar tais
recursos, ao invés de incorporá-los, seria
andar na contramão da educação.
Tecnologia não tem idade
Silvania Nascimento explica que a
dificuldade de adaptação da geração “não
digital” ocorre em função da crença em
torno do progresso linear. Segundo tal
“teoria”, para construir um corpo de conhecimento adequado, a civilização deveria passar por etapas definidas. “Mas não
existe comprovação científica de que essa
sequência seja necessária”, argumenta.
Uma das investigações conduzidas pela
professora aponta justamente o contrá-
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
rio. O grupo coordenado por ela analisa
o uso de um dispositivo tecnológico por
parte de alunos da Educação de Jovens
e Adultos (EJA) do chamado “primeiro
segmento” – público que ainda não domina a norma culta. “Eles estão na fase
de aquisição do letramento e já trabalham
com esse aplicativo, desenvolvido com
o que há de mais recente em linguagem
de programação de computador. Ainda
não chegamos aos resultados finais, mas
consideramos a hipótese de que o sujeito
pode, sim, ‘pular’ etapas”, adianta.
A pesquisadora trabalha com a aplicação pedagógica dos chamados dispositivos multimodais – que permitem interação entre diversos tipos de linguagens
–, a exemplo de tablets, smartphones ou
ambientes híbridos (TV e rádio na web,
por exemplo). Busca-se transformar os
recursos com os quais os jovens já estão habituados a lidar, de forma a que
possam promover a aquisição de conhecimento. “É possível usar isso como
ferramenta que habilite a pessoa tanto
à leitura crítica do material que está aí,
quanto à produção de conteúdo, diferente
e de boa qualidade”, comenta.
Para o indivíduo imerso no mundo
das tecnologias digitais, o caráter restrito
da palavra escrita no papel, bidimensional,
soa como vasto limite. “Trabalhamos com
o conceito de cognição situada, produzindo situações de ensino que mergulhem o
sujeito nesta realidade que aí está”, explica Silvania, ao ressaltar que não se trata
de experiência teoricamente nova, já que,
desde a década de 1930, fala-se em levar
o cotidiano do aluno para a sala de aula. O
processo de aprendizagem, arremata Lorena Tárcia, deve ser construído a partir das
vivências dos estudantes: “Não faz sentido
que alguém com possibilidade de conexão,
durante 20 horas de seu dia, seja obrigado a suspender este uso nas 4 horas que
passa na escola. A educação para o uso
das tecnologias também é obrigação das
instituições de ensino”.
Diferentes formas de aprendizagem
ampliam, assim, o repertório cognitivo dos
educandos. O uso de áudio, vídeo, hipertexto ou infografias permite que os alunos
percebam o mundo a partir de parâmetros
diferenciados. “Esta vivência enriquece até
a escrita deles, pois expande sua capacidade de compreensão e reflexão sobre o
mundo e a realidade em que se inserem”,
afirma Lorena. É o que têm demonstrado,
na prática, trabalhos como os de Silvania
Nascimento, no ensino de Ciências, e de
Jerônimo Coura, nas aulas de idiomas. Os
pesquisadores, aliás, asseguram: é possível fazer o mesmo em outras áreas de conhecimento.
#ficaadica!
CaMINHoS para a EDUCação TECNolóGICa
Realizada por profissionais do Banco Mundial, pesquisa mapeou as principais tendências do entrelaçamento tecnologia/educação em
países emergentes como o Brasil. Confira o que há de bom e ruim:
1. Uso de tablets
Se, há cinco anos, as atenções dos governos voltavam-se
ao uso de laptops – como no caso do Projeto UCA –, hoje, investe-se no potencial dos tablets. É preciso ressaltar, contudo, que
a tecnologia não pode ser tomada como o “centro” dos projetos
educacionais. Antes, faz-se necessário mudar a mentalidade dos
formadores para novas concepções de aprendizagem. O aparato
tecnológico, em si, chega a ser irrelevante neste processo.
2. Crowdsoursing
Neste caso, vale a antiga máxima: “A união faz a força”. Trata-se do uso da capacidade de conexão da web para gerar conhecimento compartilhado, em ação como a tradução de vídeos para
outros idiomas, como forma de enriquecer o material oferecido
em sala de aula. Importante lembrar, no entanto, que a maior parte
destas ferramentas está ainda distante da realidade das escolas
brasileiras. Portanto, é vital que se valorize e incentive a geração
de conteúdo educativo em nível regional/local, considerando-se a
condição de vida dos alunos. Neste campo, há, no Brasil, iniciativas governamentais e da sociedade civil muito bem organizadas.
3. Uso de mídias sociais
Neste âmbito, há iniciativas escolares e ações governamentais bastante interessantes. A ideia é que as instituições aproveitem-se das possibilidades destes ricos ambientes de conexão e
conversação.
@ 4. Proibição do acesso à web
Tendência negativa apontada pelo Banco Mundial é o bloqueio, no ambiente escolar, do acesso a sites ou serviços da web.
Ao contrário da mera proibição, é vital que se realize trabalho educativo para uso destes recursos.
PROJETO: Situação argumentativa no processo de
formação inicial e continuada de professores de
ciências da educação básica
COORDENADORA: Silvania Sousa do Nascimento
MODAlIDADE: PPM IV
VAlOR: R$ 48.000
5. Desenvolvimento de habilidades cognitivas
A pesquisa aponta que o debate sobre a importância das tecnologias para o desenvolvimento de habilidades cognitivas na educação infantil tem avançado rapidamente, principalmente na ásia e
na América Latina. A tendência é ampliar a produção de recursos
para uso específico de crianças, desde quando entram nas escolas.
6. Apoio a alunos com necessidades especiais
As escolas também têm utilizado as tecnologias para engajar alunos com necessidades especiais. Muito ainda há a ser
desenvolvido nesta área, pois é visível a dificuldade de investimento – inclusive, na rede particular de ensino.
7. Debate sobre lixo eletrônico
Começa-se a discutir, nos países em desenvolvimento, a
destinação do lixo eletrônico gerado pelas mudanças tecnológicas. Se comparada aos países hegemônicos, porém, a discussão
revela-se ainda incipiente.
8. Monitoramento de alunos
O “fator Big Brother” é uma preocupação, pois certas escolas usam as tecnologias com o intuito de monitorar seus alunos
e professores. Punição e invasão de privacidade não são bons
sinônimos para educação.
9. Formação de lideranças
Diretores e coordenadores são peças-chave no processo de
“convívio” entre educação e tecnologia. Os investimentos tornam-se mais eficientes quando as lideranças estão capacitadas e valorizam o uso das novas ferramentas. Não adianta, portanto, formar
apenas professores.
PROJETO: Podcasts em situação de aprendizagem presencial e não-presencial: possibilidades, limitações, efeitos da midiatização de
conteúdos e desenvolvimento de habilidades pelos usuários
COORDENADOR: Jerônimo Coura Sobrinho
MODAlIDADE: Jovens Doutores
VAlOR: R$ 14.130
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
13
“Mesmo com o fato de que
a incidência de gravidez
na adolescência sofreu
ligeira variação positiva
nas três últimas décadas
do século XX, o que
contraria a tendência geral
de diminuição do número
de filhos por parturiente, a
questão quantitativa não pode
se constituir como o fator
explicativo da construção
social do problema ‘gravidez
na adolescência’”
Keila Deslandes
professora do Departamento de Educação do
Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da
Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)
14
populares” –, deve se delinear a partir dos
“princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável”.
A preocupação da pesquisadora diz
respeito ao investimento em ambientes nos
quais se possa rediscutir “a própria noção
de gravidez na adolescência, contextualizando-a, historiando-a e mostrando a sua
heterogeneidade para, então, problematizá-la, tendo em vista a história de vida de
cada sujeito, sua família e sua comunidade, no contexto de alternativas concretas e
opções autônomas”.
De 2008 a 2010, com financiamento da FAPEMIG, Keila Deslandes – que é
doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Paris 7 – realizou estudo acerca
dos mecanismos de educação afetivo-sexual construídos nas escolas. A investigação buscou problematizar as representações sociais da gravidez na adolescência,
com ênfase nos discursos de professores,
diretores e, principalmente, das jovens
estudantes que se tornaram mães. A pesquisa pretendeu, ainda, discutir o processo de inclusão e/ou exclusão das garotas
grávidas no ambiente escolar, assim como
“levantar” importantes questões de gênero. “Além disso, propusemos ações mitigadoras da evasão e do fracasso escolar
relacionados à maternidade adolescente”,
esclarece Keila.
Ao longo dos trabalhos de campo,
em busca de compreensão para as representações sociais da gravidez na adolescência, privilegiou-se o estudo qualitativo,
com coleta de dados por meio de entrevistas não-diretivas ou em profundidade. No
total, foram entrevistados oito professores
de escolas do Ensino Médio, escolhidos
de maneira aleatória e voluntária. Como
resultados de tais conversas, verificou-se
que, assim como nos discursos do senso
comum e da mídia, o corpo docente apresentou argumentos alarmistas e calcados
na ótica da prevenção da maternidade.
O que grande parte dos professores
parece desconhecer é o fato de que, muitas
vezes, a possibilidade de ser mãe – para
além de mera surpresa – revela-se parte de
um projeto de vida, ainda que pouco consciente, de muitas adolescentes pobres,
que, a partir da maternidade, inserem-se
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
em novo contexto social. “E, até diferentemente do que prevê o senso comum, se
reinserem na escola, com o objetivo de
buscar ‘melhor destino’ para si, para a família ou para a própria criança”, ressalta.
Anos dourados?
Em “sociedades de hiperconsumo”
– conforme a definição do filósofo francês
Gilles Lipovetsky –, a gravidez na adolescência seria compreendida, por parte significativa da população, como obstáculo à
conquista do que Keila Deslandes chama
de “oportunidades sociais”. Trata-se, nos
termos da pesquisadora, dos ideais fortalecidos em função de fatores como “o
aumento da expectativa de vida das comunidades, o prolongamento da escolarização, as mudanças nos papéis sociais
– relacionadas à emancipação feminina,
com desvinculação entre sexualidade e
reprodução – e a massificação do acesso
a bens de consumo”.
Em tal cenário, a gravidez na adolescência despontaria como “verdadeiro
desperdício do leque de oportunidades
e prazeres da vida juvenil, capaz de um
forte sentimento de indignação por parte
da sociedade”, comenta Keila, ao lembrar
que, segundo tal lógica, além de esbanjar
a própria vida, as adolescentes grávidas
poriam “em prejuízo as gerações ‘futura’
– posto que exposta aos riscos do abandono – e ‘passada’, convocada a assumir
responsabilidades, perante os netos, que
não seriam suas”.
Tais argumentos – baseados, no
ver da pesquisadora, em construção
conceitual da adolescência moderna, a
qual se localiza social, histórica e culturalmente – fundamentam-se no ideal de
que a juventude funcionaria, no processo de desenvolvimento humano, como
o “estágio” para a entrada triunfante na
vida adulta. “Essa concepção contemporânea, no entanto, esbarra num passado
recente, em que a noção de adolescência
não se fazia presente nos debates médicos, psicológicos, midiáticos ou do senso comum. Além disso, considerava-se
ideal a faixa etária dos 13 aos 19 anos
para o compromisso matrimonial e a
maternidade”, comenta.
A pesquisa lembra, ainda, que o aumento da taxa de fecundidade entre adolescentes não justifica, em si, a preocupação com o tema: “Mesmo com o fato de
que a incidência de gravidez na adolescência sofreu ligeira variação positiva nas três
últimas décadas do século XX, o que contraria a tendência geral de diminuição do
número de filhos por parturiente, a questão
quantitativa não pode se constituir como o
fator explicativo da construção social do
problema ‘gravidez na adolescência’”.
De modo hipotético, seria possível
imaginar, por exemplo, que a maternidade na juventude seguisse seu percurso
“natural”, enquanto a redução da taxa de
natalidade viesse a se tornar o problema a
ser discutido. “Instigante, o tema é destacado no filme Filhos da Esperança, no qual
a infertilidade da raça humana é levada ao
extremo de incapacidade de perpetuação
da espécie, num contexto futurista de caos
social e de nenhuma esperança no projeto
humano”, comenta.
Análise multifatorial
No entender da pesquisadora, só
seria possível problematizar a fecundidade na adolescência a partir da análise de
uma série de condições sociais e históricas. Tal investigação, portanto, implicaria a relativização do próprio fenômeno.
“A chamada gravidez na adolescência,
caracterizada pela Organização Mundial
da Saúde segundo parâmetros etários,
ocorrida na faixa entre 10 e 19 anos, não
é fenômeno homogêneo. Não se pode falar, afinal, que uma gravidez aos 10 seja
igual àquela que se dá aos 19”, destaca,
ao comentar, ainda, a imprudência de se
dizer que a gravidez de parceiros adolescentes seja igual àquela entre pessoas de
distintas faixas etárias. “A condição social
das parturientes também diferencia o problema, assim como o fato de o episódio
acontecer uma única vez, ou múltiplas vezes; se no contexto de um casamento, ou
entre solteiros; se relacionado, ou não, a
projeto de inserção social e afetiva”.
A maternidade na adolescência, portanto, origina-se de motivações e/ou situações, muitas vezes, antípodas. De um lado,
conforme ressalta Keila, pode ser vivida
irresponsavelmente. De outro, há de se
constituir como “estratégia assertiva, forma de resiliência no contexto de violência
familiar e anomia social, onde práticas de
prostituição e tráfico de drogas aparecem
como as oportunidades mais sólidas de
socialização e vida comunitária”. Nestes
casos, a jovem – adolescente grávida –
está propensa tanto a sair do ambiente escolar quanto a retornar aos estudos e aos
projetos de empregabilidade.
Projeto: Reprodução e projetos de
vida na adolescência contemporânea:
a gravidez na adolescência preocupa
o professor?
Coordenadora: Keila Deslandes
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 10.808
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
15
Engenharia
Uso de quartzito como agregado do concreto
amplia possibilidades e reduz impactos da mineração
Virgínia Fonseca
16
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
A referência pode ser bíblica, vir dos
contos infantis ou ser resultado da experiência e da sabedoria popular. O fato é que
a máxima está no imaginário coletivo: uma
edificação, para ser resistente, precisa ter
em sua base a solidez da rocha. A teoria é
corroborada pela ciência, que em diversas
vertentes se empenha na busca pelos materiais mais apropriados e sua melhor aplicação no ramo da construção. Se a pesquisa
sobre a utilização de determinado material
puder, ainda, resolver outra situação que
gera impacto socioambiental, tanto melhor.
Este é o cenário de trabalho desenvolvido por professores da Fundação de Ensino
Superior de Passos (Fesp), braço da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg)
no sudoeste mineiro. Os pesquisadores
estudam o uso, como agregado do concreto na construção civil, do quartzito, pedra
existente em abundância na região e cuja
exploração gera o descarte de grande quantidade de rejeitos no ambiente. A proposta é
conduzida pelos professores Eduardo Goulart Collares, diretor de pós-graduação, pesquisa e extensão da Fesp, e Ivan Francklin
Junior, coordenador do curso de Engenharia
Civil da instituição.
Minas Gerais é hoje o principal
produtor de quartzito do país. Conhecido
como “pedra mineira”, “pedra São Tomé”,
“pedra Itacolomi”, ou, simplesmente, “pedra de piscina”, o material é muito usado,
na construção civil, como revestimento.
O processo de extração, entretanto, gera
grande quantidade de rejeitos, mesmo nas
minerações que exercem sua atividade de
acordo com determinações explicitadas em
relatório aprovado pelos órgãos ambientais. Para sua finalidade de acabamento, o
quartzito deve ser extraído em placas com
padrões de espessura e comprimento. Assim, todo o material retirado que não obedece aos parâmetros de comercialização
é descartado nas pedreiras, ocasionando
problemas para os empreendedores e
impactos para o meio ambiente. Do total
do material desmontado, cerca de 90% é
considerado rejeito.
Foi a constatação dessa realidade
que motivou o início dos trabalhos na
Fesp. “Tive a oportunidade de visitar algumas pedreiras e pude perceber a quantida-
de de material de desmonte que se destina
ao bota-fora”, lembra Collares. Diante disso, o professor sugeriu ao então graduando
de Engenharia Civil Ivan Francklin Junior a
realização de testes com o material, comparando-o com os agregados de concreto
(brita) usuais na região. Os bons resultados acabaram originando outros trabalhos
de iniciação científica, a dissertação de
mestrado de Francklin Junior na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e seus
atuais estudos de doutorado na Universidade de São Paulo (USP).
Feito para durar
O quartzito é uma rocha metamórfica, derivada, comumente, do arenito.
Sua composição mineralógica básica é o
quartzo, geralmente superior a 95%, além
de micas (muscovita) e minerais acessórios. Apresenta foliação – planos paralelos,
semelhantes a “folhas” –,característica que
permite a ele ser considerado bom material
de revestimento na construção civil. O emprego como agregado do concreto, por sua
vez, não é usual comercialmente.
Collares volta ao conceito popular
para explicar o uso dos materiais agregados. “Quando se prepara o concreto para
construir uma edificação, planeja-se que
ele seja ‘firme como uma rocha’. O agregado ou brita é constituído, simplesmente,
por fragmentos de rocha e tem a função de
exercer esse papel, como componente do
concreto”, detalha. O material é responsável por 60% a 80% do volume da mistura
e pode exercer influência sobre a sua resistência mecânica, estabilidade dimensional
e durabilidade. Quanto mais homogêneo,
duro e resistente for o mineral, melhor seu
aproveitamento como agregado. As rochas
mais apropriadas para essa finalidade são,
segundo o professor, as magmáticas e algumas metamórficas, como granito, granodiorito, diabásio e gnaisse.
Para avaliar a possibilidade de uso
de um material como agregado, é preciso
analisar uma série de características, ligadas ao resultado da mistura obtida quando
produzido o concreto. Nesse caso, são
avaliadas as propriedades do concreto nos
estados fresco (fluído) e endurecido. Uma
das mais relevantes é a resistência, em vá-
O que é...
Rocha metamórfica: derivada
da transformação de rochas magmáticas ou sedimentares. Essa modificação de composição pode ocorrer
quando o ambiente em que está inserida possui condições de pressão e
temperatura diferentes daquelas onde
originalmente se formou. Exemplos:
Mármore, ardósia, quartzito, gnaisse
e pedra-sabão.
Rocha sedimentar: constituída
a partir de sedimentos – partículas de
rocha, lama, matéria orgânica – que
se acumulam em um local e, ao longo do tempo, sofrem compactação e
se transformam em rocha. Exemplos:
Arenito, calcário, conglomerado, dolomita e travertino.
Rocha magmática (ígnea): origina-se no interior da Terra, a partir da
solidificação do magma. Constitui a
base rochosa dos continentes, é muito
resistente e está entre as mais antigas.
Formam-se também quando ocorrem
erupções vulcânicas. Exemplos: Granito, basalto, gabro, diorito e riólito.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
17
Fotos: Rosana Cristina
Extração do quartzito para uso como pedra decorativa
gera grande quantidade de rejeitos
rios aspectos: à compressão, à abrasão e
ao impacto, dentre outras possibilidades.
A forma também é importante, pois possibilita ter mais brita na relação agregado/
cimento em um concreto e, assim, melhorar a solidez. Outro ponto importante é a
alterabilidade (potencial de desagregação),
já que o material estará exposto ao tempo
e aos agentes intempéricos, como chuva,
vento e grandes variações de temperatura.
Ao utilizar agregado que não apresenta bons índices com relação às propriedades mencionadas, perde-se em resistência
– imediatamente ou no futuro – e, assim,
o concreto não cumprirá o seu papel de
“imitar a rocha”. Existem normas técnicas e
recomendações para uso de materiais como
agregado, considerando essas e outras características. Foi com base nesses padrões
que a equipe de Collares e Francklin Junior
analisou amostras de quartzito de várias minerações do sudoeste do estado. “O ideal é
que os valores obtidos nos ensaios atinjam
pelo menos os limites mínimos”, aponta o
coordenador de curso.
Análise rigorosa
No primeiro momento, os pesquisadores visitaram 13 minerações de cinco
cidades do sudoeste mineiro: Alpinópolis,
Capitólio, São José da Barra, São João
Batista do Glória e Guapé. Após exame
preliminar, que envolveu verificação de aspectos litológicos e testes de resistência,
foram escolhidas cinco minerações – uma
em cada município – para estudo mais
aprofundado. “A análise inicial nos possibilitou distinguir ao menos dois grupos
litológicos de quartzitos, que passamos a
18
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
chamar tipo 1 e tipo 2. O primeiro, bastante
foliado, já é usado como pedra de revestimento. O tipo 2, mais maciço, geralmente é desmontado e jogado no bota-fora,
sem fins comerciais”, detalha Collares.
Esse último constituiu, efetivamente, o objeto principal da pesquisa.
Em seguida, os engenheiros realizaram dois tipos de análises: no agregado
do quartzito ocorrente nos bota-foras das
cinco minerações selecionadas e nos
concretos produzidos com estes agregados. Para realizar os testes, os pesquisadores observaram critérios de referência
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Na avaliação do agregado,
foram aferidas propriedades físicas, como
massa específica, porosidade e absorção
de água, além de aspectos relacionados
à forma e à alterabilidade – nesse caso,
por meio da exposição a ciclos alternados de imersão em água e secagem em
estufa. Também foi mensurado o quesito
resistência, sob três aspectos: à abrasão,
ao esmagamento e à compressão.
Para avaliação do comportamento do
concreto no estado fresco e endurecido,
a equipe observou características relacionadas à trabalhabilidade; à resistência – aqui, quanto a compressão, tração,
módulos estáticos de elasticidade e de
deformação – e à reação álcali-agregado.
Essa última diz respeito aos efeitos químicos que envolvem os hidróxidos alcalinos
provenientes, principalmente, do cimento e
de minerais reativos presentes no agregado usado na mistura. Como consequência,
podem se formar produtos que, na presença de umidade, são capazes de se expan-
Fotos: Rosana Cristina
Testes do concreto obtido em estado endurecido...
e fresco apresentaram bons resultados
Material acumulado nos bota-foras modifica a paisagem das regiões mineradoras
dir, gerando fissurações e deslocamentos e
comprometendo as estruturas de concreto.
Aprovado pela ciência
Os resultados de caracterização dos
agregados de quartzito, de maneira geral,
foram bastante satisfatórios em comparação à brita convencional, aos índices
apresentados por modelos acadêmicos de
referência e aos parâmetros estabelecidos
pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Os ensaios realizados com
as amostras dos bota-foras apontaram que
elas atendem às recomendações para uso
como agregado, classificando-se com nível ‘bom’ ou ‘excelente’ nos critérios verificados”, conta Francklin Júnior.
Nenhuma das amostras manifestou
presença de minerais expansivos e não houve degradação no ciclo água-estufa. Quanto
à reatividade álcali-agregado, verificou-se alguma potencialidade de reação com
determinados tipos de cimentos, mas sem
que isso representasse impeditivo para uso
do material. “Neste caso, recomendam-se
métodos preventivos, como a impermeabilização da estrutura e o uso de cimentos com
baixo teor de álcalis e com adições”, explica
o professor Francklin. Ele ressalta que estudos aprofundados, a partir de outros métodos de avaliação, devem ser realizados para
conclusão quanto a esse aspecto.
A coesão, a consistência e a homogeneidade dos concretos no estado fresco
foram bem avaliadas. Os pesquisadores
também identificaram o tipo ideal de britador a ser utilizado para obter grãos regulares, essenciais para produção de concretos
de alta compacidade, comprovando a eficácia dos agregados de quartzito, quando
processados em equipamento apropriado.
Concretizando possibilidades
Na continuidade da pesquisa, os engenheiros trabalharão aspectos mais específicos, principalmente no que diz respeito
às possíveis reações do agregado com o
cimento. Com o aprofundamento dos es-
tudos e o apoio de instituições que contribuem para a movimentação da economia
regional, a comercialização do mineral
pode tornar-se economicamente viável e,
com isto, contribuir para solucionar problemas sociais, econômicos e ambientais
que atingem o setor minerário do Sudoeste
de Minas Gerais, em especial no que se
refere aos quartzitos.
Os pesquisadores visualizam os benefícios provenientes do uso comercial do
quartzito como agregado. Com o tempo,
o descarte do material causa problemas
como desconfiguração da paisagem, alterações no relevo, assoreamento dos corpos d’água, destruição da vegetação nativa. Assim, do ponto de vista ambiental, o
uso alternativo do mineral contribuiria para
reduzir os impactos ambientais negativos.
“No que diz respeito ao aspecto econômico, o mercado passaria a oferecer um
novo tipo rochoso para uso na construção
civil, com custo mais baixo, uma vez que
não demandaria os encargos necessários
para a abertura de uma nova jazida”, antevê
Francklin Júnior, para quem o novo foco
poderia, até mesmo, revigorar as minerações, gerando novos postos de emprego e
resgatando outros.
Para que essas mudanças se concretizem, Collares defende a necessidade
de mobilização social e política, além do
acesso dos mineradores a oportunidades
de realizar estudos específicos de seus
materiais. “Uma de nossas propostas
é criar, na Fesp, um centro tecnológico
de pesquisas em materiais rochosos para
construção civil. Assim, poderemos analisar e validar os produtos de cada mineração”, adianta. Os pesquisadores acreditam que pode ser esse o caminho para a
certificação do material e seu consequente uso comercial, com toda a segurança
exigida pelo mercado.
Projeto: Estudo da viabilidade de uso de
rejeitos de minerações de quartzitos do sudoeste mineiro como agregado no concreto
Coordenador: Eduardo Goulart Collares
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 49.442,62
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
19
entrevista
O negócio
da ciência
Vice-presidente de propriedade intelectual da Universidade Hebraica
de Jerusalém, Renne Ben-Israel comenta o modelo israelense de
transferência de tecnologia, baseado em pesquisa colaborativa
Juliana Saragá
O planeta tem hoje cerca de sete
bilhões de pessoas. Até 2050, estima-se
que este número cresça para 9,4 bilhões
de habitantes com necessidades de produtos e tecnologias inovadoras, capazes
de facilitar a vida e auxiliar nos desafios
deste “novo mundo” populoso. O Brasil
possui 2,8% da população e 1,9% do PIB
mundiais. Hoje, o país é a sexta economia
do mundo, e, apesar da precariedade da
educação e do ainda tímido investimento
em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I),
detém 2,7 % da produção de artigos científicos – apesar de apenas 0,2% das patentes internacionais serem registradas
como brasileiras. Isto significa que pouco
de nosso conhecimento é transformado
em produtos. Neste contexto, os países
que mais investiram em CT&I foram os
que mais avançaram economicamente.
Potências mundiais investem recursos da
ordem de 3% de seu PIB no setor. Estão
no topo do ranking Japão (3,44%), Coreia
(2,80%), EUA (2,68%), China (1,49%) e
Brasil (1,13%), empatado com a Rússia.
O debate em torno da Ciência, da
Tecnologia e da Inovação como pilares
geradores de negócios encerrou a primeira edição do Ciclo de Palestras Internacionais, promovido em 2012 pela
FAPEMIG. Quem falou sobre o assunto
com grande propriedade foi Renee Ben,
vice-presidente da Yissum (www.yissum.
co.il), a Companhia de Transferência Tec-
20
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
nológica da Universidade Hebraica de
Jerusalém. Na ocasião, ela apresentou
o modelo de transferência de tecnologia
aplicado na instituição, que se baseia em
pesquisa colaborativa.
Nesse modelo, a demanda pela pesquisa vem das empresas e a Yissum negocia e faz a intermediação entre universidade,
pesquisadores e empresários. A atividade
da companhia consiste em identificar os
projetos com potencial econômico, proteger
as invenções por meio de patentes ou outros
meios e criar o modelo de negócios para comercialização. “Israel é hoje um dos maiores depositantes de patentes do mundo. Isso
só se tornou possível porque, desde a década de 1960, temos políticas de apoio favoráveis”, ressaltou. A vice-presidente lembra
que, antes da implementação do modelo, as
aplicações de patente eram de propriedade
do governo, ficavam paradas e não se tornavam produtos.
A Universidade Hebraica conta,
hoje, com mais de 27 mil estudantes, 300
pesquisadores, 1.600 pós-graduandos
em biotecnologia, 100 centros de pesquisa, um terço do total da pesquisa acadêmica científica de Israel e mais de 60
patentes depositadas anualmente. Desde
sua fundação, foram mais de sete mil patentes e duas mil invenções registradas.
Por trás deste sucesso, há uma filosofia:
numa universidade, recrutam-se pesquisadores para ensinar, estudar e promover
Foto: Ilan Bessor
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
21
“É difícil conseguir estimular
uma empresa a assumir os
riscos do desenvolvimento
de um novo produto, baseado
numa pesquisa em nível de
bancada universitária, sem
proporcionar-lhe vantagem
competitiva. Esta vantagem
será, em geral, a possibilidade
de receber direitos exclusivos
à tecnologia, por meio das
patentes licenciadas”
o progresso da ciência através de suas
publicações. Ou seja: eles não são contratados para inventar. Por meio da pesquisa é que se chega às invenções, que
podem ter grande potencial econômico.
Entre os fatores que levaram ao sucesso da Yissum, Renne Ben-Israel aponta a excelência de seus pesquisadores, o
ambiente favorável no Estado de Israel,
a visão da universidade quanto às metas
estabelecidas para a Instituição, o trabalho intensivo e “um pouco de sorte”. Na
oportunidade do evento, Renne contou
à MINAS FAZ CIÊNCIA um pouco desta
experiência de trabalho, dos desafios e do
sucesso do modelo israelense de transferência de tecnologia.
Como funciona e quais os desafios da
pesquisa colaborativa?
Pesquisa colaborativa é o nome geral
que damos à pesquisa realizada entre instituições. Na maior parte dos casos, terá caráter complementar ou estratégico. Quando
a relação é entre instituições acadêmicas,
os desafios serão mais no âmbito da propriedade intelectual. Daí o surgimento de
questões como: “Quem será o proprietário
da patente?” “Quais os direitos das partes?” Porém, quando o acordo é realizado
entre uma instituição acadêmica e uma empresa, além da questão da propriedade dos
resultados da pesquisa, os desafios podem
ocorrer a partir do uso dos laboratórios
acadêmicos para fins alheios ao currículo
e ao programa de pesquisa original – e,
também, do envolvimento do pesquisador,
de sua atenção, de seu tempo, do incentivo
financeiro que recebe, entre outros fatores.
Por esse motivo, os contratos precisam ser
delineados com muito cuidado.
O modelo funciona bem em Israel. A
senhora acha que a pesquisa colaborativa teria sucesso nos países em desenvolvimento, como o Brasil?
Não vejo por que não. É uma questão de maturidade das instituições e do
reconhecimento da contribuição que o
modelo pode trazer ao país. Obviamente,
a parte regulatória é de suma importância.
Por um lado, os contratos devem permitir a prática da atividade de pesquisa sem
22
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
muitos entraves. Por outro, devem proteger as instituições.
Como fica a questão social – ou a criação de produtos que solucionem problemas sociais –, já que as patentes
de medicamentos, por exemplo, beneficiam apenas quem tem condições de
comprá-los?
A questão é delicada. É difícil conseguir estimular uma empresa a assumir
os riscos do desenvolvimento de um
novo produto, baseado numa pesquisa
em nível de bancada universitária, sem
proporcionar-lhe vantagem competitiva.
Esta vantagem será, em geral, a possibilidade de receber direitos exclusivos à
tecnologia, por meio das patentes licenciadas. É preciso entender que a empresa,
no momento em que recebe os direitos
de exploração comercial, tem como objetivo o desenvolvimento do produto para
seu proveito, o que pode, eventualmente, deixar de lado os menos favorecidos.
Neste caso, acho importante salientar a
iniciativa da Association of University Technology Managers (AUTM) – instituição
norte-americana que possui membros
em todo o mundo, inclusive brasileiros
– chamada Nine points to consider when
licensing university technology. A entidade recomenda que o direito proprietário
da instituição acadêmica seja usado para
beneficiar populações necessitadas. É
algo que a universidade, como detentora
da propriedade intelectual, pode requerer
na negociação de um contrato comercial. O governo é um agente que entrava a
chegada de produtos patenteados ao
mercado?
Não necessariamente. A questão está
ligada às políticas de cada governo. Mas qual seria o papel ideal dos governos nesse processo?
Não estou no papel de dar recomendações a governos. Mas, no momento
em que as instituições acadêmicas e comerciais chegaram a certa maturidade e
querem trabalhar em conjunto, só resta
ao governo estimular este intercâmbio.
Em geral, entendemos “estimular” como
sinônimo de criar um ecossistema de
suporte, ou seja, proporcionar boa infraestrutura legal, financeira, tecnológica, oferecer premiações a resultados de
excelência. Dialogar e facilitar, enfim, a
articulação entre as partes.
Vocês dão prioridade às parcerias nacionais?
Sim, mas não necessariamente. A
não ser que haja obrigação contratual (fundos governamentais, por exemplo). Procuramos a parceria mais adequada. Em sua palestra, a senhora mencionou
que uma das estratégias para que o
modelo de pesquisa colaborativa dê
certo é a regulamentação universitária. Fale-nos sobre ela.
A regulamentação universitária proporciona a base que determina claramente
os direitos e obrigações das partes. Determina, por exemplo, a obrigação do relato
de invenção à Yissum, os prazos máximos
para decisões, a percentagem a ser recebida por um sucesso comercial, um conjunto
de regras, enfim, que abrange toda a atividade e estipula os deveres e direitos do
pesquisador, da Universidade e da Yissum.
Como funciona o processo de transferência de tecnologia no modelo adotado?
A Universidade recebe fundos (75%
do Estado) e efetua pesquisa científica.
A Yissum tem direito aos resultados da
pesquisa e prospecta ativamente os laboratórios, para identificar os que considera viáveis e passíveis de comercialização.
Além disso, protege-os, através de patentes ou outros meios, e busca parcerias para contrato de licenciamento, pelo
qual outorga à companhia os direitos de
exploração comercial para desenvolver
e criar um produto a ser eventualmente
vendido no mercado. O contrato vai estabelecer marcos na pesquisa, pagamentos, gestão da propriedade intelectual
licenciada ou futura e percentagem dos
royalties a serem pagos pela companhia
à Yissum. Outros modelos incluem a
criação de spin-offs, participação em incubadoras tecnológicas etc. O pesquisador não se sente engessado
com tal regulamentação?
É possível que sim. Assim como
qualquer um de nós pode sentir-se “engessado” com seu contrato de trabalho,
que lhe proporciona um mês de férias, e
não três. A regulamentação que determina
a atividade de transferência de tecnologia é
uma dentre diversas outras. E faz parte do
compromisso contratual.
Quais os desafios do desenvolvimento
de pesquisa “encomendada”? O pesquisador sente-se pressionado com
prazos, contratos etc.? Como vocês
lidam com a questão?
A questão não é a pesquisa “encomendada”. Todo contrato que tenha um
plano de pesquisa terá prazos, limitações
etc. Aliás, ninguém vive numa ilha paradisíaca, sem limitações. Toda pesquisa,
inclusive a universitária, tem prazos, orçamentos, recursos humanos, equipamentos. No caso de um contrato comercial,
cabe à Yissum lutar e negociar para que o
mesmo não contradiga a regulamentação
universitária e a liberdade acadêmica. É
preciso trabalhar com o pesquisador para
que os compromissos assumidos possam
ser cumpridos de maneira efetiva. Comente o “vale da morte”. Como vocês lidam com essa fase? Há alguma
estratégia?
É inevitável lidar com esta fase.
Caso contrário, não encontraremos parcerias para nossos projetos. Lidamos
com esta etapa por meio da participação
em diversos programas governamentais
que proporcionem fundos, em programas
das indústrias e, também, com investimento próprio. Tudo isso para tentar driblar esta fase e torná-la comercialmente
mais atraente.
Como funciona a divisão dos royalties da patente obtida?
Por regulamentação universitária, os
royalties das patentes com sucesso econômico são distribuídos da seguinte maneira:
40% para os pesquisadores; 20% para os
laboratórios e 40% à Universidade. A Yissum fornece crédito para cobrir despesas e
investir em futuros projetos. “Todo contrato que tenha
um plano de pesquisa terá
prazos, limitações etc. Aliás,
ninguém vive numa ilha
paradisíaca, sem limitações.
Toda pesquisa, inclusive a
universitária, tem prazos,
orçamentos, recursos
humanos, equipamentos”
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
23
entomologia
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história de M
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igrejas de Tira
idades
e em outras c
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da Estrada Re
a
Virgínia Fonsec
24
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
O prédio original da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (1708), conta
a história, foi erguido por escravos que trabalhavam à noite e levavam, sob as unhas
e nos cabelos, ouro roubado de seus senhores para adornar o templo. A Matriz de
Santo Antônio (1710) é considerada uma
das igrejas brasileiras com maior quantidade do raro metal. Construída com o apoio
da Irmandade do Santíssimo Sacramento,
recebeu auxílio financeiro da Coroa Portuguesa para finalização das obras e possui,
além dos altares, todo o teto pintado em
ouro, doado pelos mineradores da época.
Já a presença de pepitas do tamanho de
grãos de milho deu origem ao nome da Capela de Santo Antônio do Canjica (1702). A
cidade de Tiradentes, na região de Campos
das Vertentes, é pródiga em narrativas que
remontam ao passado colonial do país e ao
auge do Ciclo do Ouro. Situada na rota da
Estrada Real, conserva, na arquitetura dos
casarios e das igrejas, traços de uma época
em que a exploração aurífera fez de Minas
um lugar rico em ideais e bens materiais.
Parte desse cenário, em diversas cidades históricas mineiras – e brasileiras –,
encontra-se, porém, sob ameaça de um inimigo “quase” invisível. Estudos realizados
por uma equipe da Universidade Federal de
Viçosa (UFV) mostram vasta presença de
pragas destruidoras de madeira nas centenárias igrejas que constituem o patrimônio
histórico nacional. Coordenados pelo professor Norivaldo dos Anjos, que desde os
anos 1980 realiza pesquisas sobre o tema,
os trabalhos já possibilitaram identificar riscos à integridade de bens imóveis em cidades como Ouro Preto, Diamantina e Serro.
No segundo semestre de 2011, foi concluído o relatório sobre Tiradentes, como parte
do pós-doutorado da engenheira florestal
Carolina Rocha da Silva.
Segundo considerações do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais (Iepha), ao lado de infiltrações e
problemas estruturais, os insetos xilófagos estão entre os principais agentes de
deterioração das edificações da herança
cultural brasileira. Com a importante ressalva de que a maioria das construções
do período colonial possui estrutura de
madeira – material também presente nas
mais significativas obras do interior das
edificações, a exemplo de talhas, painéis,
mobiliário, esculturas e outros bens integrados ou móveis. Some-se a isto o clima
tropical do país, propício ao desenvolvimento não só de grande variedade de insetos, mas também de diversas espécies
de microrganismos.
A proposta dos pesquisadores é ampliar o conhecimento sobre os xilófagos na
região do Caminho Velho da Estrada Real
– trecho mais antigo do trajeto, que liga
Ouro Preto a Paraty (RJ) –, começando por
Tiradentes, com a finalidade de conservar
e proteger o patrimônio. “Desejamos que
esses dados possam ser úteis aos programas dos governos federal e estadual para
liberar recursos aos municípios ou órgãos
responsáveis pelos bens, de forma que
possam ser reformados e restaurados”,
justifica Carolina. Os levantamentos confirmaram a presença de insetos em todos
os patrimônios avaliados na cidade mineira, apontando, de fato, a necessidade
de intervenção com vistas à preservação
de edificações e elementos históricos de
grande relevância para a memória do país.
À procura do inimigo
Os estudos em Tiradentes tiveram
início em agosto de 2010, com a participação da pesquisadora Carolina Rocha da
Silva, auxiliada por estudantes de iniciação
científica do Laboratório de Insetos Xilófagos da UFV, sob orientação do professor
Norivaldo dos Anjos. Foram avaliadas seis
igrejas e capelas de importância histórica
para o município: Igreja de Nossa Senhora
do Rosário dos Pretos, Matriz de Santo AnSão aqueles que se alimentam de madeira ou, mais precisamente, de um de
seus constituintes, a celulose. Pertencem a esse grupo as traças, as baratas, os cupins e os carunchos, sendo
os dois últimos os mais importantes,
do ponto de vista dos danos causados
a edificações e monumentos históricos. (Leia mais no box à página 27.)
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
25
tônio, Igreja de São João Evangelista, Capela de Santo Antônio do Canjica, Nossa
Senhora das Mercês e Santuário da Santíssima Trindade.
Assim como nas demais cidades
onde já houve o levantamento, o primeiro
passo foi a aplicação de um questionário
para avaliar o grau de conhecimento dos
responsáveis pelas edificações em relação
aos insetos xilófagos. Além do tempo de
trabalho da pessoa no imóvel, buscou-se identificar as partes construídas em
madeira e investigar a presença de fatores
físicos (como a umidade) capazes de acelerar a degradação, o conhecimento dos
zeladores sobre insetos xilófagos, o histórico do controle de pragas, e, por fim, os
prejuízos acarretados pelos “pequenos invasores”. Também se pesquisou a realização de reformas no patrimônio. “Em caso
afirmativo, procurávamos verificar o tipo
de madeira utilizada e saber se o material
havia recebido tratamento. Isso possibilita
avaliar a qualidade do serviço prestado e a
perenidade da reforma”, explica Norivaldo.
Em seguida, os pesquisadores realizaram detalhada inspeção visual dos imóveis e
de todo o acervo, para promover a coleta de
insetos e verificar o real estado de conservação do patrimônio. A mesma investigação foi
feita nas redondezas das edificações, pois,
segundo o professor, a técnica de inspeção
visual é suficiente para o satisfatório levantamento de ataques por insetos. As amostras
coletadas seguiram, então, para identificação
no Laboratório de Insetos Xilófagos do Departamento de Entomologia da UFV.
Vista da balaustrada do coro, na
Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
No Santuário da Santíssima Trindade,
detalhe do Arco do Cruzeiro
Confessionários e outros representativos móveis
em madeira são alvo da ação dos xilófagos
Peças do telhado das construções também são afetadas pela presença dos insetos
26
Conhecer para combater
Em Tiradentes, a maior parte das igrejas
ainda guarda suas características da época da
construção. Muitas assumem papel importante para a população local, não apenas pelo
contexto histórico, mas por terem se tornado
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
alguns dos principais pontos turísticos da região. Os pesquisadores inferiram que todos os
patrimônios religiosos avaliados estão sendo
deteriorados pela presença dos insetos. Mesmo em templos reformados há menos de 10
anos, como é o caso da Matriz de Santo Antônio – que passou por revitalizações entre os
anos de 2001 e 2005 –, há presença de madeira infestada por pragas nos compartimentos
examinados. Os dois principais grupos de xilófagos foram detectados danificando peças de
madeira (estruturais ou artísticas) das igrejas:
“Os insetos pertencentes a estes grupos são da
ordem Isoptera, que compreende os cupins, e
da ordem Coleoptera, na qual estão os carunchos”, detalha Norivaldo.
Os insetos mais encontrados foram o
cupim-de-madeira-seca, o cupim-de-solo
e algumas espécies de carunchos, como
o besouro-de-casa-velha. “Dentre esses,
o Cryptotermes brevis, ou cupim-de-madeira-seca, pode ser considerado o vilão
dos patrimônios históricos, devido a seu
poder de degradação intensa e silenciosa”,
comenta o professor. “É necessário intervir
nestes patrimônios, de forma incisiva, para
combatê-los”, avalia.
Durante a vistoria, os pesquisadores
também tiveram o cuidado de mostrar aos
zeladores os indícios de ocorrência das
pragas e, quando possível, os próprios insetos. “Sempre procuro alertar que há
necessidade de intervenção toda vez que
encontrá-los no ambiente. Assim, quem
não os conhece passa a conhecê-los e fica
Fotos: Carolina Rocha da Silva
Diamantina, Ouro Preto, Serro, Roças Novas... Os pesquisadores da UFV já
desenvolveram estudos em várias cidades
históricas mineiras, assim como em outros
Estados, a exemplo das ações no Pelourinho,
em Salvador (BA). Segundo Norivaldo, no
geral, pode-se dizer que o patrimônio nacional sofre constante deterioração por parte dos
insetos xilófagos. Não é raro encontrar arte-
timentos governamentais na preservação.
Segundo o Iepha, a quantidade de recursos
disponíveis para as políticas de conservação,
de fato, fica aquém da demanda, o que faz
com que sempre exista alguma edificação em
estado de maior atenção. Tal realidade torna
ainda mais relevantes os trabalhos científicos
na área, uma vez que é necessário definir prioridades para ações pontuais e, ao mesmo tempo, buscar subsídios para a estruturação de
políticas que possibilitem a atuação contínua.
O responsável técnico por restauro e conservação da Superintendência do Iphan em Minas,
Antônio Fernando Batista dos Santos, pondera
que iniciativas como a do professor Norivaldo
são de fundamental importância para a preservação do patrimônio cultural brasileiro. “O
diagnóstico e o mapeamento da ocorrência da
atuação dos insetos nas edificações mineiras
são essenciais para uma intervenção de restauro adequada”, reafirma.
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de importância cultur
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trabalho de acompanh
Em nome da história
Vigilância
fatos históricos praticamente irrecuperáveis
devido à ação desses organismos. Em outros
casos, a peça atual não tem nada a ver com a
original, tal a transformação devido ao restauro de algo repetidamente degradado. Quando
se trata de registros escritos, a situação é
ainda mais complicada, pois o que se perdeu
jamais será resgatado. “É necessário que se
amplie a fiscalização referente aos insetos.
Também há que se demandar profissionais
com competência técnica para resolver estes
problemas junto a restauradores, historiadores e engenheiros”, recomenda.
Além do monitoramento periódico e da
capacitação dos responsáveis pela manutenção dos bens, o professor defende o incentivo às pesquisas, que ajudariam a demonstrar
qual a real situação dos imóveis e, ao mesmo
tempo, aumentariam o número de profissionais qualificados no mercado. Ele também
aponta a necessidade de aumentar os inves-
Fotos: Carolina Rocha da Silva
atento aos problemas que podem causar”,
diz Carolina.
Até mesmo na Capela de Santo Antônio do Canjica, reformada em 2010 devido
a danos causados por insetos xilófagos
no piso e no telhado, os pesquisadores
detectaram a presença das pragas em certos pontos. Carolina Rocha alerta que a
restauração é o primeiro passo para a preservação dos bens culturais. Não se pode
esquecer, porém, a necessidade de realizar
monitoramento constante das obras. “Esse
acompanhamento irá alertar sobre o dano
quando ainda for passível de conserto, já
que, em se tratando de insetos xilófagos,
quanto mais cedo for detectada sua presença, mais eficaz é o controle, o que evita
a reposição de peças”, ressalta. No caso da
capela, com o objetivo de garantir a vida
útil da reforma, foi recomendado o tratamento imediato dos locais infestados, para
evitar que os insetos se proliferem e danifiquem a parte de madeira recém-trocada.
A realização das vistorias, nos patrimônios religiosos de todos os municípios
já contemplados, recebeu autorização das
paróquias envolvidas. No caso de Tiradentes, Norivaldo conta que houve grande interesse da arquidiocese pelo levantamento,
visto que as edificações avaliadas têm previsão de passar por restauro. Assim, para
as igrejas locais, confeccionaram-se relatórios individuais – contendo a listagem
de insetos xilófagos identificados em cada
edificação –, entregues à diocese e ao escritório local do Iphan. “Observamos que,
em vários locais visitados, a população
mostrou-se agradecida pela realização do
levantamento. Afinal, para eles, isto significava que alguém olhava pelo patrimônio. Ampliou-se, assim, a esperança de as
obras ocorrerem”, relata o professor.
Caruncho
(Tricorynus herbarius
- família Anobiidae)
seca
eira-mad s brevis)
e
d
e
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Cupi ptoterm
(Cry
una sua preservação, seg
intervenções, visando
prio Instituto.
do informações do pró
ha,
s tombados pelo Iep
ben
dos
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No cas
ado
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lia
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Projeto: Levantamento dos insetos xilófagos no patrimônio histórico da cidade de
Tiradentes-MG, pertencente ao caminho velho da Estrada Real
Coordenador: Norivaldo dos Anjos Silva
Modalidade: Bolsa de pós-doutorado
Valor: R$ 45.360
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
27
enfermagem
Perigo insone
Estudo desenvolvido por pesquisador da Escola de Enfermagem
da UFMG revela que trabalhadores noturnos estão mais
suscetíveis a problemas cardiovasculares
Maurício Guilherme Silva Jr.
28
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
Responsável pela segurança das
mais de 200 pessoas que, noite a noite,
cumprimentavam-no no hall do grande
edifício, ele sempre se achava meio “sem
lugar”. Conhecedor dos costumes daqueles a quem precisava proteger, mantinha-se atento a todo pequeno vestígio de
problema. Afinal, para revelar sua imprevisível “face”, o perigo tende a aproveitar,
justamente, a escuridão da madrugada.
Porteiro há exatos cinco anos, Elias Sodré
lembra-se com reservas – e sem saudade
– do período em que cumpria escala de
trabalho das 19h às 7h. Além da tensão
quanto aos imprevistos da penumbra,
o profissional sentia grande dificuldade
para controlar o sono e, como antídoto
à constante ansiedade, passara a comer
muito mais do que o habitual.
Ainda funcionário no mesmo prédio
– mas, agora, em escala diurna –, Elias é
certeiro ao identificar os efeitos da antiga
jornada sobre a saúde de seu corpo: “Durante mais de um ano, saí do expediente às
7h. Quando chegava em casa, conseguia
dormir, no máximo, até meio-dia. Por isso,
não era possível recuperar o sono perdido
ao longo da noite. Como resultado, passava muito mais tempo gripado e com baixa imunidade”. A constatação pessoal do
atencioso porteiro – sempre preocupado
com o bem-estar dos moradores sob sua
responsabilidade – vai ao encontro dos
resultados de estudo desenvolvido, entre
2009 e 2011, na Escola de Enfermagem
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), pelo pesquisador Adriano Marçal
Pimenta, hoje professor do Departamento
de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde
Pública da instituição.
A investigação de Pimenta – que
contou com financiamento da FAPEMIG –
confirmou certa máxima já apregoada por
uma série de pesquisas internacionais: trabalhar à noite representa importante fator
de risco para o desenvolvimento de doenças cardíacas. “Isso por que o organismo
funciona segundo o ciclo circadiano. Ou
seja, o corpo alterna momentos de maior
e menor atividade. Como resultado do trabalho de neuro-hormônios, o sistema cardiovascular foi programado para diminuir
sua ação no período noturno e aumentar
no diurno”, explica o professor, ao comentar que os trabalhadores “da madrugada”
não contam, justamente, com a necessária
e significativa diminuição do processo de
funcionamento do coração: “Se tal regime
de trabalho é mantido por muitos anos,
o ciclo circadiano do indivíduo pode se
desrregular, aumentando o risco de eventos cardíacos”.
Hipóteses objetivas
Além de estimar a relação entre turno de trabalho e iminência de problemas
cardiovasculares, o estudo coordenado por
Adriano Marçal buscou identificar a influência do estresse e da jornada profissional
sobre o funcionamento do coração. Atentos a tal tríade de fatores, os pesquisadores
seguiram à construção da hipótese central
da investigação, que acabou por se revelar
bastante clara e objetiva: trabalhar em excesso, à noite e em condições estressantes
aumenta significativamente a possibilidade
de problemas no órgão vital.
Desde 2001, quando se vinculou – como bolsista de iniciação científica, financiado pela FAPEMIG – ao grupo de pesquisa do professor Jorge Gustavo Velásquez Meléndez, também do departamento de Enfermagem Materno-Infantil
e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, Adriano Marçal Pimenta
investiga a epidemiologia das doenças crônicas e agravos não transmissíveis. O
projeto sobre a relação entre a natureza das atividades profissionais e o risco de
problemas cardiovasculares surgiria a partir das hipóteses levantadas no período em que realizava mestrado na Universidade. A temática, ainda hoje incipiente
no Brasil, seria amadurecida, anos mais tarde, em seu estágio sanduíche de
doutorado, já na Universidad de Navarra, na Espanha.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
29
Realizada a partir de entrevistas e
exames com funcionários diversos do
campus Saúde da UFMG – profissionais de
limpeza, motoristas, seguranças, professores e servidores técnicos e administrativos
–, a pesquisa não limitou seu público-alvo
em virtude da hipótese preconcebida pelo
projeto. “Se trabalhássemos com grupos
homogêneos, os fatores de exposição
poderiam ser muito semelhantes e não
teríamos como realizar comparações”, esclarece Pimenta.
Profissionais de saúde – entre os
quais, médicos, enfermeiros, psicólogos,
odontólogos, nutricionistas, fisioterapeutas,
técnicos de enfermagem e de laboratório
– também foram entrevistados pelos pesquisadores. “Não houve, contudo, motivo
específico que justificasse essas entrevistas. A grande relevância de sua participação
disse respeito às atividades noturnas que
desempenham”. Ao todo, 211 voluntários
participaram da pesquisa. Além de responder a questionários, todos passaram por
exame físico, para aferição de seus níveis
de pressão arterial e checagem das medidas antropométricas (veja box). “Ao término
do estudo, encaminhamos os participantes
a um laboratório de análises clínicas para
dosagem sanguínea de colesterol total e de
frações, triglicérides e glicose”.
Hipertensão
Em 2005, quando da defesa de sua
dissertação de mestrado – sobre fato-
res associados à hipertensão arterial em
áreas rurais –, Pimenta atentara-se para
o fato de que os homens apresentavam a
mesma magnitude da doença do que as
mulheres, porém, com perfil antropométrico caracterizado por menores prevalências de sobrepeso e obesidade. “À época,
uma das hipóteses levantadas foi a de que
as condições de trabalho teriam aumentado o risco de desenvolvimento de hipertensão entre os trabalhadores do sexo
masculino e, ao mesmo tempo, protegido-os contra o sobrepeso e a obesidade”,
afirma o professor, ao explicar, em suma,
a origem acadêmica do estudo que viria a
desenvolver a partir de 2009.
Já dedicado à compreensão da relação entre condições de trabalho e funcionamento do sistema cardiovascular, o
pesquisador investiria em comparações
mais complexas, que apontavam, por
exemplo, os efeitos nocivos da jornada
profissional noturna. “Independentemente de profissão, hábitos alimentares,
rotina de exercícios físicos, consumo de
bebidas alcoólicas, renda, escolaridade,
hipertrigliceridemia e obesidade, exercer
atividades laborais à noite revelou-se fator sempre associado ao risco cardiovascular”, comenta.
Ao elucidar que tal associação fora
mensurada segundo o “escore de Framingham” – metodologia que leva em
consideração elementos como idade do
paciente, sexo, hábito de tabagismo, presença de diabetes, assim como nível de
pressão arterial e índices de colesterol
total e HDL –, o pesquisador chega a uma
das mais importantes comprovações de
seu estudo: “Dentre tantos componentes,
a pressão arterial foi a que mais sofreu
influência do trabalho noturno”.
Segundo dados da pesquisa, a prevalência de alto risco cardiovascular foi
67% maior entre profissionais que trabalham à noite, em comparação com os
trabalhadores diurnos. Contudo, não só
a atividade noturna deve ser associada
ao elevado risco de distúrbios cardiovasculares. Outra importante conclusão
da pesquisa refere-se aos perigos da alta
exigência profissional: “O estresse no trabalho também está diretamente associado
a problemas no coração”.
Como resultados secundários do
estudo, destaquem-se os fatos de que os
hábitos alimentares dos trabalhadores
entrevistados mostraram-se ruins – com
alta ingestão de gorduras e baixo consumo de frutas, verduras e legumes –,
assim como o sedentarismo é compartilhado por grande parte dos trabalhadores. “Além disso, muitos indivíduos
apresentam doenças crônicas e agravos
não transmissíveis, com destaque para
hipertensão arterial, dislipidemias, obesidades global ou abdominal e síndrome
metabólica”, conclui Pimenta.
Foto: Marcelo Focado
Corpos em evidência
No total, 28% dos entrevistados pela pesquisa apresentavam alto risco cardiovascular. Confira os principais índices detectados após os
exames laboratoriais e antropométricos:
34,1% dos participantes possuíam obesidade abdominal
23,7% contavam com altos níveis de triglicérides (> 150 mg/dl)
55,4% apresentavam altos níveis de colesterol (> 200 mg/dl)
45,9% continha baixos níveis do HDL-c, o chamado “bom
colesterol” (> 40 mg/dl para homens e > 50 mg/dl para mulheres)
30
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
Elias Sodré: aversão à escala noturna
Projeto: Condições de trabalho e suas relações
com o elevado risco cardiovascular
Coordenador: Adriano Marçal Pimenta
Modalidade: Jovens Doutores
Valor: R$ 24.478
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Sabor de ascendência peruana, com
uma pitada de tecnologia mineira: a descrição pode parecer estranha aos ouvidos,
mas, com certeza, é bem familiar ao seu
paladar. Seja frita, dourada e crocante, assada, recheada ou servida como primoroso complemento de saladas exóticas, em
algum momento ela esteve em seu prato.
A Solanum tuberosum, popularmente conhecida como batata inglesa – pela intensa
prática de seu plantio entre as colônias britânicas no Brasil –, conquista paladares nos
quatro cantos do mundo e invade os pratos
das mais diversas tradições, sendo hoje o
terceiro alimento mais consumido pela humanidade. O prazer gustativo, o baixo custo
e a alta oferta de nutrientes da batata fizeram
dela tão requisitada que se tornou impossível imaginar o mundo da gastronomia contemporânea sem sua existência.
Em contrapartida a seu sabor amplamente apreciado, porém, o cultivo de
batatas carrega consigo reputação infame,
foco de polêmico debate em comunidades
científicas de todo o mundo, devido a uma
antiga questão: o vasto volume de agrotóxicos com os quais o vegetal é bombardeado.
Alvo de variadas espécies de pragas, com
limitada disponibilidade de alternativas para
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
31
“Hoje, graças a nossos
estudos, agricultores
podem explorar o potencial
máximo de produção de
suas lavouras, usando a
dosagem mínima permitida
de agroquímicos”
João Paulo Arantes Rodrigues da Cunha
professor e pesquisador do Instituto de Ciências
Agrárias da Universidade Federal de Uberlândia
32
a produção em larga escala que dispense o
uso de pesticidas – o que se soma à sua
alta demanda –, as lavouras se deparam
com a problemática dos agroquímicos. “É
de conhecimento da própria dona de casa
que a batata é um alimento que recebe muitas aplicações de defensivos agrícolas”,
comenta João Paulo Arantes Rodrigues da
Cunha, professor e pesquisador do Instituto
de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Com o propósito de modificar tal cenário, o professor criou a linha de pesquisa
denominada Engenharia de Aplicação de
Defensivos Agrícolas. Tendo por meta estabelecer estratégias de cultivo de batatas
com menor exposição à agressiva reatividade dos defensivos agrícolas, João Paulo
Cunha formou equipe de pesquisadores
determinados a desenvolver soluções práticas e mais ecológicas para o obstáculo
da conservação dos batatais. “A escolha da
batata como objeto central da pesquisa se
deu ante à importância do alimento na nutrição e na economia mundial, assim como
à sua expressividade na produção rural de
Minas Gerais, contrastando com a necessidade de tornar sua cultura mais sustentável
e econômica”, explica.
Hoje, graças ao empenho da equipe
de especialistas, a realidade está mudando. “Há alguns anos, as lavouras de batatas recebiam volume de aplicações de
agroquímicos bastante alto. Isso se devia
ao despreparo operacional”, afirma, ao comentar, ainda, a instauração de um plano
estratégico de produção, “com menor risco
ao ambiente, ao operário e ao consumidor
e capaz de gerar, ao mesmo tempo, rentabilidade para o produtor”, completa. Arrojado, o projeto envolveu comprometimento
e trabalho árduo.
O estudo – que se consolidou em
2005 com o subsídio concedido pela FAPEMIG – deu início a intensa pesquisa de
campo nas fazendas do Triângulo Mineiro,
com o objetivo de se investigar os reais
impactos das aplicações de defensivos
nas plantações. Segundo João Paulo, verificou-se que, atualmente, os fitossanitários apresentam toxicidade mais baixa. “O
produto é seguro se a aplicação respeitar
as devidas diligências. Por isso, garantir a
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
capacitação técnica para manipulação destas substâncias era o critério principal da
pesquisa”, argumenta.
Erros e prejuízos
Concentrada na manutenção dada
aos produtos e equipamentos de aplicação
usados nas fazendas, a equipe, inicialmente, estruturou um laboratório de inspeção
das máquinas pulverizadoras. Durante as
investigações, os cientistas constataram
alto índice de inconformidades na conservação do maquinário – de entupimentos
dos aplicadores e vazamentos nos reservatórios dos produtos ao uso de pontas de
pulverização impróprias ao tipo de atividade exercida. “Situações do tipo levam ao
consumo indevido dos agroquímicos, o
que acarreta concentração dessas substâncias acima dos padrões em determinadas
áreas e ausência de proteção em outras”,
relata o professor.
Como consequência, pode se desencadear uma gama de prejuízos, com
contaminação do ambiente e da colheita,
além de perda da produção, devido à distribuição irregular dos defensivos. Outra
linha de pesquisas foi posteriormente iniciada pelo grupo, dessa vez determinada
a avaliar a importância das pontas de pulverização na eficiência dos tratamentos.
“Existem diversos modelos de bicos aplicadores voltados a diferentes objetivos. A
escolha da peça adequada requer conhecimento muito específico. Percebemos,
então, a necessidade de conceder fomento ao agricultor também nesse quesito”,
diz João Paulo Cunha.
Os produtos aplicados nas lavouras popularizaram-se pelo nome de
agrotóxicos. O professor João Paulo
Cunha, contudo, explica que a palavra
é tecnicamente questionável, mediante o sentido depreciativo que atribui
aos produtos. Fitossanitários é um
termo usado mundialmente para se
referir aos defensivos agrícolas, visto
que se trata de substâncias com propriedades sanitárias para preservação
ou defesa dos vegetais.
Ambientes de pesquisa
Os estudos dividiram-se em dois
diferentes “ambientes”. Durante os testes
laboratoriais, adotou-se o método de difração de raio laser, para medir o espectro de
gotas produzido por diferentes pontas de
pulverização e mensurar a dispersão das
gotas em razão da estrutura destas peças.
Paralelamente, ministraram-se testes de
campo, nos quais, ao aplicar uma espécie
de corante com as mesmas propriedades
de dispersão e aderência dos defensivos,
examinou-se o comportamento do líquido em ambientes expostos a condições
climáticas diversas. João Paulo Cunha
explica que “a ponta determina o tamanho
da gota. Se for muito grande, escorrerá da
folha para o solo; se muito pequena irá se
dispersar no vento, o que representa perda
de material e dano para o ambiente. Ela é
a chave do negócio, e sua avaliação requer
análise técnica difícil de estabelecer sem
ambiente de pesquisas adequado”.
Nessa mesma fase, também foi
testada a eficácia do uso de adjuvantes –
aditivos químicos que têm por função suplementar os efeitos dos pesticidas, como
dispersão e aderência –, bem como houve
avaliação do percentual de água a ser adicionada. A combinação desses elementos
resulta na calda, preparo que busca combinar valores ideais para a pulverização de
defensivos nas lavouras.
Dicas aos agricultores
Ao fim dos testes, as conclusões
técnicas dos pesquisadores conduziram
Foto: João Paulo Cunha
Detalhe de vazamento de produto fitossanitário
em um pulverizador a campo
à criação de uma “diretiva operacional”,
que leva ao conhecimento dos agricultores as especificações para o uso e
manutenção dos equipamentos pulverizadores de maneira precisa e qualitativa.
O trabalho resultou, ainda, em detalhada
especificação quanto ao uso de pontas
aplicadoras e suas propriedades, aplicação aérea ou terrestre, circunstâncias
climáticas e outros fatores.
Comprovou-se também que a introdução de adjuvantes nas caldas – respeitando determinadas limitações de dosagem – pode resultar em maior aderência
e deposição de calda no alvo. “Os estudos
nos permitiram desmistificar a pulverização aérea, tida por muitos como mais
nociva. Esse método exige maior capacitação técnica. Entretanto, é importante frisar
que toda forma de aplicação oferece riscos
quando há imperícia. Eliminar estas imperfeições foi a missão de nosso trabalho”,
conta João Paulo Cunha.
As pesquisas em tecnologia de
pulverização, que em 2010 renderam ao
grupo de pesquisadores o Prêmio Anual Gerdau: Melhores da Terra – a mais
importante premiação em Mecanização
Agrícola da América do Sul –, culminaram com mais de 40 publicações em
periódicos científicos, além de diversas
obras técnicas, com destaque para o livro
Manual de aplicação de produtos fitossanitários, lançado em 2010, e para um site
gratuito, voltado à orientação a distância
dos agricultores em geral: “Tudo isso é
extremamente significativo para a extensão do ensino, pois obras especializadas
nesse assunto são, agora, parte do cronograma estudantil do cientista do campo”,
destaca o pesquisador.
Outras culturas
A excelência alcançada pelos trabalhos da equipe de João Paulo Cunha
permitiu a ramificação dos resultados para
outros tipos de cultivo. Por meio da mesma metodologia, pesquisas foram estendidas à cultura de soja, milho, sorgo e café.
“Hoje, graças a nossos estudos, agricultores podem explorar o potencial máximo
de produção de suas lavouras, usando a
dosagem mínima permitida de agroquímicos,” explica Cunha.
Sobre a transmissão de conhecimento aos produtores, o pesquisador
reserva certo “toque instrutivo” a seu
público, provando, aliás, ser fiel ao seu
dever: “O agricultor tem de entender que
não estabelecemos receita comportamental. Deve-se considerar que a situação varia muito, seja por região ou tecnologia disponível. O que oferecemos,
em nossas obras, são embasamentos
técnicos que servirão de referência à tomada de decisões”, adverte.
Se você sempre acaba se entregando
à sedução daquela batatinha frita, ou não
consegue resistir ao aroma convidativo de
um cremoso purê, acredite: esses pratos
não teriam o mesmo sabor sem o empenho
dos cientistas mineiros.
Foto: William Ferraz
Professor João Paulo mostra como a correta seleção dos bicos
de pulverização resulta em aplicação adequada e segura
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
33
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34
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
Os livros de história nos contam
que, por volta de 1701, o bandeirante João
Leite da Silva Ortiz chegou por essas terras em busca de ouro e, aqui, encontrou
belas paisagens e um clima excelente
para a agricultura. Logo resolveu fixar-se
e construiu a Fazenda do Cercado. Com a
prosperidade do empreendimento, várias
pessoas foram atraídas para a região, formando em volta um arraial, por onde passavam viajantes e tropas a conduzir gado
da Bahia para Minas Gerais. A lavoura e
a criação bovina impulsionavam o crescimento do que já se tornara um povoado.
Com o declínio da mineração, as cerca de
30 famílias tornaram-se 18 mil habitantes.
No mais, a região, antes conhecida como
Serra de Congonhas, tornou-se Serra do
Curral e o povoado originário acabaria batizado de Curral Del Rey.
Assim se resume a trajetória que levou
ao surgimento do que hoje é a capital de
Minas Gerais. Importante ressaltar, contudo,
que antes de o projeto da construção de Belo
Horizonte ser executado, houve minucioso
trabalho de mapeamento da área efetivamente abrangida pelo Curral Del Rey. Muito
bem documentados, tais registros da história
estão preservados, como verdadeira relíquia
cultural, no Arquivo Público da Cidade de
Belo Horizonte (APCBH), que possui grande acervo cartográfico – capaz de remontar
às características sociais e urbanas do então
arraial entre os anos de 1893 e 1894.
Nos últimos anos, a instituição identificou e recolheu os acervos documentais
de valor permanente acumulados nos diversos órgãos municipais e tem promovido, gradativamente, seu arranjo, descrição,
preservação e divulgação. Em meio a esse
vasto e diversificado material, o conjunto
dos registros produzidos pela Comissão
Construtora da Nova Capital (CCNC) pode
ser considerado como a documentação
instituinte do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, por corresponder e
revelar as atividades inaugurais de concepção e construção do município. O recolhimento da maior parte dos documentos
ocorreu entre 1992 e 1993. Desde então,
diversos projetos e atividades do APCBH
têm se voltado à organização, conservação
e difusão das importantes relíquias.
O Curral Del Rey estendia-se até as
regiões de Sete Lagoas, Contagem,
Santa Quitéria (Esmeraldas), Buritis,
Capela Nova do Betim, Piedade do
Paraopeba, Brumado Itatiaiuçu, Morro de Mateus Leme, Neves, Aranha e
Rio Manso. Com o desenvolvimento
do povoado, foram erguidas as primeiras escolas e os fiéis construíram
a Matriz de Nossa Senhora da Boa
Viagem. A prosperidade no arraial,
contudo, durou pouco. Fruto da autonomia das regiões que formavam
o povoado, houve grande redução no
número de habitantes, que chegou a
4 mil pessoas. Os pequenos pontos
de comércio restantes forneciam, aos
moradores, algum entretenimento.
De acordo com a historiadora Maria
do Carmo Andrade Gomes, que dirigiu o
APCBH entre 2005 e 2010, o desejo de
reunir todo o acervo da CCNC deu origem
ao projeto de digitalização dos documentos. A iniciativa reuniu as três instituições
públicas detentoras dos documentos da
Comissão – Arquivo Público Mineiro, Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
e Museu Histórico Abílio Barreto –, com
o intuito de construir um banco de dados
que reunisse o material disperso pelas
três instituições, e que, posteriormente,
pudesse ser oferecido à pesquisa pública
via internet. Posteriormente, novo projeto
produziu um catálogo específico da documentação cartográfica, com a descrição
detalhada desses documentos.
Memória mapeada
Com a proposta de transferência da
capital das Minas Gerais de Ouro Preto
para o Curral Del Rey, foi necessário criar
a Comissão Construtora da Nova Capital e,
primeira e detalhadamente, mapear toda a
região, de modo a que pudesse ser feito o
planejamento para criação da nova estrutura urbana. Atualmente, estão guardados,
no APCBH, no Museu Histórico Abílio
Barreto e no Arquivo Público Mineiro, os
documentos originais desse importante
momento na história de criação da nova
capital. No Arquivo Público de Belo Horizonte, ficam os mapas feitos à mão, com
detalhes de cada propriedade existente no
local e informações precisas de toda a região: pomares, nascentes de rios e lavouras aparecem nas cartas geográficas, que
resistem ao passar dos anos e possibilitam
a reconstrução daquele tempo.
As atividades da Comissão resultaram em documentação cartográfica bastante rica e de grande valor jurídico e probatório, preservada numa série de mapas e
plantas de diferentes escalas. “O resultado
foi a catalogação e recuperação de mapas
do século passado, que contam, com riqueza de detalhes, um período anterior à
construção da capital de Minas. São documentos desenhados à mão pelo grupo responsável por catalogar toda a extensão do
Curral Del Rey e as propriedades territoriais da gente que morava ali”, conta Maria
do Carmo, para quem a importância desse
projeto ultrapassa as benesses do acesso
à informação. Afinal, mantém-se a viva a
memória da fundação de Belo Horizonte.
“O mais importante é que você conheça a
história de sua cidade. Atualmente, realizamos visitas de escolas ao Arquivo Público
para mostrar o trabalho realizado”.
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Criada em 1991, a entidade encarrega-se de promover a política de
arquivo no âmbito da administração
municipal, o que inclui a preservação
e a divulgação do patrimônio documental da cidade.
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
35
Acervo Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
Planta Cadastral do Arraial de Belo Horizonte: topografia e inventário do antigo arraial do
Curral Del-Rei (1894)
Acervo Museu Histórico Abílio Barreto
A equipe da Quarta Divisão da Comissão Construtora da Nova Capital posa ao lado
de seus equipamentos de topografia (1894)
O acervo da Comissão, que está sob
a guarda do APCBH, conta com mais de
9.500 itens textuais, devidamente organizados em séries. A maioria dos documentos
é original e possui valor histórico e cultural
incalculável. Trata-se de diversos decretos
e portarias feitos pelo governo da época,
além de livros de lançamentos de escrituras
imobiliárias, escritos à mão e em caneta de
pena. Destaque, também, para um mapa –
com, aproximadamente, quatro metros de
largura por dois de altura – de todo o Curral
Del Rey. Ainda de acordo com a historiadora Maria do Carmo, os documentos que
dão titularidade de posse dos terrenos ao
poder público são consultados por serem
legítimos e possuírem reconhecimento jurídico legal. Maria do Carmo ressalta, ainda,
que, “até hoje, o Governo de Minas busca
no APCBH documentos comprobatórios de
propriedade de terras”. O acervo é uma rica
fonte de conhecimento nas áreas de arquitetura e urbanismo. A cartografia permitiu
que fossem desenhadas plantas baixas das
casas vendidas ao Estado.
No que diz respeito ao tempo, sabe-se que, do Curral Del Rey, quase nada
restou. As casas foram demolidas e a população teve de sair. A história, porém,
permanece preservada, originalmente, nos
documentos tão bem guardados nas três
entidades mineiras.
Quem quiser saber ainda mais, basta visitar o Arquivo Público da Cidade
de Belo Horizonte (APCBH) em horário
comercial, ou procurar os arquivos e documentos, devidamente digitalizados, no
endereço eletrônico:
@
www.acervoarquivopublico.pbh.gov.br.
PROJETO: A documentação cartográfica da Comissão Construtora da
Nova Capital: imagens como testemunhos e instrumentos da construção de
Belo Horizonte
COORDENADOR: Maria do Carmo
Alvarenga de Andrade Gomes
MODALIDADE: Demanda Universal
VALOR: R$ 9.366
Página inicial do site disponível na web: www.comissaoconstrutora.pbh.gov.br
36
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
Pesquisadores mineiros avaliam presença de agrotóxicos
em hortifruticulturas da bacia do São Francisco
Desde a sua nascente, no município
de São Roque de Minas, até a foz, na divisa
de Sergipe e Alagoas, o “rio da integração
nacional” percorre 2,7 mil quilômetros.
Sua bacia hidrográfica, a terceira do país,
possui 634 mil km² e alcança os estados
de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além de Goiás e do Distrito
Federal, num trajeto de variadas paisagens,
em que as águas do Velho Chico banham
cenários, culturas e cultivos os mais dis-
Virgínia Fonseca
tintos. Foi justamente a relevância da Bacia
do São Francisco – assim como de suas
sub-bacias – para a produção agrícola mineira o que motivou a escolha da região para
estudos relativos à qualidade das hortifrutícolas do estado. Conduzida no Departamento de Alimentos da Faculdade de Farmácia
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), durante o mestrado da pesquisadora Eliane Hooper Amaral, sob orientação
do professor Roberto Gonçalves Junqueira,
a pesquisa mensurou os níveis de resíduos
de inseticidas em cultivos de propriedades
rurais de municípios ribeirinhos.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
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ENG. DE alIMENToS
lupa neles
Foto: Arquivo IMA
A pesquisa
• Foram estudadas culturas de mais de 30 municípios das regiões de 25 sub-bacias do Rio
São Francisco: Baldim, Caeté, Capim Branco, Carmo do Cajuru, Carmo do Paranaíba, Carmopólis de Minas, Conselheiro Lafaiete, Contagem, Cordisburgo, Cristiano Otoni, Curvelo,
Datas, Diamantina, Divinópolis, Esmeraldas, Florestal, Itaguara, Itaverava, Jaíba, Janaúba,
Jequitibá, Maravilhas, Matozinhos, Montes Claros, Onça do Pitangui, Ouro Branco, Ouro
Preto, Paracatu, Paraopeba, Patos de Minas, Pimenta, Porteirinha, Sete Lagoas, Unaí.
• Material analisado: 23 amostras de alface, 46 de banana, 9 de batata, 12 de cenoura, 11
de jiló, 24 de morango, 7 de pepino, 29 de pimentão e 79 de tomate. Total: 240.
• 57 amostras apontaram resíduos dos agrotóxicos pesquisados, das quais 15, ou seja,
6,3% estavam em desacordo com a legislação vigente.
• 5,8% possuíam agrotóxicos não autorizados.
• 0,4% apresentaram limites acima dos estabelecidos pela lei.
• As culturas com maior quantidade de resíduos de organofosforados e piretóides são
tomate, pimentão, pepino e morango.
Métodos de análise foram validados a partir do projeto
Alvo de constante atenção no âmbito da
saúde pública, a contaminação dos alimentos
por agrotóxicos requer o acompanhamento e
a quantificação desses produtos na água, no
solo, nos alimentos e na atmosfera, como
pressuposto para a proteção da saúde do
homem e do meio ambiente. Na pesquisa,
foram escolhidos dois tipos de inseticidas
que estão entre os mais utilizados no mundo,
além de bastante empregados na produção
agrícola nacional: os organofosforados e os
piretróides (veja box). A investigação também
possibilitou avaliar e validar os métodos usados pelo Instituto Mineiro de Agropecuária
(IMA) com o intuito de dar sequência ao monitoramento promovido pelo órgão.
Para avaliação, de acordo com o tipo
de cultura, selecionaram-se propriedades
em cerca de 30 municípios, nas quais foram coletadas as amostras, com suporte
de fiscais do IMA que atuam no campo. Os
pesquisadores analisaram porções de alface, banana, batata, cenoura, chuchu, jiló,
morango, pepino, pimentão e tomate. “Optamos por hortifrutícolas de grande consumo e por aqueles que são ingeridos crus”,
conta Eliane. Verificou-se que há produtos
cujos níveis de resíduos quantificados
estavam acima dos limites máximos estabelecidos pela legislação vigente e com
resíduos de inseticidas não autorizados.
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O que chega à mesa
Das 240 amostras analisadas, 57
apresentaram resíduos dos agrotóxicos
pesquisados, o que corresponde a 23,8 %
do total. Destas, 15 estavam em desacordo
com a legislação vigente, representando
6,3% do total investigado. Entre as infrações constatadas, o maior número se deveu
à presença de agrotóxicos não autorizados
para as culturas, representando 5,8%, enquanto cerca de 0,4% revelaram limites acima dos estabelecidos por lei. “Identificamos
produtos de uso não permitido nas culturas
de alface, banana, pepino, pimentão e tomate. Já a presença de resíduos acima dos
limites máximos foi verificada nas amostras
de pimentão”, conta a pesquisadora. As
propriedades onde havia amostras de culturas com quantidades de agrotóxicos fora
do padrão permitido receberam um auto de
infração do IMA, sendo que a reincidência
implicará na aplicação de multa.
A análise das irregularidades observadas permitiu concluir que o maior
problema em Minas Gerais – e no Brasil,
segundo dados do Programa de Análise de
Resíduos de Agrotóxicos (Para) da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) –,
no tocante aos níveis de resíduos de agrotóxicos, não está na forma de aplicação do
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produto no alimento, mas na utilização de
agrotóxicos não autorizados. Neste caso,
a pesquisadora acredita que, em alguma
medida, pode haver desconhecimento por
Em Minas Gerais, o IMA
realiza o monitoramento da
qualidade das hortifrutículas
parte dos produtores. Contudo, na maior
parte dos casos, existe resistência aos
padrões de legislação. Eliane explica que
existem poucos agrotóxicos autorizados
para hortícolas como pepino e jiló. “A indústria não tem interesse em registrar produtos para estas culturas. Porém, existem
pragas que as atacam, o que leva o produtor
a usar produtos proibidos”, observa. Quanto aos limites acima do permitido, os valores observados (menos de 0,5%) foram
considerados “muito bons” e estão dentro
do encontrado em programas de países da
Europa e, também, nos Estados Unidos.
Como a pesquisa não previa a análise
específica de cada agrotóxico encontrado
nas amostras, em relação ao risco potencial
dos ingredientes ativos – todo produto tem
sua Ingestão Diária Aceitável (IDA) –, os resultados não chegaram ao nível de detalhamento sobre o efeito, para a saúde humana,
da ingestão dos alimentos. “Teríamos que
avaliar produto por produto encontrado”,
pondera Eliane. De maneira geral, pesquisas
indicam que os organofosforados, quando
ingeridos em quantidades excessivas, poFoto: Arquivo IMA
dem inibir enzimas do organismo, causando
danos ao sistema nervoso. Os problemas da
exposição aos piretróides também incluiriam descompasso na atividade de algumas
glândulas hormonais. É preciso ter em mente, ainda, que a contaminação por meio da
alimentação não é o único fator a ser considerado. Estudiosos do tema apontam os
perigos ocasionados ao ecossistema e aos
agricultores que, durante a aplicação, têm
contato direto com o produto.
Validação
O uso de agrotóxicos no país é regulamentado pela Lei 7.802/89 e pelo Decreto nº 4.074/02. Já o controle permanente
da qualidade das hortifrutícolas produzidas
no estado é efetuado pelo IMA, que coleta
amostras nas propriedades rurais e as encaminha ao Laboratório de Análise de Resíduos
e Agrotóxicos (Lara), onde Eliane trabalha. Os
trabalhos por ela desenvolvidos com o professor Roberto, durante o mestrado, também
tiveram como resultado a avaliação e validação dos métodos adotados no Lara, que passou a ser acreditado pelo Instituto Nacional
de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Normas nacionais e internacionais de
sistemas de gestão da qualidade destacam a
importância da validação de métodos analíticos para a obtenção de resultados confiáveis.
“Dados não confiáveis podem conduzir a decisões desastrosas e a prejuízos financeiros
irreparáveis”, adverte a pesquisadora.
Foram aprimorados e validados dois
métodos de multirresíduos por cromatografia a gás (técnica que permite separar
e mensurar os diversos componentes de
uma mistura) já usados pelo Lara para
quantificação de inseticidas organofosforados e piretróides. Por ser o IMA um órgão fiscalizador, Eliane pondera que o projeto foi muito relevante para a instituição,
pois houve ampliação da sua atuação e
capacitação dos seus técnicos. A necessidade progressiva de dados analíticos comparáveis e consistentes é essencial para a
eliminação de barreiras técnicas entre os
países. Com a validação e a certificação do
Inmetro, demonstrou-se que as metodologias são adequadas ao uso pretendido.
Como resultado, o laboratório ganhou reconhecimento internacional.
Conheça melhor
os inseticidas
pesquisados
Organofosforados: tiveram sua
aplicação na agricultura consideravelmente ampliada nos últimos anos, à
medida que os inseticidas organoclorados foram banidos do comércio em
virtude de sua alta persistência e poder
residual. O interesse por esta classe
de agrotóxicos deve-se à facilidade de
composição de novos derivados, à possibilidade de síntese de pró-inseticidas
– que sofrem ativação preferencial em
insetos e não em mamíferos – e à maior
biodegradabilidade em comparação
com os organoclorados. Apresentam
baixa ação residual, com pouca estabilidade no meio ambiente e acumulação
limitada em organismos vivos, sendo
que 80% a 90% dos compostos são
eliminados 48h após o contato.
Piretróides: inseticidas lipofílicos (solúveis em gorduras e óleos
vegetais), têm tempo de permanência curto no ambiente e possuem
ação prolongada. Economicamente,
transformaram-se nos agrotóxicos
ideais, em função do amplo espectro de atividade, da eficiência em
pequenas doses, do baixo poder
residual e de, praticamente, não serem tóxicos aos mamíferos. Atualmente, entretanto, existe preocupação quanto às consequências para o
ser humano da exposição, em longo
prazo, a esses inseticidas.
Projeto: Resíduos de inseticidas organofosforados e piretróides em hortifrutícolas produzidas na região da bacia
hidrográfica do Rio São Francisco no
Estado de Minas Gerais
Coordenador: Roberto Gonçalves
Junqueira
Modalidade: Demanda universal
Valor: R$ 34.806
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Juliana Sara
to (Pnud), mais de 51% dos brasileiros
acham que o atendimento de saúde é demorado em postos e hospitais. Ainda de
acordo com o levantamento, 35,9% da população do país consideram a linguagem
utilizada pelos médicos razoável; e 42,8%
acham que o interesse dos profissionais de
saúde, durante as consultas, é regular.
Os números e a complexidade da
questão motivaram o médico e CEO da ePrimeCare (www.eprimecare.com.br) – empresa mineira de gestão e cuidados em saúde
–, Leonardo Pereira Florêncio, a fugir da
tradicional carreira em medicina. Formado
pela UFMG, foi bolsista em um hospital
público da capital, onde realizou treinamento em clínica médica. “Lá, tornei-me
cético quanto à forma de funcionamento
do sistema de saúde. Via pacientes que
poderiam ter tido diagnóstico precoce, tratamento e cura sem necessidade de entrar
no hospital. O contrário parecia uma regra: eu internava pacientes que tiveram a
oportunidade de não estar ali. Vi que existia um déficit no sistema de saúde”, lembra, ao ressaltar que a falta de prevenção
e promoção da saúde é responsável não
apenas por uma população doente, mas
também pelos altos custos destinados
aos governos e planos de saúde.
A experiência levou Leonardo
Florêncio a estudar gestão em saúde e realizar um MBA na área. Ao trabalhar com
um grupo de pesquisadores em projetos
de empresas operadoras de saúde, teve a
oportunidade de desenvolver um serviço
de atenção domiciliar a pacientes: “Trabalhei com uma equipe de saúde e uma
população doente que vivia dentro do
hospital, causando prejuízos aos planos
de saúde, além de desestruturação familiar, já que, muitas vezes, os parentes não
podiam trabalhar para cuidar do doente”.
Daí surgiu a ideia de uma nova forma de
remuneração para a equipe de profissionais, não por ação, mas por responsabilidade. “O grupo percebeu que se promovesse e prevenisse a saúde, iria trabalhar
menos e ganhar mais. Articulamos novo
formato de trabalho e remuneração que
gerou excelentes resultados”, explica.
Segundo o médico, além de 70%
de redução nos custos dos atendimentos,
houve melhoria na qualidade da assistência. Os pacientes se estabilizaram e usaram
menos ambulâncias e internações, pois
tinham acompanhamento e tratamento
em casa. A partir daí, Leonardo realizou
mestrado para investigar a relação entre as
operadoras de saúde e seus beneficiários.
“Produzi pesquisas e desenvolvi conhecimento sobre o tema. Foi então que criei,
em 2005, a ePrimeCare, com o objetivo de
compartilhar este conhecimento em termos
sociais. Buscava fazer com que as equipes
de saúde entendessem esse modelo de
trabalho, relacionamento e atendimento a
pacientes”, esclarece.
Trata-se do HorizonTI, o Fundo de
Investimento em Empresas Emergentes
Inovadoras, que investe recursos em empresas nascentes da área de Tecnologia da
Informação. A ePrimeCare foi a primeira a
ser contemplada com a iniciativa. O capital
foi fundamental para que se desse um salto, com foco na inovação do produto. “Tínhamos conhecimento, mas ele demorava
a virar produto – que, por sua vez, demorava a chegar ao mercado. O dinheiro do
investidor encurta esse caminho. A partir
daí, tivemos sucesso mercadológico e alcançamos 30 clientes com faturamento de
R$ 1,3 milhões”, conta.
Gestão de cuidados
Todos os dados coletados nas pesquisas formavam uma plataforma virtual,
com a finalidade de atender à equipe de
saúde. Os conteúdos orientavam os profissionais quanto à forma de proceder
diante de determinadas doenças. Ao longo dos anos, percebeu-se que era muito
caro cobrar do cliente a pesquisa deste
conteúdo e o desenvolvimento da plataforma. Devido às dificuldades de relacionamento comercial, a empresa submeteu
um projeto de metodologia e gestão de
cuidados em saúde à FAPEMIG, por meio
do Programa de Apoio à Pesquisa na
Empresa (Pappe), cujos recursos foram
investidos na contratação de mestres,
bolsistas, consultores e pesquisadores. O
investimento trouxe mais capacidade de
conteúdo e tecnologia à plataforma, permitindo um salto de versão – de 1.0 a 4.0.
Mesmo com o investimento em
capital intelectual, ainda persistia a demora em trazer inovação para o produto.
Nesta fase, a empresa foi selecionada a
participar do Capital Semente, da Finep.
A iniciativa apoia os chamados start ups,
empreendimentos promissores, mas em
fase inicial de implementação. “Fomos
auxiliados a desenvolver um plano de negócios através de um couch, ministrado
por meio de parceria entre BDMG, Fiemg
e analistas de fundos de investimento. Ao
final, realizamos apresentação na Fiemg,
onde havia um grupo de investidores, que
estavam capitalizando um fundo de investimento”, relembra.
Criado a partir do programa “Inovar
Semente”, da Finep, o HorizonTI é
fruto de parceria entre Finep, FAPEMIG
e BDMG.
Assistência inteligente
Um dos produtos recentemente lançados pela empresa é o Comunicare, destinado à coordenação de cuidados preventivos. Baseado no provimento de serviços
de comunicação de conteúdos personalizados via e-mail, SMS e portal, o software
auxilia seus usuários no entendimento de
sua condição de saúde e promove decisões racionais de uso dos serviços – o que
resulta em eficiência, redução do custo assistencial e melhoria da percepção do usuário em relação à qualidade dos serviços.
O produto ganhou reforço com a
consultoria especializada da Universidade de Berkeley, que desembarcou em Belo
Horizonte, no mês de julho, para auxiliar a
empresa no posicionamento de mercado.
“Inovação é a capacidade de fazer a leitura
de demandas e transformar o seu serviço
em produtos que sejam acessíveis e melhorem a vida das pessoas”, conceitua o empreendedor. Para Leonardo Florêncio, cada
ciclo empresarial demanda investimento em
inovação e todos são importantes para que
a empresa se sustente ao longo dos anos.
“Vivemos o presente. Mas devemos pensar
lá na frente. Esse futuro é que precisa ser
gerido”, aconselha.
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patentes
Criatividade
reconhecida
Universidade Federal de Uberlândia conquista sua primeira patente
graças a sistema que aperfeiçoa transporte na indústria
Virgínia Fonseca
Um mecanismo que aprimora o transporte de materiais a granel e peças avulsas na
indústria proporcionou à Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, a obtenção de sua primeira carta patente,
concedida em junho deste ano. O invento que
resultou na conquista, denominado “Sistema
de acionamento de transportadores vibratórios por pastilhas piezelétricas”, partiu de investigação desenvolvida durante dissertação
de mestrado do programa de pós-graduação
em Engenharia Mecânica da UFU. De autoria
do ex-aluno Emerson Bastos de Albuquerque
– atualmente, engenheiro da Petrobras –, o
trabalho contou com a orientação dos pro-
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fessores Domingos Alves Rade e João Carlos
Mendes Carvalho.
A invenção diz respeito à melhoria
nos transportadores vibratórios utilizados
na indústria. Estes equipamentos empregam vibrações que provocam saltos sucessivos do material ao longo de uma pista,
para gerar o movimento. Tradicionalmente,
a vibração é obtida por mecanismos acionados por motores elétricos ou dispositivos eletromagnéticos que apresentam,
segundo o professor Domingos Rade,
inconvenientes como elevados custos de
manutenção, altos níveis de consumo de
energia e de ruído emitido. Uma forma al-
ternativa de geração do movimento vibratório, por meio do uso de materiais piezelétricos incorporados diretamente à estrutura
do transportador, é a novidade apresentada
pelos pesquisadores. No caso, cerâmicas
dispostas na forma de pastilhas são coladas à suspensão do transportador. Quando
esses materiais recebem tensão elétrica,
deformam-se e, assim, transferem o movimento para a peça à qual estão afixados.
De acordo com o professor, outro
ponto importante é que o transportador foi
projetado para ser alimentado diretamente
a partir da rede elétrica, sem a necessidade
de dispositivos elétricos adicionais. “Acreditamos que o invento poderá proporcionar vantagens importantes em relação às
formas tradicionais de transporte vibratório, no tocante à redução do consumo de
energia e à emissão de ruído, além da diminuição de custos de fabricação e de manutenção”, avalia. O sistema também apresenta alta possibilidade de miniaturização,
o que favorece o transporte econômico de
pequenos componentes, beneficiando setores com maior valor agregado, como o
de eletrônicos e o de medicamentos.
Mudança de cultura
A próxima etapa, já em curso, sob a
coordenação da Agência Intelecto – Núcleo
de Inovação Tecnológica (NIT) da UFU,
responsável pela proteção legal das invenções geradas na universidade –, será
a identificação de empresas interessadas
em produzir o invento em escala industrial.
Contudo, a relevância da concessão da
carta-patente vai além do produto, em si.
“Acredito que seja um indicador importante do amadurecimento científico-tecnológico da universidade”, pondera Rade. Seu
pensamento faz coro com a afirmação do
pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação,
Alcimar Barbosa Soares. “Depois de 40
anos dedicados ao ensino, à pesquisa e à
extensão, seguimos em mais uma direção:
começamos a trabalhar com inovação e
transferência de tecnologia”, ressalta Soares. Segundo o pró-reitor, a obtenção da
primeira carta-patente é um marco histórico importante para a instituição. “Aponta
para a sociedade que somos uma universidade onde são realizadas pesquisas de
ponta, sólidas e capazes de contribuir significativamente para nossa nação”.
A conquista também reforça a questão
de que é possível proteger uma novidade e
transferir conhecimento para as empresas,
incentivando a inovação tecnológica no
país. Para o pró-reitor, o Brasil vive importante momento, no qual essa cultura deve
ser disseminada. “Muito se fala sobre a
necessidade de inovar, mas não temos essa
cultura firmada. Muitos ainda desconhecem,
até mesmo, o que seja inovar. Precisamos
promover essa mudança de comportamento”, defende Soares.
Tecnologia protegida
No Brasil, para que um pedido de
Patente de Invenção (PI) seja deferido, é
preciso que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (veja quadro). Assim, no caso do
sistema desenvolvido na UFU, a solicitação
de patente junto ao Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI) mostrou-se
possível porque a pesquisa resultou em
produto novo, que poderia ser oferecido ao
setor industrial.
O depósito foi realizado em 2003, na
ocasião por meio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), já que o NIT da instituição ainda não existia. Em 2007, com a criação e
institucionalização do núcleo, denominado
Agência Intelecto, o CNPq fez a transferência de direitos de titularidade e obrigações
do pedido de PI para a universidade – que,
então, adquiriu o direito de efetivar a gestão da patente, assim como de negociar e
concretizar contratos de comercialização
dos direitos de propriedade intelectual decorrentes da tecnologia protegida. Cerca
de oito anos se passaram até o deferimento
do pedido, prazo que está de acordo com a
média de tempo do processo, hoje, no país.
A UFU tem, atualmente, seis pedidos
de patentes depositados de titularidade
própria e outros 50 em cotitularidade
Ocorre quando dois ou mais parceiros
compartilham o direito à titularidade.
No caso da FAPEMIG, por exemplo,
existem duas situações: quando a
Fundação fomenta a pesquisa que
originou o invento; ou quando apoia
o pagamento de taxas referentes ao
processo de proteção da tecnologia
no Brasil ou no exterior.
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com a FAPEMIG e outros parceiros. “As patentes provenientes de pesquisas inovadoras
na Universidade vêm aumentando. Contudo,
ainda trabalhamos para conseguir atingir
100% de proteção”, mensura a gestora de
Ciência e Tecnologia da Agência Intelecto,
Larissa Sarmento Macêdo. “Para progressiva
melhora, buscamos disseminar a cultura de
inovação, não só de proteção por meio de patente, mas em outras modalidades pertinentes à propriedade intelectual”, complementa.
Macêdo destaca que o processo de
transferência de tecnologia é importante
para a economia do País na medida em
que dinamiza o mercado e oferece mais
possibilidades ao consumidor final. Até
por que, trata-se de negociação comercial, que atende a determinados preceitos legais e busca promover o progresso da empresa receptora, bem como o
desenvolvimento econômico nacional.
“Colocar uma tecnologia no mercado
nada mais é do que fazer com que se
cumpra sua função social, pois é ali que
todos terão acesso ao produto gerado
por ela”, reafirma.
Aquele que obtém a patente ganha o
direito de impedir o uso, venda, produção
e importação do invento por terceiros, não
autorizados. Uma patente de invenção tem
prazo de vigência de 20 anos, contados a
partir da data de depósito, caindo, após
esse período, em domínio público. A utilização indevida constitui crime contra a
propriedade industrial. Duas instituições
mineiras encontram-se, hoje, entre os
maiores patenteadores do País, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e a FAPEMIG.
Fotos: Domingos Rade
Equipamento aprimora transporte de materiais
Patente passo a passo
Patentes nacionais – As instituições
científicas e tecnológicas contam com o suporte dos Núcleos de Inovação Tecnológica,
que têm como atribuição o estímulo à proteção das criações, o licenciamento, a inovação
e outras formas de transferência de tecnologia.
Patentes internacionais – O processo é similar ao nacional (confira abaixo), apesar de usualmente mais rápido.
Cada nação tem seu órgão regulador e a
proteção é territorial: ou seja, vale apenas
para o país em que foi realizado processo
de depósito. É possível conduzir o mesmo
pedido, simultaneamente, em vários países. 1. No Brasil, de acordo com a Lei
9.279/96, são necessários três requisitos
para que um pedido de patente seja deferido: novidade, atividade inventiva (não ser
óbvio) e aplicação industrial. Configuradas
as três possibilidades, antes de entrar com
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o pedido oficial, os inventores são orientados a realizar buscas de anterioridade,
juntamente aos NITs, em bancos de patente
nacionais e internacionais, para constatar
que se trata realmente de algo novo.
2. Em seguida, tem início o processo
de proteção em si. Deve ser elaborado conjuntamente pelo NIT e pelo pesquisador um
relatório descritivo, que constitui um dos
documentos do pedido de patente.
3. O NIT faz o depósito do pedido
junto ao Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI). Nessa fase, é aconselhável
providenciar, paralelamente, um Termo de
Autores e Inventores que define os percentuais de participação de cada inventor e um
contrato de cotitularidade quando houver
mais de um titular do pedido de patente.
4. Em até 36 meses após a data do depósito, deve-se solicitar o pedido de exame.
MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
5. O pedido de patente permanece
por 18 meses em sigilo, até que ocorra a
sua publicação no INPI.
6. A partir da publicação, deve-se
acompanhar o pedido de patente, semanalmente, junto à revista do INPI, para respostas às possíveis exigências e contestações.
7. Inicia-se, com a publicação, o
período de exame (avaliação por técnicos
do INPI), cuja média atual no Brasil é de
oito anos. Durante esse tempo, trabalha-se
com a “expectativa de direito”, ou seja, já
se pode negociar e transferir a tecnologia
protegida.
8. Deferimento ou não do pedido e,
em caso positivo, expedição da carta patente.
Colaboração: Mônica de Fátima Vilela Martins /
Gerência de Propriedade Intelectual da FAPEMIG
LEMBRA DESSA?
Boas novas,
Jeca Tatu!
Resultados demonstram eficiência de antígeno
para combate à ancilostomose, doença que afligia
o famoso personagem de Monteiro Lobato
Conhecida como “doença do amarelão”, devido ao aspecto pálido que deixa em
suas vítimas – ou como o mal a atingir Jeca
Tatu, personagem criado em 1918 pelo escritor Monteiro Lobato, ao buscar representar o atraso e a precariedade do Brasil rural
–, a ancilostomíase, enfermidade causada
pelos vermes parasitas Necator americanus
e outros dois do gênero Ancylostoma (A.
duodenalis e A. ceylanicum), está longe de
ser apenas vilã ficcional.
Ainda hoje, a doença é protagonista de triste realidade em países tropicais
subdesenvolvidos, especialmente aqueles com sistemas de saneamento básico
deficientes. “A verminose atinge cerca de
740 milhões de pessoas em todo o mundo, levando a óbito aproximadamente 65
mil doentes por ano”, informa a bióloga
Renata Caldeira Diniz, do Centro de Pesquisas Renê Rachou, unidade mineira da
Fundação Oswaldo Cruz.
As boas novas, contudo, parecem
ter chegado. Estudos em desenvolvimento desde 2003 – fruto de parceria entre o
Renê Rachou, a Universidade de George
Washington (GWU) e o Instituto Sabin de
Vacinas – possibilitaram a criação de antígeno que tem se mostrado eficaz no combate definitivo à doença, a ponto de prometer dar fim aos dias desse hostil invasor
de corpos. As pesquisas para a possível
vacina tiveram início com o isolamento de
uma proteína presente no verme, que, tempos depois, seria sintetizada. Após testes
conduzidos em animais, que também sofrem com a infestação pelo verme helmin-
to, e já com embasamentos consistentes e
resultados promissórios, iniciou-se a fase
de ensaios com seres humanos.
Segundo a pesquisadora Janaína
Moura, da Fundação Oswaldo Cruz, um
entrave enfrentado durante os estudos foi a
dificuldade na captação de voluntários para
participação nos testes. Tal obstáculo, entretanto, acabou superado. “Os testes foram
realizados apenas com adultos saudáveis.
Como parte do processo, realizamos triagens médicas minuciosas, para comprovar
que o indivíduo apresentava boa saúde e
não fora exposto a doença pregressa, que
pudesse ser reanimada, a fim de preservar
os voluntários e garantir precisão nos resultados da pesquisa”, explica.
O cumprimento dessa fase – que envolveu 36 voluntários – permitiu constatar
a segurança da aplicação do antígeno em
seres humanos e identificar a dosagem
ideal para cada faixa etária. Em seguida,
os estudos evoluíram para estágio bastante representativo para o mundo ciência:
a aplicação em regiões endêmicas, onde,
pela primeira vez, os testes estão sendo
realizados com portadores do parasita nos
municípios de Novo Oriente e Americaninhas, região eleita devido à expressiva prevalência de contaminação. “O desenvolvimento desta vacina representará uma
vitória não apenas para o tratamento
dos doentes do Brasil, mas às populações de todo o mundo. A vacina será
distribuída a todos que ainda sofrem e
sucumbem à doença nos dias de hoje”,
destaca Renata Caldeira.
Conheça a doença
A infestação pela ancilostomíase se dá pelo contato da pele desprotegida do indivíduo com a terra
contaminada por larvas do verme ou
pela ingestão de água ou alimento
que as possuam. Após invadir o organismo do hospedeiro, o helminto
se instala no intestino delgado, onde
se alimenta de sangue e se reproduz,
botando, diariamente, de quatro a 22
mil ovos por dia – que, por sua vez,
misturam-se às fezes do portador e
com elas são expelidos.
Dessa forma, em regiões onde
há carência de saneamento básico,
outras pessoas entram em contato
com as larvas e dão continuidade
ao ciclo de vida do verme. A perda
de sangue ocasionada pelo helminto acarreta uma série de complicações à saúde do hospedeiro, como
fraqueza, desnutrição, problemas
cognitivos e musculares. Em crianças, pode levar a danos físicos e
mentais, por vezes, irreversíveis.
As mortes estão associadas à anemia profunda causada pela falta de
ferro no sangue. No Brasil, a doença predomina em áreas rurais da
região norte e nordeste de Minas
Gerais, principalmente próximo ao
Vale do Jequitinhonha.
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5 PERGUNTAS PARA...
Maria Teresa de Assunção Freitas
Internet não é “arquivo”. E nem computador é “máquina de escrever”. Embora, aparentemente, tais afirmações sejam óbvias, ainda é assim que a Escola costuma perceber as
tecnologias digitais. Mas a pedagoga Maria Teresa de Assunção Freitas quer reverter
essa situação. Pesquisadora 1C do CNPq, professora do programa de pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora e autora de vários artigos científicos e
livros sobre o tema, ela propõe que computador, internet e cinema, inclusive, passem a
ocupar espaço estratégico e transdisciplinar no processo de ensino-aprendizagem.
Por Marcus Vinicius dos Santos
A senhora afirma que o hipertexto ou a “plasticidade interativa” própria das tecnologias digitais permite a
construção de diferentes percursos de
aprendizagem...
Procuro compreender as relações
do uso do computador e da internet com
a aprendizagem a partir da abordagem
histórico-cultural, baseando-me na teoria
do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky. De
acordo com essa perspectiva, o conhecimento não é adquirido, mas construído.
Além disso, enfatiza o valor das relações
interpessoais na construção do conhecimento. Muito embora tenha sido construída no início do século XX, quando tecnologias digitais eram ainda impensáveis, sua
teoria psicológica, atualmente, oferece elementos importantes para o estudo das relações de ensino-aprendizagem. O processo
de construção do conhecimento acontece
primeiro no plano interpessoal. Depois, no
plano intrapessoal. Para Vygotsky, só há
aprendizagem quando a pessoa internaliza
o que já foi experienciado e torna próprio
o que foi construído com um outro, apropriando-se do conhecimento.
Como incorporar o uso mais responsável e consequente das tecnologias digitais no dia a dia do ambiente
escolar?
As dificuldades enfrentadas pelos
professores, para incluírem em sua prática pedagógica o uso do computador e
da internet, derivam de sua falta de formação para tal e de certa deficiência no
conhecimento das possibilidades dessas
tecnologias. Falta-lhes maior compreensão de como esses instrumentos podem
estimular novas formas de aprender e de
ensinar. Permitem o acesso a uma infinidade de informações, novas formas de
pensamento, interações e interatividades
que levam à construção compartilhada
de conhecimento: agilidade na pesquisa
escolar; interação com pessoas (fóruns
e listas de discussão, e-mails, redes sociais); entretenimento (jogos, simulações);
Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVA), dentre outros. Isso amplia o espaço
da aula presencial. Quando trabalhadas em
conjunto, por colegas e professores, podem se transformar em conhecimento.
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A mediação do professor, portanto, faz toda a diferença?
Claro. Computador e internet possibilitam três formas de mediação: técnica, simbólica e humana. Tudo depende
da maneira como são usados. Por si
sós, eles não são garantia de inovação
no processo de aprendizagem escolar. A
mediação humana – do professor – faz
toda a diferença, por possibilitar a eficácia das duas outras mediações.
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Mas e a questão do acesso à tecnologia?
Bom, precisamos deixar claro que,
mais importante do que equipar as escolas com tecnologia, é formar professores para seu uso adequado ao processo
ensino-aprendizagem. Embora reconheça o
esforço de várias políticas públicas brasileiras para ampliar o acesso aos benefícios das
tecnologias digitais, ainda é grande o número
de excluídos digitais. Por outro lado, também
é grande o número de jovens de diferentes
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classes sociais que já têm acesso a essas
tecnologias – muito associadas ao entretenimento – em casa, nas “lan houses”, associações comunitárias e, até mesmo, no celular.
Mas na escola os laboratórios de informática e de inclusão digital ainda são pouco ou
inadequadamente usados. Além disso, é importante dizer que não basta dotar as escolas
com “uma” – única – sala de informática.
Isso é muito pouco em relação ao número de
alunos e professores de qualquer escola.
Que sugestões a senhora faz para
que as escolas fundamentais usem
melhor as salas ou laboratórios de informática ?
Em primeiro lugar, os currículos de
formação de professores precisam ser
repensados. Dentro das escolas, também
deve haver um esforço de formação continuada do docente. Além disso, movimentos sociais reivindicatórios, junto a secretarias de educação e dentro da escola,
devem envolver a produtiva utilização das
salas de informática por alunos e professores, como extensão da sala de aula. É
preciso superar o uso apenas instrumental das tecnologias digitais. Compreender
que a web 2.0 tem condições efetivas
para realizar uma produção colaborativa
do conhecimento. Ela permite a coautoria
professor-aluno, dos alunos entre si e até de
alunos de outras escolas e de outros países.
5
@
Você pode ouvir essa entrevista
no podcast Ondas da Ciência
e no videocast Ciência no Ar:
fapemig.wordpress.com
O monitoramento do campo geomagnético encontra diversas aplicações práticas. Sabemos, por exemplo, que a presença de materiais
ferromagnéticos ou diamagnéticos no subsolo
(jazidas de ferro e petróleo) pode alterar o valor
do campo magnético local. Por essa razão, medidas precisas do campo magnético são usadas em trabalhos de prospecção mineral. Além
disso, é importante se conhecer localmente o
campo geomagnético quando ele é usado na
navegação marítima ou aérea.
A professora e pesquisadora aposentada
do departamento de Física da UFMG, Regina
Pinto de Carvalho, escreveu livro singular. Paradidática, a obra se propõe a dar uma visão
geral do conhecimento atual sobre o planeta e
acerca das formas – diretas ou indiretas – com
que esse conhecimento foi obtido. Também
oferece leituras complementares e atividades
a serem desenvolvidas na sala de aula e recomenda a leitura do livro Viagem ao Centro da
Terra (1864), do escritor francês Júlio Verne,
considerado o precursor da ficção científica.
Aliás, como é que se pode saber o que
existe no centro da terra se, até hoje, não é
possível fazer um buraco até lá embaixo? Por
observação, ensina a obra, dos vários sinais
ou indícios oferecidos pelo planeta e da correlação de uma série de conceitos e conhecimentos científicos, de diversas disciplinas,
por meio de modernas técnicas de medição
e cálculos diversos. Como exemplo, crosta,
manto e núcleo – as três camadas do globo
–, por exemplo, são descritas no livro com
suas densidades, altura estimada, subcamadas e características. Deduções científicas:
a professora ensina que a crosta, a camada mais conhecida, está para a Terra assim
como a casca está para o ovo... Fininha.
da Física
Mas não para na superfície! Se você
quer descobrir qual a relação entre os fenômenos naturais, como terremotos; de que modo
a força da gravidade e o geomagnetismo influenciam marés, auroras polares e a orientação de certos animais; interessa-se por rever
como a Terra está inserida no sistema solar;
pretende se informar sobre a estrutura global
ou descobrir os principais componentes do
Universo e de nosso planeta, não pode deixar
de ler O globo terrestre. Uma leitura que desafia e espanta pela simplicidade com que trata
tema tão profundo e teórico.
Livro: O globo terrestre na visão da Física –
Leituras complementares para o ensino médio
Autor: Regina Pinto de Carvalho
Editora: Autêntica
Páginas: 93
Ano: 2012
Leia na internet:
Capítulo 1 - “A Terra no Sistema Solar”:
http://migre.me/aPHcr
Ouça entrevista com a autora:
http://migre.me/ajjdJ
As mil faces do “contemporâneo”
Por ‘futuro do presente’ entende-se a sinalização do fim das utopias revolucionárias e
o predomínio do instante, que se rompe com a
concepção do tempo como longa duração, por
este se privar de uma visão de futuro. O culto da
velocidade exigido pela intensidade dos meios
de comunicação e pela nova configuração temporal do presente contribui para o processo
igualmente galopante do mundo globalizado do
qual é cada vez mais difícil escapar.
A trajetória das sociedades está diretamente relacionada ao desenvolvimento,
pelo homem, de uma infinidade de novas
tecnologias. Tais “ferramentas” – criadas por
motivos os mais diversos, da tentativa de domínio da natureza ao sonho da melhoria dos
processos de comunicação entre os indivíduos – redefinem não apenas o cotidiano das
coletividades, mas também (ou “principalmente”) seus padrões culturais, religiosos,
econômicos e sociopolíticos. Novas técnicas
e dispositivos servem, ainda, de combustível
ao entrelaçamento de experiências do passado, do presente e do futuro.
Na atual, e complexa, era da informação – tempos de culto à velocidade e de
novas configurações espaço-temporais –, o
“distanciamento do olhar do presente”, conforme ressaltam os organizadores de obra
recém-lançada pela Editora UFMG, “permite repensar os acontecimentos por meio do
sentimento da perda da noção de profundidade do passado e do ritmo conferido às
longas durações”. Em 16 textos – resultado
das apresentações dos pesquisadores brasileiros que, em 2010, reuniram-se no I Colóquio Crítica da Cultura: o futuro do presente
–, o livro promove rico debate em torno dos
sentidos do “contemporâneo”, com ênfase na
tríade “arquivo, gênero e discurso”.
Livro: O futuro do presente – Arquivo, gênero e discurso
Autores: Eneida Maria de Souza; Eliana
da Conceição Tolentino e Anderson Bastos
Martins (organizadores)
Editora: UFMG
Páginas: 284
Ano: 2012
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LEITURAS
A Terra sob o “olhar”
HI P E RL I N K
BLOG MINAS FAZ CIÊNCIA
Adoráveis
bruxinhas
Esqueça a sombria e arrepiante reputação atribuída às mariposas. Uma possível
nova espécie, encontrada nas florestas densas
da Venezuela, parece estar mudando o conceito em torno das borboletas noturnas. Com
dois centímetros de comprimento, branquinha
e peluda, a “Mariposa Poodle” – como ficou
conhecida – tem intrigado cientistas de todo o
mundo. O inseto já caiu no gosto de muita gente
e não seria de espantar caso uma reprodução
em pelúcia do animal fosse vista em exposição
nas vitrines dos shoppings.
O bichinho foi avistado pela primeira vez em
2009, enquanto desfilava solitariamente no interior das áreas silvestres da região de Gran Saban,
a aproximadamente 650 km de Caracas, quando
acabou “capturado” pelas lentes do biólogo
marinho, taxonomista e zoólogo Arthur Anker.
“Sei que mariposas deste tipo foram pouco identificadas na América Central e do Sul”, afirmou o
responsável pela descoberta.
Diante da hipótese de a imagem do animal
ser um embuste, o professor de zoologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Olaf Hermann Mielke, foi categórico: “Esse bicho existe.
Provavelmente, não há no Brasil, e não deve ser
uma espécie abundante, mas é real”.
Ainda existem pouquíssimas informações
sobre o animal – que, segundo especulação dos
especialistas, deve pertencer à família Arctiidae,
dos lepidópteros –, mas o bichinho peludo ainda
é um mistério da ciência.
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CIÊNCIA NO AR
Atlas
do café
Famoso por dar um up na disposição, a bebida estimulante
tornou-se uma das mais consumidas no mundo. No Brasil, não é
diferente. Há quem diga que não dá para começar o dia sem um
gol. Por tudo isso – e algo mais –, o café firmou-se como importante “fator” econômico do país. Há duas décadas, a Fundação
Ezequiel Dias realiza análises de controle de qualidade do grão,
torrado e moído. O trabalho permitiu a criação do Atlas do Café,
lançado em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A publicação pretende tornar-se referência nacional
para análise qualitativa do produto em todo o país. Saiba mais
com a reportagem do programa Ciência no ar.
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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2012
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ONDAS DA CIÊNCIA
A delícia
do parto
Ter um filho é uma das emoções mais profundas que se
pode experimentar, mas exige preparo e segurança. Para dar
uma força às mães e pais, as professoras Eunice Francisca Martins e Kleyde Valentina de Souza desenvolveram uma série de
atividades, gratuitas, e abertas ao público em geral, com o objetivo de difundir técnicas e didáticas que farão deste dever um
agradável passatempo. Confira, no blog, os programas Ondas
da Ciência #40 e #41.
BLOG MINAS FAZ CIÊNCIA
fapemig.wordpress.com
Eureka!
Eis o cheiro do espaço...
Quando falamos em espaço sideral, o que
primeiro lhe vem à mente? A complexidade e
imensidão do universo dá margem a muita fantasia. Mas, em algum momento, já lhe passou pela
cabeça que o gigantesco deserto interplanetário poderia apresentar cheiro? Sim. De forma intrigante,
o espaço tem sua própria “trilha aromática”. Pelo
menos essa é a novidade comentada por astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional.
O cheiro do espaço parece ser acre, como
numa mistura de metal fundido, carne tostada, pólvora recém utilizada, fumos de solda queimados,
óleo de motor e uma pitada sulfurosa. Esses foram
os odores aos quais os cosmonautas relacionaram
suas experiências olfativas. A grande questão,
contudo, é outra: como puderam eles desvendar as
fragrâncias, se não é possível respirar no vácuo?
Segundo os relatos, ao regressar de um passeio
exterior, os aromas os acompanham ao interior
das naves, aderidos a seus trajes e veículos de
exploração espacial.
Aqui na Terra, a descoberta dividiu a opinião
de estudiosos. Alguns acreditam que nosso
Sistema Solar tenha um cheiro especialmente
acre, pois é muito rico em carbono e bastante
pobre em oxigênio. Outros dizem que a causa
dos odores se deve a partículas, presentes em
todo o universo, denominadas “hidrocarbonetos
policíclicos aromáticos” – subprodutos da explosão de estrelas. O assunto, entretanto, ainda
é novidade, e carece de mais estudos para ser
melhor compreendido.
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A foto, de autoria do professor Miguel Andrade, do Departamento de Ciências Biológicas da PUC Minas, mostra índias Maxacali na cachoeira do Tabuleiro,
localizada na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Com cerca de 3,7 milhões de hectares, essa região, que sofre com impactos ambientais que remontam à história da Colônia, abriga diversidade socioambiental de relevância estratégica, por sua biodiversidade, cultura, economia e paisagens.
VARAL
Foto: Miguel Ângelo Andrade
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