Arquivo completo - Revista PINDORAMA – IFBA

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Arquivo completo - Revista PINDORAMA – IFBA
Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014
EUNÁPOLIS-BA, ABRIL/2014
EXPEDIENTE
Reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia –
IFBA
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Equipe Técnica:
Técnico-administrativo: Arthur Vinicius Maciel Dantas
ISSN 2179-2984
ISSN 2179-2984______________________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014
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Conselho Consultivo
SUMÁRIO
EDITORIAL
ARTIGOS
Figuras e figurações do saber no pensamento de Michel Foucault
03
José Roberto de Oliveira
Arquitetura, sustentabilidade e práticas de ensino e aprendizagem:
diagnóstico do espaço construído dos Institutos Federais da Bahia
25
Silvia Kimo Costa; Matheus Victor Rocha Bongestab
Apresentando a Matemática e a Ciência por meio das artes cênicas
44
Franciele Lopes da Silva; Ricardo Roberto Plaza Teixeira
Formação sócio-espacial e organização do espaço em Itacaré/BA: um
estudo sob a égide da teoria classista
60
Gilson Santos da Silva; Paulo Fernando Meliani
Interculturalidade no ensino de línguas: uma análise do Projeto
Pedagógico Institucional – PPI do IFBA
78
Mariana Fernandes dos Santos
Avaliação da qualidade de vida dos portadores de insuficiência renal
crônica em hemodiálise
Fernanda Costa Martins; Claudia Graça Cerqueira
101
EDITORIAL
É com satisfação que apresentamos mais uma edição da Revista Pindorama! Nela
damos continuidade ao propósito de ser um periódico multidisciplinar e publicar
textos de áreas diversas. No presente número a revista traz seis artigos.
O primeiro texto desenvolve uma análise sobre o tema ‘saber’ na obra do filósofo
Michel Foucalt. Aborda as contribuições deste pensador no que diz respeito aos
elementos que constituem este campo temático do conhecimento na modernidade.
O artigo seguinte estabelece uma análise entre arquitetura, sustentabilidade e
práticas de ensino e aprendizagem em instituições escolares. Os autores
evidenciam as relações entre o Projeto Político Institucional e o Projeto Arquitetônico
das instituições, buscando as influências do primeiro sobre o segundo tema. A
abordagem é feita utilizando um tema transversal e extremamente relevante na
atualidade que é a sustentabilidade.
Em seguida faz-se uma discussão metodológica sobre o ensino de matemática.
Para tal propõe o uso das artes cênicas. Neste sentido, os autores avaliam as
possibilidades de inter-relacionar duas áreas de conhecimento consideradas
bastante distintas (Matemática e teatro), de modo a obter resultados positivos em
termos educacionais.
O quarto artigo desenvolve uma análise temporal sobre o desenvolvimento e as
transformações socioeconômicas e espaciais numa localidade do Sul da Bahia
(Itacaré). O autor usa teorias clássicas das ciências sociais sobre estratificação
social para mostrar como as divisões em classes sociais perduram ao longo do
tempo e reproduzem as profundas desigualdades sociais.
O penúltimo texto faz uma análise do Projeto Pedagógico Institucional do Instituto
Federal da Bahia explorando os elementos da interculturalidade voltados para o
ensino e aprendizagem de línguas, com enfoque na língua portuguesa. Segundo a
autora, os resultados da abordagem mostram que o tema aparece sob a perspectiva
da diversidade cultural, variação linguística, intercâmbio cultural, interdisciplinaridade
e transdisciplinaridade. Porém, o documento não apresenta uma discussão
específica em relação ao ensino e aprendizagem de línguas e nem de língua
portuguesa como língua materna.
Por fim, temos um artigo que apresenta os resultados de um estudo empírico, que
investiga a qualidade de vida entre portadores de insuficiência renal crônica em
hemodiálise. Os dados evidenciaram que os indivíduos submetidos à hemodiálise
apresentaram uma redução na qualidade de vida quando relacionada ao domínio do
“papel profissional” e a “auto avaliação de dor” e, maior qualidade referente ao
domínio “aspectos emocionais”.
Figuras e figurações do saber no pensamento de Michel Foucault
José Roberto de Oliveira1
___________________________________________________________________
RESUMO
Nas análises de Michel Foucault sobre o saber ocidental é
possível vislumbrar uma descontinuidade do saber, que o
impossibilita de ser visto como algo contendo traços definidos.
A indefinição desses traços traz indícios de que, para Foucault,
o saber não possui um rosto, mas apenas máscaras, que são
trocadas à medida que nascem novas configurações que
passam a figurar no palco do conhecimento. O presente artigo
buscou seguir o percurso dessas análises, visando encontrar a
máscara portada pelo saber no período contemporâneo. Para
tanto, tentou-se realizar uma articulação entre alguns escritos
de Foucault onde arte, literatura e filosofia se intercalam num
jogo de experiências e reflexões típico do pensamento
contemporâneo: já não há mais espaço para o jogo das
similitudes, próprio do conhecimento renascentista; a
representação que dominou toda a idade clássica assumiu uma
palidez distanciando-se das distinções; e o homem, principal
personagem da modernidade, perdeu o poder de fazer girar em
sua órbita todas as outras figurações. Doravante, tanto nas
experiências das artes quanto na filosofia (em especial a
filosofia de Gilles Deleuze), figuram a indefinição das formas, a
impossibilidade da apreensão totalizadora, o desaparecimento
do sujeito do conhecimento e a imagem fantasmagórica do
pensamento.
Palavras-chaves:
Foucault,
contemporâneo, filosofia e arte.
1
Deleuze,
pensamento
Mestre em filosofia pela PUC-SP. Professor dedicação exclusiva do Instituto Federal de Educação
Ciência
e
Tecnologia
da
Bahia
–
IFBA
–
Campus
Eunápolis.
Contato:
[email protected].
“Em nossos dias não se pode mais
pensar senão no vazio do homem
desaparecido. Pois esse vazio não
escava uma carência; não prescreve uma
lacuna a ser preenchida. Não é mais nem
menos que o desdobrar de um espaço
onde, enfim, é de novo possível pensar”.
(FOUCAULT, PC, p. 358)
Em seu Foucault (1991), Gilles Deleuze não concorda com outros
comentadores de que haja uma dicotomia ou mesmo uma preponderância do poder,
em detrimento do saber, no pensamento de Michel Foucault, a partir da década de
70. Para ele em nenhum momento da obra de Foucault o poder ofusca o saber
como objeto de estudo. Ela não foi introduzida nesse pensamento para suplantar o
saber, mas para ir à complexidade do seu sentido: o poder é causa pressuposta do
saber; este se revela como a mais profunda necessidade do poder, sem a qual ele
não passaria a ato. Ambos são apresentados respectivamente como uma relação de
formas – enunciados e visibilidades – e uma relação de forças – diagramas e
enquadramentos. A necessária diferença entre os dois encontra-se no espaço que
lhes é próprio, isto é, naquilo que marca e determina suas singularidades. E
somente por esse jogo de diferenciação é possível pensar tal relação, pois, segundo
Deleuze (1991) “... Há apenas uma relação de forças que age transversalmente e
que encontra na dualidade das formas a condição para sua ação, para sua própria
atualização.” (DELEUZE, 1991, p.48).
Além de evitar uma oposição ou predominância entre o saber o poder,
Deleuze também revela que “na obra de Foucault, os artigos sobre Nietzsche e
sobre Blanchot se encadeiam, ou se re-encadeiam...”, pois, “... se ver e falar são
formas da exterioridade, pensar se dirige a um lado de fora que não tem forma.
Pensar é chegar ao não-estratificado” (Idem, p. 93). Isto é significativo
das pesquisas de Foucault – o saber –, mas sem deixar de relacioná-lo com o
poder, evidenciando duas características importantes: as implicações entre as
múltiplas forças difusas do poder e as formas constitutivas e estratificadas do saber;
as relações de forças respondendo pelas estratificações existentes no solo do
conhecimento, as quais ganham o estatuto do saber de uma época.
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primeiramente porque, ao tratar dos dois artigos, Deleuze dá ênfase ao tema inicial
4
A interpretação deleuziana tornou-se fundamental para o desdobramento
desta pesquisa. Graças a ela, uma das hipóteses perseguidas fica ainda mais
evidente: para Foucault o saber ocidental não possui uma forma permanente e
contínua; ele é mutável. Em constante relação e dispostas em diferentes pontos,
enfrentando-se até fazerem surgir na superfície algo como o pensamento, as forças
estabelecem o ritmo dessa mutabilidade. Mas essa interpretação também nos
direciona a outra perspectiva (segunda hipótese): se o pensamento se transforma,
se ele sofre reorganizações, então é possível que, ao longo de suas pesquisas,
Foucault tenha perseguido não somente os estratos que compõem o pensamento
ocidental, mas também os traços do pensamento contemporâneo, daquele que
constitui o saber de nossa época.
Partindo dessa perspectiva, talvez seja possível detectar uma articulação não
somente entre os dois artigos propostos por Deleuze, mas entre estes e um terceiro,
formando, assim, uma tríade: “la pensée de dehors”, dedicado a Maurice Blanchot;
“Nietzsche, la genealogia et l’histoire”, que trata da genealogia em Nietzsche; e
“Theatrum philosophicum” – intermediário até mesmo na ordem cronológica de
publicação de Dits et écrits2 –, que trata do pensamento de Gilles Deleuze, em
Diferença e Repetição e Lógica do Sentido.
Com essa tríade, partimos do pressuposto que se os dois artigos citados por
Deleuze “se encadeiam” por se tratar de uma reflexão sobre as condições internas
da possibilidade do saber, “Theatrum philosophicum” também se aloja nesse
espaço, porque indicia os primeiros traços de uma reflexão não somente sobre as
experiências
contemporâneas,
mas
sobre
o
saber
que
se
constitui
na
contemporaneidade.
Há ainda um dado curioso que contribui à articulação entre esses três artigos.
Poder-se-ia objetar que esse dado não possui nenhuma relevância nem acrescenta
alguma indicação imprescindível para a compreensão do pensamento de Foucault.
De fato não, até o momento em que se deixe de ver esses elementos menos como
2
- Segundo a ordem cronológica em que os artigos aparecem publicados temos: “La pensée du
dehors”, publicado em 1966; “Nietzsche, la généalogie et l’histoire” cuja publicação é de 1971 e o
artigo que intermedeia os anteriores – “Theatrum philosophicum” – que data de novembro de
1970. Cf. Dits et écrits. IV tomes, Paris : Gallimard, 1994.
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Pode-se encontrar em todos eles uma série de remissões aos elementos do teatro.
5
um recurso linguístico e espetaculoso e mais como mecanismos metodológicos
usados pelo pensador para evidenciar realidades que mostram, tal como uma nova
cena, no palco do conhecimento ocidental.
Se Foucault fala de máscaras, de personagens, teatro, palco, cenas e até
mesmo de um tempo em que esses elementos se compõem e se evidenciam, é
porque ele concebe a filosofia como um teatro cujas cenas são realizadas
cumprindo sempre uma regra co-determinada pelo jogo dos acontecimentos. Esse
teatro jamais para de repetir as cenas, as quais sempre trazem novidades
provenientes de uma série de encenações. As cenas (o jogo dos acontecimentos)
estão para as forças, como o espetáculo gerado está para o saber. Vale ressaltar,
no entanto, que tal espetáculo não evidencia, no pensamento de Foucault, o caráter
espetaculoso próprio do jogo de cenas de determinadas práticas sociais – tão
valorizado pelos agenciadores do poder; é antes a percepção de uma série de
estratos não lineares nem contínuos, que constituem o aparente perfil do saber de
uma época.
Assim, tendo os três artigos como o fio condutor deste percurso, pretende-se
evidenciar “... as inúmeras vias de acesso...” exploradas por Foucault (cf. Tph, p.
231) para traçar um esboço da máscara portada pelo saber ocidental na
contemporaneidade.
***
Nos primeiros escritos de Michel Foucault percebe-se facilmente um objeto no
centro de seus questionamentos: trata-se do saber, sua natureza, suas condições
de possibilidade e sua trajetória ao longo da história ocidental. Esta figura se mostra
mesclada tanto a acontecimentos sociais (a exclusão dos leprosos, dos doentes
mentais e miseráveis, ou o nascimento da clínica), quanto ao campo epistemológico
enunciados, reflexões filosóficas e configurações do saber).
Quando Foucault concebeu o saber ligado às práticas e ao conhecimento
qualificado, ele assumiu algumas posições que quase o levou a determinar um perfil
geral para o saber. Chegou a privilegiar a loucura como uma “experiência”, cuja
essência não era uma doença mental, mas a forma bruta do saber que, como tal,
causava
uma
profunda
ameaça
à
razão;
privilegiou
também
a
escrita
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(o surgimento de alguma ciência, reformulação de um conceito, produções de
6
contemporânea como sendo um paradigma representacional da linguagem, uma
forma de transgredir e subverter os limites da razão. Isso lhe rendeu várias críticas e
ele não se mostrou insensível a elas: reconheceu a existência de falhas em sua
pesquisa e viu as críticas que delas se originaram como um importante material para
que ele pudesse rever sua trajetória e assumir uma postura menos categórica e
determinante3.
Outra característica de suas análises refere-se ao período histórico do
conhecimento analisado. Normalmente ele retoma períodos curtos, estendendo-se
aquém do Renascimento. As principais análises se situam entre os séculos XVII e
XX. Em todas elas, ele busca descobrir as camadas estratificadas dentro, em meio
ou às margens das quais se encontram, dispersos, esquecidos ou voluntariamente
abandonados, os elementos que ordenam e constituem o saber de uma época.
Em As palavras e as coisas, Foucault analisa as “duas grandes
descontinuidades” ocorridas “... na epistémê da cultura ocidental: aquela que
inaugura a idade clássica (por volta dos meados do século XVII) e aquela que, no
início do século XIX, marca o limiar de nossa modernidade” (PC, 1996, p.12). Ambas
são constituídas por modos diferentes de ordenação: a representação na idade
clássica, desvelada através de um quadro composto por uma ordem geral, por uma
taxinomia e por uma gênese, quadro este que tem sua evidência no transcorrer do
discurso representativo; e o homem na idade moderna, manifestado por um princípio
de historicidade, por um tempo que se encontra simultaneamente recuado em um
passado sem história e preso à imagem dessa figuração. É em torno desse homem,
dirá Foucault, que “... nascem todas as quimeras dos novos humanismos, todas as
- Um dos momentos em que Foucault evidencia o reconhecimento de algumas falhas em sua
pesquisa e que sente necessidade de rever seu percurso é na introdução de A Arqueologia do Saber:
“Em muitos pontos, ele é diferente, permitindo também diversas correções e críticas internas. De
maneira geral, História da loucura dedicava uma parte bastante considerável, e, aliás, bem
enigmática, ao que se designava como uma ‘experiência’, mostrando assim o quanto permanecíamos
próximos de admitir um sujeito anônimo e geral da história. Em Nascimento da clínica, o recurso à
análise estrutural tentado várias vezes, ameaçava subtrair a especificidade do problema colocado e o
nível característico da arqueologia. Enfim, em As palavras e as coisas, a ausência de balizagem
metodológica permitiu que se acreditasse em análises em termos de totalidade cultural. Entristece-me
o fato de que eu não tenha sido capaz de evitar esses perigos: consolo-me dizendo que eles estavam
inscritos na própria empresa, já que, para tomar suas medidas, ela mesma tinha de se livrar desses
métodos diversos e dessas diversas formas de história; e depois, sem as questões que me foram
colocadas, sem as dificuldades levantadas, sem as objeções, eu, sem dúvida, não teria visto
desenhar-se tão clara a empresa à qual, quer queira quer não, me encontro ligado de agora em
diante.” AS, pp. 19-20.
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facilidades de uma ‘antropologia’ entendida como reflexão geral, meio positiva, meio
filosófica...” (PC, 1996, p.13).
É ainda em As palavras e as coisas que se tem o anúncio do
desaparecimento do homem como personagem central e o prenúncio de uma nova
configuração do saber, marcada por práticas e produções responsáveis por uma
encenação um tanto trágica, um tanto angustiante, apresentando o mais novo
espetáculo do saber, cuja sinopse assim poderia ser descrita: das chamas do
incêndio gerado por Nietzsche, pode-se entrever a figura antropológica sendo
consumida pouco a pouco; com ela, vê-se também inflamar sua possibilidade de
expressão – a dialética. Nesta cena trágica, através da qual se encena o crepúsculo
de um período (aquele que representou o saber desde o final do século XVIII), todas
as formas estáveis de um saber que reinou por mais de um século e meio vão se
deformando, até que “seus restos calcinados” esbocem um desenho de “rostos
estranhos, impossíveis talvez; e a uma luz de que não se sabe ainda ao certo se
reaviva o último incêndio ou se indica a aurora, vê-se abrir o que pode ser o espaço
do pensamento contemporâneo” (PC, 1992, 278). Uma música ecoa por todos os
pontos do palco: é a ária da ópera wagneriana no momento em que Siegrifried e
Brünilde estão sendo queimados, dando início ao crepúsculo dos deuses4.
A estranheza esboçada na nova máscara que o saber passa a portar, após a
morte do homem, realmente é gerada por seus traços indefinidos. Impossível falar
sobre ela, sem o reconhecimento que se está caminhado por sobre um solo
movediço, ainda em formação. O que dele pode ser diagnosticado no primeiro
momento é apenas oferecido pelos fragmentos da antiga disposição encontrados
por todos os lados5 e que para muitos ainda representam o solo intacto sobre o qual
reinava a figura do homem6.
- Siegrifried e Brünilde são duas personagens do drama musical wagneriano que compõe a trilogia
O Anel dos Nibelungos. Na cena desse drama, Brünilde sacrifica-se na pira funerária de Siegrifried.
Como previsto as chamas consomem os deuses e sua morada. Além da relação feita, nessa
pesquisa, entre a passagem desse drama e o fim do pensamento antropológico, é possível encontrar
a seguinte afirmação de Foucault sobre Wagner: “... Wagner, como Schopenhauer e como Nietzsche,
é um dos raros que colocaram o problema do sujeito em termos não cartesianos. Ele tentou ver como
a concepção ocidental do sujeito era uma concepção bastante limitada, e que não podia servir de
fundamento incondicional para todo o pensamento...”. Sph, DE, III, p. 592.
5
- “Buscando diagnosticar o presente em que vivemos, nós podemos isolar como já pertencendo ao
passado certas tendências que ainda são consideradas como contemporâneas.” “Qui êtes-vous,
professeur Foucault?”, p. 607.
6
“A todos os que pretendem ainda falar do homem, de seu reino ou de sua libertação, a todos os que
formulam ainda questões sobre o que é o homem em sua essência, a todos os que pretendem partir
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Quando se anunciou que Deus havia morrido os protestos foram intensos,
mas, ainda assim, foi possível suportar a dor que esse anúncio gerava, pois, se o
mundo perdia sua figura divina, restava ainda a figura de seu duplo, o homem, como
garantia de um sonho consolador; uma última possibilidade de uma existência
tranquila. No entanto, Nietzsche veio anunciar que não somente Deus havia morrido:
o homem, aquele que o assassinara, também deixava de existir no momento mesmo
em que realizou o parricídio. Era um dos primeiros indícios de que nascia um novo
pensamento no horizonte do ocidente. Eis o relato que Foucault fez desse
acontecimento:
“Ela [a cultura não dialética] começou com Nietzsche, quando este
mostrou que a morte de Deus não era o aparecimento, mas o
desaparecimento do homem, que o homem e Deus possuíam
estranhas relações de parentesco, que eles eram ao mesmo tempo
irmãos gêmeos e pai e filho um do outro, que Deus estando morto, o
homem não pode não desaparecer, no mesmo momento, deixando
atrás de si o gnomo horrível”. (FOUCUALT, “L’homme est-il mort?”,
DE, I, p. 542; PC, p. 358).
Morria o homem e com ele desaparecia a possibilidade do discurso dialético,
o qual não podia subsistir apenas apoiado sobre as cinzas da figura que lhe dera
origem. O que mais argumentar ou que outros conceitos poderiam ser criados para
falar de uma figura ausente? Não obstante todas as tentativas de fazer levantar das
cinzas aquilo que um dia representou o saber de uma cultura 7, o que se mostrava
cada vez mais evidente era a necessidade de se continuar pensando, mesmo com
dele para ter acesso à verdade, a todos os que, em contrapartida, reconduzem todo conhecimento às
verdades do próprio homem, a todos os que não querem formalizar sem antropologizar, que não
querem mitologizar sem desmistificar, que não querem pensar sem imediatamente pensar que é o
homem quem pensa, a todas essas formas de reflexão canhestras e distorcidas, só se pode opor um
riso filosófico – isto é, de certo modo, silencioso.” PC, p. 359.
7
Para Foucault, A Crítica da Razão Dialética escrita por Sartre, representou ao mesmo tempo a
tentativa de ressuscitar o humanismo e o seu sepultamento: “Ora, parece-me que ao escrever a
Crítica da razão dialética, Sartre, de alguma maneira, pôs um ponto final, Ele fechou o parêntese
sobre todo esse episódio da nossa cultura, que começa com Hegel. Ele fez tudo o que pode para
integrar a cultura contemporânea, isto é, as aquisições da psicanálise, da economia política, da
história, da sociologia, à dialética. Todavia, é característico que ele não pudesse deixar cair tudo aquilo
que eleva a razão analítica e que faz profundamente parte da cultura contemporânea: La Crítica da
razão dialética é o magnífico e patético esforço de um homem do século XIX para pensar o século
XX. Neste sentido, Sartre é o último hegeliano, eu diria mesmo o último marxista”. “L’homme est-il
mort?”, p. 540.
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sua ausência. Por isso, Foucault alerta que “é preciso fazer o possível para se
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descobrir a forma própria e absolutamente contemporânea desse pensamento nãodialético” (FOUCUALT, “L’homme est-il mort?”, DE, I, p. 542).
Em busca das características relativas ao pensamento contemporâneo,
Foucault vê na “experiência” de Bataille uma forma nova de se pensar, por ela
aparecer desvinculada dos elementos que davam sustentação à dialética. No
Prefácio à Transgressão, ele associa essa “experiência” ao que denomina
“característica da sexualidade moderna”. Ora, o que caracteriza a sexualidade
moderna não é um discurso que a une à natureza, mas aquilo que a desnaturaliza,
pois, através de um discurso que se estende de Sade a Freud, esta forma de
sexualidade foi lançada em “... um espaço vazio onde encontra apenas a forma fina
do limite...” (“Préface à la Transgression”, DE, I, p. 233); um limite que põe em xeque
a consciência, a lei e a linguagem e demarca a própria cisão do ser humano, posto
que, imerso em uma realidade em que a consciência, a lei e a linguagem deixaram
de lhe prestar auxílio, é como se o homem se encontrasse “... em um mundo onde
não há mais objetos, nem seres, nem espaços a profanar...” (Idem, p. 234). Este
mundo, de onde o sagrado se ausentou por perder o seu “sentido positivo”, segundo
Foucault, poderia ser chamado de “transgressão”. Transgressão seria, então, a
profanação que não reconhece mais o mundo do sagrado. Aliás, é isto que a
aproxima do grande acontecimento da morte de Deus, entendido em seu caráter
específico: “... como o espaço doravante constante de nossa experiência” 8. Ou seja,
a existência humana, livre do “limite do Ilimitado”, e entregue a sua experiência
“interior e soberana”9. Entre a experiência de Bataille e a característica do discurso
sobre a sexualidade moderna, há uma profunda relação cujo ponto convergente é a
linguagem.
Todo o Prefácio é cortado pelo questionamento sobre a linguagem. Não sobre
veículo de expressão do pensamento contemporâneo, cercado pela sexualidade e
pela morte de Deus10. De imediato, o que Foucault detecta é que na experiência de
8
- “Morte que não é preciso entender como o fim de seu reino histórico, nem finalmente a
constatação de sua inexistência, mas como o espaço doravante constante de nossa experiência”.
“Préface à la Trangression”, DE, I, p. 235.
9
- “A morte de Deus, tirando da nossa experiência o limite do Ilimitado, a reconduz a uma realidade
onde nada pode mais anunciar a exterioridade do ser, a uma experiência por consequência interior e
soberana.” Idem.
10
-“Sem dúvida, é o excesso que descobre, ligado em uma mesma experiência, a sexualidade e a
morte de Deus;... E nesta medida, o pensamento de Deus e o pensamento da sexualidade se
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o ser da linguagem ou um tipo qualquer de linguagem, mas sobre aquela que seria o
10
Bataille nada se apresenta como “negativo” e toda afirmação à qual ela se apoia,
revelando, não possui “nada de positivo”11. Encontra-se desprovida de uma entidade
que ‘nega tudo’. Daí Foucault afirmar que “... a transgressão abre-se sobre um
mundo cintilante e sempre afirmado; um mundo sem sombra, sem crepúsculo, sem
este deslizamento do não que morde os frutos e crava em seu coração a
contradição deles mesmos” (Préface à la Trangression”, DE, I, p.335).
Apresentada desta maneira, a transgressão encontra-se desvinculada de uma
relação com a linguagem que valoriza tanto uma afirmação positiva, quanto a mais
pura nudez de uma negação. No limite, ela estaria alojada em um polo
extremamente oposto àquele onde habita a dialética. Tal posição possibilita a
Foucault opinar sobre a forma da linguagem que bem representaria a transgressão:
“seria de uma grande ajuda”, pergunta ele, “dizer, por analogia, que se precisaria
encontrar para o transgressivo uma linguagem que seria aquilo que a dialética
considerou como contradição?”. A partir daí, o autor nomeia esta linguagem de “não
dialética” (Cf. DE I, pp. 239; 244; 247 e 249).
Além da experiência de Bataille, Foucault também reconhece na experiência
literária de Blanchot fortes indícios das novas formas (máscara) do saber.
Percorrendo a mesma via que o fez encontrar nessa linguagem indefinida traços da
“não dialética”, simultaneamente, ele aproxima Blanchot da literatura contemporânea
e o contrapõe à figura de Hegel para, em seguida, apresentar, através de analogias,
as diferenças que os distanciam: se Hegel reatualizou toda a experiência filosófica
em seu pensamento e, a partir dessa ação, tornou-se a própria representação da
filosofia, também Blanchot voltou-se para as principais obras da literatura ocidental a
fim de determinar suas marcas predominantes na linguagem contemporânea. No
entanto, o que diferencia tais ações é o fato de Blanchot desaparecer no mesmo
encontram, depois de Sade, sem dúvida, mas nunca em nossos dias com tanta insistência e
dificuldade que como em Bataille, ligada em uma forma comum”. “Préface à la Trangression”, DE, I, p.
235.
11
- “Nada é negativo na transgressão. Ela afirma o ser limitado, ela afirma este Ilimitado do qual ela
salta, abrindo-se, pela primeira vez, para a existência. Porém, pode-se dizer que esta afirmação não
tem nada de positivo...”. Idem, p. 238.
12
- “Se Blanchot se volta para todas as grandes obras da literatura mundial e que tocam nossa
linguagem é justamente para provar que não se pode torná-las imanentes, que elas existem fora,
nasceram fora. Se elas existem fora de nós, encontramo-nos fora delas. Se nós conservamos certa
relação com essas obras é devido a uma necessidade que nos força a esquecê-las e a deixá-las
escolher fora de nós. De qualquer maneira, é sob uma dispersão enigmática e não sob a forma de
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momento em que ele evidencia a existência de tais obras nessa linguagem12.
11
Para Foucault, Blanchot não se propõe a exercer o papel de representante da
tradição literária ocidental nem aceita ser o fundador dos objetos que ganham vida
em sua ficção. Há uma distância intransponível entre quem escreve e aquilo que
escreve. Esta distância não afeta apenas a subjetividade quando a impossibilita de
ser o fundamento das coisas, no tempo inexistente da escrita; ela abala também sua
própria visibilidade, impedindo, assim, sua fixação em um espaço de interioridade.
O desaparecimento de Blanchot como autor ou sujeito da escrita está
condicionado ao lugar que a linguagem ocupa em seu pensamento. Ela manifesta
uma realidade que já não permite mais a presença daquele que fala, pois, a partir do
momento em que o autor escreve, ele o faz para desaparecer: o “sujeito” escrito já
não representa mais aquele que fala ou escreve; é, antes, uma figura anônima da
palavra que prescinde de um tempo presente e de um espaço absoluto. Aliás, o
próprio Blanchot revelou que “o eu jamais foi sujeito da experiência; ‘eu’ jamais seria
capaz disso, nem o indivíduo que sou, essa partícula de poeira, nem o eu de todos
que supostamente representam a consciência absoluta de si...” 13.
Em “La pensée du dehors”, essa questão ganha ainda mais consistência. O
problema é apresentado pela seguinte afirmação: “Eu Falo”. Segundo Foucault, tal
afirmação encontra-se sustentada por sua própria evidência e protegida de qualquer
possibilidade de erro, posto que “eu não digo nada além que o fato de que falo”. E
uma imanência compacta. É assim que, para Blanchot, a presença das obras literárias se completa.
O próprio Blanchot é alguém que se encontra fora de todas as obras. Ele jamais procurou recuperálas no seu mundo nem as fez falar por uma segunda vez a partir do exterior... Ele não procura
recuperar em si mesmo, em sua subjetividade, as obras que foram escritas... A relação entre as obras
e este homem que fala delas sob a forma do esquecimento é exatamente o contrário do efeito que se
produz sob a forma da representação ou da memória em Hegel.”, “Folie, Littérature, Société”, DE, II,
p. 125. Quanto à afirmação de que “Blanchot é o Hegel da Literatura”, cf., pp. 124-6.
13
- Blanchot, Maurice., “L’experience Limite”, in. L’Entretien Infini, Gallimard, Paris, 1969, p. 331.
Além disso, em um dos comentários sobre a obra de Blanchot, de Françoise Collin, pode-se
encontrar a seguinte passagem bastante ilustrativa; ela vem acompanhada de um pequeno texto de
Blanchot: “O que produz na escrita e particularmente na escrita narrativa, é, para o autor, a
destituição do seu papel de sujeito. O sujeito que escreve, descobre-se sujeito escrito, isto é, nãosujeito. Esta metamorfose, que se dá na duplicação disjuntiva do ‘eu’ que escreve e do ‘eu’ da
narrativa, lança a desordem sobre qualquer possibilidade de dizer ‘eu’ e conduz ao uso do ‘ele’: todo
sujeito é uma terceira pessoa... Escrever me ensina não somente que eu não sou substância, um ‘em
si’, mas ainda que eu não sou sujeito. ‘O escritor parece ser o senhor de sua pluma, ele pode sentirse capaz de controlar as palavras, aquilo que ele deseja fazer exprimir. Mas tal controle consegue
somente colocá-lo, mantê-lo em contato com a passividade terrestre, onde a palavra, não sendo mais
que sua aparência e a sombra de uma palavra, não pode jamais ser controlada, nem mesmo
dominada, permanece sem controle e sem pátria, o momento indeciso da fascinação.’” Collin,
Françoise., Maurice Blanchot et la question de l’écriture., deuxième édition, Gallimard, Paris, 1986,
pp. 84-5.
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continua: “A proposição-objeto e aquela que a enuncia se comunicam sem obstáculo
12
nem reticência, não só pelo lado da palavra de que se trata, mas também pelo lado
do sujeito que articula esta palavra. É, portanto, verdade, irrefutavelmente verdade,
que falo quando digo que falo” (PD, DE, I, p. 519).
Porém, há uma objeção que tira essa proposição de sua comodidade, pois
se não há problema em seu caráter formal, não se pode afirmar o mesmo sobre seu
sentido: partindo do pressuposto que a ideia contida no “‘eu falo’... refere-se a um
discurso que, oferecendo-lhe um objeto, iria lhe servir de suporte”, seria necessário
que este discurso estivesse realmente presente a todo o momento. Isso não se
sustenta, pois, contrariamente ao que se pode pensar, este discurso está ausente:
“... o ‘eu falo’ aloja sua soberania somente na ausência de qualquer outra
linguagem; o discurso do qual falo, não preexiste à nudez enunciada no momento
em que eu digo ‘falo’; ele desaparece no mesmo instante em que me calo” (PD, DE,
I, p. 519). Resta apenas um sentido ao qual esta afirmação pode se apegar: nela se
desvela a possibilidade de uma propagação infinita da linguagem, através dessa
“abertura absoluta” que se efetiva a partir de seu próprio vazio e da fragmentação do
sujeito deste discurso insólito – “o ‘eu’ que fala” – até seu desaparecimento “neste
espaço vazio”14.
Tal sentido desvincula a linguagem de uma entidade capaz de sustentá-la e a
lança em uma dispersão sem limite, ao mesmo tempo em que esfacela o sujeito em
um sem número de pontos dispersos. Assim, identificando uma incompatibilidade
“entre a aparição da linguagem em seu ser e a consciência de si em sua identidade”,
Foucault
revela
que
esta
é
mais
uma
característica
do
pensamento
contemporâneo15. Essa revelação é importante, pois, a partir dela, será mostrada a
constituição própria desse pensamento: ele não se encontra preso a nenhuma
subjetividade; antes, desenvolve-se à proporção que assume, em relação à
Tal pensamento, Foucault vai chamá-lo de pensamento do exterior (Cf. PD, DE, I,
pp. 521).
14
- “... A menos que o vazio onde se manifesta a finura sem conteúdo do ‘eu falo’ seja apenas uma
abertura absoluta, por onde a linguagem pode se estender ao infinito, enquanto que o sujeito – o ‘eu’
que fala – divide-se, se dispersa e se ornamente até desaparecer neste espaço nu” PD, DE, I, p. 519.
15
- “Essa abertura em direção à linguagem, de onde o sujeito encontra-se excluído, a evidência da
linguagem em seu ser e a consciência de si em sua identidade, é atualmente uma experiência que se
anuncia em diferentes pontos da cultura...” PD, DE, I, pp. 520-21.
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subjetividade, uma relativa distância até se encontrar imerso no vazio da ausência.
13
Assim, se a linguagem contemporânea é chamada de não dialética, o
pensamento contemporâneo vai ser nomeado de pensamento do exterior. Aliás, é
importante notar que, de acordo com as análises feitas pelo autor em cada período,
cada forma de linguagem aparece ligada à forma do pensamento vigente: no
Renascimento, a linguagem estava ligada à semelhança, no período clássico, ela
estava ligada à representação, na modernidade ela se encontrou presa à dialética e,
no período contemporâneo, ela está ligada à exterioridade. Então, para demonstrar
o liame existente entre a linguagem e este pensamento, Foucault afirma que “em
seu ser próximo e esquecido, nesse poder de dissimulação que apaga toda
significação determinada e a própria existência daquele que fala, nessa neutralidade
cinza que forma o esconderijo de todo ser e que libera assim o espaço da
linguagem, a linguagem não é nem a verdade nem o tempo, nem a eternidade nem
o homem, mas a forma sempre desfeita do exterior” (PD, DE, I, p. 539).
Até então, tanto os traços da linguagem quanto os do pensamento
contemporâneos eram percebidos no espaço da arte, especialmente da literatura,
onde eram reconhecidos como uma forma de experiência. Uma experiência
praticada por vários outros autores e em diversas áreas por onde o saber se
dissemina. Por isso, Foucault afirma que “a atração é para Blanchot aquilo que é,
sem dúvida, para Sade o desejo, para Nietzsche a força, para Artaud a
materialidade do pensamento, para Bataille a transgressão: a experiência pura do
exterior...” (Idem, p. 525). E tal como Las Meninas representa o pensamento
clássico, as obras de Klee, Magritte e Kandinsky, representam a experiência do
exterior16.Toda essa experiência ainda não havia ganhado uma forma reflexiva, uma
formulação filosófica capaz de expressar suas particularidades. Foucault sabia da
extrema dificuldade que um discurso filosófico teria para expressá-la, sem que com
isso a condicionasse às mesmas categorias do pensamento “interior”. 17 Porém, com
16
- “Parece-me que é a pintura de Klee que melhor representa, em relação ao nosso século, aquilo
que foi Velásquez para o seu”, “L’homme est-il mort?”, DE, I, p. 540. E em outra entrevista Foucault
revela: “... eu olhei a coisa mais de perto e particularmente no que concerne à história das relações
entre Klee e Kandinsky, história que me parece prodigiosa e que deveria ser analisada mais
seriamente”. “Qui êtes-vous, professeur Foucault?”, DE, I, p. 614. Quanto à obra de Magritte, existe
um artigo cujo título é “Isto não é um Cachimbo” em que Foucault tem também a oportunidade de
a
relacionar os três artistas. “Isto não é um Cachimbo”, 2 edição, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro,
1988.
17
- “Todo discurso puramente reflexivo corre o risco de reconduzir a experiência do exterior à
dimensão da interioridade” PD, p. 523.
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o aparecimento dos dois livros de Deleuze – Diferença e repetição e Lógica do
14
Sentido – tanto a linguagem quanto o pensamento contemporâneos puderam ser
pensados para além da experiência. Neles se encontram a forma reflexiva desse
pensamento18.
O desafio proposto pela experiência nascente devia-se ao fato dos elementos
que a compõem se mostrarem organizados em torno de uma realidade que nada
possui de concreto: no desejo de Sade, na atração de Blanchot, na materialidade do
teatro de Artaud, na transgressão de Bataille, nos simulacros de Klossowski e nos
traços
dispersos
da
pintura
de
Klee,
Kandinsky
e
Magritte,
tem-se
o
desaparecimento das formas, a impossibilidade da apreensão totalizadora e a forma
quase inapreensível da imagem fantasmagórica. Nesta quase-realidade não existe
espaço para os corpos, tal como se teve o hábito de pensá-los por um longo período
da cultura ocidental. Então, pensá-la exige um distanciamento das categorias
representativas e uma recusa da individualidade como forma e do sujeito como
medida.
Ora, essa distância assumida em relação ao indivíduo e à realidade vem
indicar o que realmente significa pensar no período contemporâneo e de qual objeto
é composto esse pensamento. Foucault afirma que Lógica do Sentido aponta para
essas duas direções. Para demonstrá-las, utiliza-se de duas séries existentes nesse
livro: “a série do acontecimento” e a série “do fantasma”; entretanto, ao tratar delas,
o que nos é proposto é um jogo de metáforas em que o pensado está para o
fantasma, assim como o pensamento está para o acontecimento: “Fantasma e
acontecimento afirmados em disjunção são o pensado e o pensamento...” (Thp, p.
240). Com isso, ele quer revelar que nas duas obras de Deleuze pode-se encontrar
a figura em torno da qual vão nascer todas as possibilidades de um saber
contemporâneo. Seu nome já é bastante familiar à tradição filosófica – chama-se
Porém, o que significa dizer que no período contemporâneo a máscara do
saber é o próprio pensamento? Significa basicamente duas coisas: em uma época
em que o acontecimento é nomeado como o mais importante objeto a ser pensado,
não há nada mais necessário do que pensar o acontecimento resultante do próprio
18
-“Talvez alcancemos aqui, pela primeira vez, um teoria do pensamento que esteja totalmente
desvencilhada do sujeito e do objeto” Tph, p. 241. E também: “Esta filosofia, antes mesmo de Lógica
do sentido, Deleuze a havia formulado com uma audácia totalmente desprotegida, em Diferença e
repetição.” Idem, p. 242.
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pensamento.
15
pensar19. Além disso, com a saída de cena de Deus e do homem, toda a disposição
do saber foi se organizando em direção a uma incessante dispersão, a um espaço
que, no solo epistemológico, situa-se na exterioridade. Ora, o que pode haver de
mais exterior e demasiado, além do pensamento, ele que se mostra como que em
“excesso na singularidade” do pensar?
Essas afirmações dirigem-se para duas questões fundamentais. A primeira
consiste no seguinte: qual o papel do pensamento no jogo das cenas
contemporâneas, isto é, no jogo das superfícies? De imediato, Foucault responde: o
seu papel é produzir o pensado. Daí nasce a segunda questão: o que é o
pensamento e o que é aquilo que dele se produz – o pensado? Foucault entende
que a melhor maneira de se responder a essa questão é partir do espaço onde o
pensamento não mais se encontra, no espaço do pensado, pois o pensamento não
aparece na série do pensado, senão através de indícios. Indícios que revelam do
pensamento somente sua constante repetição. O pensado – aquilo que da mímica
(repetição) do pensamento foi produzido – mostra-se como a “pura diferença”, como
o ‘excesso’ do pensamento, pois “o acontecimento é o que sempre falta à série do
fantasma – falta na qual se indica sua repetição sem original, fora de qualquer
imitação e livre de todas as coações da semelhança” (Tph, p. 239) 20. – o fato de não
mais estar aí. “O que é o próprio pensamento”, pergunta Foucault, “senão o
acontecimento que chega ao fantasma, e a fantasmagórica repetição do
acontecimento ausente?”. E ele conclui: “o pensamento tem a pensar aquilo que o
forma, e se forma daquilo que pensa” (Thp, p. 240).
Segundo Foucault, Deleuze quis pensar o “acontecimento puro”. No entanto,
para fazê-lo foi preciso construir uma nova metafísica, uma lógica mais complexa e
uma gramática centrada de outra maneira.
que lhes dizem respeito, mas dos acontecimentos, seus efeitos, que “... formam
entre si uma trama na qual as uniões manifestam uma quase-física dos incorpóreos,
19
“Afinal de contas, o que existirá de mais importante para pensar, nesse século XX, do que o
acontecimento e o fantasma?” PD, p. 542.
20
- Sobre o pensado aparecendo como excesso do pensamento, Foucault afirma: “Quanto ao
fantasma, ele é ‘excessivo’ na singularidade do acontecimento; mas esse excesso não designa um
suplemento imaginário que viria se prender à realidade nua do fato; ele tampouco constitui uma
espécie de generalidade embrionária da qual emergiria, pouco a pouco, toda a organização do
conceito.” Tph, DE, II, p. 239.
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A primeira – a metafísica – deveria se ocupar não dos corpos e das causas
16
indicam uma metafísica”21. A segunda – a lógica – já não podia mais ser constituída
somente a partir de três termos (designação, expressão e significação), tal como o
foi sustentada pela tradição; a eles, Deleuze associou outro termo: o sentido, cuja
característica é estar ligado tanto à relação dos corpos quanto a seu resultado, o
acontecimento. Assim, muito mais complexa, essa lógica pode assim ser entendida:
“‘Marco Antônio está morto’ designa um estado de coisas; exprime
uma opinião ou uma crença que eu tenho; significa uma afirmação; e,
por outro lado, tem um sentido: o ‘morrer’. Sentido impalpável, do qual
uma face está voltada para as coisas, já que ‘morrer’ ocorre, como um
acontecimento, a Antônio e outra, para a proposição, pois morrer é
que se diz de Antônio no enunciado. Morrer: dimensão da proposição,
efeito incorpóreo produzido pela espada, sentido e acontecimento,
ponto sem densidade nem corpo que é aquilo que se fala e que corre
na superfície das coisas” (Tph, p. 236).
Por fim, a gramática. Ao pensar o acontecimento-sentido, esta deve
distanciar-se da “proposição sob a forma do atributo”, evitando, assim, que ele seja
pensado enquanto estado: “estar vivo, estar morto, estar vermelho”, para fazê-lo
cada vez mais se aproximar da ação que o produz, cujo caráter expressivo encontra
sua dimensão no próprio verbo: “morrer, viver, avermelhar”. Nesta perspectiva, terse-á então uma gramática que valoriza o verbo em duas formas: uma enquanto
modo – o infinitivo; a outra enquanto tempo – o presente. Por isso, Foucault afirma
“... não é preciso buscar a gramática do acontecimento nas flexões
temporais; nem a gramática do sentido na análise fictícia do tipo: ‘viver
= estar vivo’; a gramática do sentido-acontecimento gira em torno de
dois polos dissimétricos e vacilantes: modo infinitivo – tempo presente.
O sentido-acontecimento sempre é simultaneamente o limite
deslocado do presente e a eterna repetição do infinitivo” (Tph, 237).
21
- Eis como Foucault fala sobre a física e os acontecimentos: “A física se refere às causas; mas os
acontecimentos, que são seus efeitos, não mais lhe pertencem. Imaginemos uma causalidade
enlaçada: os corpos, ao se chocarem, ao se misturarem, ao sofrerem, provocam em sua superfície
acontecimentos, que são sem densidade, mistura ou paixão e que, portanto, não podem mais ser
causa: eles formam entre si outra trama, na qual as ligações provêm de uma quase-física dos
incorpóreos, da metafísica.” Idem, p. 236.
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que
17
Relacionar o acontecimento-sentido ao verbo vai abrir uma profunda
consequência: o acontecimento-sentido não deve aparecer preso a um momento
determinado, capaz de ser apreendido através das flexões temporais; antes, ele
será concebido como que alojado em um instante muito mais breve, intenso e curto
que o próprio momento em que se dá a constituição do pensamento: “Morrer”,
afirma Foucault, “jamais se localiza na espessura de algum momento, mas sua
ponta móvel divide infinitamente o mais breve instante; morrer é muito menor que o
momento de pensá-lo” (Idem).
Esses três elementos renovados – a metafísica, a lógica e a linguagem – irão
possibilitar o pensamento do exterior. Eles permitem que seja pensado o
pensamento da diferença, sem que ela deslize para o seio profundo do mesmo 22.
Ela, que foi dominada por um sistema que a marcava com o selo da oposição, do
negativo e do contraditório, quando posta frente a frente com o mesmo, doravante
poderá ser pensada a partir de sua irregularidade intensiva. Isto se torna possível
porque, ao invés de se apresentar uma solução convincente para o problema
filosófico, apanhando-o naquilo que ele possui de “contraditório”, tentar-se-á
reconhecê-lo como uma “pluralidade distinta cuja obscuridade sempre insiste mais
e, na qual, a pergunta não cessa de mover-se”.23
Pela dupla realidade que compõe o problema – sua pluralidade e seu
movimento incessante – Foucault nomeia-o de “multiplicidade dispersa”. Segundo
ele, o problema “... não se resolverá pela clareza de distinção da ideia cartesiana, já
que ele é ideia distinta-obscura; ele desobedece seriamente ao negativo hegeliano,
pois é uma afirmação múltipla; não está submetido à contradição ser-não-ser, ele é
ser. É preciso antes pensar problematicamente do que interrogar dialeticamente”
(Tph, p. 246).
história do saber, houve algumas condições necessárias para se realizar essa forma
22
- “Se, em vez de procurar o comum sob a diferença, ele pensasse diferenciadamente a diferença?
Esta, então, não seria mais uma característica relativamente geral trabalhando a generalidade do
conceito, ela seria – pensamento diferente e pensamento da diferença – um puro acontecimento...”.
Tph., p. 243.
23
- Eis como Foucault apresenta esse pensamento na íntegra: “... Longe de ser imagem ainda
incompleta e embaralhada de uma Ideia que, lá de cima, eterna, deteria a reposta, o problema é a
própria ideia, ou melhor, a Ideia não outro modo de ser senão o problemático: pluralidade, distinta
cuja obscuridade sempre insiste de antemão e na qual a questão não cessa de se deslocar”. Tph, p.
246.
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Ora, “pensar problematicamente” é pensar a diferença e a repetição. Na
18
de pensar: a primeira fez com que esses dois elementos fossem pensados, tomando
uma distância em relação à “identidade do conceito”. Isso se deu com Aristóteles. A
segunda implicou em uma libertação da filosofia da representação, através da
renúncia da semelhança. A terceira marcou a separação definitiva desses dois
elementos com a dialética. Mas uma nova condição está nascendo: ela implica na
necessidade da diferença e da repetição serem pensadas a partir de “um
pensamento a-categórico”, pois, segundo Foucault, “a sujeição mais tenaz da
diferença é, sem dúvida, a das categorias...”24. São elas que dão garantia da
“quietude indiferenciada” do ser “... ao mostrar de que diferentes maneiras pode se
dizer o ser, ao especificar de antemão as formas de atribuição do ser, ao impor de
certa maneira seu esquema de atribuição dos entes...”. E ele continua:
“... As categorias regem o jogo das afirmações e das negações,
fundamentam em direito as semelhanças da representação,
garantem a objetividade do conceito e do seu trabalho; reprimem a
diferença anárquica, dividem-na em regiões, delimitam seus direitos
e prescrevem a tarefa de especificação que têm de realizar entre os
seres. Por um lado, podem ser lidas como as formas a priori do
conhecimento; por outro, aparecem como a moral arcaica, como o
velho decálogo que o idêntico impôs à diferença. Para que esta [a
diferença] seja libertada, é preciso inventar um pensamento acategórico” (Tph, p. 91).
Tamanha dificuldade a que se impôs o pensamento contemporâneo! Pensar
de forma a-categórica exige que o ser seja dito de outra maneira, diferente daquela
que o determinou como o Mesmo e o Idêntico. Dizer o ser de outra maneira é
afirmá-lo a partir de seu caráter unívoco, isto é, não buscar apreendê-lo em
diferentes formas nem organizá-lo “segundo uma hierarquia conceitual das espécies
e dos gêneros”, mas dizê-lo como diferença25. Daí Foucault afirmar que “o ser é tudo
24
- “As condições para pensar diferença e repetição assumem, como vimos, uma amplitude cada vez
maior. Tinha sido preciso abandonar Aristóteles, a identidade do conceito; renuncia à semelhança na
percepção, libertando-se, de uma vez, de qualquer filosofia da representação; agora é preciso
desprender-se de Hegel, da oposição dos predicados, da contradição, da negação, de toda a
dialética. Mas a quarta condição já se delineia, mais temível ainda. O submetimento mais tenaz da
diferença é, sem dúvida, o das categorias...”. Tph, p. 246.
25
- “Que o ser seja unívoco, que ele só possa se dizer de uma única e mesma maneira, é
paradoxalmente a condição maior para que a identidade não domine a diferença, e para que a lei do
Mesmo não a fique como simples oposição no elemento do conceito; o ser pode se dizer da mesma
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aquilo que se diz sempre da diferença, é o revir da diferença”.
19
Várias são as implicações que nascem desta nova condição de dizer o ser.
Elas se situam tanto na dimensão temporal quanto na interioridade mesma do saber.
Em relação ao tempo, pensar o ser como o revir da diferença significa uma dupla
recusa: recusa a noção de um futuro capaz de recolher, à margem do caminho, os
elementos dispersos, para levar consigo, em sua trajetória; recusa um tempo do
recomeço, com sua roda constantemente giratória e que possibilita o retorno da
realidade, na orla de sua existência. No limite, através do revir, nega-se, ao mesmo
tempo, o Devir e o Retorno, “pois as diferenças”,
“... não são os elementos, mesmo fragmentários, mesmo misturados,
mesmo monstruosamente confundidos, de um grande Devir que as
conduziria consigo em seu curso, fazendo-os em certos momentos
reaparecer, mascarados ou nus. A síntese do Devir, que se compraz
em ser frouxa, mantém, no entanto, sua unidade; não somente, não
tanto a de continente infinito, como a do fragmento, do instante que se
passa e volta a passar e da consciência flutuante que o reconhece...
Quanto ao Retorno, será ele o círculo perfeito, a mó bem azeitada que
gira em torno de seu eixo e, na hora certa, traz novamente as coisas,
as imagens e os homens? Será preciso haver ali um centro e que na
periferia os acontecimentos se reproduzam? O próprio Zaratustra não
podia suportar esta ideia...” (Thp, p. 251-2).
Nesta recusa, é Cronos, a grande divindade que devora seus filhos e os
esconde em sua interioridade para um possível reaparecimento, que é despedaçado
por Aion, o tempo do Revir intenso: a parte mais espessa do patriarca – o passado –
é lançada para a região do silêncio e do esquecimento; a parte mais luminosa,
banhada pelo frescor da aurora – o futuro – é projetada para a região etérea, de
onde se pode vislumbrar apenas sua luminosidade. Com a ausência do deus que
marcava a realidade com a semelhança e o idêntico, nada mais resta que a linha
tênue do presente; esta “linha reta do tempo, esta fenda mais rápida que o
pensamento, mais delgada que qualquer instante que, de um lado e de outro de sua
indefinidamente presente...” (Tph, p. 252). Um presente que se repete; que não
cessa de voltar, mas volta não como o Retorno, puxando em seu círculo a realidade
que já teve seu dia; volta sempre e sempre como diferença. Joga com a realidade e
tem “o jogo como regra”: está sempre se jogando no copo do acaso, para
maneira, já que as diferenças não são reduzidas previamente pelas categorias, já que elas não se
repartem em um diverso sempre reconhecível pela percepção, já que elas não se organizam
conforme a hierarquia conceitual das espécies e gêneros”. Tph, p. 251.
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flecha indefinidamente cortante, faz surgir este mesmo presente como já tendo sido
20
novamente ser lançado e, de uma só vez, afirmar-se como realidade. Por isso,
Foucault revela que “se o ser se diz sempre da mesma maneira, não é porque o ser
é um, é porque, no único lance de dados do presente, o todo do acaso é afirmado”
(Idem, p. 253).
No entanto, afirmando-se nessa indefinição repetitiva, o presente se mostra, a
cada instante, como um signo insuportável e vazio, como um excesso que precisa
ser pensado. Segundo Foucault, “... Após quase um século, a mais elevada
empreitada da filosofia foi exatamente pensar este retorno...” como excesso (Idem,
p. 253-4). Três possibilidades são oferecidas para que ele seja pensado: ou dar-lhe
um conteúdo mítico a fim de que, por esse conteúdo, ele seja desarmado e
reduzido; ou lapidá-lo pouco a pouco, até que atinja a possibilidade de “figurar sem
vergonha no fio de um discurso”; ou, enfim, revelá-lo simplesmente em seu caráter
excessivo, “sempre deslocado, indefinidamente fora de seu lugar...”, sem se
importar em lhe atribuir um “significado arbitrário”, ou uma palavra onde ele pudesse
alojar-se.26
Tanto com as experiências contemporâneas quanto com as reflexões de
Deleuze, o que vem se demonstrando é uma inclinação cada vez maior para essa
terceira possibilidade de pensar o excesso. Todavia, ao optar por esta maneira de
pensar, o saber assume a forma de uma figura em transe, despedaçando-se
infinitamente no presente, nesse tempo que “é sempre mais fino que o pensamento
(Tph, p. 252)”. É a única possibilidade encontrada para que se possa dizer o ser em
sua forma unívoca. O saber em pedaços, estraçalhado; o saber figurando como um
deus bêbado; ao mesmo tempo, reproduzindo todas as mímicas que lhe deram
origem e gerando, intensivamente, máscaras que nunca portara.
Em torno de todo esse enredo, o que está em jogo, são as novas cenas que
deixar que o próprio Foucault narre o espetáculo que se encena no momento?
Então, que fale esse espectador da diagonal:
26
- “Seria preciso que esse signo vazio e imposto por Nietzsche como um excesso colocasse à
disposição, a cada vez, os conteúdos místicos que o desarmam e o reduzem? Seria preciso, ao
contrário, tentar burilá-lo para que ele pudesse tomar lugar e figurar sem vergonha no curso de um
discurso? Ou seria preciso reabilitar esse signo em excesso, sempre deslocado, perpetuamente
falante em seu lugar e, mais do que encontrar para ele o significado arbitrário que lhe corresponde,
mais do que construir para ele uma palavra, fazê-lo entrar em ressonância com o grande significado
que o pensamento de hoje carrega como flutuação incerta e submissa...”. Tph, p. 254.
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marcam a presença do saber ocidental no palco do conhecimento. Mas, por que não
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Ele não está por vir, prometido pelo mais longínquo dos recomeços.
Ele está presente nos textos de Deleuze, pulando, dançando diante
de nós, entre nós; pensamento genital, pensamento intenso,
pensamento afirmativo, pensamento a-categórico – todos os rostos
que não conhecemos, máscaras que jamais vimos; diferença que
nada deixava prever e que, no entanto, faz voltar como máscaras de
suas máscaras, Platão, Duns Scot, Espinosa, Leibniz, Kant, todos os
filósofos. A filosofia não como pensamento, mas como teatro: teatro
de mímica com cenas múltiplas, fugidias e instantâneas nas quais os
gestos, sem se verem, fazem signo; teatro em que, sob a máscara
de Sócrates, subitamente explode o riso do sofista; em que os
modos de Espinosa conduzem a uma ronda descentrada, enquanto
a substância gira em torno deles como um planeta louco; em que
Fichte manco anuncia: ‘Eu dividido/eu dissolvido’; em que Leibniz,
tendo atingido o topo da pirâmide, distingue na escuridão que a
música celeste é o Pierrot lunair. Na guarita de Luxemburgo, Duns
Scot enfia a cabeça na janela circular; ele tem bigodes enormes; são
os de Nietzsche disfarçado de Klossowski (Tph, p. 254).
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Referências
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_________________. L’entretien infini. Paris: Gallimard, 1969.
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1971.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2009.
_____________. Foucault. 2a ed., São Paulo: Brasiliense, 1991.
_____________. Lógica do Sentido. 3a ed., São Paulo: Perspectiva, 1974.
FOUCAULT, Michel. Histoire de la folie. 2a ed., Paris : Gallimard, 1972. [Ed. bras:
História da Loucura na Idade Clássica. 4a ed., São Paulo: Perspectiva, 1995.]
________________. Naissance de la clinique. 2a ed., Paris : PUF, 1972. [Ed. bras.:
Nascimento da Clínica, 5a ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.]
________________. Raymond Roussel. Paris : Gallimard, 1992. [ Ed. bras.:
Raymond Roussel. 1a ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.]
_______________. Les mots et les choses. Paris : Gallimard, 1966. [ Ed. bras.: As
Palavras e as Coisas. 7a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.]
_______________. L’archéologie du Sovoir. Paris : Gallimard, 1969. [Ed. bras.: A
Arqueologia do Saber. 5a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.]
_______________. Dits et écrits. IV tomes, Paris: Gallimard, 1994.
_______________. Microfísica do Poder. 11a ed., Rio de Janeiro: Graal, 1993.
_______________. Arqueologia das ciências e história dos
pensamento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
sistemas
de
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______________. Isto Não é um Cachimbo. 2a ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1989.
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Figures and images of knowing in the thinking of Michel Foucault
Abstract
Michel Foucault’s analyses of Western knowledge point to a discontinuity that
precludes understanding it as something with fixed traits. The vagueness of these
traits brings evidence, for Foucault, that knowledge does not have a face, per se, but
only masks making their appearances upon the stage of knowledge as we find new
configurations. This article seeks to follow the course of these philosophical threads
to locate the mask worn by knowledge in the contemporary period. It considers some
of Foucault’s writings linking art, literature and philosophy with games of experience
and reflections typical of contemporary thought to suggest that there is no longer
space for playing with similarities–in the way of Renaissance thought, that the
representation that dominated Neo-Classical thought distanced itself from
distinctions, and that human beings, as modernity’s protagonists, lost power to keep
all other configurations orbiting around them. Henceforth, both in the experience of
the arts and in philosophy (especially the philosophy of Gilles Deleuze) new modes
come into play, including the blurring of forms, the impossibility of total apprehension
and the disappearance of the subject of knowledge and the ghostly image of thought.
Key words: Foucault, Deleuze, Contemporary thought, philosophy and art.
Recebido em 05/03/2014
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Aprovado em 05/04/2014
ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24
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Arquitetura, sustentabilidade e práticas de ensino e aprendizagem:
diagnóstico do espaço construído dos Institutos Federais da Bahia
Silvia Kimo Costa1
Matheus Victor Rocha Bongestab2
___________________________________________________________________
RESUMO
O presente artigo aborda a relação entre Projetos Políticos
Pedagógicos (PPPs), Arquitetura Escolar e Sustentabilidade
Arquitetônica,
considerando
os
“polos
pedagógicos”:
“Autoritarismo Educacional” e a “Educação Libertária”. Foram
realizados
diagnósticos
pedagógico-arquitetônicos
dos
Institutos Federais das cidades de Ilhéus e Eunápolis,
localizadas respectivamente no sul e extremo-sul do Estado da
Bahia. O trabalho consistiu na análise dos Projetos Políticos
Pedagógicos do IFBA Ilhéus e IFBA Eunápolis, objetivando
identificar quais as tendências pedagógicas predominantes e
verificar como estas vêm se materializando na arquitetura de
ambas
as
Instituições.
Também foi
analisada
a
sustentabilidade ambiental dos conjuntos arquitetônicos. Os
dados para análise arquitetônica foram coletados através de
um roteiro de observação direcionado desenvolvimento por
Costa e Silva Junior (2013). Além do roteiro de observação,
foram elaborados croquis, desenhos de observação e
desenhos técnicos dos conjuntos arquitetônicos analisados. A
análise fundamentou-se teórico-metodologicamente nos
conceitos referentes às “Técnicas Disciplinares” (FOUCAULT,
2011); tendências pedagógicas e o que as caracterizam como
“autoritárias”
e/ou
“Libertárias”
e
“sustentabilidade
arquitetônica”. Os diagnósticos demonstraram que ambas as
1
Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Professora dos cursos de Tecnologia de
Edificações e Engenharia Civil do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Eunápolis, Bahia, Brasil.
Pesquisadora e coordenadora do Projeto de Pesquisa intitulado: “Institutos Federais da Bahia:
diagnóstico do espaço construído considerando a relação entre Arquitetura, Sustentabilidade e
Práticas de Ensino e Aprendizagem”. Endereço eletrônico: [email protected].
2
Aluno do curso de Tecnologia de Edificações do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Eunápolis, Bahia,
Brasil. Bolsista PIBIC (EM) – CNPq. Endereço eletrônico: [email protected].
Instituições são insustentáveis arquitetonicamente e que os
Projetos Políticos Pedagógicos vêm se materializando em uma
arquitetura configurada para permitir práticas de ensino e
aprendizagem relacionadas à Pedagogia Tecnicista em
detrimento da Pedagogia Crítico-social dos conteúdos.
Palavras-chave: Arquitetura
pedagógicos. IFBAs
escolar.
Projetos
políticos
INTRODUÇÃO
Este
artigo
aborda
como
Projetos
Políticos
Pedagógicos
vêm
se
materializando/ moldando o espaço físico do ambiente de ensino, ou seja, a
Arquitetura Escolar, segundo “Práticas Discursivas” (FOUCALT, 2012a) que
corroboram “Técnicas Disciplinares” (FOUCAULT, 2011) que caracterizam o
“Autoritarismo Educacional” ou uma “Educação Libertária” (FERREIRA, 1999;
GALLO, 2012). O trabalho foi elaborado com base em resultados da pesquisa
intitulada: “Institutos Federais da Bahia: diagnóstico do espaço construído
considerando a relação entre Arquitetura, Sustentabilidade e Práticas de Ensino e
Aprendizagem”
e
contou
com
financiamento
do
Conselho
Nacional
de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Foram analisados os Institutos Federais da Bahia (IFBA) localizados nas
cidades de Eunápolis e Ilhéus, no período de maio de 2013 a fevereiro de 2014. Os
dados foram coletados através de um roteiro de observação direcionando (para
costa e Silva Junior (2013) e as informações obtidas foram correlacionadas aos
Projetos Políticos Pedagógicos de cada IFBA estudado, possibilitando dessa forma,
diagnósticos pedagógico-arquitetônicos.
A
análise
fundamentou-se
teórico-metodologicamente
nos
conceitos
referentes às “Técnicas Disciplinares” (FOUCAULT, 2011); Sustentabilidade
Arquitetônica (CORBELLA, YANNAS, 2009); Tendências Pedagógicas e o que as
caracterizam como “autoritárias” e/ou “Libertárias” (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013).
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análise do espaço do ambiente de ensino construído e pós-ocupado) elaborado por
26
O texto está organizado em duas partes: a primeira apresenta as Instituições
analisadas e trata dos procedimentos metodológicos para realização da coleta e
análise dos dados e a segunda apresenta o diagnóstico pedagógico-arquitetônico
das duas Instituições.
1. Instituições analisadas e Metodologia
1.1 Instituições analisadas
Os Institutos Federais analisados localizam-se no Estado da Bahia nos
municípios de Eunápolis e Ilhéus (Figura 1).
Figura 1: Localização dos municípios de Ilhéus e Eunápolis no Estado da Bahia
Fonte: http://lpmodos.wordpress.com/tag/br-101/
O IFBA Eunápolis foi inaugurado em 1994 e entrou em funcionamento em
1995. O primeiro curso oferecido foi o de Tecnologia em Enfermagem e Turismo
online).
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(desvinculado do Ensino Médio). Em 1999 o Instituto passou a oferecer os cursos de
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Tecnologia de Edificações; Técnico em Turismo e Hospitalidade integrados ao
Ensino Médio. Atualmente o Instituto oferece Cursos Técnicos de nível médio
modalidade integrada em Edificações, Informática e Meio Ambiente, Cursos
Técnicos de nível médio modalidade subsequente em Edificações, Enfermagem e
Meio Ambiente e Cursos Superiores em Licenciatura em Matemática; Tecnologia em
Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Engenharia Civil. (CAMPUS EUNÁPOLIS,
O Instituto apresenta os seguintes ambientes de ensino: Laboratório de
Geoprocessamento; Laboratório de Bioquímica; Laboratório de Matemática;
Laboratório de Modelos Matemáticos; Laboratório de Desenho; 02 Laboratórios de
Desenho Arquitetônico; Laboratório de Física; Laboratório de Química; Laboratório
de Biologia; Laboratório de Enfermagem; Laboratório de Redes de Computador; 04
Laboratórios de Informática; Laboratório de Edificações; Sala de Línguas; Sala de
Audiovisual; Sala de Ginástica; 01 Auditório e 01 Biblioteca com acesso à internet.
Encontra-se em construção uma nova edificação de três pavimentos para
abrigar a nova biblioteca e novas salas de aula. E para a prática esportiva, o
Campus dispõe de uma quadra poliesportiva equipada; uma Pista de Atletismo, uma
Quadra de Vôlei de Praia e está em construção um Campo de Futsal (futebol de
salão).
O IFBA Ilhéus faz parte do processo de expansão da Rede Federal de
Educação Profissional. O Campus iniciou suas atividades em 2011 com o
desenvolvimento de dois projetos de extensão: Pró-IFBA - curso: preparatório para o
ingresso no IFBA Campus Ilhéus, ofertado a estudantes das escolas públicas dos
municípios de Ilhéus e Itabuna e o projeto Mulheres Mil, que visa integrar mulheres
ao mundo do trabalho através da oferta de cursos de curta duração. (CAMPUS
ILHÉUS, online).
Em 2012, o Instituto iniciou os cursos nas modalidades de Ensino médio
Integrado e Subsequente ao Ensino Médio de Técnico em Informática; Técnico em
Segurança do Trabalho e Técnico em Edificações (subsequente).
O Instituto apresenta os seguintes ambientes de ensino: Salas de aula; 04
Laboratórios (para atividades diversas); 02 Laboratórios de Informática; Laboratório
de Química; Laboratório de Física; Laboratório de Biologia; Laboratório de
1.2 Metodologia
A coleta e análise dos dados envolveram as seguintes etapas:
1ª etapa: foi realizado um cadastramento do espaço do ambiente de ensino
construído e pós-ocupado através de um roteiro de observação direcionando
(Quadro 1). Este cadastramento também contemplou a elaboração de croquis,
desenhos de observação e desenhos técnicos da arquitetura de cada escola.
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Matemática; Sala de Vídeo Conferência; 01 Biblioteca e 01 Auditório.
28
Quadro 1: Roteiro de Observação Direcionado
Item
1 Disposição e
integração entre os
ambientes internos e
externos da
edificação
2 Dispositivos de
segurança e
vigilância
Características
( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços dispostos
por setor e lado a lado ao longo de corredores fechados
( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços com
disposição setorial, mas separados em edificações individualizadas,
dispostas com certa distância umas das outras, interligadas por corredores
vedados com paredes e cobertura ou por passarelas ao ar livre
( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços sem
disposição setorial e separados em edificações individualizadas, dispostas
com certa distância umas das outras, interligadas por corredores vedados
com paredes e cobertura ou por passarelas ao ar livre
( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços sem
disposição setorial e qualquer elemento de vedação (paredes ou painéis)
que limite seu espaço físico e contato com o exterior
( ) Presença de visores de vidro na porta das salas de aula e demais
ambientes da Instituição
( ) Presença de câmaras de vigilância pelos corredores e demais áreas da
Instituição
( ) Presença de grades de proteção em áreas ou recintos da Instituição
( ) Não existem visores em portas, câmeras de vigilância e grades de
proteção em qualquer local/recinto da Instituição.
Descrição de outras formas de vigilância/monitoramento (se houver):
Quanto ao tamanho e posição dos elementos arquitetônicos que permitem
ventilação e iluminação natural (portas e janelas). Descrição:
3 Sala de aula
4 Layout interno
(posição do
mobiliário) das salas
de aula:
Croqui da sala de aula (planta baixa) indicando posição das aberturas
(portas e janelas) e entrada de luz natural e circulação do vento dentro do
ambiente:
(
(
(
(
(
) Carteiras enfileiradas de frente para o quadro
) Mesa do professor junto ao quadro de frente para carteiras enfileiradas
) Carteiras dispostas em círculo
) Carteiras dispostas de maneira aleatória formando grupos
) Mesa do professor ocupando posições diversas dentro da sala de aula
( ) Mesas ou carteiras que permitem rearranjo
( ) Mesas ou carteiras fixas
( ) Mesas ou carteiras móveis mas que não permitem rearranjo
Fonte: Elaborado por Costa e Silva Junior (2013).
5 Tipologia do
mobiliário
2ª etapa: para análise da Arquitetura das Instituições foi utilizada uma Matriz
de
sistematização
das
características
que
indicam
a
predominância
do
“Autoritarismo Educacional” e da “Educação Libertária na Arquitetura escolar”.
(Quadro 2).
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Croqui da sala de aula (planta baixa) indicando a disposição do mobiliário
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Quadro 2: Matriz de sistematização das características que indicam a predominância do
Autoritarismo Educacional e da Educação Libertária na Arquitetura escolar.
Sustentabilidade
arquitetônica, considerando
as características
bioclimáticas, eficiência
energética das edificações
e interações com o contexto
sociocultural e ambiental do
local onde estão
construídas.
Espacialização das
edificações (disposição e
integração entre os
ambientes internos e
externos da edificação).
Partido arquitetônico
(forma) das edificações.
Educação Libertária
Características
predominantes
Características predominantes

Bioclimatismo aplicado
à Arquitetura

Conforto Ambiental

Salas de aula, área
administrativa/direção e outros
espaços
(Labins/laboratórios/sala de
audiovisual, etc) dispostos por
setor e lado a lado ao longo de
corredores fechados;

Salas de aula, área
administrativa/direção e outros
espaços
(Labins/laboratórios/sala de
audiovisual, etc), com
disposição setorial, mas
separados em edificações
individualizadas, dispostas com
certa distância umas das
outras, interligadas por
corredores vedados com
paredes e cobertura ou por
passarelas ao ar livre.

Rígido, com pouca
possibilidade de plasticidade
das formas e flexibilidade dos
espaços.
Layout das salas de aula
(disposição do mobiliário)

Carteiras enfileiradas
de frente para o quadro;
Mobiliário da sala de aula e
demais ambientes da
escola

Carteiras ou mesas
com pouca mobilidade ou
flexibilidade de modulação.

Existem: visores de
vidro nas portas; câmeras de
vigilância; monitores
(vigilantes).
Fonte: Elaborado com base em Costa e Silva Junior (2013).
Dispositivos de segurança e
vigilância.

Bioclimatismo aplicado à
Arquitetura;

Arquitetura Vernacular;

Interação com o entorno
Natural/ parte da Natureza;

Atende e envolve a
comunidade.

Salas de aula, área
administrativa/direção e outros
espaços (Labins/laboratórios/sala
de audiovisual, etc), sem
disposição setorial e separados
em edificações individualizadas,
dispostas com certa distância
umas das outras, interligadas por
corredores vedados com paredes
e cobertura ou por passarelas ao
ar livre;

Salas de aula, área
administrativa/direção e outros
espaços (Labins/laboratórios/sala
de audiovisual, etc) sem
disposição setorial e qualquer
elemento de vedação (paredes
ou painéis) que limite seu espaço
físico e contato com o exterior.

Forma livre, variando
desde a geometrização (com a
predominância das linhas retas)
às curvas e formas orgânicas.

Carteiras dispostas em
círculo;

Carteiras dispostas de
maneira aleatória formando
grupos.

Carteiras ou mesas com
boa mobilidade e confeccionadas
para permitir flexibilidade de
modulação.

Não existem.
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Itens observados
Autoritarismo Educacional
30
Para analisar a arquitetura das Instituições quanto à sustentabilidade
considerou-se o conceito de sustentabilidade arquitetônica proposto por Corbella e
Yannas (2009, p. 19):
Sustentabilidade Arquitetônica é a continuidade mais natural da
Bioclimática, considerando também a integração do edifício à
totalidade do meio ambiente, de forma a torná-lo parte de um
conjunto maior. É a arquitetura que quer criar prédios objetivando o
aumento da qualidade de vida do ser humano no ambiente
construído e no seu entorno, integrando com as características da
vida e do clima locais, consumindo a menor quantidade de energia
compatível com o conforto ambiental, para legar um mundo menos
poluído para as futuras gerações. (grifo nosso).
Trata-se de um conceito que correlaciona a Bioclimática aplicada à
Arquitetura à Eficiência Energética. A Bioclimática ou Bioclimatismo é “o princípio
que integra arquitetura e os elementos favoráveis do clima com o objetivo de
satisfazer as exigências de bem estar higrotérmico”. (SINGH, MAHAPATRA e
ATREYA, 2008, p. 878).
A “Eficiência Energética” “pode ser entendida como a obtenção de um serviço
com baixo dispêndio de energia. Portanto, um edifício é mais eficiente
energeticamente que outro quando proporciona as mesmas condições ambientais
com menor consumo de energia”. (LAMBERTS, DUTRA, PEREIRA, 1997, p. 14).
3ª etapa: foram analisados os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) de cada
IFBA.
4ª etapa: as informações obtidas através da análise da arquitetura das
Instituições foram correlacionadas aos seus respectivos PPPs.
O Ambiente de ensino deve refletir a proposta pedagógica da Escola
(KOWALTOWSKI, 2011). Dessa forma, os espaços escolares internos e externos
precisam ser projetados para que as práticas de ensino e aprendizagem se
concretizem de maneira efetiva. Nesse contexto, Costa e Silva Junior (2013)
sinalizam para a existência de duas “Práticas Discursivas” que vem influenciando
diretamente
a
configuração
da
arquitetura
das
escolas:
o
“Autoritarismo
Educacional” e a “Educação Libertária”.
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2. Diagnóstico pedagógico-arquitetônico das Instituições
31
Sendo que a “Prática Discursiva” é:
Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas
no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para
uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística,
as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT,
2012a, p. 144).
O “Autoritarismo Educacional” se materializa numa arquitetura elaborada
para corroborar o “disciplinamento dos corpos” (FOUCAULT, 2011), seguindo
padrões arquitetônicos similares aos das prisões “Panópticas” do século XIX.
A prisão Panóptica era uma estrutura arquitetônica composta por
uma construção em anel na periferia e, no centro, uma torre vazada
por janelas que se abrem sobre a face interna do anel. O anel
periférico era dividido em celas. Cada cela tinha apenas duas
janelas: uma na parede externa do anel dimensionada, para permitir
a entrada da luz do sol e a outra, na parede interna do anel voltada
para a torre no centro. (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013, p. 98).
De acordo com Costa e Silva Junior (2013), trata-se de uma arquitetura que
permite o controle interior, que torna visível àquele que nela se encontra. Uma
arquitetura configurada para transformar os indivíduos agindo sobre estes,
dominando seu comportamento, oferecendo o conhecimento e os modificando,
tornando-os dóceis (FOUCAULT, 2011). Uma arquitetura que os reconduz a uma
outra
identidade
pelos
efeitos
coercitivos
e
ou
sedutores
dos
macro
(Governamentalidade) e micropoderes (Técnicas Disciplinares). Entende-se por
Conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e
reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma
bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a
população, por forma principal de saber a economia política e por
instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança.
(FOUCAULT, 2012b, p. 409).
Vigilância hierárquica, pois o “exercício da disciplina supõe um
dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar: um aparelho onde as
técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em
troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre
quem se aplicam”; da sanção normalizadora: as disciplinas
“estabelecem uma “infrapenalidade”, quadriculam um espaço
deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um conjunto de
comportamentos”; e do exame: “um controle normalizante, uma
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Governamentalidade e Técnicas Disciplinares, respectivamente:
32
vigilância que permite qualificar, classificar e punir”. (FOUCAULT,
2011, p. 165-177, grifo nosso).
Nas escolas, o Panóptico está implícito na disposição individualizadora/
setorizada/ fragmentada dos ambientes (dispostos lado a lado ao longo de extensos
corredores); na configuração “militar” da sala de aula (carteiras enfileiradas de frente
para o quadro, em que os alunos veem as nucas de seus colegas) e nos
mecanismos de segurança (tais como visores de vidro nas portas das salas de aula
e câmeras de vigilância).
Em contraponto, a arquitetura da “Educação Libertária” é projetada para
permitir práticas de ensino e aprendizagem “humanistas”, “cognitivo-interacionistas”
e “socioculturais”. Trata-se de uma educação, cuja pedagogia objetiva:
(...) a extinção das relações de dominação e de exploração que
subsistem entre professores, alunos e funcionários e que trabalham e
vivem nas instituições escolares, de forma a permitir que a
espontaneidade, a liberdade, a criatividade e a responsabilidade
natural dos indivíduos pudessem emergir para configurações sociais
integradas num modelo autogestionário de características libertárias.
(FERREIRA, 1999, p. 102).
Libâneo (2002, p. 25), conceitua essa pedagogia como uma “pedagogia
libertária” - aquela que “espera que a escola exerça uma transformação na
personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário”. Segundo o autor,
a pedagogia libertária, também é conhecida como “pedagogia institucional” e
objetiva resistir à burocracia como instrumento da ação e dominação por parte do
Estado, que retira a autonomia através do controle dos professores, programas,
provas.
Conteúdos de ensino - As matérias são colocadas à disposição do
aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque
importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas
pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação
crítica. "Conhecimento" aqui não é a investigação cognitiva do real,
para extrair dele um sistema de representações mentais, mas a
descoberta de respostas às necessidades e às exigências da vida
social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam
de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são,
necessária nem indispensavelmente, as matérias de estudo.
Método de ensino - É na vivência grupal, na forma de autogestão,
que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua
própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer
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Quanto aos conteúdos e métodos de ensino a pedagogia libertária propõe:
33
forma de poder. Trata-se de colocar nas mãos dos alunos tudo o que
for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização, do
trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas e
a decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem
dos alunos). Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o
interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das
do grupo. (LIBÂNEO, 2002, p. 26-27, grifos nosso).
Pode-se considerar que a arquitetura para a “Educação Libertária” seguem
parâmetros de configuração do ambiente de ensino para atender princípios
pedagógicos cujas bases residem principalmente em: teóricos escolanovistas Dewey, Kilpatrick, Decroly, Montessori, Claparède, Piaget, Feuerstein, Bruner,
Gardner, Paulo Freire (ELALI, 2003). Teóricos que corroboram o pensamento
socialista caracterizado pelo movimento de democratização do ensino (exemplo:
Vigotsky). Teóricos do pensamento pedagógico Antiautoritário - que propunha uma
escola em que qualquer instrumento de coerção e repressão deveria ser abolido
(exemplo – Freinet) - e se originou a partir das “críticas à escola tradicional efetuada
pelo movimento da Escola Nova e pelo pensamento pedagógico Existencial”.
(GADOTTI, 2012, p. 173).
Pois, todos estes teóricos introduziram novas formas de pensar a educação e
desenvolveram
práticas
de
ensino
e
aprendizagem
que
necessariamente
demandaram uma mudança significativa nos espaços físicos das escolas.
Quando se trata dos Institutos Federais estes se inserem no contexto das
escolas de abordagem pedagógica tecnicista, em que:
(...) subordina a educação à sociedade, tendo como função a
preparação de "recursos humanos" (mão de obra para indústria). A
sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as
metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também
cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a
essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade contém em
si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplicá-las.
Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas as
técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia
(aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento
científico) é o meio eficaz de obter a maximização da produção e
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(...) propõe uma pedagogia embasada na racionalidade técnica,
eficiência e eficácia da produtividade. O foco principal não é o sujeito
e sim o objeto, provocando a fragmentação do conhecimento entre
corpo e mente. A escola tecnicista é fundamentada em três pilares: o
empirismo, o positivismo e o pragmatismo (SILVA, GIORDANI,
MENOTTI, 2014, p. 10).
34
garantir um ótimo funcionamento da sociedade; a educação é um
recurso tecnológico por excelência. (LIBÂNEO, 2002, p. 8).
Na escola tecnicista, “a educação é vista como um instrumento capaz de
desenvolver economicamente o país pela qualificação da mão de obra”. (SILVA,
GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 10). A arquitetura da escola tecnicista segue o
padrão arquitetônico das escolas influenciadas pela “Prática Discursiva” do
“Autoritarismo Educacional”.
Nos Institutos Federais da Bahia estudados (Campus Eunápolis e Campus
Ilhéus), a análise dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) demonstrou a
existência de uma tensão entre uma “pedagogia crítico-social dos conteúdos” e a
“pedagogia tecnicista”.
A pedagogia crítico-social dos conteúdos dá ênfase aos
conteúdos, confrontando-os com a realidade social, bem como às
relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta centrado
no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em seus
processos de construção e organização pessoal da realidade.
Compreende que não basta ter como conteúdo escolar às questões
sociais atuais, mas é necessário que o aluno possa se reconhecer
nos conteúdos e modelos sociais apresentados para desenvolver a
capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do
ambiente, buscando ampliar as experiências e adquirir o
aprendizado. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 11, grifo
nosso).
Na pedagogia crítico-social dos conteúdos, “o professor é o mediador, cuja
função é orientar e abrir perspectivas numa relação de troca entre o meio e o aluno,
a partir dos conteúdos”. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 11). Nesse
aspecto, a “Prática Discursiva” sinaliza uma “Educação Libertária”.
Sendo assim, os IFBA’s analisados vivem uma constante tensão entre o
Libertária” (advinda da pedagogia crítico-social dos conteúdos).
Já a análise da arquitetura das Instituições (Quadros 3 e 4), demonstrou que
as características indicam a predominância do “Autoritarismo Educacional”,
corroborando a pedagogia tecnicista presente no Projeto Político Pedagógico (PPP)
das Instituições. A pedagogia crítico-social dos conteúdos (que indica uma
“Educação Libertária”) não se materializa, pois demanda ambientes de ensino que
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“Autoritarismo Educacional” (advindo da pedagogia tecnicista) e a “Educação
35
sejam flexíveis. Dessa forma, para exercê-la o professor precisa tentar se adaptar ao
máximo ao contexto existente e explorar sua criatividade.
Característica
observada
Sustentabilidade
arquitetônica,
considerando as
características
bioclimáticas,
eficiência
energética das
edificações e
interações com o
contexto
sociocultural e
ambiental do local
onde estão
construídas.
Descrição
Análise
1. O conjunto arquitetônico foi implantado sem
considerar algumas Estratégias Bioclimáticas
básicas:

Não foi observada a incidência solar,
dessa forma, muitas salas de aula ficam
diretamente expostas ao sol da tarde.

As edificações foram projetadas e
inseridas no terreno de maneira que a
ventilação cruzada não ocorre. As salas são
extremamente quentes e abafadas.
2. Os materiais utilizados na construção da
edificação são tradicionais (fundação,
superestrutura em concreto; vedação em
alvenaria de blocos. Revestimentos em
argamassa de cimento e areia, etc...), mas
não foi realizado gerenciamento dos resíduos
sólidos da construção.
3. Não foram utilizadas (ou introduzidas
através de reformas) estratégias para
melhorar a Eficiência Energética da edificação
tais como: sistema que capta água da chuva
para uso nas descargas dos vasos sanitários,
jardins e limpeza proporcionando economia de
metade da água potável disponível no local;
iluminação com lâmpadas LED, contribuindo
para redução em até 80% do consumo de
energia; painéis solares para geração de
energia limpa; coleta seletiva e espaço para
armazenar lixo para reciclagem, dentre outros.
O conjunto arquitetônico do
IFBA Eunápolis, não pode
ser considerado
sustentável.
Espacialização das
edificações
(disposição e
integração entre os
ambientes internos
e externos da
edificação).
O conjunto arquitetônico apresenta módulos
de edificações, interconectados por passarelas
cobertas, com salas de aulas, área
administrativa/direção e outros espaços
(Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc)
dispostos por setor e lado a lado ao longo de
extensos corredores fechados ou abertos.
Partido
arquitetônico
(forma) das
edificações.
Caracteriza-se pela predominância de blocos
retangulares de diferentes dimensões (em
largura e comprimento).
Layout das salas
de aula (disposição
do mobiliário).
Depende da disciplina e da prática de ensino e
aprendizagem do professor. Mas antes do
início das aulas diárias, as carteiras de todas
as salas são colocadas enfileiradas de frente
para o quadro.
Apresenta fragmentação
hierárquica (setorização
dos espaços). Remete ao
padrão arquitetônico das
escolas configuradas para
o “disciplinamento dos
corpos”- edificações com
indícios panópticos Predominância:
Autoritarismo Educacional.
As edificações apresentam
pouca flexibilidade espacial
e estrutural Predominância:
Autoritarismo Educacional.
O padrão adotado pela
escola é o ensino
tradicional (disciplinar –
configuração “militar” da
sala de aula) Predominância:
Autoritarismo Educacional.
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Quadro 3: Descrição sistematizada e análise da arquitetura do IFBA Campus Eunápolis
36
Mobiliário da sala
de aula e demais
ambientes da
escola.
Apresenta certa mobilidade. É possível
movimentar as carteiras e mesas pela sala,
mas não apresenta qualquer flexibilidade de
modulação.
Dispositivos de
segurança e
vigilância.
Todas as portas apresentam visores de vidro.
Não há câmeras de vigilância, mas há
monitores (da coordenação pedagógica)
estrategicamente posicionados pelo campus.
Compromete práticas de
ensino e aprendizagem que
demandem flexibilidade do
mobiliário - Predominância:
Autoritarismo Educacional.
Apresenta os indícios de
fiscalização e
monitoramento típicos do
Panóptico - Predominância:
Autoritarismo Educacional.
Fonte: Elaborado com base em dados da pesquisa.
Espacialização das
edificações
(disposição e
integração entre os
construção.
3. Não foram utilizadas estratégias para
melhorar a Eficiência Energética da edificação
tais como: sistema que capta água da chuva
para uso nas descargas dos vasos sanitários,
jardins e limpeza proporcionando economia de
metade da água potável disponível no local;
iluminação com lâmpadas LED, contribuindo
para redução em até 80% do consumo de
energia; painéis solares para geração de
energia limpa; coleta seletiva e espaço para
armazenar lixo para reciclagem, dentre outros.
O conjunto arquitetônico apresenta-se
compactado espacializado ao redor de
“praças”. Ou seja, as edificações não são
modulares; são conectadas de maneira
Apresenta fragmentação
hierárquica (setorização
dos espaços). Remete ao
padrão arquitetônico das
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Quadro 4: Descrição sistematizada e análise da arquitetura do IFBA Campus Ilhéus
Característica
Descrição
Análise
observada
1. O conjunto arquitetônico foi implantado em
meio a uma área que apresenta resquícios da
Mata Atlântica. Dessa forma, o microclima do
local por si só já é moderado. Além disso, a
edificação foi construída considerando
Estratégias Bioclimáticas básicas:

Foi observada a incidência solar,
dessa forma, as salas de aula não ficam tão
quentes no decorrer do dia.

As edificações foram projetadas e
inseridas no terreno permitindo ventilação
cruzada.
Entretanto, a escola foi projetada para
Sustentabilidade
utilização de climatização artificial. Sendo
arquitetônica,
assim, independente do período do ano, as
considerando as
características
janelas das edificações se apresentam
bioclimáticas,
O conjunto arquitetônico do
fechadas e os aparelhos condicionadores de
eficiência
IFBA Ilhéus apresenta
ar ligados.
energética das
algumas melhorias em
edificações e
termos bioclimáticos, mas
2. Os materiais utilizados na construção da
interações com o
não pode ser considerado
edificação são tradicionais (fundação,
contexto
sustentável.
superestrutura em concreto; vedação em
sociocultural e
alvenaria de blocos. Revestimentos em
ambiental do local
argamassa de cimento e areia, etc...), e assim
onde estão
como no IFBA Eunápolis, não foi realizado
construídas.
gerenciamento dos resíduos sólidos da
37
ambientes internos
e externos da
edificação).
contínua e se distribuem ao redor de jardins
centrais. Assim, como no IFBA Eunápolis, as
salas de aulas, área administrativa/direção e
outros espaços (Labins/laboratórios/sala de
audiovisual, etc) são dispostos por setor e lado
a lado ao longo de extensos corredores
fechados.
Partido
arquitetônico
(forma) das
edificações.
Caracteriza-se pela predominância de blocos
retangulares de diferentes dimensões (em
largura e comprimento).
Layout das salas
de aula (disposição
do mobiliário).
Assim como o IFBA Eunápolis, depende da
disciplina e da prática de ensino e
aprendizagem do professor. Mas antes do
início das aulas diárias, as carteiras de todas
as salas são colocadas enfileiradas de frente
para o quadro.
Mobiliário da sala
de aula e demais
ambientes da
escola.
Assim como no IFBA Eunápolis, apresenta
certa mobilidade. É possível movimentar as
carteiras e mesas pela sala, mas não
apresenta qualquer flexibilidade de
modulação.
Dispositivos de
segurança e
vigilância.
As portas não apresentam visores de vidro.
Não há câmeras de vigilância, mas há
monitores estrategicamente posicionados pelo
campus.
escolas configuradas para
o “disciplinamento dos
corpos”- edificações com
indícios panópticos Predominância:
Autoritarismo Educacional.
As edificações apresentam
pouca flexibilidade espacial
e estrutural Predominância:
Autoritarismo Educacional.
O padrão adotado pela
escola é o ensino
tradicional (disciplinar –
configuração “militar” da
sala de aula) Predominância:
Autoritarismo Educacional.
Compromete práticas de
ensino e aprendizagem que
demandem flexibilidade do
mobiliário - Predominância:
Autoritarismo Educacional.
Apresenta os indícios de
fiscalização e
monitoramento típicos do
Panóptico - Predominância:
Autoritarismo Educacional.
Fonte: Elaborado com base em dados da pesquisa.
Como pode ser observado nos quadros 3 e 4 (acima), tanto o conjunto
arquitetônico do IFBA Ilhéus (funcionando desde 2011) quanto do IFBA Eunápolis
(funcionando desde 1995), não podem ser considerados sustentáveis, pois não
apresentam estratégias bioclimáticas básicas que permitem o conforto ambiental
interno dos ambientes e estratégias que possibilitem eficiência enérgica.
A espacialização e a forma das edificações acontecem de maneira
diferenciada nos dois conjuntos arquitetônicos. O IFBA Eunápolis (Figura 2)
apresenta-se em um módulo único com jardins internos (ao ar livre), que tomam o
aspecto de “praças”.
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apresenta-se desmembrado em vários módulos; já o IFBA Ilhéus (Figura 3)
38
Figura 2: Implantação do IFBA Eunápolis
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.
Figura 3: Implantação do IFBA Ilhéus.
fragmentação hierárquica (setorização) dos espaços. Essa setorização é um
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Fonte: Elaborado pelos pesquisadores.
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39
Não é a espacialização dos conjuntos arquitetônicos que estão indicando ou
não o “Autoritarismo Educacional”, mas sim a disposição das salas de aulas, área
administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual,
etc). Em ambas as Instituições tais ambientes são dispostos por setor e lado a lado
ao longo de extensos corredores fechados ou abertos, o que indica uma
dispositivo de coerção que objetiva deixar visíveis (expor) aqueles sobre os quais se
aplicam – “Vigilância Hierárquica” (FOUCAULT, 2011). Uma materialização das
“Técnicas Disciplinares” típica das edificações Panópticas do século XIX e que
corrobora o Autoritarismo Educacional. (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013).
O layout interno dos ambientes (disposição do mobiliário) depende da prática
de ensino e aprendizagem do professor. Mas antes do início de cada aula, a sala é
sempre organizada seguindo o padrão tradicional de ensino: carteiras enfileiras de
frente para o quadro. A organização das carteiras em círculos ou grupos em
semicírculos é entendida como desorganização. As carteiras são móveis, mas não
permitem flexibilidade para modulação.
Quanto aos dispositivos de segurança, estes são necessários para segurança
patrimonial, mas também são utilizados para fiscalização, monitoramento dos
alunos. Constituem resquícios dos elementos Panópticos nas Instituições de ensino.
(COSTA, SILVA JUNIOR, 2013).
Considerações finais
A arquitetura de ambas as Instituições é extremamente rígida e setorizada
hierarquicamente, corroborando com o “Autoritarismo Educacional” presente em
seus respectivos Projetos Políticos Pedagógicos através da pedagogia tecnicista –
cujo “foco é o objeto, a tecnologia”, laboratórios bem estruturados; equipamentos
“(...) o professor acaba se tornando apenas um mero transmissor entre o aluno e o
conhecimento”. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 10). Em contraponto, os
PPPs sinalizam para a pedagogia crítico-social dos conteúdos em que o professor
construtivo. Mas nesse contexto, a arquitetura inflexível e hierarquizada dificulta a
prática docente.
Quanto à sustentabilidade nenhuma das Instituições apresenta uma
arquitetura sustentável. O IFBA Ilhéus foi construído recentemente e entrou em
funcionamento em 2011, e quando comparado ao IFBA Eunápolis, que entrou em
funcionamento em 1995, verifica-se que poucas estratégias bioclimáticas foram
utilizadas.
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se coloca como um orientador/ mediador do conhecimento - um processo
40
A presente pesquisa sinaliza para uma revisão quanto aos procedimentos
para elaboração de projetos arquitetônicos para os Institutos Federais da Bahia, no
intuito de que o ambiente de ensino não deve ser configurado para permitir apenas a
pedagogia tecnicista (a arquitetura padrão em que todos devem se inserir
independente dos ambientes atenderem ou não as especificidades). As práticas
pedagógicas em que o conhecimento deixa de estar centrado no professor e passa
a ser uma construção conjunta professor/aluno também fazem parte da proposta
pedagógica dos Institutos e necessitam de espaços flexíveis, fluídos, interativos e de
mobiliários que permitam modulações.
Além disso, projetar novas edificações ou reformar edificações existentes,
considerando estratégias bioclimáticas e eficiência enérgica é o mínimo a ser feito
em direção a uma Arquitetura Sustentável que possibilite conforto ambiental e
minimização do impacto ambiental no contexto onde estas edificações estão ou
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serão inseridas.
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41
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Acesso em: 13, fev. 2014.
Architecture, sustainability and practices of teaching and learning: built space
diagnosis of Federal Institutes of Bahia.
ABSTRACT
Key-words: Architecture school. Pedagogical political projects. IFBAs.
Recebido em: 25/03/2014
Aprovado em 04/04/2014
ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43
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This article deals with the relationship between Political Pedagogical Projects
(PPPs); Sustainability Architecture and Practices of Teaching and Learning
considering "pedagogical poles": "Educational Authoritarianism" and "Libertarian
Education". Pedagogical and architectural diagnostics of Federal Institutes from
Ilheus and Eunápolis municipalities, respectively located in the south and far south of
Bahia, were performed. The work consisted in analyzing the Political and
Pedagogical Projects of Ilheus’ IFBA and Eunápolis’ IFBA, aiming to identify the
predominant pedagogical trends and see how they have been manifested in the
architecture of both institutions. Was also analyzed the environmental sustainability
of architectural ensembles. The architectural data for analysis were collected through
an observation script development directed by Costa e Silva Junior (2013). Besides
the observation script, sketches, drawings and blueprints observation of architectural
complexes analyzed were prepared. The analysis was based on theoretical and
methodological concepts relating to "Disciplinary Techniques" (Foucault, 2011), and
pedagogical trends that characterize them as "authoritarian" and / or "Libertarian"
and "architectural sustainability" The diagnostics showed that both institutions are
unsustainable architecturally and the Political Pedagogical Project have been
manifested in a set architecture to allow practices of teaching and learning related to
Technicist Pedagogy over the Critical-social content Pedagogy.
43
Apresentando a Matemática e a Ciência por meio das artes
cênicas
Franciele Lopes da Silva1
Ricardo Roberto Plaza Teixeira 2
___________________________________________________________________
RESUMO
Este artigo objetiva apresentar e analisar algumas propostas
que se utilizem das artes cênicas para motivar os alunos na
aprendizagem da Matemática e, de modo mais amplo, das
disciplinas científicas em geral. Ele mostra também que o
aspecto histórico das ciências naturais tem características
valiosas para serem trabalhadas didaticamente junto aos
educandos. O trabalho que foi realizado durante a investigação
se estruturou a partir da elaboração de uma peça teatral
envolvendo alguns nomes importantes da História da Ciência
(Galileu, Newton, Gauss e Einstein), bem como alguns
personagens (Spock e Sheldon) de filmes e séries televisivas
que de alguma forma procuram dialogar com questões
científicas (Star Trek e The Big Bang Theory). A peça teatral
escrita foi apresentada em 2012 durante a Semana Cultural do
campus de Caraguatatuba do Instituto Federal de São Paulo
(IFSP) e recebeu o prêmio máximo da competição. Este
trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada
com o público presente de modo a avaliar o grau de
conhecimento sobre os assuntos e personagens abordados
pela peça. Além disso, é feita também uma análise das
repercussões que teve esta peça teatral e das possibilidades
de uso do teatro no ensino da Matemática e de Ciência.
1
Graduanda do curso de Licenciatura em Matemática do campus de Caraguatatuba do Instituto
Federal de São Paulo (IFSP). Endereço eletrônico: [email protected].
2
Doutor em Ciências pela USP e Docente do campus de Caraguatatuba do Instituto Federal de São
Paulo (IFSP). Endereço eletrônico: [email protected]
Finalmente, em anexo, é apresentado o roteiro da peça teatral
que foi escrita.
Palavras-chave: Matemática; Teatro; Aprendizagem; História
da Ciência.
INTRODUÇÃO
O que a Matemática significa para as pessoas em geral? O quão presente ela
está no dia-a-dia? Porque ela é uma disciplina tão “polêmica”, mas ao mesmo tempo
tão necessária e inevitável na vida dos cidadãos? Como superar os obstáculos
existentes para a sua aprendizagem? Para aqueles que gostam e entendem de
Matemática, essas perguntas realmente não fazem sentido, pois eles não têm essas
dúvidas em relação a esta disciplina. Mas para a maioria da humanidade que não
tem este tipo de relação com a Matemática, estas são perguntas cruciais.
Não é fácil convencer pessoas que não estão interessadas, sobre o quão
fascinante é o mundo das Ciências e da Matemática, mas esta tarefa também não é
impossível. Um caminho interessante para qualquer processo educativo é juntar algo
necessário com algo prazeroso, para que a motivação desencadeie e torne o
aprendizado mais significativo e pleno. Esta foi uma das ideias norteadoras do
projeto de pesquisa-ação (THIOLLENT, 2005) que é apresentado neste trabalho:
mostrar que o teatro pode se transformar em um bom “fio condutor” para a educação
A reação dos alunos com respeito à disciplina da Matemática é
frequentemente negativa: abominação, medo, senso de incapacidade, insegurança,
etc. São exatamente essas dificuldades que, infelizmente, desmotivam e impedem o
desenvolvimento significativo da sua aprendizagem. Pela forma com a qual
geralmente é trabalhada nas escolas, o contato da Matemática com o público leigo é
muitas vezes problemático visto que seus objetivos são incompreensíveis para a
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matemática e científica.
45
grande maioria das pessoas, principalmente se o seu ensino for excessivamente
mecânico e rotineiro.
Tendo em vista esta situação, o teatro pode colaborar de modo significativo
para a Educação Matemática e Científica e “pode alavancar o interesse, disseminar
informações e popularizar, de forma lúdica, conhecimentos científicos” (MATOS e
SILVA, 2003, p. 261). Além desta sua característica de fruição, ele pode ser uma
boa ferramenta pedagógica e um bom método para ser utilizado junto às diversas
disciplinas dentro das salas de aula, pois permite que sejam trabalhados o controle
do corpo e a concentração dos alunos, estimulando a imaginação e ajudando a
desinibir e a aproximar os alunos entre si e cada aluno com o professor. Eles podem
buscar inspiração de diferentes formas: da história, da mitologia ou do cotidiano
(GRANERO, 2011). A interpretação de uma peça, seja ela qual for, desperta os
alunos para a observação deles mesmos e dos outros, instigando-os a se
aprofundar em suas próprias histórias de vida e a desenvolver a capacidade de
expressar seus sentimentos de forma positiva, com respeito e colaboração.
O objetivo deste trabalho é avaliar as possibilidades de inter-relacionar duas
áreas de conhecimento consideradas bastante distintas (Matemática e teatro), de
modo a obter resultados positivos em termos educacionais. O teatro e as artes em
geral são vistos, usualmente, como ferramentas de lazer e de entretenimento.
Existe, aliás, uma certa quantidade de preconceito na sociedade em geral a respeito
do teatro. No transcorrer deste trabalho, existiram pais de alunos que fizeram
questionamentos que refletiram este estado de espírito: “Mas meu filho vai usar
vestidos?” Ou “Meu filho pintará a boca? Isso é coisa de mulherzinha!”. Esses
exemplos nos mostram que há discriminação em relação ao meio cênico e que para
superar isto, a família, além da escola, tem um papel importante no desenvolvimento
diferenças. O teatro, neste sentido, pode ser um caminho de emancipação para
liberar as diversas personalidades que podem existir dentro de cada um de nós.
Todos são capazes de encenar: às vezes pode parecer deveras complicado, mas
não impossível. Para Augusto Boal (1979), o teatro pode ser praticado por qualquer
um, mesmo por quem não é artista, do mesmo modo que o futebol pode ser
praticado por quem não é atleta.
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de valores civilizatórios e humanísticos que estimulem a tolerância com respeito às
46
Não há restrições de idade para que alguém se expresse artisticamente
(GRANERO, 2011). O teatro colabora para a realização de novas descobertas,
ressaltando diversas qualidades existentes nos alunos, contribuindo com uma
melhor socialização e ampliando horizontes: “Para criar, é necessária a imaginação,
é necessário sair do pensamento convergente, elaborando um pensar divergente
para ir além do imediato [...]” (SILVA, 2003, p.148). Assim sendo, pelo uso do teatro
em sala de aula é possível mostrar que a Matemática – e as ciências em geral – não
envolvem
apenas
números,
fórmulas
e
regras,
mas
que
há
histórias
interessantíssimas por detrás de toda complexidade numérica e abstração
matemática existente. Poucos sabem que existiram mulheres como Hipácia, Marie
Curie e Marie Sophie Germain, entre tantas outras figuras femininas, que realizaram
grandes descobertas matemáticas ou em áreas próximas à Matemática, como é o
caso da física. Ressaltar estas essas histórias é importantíssimo, até porque
aproximadamente metade das classes de educação básica é constituída de meninas
e o conhecimento da participação feminina na história da ciência pode ser vital para
atrair o interesse e a curiosidade destas alunas para as ciências.
O uso do teatro como ferramenta pedagógica não pretende substituir as aulas
regulares nas escolas. O seu objetivo principal em um ambiente escolar não é o de
ensinar conteúdos específicos de cada disciplina, mas o de motivar o aluno e o
professor, juntar as suas experiências, despertar a curiosidade e buscar novos
conhecimentos, pois o palco potencializa a grande magia da imaginação: “Quando
em liberdade, o imaginário rompe os limites do real, propiciando assim o emergir do
novo, devendo ser encarado como processo de produção de conhecimento,
interpretação, reflexão e desejo [...]” (SILVA, 2003, p. 148).
Ao tornar um determinado conhecimento interessante e acessível, é possível
ciências naturais, no meio escolar, são vistas como obstáculos que desmotivam os
que têm mais dificuldade.
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atrair aqueles que desistiram de tentar aprender, haja visto que a Matemática e as
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1. Experiências e obstáculos
Para a realização deste trabalho, foi realizada uma pesquisa de revisão
bibliográfica em uma série de livros de divulgação cientifica e de história da ciência.
O principal livro neste sentido foi “Alex no país dos números: uma viagem ao mundo
maravilhoso da Matemática” do escritor inglês Alex Bellos (2011). Esta obra recente
no mercado editorial brasileiro nos chamou a atenção pela leveza e teatralidade com
que seus conteúdos são trabalhados ao longo de seus capítulos, apresentando
diferentes estratégias de motivação que professores podem usar para despertar nos
estudantes uma maior curiosidade pelo conhecimento científico e matemático. O
envolvimento com esta obra acabou levando um dos autores (F. L. Silva) a entrar
em contato, via e-mail, com o autor do livro, relatando a ele a sua motivação para
realizar uma peça de teatro envolvendo temas abordados em seu livro. A resposta
de Alex Bellos veio rapidamente e foi no sentido de incentivar a realização deste
trabalho: “acho que uma peça teatral é uma ótima ideia – tem tanta coisa na
Matemática que renderia”. Além do livro de Bellos, outros livros serviram como base
para a estruturação da peça escrita. Um deles foi o livro “O mundo assombrado
pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro”, de Carl Sagan (2006); a
forma elegante com que o seu autor vê o papel da ciência ajudou na estruturação do
enredo e no perfil histórico de alguns personagens.
A peça teatral “O dia em que os gênios pararam para um breve acerto de
contas” (em anexo), escrita por F. L. Silva, foi utilizada como base para a realização
deste trabalho. Ela discorre a respeito de quatro personagens que remetem a
cientistas e matemáticos importantes da história da ciência (Galileu, Newton, Gauss
e Einstein) e outros dois personagens que são fictícios e estão presentes em séries
Jornada nas Estrelas, também conhecida como Star Trek, e o Sheldon da série “The
Big Bang Theory”).
Para a construção dos personagens referentes aos cientistas abordados,
foram consultados alguns livros de divulgação científica que procuraram não
somente relatar com fidelidade os acontecimentos da História da Ciência
relacionados a cada cientista, mas também se aprofundar nas contradições e nos
problemas encontrados por eles, deixando claro que a construção da ciência não foi
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e filmes que têm alguma relação com o universo da ciência (o Sr. Spock da série
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o processo linear “para mais e para melhor” como algumas histórias tentam passar a
impressão (Kuhn, 2010).
Para construirmos o personagem de Galileu Galilei (1564-1642), utilizamos a
obra de Mariconda e Vasconcelos (2006) intitulada “Galileu e a Nova Física”. Galileu
foi um cientista extremamente criativo que tinha noção clara sobre o caráter
revolucionário de suas propostas e de suas descobertas. Ele trabalhou em diversos
campos do conhecimento humano, mas se destacou na Astronomia e na Mecânica.
Ele foi praticamente o iniciador da ciência moderna, e é dele a célebre frase que
afirma que a Matemática é a linguagem da natureza.
Para elaboração do personagem de Newton (1643-1727), foi consultado o
livro de divulgação científica escrito por Eduardo de Campos Valadares (2003) e
intitulado “Newton – A órbita da Terra em um copo d´água”. O trabalho de Newton foi
o ápice da revolução científica desencadeada no início do século XVII com as
descobertas de Galileu e Kepler. Os principais trabalhos de Newton se referem à
mecânica, à gravitação, à óptica e, no caso da Matemática, à invenção do Cálculo
Diferencial e Integral – juntamente com Leibniz – que é provavelmente a ferramenta
matemática mais poderosa que foi elaborada ao longo da história.
Para elaborarmos o personagem de Gauss (1777-1855) foi consultada a obra
“História da Matemática” escrita por C. Boyer (1996) que é uma das principais
referências no estudo da História da Matemática. Gauss foi um dos matemáticos
mais completos que existiu, tendo produzido trabalhos importantes em diversos
campos diferentes da Matemática: por isso foi considerado “o príncipe da
Matemática”. Em sua homenagem, a mais importante curva para a compreensão de
conceitos da Estatística – a curva do sino da distribuição normal – é definida pela
denominada função de Gauss ou função gaussiana.
“Conheça Einstein” de Schwartz e Mcguiness (1979), um livro em quadrinhos sobre
a história deste importante físico. Este livro aborda acontecimentos históricos que
ocorreram antes, durante e depois da vida de Einstein: ele foi o criador da Teoria da
Relatividade Especial no “ano milagroso” de 1905 e, uma década depois, da Teoria
da Relatividade Geral que utilizava a álgebra tensorial – uma área especializada da
matemática – para expressar os conceitos e as leis envolvidas.
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Para a estruturação do personagem de Einstein (1879-1955), usamos o livro
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Esta peça teatral foi apresentada na Semana Cultural do campus de
Caraguatatuba do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), no primeiro semestre de
2012. A sua estruturação foi um grande desafio, pois houve pouquíssimo tempo
disponível para escrevê-la, encontrar atores, montar o figurino, ensaiá-la e adaptá-la
ao espaço da apresentação. Mas isso não impediu que a peça ganhasse o prêmio
máximo da competição. Os personagens da peça foram interpretados por
estudantes do próprio curso de Licenciatura em Matemática do campus de
Caraguatatuba do IFSP; os ensaios e a apresentação oficial aconteceram no
auditório deste campus. Antes de a apresentação começar, um questionário e um
breve resumo da peça, foram distribuídos aos presentes. O resumo foi feito, para
que os espectadores tivessem um conhecimento prévio a respeito dos personagens
que iam ser apresentados. Este resumo explicava sucintamente quem foram Gauss,
Einstein, Newton e Galileu, e também os personagens fictícios, Spock e Sheldon.
O questionário foi entregue aos presentes solicitando que eles devolvessem
preenchidos ao final da peça. Ele foi feito para avaliar a opinião do público presente
durante a encenação, sobre a própria peça, com perguntas sobre o conhecimento
do espectador a respeito dos personagens presentes na peça, sobre a compreensão
de cada um a respeito das referências históricas apresentadas, sobre o nível de
compreensão (fácil, médio, difícil) dos temas abordados na peça e sobre o tema ou
a característica que mais tinha chamado a atenção durante a apresentação. No final
do questionário, havia um espaço aberto para sugestões de conteúdos para uma
possível nova peça teatral.
A apresentação da peça contou com um público total de 88 pessoas. Dessas
88 pessoas, segundo as respostas dadas ao questionário, ninguém achou o
conteúdo da peça difícil (tabela 4); 60,2% dos entrevistados (53 espectadores) a
de
fácil
compreensão,
enquanto
39,8%
dos
entrevistados
(35
espectadores) a acharam de dificuldade média. O questionário também perguntou
se os espectadores conheciam ou desconheciam os personagens presentes na
peça (tabela 5). Galileu era conhecido por 87,5% dos entrevistados (77
espectadores); cerca de 83,0% dos entrevistados (73 espectadores) relataram que
conheciam Newton; já Gauss era o menos conhecido, entre os quatro cientistas e
matemáticos presentes, com 40,9% dos entrevistados relatando que o conheciam
(36 espectadores). Quanto a Einstein, o mais recente entre os quatros, 90,9% dos
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acharam
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entrevistados (80 espectadores) o conheciam contra 9,1% (8 espectadores) que
nunca tinham ouvido falar deste cientista.
A repercussão que a peça teve, foi surpreendente. Ocorreram muitos elogios,
críticas, sugestões e dicas; os próprios professores e funcionários do IFSP que
assistiram à peça relataram até que se emocionaram. Os resultados da pesquisa,
bem como os comentários que ocorreram após a apresentação, permitiram concluir
que foi atingido o objetivo principal desta peça teatral: contribuir para desenvolver e
disseminar o conhecimento científico e matemático com humor e leveza.
Tabela 1 – Avaliação dos presentes acerca da dificuldade para a compreensão da
peça teatral “O dia em que os gênios pararam para um breve acerto de contas”.
O que achou do
conteúdo da
Quantidade Porcentagem
peça?
Difícil
0
0
Média
35
39,8
Fácil
53
60,2
Soma
88
100
Fonte: elaboração dos autores.
Tabela 2 – Avaliação do grau de conhecimento do público da peça teatral acerca de
quatro grandes nomes da História da Ciência: Galileu, Newton, Gauss e Einstein
Galileu
Newton
Gauss
87,5
12,5
83,0
17,0
40,9
59,1
90,9
Einstein
Fonte: elaboração dos autores
9,1
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Personagens Conhece (%) Não conhece (%)
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2. Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo analisar as diversas formas pelas quais o
teatro pode colaborar com a aprendizagem de diferentes disciplinas escolares, e
mais especificamente, com a aprendizagem de conteúdos científicos e matemáticos.
A aproximação entre arte e ciência pode efetivamente produzir benefícios
para o processo educativo, como ressaltam C. Matos e D. M. Silva (2003, p. 261):
[...] O que importa é enfatizar o potencial sedutor das linguagens
artísticas para instigar, surpreender e cativar o público; e quando se
combina com conteúdos científicos, ocorre uma simbiose perfeita: o
visitante é tocado por uma varinha mágica: pergunta, discorda,
dialoga, quer saber mais... A grande aventura humana da busca
pelo conhecimento tem aí lugar; racionalidade e sensibilidade dão-se
as mãos tornando a viagem prazerosa e inesquecível.
Contudo, mostrar que a Matemática é útil não basta; é fundamental pensar
também a respeito da forma como ela é apresentada. Para um aluno aprender, o
professor tem que levar em conta os diversos mecanismos de aprendizagem
possíveis. O ensino da Matemática frequentemente está cercado de muitos mitos:
um conhecimento amplo do processo educacional permite contornar algumas destas
visões equivocadas.
O professor é um ponto de referência na escola, um ser em que diversos
alunos se espelham: “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na
vida de um aluno um simples gesto do professor” (FREIRE, 1997, p.26). Assim
sendo, a utilização de atividades educacionais diferenciadas, como é o caso do uso
do teatro, pode fortalecer sobremaneira a aprendizagem de diversos conteúdos
Agradecimentos
Agradecemos o auxílio financeiro por meio da bolsa institucional de Iniciação
Científica concedida pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP) para Franciele Lopes
da Silva.
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disciplinares, inclusive de matemática.
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Referências
BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso
da matemática. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
BOAL, Augusto. Técnicas latino-americanas de teatro popular. São Paulo:
Hucitec, 1979.
BOYER, C. História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio. São Paulo:
Editora Nova Fronteira, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
GRANERO, Vic Vieira. Como usar o teatro em sala de aula. São Paulo: Contexto,
2011.
KELLERMANN, Peter Felix. O psicodrama em foco e seus aspectos
terapêuticos. São Paulo: Ágora, 1998.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2010.
MARICONDA, Pablo Rubén e VASCONCELOS, Júlio. Galileu e a nova Física. São
Paulo: Odysseus Editora, 2003.
MATOS, Cauê e SILVA, Dilma de Melo. Núcleo de artes cênicas da Estação
Ciência: popularizar a ciência por meio da arte. In: MATOS, Cauê (coord.).
Ciência e arte: Imaginário e descoberta. São Paulo: Terceira Margem, 2003, p. 255.
SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma
vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SILVA, Dilma de Melo. O imaginário e a arte. In: MATOS, Cauê (coord.). Ciência e
arte: Imaginário e descoberta. São Paulo: Terceira Margem, 2003, p.147.
VALADARES, Eduardo de Campos. Newton - A órbita da Terra em um copo
d´água. São Paulo: Odysseus Editora, 2003.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2005.
Anexo: Texto da peça teatral apresentada na Semana Cultural de 2012 no
campus de Caraguatatuba do IFSP
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SCHWARTZ, Joseph e MCGUINESS, Michel. Conheça Einstein. São Paulo:
Proposta Editorial, 1979.
53
PEÇA: “O dia em que os gênios pararam para um breve acerto de contas.”
Cenário: pátio ou auditório. Personagens fictícios abordados: Sheldon (da série “The
Big Bang Theory” e Spock da série “Jornada nas Estrelas”). Cientistas/matemático
que aparecem na peça: Einstein, Newton, Galileu e Gauss.
Sheldon:_ Ah, mas que droga, porque Gauss não está aqui para me ajudar a
resolver esse pepino? Afinal ele foi uma criança prodígio que bem pequenininho
descobriu um modo diferente de somar muitos números! Se bem que eu acho que
se Galileu ou Newton estivessem aqui, também me ajudariam e muito... nossa, até
Einstein daria conta
disso aqui (bocejando).
Hum... eu não consigo chegar a
conclusão. Qual dos meus ídolos conseguiria me ajudar? Ah, eu penso nisso
depois...agora...tenho que... terminar iss...(adormece)
(Entram em cena no sonho de Sheldon, matemáticos e cientistas)
Einstein:_ Nossa e esse pessoal que não chega. Desse jeito vou acabar ganhando
de WO!
Newton: _ Ganhar de WO... até parece que um gênio como eu perderia para um
cientistazinho mequetrefe como você!
Einstein:_ Ah claro, um cientistazinho como eu que ganhou um prêmio Nobel. E
você Sir Isaac Newton, já ganhou algum prêmio?
Newton:_ Primeiramente, respeite os mais velhos, pois lembre-se que tenho 200
anos mais que você. E em segundo lugar... meu caro Albert Einstein não seja tolo,
esqueceu que se não fosse EU, você provavelmente não chegaria na sua famosa
teoria da relatividade?
Galileu:_ Ei, espera um pouco aí, quem descobriu o princípio da relatividade foi eu,
logo Einstein com certeza não chegaria a essa teoria se não fosse por “mua”. E
Einstein, não se ache muito não tá, afinal você teve dificuldade para entrar na
Einstein:_ Ah ... Galileu, isso é golpe baixo; fique você sabendo que eu tive
dificuldades porque era mal compreendido, as pessoas não aceitavam os meus
métodos de estudo e tive professores tão autoritários que pareciam sargentos.
Gauss: (chega comendo uma maçã)_ Ah ... então você vai dizer que a culpa é
minha né, afinal eu ajudei em todos os ramos matemáticos, inclusive na teoria dos
números...
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universidade, e nem era tão bom aluno assim.
54
Newton:_ Hei, saia daqui Gauss, seu metido a sabichão! Só porque você tem uma
curva com o seu nome... Suma já com essa maçã daqui; sabes muito bem que sou
“maçãnofóbico”!!!
Todos:_ Maçãno... o que?
Gauss:_ Isso sequer existe Sir.
Newton:_ Maçãnofóbico: termo utilizado para quem tem medo de maçãs. Ah, me
poupe, sou um cientista, um gênio, um desbravador, nasci para criar e descobrir. Ou
seja, se digo que existe, agora existe!
Einstein:_ Ah, claro. Simplesmente porque você quer! Assim como existia a
possibilidade de transformar urina em ouro. Genial da sua parte cogitar essa
hipótese!!!!
Newton:_ Seu insolente, preguiçoso e atrevido! Desde que chegou, se quer
levantou suas nádegas desta mesa.
Einstein:_ Calminha aí Sir. Não se altere, afinal digo isso porque todos os humanos
erram. E fique você sabendo que não é porque eu era funcionário público que eu
não fui capaz de mudar a história da ciência, complementá-la digamos assim. Uma
lição para o senhor sabichão: “É no fazer nada que grandes ideias surgem!”. Sou
prova morta disso!
Newton:_ Claro que é! Fique você sabendo que se errei foi pouco e erros
irrelevantes e se acertei foi porque me apoiei em ombros de gigantes! Já você Albert
Einstein, se quer, acreditava que a física quântica estava certa, tentou provar até o
fim que ela estava errada. Mas olha a ironia, foi você mesmo quem a criou. Isso sim
faz uma grande diferença, uma grande reviravolta na história da ciência!
Galileu:_ CHEGA!!! A conversa aqui já tá virando baixaria. Vocês acham que estão
onde, em um baile funk? Em uma roda de rap? Em um comício político? Onde um
fica contando os podres do outro. Senhores, compostura.
Galileu:_ Não, Newton linguarudo. É questão de EDUCAÇÃO.
(Sheldon aparece)
Sheldon:_ Epa, educação?! Todos vocês estão faltando com educação!!! Coisa feia
é ficar xingando os outros de linguarudo... não foi isso que você fez quando falou
para todos que a terra estava em movimento, hem Galileu? Se os cientistas não
falassem o que pensassem, hoje estaríamos acreditando que a terra tem só 6 mil
anos.
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Newton:_ É questão de hierarquia? Por você ser o ancião entre nós?
55
Einstein:_ Velho burro... vê se pode... jogou duas bolas de ferro do alto de uma
torre e descobriu que o movimento de queda independe da massa, mas quase
matou pessoas lá em baixo. (murmurando)
Sheldon:_ Você também não fica de fora, o cientista da linguinha! Ajudou a criar a
mecânica quântica e desperdiçou o resto da vida tentando achar uma maneira de
provar que ela estava errada...
Newton:_ Viu só!
(Newton é interrompido)
Sheldon:_ Me poupe senhor alquimista, ou você vai transformar carvão em ouro pra
redimir os seus pecados?! E você Gauss!!
Gauss:_ Mas eu não estou fal... (interrompido)
Sheldon:_ Jogue fora logo essa maçã!!! _(todos em silêncio por alguns segundos,
Sheldon dá um suspiro bem forte para começar a falar)_ Agora vocês vão me ajudar
ou não a resolver...?
Einstein:_ Resolver o que? Eu achei que estivéssemos aqui para saber qual de nós
é o mais importante na história da cien...(interrompido por Sheldon)
Sheldon:_ Mas é claro que não. Isso não é tão importante quanto vocês me
ajudarem na resolução deste problema.
Gauss:_ Mas afinal moleque, no que é que você quer que o ajudemos?
Galileu:_ Se todos vocês não falassem tanto, com certeza já teríamos terminado o
que viemos fazer aqui!
Newton:_ Vamos rapaz, não temos esse sonho inteiro.
Sheldon:_ É em uma coisa muito importante. Tão importante que eu sei que
mudarei a história da ciência, da física, da humanidade. (fala com muita euforia)
Einstein:_ Se for assim, tenho certeza que serei capaz de lhe ajudar.
Gauss:_ Eu não tenho dúvidas sobre o meu potencial em lhe ajudar garoto, se
matemáticos!
Newton: Albert vai lá treinar “mímica” com seu amiguinho Charlie Chaplin. Eu fico
no comando por aqui. Pode deixar.
Galileu:_ Prossiga rapaz. Acho que esses daí não vão se calar tão cedo.
Sheldon:_ Então vocês vão me ajudar ou não?
Todos:_ Claro!
Sheldon: _Me digam. Como é que eu como de Hashi?
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envolver matemática então... hum, tá no papo. Afinal, sou o príncipe dos
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Todos:_ O que?
Newton:_ Você só pode estar de brincadeira, neh!
Galileu:_ Eu achei que você quisesse ajuda em algo mais complexo, algo mais...
Gauss:_ Científico!
Einstein:_ Porque você não sonhou com uma gueixa então?
Sheldon:_ Eu não me dou bem com mulheres.
Newton:_ Pois então com um tailandês?
Sheldon:_ Tampouco com homens. Se bem que são mais inteligentes que a raça
feminina!
Todos:_ Então com quem você se dá bem?
Sheldon:_ Só com gente morta.
Todos:_ Com que frequência? (sussurrando)
Sheldon:_ O tempo todo.
Gauss:_ Bom, agora que a gente já está aqui, vamos ajudar o rapaz.
Galileu: _Ajudar com o que? Eu não faço ideia de como se come com esses
pauzinhos.
Einstein: _Típico...
Newton:_ E você Einstein? Por acaso sabe?!
Einstein:_ A questão não é essa, a questão é que...(interrompido)
Gauss:_ A questão é que nenhum de nós sabe!
Sheldon:_ E agora? Nenhum dos maiores cientistas do mundo tem a resolução do
meu problema, o que vamos fazer?
Newton: _O que fazemos melhor...
Gauss:_ Descobrir!
(Todos se reúnem e começam a discutir o tema)
Discussão sobre como comer com Hashi,
Einstein: _Vamos pessoal, pense nas coisas de maneira mais simples.
Uma voz ouvida do fundo da plateia: _De maneira mais simples! Mas esse aí só
complica as coisas mesmo...
(Todos em silêncio)
Galileu: Quem está ai?
Gauss: Deve ser o... Napoleão ?
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...
57
Spock:_ Claro que não! Não reconhece um vulcano quando este está na presença
de ti?! (Spock vai subindo no palco)
Sheldon:_ Ó Pitágoras! Estamos salvos. (dando glória) É o SPOCK!!!
Cientistas:_ Spock?!
Newton:_ Quem é esse cabra?
Spock:_ Sou príncipe de vulcano, viajo na USS Enterprise desvendando o Espaço
Sideral, e vim aqui ajudar esse grupo de pequenos gênios a resolver o problema.
Sheldon: _Maravilha! Iupiiii...
Spock:_ O que te afligem? Qual é a questão?
Einstein: _Queremos descobrir como se come, como pegar comida com esses
pauzinhos...
Spock:_ Mas isso é completamente dispensável.
Todos:_ Como Assim?!
Spock:_ Meu jovem, qual é o problema inicial?
Sheldon:_ Eu quero comer comida tailandesa.
Spock:_ E você não pode comer de... garfo?
Sheldon: _Sim...MAS COMO EU NÃO PENSEI NISSO ANTES?!
Spock:_ Mas isso é Lógico! Não cabe a nós entender os costumes estranhos dos
outros povos se o nosso objetivo é resolver um problema que independe disso.
Agora que seu problema está resolvido, pode comer.
Sheldon:_ Obrigado mister Spock.
(Se comprimento como os vulcanos)
Spock:_ De nada, mas agora tratem de aprender a aprender a comer com os
Hashis. Que pouca vergonha, gênios brilhantes que não conseguem comer com
esses dois pauzinhos... até uma criança consegue...
Todos resmungam que o problema está resolvido e saem do palco, menos o
Sheldon:_ Resolvi! Resolvi! (levanta, pega um garfo, senta, olha para o Hashi, jogaos longe)_ Adoro meus Ídolos.... e você Spock, nem existe e me ajudou..(interrompe
a própria fala) espera aí... eu sonhei tudo isso. Ah, sou um GÊNIO!!! Hahahahaha
Namorada do Sheldon:_ Vamos Sheldon, se não perderemos a reserva no
restaurante!
Sheldon: (pega o garfo e sai falando)_Ah, agora sim. Estou pronto!!! Hahahahaha
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Sheldon, ele acorda e diz:
58
ABSTRACT
This paper has the objective to present and analyze some proposals that use scenic
arts to motivate students to learn mathematics and, more broadly, scientific
disciplines in general. It shows also that historical aspects of natural sciences have
valuable features to the didactic work with students. The work that was carried out
during the research was structured from the elaboration of a play involving some
important names in the history of science (Galileo, Newton, Gauss and Einstein), as
well as some characters (Spock and Sheldon) from movies and television series that
somehow dialogue with scientific issues (Star Trek and The Big Bang Theory). The
written piece was presented in 2012 during the Cultural Week Federal Institute of
São Paulo (IFSP) – Campus Caraguatatuba and received the first prize of the
competition. This paper presents the results of a survey made with the audience in
order to assess the degree of knowledge on the subjects and characters of the play.
Moreover, it is also made an analysis of the impacts of this play and the possibilities
of using theater to teach mathematics and science. Finally, in the annex, it is
presented the script of the play that was written.
Keywords: Mathematics; Theater; Learning; History of Science.
Recebido em 04/07/2013
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Aprovado em 18/02/2014
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59
Formação sócio-espacial e organização do espaço em Itacaré/BA:
um estudo sob a égide da teoria classista
Gilson Santos da Silva1
Paulo Fernando Meliani2
___________________________________________________________________
RESUMO
O texto aborda aspectos da formação sócio-espacial e da
organização do espaço de Itacaré em diversas fases históricas.
Apoiado na revisão de literatura, foi possível realizar um
resumo histórico do período em que se originou até a ocasião
em que o município foi nomeado “Itacaré”, bem como foram
delineados os principais aspectos socioeconômicos da região
em que se insere. Além disso, esse trabalho traz resultados de
uma pesquisa recente, na qual foram realizados a análise da
expansão urbana da cidade e o registro de seus principais
problemas de degradação ambiental. Todos os tópicos
desenvolvidos culminaram em uma análise integrada à luz da
teoria Classista. Foi verificado que em todos os períodos,
desde sua origem até os dias atuais, Itacaré se configura em
espaços regidos pela vontade do poder dominante (Coroa
Portuguesa, fazendeiros de cacau e, mais recentemente,
empresários do segmento turístico), a qual sempre imperou no
desenvolvimento das atividades econômicas realizadas no
município. Modificações funcionais impuseram à cidade
transformações de ordens sociais, econômicas e estruturais,
notadamente com a passagem da monocultura de cana-deaçúcar para a lavoura cacaueira e, mais recentemente, para a
produção de atividades turísticas, o que movimentou a
organização do espaço geográfico do município, maximizada
1
Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Professor do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA/Campus Eunápolis). E-mail: [email protected].
2
Doutor em Geografia. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC/BA). Email: [email protected].
por uma crescente expansão urbana e pela deflagração de
processos de degradação ambiental.
Palavras-chave: Formação Sócio-Espacial, Organização do Espaço,
Itacaré, Teoria Classista.
INTRODUÇÃO
Antigo porto cacaueiro, o distrito-sede de Itacaré, município localizado no sul do
Estado da Bahia, passa por uma transição funcional ao assumir, a partir dos anos 1990, sua
atual função de destino turístico. Com a introdução do cacau no sul da Bahia no século 18 e
a consolidação de sua cultura no século 19, o distrito-sede do município tornou-se um
importante porto cacaueiro, enviando as amêndoas produzidas em sua hinterlândia para
Ilhéus e Salvador, de onde eram exportadas. Durante a primeira metade do século 20, a
demanda estrangeira por cacau foi responsável pela produção do espaço geográfico do
município, orientando o uso da terra e dinamizando a economia de Itacaré.
Na segunda metade do século 20, a implantação de estradas entre o interior
da região e a cidade de Ilhéus (centro regional e principal porto exportador), bem
como as condições naturais do porto de Itacaré (de baixo calado), estabeleceram
uma desintegração regional do município. Com a perda de sua importância
portuária, Itacaré viveu um período de isolamento, agravado pela crise regional da
economia cacaueira desencadeada a partir dos anos 1980.
Nos anos 1990, como alternativa à economia cacaueira, Itacaré assume uma nova
Estado da Bahia, que incluíram o município no "Programa de Desenvolvimento Turístico
Costa do Cacau". Como principal chamariz turístico, o potencial paisagístico e ecológico foi
explorado especialmente na faixa litorânea, que é dominada por uma paisagem planáltica
típica de “mar de morros”, com muitos fragmentos remanescentes de floresta ombrófila
densa (Mata Atlântica). As práticas de “ecoturismo”, como percorrer trilhas na floresta, são
incluídas em pacotes turísticos de visitação à Itacaré.
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função, a de destino turístico, promovida inclusive por políticas de desenvolvimento do
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A inserção turística tem promovido uma reorganização espacial no município
pautada na expansão urbana e na degradação ambiental. As mudanças na
distribuição da população do município de Itacaré são marcantes na década de
1990, período no qual o município assume sua atual função turística. O incremento
da população no distrito-sede de Itacaré, entre 1991 e 2000, foi de cerca de 39,10%,
passando de 6.289 habitantes no início da década para 8.748 ao final dela (IBGE,
1991; IBGE, 2001) e, atualmente, possui uma população de mais de 24.720
habitantes (IBGE, 2008).
1. BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL EM ITACARÉ: DO
ALDEAMENTO INDÍGENA À NOMENCLATURA ITACARÉ
A cidade de Itacaré tem sua origem mais remota atrelada a uma aldeia
indígena situada nas proximidades da foz do rio de Contas a qual vivia da caça, da
pesca e da agricultura de subsistência. Na região em que se insere esse aldeamento
a colonização portuguesa se iniciou em 1530, por meio das capitanias hereditárias.
Em nome da coroa portuguesa, os jesuítas se instalaram com o objetivo, dentre
outros, de demarcação de terras (CONDER, 2004).
Em inícios do século XVIII, o padre Luís de Grã ordena a construção de uma
capela em homenagem a São Miguel, e em seguida batiza a localidade como “São
Miguel da Barra do Rio de Contas” (IBGE, 1958). De acordo com a mesma fonte, no
ano de 1718, por ordem do arcebispo Dom Sebastião Monteiro de Vide, foi
concedida à capela a categoria “freguesia”, o que supunha a instalação de um
povoamento, mesmo que do ponto de vista eclesiástico, na medida em que se
estruturava por um conjunto de paroquianos jesuítas.
foi concluída em 1723, ano grafado em sua fachada e confirmado pelo senso
comum, sendo esse o monumento remanescente do período colonial mais
importante da cidade (MELIANI, SILVA, GOMES, 2007). Anos depois desse evento,
a povoação de São Miguel da Barra do Rio de Contas é elevada a município, no dia
26 de janeiro de 1732, por ordem da “Condessa de Resende” (Ana Maria Ataíde e
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Avançou-se para a construção da Igreja de São Miguel, a qual provavelmente
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Castro), donatária da Capitania de Ilhéus, quando é nomeada “Vila da Barra do Rio
de Contas”.
Em 1931, a Vila da Barra do Rio de Contas, depois de incorporada
politicamente por Itapira (atual município de Ubaitaba), passa a ser a sede municipal
e recebe o nome de “Itacaré” (IBGE, 1958). Segundo a Companhia de
Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – CONDER (2004) o Decreto Estadual
que regulamentou o nome Itacaré foi o de nº 7.850, de 16 de dezembro de 1931. A
nomenclatura “Itacaré”, segundo Meliani (2006), é de origem tupi e significa “pedra
torta”, sendo uma possível referência às estruturas sinuosas de rochas metamórficas
que se estendem por áreas que vão desde a foz do Rio de Contas e percorrem todo
o litoral sul do município.
2. ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS
Ainda com uma população incipiente, em 1648, as vilas situadas ao norte de
Ilhéus tornaram-se, por imposição da Coroa Portuguesa, abastecedoras de
alimentos para a capital da Colônia, onde nessa ocasião, predominava na Capitania
da Bahia – Salvador – a monocultura de cana-de-açúcar. Com isso, no seu primeiro
século de existência, a então Vila da Barra do Rio de Contas, juntamente com outras
vilas como Camamu e Boipeba, desponta como produtora de farinha de mandioca e
arroz, insumos enviados diretamente a Salvador (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO,
1987).
Em meados do século XVIII, foi introduzido o cacau no sul da Bahia, sendo
levado para as fazendas ilheenses em 1752 (VIRGENS FILHO et al., 1993). Já no
final desse século, houve uma difusão da lavoura cacaueira, a qual já alcançava a
pelo Rio de Contas, o qual servia de via de integração entre o interior e o litoral. A
partir do início do século XIX, com apoio náutico propiciado pela foz do Rio de
Contas, se constituiu em Itacaré um porto estratégico para o escoamento de cacau,
madeira e demais produtos, além de viabilizar o tráfico de escravos destinados a
servir fazendas da região (CONDER, 2004).
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então Vila da Barra Rio de Contas. Seu principal fluxo de escoamento era propiciado
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O ano de 1834 foi decisivo para o crescimento da região, onde a exportação
regular de amêndoas de cacau ganha notoriedade, o que gerou uma fase de grande
ascensão da economia cacaueira, possibilitada pelo aumento da produção e pela
ruralização da população (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO, 1987). As exportações de
amêndoas continuavam crescentes, passando de um volume de cerca de 26,5
toneladas em 1834 para aproximadamente 579 toneladas, em 1860 (GARCEZ e
FREITAS, 1979). Os mesmos autores argumentam que com a notória expansão da
lavoura cacaueira, o volume de exportações cresceu significativamente alcançando
após trinta anos 3.503 toneladas. Atrelado ao aumento no volume de exportações, o
crescimento populacional se evidenciou pelo incremento de 34,1% na população
(entre 1872 e 1890), passando de 3.612 para 4.844 habitantes (MELO e SILVA,
SILVA, LEÃO, 1987).
Na segunda metade do século XIX, cresce ainda mais a importância portuária
de Itacaré, sendo neste momento o único meio de ligação entre o interior da
Chapada Diamantina, onde o Rio de Contas possui sua nascente, e o Oceano
Atlântico, com destinação final a capital Salvador.
A formação regional acontece de fato ao final do século XIX, corroborada por
uma expansão significativa da produção de amêndoas de cacau, a qual foi
vivenciada por intermédio de um intenso fluxo migratório. Entre os anos de 1890 e
1920, a população da região foi aumentada em 337,84% em razão das levas de
imigrantes que vieram trabalhar na lavoura, em sua maioria oriundos de regiões
carentes e secas do sertão nordestino (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO, 1987). Neste
período, a população da Vila da Barra do Rio de Contas, é acrescida em 402,68%,
representada por 24.350 habitantes. O porto da Barra do Rio de Contas rivaliza com
o de Ilhéus, chegando a exportar, em 1900, 6.793 toneladas contra 5.991 toneladas
Na primeira metade do século XX, a lavoura cacaueira teve sua consolidação,
chegando a atingir produções anuais de amêndoas de cacau, na Bahia, na ordem de
144.584 toneladas (SANTOS, 1957). Porém, concomitantes à época áurea da
produção, houve momentos de instabilidade da lavoura, onde imprevisões
climáticas, ataque de pragas e doenças, variações de preços, dentre outros fatores,
formaram riscos à economia cacaueira. Crises na economia também foram
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exportadas por Ilhéus (SANTOS, 1957).
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evidenciadas por picos de produção, onde em 1935, aconteceu uma queda de
preço, forçada pelo excesso de produção (CONDER, 2004).
Além desses fatores que atingiam toda a região, Itacaré inicia um processo de
derrocada na importância portuária que mantinha, devido às condições naturais de
seu porto, o qual tinha um baixo calado. Em 1932, com a implantação da ferrovia
que ligava Ubaitaba a Uruçuca e que seguia em direção ao Porto de Ilhéus, o qual
dinamizava cada vez mais sua infra-estrutura, Itacaré mergulha de vez em uma crise
funcional e perde a posição de principal entreposto comercial da região (CONDER,
2004). Depois desse período, em 1940, Itacaré contava com uma população de
apenas 8.630 habitantes (PLANO DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL, 1985
apud CONDER, 2004), reflexo da perda da importância portuária, o que fez com que
a maior parte da população migrasse para Ilhéus.
Na segunda metade do século XX, os produtores de cacau já se encontravam
bastante endividados, com lavouras superexploradas, o que sugeria uma baixa
produtividade e tendência à estagnação (VIRGENS FILHO et al., 1993). Neste
período, mais precisamente em 1957, o Governo Federal cria a CEPLAC (Comissão
Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira) objetivando recuperar a
lavoura por meio intermédio da modernização agrícola, restabelecendo o equilíbrio
da dinâmica financeira da região.
Todavia, é na década de 1980 – principalmente na segunda parte – que a
lavoura cacaueira sofre seu maior golpe, anunciado por uma crise sem precedentes,
justificada pela queda do preço das amêndoas no mercado internacional e pela
incisiva atuação da “vassoura-de-bruxa” (Crinipellis perniciosa) e “podridão-parda”
(Phytophthora palmivora) (REIS, 2002). O mesmo autor aponta que nesse período
houve um decréscimo de 26% na renda de Itacaré, entre 1980 e 1990.
turismo desponta como alternativa à economia de Itacaré. As atividades turísticas
começam a se delinear entre os anos de 1970 e 1980 quando a cidade recebia para
veraneio apenas algumas famílias de classe média da região (CONDER, 2004). No
período de adensamento de infra-estruturas turísticas, notadamente nos anos 1990,
Itacaré vive um quadro de crescimento populacional, tendo um incremento da ordem
39,10%, passando de 6.289 habitantes para 8.748 habitantes ao final dessa década
(IBGE, 1991; IBGE, 2004).
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Como resposta à crise da lavoura cacaueira instaurada no município, o
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Em 1998, com o término da construção da BA-001, o turismo em Itacaré se
consolida, sendo essa rodovia o acesso principal à chegada dos turistas, que
vinham de diversas partes do Brasil e, inclusive do mundo. Recentemente,
vislumbrados pela expectativa de trabalho nos equipamentos turísticos da cidade,
houve um “boom” da população em Itacaré, perfazendo um total de 24.720
habitantes, ao final do período entre 2000 e 2007 (IBGE, 2008). As demandas
turísticas tornaram a cidade de Itacaré um espaço multifuncional, resultante da
combinação
de
atividades
institucionais,
educacionais,
residenciais
e,
crescentemente, de serviços, notadamente os relacionados ao turismo, a exemplo
de pousadas, restaurantes, agências de passeio, dentre outros. Dessa maneira, a
exploração do chamado “ecoturismo”, apoiado pelas belezas cênicas do lugar,
movimenta a economia de Itacaré sendo a principal fonte de renda da atual
configuração do município.
3. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO EM ITACARÉ: A EXPANSÃO URBANA ENTRE
OS ANOS DE 1960 E 2003
A área mais antiga da cidade situa-se entre a igreja de São Miguel e os dois
pequenos portos localizados no rio de Contas: o porto da “frente”, que servia as
embarcações maiores vindas de Salvador e Ilhéus, e o porto de “trás”, que atendia
aos pequenos barcos de agricultores e pescadores nativos. Essa espécie de zona
portuária é a área central da cidade de Itacaré, no seu sentido original, onde a
cidade nasceu e se desenvolveu nos seus primeiros momentos.
Até a década de 1960, o acesso à cidade de Itacaré só se dava por meio de
seus dois portos, tanto para quem vinha de fora pelo mar quanto os que vinham do
Grande”, só foi construída nos anos 1960, com o objetivo de viabilizar uma ligação
viária com Ubaitaba, município vizinho localizado a oeste de Itacaré.
Até os anos 1970, a área consolidada da cidade de Itacaré se restringia a
área central (zona portuária e arredores da igreja de São Miguel) e a faixa lateral da
ladeira Grande, que correspondiam em torno de 28,51 hectares. Durante os anos
1970, a expansão do espaço urbano da cidade de Itacaré se dá com a formação de
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interior da região, pelo rio de Contas. A saída terrestre da cidade, a “Ladeira
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bairros contíguos ao núcleo original, como o bairro do “Marimbondo” e o dos
“Alagados”, que atualmente é chamado de “São Miguel”.
Nesta década, ocorre a abertura do acesso às praias do Resende, da Tiririca,
da Costa e da Ribeira, localizadas a sudeste da área central original, o então
chamado “caminho das praias”, hoje conhecido como “rua da Pituba”. A expansão
do período (1970-1980) representou a um acréscimo de 15,85 hectares, que
somados a área já consolidada correspondem a uma área urbana total de 44,36
hectares, os quais abrigavam uma população de 3.150 habitantes (IBGE, 1980).
Nos anos 1980, a expansão urbana torna-se mais significativa, com a
implantação do loteamento “Conchas do Mar I” (1984), localizado em uma grande
área subjacente a praia da Concha, situada a leste do núcleo original. Este
loteamento se apresenta como alternativa de moradia para as classes de maior
poder aquisitivo da cidade, bem como para a construção de pousadas,
principalmente por pessoas vindas de fora do lugar, na perspectiva de exploração do
turismo emergente.
A implantação do loteamento reverberou, no final dos anos 1980, na formação
do bairro da “Pituba”, junto ao “caminho das praias”, em sua porção mais proximal
ao centro. Antigos moradores da área do loteamento Conchas do Mar I,
considerados invasores, foram deslocados para a rua da Pituba, com o intuito de
viabilizar a implantação e a comercialização dos lotes do Conchas do Mar. Cabe
destacar que o já existente bairro dos Alagados (hoje conhecido como São Miguel)
também é considerado uma “invasão” do loteamento Conchas do Mar I.
No período de 1980-1990, forma-se também o bairro da “Passagem”, num
antigo local de isolamento para doentes de varíola (“bexiga”), a oeste do centro, e
serve atualmente como alternativa de moradia para as classes populares de Itacaré.
consolidada no período anterior (44,36 hectares), constituindo uma área urbana total
de 86,64 hectares em 1990 para 4.275 habitantes (IBGE, 1991).
No período compreendido entre 1990 e 2003, o espaço urbano da cidade
torna-se cada vez mais adensado nas suas formas construídas, e se expande
significativamente com a segunda etapa do loteamento Conchas do Mar em 1998, e
com a enorme ocupação de áreas contíguas a saída da cidade, além do
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A expansão urbana neste período (42,28 hectares) praticamente corresponde a área
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adensamento de edificações no bairro da Pituba. A expansão urbana neste período
foi de 64,46 hectares que, somados a área urbana consolidada no início do período
(86,64 hectares), totalizam uma área urbana de 150,59 hectares em 2003 (tabela 1).
Até o ano 2000, Itacaré contava com 7.951 habitantes (IBGE, 2000). Dados recentes
do senso populacional do IBGE (2008) demonstram um crescimento exorbitante da
população que atingiu em 2007 o número de 24.720 habitantes.
Além da multiplicação dos estabelecimentos do setor de serviços ao largo da
Ladeira Grande, notadamente oficinas mecânicas e lojas de materiais de
construção, também se multiplicam os acessos para os loteamentos que surgem no
entorno da cidade, como os do Loteamento Outeiro de Santo Antonio e do
Loteamento Bosques de Itacaré. Chama também a atenção no período, a formação
do bairro de “Santo Antonio” ou bairro da “rua da Linha”, na encosta voltada para a
Ladeira Grande. O bairro de Santo Antonio surge a partir de uma única rua, a rua da
Linha, nome dado a ela devido a antiga rede telegráfica que passava pelo local.
A implantação da rodoviária de Itacaré bem próximo ao início da rua da Linha
em 1994, bem como as obras de pavimentação da rodovia BA-001, concluída em
1998, contribuiu para a expansão da ocupação dessa área. Com a implantação da
rodoviária na base do bairro, ocorreu uma valorização da área em função da
constituição de um espaço funcional, inclusive com a feira que funciona junto ao
equipamento. Com a pavimentação da estrada, muitos trabalhadores vindos de fora
da cidade se instalaram no bairro, contribuindo para a expansão da ocupação do
lugar.
Tabela 1. Expansão Urbana de Itacaré entre os anos de 1970 a 2003.
1970-1980
1980-1990
1990-2003
Área consolidada (ha)
28,51
44,36
86,64
Expansão no período (ha)
15,85
42,28
64,46
Área urbana total (ha)
44,36
86,64
150,59
Fonte: IBGE
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PERÍODOS
68
4.
PROBLEMAS
DE
DEGRADAÇÃO
AMBIENTAL
DECORRENTES
DA
EXPANSÃO URBANA DE ITACARÉ
Stipp e Stipp (2004) advertem que os problemas ambientais formados nas
cidades são sempre decorrentes do uso e ocupação indevidos do espaço pelo
homem, o qual não se preocupa com a preservação do ambiente. Salvaguardadas
as proporções, os problemas ambientais que afligem a cidade de Itacaré têm a
mesma natureza daqueles que afetam quaisquer cidade do Brasil, a exemplo do
saneamento básico, habitação, desmatamentos, dentre outros.
A supressão da vegetação para a edificação de casas e/ou de pousadas e
instalações de infra-estrutura turística, como as indispensáveis para o setor de
comércio e serviços é algo que, apesar de comum devido às demandas por estas
instalações, vem causando impactos ao ambiente em Itacaré. Além disso, Meliani
(2006) coloca que a emergente economia voltada para o turismo demandou
mudanças no uso da terra no município de Itacaré, a exemplo de obras de infraestrutura viária ligadas ao crescimento urbano como a pavimentação de estradas e
ruas e aberturas de caminhos, que serviram tanto para a ampliação da área urbana
com a demarcação de loteamentos quanto para a exploração do “ecoturismo”.
Atrelados à questão habitacional estão os problemas de saneamento básico,
como o da coleta e do destino do esgoto e do lixo urbano (MELIANI, 2001). Como a
rede de coleta de esgotos é restrita ao centro e a alguns dos bairros de Itacaré, as
soluções sanitárias adotadas, comumente fossas e ligações diretas em cursos
d’água, se constituem em problemas sociais e ambientais que vão desde a
proliferação de doenças até alterações na dinâmica dos sistemas naturais dos solos
e das águas (MELIANI, 2006). O lixo produzido na cidade também se constitui em
parte despejado a “céu aberto”. Günther (1999) adverte que esse fato decorre da
falta de atenção impressa ao setor saneamento e ao seu gerenciamento,
culminando no descarte dos resíduos sólidos em locais situados à periferia das
cidades, nos denominados lixões, sem que haja preocupação quanto a técnica
utilizada para a disposição do lixo e; muito menos com as consequências ambientais
e sanitárias (PHILIPPI JR., 1999).
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um grande problema para o município, que não possui aterros sanitários, sendo
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O esgoto retirado das fossas pelos caminhões utilizados para este fim tem um
destino similar ao do lixo, porém com um agravante, é espalhado em uma área de
cabeceira de drenagem do Jeribucassu - rio que tem parte de suas águas captada
para o abastecimento público de Itacaré (THÉVENIN, 2007). Além de problemas
com a poluição, essa bacia vem sendo intensamente desmatada, o que tem
ocasionado a aceleração dos processos de erosão dos solos e de sedimentação
fluvial, comprometendo a conservação das nascentes, bem como a captação de
água com fins de abastecimento da cidade (MELIANI, 2001).
De acordo com Santos (2005) o crescimento das cidades vem causando o
aumento da poluição doméstica, com o acréscimo de sedimentos e materiais
sólidos, bem como a contaminação de mananciais e das águas subterrâneas. Em
pontos focais da cidade de Itacaré, a exemplo do bairro da “Passagem”, observa-se
a ocorrência de lançamento de esgoto na rede fluvial. Essa localidade é atravessada
por um curso d’água que recebe o esgoto diretamente das casas, as quais não são
beneficiadas pelo esgotamento sanitário implantado na cidade, restando para a
população dessa localidade a alternativa de produzir ligações diretas (canalização)
de esgoto para o curso d’água. Por estar localizada em uma área de várzea
(“baixada”), a população residente nessa área sofre com inundações provenientes
de períodos chuvosos, o que pode ocasionar um alarme para riscos de doenças.
As habitações localizadas à margem desse curso d’água têm, em geral,
padrões construtivos de barracos de madeira e de alvenaria (tijolos), porém com
dimensões reduzidas e desprovidas de qualquer infraestrutura que garanta uma
condição, por menor que seja, de proteção contra os períodos de maior acentuação
pluviométrica. Próximas a esta área existem construções de um número significativo
de barracos em uma área íngreme, a qual foi invadida (apropriada) devido a falta de
No caso do Bairro do “São Miguel”, anteriormente conhecido como
“Alagados”, a população também se vê obrigada a realizar ligação de canalizações
de esgoto diretamente no curso d’água, provocando além de problemas com a
proliferação de doenças, a poluição dos mananciais aquáticos da cidade. Este fator,
provavelmente, afeta diretamente o bom funcionamento dos espaços turísticos
localizados na orla principal do sítio urbano de Itacaré, pois a deposição de todo
esse material vai desembocar no na foz do rio de Contas que beira a orla central da
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opção provocada pela segregação espacial existente na cidade.
70
cidade, influindo no ambiente aquático dessa localidade e interferindo no bem-estar
e saúde dos banhistas que ali visitam.
Os padrões construtivos desse bairro são, em maior número, mais bem
elaborados (de alvenaria) – se comparados aos da Passagem – e possuem lotes
com maiores dimensões (quadrados e retangulares), o que supõe uma maior
resistência aos períodos de chuva mais intensos, porém não exime esta área de
riscos à inundação.
Em uma área de invasão no bairro do “Santo Antonio” verificou-se o loteamento de
uma pequena encosta, onde logo abaixo circula um fluxo d’água que também se encontra
com problemas de despejo de esgoto em seu curso. Esse descarte é realizado,
possivelmente, pelos moradores do bairro. Além disso, foi encontrado na área um ponto de
deposição de lixo (resíduos sólidos) evidenciado pelo corte latitudinal do relevo, formando
uma entrada em forma arqueada (U) a qual encontrava-se infestada por insetos. Havia
também na área de “baixada” a formação de um “brejo” que estava sendo soterrado e que já
se encontrava demarcado para efetivação de possíveis construções destinadas à população
de menor poder aquisitivo, o que retrata a segregação socioespacial vivenciada na cidade.
5. PROBLEMAS SÓCIO-ESPACIAIS DE ITACARÉ: O ENFOQUE CLASSISTA
O processo de estratificação social, referindo-se à disposição hierárquica dos
grupos ou indivíduos numa escala, constitui uma característica universal das
sociedades humanas (SILVA, 1981). Segundo Stavenhagen (1969) as classes não
são imutáveis, portanto se desenvolvem e modificam-se obedecendo as mudanças
da sociedade para se configurarem. O mesmo autor argumenta que em uma ótica
marxista, as classes constituem um fenômeno universal, característico de uma
desde as origens mais remotas da formação sócio-espacial de Itacaré, a divisão de
classes em estratos já se apresentava, na medida em que existia um poder
controlador das ações daquele povoado, influenciado pela atuação religiosa dos
jesuítas que demarcaram o comando espacial do lugar pela aquisição imposta das
terras. Além disso, a agricultura voltada para o suprimento das necessidades da
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sociedade em que uma parte da população é explorada por outra. Desse modo,
71
capital da Colônia Portuguesa também engendra um panorama de subordinação da
atuação jesuítica e dos nativos da região.
Por intermédio do poder exercido pela Coroa portuguesa o pequeno povoado
se torna fragmentado em classes de poder e prestígio estabelecidas pela lógica de
comando da mesma, onde se configura a divisão de duas classes principais: a dos
donatários e a dos paroquianos. Os nativos e os escravos inseridos na base da
divisão social da época, não enquadravam-se, segundo Weber (1969), em grupos
de status. Os citados encontravam-se em uma posição de desprestígio, pois não
usufruíam de privilégios e por não terem a oportunidade de utilizar em proveito
próprio bens e serviços de mercado.
O incremento da produção cacaueira enreda a mudança dos atores na lógica
de divisão social de classes, entrando em cena os grandes produtores de cacau,
que detinham as forças influentes do poder local e comandavam a economia
regional. Nesse contexto, os escravos ainda não se encaixavam, segundo a ótica
weberiana, em qualquer grupo de status, pois apesar de estarem enquadrados na
dinâmica populacional, sua participação nas decisões organizativas da sociedade de
Itacaré eram nulas. O forte crescimento da economia cacaueira exacerbava ainda
mais as relações sociais, fazendo dos grandes proprietários da lavoura cacaueira
mais ricos e mais prestigiados em detrimento de uma classe escrava que não tinha
nenhuma “voz” naquele cenário.
O final do século XIX marca a introdução, por imigração, de sertanejos na
lavoura cacaueira, os quais fugindo das perversidades da seca nordestina ajudam a
compor o quadro social do município naquela época. Eles passam a representar,
juntamente com os trabalhadores já presentes na lavoura, a classe pobre
dependente exclusivamente do seu labor nas roças de cacau. Essa imigração
alcançar mais de 24 mil habitantes, sendo a grande maioria destes, mão-de-obra
barata ou gratuita (escravos) para as lavouras cacaueiras. Esse quadro reflete um
padrão social bastante díspar, que agrega em sua base (altamente larga) a
população desprovida de propriedades e recursos e no topo (estreito) da hierarquia
de poder e prestígio os grandes produtores de cacau.
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representou um aumento exorbitante da população no município, que chegou a
72
Com a crise da lavoura cacaueira, o turismo passa a ser a alternativa para o
crescimento econômico de Itacaré, porém, as relações de prestígio e poder só
mudaram de mãos, passando dos fazendeiros de cacau para os grandes
empresários ligados às atividades turísticas, permanecendo o quadro de divisão
social de classes em Itacaré pouco modificado. Neste momento, os trabalhadores da
lavoura cacaueira se voltam para a cidade, passando a enquadrarem-se na classe
proletária, em função dos novos empreendimentos voltados à prestação de serviços,
principalmente os turísticos.
A camada mais carente da população se “arranja” em áreas de limitações
naturais, como no caso das várzeas e encostas de morro, a exemplo do bairro da
Passagem e do Santo Antonio, enquanto que a camada social que detém o poder
econômico e o prestígio se mantém nas melhores áreas da cidade, como no caso do
loteamento Conchas do Mar I e II. Nestes lugares predominam empreendimentos
hoteleiros, além de residências com grandes padrões construtivos, sendo que
algumas delas chegam a tomar quarteirões inteiros. Esse quadro revela toda uma
configuração de segregação espacial que predomina não só em Itacaré, mas na
organização do espaço de diversas cidades brasileiras.
A evolução da expansão urbana de Itacaré, entre 1960 e 2003, também nos
permite perceber a segregação espacial e a divisão social de classes em Itacaré,
onde a partir da formação de bairros de alto padrão, como os Loteamentos Conchas
do Mar e do Outeiro de Santo Antonio, as classes de maior poder se estabeleceram,
inclusive por meio do deslocamento de antigos moradores dessas áreas para outros
bairros da cidade. Enquanto isso, em bairros periféricos se abrigavam as camadas
menos providas de recursos, como o bairro Santo Antonio e Passagem. Apesar
desse último ter evoluído e englobar alguns equipamentos urbanos melhor
bastante significativa.
Entremeados a essas duas realidades estão os bairros mais centralizados
como a Pituba e o Morimbondo, que apesar de terem algumas características de
bairros pobres, como residências de baixo padrão, apresentam também padrões
construtivos mais bem elaborados, e, em se pensando no fator estratificação,
representam, diante da realidade da cidade, áreas de classe média. Segundo
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estruturados, a exemplo de pousadas, ainda se evidencia uma situação de pobreza
73
Cupertino (1978) a denominação classe média é possível, dentro de uma ótica
weberiana, porque em toda estratificação que existem dois pólos pode-se assinalar
arbitrariamente setores médios ou intermediários.
A análise da degradação ambiental na cidade de Itacaré, também explica, em
parte, a atual situação social da cidade, onde as classes sociais de maior poder
aquisitivo são recobertas por uma rede de esgoto minimamente eficiente e uma
coleta periódica de lixo regular, enquanto que boa parte das camadas mais pobres
da sociedade ainda encontra-se convivendo com esgotos a “céu aberto” e
problemas na coleta do lixo.
De acordo com Trevisan (S/D) quando se coloca que processos de
degradação ambiental de variadas ordens resultam da má distribuição fundiária,
considerara-se que existe uma estrutura de classes em desequilíbrio como
pressuposto para a deflagração dessa degradação. Desse modo, enquanto os
grandes proprietários dos empreendimentos turísticos aceleram o processo de
novas construções em benefício próprio, a fim de acumular mais riquezas, as
camadas mais populares da cidade se debatem para conseguir um espaço, por
menor que seja, para se fixarem e tentar sobreviver, sendo ambas ações
propulsoras de impactos ao meio ambiente, na medida em que alteram a dinâmica
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dos solos, dos recursos hídricos, além de produzir a supressão vegetal.
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Resumen
El texto cubre los aspectos de la formación socioespacial y de la organización de lo
espacio de Itacaré en diversas fases de su historia. Apoyado en la revisión de la
literatura, es posible llevar a cabo un resumen del período histórico en que inició
hasta el momento en que el consejo fue nombrado "Itacaré", así como se esbozaron
los principales aspectos socioeconómicos de la región donde pertenece. Por otra
parte, este trabajo aporta resultados de una reciente investigación, que se llevaron a
cabo el análisis de la expansión urbana de la ciudad y el registro de sus principales
problemas de degradación del medio ambiente. Todos los temas desarrollado
culminó en un análisis integrado con la luz de la teoría Clasista. Se encontró que en
todas las épocas, desde sus orígenes hasta la actualidad, Itacaré se fija en espacios
regidos por la voluntad de la potencia dominante (la Corona Portuguesa, los
agricultores de cacao y, más recientemente, los empresarios turísticos), en que
siempre imperó en el desarrollo de las actividades económicas realizadas en el
municipio. Modificaciones imponen a la ciudad cambios funcionales de órdenes
sociales, económicos y estructurales, en particular con el paso del monocultivo de
caña de azúcar para los cultivos de cacao y, más recientemente, para la producción
de las actividades turísticas, que maneja la organización del espacio geográfica del
consejo, al máximo de una creciente expansión urbana y la aparición de casos de
degradación ambiental.
Palabras clave: Formación Socio-Espacial, la Organización del espacio, Itacaré,
Teoría Clasista.
Recebido em 01/03/2014
www.revistapindorama.ifba.edu.br
Aprovado em31/03/2014
ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77
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INTERCULTURALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUAS:
uma análise do Projeto Pedagógico Institucional – PPI do
IFBA
Mariana Fernandes dos Santos1
___________________________________________________________________
RESUMO
O artigo em questão analisa o Projeto Pedagógico Institucional
(adiante PPI) do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia da Bahia – IFBA, no sentido de compreender se o
referido documento contempla as perspectivas interculturais no
ensino e aprendizagem de línguas e em especial da Língua
Portuguesa. Para isso, tomamos como referencial teórico as
acepções da Linguística Aplicada no que tange sua ocupação
com questões de uso da linguagem, preocupando-se com a
relação entre linguagem, sociedade e cultura, bem como
ensino de línguas. O PPI do IFBA é o documento pedagógico
que contém a filosofia de ensino e administrativa do Instituto e
foi elaborado e aprovado no ano de 2008 quando a instituição
tinha caráter de CEFET, no ano de 2013 o documento entrou
em processo de reformulação2 na tentativa de identificar-se ao
novo referencial de Instituto.
PALAVRAS-CHAVE: Interculturalidade. Cultura. Ensino de
línguas. PPI.
1
Mestra em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Professora de
Linguagem do IFBA-Eunápolis. Coordenadora do Polo-Profuncionário IFBA/Eunápolis. Coordenadora
Adjunta UAB/IFBA. E-mail: [email protected].
2
O estudo e análise realizados neste artigo aconteceram no ano de 2012, antes da reformulação do
PPI.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Intercâmbios culturais entre sociedades coincidem com o início da história da
humanidade. De acordo com Canclini (2006), desde a Grécia Clássica e o Império
Romano, com as inúmeras trocas e interações ocorridas no Mediterrâneo, sempre
aconteceu o contato entre diferentes culturas, como foi o caso da expansão da
Europa em direção à América e a África.
Na contemporaneidade, fatos como o descrito acima, surgem com conceito
de interculturalidade, usado para nomear a convivência democrática entre culturas
diferentes, buscando a integração entre elas sem anular sua diversidade.
O termo vem sendo utilizado com frequência nos espaços educacionais, mas
além do contexto escolar, ganhou maior amplitude passando a ser discutido em
diferentes instâncias sociais.
Atualmente, a Linguística Aplicada adere a essa perspectiva a partir da
interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, redimensionamento da relação entre
teoria e prática, compreensão do sujeito social e orientação ética. Conceitos esses,
que estão diretamente ligados à interculturalidade.
No presente artigo analisamos o Projeto Pedagógico Institucional do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia-IFBA, com base nas
postulações da Linguística Aplicada no que se refere à interculturalidade.
Especificamente, o estudo faz uma análise no sentido de compreender se o
documento em questão contempla a interculturalidade em relação ao ensino na
instituição, bem como o que o documento tem de específico em relação ao ensino
de línguas.
contempla os princípios interculturais para o ensino e aprendizagem de línguas?
Dessa maneira, o objetivo deste estudo concentrou-se em analisar a partir dos
referenciais da interculturalidade, se o documento em questão contempla esse
referencial no ensino de maneira geral, e se isso reflete especificamente no que
tange ao ensino de línguas, considerando que essa é a discussão que embasa o
ensino e a aprendizagem de línguas na contemporaneidade.
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A questão de pesquisa que norteou a construção desse artigo foi: O PPI-IFBA
79
A estrutura do artigo está organizada da seguinte maneira: nas considerações
iniciais, damos uma visão geral sobre a temática em estudo e objeto a ser analisado;
no primeiro tópico, explicitamos a origem e consolidação do conceito de
interculturalidade e sua relação com espaço escolar; no tópico seguinte, fazemos
uma breve discussão sobre Linguística Aplicada e sua adesão às perspectivas
interculturais. Em seguida, temos o terceiro tópico que adentra a análise foco deste
trabalho, articulando os conceitos da interculturalidade com o documento que é o
objeto de estudo.
Finalizando o artigo, são escritas as considerações finais onde fazemos uma
reflexão crítica sobre o estudo, processo e resultado da análise aqui desenvolvida.
1. INTERCULTURALIDADE
A questão da diversidade cultural começa a ser tema de interesse de
cientistas sociais a partir do processo de descolonização ocorrido na África, América
Latina e Ásia, com o consequente fluxo numeroso de imigrantes vindos das excolônias para o continente europeu. Esse movimento migratório, que alcançou seu
auge nos anos setenta e oitenta do séc. XX, provocando uma transformação
demográfica em algumas cidades europeias, teve como consequência, o surgimento
de situações limites de tolerância.
a sociedade europeia foi forçada à convivência com o “outro”, que
até então vivia distante, “seguramente controlado”. O “outro”,
entendido como o ex-colonizado, frequenta agora as “ruas e praças,
mercados e igrejas, escolas e cinemas” cotidianamente, disputa
vagas de emprego, submete-se à tutela do estado que é responsável
por sua saúde, pela educação de seus filhos e por sua seguridade
social e traz consigo valores que colocam em cheque suas tradições
morais como instituição familiar e monogamia. (MOURA, 2005, p.30).
Nesse contexto, surgiu o conceito de interculturalidade, usado para indicar um
conjunto de propostas de convivência democrática entre diferentes culturas,
buscando a integração entre elas sem anular sua diversidade, ao contrário,
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Moura (2005), nos mostra como isso se desenvolveu quando explica:
80
“fomentando o potencial criativo e vital resultante das relações entre diferentes
agentes e seus respectivos contextos” (FLEURI, 2005, p. 26). O termo tem origem, e
vem sendo utilizado com frequência, nas teorias e ações pedagógicas, mas saiu do
contexto educacional e ganhou maior amplitude passando a referir-se também a
práticas culturais e políticas públicas.
A interculturalidade diferencia-se de outro termo bastante usado no estudo da
diversidade cultural que é o da multiculturalidade, que segundo Fleuri, (2005) indica
apenas a coexistência de diversos grupos culturais na mesma sociedade sem
apontar para uma política de convivência.
A consolidação do conceito de interculturalidade no contexto mundial deu-se
pelo crescimento dos processos mercantis de globalização que diminuíram o poder
de estados e nações hegemônicas, o que proporcionou maior interação entre povos
e a diminuição de fronteiras. Além disso, o desenvolvimento das tecnologias da
informação e comunicação permitiu o aumento dos contatos de pessoas e ideias, o
que proporcionou também, um maior contato entre as distintas culturas.
No panorama cultural vigente, Canclini (2004), aponta características
ambivalentes no contexto mundial: de um lado o processo de globalização, com
tendências de integração evidenciadas em práticas mercadológicas e ideológicas
homogeneizantes, do outro, a conscientização da fragmentação do planeta em uma
imensa diversidade cultural.
A globalização, quando compreendida nos aspectos políticos e econômicos,
versa para uma submissão da civilização mundial às práticas do mercado com a
predominância do modelo centro-periferia. Mas, ao considerarmos a cultura  como
fator subjacente às praticas econômicas, ou cultural, constatamos que o fenômeno
da globalização tem o efeito de tornar evidente a diversidade cultural do mundo e
a globalização também pode ser considerada “como uma complexa rede de
representações da sociedade e de diversidade de interesses, traduzidos nas
disputas das representações ideológicas, políticas e culturais que estão em curso
atualmente” (CANCLINI, 2004).

Tomamos como referência o conceito de cultura em Canclini (2004) que compreende cultura como o
conjunto de processos por meio dos quais grupos expressam imaginariamente o social e estruturam
as relações com outros grupos, marcando suas diferenças.
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direcionar para a necessidade de diálogo entre diferentes civilizações. Dessa forma,
81
Milton Santos (2000), também comunga com a ideia de ambivalência do
mundo globalizado, e considera a globalização como uma fábula que defende um
mercado avassalador global, supostamente capaz de homogeneizar o planeta,
quando na verdade, acentua as desigualdades locais. Enquanto o culto ao consumo
neste mercado global é incentivado, o mundo se torna mais distante de uma
verdadeira cidadania universal.
Em meio a esse cenário, entre culturas diversas, Canclini (2006), alerta sobre
dois conceitos que costumam se confundir: diferença e desigualdade. Apesar de
estarem na maioria das vezes, intrinsecamente relacionados, a desigualdade se
manifesta como desigualdade socioeconômica enquanto a diferença transparece
nas práticas culturais. No Brasil, isso pode ser ilustrado pelos casos em que culturas
hegemônicas utilizam o trabalho de culturas menos privilegiadas, por estas oferecem
mão de obra barata, diante de sua realidade social. É o que podemos chamar de um
caso de desigualdade socioeconômica.
No que tange à diferença, citamos a cultura negra, e sua contribuição
concentrada na construção da identidade nacional onde é fundamental destacar a
eleição do samba como símbolo da cultura brasileira, passando a representar a
referida, tanto no Brasil como no exterior. Segundo Vianna (1995), esse fato é
resultado das mediações entre os diversos grupos culturais ocorridas desde o fim do
século XIX.
Em meio a isso, a interculturalidade é um marco de desconstrução de
padrões engessados em vários campos do conhecimento, agindo como um meio de
reflexão sobre uma sociedade construída de maneira verticalizada em prol de um
mundo culturalmente ‘congregado’.
Nesse sentido, a Linguística Aplicada (LA), que se apresenta como uma
do seu objeto no processo histórico de seu desenvolvimento.
Assim, a LA deixou de ter a visão objetivista, em voga nos anos 80 e 90 do
século passado, quando se preocupava em resolver os problemas reais de uso da
linguagem, passando então, a ter uma visão intercultural de ensino de línguas de
forma subjetivista/interpretativa. Ou seja, buscou criar inteligibilidade sobre esses
problemas e não apenas entendê-los como uma questão linguística, mas também,
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disciplina sempre aberta às reformulações passou também a estabelecer mudanças
79
histórica e social. É o que falaremos melhor no próximo tópico quando
estabelecemos a relação entre LA e a perspectiva intercultural.
2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE LÍNGUAS
Multidisciplinar e abrangente, a Linguística Aplicada apresenta preocupações
com questões de uso da linguagem. Ela tem um objeto de estudo, princípios e
metodologia próprios, e já começou a desenvolver seus modelos teóricos. ‘Dada sua
abrangência e multidisciplinaridade, é importante desfazer os equacionamentos da
Linguística Aplicada com a aplicação de teorias linguísticas e com o ensino de
línguas (KLEIMAN, 1998, p.09)’.
A LA, como assim também é conhecida, demonstra-se com características,
nas quais se enquadram conjecturas que buscam atender ao processo de
aprendizagem autônomo e heterogêneo.
Segundo Moita Lopes (2006), atualmente, os aspectos que devem constituir a
LA são: interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, redimensionamento da relação
entre teoria e prática, compreensão do sujeito social e orientação ética. Esses
conceitos estão diretamente ligados a interculturalidade.
Os estudos e pesquisas concernentes ao ensino/aprendizagem de línguas
contam desde o século XIX com inúmeras investigações sobre a maneira mais
adequada de se ensinar. Assim, propostas de métodos e de abordagens de ensino
têm sido citadas e questionadas até os dias de hoje. Algumas de base estruturalista
e outras de base funcionalista, prevalece na contemporaneidade com relevante
evidência, a Abordagem Intercultural, proposta pela linguística aplicada. Essa
funciona como um meio de diálogos entre mundos culturais diferentes.
Segundo Mendes:
“[...] professores e profissionais da linguagem devem modificar ou
adaptar a sua prática no sentido de incorporar a língua como
dimensão complexa do humano, a qual extrapola o círculo fechado
do sistema de formas e regras, para assentar-se naquilo que nos faz
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abordagem centra-se na concepção de língua como algo além da forma, algo que
80
humanos: ser e estar socialmente no mundo” (MENDES, 2004,
p.137).
A Abordagem Intercultural tem como parâmetro o fato de que se as línguas
são marcadas pela diversidade linguístico-cultural – são diversos os usos
linguísticos que decorrem de aspectos culturais e sociais, também dos que a têm
como língua materna. Assim, tornam-se reducionistas quaisquer tentativas de se
trabalhar a língua em sala de aula somente do ponto de vista estrutural, gramatical,
de maneira descontextualizada.
Para Almeida Filho (2007), uma língua materna
“é uma língua que se presta à comunicação ampla desde a casa,
passando pela rua até a escola e os meios culturais. Ela é uma
língua em que se constitui a identidade pessoal, regional, étnica e
cultural da pessoa [...]” (ALMEIDA, 2007, p.64).
Por isso, para o mesmo autor, ensinar essa língua “[...] não mais se resume a
ensinar o seu sistema gramatical e a nomenclatura correspondente - ensinar sobre a
língua-alvo é ensinar metalinguagem” (Ibidem).
Nesse contexto, o ensino/aprendizagem de língua materna, pauta-se em
ensinar ao aluno a reconhecer-se em uma variedade e permitir a expansão dos seus
recursos linguísticos, para que assim ele consiga transitar pelas diversas variedades
da língua, sobretudo, pela de prestígio. Uma linha de trabalho que extrapole o
conhecimento formal da língua, ampliando-a em suas especificidades contextuais /
culturais.
No ensino/aprendizagem do português como língua estrangeira ou segunda
língua, é possível constatar que a estrutura da língua do aluno e da língua alvo de
cultural, que é responsável pela diferença de usos entre elas. O diálogo entre
culturas, pressuposto fundamental da interculturalidade, consiste na aproximação
entre as variantes dessa língua, de modo a não tomar a diferença como deficiência.
De acordo com Mendes (2008), o aprendizado da língua portuguesa como
língua materna, deve significar para os alunos, desenvolver competências para ser e
agir em sua própria língua com criticidade, em diferentes contextos. Nesse sentido, o
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aprendizagem (a padrão ou culta), é igual, sendo distinguida pelo componente
81
professor tem papel fundamental, por conduzir e orientar as experiências de uso da
língua em sala de aula.
Mendes (2004) discute a abordagem intercultural para o ensino/aprendizagem
de línguas a partir do português como segunda língua para o hispano-falante,
contudo, destina a reflexão sobre o processo geral de ensinar e aprender línguas
quando afirma:
[...] a força potencial que pretende orientar as ações de professores,
alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem
de uma nova língua-cultura, é o planejamento de cursos, a produção
de materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo de
promover a construção conjunta de significados para um diálogo
entre culturas (MENDES, 2004, p.154).
O que nos leva à constatação de que o ato de ensinar é algo muito mais
amplo que um simples método, por envolver as diversas dimensões do ensino: o
planejamento, a produção de materiais e a avaliação de todo o processo. É
compreender como o ensino de línguas pode favorecer a formação do sujeito para a
cidadania a partir da ampliação de suas competências comunicativo-interacionais.
Os conceitos constituintes da perspectiva intercultural devem contemplar o
desenvolvimento da competência comunicativa intercultural, por isso, acreditamos
ser pertinente, discutirmos um pouco sobre cada um, é o que faremos a seguir.
Interdisciplinaridade – pressupõe uma maior interação entre as disciplinas
curriculares tanto em quantidade como em qualidade.
Segundo Japiassu (1976), essa abordagem caracteriza-se pela presença de
uma axiomática comum a um grupo de disciplinas que se interconectam. Logo, é
disciplinas que irá nortear as ações e atividades interdisciplinares.
A própria linguística aplicada aderindo perspectivas sociocultural e sóciohistórica, desloca-se da linguística para outras áreas das ciências humanas e
sociais, buscando assim, ser interdisciplinar. Como ratifica Rojo (2006):
[...] esse movimento interdisciplinar de empréstimos é fundamental
para a emergência de muitos dos enfoques atuais em LA, que vão
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necessária a existência de um eixo ou um elemento de integração entre as
82
buscar em outras disciplinas seus fundamentos e métodos. [...] é na
psicologia social de Vygotsky e de seus seguidores que
pesquisadores em LA, voltados sobretudo para as políticas
linguísticas e o ensino de línguas, vão buscar seus instrumentos
iniciais de reflexão (ROJO, 2006 p.2 55).
Transdisciplinaridade - A cooperação neste caso dirige-se para a resolução
de problemas e cria-se a transdisciplinaridade pela construção de um novo modelo
de aproximação da realidade do fenômeno que é objeto de estudo. A
transdisciplinaridade exige uma interação entre as áreas do conhecimento para além
da interdisciplinaridade.
Nessa proposta, os limites disciplinares, a distinção entre pesquisa pura e
aplicada e as diferenças institucionais entre as escolas e a indústria, parecem cada
vez menos relevantes. A atenção é voltada para a área do problema, para o tema
alvo do objeto de estudo, dando preferência à atuação colaborativa em lugar da
individual. Para Celani (1998), a qualidade se avalia pela habilidade dos indivíduos
em realizar uma contribuição substantiva a um campo de estudos a partir de
organizações flexíveis e abertas.
Apesar de seu interesse interdisciplinar, a LA não deixa de lado o fazer
transdisciplinar, buscando ressignificar seus conceitos a partir das exigências de um
objeto de estudo, o que torna segundo (ROJO, 2006), “um estudo transdisciplinar e
não meramente aplicacionista ou interdisciplinar”.
Competência
comunicativa
intercultural
–
CCI
-
o
conceito
de
competência comunicativa tem sido aderido por décadas no ensino e aprendizagem
de línguas, no entanto, a evolução das sociedades modernas e as transformações
sociais exigem novas abordagens no tratamento de línguas que contemplem
comunicativa intercultural inicia-se com relação ao ensino de língua estrangeira e
concentra-se muito na discussão da aprendizagem da língua inglesa como segunda
língua.

As discussões sobre CCI são baseadas nas proposições teóricas de Byram (2006).
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questões de identidade, cultura e diversidade. O conceito de competência
83
O aprendiz deverá ter a oportunidade de passar por cada um dos
estágios de aprender, propostos por Delors (1996) , de modo a
desenvolver a competência comunicativa intercultural , que o levará à
aquisição de conhecimento e habilidade de usar a língua. Acima de
tudo, ele poderá desenvolver a conscientização sobre a importância
de viver em um mundo pluricultural, adotando, assim, uma atitude
mais positiva em relação à sua cultura e à cultura do outro
(OLIVEIRA, 2007, p.71).
A linguística aplicada, bem como as teorias em voga sobre ensino e
aprendizagem de línguas, ampliaram a concepção de competência comunicativa
intercultural para o ensino e aprendizagem de qualquer língua no contexto escolar.
Para autores como Byram (2006) e Moran (2000), o conceito de cultura é
compreendido em termos de comunicação intercultural, isto é, a habilidade e a
capacidade de entrar em uma outra cultura e comunicar eficazmente e
apropriadamente. A cultura é vista como um processo e tem um papel principal no
currículo. Temas culturais, aculturação, e educação intercultural são lidados
igualmente. O conhecimento e habilidades culturais passam ao centro do ensino.
Com isso, criam-se condições para o desenvolvimento da CCI no que refere à
aprendizagem de línguas. Na Figura1, a seguir, Byram nos mostra como ocorre essa

No Relatório da UNESCO sobre a educação para o século XXI, Delors apresenta os quatro pilares
para a educação do futuro: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver com o outro e
aprender a saber. Essas quatro modalidades de aprendizagem têm como base o processo de
aprender a aprender fundamentado na vivência do autoconhecimento.
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relação linguístico-cultural.
84
Figura 1 – Ilustração da relação linguístico-cultural segundo Byram
O citado autor traz uma ilustração que contribui didática e teoricamente na
compreensão do processo de ensino de línguas para uma aprendizagem
intercultural.
Considerando as postulações ditas, apontaremos a seguir como tais aspectos
também se revelam no Projeto Pedagógico Institucional – PPI do IFBA e quais suas
implicações quando isso não ocorre ou quando acontece de maneira equivocada.
3. PPI - IFBA E A INTERCULTURALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUAS
o PPI, bem como seus componentes constituintes. Em seguida, trataremos das
concepções gerais de ensino e interculturalidade, para então discutirmos sobre o
intercultural e ensino de línguas.
O Projeto Pedagógico Institucional foi construído no I CONGRESSO DO
CEFET-BA realizado pela Direção Geral (o que correspondia a reitoria no período),
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Inicialmente, exporemos o processo de construção do documento em análise,
85
quando em um fórum de debate democrático, objetivou-se a construção de um
documento que passou a ser chamado de PPI.
O evento aconteceu entre os dias 26 e 29 de setembro do ano de 2007, na
sede do Barbalho na cidade do Salvador. Foram convocados trezentos delegados/
delegadas, eleitos entre seus pares: 100 estudantes, 100 técnicos-administrativos e
100 docentes “que representaram e defenderam as posições majoritárias aprovadas
em reuniões setoriais que aconteceram ao longo do ano de 2007 em cada Unidade
de Ensino do CEFET-BA” ( PPI, p.1).
O I CONGRESSO contou com uma Plenária de Abertura, Plenárias
Temáticas, Grupos de Trabalho Temáticos e Plenária de Encerramento. O texto
construído a partir das contribuições dos grupos de trabalho do I CONGRESSO foi
encaminhado ao Conselho Diretor, instância máxima de deliberação do CEFET-BA,
e aprovado em reunião ordinária no dia 26 de março de 2008.
O PPI do IFBA é o documento pedagógico que contém a filosofia de ensino e
administrativa do Instituto, porém, foi elaborado e aprovado quando a instituição
tinha caráter de CEFET, por isso, no ano de 2013, foi reformulado para identificar-se
ao novo referencial de Instituto.
Iniciando as análises, na página inicial do documento, denominada Caminhos
da Construção do Projeto Pedagógico Institucional do CEFET-BA, vemos indícios de
Pretende-se que o Projeto Pedagógico Institucional do CEFET-BA
seja um documento vivo, referência para as ações educativas,
pois é a síntese de uma visão de mundo da comunidade, contendo a
percepção da educação frente à nova conjuntura tecnológica de
um mundo globalizado, indicando, considerando esta análise
conjuntural, as finalidades da educação técnica/tecnológica e o perfil
do profissional que deverá ser formado (PPI-IFBA, p.1).
Na parte em destaque (grifo nosso) da citação acima, vemos a preocupação
em adequar o documento às propostas de um novo pensar de educação no sentido
de contemplar as trocas culturais por conta do processo de globalização, e ainda,
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perspectivas interculturais, quando lemos:
86
pelo fato de ser um documento ‘vivo’, sua construção parte de discussões
democráticas, da participação efetiva de todas as instâncias da instituição.
Ainda nessa parte do documento, há a afirmação de que essa preocupação
destacada anteriormente são elementos que baseiam os princípios de ensino
(organização didática, níveis e modalidades), da pesquisa, da extensão, da gestão
da Instituição, a política de formação e o processo de acompanhamento e avaliação
do próprio PPI:
Com base nestes elementos posiciona-se quanto aos princípios do
ensino (organização didática, níveis e modalidades), da pesquisa, da
extensão, da gestão da Instituição, a política de formação e o
processo de acompanhamento e avaliação do próprio PPI,
constituindo-se em documento que deverá ser constantemente
visitado e atualizado pela Comunidade Acadêmica do CEFET-BA
(PPI-IFBA, p.1).
Na informação em destaque é possível perceber uma preocupação em
relação ao dialogismo, a discussão, a uma concepção de educação coletiva e
democrática.
No quarto parágrafo da página inicial, estão presentes princípios mediadores
da relação sociedade, administração e educação que congrega valores humanos
O CEFET-BA, no seu Projeto Pedagógico Institucional, assume como
princípios balizadores das relações sociais, administrativas e
educativas a igualdade e a solidariedade como os valores humanos
universais que garantem o respeito, a dignidade e o tratamento com
equidade a todos os cidadãos e cidadãs; a inclusão como princípio
de respeito às diferenças e o atendimento às necessidades
prementes da maioria da população brasileira; a sustentabilidade
como princípio de promoção humana e das suas relações com a
sociedade e a natureza e, por fim, a democracia, como elemento
fundante de toda e qualquer ação, individual ou coletiva,
desenvolvida na Instituição, não apenas como método de consulta,
mas como método de construção das relações sociais, acadêmicas e
administrativas (PPI-IFBA, p.1).
O texto segue na linha intercultural quando diz que assume o trabalho como
princípio educativo e reafirma sua visão da educação profissional e tecnológica
como direito e bem público essencial para a promoção do desenvolvimento
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universais:
87
humano,
econômico
e
social,
comprometendo-se
com
a
redução
das
desigualdades sociais e regionais.
Mas, é possível perceber uma inicial contradição na sequência textual,
quando é utilizado o termo missão, postulando que a missão, por conta da
aprovação do PPI foi então atualizada e ficou assim definida, escrita em caixa alta
no documento:
Promover a formação do cidadão histórico-crítico, oferecendo ensino,
pesquisa e extensão com qualidade socialmente referenciada,
objetivando o desenvolvimento sustentável do país. (PPI, p.2).
Essa contradição refere-se ao fato de ser utilizado o termo missão, que é de
caráter empresarial e militar, pautado na visão tecnicista de educação, em um
contexto teórico de embasamento na práxis pedagógica da pedagogia históricocrítica, perspectiva que refuta a concepção tecnicista de educação. Como afirma um
dos representantes dessa pedagogia:
Esta concepção nasceu das necessidades postas pela prática de
muitos educadores, pois as pedagogias tradicionais, nova e
tecnicista não apresentavam características historicizadoras; faltavalhes a consciência dos condicionantes histórico-sociais da educação
(SAVIANI, 2007, p. 30).
Dessa maneira, evidenciamos que a Pedagogia Histórico-Crítica como é
chamada por Dermeval Saviani, é Histórico, porque nesta perspectiva a educação
também interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua transformação, é
Crítica, por ter consciência do papel exercido pela sociedade sobre a educação.
Essa contradição do termo em relação à concepção de práxis pedagógica no
voltado especificamente para o mercado de trabalho, visando à formação de
profissionais para as empresas no contexto industrial, o que demonstra a dificuldade
em desconstruir práticas cristalizadas para a ressignificação de novos paradigmas.
Vemos então a real necessidade de reformulação do Projeto.
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PPI pode ser explicada pela prática inicial dos CEFETs, ter um caráter técnico e
88
Dando continuidade, no tópico do projeto, a concepção de instituição de
ensino-a escola que queremos na parte referente aos princípios filosóficos e teóricometodológicos gerais que norteiam as práticas acadêmicas da instituição, temos:
Os novos processos sociais e de trabalho exigem uma nova
pedagogia e uma nova epistemologia. A nova pedagogia formará e
educará cidadãos críticos e profissionais competentes, com
autonomia ética, política, intelectual e tecnológica, pois a construção
do conhecimento e sua socialização serão resultado do trabalho
social e das relações que são empreendidas entre o mundo do
trabalho, da cultura, das ciências e das artes. (PPI, p.30)
Nessa parte, lemos a preocupação de uma formação discente comprometida
com o desenvolvimento integral do ser humano orientado por valores éticos, sociais
e políticos.
Na sequência do texto, nas partes em destaque, há uma relação com a
discussão do quadro de Byram concernente à competência comunicativa
incultural: habilidades de descobrir, atitudes-curiosidades/abertura, conscientização
crítica cultural, habilidades de interpretar/relacionar.
Para formar o cidadão crítico em uma perspectiva emancipatória,
proposta neste Projeto Pedagógico Institucional, faz-se necessário
uma formulação curricular que o instrumentalize para a compreensão
do mundo e das formas de nele atuar. Para tanto é preciso utilizar,
na plenitude, a autonomia didática, e da flexibilidade estrutural e
pedagógica conquistadas, no sentido de realizar uma
organização curricular que: capte o que é central na
especificidade de cada área do conhecimento/prática de
trabalho (...) (PPI, p.72-73).
Nas partes citadas abaixo, temos a referência à interdisciplinaridade
quando dito sobre autonomia didática e flexibilidade no sentido de uma prática que
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Com a construção do seu Projeto Pedagógico Institucional, o
CEFET-BA (IFBA) almeja o rompimento do paradigma da mera
transmissão de saber, encaminhando-se para a uma prática
educativa baseada numa pedagogia crítica, cujo objetivo
principal é permitir ao futuro profissional desenvolver uma visão
social da evolução da tecnologia, das transformações oriundas do
processo de inovação e das diferentes estratégias empregadas para
submeter os imperativos econômicos às condições da sociedade. Tal
prática educativa deve promover o desenvolvimento do senso
crítico em relação ao mundo, sendo este desenvolvimento pautado
nos princípios de igualdade, solidariedade e sustentabilidade (PPI,
p.33).
89
capte o que é central (um eixo norteador) para que as áreas se intercalem no ensino
a partir de seus conhecimentos específicos.
Há ainda uma preocupação em fundamentar o documento também pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais partindo do inter para o transdisciplinar.
Articular, por meio de uma metodologia interdisciplinar, eixos
que estão contemplados nos PCN’s como: meio ambiente,
sexualidade, gênero, drogas, entre outros relevantes para a
sociedade (Diretrizes Gerais para o Ensino, Pesquisa e Extensão.
PPI, p.37).
No excerto que segue, ocorre referência a uma ação pedagógica além da
interdisciplinaridade a partir de valores e saberes e não de conteúdos. A trans tem
como fundamento a construção sistêmica do conhecimento para a efetividade de
uma ciência unificada sem fragmentação - é religar os saberes sociais, linguísticos,
físicos e naturais.
O CEFET-BA, no seu Projeto Pedagógico Institucional, assume como
princípios balizadores das relações sociais, administrativas e
educativas a igualdade e a solidariedade como os valores
humanos universais que garantem o respeito, a dignidade e o
tratamento com equidade a todos os cidadãos e cidadãs; a
inclusão como princípio de respeito às diferenças e o atendimento
às necessidades prementes da maioria da população brasileira; a
sustentabilidade como princípio de promoção humana e das suas
relações com a sociedade e a natureza e, por fim, a democracia,
como elemento fundante de toda e qualquer ação, individual ou
coletiva, desenvolvida na Instituição, não apenas como método de
consulta, mas como método de construção das relações sociais,
acadêmicas e administrativas (PPI, p.1).
instituição e sua função social tanto em relação à comunidade escolar (professores,
servidores e alunos) bem como a tríade ensino, pesquisa e extensão:
Unificação entre cultura/conhecimento e trabalho: será buscada a
superação da dualidade estrutural antidemocrática, própria da lógica
excludente, desenvolvendo uma cultura que unifique as funções do
pensar e do fazer.
Integração da formação técnico-científica e histórico-crítica: a
integração multidisciplinar permitirá a geração, transmissão e
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As partes seguintes contemplam a questão intercultural articulando o papel da
90
utilização do conhecimento produzido pelo ensino e pesquisa
aplicada, para a solução de problemas econômico-sociais da região.
A vinculação estreita com a tecnologia, destinada à construção da
cidadania, da democracia e da vida ativa de criação e produção
solidárias em perspectiva emancipatória (Princípios orientadores da
Pesquisa, Ensino e Extensão.PPI,p.34).
Articular as atividades de pesquisa e extensão às necessidades
da comunidade todos os domínios sociais para os quais a
escola tenha potencial de atuação, quer seja nos âmbitos
tecnológicos, artísticos, ambiental, cultural, político e educacional
como mecanismos de consecução da função social do CEFET-BA.
Instituir um programa de integração escola-comunidade (escola
aberta), como oferta de cursos, palestras e atividades socioculturais,
artísticas e desportivas, educação ambiental e atendimento de outras
demandas identificadas junto à comunidade.
Ampliar os programas de integração escola-comunidade (escola
aberta), com oferta de cursos, palestras e atividades socioculturais,
artísticas, esportivas. (Diretrizes gerais para o Ensino, Pesquisa e
Extensão. PPI, p.36).
Viabilizar espaços sistemáticos de integração, intercâmbio
cultural e convivência entre a comunidade acadêmica, a exemplo de
encontros por área, seminários temáticos, listas de discussão, grupos
de trabalho, revistas (DGEPE – p. 37).
No que tange a Interculturalidade e ensino de línguas o PPI-IFBA
pressupõe o seguinte:
Incluir no currículo dos cursos do CEFET-BA (IFBA) o que determina
a Lei nº 10.639/2003, com relação ao ensino da história e cultura
da África e Afro-brasileira; o que preconiza o Decreto nº 3.298/199
sobre a obrigatoriedade da oferta da língua espanhola (Diretrizes
Gerais para o Ensino, Pesquisa e Extensão - PPI, p.37).
A interculturalidade em relação ao ensino de línguas nos trechos das páginas
37 e 48 está na prioridade em ofertar outro idioma diferente do materno, o que
possibilita um conhecimento intercultural linguístico e aquisição de novas
tecnologias, além da adequação às necessidades e exigências contemporâneas.
Além disso, a lei 10.639/2003, mais do que uma discussão intercultural, é uma
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Priorizar a oferta de um segundo idioma (inglês/espanhol) a
todos para facilitar a política de qualificação dos servidores,
especialmente, na pós-graduação, no intercâmbio e na aquisição de
novas tecnologias. (Diretrizes para a formação e desenvolvimento
profissional – PPI, p.48).
91
legitimidade em relação à importância de conhecermos outras culturas, no sentido
de perceber as origens de nossas identidades e respeitar a do outro.
Na página 72 do documento, não há uma discussão específica para o ensino
e aprendizagem de língua portuguesa em relação à interculturalidade, mas ocorre
uma retomada da interdisciplinaridade na seleção de conteúdos, concepção de
avaliação da aprendizagem e de currículo, o que também envolve questões
interculturais quando explicita sobre a formação de cidadãos críticos em uma
perspectiva emancipatória, superando a disciplinaridade. Isso demonstra uma
sensibilidade aos contextos culturais discentes.
Para formar o cidadão crítico em uma perspectiva emancipatória,
proposta neste Projeto Pedagógico Institucional, faz-se necessário
uma formulação curricular que o instrumentalize para a compreensão
do mundo e das formas de nele atuar. Para tanto é preciso utilizar,
na plenitude, a autonomia didática, e da flexibilidade estrutural e
pedagógica conquistadas, no sentido de realizar uma organização
curricular que: capte o que é central na especificidade de cada área
do conhecimento/prática de trabalho; compreenda os processos de
assimilação/apropriação dos conhecimentos e estabeleça a
mediação entre os conhecimentos e os processos de sua
assimilação/apropriação, apontando para caminhos que superem
as práticas educativas disciplinares e produzam a possibilidade de
construção inter/multi/transdisciplinar do conhecimento. (PPI, p.7273).
A abordagem interdisciplinar compreendida pelo PPI pressupõe um nível de
inter-relacionamento entre as disciplinas que compõem o currículo escolar como
tentativa de articular saberes, no entanto, para haver essa integração é necessária
a existência de um eixo ou elemento de integração, como prevê os PCNs: “a
interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de
conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção” (BRASIL,
No documento em estudo, o eixo integrador configura-se no mundo do
trabalho, onde a atenção dos saberes deve voltar-se a isso. Como podemos
perceber na ilustração que apresentamos na sequência (Figura 2).
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2000, p. 88).
92
Figura 2 – Esquema da relação entre diversos saberes tendo o trabalho como eixo integrador
Fonte: elaboração da autora .
Apesar da tentativa interdisciplinar, o documento traz em sua base a
referência à abordagem curricular multidisciplinar que é muito comum nas
organizações escolares em geral. Nessa abordagem, cada disciplina desenvolve
seus conteúdos de maneira isolada, sem se inter-relacionar com outras disciplinas.
O que destoa do pensamento histórico-crítico que até o momento vimos no projeto e
das passagens de interculturalidade.
Nesse sentido, entendemos que mesmo sendo citadas a todo o momento, a
trans e a inter não caracterizam os fundamentos da práxis na instituição de forma
maciça. Contudo, evidencia-se no PPI a preocupação em dimensionar essa
realidade e superar a construção de conhecimento de forma homogênea, isolada e
transformações políticas, econômicas, educacionais, culturais e sociais na ação
pedagógica.
O caráter transdisciplinar muito mais que o inter é defendido pelos teóricos da
LA como uma proposta de estudo dos fenômenos linguísticos além das fronteiras
das ciências que se ocupam desses fenômenos. No entanto, observamos que
construir ciência sem os paradigmas consagrados pelo próprio meio científico é uma
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descontextualizada, para a complexidade que permite a compreensão de
93
postura inovadora, diante do contexto ideológico da sociedade atual, que a LA
ousadamente lança como proposta realizável.
Sobretudo, é importante reconhecermos o caminho inverso proposto pela LA
que, diferentemente da maioria das ciências, não tem como ponto de partida
elaborações teóricas defendidas nas academias, percorre de situações práticas às
discussões teóricas, e assim, identifica as concepções que atendam às
necessidades do estudo sobre uma determinada situação real de uso da linguagem.
Dessa forma, a LA contribui não apenas para solucionar os problemas da prática,
mas também na reelaboração de teorias que tenham como objeto os fenômenos
linguísticos, e assim, há uma constante (re)construção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O PPI-IFBA traz em seu fundamento a interculturalidade em várias partes do
referido documento. Nessa contemplação, temos diversidade cultural, variação
linguística, intercâmbio cultural, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Porém,
em muitas partes do texto é perceptível o tratamento intercultural muito mais por
questão de obrigatoriedade legal do que base filosófica.
Em meio a isso a uma grande preocupação na superação de práticas
pedagógicas multidisciplinares para uma ação pedagógica a partir de saberes que
vão além de conteúdos e transmissão de conhecimento, que verse no sentido de
uma prática baseada em valores culturais e contextualização do saber.
O documento não apresenta uma discussão específica em relação ao ensino
e aprendizagem de línguas e nem de língua portuguesa como língua materna. No
Apesar de trazer a interculturalidade em parte do seu fundamento, na prática,
é preciso repensar a formação docente para essa perspectiva. No caso do ensino de
línguas a LA pode contribuir muito para a ressignificação da práxis em prol do ensino
focado nas práticas sociais de linguagem.
Outro desafio frente a isso é perceber se o material didático e as práticas que
estão sendo efetivadas refletem os fundamentos interculturais que o projeto
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geral, não há essa discussão específica em nenhuma área do conhecimento.
94
sumariamente propõe. E para além da inter, a transdisciplinaridade precisa ser
pensada no PPI.
Em suma, a relevância deste trabalho é perceber de que maneira as
discussões acadêmicas estão sendo contempladas no contexto escolar e sua
relevância para que não fiquemos no limite academicista e avancemos na busca de
extensionar a produção de conhecimento à sociedade.
Ademais, o PPI entrou em processo de reformulação, portanto, o estudo em
questão, muito contribuirá na ressignificação da base filosófica que fundamenta o
trabalho pedagógico da instituição, estabelecendo assim, um estudo comparativo e
reflexivo no sentido de (re)construir uma proposta que vise a construção de um
projeto contemplador de fundamentos de ensino e aprendizagem que reflitam os
princípios
da
Instituição
contextualizados
às
transformações
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contemporâneas.
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Recebido em 26/10/12
Aprovado em 12/12/2012
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Avaliação da qualidade de vida dos portadores de insuficiência
renal crônica em hemodiálise
Fernanda Costa Martins1
Claudia Graça Cerqueira2
___________________________________________________________________
RESUMO
A doença renal crônica constitui um grande problema de saúde
pública, podendo levar o portador a necessitar de tratamento
hemodialítico, o que causa uma série de mudanças e
restrições, que comprometem a sua qualidade de vida. Com o
intuito de avaliar a qualidade de vida auto referida do portador
de Insuficiência Renal Crônica (IRC) em Hemodiálise (HD),
realizou-se um estudo observacional, de cunho descritivo, com
abordagem quantitativa. Os dados foram coletados no período
de novembro e dezembro de 2011, por meio de um
questionário validado (SF-36) referente a qualidade de vida. A
amostra de conveniência, compôs-se de 10 pacientes com IRC
submetidos à HD. Quanto a Qualidade de vida (QV) foi
observado que: 80% da população referiu dor em alguma
intensidade, que 70% realizam HD entre 1-7 anos, 70% relatam
sentir falta de atividades que antes eram realizadas
frequentemente, 50% da população alegam que a dor interferiu
no trabalho e/ou em suas atividades cotidianas, 80% da
população considera sua saúde excelente e boa. Essa
pesquisa sugere ampliar os estudos a respeito da QV do
portador de IRC, pois dessa forma discussões poderão ser
aprofundadas no sentido de auxiliar no preenchimento de
1
Graduada em enfermagem pela UNIRB – Alagoinhas/BA, Pós graduada em Saúde Coletiva com
ênfase em Saúde da Família pela Faculdade Santíssimo Sacramento – Alagoinhas/BA. Endereço
eletrônico: [email protected].
2
Graduação em Odontologia e mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Feira de
Santana. Doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Professora adjunta da
Universidade Estadual de Feira de Santana e Coordenadora do curso de Pós–graduação em Saúde
coletiva com Ênfase em Saúde da Família, da Faculdade Santíssimo Sacramento – Alagoinhas/BA.
lacunas existentes devido aos poucos estudos sobre QV
desses pacientes.
Palavras-chave: Qualidade de vida; Insuficiência Renal
Crônica; Hemodiálise.
INTRODUÇÃO
A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome clínica que tem
etiologia variada, podendo ser resultante de doenças que atingem primariamente os
rins, ou de doenças sistêmicas, que secundariamente os compromete. É
considerada atualmente um problema de saúde pública no Brasil devido às elevadas
taxas de morbidade e mortalidade (MARTINS; CESARINO, 2005), apresentando um
impacto negativo sobre a qualidade de vida (QV) desses indivíduos.
Conforme o censo de 2010 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, existem
92.091 pacientes em tratamento de diálise, e estima-se que 18.972 destes pacientes
tenham iniciado o tratamento em 2010, sendo 90,6% tratados por hemodiálise(HD) e
9,4% por diálise peritoneal. As estimativas nacionais das taxas de prevalência e de
incidência de insuficiência renal crônica em tratamento dialítico foram de 483 e 100
pacientes por milhão da população, respectivamente. A taxa anual de mortalidade
bruta pela doença chegou a 17,9% no ano de 2010, e o custo do tratamento é
financiado em sua maioria pelo Sistema Único de Saúde.
Tratamentos variados estão disponíveis e substituem parcialmente a função
destacar dentre eles a diálise peritoneal ambulatorial, a diálise peritoneal
automatizada, a diálise peritoneal intermitente, a hemodiálise e o transplante renal.
Pacientes renais crônicos têm aumentado à sobrevida, haja vista aos avanços
tecnológicos e terapêuticos na área da diálise, no entanto, estes apresentam
algumas limitações, interferindo assim na qualidade de vida (MARTINS; CESARINO,
2005).
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renal, aliviando os sintomas da doença e preservando a vida do paciente. Pode se
102
Segundo Thomas e Alchieri (2005), o impacto do diagnóstico e do tratamento
dialítico pode levar o paciente renal crônico a um progressivo e intenso desgaste
emocional devido à necessidade de submeter-se a um tratamento longo que
ocasiona limitação física e diminuição da vida social. Cesarino e Casagrande (1998)
enfatizam que o doente renal crônico vivencia uma brusca mudança no seu viver,
convive com limitações, e com um tratamento doloroso que é a hemodiálise.
Recentemente, têm se voltado às atenções para uma nova terapêutica que
vise à qualidade de vida do paciente renal crônico, na tentativa de alcançar um
estado de bem estar físico e mental, o que acarretaria na recuperação das
atividades de trabalho, da autonomia, da preservação da esperança e do senso de
utilidade desses indivíduos (MARTINS; CESARINO, 2005). Nesse contexto, as
avaliações de qualidade de vida começam a fazer parte do dia a dia da prática
clínica, englobando o impacto que a doença e o tratamento representam nas várias
dimensões do indivíduo (FERREIRA; SANTANA, 2003 apud ANES, 2009).
Diante dessa realidade e dos questionamentos apresentados, surge o
principal questionamento deste estudo: Quais fatores influenciam na qualidade de
vida do portador de IRC em tratamento de HD?
Para tanto, propõe-se através desta pesquisa, identificar a qualidade de vida
auto referida do portador de IRC em hemodiálise. A discussão deste tema torna-se
relevante, devido não somente a magnitude do problema, como em específico no
local de estudo, uma vez que, há escassez de dados regionais que forneçam
informações sobre a QV do paciente renal crônico, o que pode favorecer a um
planejamento de ações de saúde que melhor contemple a problemática em questão.
1. METODOLOGIA
quantitativa de corte transversal, onde foi avaliada a qualidade de vida dos
portadores de insuficiência renal crônica em tratamento de Hemodiálise. Optou-se
por este tipo de estudo por apresentar objetividade na coleta de dados e tratar-se de
um estudo rápido, com baixo custo, sendo útil no planejamento de saúde e
levantamento de questões.
Este estudo foi desenvolvido em uma clínica situada em Alagoinhas/BA,
município localizado no leste baiano, estando a aproximadamente 110 km da capital,
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Trata-se de um estudo observacional, de cunho descritivo, com abordagem
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Salvador. Possui uma área de 734 km² e conta com cerca de 142.160 moradores, de
acordo com os dados do IBGE 2010.
A clínica é especializada em Nefrologia e Hemodiálise que presta
atendimento aos pacientes do município de Alagoinhas e áreas circunvizinhas. É
uma clínica conveniada ao SUS e possui capacidade para atender 136 pacientes,
distribuídos em dois turnos com dias específicos (segunda, quarta e sexta / terça,
quinta e sábado), sistematicamente organizados pela clinica.
Dispõe de capacidade distribuída em dois ambientes denominados sala
branca que possui 32 pontos de atendimento para a realização da hemodiálise e a
sala amarela que possui 2 pontos para atendimento ao paciente HIV+.
Esta pesquisa contemplou 10 pacientes em tratamento de Hemodiálise,
caracterizando-se como uma amostra de conveniência. Os participantes foram
escolhidos de acordo com a adequação aos critérios de inclusão (maiores de 18
anos, submetidos a sessões de diálise há mais de três meses e concordarem com o
estudo) e exclusão (estado de consciência ou desorientação, ou estado de saúde do
paciente que impossibilite comunicar-se com o pesquisador).
Todos os indivíduos convidados foram informados acerca dos objetivos da
pesquisa, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(vide Apêndice A), conforme recomendações da Resolução 196/96 e somente
aqueles que aceitaram livremente e assinaram o TCLE participaram deste estudo.
Os dados coletados foram organizados em um banco de dados e analisados
quantitativamente pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS),
versão 9.0. Após análise os dados foram convertidos em forma de gráficos e tabelas
construídos a partir do Microsolf Office Excell. Estes foram usados para objetivar a
apresentação das ideias e fornecer meios para interpretação mais fácil dos dados.
Após aplicação do método proposto, obteve-se o perfil dos pacientes em
estudo, onde observou-se que 60% dos pacientes entrevistados são do sexo
masculino (gráfico 1), com idade variando entre 19 e 47 anos (mediana de 34 anos)
(gráfico 2).
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2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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masculino
feminino
40%
60%
Gráfico 1 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com sexo, Alagoinhas,
2011.
50%
50%
19 - 34 anos
> 35 anos
Gráfico 2 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com a idade, Alagoinhas,
2011.
Conforme o censo 2010 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, 57% dos
portadores de IRC são do sexo masculino, e 67,7% têm idade entre 19 a 64 anos.
Uma provável justificativa do maior número de pacientes submetidos a HD
serem homens, é que dentre as principais causas da IRC, encontra-se a
Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) – que em muitos casos leva o paciente a
necessitar de terapia renal substitutiva – e segundo Terra (2007), a HAS apresenta
uma prevalência nos homens quase três vezes maior que nas mulheres.
O grupo estudado apresenta grau de escolaridade baixo, tendo em vista que
40% dos entrevistados não concluíram o primeiro grau, 20% possui o primeiro grau
completo, 30% concluiu o segundo grau e 10% da população apresenta nível
quem tem
maior
escolaridade
possui mais recursos intelectuais para
o
enfrentamento da doença.
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superior (gráfico 3). Quanto à escolaridade Martins e Cesarino (2005) afirmam que,
105
Gráfico 3 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com o grau de
escolaridade, Alagoinhas, 2011.
A baixa escolaridade implica em diversos riscos que elevam o número de
complicações das pessoas submetidas à hemodiálise, isso porque não se trata de
um fato isolado, visto que quase sempre a baixa escolaridade advém da escassez
de recursos. Dessa forma, pode-se inferir que essas pessoas tendem a apresentar
uma menor compreensão das informações dadas pelos profissionais de saúde,
desconsiderando muitas vezes atitudes que poderiam evitar ou diminuir os riscos de
uma complicação durante a sessão de hemodiálise.
O gráfico 4 apresenta a distribuição percentual da população estudada de
acordo com o tempo de hemodiálise. Observou-se que 70% dessa população realiza
diálise de 1 à 7 anos e 30% a mais de 14 anos.
Gráfico 4 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com o tempo de
Hemodiálise, Alagoinhas, 2011.
hemodialítico, maiores serão as estratégias desenvolvidas pelos indivíduos para o
enfrentamento tanto da doença quanto do tratamento.
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Segundo Cordeiro et.al. (2009), quanto maior o tempo de tratamento
106
Beber
10%
Comer
10%
Ensinar
10%
Trabalhar
20%
Jogar bola
20%
Não sente falta
30%
0%
10%
20%
30%
40%
Gráfico 5 – Distribuição percentual da população estudada de acordo à auto percepção
relacionada ao sentimento de falta de atividade de lazer e /ou trabalho, Alagoinhas, 2011.
Quando questionados sobre a falta de desenvolver algum tipo de atividade,
apenas 30% dos pacientes referiram não sentir falta de nada. Os outros 70%
relatam sentir falta de atividades que antes eram realizadas frequentemente como:
beber (10%), comer (10%), ensinar (10%), trabalhar (20%) e jogar bola (20%)
(gráfico 5).
Em estudo acerca da qualidade de vida de pacientes em HD constatou-se
que, para mais de 50% dos entrevistados a rotina do tratamento hemodialítico ocupa
todo ou grande parte do tempo, limitando assim a realização de atividades
significativas (GOMES, 1997).
A avaliação de qualidade de vida pelo paciente renal crônico submetido à
hemodiálise está relacionada à forma como os mesmos percebem sua própria vida e
como conduzem seu cotidiano. A reação frente ao diagnóstico e ao tratamento difere
de pessoa para pessoa, mas todos têm necessidade de reaprender a viver, e isto é
visto como indispensável.
Neste estudo a qualidade de vida do paciente renal crônico submetido à
hemodiálise foi avaliada por meio do instrumento genérico de QV, SF – 36.
física no instrumento SF-36. O estado físico é avaliado a partir da existência de dor,
desempenho nas atividades diárias e locomoção (funcionalidade) e percepção
subjetiva do estado geral de saúde.
Ao serem analisados os pontos relacionados à QV física, é possível perceber
que todos eles possuem uma QV satisfatória em relação ao estado físico. Ela é
menor em relação ao item Dor, pois 80% dos pacientes referem dor em alguma
intensidade como mostra o Gráfico 6, sendo que 50% da população alegam que a
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A Dimensão Física da qualidade de vida é avaliada pelo componente saúde
107
dor interferiu no trabalho e/ou em suas atividades cotidianas (Gráfico 7), apontando
assim uma QV um pouco menor.
Muito grave
20%
Grave
10%
Moderada
10%
Leve
30%
Muito leve
10%
Nenhuma
20%
0%
10%
20%
30%
40%
Gráfico 6 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com grau de dor no
corpo durante as últimas quatro semanas, Alagoinhas, 2011.
Extremamente
10%
Bastante
20%
Um pouco
20%
De maneira nenhuma
50%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Gráfico 7 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com Interferência no
trabalho/atividades cotidianas devido à dor, Alagoinhas, 2011.
A funcionalidade, avaliada pela capacidade de locomoção e de desempenho
das atividades diárias, como capacidade de cuidar-se, vestir-se, tomar banho e subir
escadas, são avaliadas a um nível médio. O portador de IRC consegue realizar suas
atividades de vida diária, sofrendo uma diminuição da funcionalidade referente às
atividades que requerem mais esforço ou que tenha que carregar peso. 70%
Itens
Sim, muito
Sim, um pouco
Não
3a - Realizar atividades rigorosas
40%
30%
30%
3b - Realizar atividades
moderadas
10%
0%
90%
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apresenta dificuldade, conforme mostra a tabela 1.
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Itens
Sim, muito
Sim, um pouco
Não
3d - Subir vários lances de
escada
10%
20%
70%
3f - Curva-se, ajoelhar-se ou
dobrar-se
20%
0%
80%
3g - Andar mais de 1 quilômetro
10%
30%
60%
0%
10%
90%
3j – Tomar banho ou vestir-se
Tabela 1. Distribuição percentual da dimensão capacidade funcional do componente saúde
física relacionada ao questionário de qualidade de vida SF-36. Alagoinhas-Ba, 2011.
Tais resultados podem influenciar numa qualidade de vida boa e/ou excelente
dos insuficientes renais crônicos, uma vez que, muitos pacientes encontram na
terapêutica hemodialítica, uma forma de prolongar e aumentar sua sobrevida, fato
que justifica os resultados encontrados.
CONCLUSÃO
A IRC é uma das patologias crônicas mais incidentes no Brasil, sendo
responsável por um significativo índice de morbimortalidade. No presente estudo foi
observado que os indivíduos submetidos à hemodiálise apresentaram uma redução
na qualidade de vida quando relacionada ao domínio do “papel profissional” e a
“auto avaliação de dor” e, maior qualidade referente ao domínio “aspectos
Os pacientes que lidam com a realidade da hemodiálise vivem um misto de
sentimentos que vão desde a esperança de uma sobrevida melhor à depressão.
Para Coutinho et al. (2010), as dimensões referentes ao componente de saúde física
e mental desses pacientes podem ser expressas de forma significativa partindo das
sensações de perdas, frustrações e limitações impostas pelo tratamento e pela
doença. No entanto, o fato dos indivíduos entrevistados estarem sendo acolhidos e
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emocionais”.
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orientados numa unidade especializada que se destina ao tratamento da IRC, pode
ter contribuído para uma avaliação positiva da QV desses pacientes.
Ao final deste trabalho observou-se que o objetivo de aprofundar a
compreensão e discussão a respeito da QV do portador de IRC em Hemodiálise foi
alcançado e que a metodologia proposta foi pertinente. Contudo, é importante
ressaltar que a amostra de conveniência adotada traz limites nas considerações por
se tratar de um grupo restrito de pacientes renais em HD. Nesse sentido essa
pesquisa sugere ampliar os estudos a respeito da QV do portador de IRC, pois
dessa forma discussões poderão ser aprofundadas no sentido de auxiliar no
preenchimento de lacunas existentes devido aos poucos estudos sobre QV desses
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pacientes.
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THOMAS, C. V; ALCHIERI J. C. Qualidade de vida, depressão e características
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Avaliação
Psicológica, 4(1), 2005, pp. 57-64.
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ABSTRACT
The Chronic kidney disease is a big public health problem, which may lead the holder
to need hemodialysis (HD), which causes a lot of changes and restrictions that impair
their quality of life. Aiming to identify the self-reported life quality(LQ) of patients with
Chronic Renal Failure (CRF) on hemodialysis, there was an observational study with
descriptive and quantitative approach. Data were collected between November and
December 2011, using a validated questionnaire (SF-36) related to quality of life. The
convenience sample consisted of 10 patients with CRF undergoing HD. As LQ was
observed that: 80% of the population reported pain intensity in some, that 70% carry
HD between 1-7 years, 70 % report feeling a lack of activities that were carried out
frequently, 50 % of the population claim that pain interfered at work and/or daily
activities, 80% consider their health excellent or good. This research suggests
expand the studies regarding the LQ of patients with CRF because so discussions
can be deepened in order to assist in filling gaps due to the few studies on LQ of
these patients.
Keywords: Quality of life; Chronic Renal Failure, Hemodialysis.
Recebido em 13/10/2013
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Aprovado em 04/04/2014
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