Arquivo completo - Revista PINDORAMA – IFBA
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Arquivo completo - Revista PINDORAMA – IFBA
Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014 EUNÁPOLIS-BA, ABRIL/2014 EXPEDIENTE Reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA Profª. Aurina Oliveira Santana Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação – IFBA Profª. Rita Maria Weste Nano (Doutora) Diretor do Campus de Eunápolis do IFBA Profº. Ricardo Torres Ribeiro (Mestre) Revista Digital Pindorama do IFBA Profº. Aldemir Inácio de Azevedo – IFBA (Doutor) Editor Conselho Editorial Profª. Geralda Terezinha Ramos – IFBA (Doutora) Profª. Vitória de Souza de Oliveira – IFBA (Doutora) Profº. Fabíolo Amaral – IFBA (Doutor) Profª. Fabiana Zanelato Bertolde – IFBA (Doutora) Prof. José Roberto de Oliveira – IFBA (Mestre) Profª. Sílvia Kimo Costa – IFBA (Mestra) Profª. Lívia Angeli Silva – UFBA (Mestra) Profº. Eliseu Miranda de Assis – IFBA (Mestre) Profª. Nayla Rodrighero L. P. Ricardo – IFBA (Mestra) Profª. Natália Helena Alem – IFBA (Mestra) Profª. Mariana Fernandes dos Santos – IFBA (Mestra) Prfª. Vânia Lima Souza (Doutora) Profº. Flávio Leal – UFVJM (Doutor) Profª. Maraci Gonçalves Aubel – UNIVERSIDADE DE KANSAS (Doutora) Profº. Rodrigo Camargo Aragão – UESC (Doutor) Profº. Cláudio do Carmo Gonçalves (Doutor) Profº. Herbert Toledo Martins – UFRB (Doutor) Profº. Rodrigo Gallotti Lima – IFS (Mestra) Profª. Margarida Maria Dias de Oliveira – UFRN (Doutora) Profª. Maria Neusa de Lima Pereira – IFRR (Mestra) Profº. Itamar Freitas de Oliveira – UFS (Doutor) Equipe Técnica: Técnico-administrativo: Arthur Vinicius Maciel Dantas ISSN 2179-2984 ISSN 2179-2984______________________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014 www.revistapindorama.ifba.edu.br Conselho Consultivo SUMÁRIO EDITORIAL ARTIGOS Figuras e figurações do saber no pensamento de Michel Foucault 03 José Roberto de Oliveira Arquitetura, sustentabilidade e práticas de ensino e aprendizagem: diagnóstico do espaço construído dos Institutos Federais da Bahia 25 Silvia Kimo Costa; Matheus Victor Rocha Bongestab Apresentando a Matemática e a Ciência por meio das artes cênicas 44 Franciele Lopes da Silva; Ricardo Roberto Plaza Teixeira Formação sócio-espacial e organização do espaço em Itacaré/BA: um estudo sob a égide da teoria classista 60 Gilson Santos da Silva; Paulo Fernando Meliani Interculturalidade no ensino de línguas: uma análise do Projeto Pedagógico Institucional – PPI do IFBA 78 Mariana Fernandes dos Santos Avaliação da qualidade de vida dos portadores de insuficiência renal crônica em hemodiálise Fernanda Costa Martins; Claudia Graça Cerqueira 101 EDITORIAL É com satisfação que apresentamos mais uma edição da Revista Pindorama! Nela damos continuidade ao propósito de ser um periódico multidisciplinar e publicar textos de áreas diversas. No presente número a revista traz seis artigos. O primeiro texto desenvolve uma análise sobre o tema ‘saber’ na obra do filósofo Michel Foucalt. Aborda as contribuições deste pensador no que diz respeito aos elementos que constituem este campo temático do conhecimento na modernidade. O artigo seguinte estabelece uma análise entre arquitetura, sustentabilidade e práticas de ensino e aprendizagem em instituições escolares. Os autores evidenciam as relações entre o Projeto Político Institucional e o Projeto Arquitetônico das instituições, buscando as influências do primeiro sobre o segundo tema. A abordagem é feita utilizando um tema transversal e extremamente relevante na atualidade que é a sustentabilidade. Em seguida faz-se uma discussão metodológica sobre o ensino de matemática. Para tal propõe o uso das artes cênicas. Neste sentido, os autores avaliam as possibilidades de inter-relacionar duas áreas de conhecimento consideradas bastante distintas (Matemática e teatro), de modo a obter resultados positivos em termos educacionais. O quarto artigo desenvolve uma análise temporal sobre o desenvolvimento e as transformações socioeconômicas e espaciais numa localidade do Sul da Bahia (Itacaré). O autor usa teorias clássicas das ciências sociais sobre estratificação social para mostrar como as divisões em classes sociais perduram ao longo do tempo e reproduzem as profundas desigualdades sociais. O penúltimo texto faz uma análise do Projeto Pedagógico Institucional do Instituto Federal da Bahia explorando os elementos da interculturalidade voltados para o ensino e aprendizagem de línguas, com enfoque na língua portuguesa. Segundo a autora, os resultados da abordagem mostram que o tema aparece sob a perspectiva da diversidade cultural, variação linguística, intercâmbio cultural, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Porém, o documento não apresenta uma discussão específica em relação ao ensino e aprendizagem de línguas e nem de língua portuguesa como língua materna. Por fim, temos um artigo que apresenta os resultados de um estudo empírico, que investiga a qualidade de vida entre portadores de insuficiência renal crônica em hemodiálise. Os dados evidenciaram que os indivíduos submetidos à hemodiálise apresentaram uma redução na qualidade de vida quando relacionada ao domínio do “papel profissional” e a “auto avaliação de dor” e, maior qualidade referente ao domínio “aspectos emocionais”. Figuras e figurações do saber no pensamento de Michel Foucault José Roberto de Oliveira1 ___________________________________________________________________ RESUMO Nas análises de Michel Foucault sobre o saber ocidental é possível vislumbrar uma descontinuidade do saber, que o impossibilita de ser visto como algo contendo traços definidos. A indefinição desses traços traz indícios de que, para Foucault, o saber não possui um rosto, mas apenas máscaras, que são trocadas à medida que nascem novas configurações que passam a figurar no palco do conhecimento. O presente artigo buscou seguir o percurso dessas análises, visando encontrar a máscara portada pelo saber no período contemporâneo. Para tanto, tentou-se realizar uma articulação entre alguns escritos de Foucault onde arte, literatura e filosofia se intercalam num jogo de experiências e reflexões típico do pensamento contemporâneo: já não há mais espaço para o jogo das similitudes, próprio do conhecimento renascentista; a representação que dominou toda a idade clássica assumiu uma palidez distanciando-se das distinções; e o homem, principal personagem da modernidade, perdeu o poder de fazer girar em sua órbita todas as outras figurações. Doravante, tanto nas experiências das artes quanto na filosofia (em especial a filosofia de Gilles Deleuze), figuram a indefinição das formas, a impossibilidade da apreensão totalizadora, o desaparecimento do sujeito do conhecimento e a imagem fantasmagórica do pensamento. Palavras-chaves: Foucault, contemporâneo, filosofia e arte. 1 Deleuze, pensamento Mestre em filosofia pela PUC-SP. Professor dedicação exclusiva do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA – Campus Eunápolis. Contato: [email protected]. “Em nossos dias não se pode mais pensar senão no vazio do homem desaparecido. Pois esse vazio não escava uma carência; não prescreve uma lacuna a ser preenchida. Não é mais nem menos que o desdobrar de um espaço onde, enfim, é de novo possível pensar”. (FOUCAULT, PC, p. 358) Em seu Foucault (1991), Gilles Deleuze não concorda com outros comentadores de que haja uma dicotomia ou mesmo uma preponderância do poder, em detrimento do saber, no pensamento de Michel Foucault, a partir da década de 70. Para ele em nenhum momento da obra de Foucault o poder ofusca o saber como objeto de estudo. Ela não foi introduzida nesse pensamento para suplantar o saber, mas para ir à complexidade do seu sentido: o poder é causa pressuposta do saber; este se revela como a mais profunda necessidade do poder, sem a qual ele não passaria a ato. Ambos são apresentados respectivamente como uma relação de formas – enunciados e visibilidades – e uma relação de forças – diagramas e enquadramentos. A necessária diferença entre os dois encontra-se no espaço que lhes é próprio, isto é, naquilo que marca e determina suas singularidades. E somente por esse jogo de diferenciação é possível pensar tal relação, pois, segundo Deleuze (1991) “... Há apenas uma relação de forças que age transversalmente e que encontra na dualidade das formas a condição para sua ação, para sua própria atualização.” (DELEUZE, 1991, p.48). Além de evitar uma oposição ou predominância entre o saber o poder, Deleuze também revela que “na obra de Foucault, os artigos sobre Nietzsche e sobre Blanchot se encadeiam, ou se re-encadeiam...”, pois, “... se ver e falar são formas da exterioridade, pensar se dirige a um lado de fora que não tem forma. Pensar é chegar ao não-estratificado” (Idem, p. 93). Isto é significativo das pesquisas de Foucault – o saber –, mas sem deixar de relacioná-lo com o poder, evidenciando duas características importantes: as implicações entre as múltiplas forças difusas do poder e as formas constitutivas e estratificadas do saber; as relações de forças respondendo pelas estratificações existentes no solo do conhecimento, as quais ganham o estatuto do saber de uma época. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br primeiramente porque, ao tratar dos dois artigos, Deleuze dá ênfase ao tema inicial 4 A interpretação deleuziana tornou-se fundamental para o desdobramento desta pesquisa. Graças a ela, uma das hipóteses perseguidas fica ainda mais evidente: para Foucault o saber ocidental não possui uma forma permanente e contínua; ele é mutável. Em constante relação e dispostas em diferentes pontos, enfrentando-se até fazerem surgir na superfície algo como o pensamento, as forças estabelecem o ritmo dessa mutabilidade. Mas essa interpretação também nos direciona a outra perspectiva (segunda hipótese): se o pensamento se transforma, se ele sofre reorganizações, então é possível que, ao longo de suas pesquisas, Foucault tenha perseguido não somente os estratos que compõem o pensamento ocidental, mas também os traços do pensamento contemporâneo, daquele que constitui o saber de nossa época. Partindo dessa perspectiva, talvez seja possível detectar uma articulação não somente entre os dois artigos propostos por Deleuze, mas entre estes e um terceiro, formando, assim, uma tríade: “la pensée de dehors”, dedicado a Maurice Blanchot; “Nietzsche, la genealogia et l’histoire”, que trata da genealogia em Nietzsche; e “Theatrum philosophicum” – intermediário até mesmo na ordem cronológica de publicação de Dits et écrits2 –, que trata do pensamento de Gilles Deleuze, em Diferença e Repetição e Lógica do Sentido. Com essa tríade, partimos do pressuposto que se os dois artigos citados por Deleuze “se encadeiam” por se tratar de uma reflexão sobre as condições internas da possibilidade do saber, “Theatrum philosophicum” também se aloja nesse espaço, porque indicia os primeiros traços de uma reflexão não somente sobre as experiências contemporâneas, mas sobre o saber que se constitui na contemporaneidade. Há ainda um dado curioso que contribui à articulação entre esses três artigos. Poder-se-ia objetar que esse dado não possui nenhuma relevância nem acrescenta alguma indicação imprescindível para a compreensão do pensamento de Foucault. De fato não, até o momento em que se deixe de ver esses elementos menos como 2 - Segundo a ordem cronológica em que os artigos aparecem publicados temos: “La pensée du dehors”, publicado em 1966; “Nietzsche, la généalogie et l’histoire” cuja publicação é de 1971 e o artigo que intermedeia os anteriores – “Theatrum philosophicum” – que data de novembro de 1970. Cf. Dits et écrits. IV tomes, Paris : Gallimard, 1994. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br Pode-se encontrar em todos eles uma série de remissões aos elementos do teatro. 5 um recurso linguístico e espetaculoso e mais como mecanismos metodológicos usados pelo pensador para evidenciar realidades que mostram, tal como uma nova cena, no palco do conhecimento ocidental. Se Foucault fala de máscaras, de personagens, teatro, palco, cenas e até mesmo de um tempo em que esses elementos se compõem e se evidenciam, é porque ele concebe a filosofia como um teatro cujas cenas são realizadas cumprindo sempre uma regra co-determinada pelo jogo dos acontecimentos. Esse teatro jamais para de repetir as cenas, as quais sempre trazem novidades provenientes de uma série de encenações. As cenas (o jogo dos acontecimentos) estão para as forças, como o espetáculo gerado está para o saber. Vale ressaltar, no entanto, que tal espetáculo não evidencia, no pensamento de Foucault, o caráter espetaculoso próprio do jogo de cenas de determinadas práticas sociais – tão valorizado pelos agenciadores do poder; é antes a percepção de uma série de estratos não lineares nem contínuos, que constituem o aparente perfil do saber de uma época. Assim, tendo os três artigos como o fio condutor deste percurso, pretende-se evidenciar “... as inúmeras vias de acesso...” exploradas por Foucault (cf. Tph, p. 231) para traçar um esboço da máscara portada pelo saber ocidental na contemporaneidade. *** Nos primeiros escritos de Michel Foucault percebe-se facilmente um objeto no centro de seus questionamentos: trata-se do saber, sua natureza, suas condições de possibilidade e sua trajetória ao longo da história ocidental. Esta figura se mostra mesclada tanto a acontecimentos sociais (a exclusão dos leprosos, dos doentes mentais e miseráveis, ou o nascimento da clínica), quanto ao campo epistemológico enunciados, reflexões filosóficas e configurações do saber). Quando Foucault concebeu o saber ligado às práticas e ao conhecimento qualificado, ele assumiu algumas posições que quase o levou a determinar um perfil geral para o saber. Chegou a privilegiar a loucura como uma “experiência”, cuja essência não era uma doença mental, mas a forma bruta do saber que, como tal, causava uma profunda ameaça à razão; privilegiou também a escrita ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br (o surgimento de alguma ciência, reformulação de um conceito, produções de 6 contemporânea como sendo um paradigma representacional da linguagem, uma forma de transgredir e subverter os limites da razão. Isso lhe rendeu várias críticas e ele não se mostrou insensível a elas: reconheceu a existência de falhas em sua pesquisa e viu as críticas que delas se originaram como um importante material para que ele pudesse rever sua trajetória e assumir uma postura menos categórica e determinante3. Outra característica de suas análises refere-se ao período histórico do conhecimento analisado. Normalmente ele retoma períodos curtos, estendendo-se aquém do Renascimento. As principais análises se situam entre os séculos XVII e XX. Em todas elas, ele busca descobrir as camadas estratificadas dentro, em meio ou às margens das quais se encontram, dispersos, esquecidos ou voluntariamente abandonados, os elementos que ordenam e constituem o saber de uma época. Em As palavras e as coisas, Foucault analisa as “duas grandes descontinuidades” ocorridas “... na epistémê da cultura ocidental: aquela que inaugura a idade clássica (por volta dos meados do século XVII) e aquela que, no início do século XIX, marca o limiar de nossa modernidade” (PC, 1996, p.12). Ambas são constituídas por modos diferentes de ordenação: a representação na idade clássica, desvelada através de um quadro composto por uma ordem geral, por uma taxinomia e por uma gênese, quadro este que tem sua evidência no transcorrer do discurso representativo; e o homem na idade moderna, manifestado por um princípio de historicidade, por um tempo que se encontra simultaneamente recuado em um passado sem história e preso à imagem dessa figuração. É em torno desse homem, dirá Foucault, que “... nascem todas as quimeras dos novos humanismos, todas as - Um dos momentos em que Foucault evidencia o reconhecimento de algumas falhas em sua pesquisa e que sente necessidade de rever seu percurso é na introdução de A Arqueologia do Saber: “Em muitos pontos, ele é diferente, permitindo também diversas correções e críticas internas. De maneira geral, História da loucura dedicava uma parte bastante considerável, e, aliás, bem enigmática, ao que se designava como uma ‘experiência’, mostrando assim o quanto permanecíamos próximos de admitir um sujeito anônimo e geral da história. Em Nascimento da clínica, o recurso à análise estrutural tentado várias vezes, ameaçava subtrair a especificidade do problema colocado e o nível característico da arqueologia. Enfim, em As palavras e as coisas, a ausência de balizagem metodológica permitiu que se acreditasse em análises em termos de totalidade cultural. Entristece-me o fato de que eu não tenha sido capaz de evitar esses perigos: consolo-me dizendo que eles estavam inscritos na própria empresa, já que, para tomar suas medidas, ela mesma tinha de se livrar desses métodos diversos e dessas diversas formas de história; e depois, sem as questões que me foram colocadas, sem as dificuldades levantadas, sem as objeções, eu, sem dúvida, não teria visto desenhar-se tão clara a empresa à qual, quer queira quer não, me encontro ligado de agora em diante.” AS, pp. 19-20. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br 3 7 facilidades de uma ‘antropologia’ entendida como reflexão geral, meio positiva, meio filosófica...” (PC, 1996, p.13). É ainda em As palavras e as coisas que se tem o anúncio do desaparecimento do homem como personagem central e o prenúncio de uma nova configuração do saber, marcada por práticas e produções responsáveis por uma encenação um tanto trágica, um tanto angustiante, apresentando o mais novo espetáculo do saber, cuja sinopse assim poderia ser descrita: das chamas do incêndio gerado por Nietzsche, pode-se entrever a figura antropológica sendo consumida pouco a pouco; com ela, vê-se também inflamar sua possibilidade de expressão – a dialética. Nesta cena trágica, através da qual se encena o crepúsculo de um período (aquele que representou o saber desde o final do século XVIII), todas as formas estáveis de um saber que reinou por mais de um século e meio vão se deformando, até que “seus restos calcinados” esbocem um desenho de “rostos estranhos, impossíveis talvez; e a uma luz de que não se sabe ainda ao certo se reaviva o último incêndio ou se indica a aurora, vê-se abrir o que pode ser o espaço do pensamento contemporâneo” (PC, 1992, 278). Uma música ecoa por todos os pontos do palco: é a ária da ópera wagneriana no momento em que Siegrifried e Brünilde estão sendo queimados, dando início ao crepúsculo dos deuses4. A estranheza esboçada na nova máscara que o saber passa a portar, após a morte do homem, realmente é gerada por seus traços indefinidos. Impossível falar sobre ela, sem o reconhecimento que se está caminhado por sobre um solo movediço, ainda em formação. O que dele pode ser diagnosticado no primeiro momento é apenas oferecido pelos fragmentos da antiga disposição encontrados por todos os lados5 e que para muitos ainda representam o solo intacto sobre o qual reinava a figura do homem6. - Siegrifried e Brünilde são duas personagens do drama musical wagneriano que compõe a trilogia O Anel dos Nibelungos. Na cena desse drama, Brünilde sacrifica-se na pira funerária de Siegrifried. Como previsto as chamas consomem os deuses e sua morada. Além da relação feita, nessa pesquisa, entre a passagem desse drama e o fim do pensamento antropológico, é possível encontrar a seguinte afirmação de Foucault sobre Wagner: “... Wagner, como Schopenhauer e como Nietzsche, é um dos raros que colocaram o problema do sujeito em termos não cartesianos. Ele tentou ver como a concepção ocidental do sujeito era uma concepção bastante limitada, e que não podia servir de fundamento incondicional para todo o pensamento...”. Sph, DE, III, p. 592. 5 - “Buscando diagnosticar o presente em que vivemos, nós podemos isolar como já pertencendo ao passado certas tendências que ainda são consideradas como contemporâneas.” “Qui êtes-vous, professeur Foucault?”, p. 607. 6 “A todos os que pretendem ainda falar do homem, de seu reino ou de sua libertação, a todos os que formulam ainda questões sobre o que é o homem em sua essência, a todos os que pretendem partir ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br 4 8 Quando se anunciou que Deus havia morrido os protestos foram intensos, mas, ainda assim, foi possível suportar a dor que esse anúncio gerava, pois, se o mundo perdia sua figura divina, restava ainda a figura de seu duplo, o homem, como garantia de um sonho consolador; uma última possibilidade de uma existência tranquila. No entanto, Nietzsche veio anunciar que não somente Deus havia morrido: o homem, aquele que o assassinara, também deixava de existir no momento mesmo em que realizou o parricídio. Era um dos primeiros indícios de que nascia um novo pensamento no horizonte do ocidente. Eis o relato que Foucault fez desse acontecimento: “Ela [a cultura não dialética] começou com Nietzsche, quando este mostrou que a morte de Deus não era o aparecimento, mas o desaparecimento do homem, que o homem e Deus possuíam estranhas relações de parentesco, que eles eram ao mesmo tempo irmãos gêmeos e pai e filho um do outro, que Deus estando morto, o homem não pode não desaparecer, no mesmo momento, deixando atrás de si o gnomo horrível”. (FOUCUALT, “L’homme est-il mort?”, DE, I, p. 542; PC, p. 358). Morria o homem e com ele desaparecia a possibilidade do discurso dialético, o qual não podia subsistir apenas apoiado sobre as cinzas da figura que lhe dera origem. O que mais argumentar ou que outros conceitos poderiam ser criados para falar de uma figura ausente? Não obstante todas as tentativas de fazer levantar das cinzas aquilo que um dia representou o saber de uma cultura 7, o que se mostrava cada vez mais evidente era a necessidade de se continuar pensando, mesmo com dele para ter acesso à verdade, a todos os que, em contrapartida, reconduzem todo conhecimento às verdades do próprio homem, a todos os que não querem formalizar sem antropologizar, que não querem mitologizar sem desmistificar, que não querem pensar sem imediatamente pensar que é o homem quem pensa, a todas essas formas de reflexão canhestras e distorcidas, só se pode opor um riso filosófico – isto é, de certo modo, silencioso.” PC, p. 359. 7 Para Foucault, A Crítica da Razão Dialética escrita por Sartre, representou ao mesmo tempo a tentativa de ressuscitar o humanismo e o seu sepultamento: “Ora, parece-me que ao escrever a Crítica da razão dialética, Sartre, de alguma maneira, pôs um ponto final, Ele fechou o parêntese sobre todo esse episódio da nossa cultura, que começa com Hegel. Ele fez tudo o que pode para integrar a cultura contemporânea, isto é, as aquisições da psicanálise, da economia política, da história, da sociologia, à dialética. Todavia, é característico que ele não pudesse deixar cair tudo aquilo que eleva a razão analítica e que faz profundamente parte da cultura contemporânea: La Crítica da razão dialética é o magnífico e patético esforço de um homem do século XIX para pensar o século XX. Neste sentido, Sartre é o último hegeliano, eu diria mesmo o último marxista”. “L’homme est-il mort?”, p. 540. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br sua ausência. Por isso, Foucault alerta que “é preciso fazer o possível para se 9 descobrir a forma própria e absolutamente contemporânea desse pensamento nãodialético” (FOUCUALT, “L’homme est-il mort?”, DE, I, p. 542). Em busca das características relativas ao pensamento contemporâneo, Foucault vê na “experiência” de Bataille uma forma nova de se pensar, por ela aparecer desvinculada dos elementos que davam sustentação à dialética. No Prefácio à Transgressão, ele associa essa “experiência” ao que denomina “característica da sexualidade moderna”. Ora, o que caracteriza a sexualidade moderna não é um discurso que a une à natureza, mas aquilo que a desnaturaliza, pois, através de um discurso que se estende de Sade a Freud, esta forma de sexualidade foi lançada em “... um espaço vazio onde encontra apenas a forma fina do limite...” (“Préface à la Transgression”, DE, I, p. 233); um limite que põe em xeque a consciência, a lei e a linguagem e demarca a própria cisão do ser humano, posto que, imerso em uma realidade em que a consciência, a lei e a linguagem deixaram de lhe prestar auxílio, é como se o homem se encontrasse “... em um mundo onde não há mais objetos, nem seres, nem espaços a profanar...” (Idem, p. 234). Este mundo, de onde o sagrado se ausentou por perder o seu “sentido positivo”, segundo Foucault, poderia ser chamado de “transgressão”. Transgressão seria, então, a profanação que não reconhece mais o mundo do sagrado. Aliás, é isto que a aproxima do grande acontecimento da morte de Deus, entendido em seu caráter específico: “... como o espaço doravante constante de nossa experiência” 8. Ou seja, a existência humana, livre do “limite do Ilimitado”, e entregue a sua experiência “interior e soberana”9. Entre a experiência de Bataille e a característica do discurso sobre a sexualidade moderna, há uma profunda relação cujo ponto convergente é a linguagem. Todo o Prefácio é cortado pelo questionamento sobre a linguagem. Não sobre veículo de expressão do pensamento contemporâneo, cercado pela sexualidade e pela morte de Deus10. De imediato, o que Foucault detecta é que na experiência de 8 - “Morte que não é preciso entender como o fim de seu reino histórico, nem finalmente a constatação de sua inexistência, mas como o espaço doravante constante de nossa experiência”. “Préface à la Trangression”, DE, I, p. 235. 9 - “A morte de Deus, tirando da nossa experiência o limite do Ilimitado, a reconduz a uma realidade onde nada pode mais anunciar a exterioridade do ser, a uma experiência por consequência interior e soberana.” Idem. 10 -“Sem dúvida, é o excesso que descobre, ligado em uma mesma experiência, a sexualidade e a morte de Deus;... E nesta medida, o pensamento de Deus e o pensamento da sexualidade se ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br o ser da linguagem ou um tipo qualquer de linguagem, mas sobre aquela que seria o 10 Bataille nada se apresenta como “negativo” e toda afirmação à qual ela se apoia, revelando, não possui “nada de positivo”11. Encontra-se desprovida de uma entidade que ‘nega tudo’. Daí Foucault afirmar que “... a transgressão abre-se sobre um mundo cintilante e sempre afirmado; um mundo sem sombra, sem crepúsculo, sem este deslizamento do não que morde os frutos e crava em seu coração a contradição deles mesmos” (Préface à la Trangression”, DE, I, p.335). Apresentada desta maneira, a transgressão encontra-se desvinculada de uma relação com a linguagem que valoriza tanto uma afirmação positiva, quanto a mais pura nudez de uma negação. No limite, ela estaria alojada em um polo extremamente oposto àquele onde habita a dialética. Tal posição possibilita a Foucault opinar sobre a forma da linguagem que bem representaria a transgressão: “seria de uma grande ajuda”, pergunta ele, “dizer, por analogia, que se precisaria encontrar para o transgressivo uma linguagem que seria aquilo que a dialética considerou como contradição?”. A partir daí, o autor nomeia esta linguagem de “não dialética” (Cf. DE I, pp. 239; 244; 247 e 249). Além da experiência de Bataille, Foucault também reconhece na experiência literária de Blanchot fortes indícios das novas formas (máscara) do saber. Percorrendo a mesma via que o fez encontrar nessa linguagem indefinida traços da “não dialética”, simultaneamente, ele aproxima Blanchot da literatura contemporânea e o contrapõe à figura de Hegel para, em seguida, apresentar, através de analogias, as diferenças que os distanciam: se Hegel reatualizou toda a experiência filosófica em seu pensamento e, a partir dessa ação, tornou-se a própria representação da filosofia, também Blanchot voltou-se para as principais obras da literatura ocidental a fim de determinar suas marcas predominantes na linguagem contemporânea. No entanto, o que diferencia tais ações é o fato de Blanchot desaparecer no mesmo encontram, depois de Sade, sem dúvida, mas nunca em nossos dias com tanta insistência e dificuldade que como em Bataille, ligada em uma forma comum”. “Préface à la Trangression”, DE, I, p. 235. 11 - “Nada é negativo na transgressão. Ela afirma o ser limitado, ela afirma este Ilimitado do qual ela salta, abrindo-se, pela primeira vez, para a existência. Porém, pode-se dizer que esta afirmação não tem nada de positivo...”. Idem, p. 238. 12 - “Se Blanchot se volta para todas as grandes obras da literatura mundial e que tocam nossa linguagem é justamente para provar que não se pode torná-las imanentes, que elas existem fora, nasceram fora. Se elas existem fora de nós, encontramo-nos fora delas. Se nós conservamos certa relação com essas obras é devido a uma necessidade que nos força a esquecê-las e a deixá-las escolher fora de nós. De qualquer maneira, é sob uma dispersão enigmática e não sob a forma de ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br momento em que ele evidencia a existência de tais obras nessa linguagem12. 11 Para Foucault, Blanchot não se propõe a exercer o papel de representante da tradição literária ocidental nem aceita ser o fundador dos objetos que ganham vida em sua ficção. Há uma distância intransponível entre quem escreve e aquilo que escreve. Esta distância não afeta apenas a subjetividade quando a impossibilita de ser o fundamento das coisas, no tempo inexistente da escrita; ela abala também sua própria visibilidade, impedindo, assim, sua fixação em um espaço de interioridade. O desaparecimento de Blanchot como autor ou sujeito da escrita está condicionado ao lugar que a linguagem ocupa em seu pensamento. Ela manifesta uma realidade que já não permite mais a presença daquele que fala, pois, a partir do momento em que o autor escreve, ele o faz para desaparecer: o “sujeito” escrito já não representa mais aquele que fala ou escreve; é, antes, uma figura anônima da palavra que prescinde de um tempo presente e de um espaço absoluto. Aliás, o próprio Blanchot revelou que “o eu jamais foi sujeito da experiência; ‘eu’ jamais seria capaz disso, nem o indivíduo que sou, essa partícula de poeira, nem o eu de todos que supostamente representam a consciência absoluta de si...” 13. Em “La pensée du dehors”, essa questão ganha ainda mais consistência. O problema é apresentado pela seguinte afirmação: “Eu Falo”. Segundo Foucault, tal afirmação encontra-se sustentada por sua própria evidência e protegida de qualquer possibilidade de erro, posto que “eu não digo nada além que o fato de que falo”. E uma imanência compacta. É assim que, para Blanchot, a presença das obras literárias se completa. O próprio Blanchot é alguém que se encontra fora de todas as obras. Ele jamais procurou recuperálas no seu mundo nem as fez falar por uma segunda vez a partir do exterior... Ele não procura recuperar em si mesmo, em sua subjetividade, as obras que foram escritas... A relação entre as obras e este homem que fala delas sob a forma do esquecimento é exatamente o contrário do efeito que se produz sob a forma da representação ou da memória em Hegel.”, “Folie, Littérature, Société”, DE, II, p. 125. Quanto à afirmação de que “Blanchot é o Hegel da Literatura”, cf., pp. 124-6. 13 - Blanchot, Maurice., “L’experience Limite”, in. L’Entretien Infini, Gallimard, Paris, 1969, p. 331. Além disso, em um dos comentários sobre a obra de Blanchot, de Françoise Collin, pode-se encontrar a seguinte passagem bastante ilustrativa; ela vem acompanhada de um pequeno texto de Blanchot: “O que produz na escrita e particularmente na escrita narrativa, é, para o autor, a destituição do seu papel de sujeito. O sujeito que escreve, descobre-se sujeito escrito, isto é, nãosujeito. Esta metamorfose, que se dá na duplicação disjuntiva do ‘eu’ que escreve e do ‘eu’ da narrativa, lança a desordem sobre qualquer possibilidade de dizer ‘eu’ e conduz ao uso do ‘ele’: todo sujeito é uma terceira pessoa... Escrever me ensina não somente que eu não sou substância, um ‘em si’, mas ainda que eu não sou sujeito. ‘O escritor parece ser o senhor de sua pluma, ele pode sentirse capaz de controlar as palavras, aquilo que ele deseja fazer exprimir. Mas tal controle consegue somente colocá-lo, mantê-lo em contato com a passividade terrestre, onde a palavra, não sendo mais que sua aparência e a sombra de uma palavra, não pode jamais ser controlada, nem mesmo dominada, permanece sem controle e sem pátria, o momento indeciso da fascinação.’” Collin, Françoise., Maurice Blanchot et la question de l’écriture., deuxième édition, Gallimard, Paris, 1986, pp. 84-5. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br continua: “A proposição-objeto e aquela que a enuncia se comunicam sem obstáculo 12 nem reticência, não só pelo lado da palavra de que se trata, mas também pelo lado do sujeito que articula esta palavra. É, portanto, verdade, irrefutavelmente verdade, que falo quando digo que falo” (PD, DE, I, p. 519). Porém, há uma objeção que tira essa proposição de sua comodidade, pois se não há problema em seu caráter formal, não se pode afirmar o mesmo sobre seu sentido: partindo do pressuposto que a ideia contida no “‘eu falo’... refere-se a um discurso que, oferecendo-lhe um objeto, iria lhe servir de suporte”, seria necessário que este discurso estivesse realmente presente a todo o momento. Isso não se sustenta, pois, contrariamente ao que se pode pensar, este discurso está ausente: “... o ‘eu falo’ aloja sua soberania somente na ausência de qualquer outra linguagem; o discurso do qual falo, não preexiste à nudez enunciada no momento em que eu digo ‘falo’; ele desaparece no mesmo instante em que me calo” (PD, DE, I, p. 519). Resta apenas um sentido ao qual esta afirmação pode se apegar: nela se desvela a possibilidade de uma propagação infinita da linguagem, através dessa “abertura absoluta” que se efetiva a partir de seu próprio vazio e da fragmentação do sujeito deste discurso insólito – “o ‘eu’ que fala” – até seu desaparecimento “neste espaço vazio”14. Tal sentido desvincula a linguagem de uma entidade capaz de sustentá-la e a lança em uma dispersão sem limite, ao mesmo tempo em que esfacela o sujeito em um sem número de pontos dispersos. Assim, identificando uma incompatibilidade “entre a aparição da linguagem em seu ser e a consciência de si em sua identidade”, Foucault revela que esta é mais uma característica do pensamento contemporâneo15. Essa revelação é importante, pois, a partir dela, será mostrada a constituição própria desse pensamento: ele não se encontra preso a nenhuma subjetividade; antes, desenvolve-se à proporção que assume, em relação à Tal pensamento, Foucault vai chamá-lo de pensamento do exterior (Cf. PD, DE, I, pp. 521). 14 - “... A menos que o vazio onde se manifesta a finura sem conteúdo do ‘eu falo’ seja apenas uma abertura absoluta, por onde a linguagem pode se estender ao infinito, enquanto que o sujeito – o ‘eu’ que fala – divide-se, se dispersa e se ornamente até desaparecer neste espaço nu” PD, DE, I, p. 519. 15 - “Essa abertura em direção à linguagem, de onde o sujeito encontra-se excluído, a evidência da linguagem em seu ser e a consciência de si em sua identidade, é atualmente uma experiência que se anuncia em diferentes pontos da cultura...” PD, DE, I, pp. 520-21. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br subjetividade, uma relativa distância até se encontrar imerso no vazio da ausência. 13 Assim, se a linguagem contemporânea é chamada de não dialética, o pensamento contemporâneo vai ser nomeado de pensamento do exterior. Aliás, é importante notar que, de acordo com as análises feitas pelo autor em cada período, cada forma de linguagem aparece ligada à forma do pensamento vigente: no Renascimento, a linguagem estava ligada à semelhança, no período clássico, ela estava ligada à representação, na modernidade ela se encontrou presa à dialética e, no período contemporâneo, ela está ligada à exterioridade. Então, para demonstrar o liame existente entre a linguagem e este pensamento, Foucault afirma que “em seu ser próximo e esquecido, nesse poder de dissimulação que apaga toda significação determinada e a própria existência daquele que fala, nessa neutralidade cinza que forma o esconderijo de todo ser e que libera assim o espaço da linguagem, a linguagem não é nem a verdade nem o tempo, nem a eternidade nem o homem, mas a forma sempre desfeita do exterior” (PD, DE, I, p. 539). Até então, tanto os traços da linguagem quanto os do pensamento contemporâneos eram percebidos no espaço da arte, especialmente da literatura, onde eram reconhecidos como uma forma de experiência. Uma experiência praticada por vários outros autores e em diversas áreas por onde o saber se dissemina. Por isso, Foucault afirma que “a atração é para Blanchot aquilo que é, sem dúvida, para Sade o desejo, para Nietzsche a força, para Artaud a materialidade do pensamento, para Bataille a transgressão: a experiência pura do exterior...” (Idem, p. 525). E tal como Las Meninas representa o pensamento clássico, as obras de Klee, Magritte e Kandinsky, representam a experiência do exterior16.Toda essa experiência ainda não havia ganhado uma forma reflexiva, uma formulação filosófica capaz de expressar suas particularidades. Foucault sabia da extrema dificuldade que um discurso filosófico teria para expressá-la, sem que com isso a condicionasse às mesmas categorias do pensamento “interior”. 17 Porém, com 16 - “Parece-me que é a pintura de Klee que melhor representa, em relação ao nosso século, aquilo que foi Velásquez para o seu”, “L’homme est-il mort?”, DE, I, p. 540. E em outra entrevista Foucault revela: “... eu olhei a coisa mais de perto e particularmente no que concerne à história das relações entre Klee e Kandinsky, história que me parece prodigiosa e que deveria ser analisada mais seriamente”. “Qui êtes-vous, professeur Foucault?”, DE, I, p. 614. Quanto à obra de Magritte, existe um artigo cujo título é “Isto não é um Cachimbo” em que Foucault tem também a oportunidade de a relacionar os três artistas. “Isto não é um Cachimbo”, 2 edição, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1988. 17 - “Todo discurso puramente reflexivo corre o risco de reconduzir a experiência do exterior à dimensão da interioridade” PD, p. 523. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br o aparecimento dos dois livros de Deleuze – Diferença e repetição e Lógica do 14 Sentido – tanto a linguagem quanto o pensamento contemporâneos puderam ser pensados para além da experiência. Neles se encontram a forma reflexiva desse pensamento18. O desafio proposto pela experiência nascente devia-se ao fato dos elementos que a compõem se mostrarem organizados em torno de uma realidade que nada possui de concreto: no desejo de Sade, na atração de Blanchot, na materialidade do teatro de Artaud, na transgressão de Bataille, nos simulacros de Klossowski e nos traços dispersos da pintura de Klee, Kandinsky e Magritte, tem-se o desaparecimento das formas, a impossibilidade da apreensão totalizadora e a forma quase inapreensível da imagem fantasmagórica. Nesta quase-realidade não existe espaço para os corpos, tal como se teve o hábito de pensá-los por um longo período da cultura ocidental. Então, pensá-la exige um distanciamento das categorias representativas e uma recusa da individualidade como forma e do sujeito como medida. Ora, essa distância assumida em relação ao indivíduo e à realidade vem indicar o que realmente significa pensar no período contemporâneo e de qual objeto é composto esse pensamento. Foucault afirma que Lógica do Sentido aponta para essas duas direções. Para demonstrá-las, utiliza-se de duas séries existentes nesse livro: “a série do acontecimento” e a série “do fantasma”; entretanto, ao tratar delas, o que nos é proposto é um jogo de metáforas em que o pensado está para o fantasma, assim como o pensamento está para o acontecimento: “Fantasma e acontecimento afirmados em disjunção são o pensado e o pensamento...” (Thp, p. 240). Com isso, ele quer revelar que nas duas obras de Deleuze pode-se encontrar a figura em torno da qual vão nascer todas as possibilidades de um saber contemporâneo. Seu nome já é bastante familiar à tradição filosófica – chama-se Porém, o que significa dizer que no período contemporâneo a máscara do saber é o próprio pensamento? Significa basicamente duas coisas: em uma época em que o acontecimento é nomeado como o mais importante objeto a ser pensado, não há nada mais necessário do que pensar o acontecimento resultante do próprio 18 -“Talvez alcancemos aqui, pela primeira vez, um teoria do pensamento que esteja totalmente desvencilhada do sujeito e do objeto” Tph, p. 241. E também: “Esta filosofia, antes mesmo de Lógica do sentido, Deleuze a havia formulado com uma audácia totalmente desprotegida, em Diferença e repetição.” Idem, p. 242. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br pensamento. 15 pensar19. Além disso, com a saída de cena de Deus e do homem, toda a disposição do saber foi se organizando em direção a uma incessante dispersão, a um espaço que, no solo epistemológico, situa-se na exterioridade. Ora, o que pode haver de mais exterior e demasiado, além do pensamento, ele que se mostra como que em “excesso na singularidade” do pensar? Essas afirmações dirigem-se para duas questões fundamentais. A primeira consiste no seguinte: qual o papel do pensamento no jogo das cenas contemporâneas, isto é, no jogo das superfícies? De imediato, Foucault responde: o seu papel é produzir o pensado. Daí nasce a segunda questão: o que é o pensamento e o que é aquilo que dele se produz – o pensado? Foucault entende que a melhor maneira de se responder a essa questão é partir do espaço onde o pensamento não mais se encontra, no espaço do pensado, pois o pensamento não aparece na série do pensado, senão através de indícios. Indícios que revelam do pensamento somente sua constante repetição. O pensado – aquilo que da mímica (repetição) do pensamento foi produzido – mostra-se como a “pura diferença”, como o ‘excesso’ do pensamento, pois “o acontecimento é o que sempre falta à série do fantasma – falta na qual se indica sua repetição sem original, fora de qualquer imitação e livre de todas as coações da semelhança” (Tph, p. 239) 20. – o fato de não mais estar aí. “O que é o próprio pensamento”, pergunta Foucault, “senão o acontecimento que chega ao fantasma, e a fantasmagórica repetição do acontecimento ausente?”. E ele conclui: “o pensamento tem a pensar aquilo que o forma, e se forma daquilo que pensa” (Thp, p. 240). Segundo Foucault, Deleuze quis pensar o “acontecimento puro”. No entanto, para fazê-lo foi preciso construir uma nova metafísica, uma lógica mais complexa e uma gramática centrada de outra maneira. que lhes dizem respeito, mas dos acontecimentos, seus efeitos, que “... formam entre si uma trama na qual as uniões manifestam uma quase-física dos incorpóreos, 19 “Afinal de contas, o que existirá de mais importante para pensar, nesse século XX, do que o acontecimento e o fantasma?” PD, p. 542. 20 - Sobre o pensado aparecendo como excesso do pensamento, Foucault afirma: “Quanto ao fantasma, ele é ‘excessivo’ na singularidade do acontecimento; mas esse excesso não designa um suplemento imaginário que viria se prender à realidade nua do fato; ele tampouco constitui uma espécie de generalidade embrionária da qual emergiria, pouco a pouco, toda a organização do conceito.” Tph, DE, II, p. 239. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br A primeira – a metafísica – deveria se ocupar não dos corpos e das causas 16 indicam uma metafísica”21. A segunda – a lógica – já não podia mais ser constituída somente a partir de três termos (designação, expressão e significação), tal como o foi sustentada pela tradição; a eles, Deleuze associou outro termo: o sentido, cuja característica é estar ligado tanto à relação dos corpos quanto a seu resultado, o acontecimento. Assim, muito mais complexa, essa lógica pode assim ser entendida: “‘Marco Antônio está morto’ designa um estado de coisas; exprime uma opinião ou uma crença que eu tenho; significa uma afirmação; e, por outro lado, tem um sentido: o ‘morrer’. Sentido impalpável, do qual uma face está voltada para as coisas, já que ‘morrer’ ocorre, como um acontecimento, a Antônio e outra, para a proposição, pois morrer é que se diz de Antônio no enunciado. Morrer: dimensão da proposição, efeito incorpóreo produzido pela espada, sentido e acontecimento, ponto sem densidade nem corpo que é aquilo que se fala e que corre na superfície das coisas” (Tph, p. 236). Por fim, a gramática. Ao pensar o acontecimento-sentido, esta deve distanciar-se da “proposição sob a forma do atributo”, evitando, assim, que ele seja pensado enquanto estado: “estar vivo, estar morto, estar vermelho”, para fazê-lo cada vez mais se aproximar da ação que o produz, cujo caráter expressivo encontra sua dimensão no próprio verbo: “morrer, viver, avermelhar”. Nesta perspectiva, terse-á então uma gramática que valoriza o verbo em duas formas: uma enquanto modo – o infinitivo; a outra enquanto tempo – o presente. Por isso, Foucault afirma “... não é preciso buscar a gramática do acontecimento nas flexões temporais; nem a gramática do sentido na análise fictícia do tipo: ‘viver = estar vivo’; a gramática do sentido-acontecimento gira em torno de dois polos dissimétricos e vacilantes: modo infinitivo – tempo presente. O sentido-acontecimento sempre é simultaneamente o limite deslocado do presente e a eterna repetição do infinitivo” (Tph, 237). 21 - Eis como Foucault fala sobre a física e os acontecimentos: “A física se refere às causas; mas os acontecimentos, que são seus efeitos, não mais lhe pertencem. Imaginemos uma causalidade enlaçada: os corpos, ao se chocarem, ao se misturarem, ao sofrerem, provocam em sua superfície acontecimentos, que são sem densidade, mistura ou paixão e que, portanto, não podem mais ser causa: eles formam entre si outra trama, na qual as ligações provêm de uma quase-física dos incorpóreos, da metafísica.” Idem, p. 236. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br que 17 Relacionar o acontecimento-sentido ao verbo vai abrir uma profunda consequência: o acontecimento-sentido não deve aparecer preso a um momento determinado, capaz de ser apreendido através das flexões temporais; antes, ele será concebido como que alojado em um instante muito mais breve, intenso e curto que o próprio momento em que se dá a constituição do pensamento: “Morrer”, afirma Foucault, “jamais se localiza na espessura de algum momento, mas sua ponta móvel divide infinitamente o mais breve instante; morrer é muito menor que o momento de pensá-lo” (Idem). Esses três elementos renovados – a metafísica, a lógica e a linguagem – irão possibilitar o pensamento do exterior. Eles permitem que seja pensado o pensamento da diferença, sem que ela deslize para o seio profundo do mesmo 22. Ela, que foi dominada por um sistema que a marcava com o selo da oposição, do negativo e do contraditório, quando posta frente a frente com o mesmo, doravante poderá ser pensada a partir de sua irregularidade intensiva. Isto se torna possível porque, ao invés de se apresentar uma solução convincente para o problema filosófico, apanhando-o naquilo que ele possui de “contraditório”, tentar-se-á reconhecê-lo como uma “pluralidade distinta cuja obscuridade sempre insiste mais e, na qual, a pergunta não cessa de mover-se”.23 Pela dupla realidade que compõe o problema – sua pluralidade e seu movimento incessante – Foucault nomeia-o de “multiplicidade dispersa”. Segundo ele, o problema “... não se resolverá pela clareza de distinção da ideia cartesiana, já que ele é ideia distinta-obscura; ele desobedece seriamente ao negativo hegeliano, pois é uma afirmação múltipla; não está submetido à contradição ser-não-ser, ele é ser. É preciso antes pensar problematicamente do que interrogar dialeticamente” (Tph, p. 246). história do saber, houve algumas condições necessárias para se realizar essa forma 22 - “Se, em vez de procurar o comum sob a diferença, ele pensasse diferenciadamente a diferença? Esta, então, não seria mais uma característica relativamente geral trabalhando a generalidade do conceito, ela seria – pensamento diferente e pensamento da diferença – um puro acontecimento...”. Tph., p. 243. 23 - Eis como Foucault apresenta esse pensamento na íntegra: “... Longe de ser imagem ainda incompleta e embaralhada de uma Ideia que, lá de cima, eterna, deteria a reposta, o problema é a própria ideia, ou melhor, a Ideia não outro modo de ser senão o problemático: pluralidade, distinta cuja obscuridade sempre insiste de antemão e na qual a questão não cessa de se deslocar”. Tph, p. 246. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br Ora, “pensar problematicamente” é pensar a diferença e a repetição. Na 18 de pensar: a primeira fez com que esses dois elementos fossem pensados, tomando uma distância em relação à “identidade do conceito”. Isso se deu com Aristóteles. A segunda implicou em uma libertação da filosofia da representação, através da renúncia da semelhança. A terceira marcou a separação definitiva desses dois elementos com a dialética. Mas uma nova condição está nascendo: ela implica na necessidade da diferença e da repetição serem pensadas a partir de “um pensamento a-categórico”, pois, segundo Foucault, “a sujeição mais tenaz da diferença é, sem dúvida, a das categorias...”24. São elas que dão garantia da “quietude indiferenciada” do ser “... ao mostrar de que diferentes maneiras pode se dizer o ser, ao especificar de antemão as formas de atribuição do ser, ao impor de certa maneira seu esquema de atribuição dos entes...”. E ele continua: “... As categorias regem o jogo das afirmações e das negações, fundamentam em direito as semelhanças da representação, garantem a objetividade do conceito e do seu trabalho; reprimem a diferença anárquica, dividem-na em regiões, delimitam seus direitos e prescrevem a tarefa de especificação que têm de realizar entre os seres. Por um lado, podem ser lidas como as formas a priori do conhecimento; por outro, aparecem como a moral arcaica, como o velho decálogo que o idêntico impôs à diferença. Para que esta [a diferença] seja libertada, é preciso inventar um pensamento acategórico” (Tph, p. 91). Tamanha dificuldade a que se impôs o pensamento contemporâneo! Pensar de forma a-categórica exige que o ser seja dito de outra maneira, diferente daquela que o determinou como o Mesmo e o Idêntico. Dizer o ser de outra maneira é afirmá-lo a partir de seu caráter unívoco, isto é, não buscar apreendê-lo em diferentes formas nem organizá-lo “segundo uma hierarquia conceitual das espécies e dos gêneros”, mas dizê-lo como diferença25. Daí Foucault afirmar que “o ser é tudo 24 - “As condições para pensar diferença e repetição assumem, como vimos, uma amplitude cada vez maior. Tinha sido preciso abandonar Aristóteles, a identidade do conceito; renuncia à semelhança na percepção, libertando-se, de uma vez, de qualquer filosofia da representação; agora é preciso desprender-se de Hegel, da oposição dos predicados, da contradição, da negação, de toda a dialética. Mas a quarta condição já se delineia, mais temível ainda. O submetimento mais tenaz da diferença é, sem dúvida, o das categorias...”. Tph, p. 246. 25 - “Que o ser seja unívoco, que ele só possa se dizer de uma única e mesma maneira, é paradoxalmente a condição maior para que a identidade não domine a diferença, e para que a lei do Mesmo não a fique como simples oposição no elemento do conceito; o ser pode se dizer da mesma ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br aquilo que se diz sempre da diferença, é o revir da diferença”. 19 Várias são as implicações que nascem desta nova condição de dizer o ser. Elas se situam tanto na dimensão temporal quanto na interioridade mesma do saber. Em relação ao tempo, pensar o ser como o revir da diferença significa uma dupla recusa: recusa a noção de um futuro capaz de recolher, à margem do caminho, os elementos dispersos, para levar consigo, em sua trajetória; recusa um tempo do recomeço, com sua roda constantemente giratória e que possibilita o retorno da realidade, na orla de sua existência. No limite, através do revir, nega-se, ao mesmo tempo, o Devir e o Retorno, “pois as diferenças”, “... não são os elementos, mesmo fragmentários, mesmo misturados, mesmo monstruosamente confundidos, de um grande Devir que as conduziria consigo em seu curso, fazendo-os em certos momentos reaparecer, mascarados ou nus. A síntese do Devir, que se compraz em ser frouxa, mantém, no entanto, sua unidade; não somente, não tanto a de continente infinito, como a do fragmento, do instante que se passa e volta a passar e da consciência flutuante que o reconhece... Quanto ao Retorno, será ele o círculo perfeito, a mó bem azeitada que gira em torno de seu eixo e, na hora certa, traz novamente as coisas, as imagens e os homens? Será preciso haver ali um centro e que na periferia os acontecimentos se reproduzam? O próprio Zaratustra não podia suportar esta ideia...” (Thp, p. 251-2). Nesta recusa, é Cronos, a grande divindade que devora seus filhos e os esconde em sua interioridade para um possível reaparecimento, que é despedaçado por Aion, o tempo do Revir intenso: a parte mais espessa do patriarca – o passado – é lançada para a região do silêncio e do esquecimento; a parte mais luminosa, banhada pelo frescor da aurora – o futuro – é projetada para a região etérea, de onde se pode vislumbrar apenas sua luminosidade. Com a ausência do deus que marcava a realidade com a semelhança e o idêntico, nada mais resta que a linha tênue do presente; esta “linha reta do tempo, esta fenda mais rápida que o pensamento, mais delgada que qualquer instante que, de um lado e de outro de sua indefinidamente presente...” (Tph, p. 252). Um presente que se repete; que não cessa de voltar, mas volta não como o Retorno, puxando em seu círculo a realidade que já teve seu dia; volta sempre e sempre como diferença. Joga com a realidade e tem “o jogo como regra”: está sempre se jogando no copo do acaso, para maneira, já que as diferenças não são reduzidas previamente pelas categorias, já que elas não se repartem em um diverso sempre reconhecível pela percepção, já que elas não se organizam conforme a hierarquia conceitual das espécies e gêneros”. Tph, p. 251. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br flecha indefinidamente cortante, faz surgir este mesmo presente como já tendo sido 20 novamente ser lançado e, de uma só vez, afirmar-se como realidade. Por isso, Foucault revela que “se o ser se diz sempre da mesma maneira, não é porque o ser é um, é porque, no único lance de dados do presente, o todo do acaso é afirmado” (Idem, p. 253). No entanto, afirmando-se nessa indefinição repetitiva, o presente se mostra, a cada instante, como um signo insuportável e vazio, como um excesso que precisa ser pensado. Segundo Foucault, “... Após quase um século, a mais elevada empreitada da filosofia foi exatamente pensar este retorno...” como excesso (Idem, p. 253-4). Três possibilidades são oferecidas para que ele seja pensado: ou dar-lhe um conteúdo mítico a fim de que, por esse conteúdo, ele seja desarmado e reduzido; ou lapidá-lo pouco a pouco, até que atinja a possibilidade de “figurar sem vergonha no fio de um discurso”; ou, enfim, revelá-lo simplesmente em seu caráter excessivo, “sempre deslocado, indefinidamente fora de seu lugar...”, sem se importar em lhe atribuir um “significado arbitrário”, ou uma palavra onde ele pudesse alojar-se.26 Tanto com as experiências contemporâneas quanto com as reflexões de Deleuze, o que vem se demonstrando é uma inclinação cada vez maior para essa terceira possibilidade de pensar o excesso. Todavia, ao optar por esta maneira de pensar, o saber assume a forma de uma figura em transe, despedaçando-se infinitamente no presente, nesse tempo que “é sempre mais fino que o pensamento (Tph, p. 252)”. É a única possibilidade encontrada para que se possa dizer o ser em sua forma unívoca. O saber em pedaços, estraçalhado; o saber figurando como um deus bêbado; ao mesmo tempo, reproduzindo todas as mímicas que lhe deram origem e gerando, intensivamente, máscaras que nunca portara. Em torno de todo esse enredo, o que está em jogo, são as novas cenas que deixar que o próprio Foucault narre o espetáculo que se encena no momento? Então, que fale esse espectador da diagonal: 26 - “Seria preciso que esse signo vazio e imposto por Nietzsche como um excesso colocasse à disposição, a cada vez, os conteúdos místicos que o desarmam e o reduzem? Seria preciso, ao contrário, tentar burilá-lo para que ele pudesse tomar lugar e figurar sem vergonha no curso de um discurso? Ou seria preciso reabilitar esse signo em excesso, sempre deslocado, perpetuamente falante em seu lugar e, mais do que encontrar para ele o significado arbitrário que lhe corresponde, mais do que construir para ele uma palavra, fazê-lo entrar em ressonância com o grande significado que o pensamento de hoje carrega como flutuação incerta e submissa...”. Tph, p. 254. ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 www.revistapindorama.ifba.edu.br marcam a presença do saber ocidental no palco do conhecimento. Mas, por que não 21 www.revistapindorama.ifba.edu.br Ele não está por vir, prometido pelo mais longínquo dos recomeços. Ele está presente nos textos de Deleuze, pulando, dançando diante de nós, entre nós; pensamento genital, pensamento intenso, pensamento afirmativo, pensamento a-categórico – todos os rostos que não conhecemos, máscaras que jamais vimos; diferença que nada deixava prever e que, no entanto, faz voltar como máscaras de suas máscaras, Platão, Duns Scot, Espinosa, Leibniz, Kant, todos os filósofos. A filosofia não como pensamento, mas como teatro: teatro de mímica com cenas múltiplas, fugidias e instantâneas nas quais os gestos, sem se verem, fazem signo; teatro em que, sob a máscara de Sócrates, subitamente explode o riso do sofista; em que os modos de Espinosa conduzem a uma ronda descentrada, enquanto a substância gira em torno deles como um planeta louco; em que Fichte manco anuncia: ‘Eu dividido/eu dissolvido’; em que Leibniz, tendo atingido o topo da pirâmide, distingue na escuridão que a música celeste é o Pierrot lunair. Na guarita de Luxemburgo, Duns Scot enfia a cabeça na janela circular; ele tem bigodes enormes; são os de Nietzsche disfarçado de Klossowski (Tph, p. 254). ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 22 Referências BLANCHOT, Maurice. L’espace littéraire. Paris: Gallimard, 1955. _________________. L’entretien infini. Paris: Gallimard, 1969. COLLIN, Françoise. Maurice Blanchot et la question de l’écriture. Paris: Gallimard, 1971. DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2009. _____________. Foucault. 2a ed., São Paulo: Brasiliense, 1991. _____________. Lógica do Sentido. 3a ed., São Paulo: Perspectiva, 1974. FOUCAULT, Michel. Histoire de la folie. 2a ed., Paris : Gallimard, 1972. [Ed. bras: História da Loucura na Idade Clássica. 4a ed., São Paulo: Perspectiva, 1995.] ________________. Naissance de la clinique. 2a ed., Paris : PUF, 1972. 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ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 23 Figures and images of knowing in the thinking of Michel Foucault Abstract Michel Foucault’s analyses of Western knowledge point to a discontinuity that precludes understanding it as something with fixed traits. The vagueness of these traits brings evidence, for Foucault, that knowledge does not have a face, per se, but only masks making their appearances upon the stage of knowledge as we find new configurations. This article seeks to follow the course of these philosophical threads to locate the mask worn by knowledge in the contemporary period. It considers some of Foucault’s writings linking art, literature and philosophy with games of experience and reflections typical of contemporary thought to suggest that there is no longer space for playing with similarities–in the way of Renaissance thought, that the representation that dominated Neo-Classical thought distanced itself from distinctions, and that human beings, as modernity’s protagonists, lost power to keep all other configurations orbiting around them. Henceforth, both in the experience of the arts and in philosophy (especially the philosophy of Gilles Deleuze) new modes come into play, including the blurring of forms, the impossibility of total apprehension and the disappearance of the subject of knowledge and the ghostly image of thought. Key words: Foucault, Deleuze, Contemporary thought, philosophy and art. Recebido em 05/03/2014 www.revistapindorama.ifba.edu.br Aprovado em 05/04/2014 ISSN 2179-2984_______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 3-24 24 Arquitetura, sustentabilidade e práticas de ensino e aprendizagem: diagnóstico do espaço construído dos Institutos Federais da Bahia Silvia Kimo Costa1 Matheus Victor Rocha Bongestab2 ___________________________________________________________________ RESUMO O presente artigo aborda a relação entre Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), Arquitetura Escolar e Sustentabilidade Arquitetônica, considerando os “polos pedagógicos”: “Autoritarismo Educacional” e a “Educação Libertária”. Foram realizados diagnósticos pedagógico-arquitetônicos dos Institutos Federais das cidades de Ilhéus e Eunápolis, localizadas respectivamente no sul e extremo-sul do Estado da Bahia. O trabalho consistiu na análise dos Projetos Políticos Pedagógicos do IFBA Ilhéus e IFBA Eunápolis, objetivando identificar quais as tendências pedagógicas predominantes e verificar como estas vêm se materializando na arquitetura de ambas as Instituições. Também foi analisada a sustentabilidade ambiental dos conjuntos arquitetônicos. Os dados para análise arquitetônica foram coletados através de um roteiro de observação direcionado desenvolvimento por Costa e Silva Junior (2013). Além do roteiro de observação, foram elaborados croquis, desenhos de observação e desenhos técnicos dos conjuntos arquitetônicos analisados. A análise fundamentou-se teórico-metodologicamente nos conceitos referentes às “Técnicas Disciplinares” (FOUCAULT, 2011); tendências pedagógicas e o que as caracterizam como “autoritárias” e/ou “Libertárias” e “sustentabilidade arquitetônica”. Os diagnósticos demonstraram que ambas as 1 Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Professora dos cursos de Tecnologia de Edificações e Engenharia Civil do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Eunápolis, Bahia, Brasil. Pesquisadora e coordenadora do Projeto de Pesquisa intitulado: “Institutos Federais da Bahia: diagnóstico do espaço construído considerando a relação entre Arquitetura, Sustentabilidade e Práticas de Ensino e Aprendizagem”. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Aluno do curso de Tecnologia de Edificações do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Eunápolis, Bahia, Brasil. Bolsista PIBIC (EM) – CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]. Instituições são insustentáveis arquitetonicamente e que os Projetos Políticos Pedagógicos vêm se materializando em uma arquitetura configurada para permitir práticas de ensino e aprendizagem relacionadas à Pedagogia Tecnicista em detrimento da Pedagogia Crítico-social dos conteúdos. Palavras-chave: Arquitetura pedagógicos. IFBAs escolar. Projetos políticos INTRODUÇÃO Este artigo aborda como Projetos Políticos Pedagógicos vêm se materializando/ moldando o espaço físico do ambiente de ensino, ou seja, a Arquitetura Escolar, segundo “Práticas Discursivas” (FOUCALT, 2012a) que corroboram “Técnicas Disciplinares” (FOUCAULT, 2011) que caracterizam o “Autoritarismo Educacional” ou uma “Educação Libertária” (FERREIRA, 1999; GALLO, 2012). O trabalho foi elaborado com base em resultados da pesquisa intitulada: “Institutos Federais da Bahia: diagnóstico do espaço construído considerando a relação entre Arquitetura, Sustentabilidade e Práticas de Ensino e Aprendizagem” e contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foram analisados os Institutos Federais da Bahia (IFBA) localizados nas cidades de Eunápolis e Ilhéus, no período de maio de 2013 a fevereiro de 2014. Os dados foram coletados através de um roteiro de observação direcionando (para costa e Silva Junior (2013) e as informações obtidas foram correlacionadas aos Projetos Políticos Pedagógicos de cada IFBA estudado, possibilitando dessa forma, diagnósticos pedagógico-arquitetônicos. A análise fundamentou-se teórico-metodologicamente nos conceitos referentes às “Técnicas Disciplinares” (FOUCAULT, 2011); Sustentabilidade Arquitetônica (CORBELLA, YANNAS, 2009); Tendências Pedagógicas e o que as caracterizam como “autoritárias” e/ou “Libertárias” (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013). ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br análise do espaço do ambiente de ensino construído e pós-ocupado) elaborado por 26 O texto está organizado em duas partes: a primeira apresenta as Instituições analisadas e trata dos procedimentos metodológicos para realização da coleta e análise dos dados e a segunda apresenta o diagnóstico pedagógico-arquitetônico das duas Instituições. 1. Instituições analisadas e Metodologia 1.1 Instituições analisadas Os Institutos Federais analisados localizam-se no Estado da Bahia nos municípios de Eunápolis e Ilhéus (Figura 1). Figura 1: Localização dos municípios de Ilhéus e Eunápolis no Estado da Bahia Fonte: http://lpmodos.wordpress.com/tag/br-101/ O IFBA Eunápolis foi inaugurado em 1994 e entrou em funcionamento em 1995. O primeiro curso oferecido foi o de Tecnologia em Enfermagem e Turismo online). www.revistapindorama.ifba.edu.br (desvinculado do Ensino Médio). Em 1999 o Instituto passou a oferecer os cursos de ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 27 Tecnologia de Edificações; Técnico em Turismo e Hospitalidade integrados ao Ensino Médio. Atualmente o Instituto oferece Cursos Técnicos de nível médio modalidade integrada em Edificações, Informática e Meio Ambiente, Cursos Técnicos de nível médio modalidade subsequente em Edificações, Enfermagem e Meio Ambiente e Cursos Superiores em Licenciatura em Matemática; Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Engenharia Civil. (CAMPUS EUNÁPOLIS, O Instituto apresenta os seguintes ambientes de ensino: Laboratório de Geoprocessamento; Laboratório de Bioquímica; Laboratório de Matemática; Laboratório de Modelos Matemáticos; Laboratório de Desenho; 02 Laboratórios de Desenho Arquitetônico; Laboratório de Física; Laboratório de Química; Laboratório de Biologia; Laboratório de Enfermagem; Laboratório de Redes de Computador; 04 Laboratórios de Informática; Laboratório de Edificações; Sala de Línguas; Sala de Audiovisual; Sala de Ginástica; 01 Auditório e 01 Biblioteca com acesso à internet. Encontra-se em construção uma nova edificação de três pavimentos para abrigar a nova biblioteca e novas salas de aula. E para a prática esportiva, o Campus dispõe de uma quadra poliesportiva equipada; uma Pista de Atletismo, uma Quadra de Vôlei de Praia e está em construção um Campo de Futsal (futebol de salão). O IFBA Ilhéus faz parte do processo de expansão da Rede Federal de Educação Profissional. O Campus iniciou suas atividades em 2011 com o desenvolvimento de dois projetos de extensão: Pró-IFBA - curso: preparatório para o ingresso no IFBA Campus Ilhéus, ofertado a estudantes das escolas públicas dos municípios de Ilhéus e Itabuna e o projeto Mulheres Mil, que visa integrar mulheres ao mundo do trabalho através da oferta de cursos de curta duração. (CAMPUS ILHÉUS, online). Em 2012, o Instituto iniciou os cursos nas modalidades de Ensino médio Integrado e Subsequente ao Ensino Médio de Técnico em Informática; Técnico em Segurança do Trabalho e Técnico em Edificações (subsequente). O Instituto apresenta os seguintes ambientes de ensino: Salas de aula; 04 Laboratórios (para atividades diversas); 02 Laboratórios de Informática; Laboratório de Química; Laboratório de Física; Laboratório de Biologia; Laboratório de 1.2 Metodologia A coleta e análise dos dados envolveram as seguintes etapas: 1ª etapa: foi realizado um cadastramento do espaço do ambiente de ensino construído e pós-ocupado através de um roteiro de observação direcionando (Quadro 1). Este cadastramento também contemplou a elaboração de croquis, desenhos de observação e desenhos técnicos da arquitetura de cada escola. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Matemática; Sala de Vídeo Conferência; 01 Biblioteca e 01 Auditório. 28 Quadro 1: Roteiro de Observação Direcionado Item 1 Disposição e integração entre os ambientes internos e externos da edificação 2 Dispositivos de segurança e vigilância Características ( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços dispostos por setor e lado a lado ao longo de corredores fechados ( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços com disposição setorial, mas separados em edificações individualizadas, dispostas com certa distância umas das outras, interligadas por corredores vedados com paredes e cobertura ou por passarelas ao ar livre ( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços sem disposição setorial e separados em edificações individualizadas, dispostas com certa distância umas das outras, interligadas por corredores vedados com paredes e cobertura ou por passarelas ao ar livre ( ) salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços sem disposição setorial e qualquer elemento de vedação (paredes ou painéis) que limite seu espaço físico e contato com o exterior ( ) Presença de visores de vidro na porta das salas de aula e demais ambientes da Instituição ( ) Presença de câmaras de vigilância pelos corredores e demais áreas da Instituição ( ) Presença de grades de proteção em áreas ou recintos da Instituição ( ) Não existem visores em portas, câmeras de vigilância e grades de proteção em qualquer local/recinto da Instituição. Descrição de outras formas de vigilância/monitoramento (se houver): Quanto ao tamanho e posição dos elementos arquitetônicos que permitem ventilação e iluminação natural (portas e janelas). Descrição: 3 Sala de aula 4 Layout interno (posição do mobiliário) das salas de aula: Croqui da sala de aula (planta baixa) indicando posição das aberturas (portas e janelas) e entrada de luz natural e circulação do vento dentro do ambiente: ( ( ( ( ( ) Carteiras enfileiradas de frente para o quadro ) Mesa do professor junto ao quadro de frente para carteiras enfileiradas ) Carteiras dispostas em círculo ) Carteiras dispostas de maneira aleatória formando grupos ) Mesa do professor ocupando posições diversas dentro da sala de aula ( ) Mesas ou carteiras que permitem rearranjo ( ) Mesas ou carteiras fixas ( ) Mesas ou carteiras móveis mas que não permitem rearranjo Fonte: Elaborado por Costa e Silva Junior (2013). 5 Tipologia do mobiliário 2ª etapa: para análise da Arquitetura das Instituições foi utilizada uma Matriz de sistematização das características que indicam a predominância do “Autoritarismo Educacional” e da “Educação Libertária na Arquitetura escolar”. (Quadro 2). ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Croqui da sala de aula (planta baixa) indicando a disposição do mobiliário 29 Quadro 2: Matriz de sistematização das características que indicam a predominância do Autoritarismo Educacional e da Educação Libertária na Arquitetura escolar. Sustentabilidade arquitetônica, considerando as características bioclimáticas, eficiência energética das edificações e interações com o contexto sociocultural e ambiental do local onde estão construídas. Espacialização das edificações (disposição e integração entre os ambientes internos e externos da edificação). Partido arquitetônico (forma) das edificações. Educação Libertária Características predominantes Características predominantes Bioclimatismo aplicado à Arquitetura Conforto Ambiental Salas de aula, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc) dispostos por setor e lado a lado ao longo de corredores fechados; Salas de aula, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc), com disposição setorial, mas separados em edificações individualizadas, dispostas com certa distância umas das outras, interligadas por corredores vedados com paredes e cobertura ou por passarelas ao ar livre. Rígido, com pouca possibilidade de plasticidade das formas e flexibilidade dos espaços. Layout das salas de aula (disposição do mobiliário) Carteiras enfileiradas de frente para o quadro; Mobiliário da sala de aula e demais ambientes da escola Carteiras ou mesas com pouca mobilidade ou flexibilidade de modulação. Existem: visores de vidro nas portas; câmeras de vigilância; monitores (vigilantes). Fonte: Elaborado com base em Costa e Silva Junior (2013). Dispositivos de segurança e vigilância. Bioclimatismo aplicado à Arquitetura; Arquitetura Vernacular; Interação com o entorno Natural/ parte da Natureza; Atende e envolve a comunidade. Salas de aula, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc), sem disposição setorial e separados em edificações individualizadas, dispostas com certa distância umas das outras, interligadas por corredores vedados com paredes e cobertura ou por passarelas ao ar livre; Salas de aula, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc) sem disposição setorial e qualquer elemento de vedação (paredes ou painéis) que limite seu espaço físico e contato com o exterior. Forma livre, variando desde a geometrização (com a predominância das linhas retas) às curvas e formas orgânicas. Carteiras dispostas em círculo; Carteiras dispostas de maneira aleatória formando grupos. Carteiras ou mesas com boa mobilidade e confeccionadas para permitir flexibilidade de modulação. Não existem. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Itens observados Autoritarismo Educacional 30 Para analisar a arquitetura das Instituições quanto à sustentabilidade considerou-se o conceito de sustentabilidade arquitetônica proposto por Corbella e Yannas (2009, p. 19): Sustentabilidade Arquitetônica é a continuidade mais natural da Bioclimática, considerando também a integração do edifício à totalidade do meio ambiente, de forma a torná-lo parte de um conjunto maior. É a arquitetura que quer criar prédios objetivando o aumento da qualidade de vida do ser humano no ambiente construído e no seu entorno, integrando com as características da vida e do clima locais, consumindo a menor quantidade de energia compatível com o conforto ambiental, para legar um mundo menos poluído para as futuras gerações. (grifo nosso). Trata-se de um conceito que correlaciona a Bioclimática aplicada à Arquitetura à Eficiência Energética. A Bioclimática ou Bioclimatismo é “o princípio que integra arquitetura e os elementos favoráveis do clima com o objetivo de satisfazer as exigências de bem estar higrotérmico”. (SINGH, MAHAPATRA e ATREYA, 2008, p. 878). A “Eficiência Energética” “pode ser entendida como a obtenção de um serviço com baixo dispêndio de energia. Portanto, um edifício é mais eficiente energeticamente que outro quando proporciona as mesmas condições ambientais com menor consumo de energia”. (LAMBERTS, DUTRA, PEREIRA, 1997, p. 14). 3ª etapa: foram analisados os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) de cada IFBA. 4ª etapa: as informações obtidas através da análise da arquitetura das Instituições foram correlacionadas aos seus respectivos PPPs. O Ambiente de ensino deve refletir a proposta pedagógica da Escola (KOWALTOWSKI, 2011). Dessa forma, os espaços escolares internos e externos precisam ser projetados para que as práticas de ensino e aprendizagem se concretizem de maneira efetiva. Nesse contexto, Costa e Silva Junior (2013) sinalizam para a existência de duas “Práticas Discursivas” que vem influenciando diretamente a configuração da arquitetura das escolas: o “Autoritarismo Educacional” e a “Educação Libertária”. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br 2. Diagnóstico pedagógico-arquitetônico das Instituições 31 Sendo que a “Prática Discursiva” é: Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2012a, p. 144). O “Autoritarismo Educacional” se materializa numa arquitetura elaborada para corroborar o “disciplinamento dos corpos” (FOUCAULT, 2011), seguindo padrões arquitetônicos similares aos das prisões “Panópticas” do século XIX. A prisão Panóptica era uma estrutura arquitetônica composta por uma construção em anel na periferia e, no centro, uma torre vazada por janelas que se abrem sobre a face interna do anel. O anel periférico era dividido em celas. Cada cela tinha apenas duas janelas: uma na parede externa do anel dimensionada, para permitir a entrada da luz do sol e a outra, na parede interna do anel voltada para a torre no centro. (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013, p. 98). De acordo com Costa e Silva Junior (2013), trata-se de uma arquitetura que permite o controle interior, que torna visível àquele que nela se encontra. Uma arquitetura configurada para transformar os indivíduos agindo sobre estes, dominando seu comportamento, oferecendo o conhecimento e os modificando, tornando-os dóceis (FOUCAULT, 2011). Uma arquitetura que os reconduz a uma outra identidade pelos efeitos coercitivos e ou sedutores dos macro (Governamentalidade) e micropoderes (Técnicas Disciplinares). Entende-se por Conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança. (FOUCAULT, 2012b, p. 409). Vigilância hierárquica, pois o “exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar: um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam”; da sanção normalizadora: as disciplinas “estabelecem uma “infrapenalidade”, quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um conjunto de comportamentos”; e do exame: “um controle normalizante, uma ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Governamentalidade e Técnicas Disciplinares, respectivamente: 32 vigilância que permite qualificar, classificar e punir”. (FOUCAULT, 2011, p. 165-177, grifo nosso). Nas escolas, o Panóptico está implícito na disposição individualizadora/ setorizada/ fragmentada dos ambientes (dispostos lado a lado ao longo de extensos corredores); na configuração “militar” da sala de aula (carteiras enfileiradas de frente para o quadro, em que os alunos veem as nucas de seus colegas) e nos mecanismos de segurança (tais como visores de vidro nas portas das salas de aula e câmeras de vigilância). Em contraponto, a arquitetura da “Educação Libertária” é projetada para permitir práticas de ensino e aprendizagem “humanistas”, “cognitivo-interacionistas” e “socioculturais”. Trata-se de uma educação, cuja pedagogia objetiva: (...) a extinção das relações de dominação e de exploração que subsistem entre professores, alunos e funcionários e que trabalham e vivem nas instituições escolares, de forma a permitir que a espontaneidade, a liberdade, a criatividade e a responsabilidade natural dos indivíduos pudessem emergir para configurações sociais integradas num modelo autogestionário de características libertárias. (FERREIRA, 1999, p. 102). Libâneo (2002, p. 25), conceitua essa pedagogia como uma “pedagogia libertária” - aquela que “espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário”. Segundo o autor, a pedagogia libertária, também é conhecida como “pedagogia institucional” e objetiva resistir à burocracia como instrumento da ação e dominação por parte do Estado, que retira a autonomia através do controle dos professores, programas, provas. Conteúdos de ensino - As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação crítica. "Conhecimento" aqui não é a investigação cognitiva do real, para extrair dele um sistema de representações mentais, mas a descoberta de respostas às necessidades e às exigências da vida social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem indispensavelmente, as matérias de estudo. Método de ensino - É na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Quanto aos conteúdos e métodos de ensino a pedagogia libertária propõe: 33 forma de poder. Trata-se de colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização, do trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas e a decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos alunos). Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo. (LIBÂNEO, 2002, p. 26-27, grifos nosso). Pode-se considerar que a arquitetura para a “Educação Libertária” seguem parâmetros de configuração do ambiente de ensino para atender princípios pedagógicos cujas bases residem principalmente em: teóricos escolanovistas Dewey, Kilpatrick, Decroly, Montessori, Claparède, Piaget, Feuerstein, Bruner, Gardner, Paulo Freire (ELALI, 2003). Teóricos que corroboram o pensamento socialista caracterizado pelo movimento de democratização do ensino (exemplo: Vigotsky). Teóricos do pensamento pedagógico Antiautoritário - que propunha uma escola em que qualquer instrumento de coerção e repressão deveria ser abolido (exemplo – Freinet) - e se originou a partir das “críticas à escola tradicional efetuada pelo movimento da Escola Nova e pelo pensamento pedagógico Existencial”. (GADOTTI, 2012, p. 173). Pois, todos estes teóricos introduziram novas formas de pensar a educação e desenvolveram práticas de ensino e aprendizagem que necessariamente demandaram uma mudança significativa nos espaços físicos das escolas. Quando se trata dos Institutos Federais estes se inserem no contexto das escolas de abordagem pedagógica tecnicista, em que: (...) subordina a educação à sociedade, tendo como função a preparação de "recursos humanos" (mão de obra para indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento científico) é o meio eficaz de obter a maximização da produção e ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br (...) propõe uma pedagogia embasada na racionalidade técnica, eficiência e eficácia da produtividade. O foco principal não é o sujeito e sim o objeto, provocando a fragmentação do conhecimento entre corpo e mente. A escola tecnicista é fundamentada em três pilares: o empirismo, o positivismo e o pragmatismo (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 10). 34 garantir um ótimo funcionamento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico por excelência. (LIBÂNEO, 2002, p. 8). Na escola tecnicista, “a educação é vista como um instrumento capaz de desenvolver economicamente o país pela qualificação da mão de obra”. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 10). A arquitetura da escola tecnicista segue o padrão arquitetônico das escolas influenciadas pela “Prática Discursiva” do “Autoritarismo Educacional”. Nos Institutos Federais da Bahia estudados (Campus Eunápolis e Campus Ilhéus), a análise dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) demonstrou a existência de uma tensão entre uma “pedagogia crítico-social dos conteúdos” e a “pedagogia tecnicista”. A pedagogia crítico-social dos conteúdos dá ênfase aos conteúdos, confrontando-os com a realidade social, bem como às relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta centrado no desenvolvimento da personalidade do indivíduo, em seus processos de construção e organização pessoal da realidade. Compreende que não basta ter como conteúdo escolar às questões sociais atuais, mas é necessário que o aluno possa se reconhecer nos conteúdos e modelos sociais apresentados para desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, buscando ampliar as experiências e adquirir o aprendizado. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 11, grifo nosso). Na pedagogia crítico-social dos conteúdos, “o professor é o mediador, cuja função é orientar e abrir perspectivas numa relação de troca entre o meio e o aluno, a partir dos conteúdos”. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 11). Nesse aspecto, a “Prática Discursiva” sinaliza uma “Educação Libertária”. Sendo assim, os IFBA’s analisados vivem uma constante tensão entre o Libertária” (advinda da pedagogia crítico-social dos conteúdos). Já a análise da arquitetura das Instituições (Quadros 3 e 4), demonstrou que as características indicam a predominância do “Autoritarismo Educacional”, corroborando a pedagogia tecnicista presente no Projeto Político Pedagógico (PPP) das Instituições. A pedagogia crítico-social dos conteúdos (que indica uma “Educação Libertária”) não se materializa, pois demanda ambientes de ensino que ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br “Autoritarismo Educacional” (advindo da pedagogia tecnicista) e a “Educação 35 sejam flexíveis. Dessa forma, para exercê-la o professor precisa tentar se adaptar ao máximo ao contexto existente e explorar sua criatividade. Característica observada Sustentabilidade arquitetônica, considerando as características bioclimáticas, eficiência energética das edificações e interações com o contexto sociocultural e ambiental do local onde estão construídas. Descrição Análise 1. O conjunto arquitetônico foi implantado sem considerar algumas Estratégias Bioclimáticas básicas: Não foi observada a incidência solar, dessa forma, muitas salas de aula ficam diretamente expostas ao sol da tarde. As edificações foram projetadas e inseridas no terreno de maneira que a ventilação cruzada não ocorre. As salas são extremamente quentes e abafadas. 2. Os materiais utilizados na construção da edificação são tradicionais (fundação, superestrutura em concreto; vedação em alvenaria de blocos. Revestimentos em argamassa de cimento e areia, etc...), mas não foi realizado gerenciamento dos resíduos sólidos da construção. 3. Não foram utilizadas (ou introduzidas através de reformas) estratégias para melhorar a Eficiência Energética da edificação tais como: sistema que capta água da chuva para uso nas descargas dos vasos sanitários, jardins e limpeza proporcionando economia de metade da água potável disponível no local; iluminação com lâmpadas LED, contribuindo para redução em até 80% do consumo de energia; painéis solares para geração de energia limpa; coleta seletiva e espaço para armazenar lixo para reciclagem, dentre outros. O conjunto arquitetônico do IFBA Eunápolis, não pode ser considerado sustentável. Espacialização das edificações (disposição e integração entre os ambientes internos e externos da edificação). O conjunto arquitetônico apresenta módulos de edificações, interconectados por passarelas cobertas, com salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc) dispostos por setor e lado a lado ao longo de extensos corredores fechados ou abertos. Partido arquitetônico (forma) das edificações. Caracteriza-se pela predominância de blocos retangulares de diferentes dimensões (em largura e comprimento). Layout das salas de aula (disposição do mobiliário). Depende da disciplina e da prática de ensino e aprendizagem do professor. Mas antes do início das aulas diárias, as carteiras de todas as salas são colocadas enfileiradas de frente para o quadro. Apresenta fragmentação hierárquica (setorização dos espaços). Remete ao padrão arquitetônico das escolas configuradas para o “disciplinamento dos corpos”- edificações com indícios panópticos Predominância: Autoritarismo Educacional. As edificações apresentam pouca flexibilidade espacial e estrutural Predominância: Autoritarismo Educacional. O padrão adotado pela escola é o ensino tradicional (disciplinar – configuração “militar” da sala de aula) Predominância: Autoritarismo Educacional. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Quadro 3: Descrição sistematizada e análise da arquitetura do IFBA Campus Eunápolis 36 Mobiliário da sala de aula e demais ambientes da escola. Apresenta certa mobilidade. É possível movimentar as carteiras e mesas pela sala, mas não apresenta qualquer flexibilidade de modulação. Dispositivos de segurança e vigilância. Todas as portas apresentam visores de vidro. Não há câmeras de vigilância, mas há monitores (da coordenação pedagógica) estrategicamente posicionados pelo campus. Compromete práticas de ensino e aprendizagem que demandem flexibilidade do mobiliário - Predominância: Autoritarismo Educacional. Apresenta os indícios de fiscalização e monitoramento típicos do Panóptico - Predominância: Autoritarismo Educacional. Fonte: Elaborado com base em dados da pesquisa. Espacialização das edificações (disposição e integração entre os construção. 3. Não foram utilizadas estratégias para melhorar a Eficiência Energética da edificação tais como: sistema que capta água da chuva para uso nas descargas dos vasos sanitários, jardins e limpeza proporcionando economia de metade da água potável disponível no local; iluminação com lâmpadas LED, contribuindo para redução em até 80% do consumo de energia; painéis solares para geração de energia limpa; coleta seletiva e espaço para armazenar lixo para reciclagem, dentre outros. O conjunto arquitetônico apresenta-se compactado espacializado ao redor de “praças”. Ou seja, as edificações não são modulares; são conectadas de maneira Apresenta fragmentação hierárquica (setorização dos espaços). Remete ao padrão arquitetônico das ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br Quadro 4: Descrição sistematizada e análise da arquitetura do IFBA Campus Ilhéus Característica Descrição Análise observada 1. O conjunto arquitetônico foi implantado em meio a uma área que apresenta resquícios da Mata Atlântica. Dessa forma, o microclima do local por si só já é moderado. Além disso, a edificação foi construída considerando Estratégias Bioclimáticas básicas: Foi observada a incidência solar, dessa forma, as salas de aula não ficam tão quentes no decorrer do dia. As edificações foram projetadas e inseridas no terreno permitindo ventilação cruzada. Entretanto, a escola foi projetada para Sustentabilidade utilização de climatização artificial. Sendo arquitetônica, assim, independente do período do ano, as considerando as características janelas das edificações se apresentam bioclimáticas, O conjunto arquitetônico do fechadas e os aparelhos condicionadores de eficiência IFBA Ilhéus apresenta ar ligados. energética das algumas melhorias em edificações e termos bioclimáticos, mas 2. Os materiais utilizados na construção da interações com o não pode ser considerado edificação são tradicionais (fundação, contexto sustentável. superestrutura em concreto; vedação em sociocultural e alvenaria de blocos. Revestimentos em ambiental do local argamassa de cimento e areia, etc...), e assim onde estão como no IFBA Eunápolis, não foi realizado construídas. gerenciamento dos resíduos sólidos da 37 ambientes internos e externos da edificação). contínua e se distribuem ao redor de jardins centrais. Assim, como no IFBA Eunápolis, as salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc) são dispostos por setor e lado a lado ao longo de extensos corredores fechados. Partido arquitetônico (forma) das edificações. Caracteriza-se pela predominância de blocos retangulares de diferentes dimensões (em largura e comprimento). Layout das salas de aula (disposição do mobiliário). Assim como o IFBA Eunápolis, depende da disciplina e da prática de ensino e aprendizagem do professor. Mas antes do início das aulas diárias, as carteiras de todas as salas são colocadas enfileiradas de frente para o quadro. Mobiliário da sala de aula e demais ambientes da escola. Assim como no IFBA Eunápolis, apresenta certa mobilidade. É possível movimentar as carteiras e mesas pela sala, mas não apresenta qualquer flexibilidade de modulação. Dispositivos de segurança e vigilância. As portas não apresentam visores de vidro. Não há câmeras de vigilância, mas há monitores estrategicamente posicionados pelo campus. escolas configuradas para o “disciplinamento dos corpos”- edificações com indícios panópticos Predominância: Autoritarismo Educacional. As edificações apresentam pouca flexibilidade espacial e estrutural Predominância: Autoritarismo Educacional. O padrão adotado pela escola é o ensino tradicional (disciplinar – configuração “militar” da sala de aula) Predominância: Autoritarismo Educacional. Compromete práticas de ensino e aprendizagem que demandem flexibilidade do mobiliário - Predominância: Autoritarismo Educacional. Apresenta os indícios de fiscalização e monitoramento típicos do Panóptico - Predominância: Autoritarismo Educacional. Fonte: Elaborado com base em dados da pesquisa. Como pode ser observado nos quadros 3 e 4 (acima), tanto o conjunto arquitetônico do IFBA Ilhéus (funcionando desde 2011) quanto do IFBA Eunápolis (funcionando desde 1995), não podem ser considerados sustentáveis, pois não apresentam estratégias bioclimáticas básicas que permitem o conforto ambiental interno dos ambientes e estratégias que possibilitem eficiência enérgica. A espacialização e a forma das edificações acontecem de maneira diferenciada nos dois conjuntos arquitetônicos. O IFBA Eunápolis (Figura 2) apresenta-se em um módulo único com jardins internos (ao ar livre), que tomam o aspecto de “praças”. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br apresenta-se desmembrado em vários módulos; já o IFBA Ilhéus (Figura 3) 38 Figura 2: Implantação do IFBA Eunápolis Fonte: Elaborado pelos pesquisadores. Figura 3: Implantação do IFBA Ilhéus. fragmentação hierárquica (setorização) dos espaços. Essa setorização é um www.revistapindorama.ifba.edu.br Fonte: Elaborado pelos pesquisadores. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 39 Não é a espacialização dos conjuntos arquitetônicos que estão indicando ou não o “Autoritarismo Educacional”, mas sim a disposição das salas de aulas, área administrativa/direção e outros espaços (Labins/laboratórios/sala de audiovisual, etc). Em ambas as Instituições tais ambientes são dispostos por setor e lado a lado ao longo de extensos corredores fechados ou abertos, o que indica uma dispositivo de coerção que objetiva deixar visíveis (expor) aqueles sobre os quais se aplicam – “Vigilância Hierárquica” (FOUCAULT, 2011). Uma materialização das “Técnicas Disciplinares” típica das edificações Panópticas do século XIX e que corrobora o Autoritarismo Educacional. (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013). O layout interno dos ambientes (disposição do mobiliário) depende da prática de ensino e aprendizagem do professor. Mas antes do início de cada aula, a sala é sempre organizada seguindo o padrão tradicional de ensino: carteiras enfileiras de frente para o quadro. A organização das carteiras em círculos ou grupos em semicírculos é entendida como desorganização. As carteiras são móveis, mas não permitem flexibilidade para modulação. Quanto aos dispositivos de segurança, estes são necessários para segurança patrimonial, mas também são utilizados para fiscalização, monitoramento dos alunos. Constituem resquícios dos elementos Panópticos nas Instituições de ensino. (COSTA, SILVA JUNIOR, 2013). Considerações finais A arquitetura de ambas as Instituições é extremamente rígida e setorizada hierarquicamente, corroborando com o “Autoritarismo Educacional” presente em seus respectivos Projetos Políticos Pedagógicos através da pedagogia tecnicista – cujo “foco é o objeto, a tecnologia”, laboratórios bem estruturados; equipamentos “(...) o professor acaba se tornando apenas um mero transmissor entre o aluno e o conhecimento”. (SILVA, GIORDANI, MENOTTI, 2014, p. 10). Em contraponto, os PPPs sinalizam para a pedagogia crítico-social dos conteúdos em que o professor construtivo. Mas nesse contexto, a arquitetura inflexível e hierarquizada dificulta a prática docente. Quanto à sustentabilidade nenhuma das Instituições apresenta uma arquitetura sustentável. O IFBA Ilhéus foi construído recentemente e entrou em funcionamento em 2011, e quando comparado ao IFBA Eunápolis, que entrou em funcionamento em 1995, verifica-se que poucas estratégias bioclimáticas foram utilizadas. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 www.revistapindorama.ifba.edu.br se coloca como um orientador/ mediador do conhecimento - um processo 40 A presente pesquisa sinaliza para uma revisão quanto aos procedimentos para elaboração de projetos arquitetônicos para os Institutos Federais da Bahia, no intuito de que o ambiente de ensino não deve ser configurado para permitir apenas a pedagogia tecnicista (a arquitetura padrão em que todos devem se inserir independente dos ambientes atenderem ou não as especificidades). As práticas pedagógicas em que o conhecimento deixa de estar centrado no professor e passa a ser uma construção conjunta professor/aluno também fazem parte da proposta pedagógica dos Institutos e necessitam de espaços flexíveis, fluídos, interativos e de mobiliários que permitam modulações. Além disso, projetar novas edificações ou reformar edificações existentes, considerando estratégias bioclimáticas e eficiência enérgica é o mínimo a ser feito em direção a uma Arquitetura Sustentável que possibilite conforto ambiental e minimização do impacto ambiental no contexto onde estas edificações estão ou www.revistapindorama.ifba.edu.br serão inseridas. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 25-43 41 Referências CAMPUS ILHÉUS. Histórico, 2014. Disponível: http://www.ilheus.ifba.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=281&It emid=56. Acesso em: 15, fev. 2014. CAMPUS EUNÁPOLIS. Histórico, 2014. Disponível: http://www.eunapolis.ifba.edu.br/index.php/o-campus. Acesso em: 15, fev. 2014. CORBELLA, O; YANNAS, S. Em busca de uma arquitetura sustentável. São Paulo: Editora Revan, 2009. COSTA, S. K.; SILVA JUNIOR, M. F. da. 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Pedagogical and architectural diagnostics of Federal Institutes from Ilheus and Eunápolis municipalities, respectively located in the south and far south of Bahia, were performed. The work consisted in analyzing the Political and Pedagogical Projects of Ilheus’ IFBA and Eunápolis’ IFBA, aiming to identify the predominant pedagogical trends and see how they have been manifested in the architecture of both institutions. Was also analyzed the environmental sustainability of architectural ensembles. The architectural data for analysis were collected through an observation script development directed by Costa e Silva Junior (2013). Besides the observation script, sketches, drawings and blueprints observation of architectural complexes analyzed were prepared. The analysis was based on theoretical and methodological concepts relating to "Disciplinary Techniques" (Foucault, 2011), and pedagogical trends that characterize them as "authoritarian" and / or "Libertarian" and "architectural sustainability" The diagnostics showed that both institutions are unsustainable architecturally and the Political Pedagogical Project have been manifested in a set architecture to allow practices of teaching and learning related to Technicist Pedagogy over the Critical-social content Pedagogy. 43 Apresentando a Matemática e a Ciência por meio das artes cênicas Franciele Lopes da Silva1 Ricardo Roberto Plaza Teixeira 2 ___________________________________________________________________ RESUMO Este artigo objetiva apresentar e analisar algumas propostas que se utilizem das artes cênicas para motivar os alunos na aprendizagem da Matemática e, de modo mais amplo, das disciplinas científicas em geral. Ele mostra também que o aspecto histórico das ciências naturais tem características valiosas para serem trabalhadas didaticamente junto aos educandos. O trabalho que foi realizado durante a investigação se estruturou a partir da elaboração de uma peça teatral envolvendo alguns nomes importantes da História da Ciência (Galileu, Newton, Gauss e Einstein), bem como alguns personagens (Spock e Sheldon) de filmes e séries televisivas que de alguma forma procuram dialogar com questões científicas (Star Trek e The Big Bang Theory). A peça teatral escrita foi apresentada em 2012 durante a Semana Cultural do campus de Caraguatatuba do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e recebeu o prêmio máximo da competição. Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com o público presente de modo a avaliar o grau de conhecimento sobre os assuntos e personagens abordados pela peça. Além disso, é feita também uma análise das repercussões que teve esta peça teatral e das possibilidades de uso do teatro no ensino da Matemática e de Ciência. 1 Graduanda do curso de Licenciatura em Matemática do campus de Caraguatatuba do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Doutor em Ciências pela USP e Docente do campus de Caraguatatuba do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Endereço eletrônico: [email protected] Finalmente, em anexo, é apresentado o roteiro da peça teatral que foi escrita. Palavras-chave: Matemática; Teatro; Aprendizagem; História da Ciência. INTRODUÇÃO O que a Matemática significa para as pessoas em geral? O quão presente ela está no dia-a-dia? Porque ela é uma disciplina tão “polêmica”, mas ao mesmo tempo tão necessária e inevitável na vida dos cidadãos? Como superar os obstáculos existentes para a sua aprendizagem? Para aqueles que gostam e entendem de Matemática, essas perguntas realmente não fazem sentido, pois eles não têm essas dúvidas em relação a esta disciplina. Mas para a maioria da humanidade que não tem este tipo de relação com a Matemática, estas são perguntas cruciais. Não é fácil convencer pessoas que não estão interessadas, sobre o quão fascinante é o mundo das Ciências e da Matemática, mas esta tarefa também não é impossível. Um caminho interessante para qualquer processo educativo é juntar algo necessário com algo prazeroso, para que a motivação desencadeie e torne o aprendizado mais significativo e pleno. Esta foi uma das ideias norteadoras do projeto de pesquisa-ação (THIOLLENT, 2005) que é apresentado neste trabalho: mostrar que o teatro pode se transformar em um bom “fio condutor” para a educação A reação dos alunos com respeito à disciplina da Matemática é frequentemente negativa: abominação, medo, senso de incapacidade, insegurança, etc. São exatamente essas dificuldades que, infelizmente, desmotivam e impedem o desenvolvimento significativo da sua aprendizagem. Pela forma com a qual geralmente é trabalhada nas escolas, o contato da Matemática com o público leigo é muitas vezes problemático visto que seus objetivos são incompreensíveis para a ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br matemática e científica. 45 grande maioria das pessoas, principalmente se o seu ensino for excessivamente mecânico e rotineiro. Tendo em vista esta situação, o teatro pode colaborar de modo significativo para a Educação Matemática e Científica e “pode alavancar o interesse, disseminar informações e popularizar, de forma lúdica, conhecimentos científicos” (MATOS e SILVA, 2003, p. 261). Além desta sua característica de fruição, ele pode ser uma boa ferramenta pedagógica e um bom método para ser utilizado junto às diversas disciplinas dentro das salas de aula, pois permite que sejam trabalhados o controle do corpo e a concentração dos alunos, estimulando a imaginação e ajudando a desinibir e a aproximar os alunos entre si e cada aluno com o professor. Eles podem buscar inspiração de diferentes formas: da história, da mitologia ou do cotidiano (GRANERO, 2011). A interpretação de uma peça, seja ela qual for, desperta os alunos para a observação deles mesmos e dos outros, instigando-os a se aprofundar em suas próprias histórias de vida e a desenvolver a capacidade de expressar seus sentimentos de forma positiva, com respeito e colaboração. O objetivo deste trabalho é avaliar as possibilidades de inter-relacionar duas áreas de conhecimento consideradas bastante distintas (Matemática e teatro), de modo a obter resultados positivos em termos educacionais. O teatro e as artes em geral são vistos, usualmente, como ferramentas de lazer e de entretenimento. Existe, aliás, uma certa quantidade de preconceito na sociedade em geral a respeito do teatro. No transcorrer deste trabalho, existiram pais de alunos que fizeram questionamentos que refletiram este estado de espírito: “Mas meu filho vai usar vestidos?” Ou “Meu filho pintará a boca? Isso é coisa de mulherzinha!”. Esses exemplos nos mostram que há discriminação em relação ao meio cênico e que para superar isto, a família, além da escola, tem um papel importante no desenvolvimento diferenças. O teatro, neste sentido, pode ser um caminho de emancipação para liberar as diversas personalidades que podem existir dentro de cada um de nós. Todos são capazes de encenar: às vezes pode parecer deveras complicado, mas não impossível. Para Augusto Boal (1979), o teatro pode ser praticado por qualquer um, mesmo por quem não é artista, do mesmo modo que o futebol pode ser praticado por quem não é atleta. ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br de valores civilizatórios e humanísticos que estimulem a tolerância com respeito às 46 Não há restrições de idade para que alguém se expresse artisticamente (GRANERO, 2011). O teatro colabora para a realização de novas descobertas, ressaltando diversas qualidades existentes nos alunos, contribuindo com uma melhor socialização e ampliando horizontes: “Para criar, é necessária a imaginação, é necessário sair do pensamento convergente, elaborando um pensar divergente para ir além do imediato [...]” (SILVA, 2003, p.148). Assim sendo, pelo uso do teatro em sala de aula é possível mostrar que a Matemática – e as ciências em geral – não envolvem apenas números, fórmulas e regras, mas que há histórias interessantíssimas por detrás de toda complexidade numérica e abstração matemática existente. Poucos sabem que existiram mulheres como Hipácia, Marie Curie e Marie Sophie Germain, entre tantas outras figuras femininas, que realizaram grandes descobertas matemáticas ou em áreas próximas à Matemática, como é o caso da física. Ressaltar estas essas histórias é importantíssimo, até porque aproximadamente metade das classes de educação básica é constituída de meninas e o conhecimento da participação feminina na história da ciência pode ser vital para atrair o interesse e a curiosidade destas alunas para as ciências. O uso do teatro como ferramenta pedagógica não pretende substituir as aulas regulares nas escolas. O seu objetivo principal em um ambiente escolar não é o de ensinar conteúdos específicos de cada disciplina, mas o de motivar o aluno e o professor, juntar as suas experiências, despertar a curiosidade e buscar novos conhecimentos, pois o palco potencializa a grande magia da imaginação: “Quando em liberdade, o imaginário rompe os limites do real, propiciando assim o emergir do novo, devendo ser encarado como processo de produção de conhecimento, interpretação, reflexão e desejo [...]” (SILVA, 2003, p. 148). Ao tornar um determinado conhecimento interessante e acessível, é possível ciências naturais, no meio escolar, são vistas como obstáculos que desmotivam os que têm mais dificuldade. ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br atrair aqueles que desistiram de tentar aprender, haja visto que a Matemática e as 47 1. Experiências e obstáculos Para a realização deste trabalho, foi realizada uma pesquisa de revisão bibliográfica em uma série de livros de divulgação cientifica e de história da ciência. O principal livro neste sentido foi “Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso da Matemática” do escritor inglês Alex Bellos (2011). Esta obra recente no mercado editorial brasileiro nos chamou a atenção pela leveza e teatralidade com que seus conteúdos são trabalhados ao longo de seus capítulos, apresentando diferentes estratégias de motivação que professores podem usar para despertar nos estudantes uma maior curiosidade pelo conhecimento científico e matemático. O envolvimento com esta obra acabou levando um dos autores (F. L. Silva) a entrar em contato, via e-mail, com o autor do livro, relatando a ele a sua motivação para realizar uma peça de teatro envolvendo temas abordados em seu livro. A resposta de Alex Bellos veio rapidamente e foi no sentido de incentivar a realização deste trabalho: “acho que uma peça teatral é uma ótima ideia – tem tanta coisa na Matemática que renderia”. Além do livro de Bellos, outros livros serviram como base para a estruturação da peça escrita. Um deles foi o livro “O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro”, de Carl Sagan (2006); a forma elegante com que o seu autor vê o papel da ciência ajudou na estruturação do enredo e no perfil histórico de alguns personagens. A peça teatral “O dia em que os gênios pararam para um breve acerto de contas” (em anexo), escrita por F. L. Silva, foi utilizada como base para a realização deste trabalho. Ela discorre a respeito de quatro personagens que remetem a cientistas e matemáticos importantes da história da ciência (Galileu, Newton, Gauss e Einstein) e outros dois personagens que são fictícios e estão presentes em séries Jornada nas Estrelas, também conhecida como Star Trek, e o Sheldon da série “The Big Bang Theory”). Para a construção dos personagens referentes aos cientistas abordados, foram consultados alguns livros de divulgação científica que procuraram não somente relatar com fidelidade os acontecimentos da História da Ciência relacionados a cada cientista, mas também se aprofundar nas contradições e nos problemas encontrados por eles, deixando claro que a construção da ciência não foi ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br e filmes que têm alguma relação com o universo da ciência (o Sr. Spock da série 48 o processo linear “para mais e para melhor” como algumas histórias tentam passar a impressão (Kuhn, 2010). Para construirmos o personagem de Galileu Galilei (1564-1642), utilizamos a obra de Mariconda e Vasconcelos (2006) intitulada “Galileu e a Nova Física”. Galileu foi um cientista extremamente criativo que tinha noção clara sobre o caráter revolucionário de suas propostas e de suas descobertas. Ele trabalhou em diversos campos do conhecimento humano, mas se destacou na Astronomia e na Mecânica. Ele foi praticamente o iniciador da ciência moderna, e é dele a célebre frase que afirma que a Matemática é a linguagem da natureza. Para elaboração do personagem de Newton (1643-1727), foi consultado o livro de divulgação científica escrito por Eduardo de Campos Valadares (2003) e intitulado “Newton – A órbita da Terra em um copo d´água”. O trabalho de Newton foi o ápice da revolução científica desencadeada no início do século XVII com as descobertas de Galileu e Kepler. Os principais trabalhos de Newton se referem à mecânica, à gravitação, à óptica e, no caso da Matemática, à invenção do Cálculo Diferencial e Integral – juntamente com Leibniz – que é provavelmente a ferramenta matemática mais poderosa que foi elaborada ao longo da história. Para elaborarmos o personagem de Gauss (1777-1855) foi consultada a obra “História da Matemática” escrita por C. Boyer (1996) que é uma das principais referências no estudo da História da Matemática. Gauss foi um dos matemáticos mais completos que existiu, tendo produzido trabalhos importantes em diversos campos diferentes da Matemática: por isso foi considerado “o príncipe da Matemática”. Em sua homenagem, a mais importante curva para a compreensão de conceitos da Estatística – a curva do sino da distribuição normal – é definida pela denominada função de Gauss ou função gaussiana. “Conheça Einstein” de Schwartz e Mcguiness (1979), um livro em quadrinhos sobre a história deste importante físico. Este livro aborda acontecimentos históricos que ocorreram antes, durante e depois da vida de Einstein: ele foi o criador da Teoria da Relatividade Especial no “ano milagroso” de 1905 e, uma década depois, da Teoria da Relatividade Geral que utilizava a álgebra tensorial – uma área especializada da matemática – para expressar os conceitos e as leis envolvidas. ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br Para a estruturação do personagem de Einstein (1879-1955), usamos o livro 49 Esta peça teatral foi apresentada na Semana Cultural do campus de Caraguatatuba do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), no primeiro semestre de 2012. A sua estruturação foi um grande desafio, pois houve pouquíssimo tempo disponível para escrevê-la, encontrar atores, montar o figurino, ensaiá-la e adaptá-la ao espaço da apresentação. Mas isso não impediu que a peça ganhasse o prêmio máximo da competição. Os personagens da peça foram interpretados por estudantes do próprio curso de Licenciatura em Matemática do campus de Caraguatatuba do IFSP; os ensaios e a apresentação oficial aconteceram no auditório deste campus. Antes de a apresentação começar, um questionário e um breve resumo da peça, foram distribuídos aos presentes. O resumo foi feito, para que os espectadores tivessem um conhecimento prévio a respeito dos personagens que iam ser apresentados. Este resumo explicava sucintamente quem foram Gauss, Einstein, Newton e Galileu, e também os personagens fictícios, Spock e Sheldon. O questionário foi entregue aos presentes solicitando que eles devolvessem preenchidos ao final da peça. Ele foi feito para avaliar a opinião do público presente durante a encenação, sobre a própria peça, com perguntas sobre o conhecimento do espectador a respeito dos personagens presentes na peça, sobre a compreensão de cada um a respeito das referências históricas apresentadas, sobre o nível de compreensão (fácil, médio, difícil) dos temas abordados na peça e sobre o tema ou a característica que mais tinha chamado a atenção durante a apresentação. No final do questionário, havia um espaço aberto para sugestões de conteúdos para uma possível nova peça teatral. A apresentação da peça contou com um público total de 88 pessoas. Dessas 88 pessoas, segundo as respostas dadas ao questionário, ninguém achou o conteúdo da peça difícil (tabela 4); 60,2% dos entrevistados (53 espectadores) a de fácil compreensão, enquanto 39,8% dos entrevistados (35 espectadores) a acharam de dificuldade média. O questionário também perguntou se os espectadores conheciam ou desconheciam os personagens presentes na peça (tabela 5). Galileu era conhecido por 87,5% dos entrevistados (77 espectadores); cerca de 83,0% dos entrevistados (73 espectadores) relataram que conheciam Newton; já Gauss era o menos conhecido, entre os quatro cientistas e matemáticos presentes, com 40,9% dos entrevistados relatando que o conheciam (36 espectadores). Quanto a Einstein, o mais recente entre os quatros, 90,9% dos ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br acharam 50 entrevistados (80 espectadores) o conheciam contra 9,1% (8 espectadores) que nunca tinham ouvido falar deste cientista. A repercussão que a peça teve, foi surpreendente. Ocorreram muitos elogios, críticas, sugestões e dicas; os próprios professores e funcionários do IFSP que assistiram à peça relataram até que se emocionaram. Os resultados da pesquisa, bem como os comentários que ocorreram após a apresentação, permitiram concluir que foi atingido o objetivo principal desta peça teatral: contribuir para desenvolver e disseminar o conhecimento científico e matemático com humor e leveza. Tabela 1 – Avaliação dos presentes acerca da dificuldade para a compreensão da peça teatral “O dia em que os gênios pararam para um breve acerto de contas”. O que achou do conteúdo da Quantidade Porcentagem peça? Difícil 0 0 Média 35 39,8 Fácil 53 60,2 Soma 88 100 Fonte: elaboração dos autores. Tabela 2 – Avaliação do grau de conhecimento do público da peça teatral acerca de quatro grandes nomes da História da Ciência: Galileu, Newton, Gauss e Einstein Galileu Newton Gauss 87,5 12,5 83,0 17,0 40,9 59,1 90,9 Einstein Fonte: elaboração dos autores 9,1 ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br Personagens Conhece (%) Não conhece (%) 51 2. Considerações finais Este trabalho teve como objetivo analisar as diversas formas pelas quais o teatro pode colaborar com a aprendizagem de diferentes disciplinas escolares, e mais especificamente, com a aprendizagem de conteúdos científicos e matemáticos. A aproximação entre arte e ciência pode efetivamente produzir benefícios para o processo educativo, como ressaltam C. Matos e D. M. Silva (2003, p. 261): [...] O que importa é enfatizar o potencial sedutor das linguagens artísticas para instigar, surpreender e cativar o público; e quando se combina com conteúdos científicos, ocorre uma simbiose perfeita: o visitante é tocado por uma varinha mágica: pergunta, discorda, dialoga, quer saber mais... A grande aventura humana da busca pelo conhecimento tem aí lugar; racionalidade e sensibilidade dão-se as mãos tornando a viagem prazerosa e inesquecível. Contudo, mostrar que a Matemática é útil não basta; é fundamental pensar também a respeito da forma como ela é apresentada. Para um aluno aprender, o professor tem que levar em conta os diversos mecanismos de aprendizagem possíveis. O ensino da Matemática frequentemente está cercado de muitos mitos: um conhecimento amplo do processo educacional permite contornar algumas destas visões equivocadas. O professor é um ponto de referência na escola, um ser em que diversos alunos se espelham: “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor” (FREIRE, 1997, p.26). Assim sendo, a utilização de atividades educacionais diferenciadas, como é o caso do uso do teatro, pode fortalecer sobremaneira a aprendizagem de diversos conteúdos Agradecimentos Agradecemos o auxílio financeiro por meio da bolsa institucional de Iniciação Científica concedida pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP) para Franciele Lopes da Silva. ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br disciplinares, inclusive de matemática. 52 Referências BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. BOAL, Augusto. Técnicas latino-americanas de teatro popular. São Paulo: Hucitec, 1979. BOYER, C. História da Matemática. São Paulo: Edgard Blücher, 1996. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário Aurélio. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2001. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. GRANERO, Vic Vieira. Como usar o teatro em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2011. KELLERMANN, Peter Felix. O psicodrama em foco e seus aspectos terapêuticos. São Paulo: Ágora, 1998. KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010. MARICONDA, Pablo Rubén e VASCONCELOS, Júlio. Galileu e a nova Física. São Paulo: Odysseus Editora, 2003. MATOS, Cauê e SILVA, Dilma de Melo. Núcleo de artes cênicas da Estação Ciência: popularizar a ciência por meio da arte. In: MATOS, Cauê (coord.). Ciência e arte: Imaginário e descoberta. São Paulo: Terceira Margem, 2003, p. 255. SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. 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Sheldon:_ Ah, mas que droga, porque Gauss não está aqui para me ajudar a resolver esse pepino? Afinal ele foi uma criança prodígio que bem pequenininho descobriu um modo diferente de somar muitos números! Se bem que eu acho que se Galileu ou Newton estivessem aqui, também me ajudariam e muito... nossa, até Einstein daria conta disso aqui (bocejando). Hum... eu não consigo chegar a conclusão. Qual dos meus ídolos conseguiria me ajudar? Ah, eu penso nisso depois...agora...tenho que... terminar iss...(adormece) (Entram em cena no sonho de Sheldon, matemáticos e cientistas) Einstein:_ Nossa e esse pessoal que não chega. Desse jeito vou acabar ganhando de WO! Newton: _ Ganhar de WO... até parece que um gênio como eu perderia para um cientistazinho mequetrefe como você! Einstein:_ Ah claro, um cientistazinho como eu que ganhou um prêmio Nobel. E você Sir Isaac Newton, já ganhou algum prêmio? Newton:_ Primeiramente, respeite os mais velhos, pois lembre-se que tenho 200 anos mais que você. E em segundo lugar... meu caro Albert Einstein não seja tolo, esqueceu que se não fosse EU, você provavelmente não chegaria na sua famosa teoria da relatividade? Galileu:_ Ei, espera um pouco aí, quem descobriu o princípio da relatividade foi eu, logo Einstein com certeza não chegaria a essa teoria se não fosse por “mua”. E Einstein, não se ache muito não tá, afinal você teve dificuldade para entrar na Einstein:_ Ah ... Galileu, isso é golpe baixo; fique você sabendo que eu tive dificuldades porque era mal compreendido, as pessoas não aceitavam os meus métodos de estudo e tive professores tão autoritários que pareciam sargentos. Gauss: (chega comendo uma maçã)_ Ah ... então você vai dizer que a culpa é minha né, afinal eu ajudei em todos os ramos matemáticos, inclusive na teoria dos números... ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br universidade, e nem era tão bom aluno assim. 54 Newton:_ Hei, saia daqui Gauss, seu metido a sabichão! Só porque você tem uma curva com o seu nome... Suma já com essa maçã daqui; sabes muito bem que sou “maçãnofóbico”!!! Todos:_ Maçãno... o que? Gauss:_ Isso sequer existe Sir. Newton:_ Maçãnofóbico: termo utilizado para quem tem medo de maçãs. Ah, me poupe, sou um cientista, um gênio, um desbravador, nasci para criar e descobrir. Ou seja, se digo que existe, agora existe! Einstein:_ Ah, claro. Simplesmente porque você quer! Assim como existia a possibilidade de transformar urina em ouro. Genial da sua parte cogitar essa hipótese!!!! Newton:_ Seu insolente, preguiçoso e atrevido! Desde que chegou, se quer levantou suas nádegas desta mesa. Einstein:_ Calminha aí Sir. Não se altere, afinal digo isso porque todos os humanos erram. E fique você sabendo que não é porque eu era funcionário público que eu não fui capaz de mudar a história da ciência, complementá-la digamos assim. Uma lição para o senhor sabichão: “É no fazer nada que grandes ideias surgem!”. Sou prova morta disso! Newton:_ Claro que é! Fique você sabendo que se errei foi pouco e erros irrelevantes e se acertei foi porque me apoiei em ombros de gigantes! Já você Albert Einstein, se quer, acreditava que a física quântica estava certa, tentou provar até o fim que ela estava errada. Mas olha a ironia, foi você mesmo quem a criou. Isso sim faz uma grande diferença, uma grande reviravolta na história da ciência! Galileu:_ CHEGA!!! A conversa aqui já tá virando baixaria. Vocês acham que estão onde, em um baile funk? Em uma roda de rap? Em um comício político? Onde um fica contando os podres do outro. Senhores, compostura. Galileu:_ Não, Newton linguarudo. É questão de EDUCAÇÃO. (Sheldon aparece) Sheldon:_ Epa, educação?! Todos vocês estão faltando com educação!!! Coisa feia é ficar xingando os outros de linguarudo... não foi isso que você fez quando falou para todos que a terra estava em movimento, hem Galileu? Se os cientistas não falassem o que pensassem, hoje estaríamos acreditando que a terra tem só 6 mil anos. ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br Newton:_ É questão de hierarquia? Por você ser o ancião entre nós? 55 Einstein:_ Velho burro... vê se pode... jogou duas bolas de ferro do alto de uma torre e descobriu que o movimento de queda independe da massa, mas quase matou pessoas lá em baixo. (murmurando) Sheldon:_ Você também não fica de fora, o cientista da linguinha! Ajudou a criar a mecânica quântica e desperdiçou o resto da vida tentando achar uma maneira de provar que ela estava errada... Newton:_ Viu só! (Newton é interrompido) Sheldon:_ Me poupe senhor alquimista, ou você vai transformar carvão em ouro pra redimir os seus pecados?! E você Gauss!! Gauss:_ Mas eu não estou fal... (interrompido) Sheldon:_ Jogue fora logo essa maçã!!! _(todos em silêncio por alguns segundos, Sheldon dá um suspiro bem forte para começar a falar)_ Agora vocês vão me ajudar ou não a resolver...? Einstein:_ Resolver o que? Eu achei que estivéssemos aqui para saber qual de nós é o mais importante na história da cien...(interrompido por Sheldon) Sheldon:_ Mas é claro que não. Isso não é tão importante quanto vocês me ajudarem na resolução deste problema. Gauss:_ Mas afinal moleque, no que é que você quer que o ajudemos? Galileu:_ Se todos vocês não falassem tanto, com certeza já teríamos terminado o que viemos fazer aqui! Newton:_ Vamos rapaz, não temos esse sonho inteiro. Sheldon:_ É em uma coisa muito importante. Tão importante que eu sei que mudarei a história da ciência, da física, da humanidade. (fala com muita euforia) Einstein:_ Se for assim, tenho certeza que serei capaz de lhe ajudar. Gauss:_ Eu não tenho dúvidas sobre o meu potencial em lhe ajudar garoto, se matemáticos! Newton: Albert vai lá treinar “mímica” com seu amiguinho Charlie Chaplin. Eu fico no comando por aqui. Pode deixar. Galileu:_ Prossiga rapaz. Acho que esses daí não vão se calar tão cedo. Sheldon:_ Então vocês vão me ajudar ou não? Todos:_ Claro! Sheldon: _Me digam. Como é que eu como de Hashi? ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br envolver matemática então... hum, tá no papo. Afinal, sou o príncipe dos 56 Todos:_ O que? Newton:_ Você só pode estar de brincadeira, neh! Galileu:_ Eu achei que você quisesse ajuda em algo mais complexo, algo mais... Gauss:_ Científico! Einstein:_ Porque você não sonhou com uma gueixa então? Sheldon:_ Eu não me dou bem com mulheres. Newton:_ Pois então com um tailandês? Sheldon:_ Tampouco com homens. Se bem que são mais inteligentes que a raça feminina! Todos:_ Então com quem você se dá bem? Sheldon:_ Só com gente morta. Todos:_ Com que frequência? (sussurrando) Sheldon:_ O tempo todo. Gauss:_ Bom, agora que a gente já está aqui, vamos ajudar o rapaz. Galileu: _Ajudar com o que? Eu não faço ideia de como se come com esses pauzinhos. Einstein: _Típico... Newton:_ E você Einstein? Por acaso sabe?! Einstein:_ A questão não é essa, a questão é que...(interrompido) Gauss:_ A questão é que nenhum de nós sabe! Sheldon:_ E agora? Nenhum dos maiores cientistas do mundo tem a resolução do meu problema, o que vamos fazer? Newton: _O que fazemos melhor... Gauss:_ Descobrir! (Todos se reúnem e começam a discutir o tema) Discussão sobre como comer com Hashi, Einstein: _Vamos pessoal, pense nas coisas de maneira mais simples. Uma voz ouvida do fundo da plateia: _De maneira mais simples! Mas esse aí só complica as coisas mesmo... (Todos em silêncio) Galileu: Quem está ai? Gauss: Deve ser o... Napoleão ? ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br ... 57 Spock:_ Claro que não! Não reconhece um vulcano quando este está na presença de ti?! (Spock vai subindo no palco) Sheldon:_ Ó Pitágoras! Estamos salvos. (dando glória) É o SPOCK!!! Cientistas:_ Spock?! Newton:_ Quem é esse cabra? Spock:_ Sou príncipe de vulcano, viajo na USS Enterprise desvendando o Espaço Sideral, e vim aqui ajudar esse grupo de pequenos gênios a resolver o problema. Sheldon: _Maravilha! Iupiiii... Spock:_ O que te afligem? Qual é a questão? Einstein: _Queremos descobrir como se come, como pegar comida com esses pauzinhos... Spock:_ Mas isso é completamente dispensável. Todos:_ Como Assim?! Spock:_ Meu jovem, qual é o problema inicial? Sheldon:_ Eu quero comer comida tailandesa. Spock:_ E você não pode comer de... garfo? Sheldon: _Sim...MAS COMO EU NÃO PENSEI NISSO ANTES?! Spock:_ Mas isso é Lógico! Não cabe a nós entender os costumes estranhos dos outros povos se o nosso objetivo é resolver um problema que independe disso. Agora que seu problema está resolvido, pode comer. Sheldon:_ Obrigado mister Spock. (Se comprimento como os vulcanos) Spock:_ De nada, mas agora tratem de aprender a aprender a comer com os Hashis. Que pouca vergonha, gênios brilhantes que não conseguem comer com esses dois pauzinhos... até uma criança consegue... Todos resmungam que o problema está resolvido e saem do palco, menos o Sheldon:_ Resolvi! Resolvi! (levanta, pega um garfo, senta, olha para o Hashi, jogaos longe)_ Adoro meus Ídolos.... e você Spock, nem existe e me ajudou..(interrompe a própria fala) espera aí... eu sonhei tudo isso. Ah, sou um GÊNIO!!! Hahahahaha Namorada do Sheldon:_ Vamos Sheldon, se não perderemos a reserva no restaurante! Sheldon: (pega o garfo e sai falando)_Ah, agora sim. Estou pronto!!! Hahahahaha ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 www.revistapindorama.ifba.edu.br Sheldon, ele acorda e diz: 58 ABSTRACT This paper has the objective to present and analyze some proposals that use scenic arts to motivate students to learn mathematics and, more broadly, scientific disciplines in general. It shows also that historical aspects of natural sciences have valuable features to the didactic work with students. The work that was carried out during the research was structured from the elaboration of a play involving some important names in the history of science (Galileo, Newton, Gauss and Einstein), as well as some characters (Spock and Sheldon) from movies and television series that somehow dialogue with scientific issues (Star Trek and The Big Bang Theory). The written piece was presented in 2012 during the Cultural Week Federal Institute of São Paulo (IFSP) – Campus Caraguatatuba and received the first prize of the competition. This paper presents the results of a survey made with the audience in order to assess the degree of knowledge on the subjects and characters of the play. Moreover, it is also made an analysis of the impacts of this play and the possibilities of using theater to teach mathematics and science. Finally, in the annex, it is presented the script of the play that was written. Keywords: Mathematics; Theater; Learning; History of Science. Recebido em 04/07/2013 www.revistapindorama.ifba.edu.br Aprovado em 18/02/2014 ISSN 2179-2984______________________________________Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 44-59 59 Formação sócio-espacial e organização do espaço em Itacaré/BA: um estudo sob a égide da teoria classista Gilson Santos da Silva1 Paulo Fernando Meliani2 ___________________________________________________________________ RESUMO O texto aborda aspectos da formação sócio-espacial e da organização do espaço de Itacaré em diversas fases históricas. Apoiado na revisão de literatura, foi possível realizar um resumo histórico do período em que se originou até a ocasião em que o município foi nomeado “Itacaré”, bem como foram delineados os principais aspectos socioeconômicos da região em que se insere. Além disso, esse trabalho traz resultados de uma pesquisa recente, na qual foram realizados a análise da expansão urbana da cidade e o registro de seus principais problemas de degradação ambiental. Todos os tópicos desenvolvidos culminaram em uma análise integrada à luz da teoria Classista. Foi verificado que em todos os períodos, desde sua origem até os dias atuais, Itacaré se configura em espaços regidos pela vontade do poder dominante (Coroa Portuguesa, fazendeiros de cacau e, mais recentemente, empresários do segmento turístico), a qual sempre imperou no desenvolvimento das atividades econômicas realizadas no município. Modificações funcionais impuseram à cidade transformações de ordens sociais, econômicas e estruturais, notadamente com a passagem da monocultura de cana-deaçúcar para a lavoura cacaueira e, mais recentemente, para a produção de atividades turísticas, o que movimentou a organização do espaço geográfico do município, maximizada 1 Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA/Campus Eunápolis). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Geografia. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC/BA). Email: [email protected]. por uma crescente expansão urbana e pela deflagração de processos de degradação ambiental. Palavras-chave: Formação Sócio-Espacial, Organização do Espaço, Itacaré, Teoria Classista. INTRODUÇÃO Antigo porto cacaueiro, o distrito-sede de Itacaré, município localizado no sul do Estado da Bahia, passa por uma transição funcional ao assumir, a partir dos anos 1990, sua atual função de destino turístico. Com a introdução do cacau no sul da Bahia no século 18 e a consolidação de sua cultura no século 19, o distrito-sede do município tornou-se um importante porto cacaueiro, enviando as amêndoas produzidas em sua hinterlândia para Ilhéus e Salvador, de onde eram exportadas. Durante a primeira metade do século 20, a demanda estrangeira por cacau foi responsável pela produção do espaço geográfico do município, orientando o uso da terra e dinamizando a economia de Itacaré. Na segunda metade do século 20, a implantação de estradas entre o interior da região e a cidade de Ilhéus (centro regional e principal porto exportador), bem como as condições naturais do porto de Itacaré (de baixo calado), estabeleceram uma desintegração regional do município. Com a perda de sua importância portuária, Itacaré viveu um período de isolamento, agravado pela crise regional da economia cacaueira desencadeada a partir dos anos 1980. Nos anos 1990, como alternativa à economia cacaueira, Itacaré assume uma nova Estado da Bahia, que incluíram o município no "Programa de Desenvolvimento Turístico Costa do Cacau". Como principal chamariz turístico, o potencial paisagístico e ecológico foi explorado especialmente na faixa litorânea, que é dominada por uma paisagem planáltica típica de “mar de morros”, com muitos fragmentos remanescentes de floresta ombrófila densa (Mata Atlântica). As práticas de “ecoturismo”, como percorrer trilhas na floresta, são incluídas em pacotes turísticos de visitação à Itacaré. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br função, a de destino turístico, promovida inclusive por políticas de desenvolvimento do 61 A inserção turística tem promovido uma reorganização espacial no município pautada na expansão urbana e na degradação ambiental. As mudanças na distribuição da população do município de Itacaré são marcantes na década de 1990, período no qual o município assume sua atual função turística. O incremento da população no distrito-sede de Itacaré, entre 1991 e 2000, foi de cerca de 39,10%, passando de 6.289 habitantes no início da década para 8.748 ao final dela (IBGE, 1991; IBGE, 2001) e, atualmente, possui uma população de mais de 24.720 habitantes (IBGE, 2008). 1. BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL EM ITACARÉ: DO ALDEAMENTO INDÍGENA À NOMENCLATURA ITACARÉ A cidade de Itacaré tem sua origem mais remota atrelada a uma aldeia indígena situada nas proximidades da foz do rio de Contas a qual vivia da caça, da pesca e da agricultura de subsistência. Na região em que se insere esse aldeamento a colonização portuguesa se iniciou em 1530, por meio das capitanias hereditárias. Em nome da coroa portuguesa, os jesuítas se instalaram com o objetivo, dentre outros, de demarcação de terras (CONDER, 2004). Em inícios do século XVIII, o padre Luís de Grã ordena a construção de uma capela em homenagem a São Miguel, e em seguida batiza a localidade como “São Miguel da Barra do Rio de Contas” (IBGE, 1958). De acordo com a mesma fonte, no ano de 1718, por ordem do arcebispo Dom Sebastião Monteiro de Vide, foi concedida à capela a categoria “freguesia”, o que supunha a instalação de um povoamento, mesmo que do ponto de vista eclesiástico, na medida em que se estruturava por um conjunto de paroquianos jesuítas. foi concluída em 1723, ano grafado em sua fachada e confirmado pelo senso comum, sendo esse o monumento remanescente do período colonial mais importante da cidade (MELIANI, SILVA, GOMES, 2007). Anos depois desse evento, a povoação de São Miguel da Barra do Rio de Contas é elevada a município, no dia 26 de janeiro de 1732, por ordem da “Condessa de Resende” (Ana Maria Ataíde e ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br Avançou-se para a construção da Igreja de São Miguel, a qual provavelmente 62 Castro), donatária da Capitania de Ilhéus, quando é nomeada “Vila da Barra do Rio de Contas”. Em 1931, a Vila da Barra do Rio de Contas, depois de incorporada politicamente por Itapira (atual município de Ubaitaba), passa a ser a sede municipal e recebe o nome de “Itacaré” (IBGE, 1958). Segundo a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – CONDER (2004) o Decreto Estadual que regulamentou o nome Itacaré foi o de nº 7.850, de 16 de dezembro de 1931. A nomenclatura “Itacaré”, segundo Meliani (2006), é de origem tupi e significa “pedra torta”, sendo uma possível referência às estruturas sinuosas de rochas metamórficas que se estendem por áreas que vão desde a foz do Rio de Contas e percorrem todo o litoral sul do município. 2. ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS Ainda com uma população incipiente, em 1648, as vilas situadas ao norte de Ilhéus tornaram-se, por imposição da Coroa Portuguesa, abastecedoras de alimentos para a capital da Colônia, onde nessa ocasião, predominava na Capitania da Bahia – Salvador – a monocultura de cana-de-açúcar. Com isso, no seu primeiro século de existência, a então Vila da Barra do Rio de Contas, juntamente com outras vilas como Camamu e Boipeba, desponta como produtora de farinha de mandioca e arroz, insumos enviados diretamente a Salvador (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO, 1987). Em meados do século XVIII, foi introduzido o cacau no sul da Bahia, sendo levado para as fazendas ilheenses em 1752 (VIRGENS FILHO et al., 1993). Já no final desse século, houve uma difusão da lavoura cacaueira, a qual já alcançava a pelo Rio de Contas, o qual servia de via de integração entre o interior e o litoral. A partir do início do século XIX, com apoio náutico propiciado pela foz do Rio de Contas, se constituiu em Itacaré um porto estratégico para o escoamento de cacau, madeira e demais produtos, além de viabilizar o tráfico de escravos destinados a servir fazendas da região (CONDER, 2004). ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br então Vila da Barra Rio de Contas. Seu principal fluxo de escoamento era propiciado 63 O ano de 1834 foi decisivo para o crescimento da região, onde a exportação regular de amêndoas de cacau ganha notoriedade, o que gerou uma fase de grande ascensão da economia cacaueira, possibilitada pelo aumento da produção e pela ruralização da população (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO, 1987). As exportações de amêndoas continuavam crescentes, passando de um volume de cerca de 26,5 toneladas em 1834 para aproximadamente 579 toneladas, em 1860 (GARCEZ e FREITAS, 1979). Os mesmos autores argumentam que com a notória expansão da lavoura cacaueira, o volume de exportações cresceu significativamente alcançando após trinta anos 3.503 toneladas. Atrelado ao aumento no volume de exportações, o crescimento populacional se evidenciou pelo incremento de 34,1% na população (entre 1872 e 1890), passando de 3.612 para 4.844 habitantes (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO, 1987). Na segunda metade do século XIX, cresce ainda mais a importância portuária de Itacaré, sendo neste momento o único meio de ligação entre o interior da Chapada Diamantina, onde o Rio de Contas possui sua nascente, e o Oceano Atlântico, com destinação final a capital Salvador. A formação regional acontece de fato ao final do século XIX, corroborada por uma expansão significativa da produção de amêndoas de cacau, a qual foi vivenciada por intermédio de um intenso fluxo migratório. Entre os anos de 1890 e 1920, a população da região foi aumentada em 337,84% em razão das levas de imigrantes que vieram trabalhar na lavoura, em sua maioria oriundos de regiões carentes e secas do sertão nordestino (MELO e SILVA, SILVA, LEÃO, 1987). Neste período, a população da Vila da Barra do Rio de Contas, é acrescida em 402,68%, representada por 24.350 habitantes. O porto da Barra do Rio de Contas rivaliza com o de Ilhéus, chegando a exportar, em 1900, 6.793 toneladas contra 5.991 toneladas Na primeira metade do século XX, a lavoura cacaueira teve sua consolidação, chegando a atingir produções anuais de amêndoas de cacau, na Bahia, na ordem de 144.584 toneladas (SANTOS, 1957). Porém, concomitantes à época áurea da produção, houve momentos de instabilidade da lavoura, onde imprevisões climáticas, ataque de pragas e doenças, variações de preços, dentre outros fatores, formaram riscos à economia cacaueira. Crises na economia também foram ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br exportadas por Ilhéus (SANTOS, 1957). 64 evidenciadas por picos de produção, onde em 1935, aconteceu uma queda de preço, forçada pelo excesso de produção (CONDER, 2004). Além desses fatores que atingiam toda a região, Itacaré inicia um processo de derrocada na importância portuária que mantinha, devido às condições naturais de seu porto, o qual tinha um baixo calado. Em 1932, com a implantação da ferrovia que ligava Ubaitaba a Uruçuca e que seguia em direção ao Porto de Ilhéus, o qual dinamizava cada vez mais sua infra-estrutura, Itacaré mergulha de vez em uma crise funcional e perde a posição de principal entreposto comercial da região (CONDER, 2004). Depois desse período, em 1940, Itacaré contava com uma população de apenas 8.630 habitantes (PLANO DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL, 1985 apud CONDER, 2004), reflexo da perda da importância portuária, o que fez com que a maior parte da população migrasse para Ilhéus. Na segunda metade do século XX, os produtores de cacau já se encontravam bastante endividados, com lavouras superexploradas, o que sugeria uma baixa produtividade e tendência à estagnação (VIRGENS FILHO et al., 1993). Neste período, mais precisamente em 1957, o Governo Federal cria a CEPLAC (Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira) objetivando recuperar a lavoura por meio intermédio da modernização agrícola, restabelecendo o equilíbrio da dinâmica financeira da região. Todavia, é na década de 1980 – principalmente na segunda parte – que a lavoura cacaueira sofre seu maior golpe, anunciado por uma crise sem precedentes, justificada pela queda do preço das amêndoas no mercado internacional e pela incisiva atuação da “vassoura-de-bruxa” (Crinipellis perniciosa) e “podridão-parda” (Phytophthora palmivora) (REIS, 2002). O mesmo autor aponta que nesse período houve um decréscimo de 26% na renda de Itacaré, entre 1980 e 1990. turismo desponta como alternativa à economia de Itacaré. As atividades turísticas começam a se delinear entre os anos de 1970 e 1980 quando a cidade recebia para veraneio apenas algumas famílias de classe média da região (CONDER, 2004). No período de adensamento de infra-estruturas turísticas, notadamente nos anos 1990, Itacaré vive um quadro de crescimento populacional, tendo um incremento da ordem 39,10%, passando de 6.289 habitantes para 8.748 habitantes ao final dessa década (IBGE, 1991; IBGE, 2004). ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br Como resposta à crise da lavoura cacaueira instaurada no município, o 65 Em 1998, com o término da construção da BA-001, o turismo em Itacaré se consolida, sendo essa rodovia o acesso principal à chegada dos turistas, que vinham de diversas partes do Brasil e, inclusive do mundo. Recentemente, vislumbrados pela expectativa de trabalho nos equipamentos turísticos da cidade, houve um “boom” da população em Itacaré, perfazendo um total de 24.720 habitantes, ao final do período entre 2000 e 2007 (IBGE, 2008). As demandas turísticas tornaram a cidade de Itacaré um espaço multifuncional, resultante da combinação de atividades institucionais, educacionais, residenciais e, crescentemente, de serviços, notadamente os relacionados ao turismo, a exemplo de pousadas, restaurantes, agências de passeio, dentre outros. Dessa maneira, a exploração do chamado “ecoturismo”, apoiado pelas belezas cênicas do lugar, movimenta a economia de Itacaré sendo a principal fonte de renda da atual configuração do município. 3. ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO EM ITACARÉ: A EXPANSÃO URBANA ENTRE OS ANOS DE 1960 E 2003 A área mais antiga da cidade situa-se entre a igreja de São Miguel e os dois pequenos portos localizados no rio de Contas: o porto da “frente”, que servia as embarcações maiores vindas de Salvador e Ilhéus, e o porto de “trás”, que atendia aos pequenos barcos de agricultores e pescadores nativos. Essa espécie de zona portuária é a área central da cidade de Itacaré, no seu sentido original, onde a cidade nasceu e se desenvolveu nos seus primeiros momentos. Até a década de 1960, o acesso à cidade de Itacaré só se dava por meio de seus dois portos, tanto para quem vinha de fora pelo mar quanto os que vinham do Grande”, só foi construída nos anos 1960, com o objetivo de viabilizar uma ligação viária com Ubaitaba, município vizinho localizado a oeste de Itacaré. Até os anos 1970, a área consolidada da cidade de Itacaré se restringia a área central (zona portuária e arredores da igreja de São Miguel) e a faixa lateral da ladeira Grande, que correspondiam em torno de 28,51 hectares. Durante os anos 1970, a expansão do espaço urbano da cidade de Itacaré se dá com a formação de ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br interior da região, pelo rio de Contas. A saída terrestre da cidade, a “Ladeira 66 bairros contíguos ao núcleo original, como o bairro do “Marimbondo” e o dos “Alagados”, que atualmente é chamado de “São Miguel”. Nesta década, ocorre a abertura do acesso às praias do Resende, da Tiririca, da Costa e da Ribeira, localizadas a sudeste da área central original, o então chamado “caminho das praias”, hoje conhecido como “rua da Pituba”. A expansão do período (1970-1980) representou a um acréscimo de 15,85 hectares, que somados a área já consolidada correspondem a uma área urbana total de 44,36 hectares, os quais abrigavam uma população de 3.150 habitantes (IBGE, 1980). Nos anos 1980, a expansão urbana torna-se mais significativa, com a implantação do loteamento “Conchas do Mar I” (1984), localizado em uma grande área subjacente a praia da Concha, situada a leste do núcleo original. Este loteamento se apresenta como alternativa de moradia para as classes de maior poder aquisitivo da cidade, bem como para a construção de pousadas, principalmente por pessoas vindas de fora do lugar, na perspectiva de exploração do turismo emergente. A implantação do loteamento reverberou, no final dos anos 1980, na formação do bairro da “Pituba”, junto ao “caminho das praias”, em sua porção mais proximal ao centro. Antigos moradores da área do loteamento Conchas do Mar I, considerados invasores, foram deslocados para a rua da Pituba, com o intuito de viabilizar a implantação e a comercialização dos lotes do Conchas do Mar. Cabe destacar que o já existente bairro dos Alagados (hoje conhecido como São Miguel) também é considerado uma “invasão” do loteamento Conchas do Mar I. No período de 1980-1990, forma-se também o bairro da “Passagem”, num antigo local de isolamento para doentes de varíola (“bexiga”), a oeste do centro, e serve atualmente como alternativa de moradia para as classes populares de Itacaré. consolidada no período anterior (44,36 hectares), constituindo uma área urbana total de 86,64 hectares em 1990 para 4.275 habitantes (IBGE, 1991). No período compreendido entre 1990 e 2003, o espaço urbano da cidade torna-se cada vez mais adensado nas suas formas construídas, e se expande significativamente com a segunda etapa do loteamento Conchas do Mar em 1998, e com a enorme ocupação de áreas contíguas a saída da cidade, além do ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br A expansão urbana neste período (42,28 hectares) praticamente corresponde a área 67 adensamento de edificações no bairro da Pituba. A expansão urbana neste período foi de 64,46 hectares que, somados a área urbana consolidada no início do período (86,64 hectares), totalizam uma área urbana de 150,59 hectares em 2003 (tabela 1). Até o ano 2000, Itacaré contava com 7.951 habitantes (IBGE, 2000). Dados recentes do senso populacional do IBGE (2008) demonstram um crescimento exorbitante da população que atingiu em 2007 o número de 24.720 habitantes. Além da multiplicação dos estabelecimentos do setor de serviços ao largo da Ladeira Grande, notadamente oficinas mecânicas e lojas de materiais de construção, também se multiplicam os acessos para os loteamentos que surgem no entorno da cidade, como os do Loteamento Outeiro de Santo Antonio e do Loteamento Bosques de Itacaré. Chama também a atenção no período, a formação do bairro de “Santo Antonio” ou bairro da “rua da Linha”, na encosta voltada para a Ladeira Grande. O bairro de Santo Antonio surge a partir de uma única rua, a rua da Linha, nome dado a ela devido a antiga rede telegráfica que passava pelo local. A implantação da rodoviária de Itacaré bem próximo ao início da rua da Linha em 1994, bem como as obras de pavimentação da rodovia BA-001, concluída em 1998, contribuiu para a expansão da ocupação dessa área. Com a implantação da rodoviária na base do bairro, ocorreu uma valorização da área em função da constituição de um espaço funcional, inclusive com a feira que funciona junto ao equipamento. Com a pavimentação da estrada, muitos trabalhadores vindos de fora da cidade se instalaram no bairro, contribuindo para a expansão da ocupação do lugar. Tabela 1. Expansão Urbana de Itacaré entre os anos de 1970 a 2003. 1970-1980 1980-1990 1990-2003 Área consolidada (ha) 28,51 44,36 86,64 Expansão no período (ha) 15,85 42,28 64,46 Área urbana total (ha) 44,36 86,64 150,59 Fonte: IBGE ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br PERÍODOS 68 4. PROBLEMAS DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL DECORRENTES DA EXPANSÃO URBANA DE ITACARÉ Stipp e Stipp (2004) advertem que os problemas ambientais formados nas cidades são sempre decorrentes do uso e ocupação indevidos do espaço pelo homem, o qual não se preocupa com a preservação do ambiente. Salvaguardadas as proporções, os problemas ambientais que afligem a cidade de Itacaré têm a mesma natureza daqueles que afetam quaisquer cidade do Brasil, a exemplo do saneamento básico, habitação, desmatamentos, dentre outros. A supressão da vegetação para a edificação de casas e/ou de pousadas e instalações de infra-estrutura turística, como as indispensáveis para o setor de comércio e serviços é algo que, apesar de comum devido às demandas por estas instalações, vem causando impactos ao ambiente em Itacaré. Além disso, Meliani (2006) coloca que a emergente economia voltada para o turismo demandou mudanças no uso da terra no município de Itacaré, a exemplo de obras de infraestrutura viária ligadas ao crescimento urbano como a pavimentação de estradas e ruas e aberturas de caminhos, que serviram tanto para a ampliação da área urbana com a demarcação de loteamentos quanto para a exploração do “ecoturismo”. Atrelados à questão habitacional estão os problemas de saneamento básico, como o da coleta e do destino do esgoto e do lixo urbano (MELIANI, 2001). Como a rede de coleta de esgotos é restrita ao centro e a alguns dos bairros de Itacaré, as soluções sanitárias adotadas, comumente fossas e ligações diretas em cursos d’água, se constituem em problemas sociais e ambientais que vão desde a proliferação de doenças até alterações na dinâmica dos sistemas naturais dos solos e das águas (MELIANI, 2006). O lixo produzido na cidade também se constitui em parte despejado a “céu aberto”. Günther (1999) adverte que esse fato decorre da falta de atenção impressa ao setor saneamento e ao seu gerenciamento, culminando no descarte dos resíduos sólidos em locais situados à periferia das cidades, nos denominados lixões, sem que haja preocupação quanto a técnica utilizada para a disposição do lixo e; muito menos com as consequências ambientais e sanitárias (PHILIPPI JR., 1999). ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br um grande problema para o município, que não possui aterros sanitários, sendo 69 O esgoto retirado das fossas pelos caminhões utilizados para este fim tem um destino similar ao do lixo, porém com um agravante, é espalhado em uma área de cabeceira de drenagem do Jeribucassu - rio que tem parte de suas águas captada para o abastecimento público de Itacaré (THÉVENIN, 2007). Além de problemas com a poluição, essa bacia vem sendo intensamente desmatada, o que tem ocasionado a aceleração dos processos de erosão dos solos e de sedimentação fluvial, comprometendo a conservação das nascentes, bem como a captação de água com fins de abastecimento da cidade (MELIANI, 2001). De acordo com Santos (2005) o crescimento das cidades vem causando o aumento da poluição doméstica, com o acréscimo de sedimentos e materiais sólidos, bem como a contaminação de mananciais e das águas subterrâneas. Em pontos focais da cidade de Itacaré, a exemplo do bairro da “Passagem”, observa-se a ocorrência de lançamento de esgoto na rede fluvial. Essa localidade é atravessada por um curso d’água que recebe o esgoto diretamente das casas, as quais não são beneficiadas pelo esgotamento sanitário implantado na cidade, restando para a população dessa localidade a alternativa de produzir ligações diretas (canalização) de esgoto para o curso d’água. Por estar localizada em uma área de várzea (“baixada”), a população residente nessa área sofre com inundações provenientes de períodos chuvosos, o que pode ocasionar um alarme para riscos de doenças. As habitações localizadas à margem desse curso d’água têm, em geral, padrões construtivos de barracos de madeira e de alvenaria (tijolos), porém com dimensões reduzidas e desprovidas de qualquer infraestrutura que garanta uma condição, por menor que seja, de proteção contra os períodos de maior acentuação pluviométrica. Próximas a esta área existem construções de um número significativo de barracos em uma área íngreme, a qual foi invadida (apropriada) devido a falta de No caso do Bairro do “São Miguel”, anteriormente conhecido como “Alagados”, a população também se vê obrigada a realizar ligação de canalizações de esgoto diretamente no curso d’água, provocando além de problemas com a proliferação de doenças, a poluição dos mananciais aquáticos da cidade. Este fator, provavelmente, afeta diretamente o bom funcionamento dos espaços turísticos localizados na orla principal do sítio urbano de Itacaré, pois a deposição de todo esse material vai desembocar no na foz do rio de Contas que beira a orla central da ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br opção provocada pela segregação espacial existente na cidade. 70 cidade, influindo no ambiente aquático dessa localidade e interferindo no bem-estar e saúde dos banhistas que ali visitam. Os padrões construtivos desse bairro são, em maior número, mais bem elaborados (de alvenaria) – se comparados aos da Passagem – e possuem lotes com maiores dimensões (quadrados e retangulares), o que supõe uma maior resistência aos períodos de chuva mais intensos, porém não exime esta área de riscos à inundação. Em uma área de invasão no bairro do “Santo Antonio” verificou-se o loteamento de uma pequena encosta, onde logo abaixo circula um fluxo d’água que também se encontra com problemas de despejo de esgoto em seu curso. Esse descarte é realizado, possivelmente, pelos moradores do bairro. Além disso, foi encontrado na área um ponto de deposição de lixo (resíduos sólidos) evidenciado pelo corte latitudinal do relevo, formando uma entrada em forma arqueada (U) a qual encontrava-se infestada por insetos. Havia também na área de “baixada” a formação de um “brejo” que estava sendo soterrado e que já se encontrava demarcado para efetivação de possíveis construções destinadas à população de menor poder aquisitivo, o que retrata a segregação socioespacial vivenciada na cidade. 5. PROBLEMAS SÓCIO-ESPACIAIS DE ITACARÉ: O ENFOQUE CLASSISTA O processo de estratificação social, referindo-se à disposição hierárquica dos grupos ou indivíduos numa escala, constitui uma característica universal das sociedades humanas (SILVA, 1981). Segundo Stavenhagen (1969) as classes não são imutáveis, portanto se desenvolvem e modificam-se obedecendo as mudanças da sociedade para se configurarem. O mesmo autor argumenta que em uma ótica marxista, as classes constituem um fenômeno universal, característico de uma desde as origens mais remotas da formação sócio-espacial de Itacaré, a divisão de classes em estratos já se apresentava, na medida em que existia um poder controlador das ações daquele povoado, influenciado pela atuação religiosa dos jesuítas que demarcaram o comando espacial do lugar pela aquisição imposta das terras. Além disso, a agricultura voltada para o suprimento das necessidades da ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br sociedade em que uma parte da população é explorada por outra. Desse modo, 71 capital da Colônia Portuguesa também engendra um panorama de subordinação da atuação jesuítica e dos nativos da região. Por intermédio do poder exercido pela Coroa portuguesa o pequeno povoado se torna fragmentado em classes de poder e prestígio estabelecidas pela lógica de comando da mesma, onde se configura a divisão de duas classes principais: a dos donatários e a dos paroquianos. Os nativos e os escravos inseridos na base da divisão social da época, não enquadravam-se, segundo Weber (1969), em grupos de status. Os citados encontravam-se em uma posição de desprestígio, pois não usufruíam de privilégios e por não terem a oportunidade de utilizar em proveito próprio bens e serviços de mercado. O incremento da produção cacaueira enreda a mudança dos atores na lógica de divisão social de classes, entrando em cena os grandes produtores de cacau, que detinham as forças influentes do poder local e comandavam a economia regional. Nesse contexto, os escravos ainda não se encaixavam, segundo a ótica weberiana, em qualquer grupo de status, pois apesar de estarem enquadrados na dinâmica populacional, sua participação nas decisões organizativas da sociedade de Itacaré eram nulas. O forte crescimento da economia cacaueira exacerbava ainda mais as relações sociais, fazendo dos grandes proprietários da lavoura cacaueira mais ricos e mais prestigiados em detrimento de uma classe escrava que não tinha nenhuma “voz” naquele cenário. O final do século XIX marca a introdução, por imigração, de sertanejos na lavoura cacaueira, os quais fugindo das perversidades da seca nordestina ajudam a compor o quadro social do município naquela época. Eles passam a representar, juntamente com os trabalhadores já presentes na lavoura, a classe pobre dependente exclusivamente do seu labor nas roças de cacau. Essa imigração alcançar mais de 24 mil habitantes, sendo a grande maioria destes, mão-de-obra barata ou gratuita (escravos) para as lavouras cacaueiras. Esse quadro reflete um padrão social bastante díspar, que agrega em sua base (altamente larga) a população desprovida de propriedades e recursos e no topo (estreito) da hierarquia de poder e prestígio os grandes produtores de cacau. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br representou um aumento exorbitante da população no município, que chegou a 72 Com a crise da lavoura cacaueira, o turismo passa a ser a alternativa para o crescimento econômico de Itacaré, porém, as relações de prestígio e poder só mudaram de mãos, passando dos fazendeiros de cacau para os grandes empresários ligados às atividades turísticas, permanecendo o quadro de divisão social de classes em Itacaré pouco modificado. Neste momento, os trabalhadores da lavoura cacaueira se voltam para a cidade, passando a enquadrarem-se na classe proletária, em função dos novos empreendimentos voltados à prestação de serviços, principalmente os turísticos. A camada mais carente da população se “arranja” em áreas de limitações naturais, como no caso das várzeas e encostas de morro, a exemplo do bairro da Passagem e do Santo Antonio, enquanto que a camada social que detém o poder econômico e o prestígio se mantém nas melhores áreas da cidade, como no caso do loteamento Conchas do Mar I e II. Nestes lugares predominam empreendimentos hoteleiros, além de residências com grandes padrões construtivos, sendo que algumas delas chegam a tomar quarteirões inteiros. Esse quadro revela toda uma configuração de segregação espacial que predomina não só em Itacaré, mas na organização do espaço de diversas cidades brasileiras. A evolução da expansão urbana de Itacaré, entre 1960 e 2003, também nos permite perceber a segregação espacial e a divisão social de classes em Itacaré, onde a partir da formação de bairros de alto padrão, como os Loteamentos Conchas do Mar e do Outeiro de Santo Antonio, as classes de maior poder se estabeleceram, inclusive por meio do deslocamento de antigos moradores dessas áreas para outros bairros da cidade. Enquanto isso, em bairros periféricos se abrigavam as camadas menos providas de recursos, como o bairro Santo Antonio e Passagem. Apesar desse último ter evoluído e englobar alguns equipamentos urbanos melhor bastante significativa. Entremeados a essas duas realidades estão os bairros mais centralizados como a Pituba e o Morimbondo, que apesar de terem algumas características de bairros pobres, como residências de baixo padrão, apresentam também padrões construtivos mais bem elaborados, e, em se pensando no fator estratificação, representam, diante da realidade da cidade, áreas de classe média. Segundo ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 www.revistapindorama.ifba.edu.br estruturados, a exemplo de pousadas, ainda se evidencia uma situação de pobreza 73 Cupertino (1978) a denominação classe média é possível, dentro de uma ótica weberiana, porque em toda estratificação que existem dois pólos pode-se assinalar arbitrariamente setores médios ou intermediários. A análise da degradação ambiental na cidade de Itacaré, também explica, em parte, a atual situação social da cidade, onde as classes sociais de maior poder aquisitivo são recobertas por uma rede de esgoto minimamente eficiente e uma coleta periódica de lixo regular, enquanto que boa parte das camadas mais pobres da sociedade ainda encontra-se convivendo com esgotos a “céu aberto” e problemas na coleta do lixo. De acordo com Trevisan (S/D) quando se coloca que processos de degradação ambiental de variadas ordens resultam da má distribuição fundiária, considerara-se que existe uma estrutura de classes em desequilíbrio como pressuposto para a deflagração dessa degradação. Desse modo, enquanto os grandes proprietários dos empreendimentos turísticos aceleram o processo de novas construções em benefício próprio, a fim de acumular mais riquezas, as camadas mais populares da cidade se debatem para conseguir um espaço, por menor que seja, para se fixarem e tentar sobreviver, sendo ambas ações propulsoras de impactos ao meio ambiente, na medida em que alteram a dinâmica www.revistapindorama.ifba.edu.br dos solos, dos recursos hídricos, além de produzir a supressão vegetal. ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONDER. Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Plano Diretor Urbano de Itacaré - versão para discussão com a comunidade local. Salvador, Bahia: Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Governo do Estado da Bahia, março de 2004. CUPERTINO, F. Classes e camadas sociais no Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 1978. 111 p. Vol. 8. 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Todos los temas desarrollado culminó en un análisis integrado con la luz de la teoría Clasista. Se encontró que en todas las épocas, desde sus orígenes hasta la actualidad, Itacaré se fija en espacios regidos por la voluntad de la potencia dominante (la Corona Portuguesa, los agricultores de cacao y, más recientemente, los empresarios turísticos), en que siempre imperó en el desarrollo de las actividades económicas realizadas en el municipio. Modificaciones imponen a la ciudad cambios funcionales de órdenes sociales, económicos y estructurales, en particular con el paso del monocultivo de caña de azúcar para los cultivos de cacao y, más recientemente, para la producción de las actividades turísticas, que maneja la organización del espacio geográfica del consejo, al máximo de una creciente expansión urbana y la aparición de casos de degradación ambiental. Palabras clave: Formación Socio-Espacial, la Organización del espacio, Itacaré, Teoría Clasista. Recebido em 01/03/2014 www.revistapindorama.ifba.edu.br Aprovado em31/03/2014 ISSN 2179-2984_____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 60-77 77 INTERCULTURALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUAS: uma análise do Projeto Pedagógico Institucional – PPI do IFBA Mariana Fernandes dos Santos1 ___________________________________________________________________ RESUMO O artigo em questão analisa o Projeto Pedagógico Institucional (adiante PPI) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA, no sentido de compreender se o referido documento contempla as perspectivas interculturais no ensino e aprendizagem de línguas e em especial da Língua Portuguesa. Para isso, tomamos como referencial teórico as acepções da Linguística Aplicada no que tange sua ocupação com questões de uso da linguagem, preocupando-se com a relação entre linguagem, sociedade e cultura, bem como ensino de línguas. O PPI do IFBA é o documento pedagógico que contém a filosofia de ensino e administrativa do Instituto e foi elaborado e aprovado no ano de 2008 quando a instituição tinha caráter de CEFET, no ano de 2013 o documento entrou em processo de reformulação2 na tentativa de identificar-se ao novo referencial de Instituto. PALAVRAS-CHAVE: Interculturalidade. Cultura. Ensino de línguas. PPI. 1 Mestra em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Professora de Linguagem do IFBA-Eunápolis. Coordenadora do Polo-Profuncionário IFBA/Eunápolis. Coordenadora Adjunta UAB/IFBA. E-mail: [email protected]. 2 O estudo e análise realizados neste artigo aconteceram no ano de 2012, antes da reformulação do PPI. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Intercâmbios culturais entre sociedades coincidem com o início da história da humanidade. De acordo com Canclini (2006), desde a Grécia Clássica e o Império Romano, com as inúmeras trocas e interações ocorridas no Mediterrâneo, sempre aconteceu o contato entre diferentes culturas, como foi o caso da expansão da Europa em direção à América e a África. Na contemporaneidade, fatos como o descrito acima, surgem com conceito de interculturalidade, usado para nomear a convivência democrática entre culturas diferentes, buscando a integração entre elas sem anular sua diversidade. O termo vem sendo utilizado com frequência nos espaços educacionais, mas além do contexto escolar, ganhou maior amplitude passando a ser discutido em diferentes instâncias sociais. Atualmente, a Linguística Aplicada adere a essa perspectiva a partir da interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, redimensionamento da relação entre teoria e prática, compreensão do sujeito social e orientação ética. Conceitos esses, que estão diretamente ligados à interculturalidade. No presente artigo analisamos o Projeto Pedagógico Institucional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia-IFBA, com base nas postulações da Linguística Aplicada no que se refere à interculturalidade. Especificamente, o estudo faz uma análise no sentido de compreender se o documento em questão contempla a interculturalidade em relação ao ensino na instituição, bem como o que o documento tem de específico em relação ao ensino de línguas. contempla os princípios interculturais para o ensino e aprendizagem de línguas? Dessa maneira, o objetivo deste estudo concentrou-se em analisar a partir dos referenciais da interculturalidade, se o documento em questão contempla esse referencial no ensino de maneira geral, e se isso reflete especificamente no que tange ao ensino de línguas, considerando que essa é a discussão que embasa o ensino e a aprendizagem de línguas na contemporaneidade. ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br A questão de pesquisa que norteou a construção desse artigo foi: O PPI-IFBA 79 A estrutura do artigo está organizada da seguinte maneira: nas considerações iniciais, damos uma visão geral sobre a temática em estudo e objeto a ser analisado; no primeiro tópico, explicitamos a origem e consolidação do conceito de interculturalidade e sua relação com espaço escolar; no tópico seguinte, fazemos uma breve discussão sobre Linguística Aplicada e sua adesão às perspectivas interculturais. Em seguida, temos o terceiro tópico que adentra a análise foco deste trabalho, articulando os conceitos da interculturalidade com o documento que é o objeto de estudo. Finalizando o artigo, são escritas as considerações finais onde fazemos uma reflexão crítica sobre o estudo, processo e resultado da análise aqui desenvolvida. 1. INTERCULTURALIDADE A questão da diversidade cultural começa a ser tema de interesse de cientistas sociais a partir do processo de descolonização ocorrido na África, América Latina e Ásia, com o consequente fluxo numeroso de imigrantes vindos das excolônias para o continente europeu. Esse movimento migratório, que alcançou seu auge nos anos setenta e oitenta do séc. XX, provocando uma transformação demográfica em algumas cidades europeias, teve como consequência, o surgimento de situações limites de tolerância. a sociedade europeia foi forçada à convivência com o “outro”, que até então vivia distante, “seguramente controlado”. O “outro”, entendido como o ex-colonizado, frequenta agora as “ruas e praças, mercados e igrejas, escolas e cinemas” cotidianamente, disputa vagas de emprego, submete-se à tutela do estado que é responsável por sua saúde, pela educação de seus filhos e por sua seguridade social e traz consigo valores que colocam em cheque suas tradições morais como instituição familiar e monogamia. (MOURA, 2005, p.30). Nesse contexto, surgiu o conceito de interculturalidade, usado para indicar um conjunto de propostas de convivência democrática entre diferentes culturas, buscando a integração entre elas sem anular sua diversidade, ao contrário, ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br Moura (2005), nos mostra como isso se desenvolveu quando explica: 80 “fomentando o potencial criativo e vital resultante das relações entre diferentes agentes e seus respectivos contextos” (FLEURI, 2005, p. 26). O termo tem origem, e vem sendo utilizado com frequência, nas teorias e ações pedagógicas, mas saiu do contexto educacional e ganhou maior amplitude passando a referir-se também a práticas culturais e políticas públicas. A interculturalidade diferencia-se de outro termo bastante usado no estudo da diversidade cultural que é o da multiculturalidade, que segundo Fleuri, (2005) indica apenas a coexistência de diversos grupos culturais na mesma sociedade sem apontar para uma política de convivência. A consolidação do conceito de interculturalidade no contexto mundial deu-se pelo crescimento dos processos mercantis de globalização que diminuíram o poder de estados e nações hegemônicas, o que proporcionou maior interação entre povos e a diminuição de fronteiras. Além disso, o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação permitiu o aumento dos contatos de pessoas e ideias, o que proporcionou também, um maior contato entre as distintas culturas. No panorama cultural vigente, Canclini (2004), aponta características ambivalentes no contexto mundial: de um lado o processo de globalização, com tendências de integração evidenciadas em práticas mercadológicas e ideológicas homogeneizantes, do outro, a conscientização da fragmentação do planeta em uma imensa diversidade cultural. A globalização, quando compreendida nos aspectos políticos e econômicos, versa para uma submissão da civilização mundial às práticas do mercado com a predominância do modelo centro-periferia. Mas, ao considerarmos a cultura como fator subjacente às praticas econômicas, ou cultural, constatamos que o fenômeno da globalização tem o efeito de tornar evidente a diversidade cultural do mundo e a globalização também pode ser considerada “como uma complexa rede de representações da sociedade e de diversidade de interesses, traduzidos nas disputas das representações ideológicas, políticas e culturais que estão em curso atualmente” (CANCLINI, 2004). Tomamos como referência o conceito de cultura em Canclini (2004) que compreende cultura como o conjunto de processos por meio dos quais grupos expressam imaginariamente o social e estruturam as relações com outros grupos, marcando suas diferenças. ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br direcionar para a necessidade de diálogo entre diferentes civilizações. Dessa forma, 81 Milton Santos (2000), também comunga com a ideia de ambivalência do mundo globalizado, e considera a globalização como uma fábula que defende um mercado avassalador global, supostamente capaz de homogeneizar o planeta, quando na verdade, acentua as desigualdades locais. Enquanto o culto ao consumo neste mercado global é incentivado, o mundo se torna mais distante de uma verdadeira cidadania universal. Em meio a esse cenário, entre culturas diversas, Canclini (2006), alerta sobre dois conceitos que costumam se confundir: diferença e desigualdade. Apesar de estarem na maioria das vezes, intrinsecamente relacionados, a desigualdade se manifesta como desigualdade socioeconômica enquanto a diferença transparece nas práticas culturais. No Brasil, isso pode ser ilustrado pelos casos em que culturas hegemônicas utilizam o trabalho de culturas menos privilegiadas, por estas oferecem mão de obra barata, diante de sua realidade social. É o que podemos chamar de um caso de desigualdade socioeconômica. No que tange à diferença, citamos a cultura negra, e sua contribuição concentrada na construção da identidade nacional onde é fundamental destacar a eleição do samba como símbolo da cultura brasileira, passando a representar a referida, tanto no Brasil como no exterior. Segundo Vianna (1995), esse fato é resultado das mediações entre os diversos grupos culturais ocorridas desde o fim do século XIX. Em meio a isso, a interculturalidade é um marco de desconstrução de padrões engessados em vários campos do conhecimento, agindo como um meio de reflexão sobre uma sociedade construída de maneira verticalizada em prol de um mundo culturalmente ‘congregado’. Nesse sentido, a Linguística Aplicada (LA), que se apresenta como uma do seu objeto no processo histórico de seu desenvolvimento. Assim, a LA deixou de ter a visão objetivista, em voga nos anos 80 e 90 do século passado, quando se preocupava em resolver os problemas reais de uso da linguagem, passando então, a ter uma visão intercultural de ensino de línguas de forma subjetivista/interpretativa. Ou seja, buscou criar inteligibilidade sobre esses problemas e não apenas entendê-los como uma questão linguística, mas também, ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br disciplina sempre aberta às reformulações passou também a estabelecer mudanças 79 histórica e social. É o que falaremos melhor no próximo tópico quando estabelecemos a relação entre LA e a perspectiva intercultural. 2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE LÍNGUAS Multidisciplinar e abrangente, a Linguística Aplicada apresenta preocupações com questões de uso da linguagem. Ela tem um objeto de estudo, princípios e metodologia próprios, e já começou a desenvolver seus modelos teóricos. ‘Dada sua abrangência e multidisciplinaridade, é importante desfazer os equacionamentos da Linguística Aplicada com a aplicação de teorias linguísticas e com o ensino de línguas (KLEIMAN, 1998, p.09)’. A LA, como assim também é conhecida, demonstra-se com características, nas quais se enquadram conjecturas que buscam atender ao processo de aprendizagem autônomo e heterogêneo. Segundo Moita Lopes (2006), atualmente, os aspectos que devem constituir a LA são: interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, redimensionamento da relação entre teoria e prática, compreensão do sujeito social e orientação ética. Esses conceitos estão diretamente ligados a interculturalidade. Os estudos e pesquisas concernentes ao ensino/aprendizagem de línguas contam desde o século XIX com inúmeras investigações sobre a maneira mais adequada de se ensinar. Assim, propostas de métodos e de abordagens de ensino têm sido citadas e questionadas até os dias de hoje. Algumas de base estruturalista e outras de base funcionalista, prevalece na contemporaneidade com relevante evidência, a Abordagem Intercultural, proposta pela linguística aplicada. Essa funciona como um meio de diálogos entre mundos culturais diferentes. Segundo Mendes: “[...] professores e profissionais da linguagem devem modificar ou adaptar a sua prática no sentido de incorporar a língua como dimensão complexa do humano, a qual extrapola o círculo fechado do sistema de formas e regras, para assentar-se naquilo que nos faz ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br abordagem centra-se na concepção de língua como algo além da forma, algo que 80 humanos: ser e estar socialmente no mundo” (MENDES, 2004, p.137). A Abordagem Intercultural tem como parâmetro o fato de que se as línguas são marcadas pela diversidade linguístico-cultural – são diversos os usos linguísticos que decorrem de aspectos culturais e sociais, também dos que a têm como língua materna. Assim, tornam-se reducionistas quaisquer tentativas de se trabalhar a língua em sala de aula somente do ponto de vista estrutural, gramatical, de maneira descontextualizada. Para Almeida Filho (2007), uma língua materna “é uma língua que se presta à comunicação ampla desde a casa, passando pela rua até a escola e os meios culturais. Ela é uma língua em que se constitui a identidade pessoal, regional, étnica e cultural da pessoa [...]” (ALMEIDA, 2007, p.64). Por isso, para o mesmo autor, ensinar essa língua “[...] não mais se resume a ensinar o seu sistema gramatical e a nomenclatura correspondente - ensinar sobre a língua-alvo é ensinar metalinguagem” (Ibidem). Nesse contexto, o ensino/aprendizagem de língua materna, pauta-se em ensinar ao aluno a reconhecer-se em uma variedade e permitir a expansão dos seus recursos linguísticos, para que assim ele consiga transitar pelas diversas variedades da língua, sobretudo, pela de prestígio. Uma linha de trabalho que extrapole o conhecimento formal da língua, ampliando-a em suas especificidades contextuais / culturais. No ensino/aprendizagem do português como língua estrangeira ou segunda língua, é possível constatar que a estrutura da língua do aluno e da língua alvo de cultural, que é responsável pela diferença de usos entre elas. O diálogo entre culturas, pressuposto fundamental da interculturalidade, consiste na aproximação entre as variantes dessa língua, de modo a não tomar a diferença como deficiência. De acordo com Mendes (2008), o aprendizado da língua portuguesa como língua materna, deve significar para os alunos, desenvolver competências para ser e agir em sua própria língua com criticidade, em diferentes contextos. Nesse sentido, o ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br aprendizagem (a padrão ou culta), é igual, sendo distinguida pelo componente 81 professor tem papel fundamental, por conduzir e orientar as experiências de uso da língua em sala de aula. Mendes (2004) discute a abordagem intercultural para o ensino/aprendizagem de línguas a partir do português como segunda língua para o hispano-falante, contudo, destina a reflexão sobre o processo geral de ensinar e aprender línguas quando afirma: [...] a força potencial que pretende orientar as ações de professores, alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma nova língua-cultura, é o planejamento de cursos, a produção de materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo de promover a construção conjunta de significados para um diálogo entre culturas (MENDES, 2004, p.154). O que nos leva à constatação de que o ato de ensinar é algo muito mais amplo que um simples método, por envolver as diversas dimensões do ensino: o planejamento, a produção de materiais e a avaliação de todo o processo. É compreender como o ensino de línguas pode favorecer a formação do sujeito para a cidadania a partir da ampliação de suas competências comunicativo-interacionais. Os conceitos constituintes da perspectiva intercultural devem contemplar o desenvolvimento da competência comunicativa intercultural, por isso, acreditamos ser pertinente, discutirmos um pouco sobre cada um, é o que faremos a seguir. Interdisciplinaridade – pressupõe uma maior interação entre as disciplinas curriculares tanto em quantidade como em qualidade. Segundo Japiassu (1976), essa abordagem caracteriza-se pela presença de uma axiomática comum a um grupo de disciplinas que se interconectam. Logo, é disciplinas que irá nortear as ações e atividades interdisciplinares. A própria linguística aplicada aderindo perspectivas sociocultural e sóciohistórica, desloca-se da linguística para outras áreas das ciências humanas e sociais, buscando assim, ser interdisciplinar. Como ratifica Rojo (2006): [...] esse movimento interdisciplinar de empréstimos é fundamental para a emergência de muitos dos enfoques atuais em LA, que vão ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br necessária a existência de um eixo ou um elemento de integração entre as 82 buscar em outras disciplinas seus fundamentos e métodos. [...] é na psicologia social de Vygotsky e de seus seguidores que pesquisadores em LA, voltados sobretudo para as políticas linguísticas e o ensino de línguas, vão buscar seus instrumentos iniciais de reflexão (ROJO, 2006 p.2 55). Transdisciplinaridade - A cooperação neste caso dirige-se para a resolução de problemas e cria-se a transdisciplinaridade pela construção de um novo modelo de aproximação da realidade do fenômeno que é objeto de estudo. A transdisciplinaridade exige uma interação entre as áreas do conhecimento para além da interdisciplinaridade. Nessa proposta, os limites disciplinares, a distinção entre pesquisa pura e aplicada e as diferenças institucionais entre as escolas e a indústria, parecem cada vez menos relevantes. A atenção é voltada para a área do problema, para o tema alvo do objeto de estudo, dando preferência à atuação colaborativa em lugar da individual. Para Celani (1998), a qualidade se avalia pela habilidade dos indivíduos em realizar uma contribuição substantiva a um campo de estudos a partir de organizações flexíveis e abertas. Apesar de seu interesse interdisciplinar, a LA não deixa de lado o fazer transdisciplinar, buscando ressignificar seus conceitos a partir das exigências de um objeto de estudo, o que torna segundo (ROJO, 2006), “um estudo transdisciplinar e não meramente aplicacionista ou interdisciplinar”. Competência comunicativa intercultural – CCI - o conceito de competência comunicativa tem sido aderido por décadas no ensino e aprendizagem de línguas, no entanto, a evolução das sociedades modernas e as transformações sociais exigem novas abordagens no tratamento de línguas que contemplem comunicativa intercultural inicia-se com relação ao ensino de língua estrangeira e concentra-se muito na discussão da aprendizagem da língua inglesa como segunda língua. As discussões sobre CCI são baseadas nas proposições teóricas de Byram (2006). ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br questões de identidade, cultura e diversidade. O conceito de competência 83 O aprendiz deverá ter a oportunidade de passar por cada um dos estágios de aprender, propostos por Delors (1996) , de modo a desenvolver a competência comunicativa intercultural , que o levará à aquisição de conhecimento e habilidade de usar a língua. Acima de tudo, ele poderá desenvolver a conscientização sobre a importância de viver em um mundo pluricultural, adotando, assim, uma atitude mais positiva em relação à sua cultura e à cultura do outro (OLIVEIRA, 2007, p.71). A linguística aplicada, bem como as teorias em voga sobre ensino e aprendizagem de línguas, ampliaram a concepção de competência comunicativa intercultural para o ensino e aprendizagem de qualquer língua no contexto escolar. Para autores como Byram (2006) e Moran (2000), o conceito de cultura é compreendido em termos de comunicação intercultural, isto é, a habilidade e a capacidade de entrar em uma outra cultura e comunicar eficazmente e apropriadamente. A cultura é vista como um processo e tem um papel principal no currículo. Temas culturais, aculturação, e educação intercultural são lidados igualmente. O conhecimento e habilidades culturais passam ao centro do ensino. Com isso, criam-se condições para o desenvolvimento da CCI no que refere à aprendizagem de línguas. Na Figura1, a seguir, Byram nos mostra como ocorre essa No Relatório da UNESCO sobre a educação para o século XXI, Delors apresenta os quatro pilares para a educação do futuro: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver com o outro e aprender a saber. Essas quatro modalidades de aprendizagem têm como base o processo de aprender a aprender fundamentado na vivência do autoconhecimento. ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br relação linguístico-cultural. 84 Figura 1 – Ilustração da relação linguístico-cultural segundo Byram O citado autor traz uma ilustração que contribui didática e teoricamente na compreensão do processo de ensino de línguas para uma aprendizagem intercultural. Considerando as postulações ditas, apontaremos a seguir como tais aspectos também se revelam no Projeto Pedagógico Institucional – PPI do IFBA e quais suas implicações quando isso não ocorre ou quando acontece de maneira equivocada. 3. PPI - IFBA E A INTERCULTURALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUAS o PPI, bem como seus componentes constituintes. Em seguida, trataremos das concepções gerais de ensino e interculturalidade, para então discutirmos sobre o intercultural e ensino de línguas. O Projeto Pedagógico Institucional foi construído no I CONGRESSO DO CEFET-BA realizado pela Direção Geral (o que correspondia a reitoria no período), ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br Inicialmente, exporemos o processo de construção do documento em análise, 85 quando em um fórum de debate democrático, objetivou-se a construção de um documento que passou a ser chamado de PPI. O evento aconteceu entre os dias 26 e 29 de setembro do ano de 2007, na sede do Barbalho na cidade do Salvador. Foram convocados trezentos delegados/ delegadas, eleitos entre seus pares: 100 estudantes, 100 técnicos-administrativos e 100 docentes “que representaram e defenderam as posições majoritárias aprovadas em reuniões setoriais que aconteceram ao longo do ano de 2007 em cada Unidade de Ensino do CEFET-BA” ( PPI, p.1). O I CONGRESSO contou com uma Plenária de Abertura, Plenárias Temáticas, Grupos de Trabalho Temáticos e Plenária de Encerramento. O texto construído a partir das contribuições dos grupos de trabalho do I CONGRESSO foi encaminhado ao Conselho Diretor, instância máxima de deliberação do CEFET-BA, e aprovado em reunião ordinária no dia 26 de março de 2008. O PPI do IFBA é o documento pedagógico que contém a filosofia de ensino e administrativa do Instituto, porém, foi elaborado e aprovado quando a instituição tinha caráter de CEFET, por isso, no ano de 2013, foi reformulado para identificar-se ao novo referencial de Instituto. Iniciando as análises, na página inicial do documento, denominada Caminhos da Construção do Projeto Pedagógico Institucional do CEFET-BA, vemos indícios de Pretende-se que o Projeto Pedagógico Institucional do CEFET-BA seja um documento vivo, referência para as ações educativas, pois é a síntese de uma visão de mundo da comunidade, contendo a percepção da educação frente à nova conjuntura tecnológica de um mundo globalizado, indicando, considerando esta análise conjuntural, as finalidades da educação técnica/tecnológica e o perfil do profissional que deverá ser formado (PPI-IFBA, p.1). Na parte em destaque (grifo nosso) da citação acima, vemos a preocupação em adequar o documento às propostas de um novo pensar de educação no sentido de contemplar as trocas culturais por conta do processo de globalização, e ainda, ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br perspectivas interculturais, quando lemos: 86 pelo fato de ser um documento ‘vivo’, sua construção parte de discussões democráticas, da participação efetiva de todas as instâncias da instituição. Ainda nessa parte do documento, há a afirmação de que essa preocupação destacada anteriormente são elementos que baseiam os princípios de ensino (organização didática, níveis e modalidades), da pesquisa, da extensão, da gestão da Instituição, a política de formação e o processo de acompanhamento e avaliação do próprio PPI: Com base nestes elementos posiciona-se quanto aos princípios do ensino (organização didática, níveis e modalidades), da pesquisa, da extensão, da gestão da Instituição, a política de formação e o processo de acompanhamento e avaliação do próprio PPI, constituindo-se em documento que deverá ser constantemente visitado e atualizado pela Comunidade Acadêmica do CEFET-BA (PPI-IFBA, p.1). Na informação em destaque é possível perceber uma preocupação em relação ao dialogismo, a discussão, a uma concepção de educação coletiva e democrática. No quarto parágrafo da página inicial, estão presentes princípios mediadores da relação sociedade, administração e educação que congrega valores humanos O CEFET-BA, no seu Projeto Pedagógico Institucional, assume como princípios balizadores das relações sociais, administrativas e educativas a igualdade e a solidariedade como os valores humanos universais que garantem o respeito, a dignidade e o tratamento com equidade a todos os cidadãos e cidadãs; a inclusão como princípio de respeito às diferenças e o atendimento às necessidades prementes da maioria da população brasileira; a sustentabilidade como princípio de promoção humana e das suas relações com a sociedade e a natureza e, por fim, a democracia, como elemento fundante de toda e qualquer ação, individual ou coletiva, desenvolvida na Instituição, não apenas como método de consulta, mas como método de construção das relações sociais, acadêmicas e administrativas (PPI-IFBA, p.1). O texto segue na linha intercultural quando diz que assume o trabalho como princípio educativo e reafirma sua visão da educação profissional e tecnológica como direito e bem público essencial para a promoção do desenvolvimento ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br universais: 87 humano, econômico e social, comprometendo-se com a redução das desigualdades sociais e regionais. Mas, é possível perceber uma inicial contradição na sequência textual, quando é utilizado o termo missão, postulando que a missão, por conta da aprovação do PPI foi então atualizada e ficou assim definida, escrita em caixa alta no documento: Promover a formação do cidadão histórico-crítico, oferecendo ensino, pesquisa e extensão com qualidade socialmente referenciada, objetivando o desenvolvimento sustentável do país. (PPI, p.2). Essa contradição refere-se ao fato de ser utilizado o termo missão, que é de caráter empresarial e militar, pautado na visão tecnicista de educação, em um contexto teórico de embasamento na práxis pedagógica da pedagogia históricocrítica, perspectiva que refuta a concepção tecnicista de educação. Como afirma um dos representantes dessa pedagogia: Esta concepção nasceu das necessidades postas pela prática de muitos educadores, pois as pedagogias tradicionais, nova e tecnicista não apresentavam características historicizadoras; faltavalhes a consciência dos condicionantes histórico-sociais da educação (SAVIANI, 2007, p. 30). Dessa maneira, evidenciamos que a Pedagogia Histórico-Crítica como é chamada por Dermeval Saviani, é Histórico, porque nesta perspectiva a educação também interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua transformação, é Crítica, por ter consciência do papel exercido pela sociedade sobre a educação. Essa contradição do termo em relação à concepção de práxis pedagógica no voltado especificamente para o mercado de trabalho, visando à formação de profissionais para as empresas no contexto industrial, o que demonstra a dificuldade em desconstruir práticas cristalizadas para a ressignificação de novos paradigmas. Vemos então a real necessidade de reformulação do Projeto. ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br PPI pode ser explicada pela prática inicial dos CEFETs, ter um caráter técnico e 88 Dando continuidade, no tópico do projeto, a concepção de instituição de ensino-a escola que queremos na parte referente aos princípios filosóficos e teóricometodológicos gerais que norteiam as práticas acadêmicas da instituição, temos: Os novos processos sociais e de trabalho exigem uma nova pedagogia e uma nova epistemologia. A nova pedagogia formará e educará cidadãos críticos e profissionais competentes, com autonomia ética, política, intelectual e tecnológica, pois a construção do conhecimento e sua socialização serão resultado do trabalho social e das relações que são empreendidas entre o mundo do trabalho, da cultura, das ciências e das artes. (PPI, p.30) Nessa parte, lemos a preocupação de uma formação discente comprometida com o desenvolvimento integral do ser humano orientado por valores éticos, sociais e políticos. Na sequência do texto, nas partes em destaque, há uma relação com a discussão do quadro de Byram concernente à competência comunicativa incultural: habilidades de descobrir, atitudes-curiosidades/abertura, conscientização crítica cultural, habilidades de interpretar/relacionar. Para formar o cidadão crítico em uma perspectiva emancipatória, proposta neste Projeto Pedagógico Institucional, faz-se necessário uma formulação curricular que o instrumentalize para a compreensão do mundo e das formas de nele atuar. Para tanto é preciso utilizar, na plenitude, a autonomia didática, e da flexibilidade estrutural e pedagógica conquistadas, no sentido de realizar uma organização curricular que: capte o que é central na especificidade de cada área do conhecimento/prática de trabalho (...) (PPI, p.72-73). Nas partes citadas abaixo, temos a referência à interdisciplinaridade quando dito sobre autonomia didática e flexibilidade no sentido de uma prática que ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br Com a construção do seu Projeto Pedagógico Institucional, o CEFET-BA (IFBA) almeja o rompimento do paradigma da mera transmissão de saber, encaminhando-se para a uma prática educativa baseada numa pedagogia crítica, cujo objetivo principal é permitir ao futuro profissional desenvolver uma visão social da evolução da tecnologia, das transformações oriundas do processo de inovação e das diferentes estratégias empregadas para submeter os imperativos econômicos às condições da sociedade. Tal prática educativa deve promover o desenvolvimento do senso crítico em relação ao mundo, sendo este desenvolvimento pautado nos princípios de igualdade, solidariedade e sustentabilidade (PPI, p.33). 89 capte o que é central (um eixo norteador) para que as áreas se intercalem no ensino a partir de seus conhecimentos específicos. Há ainda uma preocupação em fundamentar o documento também pelos Parâmetros Curriculares Nacionais partindo do inter para o transdisciplinar. Articular, por meio de uma metodologia interdisciplinar, eixos que estão contemplados nos PCN’s como: meio ambiente, sexualidade, gênero, drogas, entre outros relevantes para a sociedade (Diretrizes Gerais para o Ensino, Pesquisa e Extensão. PPI, p.37). No excerto que segue, ocorre referência a uma ação pedagógica além da interdisciplinaridade a partir de valores e saberes e não de conteúdos. A trans tem como fundamento a construção sistêmica do conhecimento para a efetividade de uma ciência unificada sem fragmentação - é religar os saberes sociais, linguísticos, físicos e naturais. O CEFET-BA, no seu Projeto Pedagógico Institucional, assume como princípios balizadores das relações sociais, administrativas e educativas a igualdade e a solidariedade como os valores humanos universais que garantem o respeito, a dignidade e o tratamento com equidade a todos os cidadãos e cidadãs; a inclusão como princípio de respeito às diferenças e o atendimento às necessidades prementes da maioria da população brasileira; a sustentabilidade como princípio de promoção humana e das suas relações com a sociedade e a natureza e, por fim, a democracia, como elemento fundante de toda e qualquer ação, individual ou coletiva, desenvolvida na Instituição, não apenas como método de consulta, mas como método de construção das relações sociais, acadêmicas e administrativas (PPI, p.1). instituição e sua função social tanto em relação à comunidade escolar (professores, servidores e alunos) bem como a tríade ensino, pesquisa e extensão: Unificação entre cultura/conhecimento e trabalho: será buscada a superação da dualidade estrutural antidemocrática, própria da lógica excludente, desenvolvendo uma cultura que unifique as funções do pensar e do fazer. Integração da formação técnico-científica e histórico-crítica: a integração multidisciplinar permitirá a geração, transmissão e ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br As partes seguintes contemplam a questão intercultural articulando o papel da 90 utilização do conhecimento produzido pelo ensino e pesquisa aplicada, para a solução de problemas econômico-sociais da região. A vinculação estreita com a tecnologia, destinada à construção da cidadania, da democracia e da vida ativa de criação e produção solidárias em perspectiva emancipatória (Princípios orientadores da Pesquisa, Ensino e Extensão.PPI,p.34). Articular as atividades de pesquisa e extensão às necessidades da comunidade todos os domínios sociais para os quais a escola tenha potencial de atuação, quer seja nos âmbitos tecnológicos, artísticos, ambiental, cultural, político e educacional como mecanismos de consecução da função social do CEFET-BA. Instituir um programa de integração escola-comunidade (escola aberta), como oferta de cursos, palestras e atividades socioculturais, artísticas e desportivas, educação ambiental e atendimento de outras demandas identificadas junto à comunidade. Ampliar os programas de integração escola-comunidade (escola aberta), com oferta de cursos, palestras e atividades socioculturais, artísticas, esportivas. (Diretrizes gerais para o Ensino, Pesquisa e Extensão. PPI, p.36). Viabilizar espaços sistemáticos de integração, intercâmbio cultural e convivência entre a comunidade acadêmica, a exemplo de encontros por área, seminários temáticos, listas de discussão, grupos de trabalho, revistas (DGEPE – p. 37). No que tange a Interculturalidade e ensino de línguas o PPI-IFBA pressupõe o seguinte: Incluir no currículo dos cursos do CEFET-BA (IFBA) o que determina a Lei nº 10.639/2003, com relação ao ensino da história e cultura da África e Afro-brasileira; o que preconiza o Decreto nº 3.298/199 sobre a obrigatoriedade da oferta da língua espanhola (Diretrizes Gerais para o Ensino, Pesquisa e Extensão - PPI, p.37). A interculturalidade em relação ao ensino de línguas nos trechos das páginas 37 e 48 está na prioridade em ofertar outro idioma diferente do materno, o que possibilita um conhecimento intercultural linguístico e aquisição de novas tecnologias, além da adequação às necessidades e exigências contemporâneas. Além disso, a lei 10.639/2003, mais do que uma discussão intercultural, é uma ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br Priorizar a oferta de um segundo idioma (inglês/espanhol) a todos para facilitar a política de qualificação dos servidores, especialmente, na pós-graduação, no intercâmbio e na aquisição de novas tecnologias. (Diretrizes para a formação e desenvolvimento profissional – PPI, p.48). 91 legitimidade em relação à importância de conhecermos outras culturas, no sentido de perceber as origens de nossas identidades e respeitar a do outro. Na página 72 do documento, não há uma discussão específica para o ensino e aprendizagem de língua portuguesa em relação à interculturalidade, mas ocorre uma retomada da interdisciplinaridade na seleção de conteúdos, concepção de avaliação da aprendizagem e de currículo, o que também envolve questões interculturais quando explicita sobre a formação de cidadãos críticos em uma perspectiva emancipatória, superando a disciplinaridade. Isso demonstra uma sensibilidade aos contextos culturais discentes. Para formar o cidadão crítico em uma perspectiva emancipatória, proposta neste Projeto Pedagógico Institucional, faz-se necessário uma formulação curricular que o instrumentalize para a compreensão do mundo e das formas de nele atuar. Para tanto é preciso utilizar, na plenitude, a autonomia didática, e da flexibilidade estrutural e pedagógica conquistadas, no sentido de realizar uma organização curricular que: capte o que é central na especificidade de cada área do conhecimento/prática de trabalho; compreenda os processos de assimilação/apropriação dos conhecimentos e estabeleça a mediação entre os conhecimentos e os processos de sua assimilação/apropriação, apontando para caminhos que superem as práticas educativas disciplinares e produzam a possibilidade de construção inter/multi/transdisciplinar do conhecimento. (PPI, p.7273). A abordagem interdisciplinar compreendida pelo PPI pressupõe um nível de inter-relacionamento entre as disciplinas que compõem o currículo escolar como tentativa de articular saberes, no entanto, para haver essa integração é necessária a existência de um eixo ou elemento de integração, como prevê os PCNs: “a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção” (BRASIL, No documento em estudo, o eixo integrador configura-se no mundo do trabalho, onde a atenção dos saberes deve voltar-se a isso. Como podemos perceber na ilustração que apresentamos na sequência (Figura 2). ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br 2000, p. 88). 92 Figura 2 – Esquema da relação entre diversos saberes tendo o trabalho como eixo integrador Fonte: elaboração da autora . Apesar da tentativa interdisciplinar, o documento traz em sua base a referência à abordagem curricular multidisciplinar que é muito comum nas organizações escolares em geral. Nessa abordagem, cada disciplina desenvolve seus conteúdos de maneira isolada, sem se inter-relacionar com outras disciplinas. O que destoa do pensamento histórico-crítico que até o momento vimos no projeto e das passagens de interculturalidade. Nesse sentido, entendemos que mesmo sendo citadas a todo o momento, a trans e a inter não caracterizam os fundamentos da práxis na instituição de forma maciça. Contudo, evidencia-se no PPI a preocupação em dimensionar essa realidade e superar a construção de conhecimento de forma homogênea, isolada e transformações políticas, econômicas, educacionais, culturais e sociais na ação pedagógica. O caráter transdisciplinar muito mais que o inter é defendido pelos teóricos da LA como uma proposta de estudo dos fenômenos linguísticos além das fronteiras das ciências que se ocupam desses fenômenos. No entanto, observamos que construir ciência sem os paradigmas consagrados pelo próprio meio científico é uma ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br descontextualizada, para a complexidade que permite a compreensão de 93 postura inovadora, diante do contexto ideológico da sociedade atual, que a LA ousadamente lança como proposta realizável. Sobretudo, é importante reconhecermos o caminho inverso proposto pela LA que, diferentemente da maioria das ciências, não tem como ponto de partida elaborações teóricas defendidas nas academias, percorre de situações práticas às discussões teóricas, e assim, identifica as concepções que atendam às necessidades do estudo sobre uma determinada situação real de uso da linguagem. Dessa forma, a LA contribui não apenas para solucionar os problemas da prática, mas também na reelaboração de teorias que tenham como objeto os fenômenos linguísticos, e assim, há uma constante (re)construção. CONSIDERAÇÕES FINAIS O PPI-IFBA traz em seu fundamento a interculturalidade em várias partes do referido documento. Nessa contemplação, temos diversidade cultural, variação linguística, intercâmbio cultural, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Porém, em muitas partes do texto é perceptível o tratamento intercultural muito mais por questão de obrigatoriedade legal do que base filosófica. Em meio a isso a uma grande preocupação na superação de práticas pedagógicas multidisciplinares para uma ação pedagógica a partir de saberes que vão além de conteúdos e transmissão de conhecimento, que verse no sentido de uma prática baseada em valores culturais e contextualização do saber. O documento não apresenta uma discussão específica em relação ao ensino e aprendizagem de línguas e nem de língua portuguesa como língua materna. No Apesar de trazer a interculturalidade em parte do seu fundamento, na prática, é preciso repensar a formação docente para essa perspectiva. No caso do ensino de línguas a LA pode contribuir muito para a ressignificação da práxis em prol do ensino focado nas práticas sociais de linguagem. Outro desafio frente a isso é perceber se o material didático e as práticas que estão sendo efetivadas refletem os fundamentos interculturais que o projeto ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 www.revistapindorama.ifba.edu.br geral, não há essa discussão específica em nenhuma área do conhecimento. 94 sumariamente propõe. E para além da inter, a transdisciplinaridade precisa ser pensada no PPI. Em suma, a relevância deste trabalho é perceber de que maneira as discussões acadêmicas estão sendo contempladas no contexto escolar e sua relevância para que não fiquemos no limite academicista e avancemos na busca de extensionar a produção de conhecimento à sociedade. Ademais, o PPI entrou em processo de reformulação, portanto, o estudo em questão, muito contribuirá na ressignificação da base filosófica que fundamenta o trabalho pedagógico da instituição, estabelecendo assim, um estudo comparativo e reflexivo no sentido de (re)construir uma proposta que vise a construção de um projeto contemplador de fundamentos de ensino e aprendizagem que reflitam os princípios da Instituição contextualizados às transformações sociais www.revistapindorama.ifba.edu.br contemporâneas. ISSN 2179-2984____________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 78-100 95 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Linguística Aplicada, ensino de línguas e comunicação. Campinas: Pontes Editores, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 2002. BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. 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Os dados foram coletados no período de novembro e dezembro de 2011, por meio de um questionário validado (SF-36) referente a qualidade de vida. A amostra de conveniência, compôs-se de 10 pacientes com IRC submetidos à HD. Quanto a Qualidade de vida (QV) foi observado que: 80% da população referiu dor em alguma intensidade, que 70% realizam HD entre 1-7 anos, 70% relatam sentir falta de atividades que antes eram realizadas frequentemente, 50% da população alegam que a dor interferiu no trabalho e/ou em suas atividades cotidianas, 80% da população considera sua saúde excelente e boa. Essa pesquisa sugere ampliar os estudos a respeito da QV do portador de IRC, pois dessa forma discussões poderão ser aprofundadas no sentido de auxiliar no preenchimento de 1 Graduada em enfermagem pela UNIRB – Alagoinhas/BA, Pós graduada em Saúde Coletiva com ênfase em Saúde da Família pela Faculdade Santíssimo Sacramento – Alagoinhas/BA. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Graduação em Odontologia e mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Professora adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana e Coordenadora do curso de Pós–graduação em Saúde coletiva com Ênfase em Saúde da Família, da Faculdade Santíssimo Sacramento – Alagoinhas/BA. lacunas existentes devido aos poucos estudos sobre QV desses pacientes. Palavras-chave: Qualidade de vida; Insuficiência Renal Crônica; Hemodiálise. INTRODUÇÃO A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome clínica que tem etiologia variada, podendo ser resultante de doenças que atingem primariamente os rins, ou de doenças sistêmicas, que secundariamente os compromete. É considerada atualmente um problema de saúde pública no Brasil devido às elevadas taxas de morbidade e mortalidade (MARTINS; CESARINO, 2005), apresentando um impacto negativo sobre a qualidade de vida (QV) desses indivíduos. Conforme o censo de 2010 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, existem 92.091 pacientes em tratamento de diálise, e estima-se que 18.972 destes pacientes tenham iniciado o tratamento em 2010, sendo 90,6% tratados por hemodiálise(HD) e 9,4% por diálise peritoneal. As estimativas nacionais das taxas de prevalência e de incidência de insuficiência renal crônica em tratamento dialítico foram de 483 e 100 pacientes por milhão da população, respectivamente. A taxa anual de mortalidade bruta pela doença chegou a 17,9% no ano de 2010, e o custo do tratamento é financiado em sua maioria pelo Sistema Único de Saúde. Tratamentos variados estão disponíveis e substituem parcialmente a função destacar dentre eles a diálise peritoneal ambulatorial, a diálise peritoneal automatizada, a diálise peritoneal intermitente, a hemodiálise e o transplante renal. Pacientes renais crônicos têm aumentado à sobrevida, haja vista aos avanços tecnológicos e terapêuticos na área da diálise, no entanto, estes apresentam algumas limitações, interferindo assim na qualidade de vida (MARTINS; CESARINO, 2005). ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br renal, aliviando os sintomas da doença e preservando a vida do paciente. Pode se 102 Segundo Thomas e Alchieri (2005), o impacto do diagnóstico e do tratamento dialítico pode levar o paciente renal crônico a um progressivo e intenso desgaste emocional devido à necessidade de submeter-se a um tratamento longo que ocasiona limitação física e diminuição da vida social. Cesarino e Casagrande (1998) enfatizam que o doente renal crônico vivencia uma brusca mudança no seu viver, convive com limitações, e com um tratamento doloroso que é a hemodiálise. Recentemente, têm se voltado às atenções para uma nova terapêutica que vise à qualidade de vida do paciente renal crônico, na tentativa de alcançar um estado de bem estar físico e mental, o que acarretaria na recuperação das atividades de trabalho, da autonomia, da preservação da esperança e do senso de utilidade desses indivíduos (MARTINS; CESARINO, 2005). Nesse contexto, as avaliações de qualidade de vida começam a fazer parte do dia a dia da prática clínica, englobando o impacto que a doença e o tratamento representam nas várias dimensões do indivíduo (FERREIRA; SANTANA, 2003 apud ANES, 2009). Diante dessa realidade e dos questionamentos apresentados, surge o principal questionamento deste estudo: Quais fatores influenciam na qualidade de vida do portador de IRC em tratamento de HD? Para tanto, propõe-se através desta pesquisa, identificar a qualidade de vida auto referida do portador de IRC em hemodiálise. A discussão deste tema torna-se relevante, devido não somente a magnitude do problema, como em específico no local de estudo, uma vez que, há escassez de dados regionais que forneçam informações sobre a QV do paciente renal crônico, o que pode favorecer a um planejamento de ações de saúde que melhor contemple a problemática em questão. 1. METODOLOGIA quantitativa de corte transversal, onde foi avaliada a qualidade de vida dos portadores de insuficiência renal crônica em tratamento de Hemodiálise. Optou-se por este tipo de estudo por apresentar objetividade na coleta de dados e tratar-se de um estudo rápido, com baixo custo, sendo útil no planejamento de saúde e levantamento de questões. Este estudo foi desenvolvido em uma clínica situada em Alagoinhas/BA, município localizado no leste baiano, estando a aproximadamente 110 km da capital, ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br Trata-se de um estudo observacional, de cunho descritivo, com abordagem 103 Salvador. Possui uma área de 734 km² e conta com cerca de 142.160 moradores, de acordo com os dados do IBGE 2010. A clínica é especializada em Nefrologia e Hemodiálise que presta atendimento aos pacientes do município de Alagoinhas e áreas circunvizinhas. É uma clínica conveniada ao SUS e possui capacidade para atender 136 pacientes, distribuídos em dois turnos com dias específicos (segunda, quarta e sexta / terça, quinta e sábado), sistematicamente organizados pela clinica. Dispõe de capacidade distribuída em dois ambientes denominados sala branca que possui 32 pontos de atendimento para a realização da hemodiálise e a sala amarela que possui 2 pontos para atendimento ao paciente HIV+. Esta pesquisa contemplou 10 pacientes em tratamento de Hemodiálise, caracterizando-se como uma amostra de conveniência. Os participantes foram escolhidos de acordo com a adequação aos critérios de inclusão (maiores de 18 anos, submetidos a sessões de diálise há mais de três meses e concordarem com o estudo) e exclusão (estado de consciência ou desorientação, ou estado de saúde do paciente que impossibilite comunicar-se com o pesquisador). Todos os indivíduos convidados foram informados acerca dos objetivos da pesquisa, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (vide Apêndice A), conforme recomendações da Resolução 196/96 e somente aqueles que aceitaram livremente e assinaram o TCLE participaram deste estudo. Os dados coletados foram organizados em um banco de dados e analisados quantitativamente pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 9.0. Após análise os dados foram convertidos em forma de gráficos e tabelas construídos a partir do Microsolf Office Excell. Estes foram usados para objetivar a apresentação das ideias e fornecer meios para interpretação mais fácil dos dados. Após aplicação do método proposto, obteve-se o perfil dos pacientes em estudo, onde observou-se que 60% dos pacientes entrevistados são do sexo masculino (gráfico 1), com idade variando entre 19 e 47 anos (mediana de 34 anos) (gráfico 2). ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO 104 masculino feminino 40% 60% Gráfico 1 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com sexo, Alagoinhas, 2011. 50% 50% 19 - 34 anos > 35 anos Gráfico 2 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com a idade, Alagoinhas, 2011. Conforme o censo 2010 da Sociedade Brasileira de Nefrologia, 57% dos portadores de IRC são do sexo masculino, e 67,7% têm idade entre 19 a 64 anos. Uma provável justificativa do maior número de pacientes submetidos a HD serem homens, é que dentre as principais causas da IRC, encontra-se a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) – que em muitos casos leva o paciente a necessitar de terapia renal substitutiva – e segundo Terra (2007), a HAS apresenta uma prevalência nos homens quase três vezes maior que nas mulheres. O grupo estudado apresenta grau de escolaridade baixo, tendo em vista que 40% dos entrevistados não concluíram o primeiro grau, 20% possui o primeiro grau completo, 30% concluiu o segundo grau e 10% da população apresenta nível quem tem maior escolaridade possui mais recursos intelectuais para o enfrentamento da doença. ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br superior (gráfico 3). Quanto à escolaridade Martins e Cesarino (2005) afirmam que, 105 Gráfico 3 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com o grau de escolaridade, Alagoinhas, 2011. A baixa escolaridade implica em diversos riscos que elevam o número de complicações das pessoas submetidas à hemodiálise, isso porque não se trata de um fato isolado, visto que quase sempre a baixa escolaridade advém da escassez de recursos. Dessa forma, pode-se inferir que essas pessoas tendem a apresentar uma menor compreensão das informações dadas pelos profissionais de saúde, desconsiderando muitas vezes atitudes que poderiam evitar ou diminuir os riscos de uma complicação durante a sessão de hemodiálise. O gráfico 4 apresenta a distribuição percentual da população estudada de acordo com o tempo de hemodiálise. Observou-se que 70% dessa população realiza diálise de 1 à 7 anos e 30% a mais de 14 anos. Gráfico 4 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com o tempo de Hemodiálise, Alagoinhas, 2011. hemodialítico, maiores serão as estratégias desenvolvidas pelos indivíduos para o enfrentamento tanto da doença quanto do tratamento. ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br Segundo Cordeiro et.al. (2009), quanto maior o tempo de tratamento 106 Beber 10% Comer 10% Ensinar 10% Trabalhar 20% Jogar bola 20% Não sente falta 30% 0% 10% 20% 30% 40% Gráfico 5 – Distribuição percentual da população estudada de acordo à auto percepção relacionada ao sentimento de falta de atividade de lazer e /ou trabalho, Alagoinhas, 2011. Quando questionados sobre a falta de desenvolver algum tipo de atividade, apenas 30% dos pacientes referiram não sentir falta de nada. Os outros 70% relatam sentir falta de atividades que antes eram realizadas frequentemente como: beber (10%), comer (10%), ensinar (10%), trabalhar (20%) e jogar bola (20%) (gráfico 5). Em estudo acerca da qualidade de vida de pacientes em HD constatou-se que, para mais de 50% dos entrevistados a rotina do tratamento hemodialítico ocupa todo ou grande parte do tempo, limitando assim a realização de atividades significativas (GOMES, 1997). A avaliação de qualidade de vida pelo paciente renal crônico submetido à hemodiálise está relacionada à forma como os mesmos percebem sua própria vida e como conduzem seu cotidiano. A reação frente ao diagnóstico e ao tratamento difere de pessoa para pessoa, mas todos têm necessidade de reaprender a viver, e isto é visto como indispensável. Neste estudo a qualidade de vida do paciente renal crônico submetido à hemodiálise foi avaliada por meio do instrumento genérico de QV, SF – 36. física no instrumento SF-36. O estado físico é avaliado a partir da existência de dor, desempenho nas atividades diárias e locomoção (funcionalidade) e percepção subjetiva do estado geral de saúde. Ao serem analisados os pontos relacionados à QV física, é possível perceber que todos eles possuem uma QV satisfatória em relação ao estado físico. Ela é menor em relação ao item Dor, pois 80% dos pacientes referem dor em alguma intensidade como mostra o Gráfico 6, sendo que 50% da população alegam que a ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br A Dimensão Física da qualidade de vida é avaliada pelo componente saúde 107 dor interferiu no trabalho e/ou em suas atividades cotidianas (Gráfico 7), apontando assim uma QV um pouco menor. Muito grave 20% Grave 10% Moderada 10% Leve 30% Muito leve 10% Nenhuma 20% 0% 10% 20% 30% 40% Gráfico 6 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com grau de dor no corpo durante as últimas quatro semanas, Alagoinhas, 2011. Extremamente 10% Bastante 20% Um pouco 20% De maneira nenhuma 50% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% Gráfico 7 – Distribuição percentual da população estudada de acordo com Interferência no trabalho/atividades cotidianas devido à dor, Alagoinhas, 2011. A funcionalidade, avaliada pela capacidade de locomoção e de desempenho das atividades diárias, como capacidade de cuidar-se, vestir-se, tomar banho e subir escadas, são avaliadas a um nível médio. O portador de IRC consegue realizar suas atividades de vida diária, sofrendo uma diminuição da funcionalidade referente às atividades que requerem mais esforço ou que tenha que carregar peso. 70% Itens Sim, muito Sim, um pouco Não 3a - Realizar atividades rigorosas 40% 30% 30% 3b - Realizar atividades moderadas 10% 0% 90% ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br apresenta dificuldade, conforme mostra a tabela 1. 108 Itens Sim, muito Sim, um pouco Não 3d - Subir vários lances de escada 10% 20% 70% 3f - Curva-se, ajoelhar-se ou dobrar-se 20% 0% 80% 3g - Andar mais de 1 quilômetro 10% 30% 60% 0% 10% 90% 3j – Tomar banho ou vestir-se Tabela 1. Distribuição percentual da dimensão capacidade funcional do componente saúde física relacionada ao questionário de qualidade de vida SF-36. Alagoinhas-Ba, 2011. Tais resultados podem influenciar numa qualidade de vida boa e/ou excelente dos insuficientes renais crônicos, uma vez que, muitos pacientes encontram na terapêutica hemodialítica, uma forma de prolongar e aumentar sua sobrevida, fato que justifica os resultados encontrados. CONCLUSÃO A IRC é uma das patologias crônicas mais incidentes no Brasil, sendo responsável por um significativo índice de morbimortalidade. No presente estudo foi observado que os indivíduos submetidos à hemodiálise apresentaram uma redução na qualidade de vida quando relacionada ao domínio do “papel profissional” e a “auto avaliação de dor” e, maior qualidade referente ao domínio “aspectos Os pacientes que lidam com a realidade da hemodiálise vivem um misto de sentimentos que vão desde a esperança de uma sobrevida melhor à depressão. Para Coutinho et al. (2010), as dimensões referentes ao componente de saúde física e mental desses pacientes podem ser expressas de forma significativa partindo das sensações de perdas, frustrações e limitações impostas pelo tratamento e pela doença. No entanto, o fato dos indivíduos entrevistados estarem sendo acolhidos e ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 www.revistapindorama.ifba.edu.br emocionais”. 109 orientados numa unidade especializada que se destina ao tratamento da IRC, pode ter contribuído para uma avaliação positiva da QV desses pacientes. Ao final deste trabalho observou-se que o objetivo de aprofundar a compreensão e discussão a respeito da QV do portador de IRC em Hemodiálise foi alcançado e que a metodologia proposta foi pertinente. Contudo, é importante ressaltar que a amostra de conveniência adotada traz limites nas considerações por se tratar de um grupo restrito de pacientes renais em HD. Nesse sentido essa pesquisa sugere ampliar os estudos a respeito da QV do portador de IRC, pois dessa forma discussões poderão ser aprofundadas no sentido de auxiliar no preenchimento de lacunas existentes devido aos poucos estudos sobre QV desses www.revistapindorama.ifba.edu.br pacientes. ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 110 REFERÊNCIAS ANES, E. J; FERREIRA, P. L. Qualidade de vida em diálise. Revista Portuguesa de saúde pública. Vol. Temático nº 8. Pag. 67-82, 2009. CESARINO, G. B.; CASAGRANDE, L. D. R. Paciente com insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico: atividade educativa do enfermeiro. Revista Latino Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 6, n. 4, p. 31-40, outubro 1998. CORDEIRO J.A.B.L. et al. Qualidade de vida e tratamento hemodialítico: avaliação do portador de insuficiência renal crônica. Revista Eletr. Enf. 2009;11(4):785-93. 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Avaliação Psicológica, 4(1), 2005, pp. 57-64. ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 111 ABSTRACT The Chronic kidney disease is a big public health problem, which may lead the holder to need hemodialysis (HD), which causes a lot of changes and restrictions that impair their quality of life. Aiming to identify the self-reported life quality(LQ) of patients with Chronic Renal Failure (CRF) on hemodialysis, there was an observational study with descriptive and quantitative approach. Data were collected between November and December 2011, using a validated questionnaire (SF-36) related to quality of life. The convenience sample consisted of 10 patients with CRF undergoing HD. As LQ was observed that: 80% of the population reported pain intensity in some, that 70% carry HD between 1-7 years, 70 % report feeling a lack of activities that were carried out frequently, 50 % of the population claim that pain interfered at work and/or daily activities, 80% consider their health excellent or good. This research suggests expand the studies regarding the LQ of patients with CRF because so discussions can be deepened in order to assist in filling gaps due to the few studies on LQ of these patients. Keywords: Quality of life; Chronic Renal Failure, Hemodialysis. Recebido em 13/10/2013 www.revistapindorama.ifba.edu.br Aprovado em 04/04/2014 ISSN 2179-2984___________________________________ Ano 4, Nº 5, Agosto/2013-Março/2014, pp. 101-112 112