1 GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E ENSINO DE LÍNGUAS Carlos
Transcrição
1 GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E ENSINO DE LÍNGUAS Carlos
1 GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E ENSINO DE LÍNGUAS Carlos Alberto Gonçalves PAVAN Luciano Alan OGER Universidade Estadual Paulista - UNESP ABSTRACT Many researches have surrounded cultural aspects in language teaching, what evidences an increasing preoccupation on linguistic education in Brazil and other countries. This leads to a clearer understanding of globalization phenomena as well as more effective knowledge of Brazilian scenery. Thus, this study may provide an overview of these topics. Key words: globalization, language teaching, culture. Introdução Muitos estudos (LIMA, 2009; SIQUEIRA, 2008; KUMARAVADIVELU, 2008, 2006a, 2006b; MORAN, 2001) têm abordado a questão cultural no ensino de línguas, e isso denota uma crescente preocupação em relação à educação lingüística tanto no Brasil quanto no exterior. Notoriamente, a maioria, senão todas as nações vivenciam esse rápido e constante processo de globalização que, gradualmente, estabelece e fortalece as conexões entre seus respectivos povos, promovendo a interdependência entre as respectivas culturas e sociedades. Devido à globalização e modernização de diversos meios de comunicação como o Rádio, a TV Digital, a Internet 3G, os Celulares, o VOIP, dentre outros, faz-se necessário que todos os cidadãos – sejam crianças, adolescentes, adultos ou idosos – tenham conhecimento em uma segunda língua (L2) ou em uma língua estrangeira (LE). O nível de conhecimento de tal língua pode variar de acordo com os objetivos e propósitos destes cidadãos, como por exemplo, manusear equipamentos, comunicar-se com indivíduos de outros países ou simplesmente obter crescimento na sua área profissional e pessoal. Tal fato também é evidenciado por Moita Lopes (2005 apud Rocha, 2007:72) ao afirmar que “em meio às mudanças sócio-econômicas, os avanços tecnológicos fizeram mais presente o multiculturalismo que constitui o mundo, tornando visões monoculturais insustentáveis em nossa sociedade atual”. Lamentavelmente, em se tratando de acesso à tecnologia, o cenário brasileiro não é o mesmo para todas as classes sociais. 2 Neste contexto, diante de um mundo marcado por desigualdades entre as várias sociedades e camadas sociais, é que a educação lingüística busca se equilibrar, na tentativa de estabilizar esse mundo plural de uma forma multicultural, e tentando atingir todos os povos, independentemente de suas classes sociais. Assim, este artigo está organizado em quatro partes. Na primeira, examinaremos e dissertaremos sobre o cenário atual da globalização mundial. Logo após, discorreremos sobre o papel da Língua Inglesa (LI) e o seu ensino no cenário atual, de uma maneira geral. Na terceira etapa, abordaremos o ensino de LI no contexto brasileiro e o caráter multicultural desempenhado pela LI. Em seguida, teceremos nossas considerações finais. A globalização Holisticamente, o processo de globalização se faz tão veloz quanto um feixe de luz contido em uma minúscula fibra óptica que atravessa por debaixo dos oceanos milhões de gigabytes de informações em milésimos de segundos acelerando, assim, ainda mais as conexões virtuais entre os continentes, conectando diferentes culturas e sociedades e gerando, gradativamente, uma interdependência entre as nações, seus falares, suas línguas e seus povos. Diante desta “sociedade marcada pelas profundas desigualdades sociais e forças opressoras, em num movimento centrípeto (BAKHTIN, 1981 apud ROCHA, 2007:72), convergente e divergente ao mesmo tempo, busca-se equilibrar e a estabilizar sociedades singulares em um mundo verdadeiramente plural. Assim, partindo-se do “pressuposto de que é na e pela linguagem, em movimentos centrífugos, que essas diferenças são mantidas, reforçadas ou refutadas” (ROCHA, 2007:72), a língua(gem) passa a ser vista como “um instrumento de comunicação e poder” (ROCHA, 2007:72). Nessa perspectiva, torna-se impraticável abordar o inglês sem refletir sobre o papel hegemônico que ele assume na sociedade contemporânea, devido à soberania das grandes potências mundiais. A globalização, que atinge os diversos povos e nações, tem sido profundamente analisada por diversos estudiosos (RITZER, 1993; GIDDENS, 2000; ROBERTSON, 2003 apud KUMARAVADIVELU, 2006a, dentre outros), que a retrataram de acordo com seus pensamentos e valores. A seguir, esboçaremos resumidamente as análises mais marcantes difundidas pelos estudiosos, segundo a visão de cada um dos autores que compõem nosso aporte teórico. 3 O cenário atual da globalização Corroboramos com a visão do sociólogo norte-americano Steger (2003:13), também corroborado por Kumaravadivelu (2006a), quando define globalização como sendo: “uma série multidimensional de processos sociais que criam, multiplicam, alargam e intensificam interdependências e trocas sociais no nível mundial, ao passo que, ao mesmo tempo, desenvolve nas pessoas uma consciência crescente das conexões profundas entre o local e o distante.” (STEGER, 2003:13) Não pretendemos, necessariamente, afirmar que a definição acima seja única, irrefutável ou irretratável; contudo, nosso objetivo inicial é tomar um ponto de partida para podermos, mais tarde, contemplar outras definições que porventura aparecerem. Segundo Kumaravadivelu (2006b:4), enquanto Steger postula que a globalização é “tão antiga quanto a humanidade”, o historiador Robbie Robertson detalha-nos três ondas (fases) da globalização; todas, segundo ele, ocorridas nos últimos quinhentos anos, como mostrado abaixo: ROBERTSON (2003) Três ondas da Globalização (em aproximadamente 500 anos) 1. Espanha e Portugal exploram comércio regional. 2. Industrialização da Inglaterra 3. Pós-Guerra liderado pelo EUA “...após 1945, uma nova era de cooperação/disputa internacional. EUA versus URSS, dividem o mundo em duas partes, capitalismo e comunismo”. O desenvolvimento e modernização (imperialismo dos EUA), “Ocidentalização” Tabela 1: As fases da Globalização segundo Robertson (2003). Para Robertson (2003 apud KUMARAVADIVELU, 2006b), a terceira onda da globalização foi marcada pela disputa entre as duas grandes potências – EUA e URSS – que buscavam o desenvolvimento político e econômico, ao mesmo tempo em que os países colonizados da África e Ásia, tornavam-se independentes. 4 Coadunando com Robertson, Kumaravadivelu (2006b) nos relata que logo após o término da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos criaram o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial (World Bank) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), com o objetivo de incentivar o livre comércio americano, a busca pela segurança econômica, e a promoção de seu estilo de vida (American style), acelerando assim o colapso das URSS na década de 80. Nessa mesma perspectiva, a fase atual da globalização se nos mostra diferente dos períodos anteriores em sua intensidade, graças às novas tecnologias e ao advento da internet, que adquiriu seu papel de fonte propulsora para o encurtamento das distâncias entre as nações e suas fronteiras. Com a Internet, diversas nações tiveram seu crescimento econômico acelerado, e houve uma rápida mudança cultural em seus respectivos territórios, ao mesmo tempo em que, em outras, a estagnação pode ser observada. De acordo com Kumaravadivelu (2006a:131), na fase atual, “as vidas econômicas e culturais das pessoas do mundo todo estão mais intensa e imediatamente interligadas, de um modo que nunca ocorreu antes”, isto é, as fronteiras nacionais estão se dissolvendo e se fortalecendo concomitantemente, através de um movimento, dialógico e sincrônico, que fortalece as culturas locais ao mesmo tempo em que promove os movimentos pluriculturais e/ou multiculturais. Além da Internet, outra ferramenta que colaborou para uma rápida interconexão entre tais povos, suas culturas, economias, etc, foi a LI como a principal língua utilizada nos meios de comunicação agrupados pela Internet. A globalização cultural tornou-se um tema recorrente e também o palco de importantes discussões entre os estudiosos da área da LA, bem como entre estudiosos de outras áreas como a antropologia e a sociologia, dentre outras. Destacam-se os estudos da área da sociologia, que apontaram três escolas de pensamento, sendo que a primeira postula sobre a homogeneização cultural caracterizada pelo “consumismo” baseado na cultura americana pré-moldada, destacando com principais pensadores, Ritzer, Fukuyama e Barber. Na segunda escola, destacam-se Giddens, Huntigton e Tomlinsom, que defendem o fortalecimento da cultura e da religião locais através da heterogeneização cultural. A terceira escola, composta pelos pensadores Appadurai e Robertson, dentre outros, que afirmam que há uma tensão caótica entre o local e o global, resultando no fenômeno conhecido como “glocalização” (KUMARAVADIVELU, 2006a:134). No tocante à disseminação da cultura norte-americana, alguns críticos e estudiosos apontam que a homogeneização cultural está 5 intimamente representada pelo consumismo norte-americano espalhado pelo globo. Tal fato fica evidente nas palavras de Kumaravadivelu (2006a, 2006b), que relata que a rede americana de fast-food McDonald’s, serve comida kosher em Israel, comida halal em países islâmicos e comida vegetariana na Índia. Para exemplificarmos melhor, a empresa McDonald’s está presente em 118 países espalhados por cinco continentes, e gera 1,6 milhões de empregos. Diariamente, cerca de 48 milhões de pessoas fazem suas refeições em algum restaurante desta rede. Preocupado com os rumos desta globalização desenfreada e desgovernada1, Robertson (2003 apud KUMARAVADIVELU, 2006a) relata sua preocupação sobre a busca por identidades globais e locais, e sugere “a criação de estratégias efetivas que deem conta do desafio da globalização cultural, ele estimula os educadores a buscarem todas as alternativas possíveis para preparar nossas disciplinas acadêmicas, assim como nossos alunos, a enfrentarem o mundo globalizado”. (KUMARAVADIVELU, 2006a:134-135) Assim, alguns autores advogam que existem grandes interesses comerciais na indústria do ensino global da LI, uma vez que é considerada a língua comercial global. Neste sentido, temos que nos precaver com o monopólio cultural pretendido pelos países falantes de LI, que ainda buscam evidenciar traços do colonialismo, promovendo os produtos expostos em LI, em detrimento de outros produtos, de igual valor, trazidos ao mundo em outras línguas, como o controle de tráfego aéreo, regulamentos de segurança, livros, revistas, filmes, meios de comunicação de massa, pesquisas científicas e a Internet. Dentro do universo da Lingüística Aplicada (LA), relacionamos a colonialidade da língua inglesa à sua história, que está intimamente ligada e representada em quatro dimensões2 que se interconectam – acadêmica, lingüística, cultural e econômica (KUMARAVADIVELU, 2006b:12); e que ajudam a melhorar as condições de saúde e emprego nos países falantes de LI . Desta forma, a fase atual da globalização, aliada a entidades transnacionais e regimes dominantes, afeta a vida econômica, social e cultural de muitas pessoas em diversos países. A LI no cenário internacional Geopolítica pode ser definida, segundo Le Breton (2005:12) como “a análise das rivalidades de poder sobre um determinado território”. Segundo Lacoste (2005), a difusão de uma LE em determinados territórios em detrimento das línguas nativas exibe essa rivalidade de 6 poderes nesses territórios. Assim, podemos afirmar, corroborando com Le Breton (2005:12), “que as línguas são o reflexo das relações de força”. Outra característica desta batalha pelo poder se reflete na imposição de “línguas nacionais” em detrimento dos dialetos locais, que são, hoje, intitulados como “línguas regionais”. Tal fato também está evidenciado pela história e relacionado aos três períodos que Robertson chamou de “as três ondas da globalização”, que se iniciou pelas conquistas territoriais portuguesas e espanholas, como abordado anteriormente. Hoje, não mais existe a “necessidade da conquista de um território para exercer sua dominação econômica e cultural” (LACOSTE, 2005:7-8). A imposição de valores culturais pelas superpotências é uma configuração característica desta “nova forma de colonização”. Neste sentido, Siqueira (2008) aborda a crescente e emergente difusão do inglês em potências econômicas como o Japão e a China. O autor exemplifica que, de acordo com Yajun, os chineses estão abraçando o inglês com tanto entusiasmo que “a sua internacionalização está transformando o chinês num dialeto” (YAJUN, 2003 apud SIQUEIRA, 2008:174). Além disso, dados da União Européia mostram que 4% da população chinesa já é fluente em inglês, e não para de crescer o número de novas escolas de inglês por todo o país (VEJA, 2005:61). O interessante é que no Japão a língua inglesa faz parte do currículo oficial em todos os segmentos educacionais e o crescimento de escolas privadas acontece em ritmo acelerado. Vale salientar que, neste sentido, alguns pesquisadores ocidentais difundem e promovem o conhecimento ocidental em detrimento dos conhecimentos locais, ou ainda ao desprestígio de tais conhecimentos, visando apenas, e de forma inescrupulosa, a promoção de seus interesses (KUMARAVADIVELU, 2006a). Ainda segundo o autor, “as dimensões coloniais do inglês se acentuam por causa de sua ameaça às identidades lingüísticas e culturais” (KUMARAVADIVELU, 2006a:144). Segundo Rajagopalan (2005), ainda hoje, no início do terceiro milênio, há muitas políticas vexatórias e excludentes, principalmente em se tratando da cultura de “países ‘periféricos’ do chamado terceiro mundo” (RAJAGOPALAN, 2005:136), quanto à (des)valorização dos trabalhos produzidos em suas línguas nativas por parte de revistas científicas publicadas, na sua maioria, em LI. Há ainda que se considerar o “preconceito lingüístico” presente quando da contratação de professores nativos e não nativos. Os vencimentos de falantes nativos sempre foram superiores ao dos não-nativos. Mas, segundo Le Breton (2005:12) “não existe nenhum precedente verdadeiro do êxito da LI”, da forma que podemos observar nos dias de hoje. 7 Devido a sua propagação pelo mundo como “a língua da globalização e da União Européia” (Lacoste, 2005:8) e do comércio internacional; e, principalmente, devido a sua associação com a economia mundial, a LI adquiriu o status de “língua franca” (CRYSTAL, 1997 apud KUMARAVADIVELU, 2006b:13). Ainda segundo Crystal, “uma língua atinge o status global genuinamente, quando atinge um papel especial que é reconhecido por todos os países”. Siqueira (2008:169), baseando-se em Leffa (2002), postula que para que uma língua seja considerada de alcance internacional precisa preencher “três critérios básicos: [1] a língua deve ser desprovida de falantes-nativos, isto é, todas as pessoas devem falá-la como língua estrangeira; [2] essa língua não deve estar atrelada a nenhuma cultura dominante; e, finalmente, [3] deveria ser usada somente para fins específicos, ou seja, não deveria nunca competir com os propósitos para os quais se usa uma língua nativa, por exemplo”. Assim, na visão de muitas pessoas e guardadas as divergências naturais, é exatamente nesse sentido que a LI, hoje, assume o papel de língua mundial dos tempos atuais. Há, entretanto, uma perspectiva de tornar a linguagem apenas “um veículo para a afirmação de valores e crenças similares” (KUMARAVADIVELU, 2006a:144). Assim, “a linguagem se torna um produto global em diferentes sabores locais” (Cameron, 2002 apud KUMARAVADIVELU, 2006a:144), quebrando o “paradigma” do falante nativo e o “preconceito” do falante não-nativo. Além disso, segundo Rajagopalan (2007)3, quando uma língua atinge o status de internacional, perde características próprias dos países que a utilizam como língua nativa, transformando-se apenas em um instrumento comunicacional. Luoma (2004:10), citando Leather & James (1996) e Pennington & Richards (1986), postula que há muitas razões sociais e psicológicas que levam o falante não-nativo a não querer ser confundido com um falante nativo. Ainda segundo a autora, um sotaque característico pode fazer parte da identidade deste falante não-nativo, o que lhe proporciona a manutenção de traços culturais característicos. Além disso, segundo Brown & Yule (1983 apud LUOMA, 2004) e Morley (1991 apud LUOMA, 2004), outro aspecto questionável em relação ao padrão nativo é a existência de muitas variantes nativas e, ainda, muitas variantes regionais, tornando muito difícil a escolha de uma única variante como padrão. Decorrente à sua ascensão e consolidação como língua franca nos dias atuais, o inglês, como a língua mais utilizada nas comunicações internacionais, seja qual for o meio de transmissão ou comunicação, necessita de uma nova postura diante às novas práticas pedagógicas e 8 estratégias de ensino-aprendizagem, pois ambos, professores e alunos, ainda estão por descobrir novas fronteiras e novos povos que utilizam essa língua ‘mestiça’, também de forma não nativa, possibilitando assim novos rumos e olhares para a referência do ensino cultural atrelado fortemente a essa aprendizagem. A fim de exemplificar o poderio da língua inglesa, Graddol (1997 apud Siqueira, 2008:167), afirma que atualmente o inglês é considerado o mais “novo ouro negro do mar do Norte”, pois devido a sua expansão de maneira exacerbada, sustenta em sua retaguarda uma indústria multibilionária que atua em diversas áreas do globo, com destaque maior para seus principais acionistas, os Estados Unidos e Inglaterra. A LI no cenário brasileiro No contexto nacional, onde o inglês é falado como língua estrangeira, percebe-se uma tímida e crescente preocupação na ‘possível obrigatoriedade’ de se aprender a falar e/ou escrever essa língua franca, que nos anos 80, levou milhares de brasileiros às escolas de idiomas, movidos, principalmente, pelo mito de que o aprendizado de uma LE, em especial a LI, poderia levá-los ao mercado de trabalho e, conseqüentemente, à ascensão social. Segundo Siqueira (2008, p.174), dados de uma reportagem na Revista VEJA, de 19 de janeiro de 2005, mostrava que éramos cerca de 20 milhões de brasileiros estudando inglês. Essa estimativa aproximava-se de quase 12% do total da população na época. Entretanto, diante desses dados se compararmos os resultados com outros países do chamado “expanding circle”, podemos concluir que o acesso ao inglês está longe de ser uma democracia verdadeira e libertadora. Voltando-se para um olhar em âmbito macro-econômico, o Brasil e a América Latina são considerados mercados verdadeiramente promissores e cobiçados pela indústria do ensino-aprendizagem do inglês. Pois, mesmo diante da dificuldade em precisarmos o número exato de escolas de inglês existentes, podemos especular que são vários milhares. Também devemos levar em consideração que a língua inglesa, como disciplina escolar, consta nos currículos de todos os níveis escolares, inclusive na sua modalidade instrumental em quase todo o ensino superior. (SIQUEIRA, 2008). Um exemplo do crescente mercado do ensino de inglês é o sistema de franquias de cursos de línguas do país, onde apenas duas das maiores redes são detentoras de mais de 1.000 franqueados, que englobam subseqüentemente algo em torno de 700 mil alunos. Ainda que, localmente e regionalmente, sabe-se que existem diversas outras franquias que também 9 são expressivas e de renome, podendo-se então, emparelhar e somar alguns milhares de alunos para elevar esses números. Preconiza-se também a grande importância do ensino de inglês em escolas públicas, que não prepara o aluno para atuar em negócios específicos, mas o direciona para um objetivo maior que é o impulso motivacional de aprender a língua para seu próprio desenvolvimento. Devido à supremacia e hegemonia que a Língua Inglesa (LI) assume na contemporaneidade, assume também o posto de a língua estrangeira mais falada no território nacional (Pagel, 1992). Ainda, segundo Pagel (1992), embora seja a LE mais ensinada em todo o território brasileiro, as políticas educacionais não a trataram com a consideração que se deveria, atribuindo ao seu ensino um notório desprestígio. Mas, fora da educação regular, os jovens, adolescentes e adultos em geral, precisam e necessitam de falar inglês, mas até que nível então? Atrelado a esse pensamento, Siqueira (2008, p.177) reflete o pensamento de Jiang (2000), metaforizando que ‘a língua é o espelho da cultura, ou se formassem um corpo, a língua seriam os músculos e a cultura seria o sangue. Nesse sentido, para o autor, aprofundar os conhecimentos sobre a cultura ou culturas de língua inglesa parece não fazer parte da agenda nem do interesse da maioria dos alunos que lotam as nossas salas de aulas diariamente. Nem de professores, que seguem com sua prática voltada, no máximo, para o ensino de cultura como um elemento à parte. Assim, diante do exposto termo ‘cultura’, evocaremos a próxima etapa deste, no intuito de refletir e refratar alguns olhares sobre a questão da sua definição e sua participação nos diversos cenários da educação. A questão da cultura no ensino de inglês Hall (1961 apud LIMA, 2009), afirma que apesar de tentarem uma definição no século retrasado, permanece ainda um grande enigma sobre o seu significado, e ele mesmo, entende o termo cultura como sendo uma forma de autoconhecimento. Outros estudiosos, como Banks, Banks & McGee (1989 apud LIMA, 2009), nos afirmam que muitos cientistas entendem cultura como algo formado por aspectos simbólicos e intocáveis das sociedades humanas, o que vale dizer que a essência da cultura não são apenas os seus elementos, mas sim, como esses elementos são entendidos e interpretados pelos membros dessa cultura. Ao aprofundar-nos no mérito da interação entre língua e cultura, consideraremos inicialmente que o termo cultura com c minúsculo, nos permite diferenciar do seu oposto, pois engloba a nós a definição de crenças 10 e percepções culturais expressas por meio da língua e que interferem na maneira com que as pessoas são aceitas ou não em determinada sociedade (Lima, 2009). Não distante disto, ainda no aspecto da definição de cultura, tomaremos por base igualitariamente que os padrões compartilhados de comportamentos e interações, construtos cognitivos, e compreensão afetiva que são adquiridos por meio de um processo de socialização. Relacionar língua e cultura, afirmar que ambos estão intrinsecamente conectados revela-nos que o sujeito aprendiz (educando), também é constituído pela linguagem, como também o seu educador (professor). Neste contexto, concordamos com Lima (2009:182) que, em contrapartida, no que diz respeito ao ensino da língua atrelada à cultura, há, naturalmente, controvérsias e divergências sobre o assunto no meio lingüístico e no campo do ensino e da aprendizagem de língua estrangeira (Appel & Muysken, 1987; Hyde, 1994; Scovel & Scovel, 1980 apud LIMA, 2009:182). É evidente que a relação entre língua e cultura não é tão fidedigna como parece, pois muitos países baseiam seu ensino de línguas em técnicas gramaticais, de forma arbitraria, deixando de lado o aspecto cultural para não prover uma evolução no sonhado aspecto intercultural. Podemos citar, como exemplo, a China e a Coréia, que em contrapartida ao avanço nos estudos culturais, estafam-se no ensino de língua inglesa basicamente gramatical. Considerações Finais É veemente o crescimento exacerbado e o avanço do campo tecnológico global, haja vista as inúmeras descobertas científicas em muitas áreas distintas; e o que é mais importante, o acesso cada vez mais (ir)restrito destas tecnologias em favor da melhoria da qualidade de vida dos seres humanos ao redor de todo o mundo. A globalização, além de levar o progresso para as regiões mais longínquas do planeta, em tempo real, também minimiza as distâncias e derruba fronteiras tecnológicas. Em contrapartida, essa mesma globalização, na esfera cultural, está dizimando “culturas menos favorecidas”, impondolhes traços culturais bem distintos dos seus. Ainda na esfera cultural, no ensino e aprendizagem de LE, muitas das línguas e/ou dialetos falados ao redor do mundo – estima-se em 6.500 línguas diferentes ao redor do mundo (RAJAGOPALAN, 2005) – estão ameaçadas pela imposição da LI. Ainda segundo o autor (2005:136), muitos estudiosos não-anglófonos tiveram suas pesquisas rejeitadas para publicação “simplesmente por “não terem sido escritos em inglês digno de um ‘nativo’”. 11 Vale salientar que a LI já se encontra estabelecida como a “língua global” ou “língua-padrão do mundo” (Rajagopalan, 2005:135). No contexto brasileiro, concomitantemente com a “imposição” da LI como a língua comercial e econômica mundial, há certo (des)preparo das entidades educacionais no sentido de (trans)formar o cidadão de modo a subsistir no mundo globalizado. Sob o aspecto cultural, há que se tomarem precauções no sentido de difundir mais a cultura local do que a cultura global. Um exemplo clássico, por exemplo, é que a maioria das crianças brasileiras, em idade escolar, conhece as festas de Halloween, desconhecendo, porém, personagens de nossa riquíssima cultura brasileira, tais como “curupira”, “boi-tatá”, “SaciPererê”, dentre inúmeros outros. Assim, se faz necessário que, nas esferas mais altas, comecem a pensar em meios sólidos a fim de considerar e preservar também nossa cultura na sala de aula e, paralelamente, apresentar traços significativos de outras culturas. Referências bibliográficas KUMARAVADIVELU, B. Cultural globalization and language education. Yale: Yale University, 2008. __________. A lingüística aplicada na era da globalização. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006a. __________. Dangerous Liaison: globalization, empire and TESOL. In: Edge, J. (Ed.). (Re)Locating TESOL in an age of empire. New York: Palgrave Macmillan, 2006b. LACOSTE, Y. Por uma abordagem geopolítica da difusão do inglês. In: LACOSTE, Y.; RAJAGOPALAN, K. (org.) A geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. LE BRETON, J.M. Reflexões anglófilas sobre a geopolítica do inglês. In: LACOSTE, Y.; RAJAGOPALAN, K. (org.) A geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. LIMA, D. C. O ensino de língua inglesa e a questão cultural. In: LIMA, D. C. (Org.) Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo, Parábola Editorial, 2009. LUOMA, S. Assessing Speaking. Cambridge: Cambridge University Press, p. 9-28, 2004. MORAN, P. R. Teaching culture – Perspectives in practice. Canada: Thomson Heinle, 2001. 12 RAJAGOPALAN, K. A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil. In: LACOSTE, Y.; RAJAGOPALAN, K. (org.) A geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ROCHA, C. H. Reflexões e proposições sobre o ensino de LE para crianças no contexto educacional brasileiro. In: ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K. A. (Orgs.) Lingüística Aplicada: Múltiplos Olhares – Estudos em homenagem ao Professor Dr. José Carlos Paes de Almeida Filho, Campinas, SP: Pontes, p. 71-107, 2007. SIQUEIRA, S. O ensino de inglês como língua internacional no Brasil e o lugar da cultura. In. Assis-Peterson, A. A. (Org.) Línguas estrangeiras: para além do método, São Carlos, Pedro & João Editores, 2008. Steger, M. Globalization: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2003. 1 O termo “de forma desenfreada e desgovernada” não se refere a algo ruim ou prejudicial, exaltando, contudo, que a forma com que se deu o fenômeno da globalização excedeu os limites previamente almejados. 2 Para uma visão mais detalhada destas perspectivas, veja: Kumaravadivelu, B. A postmethod perspective on English language teaching, World Englishes, n. 22, 539– 550, 2003. 3 Palestra proferida pelo Professor Dr. Kanavilil Rajagopalan, intitulada “O lugar do inglês no mundo globalizado”, durante o I Seminário do IADE (Instituto Acadêmico de Desenvolvimento Educacional) “O ensino e aprendizagem de línguas no novo milênio”, na cidade de Barretos-SP, no dia 01/09/2007.