1 GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E ENSINO DE LÍNGUAS Carlos

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1 GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E ENSINO DE LÍNGUAS Carlos
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GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E ENSINO DE LÍNGUAS
Carlos Alberto Gonçalves PAVAN
Luciano Alan OGER
Universidade Estadual Paulista - UNESP
ABSTRACT
Many researches have surrounded cultural aspects in language teaching,
what evidences an increasing preoccupation on linguistic education in Brazil and
other countries. This leads to a clearer understanding of globalization phenomena
as well as more effective knowledge of Brazilian scenery. Thus, this study may
provide an overview of these topics.
Key words: globalization, language teaching, culture.
Introdução
Muitos
estudos
(LIMA,
2009;
SIQUEIRA,
2008;
KUMARAVADIVELU, 2008, 2006a, 2006b; MORAN, 2001) têm abordado
a questão cultural no ensino de línguas, e isso denota uma crescente
preocupação em relação à educação lingüística tanto no Brasil quanto no
exterior.
Notoriamente, a maioria, senão todas as nações vivenciam esse
rápido e constante processo de globalização que, gradualmente, estabelece e
fortalece as conexões entre seus respectivos povos, promovendo a
interdependência entre as respectivas culturas e sociedades.
Devido à globalização e modernização de diversos meios de
comunicação como o Rádio, a TV Digital, a Internet 3G, os Celulares, o
VOIP, dentre outros, faz-se necessário que todos os cidadãos – sejam
crianças, adolescentes, adultos ou idosos – tenham conhecimento em uma
segunda língua (L2) ou em uma língua estrangeira (LE). O nível de
conhecimento de tal língua pode variar de acordo com os objetivos e
propósitos destes cidadãos, como por exemplo, manusear equipamentos,
comunicar-se com indivíduos de outros países ou simplesmente obter
crescimento na sua área profissional e pessoal.
Tal fato também é evidenciado por Moita Lopes (2005 apud Rocha,
2007:72) ao afirmar que “em meio às mudanças sócio-econômicas, os
avanços tecnológicos fizeram mais presente o multiculturalismo que
constitui o mundo, tornando visões monoculturais insustentáveis em nossa
sociedade atual”. Lamentavelmente, em se tratando de acesso à tecnologia, o
cenário brasileiro não é o mesmo para todas as classes sociais.
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Neste contexto, diante de um mundo marcado por desigualdades
entre as várias sociedades e camadas sociais, é que a educação lingüística
busca se equilibrar, na tentativa de estabilizar esse mundo plural de uma
forma multicultural, e tentando atingir todos os povos, independentemente
de suas classes sociais.
Assim, este artigo está organizado em quatro partes. Na primeira,
examinaremos e dissertaremos sobre o cenário atual da globalização
mundial. Logo após, discorreremos sobre o papel da Língua Inglesa (LI) e o
seu ensino no cenário atual, de uma maneira geral. Na terceira etapa,
abordaremos o ensino de LI no contexto brasileiro e o caráter multicultural
desempenhado pela LI. Em seguida, teceremos nossas considerações finais.
A globalização
Holisticamente, o processo de globalização se faz tão veloz quanto
um feixe de luz contido em uma minúscula fibra óptica que atravessa por
debaixo dos oceanos milhões de gigabytes de informações em milésimos de
segundos acelerando, assim, ainda mais as conexões virtuais entre os
continentes, conectando diferentes culturas e sociedades e gerando,
gradativamente, uma interdependência entre as nações, seus falares, suas
línguas e seus povos.
Diante desta “sociedade marcada pelas profundas desigualdades
sociais e forças opressoras, em num movimento centrípeto (BAKHTIN,
1981 apud ROCHA, 2007:72), convergente e divergente ao mesmo tempo,
busca-se equilibrar e a estabilizar sociedades singulares em um mundo
verdadeiramente plural.
Assim, partindo-se do “pressuposto de que é na e pela linguagem,
em movimentos centrífugos, que essas diferenças são mantidas, reforçadas
ou refutadas” (ROCHA, 2007:72), a língua(gem) passa a ser vista como “um
instrumento de comunicação e poder” (ROCHA, 2007:72).
Nessa perspectiva, torna-se impraticável abordar o inglês sem refletir
sobre o papel hegemônico que ele assume na sociedade contemporânea,
devido à soberania das grandes potências mundiais.
A globalização, que atinge os diversos povos e nações, tem sido
profundamente analisada por diversos estudiosos (RITZER, 1993;
GIDDENS, 2000; ROBERTSON, 2003 apud KUMARAVADIVELU,
2006a, dentre outros), que a retrataram de acordo com seus pensamentos e
valores. A seguir, esboçaremos resumidamente as análises mais marcantes
difundidas pelos estudiosos, segundo a visão de cada um dos autores que
compõem nosso aporte teórico.
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O cenário atual da globalização
Corroboramos com a visão do sociólogo norte-americano Steger
(2003:13), também corroborado por Kumaravadivelu (2006a), quando define
globalização como sendo:
“uma série multidimensional de processos sociais que criam,
multiplicam, alargam e intensificam interdependências e trocas
sociais no nível mundial, ao passo que, ao mesmo tempo,
desenvolve nas pessoas uma consciência crescente das conexões
profundas entre o local e o distante.” (STEGER, 2003:13)
Não pretendemos, necessariamente, afirmar que a definição acima
seja única, irrefutável ou irretratável; contudo, nosso objetivo inicial é tomar
um ponto de partida para podermos, mais tarde, contemplar outras definições
que porventura aparecerem.
Segundo Kumaravadivelu (2006b:4), enquanto Steger postula que a
globalização é “tão antiga quanto a humanidade”, o historiador Robbie
Robertson detalha-nos três ondas (fases) da globalização; todas, segundo ele,
ocorridas nos últimos quinhentos anos, como mostrado abaixo:
ROBERTSON (2003)
Três ondas da Globalização (em aproximadamente 500 anos)
1. Espanha e Portugal exploram comércio regional.
2. Industrialização da Inglaterra
3. Pós-Guerra liderado pelo EUA
“...após 1945, uma nova era de cooperação/disputa internacional. EUA
versus URSS, dividem o mundo em duas partes, capitalismo e
comunismo”.
O desenvolvimento e modernização (imperialismo dos EUA),
“Ocidentalização”
Tabela 1: As fases da Globalização segundo Robertson (2003).
Para Robertson (2003 apud KUMARAVADIVELU, 2006b), a
terceira onda da globalização foi marcada pela disputa entre as duas grandes
potências – EUA e URSS – que buscavam o desenvolvimento político e
econômico, ao mesmo tempo em que os países colonizados da África e Ásia,
tornavam-se independentes.
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Coadunando com Robertson, Kumaravadivelu (2006b) nos relata
que logo após o término da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos
criaram o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial (World
Bank) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), com o objetivo de
incentivar o livre comércio americano, a busca pela segurança econômica, e
a promoção de seu estilo de vida (American style), acelerando assim o
colapso das URSS na década de 80.
Nessa mesma perspectiva, a fase atual da globalização se nos mostra
diferente dos períodos anteriores em sua intensidade, graças às novas
tecnologias e ao advento da internet, que adquiriu seu papel de fonte
propulsora para o encurtamento das distâncias entre as nações e suas
fronteiras. Com a Internet, diversas nações tiveram seu crescimento
econômico acelerado, e houve uma rápida mudança cultural em seus
respectivos territórios, ao mesmo tempo em que, em outras, a estagnação
pode ser observada.
De acordo com Kumaravadivelu (2006a:131), na fase atual, “as
vidas econômicas e culturais das pessoas do mundo todo estão mais intensa e
imediatamente interligadas, de um modo que nunca ocorreu antes”, isto é, as
fronteiras nacionais estão se dissolvendo e se fortalecendo
concomitantemente, através de um movimento, dialógico e sincrônico, que
fortalece as culturas locais ao mesmo tempo em que promove os
movimentos pluriculturais e/ou multiculturais.
Além da Internet, outra ferramenta que colaborou para uma rápida
interconexão entre tais povos, suas culturas, economias, etc, foi a LI como a
principal língua utilizada nos meios de comunicação agrupados pela Internet.
A globalização cultural tornou-se um tema recorrente e também o
palco de importantes discussões entre os estudiosos da área da LA, bem
como entre estudiosos de outras áreas como a antropologia e a sociologia,
dentre outras.
Destacam-se os estudos da área da sociologia, que apontaram três
escolas de pensamento, sendo que a primeira postula sobre a
homogeneização cultural caracterizada pelo “consumismo” baseado na
cultura americana pré-moldada, destacando com principais pensadores,
Ritzer, Fukuyama e Barber. Na segunda escola, destacam-se Giddens,
Huntigton e Tomlinsom, que defendem o fortalecimento da cultura e da
religião locais através da heterogeneização cultural. A terceira escola,
composta pelos pensadores Appadurai e Robertson, dentre outros, que
afirmam que há uma tensão caótica entre o local e o global, resultando no
fenômeno conhecido como “glocalização” (KUMARAVADIVELU,
2006a:134).
No tocante à disseminação da cultura norte-americana, alguns
críticos e estudiosos apontam que a homogeneização cultural está
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intimamente representada pelo consumismo norte-americano espalhado pelo
globo. Tal fato fica evidente nas palavras de Kumaravadivelu (2006a,
2006b), que relata que a rede americana de fast-food McDonald’s, serve
comida kosher em Israel, comida halal em países islâmicos e comida
vegetariana na Índia. Para exemplificarmos melhor, a empresa McDonald’s
está presente em 118 países espalhados por cinco continentes, e gera 1,6
milhões de empregos. Diariamente, cerca de 48 milhões de pessoas fazem
suas refeições em algum restaurante desta rede.
Preocupado com os rumos desta globalização desenfreada e
desgovernada1, Robertson (2003 apud KUMARAVADIVELU, 2006a) relata
sua preocupação sobre a busca por identidades globais e locais, e sugere
“a criação de estratégias efetivas que deem conta do desafio da
globalização cultural, ele estimula os educadores a buscarem todas
as alternativas possíveis para preparar nossas disciplinas
acadêmicas, assim como nossos alunos, a enfrentarem o mundo
globalizado”. (KUMARAVADIVELU, 2006a:134-135)
Assim, alguns autores advogam que existem grandes interesses
comerciais na indústria do ensino global da LI, uma vez que é considerada a
língua comercial global.
Neste sentido, temos que nos precaver com o monopólio cultural
pretendido pelos países falantes de LI, que ainda buscam evidenciar traços
do colonialismo, promovendo os produtos expostos em LI, em detrimento de
outros produtos, de igual valor, trazidos ao mundo em outras línguas, como o
controle de tráfego aéreo, regulamentos de segurança, livros, revistas, filmes,
meios de comunicação de massa, pesquisas científicas e a Internet.
Dentro do universo da Lingüística Aplicada (LA), relacionamos a
colonialidade da língua inglesa à sua história, que está intimamente ligada e
representada em quatro dimensões2 que se interconectam – acadêmica,
lingüística, cultural e econômica (KUMARAVADIVELU, 2006b:12); e que
ajudam a melhorar as condições de saúde e emprego nos países falantes de
LI .
Desta forma, a fase atual da globalização, aliada a entidades
transnacionais e regimes dominantes, afeta a vida econômica, social e
cultural de muitas pessoas em diversos países.
A LI no cenário internacional
Geopolítica pode ser definida, segundo Le Breton (2005:12) como
“a análise das rivalidades de poder sobre um determinado território”.
Segundo Lacoste (2005), a difusão de uma LE em determinados
territórios em detrimento das línguas nativas exibe essa rivalidade de
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poderes nesses territórios. Assim, podemos afirmar, corroborando com Le
Breton (2005:12), “que as línguas são o reflexo das relações de força”.
Outra característica desta batalha pelo poder se reflete na imposição
de “línguas nacionais” em detrimento dos dialetos locais, que são, hoje,
intitulados como “línguas regionais”.
Tal fato também está evidenciado pela história e relacionado aos três
períodos que Robertson chamou de “as três ondas da globalização”, que se
iniciou pelas conquistas territoriais portuguesas e espanholas, como
abordado anteriormente.
Hoje, não mais existe a “necessidade da conquista de um território
para exercer sua dominação econômica e cultural” (LACOSTE, 2005:7-8). A
imposição de valores culturais pelas superpotências é uma configuração
característica desta “nova forma de colonização”.
Neste sentido, Siqueira (2008) aborda a crescente e emergente
difusão do inglês em potências econômicas como o Japão e a China. O autor
exemplifica que, de acordo com Yajun, os chineses estão abraçando o inglês
com tanto entusiasmo que “a sua internacionalização está transformando o
chinês num dialeto” (YAJUN, 2003 apud SIQUEIRA, 2008:174).
Além disso, dados da União Européia mostram que 4% da população
chinesa já é fluente em inglês, e não para de crescer o número de novas
escolas de inglês por todo o país (VEJA, 2005:61). O interessante é que no
Japão a língua inglesa faz parte do currículo oficial em todos os segmentos
educacionais e o crescimento de escolas privadas acontece em ritmo
acelerado.
Vale salientar que, neste sentido, alguns pesquisadores ocidentais
difundem e promovem o conhecimento ocidental em detrimento dos
conhecimentos locais, ou ainda ao desprestígio de tais conhecimentos,
visando apenas, e de forma inescrupulosa, a promoção de seus interesses
(KUMARAVADIVELU, 2006a). Ainda segundo o autor, “as dimensões
coloniais do inglês se acentuam por causa de sua ameaça às identidades
lingüísticas e culturais” (KUMARAVADIVELU, 2006a:144).
Segundo Rajagopalan (2005), ainda hoje, no início do terceiro
milênio, há muitas políticas vexatórias e excludentes, principalmente em se
tratando da cultura de “países ‘periféricos’ do chamado terceiro mundo”
(RAJAGOPALAN, 2005:136), quanto à (des)valorização dos trabalhos
produzidos em suas línguas nativas por parte de revistas científicas
publicadas, na sua maioria, em LI.
Há ainda que se considerar o “preconceito lingüístico” presente
quando da contratação de professores nativos e não nativos. Os vencimentos
de falantes nativos sempre foram superiores ao dos não-nativos.
Mas, segundo Le Breton (2005:12) “não existe nenhum precedente
verdadeiro do êxito da LI”, da forma que podemos observar nos dias de hoje.
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Devido a sua propagação pelo mundo como “a língua da globalização e da
União Européia” (Lacoste, 2005:8) e do comércio internacional; e,
principalmente, devido a sua associação com a economia mundial, a LI
adquiriu o status de “língua franca” (CRYSTAL, 1997 apud
KUMARAVADIVELU, 2006b:13). Ainda segundo Crystal, “uma língua
atinge o status global genuinamente, quando atinge um papel especial que é
reconhecido por todos os países”.
Siqueira (2008:169), baseando-se em Leffa (2002), postula que para
que uma língua seja considerada de alcance internacional precisa preencher
“três critérios básicos: [1] a língua deve ser desprovida de falantes-nativos,
isto é, todas as pessoas devem falá-la como língua estrangeira; [2] essa
língua não deve estar atrelada a nenhuma cultura dominante; e, finalmente,
[3] deveria ser usada somente para fins específicos, ou seja, não deveria
nunca competir com os propósitos para os quais se usa uma língua nativa,
por exemplo”. Assim, na visão de muitas pessoas e guardadas as
divergências naturais, é exatamente nesse sentido que a LI, hoje, assume o
papel de língua mundial dos tempos atuais.
Há, entretanto, uma perspectiva de tornar a linguagem apenas “um
veículo para a afirmação de valores e crenças similares”
(KUMARAVADIVELU, 2006a:144). Assim, “a linguagem se torna um
produto global em diferentes sabores locais” (Cameron, 2002 apud
KUMARAVADIVELU, 2006a:144), quebrando o “paradigma” do falante
nativo e o “preconceito” do falante não-nativo.
Além disso, segundo Rajagopalan (2007)3, quando uma língua atinge
o status de internacional, perde características próprias dos países que a
utilizam como língua nativa, transformando-se apenas em um instrumento
comunicacional.
Luoma (2004:10), citando Leather & James (1996) e Pennington &
Richards (1986), postula que há muitas razões sociais e psicológicas que
levam o falante não-nativo a não querer ser confundido com um falante
nativo. Ainda segundo a autora, um sotaque característico pode fazer parte
da identidade deste falante não-nativo, o que lhe proporciona a manutenção
de traços culturais característicos.
Além disso, segundo Brown & Yule (1983 apud LUOMA, 2004) e
Morley (1991 apud LUOMA, 2004), outro aspecto questionável em relação
ao padrão nativo é a existência de muitas variantes nativas e, ainda, muitas
variantes regionais, tornando muito difícil a escolha de uma única variante
como padrão.
Decorrente à sua ascensão e consolidação como língua franca nos
dias atuais, o inglês, como a língua mais utilizada nas comunicações
internacionais, seja qual for o meio de transmissão ou comunicação,
necessita de uma nova postura diante às novas práticas pedagógicas e
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estratégias de ensino-aprendizagem, pois ambos, professores e alunos, ainda
estão por descobrir novas fronteiras e novos povos que utilizam essa língua
‘mestiça’, também de forma não nativa, possibilitando assim novos rumos e
olhares para a referência do ensino cultural atrelado fortemente a essa
aprendizagem.
A fim de exemplificar o poderio da língua inglesa, Graddol (1997
apud Siqueira, 2008:167), afirma que atualmente o inglês é considerado o
mais “novo ouro negro do mar do Norte”, pois devido a sua expansão de
maneira exacerbada, sustenta em sua retaguarda uma indústria
multibilionária que atua em diversas áreas do globo, com destaque maior
para seus principais acionistas, os Estados Unidos e Inglaterra.
A LI no cenário brasileiro
No contexto nacional, onde o inglês é falado como língua
estrangeira, percebe-se uma tímida e crescente preocupação na ‘possível
obrigatoriedade’ de se aprender a falar e/ou escrever essa língua franca, que
nos anos 80, levou milhares de brasileiros às escolas de idiomas, movidos,
principalmente, pelo mito de que o aprendizado de uma LE, em especial a
LI, poderia levá-los ao mercado de trabalho e, conseqüentemente, à ascensão
social.
Segundo Siqueira (2008, p.174), dados de uma reportagem na
Revista VEJA, de 19 de janeiro de 2005, mostrava que éramos cerca de 20
milhões de brasileiros estudando inglês. Essa estimativa aproximava-se de
quase 12% do total da população na época. Entretanto, diante desses dados
se compararmos os resultados com outros países do chamado “expanding
circle”, podemos concluir que o acesso ao inglês está longe de ser uma
democracia verdadeira e libertadora.
Voltando-se para um olhar em âmbito macro-econômico, o Brasil e a
América Latina são considerados mercados verdadeiramente promissores e
cobiçados pela indústria do ensino-aprendizagem do inglês. Pois, mesmo
diante da dificuldade em precisarmos o número exato de escolas de inglês
existentes, podemos especular que são vários milhares. Também devemos
levar em consideração que a língua inglesa, como disciplina escolar, consta
nos currículos de todos os níveis escolares, inclusive na sua modalidade
instrumental em quase todo o ensino superior. (SIQUEIRA, 2008).
Um exemplo do crescente mercado do ensino de inglês é o sistema
de franquias de cursos de línguas do país, onde apenas duas das maiores
redes são detentoras de mais de 1.000 franqueados, que englobam
subseqüentemente algo em torno de 700 mil alunos. Ainda que, localmente e
regionalmente, sabe-se que existem diversas outras franquias que também
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são expressivas e de renome, podendo-se então, emparelhar e somar alguns
milhares de alunos para elevar esses números.
Preconiza-se também a grande importância do ensino de inglês em
escolas públicas, que não prepara o aluno para atuar em negócios
específicos, mas o direciona para um objetivo maior que é o impulso
motivacional de aprender a língua para seu próprio desenvolvimento.
Devido à supremacia e hegemonia que a Língua Inglesa (LI) assume
na contemporaneidade, assume também o posto de a língua estrangeira mais
falada no território nacional (Pagel, 1992).
Ainda, segundo Pagel (1992), embora seja a LE mais ensinada em
todo o território brasileiro, as políticas educacionais não a trataram com a
consideração que se deveria, atribuindo ao seu ensino um notório
desprestígio.
Mas, fora da educação regular, os jovens, adolescentes e adultos em
geral, precisam e necessitam de falar inglês, mas até que nível então?
Atrelado a esse pensamento, Siqueira (2008, p.177) reflete o pensamento de
Jiang (2000), metaforizando que ‘a língua é o espelho da cultura, ou se
formassem um corpo, a língua seriam os músculos e a cultura seria o sangue.
Nesse sentido, para o autor, aprofundar os conhecimentos sobre a
cultura ou culturas de língua inglesa parece não fazer parte da agenda nem
do interesse da maioria dos alunos que lotam as nossas salas de aulas
diariamente. Nem de professores, que seguem com sua prática voltada, no
máximo, para o ensino de cultura como um elemento à parte.
Assim, diante do exposto termo ‘cultura’, evocaremos a próxima
etapa deste, no intuito de refletir e refratar alguns olhares sobre a questão da
sua definição e sua participação nos diversos cenários da educação.
A questão da cultura no ensino de inglês
Hall (1961 apud LIMA, 2009), afirma que apesar de tentarem uma
definição no século retrasado, permanece ainda um grande enigma sobre o
seu significado, e ele mesmo, entende o termo cultura como sendo uma
forma de autoconhecimento.
Outros estudiosos, como Banks, Banks & McGee (1989 apud
LIMA, 2009), nos afirmam que muitos cientistas entendem cultura como
algo formado por aspectos simbólicos e intocáveis das sociedades humanas,
o que vale dizer que a essência da cultura não são apenas os seus elementos,
mas sim, como esses elementos são entendidos e interpretados pelos
membros dessa cultura.
Ao aprofundar-nos no mérito da interação entre língua e cultura,
consideraremos inicialmente que o termo cultura com c minúsculo, nos
permite diferenciar do seu oposto, pois engloba a nós a definição de crenças
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e percepções culturais expressas por meio da língua e que interferem na
maneira com que as pessoas são aceitas ou não em determinada sociedade
(Lima, 2009).
Não distante disto, ainda no aspecto da definição de cultura,
tomaremos por base igualitariamente que os padrões compartilhados de
comportamentos e interações, construtos cognitivos, e compreensão afetiva
que são adquiridos por meio de um processo de socialização.
Relacionar língua e cultura, afirmar que ambos estão intrinsecamente
conectados revela-nos que o sujeito aprendiz (educando), também é
constituído pela linguagem, como também o seu educador (professor). Neste
contexto, concordamos com Lima (2009:182) que, em contrapartida, no que
diz respeito ao ensino da língua atrelada à cultura, há, naturalmente,
controvérsias e divergências sobre o assunto no meio lingüístico e no campo
do ensino e da aprendizagem de língua estrangeira (Appel & Muysken,
1987; Hyde, 1994; Scovel & Scovel, 1980 apud LIMA, 2009:182).
É evidente que a relação entre língua e cultura não é tão fidedigna
como parece, pois muitos países baseiam seu ensino de línguas em técnicas
gramaticais, de forma arbitraria, deixando de lado o aspecto cultural para não
prover uma evolução no sonhado aspecto intercultural.
Podemos citar, como exemplo, a China e a Coréia, que em
contrapartida ao avanço nos estudos culturais, estafam-se no ensino de
língua inglesa basicamente gramatical.
Considerações Finais
É veemente o crescimento exacerbado e o avanço do campo
tecnológico global, haja vista as inúmeras descobertas científicas em muitas
áreas distintas; e o que é mais importante, o acesso cada vez mais (ir)restrito
destas tecnologias em favor da melhoria da qualidade de vida dos seres
humanos ao redor de todo o mundo.
A globalização, além de levar o progresso para as regiões mais
longínquas do planeta, em tempo real, também minimiza as distâncias e
derruba fronteiras tecnológicas. Em contrapartida, essa mesma globalização,
na esfera cultural, está dizimando “culturas menos favorecidas”, impondolhes traços culturais bem distintos dos seus.
Ainda na esfera cultural, no ensino e aprendizagem de LE, muitas
das línguas e/ou dialetos falados ao redor do mundo – estima-se em 6.500
línguas diferentes ao redor do mundo (RAJAGOPALAN, 2005) – estão
ameaçadas pela imposição da LI. Ainda segundo o autor (2005:136), muitos
estudiosos não-anglófonos tiveram suas pesquisas rejeitadas para publicação
“simplesmente por “não terem sido escritos em inglês digno de um ‘nativo’”.
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Vale salientar que a LI já se encontra estabelecida como a “língua global” ou
“língua-padrão do mundo” (Rajagopalan, 2005:135).
No contexto brasileiro, concomitantemente com a “imposição” da LI
como a língua comercial e econômica mundial, há certo (des)preparo das
entidades educacionais no sentido de (trans)formar o cidadão de modo a
subsistir no mundo globalizado.
Sob o aspecto cultural, há que se tomarem precauções no sentido de
difundir mais a cultura local do que a cultura global. Um exemplo clássico,
por exemplo, é que a maioria das crianças brasileiras, em idade escolar,
conhece as festas de Halloween, desconhecendo, porém, personagens de
nossa riquíssima cultura brasileira, tais como “curupira”, “boi-tatá”, “SaciPererê”, dentre inúmeros outros.
Assim, se faz necessário que, nas esferas mais altas, comecem a
pensar em meios sólidos a fim de considerar e preservar também nossa
cultura na sala de aula e, paralelamente, apresentar traços significativos de
outras culturas.
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1
O termo “de forma desenfreada e desgovernada” não se refere a algo ruim ou
prejudicial, exaltando, contudo, que a forma com que se deu o fenômeno da
globalização excedeu os limites previamente almejados.
2
Para uma visão mais detalhada destas perspectivas, veja: Kumaravadivelu, B. A
postmethod perspective on English language teaching, World Englishes, n. 22, 539–
550, 2003.
3
Palestra proferida pelo Professor Dr. Kanavilil Rajagopalan, intitulada “O lugar do
inglês no mundo globalizado”, durante o I Seminário do IADE (Instituto Acadêmico
de Desenvolvimento Educacional) “O ensino e aprendizagem de línguas no novo
milênio”, na cidade de Barretos-SP, no dia 01/09/2007.

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