A VIDA SECRETA DE CHANEL

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A VIDA SECRETA DE CHANEL
4
Pensar
A GAZETA
VITÓRIA,
SÁBADO,
26 DE NOVEMBRO
DE 2011
livros
Por Silvana Holzmeister
A VIDA SECRETA
DE CHANEL
Dormindo com o Inimigo –
A Guerra Secreta de Chanel
Hal Vaughan
Companhia das Letras. R$ 43
A estilista francesa teria sido espiã dos alemães e amante de um agente
da Gestapo, a Polícia Secreta Alemã, durante a Segunda Guerra Mundial
E
DIVULGAÇÃO
m fevereiro deste ano, John
Galliano foi preso por agressão
verbal e antissemitismo a um
casal em um café do Marais,
bairro francês habitado por famílias judias. O assunto deu
pano para manga e rodou. Na sequência, o
tabloide britânico The Sun divulgou um
vídeo em que o estilista, bêbado, bradava
“amo Hitler”. O desfecho, todo mundo já
sabe, mas não custa repetir aqui. O estilista
inglês perdeu não só o cargo que ocupava
na Dior desde 1996, como o controle de sua
própria grife – ambas pertencem ao grupo
Louis Vuitton Möet Henessy (LVMH). Em
setembro, foi considerado culpado e sentenciado a pagar a multa de US$ 8.400.
É possível que Galliano não seja a
única celebridade com tendências racistas, mas seu infortúnio foi tornar público o que pensa. Sob esse ângulo,
Gabrielle Chanel, criadora da marca Chanel, foi muito mais longe, como narra Hal
Vaughan em Dormindo com o Inimigo –
A Guerra Secreta de Coco Chanel.
Os mistérios da vida de Coco
Chanel (acima) e seu amante – o
espião alemão –, o barão Hans
Günther von Dincklage, mais
conhecido com Spatz
Amante alemão
Até o fim da Segunda Guerra Mundial,
entre o círculo de amigos, não havia dúvidas
do quanto a grande dama da moda menosprezava os judeus. Logo após sua morte,
em 1971, Paris fervilhou aguardando Les
Années Chanel, a biografia escrita por Pierre
Galante, editor da revista Paris Match,
ligando a estilista ao nazismo e mostrando
evidências de seu relacionamento com o
superespião germânico, o barão Hans Günther von Dincklage, mais conhecido com
Spatz – “pardal” em alemão.
Como Chanel era a grande dama da
moda francesa, não é difícil imaginar a
indignação dos franceses, ainda atormentados pelo fantasma da ocupação de Hitler. Aos poucos, entretanto, essa história
virou uma pequena mancha no passado
da marca dos dois Cs entrelaçados.
Especializado em política europeia,
Vaughan é jornalista, já foi diplomata
americano, atuou em operações da CIA,
interessou-se em pesquisar o período
negro de Mademoiselle quando descobriu, por acaso, um documento da polícia
francesa indicando que Chanel havia
trabalhado para o serviço de inteligência
alemão e, depois, outro indicando que
Spatz havia sido um agente da Gestapo e
não um apenas o amante da estilista.
A pista e a curiosidade lhe consumiram anos de pesquisas nos arquivos
secretos da Inglaterra e da França, além
de uma verdadeira imersão na vida da
estilista. Mesmo sendo ácido às vezes, o
texto deixa ao leitor a tarefa de concluir
se Chanel foi vítima da educação que
recebeu ou vilã capitalista.
Apesar de ser sinônimo de luxo, Gabrielle Chanel nasceu num abrigo para
pobres em Saumur, no Pays de la Loire,
em 1883. Seus pais, que eram camponeses, viraram vendedores ambulantes depois que a praga da ferrugem
devastou as plantações. Quando sua
mãe, Jeanne Devolle, morreu aos 33
anos, o pai, Albert, deixou Chanel e as
duas irmãs mais novas no orfanato do
convento Aubazine, em Corrèze, uma
região inóspita na França central. Uma
instituição que seguia a rígida disciplina
católica: trabalho duro e vida frugal.
Quando Chanel fez 18 anos e teve de
abandonar o convento, suas regras a acompanharam junto com seus pouquíssimos
pertences. Para sobreviver, trabalhou como
costureira e corista. Dona de olhos ardentes,
bela e de uma magreza quase infantil,
despertou a paixão de um rico ex-oficial,
Étienne Balsan e tornou-se uma de suas
amantes. Durante os três anos seguinte, ela
morou em seu castelo, onde teve acesso ao
universo da aristocracia e começou a inspirar-se no vestuário masculino para criar
suas próprias roupas. Foi ali, também, que
conheceu Boy Capel, seu grande amor, e
quem a ajudou a abrir sua primeira loja.
Ao longo da vida, Chanel teve vários
amantes poderosos, fez fama e criou o
mítico perfume N.5, cujas vendas a fizeram
milionária. Foi em parte por causa da
fragrância lançada em 5 de maio de 1921
que ela virou espiã nazista. Sócia de um
judeu – Pierre Wertheimer – na Les Parfums
Chanel, ela se sentia injustiçada com sua
participação de apenas 10% na empresa.
Quando veio a Segunda Guerra Mundial e
Wertheimer fugiu para os Estados Unidos,
ela enxergou a oportunidade de tornar-se
dona da empresa respaldada pelas leis de
arianização dos bens judaicos.
A prisão de seu sobrinho, André Palasse,
foi o outro motivo que a levou a cooperar
com os alemães sob o codinome Westminster. A ponte foi feita por Dincklage, por
quem Chanel apaixonou-se em 1940, aos
57 anos. Quando a guerra terminou, foi
processada por apoiar o inimigo. Seu envolvimento, entretanto, nunca foi investigado a fundo. E foi na Suíça, onde viveu
até 1950, com Dincklage.
Em 1953, quando seu envolvimento
com os alemães havia se tornado uma
história sem fundamento, a estilista retornou a Paris e às atividades da maison,
fechada desde o início do conflito. Apesar da coleção apresentada em 1954 ter
sido recebida friamente pela imprensa,
aos poucos ela recobrou o sucesso.
A marca ainda brilha sob a direção
criativa de Karl Lagerfeld. Ao longo deste
ano, a marca realizou exposições, como
The Culture Chanel, sobre o legado de
sua criadora, em cartaz até 5 de dezembro em Pequim e lançou um livro
histórico, contrabalanceando o peso de
Dormindo com o Inimigo, que talvez
tenha o mesmo destino da biografia
de Pierre Galante. Fica o registro.

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