O Método da Pesquisa-Ação Adaptada Aplicado à Articulação

Transcrição

O Método da Pesquisa-Ação Adaptada Aplicado à Articulação
1
UFBA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA POLITÉCNICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ENGENHARIA INDUSTRIAL - PEI
DOUTORADO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PROCESSOS E PRODUTOS
MARCELO GERALDO TEIXEIRA
O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO
ADAPTADA APLICADO À
ARTICULAÇÃO ENTRE O
ARTESANATO TRADICIONAL E O
MERCADO URBANO:
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA
SALVADOR
2012
2
3
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA POLITÉCNICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ENGENHARIA INDUSTRIAL
DOUTORADO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE PROCESSOS E PRODUTOS
MARCELO GERALDO TEIXEIRA
O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO
TRADICIONAL E O MERCADO URBANO:
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN
DEZEMBRO DE 2012
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5
MARCELO GERALDO TEIXEIRA
O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
APLICADO À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO
TRADICIONAL E O MERCADO URBANO:
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN
Tese
apresentada
ao
Programa
de
Pós-
graduação em Engenharia Industrial (PEI) da
Escola Politécnica da Universidade Federal da
Bahia como requisito parcial para obtenção do
grau de Doutor.
Orientadores:
Prof. Dr. Asher Kiperstok
Prof. Dr. Sandro Fábio César
DEZEMBRO DE 2012
6
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
CONTATO COM O AUTOR
[email protected]
Esta tese foi formatada para a impressão frente e verso
ECONOMIZE PAPEL
T266m
Teixeira, Marcelo Geraldo.
O método da pesquisa - Ação adaptada aplicada à articulação
entre o artesanato tradicional e o mercado urbano: uma contribuição
para o design./Marcelo Geraldo Teixeira. - Salvador, 2013.
266f.; il. color. ; 30 cm.
Orientadores: Prof. Dr. Asher Kiperstok, Prof. Dr. Sandro Fábio César
Tese (Doutorado em Engenharia Industrial)) - Universidade Federal
da Bahia. Escola Politécnica, 2013.
.
1. Pesquisa-ação. 2. Artesanato tradicional. 3. Design. I.
Kiperstok, Asher. César, Sandro Fábio. II. Título.
CDU: 745
Ficha catalográfica elaborada por:
Helena Maria Souza dos Santos CRB/ 5-1196
7
O MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA APLICADO
À ARTICULAÇÃO ENTRE O ARTESANATO TRADICIONAL
E O MERCADO URBANO:
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESIGN
Marcelo Geraldo Teixeira
Tese submetida ao corpo docente do programa de pós-graduação em Engenharia Industrial da
Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau
de doutor em Engenharia Industrial.
Examinada por:
Prof. Asher Kiperstok, D.Sc.
Doutorado em Engenharia Química pela Manchester Institute of Science and Technology (1996)
Universidade Federal da Bahia
Prof. Sandro Fábio César, D.Sc.
Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002)
Universidade Federal da Bahia
Profa. Lia Krucken Pereira, D.Sc.
Pós-Doutorado em Desenho Industrial pela Politecnico Di Milano (2011)
Universidade do Estado de Minas Gerais
Prof. Eugenio Andrés Díaz Merino, D.Sc.
Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000)
Universidade Federal de Santa Catarina
Prof. Aguinaldo dos Santos, D.Sc.
Pós-Doutorado em Design Sustentável pelo Politecnico Di Milano (2009)
Universidade Federal do Paraná
Prof. Ordep José Trindade Serra, D.Sc.
Doutorado em Ciência Social pela Universidade de São Paulo (1997)
Universidade Federal da Bahia
Salvador, BA – BRASIL
Dezembro/2012
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, nesta época
anos e Luciano com cinco, que suportaram a
da minha vida. Cada minuto longe deles foi
minha compreensiva esposa, Idalícia, que me
humor.
com dois filhos pequeninos, Juliana, com nove
minha ausência durante essa fase tão exaustiva
como uma eternidade. Agradeço em especial à
suportou, principalmente nos momentos de mau
Minha eterna orientadora, minha mãe e doutora em História, Marli, que dispenso elogios
pela sua competência e que sobra em amor;
Ao meu pai Itaraci. Meu verdadeiro amigo, que sentiria orgulho se estivesse no nosso
mundo. Mas de onde estiver, sei que está me apoiando;
Aos professores orientadores: Prof. Dr. Asher Kiperstok e Prof. Dr. Sandro Fábio César,
pela oportunidade do doutoramento;
Ao grande amigo e meu eterno professor Jaime Sodré, sempre presente e determinante;
Aos professores doutores: Julio Braga, Cláudio Pereira, Alda Muniz Pepe e Biagio Avena,
que acreditaram no meu esforço, me orientaram e ajudaram a enfrentar muitos obstáculos
deste doutorado;
À Profa Ms. Patricia Navarro que me ajudou na discussão e na bibliografia da pesquisa
etnográfica;
À Laura Catarina, pela imensa ajuda com os contatos em Giral Grande e com as
conversas muitíssimo esclarecedoras;
A minha aluna de Design de Moda, Gleice Quele, que me ajudou na análise dos enxovais
durante as visitas no hotel.
Aos Gerentes do Hotel Villa Bahia, Bruno e Lílian, que me receberam de maneira muito
gentil.
Ao Sr. Billy Arquimimo, coordenador do Departamento de Turismo Étnico Afro, da
Bahiatursa, que me ajudou nos contatos com os hotéis.
Os amigos Domingos Oliveira, Caroline Barreto, José ZW Wilker e Laís Santana, Suzana
Luci, Jean Claude, Ana Paula Cordeiro e em especial a Eudaldo Filho, o parceiro de muitas
piadas, risadas e discussões em design;
À Dona Maruzinha, da Comunidade de Diogo, que sempre me recebeu com sorriso e
sabedoria.
E, lógico, minha sogra, Dona Dulce
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Dedico à:
Minha mãe Marli
Meu pai Itaraci (in memorian)
Minha esposa Idalícia
Minha filha Juliana
Meu filho Luciano
Minha irmã Isa
Minha família
Meu tesouro
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Todas as grandes coisas são simples.
E muitas podem ser expressas numa
só palavra: liberdade; justiça; honra;
dever; piedade; esperança.
Winston Churchill
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Dedico atenção especial e agradeço à família Calheiros, que constitui a
Comunidade Quilombola de Giral Grande, principalmente às irmãs que tanto
me ajudaram: Tânia e Mara
MUITO OBRIGADO
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TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. O método da Pesquisa-ação Adaptada aplicado à
articulação entre o artesanato tradicional e o mercado urbano: Uma contribuição
para o design. Tese (Doutorado em Engenharia Industrial). Escola Politécnica. Universidade
Federal da Bahia. Salvador.
RESUMO
Este trabalho tem como tema a relação entre Design e artesanato desenvolvida
através de aplicação e teste de um método de pesquisa aqui denominado de
Pesquisa-ação Adaptada, que promoveu a aproximação entre o artesanato produzido
por uma comunidade tradicional rural, a Comunidade Quilombola de Giral Grande, e o
mercado urbano, representado pelo Hotel Villa Bahia, na cidade de Salvador. O
problema que orientou a pesquisa procurou investigar as ações mais adequadas para
promover o acesso de produtos artesanais ao mercado urbano preservando as
características identitárias da comunidade produtora. A hipótese testada sugeriu que o
referido acesso dependeria da aplicação de um método específico de pesquisa capaz
de promover a intermediação entre os dois universos e a adequação dos produtos
artesanais gerados pela comunidade às exigências do mercado urbano, sem prejuízo
de suas características identitárias. A tese defendida foi a de que a aplicação de um
método de pesquisa e intervenção em uma comunidade tradicional rural permitiria a
organização de formas de acesso de componentes do seu repertório cultural ao
mercado urbano, preservando as características identitárias de origem. Seu objetivo
geral propôs a aplicação de um método de pesquisa e intervenção capaz de promover
o acesso de produtos artesanais oriundos dessas comunidades ao mercado urbano,
mediante a intermediação entre esses dois universos e a adequação dos referidos
produtos aos requisitos estabelecidos por aquele mercado, preservando as
características identitárias do produto da comunidade de origem. O método proposto
foi denominado de Pesquisa-ação Adaptada que, tomando como base o método de
pesquisa-ação proposto por Thiollent, inseriu e adaptou neste método, de forma
interdisciplinar, ferramentas dos métodos da pesquisa etnográfica, da observação
participante, do estudo de caso e de metodologias em design. A Pesquisa-ação
Adaptada, aplicada na comunidade Quilombola de Giral Grande, permitiu sua
intermediação com o mercado urbano e a adequação de um produto do seu
artesanato aos requisitos estabelecidos pelo referido estabelecimento hoteleiro. A
aplicação do método proposto alcançou como resultados a geração de uma identidade
visual aplicada nos produtos artesanais elaborados pela comunidade e a produção de
protótipos de peças artesanais requeridas pelo estabelecimento hoteleiro. Estas peças
expressaram a preservação da identidade cultural da comunidade de origem
resultando na sua aceitação tanto na própria comunidade quanto no mercado urbano.
Palavras Chave:
Pesquisa-ação, artesanato tradicional, design.
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19
TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. The method of Adapted Action-research applied to the
relationship between traditional hadicrafts and the urban market: A contribution to
the design. Thesis (Ph.D. in Industrial Engineering). Polytechnic School. Federal University of
Bahia. Salvador.
ABSCTRACT
This work has as its theme the relation between design and craftworks developed
through application and testing of a research method called here Adapted ActionResearch, which promoted the approach between the craftworks produced by a
traditional rural community, the Quilombola Community of Giral Grande and the urban
market, represented by the Hotel Villa Bahia, in Salvador. The problem that guided
the research sought to investigate the most appropriate actions to promote the access
of handmade products to the urban market while preserving the identitary
characteristics of the producing community. The tested hypothesis suggested that
such access would depend on the application of a specific method of research capable
of promoting the intermediation between the two universes and the adjustment of
handmade products generated by the community to the demands of the urban
market, without prejudice to their original identitary characteristics. The argument
held was that the application of a research method and the intervention in a
traditional rural community would allow the organization of forms of components
access of their cultural repertoire to the urban market, preserving the original
identitary characteristics. Its general goal has proposed the application of a method of
research and intervention capable of promoting the access of handicraft products
arising from these communities to the urban market, by the intermediation between
these two universes and the adjustment of such products to the requirements set by
that market, preserving the identitary characteristics of the product of the original
community. The proposed method was called Adapted Action-Research that, based on
the method of action-research proposed by Thiollent, inserted and adapted in this
method, in an interdisciplinary way, tools ethnographic research methods, of the
participant observation, of the case study and of design methodologies. The Adapted
Action-Research applied in the Quilombola Community of Giral Grande allowed its
intermediation with the urban market and the adjustment of a product of its
craftworks to the requirements set by the referred hotel establishment. The
application of the proposed method achieved as results the generation of a visual
identity applied in handicraft products produced by the community and in the
production of prototype of handicrafts pieces required by the hotelier. These pieces
expressed the preservation of the cultural identity of the community of origin resulting
in its acceptance both in the community and in the urban market.
Keywords:
Action research, traditional crafts, design.
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21
LISTA DE PUBLICAÇÕES EM PERIÓDICOS INDEXADOS
TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. CÉSAR, Sandro Fábio. BRAGA, Julio Santana. KIPERSTOK, Asher.
O papel do artesanato de retalhos como atividade de subsistência e como afirmação da
identidade da comunidade quilombola de Giral Grande. Revista Afro-Ásia. CEAO. Salvador.
2011 Nº 44, p. 219 a 246.
TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. BRAGA, Julio Santana. CÉSAR, Sandro Fábio. KIPERSTOK, Asher.
Artesanato e desenvolvimento local: o caso da comunidade quilombola de Giral Grande Bahia. Revista Interações (Campo Grande). Campo Grande, v. 12 n. 2 p. 127-296 jul./dez.
2011.
TEIXEIRA, Marcelo Geraldo. CÉSAR, Sandro Fábio, KIPERSTOK, Asher. Desenvolvimento de
marca de identidade visual para uma comunidade quilombola: o caso de Giral Grande. Revista
Educação Gráfica. UNESP. Bauru. V.15 – Número 02. p. 7-24. 2011.
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LISTA DE FIGURAS
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Territórios de Identidade da Bahia
Artesanato Tradicional de Maragogipinho
Cerâmica no distrito de Coqueiros
Exemplos de artesanato de retalhos
Mapa do Recôncavo da Bahia
Distribuição quantitativa das Comunidades Quilombolas nas regiões do Brasil
Distribuição geográfica das Comunidades Quilombolas na Bahia
O entrudo no Rio de Janeiro, 1823
Artesanato em fibra e palha de bananeira, produzido por Comunidades
Quilombolas do município de El Dourado (SP)
Artesanato produzido por Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul
Artesanato em fibra e palha de bananeira produzido pelas Comunidades
Quilombolas do Vale do Ribeira (SP)
Artesanato de cerâmica produzido pela Comunidade Quilombola de Muquém
Artesanato em casca de castanha-do-pará, produzido pelas Comunidades
Quilombolas de Oriximiná (PA)
A relação entre as dimensões do desenvolvimento sustentável
Proposta de metodologia de Design de Morris (2010)
Proposta de metodologia de Design de Ambrose e Harris (2011)
Proposta de metodologia de Rozenfeld et al (2006)
Representação gráfica da síntese metodológica do Design
Proposta de Thiollent de metodologia de Pesquisa-ação
Trabalho de artesã do Projeto KRE KYGFY
Cesta produzida no Projeto KRE KYGFY
Fases do planejamento da pesquisa-ação adaptada
Mapa da localização do município de Maragojipe
Paisagens das cercanias de Giral Grande com destaque do Rio Paraguaçu
Estrada de terra que dá acesso à comunidade
Casa Principal de Giral Grande, considerada como sede da comunidade
Demais casas localizadas na frente da comunidade.
Parte das etapas de fabricação de blocos de adobe
Casas de adobe da comunidade
Atividades econômicas de subsistência e comercial da comunidade
Peças do artesanato de retalhos
Localização do Hotel Villa Bahia
Os dois prédios do Hotel Villa Bahia no Terreiro de Jesus, Centro Histórico
Cabeceira de cama de casal feita a partir de porta de igreja descartada
Mesa para lavatório feita a partir de bancada de marcenaria descartada
Pia / lavatório duplo, feito a partir de coxo de madeira para alimentação de
porcos.
Um dos modelos de colchas brancas usadas nas unidades habitacionais
Exemplos do enxoval anterior, com estampas coloridas
A artesã Tânia Calheiros
Algumas peças do artesanato com retalhos
Exemplos de pelego feitos no local
Venda de retalhos nas feiras livres do município de Maragojipe
Seleção de matéria prima nas feiras livres de Maragojipe
Cadernos de desenho com os esboços da artesã
Detalhes de algumas colchas de pelego.
Seqüência do processo de criação e produção de um edredom a partir da
união de formas geométricas retangulares ou triangulares
Partes de edredons finalizados
48 O sistema produtivo do artesanato de retalho
49 Colcha mostrada à gerencia do hotel como exemplo do Artesanato de
Retalhos de Giral Grande
Edredom feito por comunidade tradicional rural do estado de Minas Gerais
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65
66
67
68
69
70
Colcha de cama feita em algodão cru e bordados, feito por uma comunidade
tradicional rural do estado de Minas Gerais
Momentos da visita da artesã ao estabelecimento hoteleiro
Alguns dos painéis de exemplos de identidade visual apresentados aos
habitantes de Giral Grande
Tipos de letra apresentados à comunidade
Pranchas com alguns dos esboços feitos à mão livre
Etapas de construção da identidade visual
Alternativas apresentadas à comunidade
Alternativa final escolhida pela comunidade
Aplicação de cores na identidade visual
Imagens digitalizadas das etiquetas para o artesanato de retalhos
Desenhos das alternativas, realizados pela artesã
Partes da etapa produtiva
Partes da etapa produtiva: trabalho manual
Partes da etapa produtiva: aplicação das etiquetas
Apresentação do protótipo Azul
Apresentação do protótipo Quadrados Brancos
O protótipo 1, batizado pela artesã como “Quadrados Brancos”
O protótipo 2, batizado como “Caminhos Brancos”
O protótipo 3, batizado como “Azul”
Momento da entrega dos protótipos no hotel
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LISTA DE QUADROS
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19
Características de uma cultura tradicional
Tipos de artesanato em municípios do Recôncavo
Comunidades certificadas na Bahia entre 2004 à 2010
Características do artesanato produzido pelas Comunidades Quilombolas
exemplificadas
Componentes culturais preservados pelas Comunidades Quilombolas que as
caracterizam como comunidades de cultura tradicional
Evolução do conceito de Design Sustentável e alguns conceitos correlatos
Produtos de design inspirados em produtos tradicionais
Proposta de adaptação da pesquisa-ação de Thiollent
Componentes da pesquisa-ação adaptada
Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE I
Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE II
Plano de ação
Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE IV
Características da Cultura Tradicional Quilombola identificadas no
artesanato de retalhos de Giral Grande
Requisitos técnicos para a produção dos protótipos
Etapas metodológicas do desenvolvimento da identidade visual
Roteiro da entrevista semi-estruturada
Confrontamento das sugestões conceituais com os requisitos técnicos e
funcionais
Seqüência das ações durante o processo criativo e produtivo dos protótipos
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158
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170
25
ABREVIAÇÕES
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
UH
Unidade Habitacional
CAPA
Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
ONG
Organização Não Governamental
ISA
Instituto Socioambiental
ARQMO
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de
Oriximiná
PET
Politereftalato de Etileno
LBA
Legião Brasileira de Assistência
26
27
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE PUBLICAÇÕES
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
ABREVIAÇÕES
1
2
INTRODUÇÃO
1
1.1. O TEMA
1.2. PROBLEMÁTICA E TESE
1.3. OBJETIVOS
1.3.1. Objetivo Geral
1.3.2. Objetivos Específicos
1.4. UNIVERSO E NATUREZA DA PESQUISA
1.4.1. Universo da pesquisa
1.4.2. Natureza da pesquisa
1.5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
1.6. JUSTIFICATIVA
1.7. INEDITISMO, ORIGINALIDADE E ADERÊNCIA AO PROGRAMA
1.8. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
1.9. LINHA DE TEMPO DA PESQUISA
1
3
4
4
4
4
4
5
5
6
7
8
10
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
11
2.1. ABORDAGENS SOBRE CULTURA E ARTESANATO
2.1.1. A cultura: um processo dinâmico
2.1.2. Manifestações da cultura
2.1.3. Tradição e cultura tradicional
2.1.4. Território de Identidade
2.1.5. Artesanato e seu significado cultural
2.1.6. Produção artesanal e mercado
2.1.7. O artesanato de retalhos de tecidos
2.2 ABORDAGENS SOBRE O RECÔNCAVO DA BAHIA E SUA PRODUÇÃO ARTESANAL
2.2.1. Caracterização geográfica
2.2.2. Contexto sócio-econômico
2.2.3. Artesanato e política cultural no Recôncavo atual
2.3. ABORDAGENS SOBRE COMUNIDADES QUILOMBOLAS
2.3.1. Distribuição das comunidades quilombolas no Brasil e na Bahia
2.3.2. Caracterização da Cultura Quilombola
2.3.3. Exemplos de artesanato produzido por Comunidades Quilombolas
contemporâneas
2.3.4. Elementos comuns identificados no artesanato produzido pelas
Comunidades Quilombolas exemplificadas
2.4. ABORDAGENS SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL
2.4.1. Desenvolvimento Sustentável e Desenvolvimento Local
2.4.2. Relações com a cultura
11
13
14
16
18
20
26
28
30
30
31
33
37
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44
46
51
54
54
55
28
2.5. ABORDAGENS SOBRE DESIGN
2.5.1. Design, sustentabilidade e cultura
2.5.2. Relações interdisciplinares entre Design e Antropologia Cultural
3
4
FUNDAMENTOS METODOLOGICOS
73
3.1. METODOLOGIAS DE DESIGN
3.2. PESQUISA-AÇÃO
3.3. PESQUISA ETNOGRÁFICA
3.3.1. Pesquisa etnográfica e design
3.3.2. O Informante Chave na Pesquisa Etnográfica
3.3.3. Seleção de ferramentas da pesquisa etnográfica
3.4. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
3.5. ESTUDO DE CASO
3.6. PESQUISA DOCUMENTAL
73
78
82
84
85
87
89
91
92
MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
93
4.1.
4.2.
4.3.
4.4.
5
60
61
69
ADAPTAÇÕES NO MODELO DE PESQUISA-AÇÃO
FERRAMENTAS METODOLÓGICAS USADAS NA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
PLANEJAMENTO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
DETALHAMENTO DAS AÇÕES NAS FASES DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
APLICAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
5.1. FASE I - EXPLORATÓRIA
5.1.1. Contextualização e características da cultura da Comunidade
Quilombola de Giral Grande
5.1.2. Contextualização e características do estabelecimento hoteleiro
5.2. FASE II – ESTUDO DE CASO
5.2.1. A artesã como indivíduo representativo e estudo de caso
5.2.2. Características e identidade do artesanato de retalhos
5.2.3. O processo criativo da artesã
5.2.4. O processo produtivo da artesã
5.3. FASE III – PLANO DE AÇÃO
5.3.1. Necessidades e requisitos estabelecidos pelo Hotel
5.3.2. Intermediação: Visita da artesã ao hotel
5.3.3. Requisitos do hotel para o desenvolvimento da adequação
5.3.4. Adequação de produtos do artesanato de retalhos
5.3.4.1. Desenvolvimento da identidade visual para Giral Grande
5.3.4.2. Fundamentação teórica
5.3.4.3. Desenvolvimento da identidade visual
5.3.4.4. Aplicação da identidade visual em etiquetas
5.3.4.5. Finalização da etapa de desenvolvimento da identidade visual
5.3.5. Desenvolvimento dos protótipos
5.4. FASE IV - RESULTADOS
5.4.1. Apresentação e resultados dos protótipos na comunidade
5.4.2. Apresentação e resultados dos protótipos no hotel
5.4.3. Avaliação geral dos resultados alcançados
5.4.4. Feedback
5.4.5. Resultados Esperados
5.4.6. Possíveis efeitos colaterais
93
97
100
102
111
112
112
121
126
126
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169
175
175
183
184
186
188
189
29
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1. CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA
191
193
REFERÊNCIAS
195
APÊNDICES
215
1
1
INTRODUÇÃO
1.1. O TEMA
Esta tese tem como tema a relação entre design e artesanato na perspectiva de
uma proposta metodológica que possibilite o acesso da produção artesanal de
comunidades rurais ao mercado urbano, contribuindo para a organização do processo
de aproximação desses dois universos e as adequações que se fizerem necessárias. A
referência teórica mais abrangente que fundamenta a pesquisa relaciona-se com a
cultura, como o universo geral dentro do qual se inscrevem as diferentes expressões
de linguagem, artes, literatura, crenças, festas e técnicas de produção, dentre outras.
Nesse contexto cultural ocorre a relação do design com o artesanato, focalizada neste
trabalho. Ambos representam expressões da cultura.
O design pode ser entendido como uma atividade interdisciplinar que envolve
processos criativos, conhecimentos técnicos, contextos culturais e fatores humanos
dentre outros, voltados para a satisfação de necessidades e desejos individuais e
coletivos. Morris (2009, p. 6) entende que “para alguns o Design tem a ver com
criatividade e criação. Para outros, é uma habilidade ou uma arte. E ainda há quem
afirme que o processo é tudo”. Seu caráter interdisciplinar e flexível constitui-se em
um dos instrumentos para a criação, renovação, inovação e agregação de valor a
produtos novos ou já existentes, a exemplo de produtos artesanais.
O artesanato, por sua vez, pode ser entendido como uma atividade que engloba
múltiplos aspectos, quais sejam: expressão de identidade, fonte de trabalho e renda,
atividade lúdica e zelo pela manutenção de uma tradição. Sua prática está
diretamente associada ao contexto cultural onde acontece e, portanto, podem ser
encontradas
diferentes
formas
de
produção,
técnicas
de
execução,
materiais
utilizados, significados atribuídos, formas de participação comunitária e distribuição
dos benefícios dele decorrentes.
2
A atividade artesanal expressa componentes tanto da cultura material quanto da
imaterial da comunidade que a pratica. O artesanato, como parte ativa e criadora de
cultura material, é “movido pela arte do saber e do fazer, influenciado pelo ambiente,
pela cultura e pelas tradições locais” (POUSADA, 2005, p. 39). Representa, também,
elementos da cultura imaterial ao reunir tradições, significados e saberes preservados.
A manutenção e a preservação dos saberes tradicionais significam, por conseguinte,
um dos principais fatores para o reconhecimento da identidade cultural de uma
comunidade e também como uma oportunidade para o aumento de sua renda. Para
Alcalde, Le Bourlegat e Castilho (2007),
a atividade artesanal está ligada aos recursos naturais, ao estilo de vida
e à prática do comércio com as comunidades vizinhas, nas quais a
aprendizagem é adquirida pela vivência e imitação da prática e do
manejo de materiais e ferramentas (ALCALDE, LE BOURLEGAT e
CASTILHO, 2007).
Ricci e Sant’Ana (2009, p. 95) e Santos et al (2010, p. 1-2) explicam que o
artesanato
pode
ser
considerado
como
“um
elemento
impulsionador
de
desenvolvimento local”, incentivando o trabalho comunitário e promovendo projetos
que possibilitam o escoamento de grande parte da produção do artesanato e,
principalmente, valorização do território e da cultura tradicional, contribuindo, assim,
para fortalecer a consciência de identidade cultural local. Castilho, Arenhardt e Le
Bourlegat (2009, p.161.) consideram o desenvolvimento local “como um processo de
transformação, envolvendo o ser humano como o principal beneficiário de mudança,
numa perspectiva de melhoria da qualidade de uma comunidade”. Portanto, o
contexto cultural de comunidades rurais composto por saberes, práticas, tradições,
relações sociais e formas de produzir contém elementos que dão sustentação à busca
por soluções para as necessidades e desejos de seus membros.
Nesta tese, a articulação entre design e artesanato está estudada em dois
universos. O primeiro referente a uma comunidade tradicional rural, a Comunidade
Quilombola de Giral Grande, localizada no município de Maragojipe, no Recôncavo da
Bahia. Trata-se de uma comunidade que luta com dificuldades para a solução de
problemas estruturais e cotidianos, tais como habitação, saneamento e saúde. Ali se
encontra a produção de artesanato com aproveitamento de retalhos de tecidos que,
ao lado de outras práticas artesanais e outras atividades de subsistência, contribui
para a pequena renda responsável pela sobrevivência dos seus membros.
3
O segundo, relativo a um Hotel situado no Centro Histórico de Salvador, foi
escolhido na pesquisa por promover uma política interna que põe em relevância
valores de culturas tradicionais contidos em produtos artesanais. Essa política de
valorização de artesanato com função decorativa oportunizou a aceitação da produção
artesanal da comunidade de Giral Grande, trazendo perspectiva de trabalho e renda
para seus membros.
1.2. PROBLEMÁTICA E TESE
A possibilidade de acesso de produtos artesanais de comunidades rurais ao
mercado urbano constitui-se numa perspectiva de ampliação das oportunidades de
trabalho e renda para os seus produtores. Considera-se que o contexto cultural
responsável por expressões tais como o artesanato contém elementos capazes de
oferecer soluções para problemas e necessidades que ocorrem. Todavia, nem sempre
os produtos apresentados atendem ao exigido pelo mercado urbano, considerando-se
aí questões de plástica, acabamento, materiais utilizados, durabilidade, dimensões
entre outros fatores. Por outro lado, o atendimento às necessidades do mercado
urbano não deve anular a necessidade de que a identidade cultural dos produtores
seja preservada, visto que a preservação das características está na base da
possibilidade de identificação do artesanato como expressão de uma cultura e, por
isso mesmo, como um valor agregado à produção. Diante destas questões, levanta-se
o seguinte problema:
Problema: que ações devem ser propostas para promover o acesso de produtos
artesanais de comunidades tradicionais rurais ao mercado urbano, considerando-se os
requisitos desse mercado e a necessidade de se preservarem as características
identitárias dos seus produtores?
Hipótese: o acesso de produtos artesanais de comunidades tradicionais rurais ao
mercado urbano depende da aplicação de um método de pesquisa que permita a
intermediação entre os dois universos e a adequação daqueles produtos às exigências
do mercado, preservando-se as características identitárias da cultura da comunidade
produtora.
Tese: A tese defendida neste trabalho é a de que a aplicação de um método de
pesquisa e intervenção em uma comunidade tradicional rural permite a organização
de formas de acesso de componentes do seu repertório cultural ao mercado urbano,
preservando-se as características identitárias de origem.
4
1.3. OBJETIVOS
1.3.1. Objetivo Geral
Propor um método de pesquisa e intervenção capaz de promover o acesso de
produtos artesanais oriundos de comunidades tradicionais rurais ao mercado urbano
mediante a intermediação entre os dois universos e a adequação dos referidos
produtos aos requisitos estabelecidos por aquele mercado, preservando-se as
características identitárias do produto da comunidade de origem.
1.3.2. Objetivos Específicos
•
Desenvolver um método de pesquisa que articule dados qualitativos e
procedimentos de design voltados para o desenvolvimento de ações de
caráter comunitário e mercadológico;
•
Aplicar
o
método
desenvolvido
aos
dois
universos
selecionados
articulando-os em torno de uma produção artesanal;
•
Apresentar produtos artesanais que respondam a requisitos estabelecidos
pelo mercado urbano sem prejuízo das características identitárias da
comunidade produtora;
•
Validar os produtos gerados junto à comunidade produtora e ao mercado
urbano, de modo a verificar sua coerência com as características e
requisitos existentes nos universos estudados.
1.4. UNIVERSO E NATUREZA DA PESQUISA
1.4.1. Universo da pesquisa
O universo da pesquisa abrange dois espaços:
•
O primeiro é o de uma comunidade tradicional rural, aqui representada
pela Comunidade Quilombola de Giral Grande, localizada na área rural do
município de Maragojipe, no Recôncavo Baiano.
•
O segundo é um estabelecimento do mercado urbano, aqui representado
pelo Hotel Villa Bahia, situado no Centro Histórico de Salvador.
5
1.4.2. Natureza da pesquisa: Pesquisa-ação
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participativa, social e com base empírica,
na qual são propostos tanto o envolvimento ativo do pesquisador com a comunidade
pesquisada, no qual ambos estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo
(THIOLLENT, 2002 p. 14), quanto ações de natureza concreta e objetiva para
solucionar um problema apresentado pela comunidade. Ao seu esquema básico estão
inseridos procedimentos de outros métodos de pesquisa que resultaram na elaboração
de um esquema aqui denominado de pesquisa-ação adaptada para atender aos
objetivos explicitados na tese. Os procedimentos referidos dizem respeito à pesquisa
etnográfica, à observação participante e ao estudo de caso. O método em Design
compõe a etapa do plano de ação desta pesquisa-ação adaptada.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa aplicada para estudar os fenômenos sociais
humanos que por estarem possuídos de características específicas, “criam e atribuem
significados às coisas e às pessoas nas interações sociais e estas podem ser descritas
e analisadas” (CHIZZOTTI, 2003). Sua escolha deveu-se à diversidade cultural
presente no contexto sendo os dados analisados para a compreensão de processos e
de significados.
É uma pesquisa aplicada, por ter como objetivo “a geração de
conhecimentos para aplicação prática e é dirigida à solução de problemas específicos”
(SILVA E MENESES, 2005. p. 20). A aplicação prática refere-se à implementação do
método desenvolvido nos universos de pesquisa e na geração e validação dos
produtos artesanais resultantes.
1.5. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA
Trata-se de uma tese na área do design que, pelo objeto trabalhado (artesanato
produzido por uma comunidade tradicional rural) exigiu a utilização de um esquema
modificado da pesquisa-ação pela introdução de procedimentos relativos à pesquisa
etnográfica, observação participante, estudo de caso e pesquisa em design. Este
esquema, por sua vez, cumpriu o papel de reunir informações, gerar dados
necessários ao desenvolvimento da proposta de intermediação e de adequação de
produtos artesanais ao mercado urbano.
A proposta de método de pesquisa aqui desenvolvida foi pensada para ser
aplicada a qualquer comunidade tradicional rural, dadas as relações que se
estabelecem entre os saberes tradicionais e o que pode ser orientado por essa
proposta. No caso desta tese, essa metodologia foi aplicada numa comunidade
quilombola.
6
O papel do design se destaca neste processo na fase do plano de ação da
pesquisa-ação adaptada, na qual ocorrem a adequação dos produtos aos requisitos do
mercado urbano, a criação de uma identidade visual e a geração de protótipos.
1.6. JUSTIFICATIVA
A abordagem da relação entre design e artesanato abre perspectivas para a
discussão de como os conteúdos culturais tradicionais podem se constituir fator de
enriquecimento para a concepção de produtos de design. Em primeiro lugar, leva-se
em conta a necessidade de diferenciação entre produtos, num mercado cada vez mais
globalizado, marcado pela semelhança entre soluções de design relacionadas à
necessidades e funções convergentes; em seguida, a importância da identificação da
origem dos produtos, questão diretamente relacionada às características únicas
presentes em universos culturais distintos, o que leva, por sua vez, à necessidade de
reafirmação da identidade da cultura tradicional tomada como referência.
Por outro lado, o designer encontra no trato com universos culturais distintos,
fontes expressivas de inspiração para ideias, sugestões e soluções para a geração de
novos produtos. Moalosi (2007, p. 37) discute o papel do design como instrumento de
resgate de conteúdos culturais já esquecidos, ou mesmo ameaçados, dando
oportunidade para a retomada de antigos conhecimentos e para a reelaboração destes
em novas práticas, capazes de contribuir, inclusive, para a tomada de consciência de
identidades coletivas. Por sua vez, o contato com saberes e práticas reunidos por
culturas tradicionais podem ser orientados pelo design para a concepção de novos
produtos, abrindo perspectivas de ampliação de oportunidade de trabalho e renda
para os seus membros. E, finalmente, a importância, tanto para o design quanto para
o
conhecimento
científico,
é
a
possibilidade
de
articulações
entre
propostas
metodológicas interdisciplinares promovidas pelo encontro entre o design e culturas
tradicionais.
A presente pesquisa considerou esse assunto como oportunidade para mostrar
uma maneira de abordar questões culturais na prática do Design, considerando o
conhecimento contido no patrimônio cultural de comunidades tradicionais rurais, aqui
exemplificadas por uma comunidade quilombola, como ponto de partida. Esta
pesquisa reconhece, portanto, que comunidades tradicionais detêm conhecimentos
capazes
de
serem
orientados
economicamente sustentáveis.
pelo
design
para
a
concepção
de
produtos
7
Embora existam outras comunidades tradicionais rurais passíveis de serem
tomadas como objeto da pesquisa, decidiu-se pela escolha de uma comunidade
quilombola, a de Giral Grande, como exemplo de uma comunidade tradicional rural,
em primeiro lugar pelo contexto histórico e cultural de Salvador e do Recôncavo da
Bahia, profundamente marcado pela presença étnica e por componentes culturais
afro-descendentes;
comunidades
em
seguida,
quilombolas,
pela
mapeadas
e
existência
registradas
de
na
número
região
expressivo
do
de
Recôncavo,
especialmente no município de Maragojipe; por características tradicionais das
comunidades quilombolas, marcadas pela forte relação com a terra e com os laços de
parentesco, o que se exemplifica na Comunidade Quilombola de Giral Grande; pela
produção de um artesanato que indica a presença de saberes e práticas comuns às
comunidades tradicionais rurais da região; e, finalmente, por abordar a produção
artesanal de comunidades que ficam à margem de incentivos de programas oficiais e
de empresas privadas voltadas à dinamização e valorização do artesanato regional.
A intensa diversificação de demandas existente no mercado urbano exigiu que
fosse definida uma atividade específica, capaz de ser atraída e abraçar uma proposta
de intermediação entre a produção artesanal de uma comunidade tradicional rural
com o mercado urbano. A escolha de hotéis como local de apresentação e aplicação
do artesanato de comunidades tradicionais rurais justifica-se por representarem
espaços de convergência cultural que permitem aos turistas, com sua cultura
particular, encontrarem uma cultura tradicional.
Tomando como ponto de partida a proposta de inserir produtos artesanais rurais
no mercado urbano, decidiu-se pela pesquisa-ação com vista a possibilitar a
orientação metodológica e a intermediação da entrada do artesanato referido no
mercado urbano. Propõe também o design, como parte integrante do seu plano de
ação como instrumento de adequação dos produtos artesanais aos requisitos
estabelecidos por aquele mercado.
1.7. INEDITISMO, ORIGINALIDADE E ADERÊNCIA AO PROGRAMA
O ineditismo e a originalidade deste trabalho são demonstrados a partir do
modelo de metodologia apresentado, que tem na interdisciplinaridade um dos seus
aspectos estruturantes. Para isso foi tomado como referência o modelo de pesquisaação de Thiollent (2002), a partir do qual foi concebido um modelo novo, aqui
denominado como Pesquisa-ação Adaptada, que tem como característica original a
articulação de ferramentas de outros métodos de pesquisa ao seu modelo inicial.
8
Assim, foram inseridas ferramentas da pesquisa etnográfica, da observação
participante, do estudo de caso e da pesquisa em Design. Essas ferramentas, tomadas
isoladamente, são encontradas em outros trabalhos na área do design, mas a maneira
de fazer a articulação entre elas e a orientação dos procedimentos, buscando a
obtenção de um produto metodológico novo, constitui-se na originalidade da tese em
pauta.
A natureza do PEI (Programa de Pós-graduação em Engenharia Industrial –
UFBA) e a identificação do Doutorado em Engenharia Industrial como sendo de
Desenvolvimento Sustentável de Processos e Produtos permite que esta tese, que
aborda a intermediação do design entre comunidades tradicionais rurais e o mercado
urbano, com vistas tanto à apresentação de resultados práticos numa perspectiva de
desenvolvimento local, quanto na elaboração de uma proposta de um modelo
metodológico interdisciplinar, esteja perfeitamente abrigada no referido programa.
1.8. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
A tese está organizada em seis capítulos assim discriminados:
CAPÍTULO 1: na introdução estão explicitados os componentes do projeto da tese,
iniciando-se com a explicitação do tema da pesquisa; a problemática, a tese
defendida, os objetivos a serem alcançados e sua justificativa. Aborda ainda a
natureza da pesquisa, como também os universos que abrangem o espaço da
comunidade quilombola de Giral Grande e o espaço do mercado urbano, representado
por um hotel situado no Centro Histórico de Salvador.
CAPÍTULO 2: os fundamentos teóricos estão organizados de modo a responder ao
caráter interdisciplinar do Design, bem como aos componentes básicos da construção
desta tese: a cultura em sua expressão dinâmica e tradicional e o artesanato como
uma das expressões da cultura; o desenvolvimento local; as comunidades quilombolas
incluídas neste capítulo como elementos de fundamentação para a pesquisa de campo
e o Recôncavo da Bahia como contexto geo-cultural onde se desenvolvem as
atividades artesanais.
CAPÍTULO 3: este capítulo apresenta os fundamentos metodológicos necessários à
construção do modelo de pesquisa proposto para esta tese. Foram examinadas e
descritas as ferramentas da pesquisa em design, pesquisa ação, pesquisa etnográfica,
observação participante, estudo de caso e pesquisa documental.
9
CAPÍTULO 4: este capítulo aborda o processo de concepção e construção do método
de pesquisa-ação adaptada a ser aplicada nos universos da pesquisa. O planejamento
deste método apresenta-se dividido em quatro fases onde são explicitados os
objetivos, as tarefas e os dados a serem levantados.
CAPÍTULO 5: apresenta o desenvolvimento do trabalho de campo, seguindo o
método proposto no capítulo 4. A primeira fase refere-se à abordagem exploratória e
à onstrução do problema e da hipótese referente à pesquisa de campo; a segunda
parte refere-se ao estudo de caso, a terceira refere-se ao plano de ação e a quarta
apresenta os resultados e sua discussão.
CAPÍTULO 6: trata das considerações finais do trabalho, abordando uma reflexção
sobre o método adotado, o papel do pesquisador nos processos e a sugestão para
trabalhos futuros.
10
1.9. LINHA DE TEMPO DA PESQUISA
Primeiras idéias sobre o desenvolvimento de
um modelo metodológico que abordasse
design e cultura
2008.1
Elaboração do projeto da pesquisa e sondagem
de possíveis comunidades
2008.2
Contato com a
Comunidade Quilombola
de Giral Grande e com a
Comunidade de
pescadores de Diogo
Construção
do método de
design e
elaboração do
capítulo do
Método
•
•
Início da
elaboração do
capítulo de
Introdução
2009.1
Primeiras entrevistas com
ambas as comunidades
Início da elaboração do
capítulo de referencial teórico
Início da
elaboração do
diário de campo
da pesquisa
etnográfica
Seleção da
Comunidade de
Giral Grande
como universo
da pesquisa
Pesquisa etnográfica em andamento
Elaboração do capítulo de desenvolvimento do trabalho de campo e
continuação do diário de campo
Contato com o
Hotel Villa
Bahia
• Primeiras entrevistas com o Hotel
• Elaboração dos requisitos de
design para os protótipos
Apresentação dos
protótipos na
comunidade e no hotel
Visita da
artesã ao
Hotel
Processo de adequação: Elaboração
da identidade visual e início da
produção dos protótipos.
Qualificação e processo
de correção da tese
Banca de Avaliação e correção final
2009.2
2010
2011.1
2011.2
2012.1
2013.1
11
2
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Este capítulo reúne conceitos e aspectos técnicos que, abordados do ponto de
vista interdisciplinar, constituem-se na base teórica que sustenta o tratamento
metodológico e a aplicação de suas diretrizes ao desenvolvimento da pesquisa em
andamento. O termo abordagens usado para indicar as diferentes temáticas
apresentadas se justifica por não haver a pretensão de esgotar cada uma delas, mas,
ao contrário, selecionar e focalizar o que estiver diretamente relacionado ao trabalho
em curso, constituindo-se, portanto, em sua fundamentação teórica. Assim este
capítulo
aborda
questões
sobre
cultura
e
artesanato;
desenvolvimento
local;
Recôncavo da Bahia; comunidades quilombolas e design.
A
pluralidade
das
abordagens
e
a
necessidade
de
reunir
informações
fundamentais sobre cada uma delas influenciaram inevitavelmente na extensão do
capítulo, o qual também exerce o papel de aglutinador das informações necessárias
ao desenvolvimento do trabalho de campo.
2.1. ABORDAGENS SOBRE CULTURA E ARTESANATO
Entende-se como cultura “o complexo conjunto de padrões de comportamento,
de crenças, de instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos
coletivamente e que caracterizam uma sociedade” (SALZANO, 2008). A palavra
“cultura” – vinda da tradução de culture, em inglês – foi sintetizada por Edward Taylor
(1832 – 1917) a partir da mistura do conceito germânico Kultur, usado para
simbolizar todos os aspectos intangíveis de uma comunidade, com o conceito francês
Civilization, relacionado às realizações materiais de um povo (LARAIA, 1999. p 25).
Taylor, portanto, abrangeu em uma só palavra todas as possibilidades da realização
humana,
o
que
comportamentos,
incluía
crenças,
a
mistura
folclore,
complexa
arte,
moral,
de
leis,
“conhecimentos,
costumes
ou
valores,
quaisquer
12
capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”
(TAYLOR, 1871, apud LARAIA, 1999. p 25), que se torne “norma, hábito ou padrão
para a maioria dos membros desta sociedade” (FROST e HOEBEL, 2008), inclusive os
conhecimentos e habilidades técnicas e tecnológicas.
A cultura caracteriza as sociedades humanas, não sendo possível se manifestar
apenas por um indivíduo. Portanto, uma pessoa sozinha não produz cultura. A cultura
se manifesta como o conjunto de características que identificam uma sociedade,
unindo seus indivíduos, assim como é o fator que diferencia uma sociedade das
demais, ou seja, cada sociedade produz sua própria cultura e uma não se confunde
com as outras. É ponto comum na literatura que existem várias definições para o
conceito de cultura, mas pode-se usar a proposta por Laplantine, que a define como:
o conjunto de comportamentos, saberes e saber fazer característicos de
um grupo humano ou de uma sociedade dada, sendo essas atividades
adquirias através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao
conjunto de seus membros (LAPLANTINE, 1987, p. 19).
A natureza desses saberes é a “maneira, ou forma, ou jeito particular da
sociedade em questão de viver, pensar, sentir, acreditar, fazer e se comportar
segundo um legado, regras ou padrões” (GEERTZ, 1989, p14) implícitos ou explícitos,
aceitos e praticados por todos os indivíduos dessa sociedade. A cultura, além de estar
associada a um grupo humano ou a uma sociedade, está também associada a fatores
geográficos, se manifestando-se dentro das fronteiras ocupadas por tais grupos ou
sociedades.
Para Dos Santos (1994, p. 24) cultura é tudo aquilo que caracteriza a existência
social de um povo ou uma nação, ou então grupos no interior de uma dada sociedade.
Ela se expressa através de elementos, tais como o conhecimento, as idéias e as
crenças, assim como as maneiras com que eles existem na vida social. Segundo
Ulmann (1991) e Frost E Hoelbel (2008) diferentes são as formas de expressão da
cultura, estando entre as mais relevantes:
•
Língua / linguagens;
•
Artes (plásticas – cênicas – música)
•
Moral / estética;
•
Literatura;
•
Técnicas de produção;
•
Práticas, costumes e modo de vida;
•
Religião / mitos / crenças / folclore;
•
Festas, folguedos e outras manifestações.
13
2.1.1. A cultura: um processo dinâmico
A cultura é dinâmica, “mudando e se modificando” (FROST e HOEBEL, 2008, p.
27), agregando novas características e abandonando outras em uso nos processos de
aprendizagem e transmissão, sendo, portanto um processo evolutivo e histórico.
Sendo assim, uma mesma sociedade irá apresentar variações na sua cultura com o
passar do tempo. Por ser uma construção histórica, seja como concepção, seja como
dimensão do processo social oriundo da coletividade humana, “a cultura exige que
consideremos as transformações constantes por que passam as sociedades, tanto nas
suas características quanto nas relações entre os grupos, no seu interior” (DOS
SANTOS, 1994, p.44-45).
O processo da dinâmica cultural se dá pela superação de valores antigos e pela
incorporação de novos, sendo preservados, entretanto, os fundamentos da identidade
cultural relativa à sociedade na qual se originam. Isso se dá porque o ser humano,
segundo Laraia (1999, p. 98-99) “tem a capacidade de questionar os seus próprios
hábitos para, então, modificá-los”, contrariando o pensamento leigo de que a cultura,
principalmente a dos pequenos grupos, é um fenômeno estático, por não possibilitar a
percepção de pequenas mudanças com o tempo, levando a uma compreensão errônea
de estaticidade cultural.
Laraia (1999, p. 100) ainda explica que esse processo pode se dar tanto por
fatores internos, pelas mudanças que ocorrem no meio social no qual se encontra,
quanto por fatores externos, quando um sistema cultural entra em contato com outro,
ocorrendo então a mistura e a mudança das características culturais de uma ou de
ambas as partes envolvidas. O resultado do processo pode se concretizar de maneira
superficial ou profunda, de acordo com o contexto do contato. A velocidade das
mudanças pode ser lenta, às vezes quase imperceptível ou rápida, podendo até
mesmo ser brusca, como ocorre com o advento de inovações científicas, por exemplo.
Segundo Ono (2004) “a cultura tem um caráter dinâmico e multidimensional, não
podendo ser compreendida como um princípio hermético e imutável”.
Pode-se tomar como exemplo dessa dinâmica a cultura afro-brasileira que é
constituída basicamente por elementos trazidos da África aos quais foram agregados,
com o tempo, novos elementos adquiridos no Brasil, tais como a organização familiar
e o vestuário, de origem portuguesa, mantendo-se como fatores de identidade a
religião e a língua, que estão inseridos na religiosidade afrodescendente e na língua
portuguesa falada no Brasil. A roupa da Baiana de Acarajé, um ícone da cultura afrobrasileira, é o resultado da síntese de três influências culturais que foram se
amalgamando: o modelo da roupa (saia rodada armada com anáguas engomadas) de
14
origem européia; a cor branca, de origem muçulmana e trazida pelos povos africanos
yorubás e haussás islamizados, conhecidos no Brasil como malês; o turbante, de
origem africana. Essa roupa, apesar de ser de origem heterogênea, não altera o
significado da religiosidade que a Baiana representa; pelo contrário, é uma das suas
marcas.
2.1.2. Manifestações da cultura
Pode-se entender a cultura se manifestando, no sentido estrito, de duas
maneiras diferentes, segundo discorre Ullmann (1991, p. 83-84) e Medeiros (1997),
que discutindo as diferentes expressões, propõem dois modos de compreensão.
•
O modo imaterial ou intangível: que se refere às questões éticas, maneira
de pensar, de sentir, de agir e de se comportar, manifestando-se nas
linguagens, nas religiões e crenças, na criação estética, nas leis e demais
produtos
intangíveis,
que
não
têm
substância
material,
incluindo
os
conhecimentos, as aptidões, os hábitos, os significados e valores;
•
O modo material ou tangível: que se refere aos fenômenos concretos,
realizados a partir do modo intangível, e que se manifesta nos instrumentos e
na maneira de obtê-los, ou nos processos do fazer; nas matérias primas
destinadas para a produção de bens materiais usados pela sociedade em
questão, no seu cotidiano.
Considerando-se, portanto, uma relação entre o modo intangível e o tangível,
pode-se pensar, muitas vezes, que o tangível é a materialização ou manifestação
física de uma ideia, o intangível, e assim os objetos surgem como produto de uma
intenção do ser humano a partir do intangível: a extensão dos seus sentidos, de seus
atos e valores, materializando-se, enquanto preserva os significados estéticos e de
uso. Dias Filho (2007) considera que o objeto nasce a partir de dois requisitos
básicos:
ƒ A intencionalidade humana (representação da extensão dos órgãos
dos sentidos do homem, isto é, o prolongamento de seus atos); e,
ƒ A materialização de valores (estéticos, usos etc.) inerentes à
sociedade, tornando concreto o intangível. (DIAS FILHO, 2007)
Em síntese, a cultura material, o componente físico e concreto da cultura, nasce
a partir das idéias, conceitos, sentimentos, desejos e necessidades de uma sociedade,
expressa e traduz o componente imaterial da cultura. Portanto, quase sempre, os
objetos necessitam de ser pensados, necessitados e desejados antes de serem
produzidos e de existirem.
15
Pode-se considerar, ainda, que existem duas formas de expressão cultural: a
Cultura Erudita e a Cultura Popular. A primeira se expressa a partir de uma elite ou
vanguarda social, econômica, política ou intelectual, que produz objetos da cultura
tangível e da intangível, a partir de conhecimentos provenientes do estudo científico e
da instrução literária. Os produtores desse tipo de cultura detêm o domínio e a
consciência do que é produzido, portanto é dominada e entendida por poucos.
Já a cultura popular é produzida pelo povo, pelas classes menos favorecidas
economicamente e, na maioria das vezes, estando à margem da parcela considerada
elite. A Cultura Popular não está ligada ao conhecimento científico, sendo, portanto,
gerada pelo senso comum e pelo conhecimento vulgar, dominado e compartilhado por
aqueles que a geram, apesar de estes não terem a real dimensão ou conhecimento
sistemático e profundo do que foi feito. Portanto, expressa as formas de agir e pensar
das classes populares.
Gramsci (1978, apud FERRETTI, 2007) explica que “a cultura erudita é valorizada
como produção e consumo da elite social, enquanto a cultura popular reflete
interesses, valores e ideologia das classes dominadas”. Entretanto, pode-se considerar
que ambas, tanto a erudita quanto a popular, devem ser vistas como partes
integrantes do universo de uma sociedade no seu aspecto geral, aproximando-se,
afastando-se, misturando-se, influenciando-se mutuamente, complementando-se e
completando-se, tal como pressupõe o conceito de circulariadade cultural, proposto
por Ginzburg (1987, p. 17), o qual admite que ambas as expressões da cultura
estejam mutuamente subordinadas, constituindo, então, o repertório e o patrimônio
cultural de um povo.
A cultura popular, além disso, está associada à tradição e ao conhecimento
histórico do povo e é transmitida pelas gerações. Tem seus elementos gerados
localmente, inspirados na rotina, nos fatos e no ambiente que a cercam, mas também
é
inovadora
e
inventiva,
estando,
portanto,
em
constante
movimento
e
transformação. Dentro desse contexto, o artesanato se apresenta como uma
manifestação da cultura material, de expressão popular, transformando em objetos as
necessidades e desejos do povo ao mesmo tempo em que transmite suas ideias e
sentimentos.
Os artefatos revelam hábitos, valores, conhecimentos, conceitos e
necessidades que, analisadas em conjunto, permitem compreender o
processo da evolução da humanidade. Como testemunhas silenciosas da
nossa civilização, os artefatos representam a nossa cultura, material e
imaterial, revelando a diversidade dos modos de fazer, das formas de
organização e gestão, entre outros. (CAVALCANTI et al, 2008)
Esta é a compreensão de Calvalcanti et al (2008) ao discorrer sobre a
importância dos artefatos de origem tanto artesanal quanto industrial, reforçando o
papel e o significado dos objetos como parte integrante da cultura material.
16
2.1.3. Tradição e cultura tradicional
O conceito de tradição pode ser definido como um patrimônio cultural que é
transmitido de geração a geração através do tempo. Apresenta um conteúdo histórico,
referindo-se à parte tangível desse patrimônio, tal como documentos escritos, obras
de arte, monumentos, túmulos etc.; mas apresenta, também, um conteúdo imaterial,
referindo-se
à
sua
preservados
pela
parte
intangível,
oralidade
ou
constituída
mesmo
pela
por
fatos
aceitação
culturais
coletiva,
que
tais
são
como
conhecimentos e crenças. Uma comunidade pode ser considerada tradicional quando
grande parte do patrimônio cultural é constituída por elementos tradicionais.
Mas não somente o conteúdo transmitido entre as gerações define a cultura de
uma comunidade como tradicional. Diegues et al (2000, p. 17 e 18) aponta para
outras características estruturantes, tais como: ligação intensa com os territórios
ancestrais; autoidentificação e identificação pelos outros como grupos culturais
distintos; sistemas de produção principalmente voltados para a subsistência, com o
uso dos recursos naturais ou recursos alternativos; práticas de produção précapitalistas, em que a dependência do mercado já existe, mas não é total. Assim,
comunidades indígenas, ribeirinhas, pescadores e jangadeiros, e as quilombolas são
exemplos de comunidades tradicionais.
A cultura tradicional pode ser entendida, também, como aquela referente a uma
comunidade
que
a
detém
como
seu
repertório
ou
patrimônio
imaterial
de
conhecimentos tradicionais. Diferentemente das expressões do folclore, que são
consideradas como de domínio público, “a cultura tradicional tem uma autoria
determinável, ou seja, pertence a uma comunidade específica ou a um povo
específico” (SOARES E MIELO, 2005). Portanto, “a preservação do patrimônio cultural,
em todos os seus aspectos, fortalece a idéia de pertença de um sujeito a um grupo
social” (LARA, 2010). O conceito de cultura tradicional pode ser sintetizado a partir
das definições elaboradas pela UNESCO:
A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de
uma comunidade cultural, fundadas na tradição, expressas por um
grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às
expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade
cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por
imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre
outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia,
os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes
(UNESCO, 1989).
De
acordo
com
o
Decreto
Presidencial
tradicionais são definidas da seguinte forma:
nº
6.040/2007
as
comunidades
17
Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e
que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007).
A cultura tradicional pode ser considerada como uma síntese do conceito geral de
cultura, pois se altera, se desenvolve e evolui com o tempo, sendo, portanto um
processo histórico, pois é promovida pelos aspectos de inovação e geração de
práticas, conforme a definição do Decreto Presidencial nº 6.040/2007. Para Forst e
Hoebel (2008, p. 35) “como o comportamento culturalmente padronizado é aprendido
e não inerente ao organismo, é modificável e flexível. Por isso é que as culturas são
mutáveis”. Portanto, apesar de ser baseada em elementos que são transmitidos de
geração a geração, estes não ficam estáticos no tempo, pois sofrem inexoravelmente
influências externas, reinterpretações dentro da própria comunidade e, assim, são
modificados, substituídos, reescritos, sem, contudo se afastar da identidade de quem
realiza esse processo.
Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em
geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em
função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e
contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à
criatividade humana. (UNESCO, 2003).
Uma comunidade tradicional apresenta no decorrer da sua história vários
momentos diferentes de sua cultura, não deixando de ser a mesma comunidade na
sua identidade. Segundo Diegues (2001, p. 52), este é um dos critérios mais
importantes para definição de culturas ou populações tradicionais, além do modo de
vida: o reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular através da
cultura local:
Um dos critérios mais importantes para definição de culturas ou
populações tradicionais, além do modo de vida, é, sem dúvida, o
reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular. Esse
critério remete à questão fundamental da identidade (DIEGUES, 2001,
p. 52),
Diegues concorda com a definição da UNESCO (2003) explicando que esse
critério remete à questão fundamental da identidade, um dos temas centrais da
Antropologia Cultural. Para uma melhor compreensão, o Quadro 01 lista elementos
básicos que podem caracterizar o conceito de Cultura tradicional.
18
QUADRO 01
Características de uma cultura tradicional
A
B
C
D
E
F
G
H
I
Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais
renováveis, a partir dos quais se constrói um modo de vida;
Noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente;
Moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros
individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado posteriormente
para a terra de seus antepassados;
Importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa
estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado;
Reduzida acumulação de capital;
Importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco
ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;
Importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades
extrativistas;
Utilização de tecnologia relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio
ambiente. Há reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo
produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final;
Autoidentificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das
outras.
Fonte: Diegues (2001, p. 52)
O Quadro 1 apresenta as características básicas para a identificação de uma
cultura como tradicional. Essas características podem servir como parâmetro para
identificar culturas de comunidades tradicionais rurais, tais como a quilombola, como
cultura tradicional.
2.1.4. Território de Identidade
A noção de território ou espaço apontada no item B do Quadro 1 amplia-se
consideravelmente com a abordagem do conceito de Território de Identidade. Nas
relações que se estabelecem entre uma população e um dado espaço físico e
geográfico, o conceito de território faz-se extremamente importante, talvez um
conceito primordial para sua existência. Para Santos e Silveira (2003) o termo
“território” remete ao conceito político de um espaço físico ocupado por um povo, no
qual, segundo Carvalho (2008), “a população constrói a sua identidade e os seus
sentimentos de pertencimento, onde expressa seu patrimônio cultural e define o seu
destino”. Ou seja: a compreensão do significado de território para qualquer país,
povo, sociedade ou comunidade é parte constituinte do seu patrimônio cultural.
O território brasileiro, desde a década de 1930, vem sendo subdividido, para fins
administrativos e econômicos, em regiões, tais como as regiões Sudeste, Nordeste,
etc., ou em zonas geoeconômicas, tais como as zonas da Região Nordeste (Litoral,
Zona da Mata, Sertão etc.) usando-se para isso critérios geográficos, econômicos e
políticos (DUARTE, 2009; DI LAURO et al, 2009). Na Bahia, por exemplo, pode ser
19
indicada a implantação de 21 regiões administrativas em 1996 e de 15 regiões
econômicas adotadas em 2002, ambas fundamentadas em critérios econômicos e
políticos, segundo indicam Di Lauro et al (2009).
Entretanto um novo conceito de organizar os territórios vem sendo recentemente
proposto e aplicado no Estado: o de Território de Identidade, que leva em
consideração, além dos demais critérios acima citados, a afinidade cultural das
populações que habitam um lugar, para que possa ser estabelecida uma delimitação
geográfica do seu território. O Decreto do Governo baiano nº 12354/10, de 25 de
agosto de 2010, definiu o conceito de Território de Identidade como sendo:
Art. 1º, § 1º: O agrupamento identitário municipal formado de
acordo com critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos,
e reconhecido pela sua população como o espaço historicamente
construído ao qual pertence, com identidade que amplia as
possibilidades de coesão social e territorial. (BAHIA, 2010)
O objetivo deste Decreto é assim estabelecido no Artigo 2º:
Elaborar estratégias de desenvolvimento territorial sustentável
que contemplem:
I - a integração e compatibilização de políticas públicas com base
no planejamento territorial;
II - a ampliação dos mecanismos de participação social na gestão
das políticas públicas de interesse do desenvolvimento dos
territórios;
III - a valorização das diversidades social, cultural, econômica e
geográfica das populações. (BAHIA, 2010)
Chama à atenção a ênfase dada neste Decreto ao objetivo do Desenvolvimento
Sustentável a ser alcançado; à diversidade em seus diversos aspectos e, sobretudo,
autorreconhecimento da população como elemento identitário e, portanto, de
pertencimento cultural, como destaca o § 1º do Art. 1º: [...] reconhecido pela sua
população [...]. A implantação do conteúdo do Decreto na Bahia levou à divisão do
seu território em 26 unidades administrativas, como visto na Figura 01, cada qual
com sua identidade específica, compondo, entretanto, o contexto cultural maior,
relativo ao estado federativo.
20
FIGURA 01
Territórios de Identidade da Bahia
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
IRECÊ
VELHO CHICO
CHAPADA DIAMANTINA
SISAL
LITORAL SUL
BAIXO SUL
EXTREMO SUL
ITAPETINGA
VALE DO JIQUIRIÇÁ
SERTÃO DO SÃO FRANCISCO
OESTE BAIANO
BACIA DO PARAMIRIM
SERTÃO PRODUTIVO
PIEMONTE DO PARAGUAÇU
BACIA DO JACUÍPE
PIEMONTE DA DIAMANTINA
SEMI-ÁRIDO NORDESTE II
AGRESTE DE ALAGOINHAS/LITORAL NORTE
PORTAL DO SERTÃO
VITÓRIA DA CONQUISTA
RECÔNCAVO
MÉDIO RIO DAS CONTAS
BACIA DO RIO CORRENTE
ITAPARICA (BA/PE)
PIEMONTE NORTE DO ITAPICURU
METROPOLITANA DE SALVADOR
Fonte: Construção do autor a partir de PlugCultura (2008)
A nova abordagem contida no Decreto em pauta enfatiza a importância dos
aspectos
culturais
no
planejamento
para
o
desenvolvimento
regional
e,
paralelamente, abre um espaço para que as populações estabelecidas nesses
territórios participem, expressem e busquem a concretização de seus anseios, de suas
expectativas e de suas necessidades. Nesse sentido, as culturas tradicionais
desenvolvidas por comunidades locais ganham, também, uma provável oportunidade
para exercitar sua cidadania, salvaguardando as especificidades que as identificam.
2.1.5. Artesanato e seu significado cultural
Artesanato compreende o ato de fazer e construir objetos usando principalmente
as mãos, realizando-se, assim, todas as etapas da produção, desde o preparo da
matéria-prima até o acabamento final do produto (FRANÇA, 2005). O uso de
ferramentas, ou mesmo máquinas simples, tem um papel auxiliar ou secundário, pois
estas também são manipuladas, a exemplo de um formão, um estilete ou uma
agulha. O artesanato, ao se caracterizar como um processo manual, se diferencia dos
processos mecanizados e industrializados, os quais se caracterizam pelo uso de
equipamentos que substituem as mãos humanas na produção, distanciando-se,
portanto, da manipulação e intervenção manual durante o ato de se produzir algo.
Sendo assim, as máquinas executam as funções das mãos. Nesse momento são
conferidas a esses objetos produzidos industrialmente as características de fabricação
em série na forma de detalhes padronizados, sejam estes atributos ou defeitos.
No artesanato, por ser um ato manual e por não ter a precisão encontrada na
indústria, o resultado se caracteriza basicamente por apresentar detalhes que
21
diferenciam cada um dos objetos entre si, ainda que se tenha como objetivo uma
produção em série.
Como a exatidão repetitiva das máquinas tem uma precisão que a mão
humana não consegue imitar, a forma e a composição dos produtos
industriais raramente revelam qualquer indicação da participação e
personalidade da pessoa que o fez. (HESKETT, 1997)
Ou seja, cada peça artesanal tem detalhes e características únicas, conferidas
pela imprecisão natural da manipulação humana diretamente nas matérias-primas e
nas ferramentas usadas. Pode-se dizer que, numa produção artesanal em série de um
mesmo produto, as peças são apenas semelhantes, mas nunca totalmente iguais.
Portanto, cada peça de artesanato é uma unidade em si, que contém e reúne todas as
características a ela atribuídas.
O artesanato, como parte ativa e criadora de cultura material, é “movido pela
arte do saber e do fazer, influenciado pelo ambiente, pela cultura e pelas tradições
locais” (POUSADA, 2005, p. 39). O produto do artesanato pode ser considerado como
um representante material da cultura de um povo, expressando, além das formas e
da plástica, também os sentimentos, os desejos e as necessidades dessa sociedade,
ou seja, sua identidade. O artesão, ao executar seu trabalho,
submete-se às exigências de sua própria cultura, cumprindo uma função
social determinada, a forma utilizada é sempre convencionada e por
isso, a forma (contorno, cor, textura, etc.) é menos importante que o
conteúdo simbólico implícito”. (MARCONI e PRESOTTO, 1989, apud
MEDEIROS, 1997)
Portanto, os conceitos e significados presentes no produto artesanal são mais
importantes do que o objeto em si. O artesão é, então, responsável por captar os
conteúdos conceituais e simbólicos da sua cultura e os traduzir como objetos
concretos através das suas mãos. O papel do artesanato como responsável pela
transmissão de significados de uma cultura pode ser explicado por Medeiros (1997),
que afirma: “o símbolo é a mais antiga forma de expressar a cultura de um povo (...)
e a simbolização permite ao homem transmitir os seus conhecimentos adquiridos e
acumulados no decorrer do tempo”.
O artesanato pode ser considerado, portanto, como uma das expressões de
identidade de uma cultura, pois através das suas características é possível identificar
a sua origem cultural (AZEVEDO e ABREU, 2011, p. 111). Castells (1999, p. 22)
explica que a identidade é uma “fonte de significados e experiências de um povo”,
construída com base em atributos culturais, e que
se constituem como referencial
para os próprios indivíduos de uma comunidade. Compreende-se, então, que o
artesanato, ao carregar conceitos e significados, torna-se indicador de uma identidade
cultural. Os caracteres simbólicos e identitários estão no âmago da compreensão do
22
seu significado, sendo fatores essenciais que o diferenciam de outras produções não
industriais (BRASIL, 2012. P. 12).
Trata-se de um saber-fazer que integra processos produtivos e de
organização do trabalho peculiares, singulares em cada região, mas
interdependentes com as necessidades e valores do quotidiano, ainda
que simultâneos com os processos desencadeados pela concorrência da
produção industrializada. (ANTUNES 1999)
Um exemplo de artesanato que representa uma cultura local é a Cerâmica de
Maragogipinho, distrito do município baiano de Aratuípe, no Recôncavo Baiano,
situado próximo à cidade de Nazaré das Farinhas. “É considerado o maior centro de
produção de cerâmica artesanal da Bahia e há quem afirme ser um dos maiores pólos
da cerâmica artesanal da América Latina” (WANDECK, 2011a). Segundo Ferraz
(2009), a produção de artesanato em cerâmica, visto na Figura 02, rege a economia
local em todo seu processo, desde a extração do barro, a produção das peças até a
venda, nas praças e fora dos limites municipais e estaduais, envolvendo gerações
familiares, homens e mulheres, há mais de meio século.
FIGURA 02
Artesanato Tradicional de Maragogipinho
Fonte: Ferraz (2009); Wandeck (2011a)
23
O artesanato de Maragogipinho foi reconhecido pelo IPHAN (2009), em
exposição no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, concorrendo ao Prêmio
Unesco de Artesanato para a América Latina e Caribe, em 2004, ratificando, assim,
seu reconhecimento não somente como elemento cultural local, mas também estadual
e nacional.
Outro artesanato de grande expressão da região do Recôncavo Baiano é a
cerâmica de Coqueiros, visto na Figura 03, distrito da cidade de Maragojipe e que
representa uma tradição passada de pais para filhos há centenas de anos, utilizando,
ainda, algumas técnicas que remetem a práticas indígenas antigas (WANDECK,
2011b), tais como a queima da cerâmica em fogueiras cônicas.
FIGURA 03
Cerâmica no distrito de Coqueiros
A. A queima de peças em fogueira, uma tradição que
remonta práticas indígenas
B. Pratos já queimados
A
B
Fonte: Wandeck, 2011b
Segundo Queiroz et al (2010):
[...] a produção artesanal de Maragojipe pode ser considerada expressiva
e de relevante importância cultural, sobretudo no que se refere à
produção das cerâmicas utilitárias do distrito de Coqueiros [...]
reconhecido como depositário de um saber-fazer singular e tradicional
transmitido de geração em geração.
24
A identificação da cultura local nos produtos artesanais pode seguir pelo menos
duas vertentes: as formas de reconhecimento tangíveis e as intangíveis. As tangíveis
dizem
respeito
a
expressões
concretas
da
estética,
a
formas
e
a
funções
determinadas, presentes em produtos resultantes da memória de tradições de povos
de diferentes origens; as intangíveis não são tão visíveis e são frequentemente
encobertas por traços culturais dominantes, podendo ser reconhecidas se forem
investigadas suas origens, técnicas de produção ou ações a que se destinam.
No primeiro caso inscrevem-se os produtos cerâmicos com acabamento em
“tauá”, um engobe, mistura que pode ser aplicada em uma peça antes da esmaltação
feita de argila líquida, óxidos e outros componentes, usada em decoração. O “tauá” é
proveniente de argila rica em óxido de ferro que dá uma coloração avermelhada às
peças. Essa cerâmica vermelha somada com os desenhos decorativos em “tabatinga”,
argila líquida de cor branca (WANDECK, 2011a) formam uma combinação de fatores
estéticos e formais que os identificam como originários do artesanato de cerâmica de
Maragogipinho, como mencionado anteriormente e visto na Figura 02.
No segundo caso inclui-se a cerâmica de Coqueiros, também já referida, cuja
identificação como expressão de origem indígena só se torna possível quando sua
técnica de produção é revelada e compreendida. Em ambos os casos, para além de
qualquer crivo de objetividade, revela-se sua expressão como representantes de um
conjunto complexo de saberes e técnicas, preservados através das gerações pelas
comunidades que as produzem.
O artesanato pode ser considerado como uma prática baseada em saberes cujas
explicações não são encontradas em manuais, sendo os sentidos e os sentimentos
fatores usados nos processos criativos e inovativos. Essa abordagem foi exposta pela
UNESCO que, em 2003, publicou a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura
Tradicional e Popular, a qual fundamentou as ações de preservação de bens culturais
dessa natureza em todo o mundo. Esses bens culturais são reconhecidos como
“práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural” (NASCIMENTO, 2012).
O patrimônio cultural pode ser considerado como um manancial de informações
diversas, oriundo da cultura popular e, portanto representante da identidade de um
povo, cuja manutenção se faz importante por procurar evitar o seu desaparecimento e
estimular sua continuidade (COSTA, 2012). A produção de peças em cerâmica, por
25
exemplo, depende de fatores subjetivos durante o preparo do barro, da modelagem e
da queima. Esses saberes são muitas vezes sutis e subjetivos e nesses processos de
transmissão de conhecimento a figura do mestre é considerada um ponto de
referência para o artesanato, pois é quem domina grande parte dos saberes.
O mestre reúne em sua memória um conjunto de técnicas e
informações que o permite elaborar manualmente determinado
produto. Esse saber não se encontra registrado em suportes mais
sofisticados do que a memória física do mestre ou o próprio resultado
final – saber materializado (COSTA, 2012).
O mestre é responsável tanto por guardar parte do repertório imaterial e da
memória coletiva de sua comunidade, quanto por transformá-la em conteúdo material
e, mais importante, ajudar a transmitir tal conhecimento às novas gerações da
comunidade, numa relação de mestre para aprendiz, pela qual a transmissão do
conhecimento é feita através do convívio cotidiano e mútuo. O Decreto Nº 9.101 de
19 de maio de 2004, do Governo da Bahia, passou a considerar a figura do mestre
artesão como alguém com a importância de um Tesouro Vivo, a pessoa natural com
notório saber, possuidora dos conhecimentos, das destrezas ou das técnicas
necessárias para a produção e preservação da cultura tradicional popular de uma
comunidade (BAHIA, 2003).
Portanto,
o
artesanato
revela-se
como
uma
atividade
não
somente
representativa de uma cultura, mas também como um manancial e referencial para as
futuras gerações dos habitantes de uma comunidade tradicional. Essa reflexão é
ratificada por Antunes (1999) que comentou sobre a importância do artesanato,
considerando-o como uma representação das “artes e ofícios tradicionais que
constituem uma forma de reprodução de um ou vários modos de saber, com reflexos
em modelos diferenciados de ensino e de aprendizagem” cujos conteúdos são
diretamente ligados aos valores, ao histórico e aos conhecimentos. Esses conteúdos,
por sua vez, se remetem à construção e articulação da identidade étnica de um grupo
social local (NEVES, 2011), por estarem relacionado com o trabalho de indivíduos com
grande grau de parentesco, que se auto identificam e são identificados como um
grupo diferente dos demais, e que interagem entre si compartilhando seus valores
culturais e sociais, conforme explicaram Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 189190).
Por outro lado, o artesanato se apresenta como uma atividade importante,
principalmente para comunidades com poucos recursos econômicos, tais como as
comunidades tradicionais locais. Canclini (1983, Apud ALBUQUERQUE e MENESES,
26
2006) afirma que, “devido ao empobrecimento e ao caráter estacionário da produção
agrícola,
o
artesanato
aparece
como
um
recurso
complementar
apropriado,
convertendo-se, em alguns povoados, na principal fonte de rendimentos”. Esse fato
tem sido visto como uma oportunidade para a promoção do artesanato como
alternativa de sustentabilidade econômica nos tempos contemporâneos, tendo como
exemplo o valor dado pelas atividades turísticas ao artesanato de culturas locais. Ricci
e Sant’ana (2009) afirmam que a procura por produtos artesanais em atividades
turísticas vem crescendo em todo Brasil e que um dos destinos de uso são hotéis e
pousadas, que os utilizam como elementos diferenciais de decoração.
Nessas circunstâncias, entende-se que há uma tendência para a valorização da
cultura das pequenas comunidades tradicionais rurais, representada através do
artesanato,
abrindo
a
possibilidade
de
usá-lo
como
meio
de
aumentar
as
oportunidades de atingir uma melhor condição sócio-economica sustentável.
2.1.6. Produção artesanal e mercado
De acordo Kotler e Keller (2008, p.7) o conceito de mercado consumidor pode ser
definido por um ambiente de compra, troca e venda de informações, bens e serviços,
onde pessoas, empresas e organizações têm um potencial poder de consumo e por
isso compartilham relacionamentos que relevam necessidades e desejos, além de
atividades comerciais. Por outro lado, Canclini (1983, p. 94) explica que o artesanato
tem como objetivo primário a “auto-subsistência e o intercâmbio com povoados
próximos” relacionados e identificados com a economia e cultura da região,
determinando assim, mercados locais.
Os mercados locais, segundo Canclini (1983) “são pontos chaves para a
articulação
da
economia
camponesa
com
o
sistema
capitalista
nacional
e
internacional”. Essa articulação, que extrapola as fronteiras das comunidades locais e
dos seus povoados vizinhos, alcança então o contexto urbano: as grandes cidades e
regiões metropolitanas, onde novas oportunidades são oferecidas, assim como
também são revelados uma complexa mistura de desafios e dificuldades ao artesanato
de comunidades tradicionais que ali procuram se estabelecer.
Estudando a relação entre produção artesanal e mercado, Canclini (1983, p. 99)
aponta transformações, dela decorrentes, em alguns âmbitos:
27
•
Da
produção:
verifica-se
a
evolução
da
autosubsistência
para
o
atendimento às demandas externas. O Autor indica que podem ocorrer
modificações no processo de trabalho, nos materiais, no desenho e no
volume de peças, na busca de sua adequação ao consumo externo. Além
disso, verificam-se também alterações nas relações e nas técnicas de
produção:
assalariamento
e
substituição
de
técnicas
manuais
por
mecânicas. Apesar dessas mudanças, Canclini (1983. p. 99) aponta a
preservação dos “signos formais do artesanato original”, ou seja, a
manutenção dos significados e características identitários.
•
Da circulação: o destino das peças produzidas deixa de ser decidido no
campo da produção e passa a ser controlado pela circulação, isto é, pelos
que intermediam a distribuição – atravessadores – podendo gerar
“dependência do capital comercial [...] e a decadência dos mercados
locais” (CLANCLINI, 1983, p. 101).
•
Do consumo: que se expande em decorrência da demanda motivada pela
“avidez turística pelo pitoresco, pelo nacionalismo mais simbólico do que
afetivo e
pela necessidade
de se renovar, oferecendo
variação
e
rusticidade dentro da padronização industrial” (CLANCLINI, 1983, p. 100).
No que se refere ao mercado, Canclini (1983, p. 101-102) ainda indica que
podem ocorrer quatro tipos de consumo de uma produção artesanal:
•
O prático: relativo a produtos voltados para a vida cotidiana, tais como
roupas e utensílios domésticos;
•
O
cerimonial:
voltado
para
atividades
religiosas,
a
exemplo
de
indumentárias rituais e cenas sacras;
•
O suntuário: relativo à distinção social, tal como jóias;
•
O decorativo: relativo à ornamentação de interiores, a exemplo de
adornos e móveis.
As quatro categorias indicadas acima podem ser agrupadas e combinadas
livremente, a depender da situação concreta que se apresente. A questão relevante
refere-se, então, às possibilidades de aproximação entre a produção artesanal e o
mercado, combinando necessidades dos produtores e os interesses dos consumidores,
preservando-se, todavia, as características identitárias que distinguem as diferentes
origens dessa produção.
28
2.1.7. O artesanato de retalhos de tecidos
O artesanato de retalhos de tecidos pode ser associado ao termo inglês
Patchwork, que deriva da expressão Patch (retalho) ou Pieced (pedaço), que significa
a costura de pedaços de tecido para formar mosaicos de desenhos variados,
geralmente usando formas geométricas básicas como o quadrado, o retângulo ou o
triângulo. Santos o define como:
Um trabalho construído a partir da emenda de retalhos costurados de
modo a formar desenhos, compondo a parte de cima de uma peça. Os
mosaicos de patchwork são montados com pedaços de tecidos de
algodão em cores e estampas variadas, que, combinadas, possibilitam
a visualização das mais diversas figuras geométricas (quadrados,
retângulos, triângulos, etc.) em sua composição (SANTOS, 2011).
Segundo Page (1999), há vários registros de peças de retalhos de tecido na
cultura de povos antigos. Como exemplo, têm-se algumas peças egípcias que datam
do ano 980 A.C., e existem outras evidências de peças similares que podem ser ainda
mais antigas, datando de 3400 A.C.
Leiris e Delange (1967, p. 161) mostram o uso de túnicas acolchoadas previstas
para a proteção do cavaleiro e sua montaria “feitas de triângulos de cores diversas,
costurados entre si” por cavaleiros de sultanias Djermas, que se estendiam entre o
curso médio do rio Niger e o extremo leste dos Camarões, observados nos primeiros
contatos comerciais entre europeus e africanos (Séc. XVI e Séc. XVII).
Já na Europa, vários tipos de produtos têxteis feitos com essa técnica são
registrados desde a Idade Média até os dias atuais. Exemplificam os acolchoamentos
usados como proteção sob as armaduras metálicas usados pelos guerreiros cruzados e
as peças usadas no Séc. XIV como agasalhos e cobertores durantes invernos
rigorosos. Nos países do sul da Europa, tais como Portugal, Espanha e Itália, o uso de
produtos têxteis feitos de retalhos estava mais associado a questões decorativas
(PAGE, 1999). Enfim, a técnica acabou sendo comum em toda a Europa.
A
introdução
da
técnica
dos
retalhos
no
Novo
Mundo
teria
sido
da
responsabilidade dos colonizadores e imigrantes europeus, segundo Page (1999). Por
sua vez o contato desse artesanato com os saberes trazidos da África por mulheres
escravizadas, resultaria na anexação de suas concepções plásticas àquele trabalho,
predominando assim o uso de cores fortes e contrastantes e a elaboração de padrões
simétricos que remeteriam a padronagens de tecidos africanos (BRENEMAN, 2012).
29
As referências anteriores indicam, histórica e culturalmente, a presença do
artesanato de retalhos em diversas partes do mundo. Embora a técnica de reunir
pedaços de retalhos para compor um produto têxtil seja similar entre suas diferentes
origens, seu caráter diferencial se expressa na plástica, nas inserções ou mesmo nas
peculiaridades que cada cultura imprime às diversas peças, constituindo-se assim em
elementos identitários de seus produtores.
A Figura 04 mostra exemplos de produtos artesanais baseados em retalhos de
tecido em diversas culturas: em 1, roupas tradicionais das tribos Seminole, da
América do Norte, em que, segundo Blackard e Patsy (2013), cada padronagem se
reporta a fenômenos da natureza ou passagens do cotidiano da tribo, tal como a
chuva, os pássaros ou os raios; no exemplo 2, padronagens da tribo Djerma, usados
para vários fins, incluindo os trajes dos guerreiros e seu cavalo; finalmente o exemplo
3
mostra
a
aplicação
do
conceito
de
produtos
em
retalhos
no
artesanato
contemporâneo brasileiro, neste caso uma bolsa de uso urbano.
FIGURA 04
Exemplos de artesanato de retalhos
1
2
3
1- Padronagem da tribo indígena Seminole, da América do Norte
2- Padronagem e aplicação nas vestimentas dos guerreiros africanos Djerma
3- Bolsa de retalhos desenvolvida por artesãs brasileiras
Fonte: Imagens desenvolvidas e retocadas pelo autor a partir de:
USA (2013), Garner (2010), villartedesign (2012), Leiris e Delange (1967), Ananse Village (2013)
No caso do Brasil, o artesanato de retalhos, na sua concepção básica conforme
anteriormente descrita, é encontrado em todas as regiões e desenvolvido em
diferentes expressões culturais comunitárias, tanto rurais quanto urbanas. O que
diferencia suas peças é o destino funcional, a concepção plástica e, sobretudo, o
sentido e o significado emprestados ao produto por seus artesãos e consumidores. O
Programa do Artesanato Brasileiro (BRASIL, 2012) considera como categorias de
30
produção do artesanato no país a carpintaria, a cartonagem, a cerâmica, a cestaria, a
cinzelagem, a confecção de bonecos e brinquedos, a culinária típica a costura, dentre
outros.
O artesanato de retalhos de tecido faz parte da classificação mais geral do
artesanato de costura que, segundo Brasil (2012), abrange o Pacthwork (artesanato
de retalhos propriamente dito), o fuxico, a customização e o crochê como algumas
das técnicas associadas à costura. As atividades de artesanato, tais como a do
artesanato de retalhos de tecidos, previstas no Programa do Artesanato Brasileiro
estão associadas a uma política que tem como foco a produção sustentável voltada
para a promoção da inclusão social e geração de trabalho e renda para comunidades
regionais (BRASIL, 2012, p.5).
O artesanato, como parte representativa de uma cultura tradicional, expressa
uma forma de compreensão da realidade por parte daqueles que o produzem
tornando-se, portanto, caminho para o entendimento do repertório cultural do
contexto onde se insere.
2.2 ABORDAGENS SOBRE O RECÔNCAVO DA BAHIA E SUA PRODUÇÃO
ARTESANAL
2.2.1. Caracterização geográfica
O Recôncavo da Bahia constitui a faixa em semicírculo em torno da baia de Todos
os Santos, alcançando 50 à 60 km de largura, que se limita no litoral entre a foz dos
rios Sauípe, ao norte, Jequiriçá, ao sul, e o Rio da Dona, ao sudoeste. Trata-se de
uma designação geográfica – contorno da Baía de Todos os Santos e, portanto,
Recôncavo da Bahia – e também cultural, por designar um conjunto de práticas de
produção, relações de trabalho, relações sociais e patrimônio etnocultural, que
identificam seu povo e sua história (BRANDÃO, 2007a, p. 24).
Ao longo dos seus quase 500 anos de história, a região, povoada por europeus
que dizimaram populações indígenas locais e que, posteriormente, introduziram povos
africanos escravizados, transitou de uma composição tradicional representada pelos
municípios de Abrantes, Cachoeira, Jaguaripe, Maragojipe, Salvador, São Francisco do
Conde, Santo Amaro da Purificação, para a atual configuração que compõe o Território
de Identidade nº 21, de acordo com o que estabelece o Decreto nº 12354 de agosto
de 2010 (BAHIA, 2010), sendo composto por 20 municípios segundo indica o mapa
apresentado na Figura 05.
31
FIGURA 05
Mapa do Recôncavo da Bahia
FONTE: Construção própria a partir de Bahia (2010, p. 18)
A diversidade é a característica marcante da região, tanto no que concerne a sua
geografia quanto no que se refere à atividades econômicas, relacionadas à diversidade
ambiental e ao aproveitamento de recursos naturais distribuídas entre a agroindústria
do açúcar e do fumo; da produção de alimentos; de materiais de construção e
produtos de olaria, aproveitando a presença de caieiras e solos argilosos; da extração
da lenha, do coco e produção do artesanato de rendas bordados e utilidades de uso
cotidiano (COSTA PINTO, 1997). Por outro lado, a diversidade cultural se apresenta
em diversas expressões, tais como a arquitetura urbana e a religiosa; o patrimônio
imaterial marcado pela religiosidade, músicas e danças de caráter afrobrasileira e
pelas formas de comunicação oral que caracterizam os diferentes territórios onde
acontecem.
2.2.2. Contexto sócioeconômico
Ao longo da sua história, a economia do Recôncavo da Bahia caracterizou-se pela
produção agromercantil voltada para a exportação e por sua posição subsidiária à
cidade do Salvador, resultando na permanência de uma feição eminentemente rural,
apesar da existência de vilas, distritos e cidades ali registradas. Pedrão (2007, p. 10)
32
aponta que as relações escravistas de produção acompanharam grande parte da
história regional e mesmo após a abolição influenciaram na permanência de regimes
de trabalho baseados em relações pré-capitalistas e uso do solo. A abolição dos
escravos, o abandono por grande parte desses trabalhadores das propriedades rurais
e a dificuldade da classe proprietária de estabelecer o trabalho assalariado levou o
distanciamento de seus centros urbanos dos processos de avanço econômico e
consequentemente resultando em dificuldades para a sua população.
A situação de marasmo da economia regional perdurou até a metade do Séc. XX
quando a descoberta do petróleo na área suburbana de Salvador em 1939 levou a
posterior instalação das atividades de exploração e refino de petróleo, sob a direção
da Petrobrás em 1953, o que dinamizou a economia do estado no setor petrolífero.
Brandão (2007b, p. 25) aponta os defeitos diretos dessas mudanças na região do
Recôncavo, expressos na disputa pelo controle de mão de obra qualificada entre a
companhia de petróleo e as usinas de açúcar; o clima de insegurança que se espalhou
entre os proprietários locais, em vista da imprecisão quanto às formas de
desapropriação de terras; a repentina alteração da demografia das localidades
atingidas com a chegada de imigrantes regionais e de outros estados, a concentração
nas áreas de exploração e a marginalização daquelas que não participavam.
Entre 1960 e 1979, Salvador, respectiva região metropolitana e algumas áreas
do Recôncavo receberam a instalação de empreendimentos industriais representados
pelo CIA (Centro Industrial de Aratu), pela USIBA (Usina Siderúrgica da Bahia) e pelo
Pólo Petroquímico de Camaçari. Apesar dessa onda de industrialização, o Recôncavo
da Bahia não se beneficiou como um todo com as mudanças introduzidas. Seus
territórios tradicionais alcançaram poucas melhorias, não superando os elementos
responsáveis pela desigualdade, pobreza, violência e falta de perspectivas na
expansão do mercado de trabalho. Analisando essa situação, Brandão afirma que:
[...] atingindo profundamente a estrutura social das áreas impactadas,
atraiu migrantes de outras regiões, elevou o custo de vida e contribuiu
para desorganizar e reduzir o padrão de vida dos mais pobres. As
cidades históricas de São Félix, Maragojipe, Santo Amaro, Cachoeira,
Jaguaripe, bem como o circuito de casarões e templos rurais,
continuaram a morrer (BRANDÃO, 2007a, p. 55).
Todavia um dos efeitos mais visíveis e recentes do distanciamento entre as áreas
tradicionais e aquelas ligadas às atividades de industrialização na região pode ser
visto nas mudanças ocorridas na rede de transportes. No passado as comunicações
entre o litoral e o interior do Recôncavo tinham nos rios Paraguaçu, Jaguaripe e seus
afluentes suas principais rotas para o transporte de pessoas e mercadorias, enquanto
33
que as localidades do litoral eram servidas e interligadas por barcos e saveiros. Zorzo
(2007, p. 90) mostra como a posterior introdução das estradas de ferro na região não
alterou a importância econômica da Baía de Todos os Santos, agregando maior valor
ao sistema de transporte com a atuação dos portos de Nazaré e São Roque. Mas a
ampliação da malha rodoviária implantada no Estado entre as décadas de 1950 e
1970 impactou a posição do Recôncavo no contexto estadual. A ligação entre Salvador
e a BR 116 através de Feira de Santana; a abertura da BR 101 e a duplicação da BR
324 foram eventos que modificaram a direção das atividades econômicas de Salvador
e cidades vizinhas, que passaram a se relacionar com o resto do país por meio das
novas rotas terrestres, invertendo o sentido antes direcionado para a Baía de Todos
os Santos e seu Recôncavo.
Foi a questão da criação de um novo porto para a Bahia e um distrito
industrial que abriu a discussão sobre a relação Capital / Recôncavo,
levando a uma nova concepção da região de Salvador e eliminando a
importância da Baía de Todos os Santos (BRANDÃO, 2007b, p. 26)
Com essa análise Brandão relaciona os fatores econômicos vistos até aqui e sua
articulação com a decadência da região que hoje compõe o Território de Identidade nº
21: Recôncavo da Bahia.
Brandão (2007a, p. 56) aponta ainda os impasses que se apresentam na
atualidade para a dinamização da economia local e sua inevitável influência na vida de
sua população: “a descoberta da região como destino turístico, com todas as
implicações sobre a cultura, a vida social e o mercado imobiliário”, bem como a
manutenção dos impactos produzidos pela Petrobrás e a implantação de novos
complexos de estaleiros são questões que explicam a situação complexa vivida hoje
pela região.
2.2.3. Artesanato e política cultural no Recôncavo atual
O Território de Identidade do Recôncavo apresenta uma das maiores expressões
da diversidade cultural observadas no Estado da Bahia. Esse fato, já estudado por
Costa Pinto (1997), torna-se expressivo quando se focaliza especificamente a
produção artesanal local. Para a abordagem dessa questão neste estudo foram
selecionados 10 municípios desta região, listados no quadro H, segundo critérios
essencialmente geográficos e espaciais:
•
Ser banhado pela Baía de Todos os Santos
•
Ser cortados pelos rios Paraguaçu, Jaguaripe e Subaé
34
Nos municípios selecionados, foram mapeados os registros mais expressivos do
artesanato local segundo dados do 1º Censo Cultural da Bahia (BAHIA, 2006). O
Quadro 02 resume os artesanatos levantados por município.
QUADRO 02
Tipos de artesanato em municípios do Recôncavo
Bambu / coco /
Dendê
Bonecas
Vidro / Pedra
-
-
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
-
-
-
-
-
-
3
-
-
3
-
-
-
-
3
-
3
-
3
3
-
-
-
3
3
3
3
3
3
3
-
-
-
-
-
3
3
-
-
3
-
3
3
3
3
-
-
TOTAL
Rendas
-
-
Saubara
Madeira
-
-
São
Francisco
do Conde
Flores
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
São Félix
Crochê / Tricô
St. Antonio
de Jesus
Couro
St. Amaro
Cestaria /
Trançados
3
3
3
Nazaré
Cerâmica
3
Muniz
Ferreira
Bordado
3
3
3
3
3
3
3
3
3
Muritiba
Aproveitamento
de retalhos
Maragojipe
TIPO DE
ARTESANATO
Cachoeira
MUNICÍPIO
3
3
-
-
6
3
3
3
-
7
-
6
3
6
-
-
6
3
3
3
3
3
3
3
3
3
8
-
8
3
3
3
3
4
9
3
5
6
3
Legenda:
Existente
- Inexistente
Fonte: Desenvolvido pelo autor a partir de Bahia (2006)
Neste quadro 02, a coluna que totaliza a ocorrência dos registros demonstra que o
aproveitamento de retalhos não é uma atividade predominante, mas está presente
nos municípios mais antigos como Cachoeira, Santo Amaro, Santo Antonio de Jesus e
Maragojipe. Os dados do Censo, entretanto, não permitem identificar nem caracterizar
as condições de produção nem os tipos de produtos, sendo que, no caso de
Maragojipe, as referências indicam apenas o centro da cidade sede do município, sem
esclarecer se se trata de local de venda ou de produção.
Sendo o artesanato um componente do patrimônio cultural da Bahia, tanto no
aspecto imaterial por concentrar e expressar valores e tradições locais, quanto no
aspecto material, por produzir peças de variadas utilidades, ornamentação ou para
lazer, o mesmo se torna também objeto de programas e projetos orientados por
setores oficiais. A Secretaria da Cultura do Estado da Bahia atua nesse sentido através
do Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, cuja missão pode ser identificada nos
artigos 11 e 12 do seu regimento publicado em 2012. O artigo 11, referente ao núcleo
de acervo artesanal, “promove, acompanha e avalia as atividades de preservação da
35
memória do artesanato baiano” (BAHIA, 2012), tendo, entre suas tarefas, a
manuitenção do “acervo representativo do artesanato baiano” (Op. Cit.). Já o artigo
12, relativo à Gerência de Fomento ao Artesanato “tem por finalidade promover,
acompanhar, executar e avaliar ações de fomento e apoio aos artesãos” (BAHIA,
2012). O Instituto Mauá promove regularmente mostras, feiras e exposição da
produção artesanal do Estado, a exemplo da realizada em 2011, que reuniu
exemplares da peculiar cerâmica utilitária do distrito maragojipense de Coqueiros, de
influencia nitidamente indígena (BAHIA, 2011a), conforme já visto anteriormente.
A política cultural do Estado ainda desenvolve parcerias com instituições privadas
para fins de desenvolvimento de projetos de organização e produção artesanal, como
pode ser visto na temática Design útil em negócios de artesanato, desenvolvida na V
Rodada de Negócios de Artesanato, promovida pelo SEBRAE, em parceria com o
Instituto Mauá e a Secretaria de Turismo do Estado da Bahia em 2012 (FRANCO,
2012). Destacou-se, naquela ocasião, o objetivo de “sensibilizar parceiros do SEBRAE,
arquitetos, decoradores, designers e artesãos da Bahia para o uso do artesanato de
elevado valor agregado, nos projetos de decoração e interiores” (FRANCO, 2012).
Outro exemplo é o do programa do Instituto Votoratim, o Fomento a Cadeias
Produtivas (INSTITUTO VOTORANTIM, 2012) que, entre 2006 e 2011, promoveu nos
municípios de Cahoeira, São Félix, Maragojipe e Governador Mangabeira o Programa
de Desenvolvimento de Negócios Sustentáveis: mel, pescados, turismo e artesanato
no Recôncavo Baiano / Bahia, divulgando, entre seus resultados a organização de
artesãos de diversas atividades com “capacidade técnica e de criação” para viabilizar
canais de venda no Instituto Mauá e no comércio da cidade de Salvador.
A atuação de empresas privadas em projetos sócioeconômicos de ação impactante
em regiões previamente selecionadas resulta de políticas oficiais de incentivo à
instalação dessas empresas, que se beneficiam de isenções fiscais e privilégios de
mercado e, por sua vez, como contrapartida, desenvolvem projetos sociais tais como
o de desenvolvimento de atividades artesanais. Os critérios para a escolha das
categorias de trabalho a serem apoiadas não ficam muito claros para o público em
geral. No projeto da Votorantim, por exemplo, não foi incluído o artesanato de
aproveitamento de retalhos, muito embora essa produção ter sido registrada no
Censo Cultural da Bahia de 2006 e estar presente em três dos quatro municípios que
participaram do projeto: Cachoeira, São Félix e Maragojipe, conforme explicitado no
Quadro 02.
36
A prática irregular e seletiva dos projetos de incentivo à produção cultural do
Estado da Bahia foi abordada por Lima (2011), que aponta o distanciamento desses
projetos das áreas do interior do Estado, exemplificando o Censo Cultural de 2006,
como uma realização que “não foi capaz de impulsionar as práticas culturais do
governo para dinamizar os espaços culturais do interior” (LIMA, 2011 p. 13). Ainda a
mesma autora chama a atenção para distorções no entendimento e na prática de
programas culturais do Estado, que não levam em consideração as identidades
culturais da Bahia, o que resultou na concepção de uma identidade única para o
Estado (LIMA, 2011)
Nessa mesma linha crítica se coloca Santos (2010) que informa sobre a redução do
número de artesãs no Recôncavo a partir de dados coletados no Instituto Mauá de
Cachoeira e na Casa da Cultura Américo Simas, de São Félix. Nesses municípios
menos de 0,5% da população realizam atividades de artesanato, revelando uma
contradição entre as informações oficiais e a realidade constatada. Repetindo o
depoimento de artesãs locais, Santos (2010) denuncia que “o artesanato não é
valorizado pelos moradores, que fazem este trabalho mais pelo prazer que ele
proporciona e para manter viva essa tradição [...] a baixa procura pelos objetos
artesanais tem contribuído para que as pessoas se interessem cada vez menos pelo
ofício”.
A questão da organização do mercado constitui-se também em um fator de
dificuldade para os artesãos do Recôncavo, fato reconhecido pela Secretaria Estadual
do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte que, ao reconhecer a necessidade de garantia
de espaços específicos para a comercialização de peças do artesanato baiano (BAHIA,
2011b), levou o apoio à iniciativa do Instituto Mauá em criar o selo A Bahia feita à
mão.
Como visto, o estado da produção artesanal no Recôncavo da Bahia, de forma
geral, e do artesanato de aproveitamento de retalhos, em particular, apresenta-se
pouco promissor para os produtores que se encontram à margem de programas
oficiais orientados pelo Instituto Mauá ou mesmo programas de parceria deste
Instituto com empresas da iniciativa privada. A articulação entre a produção artesanal
e comunidades quilombolas na região aqui estudada representa um esforço para a
compreensão dos problemas que envolvem essa produção.
37
2.3. ABORDAGENS SOBRE COMUNIDADES QUILOMBOLAS
O termo quilombo, e a denominação do seu habitante, o quilombola, têm origem
africana. Segundo Freitas (1980, p 32), quilombo é adaptação aportuguesada do
termo Kilombu, proveniente da língua quimbundo, falada em uma das regiões de
Angola e pertencente ao grupo linguístico banto. Significa arraial, acampamento,
povoação, cidade ou ainda grupos armados que apoiavam traficantes de escravos. No
Brasil, segundo Castro (2001, p. 324), o termo quilombo passou a significar um
agrupamento de escravos fugidos e após a abolição, os grupamentos de ex-escravos
em terras doadas, herdadas ou simplesmente ocupadas por suas famílias.
Esses agrupamentos de escravos fugidos eram um fenômeno comum em todo
Novo Mundo e, de acordo com Carvalho (1996), recebiam nomes diferentes em várias
regiões da América: mocambo ou quilombo no Brasil; palenques, na Colômbia e em
Cuba; cumbes, na Venezuela e marrons, no Haiti. No Brasil, tais comunidades
surgiram espalhadas e fragmentadas em inúmeras regiões do país, não alcançando,
por isso, uma coletividade. Durante o processo da escravidão, tais comunidades
sobreviveram como foco de resistência às perseguições da classe senhorial, que
buscavam recuperar os escravos fugidos.
Os quilombos foram, então, como vilas de escravos fugidos. Muitas delas
estavam distantes e fora do alcance dos antigos donos, mas outras existiam
instaladas nos arredores dos engenhos e fazendas, em lugares conhecidos dos
senhores de engenhos e demais autoridades. Nessas vilas se refugiavam, além dos
escravos fugidos, também escravos libertos, indígenas e brancos fugitivos da justiça
da época (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006, p. 120). Porém a idéia de que os
quilombos eram vilarejos autosuficientes, autônomos, isolados e defendidos está
associada ao quilombo de Palmares, localizado onde hoje é o território do estado de
Alagoas.
Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 120), o quilombo de Palmares
pode ser considerado como modelo para o conceito atual de quilombo. Palmares
estava em uma localização distante, em terreno acidentado, cercado de mata fechada
e de difícil acesso, tanto para os seus agressores quanto para seus moradores. Por
outro lado, a terra era fértil, a mata permitia a caça e a pesca. Seus moradores se
defendiam aplicando táticas de guerrilha, o que foi eficaz durante muitas investidas
das tropas de bandeirantes, antes da sua queda em 1695, depois de 65 anos de lutas,
o que não foi o suficiente para acabar com os quilombos. Estes se multiplicaram.
38
Depois da abolição, tais comunidades foram abandonadas à própria sorte, e
esquecidas pelas políticas públicas e pelas correntes políticas, reduzindo-as a
comunidades à margem dos avanços do resto do país. Segundo Carvalho (1996) a
falta de uma política que atendesse às necessidades dessas comunidades e a
insegurança quanto à sua propriedade foram um dos principais “fatores que os
levaram
a
uma
busca
da
territorialidade,
não
somente
para
garantir
seu
assentamento, mas também como suporte das suas identidades”. Além disso, a busca
pela sobrevivência levou as comunidades quilombolas a adotarem comportamentos de
isolamento e invisibilidade social, permanecendo em estado de resistência desde sua
formação até os dias de hoje. Isso acarretou a preservação dos conhecimentos,
sabres, práticas, enfim, da cultura dos seus ancestrais, os quilombolas. “Essas
comunidades sempre fizeram as coisas do mesmo modo que faziam seus ancestrais,
há dois séculos atrás” (CARVALHO, 1996).
Atualmente o conceito de quilombo está modificado. O termo quilombo é
aplicado com mais propriedade ao contexto histórico da escravidão, quando essas
comunidades eram formadas por escravos fugidos ou ex-escravos. Para o pósabolição e para a contemporaneidade, as designações mais apropriadas são
Comunidades Remanescentes de Quilombos ou Comunidades Quilombolas, relativas
às comunidades que foram e são formadas pelos descendentes dos escravos,
assentadas em terras herdadas, doadas ou, eventualmente, ocupadas por eles. A
abordagem do conceito de Comunidades Quilombolas aparece na literatura com
pequena variação de conteúdo, fato que se observa nas referências que se seguem:
•
Comunidades rurais habitadas por descendentes de escravos que
mantêm laços de parentesco e vivem em sua maioria, de cultura de
subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada secularmente
pelo grupo. Os negros dessas comunidades valorizam as tradições
culturais dos antepassados, religiosas ou não, recriando-as no
presente (MOURA, 1999).
•
Comunidades negras, descendentes de negros escravizados vindos da
África, que vivem em espaços urbanos, periurbanos e rurais do
território brasileiro (DOS ANJOS 1999, p. 87-98).
Essas definições permitem entender que o conceito de Comunidades Quilombolas
não somente se refere a comunidades afrodescendentes, tanto rurais como urbanas,
que preservam o patrimônio cultural dos seus ancestrais como forma de manter a sua
sobrevivência cotidiana e a sua identidade, mas também se referem àquelas que
resistem socialmente e que lutam por essa sobrevivência. O conceito de Comunidades
Remanescentes
de
Quilombos
ou
Quilombolas,
na
maioria
das
referências
pesquisadas, está associado à luta pela sobrevivência e à resistência social de um
39
povo que sofreu grandes opressões históricas, ideia esta que pode ser considerada
como parte constituinte deste conceito. É o que se conclui da citação de Leite (2000):
O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de
resistência dos africanos ao escravismo colonial, reaparece no
Brasil/república com a Frente Negra Brasileira (1930/40) e retorna à
cena política no final dos anos 70, durante a redemocratização do país.
Trata-se, portanto, de uma questão persistente, tendo na atualidade
importante dimensão na luta dos afrodescendentes (LEITE, 2000).
A luta pela legalização da posse da terra é considerada pela literatura como um
dos maiores esforços das comunidades quilombolas no que diz respeito a questões da
sua sobrevivência e da preservação de seu patrimônio étnico-cultural. As terras onde
se localizam tais comunidades, além de serem um fator de coesão entre seus
indivíduos
por
morarem
na
mesma
localidade,
são
principalmente,
um
dos
constituintes da sua identidade e da sua história. Contudo, a posse da terra só foi
garantida por lei a partir da Constituição de 1988, lei nº 7.668, que diz no artigo #68
das Disposições Constitucionais Transitórias–ADCT:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos (BRASIL, 1988).
Para tal, segundo o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 (BRASIL,
2003), “a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será
atestada mediante autodefinição da própria comunidade.” Em seguida, esse mesmo
decreto define as terras a serem ocupadas e suas finalidades: “São terras ocupadas
por remanescentes das comunidades de quilombos as utilizadas para a garantia de
sua reprodução física, social, econômica e cultural” (BRASIL, 2003).
A autodefinição, ou melhor, o autorreconhecimento a que se refere o Decreto nº
4.887, deve ser primeiramente manifestado pela comunidade, através de documentos
e estudos que comprovem a origem quilombola em questão (FUNDAÇÃO CULTURAL
PALMARES, 2010), para, em seguida, ser submetida a uma avaliação científica de
caráter histórico e antropológico, que atestará, segundo este mesmo Decreto, Art 3º
§1º , o direito à terra pretendida.
O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos,
dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto (BRASIL, 2003).
A situação político-jurídica vivida atualmente por grande parte das comunidades
quilombolas na Bahia relaciona-se, diretamente, com as determinações contidas no
Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição
40
Federal de 1988, que, ao estabelecer critérios para o reconhecimento dos direitos
territoriais às comunidades quilombolas, introduziu um conteúdo jurídico para a
compreensão do significado ao termo quilombo nos dias atuais (O’DWYER, 2002,
p.18). Esse significado jurídico, aliado ao político, oriundo das formas de organização
social dos grupos negros, que reivindicam a posse e a estabilidade nas terras que
ocupam, desde tempos recuados, passa a exigir reformulações quanto ao conceito
histórico de quilombo, utilizado pela historiografia tradicional.
Baseado na antiga concepção, elaborada pela sociedade escravista, de que os
agrupamentos de escravos fugidos constituíam quilombos (LARA, 2005, p. 96), o
conceito tradicional já não atende à compreensão atual dessa realidade sociocultural.
Portanto, neste trabalho será utilizado o significado do termo quilombo proposto pela
Associação Brasileira de Antropologia (ABA), segundo a qual “[...] quilombos
consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na
manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de
um território próprio” (O’DWYER, 2002, p.18). Quanto ao significado de Comunidade
Quilombola, será seguido o que estabelece o Art. 2º do Decreto nº 4.887/2003, que
regulamenta o Art. 68 da Constituição Federal, segundo o qual:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os
fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de
autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (BRASIL,
1988).
Apesar da abertura facultada pela Lei Constitucional de 1988, no entanto, há
muitas dificuldades quanto ao primeiro passo para a conquista da terra: a
autodefinição, ou seja, o ato de reconhecer a si próprio como quilombola e que
compete, logicamente, à própria comunidade. Um exemplo dessa dificuldade é
claramente mostrado no documentário denominado Quilombos da Bahia (2004), no
qual várias comunidades quilombolas baianas não se reconhecem como tal, sendo que
alguns dos seus habitantes não conhecem a história de sua ancestralidade. Neste
documentário tem-se como exemplo o relato da Sra. Maria dos Santos, conhecida
como Dona Cecé, moradora da Comunidade Quilombola Bananal, localizado na
Chapada Diamantina, no município de Rio de Contas. Com a idade de 89 anos quando
deu a entrevista, Dona Cecé falou do seu desconhecimento quanto à história de seu
povo quanto à escravidão, a qual ela identifica como lei do cativeiro:
Meu avô nunca contou para nós sobre o cativeiro. Só contava assim,
que o pai dele falava para ele que teve. Agora, ele não sabia contar a
história para gente! Não, meu avô não sabia contar a história para nós.
O pai dele falava com ele: olha, teve uma lei do cativeiro, mas, só
assim! Ele não informou direito para contar pra meu avô, para meu avô
contar para meu pai, e para meu pai contar para nós. Só falou que teve,
mas ele não sabe como. (MARIA DOS SANTOS, em QUILOMBOS DA
BAHIA, 2004)
41
Neste
mesmo
documentário,
outros
moradores
de
outras
comunidades
quilombolas, quando argüidos sobre o significado da palavra quilombo, diziam não
saber do que se tratava e outros ainda confundiam o termo quilombo com a medida
de distância quilometro.
O aparente desconhecimento quanto às origens da história dessas comunidades
pode ser entendido como resultante da perda da memória coletiva face às pressões
vividas
no
sistema
escravista.
Esse
desconhecimento
vem
sendo
superado
crescentemente por ações que, não só preservam a cultura tradicional quilombola,
mas em muitos casos, desperta entre seus indivíduos a consciência de sua identidade.
A consciência de uma identidade que integra os membros do grupo social é de
fundamental importância para que o mesmo possa se enquadrar nos dispositivos
constitucionais anteriormente referidos, que passaram a garantir às comunidades
ditas remanescentes de quilombos ou quilombolas, direitos territoriais presentes na
Constituição Brasileira de 1988 (O’DWYER, 2002, p 13). Nesse sentido, a análise
desenvolvida por O’Dwyer destaca, dentre outras questões, a autoatribuição de uma
identidade básica e mais geral que, no caso das comunidades negras rurais, “costuma
ser determinada por sua origem comum e sua formação no período escravocrata”
(O’DWYER, 2002, p 16).
2.3.1 Distribuição das comunidades quilombolas no Brasil e na Bahia
Poucos são os Estados do Brasil sem registro de existência de comunidades
quilombolas, mas a sua distribuição é bastante heterogênea. As áreas onde
atualmente
há
maior
concentração
dessas
comunidades
foram
pontos
de
desembarque dos africanos e localidades nas quais usaram a mão-de-obra escrava.
Por isso, as regiões Norte e, principalmente, a Nordeste são as regiões onde os
registros de comunidades quilombolas são, atualmente, mais freqüentes.
Segundo Anjos e Cypriano (2006, apud NEIVA et al, 2006) e Oliveira (2010),
existem no Brasil entre 2.549 e 2.842 comunidades quilombolas. Há, entretanto, uma
perspectiva de aumento desse número, pois novas comunidades quilombolas podem
ser confirmadas. A Figura 06 mostra a distribuição dessas comunidades no Brasil,
baseada nos dados apresentados por Neiva et al (2006). Nesta figura verifica-se a
participação da região Nordeste com 61% de registros, tornando-se, então, a região
com participação majoritária, seguida pela região Norte com 15% e Sudeste com
13%, Sul com 6% e Centro-Oeste com 5% dos registros. Segundo a Fundação
Cultural Palmares (2010) e Oliveira (2010), foram certificadas cerca de 1.523 dessas
comunidades, e cerca de 1.318 certidões foram emitidas e publicadas no Diário Oficial
da União.
42
FIGURA 06
Distribuição quantitativa das Comunidades Quilombolas nas regiões do Brasil
Norte
426 CQ
15%
Nordeste
(menos a Bahia)
1265 CQ
44,5%
Bahia
469 CQ
16,5%
Total: 2.549 CQ
Centro-Oeste
142 CQ
5%
Nordeste
Total:
1734 QC
61%
Sudeste
369 CQ
13%
CQ: Comunidades Quilombolas
Sul
171 CQ
6%
Fonte: construção do Autor a partir dos dados de Neiva et al (2006)
Neste cenário, o Estado da Bahia se destaca ocupando o segundo lugar em
ocorrências de comunidades quilombolas no Brasil, com aproximadamente 469
comunidades confirmadas, 16,5% dos registros, colocando-se atrás do Estado do
Maranhão, que possui 743 comunidades (NEIVA et al, 2006). A Figura 07 mostra, na
cor cinza, os municípios baianos onde há registro de comunidades quilombolas.
43
FIGURA 07
Distribuição geográfica das Comunidades Quilombolas na Bahia
ESTADO DA BAHIA
Linhas de
fronteira
municipal
Municípios com
registro de
existência de
Comunidades
Quilombolas
Região com grande
concentração de
Comunidades Quilombolas
RMS: Região Metropolitana
de Salvador, Recôncavo,
Costa do Dendê e
vizinhanças.
Fonte: construção do Autor a partir dos dados de Dos Anjos (1999 e 2005)
Segundo a Figura 07, apesar de uma grande distribuição das comunidades
quilombolas no Estado, destaca-se uma grande concentração nas regiões do
Recôncavo, Costa do Dendê e demais regiões próximas à cidade de Salvador.
QUADRO 03
Comunidades certificadas na Bahia entre 2004 à 2010
ANO DA
NÚMERO DE CERTIFICAÇÕES
CERTIFICAÇÃO
EMITIDAS
2004
23
2005
52
2006
112
2007
22
2008
36
2009
21
2010*
33
TOTAL
299
* Até o mês de agosto
Fonte: Fundação Cultural Palmares (2010)
Como pode ser visto, dessas comunidades, 469 confirmadas, foram certificadas
pelo Governo Federal, a partir de 2004 até o ano de 2010, cerca de 299 comunidades
(FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2010), conforme mostra o Quadro 3, ou seja,
pouco mais da metade das comunidades conhecidas.
44
2.3.2. Caracterização da cultura quilombola
Não há dúvidas de que a cultura afro-brasileira é uma das mais importantes para
a cultura geral do Brasil, visto que esta é uma das suas partes estruturantes,
ratificando ao Brasil a característica de país mestiço ou multiétnico, possuidor de uma
cultura multifacetada. Nesse contexto, a cultura afro-brasileira se apresenta como
ampla e diversa e seu conteúdo se manifesta de várias maneiras, sendo formada a
partir da cultura ancestral africana, mas recebendo conteúdos de outras origens e
modificando outras manifestações culturais brasileiras de origem não africana.
Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 225-252) recortaram na história três
manifestações culturais praticadas ou influenciadas pela população negra: o carnaval,
o candomblé e a capoeira, que exemplifica o quanto profundamente a cultura
ancestral africana, mesmo modificada e generalizada pela mistura das culturas dos
escravos de diversas etnias durante o processo de captura e escravidão, influenciou a
cultura popular brasileira, principalmente nas cidades de Salvador, Recife, Rio de
Janeiro e Belém do Pará. Nessas manifestações revelam-se a persistência de
comportamentos e a inclusão de valores dos escravos, ex-escravos e seus
descendentes, tal como no caso do Entrudo, Figura 08, manifestação precursora do
carnaval moderno, festejado pelos negros e que sobrepujou o modelo carnavalesco
europeu, preferido pelas elites.
FIGURA 08
O entrudo no Rio de Janeiro, 1823
Fonte: Jean-Baptiste Debret (França 1768-1848) - Aquarela sobre papel
Museu da Chácara do Céu - Rio de Janeiro
45
Entretanto, a construção da cultura quilombola rural difere da trajetória da
cultura afro-brasileira no geral. Tal diferença pode ser atribuída tanto pelo isolamento
social dos quilombos, que conservaram muito da cultura ancestral africana, quanto da
mistura dos componentes culturais africanos com componentes culturais índígenas e
europeus, pois muitos indivíduos desses povos viviam nos quilombos ou se
relacionavam intimamente com os quilombolas.
Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 128-130) afirmam que os quilombos além
de abrigar, por várias circunstâncias, indígenas e brancos, também se relacionavam
com tribos indígenas e vilas de colonos brancos vizinhos, principalmente com
interesses comerciais. Juntos, esses povos praticavam também agricultura de
subsistência, trocavam experiências e conhecimentos sobre a vida na mata, plantas
medicinais, formas de cultivo, estratégias de guerra. Além disso, todos esses povos se
relacionavam entre si, gerando descendentes mestiços e formando famílias, provando
que, apesar do isolamento, os quilombos interagiam com o resto da sociedade da
região. Portanto, não se pode atribuir à cultura quilombola uma ancestralidade
puramente africana, sem considerar a participação de elementos culturais indígenas e
brancos.
Ao mesmo tempo, além de ter uma formação multicultural, as comunidades
quilombolas também preservam parte das culturas africanas ancestrais, apesar da
presença significativa de elementos culturais de outros povos. Como exemplo, podese apontar a comunidade quilombola do Cafundó, atualmente localizada no interior do
estado de São Paulo. Os quilombolas do Cafundó, apesar de mostrarem elementos
culturais de influência européia, tal como o culto ao catolicismo e elementos
tradicionais afrodescendentes como a capoeira, preservam, também, um dialeto
africano, a Cupópia, língua ancestral de origem banto da região de Angola (ÁVILA,
2010), “cujo papel social é, sobretudo, de representá-los como africanos no Brasil [...]
utilizada em situações sociais mais ou menos corriqueiras” (VOGT e FRY, 2005).
Exemplos como o de Cafundó não podem ser considerados como regra geral. Na
maioria dos casos vistos na literatura, as comunidades quilombolas apresentam sua
origem africana matizada com tantas outras influências européias e indígenas, visto
que a formação histórica e cultural dessas comunidades, no Brasil, dificultou a livre
preservação de suas expressões culturais. Na condição de escravos, antepassados das
atuais comunidades quilombolas precisavam disfarçar suas práticas originais, ora
revestindo-as de roupagem da cultura dominante, ora negando-as ou escondendo-as.
São exemplos: a capoeira: luta perseguida pelas autoridades policiais, disfarçada em
46
dança e, já no Séc. XX associada às artes marciais; a religião com a diversidade das
divindades originais encoberta pela diversidade presente nos cultos católicos; a língua
com a obrigação de aprendizado da língua portuguesa encobrindo as línguas originais,
malgrado as alterações introduzidas na própria língua portuguesa falada no Brasil.
A convivência sistemática dos africanos escravizados e seus descendentes com a
cultura dominante no Brasil limitou a preservação de suas expressões culturais na sua
diversidade original, ao contrário dos povos indígenas que, tendo a oportunidade do
distanciamento,
preservaram
melhor
suas
características
representativas
e
identitárias. São exemplos as pinturas corporais indicadoras de pertencimento a
determinadas tribos e a Cerâmica Marajoara, reconhecível como de origem dos índios
da Ilha de Marajó.
Comparada com outras manifestações afrodescendentes, o patrimônio cultural
quilombola apresenta algumas peculiaridades na sua construção. Questões de
territorialidade e de fator familiar podem ser consideradas como grandes diferenciais,
pois a cultura se concentra na relação entre a comunidade familiar, baseada em laços
de parentesco, de solidariedade e reciprocidade, e um território definido e por ela
ocupado, não como lotes individuais, mas “predominando o seu uso comum”
(O’DWYER, 2002, p. 18-19). Esse contexto pode ser considerado, então, como um
ambiente propício para a preservação e transmissão dos conhecimentos tradicionais,
originários dos antigos quilombos, e que se manifestam na contemporaneidade.
2.3.3. Exemplos de artesanato produzido por Comunidades Quilombolas
contemporâneas
As comunidades quilombolas rurais geralmente praticam a economia de
subsistência desde os seus primórdios, tais como atividades agropecuárias e o
artesanato. Transmitidas de geração em geração, essas atividades e técnicas rurais
além de serem o principal meio de abastecimento desses povoados, também são uma
alternativa de renda importante. Além disso, essas atividades têm um grande papel
na proteção da identidade quilombola, pois “a preservação dos saberes tradicionais
transformou-se em foco de resistência de uma gente que não quer passar
despercebida e, ao mesmo tempo, busca conservar firmes suas raízes” (BUCHWEITZ
at al, 2009).
Atualmente, o artesanato quilombola recebe o apoio de várias OGNs e de
empresas com atividades voltadas para o desenvolvimento rural, desenvolvimento
47
sustentável e de ações afirmativas para comunidades negras. Para o presente estudo,
foram levantados alguns destes trabalhos, listados a seguir.
•
Santos (2005) descreveu e analisou a atividade artesanal em fibra de
bananeira das Comunidades Quilombolas de Ivaporunduva, de André Lopes e
de Sapatu, localizadas no município de Eldorado, no Vale do Ribeira, São
Paulo. Iniciado em 1997, esse artesanato prioriza a valorização da mulher
quilombola e é baseado no conceito de aproveitamento de resíduos agrícolas
como
matéria-prima
para
a
produção.
Neste
caso,
os
resíduos
da
bananicultura, como alternativa econômica para as comunidades. A Figura 09
mostra alguns exemplos desse artesanato.
FIGURA 09
Artesanato em fibra e palha de bananeira, produzido por
Comunidades Quilombolas do município de El Dourado (SP)
Fonte: Santos (2005)
•
BUCHWEITZ at al (2009) – publicou, através da ONG gaúcha CAPA (Centro de
Apoio ao Pequeno Agricultor), o catálogo Artesanato Quilombola do Sul do Rio
Grande do Sul – Brasil, que divulga produtos do artesanato quilombola
voltados para o Mercado Justo. Nesse catálogo, os produtos são mostrados
através de fotografias seguidas de textos em português, em inglês e em
alemão. A Figura 10 mostra alguns dos produtos desse artesanato.
48
FIGURA 10
Artesanato produzido por Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul
1, 2 e 3 – Cestaria de palha de coqueiro, bambu, taquara, milho e outras palhas
4- Vestimenta de Lã; 5- Tapetes de Fuxico; 6- bolsas e sacolas em garrafas PET descartadas.
1
2
3
4
5
6
Fonte: Buchweitz at al (2009)
•
Quilombos do Ribeira (2010). Website criado pelas comunidades quilombolas
do Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, através do Projeto Capacitação
em Gestão, organizado pela ONG Instituto Socioambiental (ISA), e que reúne
as comunidades quilombolas de Bombas, Cangume, Galvão, Ivaporunduva,
Mandira, Morro Seco, Pedro Cubas, Porto Velho e São Pedro. Nesse trabalho
são divulgados os produtos de artesanato feitos em fibra de bananeira, vistos
na Figura 11. As atividades nessas comunidades são divididas entre homens e
mulheres. Segundo Brum (2009) os homens cultivam banana orgânica e
vegetais para a susbsistência das comunidades. Já as mulheres tecem a fibra
da bananeira para o artesanato voltado para o turismo. O lucro é, então,
investido em educação, tecnologia e outras melhorias, já que os alimentos
são produzidos no local.
49
FIGURA 11
Artesanato em fibra e palha de bananeira produzido pelas
Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SP)
1 e 2 – bolsas; 3- cinto; 4- almofada; 5- jogo americano; 6- descansadores de prato.
1
2
3
4
5
6
Fonte: Quilombos do Ribeira (2010)
•
Zambo (2009) é um website das comunidades quilombolas de Muquém,
composta de remanescentes do Quilombo dos Palmares. Fica localizada aos
pés da Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, no Estado de
Alagoas. Seus habitantes vivem da lavoura de cana de açúcar, agricultura de
subsistência e do artesanato de panelas, potes e outros objetos de cerâmica
comum. Esse artesanato tem sido a principal fonte de renda das famílias que
habitam o povoado. A Figura 12 mostra alguns produtos artesanais dessa
comunidade.
50
FIGURA 12
Artesanato de cerâmica produzido pela Comunidade Quilombola de Muquém (AL)
1 e 2- Produtos acabados; 3- artesão durante o trabalho.
1
2
Fonte: Zambo (2009) e Alagoas (2009)
•
Projeto Manejo dos Territórios Quilombolas. Desenvolvido pela ARQMO
(Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de
Oriximiná)
(2010),
envolve
atividades
sociais
e
econômicas
nessas
comunidades, localizadas no Estado do Pará. Dentre essas atividades estão a
fabricação e comercialização de artesanato feito dos frutos e da casca da
castanha-do-pará, conforme visto na Figura 13. Segundo as Comunidades
Quilombolas no Brasil (2010), desde o século XIX essa comunidade coleta e
comercializa a castanha-do-pará. Além disso, o conhecimento sobre os
castanhais é considerado uma herança preciosa deixada pelos antepassados e
engloba o conhecimento da floresta amazônica, os períodos de coleta, a
preservação dos recursos naturais e o trabalho manual, executado em grande
parte pelas mulheres da comunidade.
FIGURA 13
Artesanato em casca de castanha-do-pará, produzido pelas
Comunidades Quilombolas de Oriximiná (PA)
1- Pote decorativo; 2- Pulseira bio-joia; 3- Porta-lápis rústico
1
2
Fonte: ARQMO (2010)
3
51
Essas
manifestações,
acima
descritas,
são
apenas
algumas
das
muitas
desenvolvidas e já identificadas na literatura pesquisada. Abreu, por exemplo, lista
uma série de atividades tradicionais comuns na maioria dos quilombos da região do
norte do Estado do Espírito Santo e extremo Sul da Bahia:
Uma das características principais dessas comunidades está relacionada
à prática da agricultura familiar, baseada no cultivo de gêneros
alimentícios como mandioca, feijão milho, hortaliças e café; o hábito de
manter pequenas criações de suínos, aves e bovinos para a produção de
carne e a fabricação de requeijão e manteiga; as pequenas indústrias
artesanais, voltadas para a fabricação de beiju, tapioca e outros
derivados da mandioca; a fabricação de rapadura e do melaço de cana
de açúcar; artesanato com a madeira, fabricação de carrancas e
imagens religiosas, casas de estuque, peneiras samburás, quiçambas,
balaios, cestos, esteiras, vassouras, etc.; no extrativismo vegetal
destaca-se a fabricação do dendê, óleos e extratos vegetais utilizados
como antibióticos e outras drogas medicinais. Os produtos eram
vendidos em feiras livres, localizadas nas vilas e cidades (ABREU, 2010).
Esses exemplos mostram que o artesanato produzido por esses quilombolas se
concentra no aproveitamento de materiais disponíveis aos artesãos, sendo de fácil
aquisição e baixo custo, adequados à dura realidade econômica dessas comunidades,
mostrando, também, sua inventividade e riqueza cultural. A argila para a cerâmica e
os materiais vegetais são abundantes e explorados nas cercanias das comunidades.
Alguns desses materiais vegetais são sobras e resíduos agrícolas gerados pela própria
agricultura de subsistência. Outros materiais são resíduos de produtos industrializados
tal como a garrafa PET descartada no pós-uso. Outros ainda usam matérias primas
virgens, tal como a lã, assim como as peças de acabamento em metal.
2.3.4. Elementos comuns identificados no artesanato produzido pelas
Comunidades Quilombolas exemplificadas
A análise dos exemplos de artesanato acima apresentados permitiu identificar
pontos em comum quanto à materialização de componentes dessas comunidades
quilombolas, mostrados no Quadro 04. Esses componentes podem ser usados para
caracterizar, em aspectos básicos, a identidade dessas comunidades tradicionais
contida no seu patrimônio material.
52
QUADRO 04
Características do artesanato produzido pelas Comunidades Quilombolas exemplificadas
Quanto ao material de fabricação
•
Na maioria dos casos, são usados materiais naturais, acessíveis, abundantes, de
custo baixo ou custo zero. São os resultados de coleta extrativista,
aproveitamentos de resíduos agrícolas ou provenientes da economia de
subsistência, tal como plantações e criação de animais.
•
Os materiais industrializados representam pouco, ou, às vezes, nenhum volume
nos produtos e, quando usados, o são como parte da estrutura ou do acabamento
do produto.
•
Esse fato revela o aspecto da condição de subsistência, característica tradicional
oriunda dos antigos quilombos, que transformavam materiais alternativos em
produtos artesanais, tanto para o uso local quanto para a comercialização.
Quanto ao processo produtivo
•
Envolve boa parte da população da comunidade, revelando o trabalho participativo
e comunitário. Em alguns casos, ONGs buscaram organizar tal tarefa, em prol de
uma maior qualidade e produtividade dos produtos.
•
O trabalho comunitário também é outra característica das
quilombolas e tem origem na vida cotidiana dos antigos quilombos.
comunidades
Quanto ao tipo e estilo dos produtos
•
São produtos artesanais rústicos, que dão a impressão de serem rudes e toscos,
mas que refletem tanto a realidade do ambiente no qual a comunidade se localiza,
quanto os conceitos e conhecimentos de produção baseados na economia de
subsistência.
Quanto aos objetivos do artesanato
•
A maioria dos artesãos produz tanto para o consumo próprio como para o
comércio. Revela-se então a importância que o artesanato tem para a economia
das comunidades, que tanto aponta para soluções próprias, para alguns dos seus
problemas, quanto como um fator de aumento da renda da comunidade.
Fonte: produzido pelo Autor
O propósito do Quadro 04 é mostrar algumas características da cultura das
comunidades quilombolas anteriormente citadas, nos pontos comuns do artesanato
analisado. Essa síntese poderá ser comparada posteriormente com a síntese do
artesanato produzido por outras comunidades tradicionais rurais, na busca de uma
confirmação de pontos comuns entre o caso estudado e os casos das demais
comunidades.
Usando os Quadros 01 e 04 e as definições da UNESCO (2003), do Decreto
Presidencial nº 6.040/2007 (BRASIL, 2007), vistos no item 2.4, em O’Dwyer (2002, p.
18-20, 173-174) e Abreu (2010) pode-se listar, no quadro 05, alguns elementos
preservados pelas comunidades quilombolas que as caracterizam como comunidades
de cultura tradicional.
53
QUADRO 05
Componentes culturais preservados pelas Comunidades Quilombolas
que as caracterizam como comunidades de cultura tradicional
Origem em grupos de escravos e/ou ex-escravos que não se dispersaram;
Relação com a cultura afro-brasileira ancestral;
Organização social a partir de um núcleo familiar original, gerando um forte sentimento de
parentesco e coletividade;
Fixação em um determinado local ancestral, gerando um sentimento de territorialidade;
Sentimento de identidade construído através do valor dado às origens, à ancestralidade, à
territorialidade e às relações de parentesco;
Valor dado a conhecimentos tradicionais, apesar de incorporar novos elementos e
características aos primeiros, aumentando e modificando, assim, o patrimônio cultural local
(dinâmica cultural), sem, contudo, perder a identidade original;
Modo de vida rústico, com base no trabalho rural, na vida no campo e principalmente
prevalecendo uma economia de baixa renda baseada na subsistência;
Subsistência e modos de produção baseados em técnicas manuais ou semimanuais,
executados de maneira individual ou coletiva, muitas vezes na forma de mutirões, na qual
sobressaem a agricultura, o extrativismo, a pesca. Uso de materiais naturais, alternativos e
residuais como matéria prima para a prática do artesanato, cujos produtos se destinam para a
própria comunidade e/ou para um pequeno comércio local;
Senso estético baseado tanto em formas geométricas primárias e naturais quanto na seleção
de cores baseada em significados locais, sendo, quase sempre, cores naturais ou associadas à
natureza, à força e a sentimentos de resistência e luta, tais como o azul, o verde, o branco, o
vermelho e o amarelo.
Fonte: Produzido pelo pesquisador, baseado nas características de uma
nos componentes da cultura quilombola identificados nos artesanatos
(Quadro 5), nas definições de cultura e comunidade tradicional da
Presidencial nº 6.040/2007 (BRASIL 2007), em O’Dwyer (2002, p. 18-20,
cultura tradicional (Quadro 1),
contemporâneos apresentados
UNESCO (2003), no Decreto
173-174) e Abreu (2010).
Abreu (2010) confirma algumas características acima e amplia o conceito de
cultura quilombola ao afirmar que o “ato de aquilombar-se, ou seja, de organizar-se
contra qualquer atitude ou sistema opressivo”, passa a ter um significado de luta
contra a discriminação e seus efeitos; que o trabalho em mutirão é uma das
expressões mais marcantes quanto aos valores de solidariedade e como princípio
organizativo; e finalizando, a importância do trabalho familiar, no que se refere tanto
à agricultura de subsistência quanto às outras atividades, como o artesanato, por
exemplo.
O artesanato produzido por comunidades quilombolas pode ser considerado,
portanto, como resultante dos fundamentos que caracterizam essas comunidades,
quais sejam: a territorialidade, os laços de parentesco, o cultivo da ancestralidade e o
aproveitamento de materiais disponíveis.
54
2.4. ABORDAGENS SOBRE DESENVOLVIMENTO LOCAL
2.4.1. Desenvolvimento Sustentável e Desenvolvimento Local
O conceito de Desenvolvimento Sustentável foi inicialmente apresentado como “o
desenvolvimento que procura atender às necessidades do presente sem comprometer
a capacidade das gerações futuras em atender as suas próprias necessidades”,
segundo o Relatório Brundtland (ONU, 1987). De acordo com esse conceito, o
Desenvolvimento Sustentável seria resultante da gestão entre a tecnologia e a
organização social, a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico.
Nesse sentido a erradicação da pobreza tornava-se um dos elementos condicionantes,
vista tanto como uma das principais causas, quanto um dos efeitos dos problemas
ambientais mundiais.
Atualmente o conceito mais atualizado de Desenvolvimento Sustentável decorre
das discussões realizadas em Joanesburgo 2002, que o descreve como aquele que
“procura a melhoria da qualidade de vida de todos os habitantes do mundo sem
aumentar o uso de recursos naturais além da capacidade da Terra” (MIKHAILOVA,
2004). Apesar de a questão do desenvolvimento sustentável estar presente nas
preocupações econômicas, políticas e científicas da última década, observa-se que o
consenso sobre seu conceito ainda está longe de ser atingido, por conta de sua
complexidade, seu caráter multi e interdisciplinar e das variantes regionais/locais
relacionadas à sua aplicabilidade, conforme explica Layrargues (1997).
Por
sua
vez
o
desenvolvimento
local
constitui-se
uma
expressão
do
desenvolvimento sustentável, visto que representa uma oportunidade para que,
levando-se em conta as especificidades das comunidades locais, busquem-se no seu
interior, num processo endógeno, as possibilidades de estabelecer uma relação
equilibrada entre seus componentes: população local, seu repertório cultural, os
conhecimentos sobre o meio ambiente e os desejos de bem-estar definidos pelas
próprias comunidades. Para Buarque:
Desenvolvimento local é um processo endógeno registrado em
pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de
promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da
população. Representa uma singular transformação nas bases
econômicas e na organização social em nível local, resultante da
mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades
e potencialidades específicas (BUARQUE, 1999).
A
relação
entre
desenvolvimento
local
e
desenvolvimento
sustentável
é
sintetizada por Buarque (1999, p. 31-32) como Desenvolvimento Local Sustentável,
cuja compreensão deve levar em conta:
55
•
Elevação da qualidade de vida e equidade social: consideradas como
objetivo final na busca pelo desenvolvimento sustentável;
•
Eficiência e crescimento econômicos: como pré-requisitos fundamentais
para o alcance da elevação da qualidade de vida e da equidade social;
•
Conservação ambiental: considerado como um condicionante a longo prazo
da sustentabilidade.
A partir desta expressão sintetizada por Buarque (1999) é possível compreender
que esta pode ser aplicada a comunidades onde se registrem carências de ordem
social, como habitação e saneamento dentre outras e que disponham no seu
repertorio cultural de práticas capazes de serem usadas como instrumento de
ampliação de sua capacidade econômica.
O desenvolvimento local também se estabelece a partir da preservação de
práticas tradicionais, tais como a produção de alimentos, construção de habitações,
confecção de utensílios; da inclusão de novas práticas aprendidas com o mundo
exterior à comunidade, adaptando-as às tradições locais; da tomada de consciência
ou da ênfase na consciência de que os benefícios adquiridos com a produção local
devem ser compartilhados direta e indiretamente por todos os membros; na busca de
soluções para questões locais na própria realidade local, usando saberes e práticas
contidas na própria localidade, possibilitando “a melhoria da sua qualidade de vida”
(CASTILHO, ARENHARDT e LE BOURLEGAT, 2009).
É conveniente ressaltar, finalmente, que o desenvolvimento local não ocorre
dissociado do contexto mais amplo das realidades externas, levando-se em conta os
fenômenos da globalização e da expansão crescente dos meios de comunicação. Esse
fenômeno gera pressões e influências tanto positivas quanto negativas, levando à
interação entre o local, o global e as aspirações pela ampliação dos benefícios gerados
por “oportunidades econômicas e comerciais” (BUARQUE, 1999).
2.4.2. Relações com a cultura
A
concepção
geral
de
desenvolvimento
sustentável
tem
enfatizado
três
dimensões de abordagem, de acordo com OECD (2000, p. 141): a econômica, a
ambiental e a social. Para Sachs (2002, p. 85 e 86), essa ênfase privilegia
primeiramente uma economia baseada na gestão dos recursos naturais de forma mais
eficiente, equilibrando o uso desses recursos com as reais necessidades produtivas e
de mercado; o uso racional e eficiente dos recursos naturais sem, entretanto,
56
ameaçá-los e, finalmente, a redução das diferenças sociais mediante o combate a
pobreza e a ampliação da qualidade de vida.
De acordo com o entendimento de Castilho, Arenhardt e Le Bourlegat (2009) a
cultura constitui-se fator preponderante para o desenvolvimento sustentável de uma
sociedade. A cultura também é vista por Yúdice (2006, P. 25) como “um recurso para
a melhoria sociopolítica e econômica”, uma esfera crucial para investimentos e fator
catalizador para o desenvolvimento humano (YÚDICE, 2006, P. 30). Considera-se que
cada povo desenvolve mecanismos de relacionamento entre os indivíduos de suas
próprias comunidades e estas com o meio ambiente; desenvolve práticas particulares
de produção de bens tangíveis e intangíveis, fundamentados na participação individual
e/ou coletiva, além de desenvolver conceitos particulares de bem-estar e qualidade de
vida. A cultura é parte do processo propulsor da criatividade, gerador de inovação
econômica e tecnológica. “A diversidade cultural produz distintos modelos de geração
de riqueza que devem ser reconhecidos e valorizados” (BRASIL, 2008).
As concepções de bem-estar, qualidade de vida e satisfação das necessidades da
vida coletiva variam, a depender dos contextos culturais onde acontecem, implicando,
portanto, na necessidade de conhecimento, equilíbrio e articulação entre os
componentes locais e projetos, propostas
ou programas de desenvolvimento
sustentável, que possam alcançar uma comunidade qualquer. Segundo Vecchiatti,
A cultura é tão essencial em grandes metrópoles como em áreas rurais.
Em cada local, diferentes agentes são envolvidos, com tarefas e
formatos variados e, conseqüentemente, resultados distintos. Mas os
processos são sempre muito similares envolvendo, por meio de
parcerias de médio e longo prazos, os agentes públicos, privados e do
terceiro setor (VECCHIATTI, 2004).
A importância ou relevância da compreensão do papel das identidades culturais
se estabelece a partir das expressões advindas dos próprios sujeitos componentes das
sociedades/comunidades, que se declaram desejosos de participar de um esforço mais
geral pela elevação da sua qualidade de vida. Qualquer projeto de desenvolvimento
sustentável que pretenda levar em consideração os aspectos culturais deve levar em
conta, também, os limites estabelecidos pela própria cultura (CASTILHO, ARENHARDT
E LE BOURLEGAT, 2009).
Por outro lado, para Hahn (2010) a sustentabilidade é vista muitas vezes apenas
como uma questão ambiental, distanciada de uma abordagem cultural. A autora
também enfatiza que as soluções científicas e tecnológicas são insuficientes para a
abordagem das questões ligadas à sustentabilidade e que o desafio está exatamente
na inclusão das perspectivas culturais como caminho para o enfrentamento de
57
problemas e questões que são urgentes. Sua análise se amplia ao indicar a
transdiciplinaridade como alternativa para a criação de novos conceitos, métodos e
ferramentas integrativas, permitindo a percepção da importância da diversidade
cultural como elemento de análise. Hahn, então, considera que a cultura torna-se uma
base para a inclusão de propostas de sustentabilidade:
[...] a cultura torna-se importante aqui porque oferece mudanças para
o processo de sustentabilidade. Cultura, nesse sentido, é o sistema
integrado de como os valores e comportamentos sociais são
formulados. (HAHN, 2010, p. 82)
A compreensão da relação entre desenvolvimento sustentável e cultura é
sintetizada por Duxbury e Gillette (2007) como Cultura Sustentável, que se expressa
como “a habilidade de captar a identidade cultural de um povo, permitindo que as
mudanças sejam compatíveis com seus valores culturais”. O alcance dessa cultura
sustentável depende da possibilidade dos habitantes em mostrar seus valores, de
serem resilientes, de satisfazerem as necessidades sociais básicas e de terem
participação e responsabilidades na comunidade. Nessa mesma direção se coloca
Vecchiatti (2004) ao afirmar que na relação entre cultura e desenvolvimento
sustentável leva-se em conta a valorização das identidades individuais e coletivas,
tendo sempre em vista que as características culturais de determinada localidade
podem se constituir como fator de crescimento econômico e social do mesmo. Isso
pode acontecer a partir da ampliação de aspectos específicos de sua produção,
divulgação de componentes de seu patrimônio material e imaterial, bem como a
valorização de sua própria paisagem geográfica.
A cultura como fator de sustentabilidade é uma abordagem que lida com a
criatividade que transita entre o repertório atual e o histórico, que impulsiona uma
sociedade a construir seu futuro. Para Pelegrini (2006), a atitude de proteger o
patrimônio local é importante para a conservação das raízes plurais dos povos e suas
tradições culturais, “uma vez que estas expressam as origens étnicas e implicam a
manutenção de suas identidades”. Assim sendo, pode-se concordar com Vecchiatti
(2004) ao afirmar que:
Pensar a cultura como fator de desenvolvimento significa valorizar
identidades individuais e coletivas, promover a coesão em comunidades
e levar em consideração que as características da cultura podem ser
um fator de crescimento em determinado território (VECCHIATTI,
2004).
A ênfase na participação ativa dos sujeitos componentes de uma determinada
cultura em ações de desenvolvimento sustentável levará a tomada de consciência
quanto à sua capacidade de direcionar e decidir sobre a vida da própria comunidade,
58
explorando suas potencialidades, suas práticas e saberes. A ampliação dos contatos e
comunicações com o contexto externo e as inevitáveis influências decorrentes
poderão ser canalizada, em benefício da satisfação de necessidades locais. Essas
necessidades são modeladas pelas práticas culturais vigentes e assim minimizam os
impactos resultantes daquelas influências, permitindo a manutenção das estruturas da
cultura tradicional, que conferem identidade a cada grupo humano (CASTILHO,
ARENHARDT E LE BOURLEGAT, 2009).
Duxbury e Gillette (2007) ainda chamam a atenção sobre a inevitabilidade da
inclusão da cultura na compreensão dos laços que unem os conteúdos econômicos,
sociais e ambientais dos projetos de desenvolvimento sustentável. A cultura,
considerada como fator diferencial e identitário do ser humano na sua vida em
sociedade, apresenta-se como uma dimensão mais ampla onde se inserem variadas
expressões das suas atividades nos campos econômico, social, político e ambiental, no
que concordam com Sachs, quando este indica a cultura como elemento essencial do
desenvolvimento sustentável: “É cultura todo nosso conhecimento do meio em que
vivemos. A cultura é um mediador entre a sociedade e a natureza” (SACHS 2000). A
Figura 14 representa a relação entre os fatores culturais, sociais, econômicos e
ambientais, conforme exposto por Runnalls (2007).
FIGURA 14
A relação entre as dimensões do desenvolvimento sustentável
Fonte: Runnalls (2007)
59
Neste diagrama, observa-se a imersão das dimensões econômica, social e
ambiental,
numa
abordagem
maior,
regida
pela
dimensão
cultural.
Nesta
interpretação mais recente, está a evidência de que a qualidade de vida e os
elementos constituintes da cultura são condicionantes para a realização dos objetivos
das demais dimensões.
A pluralidade e a diversidade são características consideradas como as mais
relevantes na abordagem cultural, e podem ser entendidas, respectivamente, quanto
à quantidade e quanto à qualidade de culturas diferentes. Quanto maior a pluralidade
e a diversidade, maior é o repertório de conhecimentos disponível para a humanidade.
O fortalecimento dessa característica tem como propósito usar o próprio repertório
cultural local como fonte de criatividade e de soluções técnicas para resolver
problemas locais, como reforça Faria e Garcia (2003), afirmando que “é no interior de
sua diversidade que se encontram soluções para os grandes desafios da humanidade”.
O resgate e a valorização tanto de conhecimentos antigos e/ou esquecidos, assim
como o repertório contido nas diferentes etnias, manifestações, religiões etc. podem
ser úteis para a solução de problemas da própria comunidade que os contém. Nesse
cenário, o uso de conhecimentos populares, tal como o artesanato associado ao
design, pode ser a ponte entre tais conhecimentos e a sustentabilidade de uma
comunidade, construindo sua própria cadeia produtiva.
A
relação
entre
cultura
e
sustentabilidade
começou
a
ser
discutida
definitivamente a partir da Conferência Eco-92, como visto na Agenda 21, mas
assumiu caráter oficial no Brasil com a Emenda Constitucional n. 40, de 2005,
regulamentada pela Lei 12.343 de 2 de dezembro de 2010, que instituiu o Plano
Nacional de Cultura. Essa lei foi antecedida por uma série de estudos cujo resultado
foi a publicação em 2008 da segunda edição das Diretrizes Gerais do Plano Nacional
de Cultura (PNC), que serviu de base para a elaboração do anteprojeto da referida
Lei. Nessa proposta o PNC “avaliza a inserção de produtos, práticas e bens artísticos e
culturais nas dinâmicas econômicas contemporâneas, com vistas à geração de
trabalho, renda e oportunidades de inclusão social” (BRASIL, 2008). As questões
sobre sustentabilidade são principalmente discutidas a partir da visão cultural dos
envolvidos, pois eles definem suas decisões e escolhas a partir das suas visões,
interpretações e comportamentos de cada povo. Quando se referindo à relação da
natureza com a cultura, o Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2008) deixa claro que
60
ambos são indissociáveis, pois integram “identidade, imaginário e manifestações
simbólicas” da cultura humana com a natureza.
Esta lei define princípios e objetivos para a cultura nacional, discrimina os órgãos
responsáveis por sua viabilização e as fontes de financiamento. No que diz respeito à
relação entre cultura e sustentabilidade, o assunto está contido no Anexo à Lei,
intitulado como Plano Nacional de Cultura (BRASIL, 2010), que estabelece no Capítulo
1, Título VIII, a “valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável”.
Alguns tópicos desse Anexo esclarecem a política do Estado brasileiro quanto à
relação entre cultura e sustentabilidade (BRASIL, 2010):
• Instituir programas em conjunto com as organizações e entidades civis
para capacitar os indígenas em sua relação com a economia
contemporânea global, estimulando a reflexão e a decisão autônoma
sobre as opções de exploração sustentável do seu patrimônio, produtos
e atividades culturais;
• Incentivar as inovações tecnológicas da área cultural que compreendam
e dialoguem com os contextos e problemas socioeconômicos locais;
• Incentivar a realização de eventos ligados à moda, design e artesanato,
dos desfiles e exposições dos grandes centros urbanos às festas e feiras
populares, valorizando a implementação de idéias e soluções
inovadoras. Articular as ações dos órgãos culturais com o Programa
Brasileiro de Design do Ministério do Desenvolvimento. (BRASIL, 2010)
Vale ressaltar que algumas dessas diretrizes, muito embora direcionadas a
comunidades específicas, tais como as indígenas, são aplicáveis, entretanto, a
quaisquer comunidades classificadas como tradicionais.
Em síntese, o patrimônio cultural de comunidades tradicionais dispõe, assim, de
repertório de práticas e saberes capazes de serem utilizados para promoção do seu
desenvolvimento.
2.5. ABORDAGENS SOBRE DESIGN
O Design pode ser considerado como uma atividade interdisciplinar voltada para
o projeto e análise de bens de consumo de origem majoritariamente industrial, cuja
finalidade, definida pelo International Council of Societies of Industrial Design, é de
estabelecer as “qualidades multi-facetadas de objetos, processos, serviços e seus
sistemas, em ciclos de vida inteiros” (ICSID, 2012). Tais qualidades levam em
consideração características funcionais, estruturais e estético-formais de produtos
industriais e sistemas de produtos (BONSIEPE, 1984), assim como também insere
requisitos ergonômicos, de usabilidade e de antropometria, além dos requisitos de
marketing. O design não é uma técnica e sim um processo de concepção e
61
planejamento (GOMES, 2000, p 13 à 15). “É uma atividade criativa” (ICSID, 2012)
que busca a “concepção de idéias, projetos ou planos para a solução de um problema
determinado” (LÖBACH 2001, p. 16), uma atividade preocupada com a “geração e
desenvolvimento de idéias eficientes e eficazes por meio de um processo que leva a
novos produtos” (MORRIS, 2010. p. 22), buscando, finalmente, a materialização
dessa idéia.
O termo design tem origem no latim Designare, que pode ser entendido tanto
como designar, projetar, conceber, mas também significa desenhar no sentido do
registro gráfico bidimensional (DENIS, 2000, p. 16), levando ao entendimento
ambíguo das atividades de designação (projeto) de produto e de desenho de produto.
Neste caso, segundo Denis (2000) e Bonsiepe (1983) a atividade oferecida pelo
Designer, profissional de design, é realmente a atividade de criatividade, de projeto e
concepção, atividade esta que faz uso de metodologias específicas geradoras de
conceitos e de inovações que serão aplicadas em bens de consumo, possibilitando a
geração de idéias que traduzem fantasias, sentimentos, desejos e “necessidades em
soluções para vida das pessoas” (STRUNCK, 2000).
Tal atividade abrange amplo espectro de aplicações, entre as quais o projeto de
produtos em geral; serviços; comunicações e peças gráficas; decoração; moda,
vestuário e demais acessórios; web e internet em geral são alguns exemplos. Essa
capacidade de o Design articular idéias e soluções é abordada por Ono, quando afirma
que:
O designer desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de
produtos, através de sua capacidade de sintetizar idéias e soluções,
conjugando os vários requisitos dos objetos e fatores envolvidos, e de
participar interativamente junto às diversas áreas responsáveis pelo
processo (ONO, 2004).
A atuação do design não se esgota, todavia, com a concepção das idéias e com a
geração de soluções, mas permanece presente ao longo de todo o processo de
realização de um produto, fazendo avaliações, ajustes ou redefinições do produto
criado, a depender de necessidades que se apresentem. Ambrose e Harris (2011, p.
28) definem essa presença constante como feedback.
2.5.1. Design, sustentabilidade e cultura
O Eco-Design foi uma das primeiras manifestações de design em prol da
sustentabilidade. É conhecido também como DfE (Design for Envoironment ou Projeto
para o Ambiente) e pode ser considerado como uma “estratégia para projeto de
62
produtos que considera requisitos ambientais em todo ciclo de vida dos produtos”
(MANZINI e VEZZOLI, 2002). Apesar de o Design ser uma atividade em evidência
desde a Revolução Industrial, foi Buckminster Fuller1 que introduziu o conceito de
fazer cada vez mais com cada vez menos em produtos e artefatos, como uma maneira
de prevenir problemas ecológicos (DESIGN MUSEUM, 2012). Na década de 1970
começou um processo de revisão no conceitos de Design no que se refere a sua
importância sobre problemas do mundo real, ou seja, problemas ambientais, sociais e
culturais. Um dos seus pioneiros, Victor Papanek, definiu assim o novo discurso:
[...] A ecologia e o equilíbrio ambiental são os esteios básicos de toda
a vida humana na Terra; não pode haver vida nem cultura humanas
sem ela. O design preocupa-se com o desenvolvimento de produtos,
utensílios, máquinas, artefatos e outros dispositivos, e esta atividade
exerce uma influência profunda e direta sobre a ecologia. A resposta do
design deve ser positiva e unificadora; deve ser a ponte entre as
necessidades humanas, a cultua e a ecologia (PAPANEK, 1998. p 31).
A dimensão ecológica foi, durante a década de 1990 e começo do séc. XXI, o
principal foco do design sustentável. O conceito de eco-design, entretanto, evoluiu
recentemente para abranger questões de equidade e coesão social, expandindo os
limites do design dentro do desenvolvimento sustentável (VEZZOLI, 2010), focando
em direitos humanos e justiça social; necessidades básicas sociais; diversidade e
preservação cultural. O Quadro 06 oferece uma visão da evolução do conceito de
Design em relação à sustentabilidade, indo desde as discussões propostas por
Papanek, em 1971, aos dias contemporâneos. Esse quadro traz uma visão dos
conceitos, a partir dos autores considerados como referência neste assunto, que
discorrem diretamente quanto ao Eco-design, e outros que trazem conceitos
correlatos, mas importantes, que contribuem para a sua visão atual.
1
(Ì1895 h1983) Designer, arquiteto, inventor, teórico e ativista ambiental americano.
63
QUADRO 06
Evolução do conceito de Design Sustentável e alguns conceitos correlatos
ANO
AUTOR
1971
Papanek
1988
Mace
1995
Graedel e
Allenby
1995
Peneda e
Frazão
1996
Fiksel
1998
Manzini e
Vezzoli
2002
McDonough e
Braungart
2002
Margolin &
Margolin
2006
Crul e Diehl
2008
Vezzoli
2009
Krucken
CONCEITO
O “Design para o mundo real” dá ênfase tanto à consciência ecológica, como a
problemas originários do comportamento consumista; quanto ao social,
abrangendo questões de inclusão de minorias, tais como idosos ou portadores
de necessidades especiais e questões da pobreza. Neste conceito o autor
questiona a real necessidade dos produtos industrializados, quanto a questões
de consumo, uso e descarte;
“Design Universal”, conceito que começou a ser formulado desde a década de
1980 (Cambiachi, 2007), foi organizado como um modelo de design socialmente
inclusivo, pensando em produtos, áreas urbanas e arquitetura voltada para o
máximo de tipos de usuários possível, incluindo idosos e portadores de
limitações físicas. Este conceito levou em consideração inicialmente questões
quanto à acessibilidade, abrangendo posteriormente a usabilidade, o uso
eqüitativo, a intuição e a tolerância ao erro humano, dentre outros;
O “Design for Environment”, ou DfE, enfatiza as dimensões econômica e
ambiental e é considerado como uma das ferramentas da Ecologia Industrial,
abrangendo a eficiência energética durante a fabricação e uso de produtos,
redução da poluição, logística, escolha e reciclagem de matérias, numa idéia de
uso de matérias primas em ciclos fechados;
O Eco-design proposto parte do uso do conceito de Produção Mais Limpa (P+L),
para sugerir uma metodologia de Design de produto com ênfase ambiental. Ou
seja, um modelo de design que torne a P+L operacional. A P+L é a aplicação
contínua de uma estratégia preventiva integrada a empresas, de modo a evitar,
ou pelo menos reduzir ao máximo a poluição e seus riscos para a saúde humana
durante os processos produtivos;
O “Design for Environment” é o projeto sistemático que leva em consideração o
meio ambiente, saúde, segurança e sustentabilidade em todo o ciclo de vida do
produto;
O eco-design é o projeto de produtos baseado em critérios ecológicos
introduzidos desde o início de seu desenvolvimento, abrangendo inclusive novos
tipos de comportamento de consumo, uso e descarte de produtos industriais.
O “cradle-to-cradle design”, ou design do berço ao berço, enfatiza o retorno do
produto ou material ao processo produtivo original, dando a idéia de berço ou
início, compreendendo o reuso e/ou remanufatura do produto e a recuperação
do material de fabricação. Este conceito ainda abrange o “fazer mais com
menos” e o uso dos princípios de sistemas naturais, tais como o uso da energia
solar ou o uso de materiais em ciclos fechados.
Defendem o Design para necessidades sociais. Os autores consideram que os
modelos de design, incluindo o eco-design e suas tecnologias ambientais, até
então propostos enfatizam o mercado, mas são falhos na abordagem social. Na
proposta do design social o objetivo primordial é a satisfação das reais
necessidades sociais humanas, visando os sentimentos de satisfação e de bemestar sociais.
O “D4S - Design for Sustainability” segundo seus autores, tem uma abordagem
que vai além do eco-design ao incluir propostas ao mesmo tempo inovadoras e
sustentáveis. Para isso este conceito é baseado no planeta (meio ambiente), nas
pessoas (fatores sociais) e no lucro (fatores econômicos). O conceito ainda
aborda o planejamento de produtos através do seu ciclo de vida social e
ambiental.
O “design de sistemas para a sustentabilidade” tira o foco na tecnologia dos
produtos e enfatiza questões de natureza estratégica, buscando novas formas de
promover e facilitar o design em um processo participativo entre seus
empreendedores, em prol de uma sustentabilidade ambiental e social;
O conceito de “Design e Território” busca a valorização da identidade local
através dos produtos de comunidades tradicionais, numa visão que enfatiza as
dimensões econômica, social e cultural do desenvolvimento sustentável, através
do uso do design como estratégia de gerenciamento entre as comunidades e o
mercado consumidor.
Fontes: Papanek (1977), Manzini e Vezzoli (2002), Vezzoli (2010), Graedel e Allenby (1995), McDonough e Braungart
(2002), Peneda e Frazão (1995), Cambiachi (2007), Mace et al (1990), Margolim e Margolim (2004), Fiksel (2009),
Krucken (2009), Crul e Diehl (2006).
64
No Quadro 06 observa-se que o discurso inicial, proposto por Papanek, é ao
mesmo tempo problematizador, holístico e pioneiro, por isso mesmo importante,
ainda que o autor não tenha sido tão profundo nem sistemático nos itens abordados.
A partir dai, alinhado com as abordagens econômica e ambiental vista no
Desenvolvimento Sustentável, vê-se um esforço ao redor do Design com ênfase para
o meio ambiente (o Eco-design, DfE ou Design for Environment), em particular as
propostas associadas aos conceitos das Tecnologias Limpas, mais precisamente a
Prevenção
da
Poluição
e
a
Ecologia
Industrial
(KIPERSTOK
et
al,
2002),
principalmente entre 1995 e o começo do séc. XXI.
Ao mesmo tempo desenvolvem-se criticas às propostas do eco-design. Margolin e
Margolim (2004), por exemplo, o critica, assim como seus praticantes, por considerálo voltado para soluções meramente tecnológicas, ainda que relacionadas a problemas
reais, mas visto por ele como soluções artificiais em demasia e distantes das
necessidades humanas e da natureza. Os autores propõem então uma transição deste
para soluções mais sustentáveis, numa abordagem mais social e, portanto, mais
humana e justa (MARGOLIM E MARGOLIM, 2004).
Fora dos holofotes das soluções em prol do meio ambiente, entretanto, estavam
outras importantes abordagens, tal como o Desenho Universal, que apesar de não ter
sido originado dentro dos debates da sustentabilidade, tornou-se correlato a esta por
seu forte discurso social, principalmente quanto à inclusão do uso de produtos
industriais por minorias com limitações físicas, quer sejam estas devido a problemas
relativos à idade, quer por problemas congênitos ou adquiridos. Vezzoli (2010) ao
propor um modelo de design voltado para a equidade e coesão sociais, coloca o foco
no ser humano, pondo-o no mesmo patamar hierárquico dado aos fatores ambientais
pelo eco-design. O autor define, então, um novo patamar conceitual a ser entendido
pelos designers: o da socioeficiência ou “o esforço para orientar a atividade do design
para formatar um sistema de produção e consumo economicamente competitivo e
socialmente justo e coeso” (VEZZOLI, 2010). E entre as diretrizes sociais que
modelam as idéias de Vezzoli (2010, P. 190-191) estão:
65
•
Respeitar e fortalecer as características peculiares locais;
•
Desenvolver sistemas para movimentar a economia local, reforçando-a e
colaborando para ações coletivas em prol do bem da comunidade;
•
Adaptar
e
promover
sistemas
usando
recursos
locais,
naturais
e
regenerados;
A análise do quadro 06 enfatiza, finalmente, a importância da primeira década do
séc XXI para a diversificação do conceito de Design Sustentável, incluindo a
abordagem social e a cultural, estas relacionadas, dentre outras, às formas de
relacionamento entre comunidades tradicionais e mercado consumidor.
A relação entre design, fatores sociais e culturais leva em conta o fato de que o
design, ao ser relacionado objetivamente com a produção material, torna-se parte do
patrimônio cultural de uma sociedade, pois surge a partir da materialização de valores
imateriais tais como os estéticos, os de formas de usos, etc., inerentes a uma
sociedade, “tornando concreto o intangível” (DIAS FILHO, 2007). O design representa,
então, “um papel relevante no desenvolvimento da cultura material, na medida em
que abrange atividades de planejamento, decisões e práticas” (ONO, 2004).
Para Niemeyer (2003, p. 21) um produto qualquer fruto do design é resultante
da expressão de um “cenário político, econômico, social e cultural, dentro das
dimensões históricas e geográficas”, expressando o contexto cultural no qual está
inserido, passando assim a identificá-lo. Características como a forma, configuração
dos elementos e sistemas, maneiras de uso, processo de produção, materiais
empregados, plástica e uso de cores, dentre outras, de acordo com Niemeyer (2003),
e também a distribuição, consumo e formas de uso, conforme Denis (1998) explicou,
permitem que um objeto identifique sua origem e, portanto, tenha uma identidade.
Na atividade do design, a concepção do produto, que envolve a criatividade para
o desenvolvimento de conceitos e de alternativas, talvez seja o que melhor o
caracteriza. “O designer é capaz de gerar novos conceitos continuamente para
inúmeros projetos diferentes e é essa a característica que distingue o designer
profissional do inventor de ocasião” (MORRIS, 2010, p. 12). Essas idéias e conceitos
são apresentados, principalmente, na forma de representação gráfica, através de
desenhos, rascunhos, esquemas, sketchs e renderings manuais e/ou digitais, com o
uso de softwares específicos. Essas formas de representação servem para descrever
66
visualmente o produto em desenvolvimento, fornecendo uma visão geral deste para
que, mais tarde, possam ser agrupados com os desenhos técnicos específicos,
voltados para a produção. Segundo Cross (2000, p. 3), o designer representará um
produto graficamente com vários tipos de desenhos para propósitos diferentes em
cada etapa do seu desenvolvimento.
Ao tratar com a criatividade e tecnologia simultaneamente, o design torna-se
uma atividade dotada de ambigüidade, transitando entre o pragmático da tecnologia e
o poético da criatividade, sem que haja entre eles uma hierarquia definida, pelo
menos na ótica do designer. Nesse processo criativo há uma mescla de informações
lógicas e técnicas, provenientes de análises das mais diversas, conforme propõe
Löbach (2001), com informações do contexto cultural, material e imaterial, no qual o
designer está inserido. E, como visto com Niemeyer (2003) e Denis (1998), essas
informações de origem cultural são capazes de modificar, interferir, organizar, definir
elementos estéticos, definir a produção, relacionando um produto com sua origem,
dando a este uma identidade. Neste caso, o design tem como função básica tornar os
produtos comunicáveis, em relação às funções simbólicas de uso e técnicas dos
mesmos, ajudando a desenvolver as “relações simbólicas e práticas dos indivíduos nas
sociedades” (ONO, 2004).
O design sociocultural tem sido ultimamente posto na pauta das discussões. Ono
(2004) aponta para a falácia de um Design que satisfaça simultaneamente todas as
formas de cultura e que seja adaptável às necessidades e desejos de todos os tipos de
usuários, dentro dos respectivos contextos culturais, pois estes se estabelecem em
torno da diversidade e onde os significados e os usos assumidos para cada pessoa
variam substantivamente. Um projeto de design que não ponha em relevo a
diversidade cultural pode conduzir a grandes equívocos no desenvolvimento de
produtos para a sociedade. Já Krucken (2009), ao trazer o conceito de Design e
Território, como visto no Quadro 6, destaca a importância do fortalecimento da
cultura e da identidade de comunidades locais como fatores de sustentabilidade,
visando beneficiar simultaneamente produtores e consumidores de uma determinada
localidade numa visão estratégica e ações inovadoras. Nesse caso a autora explica
que “o papel do design é o de facilitador, ou agente ativador de inovações
colaborativas, promovendo interações na sociedade” (KRUCKEN, 2009, p. 48).
67
A aproximação do design com culturas tradicionais, segundo Lin (2007), ao
permitir projetar características locais em produtos, pode ser considerada uma ação
importante para o mercado global, onde os produtos estão perdendo sua identidade
por causa das semelhanças na forma e função, aumentando inclusive o valor tanto
cultural quanto de venda do produto. A ação de reforçar o valor do produto através de
características culturais torna então o Design numa ferramenta impulsionadora para o
desenvolvimento local.
Usar os recursos culturais para agregar valor extra aos produtos pode
beneficiar não só o crescimento econômico de uma sociedade, mas
também pode promover a singularidade da cultura local no mercado
global (LIN, 2007).
Por outro lado Moalosi et al (2007) explicam que o design baseado na cultura
pode ser usado para recuperar valores culturais perdidos por processos históricos,
para depois apresentá-los no contexto contemporâneo através de novos produtos,
ajudando não somente comunidades locais, mas países inteiros a se beneficiarem com
essa ação.
Os conteúdos culturais podem ser usados de várias formas, por exemplo, como
um fator que caracteriza uma origem e reforça a identidade local, ou como fator de
inspiração e concepção de produtos, serviços e sistemas voltados tanto para o
consumo interno da comunidade quanto para o consumo externo, principalmente para
a resolução de problemas do seu cotidiano. Como exemplos podem ser citados os
produtos apresentados por Lin (2007) e por Abba (2007) mostrados no Quadro 07.
68
QUADRO 07
Produtos de design inspirados em produtos tradicionais
PRODUTOS
PINBAN
BASEADOS
NOS
BARCOS
Os barcos Pinban são característicos na cultura do
povo Tao, povo tradicional das zonas periféricas de
Orchid Island, na costa sudoeste de Taiwan. Esta
embarcação, considerada símbolo de seu povo, por
relacioná-lo com o mar e também com a pesca,
transporte e festejos tribais, serviu para inspirar
produtos voltados para o mercado urbano, tal como
uma bolsa feminina.
Estes, por sua vez, passam a ter uma identidade
cultural não somente em Taiwan, mas também no
exterior, devido aos traços característicos que
remetem ao povo Tao. Segundo Lin (2007) cada
tribo tradicional de Taiwan tem uma cultura e um
estilo único que pode ser identificado simplesmente
a partir da sua escultura, têxteis, tecelagem,
artesanato, couro e cerâmica. Essas informações
são úteis para a composição de novos projetos de
produto que se baseiem em culturas tradicionais.
Fonte: Lin (2007)
POT-IN-POT COOLER
O pot-in-pot cooler foi desenvolvido pelo nigeriano,
Mohammed Bah Abba, filho de família de
ceramistas, em 1995. Trata-se de um sistema para
preservação de vegetais durante a estação seca. O
sistema usa dois potes de cerâmica comum, um
dentro do outro, separados por uma camada de
areia ou barro encharcado com água. Os alimentos
depositados no seu interior ficam frescos por dias
pela ação da evaporação da água pelas paredes do
sistema.
O invento foi desenvolvido a partir dos potes da
cerâmica tradicional local, que fazem parte do
patrimônio
cultural
das
comunidades
rurais
nigerianas. O sistema foi imediatamente dominado
pelos ceramistas locais e distribuído não somente
para a zona rural da Nigéria, mas também para
outros países africanos como Camarões, Etiópia,
Niger e Burkina Faso.
Fonte: Abba (2007).
Esses produtos mostrados no Quadro 07 exemplificam como idéias, conceitos e
soluções, contidos no repertório cultural de uma comunidade tradicional, podem ser
usados pelo design moderno. Não somente para o desenvolvimento de novos
69
produtos, mas fazendo com que estes possam desempenhar um papel de relevância
tanto para os seus consumidores, externos à comunidade, mas, e principalmente,
para as comunidades detentoras de tais conhecimentos. Outros estudos que
relacionam design e comunidades tradicionais têm apresentado formas semelhantes
de abordagem.
•
Martins e Silva (2009) apresentam bases de uma metodologia participativa de
design gráfico, abordando diferentes grupos comunitários e propondo, a partir
daí, uma “reflexão sobre o papel do designer ao atuar em projetos que visam
apoiar o desenvolvimento sócio-econômico de comunidades tradicionais”. As
pesquisadoras efetuaram pesquisas em duas comunidades tradicionais do
Belém do Pará: a primeira foi a Ver-as-Ervas – grupo de vendedores de ervas
atuantes no Mercado do Ver-o-Peso em Belém; a segunda comunidade foi a
Associação Comunitária dos Artesãos e Lapidários de Floresta do Araguaia,
localizada no município de Floresta do Araguaia. Uma terceira comunidade foi o
núcleo produtivo Cardume de Mães, da periferia da cidade de São Paulo. A
pesquisa teve como um dos objetivos o desenvolvimento de um sistema de
identidade visual que representasse comercialmente a respectiva comunidade.
Para
isso
foram
aplicados
nessas
comunidades
métodos
de
pesquisa
participante como forma de coleta de informações e de sugestões delas
próprias para o desenvolvimento dos sistemas de identidade visual.
•
Muniz (2009) e Muniz e Figueiredo (2010) realizaram pesquisa baseada numa
articulação entre métodos de pesquisa-ação e abordagem sistêmica e na
ferramenta de investigação Looking for Likely Alternatives (LOLA), o qual gerou
a PAIS (Pesquisa-ação integral e sistêmica). Essa abordagem de pesquisa-ação
envolveu os pesquisadores com os moradores da Guarda do Embaú, uma
comunidade tradicional de pescadores de colonização açoriana, localizada no
entorno do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, região do Município de
Palhoça do Estado de Santa Catarina. Esta pesquisa usou o design como
alternativa para integrar os stakeholders (partes interessadas) no processo de
investigação e promoção de inovações sociais sustentáveis. Os autores
chegaram à conclusão de que “a inovação social não pode ser projetada, porém
o design pode oferecer contribuições para a sua promoção” (MUNIZ e
FIGUEIREDO, 2010).
•
Preto, Merino e Figueiredo (2011), partindo do pressuposto de que o artesanato
tradicional tem importância tanto por representar a identidade cultural de
70
comunidades locais quanto por ser uma fonte de trabalho e renda relevante
para a mesma apresentam, numa pesquisa que envolve revisão de literatura e
pesquisa exploratória, um “processo de aprendizagem situada como estratégia
cognitiva nas comunidades tradicionais locais, para a valorização dos produtos,
territórios e identidades por meio da gestão de design.” Os autores concluíram
que a aplicação dessa aprendizagem neste tipo de comunidade se traduz em
benefícios devido à “conscientização da realidade da comunidade sobre sua
tradição e território”. Segundo os autores, esse processo pode possibilitar a
“valorização do produto local, a exploração sustentável e o desenvolvimento do
território como parte da identidade local”, disseminando a cultura interpretada
nos produtos pelos consumidores.
Os benefícios podem ser muitos, tais como o reconhecimento dos valores
tradicionais fora da comunidade; soluções de problemas do cotidiano; ganhos sociais
tais como oportunidade de trabalho, geração de renda e a transformação desta em
melhoria da qualidade de vida local, dentre outros. De qualquer forma, estes são
possíveis benefícios os quais o papel do design, ao orientar a forma como o repertório
cultural local é usado, torna-se importante para aproximar tais comunidades das
propostas do desenvolvimento local.
2.5.2. Relações interdisciplinares entre Design e Antropologia Cultural
Por
ser
uma
atividade
multifacetada,
o
design
possui
uma
natureza
interdisciplinar, que usa processos criativos para desenvolvimento de novos conceitos
para a solução de problemas e criação de produtos inovadores. A múltipla tarefa de
entender problemas e desenvolver conceitos e soluções criativas e inovadoras leva o
designer a mover-se entre várias áreas do conhecimento, de maneira transversal,
dependendo da necessidade do problema ou da natureza do fenômeno o qual se
propõe a resolver ou compreender. A abrangência dos conhecimentos usados de
forma interdisciplinar “vão além das áreas usualmente utilizadas nas atividades
econômicas e industriais” (ASSIS, FARIA e NAVALON, 2008). Compreende também
atividades de natureza intrínseca a ele mesmo numa busca se de obter o máximo de
variáveis que atuam no contexto de um projeto (RIBEIRO, 2008).
Na interdisciplinaridade “busca-se a intercomunicação entre as disciplinas,
abordando efetivamente um tema ou objetivo comum de forma transversal” (ROSA,
SCHULTE e PULS, 2010), ocorrendo quando se usa um conhecimento de uma
disciplina dentro de outra diferente, integrando conteúdos fragmentados numa
71
concepção e entendimento unitários. A natureza do processo de conhecimento
científico é ilimitada, construindo-se a partir da circulação dos mais variados tipos de
conhecimentos.
Tal
dinâmica
justifica-se
a
partir
de
necessidades
diversas,
principalmente na complexidade atual de enfrentar problemas contemporâneos, já
que se apresentam contendo dimensões distintas e diversas.
O design aborda conhecimentos e habilidades vindas das mais variadas origens,
o que o caracteriza como sendo uma atividade interdisciplinar. Como exemplo de
conteúdos interdisciplinares destacam-se os das áreas tecnológicas, tais como a
tecnologia dos materiais, os processos de fabricação, o desenho técnico. Nas áreas
das artes destacam-se o desenho artístico e demais formas de representação gráfica,
construção de mock-ups e maquetes, os processos criativos, a computação gráfica e o
estudo das cores. Na área das ciências humanas destacam-se a história das artes e do
design, a fotografia, a semiótica e a percepção visual. Na área da filosofia, por sua
vez, tem-se a ética e a estética. Além disso, há fortes aproximações com outras áreas
interdisciplinares, tais como a ergonomia ou a biônica, dentre outras.
Dentre os conteúdos relacionados de forma interdisciplinar com o Design,
destacam-se os da Antropologia Cultural. Segundo Ullmann (1991, p. 29) “a
antropologia, em sentido estrito, constitui-se o estudo e o conhecimento sistemático
do homem e de suas obras”. Para Harris (2001) a Antropologia é o estudo da
humanidade, dos povos antigos, dos contemporâneos e seus estilos de vida. É um
campo extremamente vasto, abrangendo tanto o histórico da evolução física humana,
a Antropologia Física, quanto da cultura associada a essa evolução, a Antropologia
Cultural. Harris (2001) ainda afirma que a “antropologia cultural se ocupa da
descrição, análise e comparação das culturas do passado, as contemporâneas e suas
tradições socialmente aprendidas, proporcionando base para hipóteses e teorias sobre
as causas dos estilos de vida relacionados às sociedades”.
Tendo, portanto, a cultura como objeto do seu trabalho, a antropologia cultural
constitui-se numa área privilegiada para oferecer ao design os elementos necessários
à concretização de idéias e conceitos relacionados com necessidades apresentadas
pelo ser humano na sua relação com seu entorno.
A natureza interdisciplinar da atividade de design confere-lhe uma
importante dimensão antropológica cultural. No desenvolvimento de
produtos industrializados, o design sofre, por um lado, o impacto do
desenvolvimento tecnológico e dos processos técnicos, e, por outro, as
pressões das transformações culturais decorrentes do surgimento de
novos usos e necessidades, promovidos pelos artefatos que são
inseridos na Sociedade (ONO, 2004).
72
A relação do design com a Antropologia pode ser compreendida como uma
relação entre design e cultura, pois o estudo dos valores, comportamentos, estilos de
vida e demais elementos culturais de uma determinada sociedade, além do estudo
comparativo entre as culturas, pode permitir sua aplicação em projetos de design (XU,
2012).
A Antropologia Cultural, na sua atuação interdisciplinar pode permitir o acesso a
conteúdos que fundamentam o conhecimento para o trabalho em Design. Conteúdos
tais como cultura local e suas expressões de identidade; herança cultural e suas
formas de transmissão; aspectos imateriais e materiais da cultura e sua correlação
interna, tornam-se componentes do conhecimento sobre contextos sociais e culturais
que podem orientar e se constituir em informações e dados para a elaboração de
projetos em design atuando, inclusive, como fonte de inspiração para a realização de
suas tarefas. Tais conhecimentos permitem então, o entendimento de
[...] uma série de elementos constituintes de uma sociedade, ou seja,
sua organização econômica, social, jurídica e política, além de seus
sistemas de parentesco, religiosos, míticos, e suas criações artísticas.
(RODRIGUES. 2005)
A partir dos conhecimentos obtidos através da relação interdisciplinar com a
Antropologia Cultural, o Design pode contribuir para a formação de uma consciência
crítica e responsável a respeito do patrimônio cultural de comunidades pesquisadas,
podendo favorecer, além de tudo, a regeneração e melhoria de economias locais,
conforme explica Vezzoli (2010, p. 190).
Assim, a relação do design com a Antropologia Cultural pode permitir a
visibilidade de conteúdos culturais pouco conhecidos ou o resgate de outros já
esquecidos, dando retorno favorável aos indivíduos a eles relacionados. A partir da
Antropologia Cultural, o estudo e a aplicação da cultura podem desempenhar um
papel importante no campo da concepção e se tornar um importante diferenciador no
design do futuro (LIN, 2007), identificando e articulando elementos socioculturais
tradicionais (MOALOSI et al, 2007), marcando e reforçando identidades e territórios
culturais num mundo globalizado.
As abordagens reunidas neste capítulo atendem, portanto, às necessidades da
tese quanto ao conhecimento do contexto geocultural no qual se desenvolvem as
relações entre o design e a cultura de uma comunidade tradicional rural, numa
perspectiva de desenvolvimento local.
73
3
FUNDAMENTOS METODOLOGICOS
Neste capítulo são abordados os métodos de pesquisa selecionados para a
articulação da proposta metodológica necessária ao desenvolvimento da tese. Tratase, em primeiro lugar, de modelos de metodologias do design que resultam na síntese
a ser aplicada na metodologia proposta para esta pesquisa. Em segundo lugar a
metodologia da pesquisa-ação, que, como modelo estruturante, se constitui na
principal diretriz para a elaboração dos passos do trabalho de campo. Em seguida
apresentam-se os métodos da Pesquisa Etnográfica, da Observação Participante, do
Estudo de Caso e da Pesquisa Documental como ferramentas a serem agregadas à
pesquisa-ação, levando à construção da proposta metodológica final, aqui denominada
de Pesquisa-ação Adaptada, desenvolvida no Cap. 4.
3.1. METODOLOGIAS DE DESIGN
O
termo
metodologia
de
projeto
sugere
etapas
hierarquizadas
para
o
desenvolvimento de produtos que, partindo da formulação de um problema, busca a
sua solução e apresentação de resultados. Ou seja, etapas em seqüência sistemática
em que os resultados parciais de uma etapa alimentam a próxima, até a solução do
problema inicial. Munari (1998, p. 10) explica o conceito de metodologia de projeto da
seguinte forma: “o método de projeto não é mais que uma série de operações
necessárias, dispostas em ordem lógica, ditada pela experiência. Seu objetivo é o de
atingir o melhor resultado com o mínimo esforço”.
Segundo Iida (1990, p. 360) o processo metodológico pode não seguir uma
lógica linear, já que “avanços realizados em uma etapa podem indicar a necessidade
de retorno a etapas anteriores, com o objetivo de modificar algum aspecto já
aprovado, mas não confirmado como a melhor alternativa”. Desse modo, conforme
esse autor, “a solução final raramente é o conjunto das soluções ótimas de cada etapa
metodológica, devendo-se considerar sacrifícios de determinados aspectos resultantes
74
das etapas separadas em função do conjunto e desempenho final” (IIDA 1990, p.
360).
Algumas
abordagens
das
metodologias
relativas
ao
projeto
em
design
apresentam uma seqüência lógica de etapas que permite a identificação de pontos
comuns entre si. Dessas, foram selecionadas as propostas de Morris (2010) e
Ambrose e Harris (2011), escolhidos por sua visão geral e flexível de metodologia do
design, não se direcionando para nenhum tipo específico de produto e por isso
mesmo, úteis à estruturação de uma proposta metodológica específica. Paralela às
propostas anteriores foi considerada, também, a desenvolvida por Rozenfeld et al
(2006), direcionada ao Desenvolvimento de Produtos que, na sequência de suas
etapas, considera pontos de abordagem que também podem contribuir para
elaboração de uma síntese que permita identificar seus pontos principais.
•
Morris (2010) apresenta uma proposta de metodologia de design, reunida
em capítulos específicos e interligados, a partir dos quais foi elaborado o
esquema apresentado na Figura 15.
FIGURA 15
Proposta de metodologia de Design de Morris (2010)
1
2
3
4
5
IDÉIAS DE
PRODUTOS
BRIEFING
DO
PRODUTO
SOLUÇÕES
EM DESIGN
PRODUÇÃO
Î
Imaginação
A partir da análise e inspiração individual do
designer, independente de demandas externas;
Î
Necessidade das
pessoas
A partir das necessidades dos clientes e do
mercado;
Î
Definição de
necessidades
Transformação de um conceito vago em algo que
possa ser tangível a partir das necessidades dos
clientes;
Î
Tendências de
mercado
Definição do produto a partir das tendências e
exigências do mercado;
Î
Exigências do
produto
Especificações técnicas, operacionais, ergonômicas,
de legislação, de produção, etc...
Î
Atendendo às
necessidades
Estudos de forma x função a partir do briefing do
produto
Î
Desenvolvimento
de conceitos
Aplicação de processos criativos na busca de
soluções e suas representações em diversas mídias
Î
Funcionalidade
Atributos tecnológicos para atender as funções das
soluções apresentadas nos conceitos
Î
Desenvolvimento
Análise de valor, custos, qualidade...
Î
Fabricação
Processos produtivos, materiais, montagem e
desmontagem das peças
Î
Operações
Equipamentos, cadeia de fornecedores, recursos
humanos...
Î
Preparação para
venda
Direitos, patentes, gestão do conhecimento,
proteção comercial...
Î
Marketing
Contato com os clientes, estratégias comerciais,
promoção, vendas, branding, serviços...
O MERCADO
Fonte: Construção do autor baseado em Morris (2010)
75
Esta figura mostra que o produto pode se originar tanto da inspiração espontânea
do designer, quanto de uma resposta sua a uma necessidade externa (MORRIS, 2010,
P. 44). Além disso, sua concepção de projeto de design está intimamente relacionada
a uma seqüência de etapas que articulam coleta e análise de dados oriundas da
aplicação de técnicas de Briefing; que, por sua vez, alimenta uma etapa criativa, na
qual se propõe soluções de design, com sua posterior produção e inserção no
mercado.
•
Ambrose e Harris (2011) apresentam sua proposta de metodologia de
design em sete etapas interligadas segunfdo mostra a Figura 16.
FIGURA 16
Proposta de metodologia de Design de Ambrose e Harris (2011)
1
DEFINIR
Î
• Estabelecendo o problema e objetivos
• Aplicação de Briefing
2
PESQUISAR
Î
• Coleta de informações primárias e secundárias
• Pesquisa do histórico do problema e do público alvo
3
GERAR IDÉIAS
Î
• Criar possíveis soluções / processos criativos
• Uso de inspiração e de referências
4
TESTAR
PROTÓTIPOS
Î
• Teste de viabilidade técnica / estética / interfaces
• Aprimorar as soluções mais promissoras
5
SELECIONAR
Î
• Escolher uma solução entre as já propostas
• Levantamento e aplicação de critérios de escolha
6
IMPLEMENTAR
Î
• Adequação da proposta ao detalhamento técnico
• Concretização e produção da proposta escolhida
7
FEEDBACK
Î
• Identificar pontos positivos e negativos no processo
• Aprender, corrigir falhas e aprimorar o processo
Fonte: Construção do autor baseado em Ambrose e Harris (2011)
As etapas desta proposta relacionam a necessidade geradora de um problema a
partir de um público alvo, a coleta e análise de dados, a concepção de soluções, a
produção e o feedback, o qual possibilita a revisão, o reordenamento e propostas de
melhorias, tanto no produto quanto no processo. A Figura 16 destaca as atividades
criativas e seus desdobramentos, pois, segundo seus autores, um projeto em design
exige “um alto grau de criatividade, mas de uma maneira controlada e direcionada
pelo processo [...] servindo tanto para objetivos tanto econômicos quanto criativos”
(AMBROSE e HARRIS, 2011 p. 11).
•
Rozenfeld
et
al
(2006)
apresenta
um
modelo
metodológico
de
Desenvolvimento de Produto que, nas suas etapas, abrange questões que
se aproximam de etapas de projeto de design, segundo demonstra a
Figura 17.
76
FIGURA 17
Proposta de metodologia de Rozenfeld et al (2006)
Fonte: PDP (2006)
Na Figura 17, a fase pré-desenvolvimento diz respeito à preparação estratégica
da empresa, tanto na busca da satisfação das necessidades do cliente relativas a um
produto, quanto à satisfação dos próprios interesses empresariais. Aí se inserem o
levantamento das necessidades, o conhecimento dos contextos e o esboço de um
problema a ser resolvido. As informações relativas às condições objetivas de
atendimento ao cliente encontram-se no portfólio que reúne “um conjunto de
produtos capaz de atender a todas as necessidades dos clientes” (ROSENFELD et al,
2006, p. 45) e está intimamente ligado ao planejamento estratégico da empresa.
Compõe a fase de desenvolvimento o projeto informacional, que coleta e analisa
informações e dados que irão integrar as especificações do produto e orientar seu
conceito (ROSENFELD et al, p. 212); o projeto conceitual diz respeito à “busca,
criação, representação e seleção de soluções” (p. 236); o projeto detalhado “tem
como objetivo desenvolver e finalizar todas as especificações do produto a serem
encaminhadas à manufatura” (p. 294); a preparação da produção engloba a
“definição do processo de produção, manutenção e demais cadeias de suprimento” (p.
394) e, finalmente, o lançamento do produto que diz respeito à colocação do produto
no mercado e seu respectivo planejamento de marketing (p. 416). A fase pósdesenvolvimento
indica
procedimentos
destinados
ao
acompanhamento
do
desempenho do produto durante as fases de produção e de mercado, possibilitando
um feedback sobre necessidades e oportunidades de melhorias até a descontinuação
do mesmo no mercado (p. 436).
77
Com base nas propostas dos três autores citados, foi elaborada uma síntese que,
baseada nos seus pontos comuns, expressa uma interpretação reunida nos elementos
que se seguem:
•
Síncrese: Etapa que se inicia com o estudo do contexto no qual as necessidades e
desejos se manifestam para, em seguida, ser feita a formulação e delimitação do
problema;
•
Informacional: a partir do problema são feitos os levantamentos e as análises de
dados, dentre os quais o público alvo; os mercadológicos; as características
positivas e negativas em produtos similares; as tarefas de uso; os sistemas
funcionais e tecnológicos; os materiais de fabricação e os sistemas produtivos, etc;
•
Conceitual: a partir da etapa informacional, com o estudo da problematização e
com os resultados das análises, parte-se para o desenvolvimento de conceitos ou
idéias de solução do problema inicial, que possa ser concretizado na forma de um
produto. A partir de conceitos, são geradas alternativas projetuais, representadas
na forma de esboços, desenhos ou rendering’s, os quais são frutos do repertório
criativo e da habilidade do designer. Nessa fase, são construídos modelos de
testes, mock´ups e protótipos que permitem avaliar dimensões, formas, volumes,
interfaces de uso, dentre outros aspectos;
•
Detalhamento: após a escolha da melhor alternativa que satisfaça a solução do
problema inicial, parte-se para o detalhamento técnico e tecnológico de sistemas e
subsistemas funcionais, seleção de materiais e processos de produção.
•
Produção: prevê o acompanhamento da fabricação do produto, com vistas à
distribuição e venda;
•
Relações com o Mercado: diz respeito ao diálogo conclusivo entre os envolvidos no
projeto, visando estabelecer as formas de inserção do produto no mercado;
•
Feedback: trata-se de uma prática que acompanha todo o processo, possibilitando
o retorno a etapas anteriores, sempre que aspectos não satisfatórios forem
detectados em uma etapa específica, seja qual for sua posição na lógica do
processo. Esse retorno pode implicar ou não em uma revisão em cascata das
etapas precedentes ou se fixar numa determinada etapa.
A análise das metodologias vistas anteriormente demonstra que, apesar dos seus
aspectos particulares, as mesmas contêm pontos em comum que, reunidos,
possibilitaram a elaboração da síntese demonstrada na Figura 18.
78
FIGURA 18
Representação gráfica da síntese metodológica do Design
S
SICD-
I
C
D
P
R
F
P- PRODUÇÃO
R- RELAÇÕES COMO O MERCADO
F- FEEDBACK
SÍNCRESE
INFORMACIONAL
CONCEITUAL
DETALHAMENTO
Fonte: elaboração do Autor
Esta síntese revela a existência de uma orientação básica que conduz as etapas
de projetos e seus procedimentos respectivos. Essa orientação parte do que foi
denominado Síncrese e chega à etapa de Relações com o Mercado. Destaca-se aí,
também, a etapa de feedback que pode ocorrer em qualquer momento do
desenvolvimento do projeto, buscando adequações aos objetivos estabelecidos.
3.2. PESQUISA-AÇÃO
A Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa que se caracteriza por ter a participação
do pesquisador no interior do objeto de pesquisa, integrando-o, interagindo com o
mesmo, aprendendo e também ensinando e, às vezes, modificando-o, devido à sua
presença ser quase sempre de natureza externa à cultura da sociedade pesquisada.
Uma definição para a Metodologia Pesquisa-Ação é dada por Thiollent:
[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de
um problema coletivo, no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 2002 p. 14).
Segundo Tripp (2005, p. 445) a origem desse método de pesquisa é imprecisa,
não sendo possível apontar um responsável direto por sua criação. Seu uso inicial
remonta
à
primeira
metade
do
séc.
XX,
quando
pesquisadores
europeus,
desenvolvendo trabalhos nas áreas de psicologia e de relações interculturais,
promoveram ações junto à comunidades e, buscando aperfeiçoar sua prática,
construíram gradativamente os primeiros passos da pesquisa-ação.
Tripp (2005, p
445) ainda considera a pesquisa-ação como sinônimo de pesquisa participante,
explicando que ambas são usadas para atingir objetivos semelhantes. Todavia
Thiollent (2002, p. 7), ao apontar as diferenças existentes entre os dois métodos,
afirma que a pesquisa-ação apresenta uma característica específica, porque, “além da
participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional,
técnico ou outro, que nem sempre se encontra em proposta da pesquisa participante”.
79
Segundo Gil (1996, p. 60), a pesquisa-ação “é um método que exige o
envolvimento ativo do pesquisador e ação por parte das pessoas ou grupos envolvidos
no problema” sendo “apropriado para conhecer e intervir na realidade social, graças à
sua capacidade de estar em contato com os problemas reais” (BORGES et al, 2007).
Engel (2000) explica que a Pesquisa-ação procura unir uma pesquisa teórica á um
objetivo concreto através de ações práticas para, a partir daí, buscar melhorar sua
compreensão e/ou seus processos tornando-se, então, um processo de aprendizagem.
Thiollent (2002 p. 15) explica que o papel do pesquisador objetiva a identificação de
valores e comportamentos baseada em relações comunicativas. Na pesquisa-ação há
uma ação por parte das pessoas ou grupos de pessoas implicadas no problema sob
observação, conduzida pela participação ativa do pesquisador, que é o responsável
por
equacionar
problemas
encontrados,
acompanhar
e
avaliar
as
ações
desencadeadas em função destses problemas, assumindo objetivos definidos e
orientando investigações em função dos meios disponíveis (THIOLLENT 2002 p. 15 e
17).
Os aspectos relevantes da pesquisa-ação, segundo Thiollent (2002 p. 16)
abordam formas para uma ampla e explicita interação entre o pesquisador e o grupo
social sob pesquisa, onde se delimitam as prioridades na busca tanto por
esclarecimentos dos problemas de natureza social apresentados, quanto por soluções
concretas destes mesmos problemas. Posição semelhante é a de Peruzzo (2003) ao
apontar dois aspectos da participação do pesquisador: em primeiro lugar ele pode
modificar o contexto que pretende investigar, com o objetivo não só de coletar dados,
mas também de propiciar benefícios ao grupo pesquisado; em segundo lugar, sua
interferência no grupo, influenciando e sendo influenciado, pode ser um fator de
comprometimento do próprio estudo.
Thiollent (2002 p. 18) recorta dois objetivos principais da pesquisa-ação: o
prático, no qual o pesquisador, através de atividades transformadoras, propõe
soluções concretas para os problemas pesquisados; e o de obtenção de conhecimento
e informações difíceis de serem alcançadas por outros meios metodológicos. Nessa
mesma linha, Gil (1996, p. 126 à 131) apresenta um planejamento metodológico para
Pesquisa-ação, que embora se organize em fases, ou conjuntos de ações, em uma
determinada ordem, prevê um vai-e-vem entre as mesmas, determinado pela
dinâmica da interação entre o pesquisador e o grupo pesquisado, o que é visto na
Figura 19
80
FIGURA 19
Proposta de Thiollent de metodologia de Pesquisa-ação
FASE
EXPLORATÓRIA
Î
• Determinação do campo de investigação;
• Determinação das expectativas dos interessados;
• Visitas preliminares e consulta à documentos diversos;
2
PROBLEMATIZAÇÃO
Î
• Formulação do problema;
• Formulação de objetivos teóricos e práticos;
3
CONSTRUÇÃO DE
HIPÓTESES
Î
• Construção de hipóteses;
4
SEMINÁRIOS
Î
• Reunião entre pesquisadores e membros significativos e
representativos do grupo pesquisado com o objetivo de
recolher e debater propostas das ações a serem realizadas;
5
SELEÇÃO DE
AMOSTRAS
Î
• Determinação dos elementos a serem pesquisados;
• Seleção de amostra quando o universo pesquisado se
apresentar numeroso e disperso;
6
COLETA DE
DADOS
Î
• Determinação das técnicas de coleta de dados;
• Aplicação das técnicas de acordo com a dinâmica da
interação entre o pesquisador e o grupo pesquisado;
7
ANÁLISE E
INTERPRETAÇÃO
Î
• Determinação dos procedimentos de análise;
• Discussão e interpretação dos dados coletados;
• Organização dos resultados em quadros explicativos;
1
8
ELABORAÇÃO DE
PLANO DE AÇÃO
Î
• Elaboração dos objetivos e indicação dos benefícios;
• Elaboração de procedimentos de motivação e
participação do grupo pesquisado
• Determinação e concretização das tarefas e ações
• Determinação das formas de controle das ações e avaliação
dos resultados
9
DIVULAÇÃO DOS
RESULTADOS
Î
• Divulgação dos resultados no meio acadêmico
Fonte: Construção do Autor baseado em Gil (1996, p. 126 à 131) e em Engel (2000)
Gil (1996, p. 128), ao se referir à delimitação do universo da pesquisa, explica a
importância do uso de uma seleção de amostra (etapa 5) quando o mesmo se
encontra numeroso e esparso. Esta seleção sugerida pelo autor (op. cit.) seria
baseada
em
critérios
de
representatividade,
numa
abordagem
qualitativa
e
intencional, os quais seriam tidos como relevantes tanto para o pesquisador quanto
para o grupo pesquisado.
Dentre as diversas técnicas possíveis para a coleta de dados, Gil (1996, p. 129)
recorta o uso de entrevistas individuais e/ou coletivas; questionários, observação
participante e história de vida, que devem ser usados como procedimentos flexíveis,
abertos e sem muita estruturação, devido, primeiramente, à natureza dinâmica dos
objetivos que podem sugerir mudanças dos conteúdos coletivos pesquisados; em
segundo lugar devido à importância de coleta de informações argumentativas e a
forma pouco imperativa sugeridas por processos investigatórios mais flexíveis.
A metodologia da Pesquisa-Ação vem sendo usada no Design como ferramenta
de coleta de dados em etapas informacionais e de orientação em processos
81
artesanais,
em
comunidades
tradicionais
rurais
com
objetivos
de
ações
de
responsabilidade social e ética cultural. Bons exemplos são as pesquisas e ações de
resgate sóciocultural junto a comunidades indígenas. Neste caso, segundo Cavalcante
e Valle (2007), o uso do Design em empreendimentos sociais pôde introduzir nas
comunidades pesquisadas o conceito de sustentabilidade, tanto agregando valor a
produtos
desenvolvidos,
quanto
contribuindo
para
o
desenvolvimento
dos
participantes no processo.
Por
sua
vez,
Cavalcante
e
colaboradores
(CAVALVCANTE
et
al,
2006;
CAVALCANTE e PAGNOSSIM, 2007), usando a pesquisa-ação, resgataram antigos
saberes, antigas práticas de artesanato e manufatura além de valores culturais
considerados esquecidos na comunidade indígena Kaingáng, etnia que ocupa
territórios em vários estados do Sul e Sudeste do Brasil e que se encontravam em
estado de risco social, com vários casos de desemprego, alcoolismo e marginalidade
(CAVALVCANTE et al, 2006). Esta aplicação de design social foi denominada de
Projeto KRE KYGFY, no qual foram desenvolvidos produtos de cestaria junto às
artesãs da comunidade. As Figuras 20 e 21 mostram um momento e um dos produtos
acabados desenvolvidos neste projeto.
FIGURA 20
Trabalho de artesã do Projeto KRE KYGFY
Fonte: Brasil (2008)
FIGURA 21
Cesta produzida no Projeto KRE KYGFY
Fonte: Cavalvcante et al (2006)
Ainda segundo Cavalvcante et al (2006), os resultados alcançados foram: a
recuperação de formas dos produtos; tipos de trançados; utilização de outras fibras
naturais além da taquara, como: a criciúma, o guaimbé, o cipó imbé e o rami;
geração de renda com possibilidade de sustentabilidade da comunidade pela
comercialização de seus produtos. Dessa forma diminuíram-se os impactos tanto
sociais quanto ambientais pela agregação de conteúdos culturais locais a produtos de
design.
82
Outros exemplos podem ser citados. O Projeto Imaginário Pernambucano, que
trabalhou uma metodologia interdisciplinar, incluindo a Pesquisa Ação usada na fase
de coleta de dados durante a interação com artesãos. Teve como objetivo a
valorização da cultura do povo sertanejo de Pernambuco, vinculando a esse aspecto
outros aspectos sociais, econômicos e ambientais na promoção do desenvolvimento
saudável de comunidades. (CAVALCANTI et al, 2004, 2006 e 2007). Já Reis et al
(2011) destacou a importância do papel do Design em ações sociais na forma de
“prestação de assessoria especializada a empreendimentos econômicos solidários”,
atuando em uma cooperativa de recicladores de materiais e produtos descartados, na
qual houve a utilização do design em ações participativas, na forma de oficinas de
artesanato e trabalhos manuais, com o propósito de promoção de justiça social.
3.3. PESQUISA ETNOGRÁFICA
A pesquisa etnográfica se destaca como uma das principais ferramentas da
Antropologia Cultural para coleta de dados. Neste tipo de pesquisa é previsto o
contato direto do pesquisador com a situação estudada, onde se procura a
compreensão de fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos da situação em
estudo (GODOY, 1995). Este método é uma “descrição sistemática da cultura em
estudo” (HARRIS, 2001), sendo composto de técnicas e de procedimentos de coleta
de dados associados a uma prática do trabalho de campo “a partir de uma convivência
mais ou menos prolongada do pesquisador junto ao grupo social a ser estudado”
(ROCHA e ECKERT, 2008). Durante essa experiência, o pesquisador se vale de
ferramentas como entrevistas, observação participante, descrição de atividades e
comportamentos, levantamento fotográfico, diários de campo, coleta de amostras,
vivencia junto da comunidade pesquisada.
A pesquisa etnográfica, como método da Antropologia Cultural, contribui para o
estudo e a descrição dos povos, sua língua, religião e demais manifestações materiais
e imateriais de suas atividades; é enfim, “a descrição e análise da cultura de um povo
ou de uma comunidade social” (ULLMANN, 1991, p. 39; FROST, 2008, p. 8 e 9).
Compreende o estudo, pela observação direta e por um período de
tempo, das formas costumeiras de viver de um grupo particular de
pessoas: um grupo de pessoas associadas de alguma maneira, uma
unidade social representativa para estudo, seja ela formada por poucos
ou muitos elementos. Por exemplo: uma vila, uma escola, um hospital,
etc. (MATTOS, 2001)
O método de coleta de dados usado nesta tese fundamentou-se em alguns
princípios e ferramentas da pesquisa etnográfica, que, segundo DaMatta (1987, p.
83
143), “tem a pesquisa de campo como o modo característico de coleta de novos dados
para reflexão teórica ou como laboratório social”. A pesquisa etnográfica prevê o
contato com outros modos de vida, outros valores e outros sistemas de relações
sociais, nos quais o pesquisador fica aberto à experimentação da vivência, ajustando,
todavia sua participação e presença junto a uma nova cultura, ao objetivo de realizar
contatos e levantamento de dados.
Para Malinowski (1984, p. 24), o objetivo principal da pesquisa etnográfica é
“estabelecer o contorno firme e claro da constituição da comunidade estudada,
delineando os padrões dos fenômenos culturais e isolando-os de fatos irrelevantes”.
Para tal, o autor recomenda (MALINOWSKI, 1984):
•
Buscar o maior conhecimento possível da comunidade em estudo a partir do
contato pessoal, com o objetivo de conhecê-la pessoalmente e também seus
costumes, códigos, comportamentos e suas crenças;
•
Buscar a compreensão do universo cultural da comunidade em estudo através
da reunião de dados, os mais variados possíveis, na busca por fenômenos que
caracterizem tanto os aspectos gerais quanto os específicos da cultura em
questão;
•
Na coleta de dados, usar ferramentas que permitam as expressões de opiniões
e suas considerações feitas pelos próprios membros da comunidade;
Considerando-se
a
pesquisa
etnográfica
como
um
das
ferramentas
da
Antropologia Cultural, seus elementos, tais como a observação, a descrição e as
entrevistas podem ser usados como metodologia aplicada ao estudo de comunidades
tradicionais, com o objetivo de desvendar parte da sua cultura, que se manifesta
dentre outros, através do artesanato.
Um exemplo desse uso pode ser identificado no trabalho de Noronha et al (2011)
que desenvolveu um projeto de pesquisa junto a comunidades quilombolas de
Alcântara, no Maranhão, dentro do projeto denominado Iconografias do Maranhão.
Este trabalho teve como finalidade a sistematização dos processos produtivos e a
identificação dos valores culturais nos produtos artesanais do ponto de vista dos seus
produtores. O projeto teve como objetivo a afirmação da identidade cultural pela
reflexão dos artesãos sobre si mesmos e sobre seus trabalhos artesanais, com a
aplicação de “uma metodologia que dá visibilidade à cultura de um lugar, promovendo
a comunicação do patrimônio imaterial” (NORONHA et al, 2011, p. 12).
Neste trabalho evidenciou-se a aplicação de uma metodologia baseada em
pesquisa etnográfica na qual se registrou a vivência dos pesquisadores com o
84
cotidiano dos artesãos, na busca de analisar os discursos e as práticas tradicionais, os
quais foram registrados de forma sistematizada. Como resultado dessa pesquisa,
destaca-se a possibilidade de identificação das representações que “relacionam o
produto ao território, às tradições do lugar e às práticas sociais estabelecidas perante
os ciclos da natureza” (NORONHA et al, 2011, p. 121).
3.3.1. Pesquisa etnográfica e design
É conhecido que o design, por sua natureza criativa e inovadora, tem uma forte
tendência a se amalgamar com outros processos criativos e culturais, sempre
trazendo consigo outras visões e outros conceitos. Na relação interdisciplinar do
Design com a Antropologia Cultural, verifica-se a necessidade de buscar na pesquisa
etnográfica instrumentos de coleta de dados e de compreensão de contextos culturais
que permitam o conhecimento mais aproximado possível da realidade em estudo.
Todavia
a
Pesquisa
Etnográfica
constitui-se
um
método
amplo
e
complexo,
desenvolvido a partir de conhecimentos teóricos e empíricos específicos e, por isso
mesmo, escapa às possibilidades objetivas de sua completa utilização pelo Design.
A abordagem interdisciplinar, todavia, oferece ao Design a possibilidade de
utilizar algumas de suas ferramentas, com o objetivo de estudar e caracterizar um
contexto cultural em pesquisa, podendo identificar relações de parentesco, relações
interpessoais, histórias e experiências de vida, formas de organização da produção e
do trabalho, relações com o território ocupado, comportamentos, sentimentos e
significados, elementos da memória coletiva e outros componentes da cultura
imaterial. Oliveira e Gomes (2005) afirmam que...
A compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos é outro
aspecto importante nesta abordagem. Compreender como as pessoas
dão sentido às suas vidas, quais suas expectativas, apreender as suas
perspectivas e elucidar a dinâmica interna das situações; sendo
necessário também perceber o que os participantes experimentam,
como interpretam as suas experiências e o modo como organizam o
mundo social em que vivem. (OLIVEIRA E GOMES, 2005)
Por outro lado, Skaggs (2010) explica que a antropologia cultural e seu método
etnográfico
oferecem
documentação
ao
sistemática
design
de
uma
um
conteúdo
cultura
em
investigativo,
estudo,
experiência
capazes
de
e
levantar
informações que levam ao entendimento do comportamento e atitudes dos grupos
pesquisados, permitindo uma maior congruência entre o que é desenvolvido no design
e as necessidades da sociedade.
85
A aplicação da Pesquisa Etnográfica na área do Design não é uma novidade e é
encontrada em projetos que apresentam diversas formas de abordagem que diferem
entre si de acordo com os objetivos estabelecidos. A literatura especializada registra
exemplos de trabalhos e pesquisas relacionados a projetos concebidos nessa relação,
conforme visto abaixo.
•
Rosa, Gurgel e Passos (2012) usaram pesquisa etnográfica em grupos
acadêmicos compostos de alunos e professores com o propósito de
levantamento
de
dados
necessários
para
a
identificação
de
funcionalidades, requisitos desejáveis e problemas de usabilidade, durante
o processo de design de interface de um software de compartilhamento de
informações acadêmicas.
•
Anicet, Laschuk e Pereira (2012) usaram os processos da pesquisa
etnográfica, tais como observação participante, descrições, diários de
campo e entrevistas, para levantar “o processo de significação dos
elementos da cultura” no campo de Design de Moda, com o objetivo de
“conceitualização e mapeamento dos processos artesanais têxteis na
região metropolitana de Porto Alegre”.
•
Flores (2010) usou a pesquisa etnográfica aplicada a comunidades virtuais,
para um levantamento de características de objetos culturais materiais e
imateriais que possam ajudar na definição da representação da identidade
cultural do Estado do Rio Grande do Sul, através da ótica do Design de
Produto.
•
Araújo (2012), enfim, estudou como a relação entre os processos da
Pesquisa Etnográfica e do Design, numa perspectiva metodológica na qual
indica como informações oriundas da primeira podem ser aplicadas no
universo da pesquisa em Design, tendo como objeto de pesquisa o caso de
uma empresa carioca especializada em Design de Serviços.
A pesquisa etnográfica, como instrumento de coleta de dados, apresenta-se,
portanto, como a concretização do caráter interdisciplinar do design em sua relação
transversal com a Antropologia.
3.3.2. O Informante Chave na Pesquisa Etnográfica
O objeto da Etnografia é o ser humano e pesquisar seu comportamento
sóciocultural é o seu objetivo. O sujeito, historicamente fazedor da ação social,
contribui para significar o universo pesquisado, ”exigindo uma constante reflexão e
reestruturação do processo de questionamento do pesquisador” (MATTOS, 2001).
86
Uma comunidade tem seu patrimônio imaterial diluído nos seus indivíduos, e os
modos de pensar, de agir, de sentir, os conhecimentos e saberes estão ligados à
comunidade pelos seus membros. Este patrimônio pode, no entanto, ser distribuído de
forma diferente entre tais membros, sendo que uns podem dominar certos conteúdos
que outros não dominam. Todavia, um conteúdo sob domínio de membros específicos
é identificado e considerado pelos demais membros como mais uma peça do mosaico
cultural local e pertencente a todos no geral. Assim, os conteúdos pesquisados são
dados subjetivos,
pois trata-se do modo como aquele sujeito observa, vivencia e analisa
seu tempo histórico, seu momento, seu meio social etc.; é sempre um,
entre muitos pontos de vista possíveis. Assim, tomar depoimentos como
fonte de investigação implica extrair daquilo que é subjetivo e pessoal
neles o que nos permite pensar a dimensão coletiva, isto é, que nos
permite compreender a lógica das relações que se estabelecem
(estabeleceram) no interior dos grupos sociais dos quais o entrevistado
participa (participou), em um determinado tempo e lugar (DUARTE,
2004).
A UNESCO (2003) define que o patrimônio cultural imaterial, no que diz respeito
às práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, junto com
conteúdo material relativo aos instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que
lhes são associados, são referentes às comunidades, aos grupos e, em alguns casos,
aos indivíduos, que os reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
O conceito de indivíduo representativo está relacionado ao indivíduo/membro de
uma determinada comunidade, que reúne em si e expressa concepções, crenças,
práticas e expectativas do todo social a que pertence. Essa representatividade não
está associada necessariamente ao número ou à quantidade de registros que o
mesmo possa apresentar, mas à intensidade com que reproduz determinados
artefatos
de
sua
cultura.
Malinowski
(1984),
na
sua
pesquisa
em
algumas
comunidades autóctones do Pacífico Sul, foi o primeiro antropólogo que enfatizou a
importância de apreender o ponto de vista dos habitantes locais, usando informantes
chave para a coleta de informações orais, que estavam presentes principalmente no
conhecimento dos anciãos das aldeias, como o caso do ancião chamado Ibena, “um
bom informante, ansioso por instruir e mostrar sua sabedoria e conhecimento”
(MALINOWSKI, 1984, p. 348).
Por isso, faz-se importante a explicação do conceito do Ser Representativo,
Informante Chave ou Indivíduo Síntese, como alguém que reúne em si parte do
conteúdo intangível, integrante de um repertório sóciocultural. Ginzburg (1987, p 27 e
28) refere-se a esse ser representativo como “um microcosmo de um estrato social
inteiro”, capaz de expressar tanto as singularidades como as generalidades do que o
rodeia. Segundo Rosa, Lucena e Crossetti (2003), o “Informante Chave é a pessoa
87
que conhece ou vivencia um fenômeno sóciocultural”, levando o foco da pesquisa
etnográfica para a observação dos informantes no contexto cultural pesquisado.
Assim, essa pessoa identificada pelo pesquisador no universo de pessoas da
comunidade como o Ser Representativo, funciona como um componente de um
conteúdo, partilhado de forma espontânea pelos demais componentes daquele
segmento social. Segundo Mattos (2001), a “Etnografia está interessada no
significado local das coisas para estas pessoas em particular”. Como exemplos do uso
de informante chave em trabalhos etnográficos, é possível citar:
•
Araújo (2010), que aplica o termo Informante em Foco para Expedito
Lourenço, um iniciado em religiões afro-brasileiras, o qual é descrito
fisicamente, gestualmente, comportamentalmente e socialmente, assim
como tem a descrição de sua biografia, durante a coleta de informações
sobre o candomblé que praticava.
•
Jardim e Pereira (2009), que usaram o termo de Informante Local durante a
pesquisa etnográfica no município de Bocaina de Minas (MG). Esse
informante local proporcionou coletar dados sobre determinadas práticas
comumente utilizadas por produtores rurais do município, como por
exemplo, o preparo do solo com fogo. Além disso, as pesquisadoras usaram
dados desse informante durante técnica da caminhada transversal, que
consistiu em percorrer uma determinada área da unidade de produção rural,
acompanhado do informante local, observando todo o socioecossitema.
•
Benetti e Lenardt (2006) usaram o termo informante-chave para as pessoas
entrevistadas durante pesquisa etnográfica realizada em um hospital
localizado na região do Contestado, Planalto Norte Catarinense, para coletar
as opiniões e significados com o objetivo de compreender o que as pessoas
sabem sobre o sangue e as transfusões sangüíneas.
A escolha do informante chave é, para Duarte (2002), uma prioridade, pois
permite a descrição e delimitação da população base, ou seja, dos sujeitos a serem
entrevistados, assim como o seu grau de representatividade no grupo social em
estudo, pois se trata do solo sobre o qual grande parte do trabalho de campo será
assentada. Nesta tese será utilizada a expressão ser representativo utilizada por
Ginzburg (1987, p 27 e 28) como indicado anteriormente.
3.3.3. Seleção de ferramentas da pesquisa etnográfica
Diário de campo
O diário de campo é um registro pessoal, feito pelo pesquisador, onde se anotam
as observações, impressões e interpretações pessoais sobre os fatos observados; o
88
comportamento das pessoas observadas; registro do levantamento in loco de
informações relacionadas a atividades realizadas. Trata-se de uma forma de registrar
informações específicas da área de intervenção, das rotinas, observações sobre
relatos e descrição sobre as intervenções e sobre a realidade.
Nesse sentido, “as anotações descritivas realizadas em diário de campo
pretendem transmitir com exatidão a exposição dos fenômenos sociais – requisito
essencial da pesquisa qualitativa” (LIMA, MIOTO E PRÁ, 2007). Trata-se, portanto de
uma fonte primária de informações sobre o fenômeno estudado.
Entrevista semiestruturada:
As entrevistas podem ser classificadas como:
•
Não estruturada, aberta ou não diretiva, na qual não há critérios ou roteiros
para a abordagem dos assuntos a serem tratados, ficando a entrevista a mais
espontânea possível, mas também de resultado imprevisível;
•
Estruturada, também conhecida como entrevista diretiva ou fechada, feita a
partir de perguntas e questionários previamente elaborados, na qual não há
oportunidade para outras abordagens a não ser aquelas já definidas, o que
pode ser considerado como um fator limitante e não aberto às informações
espontâneas importantes;
•
Semiestruturada, ou semidiretiva ou semiaberta. Esta é uma técnica de
coleta de dados subjetivos através da aplicação de questionários e/ou de
conversa informal. Segundo Lüdke e André (1986, p. 34) trata-se de uma
entrevista que se “desenrola a partir de um esquema básico e pré definido”, o
roteiro, que, todavia, não é aplicado rigidamente, permitindo adaptações do
pesquisador. Justifica-se, quando se pretende obter dados que envolvam
sentimentos, valores, conhecimentos, saberes, fatos e opiniões.
Para Duarte (2002), “pesquisas de cunho qualitativo exigem a realização de
entrevistas, quase sempre longas e semiestruturadas”, nas quais a coleta de dados
será feita a partir da descrição e delimitação da população base. Esse tipo de
entrevista se realiza tanto numa forma de combinação de perguntas fechadas e
abertas num mesmo questionário e/ou na forma de um roteiro pré-estabelecido com o
qual o pesquisador poderá realizar a entrevista como uma “conversa informal”, na
qual os dados serão obtidos sem que se fuja do tema a ser tratado (BONI e
QUARESMA, 2005). Conforme Duarte (2004), as entrevistas são fundamentais,
quando se precisa ou se deseja “mapear práticas, crenças, valores e sistemas
classificatórios de universos sociais específicos”.
89
A entrevista semiestruturada segue as questões e os roteiros sem deixar de ser
flexível. As vantagens são, primeiramente, o aumento de interatividade entre
entrevistador e entrevistado, permitindo o aprofundamento de certos assuntos que,
por acaso, venham à tona naquele instante. Em segundo lugar, há maior liberdade
para
respostas
espontâneas
dos
entrevistados,
que
colaboram
tanto
para
o
levantamento de informações subjetivas e comportamentais, como para o aumento
das informações coletadas, que não foram previstas inicialmente, mas que podem ser
importantes ou mesmo surpreendentes. A metodologia de entrevista semiestruturada
proposta nesta tese constitui-se numa síntese baseada em Duarte (2002) e em Boni e
Quaresma (2005), cujos fundamentos são:
•
Escolha dos entrevistados: definida a partir do reconhecimento de uma
representatividade dentro do contexto ou dentro do assunto abordado. Essa
escolha parte do conhecimento prévio do pesquisador quanto aos possíveis
entrevistados, feito a partir de contatos preliminares sem uma metodologia
específica para tal. Segundo Duarte (2002), o número de pessoas a serem
entrevistadas, que não pode ser definido a priori, é menos importante do que a
qualidade das informações coletadas, que variam a depender da profundidade do
conhecimento sobre determinado assunto, da convergência ou divergência de
opiniões e de demais fatores subjetivos. De acordo com as pessoas entrevistadas
podem aparecer novos dados permitindo análises mais consistentes e densas,
levando à identificação de padrões simbólicos, práticas, sistemas classificatórios
etc.
•
Elaboração do roteiro: o roteiro é constituído por pontos, itens, tópicos ou
perguntas abertas que são apresentadas ao entrevistado, “gerando uma conversa
que aborda o assunto da pesquisa ou guiando a entrevista através destes tópicos a
serem cobertos” (LÜDKE E ANDRÉ 1986, p. 36). O roteiro fica sob o controle do
pesquisador e não é apresentado ao entrevistado. A conversa é então anotada ou
gravada para posterior compilação ou transcrição.
3.4. OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
A observação participante apresenta-se como um método de pesquisa que
“consiste na inserção do pesquisador no grupo observado, tornando-se parte dele”
(QUEIROZ, 2007). Becker descreve a ação do observador participante ao coletar
dados através de sua participação na vida cotidiana de uma comunidade:
90
Ele observa as pessoas que está estudando para ver as situações com
que se deparam normalmente e como se comportam diante delas.
Entabula conversação com alguns ou com todos os participantes desta
situação e descobre as interpretações que eles têm sobre os
acontecimentos que observou. (BECKER, 1993, p. 47)
Seu objetivo é o de compreender um contexto pesquisado através da observação
dos comportamentos, hábitos, atitudes, interesses, relações interpessoais e demais
características do cotidiano de um grupo social. Para Lima, Almeida e Lima,
a observação participante é a técnica de captação de dados menos
estruturada que é utilizada nas ciências sociais, pois não supõe
qualquer instrumento específico que direcione a observação. Dessa
forma, uma das limitações existentes pode ser o fato de que a
responsabilidade e o sucesso pela utilização dessa técnica recaem
quase que inteiramente sobre o observador. (LIMA, ALMEIDA E LIMA
1999)
Entretanto, para Correia (2009) a observação participante pode se relacionar
com outros métodos e técnicas de pesquisa se complementando “com a entrevista
semi-estruturada ou livre, embora também com outras técnicas como análise
documental, se bem que a mesma possa ser aplicada de modo exclusivo”,
possibilitando, assim, uma de coleta de informações mais objetiva.
O entendimento do contexto pesquisado exige que o observador se torne parte
do mesmo, convivendo com o cotidiano da comunidade pesquisada e explicitando seu
papel ao abordar o objeto em estudo. Essa inserção, todavia, não implica na perda da
identidade do pesquisador, que deve “mostrar-se diferente do grupo pesquisado. Seu
papel de pessoa de fora terá que ser afirmado e reafirmado” (VALLADARES, 2007)
levando-o a tomar consciência das possibilidades, limites e responsabilidades do seu
papel durante a pesquisa. Para Valladares (2007) “a observação participante implica
saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos. É preciso aprender quando
perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa”.
Correia (2009) identifica três fases da observação participante: a descritiva, a
focalizada e a seletiva, sendo que não há uma seqüência obrigatória nas suas
aplicações: na primeira, a descritiva, o observador procura por uma “visão geral” do
contexto observado, possibilitando a coleta e análise de informações iniciais. A
segunda, a focalizada, busca, dentro das informações coletadas, as mais significativas
e relevantes, com o objetivo de aprofundamento do entendimento do contexto.
Finalmente a ultima, a seletiva, é feita após novas visitas ao campo, com o objetivo
de novas coletas e análises dos conteúdos antes focalizados.
91
3.5. ESTUDO DE CASO
O estudo de caso pode ser considerado como um método de pesquisa qualitativa,
na qual um contexto pode ser entendido, analisado e explicado a partir de um
fenômeno nele existente. Ou seja, ao se selecionar um fenômeno para entender seu
contexto, esse fenômeno denomina-se então caso. Gil (1996, p. 58) caracteriza o
Estudo de Caso como “o estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de
maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento”.
Considerando-se que todo caso se insere em um determinado contexto e que
com ele interage, entende-se também que o próprio caso selecionado pode promover
o conhecimento e a compreensão das forças que atuam no seu entorno e dos
elementos que deste entorno o influenciam. Assim há uma contribuição para o
entendimento tanto dos fenômenos individuais quanto dos coletivos/sociais que
permitem “uma investigação para se preservar as características holísticas e
significativas dos eventos da vida real - tais como ciclos de vida individuais” (YIN,
2001).
Gil aponta alguns critérios para a aplicação deste método, destacando entre eles
a delimitação da unidade-caso, que para ele “pode ser uma pessoa, uma família, uma
comunidade, ou conjunto de relações ou processos ou mesmo uma cultura” (GIL,
1996, p. 121). A determinação dessa unidade-caso exige, por seu lado, a aplicação de
certos critérios, sendo um dos mais relevantes a busca de casos típicos que ofereçam
a melhor expressão da questão a ser investigada (GIL, 1996, p. 122). Yin (2001, p.
94 e 98) por sua vez, destaca o papel da pessoa-chave, que deve ser abordada
“conforme a disponibilidade do entrevistado”. Os dados coletados a partir dessa
investigação devem abranger comportamentos, atitudes e percepção individuais desse
informante-chave relacionados ao seu contexto.
Como exemplo de estudo de caso no Design pode-se citar o estudo de Tanure e
Kistmann (2010), no qual é feito uma avaliação da forma como é usada a gestão do
design no setor de moda nos seus três níveis: estratégico, tático e operacional através
do estudo de uma empresa de produtos de vestuário com sede em Curitiba-Paraná.
Esta pesquisa foi baseada em questionários como principal ferramenta para se obter
dados que explicassem o contexto do mercado de moda na sua relação com os
procedimentos da gestão do design através da caracterização das operações
gerenciais dessa empresa.
92
3.6. PESQUISA DOCUMENTAL
Denominada por Rudio (1999) de observação documental, este método de
pesquisa fundamenta-se na busca de informações sobre determinado tema em
documentos impressos, fotográficos e/ou digitais. Tratando-se de informações que se
apresentem sob a forma de documentos ou dados ainda não analisados e
interpretados, seu conteúdo é caracterizado como fonte primária. No caso contrário,
constituem-se, então, como fontes secundárias.
A pesquisa documental consiste em identificar, verificar e apreciar os
documentos com uma finalidade específica e, nesse caso, preconiza-se
a utilização de uma fonte paralela e simultânea de informação para
complementar os dados e permitir a contextualização das informações
contidas nos documentos (SOUZA, KANTORSKI e LUIS, 2011).
A coleta de dados documentais deve ser organizada sobre uma base de fichas
impressas ou eletrônicas, onde as referências são registradas e as informações
relativas ao tema, seu desenvolvimento, os argumentos e as conclusões, bem como
os dados essenciais à elaboração dos conteúdos são reunidos.
As metodologias abordadas neste capítulo apresentam como peculiaridade a
convergência de orientações quanto às formas de abordagem do objeto, técnicas de
investigação, relação entre pesquisador e pesquisados e objetivos buscados. Por
caminhos muito aproximados, por exemplo, a pesquisa-ação e a observaçãoparticipante interagem, ajudam a reconhecer problemas, buscam e sugerem soluções
aos membros dos grupos sociais onde são aplicadas. Por sua vez o estudo de caso, ao
focalizar como sujeito de sua investigação um agente social de uma determinada
comunidade, trata-o como informante-chave, indivíduo representativo dos saberes e
práticas de um dado grupo social, aproximando-se claramente de procedimento
semelhantes presentes na pesquisa etnográfica. Esta, por sua vez, se apoia na
observação, na narrativa e em depoimento de membros representativos de um grupo
em estudo. A impossibilidade de estabelecer limites rígidos entre os referidos
procedimentos
metodológicos
e
a
convergência,
acima
indicada,
de
seus
componentes, explicam a interligação, dentro do universo proposto pela pesquisaação, de etapas componentes da pesquisa etnográfica, da observação participante e
do estudo de caso.
93
4
MÉTODO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
Neste capítulo é apresentada a proposta metodológica a ser aplicada na
pesquisa, cujo objetivo é o de intermediar a produção artesanal de comunidades
rurais com o mercado urbano e adequar características dos produtos daquele
artesanato a requisitos estabelecidos pelo mercado, sem prejuízo dos componentes
identitários dos produtos referidos. Esta proposta baseia-se no modelo de Pesquisaação de Thiollent (2002), já descrito anteriormente no Cap. 3, o qual será adaptado
neste trabalho às condições concretas exigidas pela relação entre o design e o
artesanato de uma comunidade tradicional.
A escolha da Pesquisa-ação como método de referência resultou da compreensão
de que a mesma permite a intervenção concreta do pesquisador em realidades
socioeconômicas específicas, buscando entendimento da sua estrutura interna e a
proposição de soluções para problemas de natureza social que forem detectados. A
necessidade desta adaptação justifica-se tanto pela introdução nas etapas da
Pesquisa-Ação de procedimentos metodológicos provenientes da pesquisa etnográfica,
da
observação
participante
e
do
estudo
de
caso,
quanto
pelas
exigências
apresentadas na elaboração de projetos em design voltados para comunidades
tradicionais. Este capítulo é finalizado com a apresentação das quatro etapas do
procedimento metodológico desenvolvidas para orientar a parte da aplicação prática,
descrita no capítulo 5.
4.1. ADAPTAÇÕES NO MODELO DE PESQUISA-AÇÃO
O modelo de Pesquisa-ação de Thiollent (2002) constitui-se como referência para
muitos trabalhos nesta área, tornando-se fundamento para a concepção metodológica
desta pesquisa e para validar os argumentos nela contidos. Gil (1996, p. 126 à 131)
fazendo uma leitura desta proposta, elaborou uma sistematização das suas etapas,
94
descritas no capítulo 3 as quais são tomadas como roteiro estruturante para a
proposta de Pesquisa-ação Adaptada apresentada neste trabalho.
Tiollent (2002) não estabelece critérios rígidos para a escolha das ferramentas de
pesquisa específicas para cada etapa da Pesquisa-ação, bem como Gil não faz na sua
leitura referida. Em geral sugerem procedimentos e indicações genéricas sobre o uso
de questionários, roteiros de entrevistas e discussões entre pesquisadores e
pesquisados. No que diz respeito à coleta de dados, os dois Autores são mais
precisos, referindo-se ao questionário, à entrevista, à história de vida, ao sociograma
ou mesmo à observação participante. Para Gil (1996, p. 129) “a pesquisa-ação tende
à adotar preferencialmente procedimentos flexíveis. Primeiramente porque, ao longo
do processo de pesquisa, os objetos são constantemente redefinidos, sobretudo a
partir das decisões do seminário”.
Essa flexibilidade dá a oportunidade para que, neste trabalho, as propostas de
pesquisa-ação referidas sejam adaptadas às diretrizes estabelecidas na hipótese e nos
objetivos, resultando na proposta aqui denominada de Pesquisa-ação Adaptada. Essa
adaptação responde às necessidades de:
•
Entender o contexto cultural da comunidade abordada mediante a
aplicação de procedimentos da pesquisa documental e da observação
participante;
•
Coletar dados nos universos de pesquisa indicados, necessários ao alcance
desse entendimento, aplicando ferramentas da pesquisa etnográfica;
•
Aprofundar
a
análise
sobre
os
universos
de
pesquisa
abordados
selecionando um informante chave que se constituirá como um estudo de
caso;
•
Inserir procedimentos da pesquisa em design necessários à elaboração e
execução do plano de ação.
Nesta proposta de pesquisa-ação adaptada, ficam estabelecidos os papéis da
pesquisa-ação e do design. A primeira como o caminho metodológico estruturante
onde se passa o diálogo entre a produção artesanal e o mercado urbano, num
processo de intermediação; o segundo, parte integrante do plano de ação,
desempenha o papel de instrumento de adequação dos produtos artesanais aos
requisitos estabelecidos por aquele mercado. O Quadro 08 demonstra graficamente a
proposta da Pesquisa-ação Adaptada.
95
QUADRO 08
Proposta de adaptação da pesquisa-ação de Thiollent
PESQUISA-AÇÃO PROPOSTA POR
THIOLLENT
PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
Fase exploratória
Problema
Construção de hipóteses
Seminário
Seleção da amostra
Coleta de dados
Análise e interpretação dos dados
Plano de ação
Î
Fase exploratória
Problema
Hipótese
Interação com os universos de pesquisa
Informante chave / Estudo de Caso
Î
Coleta, descrição e análise de dados
Î
Plano de ação
Apresentação e resultados alcançados
Î
Î
Î
Divulgação dos resultados
Î
Resultados esperados e efeitos colaterais
Fonte: Desenvolvido pelo autor
No Quadro 08, a coluna relativa à Pesquisa-ação Adaptada está assim
discriminada:
•
Fase exploratória: nesta fase são desenvolvidas ações de reconhecimento
do contexto dos universos da pesquisa, isto é a comunidade rural e o
mercado urbano, estabelecendo contato com seus membros, a partir de
procedimentos da observação participante. No primeiro, é identificada a
atividade econômica que apresente afinidade com os processos de design
tais como aspectos plásticos, funcionais e de produção; no segundo, são
identificados
necessidades
e
desejos
que
indiquem
a
abertura
de
oportunidades para a atividade econômica do primeiro. Para tal sugerem-se
a apresentação do pesquisador e sua proposta de pesquisa, a discussão do
projeto e a possibilidade de sua aceitação pelos dois universos;
•
Problema e hipóteses: o resultado da fase exploratória permite a
construção da problematização necessária à formulação do problema de
pesquisa e à elaboração da hipótese para a sua solução;
•
Interação do pesquisador com os universos de pesquisa: nesta fase
avalia-se a aceitação do pesquisador e sua proposta pelos membros dos
universos de pesquisa, permitindo o estreitamento entre seus laços. A partir
daí podem ser identificados a estrutura, as hierarquias e os papeis sociais
dos seus componentes, tal como suas lideranças. Nesta fase também são
levantadas informações sobre tradições, saberes e práticas que compõem o
contexto cultural do universo da comunidade rural, mediante o uso de
procedimentos
da
pesquisa
participante
e
ferramentas
da
pesquisa
etnográfica. Essas informações permitem selecionar o tipo de produção
96
artesanal a ser objeto da pesquisa, tal como o perfil e o compromisso
sóciocultural da entidade representante do mercado urbano. Finalmente,
avalia-se a possibilidade de articulação dos interesses dos dois universos,
esboçando-se uma perspectiva de intermediação proposta pelo pesquisador;
•
Informante chave / Estudo de Caso: a seleção do tipo de produção
artesanal
a
ser
objeto
de
pesquisa
determinará
a
seleção
do(s)
informante(s) chave que se constiuirá(rão) como o estudo de caso. Propõese, então, o uso de ferramentas da pesquisa etnográfica e da observação
participante;
•
Coleta, descrição e análise de dados: propõe-se nesta etapa o uso de
instrumentos de pesquisa tais como o diário de campo, entrevistas,
fotografias, descrições, análise documental, dentre outros;
•
Plano de ação: definição do papel do pesquisador, do informante chave,
dos representantes do mercado urbano, bem como dos demais membros
dos
universos
de
pesquisa,
usando-se
procedimentos
da
pesquisa
participante. Estabelecimento das ações necessárias à intermediação entre a
produção artesanal de uma comunidade rural e o mercado urbano, com
vistas à possibilidade de compatibilização entre os interesses mútuos.
Adequação, mediante a aplicação de ferramentas da pesquisa etnográfica e
da metodologia do design, dos produtos artesanais ao mercado urbano,
gerando novos produtos, na forma de protótipos;
•
Apresentação e resultados alcançados: os resultados alcançados serão
submetidos a apreciação e a aprovação nos dois universos de pesquisa. Na
comunidade rural, para a observação quanto à preservação dos caracteres
identitários; no mercado urbano, para a comprovação da aplicação dos
requisitos
estabelecidos.
Posteriormente,
propõe-se
a
busca
de
um
feedback, a partir de coleta de informações posteriores à apresentação dos
protótipos, com o objetivo de correção de eventuais erros e aplicação de
melhorias;
•
Resultados esperados e efeitos colaterais: sua observação, por não ser
de
ação
imediata,
demandará
o
tempo
necessário
para
que
seus
desdobramentos possam ser identificados, avaliados e eventualmente
corrigidos.
97
O processo de adaptação no modelo de Pesquisa-ação proposto por Thiollent
(2002) das diretrizes metodológicas do design ocorre de forma dinâmica, permitindo
que suas etapas se articulem entre si, realimentando as necessidades que se
apresentarem em cada uma delas. Os dados documentais e os etnográficos, as
observações
da
pesquisa
participante
e
a
atuação
do
informante-chave,
na
perspectiva de um estudo de caso, permeiam todo o processo, mesmo que sua
intensidade seja variada. Da mesma forma o papel do pesquisador torna-se mais ou
menos intenso a depender da situação, mas continua presente.
4.2. FERRAMENTAS METODOLÓGICAS USADAS NA PESQUISA-AÇÃO
ADAPTADA
A articulação entre os componentes que modificam o modelo de pesquisa-ação
proposto por Thiollent e o transformam em Pesquisa-ação Adaptada é demonstrada
no Quadro 09. Nele são explicitadas as ações e aplicações decorrentes da introdução
de procedimentos da pesquisa documental, da pesquisa etnográfica, da observação
participante, do estudo de caso e do estudo em design para a obtenção do produto
final decorrente das ações de intermediação e de adequação dos produtos artesanais
ao mercado urbano.
QUADRO 09
Componentes da Pesquisa-ação Adaptada
PESQUISA
Documental
AÇÃO
Levantamento de informações
teóricas e de conteúdo
Etnográfica
Coleta de dados etnográficos e
outros
Observação
participante
Coleta de informações e interação
com os membros da comunidade
Estudo de caso
Pesquisa em
design
Coleta de informações específicas
a partir do informante-chave
Plano de ação baseado em:
• levantamento de características
do artesanato;
• levantamento de requisitos;
• desenvolvimento de protótipos.
Fonte: elaboração do Autor
APLICAÇÃO
Em todo o processo da pesquisa
Identificação:
• dos entrevistados;
• do informante-chave;
• do tipo de artesanato objeto da
pesquisa;
• do representante do mercado
urbano.
Elaboração do plano de ação
• Contexto sociocultural da
comunidade pesquisada;
• Elaboração do plano de ação.
Intermediação entre a produção
artesanal e o mercado urbano
Adequação de produtos artesanais
ao mercado urbano
98
O conteúdo do Quadro 09 exige o detalhamento de alguns procedimentos como
os relacionados a seguir.
•
Critérios para a seleção da comunidade tradicional rural: estar integrada ao
contexto cultural do seu território de identidade; apresentar características
culturais tradicionais nas relações com o território onde se localiza; apresentar
uma produção artesanal que indique a presença de saberes e práticas comuns às
comunidades tradicionais da região e que seja capaz de ser abordada pelo design;
apresentar no seu cotidiano necessidades relacionadas à sobrevivência social e
econômica dos seus membros; estar à margem de incentivos e programas oficiais
e de empresas privadas voltadas à dinamização e valorização do artesanato
regional.
•
Critérios de seleção dos entrevistados: buscando alcançar pontos de vista
variados quanto às questões apresentadas, são solicitadas entrevistas com
diferentes membros da comunidade, segundo os seguintes critérios:
o
O público a ser entrevistado deve ser membro da comunidade e estar
integrado no seu cotidiano.
o
Seu número dependerá das circunstâncias e das possibilidades apresentadas
pela comunidade, devendo fornecer informações suficientes para uma
análise e compreensão dos valores, das práticas, das atitudes, dos
comportamentos, dentre outros componentes significativos da cultura da
população estudada.
o
Esse grupo deve integrar pessoas de diferentes faixas etárias e diferentes
posições na hierarquia social da comunidade.
•
Critérios de seleção do informante chave: a escolha do informante chave deve
obedecer a critérios pré-estabelecidos, de modo a garantir a consistência e a
fidedignidade das informações a serem colhidas. Triviños (1987, p. 144) sugere
como pré-requisitos para a seleção do informante chave seu envolvimento, desde
o começo, no fenômeno que se quer estudar; o conhecimento amplo e detalhado
das circunstâncias que têm envolvido o foco em análise; a disponibilidade
adequada de tempo para participar no desenrolar das entrevistas e encontros e a
capacidade para expressar especialmente o essencial do fenômeno e o detalhe
vital que enriquece a compreensão do mesmo. Assim, com base nesses prérequisitos, foram definidos os seguintes critérios de seleção do informante-chave:
99
o
Ser membro da comunidade e estar integrado na produção do artesanato
escolhido;
o
Produzir artefatos compatíveis com os valores estéticos, funcionais e
simbólicos da comunidade;
o
Ter sua produção reconhecida pela comunidade como expressão das suas
tradições;
o
Demonstrar tanto o domínio das técnicas artesanais, quanto o interesse em
transmiti-las às futuras gerações da comunidade;
o
•
Estar disposto e disponível para participar da pesquisa.
Critérios
para
considerando-se
escolha
a
do
diversificação
estabelecimento
de
do
estabelecimentos
mercado
componentes
urbano:
de
um
mercado urbano, distribuídos, sobretudo, nas áreas de comércio e de serviços,
torna-se necessária a seleção de um setor que apresente afinidade com o
artesanato produzido por uma comunidade tradicional rural e cujas formas de
expressão sejam capazes de atrair o interesse da sua clientela. A diversificação
desse contexto dificulta assim a definição de critérios precisos para essa escolha,
dando lugar para a atuação da oportunidade e para os contatos pessoais buscados
pelo pesquisador. Assim, neste caso, o critério de escolha orienta-se para um
estabelecimento que apresente uma filosofia de valorização e incentivo da cultura
popular expressa por um artesanato tradicional.
•
Roteiro de conduta da observação participante: considerando-se as limitações
para o estabelecimento de instrumentos específicos do direcionamento para a
Observação Participante, segundo Lima, Almeida e Lima (1999), foi sugerido um
roteiro de conduta para a realização desse procedimento:
o
Estar atento, no cotidiano da comunidade, a tudo que contribua para
esclarecer e complementar informações preliminares e/ou espontâneas;
o
Buscar apoio das lideranças da comunidade;
o
Deixar livre o caminho da observação, dispensando formas ou roteiros a
priori;
o
Dar liberdade à livre expressão e às atitudes dos membros da comunidade;
o
Organizar as anotações das observações.
100
•
Organização do diário de campo: o diário de campo pode ser feito através de
anotações escritas ou gravadas. Estas últimas podem ser transcritas em uma ficha
que, segundo Triviños (1987, p. 158), deve conter:
o
Nome da instituição que patrocina a pesquisa;
o
Nome da pesquisa;
o
Nome do coordenador e do observador da pesquisa;
o
Assunto observado;
o
N° da observação;
o
Local, data, hora da observação;
o
Um comentário crítico sobre as mesmas.
4.3. PLANEJAMENTO DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
O planejamento do método da Pesquisa-ação Adaptada, descrito na Figura 22,
está organizado em 4 fases e tem como objetivo tanto esclarecer a relação de cada
uma delas com os itens do modelo adaptado como servir de roteiro a ser seguido,
desde os primeiros momentos, nos universos da pesquisa, até sua finalização.
FIGURA 22
Fases do planejamento da pesquisa-ação adaptada
FASE I - EXPLORATÓRIA
EXPLORATÓRIA / PROBLEMA / HIPÓTESE / INTERAÇÃO COM OS
UNIVERSOS DE PESQUISA
OBJETIVOS
1. CONHECER A COMUNIDADE E SUAS ATIVIDADES ECONÔMICAS
2. CONHECER O ESTABELECIMENTO URBANO SELECIONADO
3. CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA E DA HIPÓTESE
4. INTERAÇÃO DO PESQUISADOR COM OS UNIVERSOS DA PESQUISA
TAREFAS NA COMUNIDADE
•
Levantar informações na literatura especializada;
•
Contatar a comunidade, apresentando o pesquisador e seu projeto de pesquisa;
•
Pesquisar elementos da estrutura social e do repertório cultural local;
•
Identificar o tipo de artesanato com possibilidade de sofrer o processo de intermediação ao
mercado urbano;
TAREFAS NO MERCADO URBANO
•
Contatar um estabelecimento representante do mercado urbano, apresentando o pesquisador e
seu projeto de pesquisa;
•
Pesquisar características, desejos, necessidades e interesses que permitam sua articulação com a
produção artesanal da comunidade;
DADOS A SEREM LEVANTADOS
•
Características gerais da comunidade e do mercado urbano
•
Características gerais das atividades econômicas da comunidade
•
Características gerais da atividade artesanal selecionada que apresentem afinidade com os
processos de design e com os interesses do estabelecimento do mercado urbano
CONTINUA NA PÁGINA 101
101
FIGURA 15
Fases do planejamento da pesquisa-ação adaptada
(Continuação)
FASE II – ESTUDO DE CASO
INFORMANTE-CHAVE / ESTUDO DE CASO / COLETA, DESCRIÇÃO E ANÁLISE
DE DADOS NOS UNIVERSOS DA PESQUISA
OBJETIVOS
1. SELECIONAR O TIPO DE PRODUÇÃO ARTESANAL OBJETO DA PESQUISA
2. IDENTIFICAR O INFORMANTE-CHAVE A COMPOR O ESTUDO DE CASO
3. COLETAR, DESCREVER E ANALISAR OS DADOS ORIUNDOS DO INFORMANTE-CHAVE E DO
ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO
TAREFAS:
•
Designação do informante-chave como o artesão que comporá o estudo de caso;
•
Aplicação de entrevistas semiestruturadas, observação participante, anotações no diário de campo;
DADOS A SEREM LEVANTADOS
•
Características do processo artesanal, elementos identitários e biografia do artesão;
•
Levantamento das necessidades do estabelecimento do mercado urbano e os requisitos técnicos do
produto artesanal escolhido pelo mesmo.
FASE III - PLANO DE AÇÃO
INTERMEDIAÇÃO E ADEQUAÇÃO
OBJETIVOS
1. PROMOVER A INTERMEDIAÇÃO ENTRE OS DOIS UNIVERSOS DA PESQUISA,
O RURAL E O URBANO, APRESENTANDO O CONTEXTO DO ESTABELECIMENTO E SEUS REQUISITOS
2. DESENVOLVER SOLUÇÕES E PROCESSOS DE ADEQUAÇÃO DO PRODUTO ARTESANAL AOS
REQUISITOS INDICADOS MEDIANTE PESQUISAS EM DESIGN
3. DESENVOLVER PROTÓTIPOS QUE EXPRESSEM CONTEÚDOS TRADICIONAIS NO MERCADO URBANO
TAREFAS:
•
Identificar o produto artesanal requerido pelo estabelecimento urbano e as condições de
atendimento por parte do artesão;
•
Construir o conceito do produto artesanal a ser realizado pelo artesão a partir do seu repertório
cultural e dos requisitos apresentados pelo estabelecimento urbano;
•
Detalhar e confeccionar os protótipos pelo artesão aplicando soluções técnicas para a adequação
do produto artesanal aos requisitos estabelecidos;
•
Identificar a necessidade ou não de elaboração de uma Identidade Visual que informe a origem do
artesanato;
DADOS A SEREM LEVANTADOS
•
Características conceituais e físicas dos espaços e dos produtos artesanais usados no
estabelecimento do mercado urbano;
•
Requisitos técnicos para o desenvolvimento dos protótipos que sejam compatíveis tanto com os
requisitos do mercado urbano quanto com a identidade do artesanato da comunidade.
FASE IV - RESULTADOS
APRESENTAÇÃO E RESULTADOS
OBJETIVOS
1. APRESENTAR OS PROTÓTIPOS AOS UNIVERSOS DE PESQUISA
2. IDENTIFICAR OS RESULTADOS ALCANÇADOS
3. LEVANTAR DADOS PARA O FEEDBACK
TAREFAS
•
Apresentar os protótipos finalizados à comunidade e ao estabelecimento selecionado;
•
Recolher a opinião dos universos de pesquisa quanto aos protótipos apresentados;
•
Verificar se os protótipos resultantes atendem os significados culturais partilhados na comunidade
tradicional e aos requisitos do estabelecimento, satisfazendo os dois universos da pesquisa;
•
Analisar as informações e a opinião dos dois universos quanto aos protótipos apresentados,
identificando a necessidade de possíveis melhorias no processo;
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ALCANÇADOS
FEEDBACK
RESULTADOS ESPERADOS E POSSÍVEIS EFEITOS COLATERAIS
Fonte: produzido pelo Autor
102
Este planejamento diz respeito à organização das ações cujo detalhamento é
apresentado a seguir.
4.4. DETALHAMENTO DAS AÇÕES NAS FASES DA PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
FASE I: fase que reune as etapas: exploratória, formulação do problema e da
hipótese e a interação do pesquisador com os universos pesquisados, etapas estas
necessárias à obtenção do conhecimento sobre ambos, a caracterização de parte do
seu repertório cultural e a identificação de suas necessidades e desejos que possam
torná-los receptivos à proposta da pesquisa.
A formulação do problema específico da Pesquisa-ação Adaptada deve levar em
consideração as diferenças entre os universos de pesquisa, o interesse da comunidade
tradicional em direcionar sua produção para o mercado urbano e o interesse deste
mercado em produtos que expressem a identidade de comunidades tradicionais
rurais. Para a elaboração da hipótese deve-se se levar em conta as necessidades e
desejos do mercado urbano e a possibilidade de adequação desses produtos
artesanais aos requisitos estabelecidos por esse mercado.
No universo de pesquisa relativo à comunidade tradicional rural, devem ser
coletados dados sobre o patrimônio cultural, sua origem e história, a identificação dos
papéis sociais representados pelos membros do grupo, principalmente aqueles
responsáveis pelo artesanato, e o registro gravado, fotográfico e descritivo dos
depoimentos, opiniões e idéias comuns aos membros da comunidade. Também devem
ser observados os tipos de produção artesanal existentes na comunidade e
identificado
aquele
que
apresente
a
possibilidade
de
sofrer
o
processo
de
intermediação com o mercado urbano.
Em todas as visitas à comunidade, as ferramentas devem estar presentes,
permitindo a coleta de dados de maneira uniforme. O roteiro guia das entrevistas
semi-estruturadas, de posse e controle do pesquisador e mantido distante da
comunidade, deve ser aplicado por ocasião das visitas específicas de entrevistas,
envolvendo
o
número
de
pessoas
necessárias
ao
levantamento
de
dados.
Paralelamente devem ser coletados dados documentais, a partir de literatura
especializadas e de documentos oficiais e, em seguida, desenvolvidas as seguintes
ações:
103
•
Observação participante na comunidade e nas atividades de artesanato;
•
Entrevistas semi-estruturadas, gravadas para transcrição posterior;
•
Levantamento fotográfico do espaço e de atividades do artesanato em geral;
•
Registro sistemático em diário de campo.
No universo de pesquisa relativo ao estabelecimento representativo do mercado
urbano, devem ser coletados dados sobre sua atividade específica, seu publico alvo,
sua filosofia de trabalho e seu interesse por produtos artesanais tradicionais. O
registro gravado, fotográfico e descritivo dos depoimentos permitirá captar opiniões e
idéias expressas por sua gerência quanto ao uso de peças artesanais na composição
do
ambiente
do
estabelecimento.
Paralelamente
devem
ser
reunidos
dados
documentais a partir de literatura especializada. As visitas ao estabelecimento
permitirão o desenvolvimento das seguintes ações:
•
Observação participante nas dependências do estabelecimento;
•
Entrevistas semiestruturadas, gravadas para transcrição posterior;
•
Levantamento fotográfico do espaço do estabelecimento;
•
Registro sistemático em diário de campo.
O roteiro de entrevistas semi-estruturadas, dividido em dois blocos relativos aos
dois universos de pesquisa, está organizados para atender às informações necessárias
ao desenvolvimento da FASE I, como visto no Quadro 10. O bloco relativo à
comunidade é previsto para ser aplicado e respondido durante as reuniões promovidas
pelo pesquisador, com o máximo de indivíduos possível. Essa parte tem como objetivo
coletar informações amplas sobre as origens da comunidade, alguns de seus
comportamentos, relatos de necessidades, dificuldades e alegrias, além de opiniões a
respeito do modo de vida e relacionamento com outras comunidades e também com
os municípios vizinhos.
Os itens do bloco relativo ao estabelecimento do mercado urbano destinam-se ao
levantamento de dados para descrição do estabelecimento selecionado quanto às suas
características, filosofia de trabalho, clientela e, principalmente, informações sobre o
uso de produtos artesanais.
104
QUADRO 10
Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE I
FASE I
ÍTENS DO ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS
NA COMUNIDADE RURAL
1. Como nasceu / qual a origem da comunidade;
2. Como se organiza internamente: famílias, laços de parentesco;
3. Como se relaciona com as demais comunidades vizinhas e com a população urbana do
município;
4. Quais as atividades específicas da comunidade;
5. Quais as principais necessidades da comunidade no que se refere à propriedade da
terra, saúde, educação, habitação;
NO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO
1. Características do estabelecimento selecionado;
2. Filosofia de trabalho do estabelecimento;
3. Público alvo a ser atingido;
4. Razão do uso de produtos artesanais;
5. Relevância do uso de produtos artesanais.
Fonte: produzido pelo Autor.
FASE II: esta fase se desenvolve em torno de dois pólos de informação, de um
lado o informante-chave, na figura do artesão e demais membros da comunidade
tradicional rural e, de outro lado, o representante do estabelecimento urbano, de onde
são colhidas informações por meio de ferramentas da pesquisa etnográfica e da
observação participante.
Nesta fase primeiramente seleciona-se o tipo de produção artesanal a ser o
objeto da pesquisa, tendo como critério a possibilidade de dialogar com processos de
design, na qual podem ser observados conteúdos relativos ao uso de cores, texturas,
formas e materiais, dentre outros.
Em seguida, para a escolha do informante-chave devem ser aplicados os critérios
de seleção já descritos no detalhamento da Pesquisa-ação Adaptada, item 4.2,
sobretudo no que se refere à produção de artefatos compatíveis com os valores
funcionais e estéticos da comunidade em estudo. O informante-chave, que, além de
reunir informações amplas sobre o histórico da comunidade, tenha também sua
história de vida ligada diretamente ao artesanato em estudo, comporá o estudo de
caso.
Suas informações permitem ao pesquisador conhecer seu histórico de vida, a
formação do seu conhecimento e de sua prática na produção artesanal e, finalmente,
105
a relação entre o artesanato e os valores culturais presentes na comunidade, cuja
realização estabelece as seguintes ações:
•
Observação participante com o informante-chave;
•
Entrevistas semiestruturadas, gravadas para transcrição posterior;
•
Levantamento fotográfico das etapas de criação, produção e de produtos já
confeccionados;
•
Registro sistemático em diário de campo.
As informações colhidas junto à comunidade, mediante a aplicação de entrevistas
semi-estruturadas e da observação participante contribuem ao conhecimento do
pesquisador quanto ao contexto histórico-cultural da mesma, bem como a observação
e
o
levantamento
do
processo
criativo
e
produtivo
do
artesão
durante
o
desenvolvimento de peças artesanais, no cotidiano da comunidade.
No estabelecimento do mercado urbano devem ser levantados dados relativos
aos tipos de produtos artesanais nele utilizados, com ênfase em requisitos técnicos
plásticos, formais, funcionais, de durabilidade, de materiais e, principalmente, quanto
aos
valores
culturais
locais
neles
expressos,
conforme
os
critérios
descritos
anteriormente. Está prevista uma visita para fins de reconhecimento dos espaços,
identificação de produtos artesanais utilizados e critérios para provável produção de
peças artesanais por parte da comunidade, cuja realização estabelece as seguintes
ações:
•
Aplicação de entrevistas semi-estruturadas;
•
Observação participante;
•
Levantamento fotográfico dos produtos artesanais e dos espaços;
•
Anotações no diário de campo.
À semelhança da FASE I, são aplicados roteiros específicos para cada um dos
universos de pesquisa. Na comunidade, as entrevistas semi-estruturadas concentramse na figura do artesão sujeito do estudo de caso, com a recorrência a depoimentos
de outros membros da comunidade. No estabelecimento urbano, o roteiro concentrase na obtenção de informações relacionadas a aspectos físicos, significados e
requisitos técnicos. A sistematização desses roteiros está registrada no Quadro 11.
106
QUADRO 11
Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE II
FASE II
ÍTENS DO ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS
NA COMUNIDADE RURAL
1. O que levou o artesão a trabalhar com o artesanato escolhido;
2. Informações sobre os clientes e seus pedidos;
3. Ancestralidade • Origem da tradição do artesanato escolhido;
do artesanato
• Informações sobre outras pessoas que trabalham ou já
e formas de
trabalharam com o artesanato escolhido;
transmissão
• Informações sobre a produção e seus participantes/ajudantes;
do saber.
4. Condições de seleção e aquisição da matéria prima;
5. Como a artesão descreve o seu processo produtivo;
6. Verificação do processo de produção seguido pelo artesão na confecção dos seus
produtos;
7. Verificação das etapas de criatividade durante o processo de produção do artesanato.
8. Como a comunidade percebe e compreende o trabalho artesanal escolhido
NO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO
1. Significado cultural expresso nos produtos artesanais usados no estabelecimento;
2. Significado de “qualidade de produtos” para a gerência do estabelecimento;
3. Requisitos plásticos, formais e funcionais exigidos pelo estabelecimento;
4. Tipos de produtos artesanais usados no estabelecimento;
• Local de aplicação
• Função
5. Aspectos
• Material
físicos
• Acabamento
• Composição plástica
Fonte: produzido pelo Autor.
Para a realização da FASE I e FASE II, podem ser usados:
•
Gravador digital de som tipo MP3/MP4;
•
Máquina fotográfica digital;
•
Notebook, para suporte, preparação e organização de arquivos digitais;
•
Roteiro para a entrevista semiestruturada.
FASE III: o plano de ação constitui-se como o momento chave para a aplicação
dos objetivos da Pesquisa-ação Adaptada através das ações de intermediação entre os
dois universos da pesquisa e a adequação dos produtos artesanais aos requisitos
indicados pelo estabelecimento do mercado urbano. Além disso, é também nesta fase
que se desenvolve a articulação entre os passos dessas duas ações e o que preconiza
a síntese da metodologia em design, descrita no Cap. 3. Assim, tem-se como
demonstração, no Quadro 12.
107
QUADRO 12
Plano de ação
SÍNTESE DA
METODOLOGIA DO
DESIGN
AÇÕES
APLICAÇÕES
1
SÍNCRESE
¨
INTERMEDIAÇÃO
2
3
4
5
6
7
INFORMACIONAL
¨
¨
¨
¨
¨
¨
INTERMEDIAÇÃO
Informações preliminares
Esclarecimento quanto ao contexto do
estabelecimento
•
Esclarecimento quanto aos problemas a serem
resolvidos e tarefas a serem executadas
Requisitos para a adequação
ADEQUAÇÃO
Geração de ideias para solução
ADEQUAÇÃO
Seleção de materiais
ADEQUAÇÃO
Desenvolvimento dos protótipos
CONCEITUAL
DETALHAMENTO
PRODUÇÃO
RESULTADOS
FEEDBACK
•
•
FASE IV
FASE IV
FASE IV
FASE IV
Fonte: produzido pelo Autor.
Neste quadro, 12, a síntese da metodologia do design permite o planejamento
das ações de intermediação e adequação, tendo como ponto de partida as
informações preliminares passadas pelo pesquisador ao artesão, a partir das ações
desenvolvidas na FASE II e, como finalização, a produção dos protótipos dos produtos
artesanais selecionados. As etapas de resultados e feedback são o objeto de
desenvolvimento da FASE IV.
O processo da intermediação desenvolve-se pela relação entre a comunidade
tradicional rural, representada pelo informante-chave, na pessoa do artesão, e o
mercado urbano, representado pela gerência do estabelecimento escolhido. Busca-se,
nessa intermediação, a troca de informações entre o artesão e um representante de
uma instituição desse mercado.
Esse
processo,
regido
pela
observação
participante
do
pesquisador,
se
caracteriza pela visita do artesão ao referido estabelecimento, para que esse contexto
possa ser interpretado por si próprio, momento no qual o mesmo tomará
conhecimento das necessidades e desejos da instituição em visita, quanto a produtos
do seu interesse e quanto aos requisitos necessários para a produção de protótipos. A
quantidade de visitas poderá ser flexibilizada de acordo com as necessidades. Todos
esses encontros podem contar com a gravação dos diálogos entre os representantes
de cada um dos universos de pesquisa, levantamento fotográfico e registro no diário
de campo. Esse processo prevê as seguintes ações:
•
Visitas técnicas ao estabelecimento com a presença do artesão, com o
propósito de adquirir esclarecimentos quanto ao contexto do mesmo;
108
•
Tomada de conhecimento pelo artesão quanto aos requisitos técnicos
necessários à adequação dos produtos artesanais da comunidade às
necessidades do estabelecimento;
•
Seleção dos tipos de produtos a serem desenvolvidos e solicitação, por parte
do representante do estabelecimento, de um protótipo de teste do produto
artesanal escolhido.
O processo de adequação vem a seguir à intermediação. Segundo Coelho (2008,
p. 161) o termo “adequação” no design significa uma “adaptação, compatibilidade” ou
um atendimento a uma necessidade de algo a um contexto determinado. Essa fase
reúne elementos conceituais construídos a partir de requisitos estabelecidos pelo
representante do mercado urbano e de elementos do repertório cultural do artesão,
daí resultando em uma proposta de solução para o produto solicitado a ser construído
na forma de protótipos.
As soluções apresentadas buscam atender, primeiramente, aos requisitos do
estabelecimento urbano do ponto de vista de suas necessidades, quanto às questões
técnicas, e de seus desejos quanto às referências à identidade cultural que o origina.
Em segundo lugar, essas soluções são construídas a partir da aplicação de conteúdos
do repertório cultural da comunidade tradicional representada pelo artesão. A
necessidade de identificar com maior clareza a identidade cultural dos produtos
artesanais leva à possibilidade de desenvolvimento de identidade visual elaborada a
partir de metodologia específica.
A
partir
daí,
a
FASE
III
pode
compreender
duas
macroações:
a
de
desenvolvimento de uma identidade visual, se necessário, seguida pela produção dos
protótipos, ações estas descritas abaixo.
Construção de identidade visual:
•
Aplicação de observação participante e entrevistas semiestruturadas junto à
comunidade, para levantamento dos dados etnográficos necessários à
produção da identidade visual;
•
Desenvolvimento
gráfico
da
identidade
visual,
com
etapa
conceitual
realizada junto à comunidade e etapa técnico-construtiva desenvolvida pelo
pesquisador a partir das informações coletadas na comunidade;
•
Fabricação, pelo pesquisador, de etiquetas com a identidade visual para
aplicação nos protótipos.
109
Produção dos protótipos:
•
Discussão entre o pesquisador e o artesão quanto à aplicação dos requisitos
técnicos obtidos junto ao estabelecimento;
•
Escolha e aquisição de materiais necessários à produção dos protótipos pelo
pesquisador e pelo artesão;
•
Desenvolvimento do produto na comunidade, sob a responsabilidade do
artesão e sem a presença do pesquisador;
Nesta fase verifica-se a presença sistemática do pesquisador na condução do
processo de intermediação e adequação, utilizando procedimentos da observação
participante, da pesquisa etnográfica e de processos de design.
FASE IV: aborda os resultados alcançados, abrindo espaço para ações de
feedback e a expectativa tanto de resultados esperados quanto de efeitos colaterais.
Os resultados alcançados referem-se à expressão por parte da comunidade tradicional
rural e do estabelecimento do mercado urbano quanto ao alcance das expectativas
referentes às suas necessidades e desejos. No que se refere à comunidade, avalia-se
a presença dos elementos do seu repertório cultural nos produtos apresentados e sua
opinião quanto aos seus aspectos plásticos. No que se refere ao estabelecimento
urbano, avalia-se a satisfação dos requisitos por ele estabelecidos e a aparência
plástica geral dos produtos. A importância da coleta dessas opiniões refere-se à
validação dos resultados pelos dois universos de pesquisa. A FASE IV prevê as
seguintes ações:
•
Apresentação dos protótipos nos dois universos de pesquisa acompanhada
da observação participante do pesquisador;
•
Aplicação de entrevistas semiestruturadas nos dois universos de pesquisa,
para a coleta das opiniões dos seus componentes quanto aos produtos
apresentados.
As entrevistas semi-estruturadas devem estar baseadas nos roteiros que buscam
responder aos conteúdos referentes à presença do repertório cultural da comunidade
nos produtos apresentados e ao atendimento dos requisitos estabelecidos pelo
mercado urbano, como visto no Quadro 13:
110
QUADRO 13
Roteiro de entrevistas semi-estruturadas a ser aplicado na FASE IV
FASE IV
ÍTENS DO ROTEIRO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS
NA COMUNIDADE RURAL
1. Informações sobre formas;
2. Informações sobre cores;
3. Significados;
4. Participação da comunidade nos processos de construção dos protótipos;
5. Informações necessárias ao feedback.
NO ESTABELECIMENTO DO MERCADO URBANO
1. Informações sobre cores;
2. Informações sobre resistência;
3. Informações sobre plástica;
4. Significado cultural e rusticiade;
5. Informações necessárias ao feedback.
Fonte: produzido pelo Autor.
Uma avaliação global de todo o processo desenvolvido abre a expectativa para a
ocorrência de resultados a serem alcançados; o registro de efeitos colaterais e a
necessidade de ações de feedback que permitam a tomada de decisões quanto à
continuidade do processo, a modificações de alguns dos seus procedimentos ou
mesmo à reformulação completa da proposta de trabalho. Todo esse processo
demanda o atendimento ao tempo real de execução do projeto, período durante o
qual o pesquisador já não se encontra no campo de pesquisa, e as relações se
estabelecem diretamente entre os dois universos.
O
método
proposto
nesta
tese,
a
Pesquisa-ação
Adaptada,
tem
na
interdisciplinaridade sua principal característica. Dela dependem o diálogo entre
diferentes experiências e a flexibilidade indispensável para possibilitar sua replicação
em diferentes comunidades tradicionais em relação com o mercado urbano.
111
5
APLICAÇÃO DA
PESQUISA-AÇÃO ADAPTADA
Este capítulo relata como foram desenvolvidas as fases da Pesquisa-Ação
Adaptada, realizada de acordo com suas quatro fases propostas e explicadas no
capítulo
anterior.
Todavia
a
apresentação
do
trabalho
de
campo
não
está
rigorosamente presa à sequência do conteúdo de cada uma das quatro fases,
integrando os procedimentos de pesquisa às necessidades da narrativa do processo. A
experiência foi desenvolvida nos dois universos de pesquisa, uma comunidade
quilombola do Recôncavo da Bahia, aqui representando uma comunidade tradicional
rural e em um hotel localizado no Centro Histórico de Salvador, representando o
estabelecimento do mercado urbano.
A escolha da Comunidade Quilombola de Giral Grande decorreu da sua
identificação com os critérios de escolha de comunidades tradicionais, conforme
descrito no Cap. 4, onde se destacam sua integração com o território de identidade;
sua produção artesanal fundamentada em saberes e práticas tradicionais; suas
necessidades
de
sobrevivência
socioeconômica
distantes
do
atendimento
de
programas de incentivo ao artesanato.
Por sua vez, o estabelecimento escolhido do mercado urbano escolhido, o Hotel
Villa Bahia, foi selecionado por apresentar interesse em artesanato produzido por
comunidades tradicionais rurais, portanto por apresentar uma filosofia de valorização
da cultura popular expressa por essa produção artesanal e, finalmente, por utilizar
tais produtos no uso decorativo e funcional do seu cotidiano.
Os sujeitos da pesquisa foram representados pelo pesquisador, no seu papel de
agente motivador e orientador dos trabalhos; pela artesã e membros da comunidade,
no seu papel de representantes da cultura local; pelos membros da gerência do Hotel
Villa Bahia, no seu papel de representantes de um estabelecimento do mercado
urbano. O objeto da pesquisa foi o artesanato de retalhos produzido pela comunidade,
112
assim escolhida por se tratar da atividade local mais apropriada para a intermediação
e adequação propostas no plano de ação da Pesquisa-ação Adaptada.
5.1. FASE I - EXPLORATÓRIA
5.1.1. Contextualização e características da cultura da Comunidade
Quilombola de Giral Grande
A Comunidade Quilombola de Giral Grande, como mencionado no Capítulo 1,
pertence ao município de Maragojipe, localizado no Recôncavo da Bahia, a 133
quilômetros de Salvador. O município tem uma população estimada em 41.000
habitantes e 436 km² de área da unidade territorial, distribuída entre a sede e os seis
distritos: Coqueiros, Guaí, Guapira, Capanema, Nagé e São Roque do Paraguaçu
(IBGE, 2009). Segundo depoimento dos moradores da cidade (BARBOSA et al, 2010),
a primeira ocupação humana do município foi feita por volta do século XVI, por uma
tribo indígena pertencente à etnia Aimoré, que denominou a região de “Marag-gyp”,
que significa “vale ou rio dos mosquitos”, devido à infestação dos manguezais da
região por tais insetos. A Figura 23 apresenta a localização do município de
Maragojipe no Recôncavo da Bahia, tendo como referência a proximidade da cidade
de Salvador e a Baia de Todos os Santos.
FIGURA 23
Mapa da localização do município de Maragojipe
Fonte: Desenho do Autor a partir de: Brasil, Mapa Rodoviário da Bahia,
Ministério dos Transportes DNIT. 2002; IBGE. Mapa político do Estado da Bahia. 2010.
A existência de quilombos na região de Maragojipe é registrada desde 1713
(PEDREIRA, 1973, pp. 87 e 88.), numa área que abrangia também os atuais
municípios de Cachoeira, Muritiba e São Bartolomeu. Seus habitantes, escravos
fugidos das fazendas e engenhos de cana-de-açúcar próximos, eram, inicialmente,
andarilhos que, frequentemente, se fixavam em locais de difícil acesso, como forma
113
de autoproteção, formando as primeiras comunidades de quilombos da região. O
sucesso das várias tentativas de destruir esses grupos e capturar os escravos fugidos,
neles refugiados, pode ser considerado mínimo. Esses antigos quilombos são
provavelmente
os
antepassados
das
comunidades
quilombolas
da
região
de
Maragojipe, incluindo a comunidade hoje denominada Giral Grande.
O acesso do pesquisador a essa comunidade deu-se através de contatos por ele
estabelecidos com uma profissional da área de Educação que já trabalhava com
comunidades quilombolas da região e que o apresentou aos seus membros, ocasião
em que o mesmo explicou as razões e os objetivos do seu trabalho, conforme descrito
no Estrato do Diário de Campo Nº1, presente nos apêndices deste trabalho.
Giral Grande localiza-se nas cercanias de Maragojipe e faz parte de um complexo
de dez comunidades quilombolas, totalizando 550 famílias, assim denominadas:
Guaruçú, Guerém, Tabatinga, Giral Grande, Baixão do Guaí, Salamina, Enseadinha,
Quizanga, Porto da Pedra e Fazenda Dendê. Elas são organizadas principalmente por
grau de parentesco, com seus membros morando próximos, em pequenas vilas, sem
muita distância uma da outra. Giral Grande é cercada por vegetação litorânea, com a
presença de manguezais. O acesso é feito a partir de estrada asfaltada e trecho sem
pavimentação. As Figuras 24 e 25 mostram a paisagem natural nas suas cercanias, a
vegetação litorânea característica da região e o acesso através da estrada de terra.
FIGURA 24
Paisagens das cercanias de Giral Grande com destaque do Rio Paraguaçu
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
114
FIGURA 25
Estrada de terra que dá acesso à comunidade
Fonte: Fotografias do Autor, 2011
De acordo com o depoimento dos membros da comunidade,2 esta foi formada
com a união de escravos fugidos das fazendas de cana da região e descendentes de
índios que habitavam o local. Ocuparam, então, um antigo engenho de cana-deaçúcar, o qual é, atualmente, denominado pelos quilombolas de Fazenda dos Guedes.
O nome do local como Giral Grande é conhecido desde a ocupação desse engenho
pelos ancestrais da comunidade. Segundo esse mesmo depoimento, o substantivo
“giral”, que é corruptela do termo jirau, definido pelo Dicionárioweb (2011) como uma
armação de madeira sobre a qual se constroem as casas, significa para a comunidade
um posto de observação, colocado em um lugar alto, o que facilitava a tarefa de vigiar
os capitães do mato, milícias policiais comuns na época dos quilombos, destinadas à
fiscalização e à captura de escravos fugidos. Portanto, o nome Giral Grande foi
associado, pelos seus antigos habitantes, a um posto alto de vigilância, refúgio e
resistência.
Giral Grande é formada por um conjunto de casas, distribuídas em uma colina,
composta de uma casa principal, outras ao seu lado e em seu quintal, como pode ser
visto na Figura 26. Tal comunidade quilombola é formada pela família Calheiros,
constituída por, aproximadamente, 30 pessoas de todas as faixas de idade. A casa
principal abriga cerca de 15 membros. Os demais moram nas casas vizinhas, Figura
27, dentre os quais a responsável pelo artesanato de retalhos.
A área da frente das casas é de terra batida e solo arenoso, servindo como
acesso à estrada de terra de ligação a Maragojipe. Nos fundos da casa principal,
erguem-se as instalações das atividades artesanais e de subsistência, como a
plantação de mandioca e legumes, a fabricação de farinha de mandioca e o apiário.
2
Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral
Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.
115
FIGURA 26
Casa Principal de Giral Grande, considerada como sede da comunidade
Fonte: Fotografia do Autor, 2010
FIGURA 27
Demais casas localizadas na frente da comunidade.
1- Casas à esquerda da sede, construídas de adobe e alvenaria.
2- Casa de adobe, à direita da sede, na qual se realiza o artesanato de retalhos
1
Fonte: Fotografia do Autor, 2010
2
Quase a metade das casas da comunidade é de adobe, e o conhecimento de sua
fabricação artesanal para a construção das casas é valorizado pelos moradores como
parte da cultura local. O barro para a confecção dos blocos é retirado dos quintais das
casas, amassados e moldados com formas de madeira, como mostrado na Figura 28 e
29.
116
FIGURA 28
Parte das etapas de fabricação de blocos de adobe
1- Molde de madeira 2- Bloco sem acabamento
1
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
2
FIGURA 29
Casas de adobe da comunidade
1- Blocos de adobe secando ao sol; 2- Detalhe de uma parede de adobe;
3- Grande parte das casas é feita inteiramente com adobe, com pouco acabamento.
1
2
3
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
Muitos moradores cuidam e preservam as casas de adobe de forma sentimental,
principalmente os mais velhos. Há uma manifestação de afeto por tais casas,
reforçada pelo fato de muitas terem sido construídas pelos pais ou avós, há mais de
40 anos. Mas, apesar disso, tais moradas apresentam problemas, a exemplo da
concentração de animais perigosos, principalmente escorpiões e barbeiros, que se
escondem nas frestas dos blocos. Para enfrentá-los, está em curso o projeto da ONG
Pastoral da Terra, que prevê a substituição de todas as casas de adobe por outras de
alvenaria, com baixo custo para os moradores da comunidade.
Entretanto, segundo depoimento dos moradores, com a chegada das casas novas
e da energia elétrica, foram alterados antigos hábitos locais, gerando uma
preocupação com a perda de práticas tradicionais da comunidade, tais como o uso de
fogão a lenha e o candeeiro a gás. “Isso vai se perder, uma parte da cultura. Os meus
netos não vão ver mais casas de adobe, nem o fogão de lenha, nem o candeeiro.
117
Minha filha não viu o candeeiro, e ela já está com dez anos”,3 diz um representante da
comunidade, apesar do reconhecimento por todos os quilombolas dos benefícios
importantes que tais mudanças trarão.
Os membros de Giral Grande sobrevivem das atividades de subsistência.
Cultivam legumes e raízes; coletam mariscos nos mangues e no estuário do rio
Paraguaçu, dentre outras atividades para o consumo próprio. Já o mel e a farinha de
mandioca produzidos no local, de forma artesanal, além de atenderem o consumo
interno, também são vendidos nas feiras de Maragojipe, o que gera uma renda
importante para sua manutenção. As instalações de produção de farinha de mandioca
e mel ficam em área separada, nos fundos. Algumas dessas atividades econômicas
e culturais de Giral Grande, a exemplo da produção do mel e da farinha de mandioca,
são mostradas na figura 30:
FIGURA 30
Atividades econômicas de subsistência e comercial da comunidade:
1- Agricultura de subsistência: produção de raízes como a mandioca e o inhame; 2- Parte do
apiário: módulos para ampliação; 3- Produção de farinha: preparação da raiz de mandioca; 4- Produção
de farinha: moedor de mandioca.
1
2
3
4
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
Outra produção de destaque no local é a confecção de produtos artesanais
usando sobras e retalhos de tecidos adquiridos a baixo custo, destinados à geração de
roupas de cama, roupas para público adulto e infantil, acessórios de moda, dentre
outros, conforme exemplos vistos na Figura 31. Este artesanato despertou especial
atenção do pesquisador por ser o que apresentava as condições mais propícias de ser
articulado com os processos de design propostos para o plano de ação da Fase III.
3
Depoimento de representante da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande,
Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.
118
FIGURA 31
Peças do artesanato de retalhos
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
Essas atividades envolvem quase todos os seus moradores e também os das
demais comunidades da vizinhança, quando necessário, segundo depoimento dos
próprios. Os trabalhos feitos em mutirão, característica de comunidades quilombolas
rurais (O’DWYER, 2001, p. 19), como a produção de farinha, são exemplos do espírito
comunitário, de solidariedade e reciprocidade, que envolve quase todos eles, o que
fica em evidência no local.
A comunidade de Giral Grande se diz católica praticante. Isso se deve à presença
e à atuação do catolicismo no histórico da região. Também afirma não cultuar
religiões
de
descendência
africana,
muito
embora
venere
santos
e
práticas
influenciadas por religiões afrobrasileiras, tais como São Cosme e Damião e Santa
Bárbara,
que
são
reverenciados
tanto
pela
religião
católica,
quanto
pelas
afrobrasileiras, tal como foi dito em entrevista:
Temos os mesmos costumes de rezar, de cantar, de dançar, de fazer o
caruru. [...] Quando se fala que vamos fazer um caruru, um samba de
São Cosme, o pessoal diz que isso é do ‘diabo’ e temos firme que isso
não é do ‘diabo’ coisa nenhuma. [...] Nós rezamos em todas as
comunidades, nós somos rezadores, meu avô era rezador e a gente
herdou essa coisa dele, rezamos São Cosme, Santa Bárbara, o santo
que se quer rezar, a gente reza.4
Um problema considerado grave, que ainda não tem solução prevista, é a falta
de legalização da posse da terra, que, como visto anteriormente, afeta a maioria das
comunidades quilombolas no Brasil. Os de Giral Grande afirmam que, devido à falta
dessa posse, há a influência negativa dos donos quanto ao seu uso e à construção de
casas. Essa condição levou ao êxodo de alguns quilombolas para Salvador, em busca
de melhores condições de vida. Segundo depoimento dos moradores da comunidade,
4
Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral
Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.
119
o simples projeto de construção de novas casas, como o que está atualmente
ocorrendo lá, cria expectativa do retorno dessas pessoas.
Giral Grande e as demais comunidades vizinhas lutam contra vários fatores
sociais desfavoráveis: a falta de um atendimento de saúde, de saneamento e de
escolas próximas dentre outros. Porém, o maior de todos eles ainda é o preconceito,
praticado por outros moradores da região e dos municípios próximos, pelo fato de os
habitantes serem negros e quilombolas.
Nas entrevistas, relatadas no diário de campo, falou-se sobre o sofrimento
quanto à rejeição por eles sofrida nas escolas, nos empregos e, também, na igreja
católica. Isso afeta a vida social, tal como a vida das crianças na escola ou no
atendimento nos postos de saúde em Maragojipe, pois, segundo eles, são sempre os
últimos a serem atendidos. O depoimento dos Calheiros, registrado em entrevista, em
2010, exemplifica os problemas de conviver com crianças de fora das comunidades
quilombolas: “Eu sei, tem uma família que não gosta de mim, eu sinto. Tem uma
criança que não gosta mesmo de negro e não senta de junto de nenhuma criança
preta. [...] Quando a gente estudava, a gente sentava no chão, os negros e os
pobres”.5
Através da pesquisa etnográfica realizada, percebe-se que Giral Grande
apresenta vários aspectos culturais comuns em outras comunidades quilombolas: é
formada por pessoas de grau muito próximo de parentesco, tais como pais, filhos,
irmãos e primos; pratica atividades econômicas de subsistência, sendo alguma
comercial, que agrega rendimentos financeiros; há a participação dos membros em
grande parte das atividades laborais, caracterizando-se, desse modo, como trabalho
comunitário quilombola; é associada ao território em que está assentada de forma
histórica e, sobretudo, são afrodescendentes.
A consciência de pertencimento a uma determinada comunidade e as formas de
conservação de suas práticas coletivas constituem-se patrimônio partilhado por todos
componentes do grupo. A coesão social decorrente de tais circunstâncias explica a
permanência de seus membros no território, ao longo de sua trajetória histórica. Em
Grial Grande, por exemplo, o apego ao território se manifesta de várias formas e
tradições. Uma delas é a “tradição de enterrar o umbigo”, explicada conforme o
seguinte depoimento:
5
Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral
Grande, Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.
120
Enterrar o umbigo. Exatamente isso que aconteceu com a gente. Por
isso que a gente não sai daqui. O umbigo que vai colado na gente
quando nasce, quando cai a gente enterra. Enterra no quintal, ou na
beira do rio, ou no pasto. Onde enterra o umbigo, a pessoa vai ter a
riqueza naquele lugar. ‘Mainha’ sempre enterrou o da gente no curral,
cavava um buraco, botava o umbigo da gente, tampava e deixava lá. A
pessoa pode ir aonde for, mas volta para Giral Grande, pra morar ali.
Todas as crianças lá enterram o umbigo. E também queremos ser
enterrados lá, quando morrermos. Viraremos adubo da nossa própria
terra.6
O caráter político expresso nas formas de organização social, na luta pelo
reconhecimento do direito à terra, tem levado a Comunidade Quilombola de Giral
Grande, à semelhança de outras da Bahia em processo de reconhecimento, conforme
visto no documentário Os Quilombos da Bahia (2004), a expressar de forma mais
clara o reconhecimento de sua identidade. É o que se depreende do depoimento que
se segue:
A família, nós sabemos, veio dos escravos, e antes de se ouvir essa
história de quilombos, e para a gente agora isso é novo, por causa da
nossa pele negra, éramos excluídos de tudo. [...] Nós sentimos a
descoberta nas reuniões, nos encontros. Nós começamos a descobrir
que negro também é ‘gente’. Antes a gente não percebia, mas agora
nós percebemos. Antes a gente não brigava contra o preconceito e
discriminação. Mas hoje a gente briga.7
Depois do autorreconhecimento como comunidade quilombola, o que deve ser
considerado uma nova condição, como pode ser observado na fala acima, é que
passou a haver um sentimento de elevação da autoestima, que revigorou o de luta e
resistência social. Uma das respostas para o preconceito é exemplificada pela escolha
das cores das roupas de seus membros, que, em passado recente, eram sombrias,
como cinza e preto, mas agora, não há o medo de usar cores vibrantes, como
vermelho, amarelo, azul, rosa e outras.8 Conforme as entrevistas com demais
membros da comunidade, percebe-se que há uma valorização dos gostos, dos valores
e da subjetividade do local. Por exemplo, uma das manifestações positivas de
identidade é refletida no gosto estético quanto à escolha de cores para suas roupas,
fato que pode ser considerado como sentimentos escondidos, que agora estão
aflorando.
A
Comunidade
aqui
estudada,
portanto,
expressa
uma
dimensão
de
comunidades tradicionais rurais, e sua identidade quilombola representa uma
característica particular, específica de sua trajetória histórica e cultural.
6
Depoimento de Tânia, durante entrevista do pesquisador, em 11/09/2011
Depoimento de representantes da família Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral
Grande. Maragojipe, Bahia, em 13/03/2010.
8
Depoimento representantes família Calheiros, 20/02/2009, registrado em diário de campo
7
121
5.1.2. Contextualização e características do estabelecimento hoteleiro
O Hotel Villa Bahia ocupa dois casarões dos séculos XVIII e XIX localizados no
Terreiro de Jesus, no Centro Histórico de Salvador. Conta com 17 apartamentos de
luxo, piscina, vista panorâmica para o Pelourinho, dentre outras características. A
decoração do hotel faz referência aos principais momentos históricos da navegação
portuguesa. As Figuras 32 e 33 mostram a localização do hotel no Centro Histórico e a
fotografia dos prédios na Praça do Terreiro de Jesus, respectivamente.
FIGURA 32
Localização do Hotel Villa Bahia
Fonte: Site do Hotel Villa Bahia com adaptação do Autor
FIGURA 33
Os dois prédios do Hotel Villa Bahia no Terreiro de Jesus, Centro Histórico
Fonte: Hotel Villa Bahia
122
O entrevistado foi o Gerente do estabelecimento, Sr. Bruno Guinard, que
esclareceu aspectos e características do hotel e dos produtos usados nas unidades
habitacionais (quartos). A ele foi apresentado o projeto de pesquisa e aplicada uma
entrevista que seguiu o roteiro do Quadro 10.
Segundo depoimento do gerente,9 a maioria dos clientes do hotel são visitantes
que não procuram os pontos e eventos turísticos habituais, como praias ou festas,
mas preferem os museus, a gastronomia, os locais históricos, a arquitetura antiga.
São turistas estrangeiros e também nacionais, com perfil intelectualizado, muitas
vezes são famílias, e que se interessam por passeios culturais. Por isso a implantação
do hotel no Centro Histórico: por estar mais próximo de tais atrações turísticas,
seguindo o gosto dos seus clientes.
O espaço do hotel se caracteriza por dar prioridade a uma decoração baseada em
produtos artesanais de comunidades tradicionais rurais ou urbanas, e em produtos
construídos ou adaptados a partir de material reusado, reciclado e reaproveitado em
diversos fins. Essa característica integra o Hotel aos princípios estabelecidos pelo
programa internacioal Artisans du Monde, que desenvolve ações para integrar uma
rede de pequenos hotéis, hospedarias e navios de hospedagem, ao ideal e prática da
sustentabilidade. Trata-se de sustentabilidade cultural ao promover o apoio a
comunidades tradicionais através da aquisição de artesanato e da sustentabilidade
ambiental, ao usar e divulgar equipamentos da decoração construídos com material
residual.
Segundo
depoimento
da
gerência,
“a
linha
filosófica
do
hotel
é
do
Desenvolvimento Sustentável e isso é muito interessante para nós”.10 Busca-se
contatos
e
interação
com
ONG´s
ambientais,
cooperativas
de
catadores
e
recicladores, comunidades tradicionais rurais e urbanas dentre outros, com o
propósito tanto de ajudá-los quanto de adquirir produtos artesanais originais e
criativos para uso interno, como um atrativo e um fator diferencial do hotel.
A decoração das unidades habitacionais segue temas selecionados, possuindo um
estilo rústico, que dá uma atmosfera rural ou de fazenda aos quartos. As Figuras 34,
35 e 36 mostram exemplos de peças decorativas e funcionais, baseadas em rejeitos e
partes descartadas de produtos de madeira, em algumas das unidades habitacionais
9
Depoimento do Gerente do Hotel em 27/05/2011
Depoimento do Gerente do Hotel em 02/05/2011
10
123
do hotel. Nessas figuras podem ser vistos peças e equipamentos fabricados a partir de
objetos descartados, tais como velhas portas de igreja, bancadas de carpinteiros e
cochos de alimentação de animais, dentre outros. Essas peças são adquiridas a baixo
custo e preparadas para o uso no hotel sem que percam tanto suas principais
características, tal como a rusticidade, quanto o significado que as acompanha.
FIGURA 34
Cabeceira de cama de casal feita a partir de porta de igreja descartada
Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)
FIGURA 35
Mesa para lavatório feita a partir de bancada de marcenaria descartada
Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)
124
FIGURA 36
Pia / lavatório duplo, feito a partir de coxo de madeira para alimentação de porcos.
Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)
Esses exemplos mostram o estilo, os valores e o espírito do hotel, baseados na
rusticidade e na preservação ambiental, na forma do uso de produtos reciclados e
reusados, além da valorização cultural de comunidades rurais.
As colchas, feitas de algodão cru, tal como mostrado na figura 37, são
atualmente usadas em todas as camas do hotel, substituindo o enxoval anterior, feito
com estampas coloridas, mostrado na Figura 38. Segundo o depoimento da gerência,
a alternativa pela cor branca se deve, principalmente, a fatores de durabilidade,
higiene, limpeza e manutenção, os quais não eram satisfatórios no enxoval anterior.
FIGURA 37
Um dos modelos de colchas brancas usadas nas unidades habitacionais
Fonte: Hotel Villa Bahia: fotografia do Autor (2010)
125
FIGURA 38
Exemplos do enxoval anterior, com estampas coloridas
Fonte: Site do Hotel Villa Bahia
Diante do exposto verificou-se que o artesanato de retalhos de Giral Grande
reunia condições e características favoráveis para ser aceito pelo Hotel Villa Bahia, na
condição de se adequar às expectativas daquele estabelecimento. A oportunidade de
produzir peças artesanais para o estabelecimento hoteleiro veio ao encontro de
necessidades da própria comunidade relativa à sua sobrevivência econômica, o que
gerou expectativas positivas entre seus membros.
Então, a partir das informações até aqui reunidas nos dois universos de pesquisa,
levantaram-se problema e hipótese específicos da Pesquisa-ação Adaptada:
Problema: como transformar os produtos do artesanato de retalhos da
Comunidade Quilombola de Giral Grande em peças atrativas o suficiente para serem
adquiridas pelo estabelecimento hoteleiro Villa Bahia?
Hipótese: O artesanato de retalhos da Comunidade Quilombola de Giral Grande
será atrativo para os interesses do Hotel Villa Bahia, se passar por um processo de
adequação de seus produtos aos requisitos apresentados pelo Hotel, preservando suas
características identitárias.
126
5.2. FASE II – ESTUDO DE CASO
5.2.1. A artesã como indivíduo representativo e estudo de caso
A artesã Tânia Calheiros, Figura 39 foi identificada como o “individuo
representativo” do patrimônio cultural de Giral Grande, segundo os critérios de
seleção do informante-chave estabelecidos no Cap. 3. Ao expressar os valores
estéticos da comunidade, a artesã torna-se “representativa” de uma parte da cultura
local (GINZBURG, 1987, p. 27). Sendo responsável pela produção em análise,
resume, em si e em seu trabalho, elementos presentes no local, que são
sistematizados e reproduzidos nos artefatos, reconhecidos e aceitos pela comunidade
como de qualidade e resultantes do “bom gosto” da artesã. O gosto é considerado
bom, porque alcança sentido ao assumir significado face aos valores locais. Portanto,
a identificação dos componentes estéticos e utilitários dos produtos oferecidos pela
artesã expressa valores coletivos, compartilhados pela comunidade quilombola, a
partir dos quais a artesã, como o indivíduo representativo, foi considerada como o
estudo de caso.
FIGURA 39
A artesã Tânia Calheiros
Fonte: Fotografia do Autor, 2010
127
Tânia Calheiros exerce a prática da costura como subsistência no cotidiano da
comunidade, embora outras pessoas também tenham tal conhecimento, exercendo-o
de forma eventual, apesar de não ser com a mesma intensidade da artesã. Essa ajuda
é reconhecida pelos outros membros da comunidade de Giral Grande como uma mãode-obra auxiliar em potencial, podendo ser requisitada em qualquer necessidade, o
que vem ao encontro do conceito de trabalho coletivo, uma das características das
comunidades quilombolas, conforme visto anteriormente.
Segundo a artesã, o seu interesse pela costura vem da infância, quando fazia as
roupas de suas bonecas. Afirma não ter sido um conhecimento herdado por ela, nem
aprendido com pessoas de outras comunidades. Para ela, a sua habilidade é “uma
coisa espontânea, dela mesma”. Todavia, as técnicas de costura propriamente ditas e
usadas pela artesã foram aprendidas fora da comunidade, primeiro pela convivência
com uma antiga moradora da região, que, embora não fosse quilombola, vivia nas
imediações da escola em que a artesã estudava. Mais tarde, quando trabalhou em
Salvador, a artesã fez um curso ministrado pela Legião Brasileira de Assistência
(LBA), onde aprendeu técnicas mais avançadas de costura e modelagem. Essas
técnicas de costura, juntamente com valores estéticos, utilitários e identitários
presentes em Giral Grande, foram absorvidos e interpretados pela artesã e se
constituem na base a partir da qual é construído o artesanato, desde a sua concepção
estético-formal até a produção das peças finais.
Ao afirmar que a habilidade de costurar não foi herdada, mas foi aprendida por
“conta
própria”,
como
quase
nata,
observa-se
que
a
artesã
considera,
inconscientemente, que só há aprendizado quando ele ocorre formal e regularmente
na infância e na adolescência. Desconsidera, portanto, a aprendizagem espontânea,
fruto da interação de seu meio social, dentro do contexto da sua cultura. A forma de
aprender assistemática, espontânea e inconsciente, desenvolvida por meio de
procedimentos ligados à sua cultura, é interpretada, pela artesã, como uma
“brincadeira”, segundo seu depoimento:
Eu me lembro que eu tinha uns dez anos, eu costurava roupa de boneca
para as crianças, para mim e para as minhas irmãs. Eu fazia roupinhas
de boneca e gostava muito de costurar. É uma coisa de vocação, eu não
sei quando começou, só sei que eu tenho essa coisa de costura comigo
desde os treze anos. Com dez anos eu ficava olhando uma senhora
costurar, mas já costurava roupinhas de boneca. Não houve influência
dos meus pais ou dos meus avós, eu mesmo que gostava de costurar.11
11
Depoimento de Tânia Calheiros, durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe,
Bahia, em 13/03/2010.
128
Portanto, o repertório cultural que influenciou a costura de retalhos e que foi
construído ao longo da história da comunidade foi aprendido pela artesã de forma
assistemática, possibilitando a concretização da situação atual. Como visto, o fato de
pertencer e estar profundamente inserida no seu universo cultural, o de Giral Grande,
dificulta à artesã a percepção da dinâmica presente nesse contexto. Quer dizer, ao
conhecimento pessoal a artesã adicionou elementos externos, sintetizados na sua
produção artesanal. Verifica-se, então, um fenômeno de dinâmica ou de mudança
cultural assim explicado por Forst e Hoebel:
A cultura se modifica pelo acréscimo de invenções e com a alteração ou
substituição de métodos antigos. A cultura individual se modifica e
cresce pela aceitação de invenções criadas pelos membros de sua
própria sociedade ou pela aceitação de novos métodos inventados em
outra parte e levados à atenção de seus membros através da difusão e
do empréstimo de idéias e comportamentos (FORST e HOEBEL, 2008, p.
35).
As técnicas de costura de origem externa e aprendidas pela artesã, só ganharam
sentido e significado para a comunidade, quando a elas foram agregados os valores
utilitários, estéticos e identitário, representativos do repertório cultural local.
Seus clientes são os próprios parentes de Giral Grande, os moradores das
comunidades vizinhas e também várias pessoas de Maragojipe e dos municípios
próximos. Seu principal diferencial, atribuído por eles, é a beleza da combinação das
cores e a diversidade de produtos, uma característica que, segundo a artesã, além de
agradar é também celebrada pelos seus clientes. Conforme relato da artesã, eles
elogiam sempre a qualidade dos seus produtos: “todo mundo gosta do meu gosto, as
pessoas dizem: como você faz fica lindo, ou dizem ainda que pode fazer como você
achar melhor, pois confiamos no seu gosto”.12 Esse é um atributo considerado pela
artesã como algo nato, mas os valores de beleza são compartilhados por todos os
membros da comunidade e também por outras pessoas.
A comprovação da sintonia entre a visão estética da artesã com a visão estética
da comunidade reside não só no fato do seu pertencimento àquela comunidade, mas
também pelas afirmações contidas em depoimentos colhidos junto aos outros
membros do grupo que, mesmo não participando do processo de produção, admiram,
aceitam e consomem os produtos oferecidos pela artesã. Para corroborar seu relato,
foram feitas entrevistas com outros componentes da comunidade de Giral Grande,
constituídos por seus parentes afastados e vizinhos, não estando ai incluídos membros
da sua própria família nuclear (pais, irmãos e sobrinhos em primeiro grau), conforme
anotado em diário de campo.
12
Depoimento Tânia Calheiros, 13/03/2010.
129
Foram entrevistados seis membros da comunidade, homens e mulheres, na faixa
de idade entre dezesseis e cinquenta anos, que opinaram sobre o artesanato de
retalhos. Essas entrevistas mostraram como resultado, que há uma interação entre a
artesã e seus clientes na hora de definir os detalhes das roupas e demais produtos a
serem feitos. Na maioria das vezes, os clientes definem o tipo, cores, estilo ou
mudanças, marcando bem a subjetividade e o gosto pessoal. Outras vezes, a própria
artesã sugere e define o produto, principalmente quando o cliente sente dificuldade de
fazê-lo. E algumas vezes, há um consenso definido em conversa preliminar ou ainda
há modificações posteriores no produto, seguindo o gosto da artesã. Os depoimentos
dos entrevistados deixam claro esse processo:
“Ela só costura do jeito que a gente gosta, então eu gosto do trabalho
dela [...] ela faz o modelo que a gente quer e a qualidade também que
agente quer” (Dona Ilma, dona de casa); “Do jeito que a gente pede,
ela faz [...] a gente escolhe um modelo ou ela sugere um modelo,
algumas vezes ela faz ou conserta.” (Naiara, estudante); “Ela sugere o
modelo pra gente, eu dou minha opinião e da minha opinião ela já
começa a transformar os detalhes”.13
A identificação desse gosto se expressa, por exemplo, na preferência por cores
fortes e vibrantes, usadas naturalmente no cotidiano dos membros da comunidade,
tanto nas roupas, quanto nos enxovais, nos acessórios e demais produtos artesanais.
Segundo a artesã, “as cores vermelha e azul chamam a atenção. [...] Com essas
cores, tem-se a visão do produto bonito. Com cores apagadas não fica bonito.”14 O
depoimento de outros membros da comunidade confirma a preferência por cores
vibrantes e fortes como parte marcante do gosto da comunidade: “nós usamos o
vermelho, o verde cana, o amarelo, o rosa, qualquer tipo de cor, nós assumimos o
que nós somos.”15
Todo mundo gosta do meu gosto, eles falam assim: ‘ah! tá lindo!, tá
bom!, tá bonito!’ e acabei descobrindo que eles gostam do que eu gosto.
[...] As pessoas acham que eu tenho uma visão de beleza e eu sou uma
pessoa que gosta de coisas bonitas, sou vaidosa [...] O sentimento de
beleza que eu tenho eu passo para as roupas, para o edredom, para o
pelego.16
A consciência da beleza plástica do artesanato de retalhos, fruto da criatividade
da artesã, aprovada e elogiada pelos seus clientes, quilombolas ou não, representa o
gosto compartilhado pelos membros da comunidade. A artesã, fortalecida pela
sintonia com seus clientes, entende que suas peças artesanais expressam a maneira
de ser e de ter a afeição de seus companheiros.
13
14
15
16
Depoimento
Depoimento
Depoimento
Depoimento
de outros membros da Comunidade Quilombola de Giral Grande, 26/02/2011
concedido por representantes da família Calheiros em 26/02/2011
concedido por representantes da família Calheiros em 20/02/2009
Tânia Calheiros, 13/03/2010.
130
5.2.2. Características e identidade do artesanato de retalhos
O artesanato de roupas, acessórios, enxovais de cama e conserto de roupas
usadas é uma atividade que envolve poucas pessoas, se comparada às demais
atividades comunitárias locais. O processo que orienta a produção dessas peças
envolve um artesão principal (Tânia Calheiros), cujo papel de maestria está explicado
no Cap. 2; seus ajudantes eventuais, membros da comunidade, em caso de maior
volume ou complexidade do trabalho e, finalmente, jovens da família que já
expressam interesse no aprendizado da atividade.
É um processo de aproveitamento de sobras de tecido, transformando retalhos
de baixo custo de aquisição em produtos para o uso no cotidiano, na forma de
vestuário, acessórios, bolsas, mochilas infantis e enxovais de cama. São fabricados
com retalhos de tecidos e malhas, que são costurados uns aos outros, usando costura
a máquina e/ou manual. O artesanato de retalhos, como um componente do universo
cultural da comunidade, expressa aspectos desse patrimônio, tais como a estética e a
percepção da beleza, assim como se constitui em fator de subsistência, em vista do
papel que ocupa na reunião dos recursos econômicos de Giral Grande.
A diversidade de produtos artesanais de retalhos está classificada em cinco
grupos, identificados pela artesã como os tipos mais produzidos, vistos nas Figuras 40
e 41, e explicados abaixo.
•
Enxoval de cama: peças construídas com pedaços retangulares e/ou
triangulares, frente simples ou com frente e verso. São colchas de cama,
lençóis, fronhas e edredons.
•
Roupas: se expressa através da confecção de peças novas ou da
customização de peças trazidas pelos clientes, atendendo a todas as faixas
etárias, tanto para o público feminino quanto para o masculino.
•
Acessórios: com formatos variados, para uso adulto ou infantil. Os
acessórios vão desde bolsas e mochilas escolares, até prendedores de
cabelo feitos de retalho e fuxico.
•
Pelego: uma colcha colorida feita com tiras das sobras dos retalhos,
usada para diversos fins, tais como cobertura de cadeiras, poltronas,
assentos de carro e assentos de cela para vaqueiros da região.
•
Fuxico: é uma técnica artesanal de confecção de trouxinhas, feitas com
sobras dos retalhos, podendo ser aplicadas a roupas, bolsas, adereços,
colchas, almofadas etc.
131
Esses produtos concentram em si elementos derivados da cultura local que
podem ser identificados a partir de alguns significados apontados pelos membros de
Giral Grande: o crochê, cuja complexidade imprime aos produtos significados de
beleza e refinamento; o taco como sinônimo de retalho, que se constitui à base deste
artesanato; a resistência estrutural exigida aos produtos para que sejam duradouros,
face às dificuldades para sua reposição e, finalmente, a escolha e aplicação de cores
fortes e vibrantes nos produtos confeccionados.
FIGURA 40
Algumas peças do artesanato com retalhos
1- almofada de “pelego” (em detalhe); 2 e 3- roupas infantis;
4- bolsa de fuxico; 5 e 6- bolsas; 7- mochila jeans escolar;
8- prendedores de cabelo; 9- edredom.
2
3
4
5
6
7
8
9
1
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
132
FIGURA 41
Exemplos de pelego feitos no local
Fonte: Fotografias do Autor, 2010
Tal diversificação é fruto tanto da variedade da matéria-prima, em cores,
texturas e desenhos, quanto da criatividade da artesã. Essa criatividade, produto de
sua sintonia com a cultura da comunidade local, resulta na geração de produtos
artesanais que coincidem com necessidades e desejos dos seus consumidores e por
sua vez se expressam na forma de valores utilitários, estéticos e identitários,
presentes no próprio patrimônio cultural local.
Como valor utilitário, destacam-se as idéias de reuso e reciclagem com a
atribuição de novos usos e significados ao retalho de tecido, somados aos valores de
subsistência, tal como vistos nas características culturais básicas dos quilombolas
(Quadro 05). A própria subsistência pode ser vista como elemento motivador da
produção e da dinâmica desse trabalho artesanal.
Como valor estético, destaca-se o gosto por cores escolhidas a partir de
significados definidos na cultura local. Por exemplo, o vermelho e o amarelo
representam a força da comunidade; o verde, o azul e o branco representam a
natureza17. Além disso, esse gosto indica o sentimento de liberdade da comunidade,
cujos membros passaram a vestir roupas coloridas assim que se autoreconheceram
como uma comunidade quilombola.18, 19
Como valor identitário, além do senso estético na escolha das cores, ressalta o
significado de ser afrodescendente, presente nos comportamentos cotidianos, se
17
18
19
Depoimento dos membros da comunidade dado em entrevista em 01/07/2011
Depoimento Tânia Calheiros, 13/03/2010
Depoimento Tânia Calheiros, 01/07/2011.
133
expressando através do vestuário, dos acessórios, dos penteados e a referência aos
laços de identidade da comunidade com o território, como elemento de coesão e
identificação do grupo, permitindo que se identifiquem e sejam identificados.
O artesanato de retalhos é considerado pela comunidade como uma das
expressões do espírito de luta pela sobrevivência e pela inventividade de uma
comunidade
frente
a
problemas
gerados
pelos
poucos
recursos
financeiros.
Exemplifica essa criatividade a associação feita entre o artesanato de retalhos e o
processo
de
reciclagem.
À
primeira
vista,
é
apenas
uma
oportunidade
de
aproveitamento de sobras de materiais, disponíveis a baixo custo e dentro da
realidade financeira da comunidade, o que é confirmado pela artesã, como um
material muito mais barato e acessível do que comprar o tecido nas lojas.20 Contudo,
o conceito de reciclagem aplicado pela artesã ao processo de produção artesanal,
embora
careça
de
consistência
quanto
ao
seu
significado
técnico,
é
o
do
aproveitamento dos retalhos como uma maneira de minimizar possíveis preconceitos
quanto à origem da matéria-prima e aumento do valor cultural dos produtos.
É resto de loja, então é mais barato. Todo material que faço é
totalmente de reciclado. Quando eu uso os retalhos que vem das lojas
das roupas, do que sobra ainda faço mais algumas coisas. Não jogo fora
nenhum pedaço de retalho, faço fuxico, pelego, enchimento de
almofada. Quando o produto vai embora daqui, não é mais lixo.21
Segundo
Teixeira
(2005),
o
termo
reciclagem
pode
ser
entendido
sistematicamente em quatro níveis: o primeiro é o reuso de produtos na mesma
função original. Nessa situação se prevê a reparação, a atualização e o preparo do
produto usado para usos subseqüentes. O segundo é a remanufatura, na qual se
prevê a desmontagem de produtos usados e a sua remontagem na forma de outros
produtos para usos distintos. Neste caso se prevê a identificação, a separação e a
limpeza de peças ou partes úteis para serem empregadas em novos produtos. O
terceiro nível é o da recuperação da matéria-prima, considerando-se o retorno de
materiais aos processos e produtos originais. Nesse caso existe a limitação ao tipo de
material, que deve permitir seu uso várias vezes no seu ciclo de vida. E, finalmente, o
último nível: a reciclagem propriamente dita, que prevê o uso de matérias-primas em
situação diversa daquela da sua condição original, no caso da impossibilidade da sua
recuperação. Sendo assim, se prevê a reutilização da matéria-prima oriunda tanto de
processos industriais, considerada como resíduo (reciclagem pré-consumo ou pósindustrial), quanto àquela contida nos produtos finalizados e considerados no fim da
20
21
Depoimento Calheiros, 13/03/2010.
Depoimento Calheiros, 20/02/2009.
134
vida útil, não sendo mais possível o seu reuso nem sua remanufatura (reciclagem
pós-consumo).
Em Giral Grande, na sua manufatura de produtos artesanais, conforme visto
anteriormente, o conceito mais próximo usado para a matéria-prima pode ser
considerado o da reciclagem propriamente dita, primeiramente por não haver
produtos a serem reusados ou remanufaturados, ou mesmo algum material que
permita sua volta aos processos produtivos originais; em segundo lugar, por ser a
matéria-prima considerada como resíduo ou sobras de um processo de fabricação da
indústria têxtil e distribuição comercial, a qual é disponibilizada nas feiras livres para o
melhor destino dado pelos interessados.
Esse
conceito
se
concretiza
no
desdobramento
do
processo
produtivo
desenvolvido pela artesã, que usa as sobras dos retalhos de tecido utilizados na
manufatura dos produtos artesanais, na geração de outros produtos, a exemplo do
Pelego: na sua produção são usados apenas os retalhos menores e demais sobras,
que são recortados em tiras e são costurados a uma base de tecido mais simples até
que se forme uma colcha. Apesar de ser um produto simples, entretanto, a artesã
consegue criar várias formas de pelego, tal como os de tiras retas ou os de
acabamento arredondado, aumentando ainda mais a diversidade e a variedade do
produto (Figura 41).
O significado da preservação ambiental e da defesa do meio ambiente alcança,
na atualidade, diversos segmentos da sociedade. Mesmo algumas comunidades rurais,
como os quilombolas de Giral Grande, não estão totalmente isoladas de informações
socioculturais, dando condições aos seus membros de aquisição de um entendimento
básico sobre o conceito de reciclagem. No caso de Giral Grande, existe o interesse de
valorização dos produtos artesanais. Além de atender ao gosto dos clientes, buscam
estar também sintonizados com questões atuais. Ao apresentá-los como produtos
confeccionados com material reciclado, a artesã diz a si mesma e à comunidade que
aquele artesanato tem um valor positivo a mais, e tal condição alimenta o sentimento
de orgulho pelo que se produz, alcançando, portanto, um papel de representatividade
da cultura local.
Do ponto de vista da análise cultural, o que mais importa em relação à
reciclagem, associada ao artesanato de retalhos, é o sentido atribuído ao produto e o
significado que o mesmo passa a desempenhar para a visão de mundo de seus
envolvidos. Mesmo que esse conceito utilizado não esteja sujeito a uma rígida análise,
do ponto de vista do material, o resíduo de tecidos, o mais relevante é o
135
entendimento do que a artesã sente, vê e reproduz para as demais pessoas, dentro e
fora da comunidade. Trata-se de um produto que contém significados por ela
considerados imprescindíveis para o reconhecimento da cultura local: o valor estético,
o gosto coletivo e o valor prestigiado com a associação à reciclagem.
Dessa forma, entende-se que a reciclagem, nesse contexto, é uma maneira de se
fazer algo que está sintonizado com o próprio espírito de produção de subsistência,
uma das características apresentadas pelas comunidades quilombolas na sua história.
Ou seja, a reciclagem, na compreensão da comunidade de Giral Grande, faz parte da
sua identidade e se manifesta no artesanato de retalhos.
Ao mesmo tempo, a variedade de cores, desenhos e texturas dos retalhos
permite maiores possibilidades para que o artesanato possa ser moldado de acordo
com o gosto do usuário, principalmente no que tange à possibilidade de serem
fabricados sob encomenda, o que é considerado um diferencial da artesã, atraindo
clientela de fora da comunidade.
5.2.3. O processo criativo da artesã
“Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo, abrangendo
as capacidades de compreender, relacionar, ordenar, configurar, e de significar”
(Ostrower, 2001, p. 9). Segundo Tschimmel,
[...] compreende-se por criatividade a capacidade de um sistema vivo
(indivíduo, grupo, organização) produzir novas combinações, dar
respostas inesperadas, originais, úteis e satisfatórias, dirigidas a uma
determinada comunidade [...] é ainda o resultado de um pensamento
intencional, posto ao serviço da solução de problemas que não têm uma
solução conhecida (TSCHIMMEL. 2003).
O fenômeno da criatividade visto no artesanato de retalhos de Giral Grande pode
ser considerado como um exemplo de busca de soluções para situações cotidianas,
em vista de limitações de ordem econômica e material que precisam ser contornadas,
soluções estas encontradas no contexto cultural local. Ostrower (2001, p. 5) explica
que “a atividade criativa do ser humano se elabora em um contexto cultural” e que,
apesar de poder expressar as potencialidades de um único indivíduo, pode ser
considerada como um resultado do repertório cultural no qual ele está inserido. Para
Tavares (2012), a criatividade seria “a capacidade de formar mentalmente idéias,
imagens e coisas intangíveis, para dar existência a algo novo, único e original, porém
com uma dada finalidade”, construída a partir da reorganização de dados ou
conhecimentos anteriores. Ostermann e Cavalcanti (2010, p. 23) explicam que nesse
136
processo, teorizado por David Ausubel (1918-2008) como aprendizagem significativa,
uma nova informação se relaciona com uma idéia, um conceito ou uma proposição já
existente na estrutura cognitiva do indivíduo. Pode-se considerar, portanto, o
conhecimento anterior como uma expressão do repertório cultural no qual o indivíduo
criador está inserido.
Para Ostrower a criatividade tem dois níveis inseparáveis e interdependentes: o
individual ou subjetivo e o cultural ou coletivo. Partindo dessa premissa, pode-se
considerar o poder criativo da artesã, concretizado pelo artesanato de retalhos, como
elemento representativo da cultura tradicional da comunidade quilombola. Baxter
(2000, p. 42-45) comenta que o contexto cultural tem grande influência sobre os
valores e crenças individuais e isso faz com que certos aspectos dos produtos sejam
valorizados, podendo ter um ciclo de vida de longa duração, enquanto outros sejam
desprezados.
O processo criativo da artesã pode ser compreendido como intuitivo, espontâneo
e bastante flexível, mudando de acordo com as circunstâncias do momento ou com a
encomenda. Esse processo intuitivo expressa as características pessoais e subjetivas
de um artesão, dentre as quais se destaca “a importância da vivência de quem projeta
o produto, da sua experiência de vida em olhar as coisas na sua essência” (SANTOS,
2008), como nesse caso, em que “fatores expressivos e simbólicos são considerados
como parte integrante do conteúdo funcional dos objetos pensados e produzidos”
(DORFLES, 1991, p. 43). Portanto, a criatividade como processo intuitivo de um
artesão é modulada e influenciada profundamente pelo simbolismo cultural presente
nas formas, cores, forma de usar e de se produzir, mesmo que, à primeira vista, os
produtos da Comunidade Quilombola de Giral Grande possam parecer apenas uma
“simples colcha de retalhos”.
Observando os passos do processo criativo da artesã, foi possível perceber a
presença da sua intuição estética coincidindo com a estética da comunidade no
momento de escolha da matéria-prima quanto a características de cor, textura,
desenhos dos tecidos disponibilizados em feiras livres do município de Maragojipe; na
escolha de modelos inspiradores de roupas selecionados por observação da artesã em
várias ocasiões externas à comunidade, anotados e registrados como esboços e,
finalmente, na organização da padronagem plástica dos produtos artesanais. As
figuras 42 e 43 mostram o momento de escolha e aquisição dos retalhos de tecido
numa feira livre em Maragojipe, pela artesã.
137
FIGURA 42
Venda de retalhos nas feiras livres do município de Maragojipe
Fonte: Fotografia do Autor (2011)
FIGURA 43
Seleção de matéria prima nas feiras livres de Maragojipe
Fonte: Fotografia do Autor (2011)
138
Para roupas, acessórios e demais produtos, a artesã primeiramente esboça, num
caderno de anotações ou em folhas de papel avulsas, o rascunho do modelo a ser
feito. Segundo ela, os modelos produzidos são inspirados na observação de roupas e
outros produtos vistos nos municípios próximos.
Entretanto o modelo observado nunca é fielmente copiado, mas recebe
modificações, rearranjos e adaptações, com o objetivo de deixá-lo único, de modo a
evitar o uso de um mesmo modelo por dois clientes. Por outro lado, as sugestões dos
clientes são sempre consideradas e usadas junto ao gosto da artesã, conforme
depoimento: “A pessoa já vem com a opinião dela... eu deixo na vontade dela. Eu
pego o gosto deles e transformo. Eu faço o gosto deles.”22
A figura 44 mostra
exemplos dos esboços da artesã.
FIGURA 44
Cadernos de desenho com os esboços da artesã
Fonte: Fotografia do Autor (2011)
Para o pelego, Figura 45, aqui considerado como o produto de concepção menos
complexa, são usados apenas os retalhos menores, que geralmente são as sobras da
produção das peças dos demais grupos, na forma de pequenos pedaços de material.
Os retalhos são recortados em tiras e são costurados a uma base de tecido mais
simples até formar uma colcha.
22
Depoimento da artesã, 28/02/2011
139
FIGURA 45
Detalhes de algumas colchas de pelego.
1-Frente de retalhos; 2-Fundo
1
2
Para enxovais de cama, são organizados esquemas geométricos baseados em
formas retangulares e triangulares, feitos com pedaços cortados do próprio material e
costurados na forma de faixas. As faixas são, posteriormente, unidas e costuradas
formando o produto final. Para colchas e lençóis simples é costurada apenas uma
face, para edredom são costuradas duas faces. A escolha do tamanho dos pedaços de
retalho e as cores usadas nos produtos dependem da encomenda, da disponibilidade
de material e da criatividade da artesã. A Figura 46 mostra como uma peça de
enxoval é produzida, através de cortes geométricos, retangulares e triangulares.
FIGURA 46
Seqüência do processo de criação e produção de um edredom a partir da união de formas
geométricas retangulares ou triangulares
Fonte: Fotografia do Autor (2011)
140
Uma das características da criatividade durante o processo de produção do
artesanato é a preferência por uma combinação de cores que remetem à luz e ao
fog,o bem como ao significado de força, resistência e luta, como o vermelho e o
amarelo; cores que remetem à água, à sombra e demais tons da natureza, como o
verde, o azul o branco e seus gradientes23, tal como registrado no Quadro 05. Essa
combinação pode ser organizada em pedaços com ou sem desenhos e padrões.
Um exemplo dessa seleção e combinação de cores é visto na Figura 47. Nela são
mostradas as cores aplicadas em edredons, parte integrante de enxovais de cama.
Verifica-se a aplicação de cores fortes, em composição com cores mais suaves, que
são atenuações e variações das demais cores (GUIMARÃES, 2000, p. 59).
FIGURA 47
Partes de edredons finalizados
Fonte: Fotografia do Autor (2011)
O uso da cor, além de ter um caráter técnico, tem também caráter psicológico e,
acima de tudo, um caráter simbólico. Para Guimarães (2000, p. 25) não há algo que
diferencie, na biologia dos seres humanos, a percepção das cores em pessoas
diferentes, ou seja, as cores são, do ponto de vista da percepção visual, as mesmas
para todos os seres humanos. As cores têm, também, efeitos psicológicos sobre o
organismo humano (PEDROSA, 2002, p. 91), influenciando os sentimentos de forma
muito similar entre as pessoas. As diferenças, portanto, se dão, principalmente, no
campo dos significados.
23
Registro no diário de campo n. 8 e em entrevistas do dia 01/07/2011
141
Pedrosa (2002, p. 99) afirma, ainda, que “a variedade e os significados das cores
estão intimamente ligados à cultura da sociedade que a cria, resultante da adoção
consciente de valores representativos que constituem os códigos culturais”. Ao afirmar
a escolha das cores nos seus produtos artesanais, seguindo seu “gosto”, e ainda que
as cores e suas combinações, selecionadas e organizadas através do seu “gosto”, são
aceitas como algo “belo” pelos outros membros da comunidade, a artesã reforça a
crença numa manifestação de unidade sobre um valor comunitário e, portanto,
integrante do patrimônio cultural local.
5.2.4. O processo produtivo da artesã
No caso do artesanato de Giral Grande, foi observado que a artesã, no curso do
processo produtivo, não usa uma sequência de etapas rígidas a serem seguidas, mas
há uma série de momentos que podem ser entendidos como uma sequência
rudimentar de etapas, que entra em curso no desenrolar da manufatura dos produtos.
Observando-se os passos do processo criativo, foi possível se identificar uma
série de procedimentos relativos à elaboração de cada categoria de produtos a serem
confeccionados, nos quais foi percebida a presença da intuição estética da cultura
local na escolha de características da matéria-prima, na escolha de modelos
inspiradores e na organização estética dos produtos artesanais. Na sua essência esses
procedimentos variam de acordo com:
•
A necessidade e oportunidade do que for solicitado, a exemplo do trabalho
na confecção e conserto de roupas acessíveis para a comunidade e clientes
menos favorecidos economicamente;
•
O material disponível: sua seleção é feita no momento da compra dos
retalhos, levando-se em consideração fatores técnicos e econômicos, que
influenciam no tamanho do retalho e no tipo de tecido, bem como fatores
estéticos, que determinam cores, texturas e desenhos;
Esse procedimento acontece nas feiras livres de Maragojipe. Esses retalhos se
constituem restos de lojas de tecidos e de sobras pequenas de confecções de
roupas, cujos resíduos, na forma de retalhos, são coletados e comercializados.
A artesã seleciona a matéria-prima seguindo três critérios básicos:
142
o
Tamanho: preferência por pedaços médios e grandes, que permitem a
produção de uma maior variedade de produtos. Pedaços menores são
aproveitados para a confecção de detalhes, fuxicos e pelegos;
o
Preço: fator que determina a quantidade e o tamanho das peças a
serem adquiridas. Geralmente a artesã escolhe peças de tamanho
médio, com cerca de 70 cm de lado. Peças maiores ou menores são
adquiridas de acordo com as circunstâncias;
o
Cor: com preferência por cores fortes ou gradações próximas, cores
vibrantes, desenhos e texturas variadas. As cores preferidas, segundo a
artesã são: o vermelho, o amarelo, o azul, o preto, o rosa, o verde,
estampadas ou não, capazes de serem combinadas entre si, em
consonância com o padrão estético da comunidade. Segundo seu
depoimento são escolhidas as cores que combinam e/ou que contrastam
entre si;
•
A inspiração: a depender do produto solicitado e/ou planejado, podem ser
usados modelos de roupas, acessórios e padronagens, vistos nas ruas de
Maragojipe e em outros momentos do cotidiano da artesã, usados como
referência e aos quais são agregados outros elementos do repertório local.
Para alguns produtos são aplicados rudimentos de geometria plana, com
preferência a formas retangulares e triangulares, a exemplo da produção de
enxovais de cama.
Esses procedimentos, finalmente, exigem, por vezes, a elaboração de croquis e
esboços, como visto na Figura 44, que, a depender do que se queira produzir, são
feitos no local do contato com o produto modelo ou feitos posteriormente usando as
lembranças desse contato.
A produção do artesanato de retalhos é feita num quarto pequeno da casa da
artesã, com janela abrindo para o pátio do lugarejo. Neste quarto há, num lado, uma
máquina de costura elétrica e, no outro lado, uma mesa de trabalho. Grande parte do
processo de produção é feita nesse ambiente. Os retalhos são armazenados em caixas
nesse quarto e em outros cômodos da casa. As demais ferramentas de costura, tais
como tesouras, agulhas, alfinetes, fitas métricas, são guardadas em gavetas da mesa
e em algumas caixas pequenas. Alguns produtos finalizados são presos, em
exposição, nas paredes do quarto, em frente à janela, para que os interessados
possam vê-los. A figura 48 mostra a máquina e a mesa de trabalho em uso.
143
FIGURA 48
O sistema produtivo do artesanato de retalho:
1- máquina de costura 2- mesa de trabalho
1
2
Fonte: Fotografia do Autor (2011)
A pesquisa de campo, baseada em observação participante, em entrevistas semiestruturadas, levantamento fotográfico e coleta de material mostrou que o conteúdo
cultural de Giral Grande se manifesta não apenas em conhecimentos tradicionais,
passados de geração em geração, a exemplo das casas de adobe e da prática da
agricultura de subsistência, mas também na incorporação de novas concepções
advindas da circulação de idéias e informações sobre a vida material da sociedade
circundante.
Entretanto, o estudo do artesanato de retalhos permitiu o entendimento de um
conteúdo cultural mais amplo, mas, ao mesmo tempo, mais sutil: os significados e os
valores atribuídos pelos membros de Giral Grande a esses produtos. Algumas
características da produção os remetem ao âmago da sua identidade, fator de
indispensável reconhecimento e consciência, como já foi ressaltado anteriormente. A
identidade local, revelada a partir dessa produção artesanal, assim se expressa:
•
O significado da reciclagem: coerente com a própria condição quilombola
de ter que usar meios alternativos para suprir as necessidades básicas do
cotidiano, o reaproveitamento de materiais residuais de baixo custo, na forma
do uso de retalhos, como entendida pela comunidade, reflete e manifesta
essa condição. Trata-se de uma maneira de aproveitar o que está disponível e
ao alcance do nível financeiro da comunidade. A sua subsistência vem
exatamente do encontro de condições econômicas alternativas, reproduzindo
antigas práticas de populações de escravos fugidos e seus descendentes,
144
refugiadas em territórios longínquos ou mesmo os localizados na periferia dos
centros urbanos da sociedade escravista;
•
O significado estético: o valor dado à beleza dos produtos artesanais se
manifesta através do “gosto” da artesã no momento de seleção de cores,
formas e improviso. Esse detalhe, na verdade, é uma manifestação
compartilhada por todos os membros da comunidade, o que se encaixa no
sentimento de unidade social e de participação coletiva, considerado como
uma característica básica (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006. p. 120);
•
O significado de luta pela preservação da cultura local: o uso dos
produtos artesanais, assim como a maioria daqueles feitos a partir de
atividades do cotidiano, como as casas de adobe, o candeeiro à base de
querosene, a farinha, dentre outras manifestações da cultura material, são
vistos com carinhoso orgulho pelos integrantes da comunidade. Esse
tratamento dado a tais patrimônios fortalece a identidade local. Por sua vez,
essa é uma força que os une contra o preconceito circundante e, portanto, é
do interesse desses integrantes o fortalecimento e a preservação desse valor.
A consciência de sua identidade, além disso, aparece como um dado diferencial
entre a comunidade quilombola e outras populações afrodescendentes em geral, dado
esse de importância relevante para a obtenção do reconhecimento do status de
Comunidade Remanescente de Quilombo, necessário para obtenção dos benefícios
previstos na Constituição Federal de 1988.
Esta fase da pesquisa teve como objeto o artesanato de retalhos de tecidos, uma
atividade que, embora reúna poucas pessoas envolvidas, mostrou elementos
representativos da cultura material de Giral Grande. As características encontradas
nesse artesanato demonstram que, além de ser uma atividade de importância
econômica para a comunidade, concentra outros indicadores da identidade cultural: o
aproveitamento de recursos disponíveis, tais como os retalhos adquiridos a baixo
custo; a manifestação positiva sobre a beleza dos produtos que passa pela visão
criativa da artesã e, finalmente, as manifestações sobre a preservação da cultura local
são, todas, manifestações já vistas, segundo a literatura, em outras comunidades
tradicionais semelhantes e, principalmente, nos quilombos ancestrais.
A síntese das características da cultura tradicional quilombola, conforme listados
nos Quadros 1, 4 e 5, e presentes no artesanato de retalhos de Giral Grande,
encontram-se no Quadro 14.
145
QUADRO 14
Características da Cultura Tradicional Quilombola
identificadas no artesanato de retalhos de Giral Grande
Presença de conhecimentos tradicionais ligados à origem, à territorialidade e aos laços de
parentesco, apesar de incorporar novos elementos e características aos primeiros,
aumentando e modificando assim, o patrimônio cultural local (dinâmica cultural), sem,
contudo perder a identidade original.
Estética baseada tanto em formas geométricas primárias e naturais quanto na seleção de
cores baseada em significados locais, sendo quase sempre cores associadas à natureza, ao
significado de força e a sentimentos de resistência e luta, tais como o azul, o verde, o branco,
o vermelho e o amarelo.
Subsistência e modos de produção baseados em técnicas manuais ou semi-manuais,
executadas de maneira individual ou coletiva, muitas vezes na forma de mutirões.
Uso de materiais naturais, alternativos e residuais como matéria prima para a prática do
artesanato, cujos produtos se destinam para a própria comunidade e/ou para um pequeno
comércio local.
Uso de tecnologia relativamente simples e de impacto limitado sobre o meio ambiente.
Reduzida divisão técnica e social do trabalho, no qual o produtor (e sua família) domina o
processo de produção do início até o produto final.
Autoidentificação ou identificação pelos outros quanto a relação de pertencimento entre o
artesanato de retalhos e a comunidade de Giral Grande.
Fonte: Construído pelo Autor a partir dos dados da pesquisa etnográfica e observação participante
Observam-se, neste quadro, a predominância e a relevância das características
tradicionais quilombolas, apesar da agregação de elementos externos, tal como as
técnicas de costura, aprendidas pela artesã em experiências fora da sua comunidade.
5.3. FASE III – PLANO DE AÇÃO
5.3.1. Necessidades e requisitos estabelecidos pelo Hotel
Durante a entrevista do primeiro contato do pesquisador com o hotel, foi
mostrada uma seqüência de fotos dos produtos artesanais de retalhos e uma colcha
pronta do artesanato de Giral Grande, Figura 49, ao gerente do estabelecimento, para
que ele emitisse uma opinião a respeito:
“A minha opinião é que ela já tem uma capacidade de trabalho e para
mim não faltaria muita coisa [...] tudo depende do mercado, pois é
bonita essa colcha de retalho, pois é uma questão de gosto”.24
Continuando a entrevista, o gerente opinou sobre a qualidade esperada de um
produto para o mercado hoteleiro e seus clientes:
24
Depoimento do Gerente do Hotel, Sr. Bruno, em 02/05/2011
146
“Para vender para o turista, talvez uma orientação em cores e tecidos,
mas pouca coisa... assim. O ideal é que ela poderia fazer encomendas,
com amostras de tecidos, fazendo as colchas que ela quer, mas
adequadas para os quartos. A qualidade vem do tecido, da costura... O
material que tenho que vem de Minas Gerais é bonito, mas mancha”. 25
FIGURA 49
Colcha mostrada à gerencia do hotel como exemplo
do Artesanato de Retalhos de Giral Grande
Fonte: Fotografia do Autor (2010)
Na segunda visita ao hotel, o gerente deu mais um depoimento sobre os
produtos artesanais usados no seu estabelecimento, desta vez comentando e
explicando dados técnicos sobre os enxovais usados nas unidades habitacionais. A
gerência mostrou produtos artesanais adquiridos em comunidades tradicionais rurais
do estado de Minas Gerais. A figura 50 mostra um edredom, enquanto a figura 51
apresenta uma colcha de algodão cru com bordados, ambos usados pelo hotel em
camas de casal e solteiro.
IMAGEM 50
Edredom feito por comunidade tradicional rural do estado
de Minas Gerais
Fonte: Fotografia do Autor no Hotel Villa Bahia (2010)
25
Depoimento do Gerente do Hotel em 02/05/2011
147
IMAGEM 51
Colcha de cama feita em algodão cru e bordados, feito por uma comunidade tradicional rural
do estado de Minas Gerais
Fonte: Fotografia do Autor no Hotel Villa Bahia (2010)
O modelo em algodão cru, com detalhes em crochê e bordados é usado em todos
os
quartos
e
é
um
dos
tipos
considerados
como
padrão
de
enxoval
do
estabelecimento. Trata-se de um produto artesanal feito com um material de baixo
custo que, por não ser tingido, apresentando sua cor branca natural, não corre o risco
de desbotamento. Contudo, segundo o depoimento da gerência, os detalhes em
crochê e bordados não são da qualidade necessária para suprir os requisitos de
durabilidade, pois “engancham em objetos e descosturam durante o uso dos hóspedes
e, também, durante o processo de lavagem”
26
.
Por outro lado, seu ponto forte é a beleza dos detalhes, feitos a mão, um por um.
Esse fato é bem recebido e valorizado pelos hóspedes, que não somente procuram
saber das origens do produto, mas às vezes expressam o interesse pela compra de
algumas unidades do enxoval artesanal. Segundo a gerência, este é um dos motivos
que levam ao uso de produtos artesanais de comunidades tradicionais na decoração
do estabelecimento hoteleiro, pois desperta a motivação no tipo de hóspede do hotel,
classificado pelo gerente como pessoas que buscam valores culturais e históricos do
local visitado.
Desse ponto de vista, o artesanato tradicional passa a ser um componente de
uso com um significado diferenciado, pois expõe parte da vida e da biografia de quem
o fez, tendo um histórico e uma subjetividade associada que desperta o interesse de
outras pessoas. Esse interesse tanto pode ser uma motivação para perpetuar o
artesanato, quanto preservar a comunidade de origem.
26
Depoimento do Gerente do Hotel em 27/05/2011
148
5.3.2. Intermediação: Visita da artesã ao hotel
A visita da artesã efetuou-se após os contatos preliminares do pesquisador com a
gerência, durante os quais foram agendadas as datas do encontro. Seu transporte de
ida ao hotel e retorno à sua comunidade ocorreu sob a responsabilidade e execução
do pesquisador. Durante o percurso da viagem, a artesã se mostrou ansiosa e
apreensiva quanto à receptividade dos seus produtos, por ela considerados simples,
por um hotel, a seu juízo, de luxo. No seu entender haveria pouco a oferecer partindo
de uma comunidade quilombola. Todavia não escondia a expectativa de sucesso no
empreendimento, o que, segundo ela, a deixaria “muito feliz” com a possibilidade de
aumentar seus rendimentos.27
Chegando ao hotel, a artesã foi recebida, juntamente com o pesquisador, pela
gerente de governança, sra. Lílian, que lhe mostrou a decoração e o enxoval de várias
unidades habitacionais. Essa etapa foi dividida em duas partes, que foram realizadas
simultaneamente. Na primeira, ocorreu o contato da artesã com o enxoval em uso e,
na segunda, houve uma conversa com a gerência durante a visita às unidades
habitacionais.
Esse contato permitiu à artesã conhecer, primeiramente, os padrões plásticos dos
bordados e também o material de fabricação e o acabamento feito à mão do enxoval
em uso. Foram visitadas cerca de oito unidades habitacionais, todas com decoração
semelhante, no estilo rústico, usando os enxovais em tecidos de algodão cru. Ao
examinar essas peças, a artesã, de maneira menos apreensiva, reconheceu que
podia, dentro do seu conhecimento e prática tradicionais, ajudar nas soluções técnicas
e preencher os requisitos estabelecidos pelo hotel.
A figura 52 mostra o contato da artesã Tânia Calheiros com um enxoval e um
edredom feitos em outras comunidades tradicionais rurais.
27
Estrato do Diário de campo Nº7 (vide apêndice 1, pág. 224)
149
FIGURA 52
Momentos da visita da artesã ao estabelecimento hoteleiro:
1 e 2- testando as colchas de cama
3- verificando as qualidades de um produto similar feito
por outras comunidades tradicionais rurais.
1
2
Fonte: Fotografias do Autor (2011)
3
A artesã teve a oportunidade de ver e tocar os enxovais, verificando a qualidade
do material de fabricação, acabamento e demais detalhes. Nessa oportunidade ela
emitiu diversas opiniões e sugestões sobre os enxovais observados:
“Esse foi comprado pronto, dá pra ver que o bordado foi cortado e quem
fosse fazer não iria cortar o bordado, então existe o pano já bordado,
que só precisa cortar e fazer. Esse é industrial e não dá para fazer.
Como esses de taco e o de crochê dá para fazer manual. Posso colocar
fuxico, fuxico de seis pontas. Posso fazer de fuxico, de crochê.”28
28
Depoimento da artesã em 19/06/2011
150
Quando argüida pela gerência sobre o problema do uso de crochê, que
descosturava durante a lavagem e/ou no uso com os hóspedes, a artesã propôs a sua
própria solução técnica:
“Vou pôr todos os detalhes de crochê presos no fundo. Todos os retalhos
presos no fundo. Porque os meus em casa faço presos no fundo, dou um
pontinho e prego no fundo, dou um pontinho e prego no fundo. Ai ele
fica preso e aí se prender não solta na lavagem.”29
Muito embora a encomenda possa parecer afastada do padrão dos produtos
habitualmente produzidos no artesanato de Giral Grande, principalmente por haver
uma concentração a uma só cor para atender os requisitos do hotel, ainda assim,
parece não ter se constituído um fator estranho para a artesã, visto que ela já possuía
a prática de produzir bordados em crochê em outros produtos, precisando apenas
redirecionar seus conhecimentos e práticas para aplicação no caso requisitado.
Ao mesmo tempo, a aceitação do artesanato de retalhos de Giral Grande por
parte do hotel, na forma de uma encomenda, representou a sua valorização de
pessoas de fora da comunidade. Os valores apresentados pelo estabelecimento
hoteleiro, baseados, como visto anteriormente, na sustentabilidade e na ênfase aos
conteúdos culturais, sintonizaram com os valores do artesanato de retalhos, conforme
visto na Etapa I: a reciclagem de materiais, como os retalhos de tecido, e a plástica
de comunidades tradicionais rurais, como a de Giral Grande. Essa aceitação, portanto,
reforça a valorização das raízes culturais da comunidade e, ao mesmo tempo,
comprova a exatidão da relação cultura/sustentabilidade.
No
fim
da
visita,
a
artesã
acertou
quais
os
produtos
que
iriam
ser
manufaturados, a título de experiência: três conjuntos de colcha e fronha, sendo dois
brancos e um colorido, deixando para dar o valor de venda na entrega da encomenda.
Então quando perguntada sobre o desafio, a artesã disse: “gostei, e vou fazer o
possível”.30
Segundo registrado no Estrato de Diário de Campo Nº7, presente nos apêndices
da tese, durante a volta para Giral Grande, a artesã externou seu alívio e entusiasmo
com a tarefa, afirmando que passava a acreditar no seu sucesso, que daria o melhor
de si e que o divulgaria na comunidade, buscando atrair outras pessoas para o
cumprimento da encomenda.
29
30
Ibidem
Ibidem
151
5.3.3. Requisitos do hotel para o desenvolvimento da adequação
Segundo depoimento da gerência,
31
durante a intermediação, os problemas dos
enxovais usados são basicamente relativos à durabilidade e higiene das peças. Os
modelos antigos, coloridos, desbotavam antes do esperado, devido à quantidade de
lavagens necessárias a que eram submetidos. A solução foi substituí-los por um
enxoval branco, feito apenas com tecido de algodão e decorados com bordados
também brancos. Mesmo assim, essas novas peças apresentaram problemas quanto
ao arrancamento dos bordados, de forma intencional ou não, durante o uso dos
clientes ou durante o processo de lavagem, o que levava geralmente a uma
intervenção de manutenção ou descarte, quando não era possível o conserto.
A cor branca, por outro lado, permitia ao enxoval ser submetido ao ritmo das
lavagens necessárias para o padrão de higiene do estabelecimento sem, contudo,
afetar sua cor. O algodão cru, que tem uma cor natural, já que não usa pigmentação
alguma, também amplia a durabilidade das peças por ser mais grosso e fisicamente
resistente.
Segundo
depoimento
da
gerência,
no
entanto,
“não
precisa
ser
necessariamente o algodão cru, mas um tecido de algodão branco [...] pode ser o
brim [...] pode-se trabalhar só o ‘pano’ grosso e ir aplicando o bordado.”
32
Outro problema percebido pelo pesquisador durante as entrevistas com a
gerência do hotel foi a respeito da identificação dos produtos artesanais. Verificou-se
que nenhum dos enxovais artesanais usados no estabelecimento tinha algo que
identificasse sua origem. A falta de uma identificação visual dificultava remeter
possíveis interessados para a comunidade de origem do artesanato, mantendo os
artesãos
afastados
de
uma
provável
clientela.
Portanto,
foi
decidido
o
desenvolvimento de uma identificação visual a ser aplicada nos protótipos feitos em
Giral Grande, processo esse explicado posteriormente.
A partir do depoimento colhido nas entrevistas, foi possível levantar os requisitos
técnicos a serem usados na produção das peças pela artesã, segundo a idéia de
qualidade da gerência. Esses requisitos estão reunidos no Quadro 15, que se segue:
31
32
Depoimento do Gerente do Hotel em 02/05/2011
Depoimento da Gerente de Governança do Hotel em 19/06/2011
152
QUADRO 15
Requisitos técnicos para a produção dos protótipos
REQUISITOS
AÇÃO PLANEJADA
Identidade Visual
Desenvolver, junto à própria comunidade, uma identidade visual
para o artesanato de retalhos,
Material de fabricação
Usar tecidos de algodão, conforme a indicação do hotel,
podendo ser algodão cru e/ou brim, devido à resistência física e
à durabilidade apresentada por esses tecidos.
Cor
Usar a cor branca e suas gradações, que permite que as peças
sejam lavadas no ritmo necessário para a higienização,
conforme as necessidades do hotel, sem a preocupação com o
desbotamento. Essa cor também permite a identificação de
manchas e sujeiras mais facilmente.
Protótipo colorido
Produzir uma peça colorida, feita igualmente com tecidos de
algodão tipo brim, para que se possa testar e conhecer outros
padrões plásticos possíveis de serem fabricados. O objetivo
dessa peça é poder ser mostrada e avaliada por um público
diferente e que não tenha as mesmas necessidades do hotel.
Costura e reforços
Inserir nas peças do enxoval costuras reforçadas buscando
aumentar a sua durabilidade durante o uso e durante o processo
de lavagem intensiva. Deverá usar um fundo de reforço do
mesmo material da superfície superior e os bordados devem ser
firmemente fixados nesse fundo.
Acabamento
Usar crochê e bordados
Tamanhos
Planejar os tamanhos para cama de solteiro e casal
Composição plástica e
criatividade
Seguir exclusivamente a criatividade da artesã, sem
interferências de qualquer natureza externa à comunidade.
Fonte: Produzido pelo Autor.
O Quadro 15 reúne os critérios que orientaram a adequação dos produtos
artesanais às necessidades do mercado urbano. No que se refere à criatividade
chamou a atenção a ênfase dada à preservação dos aspectos identitários dos seus
produtores, sendo este um dos fatores de agregação de valor aos mesmos frente a
possíveis consumidores.
5.3.4. Adequação de produtos do artesanato de retalhos
O processo de adequação desenvolveu-se em duas partes, a primeira relativa ao
desenvolvimento de identidade visual para a aplicação nos protótipos e a segunda
relativa à produção dos mesmos, dentro dos requisitos listados no Quadro 15.
153
5.3.4.1. Desenvolvimento da identidade visual para Giral Grande
Esta etapa da pesquisa teve como objetivo o desenvolvimento de uma identidade
visual para a Comunidade Quilombola Giral Grande a fim de ajustar a apresentação do
artesanato de retalhos da comunidade às exigências de mercados urbanos, gerando
um produto que possa ser usado na rede hoteleira especializada em temas culturais
da cidade do Salvador, Bahia. Essa identidade visual é resultante de uma metodologia
que incluiu a aplicação de pesquisa etnográfica para conhecimento da cultura da
localidade, de entrevistas semiestruturadas nas quais foram coletados conceitos e
valores determinantes para o layout da identidade visual, e de requisitos técnicos que
determinaram a sua concretização.
A importância dessa fase se revela, primeiramente, pela possibilidade de
alavancar o artesanato de retalhos para mercados além das fronteiras e das relações
habituais da comunidade, mediante a aplicação de uma identidade visual que
relaciona e identifica o produto com a sua origem. Tal ação poderá se constituir em
fator de sustentabilidade socioeconômica para a comunidade em estudo, além de
mostrar a metodologia de geração de uma identidade visual para uma comunidade
quilombola.
5.3.4.2. Fundamentação teórica
Identidade visual é o nome que se dá à representação gráfica, na forma de
símbolos e/ou grafia, não somente de um produto, serviço ou empresa, mas também
para um conceito, um pensamento, um comportamento; um sentimento, uma
personalidade, uma cultura, ou seja, qualquer componente que possa ser identificado
visualmente (PEÓN, 2000, p. 11-13). Sua função contemporânea propõe comunicar
uma qualidade e uma origem, facilitando ao público-alvo a identificação, o
entendimento e a memorização das mesmas. Segundo Ribeiro (1998, p. 241), é nessa
comunicação que se dá a fixação da imagem associada a sua origem naqueles a quem
se destina. Segundo Heilbrunn (2002, p. 35), do ponto de vista da semiótica, a
identidade visual é encarregada de representar, “por elementos concretos ou semiabstratos, uma realidade abstrata e intangível”, tal como valores e conceitos, mas
pode representar também elementos do mundo real e físico. Para Peón (2000, p. 1718), os sistemas de identidade visual objetivam influenciar no posicionamento de
determinado produto ou empresa diante dos seus concorrentes; persuadir, convencer
e influenciar o público-alvo sobre os atributos de serviços ou produtos e remeter a
memória dos usuários à empresa ou corporação, enfim, à origem do que se quer
promover.
154
Martins (2006) explica que o conceito de identidade visual pode ser descrito
como “a união de atributos tangíveis e intangíveis, simbolizados num logotipo
[identidade visual] gerenciado de forma adequada e que criam influência e geram
valor”. De acordo com Heilbrunn (2002, p. 36), a identidade visual é um vetor de
transmissão de idéias que não vale somente por si, mas remete a outras coisas que
não ela mesma. Como exemplo, a marca Volkswagen pode representar tanto um
veículo motorizado quanto a qualidade do design e da indústria alemã.
A identidade visual, segundo Ribeiro (1998, p. 244), é antes de tudo “um
elemento puramente gráfico, que sintetiza uma idéia ou um motivo”. Para isso,
apresenta várias características conceituais e funcionais, dentre as quais podem ser
citadas:
•
Originalidade: é característica da identidade visual ser oriunda do próprio
criador e assim poder representá-lo (HEILBRUNN 2002, p. 35-36), de modo
que o público-alvo possa identificá-lo sem cometer o erro de remetê-la a
outro referencial distante da origem criadora (PEÓN, 2000, p. 12);
•
Nome: contribui na construção da identidade por fazer associações
simbólicas que remetem à empresa ou produto, além de dar a idéia de
exclusividade do que é oferecido. Pode ser um nome abstrato, informativo,
descritivo ou sugestivo, mas principalmente, deve ter significado e ser fácil
de pronunciar, de reconhecer e de memorizar (RODRIGUES 2010; AAKER,
2002; BYRNE, 2004);
•
Associações: tudo o que o público-alvo vincula à identidade visual, tal
como os atributos dos produtos, a qualidade percebida; a origem, sua
personalidade e seus valores (AAKER, 2002);
•
Conceito: é a idéia que a identidade visual se propõe transmitir. Esta deve
refletir os desejos, necessidades, atributos, características e a cultura do
universo de origem;
•
Estilo ou personalidade: a qualidade ou a forma com que as expressões
particulares e conceitos da origem são visualmente transmitidos para o
público-alvo e capazes de serem compreendidos (ROALCABA e ROSA,
2002);
•
Forma: é o “desenho ou configuração visível do conteúdo” (ARNHEIM,
1986). A forma é responsável tanto por permitir a visualização da marca
quanto por transmitir seu estilo. Aqui se deve levar em consideração as leis
155
da Gestalt, como os princípios de organização, o da semelhança ou o da
pregnância, já explicados por muitos teóricos tais como Arnheim (1986) ou
Gomes
Filho
(2000),
para
garantir
a
facilidade
de
reconhecimento,
compreensão e memorização da marca.
•
Tipografia:
refere-se
à
família
tipográfica,
conhecida
no
meio
da
informática como fonte de letra. O tipo de letra pode transmitir idéias tais
como simplicidade, força ou fragilidade, peso, rusticidade ou delicadeza,
dentre outras. Os estilos podem variar de forma, podendo ou não facilitar a
sua legibilidade (RIBEIRO, 1998, p. 74-75; NIEMAYER, 2003, p. 70-71). A
escolha do tipo de letra deverá seguir o estilo sugerido para a identidade
visual, obviamente se esta tiver partes textuais.
•
Cor: elemento tanto estético como transmissor de idéias e expressões,
como por exemplo, “valores, sentimentos e espiritualidade” (ROALCABA E
ROSA, 2002), podendo ter o mesmo peso conceitual que a forma ou o estilo.
Deve-se, entretanto, atentar para o número de cores aplicadas na
identidade visual, buscando utilizar a menor quantidade possível. Isso não
somente facilita a legibilidade e compreensão como a torna financeiramente
mais barata, por facilitar os processos gráficos.
•
Viabilidade: Segundo Peón (2000, p. 25), é o conjunto de requisitos e
restrições que fazem a identidade visual ser viável no que se refere à
economia e à técnica, principalmente quanto aos processos de aplicação e
reprodução gráfica; ser operacional e flexível para aplicação em diversos
tipos de mídia, tanto impressas quanto digitais.
Uma identidade visual pode ser considerada como fator indispensável à
circulação de produtos industrializados e pode ser também importante para produtos
artesanais, como aqueles gerados em comunidades tradicionais locais. É um
componente que pode desempenhar um papel importante no esforço para associar
um produto a uma origem, seja esta uma região ou uma comunidade tradicional.
Segundo Scanavino (2010) “os serviços ou produtos que se originam em determinada
região estão associados ou possuem um vínculo direto com a mesma”, e as
identidades visuais podem dar visibilidade a essa associação, tornando-se, assim, uma
vantagem competitiva.
Para Soares, Cavalcanti e Andrade (2010), “o desenvolvimento de produtos junto
a comunidades produtoras de artesanato tem-se mostrado um grande desafio para os
designers contemporâneos”. É necessário estabelecer um diálogo entre a produção
156
artesanal e o mercado, considerando a valorização da cultura e tradição locais e, ao
mesmo tempo, buscando a ampliação das possibilidades de geração de renda e a
sustentabilidade da comunidade envolvida. Esse diálogo mostra-se complexo, pois
trata de duas concepções diferentes de produção, sendo que a primeira abrange a
subsistência e a satisfação de necessidades básicas de pequenas comunidades,
enquanto a outra se manifesta nos mecanismos do comércio urbano regidos pelo
capitalismo.
Por esse motivo, o design deve assumir um papel importante na expansão de
condições que favoreçam o desenvolvimento de comunidades tradicionais locais,
através da valorização desses produtos artesanais. Segundo Kruken (2009, p. 17), “a
perspectiva do design vem justamente ajudar nessa complexa tarefa de mediar
produção e consumo, tradição e inovação, qualidades locais e relações globais”.
Portanto, o planejamento de estratégias de valorização pode influenciar positivamente
o reconhecimento dos potenciais econômicos e culturais, ajudando a proteger tanto
esse patrimônio quanto o próprio território e a comunidade nele fixada.
5.3.4.3. Desenvolvimento da identidade visual
O desenvolvimento da identidade visual de Giral Grande seguiu a estratégia
sugerida pela pesquisa etnográfica, baseada na coleta de dados e opiniões da
comunidade,
durante
as
atividades.
Portanto,
o
trabalho
fundamentou-se
na
observação e na descrição, no recolhimento de dados, a partir de entrevistas semiestruturadas e no levantamento fotográfico. Além disso, buscou-se maximizar a
participação dos componentes da comunidade na construção do seu conceito e na
decisão de escolha sobre o estilo, a forma e a tipografia. Contudo, outras
características técnicas, como o número de cores, mancha gráfica e traços, exigiram
maior intervenção do pesquisador, com o intuito de adequar o resultado final a uma
identidade visual aplicável em diversos tipos de suporte e outras mídias. O
desenvolvimento da identidade visual, portanto, usou os dados da comunidade
revelados nas fases anteriores e também os da pesquisa de campo específica, dividida
em seis etapas, M1 à M6 mostradas na Quadro 16, e explicadas a seguir.
157
QUADRO 16
Etapas metodológicas do desenvolvimento da identidade visual
Nº
M1
M2
M3
ETAPA
PESQUISA
ETNOGRÁFICA
APLICAÇÃO DE
ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
APRESENTAÇÃO DE
EXEMPLOS
SIMILARES E NÃO
SIMILARES
M4
APRESENTAÇÃO E
SELEÇÃO DE TIPOS
DE LETRAS
M5
CONSTRUÇÃO DO
CONCEITO,
ESBOÇOS E SELEÇÃO
PRELIMINAR.
M6
GERAÇÃO DE
ALTERNATIVAS E
SELEÇÃO FINAL
ÍTENS
¼
• Conhecimento prévio da comunidade
• Levantamento de dados sobre comportamentos,
valores e cultura em geral;
¼
• Levantamento de informações para a construção
dos elementos conceituais e de estilo;
• Levantamento de opiniões no momento da
apresentação de identidades visuais de outras
¼
comunidades similares e outras com origens e
estilos diferentes;
• Levantamento de opiniões sobre tipos de letras préselecionadas tendo como critério as opiniões das
etapas M1,M2 e M3;
¼ • Seleção do tipo de letra, algumas mostradas a
partir do nome da comunidade escrito com tais
tipos.
• Construção do conceito a partir dos dados obtidos
nas etapas anteriores;
• Desenho de alternativas preliminares na forma de
esboços rápidos, na presença de membros da
¼
comunidade, com o propósito de obter sua maior
participação;
• Seleção, feita pelos membros da comunidade, do
esboço que melhor a representa.
• Desenho digital do esboço escolhido, com pequenas
variações de forma e configuração;
¼ • Seleção da proposta final, feita pelos membros da
comunidade, a partir das alternativas desenvolvidas
na etapa M5.
Fonte: produzido pelo Autor.
Etapa M1 - Pesquisa etnográfica
A pesquisa etnográfica revelou a importância e o significado do valor dado à terra
e à cultura local, o que é considerado pela comunidade como um exemplo de luta, de
resistência e de resiliência, típicos das comunidades quilombolas em geral. Além
disso, revelou a importância do aproveitamento de retalhos e da valorização do
aspecto estético do artesanato baseado numa criatividade livre, mas influenciada pela
interação dos desejos, necessidades e valores da artesã com seus companheiros de
Giral Grande. Portanto, esses aspectos e valores foram os pontos de partida para o
desenvolvimento da identidade visual, os quais determinaram as etapas M2, M3 e M4,
no que se refere à escolha e à organização do material a ser mostrado e à estrutura
da entrevista semiestruturada a ser aplicada.
158
Etapa M2 - Aplicação de entrevista semiestruturada
Uma vantagem dessa técnica é a possibilidade de uma abordagem espontânea
do entrevistado, permitindo que surjam assuntos não previstos, mas interessantes e
enriquecedores. As perguntas foram elaboradas de maneira simples, direta e
compreensível. No ato da entrevista propriamente dita, utilizou-se uma conversa
informal, tendo, contudo um roteiro em mãos. Todas as perguntas e questões desse
roteiro (vide Quadro 17) foram respondidas, entretanto sem seguir a ordem em que
foram apresentadas. O resultado dessa etapa possibilitou o acesso a informações
importantes para a construção do conceito e estilo da identidade visual.
QUADRO 17
Roteiro da entrevista semi-estruturada
A
Busca de algo (concreto) na comunidade que possa resumi-la ou identificá-la.
B
Busca de algo (simbólico) na comunidade que possa resumi-la ou identificá-la.
C
Identificação de algum tipo de comportamento ou de atitude que são exclusivos da
comunidade.
D
Identificação de algo de valor, coisa ou sentimento que diferencie a comunidade
de outras comunidades semelhantes.
E
Identificação de alguma mensagem ou pensamento que a comunidade gostaria de
comunicar.
F
Indicação das cores de que a comunidade mais gosta.
Fonte: produzido pelo Autor.
Com a aplicação do roteiro foram obtidos os seguintes dados sobre os valores
dos quilombolas de Giral Grande, segundo o depoimento da família Calheiros:
•
33
A estrada de chão, referindo-se ao acesso de terra batida que leva à
comunidade (Figura 18), é considerada como “uma marca registrada de
Giral Grande” porque, além de traduzir a realidade rústica e campestre do
local, também significa o caminho, a solidariedade, a coesão dos membros
da comunidade e seu acolhimento;
•
O terreiro na frente da casa principal da comunidade (figura 19) é
considerado o ponto mais importante, por ser o local das reuniões e
assembléias onde ocorrem as discussões comunitárias, e também o ponto
33
Depoimento dado durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe, Bahia, em
01/07/2011
159
de encontro para as conversas de final de tarde e fim de semana; local de
recreação das crianças, brechó, dentre outros eventos. Um local onde todos
se encontram;
•
A preferência por uma determinada cor depende da subjetividade de cada
membro, sendo que o vermelho, para alguns membros, simboliza a força e
resistência do local, além da quebra dos preconceitos sofridos pelos
quilombolas; já o branco e o azul representam a paz e a delicadeza do local,
respectivamente, para outros membros;
•
A preservação das árvores, mensagem que a comunidade deseja passar,
como ato que representa o cuidado com o meio ambiente local. A
comunidade planta árvores e ajuda a preservar as demais já existentes,
principalmente as que cercam o terreiro e as demais mais próximas das
casas. Essa paisagem é apelidada pelos membros de Giral Grande como o
“pedacinho do céu”.
Etapa M3 - Apresentação de exemplos de identidades visuais similares e não
similares
Essa etapa se caracterizou pela apresentação, feita pelo pesquisador, de painéis
com exemplos de identidades visuais similares referentes ao seu universo e exemplos
não similares, distantes do contexto do universo local. Portanto, foram apresentados
exemplos de outras comunidades quilombolas ou que se referiam a estas, e também
alguns sem nenhuma relação com comunidades negras, embora algumas dessas
fizessem referência ao artesanato ou características que retratavam a natureza, tal
como foi relatado na Etapa M2.
O objetivo dessa etapa foi o de apresentar aos quilombolas de Giral Grande
diversos exemplos de identidade visual, de forma que estabelecessem parâmetros
comparativos tanto quanto inspiradores. Foi explicado aos quilombolas presentes que
a maioria das identidades visuais referentes às comunidades negras apresentadas
possuía traços rústicos, letras grossas e cores fortes, pois se referiam à natureza de
luta e resistência já conhecidas por eles. As identidades visuais não similares
apresentadas, por sua vez, mostraram alternativas de formas, composição e cores
com o objetivo de contrabalançar a influência da visão dos exemplos anteriores. A
figura 53 mostra três dos painéis apresentados. Os exemplos presentes nestes painéis
foram copiados a partir de pesquisa nas páginas do Google Images.
160
FIGURA 53
Alguns dos painéis34 de exemplos de identidade visual apresentados
aos habitantes de Giral Grande:
1 e 2- exemplos relativos à comunidades quilombolas. 3- exemplos não similares
1
2
3
Fonte: Google Images
Com a apresentação dos painéis foram obtidas as seguintes opiniões:35
•
Alguns dos exemplos similares refletem os valores semelhantes aos de
Giral Grande, tais como o trabalho no campo, a terra, a união e a
coletividade entre as pessoas, a figura de casas retratando o sentimento
de lar;
•
Alguns exemplos não similares foram interpretados como trazendo idéias
de vida, natureza, mas, somente isso;
•
O estilo que mais se aproximou dos valores dos quilombolas de Giral
Grande foi, exatamente, o elaborado com linhas grossas e traços
rústicos,
porque,
representam
a
segundo
resistência:
o
depoimento,
“estamos
essas
resistindo
ao
características
preconceito
e
gostamos do trabalho no campo, pois somos brabos”, referindo-se à sua
própria rusticidade.
34
Os dois painéis à esquerda referem-se às marcas com afinidade com o universo quilombola, enquanto
o da direita apresenta marcas sem essa afinidade.
35
Depoimento dado durante entrevista do pesquisador, em Giral Grande. Maragojipe, Bahia, em
01/07/2011.
161
Etapa M4 - Apresentação e seleção de tipos de letras
Essa etapa se caracterizou pela apresentação do nome Giral Grande escrito em
alguns tipos de letras, selecionados de acordo com os dados coletados nas etapas M2
e M3, com requisitos de peso, linhas grossas e rusticidade. Além desses critérios, os
depoimentos dados nas entrevistas revelaram a preocupação dos quilombolas, não
somente com o significado de rusticidade e luta associados à forma da letra, mas,
também, com a necessidade de a identidade visual ser lida por pessoas com baixa
escolaridade, um fato existente não só na comunidade, como nas vizinhanças.
Segundo o depoimento da família Calheiros, as letras tipo bastão são mais fáceis de
serem lidas pelas pessoas do campo, que não têm habilidade com a leitura: “pela
facilidade de compreensão, as letras ‘de forma’ são melhores”. Essa atitude mostrou
uma preocupação dos seus membros com a imagem de Giral Grande para além das
suas fronteiras.
Portanto, foram escolhidas para serem apresentadas três famílias de letra usadas
em caixa alta e em caixa alta/baixa, mostradas na Figura 54, e que representam os
grupos de letras serifadas, bastão e manuscrita. Essa foi uma estratégia para resolver
o dilema apresentado pelos próprios quilombolas: um tipo de letra grosso e rústico,
mas com boa legibilidade. Os tipos de letra escolhidos são fontes digitais do tipo truetype, que podem ser baixadas gratuitamente em sites de download especializados.
FIGURA 54
Tipos de letra apresentados à comunidade
1
2
3
4
5
Fonte: BerradisplaySSK
Classificação: Serifada
Peso: Super negrito
Disponibilidade da fonte em Caixa
Alta e Baixa
Fonte: MicrogrammaDBolExt
Classificação: Bastão
Peso: Negrito
Disponibilidade da fonte em Caixa
Alta e Baixa
Fonte: JeffreyPrint JL
Classificação: Manuscrita ou Fantasia
Peso: Negrito
Disponibilidade da fonte apenas em
Caixa Alta
Fonte: produzido pelo Autor
162
Após a apresentação dos tipos de letra para a comunidade, foi realizada a
votação para a escolha e, segundo os próprios quilombolas de Giral Grande, a
alternativa nº 5, desenvolvida com a fonte JeffreyPrint JL, foi eleita por unanimidade
para ser usada na identidade visual.
Etapa M5 - Construção do conceito, esboços e seleção preliminar
Nesta etapa, em grande parte realizada na presença e com a participação dos
quilombolas de Giral Grande, foi desenvolvida a identidade visual com as informações
obtidas nas etapas anteriores, nas quais os valores e desejos dos moradores do local
foram revelados. A identidade visual foi planejada para ser simples, mostrando, com
poucos traços, idéias e referências do local, da força da união comunitária e da
rusticidade de seus membros. Entretanto, esse conceito precisou ser modulado por
requisitos técnicos e funcionais que atuaram na determinação dos traços e na
configuração da identidade visual.
Os requisitos técnicos e funcionais foram baseados nas informações de Heilbrunn
(2002, p. 91) sobre reprodutibilidade, segundo as quais, a identidade visual pode ser
colorida, mas deve ser pensada a alternativa de reprodução em monocromia. Esses
requisitos abrangem também a possibilidade de aplicação em áreas de pequena
dimensão, que, neste caso, foi de 2 cm2, tal como a reprodução em fotocópia, por
exemplo, sem que se percam os significados a serem transmitidos. O uso de cores,
apesar de ser interessante, sofre a restrição do custo, já que se deve considerar a
baixa condição econômica do local, tal como Teixeira et al (2011a) afirmou. Portanto,
procurou-se solução no uso do traço monocromático, sem meios-tons, ou seja, “sem
gradientes ou retículas” (RIBEIRO, 1998. P. 111).
O Quadro 18 mostra as sugestões conceituais e os requisitos técnicos funcionais
que nortearam o desenvolvimento da identidade visual. Nele, as sugestões conceituais
geradas a partir das informações das etapas anteriores são confrontadas com
requisitos técnicos e funcionais, necessários para que a mesma se torne realizável
graficamente.
163
QUADRO 18
Confrontamento das sugestões conceituais com os requisitos técnicos e funcionais
SUGESTÕES
CONCEITUAIS
Ter traço rústico, mas
garantindo a facilidade de
leitura tanto da parte
textual quanto da parte da
simbologia.
Ser inspirado nos
elementos: caminho de
terra, na casa principal, nas
árvores do local e na união
comunitária.
Usar cores básicas ou que
representem os desejos da
comunidade ou ainda que
retratem os elementos
naturais da localidade,
podendo usar uma
combinação de todas estas.
Usar partes da fonte
JeffreyPrint JL como
elemento construtivo de
outras partes da identidade
visual com o propósito de
manter as características do
traço e estilo, oriundos da
letra.
REQUISITOS TÉCNICOS
E FUNCIONAIS
'
Traços com espessura mínima
capazes de serem reproduzidos
por vários processos gráficos,
principalmente quando sua
pretensão de ocupar a área
mínima de 2 cm2.
'
Possibilidade de redução para 2
cm2, mantendo a leitura para
permitir a compreensão do
conceito.
'
Usar número reduzido de cores,
com a tendência para a
monocromia, a fim de facilitar a
produção e a reprodução
gráfica, buscando a redução de
custos.
'
Usar o tipo de letra JeffreyPrint
JL para a parte textual principal
(Giral Grande) e outro tipo
bastão simples para o texto
secundário (Comunidade
Quilombola).
Fonte: produzido pelo Autor
O nome Giral Grande pode ser classificado como toponímico, que, segundo
Rodrigues (2010), se caracteriza por usar como referência o “lugar de origem” do
objeto. Por ser de fácil pronúncia, pode ser melhor memorizado, aumentando,
portanto, sua pregnância, uma das leis da gestalt definida por Gomes Filho (2000, p.
37) como uma “organização do objeto que facilita a compreensão e a rapidez da
leitura”.
A geração de alternativas buscou apresentar à comunidade vários caminhos:
usando somente o nome (logotipia) em alguns casos; usando todos os elementos
conceituais em outros casos ou, ainda, usando apenas alguns destes elementos. O
uso dessa variedade tornou-se uma estratégia, com o objetivo de não forçar a escolha
em uma única direção. A figura 55 mostra alguns dos esboços das soluções, feitos
com marcadores sobre papel, na presença dos membros da comunidade, que também
opinaram durante o processo. Na prancha da esquerda, buscou-se trabalhar
principalmente a solução como logotipo, usando o nome Giral Grande. Na da direita,
164
procurou-se usar os componentes citados nas sugestões conceituais: a casa principal,
a estrada de terra, as árvores e a união comunitária.
FIGURA 55
Pranchas com alguns dos esboços feitos à mão livre
Fonte: produzido pelo Autor
Os elementos marcantes usados foram o telhado, representando a casa principal;
as figuras humanas de mãos dadas, representando a união entre os quilombolas; a
linha sinuosa, abaixo, representando o caminho de terra e uma árvore. Após a
apresentação dos rascunhos para a comunidade, realizou-se a votação para a escolha
e, segundo os próprios quilombolas, as alternativas que remetem ao conceito de casa,
comunidade e natureza foram as escolhidas para posterior desenvolvimento. O estilo
da identidade visual buscou uma forma de, ao mesmo tempo, transmitir esses valores
da comunidade e ser de simples leitura e fácil memorização, combinando uma forma
de usar o conceito baseado nos elementos coletados, porém buscando ser o mais
pregnante possível. O uso de símbolos já conhecidos e de domínio público, como o
telhado de casa e os pictogramas humanos, procurou exatamente esse caminho.
Etapa M6 - Geração de alternativas e seleção final
Esta etapa foi desenvolvida pelo pesquisador sem a participação direta dos
membros da comunidade, exceto na seleção final. As informações coletadas nas
etapas anteriores permitiram a construção digital da identidade visual, usando
softwares comuns para desenho vetorial e de edição de imagens bitmap. O desenho
165
do nome Giral Grande sofreu alterações, primeiramente na suavização dos contornos
e na distância entre as letras, buscando melhor legibilidade na redução gráfica.
Durante o seu desenvolvimento, a identidade visual sofreu uma evolução, sendo que
algumas informações iniciais, como a presença da árvore e a cor do caminho de terra
desapareceram ou foram reduzidos a um simples traço, seguindo os requisitos
técnicos / funcionais. Por solicitação da comunidade, não foi incluído seu endereço,
conforme depoimento:
Temos medo de quem está lá fora, de pessoas que vindo para cá possa
trazer violência [...] Ao mesmo tempo temos que ver a valorização da
cultura e da natureza, às vezes nos sentimos ameaçados, querem
aproveitar e botar restaurante. 36
A figura 56 mostra as etapas de construção da identidade visual baseada no uso
de letras da fonte JeffreyPrint JL como parte estrutural do desenho. Assim, a letra “I”
foi usada como um bastão dando forma ao corpo das figuras humanas e do telhado; o
“O” usado como a cabeça e o “A” como a saia da figura feminina. Assim, o estilo
rústico da fonte pôde ser preservado, unindo visualmente as partes do telhado,
figuras humanas e caminho de terra com o texto principal, oferecendo, dessa
maneira, uma unidade estética ao desenho. Para o texto secundário foi usada a fonte
Arial Normal, que é um tipo de letra bastão, com estilo reto e neutro, com o propósito
de comunicar sem, contudo, influenciar no resto da identidade visual.
FIGURA 56
Etapas de construção da identidade visual (em uma das suas alternativas)
LEGENDA
1- Suavização das bordas das letras
2- Telhado representando a casa principal
3- Figuras humanas representando a união comunitária
4- Linha sinuosa abaixo dos pés, representando o caminho de terra
5- Texto principal em fonte JeffreyPrint JL já suavizada
6- Texto secundário em fonte Arial Normal
7- Processo construtivo usando partes da fonte JeffreyPrint JL
Fonte: produzido pelo Autor
36
Depoimento dado em 11/09/2011
166
A Figura 57 mostra algumas das alternativas geradas e apresentadas à
comunidade. As primeiras alternativas tentaram aproveitar o máximo das informações
da etapa conceitual. Posteriormente, tanto as idéias contendo o elemento “árvore”
quanto as com cores foram descartadas, buscando-se a simplificação e uma melhor
adequação aos requisitos técnicos e funcionais mostrados na Quadro 18.
FIGURA 57
Alternativas apresentadas à comunidade
Fonte: produzido pelo Autor.
As alternativas foram então apresentadas à comunidade que, por votação,
escolheu aquela demonstrada na Figura 58. Segundo os próprios quilombolas em seu
depoimento, os critérios de escolha foram questões plásticas e financeiras, pois este
recurso é limitado, o que justifica a escolha de uma alternativa monocromática. A
alternativa
escolhida,
portanto,
satisfez
o
planejamento
inicial
e
também
a
comunidade, por ser simples e rústica, permitindo a comunicação do conceito,
facilitando a leitura e a reprodutibilidade.
FIGURA 58
Alternativa final escolhida pela comunidade.
Fonte: produzido pelo Autor
167
A figura 59 mostra o teste da identidade visual em diversos fundos cromáticos
com o propósito de verificar as possibilidades de aplicação em suportes variados. Esse
teste também avalia o poder de redução da mesma, pois cada uma está reduzida
para, aproximadamente, dois centímetros quadrados.
FIGURA 59
Aplicação de cores na identidade visual:
Aplicação da alternativa final em monocromia preta (1),
em escala de cinza: 20% (2) e 50% (3),
em negativo (4), em fundos coloridos (5, 6, 7, 8 e 9)
e monocromia colorida em fundo branco (10, 11 e 12)
Fonte: produzido pelo Autor
5.3.4.4. Aplicação da identidade visual em etiquetas
Da solução escolhida partiu-se para um teste de aplicação na forma da produção
de etiquetas, apresentada na Figura 60, destinadas às peças artesanais já prontas na
comunidade. Essas etiquetas foram impressas na cor preta sobre tecidos de algodão
cru e brim, no tamanho de, aproximadamente, 5 cm2. O processo produtivo escolhido
foi a serigrafia, processo de impressão gráfica que abrange desde sistemas manuais
para pequenas e médias tiragens aos semiautomáticos para grandes tiragens.
Segundo Oliveira (2000), a serigrafia é um processo de baixo custo tanto para
aplicação em papel quanto para tecido, sendo que esse processo apresenta a melhor
relação custo/benefício no setor de vestuário e moda em geral, o que satisfaz os
requisitos de redução de custos mostrados no Quadro 18.
168
FIGURA 60
Imagens digitalizadas das etiquetas para o artesanato de retalhos
(redução para ¼ do tamanho original)
1- Em algodão cru 2- Em brim branco
1
Fonte: produzido pelo Autor
2
5.3.4.5. Finalização da etapa de desenvolvimento da identidade visual
Durante seu desenvolvimento houve a preocupação de incluir os seus membros
como pivô do processo que somava, não somente a coleta das informações culturais
para a construção do conceito e estilo, mas também as opiniões e decisões sobre a
seleção das melhores alternativas.
A metodologia aplicada no desenvolvimento desse trabalho foi baseada em
entrevistas
semiestruturadas,
na
participação
ativa
da
comunidade
e
no
confrontamento dos conceitos gerados a partir das informações coletadas com
requisitos técnicos / funcionais, fundamentados nas referências, mostrando-se
adequada para este propósito.
O resultado, portanto, reflete parte da cultura e da identidade local, pois é
baseado nas informações fornecidas, discutidas, avaliadas e selecionadas pelos
próprios quilombolas de Giral Grande, o que reforça a autenticidade e originalidade da
identidade visual, muito embora a sua construção técnica tivesse sido feita pelo
pesquisador. Este se propôs a ser um instrumento que, baseado em requisitos de
design, sintetizou e concretizou os conceitos da localidade. Já a produção das
etiquetas aprovou o desempenho da identidade visual frente a processos produtivos
de baixo custo, como a serigrafia, o que se adequou à realidade da comunidade.
169
A identidade visual passou a ser, a partir desse ponto, mais um elemento que
busca reforçar a valorização da comunidade mediante a sua aplicação no artesanato
local, em particular no artesanato de retalhos.
5.3.5. Desenvolvimento dos protótipos
Conhecendo os requisitos dados pelo estabelecimento hoteleiro, mostrado no
Quadro
15,
partiu-se
para
a
confecção
dos
protótipos
solicitados.
Foram
confeccionados três deles, sendo dois brancos e um azul. O processo artesanal foi
dividido nas seguintes etapas:
A. Anotação dos requisitos;
B. Compra da matéria-prima;
C. Criação e manufatura.
As etapas A e B desenvolveram-se a partir da observação participante do
pesquisador
no
que
concerne
às
informações
obtidas
pela
artesã
junto
ao
37
estabelecimento hoteleiro durante o processo de intermediação . A etapa B foi
executada nas lojas de tecidos localizadas no Centro da Cidade de Salvador, onde
havia maior oferta e variedade de material, na forma de retalhos, com preços mais
acessíveis.
A etapa C, executada inicialmente pela artesã e uma ajudante, ganhou
posteriormente a participação, em mutirão, de outros membros da comunidade. Essa
participação, majoritariamente feminina no início, contou também com a presença
masculina, segundo os depoimentos a seguir.
“Todo mundo viu, ajudou a fazer, participou de tudo. O mérito não é só
38
dela não. Todo mundo ajudou”. [...] “Aí faltou água e meu primo foi
pegar água de moto, porque tem que ser bem limpa, para lavar. Os
homens ficavam com o serviço pesado”39.
Nesta etapa (C) a artesã criou os padrões, bordados, combinações e formas,
sempre dentro dos limites ditados pelos requisitos (Quadro 15). O pesquisador,
apesar de se manter afastado da comunidade durante o processo de confecção,
buscou informações contínuas sobre o andamento do processo. Procurou, dessa
maneira, a preservação da forma de criar e fazer, características da comunidade local.
O processo de produção foi executado, pela artesã e seus ajudantes em dois meses,
37
Registrado no diário de campo n. 7
Mara, irmã de Tânia, quando argüida sobre se todos viram o desenvolvimento do trabalho, em
11/09/2011
39
Tânia, quando perguntado sobre a participação masculina no processo, em 11/09/2011
38
170
considerando a existência de outras atividades cotidianas e essenciais da artesã e da
comunidade.
A matéria-prima escolhida pela artesã foi o brim, um tecido grosso, feito de
algodão, a partir do qual é fabricado o jeans. A sua estrutura usa ligações feitas em
estrias diagonais (sarja), produzindo, frequentemente, um tecido mais resistente que
os tecidos normais. É utilizado para a confecção de roupas, como calças, saias,
bermudas e casacos, toalhas de mesa etc., e também na decoração de interiores para
forração. É mais difícil de sujar, todavia requer uma lavagem mais rigorosa (PORTAIS
DA MODA, 2011). Os aviamentos foram também de algodão, como linhas para
costura e para bordados.
Segundo seu depoimento, a artesã40 dividiu a manufatura dos protótipos em
etapas muito parecidas com as que são usadas na confecção dos demais produtos do
seu artesanato. Entretanto expressou cuidado e preocupação maior que o habitual,
dado o significado da encomenda recebida. A sequência das ações do trabalho
executado pela artesã, tanto no processo criativo quanto no de produção, está
explicitada no Quadro 19.
QUADRO 19
Sequência das ações durante o processo criativo e produtivo dos protótipos
1. Recebimento da encomenda
2. Compra do tecido
3. Decisão quanto ao melhor produto: “olhando e decidindo o que fazer”.
4. Desenho de várias alternativas da padronagem do crochê e separando o que seria
melhor, o mais bonito, experimentando e testando em pedaços soltos.
5. Variação de soluções durante o processo: “A gente vai imaginando e vai fazendo”;
primeiro no papel, depois testando os modelos selecionados no tecido, “a gente vai
experimentando, vai descobrindo e vai botando”.
6. O desenho precede a produção, tanto nas colchas quanto para as roupas, “é o mesmo
processo de desenhar”, “tem que ser no papel, tem que ser no desenho, é tudo no
desenho, não pode perder tecido, desenho para não ter dúvida, para não ter erro”.
7. Em primeiro lugar faz-se o crochê; depois corta-se o tecido usando moldes de papelão
e monta tudo na máquina ou a mão.
8. Em seguida faz-se a estrutura, o reforço, o forro e o acabamento.
9. Lavagem e goma para limpar as manchas de sujeira feitas durante o processo de
produção.
10. Finalização e entrega dos trabalhos.
Fonte: sintetizado pelo autor baseado nas entrevistas e
no estratos de diários de campo Nº 10, do dia 04/12/2011
40
Depoimento da artesã Tânia Calheiros em 11/09/2011
171
O trabalho artesanal seguiu etapas e lógica próprias, ambas definidas pela
artesã, nas quais foram identificadas uma fase criativa e outra produtiva, conforme
suas próprias palavras.
Etapa Criativa:
“Não posso começar a cortar sem antes pensar no que vou fazer e pra a
gente pensar só na cabeça, que tem muitas coisas, não ia dá, tem que
estar com um papel na mão, e ai eu desenhei tal como um pedreiro
desenha uma casa, ou pra fazer uma comida tem que seguir o que está
no papel. Então peguei um caderno e fui desenhado e descobrindo que
eu achava melhor, será que com esse vou ter muito trabalho ou será
que com outro terá menos trabalho, ou será que realmente ia ficar
bonito?”
“Primeiro desenhei as flores, depois desenhei os quadrinhos no papel,
com a flor no meio, me perguntei: será que com a florzinha no meio vai
ficar bonito? Depois pensei com flores no cantinho; fiz mais de duas
alternativas. Outros tipos se fazem com triângulos, tal como já fiz, fica
bonito. Fui imaginando e fazendo no papel.”
“Para todos os modelos feitos fiz o mesmo processo de desenhar, tal
como desenho todas as roupas que costuro. Usando desenho, já fiz até
vestido de casamento. Tudo que eu faço tem que ser no papel, tem que
ser no desenho, tudo que vou fazendo tem que pensar primeiro se vale
a pena, se vai dar certo, pra não perder tecido, para depois não ter erro.
Para aquele tecido que você comprou vou cortar e tem que dar certo.41
Etapa de produção:
“Vou cortando o tecido, depois faço a bainha, faço o crochê e por ultimo
costuro as flores. Esses ficam no meio e esses outros são as bordas, na
bainha. Depois monto tudo na mesa e coloco o forro. Depois que
termina tem que lavar e depois engomar. Todos levam o mesmo
processo.”
“O pessoal tá gostando assim, estão dizendo: Ave Maria! Que trabalho
maravilhoso, não sabia que era tão duro fazer!”42
Durante a confecção dos protótipos, a comunidade também participou, mediante
sugestões, opiniões e ajuda em tarefas relacionadas à produção, tal como o
transporte de insumos. A artesã, no seu processo intuitivo de criação e produção,
seguiu etapas que transitaram da criação para a produção e vice-versa, num processo
de experimentação contínua. É o que se deduz da sua afirmação: “tá bonito não tá?
Pergunto a um, pergunto a outro e vou fazendo. Fiquei aberta para ouvir opiniões”43
A Figura 61 mostra desenhos de algumas das alternativas realizadas pela artesã.
Esses traços mostram o conhecimento e o sentimento de uma lógica ou uma
sequência de etapas que parte de uma encomenda, seguida por uma etapa de
idealização, finalizando com a etapa de produção.
41
42
43
Depoimento da artesã Tânia Calheiros em 04/12/2011
Ibdem
Ver no Diário de campo n. 11 (04/06/2012)
172
FIGURA 61
Desenhos das alternativas, realizados pela artesã.
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
173
A figura 62 mostra fases da etapa produtiva, com parte da matéria-prima,
aviamentos e algumas das agulhas para diferentes tarefas de costura: crochê, mão
livre e a máquina. Esta figura mostra também as etapas de produção, com a
preparação das flores de crochê e dos bordados feitos com essa mesma técnica. A
figura 63 mostra fotos do trabalho manual, feito pela artesã sentada no terreiro da
comunidade, na frente das casas.
FIGURA 62
Partes da etapa produtiva:
A: agulhas usadas; B insumos; C e D: miolos de flor;
E e F flores montadas nos quadrados para a colcha e fronha, respectivamente.
A
B
C
D
F
E
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
174
FIGURA 63
Partes da etapa produtiva: trabalho manual
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
175
O processo de adequação se completou com a aplicação das etiquetas com a
identidade visual nos protótipos, segundo registra a figura 64, fato que expressou a
concretização dos objetivos propostos para a Fase III.
FIGURA 64
Partes da etapa produtiva: aplicação das etiquetas
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
5.4. FASE IV - RESULTADOS
5.4.1. Apresentação e resultados dos protótipos na comunidade
A apresentação dos protótipos à comunidade foi marcada por um clima de
entusiasmo quase festivo. Compareceu grande parte dos seus membros que
expressaram sua admiração pela beleza e qualidade das peças, elogiando o trabalho
dirigido pela artesã.
As Figuras 65 e 66 mostram os protótipos finalizados sendo exibidos por alguns
membros da comunidade, incluindo a artesã Tânia Calheiros. Nestas fotos são vistos
os protótipos feitos com brim branco, destinados ao uso do hotel denominados pela
artesã de Quadrados Brancos e Caminho Branco, e o protótipo Azul, destinado para
outros públicos interessados.
176
FIGURA 65
Apresentação do protótipo Azul
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
FIGURA 66
Apresentação do protótipo Quadrados Brancos
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
177
O protótipo 1 Quadrados Brancos é mostrado abaixo na Figura 67. O estilo
escolhido procurou se aproximar ao máximo da plástica e das necessidades expressas
pela gerência do hotel. Esta pedia algo mais elaborado, combinando partes bordadas,
característica essa que agradava os hóspedes. Esse protótipo foi considerado o mais
belo e bem acabado entre os três, exatamente pela sua complexidade, o que foi
entendido como esmero e considerado pelo hotel como uma característica atrativa
para os clientes.
FIGURA 67
O protótipo 1, batizado pela artesã como “Quadrados Brancos”
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
Este protótipo foi elaborado com as seguintes características:
•
Cor: branco gelo;
•
Peças quadradas unidas por bordados duplos;
•
Os bordados de união fixados em um forro na outra face da colcha, como um
elemento de reforço estrutural, diminuindo a possibilidade de descosturar ou
de ser arrancado, se for enganchado por objetos pontiagudos;
•
Aplicação de flores bordadas, costuradas no centro de cada quadrado.
178
O protótipo 2, Caminhos Brancos, é visto abaixo, na Figura 68. Diferentemente
do protótipo anterior, este visou preencher mais as necessidades de manutenção do
que atender a aspectos plásticos, sendo construído com soluções mais simples e
resistentes que os demais protótipos. Foi produzido usando figuras e linhas, imitando
caminhos bordados costurados por cima de partes de brim, unidas umas às outras por
costura simples, sem serem bordadas. Essa característica eliminou reentrâncias e
tramas bordadas que costumam enganchar em objetos, acabando por descosturar ou
desfiar. No entanto revelou-se com uma plástica mais simples e menos atraente para
as necessidades do hotel.
FIGURA 68
O protótipo 2, batizado como “Caminhos Brancos”
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
Esse protótipo foi elaborado com as seguintes características:
•
Tem a cor branca do algodão cru;
•
Tem suas partes unidas por costuras simples, sem bordados;
•
É decorado com elementos bordados, desenhando caminhos retos, fixados
por costura no forro, aumentando a resistência ao arrancamento.
179
O protótipo 3, Azul, é mostrado na Figura 69. Seu objetivo é totalmente diferente
dos demais protótipos, pois foi destinado a pessoas interessadas em adquirir um
produto colorido para uso no próprio domicílio ou para outros estabelecimentos
hoteleiros sem restrições por cores. Este protótipo foi elaborado com a união de peças
retangulares, em duas gradações da cor azul, intercaladas e formando um mosaico,
unidas por bordados também da cor azul. Devido aos gradientes escuros de azul
usados neste mosaico, este protótipo foi considerado pelos membros da comunidade44
como um produto voltado para o público masculino.
FIGURA 69
O protótipo 3, batizado como “Azul”
Fonte: Fotografia do Autor, 2011
Este protótipo foi elaborado com as seguintes características:
•
Colorido em gradações de azul;
•
Peças geométricas retangulares unidas por bordados, que, por sua vez, são
fixados em um forro na outra face da colcha, com o mesmo objetivo do
protótipo 1.
44
Depoimento dado por membros da família Calheiros em 11/09/2011
180
Os três protótipos, embora construídos em modelos diferentes, concentraram
elementos constitutivos da plástica predominante no gosto e no repertório da
comunidade, bem como preservaram técnicas tradicionais de confecção. Aplicaram o
bordado de crochê, dispondo o retalho em tacos de forma geométrica, preservaram
características de rusticidade e usaram técnicas de reforço de costura já conhecidas.
Os requisitos estabelecidos pelo hotel exigiram mais tempo para a confecção; mais
cuidado no esmero do acabamento e maior participação dos membros da comunidade,
mas não alteraram os fundamentos das formas de criar e produzir existentes no local.
Segundo a comunidade, os três protótipos agradaram bastante quanto à beleza e
acabamento, superior às peças antes produzidas e destinadas para o consumo local.
Os membros da comunidade, em depoimento, comentaram que o resultado foi um
dos melhores já alcançados pela artesã e todos que a ajudaram:
Estamos admirados com o trabalho. Tá lindo demais. Tânia se dedicou
bastante, ela deu um duro danado. Foi um trabalho minucioso. O azul é
bonito, mas a maioria está gostando mais dos brancos.45.
Quando eu estava desocupada eu dava uns pontinhos, o mérito não é só
dela não. Todo mundo ajudou. [...] Demos elogios, elogio dá um
incentivo medonho. 46
As meninas se interessaram e queriam fazer também, compraram
agulha e começaram a fazer uns pontinhos. E aí, é desse jeito que vai
aprendendo. Elas se interessam, achou bonito e quer aprender.47
Os
depoimentos
acima
mostram
a
sintonia
entre
os
valores
estéticos
compartilhados entre a artesã e a comunidade, diante da qual ela assume o papel de
maestria, daquela que sabe, está em condições de ensinar e ser reconhecida pelo seu
saber. A comunidade acha o trabalho “lindo demais”. Além disso, a expressão
“incentivo medonho” denota a concentração das atenções em torno do trabalho na
expectativa dos seus resultados.
Esses depoimentos validam também as peças e comprovam que, apesar de os
protótipos serem elaborados a partir dos requisitos de um hotel localizado em um
contexto urbano e com valores diferentes daqueles da comunidade, o resultado não
interferiu no significado cultural atribuído pelos membros da comunidade às peçasprotótipos. Segundo eles, os protótipos continuaram a preservar os valores estéticos e
de rusticidade, característicos da criatividade local, representados e interpretados pela
artesã no seu artesanato.
45
46
47
Depoimento dado por membros da família Calheiros em 11/09/2011
Ibdem
Ibdem
181
Mesmo no que diz respeito ao uso da cor branca, como foi indicada para os
protótipos, a comunidade não expressou estranhamento e considerou que a cor
branca não descaracterizou a peça artesanal como produto da sua cultura, por a
mesma ter mantido outros elementos e características do artesanato, a exemplo da
emenda do “taco”, ou pedaços, em formas retangulares, do crochê e das soluções
estruturais para a preservação física das peças.
O depoimento a seguir comprova a posição da comunidade, quando perguntada a
respeito das diferenças entre os produtos coloridos e os novos produtos na cor
branca: “o antigo tinha o colorido, mas o branco é mais sofisticado. É lençol de taco,
continuou de taco, igual ao outro”.48 Essa opinião, emitida por um dos homens da
comunidade, expressa mais uma vez a integração da cor branca no universo da
cultura de Giral Grande, dado já observado no conteúdo do Quadro 14. Portanto,
mesmo atendendo a uma encomenda externa e aceitando requisitos por ela
solicitados, a identidade cultural da comunidade foi preservada, pois se observou que
o fato não gerou estranhamento nem alterou as formas tradicionais de concepção e de
produção.
Arguidos sobre o que mais identificava os produtos como expressão da cultura
local, duas características prevaleceram nos depoimentos dos membros de Giral
Grande: a primeira foi a produção estar relacionada com a idéia de reciclagem de
materiais e a segunda foi a disposição dos retalhos unidos uns nos outros, formando
um mosaico de “tacos”. Segundo os depoimentos, a reciclagem de materiais é usada
para a obtenção de produtos de uso cotidiano, constituindo-se uma característica local
por se relacionar com a forma particular de como algumas necessidades materiais são
satisfeitas, e o artesanato de retalhos é um exemplo:
Nada é jogado fora [...] porque, se jogar os retalhos fora, é o mesmo
que tá jogando um lençol, uma saia, uma toalha de mesa de retalho,
vestido, cortina [...] tudo a gente recicla [...] o jeito aqui foi esse:
aproveitar tudo [...] no Giral temos que fazer as coisas, como o lençol
de taco que temos que ter [...] Nós temos a cultura de usar lençol de
taco, todo mundo usa, todas as casas usam o taco [...] é do lugar, e
também por causa da pobreza da gente, porque a gente sempre foi
humilde, assim, emendavam os paninhos pra cobrir agente,
ganhávamos uma roupa, se não prestava já cortava, emendava e
montava. Até hoje usamos pra enrolar os filhos. À minha mãe pediam
retalho e hoje as pessoas me pedem retalho [...] uma coisa que, se
emendar, forra sua cama por muitos e muitos tempos. [...] nós
crescemos e sempre vimos os lençóis de taco, de pedacinhos que iam
ser jogados fora.49
48
Depoimento de Antônio Calheiros (irmão de Tânia) em 11/09/2011
Depoimentos de Tânia, sua filha Jéssica e suas irmãs Zenilda, Isabel, Eliete, Elisabete e Tina em
11/05/2013
49
182
A outra característica tida por eles como identitária é o próprio “taco” em si, ou a
forma dos pedaços serem unidos formando um produto artesanal. Segundo os
membros de Giral Grande, o “taco” é tido como uma solução que vai além da forma
de se ter coisas necessárias para o uso cotidiano, pois representa a união entre os
seus membros:
A colcha de retalhos mostra o costume de cada um, a particularidade
de cada pessoa, cada pedacinho é como representasse as pessoas da
família e o jeito de ser de cada um [...] o que lembra o povo daqui é os
pedacinhos que vira um lençol. 50
Segundo os membros da comunidade, Tânia mostrou como se faz os produtos de
taco no local, mas revelou uma novidade, pois não se sabia do valor que se podia
alcançar com esse tipo de trabalho: “Quando eu vejo o lençol de Tânia, bonito, assim
bem trabalhado, me pergunto: por que a gente não fez isso antes? [...] o que era
necessidade virou talento.”
51
Segundo a artesã, esses protótipos não são tão diferentes dos modelos feitos de
retalhos comuns, produzidos anteriormente. Segundo o desejo da artesã, produtos
semelhantes aos anteriores continuarão a ser confeccionados: “sempre que eu tiver
um tempinho eu vou fazendo, pois aqueles são os do dia-a-dia, e eu faço cada um em
dois dias, apenas”.52 Já os protótipos exigiram muito mais tempo e dedicação,
incluindo a ajuda de outros membros da comunidade na confecção das flores de
crochê, dentre outras tarefas. O que diferenciou, além do tempo gasto, foram os
detalhes em crochê usados e a aplicação do forro, gastando quarenta e cinco dias (um
mês e meio) na confecção dos três protótipos. O resto foi um processo muito similar e
já do domínio da artesã.
Em visita posterior do pesquisador à comunidade, verificou-se que o resultado do
aceite do hotel e a confirmação de novas encomendas pelo mesmo abriram novas
possibilidades de inclusão de outros dos seus membros para a confecção das novas
peças. Essas pessoas ajudaram principalmente na confecção dos detalhes de crochê e
de outras tarefas de costura, reservando, porém, a tarefa da criatividade à
responsabilidade da artesã. A participação efetiva de outros membros da comunidade
no processo produtivo não alterou as características específicas do trabalho artesanal,
que o identificam como representativo da cultura local.
50
51
52
Depoimentos de Mara e Marina (irmãs de Tânia) em 11/05/2013
Depoimento de Eliete (irmã de Tânia) em 11/05/2013
Depoimento dado por membros da família Calheiros em 11/09/2011
183
Os ganhos obtidos com a entrega das primeiras encomendas foram aplicados na
aquisição de bens para uso cotidiano, como a compra de uma máquina de lavar
roupas; no pagamento de dívidas e na aplicação do restante em uma conta poupança
em nome da própria artesã. Esses fatos comprovaram o sucesso do projeto e a
perspectiva de ampliação dos seus resultados em benefício do desenvolvimento
local.53
5.4.2. Apresentação e resultados dos protótipos no hotel
No dia combinado, a artesã compareceu ao hotel para a apresentação dos
protótipos encomendados pela gerência, como visto na Figura 70. A gerência do hotel
os examinou minunciosamente perguntando sobre o tempo destinado à confecção, os
tons de branco, o crochê, os reforços. Concluiu que os modelos apresentados estavam
compatíveis com os requisitos de durabilidade, beleza e rusticidade, dentre os outros
exigidos anteriormente, como citados na Fase III. Diante dessa avaliação e da
disposição da artesã em confeccionar outras peças, a gerência se declarou decidida a
fazer novas encomendas, segundo o depoimento que se segue:
Está bom viu, está muito bom [...] esse ai eu compro. [...] Sim, está
aprovado, para mim o que era importante era ver a qualidade. [...] O
mais interessante foi o trabalho. O trabalho dela é muito bonito.54
FIGURA 70
Momento da entrega dos protótipos no hotel
Fonte: Fotografias do Autor, 2011
53
54
Depoimento de Tânia Calheiros em 11/05/2013 em Giral Grande
Depoimento dado pela gerência do hotel em 11/09/2011
184
Em seguida abriu-se o diálogo para estabelecer a negociação sobre o custo de
venda para aquela e futuras encomendas. Feito o acordo e estabelecida a encomenda
de mais peças do tipo “quadrados brancos”, que foi o preferido pela gerência e o
modelo escolhido para futuras encomendas, a visita foi encerrada.
5.4.3. Avaliação geral dos resultados alcançados
Os resultados concretos referem-se à geração da identidade visual aplicada nos
produtos artesanais da comunidade e à produção dos protótipos, na forma de colchas
e fronhas, como solicitado pelo estabelecimento hoteleiro, nos quais foi observada a
preservação das características identitárias originais. Assim foram respondidas as
questões estabelecidas no problema e na hipótese da Pesquisa-ação Adaptada.
A participação nesta pesquisa representou para a comunidade uma experiência
nova, que não foi vista como uma ameaça ao seu patrimônio cultural. Ao contrário, foi
plenamente aceita e identificada pela própria comunidade como mais um produto de
sua cultura imaterial e material, representada pela criação conceitual e pela produção
das peças por parte da artesã e demais membros da comunidade envolvidos.
As experiências de intermediação e de adequação revelaram um processo de
interação entre as práticas de produção do artesanato de retalhos de Giral Grande
com as exigências estabelecidas pelo mercado urbano, na forma dos requisitos
coletados no hotel. Este processo revestiu-se de complexidade visto que a artesã, ao
articular seus conhecimentos tradicionais com os requisitos estabelecidos pelo hotel,
vivenciou
novas
experiências,
preservando,
todavia,
os
conteúdos
identitários
culturais a que está relacionada, como pode ser visto a seguir:
•
Transposição de conteúdos originários do somatório de suas experiências e
saberes tradicionais contidos no seu repertório cultural, para a concepção
tanto das alternativas dos protótipos quanto na aplicação de elementos
formais e estruturais. Esses elementos estão representados pelo crochê,
flores bordadas e demais detalhes estéticos usados por ela na produção
das peças do seu artesanato;
•
Aplicação, nos protótipos, de soluções técnicas já utilizadas nos seus
produtos
artesanais,
buscando
proporcionar
maior
durabilidade
aos
produtos solicitados, tais como o reforço na estrutura dos bordados, das
faixas laterais e o uso de forro, no qual os bordados foram fixados;
185
•
Aplicação do significado simbólico atribuído pela comunidade de Giral
Grande às cores, na confecção dos protótipos. A cor branca, solicitada pelo
hotel, não é estranha ao universo de cores preferidas pela comunidade, o
que compatibiliza os requisitos estabelecidos ao universo cultural da
mesma. A artesã, por sua vez, também mostrou uma alternativa em azul
(o modelo “azul”), buscando assim oferecer outros modelos para possíveis
solicitações externas, feitas por eventuais interessados na aquisição de
produtos coloridos.
Observa-se que as soluções aplicadas na adequação dos produtos artesanais,
com exceção da Identidade Visual, foram propostas pela própria artesã, a partir de
sua experiência e saberes, buscando responder as necessidades contidas nos
requisitos apresentados pelo hotel: cor, durabilidade e beleza.
Saberes e valores locais também foram impressos na Identidade Visual, a qual,
sem indicar a localização de Giral Grande, contém elementos representativos do
contexto e da cultura locais, a exemplo da representação do território, da casa
principal e da união entre seus membros.
Por outro lado, a divulgação do trabalho, dentro e fora da comunidade, atraiu
novos fregueses interessados nos novos modelos. Segundo a artesã, o uso do crochê
nas peças ajudou a atrair a atenção para a beleza das mesmas, surpreendendo as
pessoas pelo bom resultado do trabalho55 e levando-as a fazer mais encomendas de
peças, além daquelas pedidas pelo hotel.
No que diz respeito à participação do design no processo de adequação do
produto artesanal ao mercado urbano, além do uso dos requisitos fornecidos por este,
leva-se em consideração:
•
O design, como componente do plano de ação destinado a alcançar formas
de adequação dos produtos artesanais às necessidades e desejos daquele
mercado. Buscava-se, assim, abrir perspectivas de desenvolvimento local
para a comunidade, a partir da aceitação desses produtos pelo referido
mercado, e a abertura de novas oportunidades à expansão do artesanato
tradicional;
•
O uso de ferramentas do método etnográfico bem como da observaçãoparticipante permitiu que a coleta de dados fosse aprofundada, reunindo
tanto informações técnicas quanto subjetivas, importantes para identificar
55
Depoimento da artesã Tânia Calheiros em 04/12/2011
186
sentidos e significados atribuídos pela cultura local aos seus saberes e
práticas;
•
A elaboração da Identidade Visual, nasceu de uma necessidade que se
apresentou durante a pesquisa, relativa à configuração do contexto, uma
vez que a introdução dos produtos artesanais no mercado urbano exigiria
sua identificação como produto artesanal de uma comunidade tradicional.
A criação da Identidade Visual, além de utilizar os dados disponíveis na
pesquisa etnográfica, exigiu uma participação mais direta do pesquisador
neste processo, visto que as exigências técnicas para a sua construção
estavam além do conhecimento e das experiências disponíveis na
comunidade.
Uma avaliação geral da participação do design no plano de ação demonstra ainda
sua importância na tomada de decisões da artesã quanto aos caminhos e soluções
aplicados para a geração de novos produtos. Essa participação foi atenuada na fase do
processo criativo e produtivo das soluções e protótipos, durante os quais os conteúdos
identitários da cultura local foram aplicados livremente pela artesã. A atuação do
pesquisador designer foi maior no desenvolvimento da Identidade Visual, o qual
buscou, na sua criação, traduzir os valores da comunidade a partir do conteúdo dos
dados etnográficos coligidos junto a ela. Finalmente, a presença da comunidade foi
marcante na livre escolha das alternativas dos modelos de Identidade Visual que lhes
foram apresentados.
5.4.4. Feedback
Como visto no Cap. 3, o feedback representa uma avaliação final dos resultados,
e a busca de informações oriundas do campo de pesquisa, com o propósito de
aplicação de correções e melhorias na geração dos produtos. Essas informações,
embora ainda não implementadas, poderão se constituir como um roteiro para futuras
ações a serem adotadas nos processos de produção e distribuição dos produtos
artesanais locais. O feedback aqui apresentado está sistematizado em três níveis: o
da comunidade, o do hotel e o do pesquisador.
•
Da comunidade: a comunidade descobriu que seu repertório cultural ainda
continha elementos não explorados, a ela revelados durante a experiência
da Pesquisa-ação Adaptada e cuja aplicação pode contribuir para melhorar
ainda mais a qualidade dos produtos artesanais. Essa melhoria diz respeito
ao estímulo à criatividade na retomada dos produtos atuais, para gerar
novas alternativas de cor, de detalhes em crochê e de novos modelos de
187
colchas, além de contribuir para a criação de novos produtos. A disposição à
criatividade ficou registrada no seguinte depoimento: “eu vou fazer mais
bonito, eu vou me apurar para fazer mais bonito.”56
•
Do hotel: verificou-se que os protótipos ainda precisariam passar por
processos de correção nas suas dimensões e nas soluções estruturais, para
se ajustarem às necessidades de aplicação correta nos mobiliários das
unidades habitacionais. Para isso planejaram-se novas visitas da artesã ao
hotel com o objetivo de reunir mais informações quanto à dimensões e
soluções estruturais, com o que a gerencia espera superar essas dificuldades
e submeter as peças à apreciação dos hóspedes. A gerencia do hotel sugeriu
o retorno da artesã “para que ela veja o que vai ser corrigido [...] a idéia é
desenvolver com ela uma parceria e ir melhorando, trocando, evoluindo
junto com ela e pra mim isso é normal.”57 As providências para a
concretização dessas mudanças foram tomadas segundo a solicitação
referida.
•
Do pesquisador: este percebeu a ocorrência de ruídos na comunicação
entre a comunidade e o hotel, face à distância física entre esses dois
universos e, mais ainda, da imprecisão dos contatos telefônicos e do
incipiente uso dos novos meios da comunicação digital. Esses fatos têm
levado à dependência da presença do pesquisador na intermediação entre os
universos, com possível risco na interrupção do projeto.
Percebeu, também, a diferença entre os ritmos de tempo vivenciados nos
dois universos. Na comunidade, as necessidades cotidianas e de subsistência
se
sobrepõem
aos
compromissos
assumidos
com
o
hotel,
gerando
descompasso entre os ritmos de produção e os ritmos exigidos pelo mercado
urbano.
Quanto a esses aspectos, observou-se a necessidade de ser respeitado o
ritmo de tempo vivido pela comunidade, por este se constituir como um dos
dados estruturantes da sua maneira de ser. Uma das possíveis soluções
seria a organização de um cronograma de compromissos, de modo a
preservar a continuidade do projeto.
Observou-se, ainda, a necessidade de a comunidade assumir o projeto como
seu, de forma estrutural, demandando a organização, pela mesma, de
tarefas e processos. Desta forma espera-se a superação da participação
pontual do pesquisador, verificada até aqui.
56
57
Depoimento de Tânia em em 11/05/2013
Depoimento dado pela gerência do hotel em 14/05/2013
188
5.4.5. Resultados Esperados
Os protótipos foram aceitos pelo hotel como parte de uma encomenda maior,
fato festejado por todos os membros de Giral Grande. Esse resultado mostra que a
pesquisa teve êxito no que se refere à possibilidade de abrir oportunidades para se
alcançar um possível desenvolvimento socioeconômico para a comunidade. Assim, os
resultados esperados podem ser organizados dentro de quatro perspectivas:
•
Ampliação de uma atividade antes restrita às necessidades internas da
comunidade e ao pequeno mercado local, para uma produção capaz de
alcançar outros mercados, tanto na própria região quanto nas áreas
urbanas;
•
Fortalecimento do papel do artesanato e da sua plástica como elementos
de atração do interesse de novos clientes, a partir da releitura dos
componentes culturais e identitários, sempre presentes no universo de sua
cultura;
•
Perspectivas de geração de novas oportunidades de trabalho para outros
membros
da
comunidade,
ampliando-se
as
possibilidades
de
desenvolvimento sócio-econômico local;
•
Valorização
do
artesanato
de
retalhos
de
tecidos
como
fator
de
fortalecimento da consciência identitária, a partir da concentração das
atenções da comunidade no processo de concepção do produto. O
conhecimento tradicional constitui-se como um patrimônio cultural que
pode ser considerado um
comunidades
dispõem
dos bens mais expressivos de que as
como
elemento
capaz
de
conduzi-las
ao
desenvolvimento local.
Tomando por base essas perspectivas podem ser tecidas algumas considerações.
Em primeiro lugar, espera-se que, dada a continuidade à relação de oferta/demanda
iniciada entre a comunidade quilombola e o representante do mercado urbano, seja
possível a ampliação da clientela, composta por outros estabelecimentos hoteleiros,
por possíveis centros comerciais dedicados a esse tipo de produto ou mesmo por
clientes individuais interessados na aquisição de peças variadas.
Uma das possibilidades para ampliação desta clientela está relacionada ao
conceito de “inovação eco-eficiente de sistemas” construído por Vezolli (2010, p. 89)
que preconiza entre outras ações, a aplicação de princípios de design para a oferta de
serviços que, sob a orientação do designer, ampliem o grau de satisfação do cliente e
permitam também a interação entre os atores envolvidos na produção.
189
No caso específico da comunidade quilombola estudada, o conceito de inovação
eco-eficiente de sistemas pode ser aplicado: na inclusão de soluções de design que
permitam a aplicação de elementos do repertório cultural local na oferta de serviços
para customização, reforma ou reuso de produtos têxteis em geral; na busca por
novos materiais recicláveis para a obtenção de novas matérias primas; na inclusão
sistemática da participação de outros membros da comunidade nas diferentes fases
do processo de produção. O conjunto destes fatores pode, enfim, gerar satisfação,
também, nos aspectos particulares da vida cotidiana da comunidade, tais como
oportunidade de trabalho e renda, transformando-se em fator atrativo para a
permanência de sua população no território.
Em segundo lugar a ampliação da produção artesanal e a crescente inclusão de
outros membros da comunidade no processo produtivo podem criar condições
favoráveis para o estabelecimento de melhores condições de acesso à educação e à
saúde, não somente para os membros da comunidade como também para os
moradores de comunidades vizinhas.
Finalmente, em terceiro lugar, os recursos decorrentes da expansão da produção
artesanal podem ser investidos na formação de estoques de matéria prima, na
aquisição de novas ferramentas de trabalho e na aquisição de bens e equipamentos
que proporcionem benefícios à vida cotidiana, bem como ao lazer da comunidade.
Quanto a esse ponto a artesã já se propôs a construir um pequeno espaço, anexo à
sua casa, para a instalação de uma oficina, o que ela chamou de “atelier”, para o
trabalho dedicado às tarefas do artesanato de retalhos.58
5.4.6. Possíveis efeitos colaterais
Efeitos colaterais podem ocorrer na implantação de projetos que promovam
alterações nas formas de produção e nos relacionamentos sociais, tanto comunitários
quanto
familiares,
de
comunidades
tradicionais.
A
compatibilização
entre
as
perspectivas de renda e os ideais identitários da comunidade pode se tornar difícil,
sobretudo se a ampliação do consumo cotidiano de produtos industrializados levarem
à geração de resíduos poluentes; ao distanciamento de práticas comunitárias
tradicionais, ou ainda ao abandono do território por membros que busquem outros
laços sociais no ambiente urbano.
58
Estrato do Diário de Campo Nº 12
190
Deve ser considerado, também, que a formação de uma rotina de ações para o
atendimento das demandas do mercado urbano poderá ser acrescentada às práticas
tradicionais, promovendo alterações que levam à quebra da rotina das tarefas do
trabalho cotidiano, cuja flutuação dependerá da maior ou menor penetração dos
referidos produtos artesanais nesse mercado.
Além disso, o impacto da ampliação da produção decorrente da demanda do
mercado urbano pode gerar insegurança nos artesãos, temorosos de não darem conta
às encomendas, podendo levar ao abandono do projeto pela comunidade.
Finalmente, membros da comunidade temem, ainda, que o desenvolvimento local
e
a
divulgação
da
atividade
artesanal
atraiam
pessoas
estranhas
ou
mal
intencionadas, o que poria em risco a segurança do local e o próprio equilíbrio interno
do grupo, resultando no rompimento de laços e de práticas tradicionais.
191
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho, ora em conclusão, propôs e testou a tese segundo a qual a aplicação
de um método de pesquisa e intervenção em uma comunidade tradicional rural
permite a organização de formas de acesso de componentes do seu repertório cultural
ao mercado urbano, preservando as características identitárias de origem.
Dessa forma foi possível, com base nos conhecimentos contidos no repertório
cultural da comunidade tradicional, orientar a sua produção artesanal ao mercado
urbano, neste caso um hotel do Centro histórico de Salvador, primeiramente
facilitando o diálogo e a intermediação entre estes dois universos, conduzido pelo
designer/pesquisador e, em segundo lugar, objetivando a adequação dos produtos
referidos aos requisitos estabelecidos por aquele mercado. Os resultados obtidos da
aproximação de contextos diferentes, tais como a comunidade rural e o mercado
urbano colocaram em relevo alguns conhecimentos e práticas específicas de uma
comunidade tradicional rural.
O método testado, aqui denominado de Pesquisa-ação Adaptada apresentou
algumas peculiaridades: primeiramente, a reunião de procedimentos de outros
métodos de pesquisa, tais como os da pesquisa etnográfica, da observação
participante, do estudo de caso e da pesquisa em design; em segundo lugar a
importância da presença do Informante Chave que representava a comunidade. No
caso deste trabalho, esse papel foi representado pela artesã Tânia Calheiros que,
reunindo conhecimentos materiais e imateriais, patrimônio da comunidade, tornou-se
personagem relevante tanto por representá-la, quanto por ser a principal responsável
pela execução da produção artesanal, constituindo-se, portanto, no estudo de caso.
O método aplicado, por seu caráter interdisciplinar e por sua flexibilidade,
permite a emergência de informações não previstas nos roteiros de entrevista semiestruturada e nos roteiros de conduta da observação participante, informações essas
192
que ampliam e aprofundam o conhecimento e a compreensão do pesquisador quanto
ao objeto da pesquisa.
O desenvolvimento do trabalho exigiu que o pesquisador assumisse um papel
diretivo nos encaminhamentos e decisões na execução do projeto, visto que a
comunidade carecia de informações e experiência necessárias ao relacionamento com
a complexidade de funcionamento do mercado urbano.
O método da Pesquisa-ação Adaptada destacou, na etapa do Plano de Ação, o
papel do pesquisador/designer. Na aplicação da metodologia, o mesmo se constituiu
em instrumento de interlocução entre os dois universos. Traduziu para a comunidade
rural a linguagem usada pelo estabelecimento urbano para definir seus requisitos
referentes a conteúdos e exigências técnicas distantes ou não percebidas pela artesã
no cotidiano da sua produção. E traduziu para o estabelecimento urbano as técnicas
tradicionais, referentes à criação e produção, e os significados atribuídos pela
comunidade aos produtos referidos.
Por outro lado, a proposta da Pesquisa-ação Adaptada mostrou-se limitada nos
seguintes pontos: primeiramente, não foi previsto o planejamento financeiro,
envolvendo gastos com viagens, aquisição de materiais, transporte e projeção do
valor de venda dos produtos, dificultando, assim, a avaliação do lucro a ser obtido;
em segundo lugar, não foi previsto o impacto da distância física entre os dois
universos de pesquisa na logística do processo de produção, gerando problemas com
a embalagem e com o transporte de materiais e dos produtos finalizados; em terceiro
lugar, ficou evidente a necessidade da inclusão de uma estratégia de marketing para
identificar as áreas mais promissoras de penetração do produto no mercado urbano. A
superação dessas limitações em trabalhos futuros poderá, então, contribuir para a
melhoria desse método proposto.
Para o desdobramento futuro do projeto, sugere-se que a comunidade busque as
condições
necessárias
para
administrar
a
nova
experiência
de
produção
e
comercialização desses novos produtos artesanais, assumindo, por ela mesma, a
direção das ações e dispensando gradativamente a atuação do pesquisador. Esta
observação é importante para orientar pesquisas futuras a serem replicadas em
outras comunidades semelhantes.
Assim, a aplicação do método da Pesquisa-ação Adaptada em trabalhos futuros,
superadas as limitações acima indicadas, pode se constituir em uma oportunidade
para outras comunidades rurais que estejam à margem de projetos públicos e/ou
privados, ou mesmo daquelas que, voluntariamente, se interessem por esse caminho.
193
Portanto, a replicação deste método em outras comunidades tradicionais pode ser
uma proposta promissora, abordando outras categorias de produção artesanal e
buscando destacar outros traços culturais referentes a essas comunidades.
6.1. CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA
A contribuição desta tese para a ampliação do conhecimento científico, no que
se refere à possibilidade de propiciar elementos para a realização de outras pesquisas
no campo do design, diz respeito ao método utilizado para o desenvolvimento do
trabalho de campo, em particular à forma como foram articuladas as ferramentas
para a sua construção. O trabalho se orientou pelos passos descritos no Cap. 4, onde
são explicitadas as fases da Pesquisa-ação Adaptada, nas quais se articulam
ferramentas da pesquisa etnográfica, da observação participante, do estudo de caso e
de metodologias em design, que permitem ações em uma comunidade tradicional,
com vistas à viabilização da concepção, da criação, do desenvolvimento e produção de
produtos artesanais mediante o estabelecimento de relações com o mercado urbano.
Embora outros trabalhos em design já tenham utilizado a pesquisa-ação, a
pesquisa etnográfica e a observação participante como ferramentas para a realização
de coleta de dados e orientação de pesquisas em design aplicadas de forma isolada,
como vistos nos Caps. 2 e 3, esta tese tem sua originalidade marcada pelo método do
trabalho desenvolvido que, articulando concomitantemente ferramentas dos métodos
referidos com a pesquisa-ação, construiu a Pesquisa-ação Adaptada, e nisto acreditase que reside sua contribuição.
194
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215
APÊNDICE 1
ESTRATOS DO
DIÁRIOS DE CAMPO
216
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL
TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL
PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira
1
ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande - Maragojipe
Data: 20/02/2009
Este é a primeira visita à Comunidade Quilombola de Giral Grande. Além de mim,
participam da visita a Profa. Dra. em História Marli Teixeira, que é minha mãe, e sua
aluna de Especialização em outra instituição, a Laura Catarina. Foi através de Laura,
que já realizava pesquisas nesta comunidade, que foi feito o contato de aproximação.
Antes de chegar a Giral Grande, passei pela cidade de Maragojipe, pois gostaria
de visitar a cidade a qual a comunidade quilombola de Giral Grande estava
relacionada. Após a breve visita a Maragojipe, pegamos a estrada para Giral Grande,
na qual observei a paisagem realmente exuberante, o rio Paraguaçu e a mata
atlântica. Essa era a paisagem das cercanias das comunidades quilombolas da região.
Ao chegar a Giral Grande observei, de cara, a casa principal, ladeada por outras
casas menores. Não eram muitas casas e não estavam muito distantes uma das
outras. Na frente da casa principal havia um pequeno terreiro, um pátio, onde vi
roupas secando e galinhas ciscando, uma cena rural. Minha sensação foi de que Giral
Grande era uma vila na qual moravam todos de uma família só. O lugarejo é pobre,
mas não há miséria, mas noto a falta de alguns recursos sociais importantes, pois
parece que armazenam água em tanques, ou seja, a água não é de lá. Laura Catarina
me falou que a maioria das pessoas da família Calheiros morava lá, mas haviam
alguns morando em Maragojipe e em Salvador.
Fomos bem recebidos, gerando grande curiosidade por parte da comunidade,
fato observado pela quantidade de pessoas que vieram nos ver, muito embora a
conversa tenha girado em torno das irmãs Tânia, Lenira e Maria (Mara). A conversa
foi espontânea, mas percebi que havia grande dúvida e curiosidade em torno da
proposta que eu estava trazendo.
Mesmo
assim,
elas
conversaram
sobre
coisas
do
cotidiano,
gostos
da
comunidade, comportamento, religião, dentre outros assuntos. Foi-nos apresentado o
217
artesanato de retalhos e também o de pequenas peças de adobe. Também me foi
apresentado o presépio de pedras, que ainda estava montado no chão da casa.
Tânia, a artesã dos produtos em retalhos, falou que o trabalho dela tinha o
objetivo comercial enquanto o de adobe era mais uma forma de distração e lazer
local. Mara se apresentou como a porta-voz da comunidade, talvez por ser professora,
mas, lógico, o que me chamou atenção foi exatamente o trabalho do artesanato de
retalhos de Tânia. A primeira vista, era o que eu estava buscando.
A conversa não foi muito longa, mas importante para agendar as novas visitas.
Foram gravados cerca de 25 minutos de entrevistas e tiradas cerca de 25 fotos
digitais. No final da visita fiquei bastante esperançoso, apesar de considerar a
localidade longe e cansativa, 3 horas de estradas em veículo próprio, para visitas de 1
dia, como programado.
Alguns depoimentos foram importantes, pois registraram as opiniões sobre
preconceito e o gosto por roupas coloridas. Segundo Tânia e Mara, em passado
recente, as roupas que usavam eram sombrias, como cinza e preto, mas que depois
da tomada de consciência de ser quilombola, não há o medo de usar cores vibrantes,
como vermelho, amarelo, azul, rosa e outras.
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2
ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande - Maragojipe
Data: 13/03/2010
Essa é a primeira grande entrevista que faço na comunidade de Giral Grande. Já
estou fazendo uso de parte do roteiro planejado e construído seguindo a estratégia.
Nessa visita estou planejando fazer primeiramente um tour pela comunidade, depois
fazer uma entrevista com a artesã Tânia sobre o artesanato. Tive o auxílio de Laura
Catarina, que me guiou pelo caminho até a comunidade, pois eu ainda não sei o
caminho de cor.
Chegando lá, fui recebido com entusiasmo pelos moradores. Primeiramente
identifiquei algumasdas pessoas com as quais o convívio seria mais interessante, além
da artesã Tânia. Sua irmã Maria, conhecida como Mara, formada em pedagogia,
elegeu-se, de forma natural, como uma das representantes da comunidade na
pesquisa. Outra que se destacou foi uma outra irmã, a Lenira, que é bastante
politizada,
representante
da
comunidade
na
Cooperativa
de
pescadores
e
marisqueiros, a qual a comunidade faz parte.
A visita começou com uma conversa sobre os tipos de artesanato do local, e me
mostraram primeiramente um artesanato de bonecos de adobe, feito por uma outra
irmã e também cortinas feitas de garrafa PET, mas sem o propósito comercial.
Foi me explicado sobre as casas de adobe. Como faziam e o porquê se fazia. O
motivo maior é a falta de recursos financeiros para construir casas de alvenaria.
Apesar disso se orgulham de falar do histórico de dificuldades da comunidade e que
aos poucos essas dificuldades foram sendo contornadas. Explicaram-me que as casas
de adobe formam a maioria das casas da comunidade a ponto de ter um sentido
tradicional, alcançando um relacionamento sentimental, principalmente em relação à
casa principal, pois foi construída pelos pais de Tânia. Apesar disso, há uma
preocupação com o uso dessas casas, pois são encontrados nas suas frestas animais
perigosos como escorpiões. Os blocos de adobe são fabricados no próprio local,
usando barro coletado no próprio quintal das casas, moldes de madeira e secado no
219
terreiro. Foi me explicado que em breve, todas as casas de adobe serão substituídas
por casas de alvenaria, através da intervenção de uma ONG em parceria com o
governo estadual.
Depois Tânia me mostrou algumas peças do artesanato de retalhos, os tipos de
produtos, a “loja” dentro de um dos quartos da sua casa de adobe. Tânia relatou, de
forma superficial, como são feitos os produtos artesanais. Enquanto ela relatava como
era o artesanato eu aproveitava e tirava fotos dos mesmos. Fiquei surpreso pela
qualidade dos produtos, que tinham muitos detalhes plásticos e funcionais. Os
produtos iam de roupas infantis à acessórios como bolsas, mochilas escolares, colchas
de pelego e prendedores de cabelos. Tânia, sempre com muito entusiasmo, falou
também como fazia o artesanato: a mão e com máquina de costura elétrica, sendo
esta ultima considerada uma novidade devido a instalação recente de energia elétrica
na comunidade.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande - Maragojipe
Data: 05/09/2010
Essa entrevista aborda o processo de criação e confecção de uma colcha de
cama, feita com retalhos. O objetivo hoje tanto é registrar como uma colcha é
concebida e confeccionada, quanto coletar informações da biografia da artesã e o
histórico do artesanato de retalhos. A artesã Tânia me recebeu, nesta manhã de
domingo, com toda uma apresentação do processo já pronta, com os retalhos
cortados e prontos para explicar o processo criativo e produtivo.
Primeiramente fiz uma entrevista semi-estruturada, seguindo o roteiro que
estava em minhas mãos. E ela foi explicando e se lembrando da sua história de vida,
de maneira bastante espontânea e relaxada. Nessa ocasião a artesã falou, com
detalhes, de que o interesse com costura veio das brincadeiras com bonecas, quando
ela era criança, mas depois teve ajuda de uma vizinha da comunidade, que lhe
ensinou conhecimentos básicos de costura. Tânia falou que havia outras pessoas que
também costuravam. Algumas irmãs ajudam no artesanato quando solicitadas e
também há outras artesãs que trabalham com retalhos de tecido nas comunidades
quilombolas vizinhas. Tânia abordou também os tipos de produtos artesanais que
trabalha e sobre os clientes que mais compravam: reformas de roupas, roupas
encomendadas, colchas e edredons, tapetes, bolsas, prendedores de cabelo.
Notei que Tânia trabalha as encomendas de quase tudo a respeito de vestuário,
acessórios, tapetes, dentre outros produtos confeccionados à mão, a partir de retalhos
de tecidos. Falou do processo criativo, sobre a seleção de cores, do gosto por cores
vivas, do uso do desenho para planejar o que seria confeccionado. Segundo ela, tudo
que ela faz no artesanato é antes desenhado. Em seguida Tânia me mostrou passo a
passo como ela criava um lençol de retalhos. O termo retalho é também conhecido no
local como “taco”, que significa pedaço pequeno. Tânia já havia cortado os tacos e
mostrou como eram montados, seguindo uma geometria retangular ou triangular.
Tudo foi registrado com fotografias e gravação de voz.
221
Ao ser perguntada sobre o desafio de levar um produto para um hotel em
Salvador ela falou que era um desafio grande, nunca enfrentado, mas que não havia
medo e que aceitava o desafio. Gostei da resposta mas senti um pouco de receio da
parte dela, talvez por causa de ser uma proposta nunca antes oferecida.
Além da conversa sobre o artesanato, conversei também sobre a família
Calheiros, sobre os membros, sobre a ancestralidade, principalmente sobre os seus
pais; falaram-me também sobre o valor dado às casas de adobe, como fazê-las e o
prazer de morar nelas, em algo construído pelas próprias mãos. Junto com suas irmãs
Mara e Lenira, Tânia me falou sobre a construção das novas casas de alvenaria, e
que, apesar do sentimento de perda das casas de adobe, as novas casas trariam um
benefício maior. Visitei também o apiário (somente à distância) e a confecção de
farinha de mandioca, na qual vários membros da comunidade revezavam o trabalho,
principalmente os homens.
Após Tânia me mostrar o artesanato e fazer um tour na comunidade reuni, no
terreiro em frente à casa principal, várias pessoas, todas membros de Giral Grande,
para uma conversa sobre a vida cotidiana, as dificuldades, os desejos e necessidades,
sobre as tradições, as festas e principalmente sobre as origens da comunidade, sobre
o nome “Giral Grande”. Todas participaram, mas quem falou mais foram Mara, Tânia e
Lenira. Esse foi um momento muito importante deste dia, pois foi abordado também o
tema polêmico do preconceito, um problema que ainda os afeta e incomoda.
Foi emocionante saber sobre a origem da comunidade, formada a partir de exescravos e de populações indígenas que também habitavam a região. Tudo como
explicado na literatura especializada que havia lido recentemente.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande - Maragojipe
Data: 26/02/2011
Essa é uma visita que tem como objetivo coletar informações sobre a opinião dos
demais membros da comunidade de Giral Grande a respeito dos produtos artesanais
confeccionadas na comunisdade. Neste momento me foi revelado que a atividade
artesanal referida é feita no cotidiano por Tânia, mas que para grandes tarefas ou
encomendas, outras pessoas, irmãs e primas, também são acionadas para ajudar.
Entrevistei várias pessoas, mulheres e homens, pessoas jovens e mais velhas,
tentando ampliar o universo qualitativo dos entrevistados. Nesta tarefa, Tânia me
conduziu por Giral Grande, em locais ainda não visitados, principalmente nas casas
vizinhas, das irmãs e primas.
De maneia geral, todos compartilham os serviços de Tânia, seja como ajudantes
eventuais, seja como consumidores / usuários, reformando roupas, encomendando
roupas novas, bolsas, tapetes, etc... E todos gostam. Percebi que havia um gosto, ou
um tipo de entendimento estético compartilhado por todos, mas sem uma origem
definida, pois todos falavam e opinavam de modo semelhante.
Visitei
várias
residências.
As
pessoas
entrevistadas
falaram
de
como
encomendavam, sobre como escolhiam os modelos, os tamanhos, as cores e demais
características dos produtos encomendados. Tânia faz o artesanato seguindo e sendo
influenciada pelo gosto da comunidade ao mesmo tempo em que também o influencia.
Segundo uma das entrevistadas havia uma “interação” entre ela e Tânia, a respeito
de como compartilhavam as mesmas idéias e conceitos a respeito da beleza dos
produtos.
Conclui que havia uma convergência de opiniões dos entrevistados sobre o
resultado dos produtos. Observei também que essa opinião corroborava com o que
Tânia falava sobre o tal “gosto” e que este era algo compartilhado por todos. Conclui
que tal gosto faz parte do patrimônio imaterial do local, e que este se manifesta,
dentre outros modos, no artesanato de retalhos.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Hotel Villa Bahia - Salvador
Data: 02/05/2011
Esse foi o primeiro contato com o Hotel Villa Bahia. Esse encontro foi facilitado
através de contatos de conhecidos que já tinham trabalhado no hotel. O hotel fica
localizado no Terreiro de Jesus, no Centro Histórico, portanto é fácil de ser
encontrado. Este encontro teve como principal objetivo explicar minha pesquisa e
agendar visitas, incluindo uma com a artesã. Além disso, havia o propósito de exibir
uma amostra do artesanato, que eu adquiri junto a Tânia, para uma avaliação
preliminar.
O gerente do Hotel, Sr. Bruno, de naturalidade francesa, me recebeu com muita
educação e presteza. Falou sobre o Hotel e o conceito de sustentabilidade e
responsabilidade social assumido pela rede de hotéis a qual o Hotel Villa Bahia
pertence. O Sr. Bruno falou que já consumia produtos artesanais de comunidades
tradicionais, principalmente roupas de cama, mas que não estava satisfeito com a
durabilidade do que comprava.
Mostrei fotografias dos produtos artesanais e também um lançol de retalhos para
a apreciação do Sr. Bruno. Ele aprovou a beleza dos produtos mas falou que, para uso
no hotel, esses produtos tinham que se adequar aos requisitos da cor branca e de
durabilidade, principalmente. O Sr. Bruno então falou de diversas formas de
apresentar os produtos no Hotel e fora dele.
No final da entrevista, agendei mais três visitas:
•
Uma visita técnica, junto com uma estudante de Design de Moda, para
avaliar tecnicamente os produtos de roupa de cama já em uso pelo hotel;
•
Uma visita técnica com a artesã, preenchendo o programado pela
estratégia de gestão e intermediação, propostas pela pesquisa. Neste
momento poderão ser encomendados os produtos à artesã;
•
Uma volta da artesã, com os produtos finalizados e prontos para serem
vendidos para o hotel se, e somente se, forem aprovadas pela gerência.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Hotel Villa Bahia - Salvador
Data: 14/06/2011
Entrevista com Sr. Bruno, gerente do Hotel Villa Bahia, com a ajuda da Srta.
Gleice Quele, minha aluna de Design de Moda, que fará uma avaliação técnica nos
produtos artesanais usados como enxoval de cama dos quartos do hotel.
Foi-nos apresentados vários enxovais de cama, todos artesanais provenientes de
comunidades rurais de Minas Gerais e Mato Grosso, dentre outros. Gleice Quele
analisou os produtos e juntamente com as observações do Sr. Bruno me permitiu
levantar as seguintes informações:
•
Preferência pela cor branca por motivo de limpeza, de facilidade de
manutenção, para ser usado em qualquer quarto, sem a preocupação com a
adaptação para a decoração, decoração universal.
•
Cortinas, combinação de edredom com a cortina, o edredom dupla face pode
ser usado em dois ambientes diferentes. Cores neutras para combinar com
qualquer situação. O edredom é feito com duas faces com enchimento.
•
A colcha de algodão cru vai bem em qualquer quarto. O crochê, nestes
produtos, não é interessante, pois aumenta a possibilidade de desfio, apesar
da beleza. O crochê é trabalhoso de fazer e difícil de manter. No lugar do
crochê um tecido com cores diferentes, de outra cor que não a do algodão
cru. A fronha é também de algodão cru.
•
O algodão cru é um material barato, e que pode ser usado em produtos
caros, o valor depende da espessura do tecido. Por gramatura. É bastante
resistente, e pode ser tingido. É sucesso garantido. O material natural
acrescenta interesse do cliente.
•
O Hotel Villa Bahia faz parte de uma rede ligada ao movimento Artisans du
Monde que dá apoio à cultura local, ao desenvolvimento sustentável, à
divulgação do artesanato local e ao comércio justo. Envolve rede de hotéis,
hospedarias e navios de hospedagens, dentre outros.
225
•
O turista alvo são pessoas que gostam de história, e não de praia.
Intelectualizados que buscam aspectos culturais, gastronomias, visitam
igrejas, museus, locais históricos. Geralmente são estrangeiros, mas o
turista nacional está aumentando.
•
O hotel prefere consumir produtos artesanais, de comunidades locais, dá
valor para peças, produtos e decoração baseada em artesanato, material
reciclado e reaproveitado. Há a “dificuldade” pela característica da produção
do artesanato ser mais trabalhoso e com prazo de entrega longo. Mas isso é
compensado pela aceitação e admiração dos turistas, que elogiam e querem
saber qual a origem dos produtos, querem divulgar o trabalho. Tudo feito “a
mão” é valorizado. A transformação de material de baixo valor e/ou
produtos usados e considerados como resíduo em produtos artesanais é
considerada como uma prática de criatividade, e por isso é valorizado.
Em seguida, o Sr. Bruno, juntamente com a gerente de governança, a Sra. Lílian,
nos levou para conhecer os quartos do hotel, e principalmente, os móveis e enxovais
de cama, todos artesanais, rústicos, com forte conteúdo de sustentabilidade, no que
se refere aos materiais usados e na sua origem.
Essa visita me deu uma visão geral do contexto do hotel, das suas necessidades
e dos desejos referentes à produtos artesanais voltados para o uso no cotidiano dos
quartos.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande – Maragojipe / Hotel Villa Bahia - Salvador
Data: 19/06/2011
Hoje é o dia da visita da artesã ao Hotel Villa Bahia, como eu havia programado
na estratégia de intermediação. Essa foi a forma que encontrei para permitir que a
artesã entenda, pela sua própria ótica que, por sua vez, é sintonizada com o
repertório cultural de Giral Grande. Vai ser uma viagem longa, com duas idas e vindas
de Giral Grande, pois pretendo busca-la, fazer a intermediação, e leva-la de volta.
Devem
ser
quase
12
horas
de
estrada,
3
para
cada
perna.
Preparei-me
emocionalmente, mas fisicamente sei que será difícil, e até perigoso, pois voltarei
sozinho, de noite pelas BR 324 e 101.
Saí de casa cedo, peguei nevoeiro, me atrasei na estrada, mas cheguei em Giral
Grande depois das 09:30 da manhã. Fui recebido por Tânia, que já tinha se preparado
para a viagem. Entretanto ela se mostrou bastante apreensiva, ansiosa e, de certo
modo, cética a respeito da recepção no hotel, tanto da sua pessoa quanto dos
produtos que ela levava como amostra. Segundo ela, seria difícil um hotel de luxo em
Salvador aceitar um produto de uma comunidade quilombola como a de Giral Grande.
Mas que se desse certo, ela ficaria muito feliz e que esperava um acréscimo nos seus
rendimentos, mesmo que fosse pequeno. Fomos conversando muito durante a
viagem, mas sempre abordando a vida cotidiana da comunidade e os anseios pessoais
e comunitários.
Chegamos perto do meio dia e fomos bem recebidos pelos gerentes, Sr. Bruno e
Sra. Lílian, que nos mostraram, quarto por quarto, os produtos de enxoval de cama
usados. Ao ver, pegar e avaliar esses enxovais, Tânia ficou impressionada o quanto
ela podia, dentro do seu conhecimento técnico, ajudar nas soluções e preencher os
requisitos técnicos do hotel. Ela conversou bastante principalmente com a Sra. Lílian,
que era a profissional responsável pelos enxovais. Tânia perguntava e respondia
perguntas, apresentava idéias de solução e de beleza. No Final, após grande
expectativa da minha parte, as partes em contato, a artesã e a gerência, fecharam
uma encomenda a ser entregue nos próximos meses.
227
Durante a volta para Giral Grande, Tânia desabafou quanto à tarefa: disse o
quanto o projeto era importante, que ia se dedicar ao máximo para fornecer o melhor
produto possível, que estava na maior expectativa pela aceitação e possível lucro. E
me agradeceu muito, dizendo que estava enganada quanto ao futuro do projeto e que
agora ia divulgar ainda mais o projeto na comunidade, buscando o engajamento de
outras pessoas para ajudar.
A volta a Giral Grande ocorreu tranquilamente, mas a volta a Salvador foi muito,
muito cansativa, pois sai da comunidade no crepúsculo e logo tudo estava um breu,
às 18:00h da noite. Voltei pelas BR 101 e 324 no maior cuidado, mas também no
maior apreensão, visto o tamanho dos caminhões que via e a velocidade em que
estavam. Decidi naquele momento que nunca mais iria fazer duas viagens a Giral
Grande num mesmo dia.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande – Maragojipe
Data: 01/07/2011
Este encontro é voltado para o desenvolvimento da Identidade Visual. Os dados,
entretanto, também serão usados para argumentar outras partes da pesquisa.
Principalmente a respeito de informações sobre o valor dado ao meio ambiente no
contexto da comunidade, ao território e também opiniões sobre o significado de cores
da preferência da maioria dos membros da comunidade.
Como sempre fui bem recepcionado e logo envolto por todos, que queriam opinar
e ser entrevistados. Falei que ia desenvolver uma espécie de marca ou logotipo que
identificasse o local e todos se mostraram curiosos. Fui munido de lápis, marcadores
coloridos e, lógico, do meu gravador MP3 e do Laptop. Com isso preparei as condições
de realizar a maior parte do trabalho de concepção da identidade visual, na
comunidade, com a participação de quem estivesse disponível no momento. E foram
muitos, inclusive as crianças e jovens, além das habituais pessoas presentes nas
entrevistas anteriores. Deixei o processo de finalização para ser feito posteriormente,
visto que este é voltado apenas para adequar a idéia à realidade técnica.
A participação da comunidade foi, logicamente, determinante. As informações
coletadas me deram uma visão sobre o que a comunidade entendia e valorizava sobre
o território em que ocupavam, sobre o meio ambiente e conservação das árvores,
sobre as cores, sempre associadas às características da natureza (opinião de algumas
pessoas mais jovens) tanto quanto sobre força, rusticidade e sobrevivência do local
(opinião de algumas pessoas mais velhas).
No final apresentei algumas idéias, baseadas nas informações colhidas, para
serem votadas. O resultado final agradou a todos.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA POLITÉCNICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA INDUSTRIAL
TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL
PESQUISADOR: Marcelo Geraldo Teixeira
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande – Maragojipe / Hotel Villa Bahia - Salvador
Data: 11/09/2011
Hoje é a apresentação dos protótipos na comunidade e no hotel. Sou recebido
como se fosse uma festa, todos estão presentes. Tânia apareceu com os protótipos
prontos, excelentes. Fiquei emocionado.
Primeiramente faço uma grande sessão de fotos. Todos querem posar ao lado
dos protótipos. As irmãs, os irmãos, os primos e primas, os sobrinhos, etc... Muita
zoada, conversas paralelas, ouço comentários baixinhos de como ficou bonito.
Mostraram as entiquetas com a Identidade Visual já aplicada. O cachorro late, late
muito, com a muvuca. Acho que, à primeira vista, os protótipos agradaram a Giral
Grande. As fotos finais são das duas irmãs que em muito me ajudaram: Tânia e Mara.
Não satisfeito, procuro entrevistar algumas pessoas, coletando opiniões sobre o
resultado. Entrevistei alguns irmãos e irmãs e todos foram unânimes: o resultado não
só ficou lindo, como acham que saíram melhor do que esperavam. Falam que Tânia e
seus ajudantes se esforçaram muito e o resultado foi o sucesso. Falaram também de
como o resultado era, de fato, algo de todos ali, apesar de ter sido confeccionado por
algumas pessoas. As características da cor, da aplicação do crochê, de ser de “Taco”,
a maneira que eles se remetem ao uso de retalhos. Percebi que tudo isso identificava
e relacionava o resultado à comunidade. Esses depoimentos selavam e respondiam às
dúvidas quanto à identidade do resultado.
Depois desse primeiro, demorado, mas carnavalesco momento, nós pegamos a
estrada rumo a Salvador. Eu, Tânia e os protótipos. Destino: o Hotel Villa Bahia. Tânia
foi ansiosa, apreensiva, mas confiante por causa do resultado alcançado. E eu
também sentia o mesmo. Tânia foi narrando e descrevendo como confeccionou os
protótipos. Falou que, apesar de parecer algo novo e estranho, pelo contrário, a tarefa
era a mesma de qualquer cliente, apenas com exigências especiais.
Finalmente chegamos no Hotel. Nunca uma conversa se amarrou tanto. O
gerente do hotel, Sr. Bruno e a gerente de governança, Sra. Lílian, aceitaram de
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imediato os protótipos. Os examinaram minuciosamente: primeiramente perguntaram
quanto tempo levou para terminar a confecção de toda a tarefa. Tânia disse que
alternando os trabalho de casa e as tarefas comunitárias com a tarefa da confecção
dos protótipos, tudo levou cerca de quatro semanas mais alguns dias. Em seguida
comentaram-se sobre as cores, os tons de branco. Em seguida sobre o crochê, os
reforços, etc... Sr. Bruno então falou: “Está aprovado, eu queria ver isso, a
qualidade”. Tânia por sua vez se mostrava assustada com o sucesso, achava que isso
ia alterar seu cotidiano.
Então veio o impasse: quanto ia custar. Tânia, Sr. Bruno e Sra. Lílian
conversaram bastante, mas sem chegar inicialmente, em um meio termo quanto ao
valor. Mas com a seqüência da conversa, chegou-se a um acordo satisfazendo a todas
as partes, incluindo as minhas expectativas. No final do acordo quanto ao preço
dessas primeiras peças, foi encomendado uma nova remessa, com mais peças do tipo
“Quadrados Brancos”, o protótipo de “tacos” unidos com crochê. Esse fato ratificou o
sucesso do artesanato tanto em relação à satisfação dos requisitos quanto os desejos
e necessidades do Hotel.
Ao
final
da
tarde,
deixei
Tânia
na
Estação
Rodoviária
(não
ia
levá-la
pessoalmente à Giral Grande como fiz anteriormente). Ela me falou da ansiedade
diante do sucesso, do medo de não conseguir satisfazer as encomendas, e que ia
envolver mais familiares nos processos artesanais.
Enfim, sosseguei sentindo o sucesso alcançado. Tanto pela artesã Tânia, quanto
o meu e minha pesquisa.
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TÍTULO: UMA ESTRATÉGIA DE DESIGN SUSTENTÁVEL
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande – Maragojipe
Data: 04/12/2011
Essa foi uma visita rápida a Giral Grande. O objetivo era a descrição do processo
criativo e produtivo do artesanato de retalhos de Giral Grande, cuja artesã Tânia
Calheiros era a principal encarregada e a responsável por tais tarefas. Fui ver de perto
como era o tal processo, registrando com novas fotos e entrevistas. Tânia estava
preparando com suas ajudantes a segunda encomenda de colchas tipo “quadrados
brancos”.
Tânia descreveu minuciosamente, mas da sua maneira, como partia da
encomenda ao produto final. Falou da importância do desenho, do esboço no caderno,
como desenhava uma quantidade de alternativas capaz de dar uma visão do caminho
a ser seguido, da beleza que ela achava que tinha que ter para satisfazer a
encomenda e como o desenho era uma das maneiras de transmitir as idéias para seus
ajudantes. Falou de como fazia primeiramente as partes separadas, o “taco”, as flores
de crochê, a bainha e as demais partes da estrutura, para depois fazer o mosaico,
unindo as partes com crochê. Depois falou que lavava e engomava, porque o processo
sujava as peças.
Notei que em grande parte, o processo artesanal era análogo ao processo de
design, pois havia uma necessidade (ou encomenda); fases de criatividade e geração
de alternativas na forma de desenho; fase de detalhamento e de construção. Esse
fato me pareceu interessante, pois era como um design popular.
Depois fotografei a artesã durante ao processo de costura e também as partes
separadas antes da confecção do mosaico. Levei comigo uma flor de crochê, como
souvenir.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande – Maragojipe / Hotel Villa Bahia - Salvador
Data: 04/06/2012
Hoje é a entrega da nova encomenda. Ao chegar em Giral Grande, cercado pelas
crianças, perguntei sobre a participação de outras pessoas nas tarefas do processo
artesanal, liderado por Tânia. Falaram-me que muitas pessoas se envolveram e
ajudaram nas mais diferentes tarefas, desde a ajuda na costura e crochê até o
transporte de água limpa para a lavagem dos produtos finalizados. Mulheres e
homens ajudaram no que identifiquei como uma tarefa em mutirão. Tânia me falou
que o sucesso foi percebido pelos vizinhos e que já havia outras encomendas além da
do hotel.
Um
dos
depoimentos
mais
importantes
e
significativos
foi
quanto
ao
compartilhamento de idéias sobre soluções que envolviam e determinavam a beleza
do que era produzido. Segundo Tânia, ela mesmo perguntava para as irmãs e
sobrinhas: “tá bonito não tá? Pergunto a um pergunto a outro e vou fazendo. Fiquei
aberta para ouvir opiniões” A pesar de ter sido uma encomenda para um cliente
distante, “diferente” ou não habitual (o hotel) os entrevistados não consideraram os
produtos como estranhos à cultura local. A cor branca, o “taco” e o crochê eram as
características mais visíveis que relacionavam os produtos com a cultura local. Mas
havia também a questão da criatividade ou como Tânia desenvolveu as soluções
seguindo os requisitos do hotel, mas não se afastando do repertório cultural local.
Todo processo despertou o interesse das meninas sobrinhas de Tânia, que,
segundo o depoimento de sua irmã Mara, se aproximaram para aprender também.
Houve, entretanto a preocupação do trabalho atrair pessoas estranhas e mal
intencionadas. Acho que fiz certo ao desenhar a Identidade Visual sem algo que
marcasse o endereço do local.
Durante a viagem para Salvador, Tânia falou-me das expectativas futuras, da
bicicleta que a filha pediu para comprar com o dinheiro da encomenda, das coisas que
ia comprar e compartilhar com as irmãs. Aqui comecei a entender a importância da
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minha pesquisa na comunidade. Tânia me falou também que, qualquer que fosse o
resultado e os ganhos, era desejo dela nunca sair de Giral Grande. Para ela ali será o
local que viverá até seu desaparecimento. Ela falou do “Ritual do Umbigo”, do
cemitério do local dentre outras manifestações culturais que relacionavam seus
moradores com a localidade em que viviam desde os tempos dos antigos quilombos.
Foi um depoimento emocionante.
Ao chegar ao Hotel, fomos recebidos novamente com muita educação pelos
gerentes, Sr. Bruno e Sra. Lílian. E novamente analisaram e aprovaram os produtos
trazidos por Tânia. Segundo eles o que mais os interessava era tanto o processo
manual, expressados pelo “taco” e pelo crochê quanto o fato de ter uma origem
tradicional. E isso interessava diretamente os clientes e visitantes do hotel. Diante
disso, novas encomendas foram pedidas. Para mim não era mais surpresa.
Então, visto que havia um acordo se cristalizando entre a artesã e o hotel,
entendi que minha participação no processo estava por diminuir e, por fim, acabar.
Diante desse tempo, desde que os visitei pela primeira vez até agora, pensei ter
alcançado o objetivo da pesquisa.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Giral Grande – Maragojipe
Data: 11/05/2013
Hoje voltei à comunidade para fazer o que eu considero a ultima entrevista no
local. O objetivo foi coletar informações sobre o significado de identidade local
presentes nas peças produzidas. Foi um sábado bastante chuvoso e pegar as estradas
por três horas me deixou apreensivo, ansioso por acabar logo essa tarefa.
Ao chegar em Giral Grande fui recebido por Tânia e seus irmãos, que me
mostraram as novas casas de alvenaria, que substituíram as de adobe. Muito feliz,
apesar de sua casa nova ainda estar em construção, Tânia me mostrou onde será o
que ela chamou de “atelier”, um terreno ao lado da nova casa no qual será erguido
um pequeno galpão para o artesanato de retalhos.
Numa reunião que envolveu Tânia, sua filha, algumas irmãs, um irmão e
sobrinhos, fui informado sobre o significado do artesanato de retalhos e sobre as
peças produzidas para o hotel. O valor da reciclagem aplicada nos produtos artesanais
tem grande significado, não somente quanto aos resultados plásticos proporcionados
pela mistura de cores e texturas, mas também quanto a ser uma forma simples e
inteligente se obter utensílios para o uso no cotidiano e essa prática, segundo a
própria Tânia e corroborado por outros membros, é remetida aos seus pais e avós,
como uma tradição. Segundo Tânia, as peças produzidas para o hotel são um exemplo
desta tradição.
Outra característica citada neste encontro e valorizada no local é o fato destes
produtos serem de “taco”. O mosaico de retalhos de tecidos, o qual é denominado
pela comunidade de taco, tem um significado que vai além de uma solução prática e
plástica, representando, também, a união entre os membros da comunidade. Mara,
uma das irmãs de Tânia, relatou que os pedaços separados representam cada pessoa,
como se fosse algo individual, subjetivo. E a colcha representa a comunidade, pela
união das suas partes individuais. Esse relato me foi surpreendente, pois ainda não
tinha sido a mim revelado.
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ESTRATO DO DIÁRIO DE CAMPO
Local: Hotel Villa Bahia - Salvador
Data: 14/05/2013
Hoje voltei ao Hotel Villa Bahia para saber da opinião da gerência quanto aos
resultados dos produtos artesanais recém adquiridos de Giral Grande. Como sempre
fui muito bem recebido pelo Sr. Bruno e pela Sra. Lílian.
Além da resposta positiva quanto à satisfação sobre a qualidade plástica e do
significado referente ao produto artesanal tradicional, a entrevista me reservou
algumas surpresas. Sr. Bruno disse que estava querendo muito falar com Tânia, mas
que não conseguia, pois tinha perdido o contato e que esperava pela minha presença
para restabelecer o caminho de comunicação com Giral Grande.
O fato é que as peças necessitavam de ajustes e que por isso, ainda não tinham
sido usadas nos quartos do hotel. Ele solicitava uma nova visita para que Tânia
pudesse ver os produtos e fazer as correções necessárias. Sr. Bruno e Sra. Lílian
falaram que isto não era um problema, pois consideravam os produtos em fase de
testes e em processo de evolução, e que, além disso, opinaram que ainda faltava
experiência para Tânia, pois aquele era um desafio muito grande e inédito para ela.
Fiquei surpreso, mas entendi que o processo ainda não havia acabado.
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APÊNDICE 2
De: Fale Conosco enviado por Marcelo Geraldo Teixeira ([email protected])
[[email protected]]
Enviado: domingo, 1 de agosto de 2010 18:55
Para: Assessoria de Comunicação
Assunto: COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Olá FCP, Sou aluno de curso de doutorado na UFBA Gostaria de saber dados atualizados sobre
o número de comunidades quilombolas conhecidas (certificadas ou não) nas regiões do Brasil
e, em separado, o número do estado da Bahia. Agradeço a ajuda Marcelo
Remetente: Marcelo Geraldo Teixeira
Email: [email protected]
Entidade: UFBA
Cargo: Aluno curso Doutorado
Telefone: (71) 3248-6031
Prezado Marcelo,
Existem 1.523 comunidades remanescentes de Quilombo certificadas e cerca de 2.549 ao total
(certificadas, tituladas ou apenas indentificadas).
Na Bahia existem 332 CRQs, sendo o segundo maior estado com número de comunidades
quilombolas no Brasil.
Atenciosamente,
MARCONDES SILVA DE OLIVEIRA
DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO AFRO-BRASILEIRO-DPA
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES-FCP
MINISTÉRIO DA CULTURA-MinC
Tel (61) 3424-0160
De: Dpa Palmares
Enviado: segunda-feira, 9 de agosto de 2010 16:40
Para: Marcondes Silva de Oliveira
Cc: Miriam Caetana Souza
Assunto: ENC: COMUNIDADES QUILOMBOLAS
De: Assessoria de Comunicação
Enviado: segunda-feira, 2 de agosto de 2010 9:39
Para: Dpa Palmares
Assunto: ENC: COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Muito obrigado pelo contato!
Assessoria de Comunicação Social
Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura
Fone: 3424-0166 Fax: 3424-0164
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APÊNDICE 3
CARTA DE AUTORIZAÇÃO
Eu, Tânia Maria dos Santos Calheiros, artesã da
Comunidade Quilombola de Giral Grande, autorizo o uso das
fotografias da referida comunidade, de peças do artesanato
e das minhas conversas e diálogos feitos durante entrevistas
e visitas técnicas, partes integrantes da pesquisa de Curso
de Doutorado do Programa de Engenharia Industrial (UFBA),
feitas pelo pesquisador Marcelo Geraldo Teixeira, para fins
de elaboração da sua tese.
Tânia Maria dos Santos Calheiros
Artesã da Comunidade Quilombola de Giral Grande
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APÊNDICE 4
CARTA DE AUTORIZAÇÃO
Eu, Bruno Pascal Guinard, diretor do Hotel Villa Bahia,
autorizo o uso das fotografias da decoração dos quartos e
das minhas conversas e diálogos feitos durante entrevistas e
visitas técnicas, partes integrantes da pesquisa de Curso de
Doutorado do Programa de Engenharia Industrial (UFBA),
feitas pelo pesquisador Marcelo Geraldo Teixeira, para fins
de elaboração da sua tese.
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UFBA
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ENGENHARIA INDUSTRIAL - PEI
Rua Professor Aristides Novis, nº 02 – Federação
CEP 40.210-630 – Salvador - Bahia
Tel: 3283-9800 – Fax: 3283-9802
E-mail: [email protected]
Home Page: http://www.pei.ufba.br

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