Cristóvão Colombo Descobriu Primeiro o Swell, Depois a

Transcrição

Cristóvão Colombo Descobriu Primeiro o Swell, Depois a
Cristóvão Colombo Descobriu
Primeiro o Swell, Depois a América
Valdir Innocentini
Todo surfista, culto e leitor de revistas de surf
(Alma Surf, por exemplo), sabe que os
inventores da arte de surfar foram os filipinos.
Também,
pudera,
com
aqueles
swells
maravilhosos de sul e de norte chegando o
tempo todo por lá, para inspirá-los. Um swell
destes encontrou o nosso Almirante nas
Antilhas.
No
seu
apurado
instinto
de
observação, relevando também um espírito
científico,
estranhou
o
mar
grosso,
encrespado, sem vento, e não deixou passar
sem documentá-lo.
Hoje milhares de revistas se dedicam ao esporte, mas a primeira descrição
literária foi publicada no jornal Captain King, em março de 1779. Foi redigida por
um oficial que acompanhava o inglês, Capitão Cook, em sua terceira viagem. O
texto descreve um grupo de 20 a 30 nativos, com longas e estreitas pranchas de
pontas arredondadas, deslizando eretos com grande habilidade sobre as ondas. O
escritor demonstra admiração, mas também uma certa apreensão ao descrever os
esportistas e suas pranchas se estatelando contra os rochedos, reduzidas a mil
pedaços, impulsionados pela força das ondas.
O que poucos amantes de ondas e do mar sabem é que,
além de descobrir a América, o Almirante Cristóvão Colombo
foi, provavelmente, o primeiro a notar e documentar a
existência do swell.
Bravo navegante, desbravador do
Atlântico, impulsionado por uma
fé e coragem incomum que só
homens iluminados possuem. As
narrativas do mundo visitado por
Marco Polo o faziam sonhar. A
força de seus sonhos era tanta
que a rainha espanhola Isabel
embarcou em suas fantasias, e
em
1492
condições
para
providenciou-lhe
perseguir
um
sonho que já era dela também.
Voltou aclamado. Conferiu à Espanha um poder marítimo comparável ao de
Portugal. Tornou-se vice-rei do mundo novo, e como reconhecimento, passou a
freqüentar a corte com sua família.
Mas havia um problema. Nunca um súdito recebera tanto poder de um rei
espanhol. Muitos pensavam que o Almirante não merecia tantas honras. Quem
era esse homem por quem a Rainha Isabel depositara tanta admiração? Nem
espanhol parecia. Seria um profeta?. Seria pobre ou rico? De onde teria vindo?
Seria um sábio? Mais se parecia com um louco.
Era um sonhador, e obstinado por suas idéias, entre as quais, de que
vivíamos em um planeta com formato esférico. Antes de cair na graça da rainha,
havia sido duramente inquirido pela Santa Inquisição. Afinal, por que haveria a
terra ser redonda? Como ficariam as pessoas do outro lado? De cabeça para
baixo não poderiam, pois passariam mal.
Bastou sua amiga protetora morrer, e proliferou o ódio em toda Espanha
por esse súdito poderoso tão admirado pelos reis, e que despertava tanta inveja.
Por isso, morreu envelhecido precocemente, miserável, angustiado e humilhado
pelo desprezo de todos, como um simples marinheiro. Escreveu vários livros, mas
todos desapareceram, exceto o Diário de Bordo de suas viagens, de onde eu pude
observar o Almirante identificando um swell.
A leitura de seu Diário é apaixonante, pois mostra sua admiração e
entusiasmo pelas coisas que ia descobrindo enquanto viajava. Naquele tempo,
para a maioria dos marinheiros viajar para oeste era um pesadelo. Era certo que a
qualquer instante o mar se acabaria e todos seriam lançados a um abismo. Para
evitar motins, o poder das palavras do Almirante tinha quer ser motivante, e estar
sempre presente e firme.
Tecnicamente, a empreitada de atravessar o Atlântico era mais ousada do
que viajar pelo espaço hoje. Como instrumentos, tinham apenas a bússola e as
estrelas no céu. O sucesso estava em observar atentamente tudo que
encontravam pelo caminho. Meses após a partida de Palos aquele horizonte
sempre igual os perseguia por todos os lados. A ânsia por encontrar terra firme
atingia o máximo. Não é difícil imaginar que muitos chegavam à loucura, doentes,
temendo o abismo e os deuses do mar.
No transcorrer da viagem, alimentado por um espírito científico, o Almirante
observava e documentava que as águas estavam menos salgadas que as das
Canárias, o que significava que havia um rio de água doce por perto. Descreve
pássaros com pés de aves terrestres sobrevoando a nau Santa Maria. Chuvisco
sem vento e nevoeiro, o que ele diz ocorrer apenas em regiões próximas à terra
firme. Ar puro e cristalino, que só podem vir da terra, que deve estar próxima.
Encontram algas marinhas com caranguejos, significando terra firme por perto. E
para enganar os marinheiros, sempre anotava terem percorrido uma distância
menor que a verdadeira.
A tripulação se desesperava. Mesmo com tantas evidências, a terra firme
nunca chegava. Em meados de setembro de 1492, antes de descobrir a América,
o Almirante escreveu:
“... e como o mar estivesse manso e liso, a tripulação murmurava, dizendo
que não havia dúvida de que ali o mar não era grande e que nunca ventaria o
suficiente para voltar para a Espanha; mas depois o mar encrespou-se muito, e
sem vento, o que os assombrou, e por isso diz aqui o Almirante Cristóvão
Colombo:
de modo que foi bem providencial o mar alto, que não aparecia, a não ser no
tempo dos hebreus, quando fugiram do Egito liderados por Moisés, que os retirou
do cativeiro.”
Mar encrespado sem vento causou tanta surpresa a Colombo e sua
tripulação, que ele habilmente associou o swell ao milagre de Moisés para acalmar
os marinheiros, mostrando que Deus estava com eles. Mas sem dúvida, o
Almirante havia descoberto o swell.
Vamos falar um pouco sobre a formação do swell.
Como as ondas são geradas pelo vento
Um surfista sabe que swell é uma onda pura, limpa, sem vento. Mas nem
todos sabem como ela se forma. Ondas podem ser formadas por terremotos,
maremotos, movimentos da lua e do sol e furacões. Mas as mais energéticas e
com maior impacto na vida do homem são as formadas pela ação do vento. São
aquelas que não se cansam de chegar às praias, nos divertem e inspiram poetas.
São muito importantes na formação da sensibilidade do espírito humano, assim
como o sol e a lua. Mostram o poder da natureza. Aquela energia misteriosa
chegando, inesgotável.
Assim que o vento começa a soprar mar, ocorre uma colisão entre as
moléculas, iniciando-se um processo de transferência de energia entre o ar e o
mar. Surgem pequenas distorções com comprimento de 1 a 2 cm, conhecidas por
ondas capilares. A superfície do mar torna-se rugosa, obscurecida. Se o vento
cessar, a rugosidade também cessa imediatamente. Os marinheiros ingleses
chamam a este fenômeno de “cats paws”
As distorções aumentam se o vento continuar soprando, e se transformam
em pequenas ondas com uma parte elevada chamada crista, e uma depressão
chamada cavado. Neste estágio, se o vento cessar elas continuarão a ter vida
própria e se propagarão pela superfície. São conhecidas por ondas de gravidade.
A distância entre duas cristas consecutivas, é superior a 2 cm no início de sua
formação. Com o vento soprando, a transferência de energia prossegue, e as
ondas ganham altura. Logo haverá ondas de vários comprimentos, formando um
conjunto de ondas denominado espectro. Se o vento soprar por vários dias,
atinge-se um estágio onde o espectro está no desenvolvimento máximo e torna-se
estável. Neste instante há um equilíbrio e a energia que é transferida do vento
para as ondas se iguala à energia que é perdida por dissipação e transporte.
A regra é simples, quanto maior for a velocidade do vento, maiores serão as
ondas que compõe o espectro, e mais tempo será necessário para atingir o
estágio estável. A forma ou as características do espectro de ondas depende de 3
propriedades do vento:
intensidade: ventos intensos formam ondas maiores. Velocidades acima
de 10 m/s são necessárias para construir ondas com altura superior a 1 m,
duração: se o vento cessar prematuramente poderá não haver tempo
suficiente para construir um espectro estável. Precisam sobrar durantes alguns
dias para que ocorra transferência de energia suficiente para formar ondas acima
de .2 a 3 metros Só para quantificar, um vento de 20 m/s necessita de cerca de 48
horas para construir um espectro estável,
extensão: ventos soprando sobre uma pequena área não conseguem
formar espectros estáveis. Precisam soprar por uma área de cerca de 1 a 2 mil
quilômetros de comprimento para formar o espectro estável.
Assim que as ondas são formadas, elas se propagam sobre a superfície, e
escapam da zona de geração. Se a propagação se efetuar sobre uma superfície
onde o vento continua a soprar, a transferência de energia continuará ocorrendo, e
a onda a crescer, exceto se tiver atingido o estágio estável.
Na zona de geração, as ondas parecem desorganizadas, e o mar caótico.
São conhecidas por wind-sea ou vagas. Quando escapam da zona de geração as
ondas com menores comprimento se dissipam, e o espectro vai sendo filtrado. As
maiores, podem viajar por milhares de quilômetros. É assim que chegam ao
Havaí. São geradas no extremo do Pacífico Sul ou do Pacífico Norte.
Ondas formadas no Pacifico Sul, ao sul da Austrália, atingem o Alaska.
Também é comum ondas formadas no Atlântico Norte causarem ressacas no
litoral Norte do Brasil, e depois alcançarem a Namíbia, na África. Ondas no
extremo norte do Pacifico chegam com facilidade às costas Peruanas, e em
algumas ocasiões causam ressacas.
Um swell destes encontrou o nosso Almirante, que no seu apurado instinto
de observação, já relevando um espírito científico, estranhou o mar grosso,
encrespado, sem vento, e não deixou passar sem ter documentado.