Os estrangeiros e o crime

Transcrição

Os estrangeiros e o crime
2006-01-03 - 00:00:00
Opinião
Os estrangeiros e o
crime
Rui Pereira, Professor de Direito e presidente do Observatório de
Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo
A detenção de sete homens de nacionalidade estrangeira, suspeitos de
dezenas de assaltos que envolveram dois homicídios e várias ofensas
graves à integridade física em localidades portuguesas, ilustra a
gravidade crescente da criminalidade organizada e transnacional e evoca
a necessidade de reforçar a cooperação policial e judiciária internacional.
E é de sublinhar que essa cooperação tem um significado acrescido à escala da
União Europeia, atendendo à circunstância de haver uma só fronteira para os
Estados-membros. O espaço comum de liberdade tem de ser também espaço
comum de segurança. A actividade dos suspeitos agora detidos não se insere, em
rigor, no âmbito da imigração – seja legal ou clandestina. Eles tinham uma
existência nómada, circulando em Portugal, Espanha e outros países europeus.
Permaneceram no nosso país durante temporadas, para desencadearem um
conjunto de crimes contra o património e financiarem a sua vida e actividade
criminosa.
Ao praticarem os roubos, os agentes não hesitavam perante o recurso à violência,
pondo em causa não apenas o património mas também os bens jurídicos pessoais
mais relevantes: a vida e a integridade física das vítimas. Esta violência, exercida,
designadamente, sobre trabalhadores de empresas de segurança privada, recorda
aqueles criminosos estrangeiros de algumas novelas de Simenon (Comissário
Maigret), completamente desinseridos da sociedade e capazes de actos de uma
violência quase irracional.
É sempre perigoso, todavia, fazer generalizações. Muitos estrangeiros –
claramente a maioria – escolhem Portugal como país de acolhimento para
desenvolverem actividades pacíficas e laboriosas, no plano profissional, científico e
artístico: desde operários da construção civil, a médicos, passando por professores
e executantes de orquestras, são muitos os estrangeiros aos quais devemos estar
gratos pelo contributo que dão ao desenvolvimento nacional – retribuindo um
sentimento devido aos nossos emigrantes.
2006-01-03 - 13:00:00
Grupo de sete indivíduos estava
em Portugal há três meses
PJ prende gang
romeno
Um gang assassino, constituído
por sete romenos e com ligações
internacionais, levou a cabo em
Portugal, nos últimos três meses,
30 assaltos. Os criminosos
mataram dois vigilantes e
deixaram outros gravemente
feridos. A Polícia Judiciária
apanhou-os.
Foram apreendidas duas caçadeiras, uma pistola e as ferramentas
que usavam nos assaltos
Sete romenos, entre os 22 e os 30 anos, estavam em Portugal há apenas três
meses – tempo suficiente para consumarem 30 assaltos à mão armada de Norte a
Sul do País. Três dos ataques atribuídos ao gang foram de extrema violência.
O grupo, detido sábado pela Polícia Judiciária (PJ) de Lisboa, é suspeito dos
homicídios de um segurança do entreposto de automóveis de Águas de Moura,
Palmela, em finais de Novembro último, e do guarda-nocturno de um armazém de
Arruda dos Vinhos, em Dezembro. Os assaltantes vão ainda responder por duas
tentativas de homicídio – além dos 30 assaltos, sempre durante a noite, a
hipermercados e locais de comércio de automóveis.
Segundo a PJ, o grupo é muito violento e, além dos crimes praticados em
Portugal, terá actuado noutros países europeus, como França e Espanha. Foi esta
capacidade de mobilização e de dispersão que dificultaram as investigações. A PJ
não descarta a hipótese de existirem mais elementos ligados ao gang, mas
dispersos por outros países europeus. “Nos últimos três meses, o grupo dedicou-se
à prática de crimes contra a propriedade, que se tornavam de extrema violência
caso aparecesse alguém que lhes fizesse frente”, disse Carlos Farinha, director
nacional adjunto.
O gang romeno começou por deixar marcas da violência com que actuava, em
Outubro último, no ‘Cash and Carry’ de Óbidos: primeiro, ameaçou um vigilante de
serviço, para que indicasse o melhor acesso ao interior do estabelecimento; depois
espancaram-no e amordaçaram-no. A vítima foi encontrada de manhã com
ferimentos graves.
Um mês depois, sempre com registo de assaltos a médias superfícies pelo meio,
os romenos entraram num entreposto de automóveis, em Águas de Moura.
Quando foram surpreendidos por um dos seguranças, perseguiram-no até à sala
de controlo. O vigilante trancou-se na casa de banho com um colega e o grupo não
hesitou e abriu fogo: o primeiro segurança teve morte imediata; o outro foi
transportado para o hospital e sobreviveu.
Quando a GNR chegou ao local, os assaltantes escaparam a pé e deixaram as
viaturas em que tinham seguido, todas de alta cilindrada, furtadas. Mas, três dias
depois, voltaram a marcar presença em Arranhó, na Arruda dos Vinhos. Entraram
num armazém de frutas para roubar dinheiro do escritório e foram apanhados em
flagrante por um guarda-nocturno, que foi espancado até à morte com barras de
ferro.
O método, segundo a PJ, era idêntico em todos os crimes. Tinham preferência por
médias superfícies comerciais, onde roubavam tabaco, perfumes, bebidas,
electrodomésticos, peças e acessórios de automóvel. Para entrarem nos
estabelecimentos, os romenos cortavam as vedações com tesouras de arame e
arrombavam as portas com pés-de-cabra. Além destas ferramentas, a PJ
apreendeu-lhes duas caçadeiras e uma pistola de calibre 6.35 mm. Foram também
recuperadas cinco viaturas de alta cilindrada usadas nos assaltos. “Roubavam
carros apenas para se deslocarem de um lado para o outro”, diz Carlos Farinha. Os
suspeitos deixaram mais rasto na zona Centro do País. “As principais actividades
ilícitas foram feitas ao longo da A8”, segundo a mesma fonte.
Os indícios deixados em cada local do crime – desde carros roubados a telemóveis
e ferramentas – permitiram à PJ verificar que os suspeitos eram os mesmos. A
caça ao gang começou em Outubro e, em meados de Novembro, as brigadas de
Lisboa começaram a trocar informações com as de Leiria e de Setúbal. A
‘Operação Réveillon’ culminou com a detenção do gang, em duas casas de Sintra.
VENDIAM TUDO O QUE ROUBAVAM
Perfumes, electrodomésticos, garrafas de vinhos e de uísque, peças e acessórios
de automóveis eram os alvos preferenciais do grupo de sete romenos que, em três
meses, fizeram 30 assaltos em Portugal. O material roubado, segundo a PJ, era
depois vendido no mercado negro. Além dos produtos, o grupo tentava sempre
levar dinheiro. No Ecomarché de Alenquer, os romenos chegaram mesmo a
carregar um cofre de 400 quilos, mas a chegada da GNR impediu que
consumassem o assalto. Os assaltantes fugiram a pé e deixaram as viaturas
furtadas no local. Viaturas que, tal como noutros locais, permitiram à PJ ligar uma
série de assaltos e seguir o rasto dos criminosos. As matrículas que usavam para
tentar despistar as autoridades permitiram detectar a sua presença noutros locais
do País. “Algumas são falsas, outras pertenciam a outros carros, também eles
furtados”, disse ao CM Carlos Farinha. Entre as matrículas apreendidas, algumas
são francesas.
OS MAIORES CRIMES
26 OUTUBRO
Um grupo de seis homens amarrou, ameaçou e agrediu com uma pistola, um
martelo e um pé-de-cabra o segurança de um ‘cash & carry’ em Óbidos para
assaltar as instalações. Os assaltantes usaram uma empilhadora para abrir um
buraco no edifício e levar tabaco e bebidas.
3 NOVEMBRO
Um segurança do Leiria Retail Park foi agredido com um pé-de-cabra por um grupo
constituído por sete assaltantes. Os ladrões estavam armados com um revólver e
caçadeiras de canos serrados e desmancharam a máquina do multibanco para
levar o dinheiro. Ainda levaram vários pares de sapatos.
29 NOVEMBRO
Um segurança de serviço ao entreposto de automóveis em Águas de Moura,
Palmela, foi assassinado de madrugada, na sequências de uma tentativa de
assalto às instalações. Um outro vigilante, também atingido a tiro, sobreviveu. A
tentativa de assalto foi captada pela videovigilância da loja.
1 DEZEMBRO
O guarda-nocturno de um armazém de frutas em Arranhó, Arruda dos Vinhos, foi
espancado até à morte por ter surpreendido em flagrante um grupo de
assaltantes. Após a agressão, os ladrões puseram-se em fuga e acabaram por não
roubar nada.
1 DEZEMBRO
Quatro homens encapuzados assaltaram o supermercado Recheio em Loures.
Chegaram às 18h40, encostaram uma caçadeira de canos serrados à cabeça do
vigilante e levaram-no, mais um funcionário, até ao local onde estavam os sacos
com dinheiro. No hipermercado só estavam vigilantes e funcionárias da limpeza.
12 DEZEMBRO
Uma patrulha da GNR surpreendeu um grupo de assaltantes que já tinha
carregado para uma carrinha furtada um cofre com 17 mil euros e mais de 15 mil
euros em material electrónico e de higiene pessoal, no Intermarché da Abrigada,
em Alenquer.
AS QUADRILHAS MAFIOSAS QUE VÊM DO LESTE EUROPEU
O moldavo Ghennadie Gheorgue Flocea, conhecido por ‘Borman’, está a cumprir
uma pena de 18 anos por crimes associados à máfia de Leste. Dos 21 condenados
no julgamento da chamada rede ‘Borman’, apenas três estão ainda a cumprir
pena.
Em Maio de 2002 sentaram-se no banco dos réus do Tribunal de Monsanto 25
homens, originários da Moldávia e da Ucrânia, acusados de angariação de mão-deobra ilegal, associação criminosa e terrorismo. Na altura, 21 elementos da rede
foram condenados.
Em Abril de 2003, por recurso dos advogados de defesa, o julgamento do ano
anterior foi anulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo facto de um dos
juízes ter participado na instrução deste processo, decretando e mantendo a prisão
preventiva de alguns arguidos. O Ministério Público recorreu daquela decisão junto
do Tribunal Constitucional, que determinou não ter havido inconstitucionalidade na
decisão do Tribunal de Monsanto, pelo que os arguidos cumpriram as penas
decretadas em 2002.
GRUPO UCRANIANO NA CADEIA
Em Julho de 2003, os membros do ‘Grupo Ternapol’, constituído por 25
ucranianos, foram condenados a penas de prisão que variaram entre os dois e os
15 anos pelo Tribunal de Monsanto, em Lisboa, pelos crimes de associação
criminosa, rapto, extorsão, furto, roubo, posse de arma ilegal e auxílio à mão-deobra e à imigração ilegais. Os elementos desta rede angariavam os trabalhadores
na Ucrânia, aos quais, uma vez chegados a Portugal, retiravam os passaportes
para ficarem sem capacidade de movimento. Depois iam recebendo uma
percentagem dos seus salários, muitas vezes sacada com o emprego de violência.

Documentos relacionados