apresentação - Estudantes Pela Liberdade

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Revista Estudos pela Liberdade. Número 1. Ano 1. Abril de 2011
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APRESENTAÇÃO
Em seu primeiro número, a Revista Estudos pela Liberdade apresenta uma
seleção de seis artigos inicialmente com temas contemporâneos, relacionados com
política, economia e sociedade como eixos centrais nas abordagens, mostrando a
interdisciplinaridade presente nesses artigos de estudantes de diferentes formações
universitárias do Brasil.
Inicialmente, há o artigo de Adriano Diego Klein que analisa o “índice de
lotação mínima” para o Estado do Rio Grande do Sul proposto pelo INCRA, suas
intenções, contradições e efeitos de sua aplicação pela óptica econômica e produtiva sob
base dos trabalhos relacionados resultados destas praticas produtivas obtidas e sob a luz
da teoria econômica.
Em seguida, Anthony Ling disserta sobre a regulação governamental da
profissão de arquiteto, seja na forma de conselhos ou sindicatos. Através de políticas
que justificam a manutenção da qualidade da profissão arquitetônica e defesa od
consumidor (os clientes dos arquitetos) e de projetos de má qualidade, prevendo
também um aumento de acidentes e desastres construtivos caso não implementada. O
autor visa estudar o tipo de regulamentação que é feita, analisar a posição tomada por
grande maioria dos arquitetos e medir suas conseqüências sociais com maior
profundidade.
Sobre o tema polêmico da privatização de presídios no Brasil, Fábio Ostermann,
bacharel em Direito discute essa polemização sob quatro aspectos principais com os
quais são criticadas as experiências de privatização de presídios no Brasil: jurídico,
político, econômico e ético/simbólico. Além de conceituar esta expressão tão aberta a
interpretações equivocadas - “Privatização de presídios”, nome popular pelo qual é
conhecida a experiência de delegar atividades administrativas internas das prisões a
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empresas privadas, permitindo diversos tipos de arranjos. Argumentando de, portanto,
não simplesmente leiloar a empresas o estabelecimento prisional com tudo aquilo que
estiver nele contido (inclusive os presos).
Na área jornalística de análise temos o artigo de Julia Brofman, que analisa o
jornal Granma e o blog Generación Y, que fornecem notícias sobre o cotidiano cubano
atualmente. Através da análise de conteúdo de cinco matérias sobre assuntos similares
entre os dois veículos, se busca visualizar como um informativo oficial e um
clandestino apresentam interpretações distintas. O estudo está acompanhado de uma
contextualização da situação política e midiática em Cuba.
Numa análise mais ao lado da palavra literária, trazemos o artigo de Kaio Filipe,
de Brasília, o qual discutirá a questão da Liberdade a partir do romance “A Montanha
Mágica”, de Thomas Mann. Para isso, o autor irá demonstrar como as concepções sobre
“o que é ser livre” defendidas pelos três personagens principais (Hans Castorp,
Settembrini e Naphta) podem ser comparadas às perspectivas de cinco autores da
Filosofia Moral e Política: Berlin, Mill, Arendt, Nietzsche e Humboldt. Por fim, a partir
das noções de Bildung e Bildungsroman, procurará explicitar o Humanismo defendido
por Mann ao longo da obra, e como a ênfase nessa visão de mundo se relaciona com o
contexto histórico e político do autor.
No último artigo de Caroline Rippe a autora discute a teoria político-economica
internalizada no político e embaixador do Brasil – Roberto Campos e seus dilemas ao
longo de sua vida, contratando suas duas grandes fases – mais protecionista e
desenvolvimentista na razão do Estado e sua última ao final do vida denominada como
liberal – onde o intelectual confere razão ao Mercado sobre as ações econômicas e
políticas de uma país, sempre voltado ao caso brasileiro, e sua solidão ideológica que
viveu em relação aos intelectuais brasileiros, por ter idéias distintas e contrárias a ordem
intelectual vigente no país.
Por fim, participam desta edição pesquisadores graduandos, graduados e pósgraduandos das mais diversas faculdades do Brasil – Unisinos, UFRGS, PUCRS e UnB,
com o objetivo de divulgar suas pesquisas, concepções e conhecimento construído
durante anos. O principal objetivo da Revista Estudos pela Liberdade, é estimular a
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autonomia do autor e sua ideologia, colaborando assim com a profusão de idéias de e
pesquisas que beneficiam a graduação ou pós-graduação.
Boa leitura a todos.
Caroline Rippe de Mello
Abril de 2011.
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REVISTA ESTUDOS PELA LIBERDADE
Número 1 – Ano 1 – Abril de 2011 – Revista Anual
Temas Contemporâneos: Política, Economia e Sociedade
Conselho Editorial
Primeiro Número
Caroline Rippe de Mello
Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
PUCRS. Mestranda em História pela Unisinos - RS.
E-mail: [email protected]
Fábio Ostermann
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Mestrando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul – PUCRS.
E-mail: [email protected]
Conselho Consultivo
Primeiro Número
Anthony Ling (UFRGS)
Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul – UFRGS.
E-mail: [email protected]
Contatos para publicação
[email protected]
Normas de publicação no site:
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Caroline Rippe de Mello....................................................................................................5
INDICE DE LOTAÇÃO MINIMA DO INCRA E O INTERVENCIONISMO
FALHO
Adriano Diego Klein ........................................................................................................8
ANÁLISE SOCIAL DA REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL DA ARQUITETURA
Anthony Ling...................................................................................................................14
A PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS NO BRASIL: CRÍTICAS E OBSTÁCULOS
Fábio Ostermann..............................................................................................................21
O COTIDIANO CUBANO VISTO SOB DUAS ÓTICAS - ANÁLISE DO
JORNAL GRANMA E DO BLOG GENERACIÓN Y
Julia Gus Brofman...........................................................................................................36
O CULTIVO DA LIBERDADE EM “A MONTANHA MÁGICA”
Kaio Filipe.......................................................................................................................52
ROBERTO CAMPOS, UMA VIDA RUMO A LIBERDADE E A SOLIDÃO
Caroline Rippe de Mello..................................................................................................67
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INDICE DE LOTAÇÃO MINIMA DO INCRA E O INTERVENCIONISMO FALHO
Adriano Diego Klein1
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Resumo: O artigo pretende analisar o “índice de lotação mínima” para o Estado do Rio Grande do
Sul proposto (e imposto) pelo INCRA, suas intenções, contradições e efeitos de sua aplicação pela
óptica econômica e produtiva sob base dos trabalhos relacionados resultados destas praticas
produtivas obtidas e sob a luz da teoria econômica.
Palavras-chave: Agricultura. INCRA. Rio Grande do Sul.
Milton Friedman já falava que as leis deveriam ser analisadas por seus efeitos e não
pelas suas intenções (FRIEDMAN, 1980). Se observarmos a lotação mínima 2 , podemos
perceber um incentivo (coercitivo, mas incentivo) para intensificar a pecuária. A pecuária
do RS, segundo algumas opiniões de senso comum, é do século XVIII, atrasada e de
grandes áreas e de pouca produção, a menor riqueza gerada na região Sul do estado é
delegada grande parte a ela.
Com a lotação mínima eles seriam obrigados a ter mais animais, e pela lógica, mais
produção. Se a pastagem nativa no atual estado não funcionar no sistema tradicional, podese recorrer às soluções técnicas variadas, dentre elas: suplementar, cultivar espécies mais
produtivas na área3, uso de manejos avançados (dos quais transformaram o pastejo voasin4
quase numa religião) e qualquer outra solução que estiver em voga, pois em último caso a
1
Graduando em Engenharia Agronômica pela UFRGS. Email: [email protected].
A lotação mínima consiste em manter um número mínimo de animais (no caso Unidade Animal, UA=350Kg,
como unidade de medição) por uma determinada área (hectare, HÁ) como forma de analisar se uma
propriedade é produtiva, sendo que a não consonância pode levar a multas, maiores taxas e desapropriação.
3
Isso é inclusive um paradoxo ao discurso ambientalista da maioria dos apoiadores da medida, tanto que um
renomado Instituto Ambientalista, o GAIA, foi contra a medida dos índices, pois ameaçavam o BIOMA
PAMPA que se encontrava em relativo equilíbrio.
4
Técnica de pastejo proposta pelo André Voasin na França, supõe controlar a possibilidade de pastejo dos
animais utilizando cercas de forma a manter as plantas sempre em curvas máximas de produção, evitando
superpastejo ou senecencia de campos.
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falha de sua adaptação servia como justificativa para reforma agrária (uma das bandeiras
dos proponentes). Desta forma era vitória ou vitória.
Primeiramente saliento que somente pela total violação da propriedade a exigência
destes modelos, apesar de ser protesto velado, visto que este tipo de postura é comum em
todos os setores (das residências a estabelecimentos comerciais) e de certa forma se tornou
louvado ou pelo menos atonitamente aceito pela sociedade em geral. Visto isso à
abordagem será mais pelos aspectos econômicos e produtivos esquivando-se deste aspecto
legal/moral.
Contudo, algo estava errado, no momento que algumas das propriedades mais
tecnificadas e produtivas do estado eram enquadradas e invadidas tendo como notório o
caso da Estância Ana Paula5, dessa forma, algo esta sendo ignorado isto é, a natureza da
região: o solo raso, muitas vezes com afloramento de rochas (que nem sobre decreto do
INCRA produzem forragem), a chuva inferior a outras regiões em que se compara a
produção (pelo menos em questão de oferta - demanda evapotranspirativa), faltando água
nos períodos onde haveria maior crescimento de pasto (seca de verão) e um período de cria
desfavorável (frio do inverno). Pecuárias avançadas como nos Estado Unidos e Austrália
tem áreas onde a densidade é de 10,20ha até 50 ha para um animal, estarão estes abrindo
mão de sua “pecuária tecnificada”.
Mas e as adubações, silagens e suplementos como opção de adaptação, possuem
uma natureza que os burocratas não entendem - o Mercado. A taxa de retorno da pecuária
vem baixa em um longo período (superior a 20 anos). As causas disso são diversas, sendo
muitas delas de origem governamental, saliento duas: a percepção de carne como alimento
básico, cuja valorização é fonte de impopular inflação gerando um malabarismo desde
compras em massa para estocagem, regulação maquiavélica dos estoques do produto e
5
Fazendo modelo do RS que se mudou para o Uruguai após sucessivas invasões, sob argumento de sua
produção apesar de ser uma das mais eficientes do cone Sul, como as próprias reportagens sobre assunto
retrataram Canal Rural. Fonte: Estância Ana Paula é modelo de rastreabilidade no Uruguai. Canal Rural.
Reportagem do dia 16/09/2008, 07h09min. Disponível em:
<http://www.canalrural.com.br/canalrural/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&action=noticias&id=2184081&secti
on=noticias> Acesso em: 30 de jan. de 2011.
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controle dos frigoríficos pelo governo (BNDES controla eles através do credito além de
instituições legais envolvidas no funcionamento destes) de forma a espremer os
fornecedores. O segundo tem um misto de natureza tributária e estabilidade econômica,
onde, muitos profissionais urbanos, sobretudo profissionais liberais tem empregos com alta
tributação e alto imposto de renda, dessa forma, a pecuária neste caso funciona como um
escape de capital deduzindo os pesados tributos (comuns no Brasil). A estabilidade
economia vem do risco do dinheiro “visado”, confiscos de poupança, visibilidade de ter
muito capital em moeda, a segurança da terra e a ótica sobre o gado como “sacos de
dinheiro bem guardados”, não entrando no mérito deste processo, ele contribui para uma
pecuária menos intensificada pelo fim da mesma não ser o lucro, mas incentivos indiretos,
que não tem a solução na legislação do INCRA, mas em outras diversas.
Ainda foi ignorado pelo INCRA o sistema de preços - base do sistema de tomada de
decisão como: o valor do gado naquele local, naquele produtor, naquele sistema e se paga o
investimento. Diversos trabalhos acadêmicos mostram respostas negativas, e aparentemente,
a maioria das propriedades isso se mostra verdadeiro, algumas sendo viável apenas o uso de
certa quantidade de sal proteinado, ou mesmo somente sal mineral, raro algum uso de
silagem em pequena participação. Se verdadeiro fosse a total viabilidade destas praticas os
utilizados com alta taxa de retorno adquiriram mais campos, investidores entrariam neste
mercado e os “velhos produtores”sairiam do mercado, o que não aconteceu.
Se todas as leis de efeito negativo a sociedade tivessem efeito nulo, ótimo seria, mas
isso não é o que realmente acontece, e esta não é uma exceção. A pastagem nativa, segundo
trabalhos, deve ter oferta (peso seco de forragem/peso animal) de 10 a 15%, variando de
trabalhos mais arrojados aos conservadores ficando a maioria deles entre 12-13%, citando a
consagrada curva de oferta de forragem6 (SETELICH, 1994).
Desta forma a produção alcançaria um patamar de qualidade favorável, o “problema”
é que isso significa em algumas áreas ter 0,3/0,4 unidades animais por hectare, em alguns
momentos do ano com o inverno de 0,2 unidades. Quando o INCRA obriga por decreto esta
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Oferta de forragem é a quantidade de pasto por animal em % do peso dele.
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propriedade ter 0,7 unidades animais por hectare ele impõe uma “pecuária de fome”, não
sendo necessário ter vivencia produtiva para saber que um animal que passa fome e perde
peso, o contrário do que a lei se propõe7. Há diferenças entre os animais, tais como, 0,8
carga animal em Bagé tendo +-50% de vacas prenhas e 0,6 +-70% , sem contar o maior
peso, repetição da prenhez. Se medir a produção de uma tecelaria pela quantidade de
máquinas de fiar fosse discutível, discutir a produção de gado pela quantidade deles numa
área sob uma quantidade de pasto quase inflexível é insano.
11
A cultura tradicional da pecuária já usava altas lotações, a legislação do INCRA
reforça a idéia e a tornam regra. Com esta norma não se muda a pecuária obsoleta, mas a
torna padrão, sendo as propriedades que seguem a recomendação zootécnica a ficar a
margem da lei. Muitos já lotearam suas propriedades, migraram para outros países como
Uruguai ou abandonaram a atividade, mais o farão se isso se perpetuar. As zonas passiveis
de punição vai muito além das verbas de reforma agrária, sendo mais um “fantasma” e
massa de manobra que política real de assentamento.
Portanto reitero a não intervenção nos índices de lotação. Abordando as intenções e
resultados, fica claro que quando alguns políticos falam em medidas para “avançar o rural”
deviam mudar de abordagem para “políticas para não manter as leis que sufocam nosso
campo”. Seria muito mais fácil deixar que o consumidor através do mercado sustentar
aqueles que lhe fornecem a boa carne a preços que estejam ao seu alcance que pela mão de
um burocrata ideológico.
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Os resultados destas lotações altas podem ser encontrados em diversos trabalhos como, (LOBATO, 2003 e
2004).
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ANÁLISE SOCIAL DA REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL DA ARQUITETURA
Anthony Ling1
Uma das políticas públicas mais defendidas por arquitetos, tanto no Brasil
quanto no resto do mundo, é a regulação governamental da sua profissão, seja na forma
de conselhos ou sindicatos. Esta política tem a justificativa de manter a qualidade da
profissão arquitetônica e defender o consumidor (os clientes dos arquitetos) de projetos
de má qualidade, prevendo também um aumento de acidentes e desastres construtivos
caso não implementada. Este artigo visa estudar o tipo de regulamentação que é feita,
analisar a posição tomada por grande maioria dos arquitetos e medir suas consequências
sociais com maior profundidade.
Atualmente, a estrutura da regulamentação da Arquitetura em nível federal
brasileiro é gerida pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
(CONFEA), com representação estadual na forma dos Conselhos Regionais, sendo no
Rio Grande do Sul o CREA-RS, que será o exemplo regulatório estudado neste artigo.
Os objetivos do CREA/RS são:
- Garantir à sociedade que somente profissionais tecnicamente habilitados sejam
responsáveis por serviços e obras.
- Registrar profissionais e empresas da área tecnológica.
- Fiscalizar o exercício profissional em defesa da comunidade.
Os três objetivos do órgão buscam claramente uma defesa da sociedade. Para
isso, uma das principais normas estabelecidas pelo órgão estadual é a restrição do fazer
arquitetônico aos profissionais habilitados pelo órgão de regulamentação de sua região,
como estabelece, por exemplo, na norma 003/90, que resolve, no Artigo 2o:
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Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela UFRGS. Email: [email protected]
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As pessoas físicas ou jurídicas que se propunham a executar obras ou
serviços de engenharia, arquitetura ou agronomia, mesmo que
limitadas suas atividades ao fornecimento ao fornecimento tãosomente de mão-de-obra, obrigatoriamente devem estar habilitadas
junto ao CREA/RS.
Além disso, para um arquiteto estar habilitado junto ao CREA/RS como pessoa
física, ele deve ser diplomado em uma escola de ensino superior de Arquitetura
habilitada pelo Ministério da Educação e pagar, obrigatoriamente, tanto uma taxa de
registro como uma anuidade. Devemos lembrar que, apesar dos conselhos regionais e
federais que alegarem que não recebem recursos diretamente do governo, eles recebem
dos profissionais que contribuem obrigatoriamente para poderem exercer sua profissão
legalmente.
A lógica por trás desse tipo de norma, replicada em todos estados brasileiros, é
de que se todos profissionais trabalhando na área forem diplomados em instituições de
ensino de Arquitetura aprovadas pelo MEC e devidamente regulados pelos conselhos
regionais, o número de edificações de má qualidade diminuirá. A norma também surge
com a idéia de proteger a profissão do arquiteto, já que garante que ele terá que ser
contratado para os serviços de sua jurisdição.
Porém, por causa da norma deve-se perceber o surgimento de uma série de
efeitos que vão justamente ao sentido contrário do que ela busca, que normalmente não
percebidos quando se fala na regulamentação legal da profissão, amplamente defendida
pela grande maioria dos profissionais.
Ao criar a barreira de entrada da formação em escolas específicas no curso de
Arquitetura, impedindo designers, técnicos de construção e de desenho, mestres-de-obra
ou qualquer outro tipo de profissional da área a executar os serviços semelhantes ou
iguais ao de um arquiteto, a concorrência na produção de projetos diminui brutalmente.
Esse efeito é notado pelos que defendem a regulamentação, pois sabem que muitos
técnicos da construção e bons designers estão melhores habilitados a projetar do que
arquitetos formados.
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O que não é percebido é que essa diminuição da concorrência faz com que a
qualidade dos projetos, em geral, diminua. Se o arquiteto formado será empregado
obrigatoriamente por qualquer um que queria executar um projeto, ele terá menos
incentivos de estudar e se preparar para enfrentar o mercado. Seu trabalho está garantido
pela regulação legal da profissão. Também se torna mais lucrativo para o arquiteto
defender sua regulamentação e ter uma atuação política através da mobilização da classe
do que se capacitar na sua profissão, gastando mais tempo com o trabalho nos conselhos
do que com o trabalho no escritório. A concorrência no mercado desregulamentado gera
maior eficiência para a profissão, já que os profissionais são incentivados a serem cada
vez mais preparados.
O medo da concorrência também mostra o fato de que passar por uma instituição
de ensino superior pode ser uma sinalização de capacidade, porém não necessariamente
uma garantia de qualidade: vêmos cada vez mais arquitetos se formando em instituições
de ensino superior de suposta qualidade que não teriam condições de trabalhar se a
profissão não fosse protegida por normas como a do CREA. A desregulamentação
implicaria também em um aumento do incentivo para que as faculdades de arquitetura
fossem de melhor qualidade, atendendo a demanda dos estudantes que querem enfrentar
um mercado mais exigente.
Então, as obras de má qualidade que a regulamentação pretende diminuir
acabam acontecendo mesmo assim, criando algo ainda pior: a formação de um mercado
negro de projetos. O Brasil apresenta hoje um número altíssimo de empregos informais:
cerca de 55% dos postos de trabalho da área urbana no Brasil são informais, sendo mais
próximo de 60% na indústria de construção. A existência da informalidade é devida
unicamente à regulação destes empregos com barreiras de entrada. Sem estas barreiras,
o mercado é livre, e o informal deixa de existir. No caso da arquitetura, ele surge dado a
obrigatoriedade do consumidor em pagar um “prêmio” muito alto a arquitetos formados
para construir legalmente, porém não são todos que têm interesse ou até condições de
pagar por um arquiteto. Estes irão ser os atores do que chamamos de mercado negro.
Assim, este mercado negro acaba sendo constituído por profissionais realmente
despreparados, com todo interesse de serem invisíveis perante a lei. Estes projetistas
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informais são muito mais difíceis de controlar e de se classificar, colocando os
consumidores em xeque: já que o preço pela legalidade é alto em comparação com a
qualidade dos profissionais formados, eles têm grandes incentivos em optar pela
construção ilegal, gerando um risco social muito maior do que o existente anterior à
regulação.
A tentativa atual da regulação é de reprimir os incentivos destes consumidores,
fazendo com que eles paguem o preço de um mau custo-benefício pelos projetos
arquitetônicos. Mesmo sendo inviável a regulamentação da totalidade dos profissionais
com precisão, o objetivo do Estado é a implementação das normas criadas pelas
agências reguladoras da profissão. Porém, esta política só faz com que a riqueza da
sociedade seja indevidamente investida, já que estes consumidores poderiam estar
gastando este extra que pagam aos arquitetos em outras coisas a que eles atribuem um
valor maior, seja isto saúde educação ou bens de consumo como roupas e comida. A
força do Estado é usada para proteger e transferir riqueza para indivíduos que não são os
mais aptos para exercer a atividade arquitetônica para a sociedade.
A concorrência não regulamentada do arquiteto com os demais profissionais da
área de projeto elegeria aqueles que são verdadeiramente melhores no que fazem e
automaticamente acabaria com o mercado negro nesta área, pois não haveria a
vantagem do preço mais baixo pela informalidade e a lei poderia ser aplicada
igualmente a todos os profissionais. Os arquitetos no mercado já têm o incentivo natural
de fazerem um bom trabalho, pois se não o fizerem alguma outra pessoa fará.
Bons projetistas são recompensados ainda mais através de prêmios dados por
entidades privadas, que produzem uma espécie de selo de qualidade para seu trabalho: o
Pritzker Prize e o Mies Van der Rohe Award são os mais reconhecidos
internacionalmente, sendo em nível nacional os prêmios concedidos pelo IAB,
principalmente durante a Bienal Internacional de Arquitetura, que também ocorre em
diversos países premiando os melhores arquitetos. Estes prêmios não julgam o arquiteto
pela sua filiação aos conselhos de arquitetura, e sim pela sua capacidade. Também é
comum ver grandes arquitetos que não tem uma educação formal completa, Tadao
Ando, Ludwig Mies Van der Rohe são exemplos disso: o primeiro é vencedor do
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Pritzker Prize e o segundo é considerado por muitos o maior arquiteto de todos os
tempos. Se fôssemos aplicar a lei da regulamentação para estes dois indivíduos,
provavelmente o mundo seria um lugar mais feio e menos funcional. O cientista político
brasileiro com Ph.D. pela Universidade de Chicago, Alexandre Barros, também escreve
sobre o assunto em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo:
José Zanine Caldas, famosíssimo arquiteto autodidata, desenhou e
construiu algumas das mais caras e belas casas do Joá e da Barra da
Tijuca, no Rio de Janeiro. Quem as comprava pagava por sua
competência e seu bom gosto, mas um naco era para o engenheiro
formado, cuja única função era assinar a planta. Zanine foi professor
na Universidade de Brasília. Hoje não poderia, porque não tinha
diploma. Em resumo, não ganhamos nada com profissões
regulamentadas. Só ganham os profissionais que fazem parte delas.
Exemplos diferentes de regulamentação em outros países mostram que há
maneiras melhores de se obter um melhor padrão de qualidade no exercício profissional
da arquitetura. O Key Center for Architectural Sociology, dirigido pelo arquiteto e
sociólogo australiano Dr. Garry Stevens, informa que na a Austrália, no Reino Unido,
na Turquia, Holanda e Nova Zelândia, qualquer um pode realizar o trabalho de um
arquiteto: apenas o nome da profissão é protegido para aqueles que egressam das
escolas certificadas. Ele também diz que na Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Noruega e
Suécia, desde que as edificações estejam de acordo com as normas de construção locais
(como o Código de Edificações existente no Brasil), não importam quem desenhou a
edificação. A opinião do Dr. Stevens também é favorável à desregulamentação:
Na medida em que os países passaram a regular os arquitetos e o que
eles fazem, as opiniões dos clientes passaram a valer menos. Hoje em
dia, arquitetos devem defender seus argumentos para o Estado e,
indiretamente, à opinião pública; não diretamente aos clientes. Ao
invés de demonstrar suas habilidades superiores no mercado,
negociando com aqueles que comprarão estas habilidades, eles vieram
a depender da persuasão do Estado para passar leis em seu favor, para
forçar os potenciais compradores do seu trabalho para empregá-los.
Outra premissa usada para defender a norma é a valorização da cultura
arquitetônica na sociedade, e que sem ela o arquiteto seria ainda menos valorizado do
que é hoje. Mas, vendo o resultado da regulamentação, o cenário fica ainda pior quando
notamos que a obrigatoriedade na contratação de arquitetos despreparados cria uma
imagem negativa da profissão na sociedade. Arquitetos terminam por não serem
respeitados, não por que não são legalmente defendidos, mas justamente pelo contrário:
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Revista Estudos pela Liberdade. Número 1. Ano 1. Abril de 2011
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os consumidores são obrigados a contratar arquitetos de má qualidade que acabam
prejudicando a imagem da profissão como um todo. A norma acredita na criação de
uma cultura que valoriza arquitetura, mas gera exatamente o oposto ao tentar impôr uma
cultura à força.
A valorização da Arquitetura e de bons projetos acontecem com o aumento da
riqueza da sociedade como um todo, e não decorrente de leis que impõem esta
valorização. O designer Philip Starck (que também trabalha como arquiteto de interiores
e que criou o conceito do Hotel Fasano no Rio de Janeiro) fala disso muito bem na sua
palestra no TED Talks: design não é uma necessidade prioritária da humanidade.
Felizmente, ele alega hoje a humanidade adquiriu riqueza suficiente para que o bom
design possa ser adquirido por todos, e não por uma pequena elite. O crescimento
econômico brasileiro dos últimos anos só tende a melhorar essa situação para o nosso
país: vêmos cada vez menores escritórios surgindo para atender novos clientes dispostos
a consumir a boa arquitetura. Exemplos destes são o Studio Paralelo, de Porto Alegre, e
o Atelier Um, de São Paulo, recentemente publicados na revista de arquitetura e design
internacionalmente reconhecida Wallpaper.
A desregulamentação da profissão também não impede a formação de entidades
de classe de forma voluntária que não se utilizam de normas para se proteger,
importantes agências institucionais privadas de apoio aos profissionais e à comunidade.
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), por exemplo, tem um papel de destaque no
Brasil, promovendo cursos, concursos, apoio técnico e acadêmico como associação civil
e independente. Infelizmente, ele luta também pela regulação: neste caso para separar os
arquitetos do CREA na criação um conselho independente.
Analisando o cenário criado pela regulamentação do arquiteto, concluo que são
produzidos efeitos contrários aos almejados, prejudicando a qualidade da produção
arquitetônica e colocando a sociedade em risco com a formação de um mercado negro.
A desregulamentação deveria ser uma alternativa mais estudada na classe dos arquitetos
para possibilitar a recuperação da imagem da nossa profissão pela própria competência,
e não pela imposição de uma norma.
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Os arquitetos que mais lutam pela organização da classe (que mais têm medo da
desregulamentação) são aqueles que sabem que serão os primeiros prejudicados pela
entrada de novos concorrentes. É difícil encontrarmos bons arquitetos defendendo o
fechamento do mercado: estes não têm com o que se preocupar. Enquanto maioria dos
benefícios da regulamentação resta sobre poucos arquitetos, maioria dos malefícios
resta sobre toda a sociedade.
20
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Ato Normativo Nº 003/90, 12 de outubro de 1990. Estabelece as condições de
participação dos intervenientes em serviços e obras de engenharia, arquitetura e
agronomia, e revoga o Ato n° 03/78. Sala de Sessões CREA/RS, Porto Alegre, RS, 12
out. 1990. Sessão 1.
BARROS, Alexandre. Desregulamentar profissões. Todas!. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 21 jul 2009. p A-2.
MENDES, Lucas. Desregulamentação do mercado de trabalho: a liberdade garante a
ética e a qualidade. Disponível em <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=340>
Acesso
em:
11
mar.
2011.
STARCK, Philippe. Philippe Starck thinks deep on design. Monterey, 7 mar. 2007.
Palestra
proferida
no
TED2007.
Disponível
em
<http://www.ted.com/talks/philippe_starck_thinks_deep_on_design.html> Acesso em:
11 mar. 2011.
STEVENS, Garry. Regulating Architects Across the Globe. Disponível em:
<http://www.archsoc.com/kcas/RegulatingArchitects.html> Acesso em: 11 mar. 2011.
STEVENS, Garry. Design Rules: Architects Justify Themselves. Disponível em
<http://www.archsoc.com/kcas/Bdaa.html>
Acesso
em:
11
mar.
2011.
Revista Estudos pela Liberdade. Número 1. Ano 1. Abril de 2011
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ROBERTO CAMPOS: UMA VIDA RUMO A LIBERDADE E
SOLIDÃO
Caroline Rippe de Mello1
Resumo: Este artigo foi feito através dos estudos feitos junto ao Grupo de Pesquisas sobre nação e
nacionalismo, que tem como coordenadora a Profª. Drª. Janete Abrão, do curso de História da PUCRS.
Fez-se uma análise sobre a as concepções teóricas e teses de Roberto Campos presentes em seus livros,
além de outra bibliografia de apoio sobre o autor e sobre o contexto histórico da época que o mesmo
atuou politicamente. O intuito do artigo é mostrar as diferentes visões de Campos sobre a nação e o
nacionalismo, além de sua teoria acerca do desenvolvimento para o Brasil, principalmente no que tange às
décadas de 1960 até 1980.
Palavras-chave: Roberto Campos, Liberalismo, Economia
ROBERTO CAMPOS, O “SOLITÁRIO LIBERAL”
Para entender o pensamento político e econômico de Roberto Campos, deve-se
primeiramente compreender sua formação intelectual. Formado em Filosofia em 1934 e
Teologia em 1937, vem a formar-se em economia nos Estados Unidos, país em que
atuará durante toda sua vida. Nos Estados Unidos, atuou como presidente do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico em 1952, e Embaixador do Brasil entre 1961
e 1963. Também foi o idealizador e um dos criadores do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) em 1966 juntamente com Castello Branco e Octávio Bulhões2 e o
Banco Nacional de Habitação (BNH) em 19643, além de outras reformas e medidas que
se converteram em benefícios a população brasileira.
O posterior “solitário liberal”4 vivenciou o contexto da Guerra Fria, o
antagonismo entre dois céus e dois infernos, onde os opostos regimes ao mesmo tempo
divulgavam êxito total, e taxavam uns aos outros como fracassos cambaleantes. Em
1
Bacharel e Licenciada em História pela PUCRS. Mestranda em História pela Unisinos. Email:
[email protected].
2
Lei no 5.107, de 13 de setembro de 1966. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5107.htm>Acesso em: 17 ago. 2010.
3
Lei nº 4.380, DE 21 de agosto de 1964. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm> Acesso em: 17 jun.2010.
4
Considerado “solitário”, pois fora o único liberal a compor uma cadeira na Associação Brasileira de
Letras, em 23 de setembro de 1999, o qual o mesmo chamou de “Cadeira da Liberdade”, sendo tanto
sucedido quanto precedido por integralistas e comunistas.
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outras palavras, a Guerra Fria significou a oposição entre dois modelos de sociedade – a
capitalista e a “socialista”, em que as “duas superpotências aceitaram a distribuição
global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de
poder desigual, mas não contestado em sua essência” (HOBSBAWN, 2003: 224). A
URSS controlava uma parte do globo, que o exército vermelho e tropas de força militar
comunista estavam ocupando desde a II Guerra Mundial, já os EUA, por outro lado,
controlava a outra parte do globo, o Ocidente, através do consumo, impulsionado pelas
políticas econômicas americanas, em vista de deixar sua balança comercial sempre
favorável. Ao mesmo tempo, as duas potências evitavam um confronto direto de forças,
para não provocar uma III Guerra Mundial.
No caso do Brasil, nesse contexto de Guerra Fria, certas autoridades
governamentais e as alites econômicas e intelectuais se encontravam temerosas com
relação ao regime soviético, tanto que muitos governantes e pessoas influentes, como o
próprio Roberto Campos, sempre lutaram contra a inserção e práticas de idéias
comunistas no país. Em termos econômicos, principalmente na década de 1950, “a
poupança interna permanecia cronicamente baixa, mantendo assim também o
investimento baixo. E o esperado capital estrangeiro para complementar o investimento
nacional não era suficiente” (SKIDMORE, 1998: 205).
Em termos de pensamento econômico, o antagonismo oferecido pela economia
liberal - livre mercado, em relação à socialista – planejamento em todos os setores parece ter encontrado a resposta numa terceira via, assim como seu conterrâneo Hélio
Jaguaribe, por exemplo, propunha uma “economia mista”. Essa teoria sobre “economia
mista” expõe que o Estado desempenharia um papel crucial no planejamento e
intervenções criando mecanismos para o controle de oferta e demanda inclusive, tendo
como teórico fundador John Maynard Keynes em seus escritos sobre teoria
macroeconômica.5 Inicialmente Campos, adere a essa teoria nos anos 50, apesar desta
teoria “mutilar o potencial de poupança e [...] perpretrar a inflação e o
subdesenvolvimento [...], pois a teurapêutica keynesiana aplica-se muito bem a
5
A teoria macroeconômica está expressa na obra: A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, sob
autoria de John Maynard Keynes. Que previa um maior controle do mercado pelo Estado, no qual a
poupança, investimentos e renda devem ter um equilíbrio estável entre si. Sendo somente possível a
realização desse planejamento através do controle sob a taxa de juros e demanda por moeda.
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economias desenvolvidas em depressão, mas nunca a nações subdesenvolvidas com
inflação”, como foi dito por seu tutor Mario Henrique Simonsen.
Para Roberto Campos, nos primeiros países onde a industrialização ocorreu o
planejamento estatal é alheio, pois para ele, “o credo utilitarista e individualista se
constituiu na principal força desenvolvimentista” (CAMPOS, 1974: 24). Segundo
Simonsen:
69
Ao contrário do próprio Rostow, esse credo não se concentrou
exclusivamente na promoção de motivação lucrativa e na defesa da
propriedade privada, conforme a acusação marxista. Ao longo do
tempo, o credo individualista e utilitário evoluiu no sentido da defesa
da liberdade política e do voto unitário; implantou o controle de
monopólios, desenvolveu uma legislação social que moderou o
incentivo do lucro e tornou respeitável, senão dominante, a motivação
do bem-estar; e finalmente criou o imposto de renda progressivo,
como poderoso instrumento redistributivo e moderador da absorção da
mais valia pelo capitalista (SIMONSEN, 1974: 24).
Os países considerados em desenvolvimento possuem tendências socializantes e
estatizantes, devido a debilidade empresarial no setor privado. Partindo deste princípio,
Roberto Campos concede uma importância ao setor privado para com a economia.
Campos definiu, por exemplo, que países onde o empresariado é debilitado, são
geralmente considerados “em desenvolvimento”. Declarando também que “um dos
principais problemas da iniciativa privada na América Latina resulta do contínuo
intervencionismo estatal e da imprecisão ou inconstância da delimitação de áreas e
funções entre o setor público e privado” (CAMPOS, 1972: 15)
Roberto Campos atrelava ao índice de desenvolvimento o fomento à
industrialização, devendo o Estado incentivá-la, sendo essa uma concessão ao
liberalismo. Podemos notar a prática desta teoria principalmente no segundo governo
Vargas, com a criação do Vale do Rio Doce em 1942 e criação da Companhia
Hidroelétrica do São Francisco em 1945, só para citar alguns exemplos. E mais
claramente essa industrialização se deu no governo de Juscelino Kubitschek com a
implementação do Plano de Metas, onde os “cinquenta anos de progresso em cinco”
eram a representação da necessidade de uma rápida industrialização dos países ainda
agrários, como o Brasil, pois “o objetivo era unir o Estado e o setor privado numa
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estratégia de alto crescimento, com a finalidade de acelerar a industrialização e a
construção da infra-estruta para sustentá-la” (SKIDMORE, 1998: 203).
Já nos anos de 1960 há uma preocupação maior em relação ao comunismo, pois
a Revolução Cubana ocorrera em 1959 e a esquerda tornava-se cada vez mais
heterogênea, principalmente, nas universidades, onde era motivo de adoração a
Teologia da Libertação e os “nacionalistas radicais”. Porém, em contrapartida, havia
setores mais conservadores, que mesmo sendo simpático para com o liberalismo
econômico, era “protecionista”. Cabe esclarecer que essa esfera conservadora que
simpatizava com o liberalismo econômico se enquadra no “conceito plutocrático de
liberdade e da disciplina6”, proposto por Mannheim.
Roberto Campos sente-se ultrajado pelo governo de João Goulart que, para ele,
ameaçava não só a propriedade privada com suas reformas, mas a autonomia brasileira.
Goulart assume a presidência com uma inflação de 34,7% em 1961, chegando a ponto
de em 1964 a inflação atingir os 100%. Desta forma, logo houve o apoio de Campos ao
golpe de 1964, alinhando-se às politicas de Castelo Branco (1964-1967), pois:
“[...] a partir de 1964, face à ameaça de caos social que poderia
descambar num autoritarismo de esquerda [...] surge como elemento
de contenção do populismo distributivista, do regionalismo dispersivo
e do personalismo político o golpe de 64” (SIMONSEN, 1974: 228).
Por isso, Roberto Campos declarou que “na primeira parte dos anos 60 o Brasil
perdeu seu ímpeto desenvolvimentista que tinha nos anos 50, por desastres políticos”
(SIMONSEN, 1974: 25). Neste sentido, apoiou as políticas do presidente Castelo
Branco, pois sua função era “reafirmar a autoridade para salvar a liberdade” (CAMPOS,
1968: 354). Segundo Campos, as medidas de Goulart de nacionalizar refinarias de
petróleo privadas e desapropriar terras em prol da Reforma Agrária ameaçavam as
finanças.
Logo, em Roberto Campos, percebe-se que para uma sociedade tornar-se
moderna e industrializada, certo grau de autoritarismo era inevitável. No caso de 1964
6
Esse conceito elaborado por Karl Mannheim consiste em quando, uma classe limitada de ricos aplica
ideologia liberal sem levar em consideração as mudanças sociais. A liberdade econômica deve ser
expressa, diminuindo o papel do Estado. Porém a liberdade social é tolhida de certos grupos.
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alguns militares consideravam a intervenção militar algo temporário, apenas para
corrigir a indisciplina social, estancar a inflação e retomar o desenvolvimento, sendo
considerado esse modelo de uma democracia participante com um executivo forte.
Desta forma:
“O Congresso expurgado prontamente elegeu [...] Castelo Branco [...].
Os tecnocratas eram liderados por Roberto Campos, diplomata e
economista e destacado crítico do governo Jango em seus últimos
tempos. Campos trazia consigo uma equipe de economistas e
engenheiros, muitos dos quais tinham contribuído para a criação de
um think tank, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), no
Rio de Janeiro e São Paulo. Eles assumiam o poder com idéias claras e
convencionais sobre como conter a inflação e restaurar o crescimento
econômico no Brasil” (SKIDMORE, 1998: 216).
Cabe acrescentar que Campos atuou efetivamente na economia brasileira no
governo de Castelo Branco até 1967, sendo sucedido por seu rival Delfim Neto no
governo de Costa e Silva. No primeiro governo militar ocorreu o “milagre econômico”
gerenciado por Campos, em que a inflação fora reduzida de 92% em 1964 para 28% em
1967, abrindo espaço ao boom, com uma média de expansão de 10,9%, possibilitando a
oferta de crédito e crescimento no setor industrial posteriormente. Contudo, provocou
desigualdades entre os trabalhadores, entre as regiões e desigualdades de renda.
Para Roberto Campos, um grande número da população brasileira não possuía
capital suficiente para sua subsistência, algo que segundo ele se agravava pelo rápido
crescimento demográfico, sendo algo típico de países subdesenvolvidos, os quais
faziam uma relação entre mão-de-obra  capital; capital  mão-de-obra e terra, o que
diminuía a vantagem competitiva e a remuneração do trabalho. Sendo assim deveria
ocorrer uma industrialização lenta e gradual, segundo Gudin, pois a “economia
brasileira, como a do restante da América Latina, sofria de baixa produtividade e pleno
emprego, e não de especialização em atividades agrícolas e de desemprego”.
(BIELSCHOWSKY, 2002: 55)
PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E NACIONALISMO
Cabe esclarecer que a teoria do planejamento é algo menos concreto do que o
projeto, possuindo suas diferenças entre os países de economia capitalista ou socialista,
de cunho marxista ou moderado. Em países considerados subdesenvolvidos a teoria do
planejamento segue uma linha distinta das outras duas citadas anteriormente, devido às
particularidades que seus setores apresentam. Há argumentos a favor da teoria do
planejamento e contra também, em que:
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Um dos vários argumentos de que se lança mão para demonstrar a
inevitabilidade do planejamento, e o mais frequente usado, é o de que
as transformações técnicas tornaram impossível a concorrência em
capos cada vez mais numerosos e só nos resta escolher duas
alternativas: ou o controle da produção por monopólios privados,
através de trustes e cartéis [grifo meu], ou direção pelo governo
(HAYEK, 1984: 78).
A teoria de planejamento adotada por Campos é a de Carl Landauer7, que se
definiria como uma “orientação das atividades econômicas por um órgão comunal,
mediante um esquema que descreve, em têrmos quantitativos assim como qualitativos,
os processos produtivos que devam ser empreendidos durante um período de futuro
prefixado” (CAMPOS, 1963: 10).Tanto o planejamento quanto a intervenção estatal são
positivos aos países subdesenvolvidos, visto que um dos principais problemas do
planejamento reside no setor empresarial, principalmente entre a empresa estatal e
estrangeira: a estatal exige concentração de capital contra a alta tecnologia das
estrangeiras, logo para corrigir essa debilidade do empresariado nacional, o Estado deve
estimulá-lo através de auxílios, pois essa debilidade é fruto de uma má distribuição de
renda associada à inexperiência dos profissionais da área. Inclusive devido a isso há
órgãos de crédito internacionais voltados à pequena e média empresa, tal como o
FUNDECE, FINAME e FIPEME8, constituindo assim uma “nacionalização do crédito
externo”.
7
Carl Landauer (1891-1983) foi um professor emérito alemão que atuou na área de economia em
diversos países, vindo a falecer nos Estados Unidos, último país que atuou. Em 1912 se tornou membro
do Partido Social Democrata alemão, foi quando começou a escrever sobre economia. No período da
Segunda Guerra, lutou pela democracia e contra a ascensão do nazismo. Faleceu aos 92 anos, dois dias
depois de publicar seu último livro.
8
FINAME: Agência Especial de Financiamento Industrial é um órgão subsidiário ao BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), criado em setembro de 1964. Oferece
financiamentos, sem limite de valor, para aquisição de máquinas e equipamentos novos, de fabricação
nacional, através de instituições financeiras credenciadas.
FIPEME: Programa de Financiamento à Pequena e Média Empresa. Criado em 1964, e vinculado ao
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), o FIPEME torna-se uma unidade operacional
com a reestruturação do banco, um sistema de apoio gerencial às micro e pequenas empresas.
FUNDECE: Fundo de Desenvolvimento da Educação e Capacitação Empreendedoras das microempresas. Tendo como objetivo, a geração de recursos financeiros exclusivamente para desenvolvimento
de programas e projetos de formação e capacitação nas áreas de empreendedorismo, gestão, informação,
tecnologia e inovação, objetivando a profissionalização e melhoria da competividade das micro e
pequenas empresas brasileiras.
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A teoria de Roberto Campos, num segundo momento, já no regime militar,
sofreu uma influência da Escola de Freiburg. Para esta escola econômica alemã, no
âmbito de suas deliberações, ela tem por premissa o providencialismo – em que as ações
econômicas dos indivíduos promovem sua prosperidade e o automatismo do mercado,
composta por forças imanentes, que regulam os setores econômicos. Cabe acrescentar
que a teoria de Roberto campos também foi influenciada pelo pensamento econômico
de Mario Simonsen, o qual fora um dos fundadores do conhecido desenvolvimentismo
em 1944, época onde “o planejamento e a industrialização emergiram no Brasil,
portanto como questões extremamente politizadas” (SOLA, 1998: 75).
Dentre as teorias desenvolvimentistas, os aspectos mais destacados eram: o
crescimento de salários e indústrias, expansão do mercado interno e as medidas de base
na educação e saúde, medidas essas necessárias para que os países subdesenvolvidos
pudessem obter alguma ascensão no cenário interestatal. Esse discurso será reavaliado e
incorporado pela própria CEPAL posteriormente, chegando até 1952 com a criação do
BNDE, com ativa participação de Roberto Campos na área técnica, onde o tão preterido
investimento de capitais externos e ampliação do mercado interno foram as principais
medidas realizadas por esse órgão de fomento ao empresariado industrial.
Cabe afirmar que a ideologia do desenvolvimento toma forma com o governo de
Juscelino Kubitschek, tornando-se uma preocupação freqüente a partir da década de
1950 no Brasil, e inclusive nos países onde a taxa de crescimento vinha sendo mais
elevada. O capital estrangeiro nessa década “é visto como necessário para acelerar o
aumento da renda”, dessa forma através dos investimentos desse capital, se pensava que
a taxa de crescimento se elevaria, porém:
O principal problema é a dependência tão forte das relações de
intercâmbio, em que todo este processo depousou, e a influência muito
pequena que uma economia como a brasileira é capaz de exercer para
controlá-las a seu favor9.
Dos principais argumentos, um era a favor da inserção do capital estrangeiro no
governo de Juscelino era que ele não se pautava num debate emocional, mas numa
necessidade técnica, a fim de fortalecer a economia. Esse capital foi amplamente
9
BNDE – Exposição sobre Programa de Reaparelhamento Econômico, exercício de 1955, p. 4.
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empregado na industrialização, para que o país se tornasse soberano e próspero. Para
Juscelino, esse investimento na indústria terminaria com pensamento colonialista
brasileiro. Na concepção de JK, o nacionalismo se define pelo desenvolvimento, de
cunho anticomunista, pois se baseia na defesa da Nação e repúdio a subversão, onde:
Num país como o Brasil, o que é colonizador é a ausência de
investimentos, ausência de empregos e capitais. Não somos mais
nação colonizável. Acreditar na possibilidade de sermos escravizados
por influências do dinheiro estrangeiro é o mesmo que concluir pela
nossa personalidade nacional e ao nosso caráter de povo formado
(CARDOSO, 1977: 140).
No caso da presidência de Juscelino, essa ideologia do desenvolvimentismo
toma forma e clareza em seus objetivos, pois havia uma maior preocupação com os
países em crescimento como o Brasil na época. Por isso deviam-se lançar no mercado
os produtos brasileiros, pois a partir do capital nacional seria gerada a exportação,
porque essas relações com o mercado externo prejudicavam os países mais fracos
economicamente.
Por sua vez, Campos apresenta-se como um antinacionalista, em suas obras, o
autor acredita que o nacionalismo mais se preocupa em distribuir riquezas do que em
produzi-las, além de em outras instâncias ser até mesmo xenófobo e, consequentemente
excludente. Redistribui riqueza para os pobres, discrimina a agricultura e enaltece a
indústria – atendendo aos interesses da classe média; tende a favorecer a propriedade
coletiva e estatal para a socialização de empregos para a clásse média emergente,
dificultando em assegurar carreiras. Essa opinião de Campos é um contra-argumento ao
nacionalismo moderado do governo Vargas, relacionado com a “política de massas e
com o estilo populista [...], em resposta ao processo de redistribuição de recursos
políticos associado à concorrência eleitoral e à crescente integração das massas urbanas
à vida política” (SOLA, 1998: 94).
TEORIAS DETURPADAS E AÇÕES CONTROVERSAS
“(...) as deformações de mentalidade são nossos verdadeiros inimigos.
Há muito luto contra três deles: o pseudonacionalismo, o
pseudoigualitarismo e o pseudoliberalismo” (CAMPOS, 1987: 05).
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O “pseudonacionalismo”, segundo Roberto Campos se caracteriza pela retórica
agressiva em detrimento de uma opção pela solução mais eficaz. Suas barreiras, quase
xenofóbicas, rejeitam o que não podem substituir, ou seja, os resultados são substituídos
pelo discurso agressivo e antiliberdade. O nacionalismo vivenciado por Campos em sua
época concentrava os poderes econômicos e de mercado no Estado, declarando-se até
mesmo antinacionalista, pois:
[...] se alguma coisa a história nos ensina é que a concentração do
poder econômico no Estado acaba afirmando mais cedo ou mais tarde
o pluralismo político, pois o poder nacional é uma categoria intuitiva
como sendo, o poder de coerção que uma nação pode exercer sôbre as
outras, quer por métodos pacíficos, quer por métodos militares
(CAMPOS, 1964: 37)
O “pseudoigualitarismo”, advindo pelo que Lord Action se refere como “fatal
posição pela igualdade”, promete assegurar o sucesso de todos, enquanto se mostra
possível ao estado na melhor das hipóteses, facilitar o acesso a tal como adubo da
demagogia feita à liberdade e oprime a competição, fomentadora da renovação e do
progresso. Porém baseado na teoria de Friedman, o liberalismo econômico é antecessor
ao político, e uma possível igualdade viria a posteriori, tal como Friedman afirma no
trecho a seguir:
[...] De um lado, a liberdade econômica é parte da liberdade entendida
num sentido mais amplo e, portanto, um fim em si próprio. Em
segundo lugar, a liberdade econômica é também instrumento
indispensável para a obtenção da liberdade política (FRIEDMAN,
1985: 17).
O “pseudoliberalismo” é uma crença para que a liberdade étnica e econômica
seja distinta. Por isso, não é concebível cogitar que existam países liberais sem que a
esfera social e econômica não seja coerente entre si, ou seja, livres. Fundamentalmente
só há dois meios de coordenar as atividades econômicas, uma é a direção central
utilizando a coerção – a técnica do Exército ou Estado totálitário. O outro é a
cooperação voluntária dos indivíduos – a técnica do mercado. Portanto, se culturalmente
a ojeriza entre os indivíduos continua a prevalecer, mesmo num país liberal para com
sua economia, logo esse mesmo país não é liberal, mas sim um “pseudoliberal”,
segundo a perspectiva de Roberto Campos.
No caso do Brasil, muitos governos mostraram tentativas e ainda a aplicação ao
mesmo tempo de uma política parcialmente liberal e intervencionista na economia. No
caso do segundo governo Vargas, mesmo sendo um Estado de Sítio, algumas dessas
políticas liberais foram realizadas, tal como a criação, em seu governo, da Comissão
Mista10 de estudos técnicos voltados à economia, contando não apenas com
10
Faziam parte desta Comissão: Eugênio Gudin, Otávio Gouveia de Bulhões e Valder Lima Sarmanh.
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profissionais brasileiros, mas americanos também. Ainda no governo Vargas, foram
selecionados técnicos nacionalistas da Assessoria Econômica11, mobilizados juntamente
com os considerados cosmopolitas, o qual Roberto Campos fazia parte, sendo a maioria
em número. “Desse modo, os técnicos de um dos grupos puderam participar ativamente
do processo decisório, embora articulados em arenas bastante distintas” (SOLA, 1998:
96).
Nessa comissão mista é bom reiterar que, considerado da ala cosmopolita,
existiu um teórico de idéias desenvolvimentistas de destaque – Eugênio Gudin, que
em 1944, redigiu o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil.
Ao longo de 100 anos de vida, esteve presente no cenário econômico nacional, atuando
como delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, realizada em Bretton
Woods (EUA), governador brasileiro junto ao Fundo Monetário Internacional de 1951 a
1956 e Ministro da Fazenda no governo Café Filho, onde “discutiu de forma qualificada
os principais problemas econômicos brasileiros e procurou adaptar a teoria
desenvolvimentista dos países desenvolvidos à realidade dos subdesenvolvidos”
(TELEGINSKI, 2010, p.01). Outro teórico de destaque também foi Mario Simonsen,
que defendia a planificação da economia estatal, intervenção e restrições ao capital
externo, ao contrário de Gudin.
As teorias entre nacionalistas e liberais tiveram seu ápice no debate entre Gudin
e Simonsen. Gudin era interessado no comércio agro-exportador e também no setor
agrícola, já Simonsen, era mais preocupado em relação à indústria nascente. Simonsen
desejava uma participação estatal mais efetiva na econômia, como planejador, produtor
e protetor. Gudin via o intervencionismo estatal prejudicial à economia, “sua oposição
ao planejamento consiste basicamente na questão do liberalismo econômico, pois
considerava perigosa a intervenção do Estado na economia de forma a permitir
concessões ao socialismo” (TELEGINSKI, 2010, p.02). Inclusive em 1944, quando
Vargas tinha dificuldades em manter o aparato do Estado Novo, Simonsen não
questionou o excesso de autoridade presidencial, nem o planejamento e a democracia.
11
Faziam parte da Assessoria Econômica os economistas: Cleanto Paiva Leite, Inácio Rangel, Roberto
Campos e como informal Celso Furtado.
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Porém Gudin proporcionou subsídios à oposição ao governo, “associando habilmente
intervencionismo econômico, ou sua possibilidade, o autoritarismo político 12“.
Segundo Robert Dahl, a anterioridade histórica do estado em relação a grupos
econômicos privados fortes levou à exclusão do Brasil do modelo poliárquico13. Enfim,
o sistema brasileiro é definido como modelo de “capitalismo dirigido pelo estado”, pois
a máquina estatal visa o “entendimento aos clamores privados, dando curso no que foi
chamado de política de clientela” (PEREZ, 1999: 57).
77
Para Campos, que não seguia linhas ortodoxas fiéis a Simonsen, Gudin ou até
mesmo a CEPAL, mas uma teoria e maneira de pensar própria e peculiar. Dentro de seu
ponto de vista, o capital estrangeiro e a iniciativa privada têm papel fundamental, mas o
pseudonacionalismo e o pseudoigualitarismo são grandes empecilhos, porque eles se
utilizam de medidas artificiais para deterem processos que seriam considerados naturais
como o mercado, “pois infelizmente nem o evangelho, nem Karl Marx, nem os teólogos
da libertação, nem o Diário Oficial conseguiram revogar a lei da oferta e da procura”
(CAMPOS, 1986: 15).
Para Campos, o pseudonacionalismo e o pseudoliberalismo somados se mostram
como fatores primordiais do endividamento brasileiro. O monopólio estatal da Petrobrás
ou Petrossauro, no jargão do autor, somado aos subsídios estatais ao resto do pretróleo
e derivados foram essenciais para o débito brasileiro. De 1974 a 1980 o Brasil importa
de petróleo e derivados 53 bilhões de dólares, sem contar a compra de bens, serviços e
equipamentos quase idênticos à dívida de 54 bilhões. Em 1967, após a guerra dos seis
dias, o embargo árabe a preço da comodite foi às alturas. Enquanto
os
países
desenvolvidos estabilizaram sua demanda ou a retraíam, como a Inglaterra, no Brasil a
mesma dobrava. A monopolista Petrobrás “se torna uma grande empresa acima do
solo”, e os subsídios garantiam a demanda para importação, sendo, portanto, importante
à opulência estatal, a ampliação e manutenção de outros monopólios, como os de
transporte e refino.
12
O debate entre Simonsen e Gudin está publicado em versão completa em: A controvérsia do
planejamento na economia brasileira: coletânia da polêmica Simonsen x Gudin, desencadeada com as
primeiras propostas formais de planejamento da economia brasileira ao final do estado novo.
13
O conceito de poliarquia tem o mérito de permitir que a ciência social efetue uma análise mais
realística dos regimes democráticos existentes, uma vez que, a partir desse conceito, torna-se possível
estabelecer "graus de democratização" e, desse modo, avaliar e comparar os regimes políticos.
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Para Roberto Campos a expansão estatal no campo privado era uma espécie de
‘freio’ ao desenvolvimento, e não se resumia a Petrobrás, pois, 26 das 50 maiores
empresas eram estatais em 1982, 82% do capital era estatal. Neste sentido, Roberto
Campos apresentou um projeto chamado Programa de Repartição do Capital, com
vistas a reduzir o grau de concentração no estado e da produtividade dos programas
nacionais. O avanço estatal na esfera privada não tinha como resultado ganho social.
Pois, o crescimento da ação do estado em áreas de competências privadas tem se
provado em prejuízo em relação às aplicações nos setores sociais, cuja proporção do
PIB declinou de 4,46% em 1979, para 2,46% em 1981 e possivelmente 1,73% em 1982,
segundo estudo da FGV. “Decididamente, o Estado empresário não é um bom
samaritano. Ficam vazios sociais; e são esvaziados espaços econômicos para que o
estado ocupe” (CAMPOS, 1986: 21).
Por sua vez, o nacionalismo deturpado é um escape para a incompetência estatal.
Frente a tudo isso, Roberto Campos quando ouvia os nacionalistas dizerem o “petróleo
é nosso”, em contrapartida rebatia que o ‘petróleo era dos árabes’. Os atos estatistas são,
portanto, defendidos sobre as três deformações de mentalidade, sendo a sacralização do
problema da intervenção monopolista e burocrática e a nova demonologia, tendo como
demônios as multinacionais e como controlador o FMI, contrariando assim toda análise
econômica de Roberto Campos.
Diferentemente dos norte-americanos que abriram suas portas aos competidores
japoneses e abriram muitas fábricas na Califórnia, os brasileiros dizem temer esse tigre
de papel, algo insano pelo fato de três tecnocratas (CIP, Banco Central e CASEC)
podiam levar qualquer grande empresa a um estado de agonia. Para Roberto Campos,
isso é um complexo de banana republic, pois o Brasil assim como o EUA tem muito a
ganhar com capital externo, pois Grã-Bretanha e França recorreram ao FMI e nem por
isso seriam lesados em sua soberania. Sendo apenas o escapismo da velha mentalidade
colonial.
Colocar a culpa da insolvência do Brasil no modelo de 1964, militarista e/ou
elitista ou ainda nas multinacionais – numa conjuntura internacional é incabível. Pois
desde a moratória de 1831, quando sequer existiam multinacionais nem crise do
petróleo, as insolvências ocorreram com maior velocidade. No caso de governos
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populistas, como o de Vargas, foi suspenso o pagamento da dívida quatro vezes, assim
como no governo de João Goulart. Quando Roberto Campos negociou três vezes (1961,
1963 e 1964) a dívida por insolvência com os americanos ficou transtornado com a
inconsequencia financeira no governo de Castelo Branco.
Pode-se afirmar que Roberto Campos defendia a flexibilização do trabalho, tal
como a salarial em 1974, que contava com reajuste alheio ao mercado, segundo ele, era
causa de inflação e diminuição do poder de compra. Conforme o autor, as intenções
foram excelentes, mas os resultados medíocres, se não negativos. Pois os aumentos
compulsórios dos salários contribuíram e contribui para o desemprego de muitos, e pelo
seu valor deixaram muitos sem emprego. O possível aumento de renda a um extrato de
trabalhadores custou o emprego dos demais. Faltava, para Campos, a percepção que o
governo não vai realmente garantir melhora de condições de trabalho e vida no papel.
Uma nova constituição prometendo isso não é a solução, “pois o problema brasileiro
nunca foi fabricar constituições; sempre foi de cumpri-las” (CAMPOS, 1986: 38).
Para Roberto Campos, a política trabalhista devia ser menos regulamentada, pois
se, de um lado, a economia de mercado tem o desemprego e a desigualdade como
efeitos comuns, as alternativas são muito piores. Na economia “marxista” o desemprego
é maquiado através dos cabides nas alas burocráticas, exércitos e inteligência, não
negando que, muitas vezes, utiliza inclusive campos de concentração e migração
forçada.
A exportação é a solução do déficit público e dívidas internas e externas, sendo
que além do ingresso de desvios gera outros benefícios como, economia de escala com
sinergia em menor custo, dinâmica de mercado e extinção de oligopólios, garantindo
assim a estabilidade mundial. Para combater a inflação que se apresenta como um
empecilho ao desenvolvimento brasileiro deve-se cortar gastos estatais. A mudança
proposta por Roberto Campos na constituição de 1967 trocando as emissões de moedas
em títulos nada adiantou sem uma política de contenção de gastos. Pois a perpetuação
da inflação tem como consequencia o desemprego e paralisia de investimentos, piora na
distribuição de renda aos assalariados, estrangulamento cambial e inviabilização do
crescimento econômico sustentável.
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A PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS NO BRASIL: CRÍTICAS E
OBSTÁCULOS
Fábio Maia Ostermann1
Resumo: Este artigo tem por objeto a análise dos quatro aspectos principais sob os quais são são criticadas as
experiências de privatização de presídios no Brasil: jurídico, político, econômico e ético/simbólico. É
importante, desde já, conceituar-se esta expressão tão aberta a interpretações equivocadas. “Privatização de
presídios” é o nome popular pelo qual é conhecida a experiência de delegar atividades administrativas internas
das prisões a empresas privadas, permitindo diversos tipos de arranjos, expostos em capítulos seguintes. Não se
trata, portanto, de simplesmente leiloar a empresas o estabelecimento prisional com tudo aquilo que estiver nele
contido (inclusive os presos). A importância atual do tema deve-se ao fato de vivermos um momento carente de
reflexões acerca da forma como são tratados os seres humanos que vivem atrás das grades. Tal carência se traduz
na repetição de velhas fórmulas e práticas de gestão prisional que já nasceram obsoletas e na negligência quanto
às condições subumanas em que se encontram indivíduos que, muitas vezes, nem sequer foram condenados pela
prática de um crime.
Palavras-chave: Criminalidade. Presídios. Privatização
CRÍTICAS E OBSTÁCULOS À PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA EM
ATIVIDADES PENITENCIÁRIAS: ASPECTO JURÍDICO
Sob o aspecto jurídico encontra-se a principal crítica à participação da iniciativa
privada na execução penal. Alega-se que a presença de empresas na execução penal não
encontraria resguardo no ordenamento jurídico brasileiro por ser o poder jurisdicional do
Estado indisponível e indelegável.
Não há qualquer controvérsia quanto à indisponibilidade e indelegabilidade do poder
jurisdicional do Estado. O cerne da discórdia encontra-se, entretanto, na suposta inadequação
da participação de empresas privadas na execução penal face a este postulado.
Faz-se importante a diferenciação, na análise deste ponto, entre função jurisdicional e
administração penitenciária. Neste sentido, afirma D'Urso:
Não se está transferindo a função jurisdicional do Estado para o
empreendedor privado, que cuidará exclusivamente da função material da
1
Bacharel em Direito/UFRGS, Mestrando em Ciências Sociais/PUCRS.
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execução penal, vale dizer, o administrador particular será responsável pela
comida, pela limpeza, pelas roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por
serviços que são indispensáveis num presídio.
Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que,
por meio de seu órgão-juiz, determinará quando o homem poderá ser preso,
quanto tempo assim ficará, quando e como ocorrerá a punição e quando o
homem poderá sair da cadeia, numa preservação do poder de império do
Estado, que é o único legitimado para o uso da força, dentro da observância
da lei. (D'URSO, 1999, p. 75)
Também neste sentido se posiciona Mirabete. O emérito juspenalista separa as
atividades inerentes à execução penal, destacando as atividades administrativas em sentido
amplo. Estas podem ser classificadas em duas modalidades: atividades administrativas em
sentido estrito (judiciárias) e atividades de execução material. As primeiras, por óbvio, são
inafastáveis e indelegáveis pelo poder estatal, incumbindo aos órgãos da execução penal
elencados na LEP2. Já no que toca às atividades de execução material, poderiam ser atribuídas
a entidades privadas, conforme o autor (MIRABETE, 1993).
Não há, portanto, qualquer divergência quanto à inadequação legal da delegação do
poder jurisdicional à iniciativa privada. Ainda assim é importante ressaltar a completa falta de
impedimentos legais à participação de empresas privadas em atividades materiais essenciais
ao bom andamento e à qualidade da execução da pena.
Tanto na modalidade de terceirização – em prática já há mais de 10 anos no Brasil –,
quanto na modalidade de parceria público-privada – em andamento em Minas Gerais e
Pernambuco –, não há qualquer questionamento sobre a participação das empresas envolvidas
no poder jurisdicional e disciplinar (próprio do Estado). No modelo que vem sendo praticada
no Brasil, a empresa tem seu papel restrito ao estabelecido em contrato ou edital, sendo a
direção do estabelecimento penitenciário necessariamente uma função do Estado.
Além de não proibir a participação da iniciativa privada na execução penal, a LEP
ainda faz menção em seu artigo 4º à participação da comunidade na execução penal: “O
Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da
medida de segurança.”. Ter-se-ia que ir muito longe para se negar o fato de que empresas é
parte integrante da comunidade.
2
“Art. 61. São órgãos da execução penal: I - o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II o Juízo da Execução; III - o Ministério Público; IV - o Conselho Penitenciário; V - os Departamentos
Penitenciários; VI - o Patronato; VII - o Conselho da Comunidade.”
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Em um país onde a Constituição Federal de 1988 consagrou a noção de Estado
Provedor, não deixa de ser curiosa a presença de um dispositivo estabelecendo como um
dever do Estado recorrer ao auxílio da comunidade em uma prestação classicamente sua.
Talvez não por acaso, a única assistência a ser em geral assegurada ao preso no Brasil, esteja
ele nas maiores metrópoles ou nos rincões mais distantes, é a assistência religiosa prestada
pela comunidade, majoritariamente através das diversas confissões evangélicas presentes nas
prisões e pela Igreja Católica (que cumpre papel importante na denúncia da revoltante
realidade das prisões brasileiras através da Pastoral Carcerária).
Outro ponto polêmico diz respeito ao monopólio do uso da força por parte do Estado.
Segundo tal crítica, seria ilegal e antiético deixar indivíduos sob o poder coercitivo de outro
indivíduo ou empresa. Conforme Weber, “(...) é próprio de nossa época o não reconhecer, com
referência a qualquer outro grupo ou aos indivíduos, o direito de fazer uso da violência, a não
ser nos casos em que o Estado o tolere. Nesse caso, o Estado se transforma na única fonte do
'direito' à violência (WEBER, 2003, p. 60)”.
Aqui, o equívoco se encontra na confusão entre o uso do monopólio da força e o
exercício regular de direito. Como a própria assertiva de Weber deixa claro, não comportam
afronta ao monopólio estatal do uso da força as situações permitidas pelo Direito. Ao
cuidarem da segurança interna de uma penitenciária, os funcionários de uma empresa privada
estão apenas exercendo um direito que lhes foi outorgado pelo Estado, qual seja, a vigilância
sobre o cumprimento de pena por parte de indivíduos assim sentenciados.
No caso em análise, a empresa não tem qualquer autonomia para exercer o “direito à
violência” contra o preso, cabendo-lhe apenas a função de custódia do mesmo – sendo
punível o excesso doloso ou culposo. Diferente do que sugere CHIES (2000, p. 21), a
proposta de terceirização ou de PPP não representa, portanto, a “quebra do monopólio estatal
da atividade legítima de coerção física penal sobre o particular”.
ASPECTO POLÍTICO
Sob o aspecto político, o óbice mais comumente levantado é, nas palavras de Minhoto,
a possibilidade “de que os interesses privados das companhias passem a influir
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crescentemente na definição dos termos e na condução da política criminal” (MINHOTO,
2000, p. 89). Ou seja, com o surgimento de um mercado correcional haveria o incentivo para
que as empresas interessadas nos contratos públicos fizessem lobby para que mais prisões
fossem construídas, bem como para que as penas se tornassem mais rígidas, já que tais
medidas acabariam por aumentar o lucro das empresas.
Ocorre que tal argumento não é, na verdade, uma crítica à participação de empresas
privadas na gestão prisional, mas sim uma boa justificativa para reformas no nosso atual
sistema políticas, dentro qual grupos de interesses especiais (sindicatos, entidades
empresariais, “movimentos sociais” etc) se locupletam da res publica em nome de ganhos
privados. Faz-se necessária a existência de mecanismos de controle e transparência que
facilitem o acesso às informações referentes aos negócios de interesse público e aos seus
agentes, para que possa, de fato, existir um controle público sobre a classe política. Nesse
sentido, entidades como a Transparência Internacional e o website Contas Abertas3 devem ser
louvadas como sinal da iniciativa e capacidade de mobilização da sociedade civil. Desse
modo, se a população não desejar penas mais severas (o que não parece ser o caso), o maior
controle sobre a agenda política (criminal) tenderá a inviabilizar o lobby praticado pelas
empresas correcionais, ou ao menos diminuir drasticamente suas chances de êxito.
Ademais, este argumento ignora o fato de que servidores públicos também buscam
influenciar decisões políticas guiados por seus interesses privados – e o fazem com razoável
sucesso. Um exemplo claro da atuação dos sindicatos de funcionários públicos é trazido por
THOMAS (2003, p. 99). Em 2002, o então governador do estado americano da California,
Gray Davis, a despeito de séria crise financeira pela qual passava o Estado (déficit público de
cerca de US$24 bilhões), concedeu aos funcionários do sistema penitenciário um aumento de
37%, bem como diversos outros benefícios. Após isso, veio a ser reportado pela imprensa
local o curioso fato de que a California Correctional Peace Officers Association havia
contribuído com mais de US$500 mil para campanhas de Davis. Apenas no ano de 2000,
guardas de prisão doaram cerca de US$1,9 milhão para políticos, tanto Republicanos quanto
Democratas.
Ainda, no que diz respeito às relações entre Estado e Sociedade, FARIA (1992, p. 232)
3
Ver, respectivamente, www.transparencia.org.br e http://contasabertas.uol.com.br.
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se mostra reticente em relação ao potencial crescimento das empresas de segurança, como
resultado de uma maior abertura do mercado de serviços penitenciários. O autor atenta para o
perigo de termos um “exército” de funcionários de empresas de segurança privada maior do
que o próprio exército regular brasileiro. Ocorre que tal cenário já existe (o efetivo do exército
brasileiro é de pouco mais de 200 mil homens, enquanto o do “exército das empresas
privadas” é estimado em cerca de 1,148 milhão), e não há nenhuma possibilidade ou temor
das autoridades de segurança pública do país quanto a uma sublevação do “exército privado”
contra a ordem estatal constituída. Há, isso sim, constantes atentados contra a segurança
pública do país perpetrados por grupos criminosos organizados que se valem, justamente, da
falta de foco das autoridades no que diz respeito à segurança pública e administração
penitenciária (como o já citado caso do PCC e seus assemelhados regionais).
ASPECTO ECONÔMICO
O aspecto econômico da análise sobre as experiências de administração privada de
prisões é de grande importância. Trata-se, não obstante, de uma linha de análise bastante
abrangente e polêmica.
A Ciência Econômica tem contribuições importantes a fazer ao estudo do Direito e das
conseqüências das ações de seus operadores. A noção de eficiência (central ao debate
econômico) ainda é vista com certa desconfiança, até descaso, pelo Direito, essencialmente
normativista. O princípio da eficiência está consagrado no artigo 37, caput, da Constituição
Federal como postulado à atuação da Administração Pública. Logo, a gestão prisional deve
pautar-se também por este princípio.
Nesse ponto, nos interessa avaliar a privatização penitenciária sob o prisma da
eficiência. Para tanto, partiremos da idéia de que “mais eficiente” significa obter o máximo
possível do aproveitamento de recursos escassos (MANKIW, 2001, p. 5), ou seja, fazer mais
com menos.
A principal crítica no que tange ao aspecto econômico da privatização penitenciária
traz consigo certa desconfiança quanto à capacidade de uma empresa privada em
desempenhar suas atividades de maneira mais eficiente que o órgão público correspondente.
O argumento é de que a única maneira de uma empresa gerir os serviços penitenciários a um
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custo mais baixo que o do Estado seria prestando um serviço sensivelmente inferior em
termos de qualidade. Entretanto, diversos estudos empíricos comparando a eficiência entre o
setor público e o privado dão conta de que na grande maioria das vezes o setor privado leva
vantagem. Estudo realizado pela Reason Foundation traz uma compilação de 25 estudos
comparativos de custos entre os dois modelos de gestão prisional, realizados entre 1989 e
20004.
Infelizmente, no Brasil ainda se carece de estudos comparativos mais detalhados que
levem em consideração as diferenças e similaridades de práticas entre penitenciárias
administradas pelo Estado e por empresas.
De maneira geral, podem ser citadas três razões fundamentais para a presença de
maior eficiência na gestão de recursos por parte de uma administração privada do que de uma
administração estatal: não há na gestão privada os entraves burocráticos típicos da
administração pública (muitas vezes necessários à atuação transparente e isonômica da
administração pública, em nome de princípios de Direito Administrativo, como da legalidade,
publicidade, motivação, etc.); os administradores privados são sócios ou se reportam
diretamente aos donos das firmas, tendo a expectativa de auferir certo benefício profissional
com o aumento da eficiência; os empregados da empresa correcional têm maior oportunidade
de ascensão dentro da empresa (DONAHUE, 1992, p. 190).
A primeira razão é um tanto quanto óbvia, mas de difícil solução. De fato, os custos na
administração pública tendem a se elevar devido à própria forma organizacional burocrática
do Estado, como ente público, que requer para seus atos e iniciativas práticas uma série de
formalidades legais que, mesmo visando à regularidade e à idoneidade das ações da esfera
pública, restam por torná-lo menos eficiente no trato da questão, bem como redundando
maiores ônus ao erário do que os entes privados, que estão dispensados da série de
formalismos exigidos do Estado.
A segunda e a terceira razão remetem a uma questão econômica menos óbvia: a
presença de incentivos. Estando as empresas privadas submetidas a uma concorrência no
mercado, seus administradores conseguem, em geral, vislumbrar a relação de causa efeito
4
Disponível em <http://www.reason.org/corrections/faq_private_prisons.shtml>. Consultado em 26 de outubro
de 2008.
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referente à performance da empresa. Em caso de mau desempenho, as perdas da empresa
acabam refletindo em perdas para o próprio administrador (seja através da perda do seu
emprego ou perda do patrimônio investido). Existe, portanto, o incentivo para produzir um
melhor serviço por um custo mais baixo, já que a falência pune a ineficiência do setor
privado.
No setor público, por outro lado, a realidade é outra. De fato, performances fracas e
fracassos na obtenção de resultados são freqüentemente utilizados pelos gestores públicos
como um argumento para conseguir mais verbas para o seu objeto de gestão, ocasionando
mais e mais ineficiência (GWARTNEY; STROUP, 1998, p. 126).
Na Penitenciária Industrial de Joinville5, administrada pela empresa Montesinos,
percebe-se a presença de fortes incentivos à prestação de bons serviços ao Governo do Estado
de Santa Catarina, pois seus diretores sabem da forte oposição política à participação de
empresas nas penitenciárias. Além disso, a tendência é que cada vez mais empresas se
interessem por participar deste mercado, e essa competição tende a conduzir à melhora dos
serviços e à eliminação de práticas tidas como ineficientes (WILCOX, 1940) 6.
Na medida em que empresas privadas são pagas ou não de acordo com a qualidade da
prestação do seu serviço e contanto que cumpra o contrato (diferente de funcionários do
Estado), estas têm o incentivo para evitar práticas que violem direitos humanos dos presos.
Fato ilustrativo ocorreu no condado de Brazoria, no Texas. Em 1997, após o vazamento de um
vídeo em que agentes penitenciários da empresa Capital Correction Resources Inc. e do
Estado do Texas (administração compartilhada, dividida por alas) humilhavam e agrediam
detentos, o Estado do Missouri (que havia enviado uma parcela de seus detentos para
cumprirem pena no estado vizinho devido a problemas de superlotação em seu Estado)
rescindiu os contratos com a empresa, referente à penitenciária de Brazoria e mais duas outras
no Texas, no valor de US$ 1,8 milhão. O departamento correcional do Estado de Oklahoma
também cancelou seu contrato com a CCRI no condado de Limestone, também no Texas,
devido a casos semelhantes de abusos por parte de funcionários da empresa (GILLESPIE,
1997).
5
6
Caso analisado com maior profundidade em OSTERMANN, 2008.
Apud GWARTNEY & STROUP. O que todos deveriam..., p. 55.
27
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Como se vê, uma das diferenças fundamentais entre a gestão pública e a privada
encontra-se no fato de que a punição à má-prestação do serviço no mercado se dá de maneira
muito mais eficaz, fazendo com que aqueles que não atendem ao consumidor (no caso o
Estado) de maneira satisfatória sofram perdas financeiras.
De acordo com Charles Logan, "os controles econômicos [sobre as prisões
privatizadas] não excluem os controles políticos, mas possibilitam que ajustes mais rápidos e
melhores sejam operados” através da renegociação de contrato ou da simples rescisão. Nas
prisões privadas, continua Logan, “mecanismos de mercado no que tange à supervisão,
disciplina e responsabilização são acrescentados àqueles tradicionalmente ligados ao sistema
político e legal. A responsabilização econômica suplementa, mais do que conflita com, a
responsabilização política e legal (LOGAN, 1990)” 7. Não por acaso, a Capital Correction
Resources Inc. não mais administra prisões nos Estados Unidos.
Além disso, a existência de empresas atuando no mercado correcional traz consigo
diversos efeitos positivos, benéficos ao interesse público. O mais óbvio e direto deles é a
melhoria do gasto público (melhor serviço, com custo similar ou inferior). Outro efeito, talvez
não tão visível em um primeiro momento, se reflete nas inovações geradas pela competição
entre as empresas prestadoras de serviços penitenciários. Até mesmo a qualidade dos
estabelecimentos penais administrados integralmente pelo Estado é afetada: com a
comparação dos custos e das práticas destes dois modelos de gestão prisional, haveria um
maior incentivo para que a prisão estatal fosse gerida de maneira mais eficiente. Ademais, um
poderia se utilizar de experiências comprovadamente exitosas postas em prática pelo outro.
ASPECTO ÉTICO/SIMBÓLICO
As críticas elaboradas sob o aspecto ético tendem a se mostrar mais ligadas a
sentimentos subjetivos do que as anteriormente citadas (por serem de caráter mais técnico).
Como exemplo, citamos Araújo Jr., que expõe sua oposição à privatização de presídios
através do seguinte silogismo:
As empresas que desejam participar da administração penitenciária visam
obter lucros e retirar lucros da própria existência da criminalidade; logo, tais
empresas, que têm interesse em manter seus lucros, não irão lutar contra a
7
Apud GILLESPIE. Swift Justice...
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criminalidade (...) e se não têm tal interesse não devem administrar prisões
(ARAUJO JUNIOR, 1995: 20).
O autor afirma acertadamente que as empresas não irão lutar contra a criminalidade. E
nem deveriam, pois esta é uma função que cabe às polícias, e não à administração
penitenciária.
Inobstante a relevante influência da situação carcerária brasileira nas questões de
segurança pública (vide os altos índices de reincidência e o fenômeno dos PCCs), a finalidade
da administração penitenciária no Brasil deve ser, em primeiro lugar, agir conforme a lei,
respeitando os direitos do preso contidos na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal.
Em seu artigo 1º, a LEP estabelece que “A execução penal tem por objetivo efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado.“
Havendo um conjunto de leis a serem cumpridas e um contrato estabelecendo
penalidades e premiações à empresa conforme a qualidade do serviço prestado, está montado
o ambiente ideal para que a empresa, na busca pelo lucro, acabe beneficiando a todos, através
de uma administração penitenciária de melhor qualidade, que permita um cumprimento de
pena digno e, sobretudo, legal.
Ao dissertar sobre o princípio que dá origem à divisão do trabalho, Adam Smith
enuncia de maneira clara como a cooperação voluntária entre indivíduos
(bem como
empresas e Estados) com aptidões e interesses diversos acaba, mesmo que não
intencionalmente (como que “através de uma mão-invisível”, como afirma o autor mais
adiante), beneficiando a todos os envolvidos:
Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer – esse é
significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns
dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Não é da
benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos
nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.
Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes
falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão
para eles. (SMITH, 1983: 50)
No caso em questão, não importa qual a finalidade da empresa ao desempenhar as
atividades estabelecidas no contrato. Seja o simples lucro, seja a paz social, o que realmente
interessa é que o acordado seja cumprido e que cada um obtenha aquilo que busca – o Estado,
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uma melhor qualidade nos serviços prisionais; a empresa, o pagamento por seus serviços. A
participação de empresas privadas na administração penitenciária, como se vê, não é
intrinsecamente antiética, como defendem alguns de seus críticos.
Laurindo Dias Minhoto, sem dúvida o autor mais lido e citado no Brasil no que diz
respeito à privatização de presídios, traz ao debate o argumento “simbólico”, segundo o qual
com a existência de empresas na prestação de serviços penitenciários “a fonte pública da
autoridade, central à lógica das democracias modernas, é de alguma maneira economicizada”
(MINHOTO, 2000, p. 90). O fato de as empresas se utilizarem de câmeras para monitorar a
movimentação nos corredores da prisão, minimizando o contato dos guardas com os apenados
é visto pelo autor como um reforço a esse problema simbólico, representando a prisão
privatizada uma “reedição 'high tech' do Panopticon” (MINHOTO, 2000, p. 90).
Ocorre que é justamente este tipo de prática (dentre outras tidas como economicistas8)
que permite à empresa ter uma estrutura enxuta e ao mesmo tempo manter o controle sobre a
segurança na instituição penal (normalmente “por um fio”, em instituições controladas pelo
Estado, como é o caso do Presídio Central de Porto Alegre). Além disso, o distanciamento
entre guardas e detentos, diminui a possibilidade de corrupção, aumenta a segurança dos
próprios guardas e diminui sensivelmente os casos de abuso de autoridade, já que os guardas
também se encontram sob vigilância.
Ainda segundo Minhoto, a utilização de jargões empresariais como “residentes”, para
se referir aos presos, e “supervisores de residentes”, designando os guardas, é altamente
nociva à idéia de autoridade pública. Tal linguagem (um tanto destoante da linguagem nas
prisões brasileiras, onde os termos usuais são “interno” e “agente de segurança”), longe de
alcançar o nefasto objetivo imaginado pelo autor, tem como resultado a diminuição do pesado
estigma existente tanto sobre o “preso”, quanto sobre o “agente carcerário”.
Outra crítica neste mesmo sentido foi feita pela American Bar Association, a entidade
correspondente à OAB, nos EUA:
Quando entra em julgamento da culpa e impõe uma sentença, um tribunal
exerce sua autoridade tanto real quanto simbolicamente. Entretanto, sua
8
Mais sobre esta crítica em COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do discurso economicista no
direito criminal de hoje. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, v. 31, p. 37-49, 1999.
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autoridade fica enfraquecida, bem como a integridade do sistema de justiça,
quando um prisioneiro olha para o uniforme do seu guarda e, em vez de
encontrar um emblema em que lê: “Federal Bureau of Prisons” ou “State
Department of Corrections”, ele vê um que diz “Acme Corrections
Company”?9
Parece pouco provável que a cor do uniforme vestido pelo agente de segurança ou o
emblema nele contido façam alguma diferença para o apenado. A diferença está entre cumprir
pena em um local insalubre, sem oportunidades de estudo e trabalho, sem condições mínimas
de manutenção ou recuperação da dignidade inerente a todo ser humano ou em outro que
represente o oposto disto. Comparações dos índices de morte, doenças e rebeliões entre os
dois modelos de prisão podem ser ilustrativos nesse sentido. Ademais, a autoridade do sistema
penal tende a sair especialmente enfraquecida em situações como as encontradas nas prisões
brasileiras, em que indivíduos sujeitos de direitos são tratados como lixo.
CONCLUSÃO
Ao longo da história sempre houve a necessidade de se punir de alguma maneira
condutas tidas como indesejáveis. Como decorrência desta necessidade histórica, a prisão
acabou por se desenvolver como uma instituição em permanente construção e avaliação –
como toda instituição deveria ser, aliás. Ao analisar-se a questão penitenciária, não se deve,
desta maneira, partir da premissa de que as prisões chegaram a determinado estágio de
desenvolvimento institucional a partir do qual certos paradigmas não devem ser questionados.
Conforme demonstrado neste trabalho, o paradigma da gestão estatal das penitenciárias pode
e deve ser questionado.
É tempo, portanto, de repensar novas formas de atuação face ao problema.
Experiências exitosas postas em prática Brasil afora devem ser estudadas e levadas em
consideração. O Estado deve conduzir a política penitenciária com inteligência, sem deixar
que preconceitos ideológicos descartem a priori algo que vem trazendo mudanças
significativas no modo como se vê a administração penitenciária no Brasil.
É claro que a Parceria Público-Privada e o regime de terceirização têm suas
fragilidades. É justamente por isso que a sociedade e o Poder Público devem estar atentos
para que as disposições contratuais sejam estabelecidas de maneira clara, elencando as metas
9
AMERICAN BAR ASSOCIATION REPORT in DONAHUE. Privatização..., p. 184.
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a serem cumpridas bem como as obrigações das partes, fiscalizando de perto e zelando pelo
seu cumprimento.
Seria temerário, portanto, afirmar que o fornecimento privado de serviços
penitenciários é um remédio universal para todos os problemas encontrados nas prisões.
Pode, não obstante, colaborar com a solução dos problemas causados pelo descaso histórico
com que os estabelecimentos prisionais vêm sendo tratados. Tal atitude tem se mostrado cada
vez mais insustentável – e os “clientes assíduos” do sistema penal teimam em seguir nos
lembrando deste fato.
É necessário, também, o aprofundamento de estudos que dêem conta de comparações
entre as prisões geridas pelo Estado e por empresas no que tange aos custos e à qualidade do
serviço prestado. Desta maneira, contratos poderão ser redigidos conforme parâmetros
razoáveis de qualidade e preço, possibilitando uma maior eficiência do gasto público.
Deve ser estudada, ainda, a ampliação das experiências de co-gestão e PPP com
relação a outra atividade de importância fundamental ao sistema penal e à segurança pública:
a assistência ao egresso da sistema penitenciário, garantida pelo artigo 10, parágrafo único, da
LEP. A omissão estatal no cumprimento deste dever é um dos fatores que explicam os altos
índices de reincidência criminal no país.
A forma como é utilizada a intervenção penal no Brasil deve, também, ser objeto de
reflexão. A pena privativa de liberdade quando aplicada a indivíduos que não apresentam
ameça concreta à sociedade (especialmente no caso dos chamados “crimes sem vítimas”)
acaba sendo, além de uma punição desproporcional ao infrator pelo delito cometido, uma dura
punição ao contribuinte. Primeiro, porque se mantém na prisão a um custo alto um infrator
que não representa perigo real à sociedade. Segundo, o que talvez seja ainda pior, o
contribuinte paga para que estas pessoas saiam de lá piores do que entraram, podendo vir a
cometer crimes muito mais graves, devido às condições física e moralmente degradantes
existentes nas prisões.
A situação atual é insustentável. Em face disso, a Academia e a sociedade civil têm
importante papel a cumprir na promoção e na viabilização de alternativas como a apresentada
neste trabalho.
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O COTIDIANO CUBANO VISTO SOB DUAS ÓTICAS - ANÁLISE DO JORNAL
GRANMA E DO BLOG GENERACIÓN Y
Julia Gus Brofman1
Resumo: O tratamento que o jornal Granma e o blog Generación Y dão a notícias sobre o cotidiano cubano é o
ponto central deste trabalho. Através da análise de conteúdo de cinco matérias sobre assuntos similares entre os dois
veículos, se busca visualizar como um informativo oficial e um clandestino apresentam interpretações distintas. O
estudo está acompanhado de uma contextualização da situação política e midiática em Cuba. Foi possível constatar
que os objetos de análise são jornalisticamente parciais e que os fatos assumem perspectivas diferentes se referidos
por cada um dos veículos informativos. Ressaltando, assim, a importância de uma imprensa livre, da liberdade de
expressão e, sobretudo, do direito da sociedade à informação.
Palavras-chave: Jornal Granma. Blog Generación Y. Liberdade de imprensa. Parcialidade
Este artigo surge a partir do trabalho de conclusão de curso em jornalismo, realizado no
segundo semestre de 2010 e que foi avaliado com nota máxima.
A monografia, também
intitulada “O cotidiano cubano visto sob duas óticas - análise do jornal Granma e do blog
Generación Y”, teve como principal objetivo observar os diferentes tratamentos dados pelo
jornal e pelo blog aos acontecimentos dentro de Cuba.
Em uma situação de supressão de liberdade de imprensa, onde apenas veículos
vinculados ao Partido Comunista Cubano (PCC) são permitidos, é interessante observar as
contradições existentes entre os noticiários oficiais e aqueles considerados ilegais. Botín (2009),
durante os anos em que passou como correspondente internacional de um jornal espanhol dentro
de Cuba, descreveu as condições de imprensa cubana como uma “aniquiladora máquina de
censura”, na qual todos os jornalistas estão tão treinados a cumprir, de modo servil, as condições
impostas pelo sistema (BOTÍN, 2009, p. 293)2.
É neste contexto que algumas mídias surgem como fontes alternativas. O Generación Y
1
2
Bacharel em jornalismo pela PUCRS em 2010. Email:.
Tradução livre da autora.
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não é o único blog dissidente cubano e não é apenas em países com liberdade de impressa
limitada que eles existem. Porém, a sua escolha como objeto de estudo tem como justificativa a
projeção internacional que obteve. Em 2009, foi citado no prêmio da revista Times americana
como um dos 25 melhores blogs do mundo. No mesmo ano, a sua autora, Yoani Sánchez, entrou
para a lista das 100 pessoas mais influentes do planeta, em classificação organizada pela revista
Times juntamente com a CNN.
Através do comparativo da análise de duas fontes de notícias sobre Cuba – uma relatando
a versão oficial e a outra funcionando na clandestinidade –, imaginei que teria um resultado claro
de que um fato pode assumir duas ou mais versões. A metodologia escolhida foi a análise de
conteúdo de Bardin (1977), aplicada à investigação dos textos do site do jornal Granma e do
blog Generación Y.
Depois de definida a metodologia, surgiu uma dúvida: seria possível analisar e comparar
dois elementos distintos? O Granma é um veículo que lida com o jornalismo informativo,
enquanto o blog pode ser caracterizado como jornalismo opinativo. Esta não é uma situação
ideal, conforme descrito por Bardin (1977), porém, dentro dos objetivos propostos de observar o
tratamento dado pela imprensa governamental e a dissidente sobre o cotidiano na ilha, é a única
solução. Como não existe um jornal cubano que não seja filiado ao Partido Comunista Cubano
(PCC) e somente se tem informações extra-oficiais através de meios alternativos, o estudo
precisou ser feito baseado nestes dois elementos.
CUBA PÓS FIDEL CASTRO
Em 31 de julho de 2006, Raúl Castro assumiu provisoriamente o comando do país, após
47 anos de poder do seu irmão, devido a um problema intestinal sofrido por Fidel que o deixou
com a saúde debilitada. O líder cubano era presidente do Conselho de Estado e do Conselho de
Ministros, primeiro-secretário do Partido Comunista, chefe supremo das Forças Armadas e
comandante chefe da Revolução. Raúl Castro era primeiro vice-presidente de ambos os
conselhos, segundo secretário do partido, ministro das Forças Armadas e o único em Cuba com
categoria de general de Exército (FOLHA ONLINE, 2008c).
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Durante o governo interino de Raúl, embora Fidel estivesse convalescente, “sem a
aprovação do irmão mais velho poucos assuntos vitais seguiam em frente e seus vetos ainda
eram inapeláveis” (FOLHA ONLINE, 2008d). Em fevereiro de 2008, depois de um ano e sete
meses afastado da presidência, Fidel Castro renunciou. Aos 81 anos de idade, disse que não
aceitaria cumprir um novo mandato da Presidência. A renúncia abriu caminho para que seu
irmão, Raúl Castro, assumisse definitivamente o cargo que já ocupava como interino.
38
MÍDIA EM CUBA
Cuba é o único país no continente americano que não tolera uma imprensa independente
fora do controle rígido do Estado, conforme consta no relatório do Repórteres Sem Fronteiras
(2010)3. Os meios oficiais têm o encargo de difundir a propaganda governamental. Os jornalistas
dissidentes, consequentemente, trabalham na clandestinidade e necessitam de ajuda externa para
publicar, principalmente através de sites organizados pela comunidade cubana em Miami, o que
não podem dizer aos outros cidadãos de Cuba (REPORTERS, 2010).
A constituição do país determina que as liberdades civis, legalmente reconhecidas,
podem ser negadas a quem se opõe à "decisão do povo cubano de construir o socialismo"
(BOTÍN, 2009, p. 296). Os cidadãos podem ser – e muitos já foram – presos por três anos ou
mais simplesmente por criticar o regime comunista ou Fidel Castro. De acordo com Botín (2009,
p. 300),
Em Cuba pode-se prender qualquer pessoa sem motivo, sem que exista sequer uma
tendência especial para o delito. Os cubanos não precisam do ‘aval’ de uma sentença
judiciária para ir para a prisão, basta que as autoridades decidam sozinhas.
A economia do país também é controlada pelo Estado, e o Governo adere aos princípios
socialistas para a organização econômica da ilha. Segundo estatísticas do governo cubano (U.S.,
2010)4, cerca de 83% da força de trabalho é empregada pelo Estado.
Raúl Castro prometeu "eliminar proibições na ilha. Em março de 2008, Castro liberou a
3
REPORTERS Without Borders USA. For Press Freedom. Disponível em:
<http://en.rsf.org/report-cuba,174.html>. Acesso em: 7 out. 2010.
4
Dados da Oficina Nacional de Estadísticas citados no site do governo americano. Disponível em:
<http://www.state.gov/r/pa/ei/bgn/2886.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.
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venda de computadores pessoais e aparelhos de DVD em Cuba. O comércio de telefones
celulares e televisores para os cidadãos comuns também foi liberado. Ainda assim, a Sociedade
Interamericana da Imprensa (SIP) (2008 citada por BOTÍN, 2009, p. 298), no seu informe anual,
assinalou que:
Um mês depois que Raúl Castro assumiu o poder em Cuba prevalece no jornalismo a
mesma situação de estancamento, controle da informação e repressão contra a imprensa
independente. A violência do governo contra os jornalistas independentes não cedeu.
Atos de coação contra a prática informativa que incluem multas, registros, apreensão de
dinheiro e objetos pessoais, detenções preventivas, limitação de circulação no país,
ameaças de morte, assédio e represálias contra seus familiares são praticados pelo
governo.
Os meios de comunicação cubanos, como a maioria dos órgãos do país, são
regulamentados pelo governo. Sendo assim, todos aqueles que não divulgam a versão oficial do
que acontece dentro e fora do país são banidos desta dita mídia. Conforme o Comitê para a
Proteção dos Jornalistas5 (2008), a informação é filtrada e manipulada. Desta forma, na visão de
Ruiz (2003), o governo por impor uma opinião pública pré-fabricada.
A principal arma de defesa de qualquer ditadura é a mentira. Fidel insiste que o
embargo econômico impede o desenvolvimento econômico de Cuba; que toda a
população o apoia e que isso se demonstra com as votações massivas e também que no
país existe uma igualdade social (2003, p.24).
O autor afirma ainda que estas “mentiras estruturais” são repetidas por todo o sistema de
poder cubano (RUIZ, 2003).
O governo impõe limitações severas à liberdade de expressão e de imprensa, como foi
observado por organizações não-governamentais (ONGs), como a Repórteres Sem Fronteiras. A
constituição prevê a liberdade de expressão e de imprensa na medida em que vê os discursos "em
conformidade com os objetivos de uma sociedade socialista" (U.S., 2010)
O país ainda está entre os que possuem os menores níveis de penetração de telefonia
móvel e internet na América Latina e entre os cinco mais baixos em termos de concentração de
5
Comitê para a Proteção dos Jornalistas (Committee to Protect Journalists) é uma organização independente, sem
fins lucrativos, fundada em 1981. Promove a liberdade de imprensa em todo o mundo, defendendo os direitos dos
jornalistas de relatar as notícias sem medo de represálias.
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linhas fixas (BUDDECOMM, 2010)6. Desde 2003, o país investiu mais de 150 milhões de pesos
cubanos no desenvolvimento da indústria de telefone celular. 23 cidades cubanas ainda não têm
serviço de telefonia móvel. Em 2009, o número de celulares para cada 100 habitantes era de 2,9,
um dos índices mais baixos do mundo (ITU, 2010) 7.
Os meios de comunicação operam sob a supervisão do Departamento de Orientação
Revolucionária do Partido Comunista, que desenvolve e coordena as estratégias de propaganda.
O Comitê de Proteção dos Jornalistas listou que Cuba é o segundo país no mundo onde há maior
número de prisões de jornalistas, perdendo apenas para a China. Aqueles que tentam trabalhar
como jornalistas independentes são perseguidos, detidos, ameaçados de processo judicial ou
prisão ou impedidos de viajar (COMMITTEE, 2010).
INTERNET
A Internet é de acesso restrito aos cubanos. Cerca de 14% da população do país está
online, ou seja, apenas 0,02 em cada 100 habitantes são assinantes de internet banda larga. Entre
100 pessoas, apenas 5,62 tem um computador pessoal (INTERNET WORLD STATS, 2010)8. O
preço médio de acesso à Internet durante 1 hora nos cybercafés é de US$ 1,63 para a internet
nacional e de US$ 5,40 a US$ 6,80 para acesso à rede internacional. Levando em consideração
que os salários giram em torno de US$ 20,48 por mês, o acesso a web é realmente difícil
(REPORTERS, 2010) 9.
Devido a este conjunto de fatores, a situação da liberdade de imprensa no país é
caracterizada como "desastrosa". Considerado pelo site Repórteres sem Fronteiras um dos países
mais atrasados da Internet, o cerne do meio em Cuba é o portal CubaWeb (www.cubaweb.cu),
um grande diretório de sites governamentais controlados pelo Estado.
6
Buddecomm é uma empresa independente de pesquisa e consultoria na área das telecomunicações. Disponível em:
<http://www.budde.com.au/Research/Cuba-Telecoms-Mobile-and-Broadband.html> Acesso em: 26 set. 2010.
7
Dados da União Internacional de Telecomunicações (ITU). Disponível em: <http://www.itu.int/ITUD/ict/newslog/Cell+Phone+Subscribers+In+Cuba+To+Top+1+Mn+By+Years+End.aspx> Acesso em: 26 set. 2010.
8
Disponível em: <http://www.internetworldstats.com/stats2.htm> Acesso em: 26 set. 2010.
9
Disponível em: <http://en.rsf.org/internet-enemie-cuba,36678.html> Acesso em: 7 out. 2010.
40
Revista Estudos pela Liberdade. Número 1. Ano 1. Abril de 2011
Disponível em: http://www.estudantespelaliberdade.com.br/index.php/estudos-pela-liberdade/apresentacao
Raúl Castro está iniciando um processo de "abertura" do país em alguns aspectos, e esta
política mais liberal se reflete também nos meios de comunicação. Apesar do acesso
generalizado à Internet ainda ser proibido, algumas medidas adotadas pelo governo indicam um
possível processo de mudanças. Logo depois que Fidel se aposentou, uma série de produtos
eletrônicos entrou na lista de produtos legalmente acessíveis, incluindo computadores pessoais.
(BUDDECOMM, 2010).
IMPRENSA ALTERNATIVA
Em qualquer estudo sobre a imprensa cubana, o aspecto relacionado à censura que mais
chama a atenção é o tratamento dado pelas autoridades aos que tentam criar uma imprensa
independente. Apenas aos jornalistas membros da Unión de Periodistas de Cuba (UPEC) são
permitidos credenciamento para exercer atividades em Cuba. A UPEC não funciona como uma
organização de imprensa em um país livre, mas serve como uma extensão do governo,
auxiliando no seu controle e aprovação prévia da informação que pode ser publicada na
imprensa. Em 1997, uma publicação do Partido Comunista declarou abertamente que a UPEC
serve como um órgão ideológico do partido, acusado de difundir os pensamentos da revolução
(PRESS REFERENCE, 2010).
No entanto, nem todos os jornalistas pertencem à UPEC. Na realidade, existem várias
organizações independentes, apesar de serem proibidas pelo governo. Esses grupos são formados
tipicamente por jornalistas dissidentes e opositores do regime, indispostos a se submeterem ao
controle do governo. Em muitos casos, o governo retirou ainda o registro de jornalistas
envolvidos com esses grupos não oficiais (PRESS REFERENCE, 2010).
JORNAL GRANMA
O Granma é o principal jornal do país, tem a maior circulação e é o diário oficial do
Partido Comunista Cubano. Foi fundado em 4 de outubro de 1965 por Fidel Castro para ser "a
voz da Revolução". Na prática, o jornal é um instrumento de propaganda do regime comunista da
ilha (REPORTERS, 2010). Além da edição impressa que circula seis dias por semana (exceto
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Disponível em: http://www.estudantespelaliberdade.com.br/index.php/estudos-pela-liberdade/apresentacao
domingo) dentro de Cuba, existe também o site, que publica basicamente o conteúdo da edição
do dia, e o Granma Internacional, versão voltada para leitores de fora do país. É editada
semanalmente e tem tradução para o inglês, português, alemão, italiano e francês.
De acordo com Green (1987), um leitor diário do Granma notaria algumas tendências do
partido como o apoio aos Sandinistas na Nicarágua, a ligação entre Castro e os rebeldes em El
Salvador, o seu ódio ao Estado de Israel, a fidelidade à União Soviética e aos países comunistas
do leste europeu e a simpatia pela Aliança Nacional Libertadora da Palestina. Em contrapartida,
fatos como execuções políticas no país, prisões de dissidentes do regime e a situação pessimista
da economia cubana nunca seriam noticiados.
O jornal, por sua vez, se defende das críticas que recebe quanto à falta de imparcialidade
a respeito do regime Castrista:
Devemos acaso criticar o fabuloso programa de justiça social da Revolução que tem
prestado cada vez mais assistência aos cubanos, ou tem se destinado a converter esta
nação em uma das mais cultas do planeta? Às marcantes conquistas científicas e
esportivas que temos? (GRANMA citado por BOTÌN, 2009, p. 292)10.
BLOG GENERACIÓN Y
Generación Y é um blog sobre o cotidiano em Cuba vivido por quem não concorda com o
regime comunista que funciona na ilha. A autora, Yoani Sánchez, é formada em Filologia
Hispânica e especialista em literatura contemporânea latino-americana. Inconformada com os
salários distribuídos pelo governo, ela foi trabalhar, ilegalmente, como professora de espanhol
para turistas. Segundo Sánchez (2010a) 11, “era um momento (que continua até hoje) em que
engenheiros preferiam dirigir táxis, professores faziam até o impossível para trabalhar em um
hotel e nas lojas poderias ser atendido por um neurocirurgião ou um físico nuclear”.
10
Tradução livre da autora.
Disponível em:<http://www.desdecuba.com/generaciony/?page_id=184>. Acesso em: 16 set. 2010. Tradução
Livre da autora.
11
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Ainda sem um salário suficiente para abastecer a sua família, em 2002 imigrou para a
Suíça, onde ficou durante dois anos, e, depois, retornou a Cuba. "Faz tempo que aprendi que a
vida para mim não está em outro lugar a não ser em Cuba. Para o meu país eu voltarei sempre”
(SÁNCHEZ, 2009, apud TEIXEIRA, 2009). Neste momento, começa a se envolver com o
jornalismo. Participou da fundação de uma revista de debates e reflexões, a Consenso, e, três
anos depois, inicia a participação no portal de jornalismo cidadão Desde Cuba, onde está linkado
o blog Generación Y.
43
Hoje o blog é traduzido para 17 idiomas e possui mais de 14 milhões de acessos por mês.
A Time Magazine incluiu o Generación Y entre os 25 melhores blogs do ano em 2009 e a
bloggeira foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes no mundo, na categoria "heróis e
pioneiros", pela mesma revista (SÁNCHEZ, 2010b).
Generación Y é uma expressão utilizada pela autora do blog para caracterizar uma
geração de cubanos que nasceu nos anos 70 e 80 e que se encontra encerrada numa utopia do
socialismo na qual não acreditam.
Yoani sofre pressões e repressões por se manifestar contra o governo cubano e por ser
lida por tantas pessoas. Conquistou a atenção internacional ao tentar ilustrar uma realidade
diferente daquela mostrada pelos veículos de comunicação oficiais. Em março de 2008 o
governo cubano bloqueou o acesso ao blog a partir da rede de internet dentro da ilha. Desde
então, ela conta com a ajuda de pessoas que vivem fora de Cuba para postar os seus textos.
Conforme consta no relatório sobre Cuba da organização Repórteres Sem Fronteiras (2010),
Yoani tem sido atormentada por uma campanha de difamação dentro do país. Acusada de
mercenária e de servir ao poder estrangeiro, a mídia estatal tenta desacreditar seu nome.
METODOLOGIA
A análise do objeto de pesquisa foi elaborada com o emprego da técnica de análise de
conteúdo, desenvolvida de forma a instrumentalizar o estudo das comunicações. Este método
tem um campo de aplicação extremamente vasto, uma vez que qualquer comunicação tem a
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possibilidade de ser decifrada (BARDIN, 1977).
Esta metodologia pode ser aplicada por meio de diferentes abordagens, mas, em linhas
gerais, consiste em uma técnica de pesquisa que busca descrever e interpretar o conteúdo de toda
a classe de documentos e textos. De acordo com Bardin (1988), a partir dos resultados da análise
é possível verificar se aquilo que o pesquisador julga ver na mensagem está efetivamente contido
nela. Para este trabalho foi utilizado a proposta de Bardin que define a análise de conteúdo como:
44
um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (1977, p.42).
Sendo assim, o analista tira partido do tratamento das mensagens que manipula para
inferir conhecimentos sobre o emissor da mensagem e o seu meio.
O método escolhido para esta pesquisa, portanto, é o qualitativo, tendo em vista que o
objeto constitui-se de um corpus reduzido e que o objetivo não é descobrir a frequência de certos
elementos, mas a sua presença ou ausência.
Por se tratar de um método muito empírico, não existem fórmulas prontas em análise de
conteúdo, mas, sim, algumas regras de base. Conforme Bardin (1977), os princípios a serem
seguidos são os seguintes:
- Exaustividade: não se pode deixar de fora qualquer um dos elementos.
- Representatividade: a análise pode ser feita através de uma amostra, desde que o material a
isso se preste, sendo uma parte representativa do universo total.
- Homogeneidade: os documentos que constituem o objeto de estudo devem obedecer a critérios
precisos de escolha e não se distanciarem demasiadamente dos mesmos.
- Pertinência: a escolha da amostragem deve ser adequada enquanto fonte de informação, de
modo a corresponder ao objetivo inicial da apreciação.
Sendo assim, o estudo aparece como um conjunto de técnicas que utilizam procedimentos
sistemáticos e objetivos na descrição do conteúdo das mensagens. Uma análise objetiva tem
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como finalidade fundamentar impressões e juízos intuitivos. Porém, os resultados obtidos não
podem ser tomados como prova inelutável, e sim como indicativos de alguns valores de
referência e modelos de comportamento presentes no discurso. A análise foi constituída de três
etapas: a pré-análise, a exploração do material e, por fim, a interpretação dos resultados.
O objetivo foi dissecar os textos para saber como cada veículo – Jornal Granma e o blog
Generación Y – retrata acontecimentos dentro de Cuba. Para que o resultado fosse o mais fiel
possível, a apreciação foi realizada a partir de acontecimentos noticiados nos dois informativos.
Sendo assim, foram escolhidos cinco acontecimentos, julgados relevantes pela autora deste
artigo, ocorridos durante o ano de 2010. Estes são fruto do acompanhamento do blog e do site do
jornal no período compreendido entres os meses de maio e outubro do mesmo ano.
As notícias analisadas abordavam os seguintes temas: O Dia Internacional do
Trabalhador, comemorado em 1º de maio; A visita à Cuba do Chanceler espanhol Miguel Ángel
Moratinos; A greve de fome do cubano Guillermo Fariñas; A comemoração ao feriado nacional
de 26 de Julho; A repercussão na mídia de uma entrevista de Fidel Castro ao jornalista americano
Jeffrey Goldberg.
Bardin (1988) sugere a utilização de categorias para obter resultados mais claros.
Primeiramente, foi realizado o estudo do blog Generación Y por meio do exame de cinco textos e
a sua análise de acordo com as categorias propostas. Em um segundo momento, estes
procedimentos foram aplicados ao material proveniente do site do jornal Granma. Os resultados
foram expostos de forma que fosse possível comparar a abordagem de cada um dos veículos
sobre o mesmo acontecimento.
Para tanto, foram adotadas as seguintes categorias de análise das amostras:
Título: Aqui é relacionado o título dado para o texto no vernáculo em que foi escrito e também a
tradução para a língua portuguesa.
Assunto: Foi assinalado qual é o fato noticioso e qual o ponto principal discutido em cada
matéria selecionada como amostra.
Data: Nesta categoria foi registrada a data de publicação dos textos para visualizar a
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imediaticidade em que cada veículo publicou a notícia.
Informação: Esta categoria é dedicada a verificar quais são os fatos relatados nos textos a serem
estudados.
Opinião: Aqui se registram as opiniões expressas no material de amostra.
RESULTADOS
Identificar as posições assumidas em relação ao governo cubano por cada um dos
veículos analisados foi a questão motivadora deste trabalho. Partiu-se do pressuposto de que o
conteúdo do jornal Granma fosse apelativo ao regime comunista e ao governo cubano, e que
Yoani Sánchez, através do blog Generación Y, expressasse verdades ocultas sobre as condições
de vida no país. Depois de concluído o estudo, foi possível verificar que o pensamento inicial
não é uma verdade absoluta. Os resultados atingidos indicam a importância do conhecimento e
de uma imprensa imparcial para a criação de julgamentos que sejam os mais próximos possíveis
da realidade.
A metodologia escolhida de análise de conteúdo, conforme preceitos de Bardin (1988),
propôs que o estudo fosse feito por meio da categorização do material. As inferências foram
obtidas depois da análise de uma amostra de cinco matérias do jornal Granma e cinco do blog
Generación Y que abordassem os mesmos temas. Vale ressaltar que as conclusões estão
condicionadas às qualidades e às imperfeições da amostra.
A pesquisa realizada permitiu concluir que o jornal Granma, de fato, assume a posição de
meio de comunicação oficial do Partido Comunista Cubano e dá um tratamento parcial às
notícias, tendendo sempre para o lado favorável ao governo. Da mesma forma, o blog
Generación Y – que também declara ter um posicionamento, só que contrário ao regime
instituído no país –, deixa transparecer sua opinião e pode ser qualificado como um meio de
jornalismo opinativo. O Granma, embora não seja fiel aos princípios de imparcialidade, possui
um texto mais jornalístico e informativo.
A leitura do Granma constrói uma visão erronia sobre Cuba. Por meio dela, pode-se
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acreditar que as condições do país e de sua população são excelentes.
Os textos trazem
exaltações aos feitos do governo, como a qualidade dos serviços de saúde gratuitos aos cubanos,
expostos na matéria sobre Guillermo Fariñas, ou ainda as grandes massas presentes nas
comemorações do Dia do Trabalhador e do Dia 26 de Julio, resultado da satisfação do povo com
os seus governantes, que forma suas opiniões baseadas nas publicações do jornal.
Outra questão perceptível é o tratamento dado a fatos desfavoráveis ao governo: eles
simplesmente não são noticiados. Uma vez que não existem outros meios para a sociedade obter
informações, para eles, só existiu, só aconteceu o que foi noticiado pelos veículos de
comunicação oficiais, todos reproduzindo a mesma versão, também oficial. Como é colocado por
Ruiz (2003, p. 73), “a educação, a cultura e os meios oficias propõem apenas um mundo
possível; fechado e hermético”.
Essa condição justifica o interesse vital em manter uma imprensa fechada e uma
repressão constante àqueles que, como Yoani, introduzem novas informações para a população.
Na notícia do Granma sobre a visita do Ministro de Relações Exteriores da Espanha, Miguel
Ángel Moratinos, que resultou no acordo de libertação de 52 presos políticos, nada foi dito a
respeito. Não é de interesse do governo cubano, primeiro, que a população saiba oficialmente
que existem presos políticos e, segundo, que o restante do mundo exerce pressões para que a
libertação ocorra e se torne contrário à atitude do PCC. Parece, portanto, que há um esforço para
que fontes não oficiais de informação não tenham voz.
A autora do blog Generación Y também tem as suas artimanhas para retratar outra versão
da realidade, embora seja importante ressaltar que ela não se propõe a ser um meio informativo e
imparcial - Yoani Sánchez é uma comentarista. A plataforma utilizada por ela, o blog, não
exige que as publicações sejam diárias e nem os conteúdos extensos como os postados no site do
jornal Granma. O primeiro indicativo de parcialidade é a seleção de fatos que ela noticia: eles
vão de acordo com o seu interesse. Se Yoani tem a intenção de ‘desmascarar’ o governo cubano,
vai escrever sobre aspectos negativos da administração. Um segundo ponto a ser considerado é
que o conteúdo do seu blog é bastante opinativo. Existe a apresentação de dados, números,
informações, mas em cima deles há uma grande carga de opinião.
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E são muitas as interpretações feitas por Yoani Sánchez. Na matéria sobre a
comemoração realizada no dia 26 de julho, ela caracteriza a ausência de discurso de Raúl Castro
como um silêncio oportuno, já que em vezes passadas a sua fala foi mais prejudicial do que
favorável à imagem do governo. Ela ainda interpreta que o silêncio significa que Raúl não está
de acordo com as pequenas transformações que o país tem passado e que ele espera que isso seja
apenas uma crise momentânea. As ‘pequenas transformações’ às quais ela se refere são atitudes
mais liberais que ele tomou após assumir a presidência, como por exemplo, a legalização do
aparelho celular (embora os custos do serviço ainda façam com que a utilização do telefone
móvel seja bastante limitada).
Existe esta contradição nas decisões do governo cubano e nos textos publicados pelos
meios de comunicação: a mídia oficial, o Granma, tira proveito dos aspectos positivos, nesse
caso a liberação do telefone celular, e foca nele suas matérias. Em contrapartida, o blog retrata
que o uso da telefonia móvel é impossível, pois o governo estabelece preços abusivos para que a
população não possa telefonar. O leitor deve, então, perceber essas forças contrárias e tentar
estabelecer um meio termo entre o positivo e o negativo apresentado.
No entanto, quem vive em Cuba não tem essa opção. Para eles, não é possível acessar o
blog Generación Y ou outros que também desviam das versões oficiais. A situação da liberdade
de imprensa em Cuba é considerada ‘desastrosa’ pela organização Repórteres Sem Fronteiras
(2010). A internet possibilitou que novas vozes tivessem um espaço para se manifestar, mas os
bloqueios e censuras impostos pelo governo as impedem de serem ouvidas. O resultado é que a
grande maioria destes endereços eletrônicos não consegue ter uma penetração significativa no
país e, portanto, não chega até os cubanos.
Em contrapartida, a abrangência alcançada internacionalmente é inegável. Dessa forma,
as controvérsias que antes permaneciam isoladas, hoje são expostas e circulam pelo mundo. A
atenção que a mídia alternativa cubana recebe de outros países cresce a cada dia. E os governos
estrangeiros, sensibilizados, exercem pressões sobre Cuba. Em 2008, a Sociedade Interamericana
de Imprensa (citada por BOTÍN, 2009) denunciou a situação de jornalistas independentes de
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Cuba e exigiu a libertação incondicional dos jornalistas cubanos presos e o reconhecimento
governamental do exercício independente da profissão de jornalista. São iniciativas como esta
que podem garantir que no futuro exista liberdade de imprensa no país e que, assim, a população
de Cuba tenha acesso à informação e possa construir a sua própria opinião sobre os fatos.
REFERÊNCIAS
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_____. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1988.
BROFMAN, Julia. O cotidiano cubano visto sob duas óticas – análise do jornal granma e do blog
generación Y. Porto Alegre: PUCRS, 2010.
BOTÍN, Vicente. Los funerales de Castro. Barcelona: Editorial Ariel S.A., 2009.
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_____. Sem fanfarras, porém sem resultados. Generación Y. Traduzido por Humberto Sisley
de Souza Neto, 26 jul. 2010. Disponível em:
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SEIXAS, Lia da Fonseca. Uma proposta para a noção de gêneros jornalísticos. Disponível
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TEIXEIRA, Duda. As três mentiras de Cuba. Veja. São Paulo, 7 out. 2009. Disponível em:
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U.S. State Department. Background Note: Cuba. Washington, 25 mar. 2010. Disponível em:
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Telecomunicações, 2010. Disponível em: <http://www.itu.int/ITUD/ict/newslog/Cell+Phone+Subscribers+In+Cuba+To+Top+1+Mn+By+Years+End.aspx>
Acesso em: 26 set. 2010.
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Disponível em: http://www.estudantespelaliberdade.com.br/index.php/estudos-pela-liberdade/apresentacao
O CULTIVO DA LIBERDADE EM “A MONTANHA MÁGICA”
52
Kaio Felipe
1
Resumo: Este artigo discutirá a questão da Liberdade a partir do romance “A Montanha Mágica”, de Thomas
Mann. Para isso, procurará demonstrar como as concepções sobre “o que é ser livre” defendidas pelos três
personagens principais (Hans Castorp, Settembrini e Naphta) podem ser comparadas às perspectivas de cinco
autores da Filosofia Moral e Política: Berlin, Mill, Arendt, Nietzsche e Humboldt. Por fim, a partir das noções de
Bildung e Bildungsroman, procurará explicitar o Humanismo defendido por Mann ao longo da obra, e como a
ênfase nessa visão de mundo se relaciona com o contexto histórico e político do autor.
Palavras-chave: Liberdade, Bildung, Formação, Ética, Modernidade.
“O homem não vive somente a sua vida individual; consciente ou inconscientemente
participa também da vida de sua época e dos seus contemporâneos.”
(Thomas Mann)
A Chegada: propósitos e objetivos
Publicado em 1924, o romance “A Montanha Mágica” tem como protagonista Hans Castorp,
jovem engenheiro de temperamento paisano que, em visita ao primo enfermo em um
sanatório nos Alpes suíços, recebeu o castigo (ou dádiva?) de passar vários anos de sua vida
no local, após descobrir que tem tuberculose. Ao longo de sua estadia, ele aprende mais sobre
si mesmo e o mundo à sua volta. Segundo o próprio Thomas Mann, ele é um personagem
medíocre, sem qualidades distintas ou qualquer atributo de especial. Porém, sua mediocridade
não se refere à inteligência ou personalidade, mas simplesmente aos impedimentos de seu
contexto histórico e social. Nas palavras do narrador:
O indivíduo pode visar numerosos objetivos pessoais, finalidades, esperanças,
perspectivas, que lhe dêem o impulso para grandes esforços e elevadas atividades;
mas quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo (...) carece
1
Kaio Felipe é estudante de graduação em Ciência Política (6º semestre) pela Universidade de Brasília.
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no fundo de esperanças e perspectivas, quando se lhe revela como desesperador,
desorientado e falto de saída, e responde com um silêncio vazio à pergunta que se faz
consciente ou inconscientemente (...) pelo sentido supremo (...), toda atividade e de
todo esforço – então se tornará inevitável, justamente entre as naturezas mais retas, o
efeito paralisador desse estado de coisas, e esse efeito será capaz de ir além do
domínio da alma e da moral, e de afetar a própria parte física e orgânica do
indivíduo.” (Mann, 2000, p. 47-48)
Este romance, por mais épico que seja, tem como “herói” um personagem que tem
poucos atributos (força, coragem, ímpeto...) de alguém tido como “heróico”. Esta é a 1ª de
várias paródias angustiantes que Thomas Mann fará ao longo de “A Montanha Mágica”, uma
obra que, assim como a I Guerra Mundial (acontecimento que a inspirou), combina tradição e
modernidade; situa-se entre a Belle Époque que estava sendo sepultada e os Tempos
Sombrios que emergiam das trincheiras.
Este artigo se propõe a discutir como “A Montanha Mágica” pode iluminar a
compreensão do conceito de Liberdade. Esta é um dos temas centrais do livro, presente tanto
nas perspectivas de personagens importantes como Settembrini (literato de idéias liberais e
iluministas) e Naphta (jesuíta com posições radicais e niilistas) quanto nas reflexões
suscitadas no decorrer da trama, inclusive em seu desfecho bélico. Portanto, este romance será
tanto fonte quanto objeto de estudo deste texto; pretendemos demonstrar a relevância do
Humanismo2, visão de mundo recorrente neste livro, como chave de compreensão do mundo
moderno – e da própria liberdade.
Nosso pressuposto é o fato de a Literatura ser fonte rica de conhecimento social e
humano, constituindo “um saber acerca das motivações, sentimentos e paixões dos seres
humanos, cujo valor cognitivo se coloca acima da dúvida sensata” (Gusmão, 2007, p. 251).
Podemos pensar a Política por meio da Arte, na medida em que o artista possui a capacidade
de “expressar poeticamente a sua sociedade” (Chaia, 2007, p. 13).
Destarte, defendemos que muitas das mais valiosas descrições e análises sobre temas
políticos estão presentes em autores como Goethe, Dostoiévski, Thoreau e o próprio Mann,
autor reconhecidamente dotado de vasta formação cultural e filosófica.
2
Entendemos Humanismo como a filosofia moral voltada para a excelência e a dignidade humanas. Seguimos a
perspectiva cara ao Renascimento: o homem como centro do pensamento filosófico (antropocentrismo).
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A Teoria Política – e a Ciência Política em geral – têm muito a ganhar caso se abram
às possibilidades trazidas por fontes de conhecimento que prezam pela reflexão humanística
do senso comum, ao invés de se ater a modas acadêmicas como a (suposta) sofisticação e
rigor no uso de conceitos herméticos advindos de abordagens que vão desde o positivismo até
o pós-estruturalismo 3.
Quanto à estrutura do artigo, faremos o seguinte trajeto: primeiro, apresentaremos os
conceitos de Liberdade para cinco autores da Filosofia Moral e da Teoria Política; depois,
definiremos “Bildung” e “Bildungsroman”, demonstrando como são decisivos para se
compreender a visão de mundo apresentada por Mann; em seguida, procuraremos ecos das
concepções de Liberdade apresentadas nos três personagens principais de “A Montanha
Mágica”.
Operationes Spirituales: Cinco Conceitos de Liberdade
Cinco concepções de liberdade serão importantes para o desenvolvimento do artigo. A
primeira é de Isaiah Berlin, que em “Dois Conceitos de Liberdade” apresenta uma distinção
entre “liberdade positiva” e “liberdade negativa”. Ela é clara o suficiente para facilitar nossa
compreensão da diferença entre a liberdade em suas expressões cívicas e explicitamente
políticas e as dimensões mais privadas e individuais.
Em suma, liberdade positiva consiste em “ser-se amo e senhor de si mesmo”; ou seja,
“a auto-realização, ou auto-identificação com um princípio ou ideal específicos.” (Berlin,
1981, p. 142-145) Já a liberdade negativa significa estar livre de coerção, partindo do
princípio de que o indivíduo tem o desejo de não sofrer imposições sobre sua privacidade.
A segunda visão é a de Stuart Mill, que eternizou uma concepção intimista da
liberdade, definindo-a como “buscar seu próprio bem à sua própria maneira” (Mill, 2003, p.
72), pois sobre o seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano. Além disso, o
estabelecimento de limites às ações dos outros é importante para que as ações de uns não
constranjam o comportamento dos demais. Percebemos, assim, que em “On Liberty” este
3
Referimo-nos, por exemplo, à apropriação, nas ciências sociais, de conceitos e posições defendidas pelos filósofos
intitulados “pós-modernos”. Para maiores detalhes, recomendamos: Alan Sokal e Jean Bricmont, “Imposturas
Intelectuais”, Rio de Janeiro: Record, 2006.
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autor defende a liberdade negativa, pois enfatiza o direito do indivíduo de não ser coagido,
mesmo quando é minoria.4
Por sua vez, Hannah Arendt discordaria de Mill, alegando que considerar a liberdade
como própria do domínio da consciência é fruto de uma perda da liberdade política; afinal, as
origens dessa visão remontam à alienação dos anos de decadência do Império Romano. Para a
autora, “o homem nada saberia da liberdade interior se não tivesse antes experimentado a
condição de estar livre como uma realidade (...) tangível” (Arendt, 1972, p. 194). Ela propõe
uma concepção mais cívica e ativa e menos individualista da liberdade; aproxima-se, assim,
da vertente positiva da dicotomia de Berlin. Segundo Arendt, a liberdade é inerente à ação
humana, sendo interdependente, e não oposta, à política.
A quarta perspectiva, de Friedrich Nietzsche, contrasta tanto com o individualismo
liberal de Mill quanto com o viés mais republicano de Arendt. Para ele, a liberdade é, acima
de tudo, vontade de poder; em outras palavras, ela é expressão de nossos instintos, uma
rejeição da abnegação e da auto-renúncia. Elitista, Nietzsche critica a “igualdade de direitos”
propagada pela moral cristã e burguesa; considera-a antinatural. Para ele, “independência é
algo para bem poucos – é prerrogativa dos fortes” (Nietzsche, 2005, p. 34). Portanto, ser livre
é se emancipar de tudo o que nos restringe; é afirmar o impulso pela independência, pela
“vida”.
Por último, há uma concepção seminal para o Liberalismo Alemão, sendo também
aquela que mais se aproxima da apresentada pelo próprio Mann. Em “Os Limites da Ação do
Estado”, Wilhelm von Humboldt define liberdade como “a possibilidade de uma atividade
variada e indefinida” (Humboldt, 2004, p. 133); é ela que nos permite a espontaneidade e o
pleno aprimoramento pessoal.
A individualidade deve se combinar à “variedade de situações”, já que a sensibilidade
humana necessita da pluralidade; a liberdade é uma “indispensável condição que semelhante
desenvolvimento pressupõe.” (Ibidem, p. 143). Trocando em miúdos, o cultivo da
individualidade e da pluralidade permite o florescimento da personalidade.
4
Em outras obras, como “Considerations on Representative Government”, Mill enfatiza mais a liberdade política e
de ação, afastando-se do tom individualista (talvez em razão do próprio tema) de “On Liberty”.
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Bildungsroman: o romance como formação cultural e humanística
Outro conceito importante, também presente em Humboldt, é o de “Bildung”. Ela é “a
formação para a autonomia, que não pode ser transmitida como os conteúdos propriamente
educacionais” (Fontanella, 2000, p. 17). Análoga à “Paidéia” grega5, tal formação ampla
consiste na “realização de uma individualidade nutrida pela diversidade da experiência”
(Humboldt, 2004, p. 76).
56
Para Humboldt, “a verdadeira finalidade do Homem (...) é a da formação a mais alta e
harmoniosa possível de suas forças em direção a uma totalidade completa e consistente”
(Idem, p. 143). Com isso, ele “exprimiu um tema liberal profundamente sentido: a
preocupação humanista de formação da personalidade e aperfeiçoamento pessoal. Educar a
liberdade, e libertar para educar – esta era a idéia da Bildung, a contribuição goethiana de
Humboldt à filosofia moral” (Merquior, 1991, p. 31).
Podemos elencar outros pensadores alemães para esta discussão. O diálogo entre os
artistas Johann von Goethe e Friedrich Schiller foi fundamental para a disseminação do ideal
da Bildung. A amizade entre eles foi decisiva não apenas para consolidar o Classicismo
alemão, mas também para apresentar, em termos literários, o que seria este “auto-cultivo”.
Seguindo tal linha de raciocínio, entendemos o “Bildungsroman” como “o gênero de
romance que se foca no desenvolvimento psicológico e moral do protagonista, da infância à
fase adulta” 6. Dentre vários exemplos de romances de formação, destacaremos a obra
fundadora do gênero, do próprio Goethe: “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister”
(1796), cujo protagonista, erudito, ambicioso e movido por idéias estéticas, chega a participar
de uma companhia de teatro.7
A importância deste estilo literário é considerável, pois recupera elementos do gênero
épico (a própria idéia da “saga” pela o protagonista passa), combinando-o com o lírico, ao
mesclar o caráter autobiográfico com o retrato de uma sociedade. Além disso, o
Bildungsroman envolve simultaneamente preocupações com a ética (os valores adequados
para o pleno desenvolvimento humano) e com a estética (a apreciação daquilo que é belo e/ou
sublime).
5
“Paidéia” grega era o processo educacional de ampla formação cultural e intelectual dos jovens na Grécia Antiga.
Fonte da citação: http://andromeda.rutgers.edu/~jlynch/Terms/bildungsroman.html
7
Outros exemplos famosos de Bildungsroman são: “O Retrato do Artista quando Jovem “(James Joyce, 1914),
“Siddharta” (Hermann Hesse, 1922) e “Laranja Mecânica” (Anthony Burgess, 1962)
6
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“A Montanha Mágica” possui várias características de um “bildungsroman”. Em
primeiro lugar, o caráter pedagógico, pois o protagonista, ao longo de sua trajetória, apreende
ao máximo a experiência humana: o amor, a ciência, a política, a arte, a filosofia, a fé e o
próprio tempo. Hans Castorp entra em contato com toda a cultura em relação à qual pouco se
importara até então. Além disso, ele integra-se aos hábitos e costumes daquela sociedade ao
longo da trama.8
Porém, Thomas Mann também traz um debate sobre a Modernidade, com as várias
correntes, apologéticas e críticas, confrontando-se ao longo da obra, em uma verdadeira Torre
de Babel filosófica. O escritor demonstrava grande interesse pelas obras de Nietzsche e
Schopenhauer, e construiu situações e personagens nos quais são fundamentais as idéias
centrais de ambos os pensadores, como o embate entre “espírito” e “vida” e a crítica aos
limites da razão humana.
Além disso, “A Montanha Mágica” é o romance “em que se pretende representar o
declínio fatal da civilização alemã e européia do século XIX rumo à Primeira Guerra Mundial,
o naufrágio de seu ideal de cultura.” (Fontanella, 2000, p. 8) Mann, durante a maior parte da
guerra, assumiu posições conservadoras e de não-engajamento – vide as suas polêmicas
“Reflexões de um Apolítico”. Sua visão contrastava com a de seu próprio irmão, o ativista
socialista Heinrich Mann. Porém, nos últimos meses do conflito, ele desiludiu-se com os
rumos de seu próprio país – e da Europa em geral -, e iniciou uma transição ideológica para o
social-liberalismo. “A Montanha Mágica” é um registro dos primórdios da mudança de visão
de mundo de seu autor.
Assim como este romance se enquadra na categoria de “Bildungsroman”, também
podemos afirmar que Mann foi um “prototípico intelectual da Bildung” - mesmo quando suas
posições ideológicas mudaram e ele passou a defender a “politização do espírito” e “a
consideração simultânea dos dois lados da liberdade: a pessoal e a política” (Souza, 2000, p.
150).
Quanto ao caráter pedagógico e filosófico deste livro, podemos visualizar alguns dos
conceitos já discutidos no trecho a seguir. O narrador trata do “placet experiri”, que é a
8
Um gesto singelo, mas simbólico para indicar a mudança de Castorp é quando, depois de alguns anos morando
em Davos-Platz, ele finalmente pára de consumir charutos importados (atitude tipicamente burguesa) e começa a
comprar os comerciados localmente.
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preocupação em aprender e descobrir mais sobre si mesmo e sobre a realidade de uma forma
lúdica e empírica:
“Hans Castorp pressentia, (...) com absoluta nitidez, que essas experiências, fosse
qual fosse o rumo que tomassem, não poderiam levar a um fim não insípido, não
incompreensível, não desprovido de dignidade humana. Assim ardia por fazê-la. (...)
O princípio do placet experiri (...) continuava arraigado em Hans Castorp. Aos poucos
coincidia a sua ética com a sua curiosidade, o que, na verdade, sempre fizera; com
essa mesma curiosidade irrestrita, própria de um viageiro ávido de formação, que, ao
saborear o mistério da personalidade, talvez já se achasse próxima do domínio que
agora se lhe deparava...” (Mann, 2000, p. 904-905)
Esta reflexão nos remete à carta em que o dramaturgo Schiller discorreu sobre o
impulso experimental que caracteriza a liberdade humana: “o homem joga somente quando é
homem no pleno sentido da palavra, e somente é pleno quando joga” (Schiller, 2002, p. 80).9
Settembrini, o pedagogo iluminista
Lodovico Settembrini: eis um personagem paradoxal. O mesmo homem que diz que "a
liberdade é a lei do amor humano, e não o niilismo e a maldade” (Mann, 2000, p. 514) é
aquele que exorta a guerra em defesa dos valores e instituições ocidentais, julgando ser
“necessário ferir o princípio asiático, o princípio servil da inércia” (Ibidem, p. 214).
Democrata, liberal e republicano, ele tenta ser um pedagogo para o franzino Hans Castorp, a
quem chama de “filho enfermiço da vida”.
Este italiano, uma paródia ao cosmopolitismo de alguns dos intelectuais europeus, encarna o
ideal da “civilização”, opondo-se à preferência pela “cultura” por seu rival, Leo Naphta (como
veremos adiante). Settembrini, em outra dicotomia, defende o espírito em relação à natureza.
Podemos entendê-lo como a versão otimista do Humanismo, ou seja, como partidário da
exaltação das realizações do espírito humano. Vejamos o que ele nos diz no seguinte trecho:
“Humanista? Claro que o sou! (...) Represento o Classicismo contra o Romantismo.
(...) Não ignoro que, dentro da antítese de corpo e espírito, o primeiro representa o
princípio mau e diabólico; pois o corpo é natureza, e a natureza – repito que se trata da
sua oposição ao espírito, à razão – é má; mística e má! (...) Indiscutivelmente sou
humanista, por ser amigo do homem, como o era Prometeu, um enamorado da
9
Entendemos “jogo” como a contemplação estética que se situa entre as capacidades sensíveis e racionais do
homem; é o estado intermediário em que o homem se abre a todas as possibilidades, ainda sem operar juízos.
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humanidade e da sua nobreza. Mas essa nobreza acha-se encerrada no espírito, na
razão...” (Ibid., p. 340-341)
Agora, podemos delinear a sua crença veemente no progresso, típica do movimento
intelectual do século XVIII que foi decisivo para o Ocidente: o Iluminismo. O lema do
mesmo, “conhecer para prescrever”, é recorrente na retórica de Settembrini; ele identifica-se
com o ideal de, por meio da razão, libertar a ação humana das forças naturais, estabelecendo
regras de conduta para que esta transformação seja contínua e ininterrupta. Não seria exagero
considerá-lo como uma metáfora do ímpeto evolucionista do pensamento político moderno.
Percebemos semelhanças de suas concepções de liberdade com aquelas expressas por
Stuart Mill e Hannah Arendt. Settembrini, assim como o primeiro, valoriza a liberdade
individual, julgando-a imprescindível ao aperfeiçoamento humano. Porém, ele também
concordaria com Arendt quanto à importância da virtude cívica, no sentido de o ser humano
ser livre para alterar a sua realidade, inclusive por meio da ação política.10
Vejamos as palavras do próprio personagem, diante das provocações de Naphta quanto
ao legado do Renascimento e do Estado moderno:
“Protesto contra a insinuação de que o Estado moderno signifique a servidão diabólica
do indivíduo! (...) A democracia não tem outro sentido a não ser o de um corretivo
individualista de toda forma de absolutismo do Estado. A verdade e a justiça são as
jóias da coroa da ética individual, e no caso de um conflito com os interesses estatais
talvez até assumam a aparência de potências inimigas do Estado, posto que, em
realidade, visem ao seu bem superior, ao bem supraterreno. (...) As conquistas –
emprego essa palavra no sentido literal! –, as conquistas do Renascimento e do Século
das Luzes, meu caro senhor, chamam-se personalidade, direitos do homem,
liberdade!” (Ibid., p. 544)
Settembrini é membro da “Liga Internacional para a Organização do Progresso”, que é
mais um deboche de Thomas Mann aos exageros humanitários da intelectualidade européia.
Esta Liga visa a suprimir o sofrimento humano, e uma de suas empreitadas é a confecção de
uma Enciclopédia que contenha tais “profilaxias”. Por estar enfermo, ele não pode ir às
reuniões da organização; por isso, sua tarefa é preparar, para esta Enciclopédia, um volume
sobre como as belas-letras podem contribuir na eliminação de todo sofrimento padecido pela
humanidade.
10
Aliás, Settembrini muito se orgulha do ativismo de seu avô, que era “carbonário” e foi panfletário no processo
político que levou à unificação da Itália, décadas antes.
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É importante ressaltar que o pensamento de Lodovico Settembrini é repleto de
ambiguidades. Sua defesa apaixonada da liberdade de consciência coexiste com uma
argumentação dogmática e intransigente em prol da “civilização”. Ao mesmo tempo em que
tenta ser o Virgílio para o Dante11 que vê em Hans Castorp, ele mesmo é uma pessoa que não
realiza plenamente aquilo que defende; de outro modo, não estaria “preso” no sanatório. Além
disso, sua fé no potencial humano, ao se desligar de qualquer religiosidade ou espiritualidade,
aos olhos de Mann se torna satânica, demoníaca; não por acaso, o capítulo em que Settembrini
é introduzido na trama chama-se “Satã”. Muitas vezes, parece que este “beletrista” possui um
individualismo arrogante e hipócrita.
No fundo, o personagem é um acerto de contas de Thomas Mann com seu irmão
Heinrich. Ambos encarnam o “homem literato da Civilização”, que acredita na razão, no
progresso e no Iluminismo; louvam a Revolução Francesa e, no final das contas, também são
favoráveis ao imperialismo da civilização européia. Mann preocupa-se com os excessos desse
universalismo ocidental, pois ele minimiza os elementos nacionais, culturais ou mesmo
comunitários (Dumont, 1994). Porém, tanto em relação ao personagem italiano quanto com
Heinrich Mann, a postura do autor é a mesma: o que ele condena neles não é o
cosmopolitismo em si, mas a sua predominância, quase exclusiva, em detrimento do
componente “alemão”, da tradição.
Naphta, o revolucionário conservador
Um dos personagens mais soturnos de “A Montanha Mágica”, Leo Naphta é de
origem judia, e nasceu no interior da Alemanha. Seu pai, fanático religioso, caiu em desgraça
por sua “irregularidade sectária”, e foi cruelmente assassinado por populares. Esta experiência
marcou a vida de Naphta, que passou sua adolescência absorvido em angústias intelectuais,
“formando o seu espírito de modo impaciente e descontrolado” (Mann, 2000, p. 603).
Finalmente encontrou seu lugar no mundo quando se converteu à Companhia dos Jesuítas.
Segundo o narrador, “Naphta tinha um instinto ao mesmo tempo revolucionário e
aristocrático; era socialista e também dominado pelo sonho de participar de uma forma de
vida soberba, distinta, exclusiva e ordenada” (Ibidem, p. 605).12 Destaca-se pelos constantes e
11
Em “A Divina Comédia” (Dante Alighieri), o narrador é guiado pelo poeta romano Virgílio, a quem admirava,
durante sua travessia do Inferno, Purgatório e Paraíso.
12
A propósito, Naphta provavelmente é inspirado no marxista Georg Lukács – o qual, contudo, admirava
Thomas Mann. Em “O Marxismo Ocidental” (1987), José Guilherme Merquior alega que “o retrato mais
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intensos embates intelectuais travados com Settembrini; é uma rivalidade que começa cortês,
mas que, como veremos adiante, se torna literalmente mortal. Dotado de uma retórica
perigosamente refinada, Naphta muitas vezes apela para o relativismo cognitivo, dizendo que
“verdadeiro é o que convém ao homem”, pois o homem “representa a medida das coisas, e
sua salvação é o critério da verdade” (Ibid., p. 543).
Em uma tentativa de defini-lo ideologicamente, o narrador nos diz que Naphta “talvez
fosse tão revolucionário quanto o Sr. Settembrini, mas o era no sentido conservador, como
revolucionário do conservantismo.” (p. 627) Isso ajuda a ilustrar o seu conceito de liberdade,
pois ele evoca um tom hierárquico e impulsivo que lembra o de Nietzsche. Em sua ênfase na
“vontade de poder”, ambos se notabilizam pela “rebeldia aristocrática”, por meio da qual
fazem críticas ferozes à Modernidade, em defesa da grandeza humana presente em épocas
anteriores: o cristianismo da Idade Média (Naphta) e os gregos pré-socráticos (Nietzsche).
Por outro lado, ambos estão em diâmetros opostos quanto à “renúncia a si próprio”.
Enquanto Naphta a defenderia com veemência, considerando-a indispensável para a
autoridade absoluta que almeja, o filósofo alemão, como vimos, prega o espírito livre e rejeita
a abnegação, associando esta a uma subserviente “moral de animal de rebanho” (Nietzsche,
2005, p. 89).
Naphta exalta a vida, enquanto expressão máxima da “cultura”; assim como o próprio
Mann antes da desilusão da I Guerra, ele recusa aquilo que os demais povos da Europa
chamam de “liberdade” (Dumont, 1994, p. 54). Dos dois ideais alemães de liberdade (holismo
comunitário e individualismo auto-cultivado), Naphta rejeita o individualismo cultural da
Bildung, mas defende a visão coletivista; ou seja, uma livre dedicação do “eu” ao “todo”
(Ibidem, p. 47). Mann, depois de sua transição ideológica, criticaria este primeiro conceito
alemão de Liberdade, presente já em Lutero, pois ele despreza a liberdade política e acentua
apenas “o direito de ser alemão, só alemão e nada além disso.” (Rosenfeld, 1994, p. 140)
Esta tese de que só é possível ser livre no seio da coletividade – e que essa liberdade é interior
– aparece, por exemplo, quando Naphta alega que “a liberdade era um conceito do
Romantismo antes do que da Época das Luzes, pois com aquele tinha em comum o
conhecido de Lukács (...) é um fascinante, mas pouco simpático personagem da Montanha Mágica (...) de
Thomas Mann – Naphta, o jesuíta vermelho, um intelecto sequioso de autoridade” (p. 136).
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entrelaçamento inextricável dos impulsos de expansão coletiva e do ensimesmamento
apaixonadamente individualístico” (Idem, p. 957).
Esta submissão do indivíduo à coletividade pregada por Naphta ganha ares de missão
política quando ele, em mais uma demonstração afiada de retórica, coloca o socialismo como
a última expressão da fé crista:
“A ditadura do proletariado (...) tem o sentido (...) de uma ab-rogação temporária do
conflito entre o espírito e o poder sob o signo da cruz, o sentido de se triunfar sobre o
mundo dominando-o, (...) o sentido do Reino. (...) O proletariado retomou a obra de
Gregório; sente arder no seu íntimo o zelo piedoso do grande papa e, como ele,
tampouco poderá impedir as suas mãos do derramamento de sangue. Sua incumbência
é espalhar o terror para a salvação do mundo e para a conquista do objetivo da
redenção, que é a relação filial com Deus, sem a interferência do Estado e das
classes.” (Idem, p. 550)
E como Hans Castorp lida com tais visões de mundo? Embora inicialmente ele se
fascine por tais idéias baseadas na ânsia por absoluto, por Ordem (afinal, ele próprio tinha
uma índole conservadora), não demora muito para que o “filho enfermiço da vida” perceba as
conseqüências niilistas e destrutivas da ideologia pregada por Naphta.
O Amadurecimento de Castorp
Se, como vimos, a “Bildung” é o cultivo e desenvolvimento da personalidade
individual, então é indispensável investigá-la no próprio protagonista. No decorrer da trama,
Hans Castorp evolui bastante, justamente porque não tem medo dos próprios limites. Segundo
Fritz Kaufmann, ele é capaz de criar a si mesmo, usando conscientemente dos materiais de
seu mundo, apelando a seus instintos sobre a natureza humana e, acima de tudo tendo “a
coragem moral para sentir a luxúria da morte e da eternidade e ainda assim decidir pelo futuro
da vida” (Kaufmann, 1973, p. 98).
Uma passagem decisiva da obra que corrobora tal argumento é quando Castorp resiste
sozinho a uma tempestade de neve, encontrando forças para não se entregar aos delírios e
devaneios que o acometiam: “Em consideração à bondade e ao amor, o homem não deve
conceder à morte nenhum poder sobre os seus pensamentos” (Mann, 2000, p. 678).
Além disso, Hans Castorp experimenta e reflete sobre as mais diversas formas de
liberdade. Assim como Settembrini, dedica-se aos estudos, adquirindo conhecimentos sobre
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Botânica e Astronomia. Movido por um sentimento de honra diante da morte, adquiriu o
costume de visitar pacientes terminais; o italiano certamente não aprovaria tal morbidez, mas
tal atitude agradou a um dos médicos do sanatório, o Dr. Behrens. Às vezes, Castorp também
tentava filosofar, chamando sua empreitada de “regência”. Além disso, desenvolveu uma
paixão avassaladora pela russa Clawdia Chauchat, cujo charme tinha um quê de mortal e
libertino.
O narrador deixa a entender que foi a própria mediocridade de Hans Castorp que o
permitiu usufruir de tantas experiências nos sete anos que passou no sanatório de Berghof.
Afinal, mesmo o homem comum tem o seu quê de genial, quando consegue recombinar as
velhas formas em novas, passando da dissolução à ordem. Em outras palavras, é quando
recusa a covardia inofensiva diante da realidade que o homem mantém a busca pela finalidade
e o sentido da vida. Será, portanto, que prevalecerá o Castorp indolente que vemos no trecho a
seguir?
“Deixavam-no em paz, pouco mais ou menos como se faz com um aluno que goza do
estado singularmente feliz de já não ser examinado nem ter necessidade de trabalhar,
porque a “bomba” é um fato consumado e ninguém mais se preocupa com ele; um tipo
orgiástico de liberdade – digamos isso de passagem, perguntando-nos se a liberdade
pode jamais ter outra natureza que não precisamente esta.” (Idem, p. 973)
Porém, o desfecho do romance recusa tal destino para o personagem. Primeiro, temos
o trágico duelo entre Settembrini e Naphta, que não conseguiam mais resolver
diplomaticamente suas discordâncias. Em mais uma reviravolta dramática, Settembrini atira
para o alto, ficando de peito aberto para o seu rival... e este atira na própria cabeça. É, no
mínimo, sintomático que os dois niilistas de “A Montanha Mágica” (o outro é Mynheer
Peeperkorn, um simpático personagem que foi uma influência decisiva para o lado mais
dionisíaco de Castorp) cometeram suicídio.
No último capítulo, “O Trovão”, o sanatório é acometido por uma notícia devastadora:
estourou a guerra entre as potências européias! Hans Castorp não titubeia e, após se despedir
de seu mestre Settembrini, retorna à planície para lutar no Exército alemão. Por ironia do
destino, ele vai à batalha que seu primo, o militar Joachim Ziemssen, tanto queria ir; mas, este
morreu de tuberculose anos antes. Acima de tudo, a escolha de Castorp soa como se ele saísse
do conforto de sua cidadela interior – que, aliás, não é tão incompatível assim com a noção de
liberdade negativa pregada por Mill –, e retornasse aos desafios do “mundo”, num ato de
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virtude cívica que agradaria a Arendt13 e talvez também a Nietzsche, pois implicaria em
aceitação – e luta – pela vida.
Thomas Mann parece ver um ato de liberdade – mais do que isso, libertação – na
decisão de seu personagem. Ele próprio não tivera a coragem de fazê-lo, alegando que era da
índole do intelectual germânico ser apolítico (Dumont, 1994). Porém, os horrores da I Guerra
lhe mostraram que não se pode fechar os olhos para a destruição do que há de mais nobre no
ser humano: a sua dignidade.
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É nesse sentido que podemos apelar ao Humanismo, pois ele é uma ode à capacidade
do homem de se elevar moralmente, de aprimorar a sua percepção e entendimento da
“dialética bipolar” entre espírito e natureza (Kaufmann, 1973) e, principalmente, de cultivar a
sua personalidade da forma mais completa possível, inclusive pela pluralidade de experiências
(“placet experiri”), o que nos remete a Humboldt. Logo, é correto dizer que “Hans Castorp,
para realizar-se, para fechar o círculo de sua educação humanista, precisa voltar à planície”
(Rosenfeld, 1994, p. 26). Movido por esta preocupação humanística, o autor conclui o seu
romance com a seguinte frase:
“Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor
inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?” (p. 986)
Neste trecho, Mann demonstra uma mescla de melancolia e esperança. Por um lado, o
escritor “percebe que é exatamente o sentido da própria humanidade que se perdeu ali, antes
de qualquer coisa”; resta-lhe narrar “as conseqüências da perda deste sentido básico e
preliminar da própria possibilidade da vida em comum”. Logo, este romance seria “a história
do declínio de uma sociedade, cujos sintomas não estão em outra parte senão no próprio
homem que [a] compõe.”
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Porém, o “Trovão” da guerra também pode ser o início da
redenção pelos erros cometidos. Mann nunca deixou de ter fé no potencial do ser humano; o
amadurecimento do medíocre Hans Castorp é uma prova disso.
Finis Operis: os desafios da Liberdade
Estamos no fim de nossa jornada. Ao longo dela pudemos encontrar em “A Montanha
Mágica” um libelo pela liberdade e pela busca de um sentido existencial; “é lícito
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Por ser ação política, apesar de realizada em uma guerra – lembrando que Arendt dissociava a política da violência.
“Impressões de Leitura – A Montanha Mágica”, de Francisco Escorsim. Fonte da citação:
http://oitocolunas.blogspot.com/2005/05/impresses-de-leitura-montanha-mgica.html
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compreendê-la como um livro escrito contra o niilismo de seu tempo” (Fontanella, 2000, p.
43). A partir dos conceitos de Liberdade e “Bildung”, verificamos a presença deste debate
político e filosófico nos personagens do romance, o que corrobora com nosso pressuposto
sobre a interdependência entre a Arte e a Política; afinal, a obra é uma alegoria da crise moral
que acometeu a Europa, levando-a à trágica I Guerra Mundial.
Foram apresentadas várias possibilidades de se encarar a liberdade: Settembrini
resignou-se a encontrar na atividade intelectual a sua autonomia; Naphta negou até o livrearbítrio, associou liberdade a vontade de poder e, consumido pelo seu vazio existencial, pôs
fim à própria vida; Castorp resolveu sua crise intelectual e espiritual – transcendendo, assim,
sua mediocridade – ao aprender a importância de se acreditar na vida e no amor, mesmo que
para isso tenha tido que lutar (e, ao que parece, morrer) na guerra.
A vida nos compele a fazer escolhas, tomar posições; o homem não é apenas um
campo de batalha, mas o também o objetivo desse conflito, e, no fim, o sujeito que decide
qual caminho tomar (Kaufmann, 1973). É nesse sentido que identificamos a mensagem do
romance como uma espécie de versão pessimista da filosofia do Humanismo. Isso só nos
reforça a convicção, expressa anteriormente, de que há um misto de esperança e melancolia
do autor ao discorrer sobre a liberdade humana de refletir e agir por um mundo melhor.
Sendo assim, Settembrini é o escolhido para proferir a epígrafe deste artigo. Embora
tenha fracassado como pedagogo de Castorp, sua honestidade intelectual e sua genuína
bondade compensam seus problemas e contradições. Não por acaso, diante do duelo
requisitado por Naphta, ele respondeu a seu “discípulo” Hans com tristeza, mas coragem. Se
isso foi uma apologia à “guerra pela paz e pela democracia” (um dos mais famigerados
“pontos de honra” do Ocidente) ou apenas uma defesa do homem fiel aos seus princípios,
cabe ao leitor decidir:
“Quem não é capaz de arriscar a vida, o braço, o sangue na defesa de um ideal não é
digno dele. Em que pese a nossa espiritualização, cumpre sermos homens.” (p. 964)
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